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MÉTODOS COERCITIVOS E PRESTAÇÃO JURISDICIONAL Fabiano Godolphim Neme Pós-graduado em Direito Processual Civil pela ABDPC- Academia Brasileira de Direito Processual Civil Advogado. SUMÁRIO: 1. Introdução - 2. Da necessidade de efetividade na prestação jurisdicional - 3. Da evolução histórica e do direito comparado - 3.1. Da tradição jurídica continental - 3.1.1 Do direito romano - 3.1.2. Dos direitos comum e canônico - 3.1.3. Do direito francês - 3.1.4. Do direito italiano - 3.1.5. Do direito espanhol - 3.1.6. Do direito português - 3.1.7. Do direito argentino - 3.1.8. Código Tipo para a América Latina - 3.1.9. Do direito comunitário europeu - 3.1.10. Dos direitos alemão e austríaco - 3.2. Da tradição jurídica anglo-saxã - 3.2.1. Common Law e equity - 3.2.4. Da atuação de institutional e structural decrees - Da tradição luso-brasileira - 4. Dos métodos coercitivos de natureza patrimonial - 4.1. Das astreintes - 4.1.1. Da incidência da multa - 4.1.2. Das variações no valor e na periodicidade da multa - 4.1.3. Da determinação do quantum - 4.1.4. Da titularidade do crédito advindo das astreintes - 5. Dos métodos coercitivos de natureza pessoal - 5.1. Do contempt of court – 5.1.1. Do contempt of court criminal e civil – 4.1.2. Do contempt direto e indireto – 5.1.3. Das sanções aplicáveis – 5.1.4. Do contempt of court no Brasil – 6. Das outras formas de coerção – 6.1. Das sanções penais – 6.2. Das sanções meramente processuais – 6.3. Das sanções políticas – 6.4. Da técnica diferenciada e dos métodos alternativos de coerção – 7. Conclusão – 8. Bibliografia. 1. Introdução Já dizia Jhering 1 que “O direito existe para se realizar. A realização do direito é a vida e a verdade do direito; ela é o próprio direito. O que não passa à realidade, o que não existe senão nas leis e sobre o papel, não é mais do que um fantasma de direito, não são senão palavras. Ao contrário, o que se realiza como direito é o direito...”. O direito processual está intimamente ligado a esse pensamento, tendo em vista ser ele o responsável por trazer ao mundo dos fatos aquilo que só existe no mundo jurídico: a prestação jurisdicional. Mas para trazer o processo para esta realidade – a de instrumento da efetividade – é necessário superar parâmetros antiquados e atrasados, não mais condizentes com a realidade atual e que não suprem as necessidades das partes. www.abdpc.org.br 1 JHERING, R., L’Esprit du droit romain, III, p. 16, apud NEVES, Castanheira, Metodologia Jurídica — Problemas Fundamentais, Coimbra, Coimbra Editora, 1993, p. 25.

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MÉTODOS COERCITIVOS E PRESTAÇÃO JURISDICIONAL

Fabiano Godolphim Neme Pós-graduado em Direito Processual Civil pela ABDPC-

Academia Brasileira de Direito Processual Civil Advogado.

SUMÁRIO: 1. Introdução - 2. Da necessidade de efetividade na prestação jurisdicional - 3. Da evolução histórica e do direito comparado - 3.1. Da tradição jurídica continental - 3.1.1 Do direito romano - 3.1.2. Dos direitos comum e canônico - 3.1.3. Do direito francês - 3.1.4. Do direito italiano - 3.1.5. Do direito espanhol - 3.1.6. Do direito português - 3.1.7. Do direito argentino - 3.1.8. Código Tipo para a América Latina - 3.1.9. Do direito comunitário europeu - 3.1.10. Dos direitos alemão e austríaco - 3.2. Da tradição jurídica anglo-saxã - 3.2.1. Common Law e equity - 3.2.4. Da atuação de institutional e structural decrees - Da tradição luso-brasileira - 4. Dos métodos coercitivos de natureza patrimonial - 4.1. Das astreintes - 4.1.1. Da incidência da multa - 4.1.2. Das variações no valor e na periodicidade da multa - 4.1.3. Da determinação do quantum - 4.1.4. Da titularidade do crédito advindo das astreintes - 5. Dos métodos coercitivos de natureza pessoal - 5.1. Do contempt of court – 5.1.1. Do contempt of court criminal e civil – 4.1.2. Do contempt direto e indireto – 5.1.3. Das sanções aplicáveis – 5.1.4. Do contempt of court no Brasil – 6. Das outras formas de coerção – 6.1. Das sanções penais – 6.2. Das sanções meramente processuais – 6.3. Das sanções políticas – 6.4. Da técnica diferenciada e dos métodos alternativos de coerção – 7. Conclusão – 8. Bibliografia.

