Morfossintaxe Moderna

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Sumário 1. Sincronia e diacronia ___________________ 7 2. O problema da palavra __________________ io Palavra e unidade acentuai _______ ____ ______________________ 10 Palavra e homonímia ______ __ _____ __ _________________. 11 Palavra e lexia _________________________ 11 3. A segmentação morfemática __ _______ __13 As unidades mínimas significativas _ ________ 13 A dupla articulação da linguagem _________ 15 A importância do sentido _________ __J ___16 4. Alomorfes e morfema zero _______________18 Alofones e alomorfes ....... ........... ..... . . .. .. .. 18 A forma básica _________________________ 20 Alomorfe ou morfema ___________________ 22 Morfema zero (0) e alomorfe zero (0) ______ 23 5. Classificação dos morfemas (1) ___________ 26 Radical _____________________ ________ 26 Afixos: prefixos e sufixos _________ __ __ ____________________ 27

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  • Sumrio

    1. Sincronia e diacronia ___________________ 7 2. O problema da palavra __________________ io

    Palavra e unidade acentuai _______ ____ ______________________ 10

    Palavra e homonmia ______ __ _____ __ _________________ . 11

    Palavra e lexia _________________________ 11

    3. A segmentao morfemtica __ _______ __13 As unidades mnimas significativas _ ________ 13 A dupla articulao da linguagem _________ 15 A importncia do sentido _________ __J ___ 16

    4. Alomorfes e morfema zero _______________ 18 Alofones e alomorfes ....... ........... ..... . . .. .. ..

    18 A forma bsica _________________________ 20 Alomorfe ou morfema ___________________ 22 Morfema zero (0) e alomorfe zero (0) ______ 23

    5. Classificao dos morfemas (1) ___________ 26 Radical _____________________ ________

    26 Afixos: prefixos e sufixos _________ __ __

    ____________________ 27

  • Desinncias ____________________________ 28 Desinncias de gnero ___________________ 29

    Desinncias de nmero Desinncias verbais

    Vogais temticas Vogais temticas nominais Vogais temticas verbais

    Vogais e consoantes de ligao

    Classificao dos morfemas (2) Morfemas aditivos

    Morfemas subtrativos Morfemas alternativos

    Morfemas reduplicativos Morfema de posio

    Morfema zero (0) _______ _______:

    Concluso

    Exerccios de aplicao

    Vocabulrio crtico

    Bibliografia comentada

  • 1 Sincronia e diacronia

    Considerando-se que uma lngua o resultado de evolues ocorridas ao longo dos sculos,

    podemos enfoc-la de dois pontos de vista diferentes: ou fixamo-nos no estado atual, com

    preocupaes marcadamente descritivas (enfoque sincrnico), ou procuramos compreender-lhe o

    processo evolutivo, acompanhando-a desde as mais antigas fases at hoje, o que se torna tanto mais

    realizvel quanto mais dispusermos de documentos escritos da lngua em questo (enfoque

    diacrnico).

    No julguemos, todavia, que a utilizao de uma ou de outra postura seja uma mera questo de

    escolha; sincronia e diacronia podem contrapor-se quanto a mtodos e resultados.

    Tomemos, a ttulo de ilustrao, o verbo pr. Nossas gramticas consideram-no como uma

    anomalia da segunda conjugao. Realmente, a evoluo histrica da lngua portuguesa confirma essa

    observao.

    O verbo ponere, em latim, evolui normalmente para pr, em portugus, conforme se pode

    observar na cadeia evolutiva:

    ponere > ponere > poner > per > poer > pr Essas diferentes formas so decorrentes de transformaes fonticas bem caracterizadas atravs dos

    sculos e suficien- temente explicitadas em nossas gramticas histricas. No nosso objetivo, aqui,

    especificar os detalhes esclarecedores das etapas apontadas; interessa-nos, sim, mostrar que poer, da

    segunda conjugao, evolui para pr, e que vestgios da antiga forma poer encontramos em adjetivos

    como poente e poedeira.

    Podemos, entretanto, chegar mesma concluso se dispensarmos a explicao histrica e

    fixarmo-nos no funcionamento do portugus atual.

    Observemos, p.ex., que algumas das formas conjugadas do verbo pr apresentam a vogal

  • temtica -e-, da segunda conjugao: pusEmos, pusEra, pusEsse.

    Acrescente-se, tambm, que as trs conjugaes do portugus constituem paradigmas

    caracterizados pelo fato de serem representados por vrios verbos: pertencem primeira conjugao

    verbos como amar, cantar, falar etc.; beber, comer, correr etc. ilustram a segunda conjugao; a

    terceira conjugao representada por verbos como existir, partir, sumir etc.

    Ora, verbo em -or s temos um: pr, que d origem a derivados como contrapor, decompor,

    repor etc. Portanto, o verbo pr no constitui paradigma como os demais verbos acima mencionados.

    Essas observaes podem levar-nos a crer que, afinal, a escolha de uma posio sincrnica ou

    diacrnica indiferente, visto que ambas conduzem ao mesmo resultado.

    Notemos, contudo, que nem sempre o resultado o mesmo. Sirva-nos de exemplo o verbo

    comer.

    Em latim, o verbo correspondente a comer edere, com radical ed-. No presente do indicativo,

    algumas formas desse verbo se confundiam com o verbo esse: ao lado de edo, edis, edit, havia as

    variantes edo, es, est.

    Com o objetivo de diferenar mais esses dois verbos, o latim vulgar da pennsula Ibrica

    anteceder o primeiro de um prefixo, cum- (que exprime companhia), e o resultado, cum edere /

    cumedere, em virtude de uma srie de transformaes fonticas, produzir a forma comer. O cotejo de

    comer com comida, comilana, comilo conduz- nos concluso de que o radical comum a essa srie

    com- (diferentemente do radical latino ed-).

    Esse exemplo permite-nos constatar que nem sempre os enfoques sincrnico e diacrnico levam

    s mesmas concluses.

    De um ponto de vista metodolgico, aconselhvel, portanto, que se separem as duas posies.

    Adotaremos, ao longo de nossa exposio, uma postura sincrnica com relao a alguns aspectos da

    morfologia portuguesa, porque acreditamos que o conhecimento dos mecanismos de funcionamento

    de um idioma no seu aqui e agora deve anteceder as explicaes de carter histrico, indiscutivel-

    mente necessrias e esclarecedoras, mas que devem ser invocadas num segundo momento.

  • 2 O problema da palavra

    De acordo com a Nomenclatura Gramatical Brasileira (NGB), a

    morfologia deve ocupar-se das palavras quanto sua estrutura e

    formao, bem como quanto s suas flexes e classificao.

    Concentrando-se a morfologia na palavra, necessrio,

    inicialmente, que levantemos e discutamos algumas propostas de

    caracterizao desse elemento.

    Ainda segundo a NGB, a palavra, considerada, do ponto de vista

    fontico, como constituda de fonemas e slabas e provida ou no de

    tonicidade, recebe a designao de vocbulo-, palavra a denominao

    mais adequada se enfocarmos o ponto de vista semntico. No

    levaremos em conta, aqui, essa distino, e os dois termos sero

    utilizados como sinnimos.

    Apresentamos, em seguida, alguns critrios com vistas

    caracterizao da palavra, assinalando as dificuldades correspondentes.

    Palavra e unidade acentuai

    Tomemos, por exemplo, um critrio fontico: a palavra seria uma

    unidade acentuai, um conjunto marcado por um s acento tnico.

  • 11

    No h dvida de que mrmore, xcara, caf correspondem ao critrio proposto; contudo,

    uma expresso como com o chinelo tambm satisfaz exigncia acima

    a preposio com e o artigo definido o so tonos e o substantivo chinelo paroxtono; o grupo

    apresenta; um s acento tnico, mas no constitui uma palavra do ponto de vista grfico. Em

    resumo, existem unidades acentuais que no so palavras; esse critrio fontico revela-se parcial e,

    portanto, insuficiente.

    Palavra e homonmia

    Se procurarmos caracterizar a palavra sob o aspecto semntico, os casos de homonmia

    revelar-se-o problemticos. Consideram-se homnimas as formas lingsticas de mesma

    estrutura fonolgica, porm inteiramente distintas quanto ao ponto de vista significativo.

    Poderamos afirmar que manga, nos seus diferentes significados, uma s palavra; ou

    haveria tantas palavras manga quanto os diversos significados correspondentes? A resposta

    menos simples do que parece; basta levar em conta as divergncias dos dicionrios, relativamente

    soluo do problema.

    Acrescente-se, ainda, que o fato de a palavra ter um sentido atualizado dentro de um contexto

    especfico (frasal/ textual), o que gera o fenmeno da polissemia (possibilidade de variaes de

    sentido em funo dos diferentes contextos), impede o estabelecimento de limites claros entre esta

    ltima e a homonmia.

    Palavra e lexia

    Vejamos se o conceito de lexia, proposto por Bernard Pottier, pode ser-nos de alguma

    utilidade para a caracterizao do vocbulo.

    Segundo o autor, entende-se por lexia a unidade lexical memorizada. Dentre os diferentes

    tipos de lexia, destaquemos, aqui, as lexias simples e as compostas.

    B. Pottier prope alguns testes formais para a determinao das lexias, dos quais um dos

    mais operatrios o da no-separabilidade dos elementos componentes. Apli- cando-o ao

    substantivo composto guarda-chuva, p.ex., notemos que qualquer modificador acrescentado a esse

    substantivo no pode romper o grupo em questo:

    guarda-chuva novo / novo guarda-chuva * guarda-ovo-chuva (construo inaceitvel)

    No o que se observa com um vocbulo como obedecerei. O acrscimo de um pronome

    pessoal oblquo a essa forma verbal acarreta a separao de seus elementos constitutivos:

  • 12

    obedecer-te-ei. Assim sendo, obedecerei no seria uma lexia, embora possa ser reconhecido como

    uma palavra.

    Assinalemos, contudo, que, se no podemos estabelecer correspondncia automtica entre

    palavra e lexia simples (como o ilustrou o exemplo acima), o teste da no-sepa- rabilidade permite-

    nos levantar um grande nmero de compostos no-dicionarizados. Sirva-nos de exemplo a expres-

    so casa de deteno. Qualquer adjetivo a ela acrescentado no pode ocupar posio interna

    relativamente ao grupo:

    casa d deteno abandonada * casa abandonada de deteno (construo inaceitvel)

    Ora, o comportamento de casa de deteno o mesmo do grupo guarda-chuva, acima

    apontado. So, portanto, dois exemplos de substantivos compostos.

    Os critrios apresentados neste captulo no so os nicos possveis. Revelam, todavia, a

    complexidade que caracteriza a palavra e, por conseguinte, as dificuldades da elaborao de uma

    morfologia baseada nesse elemento.

  • 3 A segmentao morfemtica

    As unidades mnimas significativas

    Expusemos, no captulo anterior, algumas dificuldades associadas

    caracterizao do vocbulo. Partiremos, aqui, da hiptese de que a

    palavra um elemento de constituio complexa, cuja anlise poder

    conduzir a uma base mais rigorosa para os estudos morfolgicos.

