Mosaiko inform 01

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inform Informação sobre Direitos Humanos e o trabalho do Centro Cultural Mosaiko Edição trimestral F Distribuição gratuita Nº 01 Dezembro 2008 Mosaiko Mosaiko 60º ANIVERSÁRIO D eclaração U niversal dos D ireitos H umanos Entrevista com Margo Picken, ex-Directora do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos no Cambodja pág. 13 DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS HUMANOS Dignidade e Justiça para Todos 60 Figura em destaque Ainda nesta edição pág. 17 Educar em Direitos Humanos

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inform Informação sobre Direitos Humanos e o trabalho do Centro Cultural Mosaiko Edição trimestral F Distribuição gratuita

Nº 01 Dezembro 2008MosaikoMosaiko

60º ANIVERSÁRIO Declaração Universal dos Direitos Humanos

Entrevista com Margo Picken, ex-Directora do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos no Cambodja pág. 13

Declaração universal

Dos Direitos humanos

Dignidade e Justiça para Todos

60

Figura em destaque

Ainda nesta edição pág. 17

Educar em Direitos Humanos

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PROMOVER OS DIREItOS HUMANOS

Vem à luz esta edição quando comemoramos 60 anos da proclamação

da Declaração Universal dos Direitos Humanos. Como diz Margo Picken,

na sua entrevista ao Mosaiko Inform, trata-se de um documento revolu-

cionário.

No seu livro “Direitos Humanos – Guia de apoio a cursos de formação”,

o Centro Cultural Mosaiko procurou ajudar a perceber, por um lado, que

não havia/há pessoa humana sem os seus Direitos Humanos, mas, por

outro, como a Declaração Universal dos Direitos Humanos era, simultane-

amente, um ponto de chegada de uma longa caminhada da Humanidade

e um ponto de partida de outra longa caminhada, aliás, sem fim, apenas

com etapas.

Felizmente, nos nossos dias, além daquele conhecimento intuitivo e

inerente a todos nós sobre o correcto e o incorrecto, o justo e o injusto, e

fruto de muito esforço, já é grande o conhecimento sobre os Direitos Hu-

manos baseado na arquitectura jurídica das nossas sociedades, pelo me-

nos das que parecem intencionalmente comprometidas com a promoção

dos mesmos direitos. E quanto ao gozo, ao respeito, à implementação, à

sua defesa? Este é o desafio que a Humanidade tem em mãos. Este é o

desafio que Angola tem em mãos. Importa, sim, perceber que este não é

um trabalho de uns contra outros. Mas o de todos por todos.

Esta edição reúne um conjunto de textos, que vão da análise histórica

da Declaração Universal dos Direitos Humanos a uma reflexão mais apro-

fundada sobre a sua implementação, assim como à expressão de um grito

pedindo ajuda de todos para que os Direitos Humanos sejam efectivamen-

te respeitados em todo o lado.

e d i t o r i a l

José Sebastião Manuel, op

ÍNDICE

Editorial ................................................................ 02José Manuel Sebastião, op

InformandoA Gesta dos Direitos Humanos tem 60 anos ... 03

Luís de França, opA Declaração Universal dos Direitos Humanos ... 04

Luís de França, opPromoção dos Direitos Humanos em Angola:

o contributo do Mosaiko ... 05 Mário Rui Marçal, op

O Direito e o Dever de promover os Direitos Humanos ... 06

João Lima de Oliveira

Estórias da HistóriaO Holocausto ................................................... 07

Barros Manuel

Figura em destaque Nelson Mandela ............................................... 08

Hermenegildo Teotónio

ConstruindoOs Defensores dos Direitos Humanos ............. 09

Mónica GuedesPela Defesa e Promoção

dos Direitos Humanos ... 10Celestino Quinta

As Organizações Internacionais ....................... 11Belarmino Cardoso

Entrevista com Margo Picken ....................... 13Mónica Guedes

ReflectindoA natureza dos Direitos Humanos ................... 16

Florência ChimuandoEducar em Direitos Humanos .......................... 17

Sebastiana OliveiraOs Direitos Humanos em Angola:

Que desenvolvimento? ... 19António Ebo

Breves ................................................................... 20

2Mosaiko

informMosaiko

Page 3: Mosaiko inform 01

A

gesta

dos

Direitos

Humanos

tem

60 anos

Nº 01 / Dezembro 2008

I n f o r m a n d o

3

Luís de França, op

Em 1948 a Assembleia Geral das Nações Uni-

das proclamou a Declaração Universal dos Direitos

Humanos - DUDH. A redacção do texto final levou

18 meses para ser concluída, e foram precisos 18

anos para se chegar ao acordo sobre os Pactos pre-

vistos desde o início desta iniciativa da Organização

das Nações Unidas – ONU, criada em 1945.

Em 1966 foram finalmente aprovados os Pactos.

Um primeiro sobre os Direitos Civis e Políticos e

outro sobre os Direitos Económicos, Sociais e Cul-

turais.

Em 1975 no quadro da guerra fria, que então

determinava a geopolítica mundial, foi assinada a

carta da Conferência de Helsínquia.

Em 1976-77 foi organizada a Conferência de

Belgrado para regulamentar e implementar as deci-

sões de Helsínquia.

No quadro das Cimeiras promovidas pelas Na-

ções Unidas para a preparação do Milénio foi re-

alizada em Viena de

Áustria, em 1993, uma

Cimeira dedicada exclu-

sivamente aos Direitos

Humanos. Nesta confe-

rência de Viena iniciou-

se uma grande crítica

ao pretendido carácter

universal da DUDH. A

contestação foi feita so-

bretudo pelos defenso-

res do direito sagrado do

Islão. Também se ouviram criticas dos defensores

dos valores asiáticos e dos valores africanos.

Por alturas da conferência de Viena já se encon-

trava sistematizada uma certa hierarquização dos

DH. Começou então a generalizar-se a ideia de que

os direitos civis e políticos constituíam os direitos

da 1ª geração. Os direitos económicos, sociais e

culturais constituíam os direitos da 2ª geração, e os

novos direitos que no decorrer das últimas décadas

se tinham formalizado passaram a ser considerados

os direitos da 3ª geração.

O cinquentenário da DUDH, ocorrendo em 1998,

e num contexto favorável à implementação dos Di-

reitos Humanos conheceu um grande impacto em

muitos países do mundo, através de várias inicia-

tivas locais, e outras com carácter internacional.

Os meios de comunicação social deram então uma

grande cobertura a esta celebração dos 50 anos da

Declaração Universal. Em Abril desse ano realizou-

se uma reunião de vários activistas e militantes dos

DH que se definiu como os Estados Gerais dos De-

fensores dos DH.

O mesmo já não se pode dizer neste ano de

2008, e por altura do sexagésimo aniversário da De-

claração. Segundo muitos observadores há hoje no

mundo um certo retroces-

so na implementação dos

direitos e um maior nú-

mero de violações mes-

mo nos países que até há

poucos anos queriam ser

pioneiros da sua defesa,

como se verifica no Reino

Unido e nos Estados Uni-

dos da América.

Apesar de todas as

adversidades, continua

em marcha o processo pelo reconhecimento dos

direitos da 3ª geração, tais como: o Direito à Paz; o

Direito ao Desenvolvimento; o Direito ao Meio Am-

biente; o Direito à Segurança Alimentar; o Direito In-

ternacional Humanitário, e em particular o Direito de

Ingerência, de todos o mais controverso.

Page 4: Mosaiko inform 01

4Mosaiko

informMosaiko

Luís de França, op

Esta declaração nasceu do imenso

descalabro provocado pela segunda

Guerra Mundial (1939-1945), e pelo

desejo de evitar que nova hecatombe

pudesse acontecer no futuro. A guerra

fria que então se começava a dese-

nhar no horizonte da geopolítica mais

avivou essa necessidade. De modo

mais positivo, podemos dizer que exis-

te também o retomar de uma velha

utopia, ou seja, a construção universal

da Humanidade. Esta construção de-

via fazer-se em três tempos. Antes de

mais a Declaração não devia ter valor

jurídico no espírito dos seus criadores;

depois, previa-se a regulamentação ju-

rídica da Declaração através de pactos

obrigatórios (estes só se concretizarão

dezoito anos mais tarde, ou seja, em

1966); enfim, a terceira parte a instituição

de um órgão de controle só verá a luz em Abril de

2002 com a criação, em Roma, do TPI - Tribunal Pe-

nal Internacional. Este o grande projecto, que teve

de integrar várias tradições jurídicas, tais como a in-

glesa, a francesa e a alemã, e compor na sua redac-

ção com as ideologias dominantes nomeadamente a

liberal e a marxista. Á partida, que esta Declaração

não tinha o valor de uma regra imperativa, devia ter

a qualificação de uma intenção moral.

