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DIREITOS HUMANOS DA CRIANÇA Ainda nesta edição pág. 13 Entrevista exclusiva ao Director do Centro de acolhimento Nzoji inform Informação sobre Direitos Humanos e o trabalho do Centro Cultural Mosaiko Edição trimestral v Distribuição gratuita Nº 03 Junho 2009 Mosaiko Mosaiko

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DIREITOS HUMANOS DA CRIANÇA

Ainda nesta edição pág. 13

Entrevista exclusiva ao Director do Centro de acolhimento Nzoji

inform Informação sobre Direitos Humanos

e o trabalho do Centro Cultural Mosaiko

Edição trimestral v Distribuição gratuita

Nº 03 Junho 2009MosaikoMosaiko

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PROMOvER OS DIREITOS HUMANOS

Não são as mulheres pessoas humanas tal como os homens? Em que

é que elas lhes seriam inferiores? Em que é que elas lhes seriam superio-

res? Haverá um varão que seja fotocópia de outro (se é que a fotocópia é

“ipsis verbis” a cópia)? Haverá uma mulher que seja fotocópia de outra?

Se não, como é evidente, porquê o preconceito? Os homens são assim!

As mulheres são assim! Farão, aliás, sentido perguntas deste tipo? In-

felizmente, a realidade da humanidade, “microscopicamente” trazida por

esta edição do Mosaikolnform, indica que o “sem sentido” da realidade

ainda torna legitimo este tipo de perguntas. Até quando? Até que nós,

humanidade, formos capazes de oferecer a nós mesmos algo melhor. En-

tretanto, não parece evidente e, sobretudo, humanamente satisfatório que

possamos alcançar determinado estadio a partir do qual possamos baixar

guarda e repousar. Livre de nós tal tentação! Trata-se, então, de uma

vigilância constante sobre nós mesmos e sobre os nossos actos, que se

pode iniciar com conquistas e ou cedências, mas que deve encaminhar-

se para o nosso ser, ser o respeito da outra pessoa nosso hábito, nosso

modo de proceder.

Além de uma reflexão sobre o percurso árduo de construção da hu-

manidade no que à nossa igualdade e à nossa diferença como homens e

como mulheres diz respeito, a presente edição traz muitos testemunhos,

autênticos esforços suados, que nos indicam que o futuro poderá ser me-

lhor que o presente e que o passado. A nossa intenção é que tais esforços

obtenham solidariedade e que, mãos nas mãos, as nossas conversas já

não venham a ser sobre queixas mútuas, mas venham a ser como realizar

os nossos legítimos ideiais.

e d i t o r i a l

José Sebastião Manuel, op

ÍNDICE

Editorial .......................................................02José Manuel Sebastião, op

InformandoO estado actual da Criança em Angola .......03

Mónica Guedes

Estórias da HistóriaO Dia Mundial da Criança ..........................07

Fernando Domingos

Figura em destaque Nkosi Johnson, o Pequeno Grande Heroi ........... 08

Júlio Candeeiro, op

ConstruindoA Convenção dos Direitos da Criança .........09

Belarmino CardosoO INAC e o seu papel no Desenvolvimento da Criança ........... 10

Dra. Manuela CoelhoCrianças acusadas de feiticeiras ................ 11

Dra. Maria Luísa Sardinha

Entrevista com Dr. Orlando Mendes Alves ... 13Mónica Guedes

ReflectindoPadre, minha Mãe morreu, meu Pai morreu ... 16

Pe. João BoscoCuidar da Criança é preparar o seu futuro .... 17

Dra. Maria Antónia da Mata A educação escolar em Angola: os currículos e os educadores ao serviço do desenvolvimento das crianças ......... 18

Ir. GertrudesBreves ............................................................ 20

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A Situação da Criança em Angola

O país

A República de Angola está situada a meio da costa ocidental de África, e tem uma superfície territorial de 1,3 milhões de km2.

Em 2005, a população angolana era de 16 milhões de habitantes e prevê-se que em 2015 a população atinja os 21 milhões (PNUD, 2007-2008).

Angola é um dos maiores produtores de petróleo de Áfri-ca, com uma produção de um milhão e meio de barris por dia. A taxa de crescimento do PIB por habitante registada em 2006 foi de 15,1 por cento, números que pressupõem uma redução da pobreza no país, mas que não se verifi-ca, devido à distribuição desigual da riqueza.

Segundo dados da Organização Mundial de Saúde, Angola está entre os países que apresentam os pio-res indicadores de saúde do mundo. Presentemente, apenas 44,5% da população se encontra coberta por serviços de saúde. A taxa de mortalidade materna no país está estimada em 1850/100.000 nados vivos. Em Luanda, a capital, apenas 62% das mulheres grávidas têm acesso a cuidados de saúde.

O país encontra-se também vulnerável à ocorrência de epidemias, devido aos deficientes sistemas de saneamento e abastecimento de água, a presença de programas reduzidos e de fraca prevenção, incluindo fraca cobertura de imunização de rotina.

Do total da população angolana (16 milhões), 4.960.000 habitantes (31%) têm acesso a saneamento melhorado, 7.520.000 (47%) vivem sem acesso a uma fonte de água limpa e 5.440.000 pessoas (34%) estão subnutridas.

Em Angola, “68% da população continua a viver abaixo da linha da pobreza dos quais 28% em pobreza extrema (AMI, 2008). O nível de vida das cidades em Angola atingiu os piores valores.

Angola tem perdido a oportunidade de aproveitar o crescimento económico para melhorar as condições de vida da população, aumentar os serviços de educação e saúde gratuitos, organizar o sistema nacional de

previdência e desinquinar os mecanismos e processos para uma mais equilibrada distribuição do rendimento (Relatório Eco-nómico do CEIC, Universidade Ca-tólica de Angola, 2006)

Segundo o rela-tório do PNUD 2007-2008, o Ín-dice de Desen-volvimento Hu-mano (IDH) de Angola é baixo, pois é de 0,446, ocupando o 162º lugar no IDH, num ranking de 177 países.

Uma População

maioritariamente jovemA população activa angolana está estimada acima de oito milhões, com idades compreendidas entre os 15 e 60 anos. A população jovem, situada entre os zero e os 15 anos, representa 46,4%, ou seja 7.424.000 habitan-tes. A população idosa ronda os 2,5%, isto é, 400 000 habitantes (PNUD 2007-2008).

Em relação à taxa de fertilidade, a mulher angolana tem entre 6-7 filhos e a esperança de vida à nascença é de 42 anos.

Entre 1997 e 2005, 45% dos partos eram assistidos por profissionais de saúde qualificados (PNUD)

Angola faz parte da lista negra dos dez países onde é

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i n f o r m a n d omais elevado o risco de morte materna. Esses países são, Níger, Afeganistão, Serra Leoa, Chade, Angola, Libéria, Somália, República Democrática do Congo, Guiné-Bissau, e Mali.

Lutando pela vida à nascençaSegundo dados da UNICEF, em 2007 a população me-nor de 5 anos de idade era de 3.162.000 crianças. Nesse ano nasceram 810 000 crianças e morreram 128 000 com idade inferior a 5 anos. Angola apresenta a segunda taxa de mortalidade infantil mais elevada do mundo: a taxa de mortalidade em crianças menores de 5 anos é de 260 mortes em 1000 nados-vivos. Em crianças menores de um ano a taxa de mortalidade é de 154 mortes em 1000 nados- vivos (PNUD 2007-2008).

Malária, a principal causa da mortalidade infantil

A Malária é isoladamente a maior causa da mortalidade infantil em Angola.

Em 2007, as províncias angola-nas de maior risco eram Luanda e, no sul de Angola, Cunene, Huila, Cuando Cubango e Namibe.

O plano estratégico para o com-bate à doença refere que, em Angola, a malária contribui em 35% para a mortalidade geral em crianças com menos de cin-co anos e em 25% no que diz respeito à mortalidade materna. Há pouco tempo, Angola chegou

a registar mais de três milhões de casos e em 2003 atingiu 38.600 óbitos - o valor mais alto do período de 1999 a 2006.

Entre 2003 e 2007, 21% das crianças menores de 5 anos dormiam debaixo de uma rede mosquiteiro, 18% dormia debaixo de uma rede mosquiteiro tratada com insecticida e 29% recebia medicação anti-malárica (UNICEF, 2009).

A Desnutrição A Desnutrição é a principal causa dos altos níveis de morbilidade e mortalidade infantis em Angola. O

agravamento da situação de pobreza dos agregados familiares e a insegurança alimentar contribuem para a pobreza das crianças.