    Tomemos, a ttulo de ilustrao, a forma verbal falvamos. Como

    a conjugao verbal portuguesa caracterizada por uma riqueza de

    flexes, possvel comparar a forma proposta com as demais que a ela

    se associam. Estabeleceremos, como princpio, que as comparaes

    devem ser feitas por pares; cada par deve apresentar uma s relao de

    semelhana e uma s relo de diferena. Comparemos, inicialmente,

    falvamos falava

    O elemento comum (relao de semelhana) falava; o elemento

    diferencial -mos, que s ocorre na primeira forma.

    Consideraremos, tambm, que os elementos destacados devem ter

    um valor significativo. No par acima, -mos indica que a ao expressa no

    passado realizada por um grupo de pessoas, entre as quais se inclui o

    falante.

    A forma comum falava igualmente decompon- vel, como o

    mostra a comparao seguinte: falava fala

    O segmento destacado --------- va indica que a ao expressa

    pelo verbo se desenrola num passado que se prolonga (pretrito

  • 14

    imperfeito do indicativo).

    Convm assinalar que nem sempre um nico par nos permite

    depreender o segmento correto. Outros pares devem ser estabelecidos

    para confirmar ou infirmar certos resultados. Se tivssemos comparado

    falava com falara, teramos isolado o - V - . O recurso a outras

    comparaes falava / fala; falava / falasse permite-nos corrigir

    esse resultado para -va.

    Podemos ainda prosseguir com um novo par, fala falo

    que nos fornece os segmentos -a e -o. Como a forma proposta

    falvamos, interessa-nos o -a. Baseados exclusivamente nesse par,

    deveramos interpretar -a como ndice de terceira pessoa do singular do

    presente do indicativo (em oposio ao -o, marc de primeira pessoa do

    singular do mesmo tempo).

    Mais uma vez, a comparao com as outras formas do mesmo

    verbo vai conduzir-nos interpretao correta; falAva, falAremos,

    falAriam, embora correspondam a tempos e pessoas diferentes,

    apresentam a mesma vogal -a-, que , na verdade, marca da primeira

    conjugao.

    Finalmente, comparando fala

    chora

    destacamos os elementos fal- e chor-, que indicam aes diferentes.

    Portanto, a forma verbal apresentada constituda de quatro

    elementos: fal + + va + mos.

    Com relao a esses segmentos, convm ressaltar os seguintes

    aspectos:

    1) so unidades portadoras de sentido;

    2) so elementos recorrentes, de grande produtividade na lngua;

    fal- figura em toda a conjugao do verbo falar, bem como em

    derivados, como falador, -a- marca de todos os verbos da primeira

    conjugao (falar, cantar, chorar)', -va- caracteriza o pretrito

    imperfeito do indicativo de qualquer verbo da mesma conjugao

    {falava, cantava, chorava); -mos ndice de primeira pessoa do plural,

    independentemente de tempo, modo e conjugao (falamos,

    falssemos, temamos)',

  • 15

    3) a ordem desses segmentos rgida; qualquer alterao resulta

    em formas inaceitveis na lngua (p.ex.: * falmosva).

    Como so elementos contguos, podem ocorrer alteraes

    fonolgicas em alguns deles. Em portugus, so freqentes os casos de

    crase e de eliso. Se compararmos gosto com gostoso, destacamos

    apenas -so, como elemento diferencial; contudo, os pares creme /

    cremoso, sabor / saboroso permitem-nos depreender -oso. Trata-se do

    mesmo segmento, visto que o segundo membro de cada par apresenta

    um trao significativo comum. A vogal final de gosto e a inicial de -oso,

    por serem idnticas, fundiram-se, de acordo com a regra fonolgica da

    crase. Com relao ao par creme / cremoso, notamos que o -e, tono, de

    creme se elide diante do o- de -oso; trata-se, agora, de um caso de

    eliso.

    Essas unidades mnimas significativas recebem o nome especfico

    de morfemas.

    A dupla articulao da linguagem

    Baseando-nos, agora, no par

    fala

    mala

  • 16

    destacamos /- e m-, que j no so elementos providos de sentido. A

    substituio de /- por m- contribui, entretanto, para distinguir os

    vocbulos fala e mala.

    Essas unidades distintivas, desprovidas de sentido, recebem a

    designao de fonemas. Convenciona-se representar os fonemas entre

    barras oblquas: /f/ e /m/.

    Os pares caracterizados por apresentarem formas que se

    distinguem por um s trao diferencial so designados como pares

    mnimos. Quando, na comparao das formas, a substituio de um

    trao por outro acarreta uma mudana de sentido, realizamos o que se

    denomina uma comutao.

    Entre os morfemas e os fonemas, h uma diferena qualitativa:

    enquanto aqueles so significativos, estes so distintivos. Com base

    nessa oposio, Andr Martinet estabelece a teoria da dupla articulao

    da linguagem: a uma primeira articulao, representada por unidades

    significativas (que A. Martinet designa como monemas), acrescenta- se

    uma segunda articulao, de unidades distintivas (os fonemas).

    Convm esclarecer que, ao contrrio do que nossa exposio

    poderia levar a crer, as tcnicas de anlise fonol- gica se desenvolveram

    primeiro; posteriormente, foram transpostas para o terreno da

    morfologia.

    Embora o termo monema, segundo A. Martinet, no seja

    exatamente sinnimo de morfema, esta ltima designao que se vem

    generalizando cada vez mais e que manteremos ao longo deste trabalho. 1

    A importncia do sentido

    O valor significativo dos morfemas tem algumas implicaes, que

    passamos a expor a seguir.

    Os pares canta / cantas e mesa / mesas permitem-nos depreender

    -5. Ocorre que, no primeiro, o elemento destacado indica segunda

    pessoa do singular, ao passo que, no segundo, marca de nmero plural.

    Como os valores significativos so diferentes, devemos reconhecer, a,

    1 Remetemos o leitor interessado ao vocabulrio crtico, para os devidos

    esclarecimentos de detalhes terminolgicos.

  • 17

    dois morfemas homnimos.

    Alm da diferena de significado entre os dois, h tambm

    diferenas de carter formal. O -s2 de cantas ope-se s terminaes de

    outras formas {canta, cantamos, cantais, cantam); com relao a

    mesas, a nica oposio que podemos estabelecer entre mesa e mesas.

    Ao operarmos com determinados pares, devemos evitar as falsas

    comutaes, que podem levar-nos a destacar elementos desprovidos de

    sentido. Assim, a comparao entre os membros do par lei / legal pode

    sugerir-nos que -i e -gal so morfemas, o que falso, visto que no so,

    em portugus, segmentos portadores de significado. Temos, aqui, um

    elemento indecomponvel lei e uma forma variante leg-.

    Cumpre, ainda, esclarecer que os segmentos comuns ao par devem

    ter o mesmo valor semntico. Para determinar os morfemas de

    capacidade, no poderamos compar- lo com capa ou com cidade, que,

    embora existentes em portugus, no tm nenhuma relao significativa

    com o vocbulo proposto. A nica comparao possvel, no caso, com

    capaz; como resultado, obtemos a forma capac-, variante.

    4 Alomorfes e morfema zero

    J assinalamos que as tcnicas da anlise fonolgica foram

    transpostas para a anlise morfolgica. Aqui, ressaltaremos alguns

    paralelismos resultantes dessa transposio.

    2 Representa-se entre colchetes a realizao fontica, em oposio representao

    fonolgica (entre barras oblquas).

  • Alofones e alomorfes

    Alguns fonemas podem realizar-se atravs de variantes. Assim, o

    fonema /!/ (depreendido de um par como lia / ria) apresenta, em

    portugus, as realizaes [1] (/ alveolar) quando antecede uma vogal:

    lama-, e [w] (u semivoclico, como em mau), quando se pospe a uma

    vogal: alma [aw- ma], no portugus do Brasil. (Em Portugal, o / ps-

    voclico realiza-se como um [i] (/ velar). Para a exposio que se segue,

    escolhemos a variante brasileira.)

    Essas variantes recebem a designao de alofones e, com

    freqncia, encontram-se em contextos exclusivos, como o ilustra o

    quadro seguinte:

    Fazendo a leitura do quadro com base nas colunas verticais, temos que

    [1] s aparece em posio pr-voclica, diferentemente de [w], que s

    ocorre em posio ps-voclica; onde utilizmos uma variante, no

    podemos utilizar a outra. Neste caso, dizemos que as variantes so

    combinatrias e esto em distribuio complementar.

    Existem alofones que no ocorrem em distribuio complementar.

    Por exemplo, o fonema /r/, em posio inicial, pode realizar-se, em

    nossa lngua, como [r] (alveolar) ou como [K] (velar), indiferentemente:

    rua [rua / Kua]. Aqui, dizemos que as variantes so livres.

    O mesmo pode observar-se com relao aos morfemas, que nem

    sempre so caracterizados por uma nica forma, como a maioria dos

    exemplos apresentados 110 captulo anterior poderia levar a crer.

    No adjetivo infeliz, a comparao com feliz permite- nos

    depreender o morfema in-. Esse mesmo morfema realiza- se como i-

    antes de radicais iniciados por /-, m- e r-: ilegal, imoral, irreal. Essas

    diferentes realizaes so designadas como alomorfes, em paralelismo

    com alofones.

    De modo geral, os alomorfes apresentam-se em distribuio

    complementar, a exemplo do que ocorre com os alofones. Em portugus,

    0 pronome pessoal oblquo mim realiza-se como /mim/ aps qualquer

    preposio diferente de com {de mim, em mim, sem mim)', seguindo-se

    preposio com, temos a variante /migo/ (comigo), conforme o ilustra

    /I/ pr-voclico ps-voclico

    [1] + -

    [W] - +

  • 19

    o quadro abaixo:

    mim aps prep. com

    aps prep. com

    /mim/ + _

    /migo/ - +

  • 20

    As colunas verticais do quadro mostram que /mim/ s ocorre em

    seguida s preposies diferentes de com, ao passo que /migo/ s figura

    aps a preposio com. Dizemos, aqui tambm, que os alomorfes esto

    em distribuio complementar, visto que ocorrem em contextos

    exclusivos 3.

    importante notar que nem sempre os alomorfes resultam de um

    contexto fonolgico, como pode sugerir o exemplo do morfema in-,

    acima: a variante i- s encontrada antes de determinadas consoantes.

    Com relao ao segundo exemplo, poderamos pensar que a

    variante /migo/ ocorre aps nasal; as seqncias em mim, sem mim, em

    que as preposies tambm terminam por nasal, negam a validade dessa

    afirmao. O condicionamento, aqui, , portanto, morfolgico, e no

    fonolgico.

    Mesmo no exemplo anterior, o condicionamento fonolgico no

    representa uma restrio absoluta na lngua. Obser vemos que, se uma

    forma como irreal poderia induzir-nos a crer que a nasal no ocorre

    antes de /F/ (dada a inexistncia de inreal na lngua culta), o verbo

    enrolar mostra que, em portugus, o fonema /r/ pode figurar aps -n-.

    Embora mais raros, tambm se encontram em portugus exemplos

    de variantes alomrficas livres: ao lado de ouo' temos a variante oio, e

    o falante livre na escolha de uma ou de outra forma, diferentemente do

    que se observou com relao s variantes /mim/ e /migo/, dependentes

    do contexto.

