Morningstar de Piazito

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67-APERS Alegrete Cível e Crime Processo Sumário Nº: 4014 Maço: 124 Estante: 69 Ano:1919 Fotos DSC0081-DSC00127 Nome do acusado: João Carrion: delegado de polícia. Nome da vítima: Helena Iovanovich: cigana Grau de relação: Nenhum. Data do crime:22/10/1919 Nome das testemunhas/idade/estado civil/profissão/origem/residência: José do Bonfim: sargento da polícia municipal. Valdemar Santana: guarda aduaneiro. Armando Tinoco: 25 anos, casado, advogado, residente nesta cidade, sabe ler e escrever. Caetano Trindade de Oliveira: policial municipal. Resumo: Em dias do mês próximo findo, nesta cidade, nas proximidades da ponte Borges de Medeiros, num acampamento de ciganos, o denunciado, no exercício de suas funções, armado de uma espada, praticou, na pessoa de Helena Iovanovich, um ferimento. Valor do dano: incalculável. O que dizem as testemunhas: Armando Tinoco: Na fase secreta respondeu que em dias do mês passado, tendo sido o depoente procurado por uns ciganos para tratar de um negócio que lhes dizia respeito, foi até o local onde acampava o bando, como tivesse o depoente de tratar da entrega de umas carroças e objetos de uso doméstico que pertencia às pessoas que o procuraram e estando em constante barulho e rixas, no bando para onde o depoente se dirigia o Sr. Delegado de Polícia, mandou na companhia do depoente o sargento Bonfim e uma praça da guarda urbana, para evitar qualquer alteração da ordem entre os ciganos de que se compunha o referido bando, em lá chegando os ciganos sem o mesmo respeito pela autoridade agrediu o sargento Bonfim e a praça que o acompanhava. Nesta ocasião uma cigana que o depoente soube depois chamar Helena Iovanovich, agarrou uma criança de meses pelas pernas a guisa de porrete e procurando dar com a referida criança contra o sargento não o atingiu de cheio na cabeça porque Bonfim baixou-se rapidamente, mas, no entretanto, o referido golpe dado contra ele arrebatou-lhe o quepe da cabeça; esta cigana que assim procedia declarava em voz alta que iria

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67-APERS Alegrete Cível e Crime Processo Sumário Nº: 4014 Maço: 124 Estante: 69 Ano:1919Fotos DSC0081-DSC00127Nome do acusado: João Carrion: delegado de polícia.Nome da vítima: Helena Iovanovich: ciganaGrau de relação: Nenhum.Data do crime:22/10/1919

Nome das testemunhas/idade/estado civil/profissão/origem/residência:José do Bonfim: sargento da polícia municipal.

Valdemar Santana: guarda aduaneiro.

Armando Tinoco: 25 anos, casado, advogado, residente nesta cidade, sabe ler e escrever.

Caetano Trindade de Oliveira: policial municipal.

Resumo: Em dias do mês próximo findo, nesta cidade, nas proximidades da ponte Borges de Medeiros, num acampamento de ciganos, o denunciado, no exercício de suas funções, armado de uma espada, praticou, na pessoa de Helena Iovanovich, um ferimento. Valor do dano: incalculável.

O que dizem as testemunhas: Armando Tinoco: Na fase secreta respondeu que em dias do mês passado, tendo sido o depoente procurado por uns ciganos para tratar de um negócio que lhes dizia respeito, foi até o local onde acampava o bando, como tivesse o depoente de tratar da entrega de umas carroças e objetos de uso doméstico que pertencia às pessoas que o procuraram e estando em constante barulho e rixas, no bando para onde o depoente se dirigia o Sr. Delegado de Polícia, mandou na companhia do depoente o sargento Bonfim e uma praça da guarda urbana, para evitar qualquer alteração da ordem entre os ciganos de que se compunha o referido bando, em lá chegando os ciganos sem o mesmo respeito pela autoridade agrediu o sargento Bonfim e a praça que o acompanhava. Nesta ocasião uma cigana que o depoente soube depois chamar Helena Iovanovich, agarrou uma criança de meses pelas pernas a guisa de porrete e procurando dar com a referida criança contra o sargento não o atingiu de cheio na cabeça porque Bonfim baixou-se rapidamente, mas, no entretanto, o referido golpe dado contra ele arrebatou-lhe o quepe da cabeça; esta cigana que assim procedia declarava em voz alta que iria matar o filho dando com ele contra o sargento para depois ir denunciar Bonfim como assassino da criança. O sargento Bonfim, então, foi a uma casa próxima ao acampamento dos ciganos e telefonou ao Sr. Delegado de Polícia dizendo que o bando de ciganos se encontrava revoltado e que ele se achava impotente para conter a ordem, pedindo portanto providências; minutos depois o Sr. Delegado de Polícia chegou ao acampamento dos ciganos acompanhado de algumas praças da polícia urbana, procurando saber o que havia acontecido, não foi atendido e foi desrespeitado e insultado pelo bando de ciganos revoltados, enquanto o Sr. Delegado sindicava do ocorrido a referida cigana Helena Iovanovich, lançando mão de uma pau sobrou-lhe uma porretada, não satisfeita com isto lançou mão de uma tampa de ferro e com ela agrediu o Sr. João Carrion, e foi então, que o Sr. Delegado de Polícia lançando mão de uma espada de um polícia que estava próximo, repeliu a cigana agressora com um pranchaço, não consentindo mesmo que os soldados que o acompanhavam maltratassem a cigana que o agredia, restabelecida a ordem, o Sr. Capitão Delegado retirou-se à cidade.