Na categoria de crianças com menos de 5 anos de idade, os indicadores mais utilizados para diagnosticar a desnutrição são o peso em função da idade (peso por idade), o tamanho em função da idade (tamanho por idade) e o peso em função do tamanho (peso por tamanho)

Segundo dados da UNICEF, entre 2000 e 2007, 12% dos recém-nascidos angolanos apresentavam pouco peso, 31% das crianças menores de 5 anos tinham peso a menos para a sua idade e 45% tinham altura a menos para a idade. O sul do país é a região mais afectada pela desnutrição, tanto moderada como severa. As crianças entre os 12 e os 23 meses de idade são as que maior taxa de desnutrição apresentam em Angola.

As infecções respiratórias agudas, doenças diarreicas e o sarampo, estão também na origem da mortalidade infantil em Angola.

A transmissão de HIV de mãe para filho

Segundo dados do Instituto Nacional da Luta Contra a SIDA, em 2006 havia em Angola 400.950 pessoas infectadas. Ainda assim, Angola é o país da África Austral com a taxa mais baixa de prevalência do VIH.

Nas mulheres grávidas, a taxa de prevalência de VIH permaneceu estável em 2004 (2,4%) e em 2005 (2,5%). Dados recolhidos em mulheres que assistem às consul-tas pré-natal sugerem que a epidemia de VIH varia entre as províncias angolanas. Os índices mais elevados de infecção ocorrem nas zonas fronteiriças da Namíbia e da República Democrática do Congo. O centro do país regista os índices mais baixos (UNAIDS).

Aproximadamente, 70% da população angolana tem menos de 24 anos, e esta vasta população jovem associada ao aumento de comportamentos sexuais de risco, colocam Angola em perigo de uma grave epidemia de VIH/SIDA.

Segundo o estudo “Conhecimentos, Atitudes e Prá-ticas 2005-2006” realizado entre jovens dos 15 aos

24 anos,

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i n f o r m a n d o apenas 8% das mulheres com filhos menores de 24 meses sabiam que o VIH podia ser transmitido para o bebé durante a gravidez, o parto e a amamentação.

O relatório da UNICEF informa que em 2007 estimava-se a existência de 110 000 casos de transmissão de VIH de mãe para filho, em mulheres infectadas maiores de 15 anos.

O mesmo relatório revela que em 2007 havia 50 mil crianças órfãs devido ao VIH. As projecções indicam que em 2010 esse número atinja os 330 mil.

De acordo com o Programa Nacional de Luta Conta o VIH /SIDA, estima-se que em 2005 mais de 40 mil crianças eram portadoras do vírus e que mais de 10 mil faleceram vítimas directas do SIDA

Os efeitos da epidemia atravessam todos os aspectos da vida das crianças: o seu bem-estar emocional, segurança física, desenvolvimento mental e saúde em geral. Muitas vezes as crianças têm de deixar a escola para ir trabalhar, tomar conta dos pais ou irmãos e pôr a comida na mesa. Estas crianças estão em situação de maior risco de sub-nutrição e de serem vítimas de violência, trabalho infantil exploratório, discriminação e outros abusos.

Crianças excluídas

do sistema de ensinoA população jovem de Angola, situada entre os zero e os 15 anos, representa 46,4%, ou seja, 7.424.000 habitantes.

O Estudo de Indicadores Múltiplos (MICS) da UNICEF, em 2001, revelou que apenas 56% das crianças em idade escolar frequentam o primeiro nível do ensino de base (da 1ª à 4ª classes) com nítidas disparidades por género e grupo sócio-económico. Embora os dados de 2002 e 2003 sugiram a tendência para o aumento no número de matrículas, um grande número de crianças angolanas vê-se ainda privado do direito ao ensino de qualidade. Presentemente, estima-se que, pelo menos, um milhão de crianças em idade escolar, na maioria raparigas, esteja fora da escola.

Entre os anos 2000 e 2005, o número de alunos ma-

triculados na fase da Iniciação até ao Ensino Médio e Pré-Universitário quase que triplicou, passando de 1.7 milhões para 4.9 milhões. Com o fim da guerra observa-se que o número de matriculados no ensino da Iniciação e Primeiro Nível ultrapassou o número de crianças em idade oficial para os referidos níveis.

Angola ainda está longe de al-cançar os objectivos do ensino primário universal de qualidade. O país enfrenta o grande desafio de fazer subir o número de crianças no ensino primário dos 2,1 milhões estimados em 2003 até 5 milhões em 2015.

O desempenho escolar em Angola é bastante baixo: de cada 10 crianças que entram no sistema de educação apenas 3 conseguem atingir a quinta classe (ODM An-gola 2005). A guerra, a condição socioeconómica das crianças, o casamento precoce das raparigas, o trabalho infantil, o fraco domínio do idioma português (sobretudo das áreas rurais), a distância da escola, a escassez de infra-estruturas, a insuficiência de material escolar, a má qualidade do docente e a própria política nacional de ensino podem estar na origem do baixo aproveitamento escolar. Por cada criança com idade oficial matriculada, 3 não frequenta a escola (Orçamento Amigo da Criança, 2005-2006).

Crianças em risco

Muitas crianças angolanas vivem na primeira pessoa reali-dades que violam os seus direitos fundamentais. Entregues ao seu próprio destino, à caridade dos outros, e à protecção do Estado, as crianças desenvolvem-se e crescem conforme o meio e as condições em que vivem.

Crianças que vivem em situação de pobreza extrema,

que são vítimas de abandono familiar, de trabalho

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Mónica Guedes

i n f o r m a n d o

“os direitos humanos

da mulher e da rapa-

riga são parte inalie-

nável, integrante e

indivisível dos direi-

tos humanos univer-

sais. A plena partici-

pação, em condições

de igualdade, da

mulher na vida polí-

tica civil, económica,

social e cultural, a

nível nacional, re-

gional, internacional

assim como a total

erradicação de todas

as formas de discri-

minação baseadas no

sexo são objectivos

prioritários da comu-

nidade internacio-

infantil, de abuso sexual, de tráfico, sem esquecer da-quelas que são acusadas de feitiçaria e que são vítimas de maus tratos físicos.

Delinquência

A degradação da situação económico-social do país como resultado do prolongado conflito armado é o fac-tor que mais contribuiu para o aumento acentuado no número de crianças em risco por delinquência.

Segundo o relatório “Orçamento Amigo da Criança”, o grupo mais afectado compreende 31.350 criança entre os 12 e os 15 anos de idade, e 4121 de outras idades. As crianças mais afectadas são analfabetas (14.447), seguidas pelas que possuem o primeiro nível de esco-laridade (13.976) e outras (2.967).

Trabalho infantil

Entre 1999-2007 havia em Angola 24% de crianças trabalhadoras, entre os 5 e os 14 anos de idade, sendo as raparigas em maior número.

Existem muitas crianças a fazer trabalho infantil o que é contra o que consagra a lei e o direito da criança. Os ele-vados índices de pobreza e o reduzido número de escolas são apontados como principais causas do trabalho infantil, e onde a maioria das crianças é explorada na economia informal, o que torna difícil contabilizar o número real. O trabalho infantil no sector informal abarca as crianças que trabalham nas minas de diamantes e plantações, pequenas empresas familiares e, em geral nas ruas.

As zonas críticas da prática de trabalho infantil são as pro-víncias do Cunene ( trabalho de carregadores), das Lundas Norte e Sul e Cuando Cubango ( zonas de garimpo).

Exploração

e abuso de menores

Em Angola, 68% da população continua a viver abaixo da linha da pobreza dos quais 28% em pobreza extre-ma. O grupo mais vulnerável desta situação é o das crianças. Afectadas pela pobreza, as crianças estão

mais expostas a abusos e violência.

O abuso económico e sexual das crianças, incluindo o tráfico de crianças em algumas partes do país são alguns dos problemas que têm surgido. Demasiadas crianças são desfavorecidas, abusadas ou exploradas.

Crianças acusadas

de feitiçaria “Dezenas de crianças num quarto, fechado, com uma fogueira onde era queimado jindungo, era um dos métodos usados para libertar do “mal” as “crianças feiticeiras” que hoje foram resgatadas pela Polícia Nacional na capital angolana. (…) Uma destas crianças tinha quatro dias. A mais velha tem 15 anos. (…) O tratamento para expurgar o “mal” do corpo das “crianças feiticeiras” consistia ainda em fazer golpes com lâminas no corpo das crianças, alegadamente para que pudesse “sair o mal” (…)Em resultado desta “cura” pelo menos uma das crianças está em risco de perder os braços devido à gangrena que resultou destes golpes sem tratamento posterior (…)O problema das crianças acusadas de feitiçaria ou serem feiticeiros assume em Angola propor-ções que as autoridades e o Instituto Nacional da Criança (INAC) admitem como grave. As áreas geográficas onde as acusações de feitiçaria a crianças são mais significativas si-tuam-se a norte do país, junto às fronteiras com a República Democrática do Congo e Congo-Brazzaville (países onde o problema é igualmente grave) nomeadamente o Uige, Zaire, as Lundas, Norte e Sul, e Cabinda. (…)Espancamentos, jejuns prolongados, queimaduras e enclausuramento em espaços exíguos são também “tratamentos” aplicados que as autoridades detectam quando resgatam crianças acusadas de feitiçaria. (Extracto de comunicado da Agência Lusa de 23 de Outubro de 2008)

Colocam-se grandes desafios a Angola para que o país consiga, por um lado, atingir os Objectivos do Milénio e, por outro, fazer cumprir os tratados e convenções que ratificou relativos aos direitos da criança. Para que os direitos humanos das crianças sejam uma realidade em Angola!

