Morris West Arlequim Grande

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  Morris West  Arlequim CÍRCULO DO LIVRO CIRCULO DO LIVRO S.A. Caixa postal 7413 São Paulo, Brasil Edição integral Titulo do original: "Harlequin" Copyright © 1974 by Compania Financiera Perlina S.A. Tradução: A. B. Pinheiro de Lemos Layout da capa: Yae Takeda e Cristiano Quirino Licença editorial para o Círculo do Livro por cortesia da Distribuidora Record de Serviços de Imprensa S.A.  Venda permitida apenas aos sócios do Círculo Composto pela Linoart Ltda. Impresso e encadernado em oficinas próprias 2 4 6 8 10 9 7 5 3 1 84 86 87 85 83 P a r a She i la " C o mo se f ô ss emos vil õ e s po r ne ce ss i d a d e , to los p o r co m p ulsã o d i vi na ."  Sha ke s p ea r e , R ei Lea r , a t o I , c e na 2 .

Transcript of Morris West Arlequim Grande

Morris West

Arlequim

CRCULO DO LIVRO CIRCULO DO LIVRO S.A. Caixa postal 7413 So Paulo, Brasil Edio integral Titulo do original: "Harlequin" Copyright 1974 by Compania Financiera Perlina S.A. Traduo: A. B. Pinheiro de Lemos Layout da capa: Yae Takeda e Cristiano Quirino Licena editorial para o Crculo do Livro por cortesia da Distribuidora Record de Servios de Imprensa S.A. Venda permitida apenas aos scios do Crculo Composto pela Linoart Ltda. Impresso e encadernado em oficinas prprias 2 4 6 8 10 9 7 5 3 1 84 86 87 85 83Para Sheila

"Como se fssemos viles por necessidade, tolos por compulso divina." Shakespeare, Rei Lear, ato I, cena 2.

1 George Arlequim e eu somos amigos h mais de vinte anos. Contudo, devo confessar que ele o nico homem que realmente sempre invejei. Houve um tempo em que cheguei a pensar que o odiava, sendo curado de tal sentimento por sua virtude e esprito sadio. Ele tudo o que eu no sou. Sou alto, corpulento, desajeitado, quase como partes reunidas ao acaso, o desespero dos alfaiates. Ele esbelto, elegante, o cavaleiro clssico, um jogador de tnis que d gosto apreciar. Eu sou alfabetizado o suficiente em uma nica lngua. Arlequim poliglota, excepcional em meia dzia de idiomas. E mais do que isso: ele usa uma cultura prodigiosa, com o encanto espontneo de um corteso da Renascena. Eu sou seu antpoda, impaciente, impulsivo, predisposto a ser rigoroso ou simplista em meus julgamentos. Arlequim um europeu, frio, conciliatrio, sutil, paciente at mesmo com os imbecis. Ele nasceu para o dinheiro. Seu av fundou a Arlequim et Cie., Merchant Bankers, com sede em Genebra. O pai fez alianas internacionais e

abriu filiais em Paris, Londres e Nova York. Arlequim ampliou a rea de atuao e depois herdou a presidncia e a maior parte das aes com direito a voto. A tradio da casa era-lhe sagrada. O carter do cliente era mais importante que os outros fatores de garantia. O risco, uma vez assumido, no podia ser revogado. Jamais se esquivava ao cumprimento de um contrato por expedientes legais. Um simples aperto de mos encerrava as mesmas obrigaes de um documento formal. E se o cliente ou sua famlia atravessavam horas difceis, o lema do banco provava ser verdadeiro: Amicus certus in re incerta (Um amigo certo nas coisas incertas). Eu, por outro lado, comecei como um aventureiro, pura e simplesmente. Abri meu caminho por entre os mercados financeiros, ganhei muito dinheiro e perdi-o. Nos anos difceis que se seguiram, senti-me humilhado pela preocupao que Arlequim demonstrava por mim, incrdulo ante as somas considerveis que ele arriscava a uma simples palavra minha. Quando recuperei a fortuna, entreguei-lhe o dinheiro para investir, enquanto

fazia uma cura prolongada da lcera pptica que tambm adquirira e aprendia algumas das artes do prazer. Casei-me cedo e no deu certo. Arlequim divertiu-se at os trinta e cinco anos e ento casou-se de repente com Juliette Gerard, a quem ele conheceu em meu iate, quando eu ainda estava tentando persuadi-la a casar-se comigo. Depois disso, no nos encontramos durante trs anos. Permanecemos banqueiro e cliente, mas reticentes e constrangidos, at que o filho deles nasceu e deram-lhe o meu nome, Paul Desmond, convidando-me para padrinho. No mesmo dia Arlequim ofereceu-me um lugar no conselho diretor do banco. Num impulso emocional, aceitei imediatamente e tornei-me o embaixador itinerante de Arlequim et Cie. e o padrinho apaixonado de uma criaturinha loura, parecida demais com a me para servir-me de consolo. Preciso deixar claro: ramos amigos de corao, mas eu continuava a ter cimes de Arlequim. Ele era por demais o rbitro da elegncia, mas tambm judicioso o suficiente para que at os homens experientes do mundo

das altas finanas lhe prestassem um respeito como o que se presta a um rabino. Ele era afortunado demais, possua virtudes demais. Suponho que se possa dizer que ele era tambm, obviamente, feliz. Dirigia automveis, velejava, montava purossangues, colecionava quadros e porcelanas. Era cortejado por lindas mulheres e adorado por sua esposa. Ele era to impressionante em seus atributos que intimidava as pessoas de menor importncia. Em momentos de desnimo e abatimento, eu me perguntava por que ele se importava com um tipo confuso e difcil como eu. Sentia-me um bobo da corte, circulando em torno do mais requintado dos prncipes. No escrevo isso para depreci-lo. Deus me livre! Devo deixar claro que o bobo da corte adorava o prncipe e, para mal de seus pecados, continuava apaixonado pela princesa. E o que eu quero mostrar aqui o quo alto Arlequim estava, quo visvel e vulnervel, quo alheio aos perigos de ser ele prprio. Mesmo eu no via isso ento com muita nitidez. Juliette podia apenas adivinhar. Mas, sendo mulher, ela encarava o fato por outro ngulo.

... sinto-me to intil, Paul! No posso dar a ele nada seno a mim mesma na cama, e outro filho, quando ele o desejar. H pelo menos vinte mulheres que poderiam tomar o meu lugar amanh mesmo. No importa que George no o veja, pois eu vejo. No lhe sou necessria e um dia ele vai descobrir... No sou nenhum lago, se bem que algumas vezes tenha desejado s-lo. Disse-lhe a nica verdade que conhecia. Est casada com um homem venturoso, Julie. Seja feliz com ele. Para George, tudo alegria, sendo que voc a maior alegria de todas. Aceite isso e mande o futuro para o inferno. Arlequim chegou ento, exuberante e feliz, com uma nova tela debaixo do brao e um novo cliente em seu banco, com planos para um fim de semana em Gstaad, onde a neve estaria profunda e o tempo prometia ser bom e ensolarado para o prazer do beautiful people. Pouco depois chegou o ms de abril e Arlequim e eu fomos para Pequim, porque os chineses estavam querendo fazer negcios com a Europa, e Arlequim queria uma fatia para seu banco e para seus clientes. Fiquei

imaginando como ele, o mandarim dos mandarins, iria reagir diante dos padres espartanos da Repblica Popular. Mas, como sempre, subestimei-o. Ele imediatamente se sentiu em casa, inteiramente vontade. Falava fluentemente, era hbil na caligrafia. Sua cortesia era impecvel, a pacincia, ilimitada. Em um ms j mantinha os contatos mais tranqilos com os altos escales da hierarquia, sendo respeitado igualmente pelos polticos e pelos tecnocratas. Comprou muitas antigidades, peas de jade, tapetes. Discutiu projetos de fabricao de antibiticos, drogas sintticas e instrumentos de preciso. Fez amigos entre os estudiosos e os arquelogos. Aprendeu as sutilezas do humor oriental, mas jamais perdeu a dignidade, nem a alegria. Foi um desempenho impecvel, e nossos anfitries no fizeram segredo de sua plena aprovao. Mas nem tudo foi encantamento e alegria. Arlequim ficou profundamente comovido com a experincia. As mesmas coisas que me deprimiram, a imensido da terra, o vulto dos empreendimentos tribais,

despertaram nele o poeta e o sonhador. Ele passava uma hora inteira contemplando extasiado os vultos picos na paisagem: um barqueiro voltando para casa ao pr-do-sol, as mulheres acionando um moinho para irrigar os arrozais. Fazia ento um comentrio apaixonado, mas um pouco incoerente. ... Existe muito de insensatez em nossa existncia, Paul...Vivemos por fantasias e fragmentos de realidade. Destrumos os princpios tribais e nos condenamos solido das cidades. Esforamo-nos arduamente para conquistar coisas suprfluas e depois lanamo-nos a batalhas sangrentas para defender o de que no precisamos. Acumulamos dinheiro e depois depreciamos o que possumos. Afastamonos do Deus de nossos pais para freqentar as salas dos magos e dos charlates...Sabe que algumas vezes eu sinto medo? Vivo num jardim murado, bastante agradvel, com gramados e canteiros de flores. Mas, em pesadelos, me pergunto se no esse o vale dos assassinos... Depois de Pequim, fomos a Hong Kong e Tquio e em seguida ao

Hava e a Los Angeles, onde Arlequim caiu de sbito doente. O mdico determinou-lhe que se internasse imediatamente num hospital, onde as radiografias revelaram uma infeco macia em ambos os pulmes. A princpio os mdicos suspeitaram de tuberculose. Mas quando os testes se mostraram negativos, eles iniciaram toda uma srie de exames. Juliette veio de avio de Genebra e eu voltei para a Europa. Arlequim melhorou por alguns dias, mas logo teve uma recada. Examinaram-no para ver se estava com febre de Queensland, psitacose e outras enfermidades mais exticas. E um dia Juliette telefonou-me, com notcias inquietantes. Os mdicos suspeitavam de que Arlequim estivesse com cncer linftico, recomendando uma bipsia. Arlequim recusara. Mas por qu, Julie, por qu? Ele diz que se ressente da idia. Prefere esperar o que chama de veredicto da natureza. um direito dele e no pretendo convenc-lo do contrrio. Ele est deprimido?

Por mais estranho que possa parecer, no. Est at bastante calmo. Diz que chegou a um acordo com a experincia. E voc, como est? Estou terrivelmente preocupada. Mas ele precisa de mim, Paul. E pelo menos com isso estou satisfeita. Continue pensando assim, menina. D um abrao nele por mim. Diga-lhe que o menino est indo muito bem e que ainda estaremos no negcio quando ele voltar para casa... Tal promessa eu podia fazer com bastante convico. O que no podia era prometer livrar-me dos abutres que j estavam circulando sobre ns. Todos os dias alguns colegas prestimosos indagavam-me pelo telefone ou pelo telex a respeito da sade de Arlequim. Falava-se em alteraes de orientao poltica e na possibilidade de fuses no caso de morte ou incapacidade de Arlequim. Eu fui subitamente inundado de convites, para almoos, jantares, coquetis, conferncias particulares, em meia dzia de capitais. Mais de um amigo h muito desaparecido surgiu de repente com uma informao til

sobre o mercado ou um lote de aes a preo reduzido. O fato mais significativo, porm, foi a interveno pessoal de Basil Yanko, presidente da Creative Systems Incorporated. Seu telex de Nova York foi lacnico e objetivo: "Em Genebra amanh. Solicito conferncia particular s dez horas. Confirme, por favor. Yanko". claro que confirmei. Arlequim et Cie. havia subscrito todas as iniciativas da Creative Systems Incorporated e suas empresas afiliadas. Nossa participao em seu esquema acionrio equivalia a uma licena para imprimir dinheiro. Por recomendao deles, havamos conquistado uma dzia de contas da maior importncia. Basil Yanko poderia pedir-me que danasse um tango numa corda bamba e eu prontamente o atenderia. No que eu gostasse dele. Muito pelo contrrio. At mesmo sua aparncia me desagradava. Era um homem alto e esqueltico, desengonado, de pele cinzenta como a de um rato, a boca pequena e fina como um alapo, olhos pretos e pequenos, nos quais no havia absolutamente o menor indcio

de humor. Era arrogante, autoritrio, desprovido de quaisquer virtudes de convvio social. Mas, por outro lado, era universalmente reconhecido como o mais brilhante crebro em tecnologia de computador. Comeara como criador de sistemas difceis para a Honeywell, mas logo fundara a Creative Systems Incorporated e passara a projetar programas para grandes instituies, como rgos governamentais, corporaes internacionais, bancos, empresas areas e at para a polcia. Suas companhias mantinham atividades em todos os pases da Europa, Amrica do Sul, e Austrlia, Japo e Gr-Bretanha. Sua riqueza j se tornara legendria. Seus sistemas eram os fios que controlavam milhes de vidas-marionetes. Ns mesmos os utilizvamos. Basil Yanko, porm, fazia questo de deixar bem claro a todo mundo que eram os sistemas que nos usavam e no ns a eles. Mal comeramos a reunio quando ele jogou um envelope na minha frente. Leia isto. o relatrio mdico sobre George Arlequim. Fiquei furioso e demonstrei-lho. Esse um documento particular. Como diabo conseguiu obt-lo?