A DUDH inicia-se com um preâmbulo devendo-

se sublinhar o carácter pedagógico escolhido para a

sua formulação.

Os dois primeiros artigos comportam uma sínte-

se sobre o problema das liberdades, isto é, liberda-

des declaradas e liberdades a fazer. Aí os autores

tentam conciliar as diversas concepções então exis-

tentes sobre a liberdade.

Seguidamente, os artigos 3º a 14º, afirmam, do

modo mais clássico possível, os direitos ligados à

pessoa. Os artigos 15º a 17º definem o estatuto pri-

vado do indivíduo, a sua nacionalidade, o direito ao

casamento, e o direito à propriedade. Neste caso

concreto como obter acordo entre os marxistas que

recusam a existência de qualquer propriedade pri-

vada e os liberais que pelo contrário põem o acento

na defesa intransigente da propriedade privada. O

compromisso alcançado foi o texto que acabou por

constituir o artigo 17° da Declaração, que se lê as-

sim: “todas as pessoas, individualmente ou colecti-

vamente, têm direito à propriedade”.

Naqueles casos, onde o desacordo entre as di-

ferentes ideologias era muito grande optou-se pelo

silêncio. Sobre o direito à greve, por exemplo, não

haverá qualquer referência na DUDH. Seguem-se a

enumeração das liberdades públicas e políticas e

depois, nos artigos 22º a 27º, os direitos económi-

cos e sociais.

Chama-se a atenção para o artigo 29°, que con-

tém um apelo aos deveres, o que nos faz dizer que

não estamos diante de um texto jurídico no sentido

clássico do termo. O artigo 30°, foi redigido, como

um limite a todo e a qualquer totalitarismo: “nenhu-

ma disposição da presente Declaração se pode in-

terpretar como se conferisse algum direito ao Esta-

do, a um grupo ou a uma pessoa para empreender

e exercer actividades ou realizar actos tendentes à

supressão de qualquer dos direitos e das liberdades

proclamadas nesta Declaração”.

Deste modo o sistema de Direitos Humanos pro-

posto na Declaração, não é um sistema fechado mas

sim um sistema aberto a futuros desenvolvimentos.

É por isso que todas as vezes que se queiram redu-

zir os Direitos Humanos a um texto, ou a uma de-

claração que os limite, está-se a negar a dinâmica

veiculada pela DUDH.

Declaração

Universal

dos

Direitos

Humanos

i n f o r m a n d o i n f o r m a n d o

Page 5: Mosaiko inform 01

Promoção

dos

Direitos

Humanos

em Angola:

o contributo

do Mosaiko

5Nº 01 / Dezembro 2008

i n f o r m a n d oO Centro Cultural Mosaiko tem como missão “pro-

duzir e difundir uma reflexão contextualizada e rigorosa

para suscitar e apoiar iniciativas de desenvolvimento in-

tegral e integrado na sociedade angolana”, assumindo

como objectivo geral “contribuir para o estabelecimen-

to de uma cultura de Direitos Humanos em Angola”.

Para tal, o Mosaiko propõe-se contribuir para o

alargamento do espaço democrático através do for-

talecimento da sociedade civil e do fortalecimento das

instituições do Estado.

O contributo do Centro Cultural Mosaiko na promo-

ção dos Direitos Humanos (DH) em Angola é desenvol-

vido em seis áreas de trabalho, nomeadamente:

1. Capacitação da Sociedade Civil através de seminá-

rios de formação com líderes comunitários [mem-

bros de instituições do Estado (Educação, Saúde,

Justiça, Polícia Nacional, Forças Armadas,…) líde-

res eclesiais, autoridades tradicionais, jornalistas,

representantes de partidos políticos, membros de

grupos e organizações da sociedade civil,…] em

diversas províncias do país; de sessões de refor-

ço institucional com grupos locais que trabalham

habitualmente com o Mosaiko; de seminários de

formação com Educadores Sociais e Professores

e da participação em conferências, debates e inter-

venções nos Meios de Comunicação Social.

2. Capacitação de Instituições do Estado através da

participação em sessões de formação para funcio-

nários de órgãos do Estado e seus parceiros, onde

é explicitamente desenvolvida uma abordagem de

DH. A colaboração com a Direcção Nacional de Saú-

de Pública e com o Instituto Nacional de Luta contra

a SIDA são dois dos exemplos mais frutuosos.

3. Produção e difusão de Informação através da Bi-

blioteca Mosaiko, situada no Bairro da Estalagem,

que regista mais de 3 000 leitores por ano; através

da produção anual de um calendário com temáticas

de DH, de uma Agenda Cívica e de outros materiais

didácticos (livros, brochuras, folhetos, cartazes,

CD’s,…); através da produção do pro-

grama de rádio “Construindo Cida-

dania” que passa semanalmente na

Rádio Ecclesia desde Agosto 2004.

4. Pesquisa orientada para a acção

através de projectos de pesquisa

social que são desenvolvidos com o

intuito de conhecer melhor a realida-

de social do país e de fundamentar

e apoiar a acção desenvolvida pelo

Mosaiko.

5. Advocacia Social realizada principal-

mente através das Semanas Sociais

Nacionais e de outros eventos na-

cionais nos quais há participações

de quase todas as regiões do país

e uma boa cobertura mediática, cha-

mando a atenção para os temas e a

abordagem adoptada.

6. Protecção dos DH através de aconse-

lhamento jurídico e acompanhamento judicial de

casos de violação de DH que sejam recebidos

pelos grupos locais de modo a constituírem uma

ocasião de aprendizagem para os seus membros

e ajudem a criar precedentes que mostrem que as

pessoas mais desfavorecidas também têm acesso

ao sistema de Justiça e podem ver as suas preten-

sões atendidas de acordo com a lei.

Desta forma, o Mosaiko procura estabelecer pon-

tes entre as instituições da Igreja e outras instituições

da sociedade, entre as estruturas centrais, provinciais

e locais do Estado, entre as autoridades e os cidadãos.

Adoptando uma abordagem inclusiva e dialogante, bus-

cando identificar as causas dos problemas de forma

rigorosa e objectiva, procura contribuir para legitimar

e despartidarizar a discussão sobre os DH em Angola

de forma a suscitar e apoiar mudanças positivas que

possam envolver os diferentes actores sociais.

Mário Rui, op

i n f o r m a n d o

Page 6: Mosaiko inform 01

e s t ó r i a s d a H i s t ó r i a

6Mosaiko

informMosaiko

Promover e proteger os Direitos Humanos é uma

tarefa de todos – pessoa, associação ou organiza-

ção, instituição civil ou estatal.

É certo que toda a pessoa tem

direito a promover e a procurar

a protecção e a realização dos

Direitos Humanos e as liberda-

des fundamentais. Mas esta

tarefa só tem grande impacto

se as pessoas partilharem as

suas ideias e preocupações

em reuniões ou estiverem or-

ganizadas, legalmente, em

grupos cívicos (associações,

organizações não-governa-

mentais, instituições).

A experiência que temos

– ao trabalharmos com as

comunidades espalhadas por

este imenso País – mostra-

nos que a maior parte dos

cidadãos angolanos sabem

muito pouco ou quase nada sobre os Direitos Hu-

manos e muitos deles desconhecem os meios e

mecanismos de defesa previstos na lei para asse-

gurar estes mesmos direitos. A culpa não é deles,

porque um povo que só sabia da guerra e dum sis-

tema político (socialismo) que não lhe dava espaço

para manifestar a sua liberdade, pensa que quem

tem direitos são só os chefes.

Ainda bem que a paz e a

democracia vieram para ficar,

porque – com a realização

das eleições legislativas de

Setembro de 2008 – todas as

condições serão criadas para

que a educação em Direitos

Humanos chegue a todas as

localidades do País, porque

só com actividades formati-

vas (seminários, palestras,

conferências) é que se pode

ensinar a promover e a pro-

teger os referidos direitos.

