Mortes em Nova York - celitodegrandi.com.br · um contato de Márcio. E quando final-mente ele...

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DOMINGO, 8 DE JANEIRO DE 2012 ZERO HORA, XX Polícia Vida e morte se repetem. Também as circunstâncias, muitas ve- zes, se parecem. xxx Hotel InterContinental, Nova York. 7 de janeiro de 2011. Na suíte 3416, o modelo português Renato Seabra, 20 anos, mata o mais co- nhecido cronista social de Lisboa, Carlos Castro, 65 anos, homossexual. Renato confessa ter castrado e golpeado o jorna- lista com um saca-rolhas. Carlos Castro foi uma das figuras mais importantes do “high society” de Portu- gal. Seabra iniciava a carreira de modelo, buscava apoios que lhe abrissem cami- nhos. Os personagens, suas vidas e os pormenores do crime fazem o país to- mar partido. Foram escritas incontáveis reportagens e pelo menos dois livros: As Últimas Horas de Carlos Castro e Renato Seabra, A Queda de um Anjo. xxx Hotel Waldorf Astória, outra referên- cia de luxo e requinte em Nova York. 12 de março de 1999. Tal como ocorreria com Renato e Castro no InterContinental, as câmeras internas de vídeo acompanham os pas- sos dos homens que entram e saem da suíte 2716. São reveladoras e decisivas, informa a polícia. João Saboia, 56 anos, empresário bra- sileiro do Pará, ingressa no aposento com uma bolsa marrom. Algum tempo depois, o modelo gaúcho Márcio Fonse- ca Scherer, 27 anos, deixa a suíte, levando nas mãos a mesma bolsa. Para o dia seguinte, Saboia e alguns amigos, a quem ele havia apresentado Márcio como sobrinho, tinham pro- gramado assistir à luta entre Evander Holyfield e Lennon Lewis. A falta de contato e o silêncio na suíte fazem com que os homens da segurança do hotel abram a porta. O dono de uma empresa de antiguida- des na capital paraense está morto. Tem hematomas na face, o crânio fraturado, a garganta com um corte. A arma usada é um saca-rolhas. Desapareceram cerca de U$S 30 mil em dinheiro, além de joias e dois reló- gios, um Rolex e um Piaget. Familiares de Saboia informam à polí- cia que ele mantinha um relacionamen- to com Márcio Scherer. Conheceram-se 10 dias antes da viagem de 6 de março, quando um anúncio de jornal atraiu as atenções de Saboia: o gaúcho de porte alto, radicado no Rio de Janeiro, oferecia- se como garoto de programa. O empresário tinha por hábito viajar várias vezes ao ano até os Estados Uni- dos, para jogar em cassinos. Convidou Scherer, comprou as passagens, deu a ele U$S 1,5 mil para as despesas iniciais e hospedaram-se no Taj Mahal, em Atlan- tic City, durante três dias. De lá, segundo Scherer, viajaram para Nova York numa limusine alugada. Ele fica na casa de uma amiga, Saboia vai para o Waldorf Astória. Sozinho, espera, impaciente e irritado, durante três dias, um contato de Márcio. E quando final- mente ele aparece, há uma discussão e o assassinato. Ao sair do hotel, o gaúcho trata de an- tecipar seu retorno ao Brasil, refugia-se em São Leopoldo e marca a data do ca- samento com a namorada de infância. Dois dias antes do que seria uma festa, ele é preso, acusado pela morte de Sa- boia. Márcio não nega a autoria do cri- me, só não aceita a acusação de roubo. Também diz que não manteve relações sexuais com Saboia e assegura que a bolsa marrom foi um presente dele. Em fevereiro de 2002, é condenado a 22 anos de prisão. xxx 7 de janeiro de 2012. Um ano depois, Renato Seabra con- tinua preso em Nova York, à espera do julgamento marcado para o próxi- mo mês de fevereiro. Márcio Scherer está em liberdade, ho- je, no Rio de Janeiro. Os pais já faleceram. Fábio, artista plástico, é o único irmão que ainda re- side em São Leopoldo. Ele pouco sabe sobre Márcio, mas é certo que não ca- sou com a primeira namorada. Outros familiares também só lamentam o que ocorreu depois do episódio: a desestru- turação da família. Ao retornar ao Brasil, Márcio disse ao tatuador Glauco, o outro irmão, que à época morava em Palhoça (SC), e hoje vive na Suíça, onde também está a irmã, Andréa: – Estraguei a minha vida. Renato Seabra pode repetir a frase. Crimes semelhantes, mas cometidos em um intervalo de 12 anos, abrem a série que durante 52 domingos de 2012 vai contar uma história enigmática Mortes em Nova York [email protected] Caso Scherer À esquerda, o Hotel Waldorf Astória, palco do crime. Acima, o assassino flagrado deixando o apartamento de Sabóia. À direita, Scherer conduzido por policiais *Apuração: Léo Gerchmann Os portugueses Castro (no alto) e Seabra (detalhe acima, em capa de livro) protagonizaram um crime nos mesmos moldes do que envolveu os brasileiros Scherer e Sabóia ANDRÉ FELTES, BD, 29/04/1999 STAN HONDA, AFP, BD, 30/01/2002 RBS TV, REPRODUÇÃO TIAGO SOUSA DIAS, AP, BD, 02/12/2010 REPRODUÇÃO AP, BD

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DOMINGO, 8 DE JANEIRO DE 2012ZERO HORA, XXPolícia

Vida e morte se repetem. Também as circunstâncias, muitas ve-

zes, se parecem.

xxx Hotel InterContinental, Nova York. 7 de janeiro de 2011.Na suíte 3416, o modelo português

Renato Seabra, 20 anos, mata o mais co-nhecido cronista social de Lisboa, Carlos Castro, 65 anos, homossexual. Renato confessa ter castrado e golpeado o jorna-lista com um saca-rolhas.