Foi fcil. O hospital em que ele est internado tambm um instituto de pesquisa, que aluga tempo de um de nossos computadores. Mas isso contra toda e qualquer tica! Mesmo assim, leia. Indica duas possibilidades. Ou Arlequim est com cncer linftico ou com infeco de um vrus extremamente raro. Se ele por acaso se recuperar, ter uma convalescena prolongada e ser obrigado a reduzir drasticamente suas atividades durante um longo perodo. E da? Se ele morrer, os herdeiros naturais so a esposa e um filho ainda pequeno. A direo de Arlequim et Cie. ser delegada aos atuais diretores e quaisquer talentos novos que eles possam descobrir. No muito fcil encontrar bons banqueiros. A conseqncia lgica uma reduo no valor das aes e nos lucros em potencial. Essa a sua lgica, Sr. Yanko. Estou disposto a apostar que essa a conseqncia inevitvel. Se Arlequim morrer, quero comprar as aes dele. Cobrirei qualquer proposta que seja feita.

Esse um problema que competir aos executores testamentrios. Dos quais voc o principal. Isso novidade para mim. Pode aceitar a informao como verdadeira. E se Arlequim viver, como eu no tenho a menor dvida de que acontecer? A mesma proposta continua de p. Solicito que a transmita a ele, assim que estiver em condies de examinla. Estou certo de que ele recusar. Como alternativa, estou preparado para comprar as aes de seus scios, muitos dos quais se mostram dispostos a vender. Pelos estatutos de Arlequim et Cie., George Arlequim tem opo para compr-las. Eu sei. Ele pode estar disposto a renunciar opo ou a vend-la. Duvido tambm que isso acontea. Est sendo muito positivo, Sr. Desmond. Deixe-me informar-lhe que se pode hoje computar, com uma preciso de setenta e cinco por cento, o comportamento futuro de pacientes nopsicticos.

E Arlequim um dos pacientes dos seus computadores? Um dos mais importantes. Ele ficar lisonjeado ao sab-lo. No o superestime, Desmond. E tambm no me subestime. Eu geralmente consigo tudo o que desejo. E por que est querendo Arlequim et Cie.? A boca pequena retorceu-se num arremedo de sorriso. Sabe de onde vem o nome Arlequim? O trisav dele era um truo que fazia o papel de Arlecchino na commedia dell'arte. Pode ter certeza de que a pura verdade. Conheo a fundo a histria da famlia. Houve uma transformao e tanto em quatro geraes. Mas, afinal, assim o papel, tradicionalmente. Arlequim transforma o mundo com um golpe do seu porrete de palhao, depois ri furtivamente de toda a aflio que provocou. Por falar nisso... Ele fez uma pausa e tirou da maleta uma pasta volumosa, acrescentando: Vocs nos pagam para efetuarmos uma verificao de segurana em

suas contas. Este o relatrio dos ltimos seis meses. Os computadores mostraram algumas anomalias curiosas. Descobrir que algumas esto a exigir ao imediata. Se precisar de mais algum esclarecimento ou ajuda, o meu pessoal est sua disposio. Ele levantou-se. A mo que me estendeu era frouxa e fria como um peixe morto. Obrigado por dispor do seu tempo. Por gentileza, apresente meus respeitos a Madame Arlequim e diga-lhe que espero uma recuperao rpida do seu marido. Bom dia, Sr. Desmond. Ao acompanh-lo at o elevador, senti um tnue calafrio, como se um vento gelado tivesse passado sobre a minha tumba. Os primeiros banqueiros foram sacerdotes e o dinheiro ainda possui uma linguagem ritual. Assim, quando se diz a um banqueiro que existem anomalias nas contas que ele opera, como apontar um osso em sua direo ou lanar uma praga mortal sobre sua cabea. Na teoria, claro, o computador deve proteger o banqueiro de tal desastre primitivo. O computador um crebro poderoso, que pode

acumular sculos de conhecimento, efetuar milagres de matemtica num piscar de olhos e fornecer respostas infalveis s mais intrincadas equaes. O computador seduz o homem a uma f cega por ele e depois o denuncia sua prpria idiotice. No podemos comprar o crebro. Alugamos o seu tempo. Contratamos analistas de sistemas e lhes explicamos as nossas necessidades. Recorremos a programadores para fornecer ao crebro os fatos e os nmeros. Baseamos decises de fundamental importncia nas respostas que nos foram proporcionadas pelo computador. Mas, porque vivamos atormentados pela possibilidade de os programadores cometerem erros ou serem subornados, utilizamos monitores para controlarem o crebro em busca do menor indcio de erro ou fraude. E assim acreditvamos, como homens religiosos o fariam, que o sistema era seguro e sagrado, prova de tolos e escroques. Havia apenas um nico problema: o crebro eletrnico, os programadores e os monitores eram todos membros da mesma famlia, a

Creative Systems Incorporated,

que sonhava em ter-nos a todos sob o seu controle, ao comando do seu chefe, Basil Yanko. Quer gostssemos quer no, estvamos presos dentro de um crculo mgico, traado por um mago do sculo XX. O relatrio que estava em cima da minha mesa, esperando ser aberto, era um documento de magia, cheio de encantamentos e perigosos mistrios. Eu precisava reunir toda a minha coragem para abri-lo, precisava de silncio e tranqilidade para examin-lo. Disse a Suzanne que no me passasse nenhum telefonema, tranquei a porta e comecei a ler o relatrio. Duas horas depois eu enfrentava a brutal realidade: Arlequim et Cie. fora sangrada em quinze milhes de dlares. E quem a sangrara fora o prprio George Arlequim. Surgia-me agora uma questo das mais simples: como o rabino que falta sinagoga e vai jogar golfe no sab, acertando um buraco com uma s tacada, a quem eu poderia contar o fato? O ru ou a vtima estava a doze mil quilmetros de distncia, internado num hospital, esperando que um homem

de jaleco branco lhe dissesse se iria viver ou morrer. De qualquer forma, porm, eu precisava cobrir os quinze milhes antes que os auditores entrassem em ao. Mesmo que eu utilizasse todos os meus recursos, poderia cobrir cinco milhes, faltando ainda dez. A quem eu poderia explicar a necessidade? Quem poderia entrar com tanto dinheiro, em confiana? H poucos heris no mundo das altas finanas. Os banqueiros so sensveis como anmonas-do-mar. Basta encostar um dedo neles e se encolhem todos, tremendo com o ultraje, e de apreenso. Eu precisava tambm comprovar se o relatrio era falso ou no. Mas em quem poderia confiar para isso? O pessoal de computadores tambm fechado. Casam-se e promovem casamentos entre si, encontrando-se nos bailes do condado. Alm do mais, a informao dos computadores como sexo. Pode-se vend-la dez vezes e ainda se continua a possu-la. E quem pode sab-lo ou com isso se importar, desde que no se negocie a mercadoria diante dos olhos de um guarda que est passando? Um de nossos clientes

gastou vinte milhes de dlares em pesquisas de petrleo em plataforma continental, apenas para descobrir que seus rivais j estavam perfurando no local antes mesmo que os ltimos dados fossem gravados em fita. Era uma hora da tarde. uma e meia eu deveria almoar e falar no Clube Comercial de Genebra. Eu sabia que, se deixasse escapar a menor palavra de dvida ou desnimo, ela daria a volta ao mundo antes que a Bolsa de Nova York abrisse. Tranquei o relatrio em minha maleta, lavei-me no banheiro de Arlequim, destranquei a porta e chamei Suzanne. J que eu tinha de explicar-lhe alguma coisa, o melhor era faz-lo rapidamente. Suzanne a secretria de Arlequim. Est com quarenta anos de idade, mais um ou menos um, e ama Arlequim desde o dia em que entrou em seu escritrio, quinze anos atrs. Est ficando um pouco grisalha, mas ainda uma mulher bonita, com um bom corpo e uma mente brilhante, tendo uma atitude muito prtica em relao ao sexo e amizade. Por algum tempo fomos amantes por descuido, hoje somos amigos por opo. Eu poderia confiar-lhe

minha vida, mas no tinha o direito de fazer o mesmo com a de Arlequim. Por isso, contei-lhe apenas metade da verdade. E a medida do seu valor que ela aceitou sem fazer nenhuma pergunta, nem demonstrar o menor ressentimento. Suzy, estamos metidos numa enrascada, das grandes. Basil Yanko? Exatamente. Detesto esse homem. Eu tambm. Mas no tenho outro jeito seno tratar com ele. Tenho de agir depressa e ir para muito longe. Ningum, exceo de voc, deve saber onde estou, nem a quem fui procurar. Certo? Mais do que certo. Telefone para a Executive Charter e mande que preparem um avio para as trs horas da tarde. Chame tambm Karl Kruger, em Hamburgo. Ligue para o clube e diga que chegarei um pouco atrasado para os drinques, mas a tempo de fazer o discurso. Depois v ao meu apartamento, arrume algumas roupas para eu levar e apanhe-me depois do almoo para conduzirme

ao aeroporto. Quero tambm ditar um telegrama, a ser enviado em cdigo a todos os gerentes de filiais. Algum est manipulando nossos computadores. Estamos com uma diferena de caixa de quinze milhes de dlares. Oh, meu Deus! E George j sabe disso? No. Vai dizer-lhe? No, enquanto no soubermos o veredicto mdico. Ele est envolvido? At o pescoo. Voc ter que confiar em mim, Suzy. E pode ter certeza de que eu confio, Paul. Mas deve tambm confiar em mim. O que voc ignora, ajuda a todos ns. Por enquanto, vamos deixar a situao neste p. S quero que no se esquea, Paul, de que Arlequim muito mais resistente do que voc imagina. E vai precisar mesmo s-lo, Suzy... Agora seja uma boa menina e faa as ligaes que eu lhe pedi. Karl Kruger, presidente da Kruger & Co. AG, ainda estava em sua mesa de trabalho, tomando cerveja e comendo Knackwurst, enquanto seus diretores

almoavam com clientes nos melhores restaurantes. Eu podia imagin-lo, em seus sessenta e cinco anos, grisalho como um urso do Bltico, resmungando diante da minha intruso. Also! Em Genebra vocs se divertem com o dinheiro, aqui ns trabalhamos duro para ganh-lo. Que diabo voc est querendo? Jantar, cama e uma conversa esta noite. No h condio. Hilde est na cidade, e voc sabe perfeitamente o que isso significa. Ela a nica mulher com quem eu ainda consigo fazer alguma coisa. Ento conversaremos primeiro e depois ns dois a levaremos para jantar. Por favor, Karl! Voc parece preocupado, Paul. Algo errado? Tudo. Arlequim est num hospital da Califrnia e eu tenho um abacaxi a descascar. Preciso de voc, amigo velho! Ento aparea s seis horas em minha casa. E, se me atrasar, ter que dormir com Hilde. Wiedersehen. Wiedersehen. E obrigado, Karl. Estava na hora de eu partir para o almoo. Falei durante vinte minutos