1. Introdução

Já dizia Jhering1 que “O direito existe para se realizar. A realização do direito é a vida e a verdade do direito; ela é o próprio direito. O que não passa à realidade, o que não existe senão nas leis e sobre o papel, não é mais do que um fantasma de direito, não são senão palavras. Ao contrário, o que se realiza como direito é o direito...”.

O direito processual está intimamente ligado a esse pensamento, tendo

em vista ser ele o responsável por trazer ao mundo dos fatos aquilo que só existe no mundo jurídico: a prestação jurisdicional.

Mas para trazer o processo para esta realidade – a de instrumento da

efetividade – é necessário superar parâmetros antiquados e atrasados, não mais condizentes com a realidade atual e que não suprem as necessidades das partes.

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                                                            1 JHERING, R., L’Esprit du droit romain, III, p. 16, apud NEVES, Castanheira, Metodologia Jurídica — Problemas Fundamentais, Coimbra, Coimbra Editora, 1993, p. 25.

 

 

A partir disto, percebe-se o quão inadequado é o pensamento atual de relacionar o direito material e o processo em termos de ação de direito material, noção ultrapassada quando da criação dos direitos fundamentais e da base constitucional de 1988. Ainda mais tendo em vista que a concepção de direito de ação como direito a uma sentença de mérito está totalmente superada, já que o julgamento do mérito só tem importância se o direito material em questão for reconhecido pelo Estado-Juiz e, acima de tudo, realizado. Desta forma, o direito à sentença deve ser visto meramente como direito ao provimento e aos meios executivos para dar efetividade ao direito.

Por outro lado, o direito à prestação jurisdicional efetiva não se resume

ao direito à técnica processual adequada, o direito de participar através do procedimento adequado ou o direito à resposta do juiz, mas sim uma soma desses três direitos, já que exige técnica processual adequada (norma processual), instituição de procedimento capaz de viabilizar a participação (ações coletivas, por exemplo) e, finalmente, a resposta jurisdicional propriamente dita.

Assim, ao analisar os institutos relativos aos métodos coercitivos

existentes para se fazer valer a prestação jurisdicional, não só se busca o aperfeiçoamento profissional, mas sim dar uma nova luz ao processo civil, em busca daquilo que é o mais importante: o bem da vida.

Com este artigo, pretende-se não só analisar os principais métodos

coercitivos existentes, mas também sugerir novos, visando sempre aumentar a efetividade na prestação jurisdicional.

2. Da necessidade de efetividade na prestação jurisdicional

A finalidade do processo é, mediante a solução dos litígios, trazer para o mundo dos fatos a vontade concreta da lei, através do procedimento, sendo o meio abstrato através do qual o direito subjetivo de ação se vê realizado.

De nada vale o direito material buscado se ele jamais vier a ser

alcançado. O direito fundamental expresso no artigo 5º XXXV da Constituição Federal, se esmiuçado, prega que o direito de ação equivale ao direito a uma sentença. Porém esta sentença só será válida se efetiva, se o direito material nela alcançado passar a existir no mundo dos fatos, não apenas no mundo jurídico. Isto engloba o direito ao provimento da sentença e seus meios executórios para dar efetividade ao direito buscado.

