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GRAVEL ISSN 1678-5975 Junho - 2008 V. 6 – nº 1 81-97 Porto Alegre Morfodinâmica Bi-Tridimensional de Praia e Zona de Surfe Intermediária-Dissipativa no Litoral Norte-RS Tabajara L.L.C.A. 1 ; Almeida L.E.S.B. 2 & Martins L.R. 1 1 Centro de Estudos de Geologia Costeira e Oceânica – CECO/IG/UFRGS ([email protected]); 2 Instituto de Pesquisas Hidráulicas – IPH/UFRGS. RESUMO O acompanhamento de nove perfis transversais à praia, eqüidistantes 180 m entre si, durante os anos de 1998 a 2000, permitiu avaliar as variações espaço- temporais das condições topográficas e hidrodinâmicas da praia de Atlântida Sul no litoral Norte do RS. O comportamento oscilatório do parâmetro escalar de surfe (є) caracterizou uma praia intermediária de alta energia, com programação sazonal dirigida por mudanças nas condições das ondas. A migração dos bancos para fora da costa e erosão do perfil de praia ocorreu com ondas acima de 1,9 m e período menor de 8s. A deposição e a construção do perfil da praia processou com vagas (H max 1,7m e T8s) ou ondulações (H max 2 m e T>10s). A forma de dissipação da energia das ondas nos bancos dependeu dos parâmetros da onda e do estágio morfodinâmico antecedente. Após uma seqüência de ciclones extratropicais durante o outono de 1999, o estado morfodinâmico altamente dissipativo progrediu numa seqüência de acresção até o intermediário - Banco e Praia Rítmica, no final do verão. ABSTRACT A two-year monitoring of the space temporal variability in the morphodinamics of 9 (nine) bidimensional beach profiles allowed the quantification of hydrodynamic and morphological parameters that characterize the intermediate-dissipative beaches of northern coast of Rio Grande do Sul, Brazil. Coastline rhytmic changes linked to circulation oblique rip currents and shoal system developed in the surf zone during a typical summer accretion profile. The oscillatory behavior of surf scale parameter (є) in the three-dimensional beach corroborates with morphometric parameters. Temporal beach and shoal changes are governed by change in wave conditions: offshore shoal migration and beach profile erosion occurred when waves were higher than 1.9 m with period shorter than 8s, and deposition of inner shoal and building of beach profile occurred in swell conditions (H 1.8 m and T>10s). The form of dissipation of wave energy along the beach depends on wave parameters and morphodynamic stages of shoals. The restoration sequence of the beach profile after the passage of extra tropical cyclone, during autumn 1999, remained for 10 months. The intermediate shoals govern the sediment rate between the surf zone and the beach (0.5 to 2.3 m 3 m -1 ) until coupling to the internal shoal at the end of summer (stage of shoal and rhythmic beach). Palavras chave: morfodinâmica de praia, bancos, ondas.

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GRAVEL ISSN 1678-5975 Junho - 2008 V. 6 – nº 1 81-97 Porto Alegre

Morfodinâmica Bi-Tridimensional de Praia e Zona de Surfe Intermediária-Dissipativa no Litoral Norte-RS Tabajara L.L.C.A.1; Almeida L.E.S.B.2 & Martins L.R.1 1 Centro de Estudos de Geologia Costeira e Oceânica – CECO/IG/UFRGS ([email protected]); 2 Instituto de Pesquisas Hidráulicas – IPH/UFRGS.

RESUMO

O acompanhamento de nove perfis transversais à praia, eqüidistantes 180 m entre si, durante os anos de 1998 a 2000, permitiu avaliar as variações espaço-temporais das condições topográficas e hidrodinâmicas da praia de Atlântida Sul no litoral Norte do RS. O comportamento oscilatório do parâmetro escalar de surfe (є) caracterizou uma praia intermediária de alta energia, com programação sazonal dirigida por mudanças nas condições das ondas.

A migração dos bancos para fora da costa e erosão do perfil de praia ocorreu com ondas acima de 1,9 m e período menor de 8s. A deposição e a construção do perfil da praia processou com vagas (Hmax ≤ 1,7m e T≥8s) ou ondulações (Hmax ≤ 2 m e T>10s). A forma de dissipação da energia das ondas nos bancos dependeu dos parâmetros da onda e do estágio morfodinâmico antecedente.

Após uma seqüência de ciclones extratropicais durante o outono de 1999, o estado morfodinâmico altamente dissipativo progrediu numa seqüência de acresção até o intermediário - Banco e Praia Rítmica, no final do verão.

ABSTRACT

A two-year monitoring of the space temporal variability in the morphodinamics of 9 (nine) bidimensional beach profiles allowed the quantification of hydrodynamic and morphological parameters that characterize the intermediate-dissipative beaches of northern coast of Rio Grande do Sul, Brazil. Coastline rhytmic changes linked to circulation oblique rip currents and shoal system developed in the surf zone during a typical summer accretion profile. The oscillatory behavior of surf scale parameter (є) in the three-dimensional beach corroborates with morphometric parameters.

Temporal beach and shoal changes are governed by change in wave conditions: offshore shoal migration and beach profile erosion occurred when waves were higher than 1.9 m with period shorter than 8s, and deposition of inner shoal and building of beach profile occurred in swell conditions (H ≤ 1.8 m and T>10s). The form of dissipation of wave energy along the beach depends on wave parameters and morphodynamic stages of shoals. The restoration sequence of the beach profile after the passage of extra tropical cyclone, during autumn 1999, remained for 10 months.