sobre generalidades otimistas, o que daria meia coluna nos jornais da manh. s trs e quinze levantamos vo e faltavam cinco minutos para as seis horas quando bati na porta da fortaleza de Kruger, no Parque Alster. Se vocs conhecessem Karl Kruger, certamente no gostariam dele. So bem poucos os que simpatizam com ele. Os ingleses afirmam que ele um junker da velha escola, que integrava a camarilha de Hitler e subornou os americanos para que lhe dessem uma ficha limpa, empenhando-se a partir da na recuperao da sua fortuna na Bundesrepublik. Talvez seja verdade, talvez no. Eu simplesmente no sei. O que sei, porm, que Helli Anspacher jura que ele gastou milhes para salvar seu marido dos carrascos, depois da conspirao de Schellenberg, que Chaim Herzl, em Tel-Aviv, diz que lhe deve a vida, e que Jim Brandes escondeu-se em sua casa durante trs semanas, depois que seu avio foi derrubado durante um ataque a Lbeck. Mas tudo isso agora pertence ao passado, remoto demais para que se possa decifrar. Portanto, posso apenas falar sobre Karl Kruger neste ano do Senhor que ora

atravessamos, como o conheo agora. Ele to largo quanto alto, com uma basta cabeleira cinzenta, punhos gigantescos, um caminhar desengonado e o rosto salpicado de pintas vermelhas. Parece to avariado quanto um velho lutador de boxe, mas sua mente lcida e pelo menos metade mais rpida do que a de vocs ou a minha. Recebeu-me como a um irmo h muito desaparecido, passou o brao pelos meus ombros e empurrou-me, cambaleando, para junto do fogo. Ora essa, Paul, voc est plido como uma freira assustada! Vamos ter que pr um pouco de fogo nessa sua barriga. Disse a Hilde que voc estava vindo e ela declarou que guardaria todo o seu amor at encontrlo... Toma um scotch, no ?...Sabe, Paul, conheci Hilde quando ela fazia filmes especiais para Gregory em Munique. Isso foi h vinte anos, e Hilde continua linda. Portanto, vamos cuidar logo dos negcios. Sobre o que est querendo falar-me? Quinze milhes de dlares. O que est vendendo? Nada. Essa quantia o quanto est faltando em nossa caixa.

Sofremos um desfalque, Karl. E quem o deu? Os registros dizem que foi George Arlequim. E o que voc diz? Eu digo que no foi ele. J lhe perguntou? Ainda no, mas o farei assim que souber se ele vai viver ou morrer. Ento no foi George. Quem poderia ter sido? Algum que tivesse acesso ao nosso sistema de computadores. Quem? Digo que foi Basil Yanko. Por qu? Ele tem dinheiro que no acaba mais. Ele quer assumir o controle de nosso banco. Disse-me isso hoje, ao entregar-me o relatrio de segurana. E o que est querendo de mim, Paul? Que cubra dez milhes, imediatamente, deixando-nos a limpo, at que eu possa arrumar as contas e fazer as necessrias transferncias. E de onde viro os outros cinco milhes? Eu mesmo os porei. tudo o que eu tenho. Voc um tolo sentimental, Paul. Est procurando salvar Arlequim

de qualquer maneira. Mas no se esquea de que, mesmo que cubra, Yanko continuar a ter provas do desfalque. Se estivermos cobertos, ser mais difcil para ele usar as provas de que dispe. Se o fizer, isso tornar evidente sua cumplicidade. Talvez eu no tenha que usar os fundos de emergncia, Karl, pois, afinal de contas, somos slidos como Gibraltar. Mas tenho que ganhar tempo at conversar com Arlequim e receber autorizao para iniciar uma investigao independente. E por que procurou a mim e no a seus prprios acionistas? Yanko disse que os tem sob controle. Voc o nico homem em quem posso confiar, que tenho certeza de que nada dir, quer resolva ou no emprestar o dinheiro para cobrir o dficit. E quem vai realizar a sua investigao? Esse outro problema. Preciso de um tcnico internacional ou de uma firma de segurana bem conhecida. Mas o mercado bastante fechado e Yanko certamente saber assim que eu comear a procurar. E comprar imediatamente o homem que voc contratar.

Ou talvez faa pior ainda. Pessoas so mortas por muito menos nesse negcio, Karl. Quem foi que disse que o dinheiro no tinha cheiro? Voc est bastante abalado, meu jovem Paul. Sirva-se de outro usque. Tenho que pensar um pouco. Karl Kruger pensando era como uma britadeira triturando concreto. Andava de um lado para outro da imensa sala, ofegando e arrotando, murmurando para si mesmo. Abriu as cortinas, plantou o vulto corpulento diante da janela e ficou um longo tempo contemplando as luzes da velha cidade hansetica, to profundamente enraizada no dinheiro da burguesia e na lama do Bltico que sobrevivera at mesmo ao cataclismo do bombardeio macio e diviso do Reich no ps-guerra. Seus habitantes so banqueiros e comerciantes, armadores e marinheiros esfuziantes, ciumentos da sua cidade e das suas liberdades histricas. So espertos e fleumticos, amigos dedicados e inimigos obstinados. Se Karl Kruger resolvesse apoiar-me, eu poderia comear a lutar. Se ele recusasse, no entanto, seria como se eu ficasse nu em

meio mais terrvel tempestade. Finalmente ele virou-se para mim, o rosto srio. Conheci Basil Yanko e creio que o compreendo. Ele um gnio, mas s tem cabea e mais nada. Por isso dedica-se totalmente ao jogo do poder. O seu George Arlequim, por outro lado, o que ? Um playboy, um bufo, um amador? Dinheiro negcio de homem. Esta cidade prova disto. Mas o seu Arlequim se comporta como se isso fosse uma brincadeira de criana. Voc tambm sente inveja dele, Karl? Inveja? Oh, meu Deus, claro que no! Como posso sentir inveja de um homem que precisa de uma cobertura de quinze milhes porque no sabe vigiar suas prprias contas? Deixe disso, Karl! Voc sabe muito bem que qualquer sistema pode ser corrompido. Existe em Londres um tcnico de segurana que consegue seus clientes provando justamente isso. Se o contratar, ele demonstra sua habilidade desviando dinheiro durante seis meses a fio, sem que voc o perceba, depositando o que tirou num fundo de investimento. O que voc

est realmente querendo saber se vale a pena ou no salvar Arlequim. Eu digo que vale. No necessrio ser asceta para ser bom banqueiro. Pode-se s-lo levando uma vida como a de Arlequim. No seu tempo, voc fazia at mais do que ele. E capaz de liquid-lo s porque no aprecia seu estilo de vida? No esse o problema. Por que Yanko o escolheu? Por que no a mim ou a meia dzia de outros que ambos poderamos enumerar? Ele escolheu Arlequim porque h uma fraqueza no homem, assim como em seu sistema. E eu quero saber precisamente qual . Sou o homem errado para responder, Karl. Por qu? Porque ele meu amigo, sou padrinho de seu filho e estou apaixonado pela esposa dele. Deus Todo-Poderoso! E em vez de roubar-lhe a esposa, voc prefere ser o mrtir no altar da amizade? E muito mais tolo do que eu imaginava, Paul. Agora que j sabe, Karl, qual sua resposta?

Darei a cobertura, mas com uma condio. Qual? Quer esteja porta da morte quer no, Arlequim ter que saber de tudo. E quero a primeira opo sobre suas aes e seus direitos de preferncia em relao aos outros acionistas. Se ele no concordar, ento no h negcio. Est sendo muito exigente, Karl. Isto Hamburgo, irmozinho. Aqui no se d nada por nada. E quem no andar com a braguilha abotoada, pode pegar uma doena. Apresentarei a proposta a Arlequim. Est certo. Agora, quanto a seu investigador...No pode realmente procurar algum no campo dos computadores, pois Yanko iria antecipar-se a todos os seus atos. Concorda? Concordo. Poderia recorrer polcia. Operamos em muitos pases e em todos eles haveria um escndalo se agssemos dessa forma. Pode usar investigadores particulares. Mesmo assim, ainda precisaramos de um tcnico em computao para verificar todo o sistema.

Acho que precisa muito mais do que isso. No estou entendendo... Yanko tem de tudo sua disposio: dinheiro, informao, influncia. Tem, em suma, o poder. Pode criar uma mentira e impingi-la da noite para o dia metade do mundo. No momento em que comearem a enfrent-lo, devero procurar arruin-lo, antes que ele os destrua. Foi por isso que eu quis saber se George Arlequim um homem de coragem. Se no for, melhor vender o que tem agora, enquanto ainda encontra quem compre. Eu tambm lhe direi isso, Karl. Se ele est disposto a lutar, ento h um homem cm Nova York que poder ajud-lo. Usa diversos nomes, mas o verdadeiro Aaron Bogdanovich. Ele tambm uma espcie de gnio, mas seu maior mrito o de no se deixar comprar. O que ele faz? Ele organiza o terror. Naquele momento samos da velha manso do parque Alster e mergulhamos dois mil anos no passado. Estvamos de volta floresta escura, conhecida como Hamma, as fogueiras acesas, os guerreiros embriagados e

entregues luxria, depois da matana. Compreendi ento qual era o verdadeiro nome do nosso ofcio, uma batalha sangrenta por dinheiro e poder, com os lobos espreita, esperando pelo que os guerreiros deixariam atrs de si. Karl Kruger deixou-se cair pesadamente numa cadeira, ps um pouco de usque no copo e esvaziou-o de um s gole. Depois lanou-me um olhar sardnico e perguntou: Acha que estou brincando, no mesmo? No. Quer fazer alguma pergunta? Quero. Como veio a conhecer esse Aaron Bogdanovich? Eu sou o agente dos banqueiros dele. Quem o emprega? O Estado de Israel. E por que ele aceitaria um servio particular? Porque tem para comigo uma dvida pessoal. Tirei seu irmo e sua irm de Latvia. E o que ele poderia fazer por ns? Acho que quase tudo. O terror um negcio bastante flexvel. O pblico v apenas seu lado mais tosco, como o assassinato de um agente ou o

seqestro de um avio. Mas, na verdade, todos ns vivemos sob a presso da chantagem. Os especuladores desvalorizam a moeda, os rabes cortam o fornecimento de petrleo. Nessa base, o relatrio que Yanko lhe apresentou tambm um ato terrorista. E como posso entrar em contato com esse Aaron Bogdanovich? Ele tem uma loja de flores na Third Avenue, entre as ruas 49,h e 50lh. Basta voc entrar e apresentar-lhe meu bilhete. E melhor escrev-lo agora mesmo. Hilde deve estar chegando e teremos uma noite movimentada. Eu estava mais do que disposto. Era um homem livre e h muito que j passara da idade de precisar de consentimento. Se Karl e Hilde queriam divertir-se a noite inteira na cidade, iria acompanh-los. Jantamos em casa, porque Karl possui o melhor cozinheiro de todo Scheswig-Holstein. Hilde, que gorducha, agradvel e de voz estridente, como uma franguinha, tocou Wirtin para ns. Depois, Karl, entusiasmado e afoito, decidiu invadir Saint Pauli. No pude dissuadi-lo e Hilde nem tentou. E assim, entre meia-noite e