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O Dia Mundial da CriançaApós a 2ª Guerra Mundial muitos países da

Europa, Médio Oriente e China, entraram em cri-

se. As populações destes países viviam muito

mal, em especial as crianças. Os adultos esta-

vam preocupados em retornar a sua vida quoti-

diana normal, relegando a educação das crian-

ças para último plano. Muitas crianças ficaram

órfãs e outras, ainda que tivessem os seus pais

vivos, foram retiradas das escolas e obrigadas a

trabalhar para ajudar no sustento das suas famí-

lias. Enfim, vivia-se com muitas dificuldades.

Em 1946 a Organização das Nações Unidas

começou a tentar mudar esta situação, reco-

nhecendo que as crianças, independentemente

da raça, cor, sexo, religião e origem nacional ou

social, necessitam de cuidados e atenções es-

peciais, precisam de ser

compreendidas, prepara-

das e educadas de modo

a terem possibilidades de

usufruir de um futuro con-

digno e risonho. A ONU

cria a UNICEF, que tem

como objectivo promover

a defesa dos direitos das crianças, ajudar a dar

resposta às suas necessidades básicas e contri-

buir para o seu pleno desenvolvimento.

Em 1950 a Federação Democrática Interna-

cional das Mulheres, propôs a ONU que fosse

criado um dia dedicado as crianças em todo o

mundo. Este dia foi comemorado pela primeira

vez logo a 1 de Junho desse ano.

O Dia Mundial da Criança, oficialmente, é 20

de Novembro, data que a ONU reconhece como

Dia Universal das Crianças, por ser a data em

que foi aprovada a Declaração dos Direitos da

Criança. Nesta Declaração, que consagra 10

princípios fundamentais da criança, a Assem-

bleia Geral das Nações Unidas refere que “a

criança, por motivo da sua falta de maturidade

física e intelectual, tem necessidade de uma pro-

tecção e cuidados especiais...”. A ONU reconhe-

ceu também que “em todos os países do mundo

há crianças que vivem em condições particular-

mente difíceis e a quem importa assegurar uma

atenção especial, tendo devidamente em conta a

importância das tradições e valores culturais de

cada povo para a protecção e o desenvolvimento

harmonioso da criança e a importância da coo-

peração internacional para a melhoria das con-

dições de vida das crianças em todos os países,

em particular nos países em desenvolvimento.”

Com a criação deste

dia, os Estados-membros

das Nações Unidas reco-

nheceram às crianças, in-

dependentemente da raça,

cor, sexo, religião e origem

nacional ou social os direi-

tos ao afecto, amor e com-

preensão; à alimentação adequada; aos cuida-

dos médicos; à educação gratuita; à protecção

contra todas as formas de exploração e a cres-

cer num clima de Paz e Fraternidade universais.

Foram reconhecidos os “Direitos Universais das

Crianças”.

Neste dia Mundial da Criança são lembradas

os milhares de crianças que continuam a sofrer

de maus-tratos, doenças, fome e discriminações.

Muitos esquecem o que disse Jesus Cristo: “dei-

xai vir em mim as crianças porque delas é o rei-

no dos céus…”.

i n f o r m a n d o

Fernando Domingos

e s t ó r i a s d a H i s t ó r i a

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Ficha Técnica

Mosaiko Inform

PropriedadeCentro Cultural Mosaiko

NIF: 7405000860

Nº registoMCS-492/B/2008

RedacçãoBelarmino Márcio Cardoso

Fernando da SilvaFlorência ChimuandoJúlio Candeeiro, op

Mónica Guedes

Colaboradores: Dra. Manuela Coelho

Dra. Maria Natónia da Mata Dra. Maria Luísa Sardinha

Ir. Gertrudes Pe.João Bosco

Técnico GráficoPaulo Bento

ContactosCentro Cultural Mosaiko

Bairro da Estalagem Km 12 - Viana

Caixa Postal 6945 CLuanda - Angola

Telefones923 543 546 / 912 508 604

Endereço electró[email protected]

Sítio na internethttp://mosaiko.op.org

ImpressãoIndugráfica, LdaFátima - Portugal

Tiragem: 2 500 exemplares

DISTRIBUIÇÃO GRATUITA

Nkosi Johnson, o Pequeno Grande Heroi

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Nkosi Johnson,

é o menino Sul

Africano que

simbolisa a luta

contra o VIH,

através de cui-

dados de base

regulares e uma

dieta bem es-

tabelecida. Nkosi nasceu na zona Este de Johannes-

burg, a 4 de Fevereiro de 1989. Pouco se sabe sobre

os seus pais: filho de pai desconhecido e de Nonthlan-

thla Dahne Nkosi, de quem recebeu o vírus.

Sendo à nascença chamado Nkosi Xolani, o nome de

Johnson é-lhe dado pela sua mãe adoptiva, Gail Jo-

hnson, funcionária pública, que o adoptou com o con-

sentimento da mãe biológica, que se encontrava muito

fraca para tomar conta do miudo, então com 2 anos de

idade. Nkosi e sua mãe adoptiva, Gail Johnson, pas-

saram a viver juntos, quebrando assim uma série de

tabus e estereótipos que pesavam sobre pessoas com

HIV e sobre tentativas de vida mista entre brancos e

negros.

A sua vida pública começa em 1997, quando uma es-

cola primária do seu bairro Meville, recusou-se a acei-

tá-lo como aluno por ser seropositivo, em clara violação

à constituição da República Sul Africana e à Carta da

Liberdade. O incidente provocou grande cobertura me-

diática e transformou-se numa “pedra no sapato” dos

responsaveis, incluindo altos membros do partido ANC

que, naquela altura, quase negavam a relação entre o

VIH e o SIDA.

Nkosi Jonhson venceu o medo de ser descriminado e

tornou-se no rosto da campanha pelo fim da descrimi-

nação contra pessoas portadoras do VIH. Ele transfor-

mou-se no ícone da possibilidade de uma vida longa

de convivência com o virus, através de uma boa e re-

gular alimentação.

Aos 11 anos de idade, Nkosi Jonhson, tornou-se num

heroi cujas proezas ultrapassaram as fronteiras do seu

país natal. Em 2000 foi o orador principal da 13ª Con-

ferência Internacional sobre o VIH em Durban, na qual

encorajou a sociedade a cuidar dos doentes do Sida e

pediu às pessoas infectadas que vencessem a vergo-

nha e “dessem a cara” a fim de receberem tratamento.

Num acto que deixou a sala silenciosa e em lágrimas

Nkosi disse, entre muitas, as seguintes palavras “ Olá,

eu sou Nkosi Johnson, tenho 11 anos de idade, sou

seropositivo e estou cheio de SIDA... quando eu for

grande, se a mãe Gail mo permitir, irei por todo o país

e eu quero que as pessoas entendam tudo sobre o

SIDA – Que saibam ser prudentes e respeitar o SIDA.

A pessoa não apanha SIDA ao tocar, abraçar ou dar as

mãos a uma pessoa infectada”. No mesmo discurso,

Nkosi criticou a posição do Governo sul-africano em

que se recusava a fornecer tratamento gratuito para

evitar a transmissão do HIV de mãe para filho.

Johnson morreu na madrugada do dia 1 de Junho de

2001 e o mundo inteiro rendeu homenagem àquele

que é considerado o rosto da luta contra o Sida e a

promessa de um futuro melhor para as crianças de

todo o mundo. Em homenagem a Nkosi, Nelson Man-

dela disse: “ é uma grande pena que este jovem tenha

partido. Ele foi exemplo a mostrar-nos como podemos

lidar com desastres desta natureza. Ele era claro sobre

isto e tocou muitos corações”.

Júlio Candeeiro, op

C o n s t r u i n d oF i g u r a e m D e s t a q u e

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Em 20 de Novembro deste ano, o mundo comemora uma data que assinala dois marcos na história da imple-mentação dos direitos humanos: os 50 anos da Declara-ção dos Direitos da Criança e os 20 anos da Convenção dos Direitos da Criança (CDC).

Esta Convenção é o documento onde constam, em par-ticular os direitos humanos da criança e os deveres do Estado e da família, em tornar possíveis a realização desses direitos reconhecidos universalmente.