Aliás, esta preocupação já

havia sido manifestada pelas

Nações Unidas, em 1998,

quando se aprovou a «Decla-

ração sobre o Direito e Dever

dos Indivíduos, Grupos e Instituições de Promover

e Proteger os Direitos Humanos e as Liberdades

Fundamentais Universalmente Reconhecidos».

O Estado angolano (mais concretamente o Go-

verno e a Administração Pública) tem a responsabi-

lidade primordial e dever de proteger, promover

e tornar efectivos todos os Direitos Humanos e

liberdades fundamentais..., adoptando as medi-

das necessárias para o efeito. Isto só será pos-

sível se o próprio Estado for flexível e simpático

com todos os cidadãos – quer cooperando com

eles no que for necessário, quer atendendo os

seus pedidos, sugestões, queixas, reclamações,

etc., mesmo aquelas que contra si são propos-

tas.

Lima de Oliveira

i n f o r m a n d o

O Direito e

o Dever de

promover

os

Direitos

Humanos

Page 7: Mosaiko inform 01

e s t ó r i a s d a H i s t ó r i a

7Nº 01 / Dezembro 2008

O HOLOCAUStOUMA VERDADE INCONtEStÁVEL

O “Holocausto Nazi” designa a concretização de

um plano de genocídio da população Judaica viven-

do na Europa no Século XX. O termo genocídio foi

criado por Raphael Lemkin, um judeu Polaco, em

1944, juntando a raiz grega génos (família, tribo ou

raça) e caedere (Latim - matar), e significa o exter-

mínio total de uma dada população.

Em 1933 com a subida de Adolf Hitler ao po-

der estava instalada na Alemanha uma ditadura

totalitária, que era alimentada por uma ideologia

nazi racista (só existe uma raça superior - a raça

ariana. As outras raças haveriam de ser destruídas

ou submetidas ao serviço da raça superior). Assim,

começou uma perseguição contra os Judeus até se

chegar ao seu extermínio nas câmaras de gás e

sendo os corpos arrastados para os crematórios.

O General Dwight D. Eisenhower, Comandante das

Forças Aliadas Vencedoras da II Guerra Mundial,

esteve pessoalmente nos campos de concentração,

constatou os gritos de socorro, choros, soluços,

gemidos e o silêncio tumular da terrível morte em

massa dos Judeus. Por isso, ordenou aos presen-

tes: “que se tenha o máximo de documentação – fa-

çam filmes – gravem testemunhos – porque há-de

vir um dia, algum idiota se vai erguer e dizer que

isto nunca aconteceu”.

Hoje surpreendentemente, existe uma corrente

de contestadores do Holocausto. Esses contesta-

dores negam ter havido uma intencionalidade ex-

pressa de genocídio contra os judeus; negam que

se tenha implementado um programa de extermínio

altamente técnico e bem organizado fazendo uso

de câmaras de gás; negam terem sido mortos entre

cinco e seis milhões de judeus. Os contestadores

criticam os judeus dizendo que eles mentem ao seu

povo, ou ao mundo ao dizer que houve um Ho-

locausto (David Cole, 1994). O Reino Unido, por

exemplo, removeu recentemente a problemática do

Holocausto dos seus currículos escolares porque

“ofendia” a população muçulmana, que afirma que

o Holocausto nunca aconteceu.

A Declaração Universal dos Direitos Humanos

consagra no seu artigo 19º o direito à liberdade de

opinião e de expressão da “verdade” sem consi-

derações de fronteiras e dos meios de expressão.

Porém, o Holocausto é uma tragédia que a história

registou. Deve-se ter a coragem de aceitar esse

facto, contar e divulgar livremente às gerações vin-

douras para não se repetir o erro. Foi para a Huma-

nidade um grande fracasso e retrocesso em relação

ao respeito pelos Direitos Humanos. A História não

se compadecerá da mentira sobre um facto tão de-

sumano, que outros humanos intentam ignorar.

i n f o r m a n d o

Barros Manuel

Page 8: Mosaiko inform 01

Ficha técnica

Mosaiko Inform

PropriedadeCentro Cultural Mosaiko

NIF: 7405000860

Nº registoMCS-492/B/2008

RedacçãoBelarmino Márcio Cardoso

Celestino QuintaFlorência Chimuando

Mónica Guedes

Colaboradores: António Ebo

Barros ManuelHermenegildo Teotónio

Lima de OliveiraLuís de França, op

Mário Rui, op Sebastiana Oliveira

técnico GráficoPaulo Bento

ContactosCentro Cultural Mosaiko

Bairro da Estalagem Km 12 - Viana

Caixa Postal 6945 CLuanda - Angola

Telefones923 543 546 / 912 508 604

Endereço electró[email protected]

Sítio na internethttp://mosaiko.op.org

ImpressãoIndugráfica, LdaFátima - Portugal

Tiragem: 2 500 exemplares

DIStRIBUIÇÃO GRAtUItA

Nelson Mandela

C o n s t r u i n d o

8

F i g u r a e m D e s t a q u e

Mosaikoinform

Mosaiko

Rolihlahla Dalibhunga Mandela, o nome verda-

deiro de Nelson Mandela, nasceu a 18 de Julho de

1918, em Transkei, na África do Sul.

Estudante de Direito no South Áfrican Native Col-

lege of Fort Hare, envolve-se na oposição ao regime

do apartheid que negava aos negros, a maioria da

população, os direitos políticos, sociais e económi-

cos. Une-se ao Congresso Nacional Africano (CNA)

em 1942 e dois anos mais tarde fundou com Walter

Sisulu e Oliver Tambo a Liga Jovem do CNA.

Após a vitória do Partido Nacional - apoiante da

política de segregação racial - nas eleições presiden-

ciais de 1948, Nelson Mandela chefia a Campanha

contra as leis injustas, em 1952. É temporariamente

banido da política e ainda nesse ano Mandela é co-

fundador da primeira firma de advogados negra, em

Joanesburgo.

Comprometidos de início apenas com actos não

violentos, Mandela e os seus colegas do CNA re-

correm às armas após o massacre de Sharpeville,

que ocorreu no dia 21 de Março de 1960, quando a

polícia sul-africana atirou em manifestantes negros,

desarmados, matando 69 pessoas e ferindo 180 e

decretou a ilegalidade do CNA assim como de ou-

tros grupos anti-apartheid.

Em 1961 Nelson Mandela tornou-se comandan-

te do braço armado do CNA e um ano mais tarde

torna-se alvo do regime do apartheid, sendo detido

e condenado a 5 anos de prisão. Em 12 de Junho de

1964 é novamente julgado. Acusado de sabotagem

e conspiração, é condenado a prisão perpétua.

Nos vinte e seis anos seguintes, de reclusão,

Mandela tornou-se de tal modo associado à oposi-

ção ao apartheid que o clamor “Libertem Mandela”

se tornou bandeira de todas as campanhas e grupos

anti-apartheid em todo o mundo.

As autoridades oferecem a liberdade a Nelson

Mandela por duas vezes, mas ele recusou sempre.

A primeira, em 1973, o governo propôs a sua liberta-

ção em Transkei, uma área livre negra. A segunda,

em 1985, Mandela recusou trocar uma liberdade

condicional pela recusa em incentivar a luta armada.

A campanha do CNA e a pressão internacional con-

seguiram que fosse libertado em 11 de Fevereiro de

1990, por ordem do presidente Frederik Willem de Klerk.

Mais tarde, em Maio de 1994, Nelson Mandela

tornou-se o Presidente da África do Sul, naquelas

que foram as primeiras eleições multirraciais do país.

O seu mandato termina em 1999, e em 2000 Mande-

la é nomeado mediador da guerra civil no Burundi.

Em 2003, juntou-se à campanha de angariação

de fundos contra o HIV/SIDA, denominada 46664, o

seu número de presidiário.

Em Julho de 2008 Nelson Mandela completou

90 anos de vida. Para comemorar esta data, vários

artistas mundialmente conhecidos juntaram-se num

concerto, em Londres, para homenageá-lo.