Tendo em vista a crescente resistência criada pela parte vencida em

acatar a decisão judicial, o aumento da efetividade do processo acabou por se tornar o grande objetivo do legislador brasileiro, sob pena de desmoralizar ainda mais o nosso sistema judicial. De que vale um sistema judiciário se ele não é capaz de fazer valer suas próprias determinações? Uma sentença não cumprida não é só uma ofensa à parte vencedora que não recebeu o bem da vida, mas sim ao Poder Judiciário como um todo, bem como ao Estado Democrático de Direito.

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Desta forma, é imprescindível que o processo desempenhe de forma efetiva todas as suas etapas, representando, ao final o instrumento realizador da justiça2. Diante disso, não é mais possível manter a posição do processo como fim em si mesmo, já que as suas regras de nada valem se não forem efetivas, no sentido de serem capazes de cumprir todos os objetivos que o dão legitimidade enquanto mecanismo de solução de conflitos.

E é nesse sentido que têm sido as novas alterações do CPC, buscando

sempre uma maior capacidade coercitiva por parte do Estado em fazer com que suas determinações venham a ser respeitadas. Essas alterações encontram escopo na doutrina, onde é vasta a matéria acerca da necessidade de uma maior efetividade na prestação jurisdicional.

Para Barbosa Moreira, a problemática essencial da efetividade do

processo reside nos seguintes pontos: “a) o processo deve dispor de instrumentos de tutela adequados, na medida do possível, a todos os direitos (e outras posições jurídicas de vantagem) contemplados no ordenamento, quer resultem de expressa previsão normativa, quer se possam inferir do sistema; b) esses instrumentos devem ser praticamente utilizáveis, ao menos em princípio, sejam quais forem os supostos titulares dos direitos (e das outras posições jurídicas de vantagem), de cuja preservação ou reintegração se cogita, inclusive quando indeterminado ou indeterminável o círculo dos eventuais sujeitos; c) impende assegurar condições propícias à exata e completa reconstituição dos fatos relevantes, a fim de que o convencimento do julgador corresponda, tanto quanto puder, à realidade; d) em toda a extensão da possibilidade prática, o resultado do processo há de ser tal que assegure à parte vitoriosa o gozo pleno da específica utilidade a que faz jus segundo o ordenamento; e) cumpre que se possa atingir semelhante resultado com o mínimo dispêndio de tempo e energias”.

A efetividade do processo é alcançada através de sua dialética e

através da superação do problema da justiça e da utilidade nas decisões: a) Dialeticidade do processo: O processo atual envolve a

triangulação dialética, onde existem três vértices: o juiz, o autor e o réu. A dialeticidade se dá a partir das garantias constitucionais básicas do direito de ação, o direito de defesa e o devido processo legal, bem como dos direitos destes decorrentes, como do juiz natural, da inafastabilidade do controle jurisdicional, do contraditório, entre outros.

A partir da existência das partes e dos princípios basilares do ordenamento, chega-se à conclusão de que o processo não é um monólogo, mas

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                                                            2 Assim discorre J.J. Calmón de Passos (Democracia, Participação e Processo, p. 87) “o direito é a única forma de realização histórica da justiça. Isso não significa seja o direito a realização da justiça absoluta, ou da mais perfeita forma de justiça. Ele é apenas um projeto de justiça nos limites da contingência que para ela ditam e para ela põem as correlações reais de forças na sociedade. Pode-se, pois, dizer que uma ordem jurídica realiza tanto mais justiça quanto menos necessidades deixa insatisfeitas e quanto menos expectativas desatendidas ocasiona, e tanto mais injusta quanto mais desigualiza privilegiando, com o que agrava o número de excluídos e dos insatisfeitos. E a medida de justiça ou injustiça de uma ordem jurídica se afere pelo grau de coerção que ela precisa exercer para assegurar a realização do direito formalmente posto.”, apud POPP, Carlyle, Execução de Obrigação de Fazer. 2001, p. 31.