Constituída por 13 parágrafos preambulares, a CDC divi-de os seus 54 artigos em 3 partes. A 1ª parte vai do artigo 1º ao 41º e trata especialmente da responsabilidade dos Estados Partes em fazerem cumprir, respeitando e prote-gendo, os direitos da criança, bem como os deveres da família. A 2ª parte vai do artigo 42º ao 45º que trata so-mente da criação e funcionamento do Comité dos Direitos da Criança e, a última parte, do artigo 46º ao 54º indica as regras para um Estado tornar-se Parte da Convenção.

Os antecedentes dessa Convenção foram basicamente dois: a Declaração de Genebra dos Direitos da Criança (1924) e a Declaração dos Direitos da Criança (1959).

CONvENÇÃO DOS DIREITOS DA CRIANÇA1

Principais tópicos (artigos)2

v 1º Criança é todo o ser humano menor de 18 anos, salvo uma lei aplicável à criança, a maioridade é atingida antes.

v 2º A criança tem o direito à protecção contra todas as formas de descriminação.

v 3º Em tudo, deve-se ter em conta o interesse supe-rior da criança

v 4º Os Estados devem tomar todas as medidas ne-cessárias para a realização dos direitos da criança.

v 6º Toda a criança tem direito à vida e ao desenvolvi-mento

v 7º Toda a criança, tem direito ao nome, a uma nacio-nalidade e sempre que possível, o direito de conhe-cer os seu pais e ser educada por eles.

v 9º Toda a criança tem o direito de viver junto a seus pais.

v 11º Toda a criança tem o direito a protecção contra deslocação e retenção ilícitas no estrangeiro

v 13º Toda a criança tem direito à liberdade de expres-são.

v 14º Toda a criança tem direito à liberdade de pensa-mento, de consciência e de religião

v 17º Toda a criança tem o direito a aceder à informa-ção que vise promover o seu bem-estar.

v 18º Os pais têm uma responsabilidade comum na educação e desenvolvimento comum da criança, e o interesse superior desta deve constituir a preocu-pação fundamental dos pais.

v 19º Toda a criança tem o direito à protecção contra todas as formas de violência física, mental, e sexual.

v 23º Toda a criança deficiente tem o direito a uma vida plena e decente que facilitem a sua participação activa na vida da comunidade.

v 24º A criança tem o direito ao gozo do melhor estado de saúde possível.

v 27º Toda a criança tem direito a um nível de vida adequado.

v 28º Toda a criança te direito à educação.v 29º A educação da criança deve destinar-se ao de-

senvolvimento da sua personalidade, dos seus dons e aptidões, tolerância, respeito e fraternidade, liber-dade e respeito ao meio ambiente.

v 30º Toda a criança tem direito à liberdade cultural e religiosa.

v 31º Toda a criança tem direito ao repouso e lazer, de participar livre e plenamente na vida cultural e artís-tica, referente à sua idade.

v 33º Toda a criança deve ser protegida contra o con-sumo ilícito de drogas.

v 34º Os Estados devem proteger a criança contra to-das as formas de exploração e de violência sexuais.

v 35º Toda a criança tem o direito de protecção contra o rapto, a venda e o tráfico.

v 36º Toda a criança tem o direito a protecção con-tra todas as formas de exploração prejudiciais ao seu bem-estar.

v 37º Toda a criança tem o direito à protecção con-tra tortura e a outros tratamentos cruéis, desuma-nos ou degradantes; toda a criança privada da sua liberdade tem direito de aceder aos órgãos de justiça.

Belarmino Cardoso

C o n s t r u i n d oA

Covenção dos

Direitos da

Criança

Nº 03 / Junho de 2009 9

1 Angola assinou a CDC em 14.02.1990

e ratificou-a aos 5.12.1990 (v. http://

treaties.un.orgPages/View)

2 A selecção destes artigos da Parte I

da CDC não substitui nem retira o va-

lor da CDC em versão completa, pelo

que aconselho a sua consulta, sem-

pre que possível, no livro de Direitos

Humanos - Guia de Apoio à Cursos

de Formação do Centro Culçtural

Mosaiko e noutras fontes.

Page 10: Mosaiko Inform 03

10Mosaiko

informMosaiko

O INAC-Instituto Nacional da Criança- é um órgão do Governo que tem como finalidade a advocacia, a pro-moção e protecção dos direitos da criança, a sensibili-zação e mobilização da sociedade para os problemas que a criança enfrenta, e a análise da situação desses problemas através de estudos, pesquisa e de recolha de informação e dados tão exaustivos quanto possível, para alertar o Governo e a Sociedade.

Nesta acção, o INAC constitui-se como Observatório Na-cional das questões respeitantes às crianças, para salva-guarda dos seus direitos. Estabelece a articulação com os diferentes sectores do Governo ligados à problemática da criança, nomeadamente os Ministérios da Educação, da Saúde, da Família e Promoção da Mulher, da Justiça, Juventude e Desporto, do Interior, do Ambiente, da Cultu-ra, das Águas, da Agricultura e da Comunicação Social, com diferentes actores sociais (Igrejas e Organizações Não Governamentais), com as Agências do Sistema das Nações Unidas e com as crianças.

Com a ratificação da Convenção dos Direitos da Criança (CDC) e seus Protocolos Adicionais e a Carta Africana dos Direitos e Bem-Estar da Criança, esses instrumentos jurídicos internacionais passaram a fazer parte do ordena-mento jurídico angolano, tendo portanto força de lei, o que nos remete para o seu cumprimento obrigatório.

A Convenção dos Direitos da Criança é o tratado mais abrangente a nível mundial e nos seus artigos 12, 13, 14, 15 consagra o direito de exprimir livremente a sua opinião sobre as questões que a ela dizem respeito, a liberdade de expressão, de pensamento e de associa-ção e reunião pacífica.

Para o cumprimento deste desiderato o INAC promove en-contros de crianças a nível das escolas, municípios, provín-

cias e a nível nacional; estimula a criação de associações e espaços amigos da criança, entre outros.

Estes encontros, estas reuniões são verdadeiros “parla-mentos infantis”, que têm como finalidade o ensaio ao exer-cício da cidadania, o ensaio a democracia, para que elas no futuro possam tomar parte activa nas decisões do País.

Visam também a transmissão de valores morais e so-ciais, educando a criança nos seus múltiplos aspectos, através da discussão de temas relevantes e actuais, da nossa sociedade e do mundo.

As crianças dialogam sobre temas ligados ao seu bem-estar e problemas ou fenómenos nefastos que as afec-tam, dando soluções para que sejam tomadas em conta nas decisões dos adultos, em reuniões, foras e nos pla-nos sectoriais e programas de governo.

As crianças angolanas também participam, fazendo ou-

vir a sua voz em encontros regionais e mundiais, nos chamados “parlamentos africanos de crianças e parla-mento mundial”.

Em datas mais significativas para a vida da criança, o INAC dá maior ênfase às questões da criança para des-pertar a sociedade para a atenção que ela merece to-dos os dias da sua vida, e para a necessidade de todos considerarmos a causa da criança como uma causa comum, considerando que ela goza de prioridade ab-soluta. Ela deve ser colocada na agenda das nossas prioridades, pois agora são crianças. Amanhã se-rão adultos! .

c o n s t r u i n d o c o n s t r u i n d o

A comunidade in-

ternacional assumiu

o compromisso de

transformar o mun-

do usando as expe-

riências da mulher

como principal força

motriz na prepara-

ção de uma nova

agenda de desenvol-

vimento

O INACe o seu papel no

desenvolvimento da criança

Dra. Manuela Coelho

Page 11: Mosaiko Inform 03

11Nº 03 / Junho de 2009

Quando as Crianças são acusadas de feiticeiras

As acusações de feitiçaria contra crianças em An-

gola e noutros países são produzidas no contexto

de um conjunto de condições culturais e históricas

que remetem para a forma pela qual as comuni-

dades tradicionais enfrentam as transformações

sociais decorrentes do

impacto da guerra e

das grandes mudanças

económicas. Entretanto

trata-se de um fenóme-

no que tem como pano

de fundo uma crise na

garantia dos direitos

fundamentais, particu-

larmente das crianças

O Estado tem obriga-

ções de protecção e

deveres de garantia

em matéria de direitos

humanos e reconhece

constitucionalmente a

prioridade absoluta às

crianças e a obrigação de protecção como respon-

sabilidade da família, da sociedade e do Estado.

A Convenção sobre os Direitos da Criança, no seu

artigo 19º, condena todas as formas de violência fí-

sica ou mental, dano ou sevícia, abandono ou trata-

mento negligente, maus tratos ou exploração contra

a criança, enquanto ela se encontrar sob a guarda

dos pais ou representantes legais ou qualquer outra

pessoa a cuja guarda haja sido confiada. Recomen-

da igualmente que os Estados partes tomem todas

as medidas legislativas, administrativas, sociais e

educativas adequadas à protecção da criança con-

tra essas formas de violência.