Defensor e apoiante de causas de diversas or-

ganizações sociais e de Direitos Humanos, Nelson

Mandela recebeu vários prémios e distinções: Pré-

mio Internacional Al-Gaddafi de Direitos Humanos

(1989), Prémio Nobel da Paz (1993), a Ordem de

St. John, da rainha Isabel II, a Medalha presidencial

da Liberdade de George W. Bush, o Bharat Ratna

(1990), Ordem do Canadá (2001). Em Novembro de

2006, Nelson Mandela foi premiado pela Amnistia In-

ternacional com o prémio Embaixador de Consciên-

cia 2006 em reconhecimento à liderança na luta pela

protecção e promoção dos Direitos Humanos.

Hermenegildo Teotónio

Page 9: Mosaiko inform 01

Os defensores dos Direitos Humanos são todos

os indivíduos, grupos e órgãos da sociedade que pro-

movem e protegem os Direitos Humanos e as liber-

dades fundamentais universalmente reconhecidos.

Abordam quaisquer problemas de Direitos Humanos,

entre eles, as execuções e a tortura, a detenção e

prisão arbitrárias, a mutilação genital das mulheres, a

discriminação e questões labo-

rais, as expulsões forçadas,

o acesso à atenção sanitá-

ria, as descargas tóxicas e

o seu impacto ambiental.

Também defendem os direi-

tos de grupos vulneráveis,

por exemplo, os direitos da

mulher, da criança, dos po-

vos indígenas, dos refugia-

dos e deslocados internos

e de minorias nacionais,

linguísticas ou sexuais.

Uma grande parte das actividades dos defenso-

res dos DH consiste em apoiar as vítimas de viola-

ções de Direitos Humanos. O facto de investigar e

tornar públicos esses delitos pode contribuir para

pôr-lhes fim e ajudar as vítimas. Desenvolvem tam-

bém um trabalho educativo que consiste, em ensi-

nar a aplicar os princípios dos Direitos Humanos no

contexto de uma actividade profissional, por exem-

plo, nos magistrados, advogados, polícias, solda-

dos. A educação pode ser mais ampla e desenvol-

ver-se nas escolas, universidades ou mediante a

difusão da informação entre a população em geral

ou grupos vulneráveis. Em resumo, o trabalho dos

defensores dos DH consiste em reunir e difundir

informação sobre Direitos Humanos, levar a cabo

uma actividade de promoção e mobilizar a opinião

pública. Também podem proporcionar informação

para capacitar outras pessoas.

Reconhecido o papel decisivo que desempe-

nham os defensores dos DH e as violações de que

são objecto, a Organização das Nações Unidas

concluiu que era necessário proporcionar apoio e

protecção aos defensores. Assim, a Assembleia

das Nações Unidas adoptou a “Declaração sobre

os Defensores dos Direitos Humanos”, também

designada por “Declaração dos Direitos e Respon-

sabilidade dos Indivíduos, Grupos e Órgãos da So-

ciedade para Promover e Proteger os Direitos Hu-

manos e Liberdade Individuais”, em 9 de Dezembro

de 1998.

Em Dezembro de 2008 comemora-se o 60º ani-

versário da Declaração Universal dos Direitos Hu-

manos e também o 10º aniversário da Declaração

sobre os Defensores dos Direitos Humanos. Esta

dupla comemoração revela-se uma oportunidade

para reflectir sobre o estado actual dos Direitos

Humanos em Angola e o contributo dos defensores

dos DH, que é legítimo, legal e revela-se necessário

para o Estado de direito e para a democracia.

C o n s t r u i n d o

9Nº 01 / Dezembro 2008

Mónica Guedes

Os Defensores

dos

Direitos Humanos

Page 10: Mosaiko inform 01

10Mosaiko

informMosaiko

Os Direitos Humanos são princí-

pios internacionais que servem para

proteger, garantir e respeitar o ser

humano. Podemos entende-los como

direitos fundamentais porque sem

eles o ser humano não é capaz de se

desenvolver e participar plenamente

na vida.

Os Direitos Humanos são vitais

para a civilização pelo que os Esta-

dos-membros das Nações Unidas têm

vindo a elaborar pactos internacionais

ao longo dos anos para garantir o res-

peito dos direitos e liberdades funda-

mentais.

Respeitar os DH é promover a vida

em sociedade, sem discriminação so-

cial, cultural, religiosa, racial, étnica e

sexual. Assim, apresentam-se como

condições fundamentais para o de-

senvolvimento da Humanidade e a

concretização dos Direitos Humanos, a

aceitação da diferença e a igualdade entre homens

e mulheres.

A promoção dos DH não é apenas uma

tarefa exclusiva dos Estados ou das organiza-

ções que trabalham para tal. É também uma

missão de todos os cidadãos que fazem parte

de uma sociedade. O importante nesta luta é

saber o que cada um de nós pode fazer para

promover e defender os Direitos fundamentais

e resistir às violações dos mesmos.

Antes de mais, a promoção dos Direitos

Humanos deve começar no seio da família,

onde começa qualquer acção educativa e

não pode contrariar à educação em Direitos

Humanos. Por isso devemos dá-los a conhecer

à nossa família, amigos, vizinhos, aos grupos ou

movimentos a que pertencemos, sejam religiosos,

culturais, sociais, recreativos, etc.

Depois, podemos e devemos ampliar essa di-

vulgação aos colegas de escola, universidades, do

trabalho, aos chefes, funcionários, alunos, profes-

sores. Podemos transmitir os direitos e as liberda-

des fundamentais e incentivar os outros a juntarem-

se a este esforço comum.

São inúmeros os meios que estão ao nosso

alcance para divulgar e promover os Direitos Hu-

manos: realizar campanhas de sensibilização nos

bairros, escolas, universidades, paróquias, escre-

ver e divulgar textos sobre Direitos Humanos; fa-

zer jornais escolares, de bairro, organizar debates,

encontros, grupos de trabalho, apoiar campanhas

e projectos das Organizações não Governamentais

que trabalham em Direitos Humanos, escrever car-

tas aos responsáveis políticos, pedindo o seu apoio

na promoção e defesa dos DH, exigindo actuações

concretas para os alcançar, escrever ao governa-

dor da província, aos dirigentes dos partidos polí-

ticos, órgãos do Governo, ONU, União Europeia,

etc., apoiar as formações políticas que estejam

realmente comprometidas com os Direitos Huma-

nos. É importante que nós, cidadãos, recordemos

aos políticos os compromissos assumidos. Pode-

mos também mobilizar os meios de comunicação

c o n s t r u i n d o c o n s t r u i n d o

Pela

Promoção

e Defesa

dos

Direitos

Humanos

Page 11: Mosaiko inform 01

11Nº 01 / Dezembro 2008

social, agências de publicidade e comunica-

ção para que se comprometam na promoção e

defesa dos Direitos Humanos no país, região,

província, promovendo o debate público. As pes-

soas que por algum motivo não conseguem par-

ticipar de forma individual nesta tarefa, que é de

todos nós, podem associar-se a grupos para que

de forma colectiva consigam pôr em prática as

suas iniciativas para a promoção destes direitos.

Os empresários, por exemplo, devem procurar

respeitar os DH, o meio ambiente, a liberdade e os

direitos dos seus funcionários, eliminar todas as for-

mas de trabalho forçado e infantil, assim como a dis-

criminação de género e apoiar e financiar projectos

de educação em Direitos Humanos.

Se por um lado podemos desenvolver acções

de promoção dos Direitos Humanos, por outro po-

demos resistir à violação dos mesmos. Gestos sim-

ples no nosso dia-a-dia podem ajudar nessa luta.

Por exemplo, não adquirir bens que tenham sido

conseguidos ou fabricados sob qualquer forma de

discriminação ou violação dos Direitos fundamen-

tais, ainda que o seu preço seja tentador. Podemos

tornar públicos os casos de violação e realizar mar-

chas ou outros gestos de solidariedade com as ví-

timas, organizar grupos de trabalho para debater e

propor soluções para casos de violação dos direitos

e liberdades fundamentais.

Estas são algumas das muitas formas de par-

ticipação na defesa e promoção dos Direitos Hu-

manos. Os maiores aliados nesta missão são o

conhecimento, a informação e a vontade individual,

movidos pelo espírito da solidariedade.

A tarefa é urgente!

