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MORFOLOGIA DOS GRÃOS DE AUSTENITA FORMADOS NO CORDÃO DE SOLDA FEITO PELO PROCESSO DE ARCO SUBMERSO A. A. C. Asselli, M. R. V. de Araújo, R. C. Tokimatsu, W. J. Yamakami, V. A. Ventrella e J. Gallego Caixa Postal 31 – Ilha Solteira, SP – CEP 15.385-000 – [email protected] MAPROTEC - Departamento de Engenharia Mecânica – UNESP/Ilha Solteira RESUMO No presente trabalho foi realizado um estudo sobre a morfologia da estrutura austenítica prévia existente no metal de solda depositado sob diferentes condições de processamento. A soldagem por arco submerso foi realizada sobre chapas de aço estrutural, utilizando-se dois níveis de energia (1 e 3 kJ/mm) e um fluxo ativo comercial. A observação de amostras preparadas em três planos ortogonais distintos, correspondentes às seções transversal, longitudinal e normal em relação a direção de soldagem, permitiu constatar que os antigos contornos de grão da austenita poderiam ser identificados pela presença de ferrita primária com morfologia poligonal (alotriomórfica) ou alinhada (Widmänstatten). Empregando-se microscopia ótica e técnicas de metalografia quantitativa, constatou-se que a forma dos antigos grãos austeníticos pode ser considerada prismática, cujas dimensões variariam de acordo com a seção de corte observada. Assim a seção normal mostrou uma estrutura equiaxial, enquanto nas seções transversal e longitudinal prevaleceu o aspecto colunar. A presença de inclusões no metal de solda foi analisada e houve indícios que estas partículas tenham alguma interferência sobre a estrutura austenítica do metal de solda. Palavras-chave: soldagem arco submerso, austenita, inclusões, metalografia quantitativa, microscopia ótica INTRODUÇÃO As propriedades mecânicas da soldagem estão diretamente relacionadas com a microestrutura formada na poça de fusão. Dependendo da composição química do aço e do processamento a solidificação pode se iniciar pela formação da ferrita delta 17º CBECIMat - Congresso Brasileiro de Engenharia e Ciência dos Materiais, 15 a 19 de Novembro de 2006, Foz do Iguaçu, PR, Brasil. 5306

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A. A. C. Asselli, M. R. V. de Araújo, R. C. Tokimatsu, W. J. Yamakami,

V. A. Ventrella e J. Gallego

Caixa Postal 31 – Ilha Solteira, SP – CEP 15.385-000 – [email protected]

MAPROTEC - Departamento de Engenharia Mecânica – UNESP/Ilha Solteira

RESUMO

No presente trabalho foi realizado um estudo sobre a morfologia da estrutura

austenítica prévia existente no metal de solda depositado sob diferentes condições

de processamento. A soldagem por arco submerso foi realizada sobre chapas de

aço estrutural, utilizando-se dois níveis de energia (1 e 3 kJ/mm) e um fluxo ativo

comercial. A observação de amostras preparadas em três planos ortogonais

distintos, correspondentes às seções transversal, longitudinal e normal em relação a

direção de soldagem, permitiu constatar que os antigos contornos de grão da

austenita poderiam ser identificados pela presença de ferrita primária com

morfologia poligonal (alotriomórfica) ou alinhada (Widmänstatten). Empregando-se

microscopia ótica e técnicas de metalografia quantitativa, constatou-se que a forma

dos antigos grãos austeníticos pode ser considerada prismática, cujas dimensões

variariam de acordo com a seção de corte observada. Assim a seção normal

mostrou uma estrutura equiaxial, enquanto nas seções transversal e longitudinal

prevaleceu o aspecto colunar. A presença de inclusões no metal de solda foi

analisada e houve indícios que estas partículas tenham alguma interferência sobre a

estrutura austenítica do metal de solda.

Palavras-chave: soldagem arco submerso, austenita, inclusões, metalografia quantitativa, microscopia ótica INTRODUÇÃO As propriedades mecânicas da soldagem estão diretamente relacionadas com

a microestrutura formada na poça de fusão. Dependendo da composição química do

aço e do processamento a solidificação pode se iniciar pela formação da ferrita delta

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(mais comum) ou da austenita. A nucleação da fase sólida ocorre de forma epitaxial

sobre a linha de fusão, onde grãos cuja orientação cristalográfica seja paralela a

<100> e ao fluxo térmico tem o seu crescimento acelerado (1).