quatro horas da madrugada, percorremos a Reeperbahn: bares particulares, shows de sexo, boates de lsbicas e clubes de invertidos, indo tambm a antros de marinheiros, onde Karl tocou acordeo e sapateou no cho coberto de serragem. Eu esperava que a qualquer momento ele desabasse com um ataque de apoplexia. Em vez disso, contudo, ele encerrou a noite com um floreio de ator. Enquanto Hilde lhe desabotoava a camisa e eu lhe tirava as meias, ele abriu um olho e declamou: Sabe, meu jovem Paul, se no se pode combat-los, ento melhor fazer a outra coisa. Mas, se no pode fazer nenhuma das duas, s resta deitar e morrer. Era um sentimento encorajador para encerrar uma noitada alegre. Mas eu duvidava que pudesse torn-lo apetecvel a George Arlequim, o menos combativo e o mais civilizado dos homens. Trinta e seis horas depois estava em Los Angeles, passeando pelos jardins do Bel-Air Hotel em companhia de Juliette, partilhando sua alegria diante da notcia de que George fora salvo da sentena de morte, que

receberia alta do hospital dentro de uma semana e dentro de um ms estaria pronto para recomear a trabalhar, moderadamente. Juliette relatava-me os planos que tinham feito. ... Decidimos ir para Acapulco. Lola Frank emprestou-nos a villa que possui l. Teremos toda uma equipe para cuidar de ns. A casa tem uma lancha e...Oh, Paul, ser como uma segunda lua-de-mel! Mal posso esperar o momento de seguirmos para Acapulco. As ltimas semanas foram terrveis. Cada vez que o telefone tocava, eu pulava sobressaltada. George parecia-me completamente estranho, de to calmo e distante. Era como se ele estivesse procurando conservar todas as suas foras para o dia do veredicto final. Ele jamais se queixou. Mostrava-se extremamente cuidadoso para comigo, bastante atencioso, mas vivia em seu prprio mundo. Mesmo quando lhe deram a boa notcia, ele mostrou-se to reservado que foi quase sobrenatural. Sorriu e agradeceu ao mdico por seus cuidados. Quando ficamos a ss, ele abraou-me e chorou um pouco. Depois disse uma coisa estranha: "Agora eu

sei o nome do anjo". Quando lhe perguntei o que aquilo significava, disse que era algo que preferia no explicar... Quando posso visit-lo? Esta tarde. Por que no vai sozinho fazerlhe uma surpresa? Se acha que... No h o menor problema. Isso me dar uma oportunidade de ir a um cabeleireiro e fazer algumas compras. Mas no o deixe falar de negcios, est certo? Prometo que no o deixarei alongar-se muito no assunto. Ele ficar na maior alegria em v-lo! Oh, Paul, no est fazendo um dia maravilhoso? Eu achava que o dia era infernal e repugnante. Compreendia agora por que, nos velhos tempos, mandavam cortar a garganta dos portadores de ms notcias. Ao seguir para o centro da cidade a fim de visitar Arlequim, tinha vontade de cortar minha prpria garganta. Pensei em reter as notcias por mais algum tempo, mas sabia que no poderia faz-lo. Sem o consentimento de Arlequim, no tinha poderes para entrar em ao.

Meu corao contraiu-se quando o vi. Estava sentado numa poltrona, usando um pijama de seda e roupo, parecendo transparente de to plido. Quando lhe apertei a mo, verifiquei que estava seca e encarquilhada. Apenas seu sorriso permanecia o mesmo, luminoso, grave, com a eterna expresso de malcia. Ele no procurou atrair a ateno para si mesmo, como os doentes costumam fazer. Afastou minhas perguntas sobre a doena com um sacudir de ombros. J passou, Paul. Tive muita sorte e estou contente por Julie. Agora quero sair daqui o mais depressa possvel. Disseram-me que a convalescena ser demorada. Pode defender o forte por mais algum tempo? Claro. Mas vou precisar importun-lo com o exame de alguns negcios. Acha que agenta? No h problema. Pode falar. So ms notcias, George. Ele sorriu e sacudiu os ombros. Pode contar-me o pior e mesmo assim continuarei a sentir-me um homem de sorte. Contei-lhe tudo. Ele ouviu-me em silncio, de olhos fechados, a cabea

cada de encontro ao peito, as mos placidamente no colo. Quando acabei, ele perguntou calmamente: Como foi que aconteceu, Paul? Est tudo no relatrio. Precisaremos de um tcnico para verificar os detalhes, porque h uma ampla srie de transaes implcitas. O mtodo, porm, essencialmente simples. Subornase um programador para fornecer informaes fraudulentas ao computador. A menos que elas sejam canceladas, o computador a partir da desenvolve todos os seus clculos tendo-as por base, at o juzo final...Sabe como operamos no mercado. Compramos e vendemos em bloco para grupos de clientes, separando depois as aes de cada um, os lucros e as despesas. Nosso computador foi programado para apresentar despesas falsas nas transaes, o lucro da proveniente sendo depositado numa conta numerada do Union Bank, de Zurique. E essa conta est em sem nome. Mas eu nunca tive, em toda a minha vida, nenhuma conta no Union Bank! O relatrio declara que sua a assinatura na abertura da conta e nos

cheques. Est dizendo que a conta tem sido operada? Retiraram todo o dinheiro. Mas ento falsificaram o meu nome! Teremos de prov-lo e descobrir tambm quem o fez. Teremos tambm que descobrir quem forneceu informaes falsas ao computador, em todas as nossas filiais, e quem pagou para que isso fosse feito. Por que ns mesmos no descobrimos a diferena? Porque consideramos o computador como coisa garantida. Enquanto as transaes dirias se ajustam, nem mesmo questionamos os seus resultados. E temos uma to ampla variedade de operaes que somente os contadores e os auditores preocupam-se com os nmeros finais. Mas isso uma loucura, Paul! Fazer com que parea que eu estou roubando minha prpria empresa...No estou entendendo nada. Algum quer faz-lo de alvo, e creio que esse algum se chama Basil Yanko. Se isso verdade, podemos nos livrar dele e contratar os servios de

outros. O diabo que podemos! J se esqueceu quanto tempo demora para instalar e treinar operadores num determinado sistema? Alm disso, o que est acontecendo apenas um aviso, um primeiro bilhete de chantagista. Mesmo assim, um ato criminoso. Se pudermos prov-lo. E temos tambm que cobrir os fundos que esto faltando. Preciso de instrues suas quanto a isso. No momento, Karl Kruger e eu estamos dando as garantias necessrias, mas Karl quer muita coisa em troca. No tem importncia, Paul. Neste caso, precisarei de uma procurao plena, para poder movimentar todos os seus bens, pelo menos enquanto no for capaz de viajar e agir por si mesmo. Sei que isso um risco muito grande e no me incomodarei se voc no quiser assumi-lo. Tenho que confiar em algum, Paul. E se no puder confiar em voc, quem mais me restar? Ento vamos enfrentar Basil Yanko. Eu no disse isso.

Engasguei, incrdulo. Arlequim sorriu, um sorriso lvido e desalentado. No fique to chocado, Paul! Acabei de caminhar at a beira da morte e voltei. Sei agora de quo pouca bagagem um homem realmente necessita. Devo confessar-lhe que no tenho muita certeza se desejo manter Arlequim et Cie. No gostaria de que ela ficasse com Basil Yanko, mas no me recusaria a vend-la para Karl Kruger. uma tima soluo, pois assim Julie e o menino no teriam que se preocupar com mais nada e eu estaria de fora da corrida de ratos. Se vender agora, ser uma atitude tomada sob coao. Esse apenas um dos lados da moeda. Ento eu lhe direi qual o outro. Se ceder agora, os miserveis ganham. E se ganharem agora, tentaro novamente. E no pode esquecer-se de que nem todas as vtimas conseguiro escapar com a mesma sorte que George Arlequim. Subitamente ele ficou nervoso e comeou a suar. Eu me sentia um criminoso por pression-lo tanto. Ajudei-o a ir para a cama, molhei-lhe o

rosto e esperei at que lhe voltasse um pouco de cor. As nicas palavras que encontrei para dizer eram banais e lamentveis. Sei que exagerei, George. Desculpe. O que quer que decida, continuaremos amigos. Ele ps a mo fraca sobre o meu pulso. Vou contar-lhe um segredo, Paul. muito difcil enfrentar o anjo da morte, porque ele no quer que a gente lute. Tudo o que nos pede que descansemos, durmamos um pouco. E muito tentador fechar os olhos e esquecer tudo o mais. No fique to revoltado comigo, Paul! D-me um pouco mais de tempo... que no temos muito tempo, George. , Eu sei. Quer que eu conte tudo a Julie? Ainda no. Ultimamente temos tido alguns problemas pessoais. Quer que eu fique mais um pouco? No, obrigado. Estou muito cansado. Venha verme amanh, com Julie. Ainda era cedo. Eu no queria voltar para o hotel, com suas starlets artificiais e os agentes de cabelos grisalhos. Queria ser annimo, livre para

conversar sobre coisas superficiais, como o preo de um bife, a dor de barriga de um cavalo de corridas e o fato de as garotas de hoje no serem mais como as de antigamente. Gosto desse tipo de vida modesta. mais simples de viver e se tem mais amigos para partilh-la. Parei num bar na Strip, escuro e quase deserto. Pedi um bourbon, paguei uma cerveja para a casa e durante meia hora empenhei-me num lamento lacnico com o barman. Acabramos de sair do Oriente Mdio e estvamos comeando a falar sobre os escndalos da Administrao quando o telefone tocou. O barman atendeu e depois virou-se para mim. Seu nome Paul Desmond? Isso mesmo. Nova York est ao telefone. Nova York? Foi o que o homem disse. Vai atender? Ele empurrou o telefone na minha direo. Peguei o fone e disse estupidamente: Al... Sr. Desmond? Aqui Basil Yanko. Liguei para dar-lhe as boasvindas aos Estados Unidos.

Como soube onde encontrar-me? Temos uma organizao muito eficiente, Sr. Desmond. J tem alguma novidade para mim? Um conselho, Sr. Yanko: no invada minha vida particular. Ele riu, sem a menor alegria. H algum servio que lhe possamos oferecer durante sua estada? Nenhum. Ento divirta-se bastante durante sua permanncia aqui, Sr. Desmond. Continuaremos em contato. Au revoir. Desliguei e voltei a concentrar-me em meu bourbon. O barman fitou-me, os olhos espertos a sondarem minha reao. Ms notcias? Estou apostando num perdedor. Isso mau, mas a verdade que no se pode ganhar todas. Quer outra dose? Obrigado. Tomei a segunda dose lentamente, enquanto ele me contava, demoradamente e com todos os detalhes, como acertara o jackpot em Las Vegas na noite em que se divorciara e passara a melhor noite em vinte anos com uma corista desempregada.

Sua sorte reanimou-me tanto que decidi procurar meu amigo e cliente, Francis Xavier Mendoza, que vive em Brentwood. Ele um resqucio da Velha Califrnia, dos poos de alcatro, dos sinos das misses, das garrafas de Capistrano. um verdadeiro milagre em pequena escala: um cavalheiro de Castela no manchado pela vulgaridade da costa do Pacfico. Possui trs filhos e uma linda filha. Assiste missa nos domingos e dias santos, fabrica um dos melhores vinhos do Napa Valley e, nas horas vagas, empenha-se em traduzir para o ingls os poemas de Alonso Machado. Na poltica californiana, ele uma espcie de camaleo, sempre presente, sempre poderoso, mas nunca fcil de identificar. Quando lhe disse que precisava v-lo, deume as boas-vindas no velho estilo: Minha casa sua. Venha agora mesmo, se no puder vir antes. Quarenta minutos depois, descansando em seu jardim, apresentei-lhe a pergunta: O que sabe dizer-me sobre Basil Yanko e a Creative Systems Incorporated?