As Organizações InternacionaisA Assembleia Geral das Nações Unidas, ao

aprovar a Declaração Universal dos Direitos Hu-

manos, proclama-a como ideal comum a atingir por

todos os povos e todas as nações, a fim de que

todos os indivíduos e todos os órgãos da socieda-

de, se esforcem, pelo ensino e pela educação, por

desenvolver o respeito desses direitos e liberdades

e por promover, através de medidas progressivas

de ordem nacional e internacional, o seu reconheci-

mento e a sua aplicação universais e efectivos por

todas as pessoas.

Dentre as formas mais convenientes para a de-

fesa e promoção dos Direitos Humanos, devemos

considerar também as colectividades inter-gover-

namentais constituídas pelas organizações inter-

nacionais. O objectivo geral destas organizações é

defender e promover os Direitos Humanos de todas

as pessoas nas suas áreas de acção.

As organizações internacionais distinguem-se

em inter-governamentais e não-governamentais re-

gionais e nacionais.

As organizações inter-governamentais são

aquelas compostas por entes públicos, os Estados

e as organizações não-governamentais são priva-

das e compostas essencialmente por particulares.

As organizações regionais são aquelas com a sede

e abrangência directa num continente e as nacio-

nais são as que prosseguem os seus fins nos terri-

tórios nacionais onde têm a sua sede.

Relativamente às organizações internacionais

inter-governamentais destacamos,

Alto ComissAriAdo dAs NAções UNidAs pArA os dH

www.ohchr.orgTem a função de promover o gozo universal dos

Direitos Humanos, levando à prática a vontade e

a determinação da comunidade mundial expressa

pelas Nações Unidas.

c o n s t r u i n d o c o n s t r u i n d o

Celestino Quinta

Page 12: Mosaiko inform 01

E n t r e . . . v i s t a

12Mosaiko

informMosaiko

Algumas organizações internacionais não-go-

vernamentais :

AmNistiA iNterNACioNAl

www.amnisty.org / www.amnistia-internacional.ptForma uma comunidade global de defensores

dos Direitos Humanos, que procura fazer respeitar

os DH consagrados na Declaração Universal e nou-

tros padrões internacionais de Direitos Humanos.

HUmAN rigHts WAtCH

www.hrw.org / www.hrw.org/portugueseOrganização que conduz investigações para co-

lectar dados sobre abusos de Direitos Humanos em

todas as regiões do mundo, publicando-os em livros

e relatórios, anualmente.

orgANizAção mUNdiAl CoNtrA A tortUrA

www.omct.orgÉ a maior junção de organizações não governa-

mentais que lutam contra a detenção arbitrária, a tor-

tura, as execuções sumárias e arbitrárias, os desapa-

recimentos forçados e outras formas de violência.

Destacamos ainda as seguintes organizações:

FederAção iNterNACioNAl de dH

www.fidh.orgglobAl WitNess

www.globalwitness.org

rigHts ANd ACCoUNtAbility iN developmeNt

www.raid-uk.org

e a

brigAdA iNterNACioNAl dA pAz

www.peacebrigades.org

Algumas organizações regionais africanas :

Comissão AFriCANA pArA os dH e dos povos

Destina-se a promover os Direitos Humanos,

desenvolvendo princípios e as regras relacionadas

com os DH sobre os quais os Governos possam ba-

sear as suas legislações. Encoraja as organizações

nacionais e locais ligadas aos Direitos Humanos.

Algumas organizações nacionais não-governa-

mentais de África:

em Angola:

AssoCiAção JUstiçA, pAz e demoCrACiA

www.ajpdangola.org

Tel: 222 430 300 E-mail: [email protected]

Organização apartidária, de carácter voluntário,

com personalidade jurídica na República de Angola.

A AJPD tem como objectivo a defesa dos Direitos

Humanos, bem como contribuir para a promoção dos

valores da paz, justiça e democracia em Angola.

AssoCiAção mãos livres

Tel: 222 255 056

Organização que congrega juristas e pretende

defender, na Justiça, as pessoas mais desfavoreci-

das da sociedade angolana.

sos HAbitAt

Organização Cívica de Direitos Humanos

Na guiné-bissau:

ligA gUiNeeNse dos direitos HUmANos

www.lgdh.org

em moçambique:

ligA moçAmbiCANA dos dH

www.ldh.org.mz

Associação sócio-humanitária que tem como

objectivo contribuir para uma maior aderência e

respeito, defesa e promoção dos Direitos Humanos

em Moçambique, quer pelas instituições do Estado,

quer pela sociedade civil.

Na república democrática do Congo:

AssoCiAção AFriCANA pArA A deFesA dos dHBelarmino Cardoso

c o n s t r u i n d o

Page 13: Mosaiko inform 01

Já não visitava o nosso país desde 2001, quando terminou a sua colaboração com a Embaixada

da Suécia em Angola. A nossa entrevistada, Margot Picken, reúne uma vasta e rica experiência

na área de Direitos Humanos, destacando-se a sua passagem pelo Gabinete do Alto Comissariado

das Nações Unidas para os Direitos Humanos no Cambodja, Fundação Ford e pela Amnistia

Internacional. Durante a sua curta estadia no nosso país, em finais de Setembro de 2008, o Mo-

saiko Inform (MI) entrevistou Margot Picken (MP), para saber da sua apreciação sobre o estado

actual dos Direitos Humanos no mundo.

E n t r e . . . v i s t a

13Nº 01 / Dezembro 2008

mi Este mês comemora-se o 60º aniversário da De-

claração Universal dos Direitos Humanos. Que

balanço faz sobre o actual estado dos Direitos

Humanos no mundo e em África?

mp A Declaração Universal foi um documento revolu-

cionário. Pela primeira vez na história se procla-

mou um entendimento comum sobre os Direitos

Humanos e liberdades fundamentais, reconhe-

cendo-se a dignidade, a igualdade e os direitos

inerentes e inalienáveis aos seres humanos em

qualquer parte, sem distinção. Muitos governos

na altura viram a Declaração como uma aceitação

simbólica e não previram que adquirisse a imen-

sa força moral que tem actualmente, largamente

graças à determinação dos cidadãos em todo o

mundo para garantirem que os Estados honrem

aquilo que prometeram.

As realizações desde a adopção da Declaração

em 1948 foram consideráveis. Os Direitos Hu-

manos adquiriram cada vez mais legitimidade

em diversas sociedades do mundo. Eles são um

factor central na vida política actual e não podem

ser dispensados. Foram incorporados nas consti-

tuições de muitos países. A maioria dos Estados

aceitou o Pacto Internacional dos Direitos Civis

e Políticos que transformou as cláusulas da De-

claração Universal em cláusulas com força de lei

e traçou com detalhe como os Estados deviam

implementar os direitos e liberdades salvaguar-

dados na Declaração. Angola aceitou ambos os

tratados em 10 de Janeiro de 1992.

Por outro lado, os go-

vernos em África e nou-

tras regiões do mundo

continuaram a negar

ou a violar os Direitos

Humanos, às vezes em

escala massiva, e os

meios de supervisão e

de cumprimento perma-

neceram inadequados e

incapazes de responder

como planeado. Estas falhas não transformam os

Direitos Humanos em ideais irrealistas, mas fa-

zem que seja ainda mais necessário defendê-los

e construir para além do que foi alcançado.

mi Os relatórios das organizações internacionais

que actuam na área dos Direitos Humanos, como

o Alto Comissariado das Nações Unidas para

os Direitos Humanos, a Amnistia Internacional,

mostram que há um retrocesso no respeito pelos

Direitos Humanos. Que análise faz dessa situa-

ção?

mp Não estou segura que a situação dos Direitos

Humanos hoje está pior do que antes. Pense-

mos na Africa do Sul dominada pelo apartheid

e nos governantes despóticos, como Idi Amin,

Mengitsu e Mobutu em Africa, ou no General

Pinochet e nas ditaduras militares em tantos pa-

íses da América Latina, ou nos longos anos de

sofrimento e guerra em Angola e no Cambod-

ja. Mas o estado do mundo hoje é ameaçador

c o n s t r u i n d o

Os

Direitos

Humanos

não são

ideais

irrealistas

Page 14: Mosaiko inform 01

Perfil de Margot Picken

Grande parte da sua carrei-

ra está dedicada aos Direi-

tos Humanos.

Mais recentemente, traba-

lhou para as Nações Uni-

das como directora do Gabi-

nete do Alto Comissariado

das Nações Unidas para os

Direitos Humanos no Cam-

bodja, de 2001 a 2007.