    A forma bsica

    A existncia de diferentes alomorfes para um mesmo morfema

    remete-nos ao problema da escolha de um deles

    para representar o conjunto. O alomorfe selecionado recebe a

    designao de forma bsica; nem sempre fcil estabelecer essa

    forma, mas alguns critrios podem ser apontados.

    O primeiro deles, o critrio estatstico, o que especifica que,

    dentre as variantes existentes, escolhida como forma bsica a mais

    3 No devemos falar em variante nos casos de crase e eliso. Por exemplo, em

    gostoso houve crase de -o de gosto com o- de -oso, mas o morfema , indiscutivelmente, -oso (cf., aqui, p. 15).

  • freqente. Com relao ao exemplo acima, mim / migo, vimos que

    mim figura aps todas as. preposies, com exceo da preposio

    com; por ser estatisticamente mais freqente, selecionada como a

    forma bsica. Convenciona-se representar a forma bsica entre

    chaves:

    ./mim/

    '/migo/

    A indicao acima deve ser lida da seguinte forma: o morfema [mim]

    realiza-se fonologicamente como /mim/ e /migo/, em contextos a

    serem especificados.

    Quando os alomorfes apresentam a mesma freqncia,

    escolhe-se a forma bsica em funo do critrio da regularidade de

    formao.

    Explicitemos, atravs de um exemplo, o que se deve entender

    pelo critrio acima. O futuro do presente do indicativo, em

    portugus, expresso pelos morfemas -r- e -re-, que ocorrem trs

    vezes cada um: -r-, na segunda e terceira pessoas do singular e na

    terceira pessoa do plural (amars, amar, amaro); -re-, na

    primeira pessoa do singular e na primeira e segunda pessoas do

    plural (amarei, amaremos, amareis). Considerando que os

    morfemas indicativos de tempo e modo, em nossa lngua,

    apresentam todos formas bsicas em -a e variantes em -e (de acordo

    com o critrio estatstico), selecionamos, por paralelismo, -r- como

    forma bsica e -re- como variante (cf. quadro desses morfemas, s p.

    32 e 33).

    Nos casos em que uma das variantes ocorre isoladamente,

    enquanto a outra s aparece atrelada a um novo morfema, a primeira

    que deve ser tomada como forma bsica. Em portugus, o substantivo

    chapu possui a variante chapei-, s utilizada quando seguida de um

    morfema iniciado por vogal: chapelaria, chapeleiro. Como s a forma

    chapu pode ser empregada isoladamente (Vi um homem de chapu ),

    ela a forma bsica. Observemos, ainda, que mais econmico partir de

    chapu para prever chapei--. basta estabelecer a regra segundo a qual o -

    u passa a -/- diante de morfema iniciado por vogal. Se partssemos de

  • 22

    chapei-, como forma bsica, precisaramos de duas regras para chegar

    outra variante: o -/ passa a -u: 1) diante de pausa; 2) antes de morfema

    iniciado por consoante (p.ex., chapeuzinho).

    Para certos morfemas, conveniente postular uma forma bsica

    terica, no-documentada em sincronia. Em portugus, para

    explicarmos o plural do substantivo mar, poderamos partir de uma

    forma terica *mare (sincronica- mente, inexistente); o -e eliminado

    no singular e mantido no plural {mares). s vantagens dessa descrio

    so especificadas no captulo 5 (cf. p. 31-2).

    Alomorfe ou morfema

    Nos exemplos acima apontados, encontramos alomor- fes que se

    assemelham do ponto de vista fonolgico: in- / i-, chapu / chapei-.

    Observemos, contudo, que esse trao no condio para

    postularmos a existncia de variantes. No adjetivo amvel,

    depreendemos o morfema -vel, que se realiza como -bil- quando

    antecede morfemas iniciados por vogal: ama- bil-idade, ama-bil-ssimo.

    Os alomorfes -vel e -bil- esto fonologicamente muito mais distanciados

    do que as variantes dos outros exemplos apresentados.

  • 23

    Essas consideraes remetem-nos a um novo problema: diante de

    formas semanticamente aparentadas, preciso especificar os critrios

    que nos permitam estabelecer se se trata de morfemas diferentes ou de

    variantes de um mesmo morfema.

    Para elucidar a questo, devemos basear-nos no aspecto

    semntico. Em amvel / amabilidade, -vel e -bil- apresentam o mesmo

    sentido, o que nos leva a concluir que so alomorfes.

    Comparando, agora, os membros do par: altura / altitude,

    depreendemos os segmentos -ura e -itude, ambos formadores de

    substantivos abstratos a partir de radicais adjetivos. Em altitude, h

    aluso elevao acima do nvel do mar, o que no se verifica em

    altura-, acrescentemos, ainda, que s podemos falar na altura de um

    indivduo, e no em sua altitude. Por conseguinte, -ura e -itude so

    morfemas distintos, e no alomorfes.

    As observaes aqui apresentadas confirmam um aspecto que

    ressaltamos no captulo anterior: a depreenso dos morfemas no se

    reduz a um mero exerccio formal; fundamental que se leve em conta o

    elemento semntico.

    Morfema zero (0) e alomorfe zero (0)

    Ao tratarmos das tcnicas de segmentao morfem- tica,

    utilizamos um par que retomaremos aqui:

    falvamos falava

    Comparando as duas formas, destacamos 0 morfema -mos,

    indicativo de primeira pessoa do plural.

    Relativamente a falava, sabemos que representa a primeira ou a

    terceira pessoa do singular; no entanto, no se destacou nenhum

    segmento que exprima essas noes, a ausncia de marca que, aqui,

    indica a pessoa e o nmero. Nesse caso, falamos em morfema zero

    (representado por 0).

    S podemos postular um morfema 0 se trs condies forem

    satisfeitas:

    1) preciso que o morfema 0 corresponda a um espao vazio;

    2) esse espao vazio deve opor-se a um ou mais segmentos (no par

  • utilizado, o 0 de falava contrape-se ao -mos de falvamos);

    3) a noo expressa pelo morfema 0 deve ser inerente classe

    gramatical do vocbulo examinado. Em nosso exemplo, as noes de

    nmero e pessoa existem obrigatoriamente em qualquer forma verbal

    portuguesa.

    No par:

    fiel fielmente

    que nos conduz depreenso de -mente, no possvel postular um

    morfema 0 para fiel, porque, em portugus, morfemas como -mente

    (formador de advrbios de modo) no so extensivos a todos os

    adjetivos; no temos formas como triangularmente, vermelhamente

    etc. Assinalemos, tambm, que, mesmo em fielmente, o uso do segmento

    final no obrigatrio e automtico para exprimir a idia de modo; nada

    nos impediria de substitu-lo pela expresso de modo fiel.

    No o que se observa no par: casa

    casas

    em que destacamos -s, indicativo de nmero plural; o que nos permite

    afirmar que casa singular a ausncia de segmento destacvel. Temos,

    aqui, um exemplo de morfema 0 (de singular), porque a noo de

    nmero inerente a qualquer substantivo de nossa lngua.

    Quando, numa srie de alomorfes, houver a ausncia de um trao

    formal significativo num determinado ponto

    da srie, podemos designar como alomorfe 0 essa ausncia. o que

    se pode verificar no substantivo pires, que apresenta a mesma forma

    para o singular e para o plural; impossvel depreender, neste caso,

    qualquer segmento indicativo dessas noes. A idia de nmero

    aflora do contexto:

    o pires novo (sing.) os

    pires novos (pl.) 4

    Como, em portugus, os alomorfes de plural so -s, -es, -is, podemos

    dizer que pires constitudo do radical pires mais o alomorfe 0 de

    v 3 Q qUe se d,'tambm, com os demais substantivos; comparem-se:

    0 livro novo (sing.) os livros novos (pl.)

  • 25

    nmero (singular/plural).

    Em resumo, o morfema 0 ocorre numa srie de morfemas, ao

    passo que 0 alomorfe 0 ocorre numa srie de alomorfes.

    Classificao dos morfemas (1)

    Apresentaremos, aqui, a classificao dos morfemas, de cuja

    depreenso j se tratou nos captulos anteriores.

    De acordo com a doutrina de L. Bloomfield, as formas so

    classificadas em livres (conforme possam funcionar como enunciaes

    isoladas; p.ex.: mar, sol) e presas (quando s aparecem atreladas, como

    o -5 do plural em mesas).

    A fim de evitar a estreiteza de um critrio meramente formal,

    levaremos tambm em conta a funo dos elementos apresentdos, isto

    , o papel que representam dentro do vocbulo em que figuram.

    Feitos esses esclarecimentos, arrolamos, abaixo, os diferentes

    tipos de morfemas do portugus, tambm comuns a outros idiomas.

    Radical

    O radical corresponde ao elemento irredutvel e comum s

    palavras de uma mesma famlia. Considerando-se a srie: ferro /

    ferreiro / ferradura / ferramenta, o segmento fp" que, por satisfazer

    s exigncias especificadas, representa o radical.

    Devemos evitar a designao de raiz, vinculada perspectiva

    diacrnica. Como assinalamos no primeiro captulo, nem sempre h

    coincidncia entre os enfoques sincrnico e diacrnico: em comer, o

    radical com- (cp. comida, comilo), ao passo que a raiz ed-.

  • Afixos: prefixos e sufixos

    Designam-se afixos os morfemas que se anexam ao radical para

    mudar-lhe o sentido (p.ex.: fazer / des-fazer) ou acrescentar-lhe uma

    idia secundria (livro / livr-eco). Podem contribuir, ainda, para a

    mudana da classe do vocbulo: leal, adjetivo, com o acrscimo do afixo

    -dade, passa a substantivo: lealdade.

    Os afixos antepostos ao radical denomnam-se prefixos (des-leal,

    in-feliz, re-por); quando pospostos, recebem a designao de sufixos

    (cruel-dade, firme-mente).

    Assinale-se, contudo, que a diferena entre prefixos e sufixos no

    meramente distribucional. O acrscimo de um prefixo no contribui

    para a mudana de classe do radical a que se atrela, diferentemente do

    que ocorre com os sufixos, conforme se pode observar nos exemplos

    acima apontados

    Os prefixos agregam-se normalmente a verbos (re-fazer) e a

    adjetivos (in-quieto). Lembremos alguns traos de correspondncia

    entre verbos e adjetivos: o particpio passado fle- xiona-se em gnero e

    nmero (comprado(s), comprada(s)), semelhana dos adjetivos;

    certos verbos so substituveis por expresses constitudas de verbo de

    ligao seguido de um adjetivo (envelhecer / ficar velho; hesitar / estar

    hesitante).

    1 O sufixo pode, tambm, no alterar a classe gramatical do radical a que se junta;

    observe-se o exemplo ferreiro (subst.), derivado s ferro (subst.).

  • 27

    So raros os exemplos de prefixo preso a substantivo; geralmente isso se

    verifica com deverbais (des-respeito, re-torno).

    Acrescente-se, ainda, que os verbos formados por prefixao

    podem vir seguidos de complemento encabeado por preposio

    correspondente ao prefixo: concorrer com ..., depender de ..., embeber

    em ...

    Os sufixos, por sua vez, podem ser nominais, quando contribuem

    para a formao de nomes (substantivos e adjetivos), e verbais. Como

    exemplos dos primeiros, temos -mento e -al (armamento e mortal)', em

    portugus, h um nmero considervel de sufixos verbais: -ejar, -ear, -

    izar, -e(s)cer, -itar (purpurejar, galantear, civilizar, florescer, saltitar).