The intermediate shoals govern the sediment rate between the surf zone and the beach (0.5 to 2.3 m3 m-1) until coupling to the internal shoal at the end of summer (stage of shoal and rhythmic beach).

Palavras chave: morfodinâmica de praia, bancos, ondas.

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INTRODUÇÃO A necessidade de solucionar uma gama de

problemas ambientais de origem antrópica e natural envolvendo as praias arenosas oceânicas tem propiciado o desenvolvimento de modelos cada vez mais preditivos e de aplicação global, que definem as condições ambientais de ocorrência dos estados morfodinâmicos de praias. O ajuste mútuo entre a topografia e a dinâmica dos fluídos (ondas, marés e correntes) envolvidos no transporte de sedimentos define o termo morfodinâmica (Wright & Thom, 1977). Este processo de retro-alimentação é essencial na dinâmica costeira, pois pressupõe que morfologias praiais antecedentes interfiram na hidrodinâmica da zona de surfe, e esta, ao transportar sedimentos, produza também mudanças na morfologia.

Praias de micromarés, dominadas por ondas, podem ser classificadas usando três parâmetros – altura de onda, período de onda e tamanho do grão (definido pela velocidade de queda do grão, Ws). Os primeiros modelos seqüenciais de variação praial foram baseados na classificação quantitativa dos sistemas praias segundo o parâmetro escalar de surfe (є), definidos por Guza & Inman (1975). A adoção deste enfoque trouxe a possibilidade de relacionar diretamente os fenômenos da zona de surfe com a morfologia associada, desenvolvendo os estudos no sentido de descrever seqüências morfológicas e também explicar sua ocorrência e formação (Wright & Short, 1984).

As praias do litoral Norte do Estado são de micro-marés, dominadas por ondas, e constituídas por sedimentos arenosos unimodais de tamanho fino, com amplo predomínio da composição quartzosa (95%), Martins (1967); Alvarez et al. (1983); Tomazelli & Villwock (1992). Os eventos de maior energia de onda são originados pelas tempestades oriundas do quadrante SE, sendo comum no inverno a

geração de ondas acima de 3,5 m de altura, Calliari et al. (1998). A profundidade na qual a base da onda mais freqüente (H=1,5 m e T=7s) começa a movimentar os sedimentos (profundidade de fechamento) situa-se em torno de 7,5 m (Almeida et al., 1999).

De acordo com as seqüências morfodinâmicas descritas na literatura (Wrigth & Short, 1984), as praias de areia fina do litoral Norte do Rio Grande do Sul variam entre intermediárias a dissipativas, (Tomazelli e Villwock, 1992; Toldo Jr. et al., 1993; Weschenfelder, 1996). As praias de Torres são do tipo intermediárias em razão das grandes variações verticais observadas no pacote sedimentar por Pivel & Calliari (1998). Mudanças neste padrão geral ao longo da costa Rio-Grandense são devidas a variações granulométricas sob a forma de cascalho biodetrítico e areia quartzosa grossa a média provinda da antepraia (Calliari et al., 2002).

Os estudos morfodinâmicos tradicionalmente são feitos por meio de perfis transversais à praia, usando a mesma base topográfica como referencial de nível. Deste modo, a variação temporal da morfologia bidimensional da praia pode ser comparada e interpretada segundo as condições prevalecentes do mar. Quando a investigação de campo estabelece vários perfis perpendiculares à praia, eqüidistantes entre si têm-se a possibilidade de analisar como variam as condições ambientais ao longo da praia. O presente estudo realiza uma abordagem morfodinâmica da praia tridimensional, e busca entender como variam os parâmetros hidrodinâmicos e morfométricos ao longo da praia subaérea (1,8 km) e nos bancos existentes na zona de surfe da praia de Atlântida Sul, durante os anos de 1998 e 2000. O estudo também analisa os fatores controladores da migração dos bancos de areia na zona de surfe e as suas interações com as ondas.

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Figura 1. Localização da praia de Atlântida Sul no litoral norte do Rio Grande do Sul e mosaico fotográfico da

praia (Data: 04/03/98) com a localização dos perfis de praia 1 a 9. AMOSTRAGENS E ANÁLISES

A morfodinâmica da praia de Atlântida Sul

foi monitorada entre os anos de 1998 e 2000. Inicialmente, foram estabelecidos nove perfis praia–duna consecutivos, espaçados aproximadamente 180 m entre si (Fig. 1). O levantamento do perfil morfológico da duna e do pós-praia obedeceu ao método do nivelamento geométrico, com as medidas horizontais e altimétricas obtidas junto às estacas alinhadas de acordo com as feições mais representativas do terreno. Já o levantamento do perfil da praia subaqüosa foi pelo método da estádia, idealizado por Birkemeier (1981). Todo o programa de nivelamento resultou em um total de 114 perfis de praia.

Os parâmetros morfométricos descritos por Short & Hesp (1982) foram utilizados por serem sensíveis às mudanças e aos tipos de praias. O movimento da linha de costa normal à praia pode ser medido em termos de mobilidade de praia (σ Yb), que por definição é o desvio padrão da posição média da praia (Dolan et al., 1978). Já a mobilidade do pós praia (CV) foi definida por Short & Hesp (1982), como sendo o coeficiente de variação da largura média da praia.