Trata-se de um imperativo constitucional resultante

do dever de protecção especial e de promoção do

desenvolvimento da personalidade e da criação de

condições para a efectivação dos direitos previstos

nos artigos 30º e 31º da Lei Constitucional.

A família é uma instituição que independentemente

das variantes de desenhos e formas que tome na

actualidade, “ constitui-se num canal de iniciação e

aprendizagem dos afectos e das relações sociais”

(Carvalho, 1994), bem como uma unidade de “ ren-

da e consumo” (Draibe, 1994).

Como canal de iniciação e aprendizagem dos afec-

tos e das relações sociais, a instituição família cons-

titui-se em um locus primário por onde os indivíduos

desenvolvem as suas experiências como membros

da sociedade em geral. Essas experiências podem

propiciar uma conjunção na memória, de “ certos

conteúdos do passado individual com outros do

passado colectivo” (Benjamim, 1989:107).

Isto deve-se ao facto de que, quando nasce,

c o n s t r u i n d o c o n s t r u i n d o

a Declaração do

Milénio da ONU,

adoptada por 189

Estados Membros,

na Cimeira do Mi-

lénio, comprometeu

países – ricos e po-

bres – a fazer tudo

o que pudesse para

erradicar a pobreza,

promover a digni-

dade e igualdade

humanas, alcançar a

paz, a democracia,

a boa governação e

a sustentabilidade

ambiental.

Page 12: Mosaiko Inform 03

E n t r e . . . v i s t a

Prof. Maria Luisa Sardinha

12Mosaiko

informMosaiko

c o n s t r u i n d o

Os Objectivos de

Desenvolvimento do

Milénio (ODM) são

pontos de referência

numa visão de de-

senvolvimento, paz

e Direitos Humanos

(DH), orientada por

certos valores fun-

damentais para as

relações internacio-

nais no século XXI.

Neles se incluem a

liberdade, a igualda-

de, a solidariedade,

a tolerância, o res-

peito pela natureza

e responsabilidade

comum.

o indivíduo não é por si só membro de uma so-

ciedade, mas “nasce com a predisposição para a

sociabilidade e torna-se membro da sociedade. Por

conseguinte, na vida de cada indivíduo existe uma

sequência temporal no curso da qual é introduzida

a tomar parte da dialéctica da sociedade”. (Berger,

1995:173).

Ou seja, é no decorrer da sequência temporal da

vida de cada indivíduo que este passa pelo proces-

so de socialização pelo qual se torna membro de

uma sociedade. Esta sequência temporal não pode

ser vista como um processo contínuo, em que ocor-

re uma evolução organizada e harmónica dos indi-

víduos em patamares estanques de sociabilidade,

mas deve ser percebida como um movimento car-

regado de descontinuidades e contradições, tendo

em vista a relação contraditória entre os membros

da família e desta com as outras instituições so-

ciais.

Não obstante a família, constitui-se numa institui-

ção privilegiada em que se desenvolvem os primei-

ros processos socializadores a que o indivíduo está

sujeito, motivo pelo qual ela adquire uma relevân-

cia social e histórica que imputa a necessidade de

uma maior reflexão sobre a mesma. Esta relevân-

cia está directamente relacionada ao facto de que

a “socialização primária é a primeira socialização

que o indivíduo experimenta na infância, em virtude

da qual se torna membro da sociedade”. (Berger,

1995: 175).

Assim, a socialização primária é de importância sig-

nificativa para o indivíduo, pois implica a apreensão

de elementos cognoscitivos e afectivos, que, com-

binados num processo de identificação (Goffman,

1988), vão desenhando uma identidade subjectiva-

mente coerente e plausível no indivíduo.

Page 13: Mosaiko Inform 03

E n t r e . . . v i s t a

13Nº 03 / Junho de 2009

Entrevista com Dr. Orlando Mendes Alves, Director do Centro N’zoji

c o n s t r u i n d o

Quinhentas e vinte e nove crianças partilham uma casa, uma escola, um refeitório, um hospital, uma quinta. E muito mais. Partilham expectativas, sonhos, passado, presente e futuro! Chegadas de vários pontos do país, de Cabinda ao Cunene, uma história as une, são órfãs de pais que eram funcionários do Ministério do Inte-rior e da Policia Nacional. Algumas delas perderam os dois progenitores. Localizado na comuna de Calumbo, município de Viana, o Centro Polivalente “Nzoji”, que em português significa “Sonho”, surgiu dos esforços do Ministério do Interior e da Polícia Nacional. O Mosaiko Inform (MI) visitou o Nzoji e entrevistou o seu director (DZ), o Dr. Orlando Mendes Alves, que dirige o centro desde 2006.

MI: O Centro de Acolhimento Nzoji foi inaugurado em 2004. O que é que originou a criação do centro?

DZ: O Nzoji foi inaugurado a 20 de Março de 2004. A nível da Polícia Nacional existiam muitas crianças de ex-funcionários da Polícia que faleceram ao longo do pro-cesso de guerra que houve em Angola bem como de alguns que foram falecendo normalmente e outros em acções operativas. As famílias reclamavam um certo apoio pois sozinhas não conseguiam assegurar os es-tudos dos seus filhos. Através do Ministério do Interior e da Polícia Nacional pensou-se em criar um projecto desta envergadura. É assim que nasce o Nzoji. O cen-tro surgiu com o intuito de dar formação às crianças de ex-funcionários do Ministério do Interior, com particular incidência da Polícia Nacional.

MI: Quantas crianças é que centro acolhe?DZ: Neste momento o Nzoji acolhe 529 crianças, em

regime de internato. Para além destas, temos cerca de 100 crianças externas. Estas crianças vivem nos bairros arredores e vêm todos os dias para o centro, fazem as suas refeições, estudam. No final do dia regressam para o seio familiar. Foi sempre objecti-

vo da Polícia Nacional, através do Ministério do Interior, dar formação às crianças que vivem nas populações vizinhas do Nzoji. Nas instalações do centro funciona a escola 9116 que está agregada ao sistema de ensino de Angola, e por isso reco-nhecida pelo Ministério de Educação

MI: Existe uma idade mínima para uma criança vir para o Nzoji?

DZ: Existe sim. O centro rece-be crianças a partir dos 7 anos, o que corresponderia a ingressar nos estudos da segunda classe. Este ano o centro recebeu duas crianças com 6 anos e passamos a dar aulas da pri-meira classe. Assim sendo, o Nzoji recebe crianças dos 6 anos até aos 17. Mas a perspectiva é reduzir para os 15 anos.

MI: As crianças internas recebem visitas de familiares? DZ: Sim, recebem sem qualquer impedimento. O Nzoji é

uma instituição totalmente aberta. Os familiares das crianças podem visitá-las sempre que desejarem, des-de que não interfiram com os horários de estudo das crianças. Essas visitas são salutares porque aproxima a escola das famílias, dos encarregados de educação, dos tutores das crianças. E essa aproximação foi sem-pre vinculada pelo Nzoji. É necessária, útil e oportuna.

MI: O Nzoji ministra aulas do sistema normal de ensino. Que níveis é que são leccionados?

DZ: O primeiro ciclo, que vai da primária até à nona classe. Antes leccionávamos até à oitava classe, mas com

a reforma do sistema educativo do Ministério da

Para a promoção e a

plena integração da

mulher, a PROMAI-

CA realiza activida-

des de sensibilização,

dirigidas a mulheres,

para uma adesão

massiva ao programa

de alfabetização, pro-

move cursos de corte

e costura, decoração,

culinária, agricultura.

Promove também a

realização de pales-

tras sobre temas tais

Page 14: Mosaiko Inform 03

PERFIL DE

Orlando AlvesDr. Orlando Mendes Alves, nasceu

no Luena, Moxico, em 1959. Rea-

lizou o Curso Geral de Mecânica,

na Escola Industrial Marquês do

Pombal, em Lisboa e na Escola Co-

mercial Industrial Gago Coutinho

do Lobito. Tem uma licenciatura

em Ciências Pedagógicas-História,

da Universidade Agostinho Neto.

Realizou o Curso de Polícia na Es-

cola Nacional de Polícia Mártires

do Kapolo e o Curso de Comando e

Chefia, na Academia Israelense de

Segurança e Investigação.