O resfriamento subseqüente determina os produtos da transformação de fase

no metal de solda, onde a estrutura dos grãos de austenita tem uma importância

ímpar. Existe uma interação entre o tamanho do grão austenítico com a fração

volumétrica da ferrita com diferentes morfologias (2,3). A transformação de fase é um

fenômeno cuja nucleação heterogênea requer um substrato. Os contornos de grão

podem ser considerados como os sítios preferenciais mais importantes para a

nucleação, onde são formadas as ferritas primárias: a alotriomórfica surge com

pequenos super-resfriamentos, enquanto com maiores gradientes térmicos forma-se

uma morfologia com maior orientação cristalográfica - a ferrita de Widmanstätten. As

interfaces entre a matriz e as inclusões formadas durante a soldagem também

podem atuar na nucleação dos produtos da transformação de fase austenita-ferrita,

contribuindo com a formação da ferrita idiomórfica e, em casos especiais, da ferrita

acicular – considerado o melhor microconstituinte para o metal de solda pela ótima

relação entre resistência mecânica e tenacidade.

No presente trabalho foi realizado um estudo sobre a antiga estrutura

austenítica formada no metal de solda depositado por soldagem com arco

submerso. A análise da microestrutura existente nas seções longitudinal, normal e

transversal do cordão de solda determinou que a morfologia desses grãos foi

preponderantemente colunar, afetada significativamente pela variação da energia de

soldagem utilizada nos ensaios.

MATERIAIS E MÉTODOS O metal base usado nos ensaios foi dividido em dois lotes, nos quais foi

realizada a têmpera em água após a austenitização em 950 ou 1100°C por uma

hora. Em cada ensaio foi depositado um cordão de solda por arco submerso (SAS)

sobre a superfície da chapa (bead on plate), sendo empregada uma determinada

energia de soldagem - 1,0 ou 3,0kJ/mm. Um código foi usado para identificar o metal

base (09 ou 11) e a energia (10 ou 30) usados na soldagem, separados pelas letras

AL. Deste modo a amostra 09AL10 corresponderia à soldagem da chapa tratada a

950°C com um aporte térmico de 1,0kJ/mm. Para a proteção da poça de fusão foi

empregado um fluxo granulado ativo, conforme especificação AWS F7AZ-EM12K.

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Pequenos pedaços foram cortados com disco abrasivo refrigerado nas seções

longitudinal (L), normal (N) e transversal (T) dos cordões, conforme nomenclatura

indicada por Liu (4). A preparação metalográfica das superfícies foi realizada da

maneira convencional, com o lixamento até a grana #1200 seguido de polimento

mecânico com alumina 1µm. A observação e a documentação das inclusões não

metálicas foram feitas com as amostras na condição polida, tendo sido empregado o

reativo de Marshall (5ml ácido sulfúrico, 8g ácido oxálico, 10ml peróxido de

hidrogênio, 100ml água destilada) recém preparado para a revelação da

microestrutura do metal de solda.

A caracterização quantitativa da dispersão de inclusões e da estrutura

austenítica prévia foi realizada a partir de micrografias digitais tiradas em 25 campos

contíguos distintos, onde foi usada uma câmera digital com resolução de 3

megapixels acoplada ao microscópio ótico. O tamanho e a quantidade de inclusões

observadas foram determinados com o auxílio do freeware Image Tool (5). Os

interceptos lineares da antiga estrutura austenítica foram determinados, a partir da

presença de ferrita primária, em 4 orientações distintas (0, 45, 90 e 135°) de um

conjunto de linhas-teste aplicado sobre as micrografias de cada seção de corte. Os

resultados foram processados estatisticamente com o auxílio de uma planilha

eletrônica. As quantidades mínimas de inclusões e interceptos lineares observados

em cada seção dos cordões de solda preparados foram superiores a 1600 para cada

um dos parâmetros analisados.

RESULTADOS E DISCUSSÃO A formação da ferrita primária, seja morfologicamente classificada como

poligonal PF(G) ou com segunda fase alinhada FS(A) (6), facilitou a identificação da

localização dos antigos contornos de grão da austenita anterior à transformação de

fase. A Figura 1 apresenta exemplares da microestrutura do metal de solda

analisada nas diferentes seções examinadas, onde se pode verificar que a

microestrutura austenítica era morfologicamente anisotrópica.