A morfologia da zona de surfe foi monitorada com o uso de um trenó submarino (Fig. 2), descrito por Martins et al. (1998). Os quatro levantamentos (agosto de 1999 a abril de 2000) acompanham um ciclo de recomposição do perfil praial, após eventos de tempestades ciclônicas. Os dados hidrodinâmicos associados

aos perfis topográficos seguiram o Programa de Observação Costeira descrito por Lanfredi & Framiñam (1986), e os registros maregráficos foram tirados de um linígrafo instalado junto às margens do estuário do rio Tramandaí, em Imbé, distante 11 km ao sul.

Praias de micromarés, dominadas por ondas, podem ser classificadas usando três variáveis: altura de onda na rebentação (Hb), período da onda (T) e tamanho do grão (índice definido pela velocidade de queda do grão, Ws), que foram combinadas e definidas como velocidade de queda adimensional por Wright & Short (1984).

Ω = Hb / Ws.T (1)

Quando não existem séries estatísticas

representativas do clima de ondas, o parâmetro dimensionador de surfe (ε) traduz melhor as condições morfodinâmicas antecedentes, por relacionar dados hidrodinâmicos com o gradiente entre a praia e a rebentação. Guza & Inman (1975) demonstraram que as características da onda na arrebentação, o nível de ressonância sobre a costa e o tipo de barras formadas, são dependentes da refletividade ou parâmetro escalar do surfe (ε), dado por:

ε = Hb w² / g tan² ß (2)

onde; Hb = altura da onda na arrebentação, w = freqüência da onda incidente (2 π/ T, T= período), g = aceleração da gravidade, ß = declividade entre a praia/ arrebentação.

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Sunamura & Takeda (1984) desenvolveram um parâmetro similar ao da velocidade de queda adimensional (Ω) para o estudo da migração dos bancos.

K = Hb²/ gT²D50 (3)

onde Hb corresponde a altura da onda na arrebentação, g a aceleração da gravidade, T ao período e D50 à mediana do tamanho dos grãos do sedimento. O transporte sedimentar para fora da costa (K > 20) resulta na erosão da praia (dissipativo), de modo oposto, o transporte em direção à costa (10 < K < 20) causa um perfil de acresção (intermediário), e valores de K < 5, podem indicar ausência de transporte sob condições de ondas com baixa energia.

Short & Aagaard (1993) introduziram o parâmetro de barra (B*) para predizer o número de bancos existentes na zona de surfe, que pode ser aproximado pela declividade do perfil (tanβ) desde a linha de costa até uma profundidade constante à distância xs.

B*= xs / gT² tan ß (4)

Esta equação está alicerçada na premissa de

que as ondas estacionárias de infragravidade são as responsáveis pela formação das barras longitudinais, que estão estreitamente relacionadas às praias do tipo dissipativas, sujeitas a freqüentes ataques por ondas altas e períodos curtos, durante as tempestades, com estabelecimento de baixo gradiente (tanβ) e alargamento da zona de surfe (xs).

Figura 2. Trenó submarino desenvolvido para percorrer o fundo da zona de surfe. Na foto “a” (à esquerda), a vela

metálica do trenó levanta após ser tracionada pelo refluxo do mar. Na foto “b”, o movimento ondulatório contrário derruba a vela metálica e paralisa momentaneamente o deslocamento do trenó em direção ao mar.

MORFODINÂMICA DA PRAIA DE ATLÂNTIDA SUL

O registro de 640 ondas oriundas de

observações sobre o estado do mar no momento dos levantamentos topográficos indica os seguintes parâmetros para as ondas de Atlântida Sul: altura significativa de 1,7 m e período de 9,3 s. Sendo as praias formadas por areias finas (diâmetro médio do grão na zona do estirâncio = 2,36 phi) e com baixa velocidade de queda dos grãos (0,0243 m/s, segundo a tabela de velocidade de queda de partículas de Raudkivi (1990), o transporte de areia induzido por onda é grande, devido a constante turbulência e

ressuspensão de sedimentos nos bancos. Em conseqüência, o valor de ômega (Ω) – Equação 1, situou-se na maioria dos casos dentro do intervalo morfodinâmico dissipativo (Ω = 7,5). Em razão da baixa variabilidade espacial nas características granulométricas, os dados de onda (Hb e T) foram os parâmetros que mais contribuíram para as mudanças temporais no tipo de praia.

Contrastando com os perfis bidimensionais, a morfologia tridimensional da praia de Atlântida Sul manteve-se em equilíbrio dinâmico com as condições hidrodinâmicas prevalecentes de estados intermediários (Tab. 1 e Fig. 3). As inflexões nas curvas batimétricas

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existentes na linha de costa estão conectadas a um padrão oscilatório nos níveis de energia, que resultam em morfologias rítmicas típicas de praias intermediárias. Neste tipo de praia, a circulação na zona de surfe é horizontalmente induzida por bancos e canais submarinos, por onde, respectivamente, as ondas incidentes dissipam as suas energias e as correntes retornam as massas de água para fora da zona de surfe. Os elementos morfodinâmicos da Tabela

1 mostram padrões modais, mas que podem variar ao longo do tempo por influência das correntes e transportes longitudinais à costa. Sendo praias urbanizadas, existe uma forte influência dos sangradouros na morfologia da praia subaérea e no aumento do parâmetro escalar de surfe є (Guza & Inmam, 1975), em razão do rebaixamento do nível de base do pós-praia.