Ele fez uma expresso de repugnncia. um bruto, mas um bruto poderoso. Metade das empresas da costa usa os seus servios e lambe suas botas na hora de pagar a conta. Mas eu no tomaria banho no mesmo oceano que ele. O que h de errado com ele? Legalmente, nada. Ele fornece os melhores servios de computadores deste pas sistemas, programas, segurana, tudo enfim. o chamado garoto prodgio. Mas, uma vez entrando em algum lugar, no se consegue mais tir-lo de l. Ele controla todos os sistemas e fica sabendo de cada movimento de seus clientes. Ao menor indcio de fraqueza, ele se instala prontamente no gabinete do presidente. J fez assim com trs amigos meus e um inimigo, que bem o mereceu. Mas por que est perguntando, Paul? Ns tambm o usamos e achamos que adulterou nossos registros. Ay de mi! Mas isso terrvel! Ele j fez o mesmo com algum por aqui? H rumores de que sim, mas nenhuma prova. E, se procurarmos, no encontraremos as provas necessrias?

Na Califrnia de hoje? Perca as esperanas. O presidente est desacreditado, o Congresso est com medo, o povo desmoralizado. Duvido muito que eu consiga relacionar vinte pessoas nesta cidade que jamais tenham sido compradas por algum. Eu no poderia nem mesmo enumerar dez pessoas que pudessem enfrentar uma investigao pblica de seus negcios. uma triste concluso. Triste e sinistra. Posso descobrir-lhe um assassino muito mais depressa do que um homem honesto ou um homem corajoso. Ele fez uma pausa, abrindo os braos num gesto de desespero. Sei que estou exagerando um pouco, como sempre o fao. Mas que sou como Digenes, enfiado em sua barrica. No se pode negar, contudo, que assim so os tempos em que vivemos. Quando se vive do crdito, como ns, americanos, o fazemos, sempre se pode ser pressionado. medida que se sobe a escada das corporaes, fica-se com medo do homem que est acima e do que est abaixo. esse o poder que Yanko utiliza. Ele conhece os

segredos de todo mundo. O que ele no sabe, trata de inventar, alimentando com mentiras os seus computadores, e depois apresenta-as como um evangelho, no momento em que julga mais conveniente. E como ento se pode venc-lo? S h uma maneira: viver em seu mundo. preciso espreit-lo nas sombras, talvez durante anos, at o dia em que se possa for-lo a sair em campo aberto, derrotando-o ento. Mas para fazer tal coisa indispensvel ter nervos fortes. E quando sair para jantar num restaurante, no se pode esquecer de ficar de frente para a porta, as costas contra uma parede slida de tijolos. Estou lhe dando um bom conselho, Paul, jamais se esquea disso. Vou verificar por a. Se ouvir algo de til, eu lhe informarei imediatamente. Voc me surpreende, Francis, como um legtimo cavalheiro cristo. O mrito no meu. Tive uma me que Deus a tenha! que me puxou as orelhas e ensinou-me boas maneiras. Agora, deixe-me oferecerlhe um sherry. o melhor que tenho e sinto o maior orgulho dele.

Ele serviu-me a bebida e fez o brinde: sade, dinheiro, amor e tempo para gozar as trs coisas. Ao beber, experimentei a sensao sobrenatural de que Basil Yanko espreitava por cima do meu ombro, sorrindo da ironia. Anos atrs, quando eu estava em Tquio, negociando um minrio de ferro que ainda estava debaixo da terra e gastando a minha comisso antes mesmo de receb-la, fiz amizade com Kiyoshi Kawai, o decano dos gravadores japoneses. Ele j era um homem idoso ento, mas cheio de vitalidade e com uma extraordinria sagacidade. Sempre que eu me sentia infeliz, o que acontecia com freqncia, ia a seu estdio e l ficava sentado durante muitas horas, vendo-o cortar os blocos e misturar as cores, censurando os aprendizes se as definies no fossem absolutamente perfeitas. Quando Kiyoshi estava deprimido, um acontecimento raro mas cataclsmico, arrastava-me para um clube de travestis em Shinjuku, onde os rapazes se vestiam como gueixas e as poucas moas presentes pareciam os

sete samurais. Todos adejavam em torno do mestre, enquanto este os desenhava. Serviam-lhe interminveis copinhos de saque, enquanto Kiyoshi improvisava haiku e reproduzia-os em maravilhosas pinceladas. Eu achava a experincia enervante, porque, depois de uma longa sesso de saque e de cerveja Kirin, era difcil distinguir os rapazes das moas. Eu tinha sempre que levar o velho para casa, antes que ele comeasse a assinar promissrias e as distribusse, como souvenirs. E numa dessas excurses que ele me deu a receita para uma boa vida. Quando ficou sbrio, fiz com que a transcrevesse em caracteres kanji. Agora, aonde quer que eu v, sempre levo o pergaminho comigo. Diz o seguinte: "Nunca misture as cores quando o vento do oeste est soprando e jamais faa amor com uma mulher que tenha cara de raposa". difcil explicar o significado de tal inscrio, mas aqui a reproduzo como prlogo a um dia pssimo. Comeou com uma srie de pequenos desastres. Acordei cedo e fui dar um mergulho na piscina, escorreguei nos ladrilhos molhados e torci o

tornozelo. Logo depois baixou um nevoeiro intenso e em cinco minutos eu estava com os olhos turvos e espirrando. s oito horas, Suzanne telefonoume de Genebra. Transmiti-lhe a boa notcia da recuperao de Arlequim e ela reagiu com um despacho da frente domstica. Nossos gerentes de filiais tinham ficado extremamente nervosos com meu cabograma. Estavam subitamente preocupados com os interesses de seus clientes e com os prprios pescoos. Ser que eu poderia prestar alguns esclarecimentos sobre as instrues? Como eu nada poderia fazer sem a autorizao expressa de Arlequim em meu bolso, ditei uma mensagem tranqilizante, dizendo-lhes que o presidente estava passando bem e em recuperao, e em breve iria apertarlhes as mos. Novas instrues seriam transmitidas dentro de quarenta e oito horas. Pelo menos era o que eu esperava. Para coroar tudo, Juliette telefonou e pediu-me que fosse tomar o caf da manh em sua companhia. Achava-se bastante nervosa porque o pequeno Paul estava com catapora e a idiota da bab celebrara o acontecimento num telegrama de cem palavras, escrito em

alemo-suo e mutilado em trnsito. Tinha ainda outras preocupaes e escolheu-me para padre confessor. Somos amigos h bastante tempo, Paul. Entre ns, no existem segredos. Existem, minha cara, pois no podemos viver sem eles. Comece novamente. Est sendo detestvel agora, Paul. Ento estou de mau humor e com uma pssima disposio. Hoje no meu dia. Qual o prximo item? Estou preocupada com George. George e voc ou apenas George? Apenas George. Ontem voc me falava sobre uma segunda lua-de-mel. O que aconteceu para faz-la mudar assim? Ele disse-me ontem noite que estava pensando em vender a Arlequim et Cie. Ele lhe disse por que ou a quem? No. Achei que talvez voc soubesse. Olhe, Julie, vamos ser francos. Gosto muito de vocs dois, mas estou no negcio com seu marido e no vou dizer coisa alguma fora das salas de reunio. Isso quer dizer que ele j lhe falou.

Eu no disse isso. V para o inferno, Paul Desmond! J estou a caminho, minha querida... No, por favor, espere!...Desculpe. Sei que estou agindo como uma louca. Mas estou realmente preocupada. George mudou bastante e voc no faz idia do quanto.. . Ora, Julie, no se esquea de que ele passou muito tempo doente. Est distante e deprimido, mas isso normal. No se podia esperar que ele agora se pusesse a danar fandangos, no mesmo? Por que ele est querendo vender Arlequim et Cie.? Talvez ele queira pegar o dinheiro e investir, a fim de poder sair passeando pelo mundo tranqilamente. Por que no? O que ser dele sem o negcio? Um homem feliz? Ou mais um rico ocioso. Em todos estes anos de nossa amizade, jamais o vi na ociosidade. Seria ento um diletante, sem estar comprometido com coisa alguma. Ele est comprometido com voc.

Ser mesmo? s vezes, tenho minhas dvidas. Olhe, Julie, quanto a isso nada lhe posso dizer. Sou apenas um solteiro, que sente coceira nos ps. Eu o detesto quando voc se esquiva dessa maneira, Paul. O que quer que eu faa? Voc uma mulher adulta e casada. Conhece a letra e a msica, pode cantar para George. Eu cantaria fora do tom. No creio. Apenas voc no est querendo tomar uma deciso. Deciso sobre o qu? Se deve tentar reduzir George Arlequim s dimenses de um menino ou se voc mesma se torna uma mulher amadurecida. Sabe por que isso acontece? Nem quero saber. O problema seu e no meu...S-mais uma coisa: Arlequim quer ver-nos a ambos no hospital, esta tarde. Virei busc-la s trs horas. Deixei-a olhando para o seu caf j frio e fui passear no jardim. Estava furioso com ela, comigo mesmo, com Arlequim e com o mundo inteiro,

irremediavelmente indigesto. Eu precisava de uma crise conjugai tanto quanto precisava de uma terceira perna. Se no consegussemos traar uma orientao poltica nas prximas quarenta e oito horas, teramos uma revoluo palaciana em nossas mos. E o pior de tudo era que Arlequim, o homem equilibrado em todas as situaes, parecia estar desmoronando. Trs pessoas haviam sentido uma fraqueza nele e estavam empenhadas em explor-la: Basil Yanko, Karl Kruger e sua esposa. Eu era o nico que no a estava enxergando. Seria eu o prodgio de um olho s, rei numa terra de cegos, ou seria o estpido Paul, aparvalhado e aturdido com o esplendor de um falso prncipe? Tinha que descobri-lo, no mnimo para manter o respeito prprio. E porque estava furioso e porque me torno impetuoso e obstinado quando estou furioso, decidi iniciar minha prpria guerra particular. Liguei para o escritrio de Nova York da Creative Systems Incorporated e pedi para falar com Basil Yanko. Tive que identificar-me para quatro pessoas diferentes antes

que ele entrasse na linha, macio como manteiga. um prazer imenso, Sr. Desmond. Em que posso servi-lo? Irei a Nova York depois de amanh. Gostaria de conversar com o homem que preparou nosso relatrio. No um homem, Sr. Desmond, e sim uma mulher. O nome dela Valerie Hallstrom. Est certo, Eu gostaria de conhec-la. Depois, gostaria de conversar com o senhor. timo. No quer sugerir algum horrio? Ainda no fiz nenhuma reserva. No seria melhor eu telefonar-lhe assim que chegar a Nova York? Combinado. J transmitiu minha proposta ao Sr. Arlequim? J. Ele est pensando no assunto. Devo receber uma resposta no final desta tarde. timo. Como ele est? Bastante abatido, mas agora j est comeando a se recuperar. Fico satisfeito. Diga-lhe que desejo uma rpida recuperao. Certo. At nosso encontro... Eu no tinha a menor idia do que ia dizerlhe no dia marcado nem em

qualquer outro dia, mas pelo menos lhe pusera uma pulga atrs da orelha e esperava que ele ficasse a se cocar por algum tempo. Voltei para meu quarto e pedi que me providenciassem uma estenografa. Sentei-me junto com ela beira da piscina e ditei-lhe as procuraes que George Arlequim deveria assinar. Era uma tarefa longa e tediosa, mas teve o mrito de manter-me ocupado at meio-dia, quando fui para o bar a fim de tomar um coquetel antes do almoo. O barman cumprimentou-me pelo nome e apontou para um homem que estava sentado sozinho junto janela. Aquele cavalheiro chegou aqui um minuto atrs e perguntou pelo senhor. Ele era jovem, no tinha mais do que trinta anos, trajava um terno de corte italiano. Levantou-se quando me aproximei e apresentou-se respeitosamente: Sr. Desmond? Prazer em conhec-lo. Sou Alex Duggan, da Creative Systems Incorporated. Nosso escritrio de Nova York pediu-me que lhe entregasse uma mensagem urgente. Liguei para sua sute e, como no estava

l, calculei que poderia encontr-lo aqui no bar. No quer sentar-se? Sentei-me. O barman trouxe minha bebida para a mesa. S depois que perguntei: E qual a mensagem que tem para mim? um telex do gabinete de nosso presidente. Se tiver alguma resposta, ficarei feliz em transmiti-la para o senhor. A mensagem era um documento, formal e objetivo: "Tendo por base os dados atuais e uma projeo de trs anos, avaliamos Arlequim et Cie. razo de oitenta e cinco dlares por ao. Este comunicado constitui uma proposta formal de compra vista da totalidade das aes, razo de cem dlares cada uma. Solicitamos que transmita a proposta imediatamente ao Sr. George Arlequim e informe-o tambm de que estamos dispostos a negociar, em termos generosos, a venda ou renncia s opes existentes. Os outros acionistas j foram devidamente informados. Basil Yanko, presidente da Creative Systems Incorporated". Meti a mensagem no bolso do palet e rabisquei a resposta no

envelope: "Comunicao recebida. Paul Desmond". O jovem dobrou o envelope reverentemente e guardou-o na carteira. Mandarei sua resposta assim que voltar para o escritrio. Aceita beber alguma coisa, Sr. Duggan? No, obrigado. Nunca bebo quando estou trabalhando. essa a poltica da companhia. H quanto tempo trabalha para a Creative Systems, Sr. Duggan? H trs anos. E o que faz? Relaes com os clientes. E isso significa precisamente o qu? Tenho um setor exclusivo. Visito todos os clientes uma vez por ms, verifico as queixas, sugiro melhorias, fao projees para a ampliao dos nossos servios, que so projetados, claro, para crescerem com os negcios do cliente. E bem pago? Muito bem. Temos um sistema de gratificaes, opes para compras de aes e tudo o mais. de fato um excelente emprego, com boas perspectivas. E est sempre com o Sr. Basil Yanko?