Foi responsável do Posto Policial

de Rádio-Difusão da Policia Na-

cional, no Comando Provincial de

Luanda; Chefe de Planificação,

Informação e Análise na Delegação

do MININT-Benguela e Coman-

do Provincial de Benguela; Chefe

do Departamento de Informação

e Análise do MININT, Direcção

Nacional de Prevenção e Extinção

de Incêndios; Chefe de Departa-

mento de Informação e Análise, da

Escola Nacional de Policia da Or-

dem Pública “Capolo I”; foi Admi-

nistrador do Complexo Residencial

do Imbondeiro, da Polícia Nacional

e actualmente é Director do Centro

Polivalente Nzoji, da Policia Na-

cional, desde 2006.

Educação, passamos a leccionar aulas até à nona classe.

MI: O centro oferece também formação técnico-profissio-nal. Que cursos é que são ministrados?

DZ: No presente, são 5 cursos, Informática, Pastelaria, Agricultura, Serralharia e Carpintaria. Há a perspecti-va de, a curto prazo, implementarem-se os cursos de Construção Civil, Corte e Costura e Mecânica.

MI: Os rapazes têm sempre tendência para as brigas e as disputas. Como é que isso se soluciona numa casa onde vivem e convivem tantos rapazes?

DZ: Resolvem-se normalmente, como em cada lar. Há sempre aquela situação de um irmão que bateu no outro, daquele que aleija o outro sem querer. Nesses casos a criança procura um educador, um assistente social, uma pessoa da equipa que está de serviço, ou mesmo a mim. Eu faço questão de estar presente no Nzoji todos os dias e as portas estão sempre abertas para receber as crianças a qualquer momento. O centro funciona como uma casa familiar, e é dentro do contexto fa-miliar que resolvemos os problemas com as crianças.

MI: Como é que as crianças reagem às regras do Nzoji?DZ: Reagem normalmente, com respeito. As crianças

quando chegam ao centro são-lhes dadas a conhecer as regras de conduta, como se devem comportar, os seus direitos e deveres. Claro que a criança é um ser irrequieto. Ela tem vida, tem dinamismo e requer que nós, os adultos, estejamos atentos e preparados para podermos ajudar nesse próprio dinamismo da crian-ça. Elas têm respeito, respeito entre elas e pelos mais velhos. E isto é conseguido sem coerção. De maneira alguma a coerção é permitida no Nzoji, pelo contrário,

o centro utiliza a pedagogia, a educação, o próprio ensino. O maior ganho é a abertura que nós temos com as crianças. Conversamos permanentemente, brincamos, sentamos, trabalhamos juntos. Esta cons-tante presença junto das crianças ajuda em todos os aspectos para que tenhamos estes êxitos que temos tido até aqui.

MI: Do ponto de vista emocional como é que avalia as crianças do Nzoji?

DZ:Tem que se ver o ponto de vista emocional em vá-rios aspectos fundamentais. Em primeiro lugar, estas crianças foram retiradas do seio familiar. Não é fácil, mas quando uma mãe já não tem o esposo a seu lado e tem dificuldades financeiras para pôr o seu filho a estudar, essa mãe sofre. E mais sofre a criança que

é retirada do seu seio familiar. Quando chegam aqui, muitas delas choram, ficam dois, três dias a chorar, e querem voltar a casa. E nós temos que cobrir essa carência da criança. Não é um processo fácil, mas a criança acaba por nos aceitar. E quando ela nos acei-ta, temos que ter em atenção este aspecto emocional dela, porque ela agora aceita outra pessoa que lhe era totalmente estranha e aceita-nos com um certo carinho, porque nós também lhe demos esse carinho. Muitas vezes desempenhamos o papel de pai e de

mãe, e criam-se laços muito fortes. Às vezes as pró-

e n t r e . . . v i s t a

Mosaikoinform

Mosaiko14

Page 15: Mosaiko Inform 03

Mónica Guedes

15Nº 03 / Junho de 2009

e n t r e . . . v i s t aNo que diz respeito

à violência domésti-

ca, a realidade não é

muito diferente da

de outras províncias

do país, é frequente

os maridos baterem

nas suas esposas. Há

mulheres que estão

abandonadas pelos

seus esposos, vivem

elas próprias a sus-

tentarem os seus fi-

lhos, há divórcios por

aí cuja origem não se

sabe ao certo…

prias mães e outros familiares vêm ao Nzoji e já notam que a criança encontrou outra família. A criança passa a conviver com as duas famílias: a biológica, de onde ela saiu, e a família que encontrou no Nzoji. Numa co-munidade como esta, com 529 crianças, onde vivem crianças desde a tenra idade, dos 6 anos até aos 17 anos, que passam pela fase de criança adolescência, juventude e adulto, é um processo difícil. Mas o Nzoji, com todo o apoio e acima de tudo, com a ajuda de Deus também, porque eu costumo dizer que Deus está connosco, e Ele tem-nos dado as mãos, estamos a fazer esse trabalho que é bastante positivo.

MI Sendo o Nzoji um centro que acolhe, cuida, educa crianças órfãs e desamparadas, o centro tem as con-dições necessárias para proporcionar um bom desen-volvimento das crianças?

DZ: Tem, tem o básico e o necessário. Eu costumo dizer que nós temos dificuldades, alguns problemas, mas não devemos ficar sentados nas dificuldades e nos problemas e chorar, tentar uma varinha mágica para os resolver. Somos nós que temos de os resolver. E é nesta base que o Nzoji está a dar o melhor para estas crianças. E isso começa na própria alimenta-ção, na educação e no acompanhamento em todos os aspectos. O Nzoji proporciona aos alunos um bom desenvolvimento físico através de uma boa alimenta-ção. Apostamos numa alimentação adequada, partin-do das necessidades calóricas das crianças, embora não tenhamos um nutricionista para fazer esse acom-panhamento adequado. Gostaríamos muito de ter um cá a trabalhar no centro, mas em Angola há poucos nutricionistas. O Nzoji proporciona também um bom desenvolvi-mento psicológico, emotivo e intelectual das crian-ças, através da educação, do ensino, da formação, do acompanhamento que são dados às crianças. O centro tem uma área social especializada, capaz de fazer um bom acompanhamento dos seus alunos. O Nzoji tem que estar preparado para dar esse apoio e proporcionar um bom desenvolvimento. E acredito que está.

MI Como é que é educar, criar 529 crianças?

DZ: Quando eu fui contactado para vir dirigir este centro, eu primeiro pensei, “Vou dirigir um centro com tantas crianças” (silêncio). Embora eu tenha formação peda-gógica, para além da formação policial, mas nunca tinha tido a experiência de trabalhar com tão elevado número de crianças. Mas hoje, depois de 3 anos de trabalho no Nzoji, posso dizer que foi uma experiência bastante útil e proveitosa. E eu ganhei um certo cari-nho por estas crianças, trato-as todas de igual forma. Para mim são como meus filhos. Os meus dois filhos mais novos são alunos externos do Nzoji.

Há um aspecto que não posso deixar passar, que é o apoio que a Igreja Católica tem dado ao nível da formação das crianças. No centro vivem crianças de 18 denominações religiosas, sendo a maioria cató-licos. Nas instalações do Nzoji existe uma igreja e o centro entregou-a à Igreja Católica. Há um padre dominicano, o Frei Norberto, que vem cá celebrar a missa regularmente, há também algumas madres e religiosas que dão catequese às crianças. O centro não descura a educação religiosa dos seus alunos, uma vez que desempenha um papel importante na formação do ser humano.

MI: Para terminar, que futuro é que perspectiva para as crianças angolanas?

DZ: Eu diria, um futuro bastante risonho. Depois de tantos anos de guerra, e agora com a paz, podemos ver que hoje o sorriso na criança não é o mesmo de ontem. Quando o Nzoji completou 3 anos, o nosso lema na-quele ano foi “ Faz duma escola sua grande história”. Eu diria que nós, crianças, e agora falo como criança, temos uma história grande para contar porque, parti-cularmente aquelas crianças que sofreram nas amar-guras do passado, hoje já dão um sorriso alegre. Nós hoje vimos em qualquer parte do país que as crianças brincam à vontade, vão à escola, e o esforço que o Estado faz para pôr todas as crianças na escola, isto é bastante positivo. De maneira que o futuro da Ango-la, é um futuro risonho, porque o país está a apostar seriamente nas crianças e nos jovens, e é essa apos-ta que vai garantir o amanhã do nosso país. E isso é muito bom, é promissor.

Page 16: Mosaiko Inform 03

16Mosaiko

informMosaiko

Poderíamos dizer que foi esta a “senha” usada

pelas crianças para ter acesso ao Centro de Aco-

lhimento Mbembwa. Assim ao longo destes anos

muitas crianças fizeram deste centro o seu lar, sua

casa. O quadro comum para todos era a carência.

Por exemplo, me recordo de Flávio que não tinha

idade, só recordava da tia Maria … Passados al-

guns meses connosco, ambientado e confiante,

Flávio começou a falar, falando dos seus familiares

e como os havia perdido. O pai morreu de aciden-

te de viação, a mãe ficou só com os outros quatro

irmãos, ele era o mais novo. Os tios irmãos do pai

levaram tudo o que tinham em casa … A mãe ficou

só com ele por ser menor, até atingir os 10 anos.