Tabela 1. Média dos parâmetros morfométricos da praia de Atlântida Sul, entre 1998-2000.

PERFIS PRAIA-DUNA

1 2 3 4 5 6 8 9

N 21 22 19 19 14 6 3 10

M 47 47 47 47 45 11 17 43

Є 27 30 28 30 33

Lcd 42 40 50 44 16 0 14,2 29,7

Vcd 167 150 184 164 44 0 34 116

Lpp 53 54 47 49 71 44 68 52

Vpp 79 82 64 62 94 58 87 63

Le 17 19 17 20 18 14,5 16 17,5

m 1:25 1:26 1:25 1:26 1:26 1:23 1:29 1:24

Yb 62 64 57 59 78 51 71 60

Vps 87 91 70 67 98 63 91 82

σVps 14,8 17,0 12,6 12,6 8,6 13,7 22,7 20

Vps/Yb 1,4 1,4 1,2 1,1 1,2 1,2 1,3 1,3

σYb 9,4 12,2 9,6 11,3 12,6 10,2 16,6 9,4

CV(%) 15,2 19,0 17,0 19,1 16,1 19,8 23,3 15,6

Número de perfis (N), meses (M), Escala de

surfe (Є), largura do campo de dunas (Lcd) [m], volume do campo de dunas(Vcd) [m³], largura do pós-praia (Lpp) [m], volume do pós-praia (Vpp) [m³], largura do estirâncio (Le) [m], declividade da zona do estirâncio (m) [1:m], largura da praia subaérea (Yb) [m], volume da praia subaérea (Vps) [m³], desvio padrão do volume da praia (σVps) [m³], razão entre o volume médio e a largura média da praia subaérea (Vps/Yb), mobilidade da praia (σYb) [m], coeficiente de variação da largura da praia (CV) [%].

Condições dissipativas representam o extremo do espectro de praias de alta energia que predominam durante o outono e inverno,

quando aumenta a freqüência e intensidade da passagem das frentes frias e ciclones extratropicais. Durante o período de ondas altas, ocorre desde a erosão da praia subaérea, durante tempestades moderadas, até a formação de escarpas na duna frontal (Tabajara et al., 2004b). São caracterizadas por uma zona de varrido larga e com baixo declive, que pode estender-se desde a zona de maré baixa até o pé da duna frontal (Wrigth et al., 1982). Usualmente, apresentam poucas feições morfológicas, à exceção de marcas de onda e cúspides praiais bem espaçadas situadas próximas aos limites da maré alta.

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Condições intermediárias (ε ≤ 20) de energia moderada ocorrem francamente a partir do mês de novembro até março, quando o transporte de massa tende em direção a costa e a sobreposição de planos de deposição na face da praia

constroem bermas. Com o predomínio dos processos deposicionais, o perfil da praia alarga-se e adquire formas geométricas cada vez mais convexas.

Figura 3. Localização dos perfis praia-duna na área do Programa Piloto de manejo de dunas na praia de

Atlântida Sul. O nível de dissipação da energia da onda incidente na face de praia (ver Tab. 1) é fortemente influenciado pela proximidade dos sangradouros (Perfil 5), embaiamentos de correntes de retorno oblíquas (Perfis 1 e 3) e cones megacúspides (Perfis 2 e 4).

As mudanças morfológicas seqüenciais na

praia subaérea são dirigidas principalmente pelas variações na altura e energia do campo de ondas que controlam as variações temporais do suprimento de sedimentos longitudinais e transversais à praia (Sonu & Van Beek, 1971). A mudança na geometria dos perfis praiais é marcada por etapas que dependem, além das condições da onda, do perfil antecedente. O ciclo de erosão, iniciado no outono, coincide com o aumento da freqüência da ciclogênese no Atlântico Sul Ocidental e atinge um máximo no final do inverno. Nestas condições a morfologia do perfil se modula a um estado ultradissipativo, a linha de costa sofre retração e a praia subaérea torna-se côncava e reduzida (Fig. 4). Com o retorno das condições ambientais favoráveis ao transporte de sedimentos em direção à costa, as

areias voltam a se depositar na face da praia, construindo bermas no estirâncio superior e alargando o pós-praia. Na primavera os ventos do quadrante NE aumentam em freqüência e velocidade (Tomazelli, 1993) e o prisma da maré astronômica torna-se menor (Möller et al., 2001), alargando ainda mais a praia subaérea. Estes fatores, juntamente com o clima mais seco da estação, concorrem para favorecer o suprimento de areia da praia para a duna (Tabajara et al., 2004a). Durante o verão, normalmente ocorre a progradação do sistema de dunas em direção ao mar, quando o perfil de engordamento máximo é atingido e a morfologia do pós-praia torna-se convexa, acompanhando o ajuste morfodinâmico as condições de mais calma hidrodinâmica.

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Figura 4. Seqüência bidimensional de mudanças na praia subaérea de Atlântida Sul (Perfil 1).