Carlos Castro foi uma das figuras mais importantes do “high society” de Portu-gal. Seabra iniciava a carreira de modelo, buscava apoios que lhe abrissem cami-nhos. Os personagens, suas vidas e os pormenores do crime fazem o país to-mar partido. Foram escritas incontáveis reportagens e pelo menos dois livros: As Últimas Horas de Carlos Castro e Renato Seabra, A Queda de um Anjo.

xxx Hotel Waldorf Astória, outra referên-

cia de luxo e requinte em Nova York. 12 de março de 1999. Tal como ocorreria com Renato e

Castro no InterContinental, as câmeras internas de vídeo acompanham os pas-sos dos homens que entram e saem da suíte 2716.

São reveladoras e decisivas, informa a polícia.

João Saboia, 56 anos, empresário bra-sileiro do Pará, ingressa no aposento com uma bolsa marrom. Algum tempo

depois, o modelo gaúcho Márcio Fonse-ca Scherer, 27 anos, deixa a suíte, levando nas mãos a mesma bolsa.

Para o dia seguinte, Saboia e alguns amigos, a quem ele havia apresentado Márcio como sobrinho, tinham pro-gramado assistir à luta entre Evander Holyfield e Lennon Lewis. A falta de contato e o silêncio na suíte fazem com que os homens da segurança do hotel abram a porta.

O dono de uma empresa de antiguida-des na capital paraense está morto. Tem hematomas na face, o crânio fraturado, a garganta com um corte.

A arma usada é um saca-rolhas. Desapareceram cerca de U$S 30 mil

em dinheiro, além de joias e dois reló-gios, um Rolex e um Piaget.

Familiares de Saboia informam à polí-cia que ele mantinha um relacionamen-to com Márcio Scherer. Conheceram-se 10 dias antes da viagem de 6 de março, quando um anúncio de jornal atraiu as atenções de Saboia: o gaúcho de porte alto, radicado no Rio de Janeiro, oferecia-se como garoto de programa.

O empresário tinha por hábito viajar várias vezes ao ano até os Estados Uni-dos, para jogar em cassinos. Convidou Scherer, comprou as passagens, deu a ele U$S 1,5 mil para as despesas iniciais e hospedaram-se no Taj Mahal, em Atlan-tic City, durante três dias.

De lá, segundo Scherer, viajaram para Nova York numa limusine alugada. Ele fica na casa de uma amiga, Saboia vai para o Waldorf Astória. Sozinho, espera, impaciente e irritado, durante três dias, um contato de Márcio. E quando final-

mente ele aparece, há uma discussão e o assassinato.

Ao sair do hotel, o gaúcho trata de an-tecipar seu retorno ao Brasil, refugia-se em São Leopoldo e marca a data do ca-samento com a namorada de infância. Dois dias antes do que seria uma festa, ele é preso, acusado pela morte de Sa-boia. Márcio não nega a autoria do cri-me, só não aceita a acusação de roubo. Também diz que não manteve relações sexuais com Saboia e assegura que a bolsa marrom foi um presente dele.

Em fevereiro de 2002, é condenado a 22 anos de prisão.

xxx

7 de janeiro de 2012. Um ano depois, Renato Seabra con-

tinua preso em Nova York, à espera do julgamento marcado para o próxi-mo mês de fevereiro.

Márcio Scherer está em liberdade, ho-je, no Rio de Janeiro.

Os pais já faleceram. Fábio, artista plástico, é o único irmão que ainda re-side em São Leopoldo. Ele pouco sabe sobre Márcio, mas é certo que não ca-sou com a primeira namorada. Outros familiares também só lamentam o que ocorreu depois do episódio: a desestru-turação da família.

Ao retornar ao Brasil, Márcio disse ao tatuador Glauco, o outro irmão, que à época morava em Palhoça (SC), e hoje vive na Suíça, onde também está a irmã, Andréa:

– Estraguei a minha vida. Renato Seabra pode repetir a frase.

Crimes semelhantes, mas cometidos em um intervalo de 12 anos, abrem a série que durante 52 domingos de 2012 vai contar uma história enigmática

Mortes em Nova York

[email protected]

Caso Scherer

À esquerda, o Hotel Waldorf Astória, palco do crime. Acima, o assassino flagrado deixando o apartamento de Sabóia. À direita, Scherer conduzido por policiais

*Apuração: Léo Gerchmann

Os portugueses Castro (no alto) e Seabra (detalhe acima, em capa de livro) protagonizaram um crime nos mesmos moldes do que envolveu os brasileiros Scherer e Sabóia

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