Ela estava sempre doente. Um dia fazia frio e acen-

deram a fogueira dentro de casa … A casa pegou

fogo, ele conseguiu fugir, a mãe não.

Tudo acabou. Só lhe restou a rua que a muito ofe-

recia a ele e a mãe a sobrevivência.

Flávio passou por momentos muito difíceis. Era so-

licitado pelos mais velhos da rua para os trabalhos

inimagináveis. Ele tinha uma face angelical e bons

princípios, falava pouco e contava bem. Isto para o

grupo era fundamental.

Flávio estava cansado daquela vida e sentia-se

sempre mais só. Foi quando lhe

disseram “Vai no Bosco”. Ele

foi tão subtil que durante uma

semana fez visita de explora-

ção, chegando a conclusão que

deveria ficar. Mas como entrar?

Foi quando alguém lhe deu a

“senha”.

Brincando, fazendo desporto,

saltando a corda, dançando,

cantando, jogando a bola, tra-

balhando, estudando Flávio tira

para fora aquilo que ele sente

por dentro.

Flávio tem passado a “senha”

a outros, indo ao encontro deles,

mostrando-lhes que existe um lugar onde eles são

protegidos e recebem amor, carinho e atenção;

onde têm a possibilidade de aprender hábitos de

higiene, habilidade e acreditar no futuro.

Flávio hoje tem 21 anos de idade, tem o seu Bilhete

de Identidade, trabalha e está a fazer a 10ª classe.

O seu sonho é formar-se em Electricista de auto-

móveis.

Padre, minha Mãe morreu, meu Pai morreu …

Pe. João Bosco

r e f l e c t i n d oR e f l e c t i n d o

Page 17: Mosaiko Inform 03

17Nº 03 / Junho de 2009

r e f l e c t i n d oR e f l e c t i n d oHabitualmente, ao depararmos com atitudes e

comportamentos, sejam eles atractivos ou chocan-

tes por serem aberração aos padrões socialmente

aceites, questionamos automaticamente: quem é o

sujeito que age assim? Que experiências carrega

no seu mundo subjectivo? Quem são os seus pro-

genitores?

As experiências infantis repercutem-se na vida

adulta e na interacção com a sociedade: o tipo de

educação e cuidados recebidos desde tenra idade

são decisivos para a a inserção e adaptação no

mundo adulto Não é apenas a evolução socio-eco-

nómica e política que condiciona a maneira de agir

do indivíduo. O problema em epígrafe leva-nos a

fazer uma incursão reflexiva sobre a importância

da criança, e a responsabilidade de ser pai, mãe e

zelador/a cuja actividade primordial é preparar os

cidadãos do futuro.

Estudos do desenvolvimento humano ajudam-nos a

penetrar no âmago do tema em discussão, desven-

dando a complexidade do comportamento humano.

Efectivamente, o comportamento é resultado da in-

teracção de dois padrões: o hereditário e o social.

O problema que se levanta neste postulado leva-

nos a questionar que grau de influência tem cada

um destes factores? Por um lado, a criança não é

“tábua rasa na qual a história da sua experiência

pode ser escrita de raiz” (John Locke Séc. XVII).

Por outro, não é um ser já feito a quem as carac-

terísticas naturais exercem uma grande influência,

embora estão sujeitas “à corruptível influência do

ambiente”, na perspectiva de J. Rousseau. Conci-

liando as duas concluímos que o desenvolvimento

da criança ocorre num processo de interacção dos

factores hereditários, transmissão social e experi-

ência física cujo resultado contribui para o desen-

volvimento integral da criança dependentemente da

motivação dos cuidadores.

Os

primeiros anos de vida possuem uma importância

capital na estruturação da personalidade da crian-

ça. Aliás, o desenvolvimento humano é comparável

a um edifício que se vai construindo ao longo da

vida cujo alicerce é lançado na primeira infância.

Se as fundações forem bem asseguradas, podem

vir os vendavais que nada o poderá abalar.

Todos os pais querem que os seus filhos se desen-

volvam da melhor maneira possível, sejam pessoas

inteligentes, independentes, responsáveis e capa-

zes. No entanto, talvez nem todos saibam como o

seu papel é importante para o desenvolvimento dos

seus filhos. A família. “é comunidade por excelência

onde a criança nasce, cresce, declina e morre, é

um contexto de transmissão de vida, afectos, cultu-

ra, referências éticas e desenvolvimento, assegura

a continuidade do ser humano” (Gonçalves. C.M.,

2003). A maior parte das aprendizagens são adqui-

ridas com influências do meio social e da matura-

ção das estruturas físicas. E tudo quanto a criança

apreende fica acumulado na memória num estado

latente. A certa idade o indivíduo repete os hábitos

e condutas dos seus avós, pais e outros adultos

que foram seus modelos de socialização. “Não re-

pete só hábitos de amor mas também de desamor,

violência, agressividade, negligência” (Linn, 1998

p.34).

A família exerce também uma grande influência no

desenvolvimento físico da criança mediante a as-

sistência médica e medicamentosa adequada, ali-

mentação, vestuário e protecção, garantindo o seu

crescimento harmonioso. O organismo em

Cuidar da Criança é preparar o seu Futuro

Page 18: Mosaiko Inform 03

define como finalidade do sistema de educação, a forma-ção integral da personalidade com vista à consolidação de uma sociedade progressiva e democrática.A educação escolar é, antes de tudo, uma prática social imbuída de forte função socializadora e personalizadora. Isto significa que a escola e a educação alicerçam todo o seu programa numa determinada forma de entender as

relações entre o desenvolvimento humano e o contexto

r e f l e c t i n d o

Mosaikoinform

Mosaiko18

Dra. Maria Antónia da Mata

Muitas dessas mu-

lheres lutam para ter

a sua própria casa e

muitas delas conse-

guem adquirir ter-

reno, mas depois de

construirem as casas

ainda correm o risco

de as perderem por

falta de documen-

tos que confirmem

a sua legalização.

Isto acontece porque

muitas delas não

têm, nunca tiveram,

um documento e só

depois disto é que

aprendem sobre é

o valor desse docu-

mento e como se

devem preocupar

com isso.

desenvolvimento, desde a concepção, pode ser afec-

tado não só pelas doenças congénitas herdadas dos

progenitores, pelas anomalias cromossómicas, mas

também pelos factores que envolvem a mãe: a nutri-

ção, o estado emocional, a actividade física excessi-

va, o fumo, a ingestão de álcool, as doenças infeccio-

sas, as anemias de falciformação, a idade materna, a

incompatibilidade sanguínea, durante o período pré-

natal, as ameaças ambientais externas. Há, portanto,

uma série de factores que pré-determinam o desen-

volvimento psíquico e físico do ser humano, e que es-

tão na origem de problemas como o atraso mental, o

deficit da atenção, a hiperactividade, as dificuldades

de aprendizagem.

O meio ambiente social pode favorecer ou não o

desenvolvimento global da criança: incluímos, aqui

as práticas culturais, a condição socio-económica,

o ambiente doméstico: a harmonia conjugal, a res-

ponsabilidade dos pais e a capacidade de criar um

ambiente estimulante do desenvolvimento intelec-

tual, cognitivo afectivo, moral e social e gera, nos

filhos capacidades para enfrentar os estímulos do

meio sem desestabilizar os esquemas mentais as-

similados na educação primária.

A maioria dos pais e tutores são carinhosos, mas

as estatísticas dos abusos e maus-tratos tendem a

aumentar dia a pós dia, nas grandes capitais. Bas-

ta olhar para a nossa sociedade angolana. Raros

são dias que os meios de comunicação não repor-

tam comportamentos que ferem o bem-estar da

criança: relatos de agressão física, abuso sexual,

negligência, agressividade verbal e emocional e a

incapacidade de colocar padrões de referência para

a criança. Tudo isso surte um efeito duradouro no

comportamento e interfere na projecção social na

vida adulta. Apesar das debilidades da educação

familiar, nem sempre os casais que vivem os pro-

blemas anteriormente referidos e os pais ausentes

por razões múltiplas, geram filhos delinquentes.

Muitas crianças maltratadas demonstram notável

resiliência, apoiada no princípio de que o ser hu-

mano é educável.

Em suma, as crianças precisam de cuidados des-

de a concepção até idade da sua emancipação. A

família é um factor de equilíbrio psicológico, força

mobilizadora de mecanismos de defesa e maturi-

dade da criança. Os desvios comportamentais que

colocam em risco a sociedade têm a sua génese na

qualidade de interacção recebida na primeira infân-

cia. Cuidar da criança não é somente gerá-la e ve-

lar pela robustez física, é também transmitir experi-

ências edificantes que afastem os comportamentos

anti-sociais e garantam um futuro próspero.