Em praias rebaixadas e de relevo monótono

como as do litoral Norte do Rio Grande do Sul, as diferenças laterais nas características morfosedimentares são muito sutis (Fig. 5). Na praia subaérea, as máximas variações verticais nos envelopes dos perfis (1,4 m) estão mais associadas ao estirâncio superior, compartimento mais sensível aos episódios de erosão/deposição, em curto período. No entanto, as maiores variações verticais (1,5 a 2,5 m) ocorreram no compartimento eólico dos perfis 3, 5 e 9, respectivamente, devido à erosão por ondas, preenchimento de duna (manejo) e colapso da vegetação e da duna por deflação eólica.

A forma da praia e o comportamento dos estoques de sedimentos podem nos indicar o tipo de praia e a vulnerabilidade à erosão (Tab. 1). A largura da praia subaérea variou entre 57 a 78 m de acordo com a localização dos perfis em relação aos sangradouros e a processos diferenciados de erosão e deposição da linha de costa. A mobilidade da praia (σYb) variou entre 9,4 e 16,6, e a mobilidade do pós-praia (CV) variou entre 15 e 23% (Tab. 1). Todos os dois índices são moderados característicos de praias

intermediárias (Short, 1999). Valores altos de mobilidade de praia ou pós-praia indicam maior suscetibilidade a episódios de acresção e erosão (Short & Hesp, 1982). Praias mais estreitas (Yb < 60m) e com baixo estoque de sedimentos na praia subaérea (V/Lps ≤ 1,24) estão mais sujeitas a ataques por ondas de tempestades e erosão no sistema de dunas frontais (Tabajara et al., 2004b).

MORFODINÂMICA DOS BANCOS

Morfologia dos bancos e forma de dissipação da energia de ondas

A zona de surfe da praia estudada contém

três bancos bem distintos (2 móveis e 1 fixo), separados entre si por cavas (Tab. 2; Fig. 6). O ponto de quebra move-se em direção à costa ou para fora dela em função da altura das ondas incidentes. Ondas com altura acima de 1,9 m dissipam gradualmente a sua energia na barra externa, alargada e de baixo gradiente (1:8), situada à 300 m de distância da costa e a -3,2 m de profundidade. O tipo de arrebentação deslizante (spilling breaker), característico de

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Figura 5. Envelopes dos perfis praia-duna de Atlântida Sul sobrepostos.

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estágios morfodinâmicos dissipativos (ε > 600) que ocorrem durante as tempestades, quando a zona de surfe é bem mais larga do que em condições de tempo calmo. Ondas com altura moderada (1,3 ≥ Hb ≤ 1,8 m) arrebentam de forma mista (deslizante e/ou mergulhante) na barra intermediária, situada a 162 m da linha de costa em águas menos profundas (-1,9 m). A sua morfologia mais arredondada e de gradiente moderado (1:29) apresenta um corte na face

continental esculpido pelo mergulho da onda sobre o fundo. A barra interna tem característica bem mais reflectiva (ε < 5), com ondas arrebentando de forma mergulhante e totalmente saturadas, após a reforma na cava adjacente. O seu limite terrestre é próximo ao nível médio do mar que, por sua vez, depende do estágio da maré e da elevação provocada pela onda/vento/tempestade.

Tabela 2. Morfologia dos bancos da zona de surfe e forma de dissipação da energia de ondas, em frente ao Perfil 5, dia 25 de janeiro de 2000.

MORFODINÂMICA Banco externo B. intermediário Banco interno

Altura da onda (m) ≥ 1,9 1,3 ≥ Hb < 1,8 < 1,2

Queda adimensional de grãos (Ω) > 9,8 > 6,7 < 5,0

Parâmetro escalar de surfe (є) > 609 34> є < 47 > 2,2

Largura (m) 127 121 105

Distância da crista à costa (m) 300 162 89

Profundidade (m) -3,2 -1,9 1,0

Declividade da face marinha 1:101 1:29 1:8

Tangente B 0,00990 0,03482 0,12063

Ângulo B (º) 0,57 1,99 6,91

Volume (m³/m), acima de -4m 71 187 301

Índice de quebra (γ) 0,62 0,95-0,67 ≤1,2

Tipo de arrebentação deslizante mista mergulhante

A forma de dissipação da energia das ondas

na zona de surfe depende dos parâmetros da onda (altura, período, ângulo de incidência, esbeltez) e do estágio morfodinâmico antecedente dos bancos. Os bancos são pontos de quebra das ondas incidentes sobre a costa e, conforme análise do padrão de dissipação da energia (Tab. 2) observa-se o aumento da refletividade em direção à costa, tanto pela diminuição da altura das ondas como pelo aumento da declividade das barras. O banco externo por ser produzido e mantido por ondulações altas durante episódios de tempestade torna-se inativo e estagnado uma vez cessadas as ondas formativas.

Variação temporal dos bancos O período de monitoramento dos bancos na

zona de surfe acompanhou a restauração do perfil praial, após a incidência de três ciclones extratropicais na costa sul brasileira, durante o outono de 1999. O envelope dos quatro perfis da superfície do fundo da zona de surfe (Fig. 7) reflete mudanças no tipo de praia e nas zonas de estoque sedimentar, desde sistemas dissipativos de inverno até estágios intermediários de mais baixa energia de ondas de verão. O valor do parâmetro de barra (B*) decresce durante o período de engordamento da praia, e a zona de surfe que estava constituída por dois bancos móveis (B* > 50), característica de sistemas dissipativos, transitou para um sistema intermediário de barra única (B* < 50), pela classificação de Short & Aagaard (1993).