 

 

sim um diálogo, uma conversação, uma troca de propostas3. Uma vez sendo o processo um exercício de dialética conduzido pelo juiz, a sua participação é indispensável para a sua efetiva realização.

b) Justiça nas decisões: Tendo em vista a segurança jurídica da

necessidade de o juiz ater-se às normas, o seu poder encontra-se diminuído. Porém, sempre que for apresentada mais de uma forma de se interpretar determinado diploma legal, cabe ao magistrado interpretá-la da forma que melhor atinja seu fim precípuo, a realização da justiça social.

Para realizar tal feito, não precisa o magistrado ser jusnaturalista ou

desrespeitador da ordem legal, basta que, a partir do que é descrito na norma, interpretá-la segundo seus critérios pessoais de justiça. Então, apesar de todas as limitações impostas, o poder decisório do juiz não é suprimido diante do caso concreto.

Por isso a figura do juiz não pode ser reduzida a um mero leitor de

textos legais, mas sim elevada a um especialista na vida social, para dela retirar os valores que embasam a norma, dando real sentido – articulado, completo e, acima de tudo, vivo – ao princípio da subordinação à lei.

c) Utilidade das decisões: Não basta que o acesso à justiça seja

democrático nem que a dialética processual seja efetiva, tampouco que a decisão seja justa se esta não possui utilidade. O processo deve ser útil, para que venha a se constituir como o verdadeiro instrumento utilizado pelos jurisdicionados para obter aquilo que de direito é seu.

O processo deve ser capaz de alterar o status quo, conduzindo a

sociedade a uma ordem jurídica justa. O processo deve ser o instrumento do homem para buscar o bem da vida.

Desta forma, na medida em que os indivíduos estejam cientes de que o processo dar-lhes-á tudo aquilo que o inadimplente da relação material atinente ao caso concreto lhes tirou, a confiança no Poder Judiciário será aumentada, bem como seu meio tornar-se-á mais democrático.4

O objetivo principal do processo é tornar efetivo o direito material inadimplido, realizando o direito objetivo através do subjetivo, bem como em perceber como este objetivo é recebido e sentido pela sociedade.

Com os resultados dos mecanismos de coerção, abordam-se

categorias fundamentais do processo, tais como jurisdição, ação, defesa e processo, bem como seus desdobramentos. Os provimentos judiciais munidos destes mecanismos possuem eficácia para identificar os poderes detidos pelo órgão jurisdicional, emitindo assim ordens às partes e determinando quais providências serão necessárias para que o direito venha a ser realizado no processo em

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                                                            3 CALAMANDREI, Piero, Processo e Democrazia, apud Carlyle Popp, Op. Cit., p. 34. 4 POPP, Carlyle, op. cit., p. 36.

 

 

andamento; determinar a atuação dos provimentos no âmbito jurídico das partes (apontando quais situações jurídico-materiais podem ser atingidas), os requisitos para a obtenção da tutela, bem como a relação autor e réu e, por fim, ter a dimensão da relevância desta tutela coercitiva no quadro geral das tutelas.5

Desta forma, o processo não pode propiciar, de forma alguma,

vantagem para a parte inadimplente. O descumprimento da ordem judicial não pode propiciar encargo inferior ao que teria se ela fosse cumprida espontaneamente.

Tendo analisado a necessidade de se ter um processo civil mais efetivo, faz-se mister não só analisar os métodos coercitivos existentes no nosso ordenamento, mas também sugerir métodos alternativos, buscando sempre uma maior efetividade na prestação jurisdicional.

 

3. Da evolução histórica e do direito comparado

Observando os aspectos coercitivos do direito brasileiro, percebem-se diversas peculiaridades em comparação aos ordenamentos estrangeiros. Porém, para analisar devidamente tais peculiaridades, faz-se mister uma rápida observação acerca da evolução histórica e do atual panorama da tutela coercitiva.