    Temos

    um s sufixo adverbial --------- mente , que se prende forma

    feminina do adjetivo: lindamente, firmemente.

    Certas lnguas apresentam, alm dos prefixos e sufixos, os infixos,

    que se inserem no radical. No existem infixos em nossa lngua; o -z- de

    cafezal, classificado como infixo em gramticas anteriores NGB, , na

    verdade, uma consoante de ligao: no est inserido no radical, nem

    imprime a este um sentido especfico (a idia de coletivo est em -al\ cp.

    laranjal). Dedicamos, adiante, um pargrafo ao estudo desses^fonemas

    de ligao em portugus.

    Desinncias

    So os morfemas terminais das palavras variveis. Servem para

    indicar as flexes de gnero e nmero (desinncias nominais), e de

    modo-tempo e nmero-pessoa (desinncias verbais).

    Embora se coloquem direita do radical, como os sufixos,

    apresentam duas diferenas importantes com relao a estes. As

    desinncias, atravs da concordncia a elas associada, colocam a palavra

    na frase: em

    Os alunos estudiosos progridem

  • 28

    os e estudiosos, como elementos subordinados a alunos, concordam

    com esse substantivo em gnero e nmero; o sujeito alunos e o verbo

    progridem concordam em nmero e pessoa. O sufixo, por sua vez,

    possibilita a criao de uma nova palavra, que se acrescenta ao lxico da

    lngua: anexando ao substantivo ferro o sufixo -eiro, obtemos um novo

    substantivo, ferreiro.

    Outra diferena importante a levar em conta que as desinncias

    so morfemas que no se podem dispensar; p.ex., toda forma verbal

    portuguesa est associada s noes de modo e tempo e de nmero e

    pessoa.

    Essas consideraes permitem-nos rever o problema do grau,

    interpretado em nossas gramticas como flexo.

    Observemos que a expresso do grau no implica concordncia:

    um carrinho novo 5. Notemos, ainda, que, em vez de carrinho,

    poderamos dizer carro pequeno, ou seja, -inho no elemento de

    emprego obrigatrio.

    No havendo concordncia nem obrigatoriedade de uso desse

    elemento, o grau no constitui um caso de flexo; -inho sufixo, e

    estamos diante de um exemplo de derivao sufixai.

    O substantivo, em portugus, flexiona-se apenas em gnero e

    nmero, e dos morfemas correspondentes a essas flexes que nos

    ocuparemos a seguir.

    Desinncias de gnero

    O gnero, em portugus, pode exprimir-se atravs de flexo (p.ex.:

    garoto / garota), de derivao (quando uma das formas, masculina ou

    feminina, formada pelo acrscimo de um sufixo ao radical: p.ex.: conde

    / condessa) ou

    5 Embora seja possvel dizer um carrinho novinho, no se trata de uma construo

    obrigatria.

  • 29

    de heteronmia (caso de masculino e feminino representados por dois

    vocbulos completamente diferentes: p.ex.: bode / cabra).

    Enfocaremos, aqui, apenas o primeiro recurso mencionado, ou

    seja, a flexo.

    Ao contrrio do que vinha afirmando a tradio gramatical

    portuguesa, segundo a qual a uma forma masculina em -o se ope uma

    forma feminina em -a, Mattoso Cmara prope uma descrio original,

    de masculino em 0 oposto a um feminino em -a.

    O argumento do autor que no podemos considerar -o como

    marca de masculino por opor-se a -a (como no par garoto / garota,

    acima), porque esse mesmo raciocnio nos obrigaria a considerar como

    masculino o -e de mestre (que tambm, se ope a -a\ cf. mestre /

    mestra). Se fcil associar -o a masculino, o mesmo no se d com -e,

    que pode estar ligado a um ou outro gnero (comparem-se, p.ex., ponte

    (fem.) e monte (masc.)). No caso, a soluo mais plausvel considerar o

    masculino como uma forma desprovida de flexo especfica, em

    oposio ao feminino, caracterizado pela flexo em -a. A vogal final das

    formas masculinas seria, ento, uma vogal temtica (de que falaremos

    mais adiante).

    Entretanto, a observao de alguns fatos leva-nos a rever essa

    posio. Note-se, p.ex., que, quando se acrescenta a uma palavra

    feminina uma terminao que contenha -o, essa palavra passa a

    masculina:

    mulher (fem.) / mulherao (masc.) cabea (fem.) / cabealho (masc.)

    Lembremos, ainda, que o povo, em sua linguagem espontnea, cria

    formas masculinas sempre em -0; p.ex., faz-se corresponder ao feminino

    coisa o masculino coiso, inexistente na lngua culta. So tambm dignas

    de nota formas como corujo, criano, madrasto.

    Essas observaes conduzem-nos concluso de que -o est

    intimamente associado noo de masculino: a fie-

  • 30

    xo de gnero no se reduz a uma oposio 0 / -a, e, sim, a uma

    oposio -o / -a.

    A desinncia -o apresenta as variantes 0 (peru / perua, autor /

    autora) e u semivoclico (europeu / europia', mau / mo).

    Desinncias de nmero

    Comparando os membros do par mesa /

    mesas

    verificamos que, enquanto o plural caracterizado pelo -s, o singular

    no apresenta nenhuma desinncia especfica.

    A ausncia de desinncia para o singular permite-nos afirmar que,

    no que se refere ao nmero, o singular caracterizado pelo morfema 0,

    ao passo que o plural marado pela desinncia -s.

    Com relao aos nomes paroxtonos terminados em -s, como lpis,

    simples, que permanecem invariveis no singular e no plural, podemos

    considerar um alomorfe 0. Nesses casos, a identificao do nmero d-

    se atravs da concordncia:

    lpis preto / lpis pretos

    Quanto aos nomes terminados em consoante, destacaremos, a

    ttulo de ilustrao, os que apresentam as terminaes -r e -z. A

    formao do plural de nomes como mar e cruz pode ser explicada de

    duas maneiras.

    Podemos considerar que, em mares e cruzes, foi acrescentado o

    alomorfe -es (da desinncia -s) aos radicais mar e cruz: mar-es; cruz-es.

    Outra possibilidade de explicao partir das formas tericas

    /mares * cruze 6. Poderamos, ento, afirmar que, no singular, 0 -e

    desaparece e se mantm apenas no plural:

    6 A forma terica (cf, aqui, p. 22) corresponde a uma realizao que, embora no encontrvel em sincronia, postulada como ponto de partida para estabelecer relaes entre formas aparentadas fonolgica e morfologicamente. Convenciona-se indic-la antecedida de um asterisco.

  • 31

    0

    mar (sing.)

    mares (pi.) cruz

    (sing.)

    cruzes (pi.)

    A primeira soluo conduz-nos a uma descrio em que, ao lado da

    forma bsica da desinncia, devemos apresentar uma srie de variantes,

    com a especificao dos respectivos contextos. No o que ocorre com a

    segunda soluo, que nos possibilita a apresentao de um quadro mais

    econmico: a desinncia do plural sempre -s, sem que seja necessrio

    falar em variantes; a vogal que, eventualmente, antecede o -s

    incorporada forma terica.

    Saliente-se, todavia, que a escolha de uma o de outra

    possibilidade se pauta exclusivamente pela considerao do aspecto

    econmico; no se trata de contrapor uma descrio correta a outra,

    incorreta.

    Desinncias verbais

    H dois tipos de desinncias verbais: as que exprimem modo e

    tempo (modo-temporais) e as que indicam nmero e pessoa (nmero-

    pessoais). Nas formas verbais portuguesas, semelhana do que ocorre

    com outros idiomas, as desinncias modo-temporais precedem as

    nmero-pessoais.

    Apresentamos, abaixo, o quadro dessas desinncias,

    acompanhadas das respectivas variantes.

    Desinncias modo-temporais

    Indicativo

    presente:

    mare

    cruze

  • 32

    -e- (1 ? conj.)

    -a- (2? e 3? conj.) :

    s se-

    -r- . (var.: -re-)

    (var.: -re-)

    -ndo-

    -do .

    prt, imperf.: -i/a- (1? conj.) : (var.: -ve-)

    ia- (2? e 3? conj.) (var.: -ie-)

    prt, perf.: 0 (para as cinco primeiras

    'pessoas)-.

    -ra- (para a 3? pess. do pl.) prt, mais-

    que-perf.: -ra- (tono) (var.: -re-)

    fut. do pres.: -r- (tnico) ; (var.: -re-, tnico)

    fut. do prt.: -ria- (var.: -rie-)

    Subjuntivo

    . pres.:

    imperf fut.:

    Formas verbo-nominais

    inf.: ger.: part, pass

    Desinncias

    nmero-

    pessoais : Singular 1? pess.: 0 (var.: -0 (prs, indic.)

    -[ 7 (prt. perf. e fut. do prs.)) 2?

    pess.: -s . (var.: -ste (prt, perf.))

    3? pess.: 0 (var.: -y 4 (prt, perf.))

    Plural

    1? pess.: -mos

    2? pess.: - j s4 (var.: -stes (prt, perf.)

    des (fut. do subj. e inf. fle-

    xionado)). 3? pess.: -m

    7 O sinal sob 0 i e 0 11 indica que sc trata do / e do u semivoclicos (p.

    ex.,.em amei c amou). :

  • Os quadros acima correspondem ao levantamento das desinncias

    verbais, segundo M. Cmara (cf. bibliografia) e merecem alguns

    comentrios.

    Observemos, inicialmente, que o critrio estatstico que nos

    permite distinguir as formas bsicas dos alomorfes: p.ex., no pretrito

    imperfeito-do indicativo (primeira conjugao), a desinncia -va- (que

    ocorre na primeira, segunda e terceira pessoas do singular, bem como

    primeira e terceira pessoas do plural); -ve-, por figurar apenas na

    segunda pessoa do plural {amveis), o alomorfe.

    As desinncias acima ilustram, tambm, o fenmeno da

    cumulao: exprimem tempo e modo, simultaneamente, bem como

    nmero e pessoa. Algumas acumulam outros Valores gramaticais: o

    caso da desinncia nmero-pessoal -o, que, por figurar apenas no

    presente do indicativo, passa tambm a ser marca desse tempo e modo.

    Vogais temticas

    As vogais temticas acrescentam-se, normalmente, ao radical

    para'constituir uma base, qual so anexadas as desinncias. Sua

    posio , pois, entre o radical e a desinncia.

    Tm por funo marcar classes de nomes e verbos.

    Distinguiremos vogais temticas nominais e verbais, a exemplo do que

    vimos com as desinncias.

    Vogais temticas nominais

    As vogais temticas nominais, em portugus, so -a, -e e -o,

    respectivamente.

    Considerando-se que -a e -o tambm podem ser desinncias de

    gnero, como vimos acima, surge a necessidade de explicitar o critrio

    que nos permite classificar essas terminaes como vogais temticas.

  • 34

    L

    Enquanto -o e -a desinenciais comutam com -a e -o,

    respectivamente, para exprimir mudana de gnero

    comparem-se:

    menin I o garot a : inenin I a garot o

    , o mesmo no ocorre com as vogais temticas: no

    existe uma forma livra feminino de livro, como no h uma

    forma carto como masculino de carta. Acrescente-se,

    ainda, que -o e -a temticos no se associam necessariamente s noes

    de masculino e feminino, como os exemplos livro e carta poderiam

    levar-nos a crer; lembrem-se os vocbulos libido (fem.) e mapa (rnasc.).