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Figura 6. (a) Deslocamento do trenó submarino em planta e (b) perfil do fundo da zona de surfe da praia de

Atlântida Sul durante o lançamento de 25/01/00.

O número e a morfologia dos bancos, bem como as suas distâncias em relação à linha de costa estão em conformidade com o nível de energia de ondas incidentes sobre a costa. Menor número de bancos (B* < 50) está associado a perfis mais inclinados e período de onda mais longo (perfil de abril de 2000). Ao contrário, maior número de bancos, configurando perfis pouco inclinados e mais rasos, têm relação com ondas de infragravidade e ondas de curto período (agosto de 1999).

Em sistemas intermediários, com dois bancos, quando o banco intermediário se funde ao interno, a onda dissipa a sua energia mais próxima à costa e de forma mergulhante, tanto pelo aumento do gradiente da zona de surfe, como pela baixa esbeltez da onda. Esta condição é muito comum no final do verão, quando aumenta a freqüência das ondulações de Sudeste e a topografia do fundo da praia é mais inclinada.

Quando os sedimentos são transportados em direção à costa, ocorre o aumento das declividades na zona de surfe. Os sedimentos inicialmente estocados sob a forma de barras múltiplas longitudinais (Estágio dissipativo de inverno), aproximam-se da costa, alargando

lentamente o banco interno. A partir de novembro, as taxas de deposição no banco interno aumentam de 0,5 m³/m/dia para em torno de 2 m³/m/dia. No final do verão, o banco intermediário crescente se acopla ao banco interno. Neste período de engordamento da praia, o volume total de sedimento transferido da antepraia para o banco interno foi de 322 m³/m.

Migração dos bancos na zona de surfe

O Anexo 1 descreve a resposta

morfodinâmica dos bancos internos e a direção do transporte dos sedimentos na zona de surfe, frente a um amplo espectro de condições de ondas, incidentes na área de estudo entre o levantamento de 25/01/2000 e o seguinte 04/04/2000, segundo a relação proposta por Sunamura & Takeda (1984), Equação 3. Pelo tratamento dos dados de ondas registradas no período em estudo, 26 registros diários indicam condições morfodinâmicas intermediárias ou de acresção (62%), 14 registros indicam condições morfodinâmicas dissipativas ou erosivas (33%) e dois registros indicam ausência de movimento dos bancos (5%).

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Figura 7. Envelope dos perfis sobrepostos da zona de surfe mostrando a reconstrução da praia submarina de

Atlântida Sul (a) e, no mesmo período, as taxas de deposição de areia acrescida ao banco interno e a relação com o aumento da declividade da zona de surfe (b).

A condição de erosão está aliada

principalmente à agitação do mar provocada pela passagem das frentes frias na região, verificadas nos registros entre os dias 13-17 fevereiro e 5-11 de março. Após, o deslocamento do sistema frontal e melhoria do tempo, com a diminuição da esbeltez das ondas, volta a reinar o padrão de onda favorável à deposição e migração dos bancos para a costa.

Pelos registros do Anexo 1, os dois tipos de ondas responsáveis pela construção do perfil praial são: a) vagas produzidas por ventos locais do quadrante ENE, com alturas máximas de até 1,70 m e período ≥ 8s, e b) ondulações provindas de SE, com altura máxima de 2 m e período acima de 10s (observada no dia 19/2/00). Ao contrário, o padrão de ondas responsável pela erosão e migração dos bancos

para fora da costa, é aquele produzido durante as tempestades, ou seja; ondas de grande esbeltez, com alturas acima de 2 m e períodos curto (<8s). DISCUSSÃO

A verificação da praia tridimensional na

escala espacial de 1 km possibilitou observar variações laterais na morfodinâmica, insondáveis na análise restrita aos perfis bidimensionais (Fig. 3; Tab. 1). A morfologia da praia subaérea manteve-se ajustada às conexões morfodinâmicas existentes na zona de surfe, como também a atividade dos sangradouros. Existe um ajuste mútuo da topografia e da dinâmica dos fluídos envolvidos no transporte de sedimentos, próximo a escala espacial de 180 m. Os perfis de praia locados dentro da zona

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dinâmica dos sangradouros (p.ex. o Perfil 5) podem mascarar os estudos, em razão da erosão provocada no pós-praia com interferências na declividade da face da praia e, portanto, no parâmetro escalar de surfe (Equação 2).

Ondas estacionárias de infragravidade tendem a concentrar a sua energia em direção a linha de costa e, por isso, provém uma explicação simples e quantitativa das várias feições morfológicas próximas à costa, incluindo as correntes de retorno e barras longitudinais múltiplas (Aagard & Masselink, 1999). As morfologias rítmicas em praias intermediárias estão vinculadas à presença de ondas marginais modo 3 (edge waves), que são oscilações normais à rampa de inclinação da praia

produzidas por ondas livres que viajam ao longo da praia, sendo aprisionadas próximas à costa devido a refração que impede o seu escape mar afora (Holman, 1983).