Quase nunca. Mas a gente sabe que ele est presente. E como! Ele sabe o que cada um est fazendo, at o pessoal da limpeza. E quem no est preparado, no fica muito tempo na Creative Systems. Quer dizer ento que a movimentao da equipe muito grande? Nem tanto. Acho que s o bastante para nos manter alerta. Eles ainda dizem que os funcionrios que rejeitamos so melhores do que a maioria. Todos parecem encontrar emprego com bastante facilidade. Isso interessante. E onde eles vo procurar emprego? A maioria do pessoal mais experiente em computao registra-se em trs agncias de empregos de Nova York e duas aqui na costa do Pacfico. E a sua companhia tambm recorre a uma agncia de empregos? No, senhor. Treinamos e recrutamos pessoal apenas para ns mesmos e para nossos clientes. O Sr. Yanko inflexvel com relao a isso. Muito obrigado, Sr. Duggan. Agora no vou prend-lo por mais tempo.

Foi um prazer, senhor. Pode estar certo de que sua mensagem estar em Nova York dentro de meia hora. Ele era um jovem simptico, mas ingnuo demais para ser real. Aperteilhe a mo e acompanhei-o at a porta, voltando depois, pensativo e infeliz, para acabar minha bebida. Agora a pulga estava atrs da minha orelha. Yanko sabia de tudo a respeito do comportamento dependente de pessoas nopsicticas. Sabia mesmo! Uma proposta vaga deixa um homem inquieto, uma proposta concreta deixa-o ganancioso...e uma oferta dezoito por cento acima do mercado f-lo sair correndo para assinar os papis, antes mesmo que Papai Noel possa sair da chamin! Arlequim podia se recusar a vender. Mas a verdade absoluta que ele no poderia comprar todas as suas opes e ainda por cima cobrir um desfalque de quinze milhes de dlares. Karl Kruger poderia comprar a noventa dlares por ao, mas no daria um cent acima disso e eu no podia culp-lo por tal atitude. Arlequim poderia tentar travar uma batalha por procurao. Nesse caso, Yanko jogaria seu trunfo: a prova documentada de

fraude e apropriao indbita. Quando tal acontecesse, nossos amigos, clientes e aliados nos abandonariam em massa. Era realmente um quadro animador para se pintar num quarto de doente. Arlequim resumiu a situao com um sorriso triste: Estamos presos entre garras de caranguejo. H apenas um consolo nisso tudo: o preo justo. Juliette ficou furiosa, desafiando-o: Arlequim et Cie. foi-lhe entregue numa bandeja de ouro. E vai vend-la sem a menor preocupao s porque o preo justo? Estou envergonhada de voc, George. Ele corou, irritado, virando-se em seguida para mim. Qual o seu conselho, Paul? A razo diz para vender, o instinto diz para lutar. E podemos vencer? Podemos. Mas, mesmo que isso venha a acontecer, sairamos bastante abalados, no mesmo? Pelo amor de Deus, George! Juliette voltava a enfrent-lo, fria e com uma expresso de desprezo.

Pare de fazer rodeios e admita logo de uma vez! Voc nunca teve que lutar por coisa alguma em toda a sua vida. Recebeu tudo de presente, at mesmo o talento que possui. E agora estolhe propondo outro presente: quinze dlares a mais por ao para entregar a companhia que seu av fundou e que deveria, por direito, passar para seu filho. Arlequim ficou a fit-la por algum tempo, rgido como uma esttua de pedra. Eu sentia-me triste por ele e envergonhado por todos ns. Por fim, ele disse asperamente: Sente-se, Julie. Voc tambm, Paul. Sentamo-nos. Arlequim ficou de p, encostado na janela, o rosto mergulhado nas sombras, dominando a ns dois. Ento ele comeou a falar, lentamente, relutante, como se cada frase fosse arrancada com dificuldade de algum recesso secreto em seu interior. Parece que lhe falhei, Julie. No tinha conscincia disso. Sinto muito. Sei que voc tambm tem dvidas, Paul. Mas existem muitas razes e tentarei explic-las. H algum tempo que estou desiludido com esse nosso

negcio, onde cultivamos dinheiro como se fosse repolho e o negociamos como mascates no mercado internacional. Olho para os recursos que fluem pelas nossas mos e cada vez penso mais de onde eles provm: as transferncias da Flrida so dlares dos gngsteres, fato que sabemos perfeitamente, embora nunca o admitamos; o dinheiro do petrleo que vem dos emirados rabes, onde ainda se vendem escravos e os homens tm suas mos cortadas por uma simples cesta de tmaras; os fundos que fogem dos pases pobres; o saque dos ditadores e dos tiranos locais. Sei muito bem que quando esse dinheiro nos chega j est limpo e desinfetado, cheirando a gua de rosas. E vivemos como reis dos lucros que ganhamos. No sinto o menor orgulho disso e a cada dia que passa fico mais envergonhado. Enquanto eu estava deitado aqui, esperando que os mdicos viessem apresentar-me a sentena de morte, fiquei imaginando como poderia defender o meu comportamento na vida diante de um julgamento que talvez tivesse de enfrentar do outro lado...E quando tudo isso aconteceu, pareceu-me a melhor

sada transformar as minhas fichas em dinheiro, comprar tempo e lazer para tentar decifrar o enigma deste mundo e meu lugar dentro dele. Por outro lado, sei que sou um bom banqueiro e que homens honestos confiam no nome e na tradio de Arlequim et Cie. Mas aqui surge o dilema e voc o exps com bastante clareza, Paul: se resolver enfrentar Yanko, terei que lutar no mundo dele, em seus termos, com suas prprias armas. Tenho medo disso, Julie, mas no pelas razes que voc imagina. Sabe, Julie, gosto da luta, gosto do risco e da brutalidade, da crueldade sem lei e implacvel desse outro mundo. Creio que posso transformar-me no maior pirata entre todos, capaz de sorrir enquanto limpo o sangue de meu alfanje. Mas a questo fundamental se poderei viver comigo mesmo depois disso. Ser que continuarei a ser para voc o homem que admira, Julie? Ser que voc e Paul podero continuar a passear de iate em minha companhia, tomando vinho no tombadilho, conversando e rindo despreocupadamente? Ele sorriu e sacudiu os ombros, num gesto de zombaria.

Bem, essa foi a fala da defesa. Nunca mais tornarei a fazer nenhuma. Julie fitou-o, o rosto inexpressivo. Ainda est disposto a vender? No, meu amor. Voc uma mulher bastante persuasiva. Vou lutar. a nica maneira de eu saber se o jogo vale o que custa. Aquela declarao no pareceu a clarinada sonora de chamada s armas. Como tema musical para uma segunda luade-mel tambm no era dos mais propcios. E mesmo enquanto planejvamos a campanha, parecia mais uma conspirao do que a batalha dos justos contra os pecadores. Ao voltarmos para o hotel, o vento de Santa Ana soprava forte. Juliette ia sentada no carro ao meu lado, em silncio e distante. Eu ansiava por tomla em meus braos e faz-la sorrir novamente. Mas ela estava distante, na terra dos devaneios, onde os espritos das mulheres choram os amores que perderam ou os amantes que desdenharam. Gastei quatro horas e uma pequena fortuna em telefonemas. Quando acabei, fui pegar o avio da meianoite para Nova York. 2

Sinto-me inteiramente em casa em Nova York, um capitalista descarado a gozar os despojos da livre iniciativa. Tenho um apartamento, um criado japons, um bom clube e uma miscelnea de amigos, de ambos os sexos. Adoro a cidade por todas as suas loucuras e delrios. Regozijo-me com sua ostentao espalhafatosa, seu lacnico cinismo e suas bruscas e pssimas maneiras. E um lugar arriscado para se viver, um lugar muito fcil para se morrer. Mas sinto-me mais feliz em Nova York do que em qualquer outra cidade do mundo. Possuo tambm em Nova York um abenoado isolamento, porque o telefone no est no catlogo, na portaria do prdio consta o nome de outro homem e uso tambm o apartamento do banco, no Salvador, onde posso receber os importunos, evitando assim que eles ingressem em meu refgio. O arranjo possui suas vantagens diplomticas. O Salvador bastante pblico, onde todo mundo visto e se fica especulando sobre os negcios ali realizados. Lano as insinuaes que desejo num lugar e posso tranqilamente descansar em outro.

s oito horas da manh, amarrotado e sonolento, registrei-me no Salvador. s nove j estava em meu prprio apartamento. s dez, graas aos cuidados de Takeshi, estava barbeado, banhado, alimentado, novamente com uma forma humana. s dez e meia estava descendo a Third Avenue, a fim de entrar em contato com Aaron Bogdanovich, que negociava com o terror e com flores exticas e caras. O comrcio de flores era bastante prspero. Duas moas, armadas de tesouras grandes e arames, estavam fazendo arranjos de mesa. Um jovem extico estava arrumando um buqu numa caixa. Uma dama opulenta, com culos de ouro, uma tnica amarelo-limo e um sorriso voraz, indagou-me o que eu desejava e j estava me mostrando um catlogo de flores da primavera antes mesmo que eu tivesse tempo de respirar. Quando pedi para ver o proprietrio, o sorriso dela instantaneamente desapareceu, no mais queria saber o que me agradava e sim meu nome e ofcio. A informao no lhe proporcionou nenhuma satisfao visvel.