No aspecto qualitativo notou-se que os grãos de austenita vistos nas seções

longitudinal e transversal eram alongados, com o eixo maior normalmente orientado

em uma direção praticamente normal à linha de fusão. Entretanto, o mesmo tipo de

estrutura austenítica não foi observado na seção normal do metal de solda, que foi

constituído essencialmente por grãos austeníticos de natureza equiaxial. Este

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comportamento da microestrutura do metal de solda é semelhante ao reportado por

Basu e Raman(7) em sua investigação com soldas produzidas por SAS. As

distribuições de freqüência dos interceptos lineares medidos nas diferentes

orientações do metal de solda são mostradas na Figura 2, onde as curvas são

preponderantemente assimétricas positivas e apresentam comportamento

leptocúrtico – distribuições cuja freqüência modal é bastante evidenciada(8).

seção longitudinal seção normal seção transversal

Figura 1: Microestruturas típicas do metal de solda observado nas seções longitudinal, normal e transversal, com a ferrita primária revelando a antiga estrutura austenítica. Amostras 09AL10 em (a)-(c); 09AL30 em (d)-(f); 11AL10 em (g)-(i) e 11AL30 em (j)-(l). Ataque: reativo de Marshall. Ampliação padronizada em 75 vezes.

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A análise estatística das curvas mostradas na Figura 2 é sintetizada na Tabela

1, onde são apresentados o número N e os tamanhos médio L e máximo Lmax dos

interceptos lineares medidos, bem como o seu desvio padrão DP. O erro padrão EP

e o coeficiente de variação CV foram calculados pelas equações (A) e (B),

respectivamente.

NDPEP ⋅= 2 (A)

LDPCV = (B)

Tabela 1: medidas estatísticas dos interceptos lineares medidos nas diferentes seções do metal de solda.

amostra seção N L [µm] DP [µm] EP [µm] CV Lmax [µm]L 2301 79 41 2 0,52 380 N 4656 45 15 1 0,32 140 09AL10 T 2360 82 43 2 0,52 500 L 1845 101 50 2 0,49 550 N 2495 84 32 1 0,38 260 09AL30 T 1999 89 51 2 0,57 540 L 2663 74 42 2 0,56 550 N 3326 65 28 1 0,43 250 11AL10 T 2608 77 43 2 0,56 470 L 2006 97 46 2 0,48 400 N 3110 70 23 1 0,33 260 11AL30 T 1978 99 43 2 0,43 580

Da análise dos resultados observou-se que as seções normais do metal de

solda apresentaram os menores interceptos lineares médios e máximos, quando

comparados com os respectivos valores das seções longitudinal e transversal.

Independentemente da seção observada também se notou o incremento dos

tamanhos dos interceptos causado pelo aumento da energia de soldagem de 1 para

3kJ/mm, sendo menos intenso o efeito do tratamento térmico realizado no metal

base. O aspecto geométrico observado está em conformidade com os estudos

realizados por Bhadeshia e colaboradores(2) em soldas produzidas por arco

submerso. Esses pesquisadores indicaram que a morfologia do antigo grão de

austenita poderia ser representada por um prisma de base hexagonal, com a aresta

lateral a e o eixo maior c estaria alinhado com a direção de crescimento colunar

desta fase durante o resfriamento do metal de solda.

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seção longitudinal seção normal seção transversal

0 25 50 75 100 125 150 175 200 225 2500

5

10

15

20

25

30

frequ

ênci

a [%

]

intercepto linear [µm]

09AL10-L

0 25 50 75 100 125 150 175 200 225 250

0

5

10

15

20

25

30

frequ

ênci

a [%

]

intercepto linear [µm]

09AL10-N

0 25 50 75 100 125 150 175 200 225 2500

5

10

15

20

25

30

frequ

ênci

a [%

]

intercepto linear [µm]

09AL10-T

(a) (b) (c)

0 25 50 75 100 125 150 175 200 225 2500

5

10

15

20

25

30

frequ

ênci

a [%

]

intercepto linear [µm]