    A vogal temtica -o apresenta, em alguns vocbulos, a variante -

    u; p.ex., no adjetivo lutuoso, o -u- est no lugar do -o temtico (cf. luto).

    Isso ocorre com relativa freqncia, quando ao -o temtico se anexa

    uma desinncia ou um sufixo iniciado por vogal (comparem-se:

    conceito / conceituai / conceituar / conceituoso. Observe-se, contudo,

    que a passagem de -o a -u- no automtica, no contexto especificado.

    Se a conceito correspondem conceituar / conceituoso, & respeito

    correspondem respeitar / respeitoso (com eliso e crase,

    respectivamente, do -o)).

    Existem, tambm, nomes atemticos, desprovidos da referida

    vogal. o caso dos substantivos terminados em vogal tnica: cip, caf.

    O acrscimo de sufixo a esses vocbulos no implica a queda da vogal

    tnica final

    cipoal, cafezinho , o que mostra que essa vogal no destacvel e

    faz parte integrante do radical.

    Com relao aos substantivos terminados em consoante, podemos

    consider-los como atemticos ou no. Num quadro descritivo em que

    mar apresentado como um substantivo cujo plural se obtm atravs

    do alomorfe -es mar-es , podemos afirmar que os nomes

    terminados em consoante so atemticos; se, para explicar o plural do

    substantivo em questo, postularmos a forma terica *mare, somos

    obri

  • 35

    gados a reconhecer no -e a vogal temtica. Em resumo, para os nomes

    terminados em consoante, a vogal temtica ser ou no postulada,

    conforme o quadro descritivo escolhido.

    Vogais temticas verbais

    Em nossa lngua, so trs as vogais temticas verbais: -a-

    (primeira conj.), -e- (segunda conj.) e -/- (terceira conj.). praxe

    identific-las pelo infinitivo; so as vogais que antecedem o -r

    desinencial: cim-a-r, vend-e-r, part-i-r.

    Das trs vogais temticas verbais, a mais produtiva a que

    caracteriza a primeira conjugao, visto que todos os verbos novos so

    a ela incorporados: discar, tricotar.

    A vogal temtica da primeira conjugao apresenta as variantes -

    e- e -o-, respectivamente (na primeira e na terceira pessoas do singular

    do pretrito perfeito do indicativo: amei, amou); a nica variante da

    vogal temtica da segunda conjugao que ocorre no pretrito

    imperfeito do indicativo, na primeira pessoa do singular do pretrito

    perfeito do indicativo e no particpio passado (vendia, vendi, vendido).

    falso interpretar a ausncia de vogal temtica numa

    formaverbal como um caso de alomorfe 0. Em formas como amo e

    ame, p.ex., no figura a vogal temtica em virtude da regra fonolgica

    da eliso: uma vogal tona que cai em contato com a vogal da

    desinncia:

    ama + o - amo; ama + e = ame

    No caso de vendia, deu-se a crase do alomorfe (da vogal temtica) com

    a vogal inicial da desinncia -ia:

    vend + i + ia - vendia

    Como possvel recuperar a vogal temtica, devemos sempre

    postul-la; sua ausncia fica facilmente explicada pela aplicao de

    regras fonolgicas gerais em portugus.

    Lembremos, ainda, que o morfema (e o alomorfe) 0 no pode(m)

    ser recuperado(s): quando afirmamos que a

  • 36 -

    desinncia do singular 0, em oposio ao -5 do plural, no h

    nenhum elemento que possamos pr no lugar de 0.

    A vogal temtica verbal aparece, tambm, em adjetivos

    formados a partir de um tema verbal: am--vel. Esse fato refora a

    afirmao que fizemos acima (no pargrafo relativo aos afixos),

    com relao ao parentesco entre verbos e adjetivos.

    Em alguns substantivos deverbais, freqente a ocorrncia de

    duas vogais temticas, uma verbal e outra nominal, como se pode

    observar em um exemplo como armamentov em que 0 segundo -a-

    a vogal temtica da primeira conjugao, e o -o vogal temtica

    nominal.

    Vogais e consoantes de ligao

    J fizemos referncia aos fonemas de ligao em portugus

    quando tratamos dos afixos. Vamos enfoc-los, agora, mais

    detidamente.

    Os fonemas de ligao so os que ocorrem no interior do

    vocbulo, normalmente entre 0 radical e o sufixo (ou entre dois

    radicais, no caso de alguns compostos). Sua utilizao est,

    geralmente, ligada eufonia, 0 que no impede que possam surgir

    por razes analgicas, como veremos mais adiante.

    Quanto s vogais de ligao, em portugus, a rigor existem

    apenas duas: /// e / o / . A vogal /// figura na composio de

    elementos latinos; / o / , na composio de elementos gregos.

    O /// de ligao ocorre em vrios contextos, mas vamos fixar-

    nos nos exemplos em que essa vogal antecede o sufixo -dade:

    dignidade, facilidade.

    A existncia do adjetivo digno e do sufixo -dade no

    antecedido de /// (como em lealdade, ruindade) mostra-nos que esse

    /// deve ser interpretado como uma vogal de ligao. Poderamos,

    tambm, imaginar que se trata de uma' variante da desinncia -0 do

    adjetivo digno, em contato

    com o sufixo; todavia, essa interpretao inaceitvel, se levarmos em

    conta o outro exemplo proposto facilidade , para o qual o /// no

    pode ser analisado como variante de desinncia.

    Com relao aos pares

    srio / seriedade [sbrio / sobriedade]

  • 37

    [prprio / propriedade]

    observamos que, com os adjetivos terminados em -io, o -o passa a -e-

    quando se lhe anexa o sufixo. Nesses casos, podemos afirmar que o /e/

    uma variante (fonologica- mente condicionada) da vogal ///.

    Quanto vogal /

  • 38

    !

    A integrao da consoante ao sufixo, e no ao radical, resulta da

    observao de certos paralelismos: -zinho (var. de -inho) (cf.

    cafezinho, menininho); por conseguinte, -zal (var. de -al), j que se

    trata da mesma consoante de ligao.

    A segunda segmentao parece mais econmica e coerente:

    divide o vocbulo em apenas dois elementos e elimina o fonema de

    ligao, que no tem carter mrfemtico.

    Ressaltemos, entretanto, que a escolha da soluo mais simples ditada

    exclusivamente pela preocupao com . a economia descritiva. Se

    reconhecermos a produtividade dos fonemas de ligao em portugus,

    nada nos impede d dar a eles o devido destaque.

  • 6

    Classificao dos morfemas (2)

    Apresentamos, no captulo precedente, uma classificao dos

    morfemas do ponto de vista funcional.

    Levando em conta a face significante (o material fnico)

    desses segmentos, podemos propor outro tipo de classificao, que

    privilegie o aspecto formal. Esse enfoque no se contrape ao que

    j apresentamos; pelo contrrio, permite destacar novos aspectos

    dos morfemas examinados.

    Basear-nos-emos no que diz J. Mattoso Cmara Jr., em seu

    Dicionrio de lingstica e gramtica (verbete morfema). Segundo o

    autor, os morfemas, do ponto de vista do significante, podem; ser:

    aditivos, subtrativos, alternativos, reduplicativos, de posio e zero.

    Passamos a especificar, abaixo, os traos caractersticos de

    cada um desses diferentes tipos.

    Morfemas aditivos

    Como o nome o indica, os morfemas aditivos.so segmentos

    que se anexam a um ncleo (geralmente, o radical). Apontmos

    como exemplos os afixos (prefixos e sufixos),

    as vogais temticas (nominais e verbais) e as desinncias (nominais e

    verbais). So os que predominam em portugus, bem como em outros

    idiomas.

    Quando dois ou mais morfemas se agregam a um ncleo, sua

  • 42

    combinatria rgida e a ordem dos segmentos determinada de

    forma bem especfica. A ttulo de ilustrao, examinemos a seqncia

    dos elementos constitutivos da forma verbal portuguesa; em

    marchvamos, aps as comutaes necessrias, destacamos os

    morfemas march- (Rd) + -- (VT) + -v- (DMT) + -mos (DNP)

    (em que Rd = radical; VT = vogal temtica; DMT = desinncia modo-

    temporal; DNP = desinncia nmero-pessoal).

    Como o radical e a vogal temtica constituem uma base o

    tema , e os elementos seguintes so desinenciais, podemos dividir a

    forma apresentada em dois blocos: T (Rd + VT) + D (DMT + DNP)

    (em que T = tema), salientando, contudo, que essa ordem no pode ser

    alterada.

    Em vocbulos em que figuram mais de um prefixo ou sufixo, a

    seqncia tambm rgida: recompor (*conre- por), amavelmente.

    Com relao a recompor, o prefixo re-, que exprime repetio, est

    semanticamente menos integrado a pr do que o prefixo com-; da, a

    sua posio mais perifrica. O mesmo pode notar-se nas construes

    sintticas: quando dois adjetivos modificam um mesmo substantivo, o

    adjetivo semanticamente menos coeso o que mais se distancia com

    relao ao ncleo substantivai: cu azul maravilhoso .

    A seqncia exemplificada em amavelmente explicada por

    fatores de ordem estrutural: o sufixo -vel formador de adjetivos, e -

    mente forma advrbios de modo, atre- lando-se direita da forma

    feminina do adjetivo. Portanto, preciso que, inicialmente, se agregue

    -vel para obter o adjetivo; em seguida, anexa-se o sufixo adverbial.

    Essas consideraes mostram que os morfemas apresentam

    diferentes graus de coeso relativamente ao ncleo, o que explica a

    existncia de determinadas combinatrias.

    Observemos, ainda, que determinados morfemas aditivos so

    bloqueadores, isto , uma vez acrescentados ao ncleo, impedem a

    anexao de qualquer outro morfema: o caso do -s de nmero plural.

    Em um vocbulo como armamento, no podemos afirmar que o sufixo

    bloquea- dor, porque podemos ainda acrescentar-lhe outro sufixo, -

    ista: armamentista; contudo, o acrscimo de -s bloqueia a forma:

  • 43

    armamentos, em que no possvel anexar nenhum outro elemento.

    Diferentemente do -s8 do plural, as vogais temticas e os sufixos no

    so morfemas bloqueadores (comparem-se: amA / amAr,

    amssemos; respeitOSa / respeitOSamente).

    Morfemas subi rati vos

    puando se d a supresso de um fonema do radical para

    exprimir alguma diferena de sentido, tem-se o morfema subtrativo.

    Embora bem mais raro que os morfemas aditivos, h um exemplo

    interessante em portugus.

    Examinando os pares

    ano / an irmo / irm rfo / rf

    podemos afirmar que o feminino obtido atravs da eliminao do -o

    do masculino. Na descrio da flexo desses pares, mais econmico

    partir da coluna correspondente ao feminino, o que nos permite

    formular a regra segundo a qual o masculino formado pelo

    acrscimo de -o forma do feminino. Se partssemos dos masculinos,

    no poderia- mos afirmar que o feminino resulta da queda do -o, por-

    que os substantivos em -o apresentam vrios tipos de femininos: ano

    / an ; leo / leoa ; sulto / sultana. Em outras palavras, quando o

    feminino em -, o masculino automaticamente em -o; se o

    masculino termina em -o, h possibilidades variadas de feminino, o

    que nos obrigaria a estabelecer listagens.