Foi responsável pelo progra-

ma de Direitos Humanos

da Fundação Ford, de 1988

a 1995. Fundou e dirigiu

o Gabinete da Amnistia

Internacional, na sede da

Nações Unidas em Nova

York, de 1976 a 1987. É

autora de inúmeros artigos

sobre Direitos Humanos e

fez parte de algumas organi-

zações internacionais. É li-

cenciada pela University of

London e tem um mestrado

em Relações Internacionais.

Margo Picken actualmente

vive em Londres e é profes-

sora convidada na London

School of Economics, onde

dirige o Departamento de

Estudos sobre Direitos Hu-

manos.

14Mosaiko

informMosaiko

e exigirá muito trabalho para virar o pêndulo

para uma direcção mais positiva. Mas estou

confiante que isso acontecerá.

mi O que poderá ser feito para combater essas viola-

ções?

mp Interesse público, acção e solidariedade sempre

foram as forças mobilizadoras para os Direitos

Humanos. É vital que os cidadãos comuns este-

jam comprometidos em casa e na vida pública,

não fiquem cegos e tenham coragem para agir e

falar quando os direitos são violados ou negados.

mi Como avalia a actuação da comunidade interna-

cional perante esses casos de violação?

mp Neste momento, a re-

posta da comunidade

internacional é fraca.

Muitos governos afir-

mam dar prioridade

à promoção e pro-

tecção dos Direitos

Humanos, mas existe

uma grande distância

entre a retórica e a

realidade. Na realida-

de, a guerra contra o

terrorismo desde o 11

de Setembro de 2001,

a crença na economia

e as políticas monetá-

rias que prevaleceram

nos últimos anos colocaram a segurança, cuidado-

samente entendida, e os ganhos financeiros em

primeiro lugar e os Direitos Humanos, depois.

Alguns governos também usaram cinicamente os

princípios e valores dos Direitos Humanos para

promover agendas particulares, políticas e econó-

micas.

mi Enquanto professora como avalia o ensino dos

Direitos Humanos na actualidade?

mp Os Direitos Humanos tornaram-se numa parte

aceite dos curricula escolares em muitos países.

Cada vez mais as universidades estão a leccionar

os Direitos Humanos como parte dos curricula.

É importante ensinar os Direitos Humanos como

um assunto interdisciplinar. Isto envolve uma sé-

rie de disciplinas por acréscimo ao direito, incluin-

do filosofia, história, sociologia, ciência política,

relações internacionais.

A educação em Direitos Humanos deve acima de

tudo encorajar a vigilância e a compreensão so-

bre as formas como o poder deve ser exercido.

Assim o Estado e outros actores em posições de

poder devem conduzir-se

dentro da lei e as leis de-

vem ser justas.

Colaborou com a embai-

xada da Suécia em An-

gola no desenvolvimento

de programas de Direitos

Humanos. Como foi essa

experiência?

Foi muito gratificante. A

Suécia tem um compro-

misso genuíno em ajudar

Angola a desenvolver

leis, instituições e capa-

cidade de se sustentar,

concretizar e proteger os

Direitos Humanos.

mi Saiu de Angola há 7 anos. Nesta curta estadia no

país, e pelo trabalho que desenvolve em matéria

de Direitos Humanos, como avalia o estado dos

Direitos Humanos em Angola?

mp Foi uma curta estadia e portanto estou hesitante

em fazer juízos demasiado generalizados.Fiquei

impressionada pelo grande número de pessoas

que encontrei em Luanda e províncias, originárias

de todas as posições sociais, incluindo represen-

e n t r e . . . v i s t a

Page 15: Mosaiko inform 01

15Nº 01 / Dezembro 2008

tantes de autoridades, que realmente se interes-

sam pelos Direitos Humanos e estão a trabalhar

para um futuro melhor para todos os Angolanos.

Ao mesmo tempo fiquei desapontada por não

ter visto grandes melhorias, e surpreendida pela

persistência de alguns problemas antigos. Por

exemplo, a Rádio Ecclesia continua incapaz de

emitir nacionalmente, como foi o caso em 2001,

quando estive em Luanda. É difícil perceber por-

quê. A dimensão da pobreza e miséria é muito

preocupante e não penso que a história da guerra

colonial de Angola e os anos terríveis de guerra

que o povo teve que suportar possam explicar ou

desculpar este triste problema de governação.

mi O que deve ser feito para que se respeitem os

Direitos Humanos no nosso país?

mp Angola aceitou importantes acordos sobre os

Direitos Humanos: os dois Pactos Internacionais

dos Direitos Civis e Políticos e dos Direitos Eco-

nómicos e Sociais, a Convenção da Eliminação

de todas as formas de discriminação contra a

Mulher e a Convenção dos Direitos da Criança.

Aceitou a Carta Africana dos Direitos Humanos e

dos Povos. Os artigos 21 e 43 da Constituição de

Angola garantem que estes tratados têm força de

lei nacional.

Estes tratados fornecem um forte esqueleto para

a protecção dos Direitos Humanos. O desafio re-

side na sua implementação.

mi Como avalia a actuação das organizações que tra-

balham sobre os Direitos Humanos em Angola?

mp Como disse, não estive em Angola o tempo su-

ficiente para ter uma visão informada. Fiquei

animada por ver que actualmente estão mais

organizações a trabalhar explicitamente pelos Di-

reitos Humanos do que da última vez que estive

em Angola, e fiquei impressionada pelo trabalho e

compromisso daqueles que eu conheci. Também

há muitas outras organizações cujas actividades

abraçam os Direitos Humanos, como por exemplo

aquelas que trabalham contra a pobreza, defen-

dem a protecção das crianças, para uma melhor

educação e saúde.

Partilho a perspectiva que deveria haver mais

cooperação entre as organizações que trabalham

implícita ou explicitamente em Direitos Humanos,

e que é preciso maior coragem para falar em

questões de Direitos Humanos e justiça social.

mi Como avalia as relações entre as organizações

do estado e as ONG que trabalham em Direitos

Humanos?

mp No seu relatório de 2005 sobre Angola, Hina Jila-

ni, a antiga Representante Especial do Secretá-

rio-Geral das Nações Unidas para os Defensores

dos Direitos Humanos descreveu um ambiente

que eu creio que permanece válido actualmen-

te. Ela diz que o Estado não soube compreender

integralmente o papel que os Direitos Humanos

desempenham numa sociedade democrática, que

os oficiais do governo viam com hostilidade as or-

ganizações que trabalham em Direitos Humanos,

associando a sua acção à oposição política e

viam-nos como pretendentes do poder político.

É importante que estas atitudes infelizes mudem.

É claro que os Direitos Humanos versam sobre

a política, no sentido geral, mas eles não são

política partidária. O objectivo das organizações

que trabalham em Direitos Humanos não é ob-

ter poder político mas garantir que o poder seja

exercido legalmente, segundo a Constituição, os

tratados e declarações internacionais e regionais

de Direitos Humanos. Afastar as organizações de

Direitos Humanos neste sentido é também uma

maneira cómoda de evitar lidar com a essência do

que elas dizem. Espero que na altura da edição

do boletim o caso problemático da AJPD tenha

declinado perante o Tribunal Constitucional.

Mónica Guedes

e n t r e . . . v i s t a

Page 16: Mosaiko inform 01

Nenhum Direito é mais importante que outro

R e f l e c t i n d o

16Mosaiko

informMosaiko

Os Direitos Humanos universal-

mente reconhecidos e consagra-

dos há já 60 anos na Declaração

Universal dos Direitos Humanos

pelas Nações Unidas expressam

os princípios fundamentais ineren-

tes a cada ser humano, arreigados

naturalmente pelo simples facto

de serem pessoas, independente

da sua identidade cultural, religio-

sa, regional, etc.

Todos as pessoas, por na-

tureza, têm direitos, sejam eles

respeitados ou não. O termo “Di-

reitos Humanos” reflecte o reco-

nhecimento do valor da Pessoa

Humana, como ser vivo íntegro,

respeitável e merecedor de uma vida

digna na sociedade.