09AL30-L

0 25 50 75 100 125 150 175 200 225 250

0

5

10

15

20

25

30fre

quên

cia

[%]

intercepto linear [µm]

09AL30-N

0 25 50 75 100 125 150 175 200 225 2500

5

10

15

20

25

30

frequ

ênci

a [%

]

intercepto linear [µm]

09AL30-T

(d) (e) (f)

0 25 50 75 100 125 150 175 200 225 2500

5

10

15

20

25

30

frequ

ênci

a [%

]

intercepto linear [µm]

11AL10-L

0 25 50 75 100 125 150 175 200 225 250

0

5

10

15

20

25

30

frequ

ênci

a [%

]

intercepto linear [µm]

11AL10-N

0 25 50 75 100 125 150 175 200 225 2500

5

10

15

20

25

30

frequ

ênci

a [%

]

intercepto linear [µm]

11AL10-T

(g) (h) (i)

0 25 50 75 100 125 150 175 200 225 2500

5

10

15

20

25

30

frequ

ênci

a [%

]

intercepto linear [µm]

11AL30-L

0 25 50 75 100 125 150 175 200 225 250

0

5

10

15

20

25

30

frequ

ênci

a [%

]

intercepto linear [µm]

11AL30-N

0 25 50 75 100 125 150 175 200 225 2500

5

10

15

20

25

30

frequ

ênci

a [%

]

intercepto linear [µm]

11AL30-T

(j) (k) (l) Figura 2: Distribuição de freqüência dos interceptos lineares relacionados com a antiga estrutura austenítica, medidos nas seções longitudinal, normal e transversal do metal de solda. Amostras 09AL10 em (a)-(c); 09AL30 em (d)-(f); 11AL10 em (g)-(i) e 11AL30 em (j)-(l). O intercepto linear medido na seção transversal T foi afetado pela linha de

fusão, de onde a solidificação da ferrita delta ou da própria austenita avança

epitaxialmente. Neste caso a largura máxima da aresta dos prismas hexagonais (2a)

poderia ser influenciada pelo tamanho de grão do metal base, sendo o seu

comprimento máximo relacionado à geometria da poça de fusão – particularmente a

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largura e a penetração/reforço do cordão. Como pode ser visto na Tabela 1, o efeito

do tratamento térmico do metal base sobre o tamanho dos interceptos medidos

nesta seção foi pequeno em relação à energia de soldagem. Dois motivos podem

ser indicados: o primeiro refere-se ao fato que a geometria dos cordões variou pouco

nos ensaios de soldagem realizados, como mostra os exemplos da Figura 3, e o

segundo estaria relacionado ao engrossamento do metal base pelo tratamento

térmico ter sido muito menor que a ordem de grandeza dos interceptos medidos

nesta seção. Entretanto, notou-se um incremento nos interceptos lineares medidos

na seção T de cordões depositados sobre um mesmo metal base, mas com

diferentes aportes térmicos.

Figura 3: Macrografias da seção transversal do metal de solda das amostras 09AL10 em (a) e 09AL30 em (b). Ataque: reativo de iodo. Ampliação: 4 vezes. A estrutura colunar da austenita observada na seção longitudinal L foi afetada

pela energia usada no processo, controlada especialmente pela velocidade de

soldagem. Assim, o aumento do aporte de calor de 1,0 para 3,0kJ/mm foi

conseguido com a redução da velocidade de soldagem de 500 para 190mm/min,

afetando a orientação e o deslocamento da frente de solidificação em relação à linha

de centro do cordão. Estando a interface da poça de fusão mais “estacionária”

haveria um favorecimento de uma estrutura mais grosseira para um grau de super-

resfriamento similar, considerando que a espessura da chapa usada nos ensaios foi

padronizada em 9,5mm.

A seção normal dos cordões investigados apresentou uma estrutura

preponderantemente equiaxial, sugerindo que este corte seria aproximadamente

paralelo à base do prisma hexagonal (2). Neste tipo de estrutura a dispersão dos

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tamanhos dos interceptos medidos tenderia a ser pequena, considerando que os

grãos não teriam uma orientação preferencial. Sendo o coeficiente de variação

dependente do desvio padrão dos interceptos lineares medidos torna-se possível

caracterizar através deste parâmetro estatístico se a estrutura seria composta por

grãos equiaxiais ou colunares. No primeiro caso a dispersão dos valores medidos

nas quatro orientações seria relativamente pequeno, enquanto com grãos colunares

a variação das cordas sobre as linhas teste seria bem maior. Do exposto e

considerando os resultados mostrados na Tabela 1, torna-se evidente que a seção

normal seria constituída por grãos com morfologia equiaxial, enquanto nas seções L

e T a morfologia seria preponderantemente colunar.