Quando lhe entreguei a carta de Karl Kruger, ela segurou-a cuidadosamente, quase como se fosse explosiva, colocando-a numa pequena bandeja e levandoa para uma sala nos fundos. Voltou momentos depois, dizendo que eu deveria atravessar a rua, at a Taverna Ginty's, e esperar por uma chamada no telefone pblico. Sa rapidamente, sentindo-me leproso e indesejvel. No Ginty's, tomei um suco de tomate e contei todas as garrafas nas prateleiras, at que o telefone tocou e uma voz me ordenou que seguisse at a Catedral de Saint Patrick e me ajoelhasse no primeiro confessionrio do lado direito. A essa altura j estava comeando a achar que toda aquela rotina era um absurdo total. E foi o que eu disse. A voz censurou-me asperamente: Quando precisamos de um banqueiro, vamos procur-lo. Em nosso negcio, somos os especialistas. Entendido? A coisa colocada naqueles termos, claro que estava entendido. A Catedral de Saint Patrick no ficava muito longe e uma pequena orao poderia ajudar contanto que eu me lembrasse das palavras certas. O

confessionrio estava escuro e com um cheiro de rano de muitos pecados. A grade que separava o penitente do confessor estava coberta por uma tela opaca. A voz que me falou atravs dela era annima, um murmrio suave: Voc Paul Desmond? Sou. Eu sou Aaron Bogdanovich. Possuo uma memria fotogrfica. Ir dizer-me os servios que deseja. Eu lhe direi se, aceito e em que termos poderemos aceit-los. Comece, por favor. Contei-lhe tudo, numa confisso montona. Foi um exerccio interessante, pois fez-me ver o quo vagamente eu definira minha prpria posio e quanta razo existia para as dvidas e hesitaes de Arlequim. Aaron Bogdanovich era um bom ouvinte e um hbil inquisidor. Fez-me algumas perguntas constrangedoras. Como classificaria suas necessidades em ordem de importncia? Evitar que assumam nosso negcio, investigar a operao fraudulenta e limpar nosso sistema, provar que Basil Yanko culpado de conspirao criminosa.

As duas primeiras operaes so defensivas. A terceira ofensiva. Por qu? Se empreendermos uma guerra defensiva, estaremos fadados a perder. J imaginou o custo possvel? Em dinheiro? No. Partimos do princpio de que poder ser bastante dispendioso. O dinheiro no o problema fundamental. E qual ento? Vida e morte. Quando se vai polcia ou a uma empresa de reconhecida segurana, contrata-se um homem com uma arma para defender a vida e a propriedade do cliente. A procurao que eles recebem limitada. So responsveis perante a lei por tudo o que fazem. O mesmo no acontece conosco, porque operamos fora da lei. Contudo, temos alguns princpios morais e no somos assassinos de aluguel. Pode compr-los, se quiser, num mercado que funciona abertamente. A taxa comea em vinte mil dlares por assassinato. No estamos querendo contratar assassinos.

Mas talvez haja alguma violncia implicada na operao e a morte a conseqncia inevitvel da violncia. Por isso ter que decidir primeiro e ns depois se o problema grave o suficiente para justificar um risco de morte. Temos que discutir isso? No agora. Gostaria que primeiro definisse vontade sua posio. Depois tornaremos a nos encontrar. Frente a frente? Por que quer saber? Falou em princpios morais. Precisamos saber quais so os que temos em comum. Nunca fiz contrato com um homem que no conhecesse. Jamais assinei um contrato em aberto. Portanto, a prxima reunio ter que ser frente a frente ou terminamos tudo agora mesmo. Concordo. Sugiro que seja em meu apartamento. Pode escolher o dia e a hora que mais lhe convierem. Esta noite, s onze e meia. Tem documentos que eu possa estudar? Esto aqui, em minha maleta. Deixe-a aberta a no cho, com seu endereo e telefone. Eu a

pegarei depois que sair. S mais uma coisa. Pois no? Sirvo antes de mais nada a um pas. Ajudo os seus amigos e os meus por concesso e corolrio. No posso pr meu trabalho em risco. Portanto, deve comprometer-se a manter sigilo absoluto. Est certo. Deve saber tambm qual a penalidade por qualquer violao. E qual ? A morte, Sr. Desmond. E no receber um segundo aviso. impressionante como um homem pensa lucidamente quando a sua prpria morte est em jogo. Ao percorrer a Fifth Avenue, abrindo caminho por entre a multido do meio-dia, avaliei minha prpria posio em relao de meu sinistro confessor. Aaron Bogdanovich tinha uma razo plausvel para seu ofcio. Uma morte ou uma centena de mortes eram cifras insignificantes diante dos seis milhes de assassinados no grande holocausto. Nenhuma vida era mais importante que a sobrevivncia de uma nao sitiada. Mas o que dizer de um banco? Ser que uma sociedade annima, dedicada

exclusivamente a ganhar dinheiro, tinha o direito de fazer um sacrifcio humano para preservar seus bens? Quem escolheria a vtima e por que critrio? E que direito tinha Paul Desmond, encastelado na segurana de sua propriedade e de sua riqueza, de designar-se juiz e jri e delegar atribuies ao carrasco? Quando parei para admirar os diamantes na vitrina da Cartier, um cego, com um cartaz pendurado no pescoo, sacudiu uma caneca de lata diante de mim. Eu no tinha moeda alguma e por isso peguei uma nota amarrotada no bolso. Ao coloc-la na caneca verifiquei, tarde demais, que era uma nota de dez dlares. Lamentei o fato to irracionalmente que aquela esmola absolutamente no representou uma absolvio. Tinha um almoo marcado no Salvador com nosso gerente de Nova York, Larry Oliver, um bostoniano de fina educao e um respeito quase fantico pela tradio. Ele seria o mais feliz dos mortais se pudesse aparelhar o escritrio com escriturrios encurvados, mesas altas e penas de escrever. Certa

ocasio Arlequim deixara-o no escritrio de Londres durante seis meses. Ele voltara chocado e profundamente desapontado com a deteriorao moral do sistema bancrio ingls. Os brbaros de Wall Street faziam piadas a seu respeito, mas o fato que nos fizera atravessar a crise de 1970 sem que nossa carteira sofresse nenhum abalo de maior vulto. A mais simples impreciso constitua para ele um tremendo antema. Um engano em nossas contas era um horror inimaginvel. Por tudo isso que eu esperava um almoo difcil. E, a dizer a verdade, foi um desastre total. Com uma expresso de infelicidade, Oliver mal provou sua comida, enquanto eu lhe explicava a situao, at o ponto em que ele precisava saber, fornecendo os detalhes referentes ao escritrio de Nova York. Ele no provou o caf, levantou-se e, com as mos nas costas, por baixo do palet, ficou andando de um lado para outro da sala, como um advogado a fazer uma preleo para um cliente difcil. Eu compreendo tudo, Paul. Pode ter certeza de que compreendo perfeitamente a gravidade da situao. Mas por que no me informaram antes?

Pelo amor de Deus, Larry, ns s soubemos do ocorrido quatro dias atrs! Passei imediatamente um cabo-grama para voc e para todos os outros gerentes. Levei dois dias conferenciando com George Arlequim e o resto -do tempo estive viajando. Seja razovel, meu caro! Estou tentando s-lo, Paul. Mas minha reputao est envolvida, o nome de minha famlia... Arlequim e eu jamais tivemos a menor dvida sequer a seu respeito, Larry. Mas assim que a histria transpirar... Isso nunca vai acontecer, Larry! O desfalque j est coberto. E vim a Nova York para tratar de uma ampla e minuciosa investigao do ocorrido. Mas atravs de uma agncia particular. Provavelmente mais de uma. Ele estacou bruscamente e sacudiu-me um dedo reprovador. Infelizmente isso no deixar tudo acertado, Paul. Como assim? A menos que eu esteja interpretando a lei de forma errada, creio que fomos vtimas de uma fraude. Certo? Em face da lei, est certo.

Ento um caso para o FBI. Por que eles no foram chamados? Porque, embora suspeitemos de fraude, ainda no tivemos tempo de conferir e analisar todas as provas. Alm disso, operamos em diversas jurisdies. Pode ser que o FBI no seja a principal agncia envolvida no caso. Mas terei uma reunio com o pessoal da Creative Systems para examinarmos juntos o relatrio e depois voltarei a encontrar-me com o Sr. George Arlequim, quando ento ser decidido se chamaremos ou no os agentes federais. Enquanto isso todo o nosso pessoal e eu prprio estamos sob suspeita. Acho tal situao intolervel. Compreendo, Larry. Mas peo-lhe que seja paciente. Temos que coordenar nossa ao com todas as demais filiais. Sei disso, Paul. Mas ser que muita coisa j no transpirou? Espero que isso no tenha acontecido. No tenho muita certeza. Ontem almocei no clube numa mesa de quatro pessoas. Fizeram-me algumas perguntas estranhas. Tais como...?

Se Arlequim estaria apto a um trabalho ativo novamente. Estar, muito em breve. Se eu sentia qualquer fraqueza em nossas operaes de Genebra. E voc assegurou-lhes que no havia nenhuma? Ao que eu soubesse...Nunca fao declaraes precipitadas. Eu sei, Larry, eu sei. Quais foram as outras perguntas? Se estvamos aceitando propostas para a transferncia de controle e se era verdade que j fora formulada uma. Eu respondi "no" a ambas. Novamente ao que voc soubesse... Claro. Depois me perguntaram se eu estaria propenso a uma mudana. Respondi que estava bastante satisfeito com Arlequim et Cie., e muito mais ainda com minhas relaes com o nosso presidente. Temos muitas coisas em comum, como o interesse pela pintura e o respeito aos antecedentes slidos. E, se assim posso diz-lo, somos ambos descendentes de famlias tradicionais. Fico satisfeito em ouvi-lo dizer isso, Larry. Arlequim est contando com seu apoio neste momento difcil.

Pois ento, por favor, assegure-lhe que pode contar comigo. Mas eu no seria honesto se no dissesse tambm que a menor sombra de suspeita sobre a reputao do banco ou sobre mim pode levar-me a reavaliar minha posio. Agradeo sua sinceridade, Larry. E tenho certeza de que Arlequim ir procur-lo assim que chegar a Nova York. At l, estarei em contato com voc diariamente. E, Larry... O que , Paul? Este o momento de todos mostrarem o que realmente so. Sabe disso, no ? Sei, Paul. E obrigado por sua confiana. Agora melhor eu voltar e cuidar dos negcios. Ele saiu da sala de cabea erguida, o rosto brilhando de dedicao, um bom bostoniano, no qual, como dizia Tom Appleton, o vento leste encontrava abrigo. A informao que ele me fornecera era desoladora. A notcia de nosso problema j transpirara. Haveria novos rumores a cada dia que surgisse. Os boatos dos bares iriam rapidamente espalhar-se pela cidade e

muito em breve uma proposta de cem dlares por ao pareceria um man no deserto. Eu estava precisando tomar um conhaque bem porte. Mas decidi no tom-lo, porque Valerie Hallstrom ficara de chegar s trs e meia e eu precisaria de toda a minha lucidez quando nos sentssemos para analisar o relatrio. Valerie Adele Hallstrom seu nome completo, conforme pude verificar no carto de visitas era realmente um fenmeno. Alta e loura, possua um desses rostos escandinavos francos e saudveis que os agentes de viagens usam para seduzir os incautos a um cruzeiro pelo Bltico em pleno inverno. O corpo era um incitamento ao motim. No que ela procurasse exibi-lo, muito pelo contrrio. A roupa que usava era um milagre de discrio. Os gestos eram comedidos, a voz de um contralto suave. Ela sabia o que pensava e tinha na ponta da lngua todas as palavras necessrias para expressar seus pensamentos. A princpio, deixou-me um pouco perturbado. Mas medida que analisamos o documento, item por item, o efeito que me causou foi apavorante.

Espero que compreenda, Sr. Desmond, que se resolver tomar medidas legais, este documento ter que valer como prova nos tribunais. No momento em que o assinei, o documento passou a contar com minha reputao profissional e a da corporao onde trabalho. Conclui ento, como o documento declara categoricamente, que as fraudes ocorreram dentro de nossa prpria organizao. No temos a menor dvida quanto a isso. Poderia explicar-me novamente qual o processo que pode ter sido utilizado? Tomemos como exemplo a matriz de vocs em Genebra. O sistema de computadores est localizado em Zurique. Vocs alugam tempo de uso, quatro horas por dia, cinco dias por semana. Usam duas linhas diretas para o computador central, comunicando-se atravs de um cdigo exclusivo. Quem quer que conhea esse cdigo, pode usar as linhas de vocs ou as de qualquer outro para fornecer informaes e instrues ao computador ou para retirar informaes.