A história mostra que o respeito pela liberdade

e dignidade da pessoa humana foi um dos temas

mais debatidos na década de 40 com a hecatombe

da Segunda Guerra Mundial. Este acontecimento

ocasionou, posteriormente, o surgimento dos gran-

des textos normativos que consagram o princípio da

dignidade da pessoa humana, como a Declaração

Universal dos Direitos Humanos (DUDH), aprovada

em 1948 pela Assembleia Geral da Nações Unidas.

Segundo a DUDH, no seu artigo primeiro “Todos os

seres humanos nascem livres e iguais em dignida-

de e em direito. Dotados de razão e de consciência,

devem agir uns para com os outros em espírito de

fraternidade”. A Constituição da República Italiana

de 27 de Dezembro de 1947, a Constituição da Re-

pública Federal Alemã, de 1949 e outras defenderam

nos seus textos normativos o respeito e promoção da

Pessoa humana como ser social.

Depois de instituídos os Direitos Humanos, co-

meçaram a surgir equívocos quanto à sua interpreta-

ção. A Cimeira Mundial sobre os Direitos Humanos,

realizada em Viena, na Áustria, em 1993, esclareceu

a interpretação sobre a natureza dos Direitos Hu-

manos, como explica o parágrafo 4 da Declaração

Final dessa cimeira “Todos os Direitos Humanos são

universais, indivisíveis, interdependente e inter-rela-

cionados”. A natureza dos Direitos Humanos é hoje

compreendida da seguinte forma: inatos, imutáveis,

universais, indivisíveis, interdependentes, inaliená-

veis e invioláveis.

A classificação das três gerações de Direitos

Humanos, os Direitos Civis e Políticos, os Direitos,

Económicos, Sociais e Culturais e a terceira geração

que contempla os direitos de solidariedade, a pro-

tecção do património histórico, cultural e ambiental,

não interfere com a natureza dos Direitos Humanos

quanto a sua equidade e importância. Os Direitos

fundamentais são considerados de igual forma indi-

visíveis e inter-relacionados pelo facto de uns esta-

rem directamente ligados ao gozo de outros. Nesse

sentido, pode-se afirmar que nenhum direito é mais

importante que o outro, ainda que, em muitas cir-

cunstâncias, alguns direitos adquiram maior signifi-

cado específico.

A comunidade internacional tem como respon-

sabilidade fomentar e incentivar o respeito pelos Di-

reitos Humanos e as liberdades fundamentais para

todos, sem distinção nenhuma de raça, cor e sexo,

deve também tratar os Direitos Humanos globalmen-

te, de forma justa e em pé de igualdade e dando a

todos os direitos o mesmo valor.

A Conferência Internacional dos Direitos Huma-

nos realizada em Teerão (1968) afirmou a sua fé nos

princípios da DUDH e em outros instrumentos interna-

A

Natureza

dos

Direitos

Humanos

Page 17: Mosaiko inform 01

R e f l e c t i n d o

17Nº 01 / Dezembro 2008

cionais sobre a matéria, incentiva a todos os povos

e governos a consagração dos princípios contidos

na Declaração Universal de Direitos Humanos e a

redobrar os seus esforços para oferecer a todos os

seres humanos uma vida livre e digna e um estado

de bem-estar físico, mental, social e espiritual, con-

forme previu a Assembleia Geral das Nações Unidas

no preâmbulo da Declaração Universal dos Direitos

Humanos.

A implementação dos Direitos Humanos em

Angola é ainda uma realidade pouco perceptível.

É necessário aumentar esforços para que a uni-

versalidade dos Direitos Humanos se concretize

eficazmente no povo angolano.

Florência Chimuando

Educar em Direitos HumanosEducar em Direitos Humanos, diz Perez Aguirre, “é modificar atitudes e condutas;

é atingir os corações e os estilos de vida e as convicções.

É evidente que isto só se pode fazer com

o comprometimento das atitudes dos próprios educadores.”

Temos a certeza de que as declarações e os

documentos elaborados a respeito dos Direitos Hu-

manos são importantes, e também é necessária a

legislação que garanta a todas as pessoas todos os

direitos. Porém, a concretização desses direitos, na

prática, não acontece de imediato ou naturalmente.

Por isso, há que se fazer um grande investimento

na educação em Direitos Humanos, para que eles

possam integrar não só as políticas, mas também as

práticas na vida em sociedade.

Sendo assim, a educação em Direitos Humanos

é vista como um dos caminhos necessários para a

efectivação dos direitos mais elementares e para a

construção de uma sociedade justa e solidária.

Educar em Direitos Humanos é fomentar uma

prática educativa inspirada nos princípios de liber-

dade e nos ideais de solidariedade humana, com a

finalidade do pleno desenvolvimento do educando

e da educanda, no exercício da cidadania e na sua

qualificação para o trabalho. Educar em Direitos

r e f l e c t i n d o

Page 18: Mosaiko inform 01

Humanos é comprometer-se com a solidariedade

e a convivência universal construtiva.

Educar em Direitos Humanos é criar uma nova

cultura, cujo alvo seja a Mulher e o Homem, com

dignidade, direitos e deveres iguais.

Educar em Direitos Humanos transcende a mera

transmissão verbal. Exige educar com a consciên-

cia de uma convivência a nível pessoal, nacional

e internacional, que dignifique a Pessoa Humana,

modificando, se necessário, valores e atitudes.

“Toda convivência humana bem organizada e

fecunda deve colocar como fundamento o princípio

de que todo Ser Humano é PESSOA, quer dizer

uma natureza dotada de inteligência e de vontade

livre e, portanto, desta natureza nascem directa-

mente, ao mesmo tempo, direitos e deveres univer-

sais invioláveis e inalienáveis.” João XXIII – Pacem

in Terris.

Então, educar em Direitos Humanos é provocar

o que existe de bom dentro da Pessoa Humana,

para que se transforme em postura de Vida; em

princípio de respeito à dignidade e igualdade das

PESSOAS, em seus direitos e deveres universais,

invioláveis e inalienáveis.

A Educação em Direitos Humanos requer me-

todologias especiais e consequentes com o que se

está a apresentar. Existe reciprocidade no binómio:

ensinar / aprender, educador(a) / educando(a).

Pois, todas e todos apreendem e ensinam o respei-

to à dignidade e igualdade das pessoas e aos seus

direitos e deveres.

Ao olhar para a realidade de Angola, onde, ape-

sar dos esforços de instituições, organizações e

pessoas, o conhecimento, a vivência e protecção

dos Direitos Humanos, ficam aquém do legislado,

como contribuir e acelerar o processo da educação

em Direitos Humanos?

Se a aprendizagem é processual, recíproca e

caracteriza-se por uma postura de vida, no que diz

respeito à dignidade, liberdade e igualdade de to-

das as pessoas, educar em Direitos Humanos, em

Angola, hoje, significa utilizar todos os meios e pos-

sibilidades, para que todas e todos conheçam, di-

vulguem, vivam e defendam os Direitos Humanos.

A educação em Direitos Humanos inicia-se an-

tes da criança nascer e é um eterno aprendizado.

Daí a responsabilidade da família, após o nasci-

mento de uma criança, para que na convivência

com a mãe e demais familiares e quem a rodeia

no quotidiano da vida, seja um aprendizado valioso

de seus direitos e deveres, assim como no que diz

respeito à questão de género e valorização da mu-

lher. O contrário também é verdadeiro. A aprendi-

zagem também acontece, quando do contacto com

a escola, que além de apresentar a informação e a

capacitação nos conteúdos básicos, tem o aspecto

da relação de respeito e de igualdade entre mulhe-

res e homens; educando(a) e educador(a), ricos e

pobres, onde a justiça e a transparência deve per-

passar, desde as notas até as propinas.

Se todas e todos têm direitos iguais ao respeito,

à defesa própria, às condições básicas para viver

com dignidade, como educar em Direitos Huma-

nos, se olharmos para a sociedade angolana das

grandes desigualdades, exclusões e maltrato aos

desfavorecidos e desfavorecidas?

CENTRO CULTURAL MOSAIKO,

EIS O gRANdE dESAFIO E COMPROMISSO

PARA qUE A FELICIdAdE SE INSTALE TAMBÉM

NAS CABANAS dAS EXCLUÍdAS E dOS EXCLUÍdOS dE ANgOLA.