A educação escolar em Angola: os currículos e os educadores ao serviço

do desenvolvimento das criançasEscassos dias nos separam do Dia Internacional da Mu-lher, por isso, importante se torna falar um pouco sobre questões de preocupação para o desenvolvimento da mu-lher. As maiores e principais questões que constituem um constrangimento para o desenvolvimento das mulheres todas têm que ver com as desigualdades entre homens e mulheres que por conseguinte, bloqueiam a auto-afirma-ção das mulheres. Portanto, estas preocupações são cru-ciais para o A lei de bases do sistema educativo angolano,

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19Nº 03 / Junho de 2009

Ir. Gertrudes

r e f l e c t i n d o r e f l e c t i n d osocial e cultural no qual, sempre e necessariamente, este desenvolvimento tem lugar.Não há pessoa alguma à margem de uma sociedade e de uma cultura. Os processos de individualização (a cons-trução de uma identidade pessoal) e a socialização (a in-corporação activa numa sociedade e numa cultura), são processos inter-relacionados e interdependentes, ou duas vertentes de um mesmo processo: aquele pelo qual nos formamos como pessoas.O desenvolvimento é uma construção evolutiva, social e culturalmente mediado, realizado e trazido segundo uma aprendizagem progressiva. O assumir-se a natureza pessoal, social e colaborativa do conhecimento e o modelo activo, funcional e estrutural da construção, coloca à educação escolar desafios e compro-missos importantes, como sejam:v Uma noção de pessoa entendida como um ser em

desenvolvimento, em relação com o ambiente social e cultural onde se situa;

v Uma noção alargada de escola, ou seja, uma escola compreendida e integrada no tecido social e cultural envolvente;

v Formas alternativas de compreender e gerir o currículo escolar, em geral e o plano de estudos e programas em particular;

v Uma perspectiva de desenvolvimento integrado de toda a pessoa, pela própria compreensão globalizada do desenvolvimento cognitivo, o saber, os conteúdos morais e valorativos, saber ser e estar e os procedi-mentos técnicos e éticos, saber fazer e agir, são enten-didos como pilares de um mesmo processo formativo.

v A autonomia da escola como pessoa plural, e dos alunos, como condição e consequência do desenvolvimento.

Só assim a aprendizagem e as formas culturais dos sa-beres incluídas no currículo escolar podem ser fonte de desenvolvimento pessoal dos alunos, ajudando-os a situ-ar-se individualmente de forma activa, construtiva e crítica no contexto social e cultural de que fazem parte.O educadorO professor é o elemento indispensável e fundamental no processo educativo. Ele garante a eficácia e a bilateralida-de do processo docente educativo cuja acção recai sobre o aluno. É nele que a sociedade reconhece a capacidade de ensinar e educar os seus filhos e confere-lhe:v Função Técnica: ao transmitir os conhecimentos, o

professor deverá estar muito bem preparado e seguro de si próprio, em conhecimentos pedagógicos;

v Função Didáctica: deverá estar convenientemente preparado para melhor orientar a aprendizagem, crian-do situações que estimulem o aluno a participar acti-vamente no seu desenvolvimento integral, adquirindo conhecimentos, atitudes e habilidades;

v Função Orientadora: estimular o aluno no seu desen-volvimento intelectual e psicomotor. O professor deve estar atento aos saberes que os alunos já trazem do seio familiar a fim de serem aproveitados e orientá-los da melhor forma.

O educador é aquele que deve v Conhecer as coisas que interessam às crianças que

estão a seu cargo;v Ajudar as crianças a aprender defrontadas com desa-

fios apropriados ao seu nível de desenvolvimento;v Facilitar o debate, dar explicações, mas também pedir ex-

plicações. A vontade de explicar o inexplicável e resolver o que tinha desafiado a todos, leva ao crescimento.

v Facilitar a aprendizagem em grupo, o como viver e o que fazer, imagens do mundo, emoções que enrique-cem ou mutilam a nossa vida, algumas habilidades, são aprendidas nesses ambientes;

v Promover o equilíbrio entre meninas e meninos, criar e apoiar um ambiente de aprendizagem sério e amigá-vel para as meninas, fazendo com que todos se sintam com dignidade;

v Desenvolver as capacidades comunicacionais: comu-nicamos com o corpo, com sons e ruídos de acção e reacção, com a linguagem verbal e através de docu-mentos.

v Educar para saúde, higiene e nutrição, a escola deve ser o centro de educação para melhorar a vida, a es-perança e mesmo a qualidade de vida:

v Envolver as famílias: cada professor precisa da ajuda dos encarregados de educação. Cada um deles é fon-te das aprendizagens prévias que os alunos trazem à sala de aulas e das aprendizagens que construirão em casa, aldeia ou cidade, no período que trabalhemos com elas. O professor precisa construir um diálogo fluído com cada uma das famílias. A cooperação e participação das famílias é a melhor fonte de aprendi-

zagem para as crianças.

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Mosaikoinform

Mosaiko

Mais de 300 catástrofes naturais fizeram, em 2008, 236 mil mortos e afecta-ram mais de 200 milhões de pessoas. Estes números foram apresentados no Bahrein, no passado mês de Maio, pelo secretário-geral das Nações Uni-das ao apresentar um novo relatório.

O relatório “Redução dos riscos de catástrofe: balanço mundial 2009”, o pri-meiro do género produzido pela ONU, sublinha que as alterações climáticas, a degradação do Ambiente e a urbanização anárquica arriscam-se a afectar as populações de todo o mundo.

“Cada país tem a capacidade e o dever de redobrar os esforços para res-ponder a este apelo, para prevenir as catástrofes naturais e atenuar os seus efeitos (…) A redu-ção dos riscos ligados às catástrofes pode ajudar os países a lutar contra a pobreza, a preservar o seu desenvolvimento

e a adaptar-se às alterações climáticas. Este progresso pode trazer mais segurança, estabilidade e viabilidade para o nosso planeta”, concluiu Ban

Ki-moon.

(Fonte: Agência France Press)

b r e v e s

O mundO perdeu 236 mil pessOas pOr

causa das catástrOfes naturais de 2008

Construindo Cidadania direitos Humanos

na sua rádio de Confiança

aos sábados das 08H30 às 09H30

O Prémio Martin Ennals para os

Defensores dos Direitos Humanos

de 2009 foi atribuído a Emad Ba-

ghi, um destacado defensor dos

direitos humanos no Irão, descrito

pelo júri como “um homem excep-

cionalmente corajoso que defen-

de os direitos humanos apesar da

prisão e fraca saúde”.

Emad Baghi fundou a Sociedade

para a Defesa dos Direitos dos

Prisioneiros e tem sido um vigoroso opositor da pena de morte no Irão.

O seu inventário dos prisioneiros no corredor da morte no Irão tem sido

um importante recurso para as Nações Unidas e outras organizações

nacionais e internacionais.

Agora em liberdade, Baghi passou quatros anos na prisão ao longo da

última década, onde o seu estado de saúde foi considerado crítico. No

entanto, não desiste do seu trabalho e continua a fazer.

(Fonte: Amnistia Internacional)

defensOr dOs direitOs HumanOs dO irãO

galardOadO cOm prémiO martin eannals

60 anOs de fracassOs

em matéria de direitOs HumanOs A Amnistia Internacional (AI) desafiou os líderes mundiais a pedirem desculpa por seis décadas de fracassos em matéria de direitos humanos e a voltarem a assumir o compromisso de fazer melhorias concretas.

“As zonas mais críticas para os direitos humanos exigem uma acção imedia-ta como é o caso do Darfur, do Zimbabué, de Gaza, do Iraque e do Myan-mar”, afirmou Irene Khan, secretária-geral da organização, no lançamento do relatório de 2008 da AI : O estado dos direitos humanos no mundo.

“Injustiça, desigualdade e impunidade são as marcas do mundo de hoje. Os governos devem agir agora para diminuir a distância que sepa-ra as suas promessas do seu desempenho”.

O relatório mostra que, 60 anos depois da Declaração Universal dos Direitos Humanos ter sido adoptada pelas Nações Unidas, as pessoas ainda são torturadas ou maltratadas em pelo menos 81 países, enfren-

tam julgamentos injustos em, pelo menos, 54 países e são proibidas de se expressar livremente em, pelo menos, 77 países.

A secretária-geral faz um alerta: “Os líderes mundiais estão em estado de negação, mas a sua inércia tem elevados custos. Como bem de-monstram o Iraque e o Afeganistão, os problemas de direitos humanos não são tragédias isoladas, mas são como vírus, que podem infectar e espalhar-se rapidamente, tornando-se um risco para todos nós”. (Fonte: Amnistia Internaciona)