    No cabe, aqui, a interpretao das formas femininas. an, irm

    e rf como casos de morfema 0. J vimos que a desinncia de gnero

    feminino em portugus -a; a vogal - do radical funde-se com o -a

    desinencial, segundo a regra fonolgica da crase. Assim, temos: irma

    irm.

    Como possvel recuperar a desinncia, no podemos postular

    um morfema 0, de acordo com o que observamos s pginas 36 e 37.

    8 Note-se, tambm, que o nico que pode permutar com relao ao substantivo:

    maravilhoso cu azul "azul' cu maravilhoso

  • 44

    Morfemas alternativos

    Consistem na substituio de fonemas do radical, que passa a

    apresentar duas ou mais formas alternantes; dessa alternncia resulta

    o morfema.

    Examinaremos, aqui, os casos de alternncia voclica, muito

    freqentes em portugus. Podemos distinguir trs tipos de

    alternncia de timbre da vogal tnica:

    1) / / - / / ; / / - / /

    , Essas alternncias aparecem em alguns nomes e pronomes, na

    oposio entre singular e plural, ou entre masculino e feminino: olho /

    olhos; esse / essa.

    Tambm ocorrem em alguns verbos da segunda conjugao,

    opondo, no presente do indicativo, a primeira pessoa do singular s

    demais pessoas que apresentam acento tnico no radical: bebo / bebes

    ; corro / corres.

    2) / / - / i / ; / / - / 11/

    Estabelecem distino, nos pronomes, entre o animado e 0

    neutro: aquele / aquilo ; todo / tudo.

    Designamos como verbos fortes um pequeno grupo de verbos

    irregulares em que a primeira e a terceira pessoas do singular do

    pretrito perfeito do indicativo tm acento tnico no radical, sem

    desinncia especfica. Alguns deles apresentam a alternncia

    especificada neste item: fez / fiz ; ps / pus.

    3) /i/-//; /U/-//

    Ocorre em alguns verbos da terceira conjugao, onde

    diferencia, no presente do indicativo,.a primeira pessoa das demais,

    que tambm apresentam acento tnico no radical: firo / feres ; acudo /

    acodes.

    Os trs tipos acima propostos exigem alguns comentrios.

    Notemos, inicialmente, que so extensivos s flexes nominal e verbal,

    com exceo do terceiro, que jjaracters- tico apenas dos verbos.

    Percebemos, assim, um paralelismo entre nomes e verbos no que se

    refere a alguns traos de flexo, o que simplifica e facilita o estudo

    desse aspecto.

  • 45

    Observemos, ainda, que a alternncia voclica se constitui num

    trao redundante. Nos exemplos apresentados, as flexes de gnero,

    nmero e pessoa so expressas por desinncias, ou seja, por morfemas

    aditivos. excepcional, em nossa lngua, que a simples alternncia

    sirva para distinguir formas: nos nomes, s h um exemplo de

    oposio masculino/feminino baseada exclusivamente na alternncia:

    av/av.

    Tambm nos verbos fortes, acima mencionados, a alternncia

    basicamente distintiva. Afora esses casos, sempre um trao paralelo

    s desinncias flexionais, e, portanto, redundante.

    Salientamos, ao tratar dos morfemas subtrativos, que era mais

    econmico descrever os pares apresentados partindo das formas

    femininas. Com relao s formas que apresentam alternncia

    voclica, conveniente, por razes de economia descritiva, estabelecer

    como formas bsicas as de vogal mais aberta. Utilizaremos, a ttulo de

    exemplificao, apenas dois exemplos extrados do primeiro tipo.

    No caso do plural dos nomes, basta formular uma regra segundo

    a qual a vogal tnica se fecha no singular: olhos -> olho. O fechamento

    da vogal no singular automtico. Se partssemos do singular para

    explicar o plural, teramos que proceder listagem de excees, pois

    h exemplos de pares em que a vogal tnica igualmente fechada no

    singular e no plural: bolso / bolsos.

    Com os verbos da segunda conjugao, a forma bsica a

    segunda pessoa do singular, cuja vogal tnica se fecha

    automaticamente na primeira pessoa: bebes bebo. Nem sempre a vogal

    tnica da primeira pessoa se abre nas demais: comparem-se temo /

    temes, o que, mais uma vez, nos obrigaria a elaborar listas.

    Apontemos, finalmente, o caso da alternncia pros- dica, que

    corresponde s diferenas de posio do acento para marcar o

    contraste entre nomes e verbos:

    dvida / duvida

    fbrica / fabrica

    Nesses pares, os proparoxtonos so substantivos, ao passo que os

    paroxtonos so verbos.

  • 46

    Morfemas reduplicativos

    Em alguns idiomas, a repetio da parte inicial do radical

    (especificamente, a primeira consoante seguida da primeira vogal que,

    em alguns casos, toma o timbre e) tem valor morfolgico. o que se

    verifica em latim, em que certos verbos apresentam, no pretrito

    perfeito do indicativo, uma forma caracterizada pela reduplicao ou

    redobro: cano, canto / cecini; do, dou / dedi.

    Ao lado desse tipo de reduplicao, havia, tambm, em latim, o

    chamado redobro expressivo ou intensivo, com repetio da consoante

    inicial do radical acompanhada de uma vogal acrescida da vibrante

    /r/: murmur, murmrio ; tur- tur, rol (ave). Diferentemente da

    reduplicao anterior,

    o redobro expressivo tinha por funo dar mais realce ao vocbulo;

    seu emprego, portanto, era mais estilstico. Observe- se o carter

    onomatopico dos exemplos apresentados.

    Esses morfemas tambm so, de certa forma, aditivos;

    diferenciam-se, contudo, destes ltimos pelo fato de que no o

    elemento acrescido que tem valor morfolgico, e sim sua repetio.

    A lngua portuguesa no apresenta morfemas redupli-

    cativos. Em nossa lngua, o fenmeno da reduplicao comum na

    linguagem infantil e nos hipocrsticos: papai, mame, vov, Zez,

    Fifv, ocorre, tambm, em alguns compostos : pingue-pongue, reco-

    reco, tique-taque. Saliente-se, porm, que esses exemplos no se

    revestem de valor morfolgico: ilustram, na verdade, o chamado

    redobro expressivo, de que falamos acima.

    sVIorfema de posio

    A disposio dos morfemas na frase pode ter valor

    gramatical. Comparem-se: Joo v Jos (Joo: sujeito; Jos:

    objeto) e Jos v Joo (Jos: sujeito; Joo: objeto).

    morfema de posio distingue-se dos outros tipos aqui

    apresentados por no se constituir nem em acrscimo, nem em

    subtrao de segmentos.

    Convm ressaltar que, ao lado das combinaes que'

  • 47

    implicam mudana de funo, como ilustrou o exemplo acima,

    temos seqncias de ordem livre, como, p.ex., em: Hoje, vou sair /

    Vou, hoje, sair / Vou sair, hoje, em que a posio varivel do

    advrbio no lhe altera a funo. Acrescente-s, ainda, que h

    combinatrias que no podem ocorrer: * homem o (diferentemente

    do que se passa em romeno, em que o artigo posposto: omut).

    Como, para os lingistas de orientao distribuciona- lista, as

    combinaes de segmentos internos ao vocbulo so estudadas na

    morfologia, cabendo sintaxe o estudo

    das combinaes ao nvel da frase, o morfema de posio ocuparia, a

    rigor, um captulo importante da sintaxe.

    No entanto, a impossibilidade de formar seqncias como *

    homem o no , fundamentalmente, diferente da impossibilidade de

    formar *falmosva (por falvamos). Isso nos leva a ver, no morfema

    de posio, um tipo limtrofe entre a morfologia e a sintaxe, o que

    dificulta o estabelecimento de uma rgida linha divisria entre os dois

    campos.

    Morfema zero (0)

    J fizemos, ao longo deste livro, algumas referncias ao morfema

    e ao alomorfe 0.

    So comuns, em portugus, os exemplos de morfema 0 na flexo

    verbal: com freqncia, as desinncias modo- temporais e nmero-

    pessoais so representadas por esse tipo de morfema. Lembremos,

    contudo, que no se deve postular um morfema 0 quando estamos

    diante de um elemento recupervel: em ame, no se deve falar em

    vogal temtica 0, visto que, no tema amA-, a vogal temtica se elide

    antes da desinncia modo-temporal -e: am(a)e.

    Essa observao deve, portanto, prevenir-nos contra um uso

    indiscriminado do morfema 0, que s deve ser postulado em casos de

    real necessidade.

    Os diferentes tipos de morfema apresentados neste captulo

    agrupam-se em trs blocos, caracterizados, respectivamente, pelo

    acrscimo, pela subtrao e pela alternncia de segmentos. =

  • 48

    >

    Em portugus, predominam, como j se observou, os morfemas

    aditivos; so freqentes, tambm, os alternativos (normalmente,

    redundantes com relao aos morfemas segmentais), no terreno das

    flexes nominal e verbal. Raros so os casos de morfemas subtrativos

    em nossa lngua.

  • 7 Concluso

    O exame da complexidade do vocbulo conduziu-nos anlise de

    seus elementos constitutivos. Partindo de pares mnimos, cujos

    membros devem apresentar uma relao de semelhana e uma relao

    de diferena, depreendemos, atravs das tcnicas explicitadas, os

    morfemas, unidades mnimas portadoras de sentido.

    O interesse da depreenso dos morfemas resulta de seu carter

    produtivo: so elementos recorrentes, reutilizados em centenas de

    vocbulos, e, portanto, vivos na lngua. Eis por que as tcnicas

    propostas adquirem particular importncia.

    Por razes metodolgicas, privilegiamos o ponto de vista

    sincrnico, o que no significa que subestimemos o enfoque

    diacrnico. O prvio conhecimento sincrnico ajuda a entender

    determinados fatos de evoluo: a maior resistncia de morfemas mais

    produtivos e mais freqentes; relativamente aos morfemas

    semanticamente aparentados, a tendncia ao maior emprego de um

    deles em detrimento do(s) outro(s) ou o desenvolvimento de uma nova

    diferena entre eles. Em portugus, com relao aos sufixos verbais -

    ejar e -ear, de valor freqentativo, nota-se a tendncia ao uso mais

    constante da primeira forma; observem-se os verbos: branquejar (ao

    lado de branquear), purpurejar (ao lado de purpurear). Os sufixos

    formadores de substantivos dever- bais, -mento e -o, quando se

    anexam ao mesmo tema, formam um par cujos membros se

  • 50

    diferenciam semanticamente: armamento / armao ; coroamento /

    coroao.

    Devem ser ressaltados, tambm, certos paralelismos que

    caracterizam a morfologia portuguesa. No pargrafo relativo aos

    morfemas alternativos, mostramos como os mesmos tipos de

    alternncia ocorrem nas flexes nominal e verbal.