É importante notar a diferenciação entre as famílias jurídicas objeto

desta análise, quais sejam: a romano-germânica (“continental”) e a anglo-saxã (“common law”), com o devido apontamento de que esta também tem suas raízes no modelo romano e canônico.

a. Da tradição jurídica continental

A evolução dos elementos de realização forçada dos deveres jurídicos,

desde o direito romano, sofreu clara humanização. Da mesma forma, a tendência de se identificar o objeto que gerou o débito e o instrumento da responsabilidade também é cristalina.

Observar de forma isolada a humanização das medidas coercitivas nos

aponta na simples rejeição da barbárie que os devedores eram sujeitados quando eram coagidos a cumprir com suas obrigações. Porém analisando conjuntamente ambos aspectos, percebe-se que não existe apenas a rejeição à barbárie, mas também que a coerção se desligou do “corpo” do devedor, mas atrelou-se firmemente ao seu “comportamento”.

3.1.1. Do direito romano

Nos primórdios do direito romano, o alvo da coerção jurídica era o

corpo do devedor. Era a manus injectio, medida que permitia que o credor aprisionasse o devedor por sessenta dias. Caso a dívida não fosse paga nesse prazo, facultava ao credor tomar o devedor como seu escravo próprio ou vendido

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                                                            5 TALAMINI, Eduardo, Tutela Relativa aos Deveres de Fazer e de Não Fazer, p. 26.

 

 

como tal ou ainda a morte. Em caso de serem vários os credores, o saldo do devedor vendido era repartido e, em caso de optarem pelo assassinato, o devedor era esquartejado. Esta medida tinha claro caráter coercitivo, mesmo tendo em vista seus aspectos de autotutela.6

Contemporâneo a este método, existia também a pignoris capio, que

era destinado ao cumprimento de obrigações públicas ou sacras. Ela consistia no direito do credor em apossar-se de um bem do devedor e, caso a dívida não fosse cumprida em um prazo determinado, o bem seria destruído.

Após o advento da lei Julia, a manus injectio deu lugar à ductio jussu

praetoris, em que o autor recebia autorização judicial para levar o réu consigo e usá-lo para efetuar trabalhos para si. O réu permanecia livre, mas sujeito ao poder material do autor, dentro de certos limites.

Com a evolução para métodos coercitivos menos radicais e mais

voltados à condição patrimonial do devedor, surgiu a figura do bonorum venditio. Essa medida não era uma execução propriamente dita, mas sim medida coercitiva, onde havia a imissão do credor na integralidade do patrimônio do devedor, a ameaça de posterior expropriação universal e, por último, a declaração de infâmia. O objetivo não era retirar do patrimônio do devedor aquilo que era devido, mas sim constrangê-lo para que o fizesse.

A distractio bonorum foi o passo seguinte na evolução dos métodos

coercitivos, sempre apontando para a atenuação dos rigores contra o devedor. Essa ferramenta fazia com que os bens do devedor já não eram universalmente alienados. Eles eram vendidos separadamente, até que se alcançasse a quantia devida. Com isso se criou a forma genérica de sub-rogação.

Os mecanismos de pressão desta época eram basicamente para

realizar prestações pecuniárias. As tutelas específicas, seja de fazer e não fazer, eram sempre convertidas em pecúnia. Foi apenas no direito romano pós-clássico que se verificou pela primeira vez a execução específica de obrigação de dar com conteúdo não pecuniário.7

3.1.2. Dos direitos comum e canônico

Apesar de o direito medieval ainda afastar a possibilidade de execução direta – sub-rogação – obrigacional, diversos meios de execução indireta passaram a ser empregados.

No direito comum foi criado um sistema rigoroso contra a contumácia,

abrangendo não só o comparecimento a juízo quanto o descumprimento das determinações do juiz. Existiam diversos mecanismos de pressão psicológica para tal, alguns aproveitados do direito romano, tais como a missio in possessionem e outras onde o credor tomava posse do patrimônio do devedor, entre outras.

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                                                            6 AMARAL, Guilherme Rizzo. As Astreintes e o Processo Civil Brasileiro., p. 25. 7 TALAMINI, Eduardo, op. cit., p. 45.