Ofendida: -

Acusado:A verdade sobre o fato que me é imputado é a seguinte: Em dias do mês de outubro próximo findo, o bando de ciganos capitaneado por um tal Jorge Iovanovich, que achava-se acampado à margem

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direita do Ibyrapuitan , próximo à ponte Borges de Medeiros, dividiu-se em dois grupos hostis, por motivo do rapto da filha do chefe do bando recém-casada e do furto de valores pertencentes ao seu marido, crimes estes atribuídos a um cigano cunhado da raptada. Daí freqüentes desordens no bando dos ciganos, nas quais teve de intervir a polícia.

Na tarde de 22 de outubro, prevenido de que ocorria um conflito no mencionado bando, mandei ali o primeiro auxiliar da guarda municipal José do Bonfim, com o fim de restabelecer a ordem ou mesmo prender, em caso de necessidade, os amotinados insubmissos. O auxiliar foi desacatado e agredido pelos ciganos; uma cigana, tomando pelos pés uma criança, deu com ela no auxiliar Bonfim e vários ciganos o agrediram armados de achas de lenha. O auxiliar, que achava-se só e desarmado, recolheu-se ao estabelecimento dos Srs. Gaudêncio N. da Conceição & Cia, próximo ao Matadouro Público, e dali comunicou-me a ocorrência pelo telefone.

Imediatamente segui, com o mesmo intento de restabelecer a ordem, para o acampamento dos ciganos, acompanhado de alguns policiais e, ali chegado, tentaram aqueles impedir-me a entrada no acampamento e agrediram a mim e aos policiais, alguns dos ciganos armados de paus; uma cigana a mesma que jogara a criança contra o auxiliar Bonfim, arremessou-me um pedaço de pau e em seguida uma tampa de ferro, que atingiu-me num pé, magoando-me um calo, e tentava apoderar-se de outros objetos para jogar-nos, quando eu, lançando mão da espada de um policial, dei-lhe uma espadeirada, uma única.

Seria essa mulher que sob o nome de Helena Ivanovich submeteu-se ao exame feito pelos peritos não nomeados? Ignoro-o, pois não a conhecia nem indaguei do seu nome.

Assim procedendo, agi em legítima defesa da minha autoridade e da minha integridade física, gravemente ameaçadas por uma mulher robusta e enfurecida. Não excedi os limites da justa defesa, pois não a espanquei mais, desde que ela deixou de agredir-me, nem consenti que os policiais fizessem uso de suas armas contra os ciganos amotinados. A mesma mulher, depois de castigada por mim, ainda agrediu o guarda municipal Marcos Gomes de Oliveira.

Restabelecida por fim a ordem, intimei os dois grupos hostis a separarem-se, a fim de evitar novos conflitos. Em vista do exposto, julgo-me amparado na dirimente do art.125 do Código Penal [Art. 125. O mal causado pelo executor na repulsa da força empregada pelos resistentes não lhe será imputado, salvo excesso de justa defesa], que invoco em meu favor. Foram testemunhas oculares desses fatos, além das arroladas na denúncia, o guarda municipal Marcos Gomes de Oliveira e o cidadão Irineu Alves de Azevedo, capataz do Matadouro Público, por cuja inquirição protesto, bem como pela das testemunhas da denúncia, e, confiante na integridade do Julgador, espero que me seja feita a devida justiça.

Promotor: - Defesa:-

Arma utilizada/ferimentos: Uma espada que produziu um pequeno ferimento de dois centímetros de extensão na região da omoplata esquerda, na parte superior.

Espaço: Público.

Crime: Não premeditado.

Motivos: Defesa própria.

Acusação: Artigos 231 e 303 do Código Penal.[Art. 231. Commetter qualquer violencia no exercicio das funcções do emprego, ou a pretexto de exercel-as:Penas – de perda do emprego, no gráo maximo; de suspensão por tres annos, no médio, e por um anno no minimo, além das mais em que incorrer pela violência].

[Art. 303. Offender physicamente alguem, produzindo-lhe dôr ou alguma lesão no corpo, embora sem derramamento de sangue:Pena – de prisão cellular por tres mezes a um anno].

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Resposta dos jurados aos quesitos: -

Veredito: Absolvido, a denúncia foi considerada improcedente pelo juiz. Custos do Estado.