A forma e a mobilidade dos perfis de praia bidimensionais da praia de Atlântida Sul dependem das trocas sazonais de sedimentos entre a zona nerítica, zona de surfe e a praia. Todos os trabalhos relatados na bibliografia (Tomazelli & Vilwock, 1992; Toldo Jr. et al., 1993; Calliari & Klein, 1993; Weschenfelder et al., 1996; Coli, 2000) concordam com a existência de perfis morfológicos do tipo inverno-verão como reflexo de um padrão de ondas bisazonal na costa gaúcha.

Figura 8. Vista geral da praia de Atlântida Sul em sistema altamente dissipativo: cúspides praiais restritas ao

pós-praia superior, forte segmentação das dunas pelos sangradouros, dunas frontais escarpadas e esteiras de palhas (sand fence) destruídas por ondas de tempestades. Data da foto: junho de 1999.

A zona de surfe é aquela parte próxima à

costa onde as ondas incidentes quebram e os processos induzidos pela arrebentação dominam o deslocamento do fluído, e, portanto, os processos de transporte de sedimentos. Nesta região a energia da onda de gravidade decai em direção à costa, enquanto que a energia da onda de maior comprimento (infragravidade) aumenta em dominância (Short, 1999). Tanto a rebentação da onda de gravidade, como a amplificação da onda de infragravidade

contribuem para a formação e a morfologia da zona de surfe, incluindo o arranjo dos bancos, cavas e canais. Os bancos são os elementos morfológicos de maior dinâmica na zona de surfe, desenvolvem-se como resultado da convergência de sedimentos e as cavas se formam nas áreas de divergência de sedimentos (Aagaard & Masselink, 1999).

O espectro de onda analisado, segundo o coeficiente adimensional K (Sunamura & Takeda, 1984), indicou qual o padrão de onda

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responsável pela migração dos bancos em direção à costa (K < 20) e, ao contrário, pela erosão e migração dos bancos para fora da costa. Para Toldo Jr. et al. (1999), basta a atuação de ondas com energia igual a 2,6 KW/m (Hb = 0,8 m e T = 10s) para os bancos iniciarem a migração em direção à praia, e com o incremento da energia de onda acima de 4,6 KW/h (Hb > 1,9 m ou T < 6s), os bancos começam a migrar para fora da costa. O Anexo 1 indica a existência de um transporte permanente de areia em direção à costa (62%), somente interrompido em episódios curtos associados às frentes frias.

A migração da barra de volta para a costa é geralmente mais lenta do que a feita para fora da costa, durante as tempestades, pois o nível de energia e a taxa de transporte de sedimentos diminuem (Birkemeier, 1985; Sunamura & Takeda, 1984). No outono de 1999, os perfis de acresção da praia de Atlântida Sul foram totalmente destruídos, com a transferência média de 43 m³/m linear de areia, desde a porção subaérea da praia até a praia submarina (Tabajara et al., 2004b). O movimento de retorno dos bancos em direção à costa, por envolverem muito sedimento na migração, foi mais lento (dez meses), atingindo o máximo (2,2 m³/m/dia) entre janeiro e março de 1999. Este valor é muito próximo ao encontrado por Weschenfelder et al. (1996) para a zona do estirâncio das praias da região.

O banco intermediário e o banco interno respondem mais rapidamente às mudanças nas condições da onda e exibem freqüentes mudanças morfológicas, enquanto que o banco externo, mais lentamente (Birkemeier, 1985; Lippman & Holmann, 1990). A seqüência de acresção da Figura 9 retrata a mobilidade das feições da zona de surfe através de tipos de praia intermediária, de energia moderada. Praia do tipo barra e cava longitudinal (LBT) são freqüentes no Litoral Norte gaúcho. Em períodos de calma hidrodinâmica (verão), a migração de bancos crescentes e rítmicos ao longo da costa pode resultar em sistema de praia e barra rítmica (RBB), quando parte do banco intermediário se acopla ao banco interno a distâncias repetidas. O banco interno, de energia mais baixa, acompanha os contornos rítmicos da costa, alargando-se nas áreas com maior transporte de massa e estreitando-se nos embaiamentos megacúspides (Fig. 9).

CONCLUSÕES Os estudos morfodinâmicos dos bancos e da

praia tridimensional de Atlântida Sul contribuíram para a compreensão das interações onda-praia-dunas, nos seguintes aspectos:

I. A circulação na zona de surfe, em estado intermediário, é freqüentemente dominada por fluxos segregados na horizontal, quando ocorrem gradientes de transformação espacial das ondas ao longo da costa. Diferenças espaciais na troca de sedimentos entre a zona de surfe e a praia (transporte de massa nos bancos e erosão nos embaiamentos) produzem uma topografia rítmica na linha de costa e aumento da refletividade associada a depressões topográficas (setores P1 e P3).

II. As mudanças temporais nas barras e praias são dirigidas por mudanças nas condições das ondas. As de grande esbeltez, altura acima de 1,9 m e período <8s, são responsáveis pela erosão e migração das barras para fora da costa. O padrão de ondas responsável pelo transporte de massas no banco interno (2 a 2,3 m³/m/dia) e construção do perfil praial são de dois tipos: 1) vagas com altura máxima de 1,7 m e período ≥8s, ou b) ondulações de até 2 m e período >10s.