    Outro fato importante a destacar a integrao que se

    estabelece entre algumas noes: mostramos, no captulo 5, que os

    nomes terminados em consoante so temticos ou no, em funo do

    quadro descritivo escolhido para explicar o plural. Se optarmos por

    uma descrio que privilegie as variantes, diremos que o plural de

    mar (mares) formado pelo acrscimo do alomorfe -es ao radical; se

    preferirmos economizar as variantes, partiremos da forma terica

    *mare, cuja vogal temtica desaparece no singular e se mantm no

    plural. Vemos, assim, que a flexo de nmero e as vogais temticas

    nominais so tpicos que no se dissociam. Tambm esto associadas

    s vogais temticas e s desinncias de gnero as vogais de ligao:

    num primeiro momento, preciso esclarecer que, em dignidade, o

    destacado no variante da desinncia de gnero masculino -o,

    levando-se em conta uma forma como facilidade, para a qual no

    seria cabvel essa interpretao.

    Convm, ainda, salientar que o estudo dos processos de

    formao de palavras pressupe o conhecimento das tcnicas de

    segmentao morfemtica e da classificao dos morfemas (tanto do

    ponto de vista funcional, quanto do ponto de vista significante). O

    prprio conceito de derivao vocabular o acrscimo de afixos a

    um radical

    implica o conhecimento dos elementos mencionados.

    Os estudos de J. Mattoso Cmara Jr., relativos s flexes

    nominal (de gnero e nmero) e verbal, representam um avano- com

    relao s descries propostas em nossas gramticas tradicionais e

    tambm pressupem o conhecimento de algumas informaes tericas

    e o domnio de tcnicas implcitas na obra do autor, mas cuja

    explicitao detalhada se faz necessria para muitos leitores que tero

    um primeiro contato com os textos mattosianos. Esperamos que as

    tcnicas de segmentao e a classificao dos morfemas depreendidos,

  • 51

    que desenvolvemos ao longo deste livro, possam contribuir para o

    preenchimento dessas lacunas.

    8 Exerccios de aplicao

    Levando em conta as dificuldades de segmentao morfemtica

    de certos vocbulos mais complexos, apresentamos, neste captulo,

    alguns exerccios comentados. Propomos, tambm, algumas questes,

    para cuja soluo o estudante pode basear-se no(s) exerccio(s)-modelo.

    Embora fosse mais interessante utilizar a transcrio fonolgica,

    preferimos, a ttulo de simplificao, exemplificar com a forma escrita

    dos vocbulos.

    O objetivo desses exerccios , tambm, acrescentar algumas

    observaes relativas aos morfemas do portugus.

    1) Depreender, pela tcnica da comutao, os morfemas constitutivos

    do vocbulo deslealdade.

    Como observamos no captulo 3, levaremos em conta que o vocbulo

    proposto se relaciona com outros, com os quais apresenta relaes de

    semelhana e de diferena. Esse trao permite-nos estabelecer pares,

    que podem ser comparados. Inicialmente, comparemos deslealdade

    com desleal:

    deslealdade desleal

    o que nos leva a depreender -dade, sufixo.

  • 52

    Prosseguindo, cotejemos desleal com leal. praxe (embora no

    seja obrigatrio) estabelecer o novo par a partir do segundo elemento

    do par inicialmente apresentado

    desleal leal

    o que nos conduz depreenso de des-, prefixo.

    O adjetivo leal indecomponvel e representa o radical do

    vocbulo em questo.

    O vocbulo proposto apresenta, portanto, os seguintes morfemas:

    des- : prefixo leal : radical

    -dade : sufixo

    2) Destacar os morfemas constitutivos do vocbulo desres-

    peitosamente.

    Estabeleamos, inicialmente, o par

    desrespeitosamente desrespeitosa

    que nos permite destacar -mente, sufixo.. Considerando o novo par,

    desrespeitosa respeitosa

    depreendemos des-, prefixo. Prosseguindo, temos

    respeitosa respeito

    o que nos leva depreenso de -sa. Aqui, o verdadeiro segmento a ser

    destacado s pode ser corretamente estabelecido se levarmos em conta

    outros pares, freqentes na lngua portuguesa:

    creme / cremosa fervor /

    fervorosa etc.

    que nos mostram que o morfema destacvel -osa, sufixo.

    Como o substantivo respeito termina em -o e o sufixo -osa inicia-

    se pela mesma vogal, deu-se o fenmeno da crase (cf., acima, p. 15):

    respeito + osa = respeitosa

    Encontramos aqui a interferncia de uma regra fonolgica,

    diferentemente do exerccio anterior, que nos conduziu ao destaque de

    morfemas nitidamente diferenciados no corpo do prprio vocbulo.

  • 53

    Comparando respeitosa com respeitoso

    respeitosa respeitoso

    depreendemos -a (e -o). Como o vocbulo proposto des-

    respeitosamente, o -a, desinncia de gnero feminino, que deve reter

    nossa ateno. Por outro lado, vemos que -osa , na verdade,

    constitudo de dois elementos: -os-, o sufixo propriamente dito, e -a,

    desinncia.

    Sincronicamente, no possvel decompor respeit-, radical.

    Em resumo, os morfemas destacados so:

    des- : prefixo respeit-

    . radical -os- :

    sufixo

    -a- : desinncia de gnero feminino

    -mente : sufixo

    3) Segmentar os morfemas constitutivos do vocbulo insen- satez.

    Comparando as formas

    insensatez insensato

    destacamos -ez, sufixo. O -o de insensato, em contato com a

    vogaTnicial do sufixo -ez, sofre eliso (cf., acima, p. 15):

    insensat(o) + ez = insensatez A partir de insensato, estabelecemos um novo par,

    insensato ' sensato

    que nos permite depreender in-, prefixo. O cotejo de sensato com senso

    sensato senso

    possibilita-nos o destaque de -ato, sufixo (cf. cordato). Os morfemas depreendidos so:

    in- : prefixo sens- : radical -at(o) : sufixo -ez sufixo

    4) Depreender os morfemas constitutivos do vocbulo confiabilidade.

  • 54

    A segmentao deste vocbulo apresenta problemas especficos,

    que discutiremos a seguir. Relativamente ao par inicial

    confiabilidade confivel

    preciso, previamente, levar em conta os grupos aceitvel / aceitabilidade amvel / amabilidade durvel / durabilidade etc.

    Nesses pares, observamos que os elementos da segunda coluna so os

    substantivos abstratos correspondentes aos adjetivos da primeira

    coluna. Assinale-se, tambm, que a terminao -vel dos adjetivos passa

    regularmente a -bil- nos substantivos derivados da segunda coluna.

    Essas observaes permitem-nos concluir que -bil- uma forma

    variante de -vel, o que nos possibilita voltar ao par

    confiabilidade confivel

    considerando, agora, que confivel e confiabil- so formas

    correspondentes Sendo assim, o segmento diferencial, destacvel, -

    idade, sufixo. A ocorrncia de -dade (sem -/-), em vocbulos como

    bondade, lealdade, ruindade, leva- nos a interpretar o -i- como vogal

    de ligao; se optarmos por uma anlise mais econmica, podemos

    considerar -idade como alomorfe de -dade. Qualquer uma das duas

    solues igualmente aceitvel.

    Procedendo comparao de

    confivel 'JveT depreendemos con-, prefixo.

    Prosseguindo, estabeleamos um novo par,

    fivel fia

    que nos leva a destacar -ve/, sufixo. (Esse sufixo apresenta- se, em

    confiabilidade, sob a forma do alomorfe -bil-.) Comparando, agora, fia

    com outra forma, fia fio

    segmentamos -a (e, tambm, -o, que no nos interessa no caso). O par

    fia / fio leva-nos a interpretar -a como ndice de terceira pessoa do

    singular do presente do indicativo. Contudo, podemos corrigir essa

    classificao, levantando formas como fiava / firamos / fiassem

  • 55

    em que a ocorrncia de -a- constante, independentemente de

    modo/tempo e nmero/pessoa; trata-se, na verdade, da vogal temtica

    da primeira conjugao.

    Retomando os morfemas destacados, temos:

    con- : prefixo fi- :

    radical

    1 A variante -bil- ocorre tambm no superlativo: aceitabilssimo, amabils- simo,

    confiabilssimo, durabilssimo.

    -a- : vogal temtica (1? conjug.)

    -bilr : alomorfe do sufixo -vel -idade :

    alomorfe do sufixo -dade (ou: -/ : vogal de

    ligao; -dade\ sufixo)

    Observemos, tambm, que os adjetivos terminados em -z, quando

    seguidos dos sufixos -dade ou -ssimo, alteram o -z em -c-, conforme o

    ilustram os exemplos:

    capaz / capacidade / capacssimo feliz /

    felicidade / felicssimo veloz / velocidade /

    velocssimo

    5) Destacar os morfemas constitutivos do vocbulo desprezvel.

    Partamos da comparao

    desprezvel desprezo

    que nos conduz depreenso de -vel, sufixo.

    A existncia da forma desprezvel permite-nos estabelecer outro

    par:

    desprezvel desprezvel

    do qiral destacamos o elemento -i- (e --).

    Deveramos classificar esse elemento como variante da vogal

    temtica. Contudo, entre os adjetivos desprezvel e desprezvel h uma

    ligeira diferena de sentido ( semelhana do que ocorre com os

    adjetivos vendvel e vendvel). Como o nico trao diferenciador entre

    esses adjetivos a oposio / -a-, somos obrigados a associar a ele a

    diferena de sentido. Considerando que as vogais temticas so

  • 56

    meramente classificatrias (cf., acima, p. 34), no podemos atribuir a

    elas um valor significativo. Essas observaes levam-nos a no separar

    a vogal do sufixo propriamente dito, analisando -vel como um t-odo.

    Notemos que essa a posio da maioria de nossos dicionrios, quando

    indicam o sufixo -vel sempre antecedido de uma vogal: -vel, -vel, -

    vel9.

    Prosseguindo com as comutaes, temos

    desprezo prezo

    o que nos permite destacar des-, prefixo. Portanto, os morfemas depreendidos so:

    des- : prefixo, prez- :

    radical vel : sufixo

    Exerccio: Depreenda e classifique os morfemas constitutivos dos

    vocbulos: inegavelmente impetuosamente

    desgracioso legalidade aceitabilidade.

    Passemos, agora, a alguns exerccios de segmentao de formas

    verbais, destacando as dificuldades especficas.

    6) Segmentar os morfemas componentes da forma verbal

    descongelavam.

    Estabeleamos, inicialmente, o par descongelavam

    congelavam

    que nos fornece o morfema des-, prefixo. Prosseguindo, temos

    congelavam gelavam

    que nos possibilita a depreenso de con-, prefixo. Isolados os prefixos, podemos ainda continuar:

    gelavam gelava

    com destaque de -m, desinncia nmero-pessoal. Partindo, agora, de gelava, temos

    gelava gela

    9 No exerccio anterior, poderamos, portanto, ter ligado a vogal temtica -a- ao

    alomorfe -bit-, representando a variante por -abil-.

  • 57

    o que nos leva a destacar -va, desinncia modo-temporal (pretrito

    imperfeito do indicativo da primeira conjugao). Podemos, ainda,

    levantar um novo par,

    gela gelo

    com destaque de -a. Como j foi observado acima, o par leva-nos a

    classificar esse -a como desinncia de terceira pessoa do singular (em

    oposio ao -o); o confronto com outras formas:

    gelava / gelaremos / gelando

    em que o -a- constante, que nos permite classific-lo como vogal

    temtica da primeira conjugao.