Isso tudo est claro, mas h algumas brechas. Ou nossos operadores cometeram a fraude ou algum de fora o fez, usando nossa palavra-cdigo. A qual s poderiam obter com algum de dentro de sua organizao, no mesmo? Possivelmente...Segundo estou entendendo, no momento em que uma instruo fornecida ao computador, fica depositada no banco de memria e automaticamente executada. * Exatamente. E ningum sabe que a instruo existe, exceto a pessoa que a transmitiu ao banco de memria. Isso mesmo. E essa a base de todas as fraudes clssicas. Por exemplo: se a pessoa possui um limite de saque a descoberto de dois mil dlares, pode aument-lo para duzentos mil, apenas acrescentando dois zeros ao programa. Depois que tal dado foi includo no registro, o correntista pode operar tranqilamente dentro do falso limite, * sem que ningum o ponha em dvida a menos e at que algum v verificar a instruo original. Posso dar-lhe outro exemplo. Algum pode ordenar ao computador que registre um

saldo de cem mil dlares em sua conta num dia determinado, apagando a transao do banco de memria no dia seguinte. Retira o dinheiro da conta com um cheque marcado "saldo de conta" e sai tranqilamente do pas. A menos que possa ser provado que a pessoa foi quem deu a instruo ao computador para cometer a fraude, muito difcil provar que tal pessoa foi culpada de algum crime. Afinal, a pessoa no declarou ter um dinheiro a que no tinha direito. O erro foi cometido pelo computador, agindo e operando pelo banco. Gostaria, senhorita, de repassar o que aconteceu exatamente em nosso escritrio de Genebra. Algum, supostamente o prprio George Arlequim, abriu uma conta numerada no Union Bank. A conta foi aberta pelo correio, usando documentos assinados ou aparentemente assinados por George Arlequim. As assinaturas conferem. Arlequim, no entanto, nega ter qualquer conhecimento de tal conta. Portanto, podemos concluir que as assinaturas so falsificadas. Em seguida, algum, usando nosso cdigo, d

ordens ao computador para cobrar uma despesa de um por cento em cada transao, depositando os lucros, semanalmente, na suposta conta de Arlequim no Union Bank. Como as despesas bancrias esto ficando cada vez mais complicadas, uma decorrncia da ganncia cada vez maior dos banqueiros, tal despesa poderia facilmente passar despercebida at o momento de uma auditoria. Certo? Certo. Mas, por ocasio da auditoria, ela teria que ser justificada por uma instruo original. E ento, se fosse Arlequim que tivesse emitido tal instruo, ele estaria imediatamente sujeito a um processo criminal. Certo. Mas ele no estpido e no precisa desse dinheiro. Portanto, senhorita, qual sua concluso? Que seria imprprio para mim fazer qualquer comentrio, Sr. Desmond. Nosso contrato com vocs para descobrir anomalias e fraudes. Compete a vocs tirar as concluses apropriadas e tomar as iniciativas adequadas.

timo. Mas deixe-me formular a pergunta sob outro ngulo. Somos um homem e uma mulher sozinhos numa sute de hotel. No h testemunhas. Espero que no haja tambm microfones ocultos, a menos que a senhorita esteja carregando algum. Estaria disposta a expressar, sem o menor preconceito, uma opinio particular? No, Sr. Desmond. Mas tem alguma? Tenho: a de que devo ater-me exclusivamente ao relatrio que assinei. Mas esse um problema extra-relatrio. Um problema de opinio, Sr. Desmond, no de fato. Se deseja debat-lo com a Creative Systems Incorporated, deve procurar diretamente o Sr. Yanko, sob cuja orientao eu trabalho. Gostaria agora de analisar o que aconteceu nas filiais? No. As transaes variam, mas o mtodo praticamente o mesmo e o resultado idntico. George Arlequim supostamente cometeu uma fraude. Posso perguntar quais as medidas que j tomaram para evitar a continuao de tal situao?

Anulamos todas as instrues ao computador indicadas em seu relatrio. timo. E estamos iniciando uma investigao minuciosa para descobrir quem foi o autor da fraude. Seu relatrio afirma que no pode deixar de ser algum de dentro ou ligado a Arlequim et Cie. Mas no existe a menor meno possibilidade de ter sido algum da Creative Systems Incorporated. Pelo contrrio, Sr. Desmond. Na pgina 85, terceiro pargrafo, fazemos uma meno especfica a tal possibilidade. Aqui est: "Todos os funcionrios da Creative Systems ligados a essas operaes foram meticulosamente investigados e estamos convencidos de que nenhum deles, sob forma alguma, est envolvido nas operaes fraudulentas". E espera que aceitemos integralmente tal afirmativa? falta de provas em contrrio, precisamente o que esperamos. Srta. Hallstrom, gostaria de fazer-lhe um elogio. Faa-o ento, Sr. Desmond, por gentileza.

uma mulher muito bonita. Obrigada. Gostaria de que estivesse trabalhando para ns. Mas eu estou, Sr. Desmond. Espere at receber a conta. Meus servios tm um preo consideravelmente elevado. Costuma ter folgas? Freqentemente. Gostaria de retribuir-me o elogio e ir jantar comigo uma noite dessas, se eu prometer no falar de negcios? Seria um prazer. Para onde posso telefonar-lhe? Eu lhe darei meu carto. Telefone-me por volta das sete horas, no dia que lhe aprouver. Obrigado. Mais uma coisa: o Sr. Yanko pediu-me que lhe dissesse que amanh, entre dez horas e meio-dia, estar sua disposio. Diga-lhe que me espere s onze horas. Au revoir, Sr. Desmond. Foi um prazer conhec-lo. O prazer foi meu, Srta. Hallstrom. O diabo que foi! Achava-a uma cadela descarada, mas pelo menos tinha

agora seu telefone e endereo e um meio convite para intrometer-me em sua vida ntima. Era uma pequena vitria, mas no necessariamente uma frivolidade. Quando se enfrenta uma corporao gigantesca, preciso ter amigos dentro dela. Algumas companhias so mais poderosas que as naes nas quais operam. Elas ultrapassam as fronteiras e passam por cima das jurisdies locais. Utilizam os melhores crebros, compram os melhores servios jurdicos em cada pas. Muitos diplomatas e polticos esto a servio delas...Mas, quando se procura uma resposta objetiva para uma questo objetiva, pode-se levar dois anos para obtla, sendo necessria uma imensa biblioteca s para abrigar a correspondncia a respeito. Assim, o jantar com Valerie Hallstrom poderia no dar em nada. Por outro lado, porm, poderia ser a chave para a descoberta de importantes segredos, porque, quanto maior a corporao, mais diludas esto as lealdades e mais encarniada a luta travada pelas faces existentes nos escales superiores.

Eram seis horas da tarde. Subitamente eu me sentia cansado, deprimido e velho. Sa do Salvador e percorri dez quarteires at meu prprio apartamento, dormindo at Takeshi chamar-me, s onze horas. s onze e meia, pontual como o Juzo Final, Aaron Bogdanovich apareceu. Era um homem alto, esguio, bronzeado e musculoso. Parecia ter quarenta anos, mas poderia perfeitamente ter cinqenta. Era impossvel dizlo, sem uma certido de nascimento. Vestia-se de forma negligente, mas impecvel. Sorria com facilidade. O aperto de mo foi bastante firme. Depois de um olhar avaliador para o apartamento, ele disse: Temos um homem vigiando a porta do edifcio. H outro aqui no corredor. Gostaria de cham-lo para ele verificar se h microfones ocultos no apartamento. Faz alguma objeo? Absolutamente nenhuma. Seu agente entrou, um jovem silencioso que examinou todos os cmodos com um detector, sacudiu a cabea num gesto de satisfao e depois saiu do apartamento, sem dizer uma palavra sequer.

Bogdanovich relaxou visivelmente. Agora podemos conversar. Quer beber alguma coisa? Um suco de frutas, por gentileza. Takeshi serviu as bebidas e retirou-se. Aaron Bogdanovich sorriu-me por cima de seu copo. E ento, Sr. Desmond, o que decidiu? Estamos encurralados e vamos ter que lutar. Aceitamos a possibilidade de conseqncias drsticas. Seu superior concorda com tal deciso? Ele me deu carta branca. As despesas so as seguintes: ter que pr nossa disposio, imediatamente, duzentos e cinqenta mil dlares em dinheiro; manter de reserva uma quantia igual, para pr nossa disposio em qualquer moeda e na capital que indicarmos. O total de meio milho de dlares, podendo haver um acrscimo que no superar dez por cento. Ganhando ou perdendo? Exatamente. um ato de f. O outro lado da barganha que assumimos todos os nossos riscos e nunca, em quaisquer circunstncias, os transferimos para o cliente. Se houver sangue na operao, ns mesmos

trataremos de limp-lo. Pode comprometerse a nos pagar tal quantia? Posso. L'chaim, Sr. Desmond! Sade! Fizemos o brinde e fechamos o acordo. Sentamo-nos para jantar e Bogdanovich discorreu sobre a campanha, como se fosse um general a instruir seu estado-maior. Li o documento e concordo com suas concluses. A fraude est relacionada com a proposta de venda do controle acionrio da companhia. Yanko o provvel instigador. Para provlo, teremos que trabalhar dentro da organizao dele e tambm da sua. E podem faz-lo? Podemos. Vamos ter tambm que montar uma operao de cobertura, para desviar as atenes de nossas atividades. E como o faremos? Vocs devem solicitar os servios de uma organizao regular de segurana.-Sugerimos que usem a Lichtman Wells, que tem mbito internacional. Devero pedir que a operao seja dirigida pessoalmente pelo Sr. Saul Wells. Ele aceitar a incumbncia.

Por qu? Por ter certeza de que ele o far e designar os agentes adequados. Seus agentes, no mesmo? Eu no disse isso. E tambm no deveria perguntar...Espero que compreenda, Sr. Desmond, que no de todo impossvel que um dia seja pressionado para revelar o que sabe sobre esta operao. Considerando a sano sobre a qual j discutimos, no acha que melhor no ter nada para dizer? ... por acaso casado, Sr. Desmond? No. Tem parentes ou ligaes ntimas pelas quais possa ser chantageado? Uma amante, talvez? Ou ento um filho? No. Mas Arlequim tem esposa e um filho. Ento ele tambm deve ficar a par dos riscos. Tratarei de inform-lo. Quero tambm conhec-lo pessoalmente. Ele recebeu alta do hospital esta manh. Tencionava tirar umas frias e passar alguns dias em Acapulco com a esposa. Mas agora os dois viro para Nova York. Ficaro no apartamento do banco, no Salvador. J

providenciamos a superviso mdica necessria durante seu perodo de convalescena. uma medida sensata, pois bem possvel que ambos tenham de viajar bastante num futuro prximo. Como assim? O banco est em crise. Precisaro, evidentemente, visitar todas as filiais. Alm disso, para segurana de vocs e de nossas operaes, talvez seja necessrio mant-los em permanente movimento. Confesso que uma idia alarmante. Eu sei que . Mas pense no assunto, Sr. Desmond. A sua empresa um grande prmio e as corporaes no possuem princpios morais. muito fcil providenciarem-se acidentes fatais. Hoje em dia seqestram-se executivos e diplomatas por resgate. A tortura foi elevada categoria de cincia. Leia qualquer jornal dirio e ver que no estou exagerando. E o que no aparece nos jornais ainda mais sinistro. Neste momento, por exemplo, h um corpo flutuando no rio East. o corpo de um pistoleiro que foi contratado para assassinar esta noite um delegado rabe junto ONU. Ele deveria matar o

referido delegado s oito e meia, quando saltasse do carro para comparecer a um jantar em sua homenagem. E meu povo, obviamente, seria responsabilizado por sua morte...Espero estar sendo bastante claro, Sr. Desmond. Claro demais para que eu me sinta tranqilo. Dinheiro poder, Sr. Desmond. No h tranqilidade em nenhum dos dois. Quer dizer ento que Arlequim e eu talvez tenhamos que viajar bastante. O que mais? Aja o mais normalmente que puder. Yanko espera que entrem em negociaes com ele a propsito da venda das aes. Pois negociem. Ele esper