Sebastiana de Oliveira

r e f l e c t i n d o

Mosaikoinform

Mosaiko18

Page 19: Mosaiko inform 01

19Nº 01 / Dezembro 2008

Direitos Humanos em Angola:Para se perceber a questão dos Direitos Humanos

em Angola é necessário recordar alguns factos históri-

cos que marcaram um percurso de violação sistemática

dos Direitos Humanos para, então, daí assinalarmos os

avanços e recuos de modo a traçarmos caminhos que

os novos tempos impõem.

A Declaração Universal dos Direitos Humanos foi

promulgada em 1948, depois da II Guerra Mundial.

Este documento foi assinado por chefes de Estados de

muitas nações. Angola também ratificou o mesmo do-

cumento, em 1976, um ano após a sua independência,

coincidindo com a sua entrada na ONU.

Ainda em 1975, o país mergulhou numa guerra san-

grenta na qual os Direitos Humanos foram brutalmente

desrespeitados com a aniquilação de milhares de Ango-

lanos inocentes. Porém, em 1991, uma luz acendeu-se

no fundo do túnel, no tocante ao respeito pelos Direitos

Humanos, com a assinatura dos Acordos de Paz de Bi-

cesse. Este acordo daria lugar às primeiras eleições e

à primeira Lei Constitucional da República de Angola

que predizia a construção de um país “próspero e de-

mocrático” onde o povo “pudesse materializar as suas

aspirações” (artº 1). Garantia aos cidadãos, no capítulo

dos Direitos Fundamentais, liberdade de pensamento,

liberdade religiosa, garantia contra a prisão arbitrária,

direito à educação, à saúde, ao trabalho, à igualdade

dos cidadãos perante a lei, a abolição da pena de morte

através da protecção da vida pelo próprio Estado, etc.

Entretanto, o processo fracassou. O país retornou a

guerra muito mais sangrenta que as anteriores, e mais

uma vez o povo foi traído nas suas expectativas de paz,

espezinhado de forma selvática na sua dignidade. Foi

um verdadeiro retrocesso no tocante aos Direitos Hu-

manos. Mas, neste contexto, o surgimento da Lei Cons-

titucional, com as suas garantias formais, constituía “já

um avanço na questão dos Direitos Humanos e uma

base necessária à sua materialização”. Contudo, a dife-

rença entre a teoria e aplicação prática dos Direitos Hu-

manos era abismal. Ainda assim, este triste panorama

deu lugar ao surgimento de uma sociedade civil que, de

uma ou de outra forma, reivindicava o fim da guerra e o

respeito dos direitos fundamentais dos cidadãos.

Com o memorando de entendimento que pôs fim a

guerra, assinado em 2002, registaram-se avanços no

capítulo do respeito dos Direitos Humanos. A par de to-

dos os avanços, persistia o recurso excessivo a força

por parte da Polícia e dos órgãos de segurança, causan-

do mortes, as condições dos estabelecimentos prisio-

nais continuaram deploráveis, pondo em perigo a vida

dos presos, as detenções ilegais, o excesso de prisão

preventiva, as prisões, intimidações e perseguições aos

jornalistas, as demolições de residências continuaram,

as rádios locais continuam a não poder estender o seu

sinal em todo o país, algumas organizações de defesa

dos Direitos Humanos continuaram a ser intimidadas.

É neste quadro que se realizaram as segundas

eleições legislativas a 5 de Setembro de 2008, que

culminaram com a vitória do MPLA com uma maioria

absoluta.

Este quadro legal no processo político, deve tradu-

zir-se em maior sensibilidade dos órgãos do Estado na

aplicação prática e efectiva e no respeito pelos Direi-

tos Humanos, ou seja, em maior acesso à educação,

à justiça, à saúde, à água potável, maior liberdade de

imprensa e de expressão. E para as organizações de

defesa e promoção dos Direitos Humanos, o quadro

deve significar maior empenho e colaboração entre elas

para que os Direitos Humanos sejam verdadeiramente

respeitados em Angola.

Os novos tempos impõem que a relação entre o

Estado e a Sociedade Civil seja de cooperação mútua

para um maior respeito dos Direitos Humanos em An-

gola. António Ebo

r e f l e c t i n d o r e f l e c t i n d oQue Desenvolvimento?

Page 20: Mosaiko inform 01

b r e v e s

Mosaikoinform

Mosaiko

O Prémio Nobel da Paz e antigo secretário-geral das Nações Unidas, Kofi

Annan, entregou no passado mês de Outubro, em Paris, o Prémio Pictet ao

fotógrafo canadiano Benoit Aquin.

O Prémio Pictet é o único galardão mundial de

fotografia centrado na sustentabilidade. A água

foi o tema escolhido para a edição inaugural e a

bolsa atribuída foi de 50 mil libras (cerca de 60

mil euros).

A série de fotografias submetidas a concurso por

Benoit Aquin aborda a falta de água e a desertificação na China. O fotógrafo

vencedor viajou até à China, país onde trezentos milhões de pessoas são

afectadas pelas tempestades de pó provocados pelos terrenos secos que se

estendem por quilómetros. A série vencedora retrata os escassos recursos

de água, a desertificação e os refugiados ambientais do país.”

Na apresentação do vencedor, Kofi Annan alertou: “Hoje, perto de 1100 mi-

lhões de pessoas não têm acesso a água potável e 2500 milhões não têm

saneamento básico. E é através da água, como as imagens desta colecção

ilustram, que estamos a ver antecipadas manifestações devastadoras de

uma das maiores ameaças que o nosso mundo enfrenta – as mudanças

climáticas”.

PRIMEIRO PRéMIO DE FOtOGRAFIA DO MUNDO DEDICADO à SUStENtABILIDADE

DEFENSORES DOS DIREItOS HUMANOSREUNIDOS NO PARLAMENtO EUROPEU

“A palavra aos Defensores” foi o nome da

conferência organizada pelo Parlamento Euro-

peu, pela Comissão Europeia e pelas Nações

Unidas, entre os dias 8 e 9 de Outubro. A ini-

ciativa, inserida nas celebrações do 60° ani-

versário da Declaração Universal dos Direitos

Humanos, teve como principal objectivo dar a

palavra aos activistas dos Direitos Humanos e a

todas as pessoas que, através do seu trabalho diário, contribuem para que

os ideais da Declaração Universal se transformem numa realidade.

A conferência, realizada no Parlamento Europeu em Bruxelas, contou com a

participação de defensores dos Direitos Humanos de todo o mundo, incluin-

do representantes de organizações internacionais, advogados, jornalistas,

sindicalistas, activistas dos direitos das mulheres e das crianças.

Para o Presidente do Parlamento Europeu, Hans-Gert Pöttering, a Decla-

ração Universal dos Direitos Humanos, assinada em Dezembro de 1948,

constitui “uma importante vitória da nossa civilização”.

DIA MUNDIAL DA PAZ

No dia 1 de Janeiro comemora-se o Dia Mundial da Paz. Inicialmente cha-

mado simplesmente de “Dia da Paz” foi criado pelo Papa Paulo VI, numa

mensagem datada do dia 8 de Dezembro de

1967. Dizia o Papa Paulo VI em sua primei-

ra mensagem para este dia: “Dirigimo-nos

a todas as Pessoas de boa vontade, para

os exortar a celebrar o Dia da Paz, em todo

o mundo, no primeiro dia do ano civil, 1 de

Janeiro de 1968. Desejaríamos que depois,

cada ano, esta celebração se viesse a repetir, como augúrio e promessa, no

início do calendário que mede e traça o caminho da vida humana no tempo

que seja a Paz, com o seu justo e benéfico equilíbrio, a dominar o processar-

se da história no futuro”.Completava ainda o Papa Paulo VI: “A Igreja católi-

ca, com intenção de servir e de dar exemplo, pretende simplesmente lançar

a ideia, com a esperança de que ela venha não só a receber o mais amplo

consenso no mundo civil, mas que também encontre por toda a parte muitos

promotores (...) para poderem imprimir ao Dia da Paz, a celebrar-se nas

calendas de cada novo ano, carácter sincero e forte, de uma Humanidade

consciente e liberta dos seus tristes e fatais conflitos bélicos, que quer dar à

história do mundo um devir mais feliz, ordenado e civil”.

Os Papas costumam escolher um tema e escrever uma mensagem para

este dia, que em 2009 será “Combater a pobreza, construir a Paz”.

Construindo Cidadania direitos Humanos

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aos sábados das 08H30 às 09H30