    Finalmente, a comparao

    gela canta

    fornece-nos o radical, gel-. Em resumo:

    des- : prefixo con- : prefixo gel- : radical -a- : vogal temtica (1? conjug.) -va- : desinncia modo-temporal -m : desinncia nmero-pessoal

    7) Destacar os morfemas componentes da forma verbal buscveis.

    No podemos, aqui, estabelecer o par: buscveis / buscava, sem

    antes mostrar que -ve- variante de -va-.

    Comparando as formas buscava e buscasse, depreendemos -va,

    desinncia mdo-temporal (j especificada no

    exerccio anterior). Levantemos todas as formas correspondentes a

    esse tempo:

    busca va busca va s busca va busc va mos busc ve is busca va

  • 58

    m

    O quadro mostra-nos que -ve- figura uma s vez na coluna em que

    ocorre cinco vezes a form -va-; trata-se, portanto, de uma variante da

    referida forma.

    Feita essa observao, podemos, agora, retomar o par

    inicialmente apresentado:

    buscveis' buscava

    que nos permite destacar -is, desinncia nmero-pessoal. (Se no

    tivssemos levado em conta o quadro acima, seramos obrigados a

    depreender -eis.)

    Finalmente, cotejando:

    busca fala

    depreendemos busc-, radical.

    Os morfemas segmentados so:

    busc- : radical -a- : vogal temtica (1 ? conjug.) -ve- : alomorfe da desinncia modo-temporal -va- -is : desinncia nmero-pessoal

    8) Depreender os morfemas componentes da forma verbal existia.

    Se estabelecssemos, inicialmente, o. par

    existia existisse

    destacaramos -a como desinncia modo-temporal. Contudo, a utilizao de um novo par

    existia exista

    possibilita-nos corrigir o resultado acima. As duas formas (iexistia /

    exista) passam a distinguir-se pela presena do -i- em existia.

    Considerando que -/- a vogal temtica dos verbos da terceira

    conjugao e que a funo dessa vogal apenas classificatria, no pode

    ser associada a ela a diferena de modo/tempo entre as duas formas

    verbais. Essas observaes levam-nos a destacar -ia como desinncia

    modo-temporal (pretrito imperfeito do indicativo da segunda e

  • 59

    terceira conjugaes).

    J vimos, pgina 36, que a vogal temtica deve ser sempre

    postulada. Quando ela no ocorre, em virtude de regras fonolgicas,

    como crase e eliso. No exemplo em questo, houve a crase da vogal

    temtica -/- com o i- de -ia: exist + i + ia = existia

    possvel, ainda, prosseguir com as comutaes

    existia . -.-existamos

    o quedos indica que a noo de primeira (ou terceira) pessoa do

    singular, em existia, est representada pelo morfema 0 (em

    contraposio a existamos, em que -mos representa a primeira pessoa

    do plural).

    Finalmente, se compararmos existia dormia

    depreendemos exist- como radical. Convm observar, aqui, que a

    utilizao de um par como existia partia

    conduzir a erros de segmentao. De fato, o elemento comum, nesse

    par, -tia; os elementos diferenciais so exis- epar-, ou seja, todos

    elementos desprovidos de significao e, portanto, sem valor

    morfemtico (cf., acima, observao p. 17).

    A forma verbal existia composta dos morfemas exist- :

    radical

    (-/-) : vogal temtica (3? conjug.)

    -ia : desinncia modo-temporal 0 :

    desinncia nmero-pessoal.

    Exerccio'. Depreenda e classifique os morfemas constitutivos das

    formas verbais: bailemos bebamos

    marcharam (pret. mais-que-perfeito)

    Os exerccios acima tm por objetivo ilustrar as tcnicas de

    segmentao. Apresentamos, em seguida, alguns tipos de exerccio mais

    variados.

    9) Separar e classificar as desinncias dos vocbulos: senhores moa

  • 60

    limpamos chamveis

    senhores

    A comparao de senhores e senhor conduz ao destaque de -es,

    desinncia de nmero plural. Podemos interpretar -es como alomorfe

    da desinncia -s; outra soluo consiste em postular a forma terica

    ''senhore, qual se acrescenta o -5 desinencial (cf., acima, p. 31-2).

    moa

    A oposio moa / moo permite-nos depreender -a, desinncia

    de gnero feminino.

    O par moa / moas leva depreenso do morfema 0 de singular.

    Temos, assim: mo + a + 0

    limpamos

    O cotejo com limpvamos possibilita o destaque do morfema 0

    modo-temporal (presente do indicativo ou pretrito perfeito do

    indicativo, visto que a forma verbal est fora de contexto).

    Opondo limpamos a limpa, destaca-se -mos, desinncia nmero-

    pes&oal.;:_ : '

    Em resumo: limpa (tema) + 0 + mos

    chamveis

    A comparao com chamava leva depreenso de -is, desinncia

    nmero-pessoal (relativamente variante -ve-, de -va-, cf. observao

    referente ao exerccio 7, acima).

    O par chamava f chamasse permite a segmentao de -va-,

    desinncia modo-temporal.

    Temos, portanto: chama (tema) + ve (alom.) + is

    Exerccio: Destaque e classifique as desinncias de: luzes

    damos garota temiam

    10) Destaque o sufixo dos vocbulos normal e taquaral e mostre se se

    trata do mesmo morfema nos dois casos.

    No poderamos comparar, inicialmente, normal com norma e

    taquaral com taquara, porque esses pares nos levariam ao destaque de

    que no tem valor de morfema. Levando em conta os pares

    espectro / espectral-^. , , . ,

  • 61

    paralelos a norma / normal

    morte / mortal ^

    bambu / bambual~~^^ 7^: paralelos a taquara / taquaral

    tomate / tomatal

    depreendemos o sufixo -a . Podemos, assim, afirmar que em normal e

    taquaral houve o fenmeno da crase:

    norma + al = normal taquara + al = taquaral

    Em normal, o sufixo tem valor adjetival de relao, pertinncia;

    em taquaral, indica quantidade, conjunto.

  • 62

    Em virtude da diferena de sentido, podemos afirmar que se trata

    de sufixos homnimos.

    Como reforo a essa observao, note-se que o mor-, fema -ai

    no aceita as mesmas combinatrias nos dois voc- f bulos: de

    normal temos normalizar, normalmente & normalidade-, em

    taquaral, essas seqncias no so possveis: *ta- quaralizar,

    *taquaralmente, *taquaralidade so formas inaceitveis em nossa

    lngua.

    , portanto, conveniente, de um ponto de vista sincr- nico,

    distinguir dois sufixos -al, em portugus.

    11) Com base nas construes: sem ns conosco de ns

    com ns mesmos, indique em um quadro a distribuio do

    pronome ns.

    Podemos ilustrar essa distribuio no quadro abaixo:

    O quadro mostra que os alomorfes ns e nosco esto em

    distribuio complementar.

    Exerccio: Indique a distribuio dos pronomes pessoais tnicos

    mim, ti e si e estabelea uma comparao com relao

    ao quadro acima.

    Os exerccios acima apresentados e discutidos no tiveram por

    objetivo apenas a aplicao das tcnicas explicitadas ao longo deste

    livro. Alguns aspectos da morfologia portuguesa foram tambm

    acrescentados. Lembremos, por

    exemplo, como a insistncia no carter classificatrio da vogal temtica

    permitiu corrigir algumas segmentaes (cf. exerccios 5 e 8); o

    10

    Este sinal indica pausa.

    [ns] prep. * com + (nsj prep. com + [ns) + mesmos

    prep. com + (ns) + # 10

    /ns/ + -

    /nosco/ - +

  • exerccio 11 mostra a complexidade do subsistema dos pronomes

    oblquos tnicos em nossa lngua.

    Assinalemos, ainda, que foi nossa preocupao chamar a ateno

    do leitor para a ordem das comutaes, a fim de evitar que alguns

    pares sejam estabelecidos antes da realizao de certas comutaes

    prvias, o que pode conduzir a segmentaes ou a classificaes falsas

    (cf., p.ex., exerccio 7).

    9 Vocabulrio crtico

    Alofones: como se denominam as diferentes realizaes de um

    fonema. Em portugus, o fonema /l/ apresenta os alofones [1],

    alveolar, e [t], velar (substitudo, no portugus do Brasil, por

    [w]). Convenciona-se representar os fonemas entre barras

    oblquas, e os alofones, entre colchetes. A designao de

    alomorfes paralela de alofones (v. alomorfes).

    Alomorfes: para os lingistas americanos, de orientao

    distribucionalista, a designao que se d s diferentes

    realizaes de um mesmo morfema. Assim, em portugus, o

    morfema (mim) apresenta, como alomorfes, /mim/ e /migo/,

    respectivamente (v. distribuio complementar). H alguns

    critrios para estabelecer qual dos alomorfes de um

  • 64

    determinado morfema representa a forma bsica. Por

    conveno, representa-se a forma bsica entre chaves, e os

    alomorfes, entre barras oblquas (v. alofones). 1

    Comutao: teste que consiste em substituir um fonema de um

    signo lingustico por outro, a fim de verificar se a substituio

    acarreta uma diferena de sentido. Em caso afirmativo, tem-se

    um novo fonema; por exemplo, em /pata/i a substituio de p-

    por b- (/bata/) implica uma mudana de sentido. Obtemos,

    assim, os fonemas /p/ e /b/. Esse mesmo teste foi aplicado

    anlise morfolgica: em amamos (primeira pessoa do plural),

    substituindo-se -mos por -is, obtm-se jnais (segunda pessoa do

    plural), o que nos d os morfemas /mos/ e /is/. Entre os

    linguistas norte-americanos, o termo mais frequente substitui-

    o (v. par mnimo).

    Cumulao: quando um morfema apresenta dois ou mais valores

    gramaticais, sem que seja possvel determinar a que elementos do

    segmento correspondem os diferentes sentidos. Em portugus,

    p.ex., a desinncia nmero-pes- soal -ste corresponde segunda

    pessoa do singular, mas, como s figura no pretrito perfeito do

    indicativo, acaba adquirindo tambm o valor modo-temporal. A

    cumulao tambm designada como amlgama.

    Distribuio complementar, diz-se que as variantes de um fonema

    (alofones) ou d um morfema (alomorfes) esto em distribuio

    complementar quando aparecem em contextos exclusivos. Por

    exemplo, o fonema /l/ realiza-se .coma [1], alveolar, antes de

    vogal, e como [1], velar, aps uma vogal; o morfema [ti] realiza-se

    como /ti/ aps qualquer preposio diferente de com (de ti, em ti),

    e como /tigo/ quando se segue preposio com (contigo). Em

    resumo, onde ocorre uma variante, no pode ocorrer a outra.

    Dupla articulao (da linguagem): de acordo com a teoria de Andr

    Martinet, a cadeia da fala pode ser segmentada em unidades

    portadoras de sentido (os monemas, aproximadamente

    correspondentes aos morfemas), as quais, por sua vez, se

    segmentam em unidades distintivas (os fonemas). Os monemas

    representam a primeira articulao da linguagem, e os fonemas

  • representam a segunda articulao (v. morfema).

  • 202

    Formas dependentes: designao proposta por J. Mattoso Cmara Jr., indica a forma que nunca

    aparece isolada, embora apresente uma certa autonomia. Em