III. Por causa da baixa variabilidade textural, o estado morfodinâmico das praias do litoral Norte depende exclusivamente da classe de onda modal. Existem três tipos de praias mais comuns que se comportam como um espectro continuum dentro de uma seqüência de acresção: desde o extremo de alta energia (dissipativo), mais recorrente durante o outono e inverno; intermediário de alta energia (barras e cavas longitudinais), até o extremo de energia moderada (barras e praias rítmicas), mais freqüente no verão, quando o banco intermediário se acopla ao banco interno.

IV. A forma de dissipação da energia das ondas nas praias depende dos parâmetros da onda (altura, período, esbeltez) e do estágio morfodinâmico antecedente dos bancos. Devido ao decaimento da energia das ondas incidentes em direção à costa, o banco interno freqüentemente é mais refletivo e responde mais rápido às mudanças nas condições hidrodinâmicas.

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Figura 9. Classificação de praias multibarradas, modificado de Short & Aagaard (1993). À direita, fotos aéreas

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ANEXO 1

Data Hsig. Hmax T AI DC DV Ω DM K 27-1-00 2,0 2,0 8,0 110 s-n Se 10,3 offshore 30,3 03-2-00 1,5 1,5 9,0 110 n-s Ne 6,9 onshore 13,5 04-2-00 1,5 1,5 9,2 115 n-s Sw 6,8 onshore 12,9 05-2-00 1,5 1,5 9,0 130 s-n Sw 6,9 onshore 13,5 06-2-00 1,5 1,5 10,2 120 n-s Ne 6,1 onshore 10,5 07-2-00 1,0 1,1 10,0 115 n-s E 4,2 onshore 5,9 08-2-00 1,3 1,4 10,1 110 n-s Ne 5,3 onshore 8,7 09-2-00 1,6 1,7 9,1 110 n-s Ne 7,3 onshore 16,0 11-2-00 1,5 1,5 10,1 120 calmaria 6,1 onshore 10,7 13-2-00 1,6 1,7 8,0 110 n-s Se 8,4 offshore 20,6 15-2-00 2,8 2,8 7,0 145 s-n Se 16,7 offshore 77,7 16-2-00 2,9 3,0 8,2 140 s-n Se 14,7 offshore 62,8 17-2-00 2,2 2,2 9,0 130 s-n E 10,0 offshore 29,0 19-2-00 1,8 2,0 10,1 120 E 7,5 onshore 19,0 20-2-00 1,7 1,7 9,3 120 E 7,4 onshore 16,2 21-2-00 1,4 1,5 10,0 120 variável 5,8 onshore 10,2 22-2-00 1,4 1,4 11,1 140 s-n Sw 5,2 onshore 7,7 24-2-00 0,9 0,9 11,0 130 s-n S 3,4 ausência 3,2 25-2-00 0,8 0,8 10,7 130 s-n E 3,1 ausência 2,7 26-2-00 1,2 1,2 10,4 120 Ne 4,6 onshore 5,9 27-2-00 1,3 1,3 8,0 110 n-s Ne 6,9 onshore 12,8 01-3-00 2,8 2,8 9,6 150 s-n Se 12,0 offshore 41,3 02-3-00 1,7 1,7 9,2 140 s-n Ne 7,6 onshore 16,6 03-3-00 1,9 2,0 8,0 NE n-s Ne 9,9 offshore 30,3 04-3-00 1,6 1,7 9,5 115 n-s Ne 7,0 onshore 14,6 05-3-00 1,8 2,0 8,1 115 n-s E 9,4 offshore 29,6 07-3-00 2,1 2,1 8,6 150 s-n S 10,2 offshore 28,9 08-3-00 2,0 2,1 9,0 145 s-n Se 9,3 offshore 26,4 09-3-00 2,1 2,1 9,5 145 s-n Se 9,2 offshore 23,7 11-3-00 2,2 2,2 9,6 130 s-n Se 9,5 offshore 25,5 12-3-00 1,5 1,6 9,4 140 s-n E 6,7 onshore 13,2 13-3-00 1,7 1,8 8,8 140 s-n E 8,0 onshore 19,2 14-3-00 1,3 1,4 9,2 135 s-n E 5,9 onshore 10,5 16-3-00 2,2 2,3 9,8 105 n-s Ne 9,1 offshore 25,6 18-3-00 1,4 1,4 9,2 140 s-n Sw 6,2 onshore 11,2 19-3-00 1,6 1,7 9,0 140 s-n E 7,5 onshore 16,3 20-3-00 2,1 2,2 8,7 145 s-n E 10,2 offshore 31,0 21-3-00 1,4 1,5 10,2 110 n-s Ne 5,8 onshore 9,8 24-3-00 2,1 2,2 11,0 115 n-s Sw 7,9 onshore 18,5 25-3-00 1,4 1,4 10,5 135 s-n Se 5,4 onshore 8,6 27-3-00 1,6 1,6 8,0 120 n-s Sw 8,2 onshore 19,4 28-3-00 1,1 1,1 10,0 150 s-n Sw 4,7 onshore 5,9

Hsig: altura da onda significativa, Hmax: altura da onda máxima, T: período da onda, AI: ângulo de incidência da onda na praia, DC: direção da corrente, DV: direção do vento, Ω: velocidade de queda adimensional (Wrigth & Short, 1984), DM: direção de migração do banco, K: coeficiente adimensional (Sunamura & Takeda, 1984).