O intercepto linear médio global Lg envolve simultaneamente todas as

medições feitas sobre as seções L, N e T, sendo este parâmetro usado como

medida do tamanho de grão da austenita(2). Na Figura 4(a) são apresentados os

valores experimentais e a sua respectiva dispersão, expressa pelo desvio padrão,

que mostraram boa conformidade com outros resultados reportados na literatura (7,9).

Apesar do tamanho de grão médio ter aumentado com o incremento da energia de

soldagem, a Figura 4(b) ilustra que houve simultaneamente uma queda na dispersão

dos interceptos lineares e produzindo uma estrutura grosseira mas homogênea.

1 2 3 4

20

40

60

80

100

120

140

inte

rcep

to li

near

méd

io L

g [µm

]

energia de soldagem [kJ/mm]

amostra 09AL amostra 11AL Basu & Raman (2002) Bhadeshia et al (1985)

1 2 30,40

0,45

0,50

0,55

0,60

amostra 09AL amostra 11AL

coef

icie

nte

de v

aria

ção

CV g

energia de soldagem [kJ/mm]

(a) (b) Figura 4: Variação do intercepto linear médio global Lg (a) e do coeficiente de variação global CVg (b) com a energia de soldagem aplicada nos ensaios. O efeito das inclusões não metálicas sobre a estrutura austenítica pode ser

considerado controverso. Bhadeshia e Svensson(1) indicaram que essas partículas

seriam incapazes de atuar no ancoramento dos contornos de grão da austenita, seja

os grãos formados a partir da ferrita delta ou diretamente do aço líquido.

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Investigando soldas produzidas por arco submerso, Basu e Raman(7) verificaram que

as inclusões poderiam afetar tanto a estrutura austenítica quanto a formação da

ferrita acicular. A Tabela 2 apresenta alguns importantes parâmetros estatísticos

extraídos das distribuições de freqüência mostradas na Figura 5, especialmente o

número de partículas observadas N, o seu tamanho médio d , as densidades de

inclusões planar NA e volumétrica NV e a fração volumétrica VV .

Tabela 2: Parâmetros estatísticos da dispersão de inclusões encontradas nas seções longitudinal, normal e transversal analisadas do metal de solda.

amostra N d [µm] NA [mm-2] NV [mm-3] VV DC [µm]

09AL10 10966 11,0 1741 532229 0,0097 192

09AL30 12495 6,1 1983 837435 0,0058 178

11AL10 6119 7,0 971 399596 0,0030 395

11AL30 9034 11,0 1434 468586 0,0070 265

2 4 6 8 10 12 1402468

1012141618202224262830

amostra 09AL10

freqü

ênci

a re

lativ

a [%

]

tamanho da inclusão [µm]

(a)

2 4 6 8 10 12 1402468

1012141618202224262830

amostra 09AL30

freqü

ênci

a re

lativ

a [%

]

tamanho da inclusão [µm]

(b)

2 4 6 8 10 12 1402468

1012141618202224262830

amostra 11AL10

freqü

ênci

a re

lativ

a [%

]

tamanho da inclusão [µm]

(c)

2 4 6 8 10 12 1402468

1012141618202224262830

amostra 11AL30

freqü

ênci

a re

lativ

a [%

]

tamanho da inclusão [µm]

(d)

Figura 5: Distribuição de freqüência do tamanho das inclusões observadas por microscopia ótica nas seções longitudinal, normal e transversal do metal de solda. Amostras 09AL10 em (a); 09AL30 em (b); 11AL10 em (c) e 11AL30 em (d).

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A análise dos resultados mostra que o efeito dos parâmetros de soldagem

sobre as inclusões é complexo. Verifica-se pela Tabela 2 que o aumento de energia

contribuiu para diminuir tanto o tamanho quanto a fração volumétrica das partículas

formadas durante a soldagem das chapas tratadas termicamente a 950°C/1h, mas

um efeito contrário foi observado nas amostras feitas das chapas 11AL10 e 11AL30.

Diversos modelos matemáticos para o ancoramento de contornos de grão de raio R

por partículas estáveis com raio r foram desenvolvidos por diferentes

pesquisadores(10), cuja forma geral é

VVrAR ⋅= (C)

Onde A é uma constante que depende do modelo teórico proposto. Os resultados da

aplicação da expressão (C), com A = 0,17 proposto por Rios(11), para as

microestruturas analisadas estão apresentados na última coluna da Tabela 2. Os

tamanhos de grão crítico DC calculados foram comparativamente maiores que os

tamanhos dos interceptos lineares medidos a partir da estrutura austenítica prévia.

Isto significa que as inclusões poderiam retardar, mas não impedir, o deslocamento

deste contorno. Um outro aspecto interessante sobre a aplicação da equação (C)

seria considerar as variações no tamanho dos interceptos/grãos e das inclusões,

representadas graficamente nas Figuras 2 e 5. Considerando que A é constante e

que a fração volumétrica das inclusões dependeria fundamentalmente do teor de

oxigênio(12), se for feita a integração numérica em ambos os membros da equação a

mesma não teria a sua validade questionada. Efetuada a integração dos

histogramas apresentados verificou-se que a razão entre as áreas dos interceptos

lineares e dos tamanhos das inclusões levou a obter resultados muito próximos e

que variaram entre 20,6 e 21,9. A multiplicação desta razão pelos valores de fração

volumétrica indicados na Tabela 2 permitiu determinar os valores da constante A ,

cujos valores oscilaram entre 0,06 e 0,2 – previstos pelo modelo de ancoramento de

contornos de grão proposto por Gladman(10). Apesar desta interessante relação entre

as distribuições de freqüência, a aplicação prática deste procedimento de análise

ainda será objeto de estudos mais detalhados.

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CONCLUSÕES - As distribuições de freqüência dos interceptos lineares, usados para caracterizar a

antiga estrutura austenítica, mostraram variações entre as amostras analisadas que

dependem da seção do metal de solda.

- A seção normal das amostras apresentou uma microestrutura classificada como

equiaxial, enquanto nas seções longitudinal e transversal os grãos austeníticos

teriam uma formação colunar. Este aspecto confirma que a morfologia dos grãos

austeníticos existentes no metal de solda pode ser associada a prismas com base

hexagonal alongados.

- O coeficiente de variação dos interceptos lineares mostrou ser um parâmetro

estatístico adequado para caracterizar o tipo de estrutura austenítica observado, ou

seja, equiaxial ou colunar.

- O incremento da energia de soldagem de 1,0 para 3,3 kJ/mm resultou no aumento

do tamanho de grão da austenita prévia.

- Há indícios que houve alguma interação entre a estrutura austenítica e as

inclusões não metálicas existentes no metal de solda. Embora estudos mais

específicos sejam previstos para o futuro, verificou-se que a razão entre as áreas

obtidas por integração numérica das distribuições do tamanho de grão e das

inclusões foi aproximadamente constante para a série de amostras analisadas.

AGRADECIMENTOS Os autores agradecem ao apoio técnico prestado pelo LCE-UFSCar e pela

SERVTEC, à FAPESP pela concessão de auxílio à pesquisa e de uma bolsa de

estudos (AACA) e à CAPES pela bolsa de mestrado (MRVA).

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v. 35, n. 12, pp. 2805-2814, 1987.

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Key Engineering Materials, v. 69-70, pp. 21-46, 1992.

STUDY OF THE AUSTENITE GRAIN STRUCTURE IN SUBMERGED ARC WELD

METALS

ABSTRACT The morphology of prior austenite grains in submerged arc weld metals deposited on

different heat input levels (1 and 3kJ/mm) was investigated by light microscopy.

Lineal intercept measurements from the transverse, normal and longitudinal sections

have shown that the austenite grain shape can be approximated as hexagonal

prisms, where the normal section is closely parallel to the basal plane. The austenite

grain size was affected by the applied heat input and there is some evidence that

inclusions could be able to participate in weld metal austenite grain size control.

Key-words: SAW, austenite, grain boundary, lineal intercept analysis, microscopy.

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