 

 

Dos mecanismos novos, destacava-se um sistema complexo e

organizado de multas, prisões e cauções. Normalmente esses mecanismos eram utilizados de forma progressiva, enquanto persistisse a contumácia, resultando, por fim, na declaração pública de banimento do devedor, especialmente nos casos em que não se conseguia prendê-lo e os métodos de pressão psicológica não surtiam efeito.

Já no direito canônico, existia uma sequência de atos coercitivos,

sempre forçando o devedor a buscar o arrependimento e pagar os seus pecados, reparando a ordem violada. Caso tais medidas não alcançassem o sucesso pretendido, lançava-se mão da suspensio offici, da depositio e, por fim, a coação máxima representada pela excommunicatio.8

3.1.3. Do direito francês

As idéias libertárias que acabaram por iniciar a Revolução Francesa aliadas à desconfiança dos juízes do “antigo regime”, foram decisivas para o banimento quase integral das medidas coercitivas. O código de Napoleão foi o ápice desta tendência, pois ele regulava que toda obrigação não cumprida deveria ser convertida em perdas e danos.9

A partir do instituto do ressarcimento de danos, a jurisprudência

francesa se voltou contra a doutrina e criou um dispositivo coercitivo pecuniário, a astreinte (do latim ad-stringere). É uma multa periódica que é destinada a forçar a parte a cumprir a determinação do juiz, que será tratada de forma mais abrangente em capítulo subsequente.10

3.1.4. Do direito italiano

Na Itália vigorava as mesmas diretrizes libertárias e não coercitivas do código de Napoleão. Porém, diferente da França, o instituto das astreintes não tiveram a mesma aceitação na doutrina e na jurisprudência. 11

A doutrina afirmava que os direitos a um fazer infungível ou a um não

fazer merecem tutela meramente declaratória, não suscetível de execução forçada. Entretanto, aos poucos a doutrina foi aceitando a idéia de que deveria haver no ordenamento italiano um sistema geral de medidas coercitivas, visando impedir que o condenado passasse a praticar atos simulados ou fraudulentos, descumprindo assim o preceito condenatório.

A doutrina italiana acabou por rechaçar esta idéia. Talamini (2003 : 60)

enumera como apontados “ora uma pretensa falta de amparo no direito positivo, ora

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                                                            8 TALAMINI, Eduardo, op. cit., p. 48 9 AMARAL, Guilherme Rizzo, op. cit.., p.27. 10 TALAMINI, Eduardo, op. cit., p. 56. 11 AMARAL, Guilherme Rizzo, op. cit., p. 31.

 

 

a tendência de criminalização sub-repitícia dos deveres civis, ora o caráter de generalização indevida de uma solução razoável para poucos casos”.

Desta forma, as tutelas coercitivas existentes no ordenamento italiano

são aquelas expressamente previstas para hipóteses excepcionais, como a multa referente a licenças de marcas, dentre outras. Porém, em situações de urgência, aceita-se que sejam empregados os mecanismos do art. 700 do Codice di Procedura Civile.

3.1.5. Do direito espanhol

O código de Napoleão também surtiu seus efeitos no direito espanhol. A codificação dos métodos coercitivos era lacônica e imprecisa, e, assim como na Itália, as astreintes não figuravam dentre os métodos utilizáveis, sendo inclusive incompatíveis com a Lei Orgânica do Poder Judiciário, que estabelecia que as sentenças deveriam ser executadas em seus exatos termos, só cabendo a conversão em perdas e danos quando a execução tornava-se impossível.

Mas as medidas coercitivas atípicas não eram amplamente aceitas,

ficando limitadas a restritos campos de litígio. A nova Ley de Enjicamiento prevê expressamente medidas coercitivas para imposição dos deveres infungíveis, com imposição de multa mensal pelo descumprimento da ordem.

3.1.6. Do direito português

O código civil de 1983 recebeu o artigo 829-A, que instituiu a “sanção pecuniária compulsória”, uma ferramenta de coerção psicológica, que visa pressionar o devedor a cumprir a determinação judicial através da condenação ao pagamento de uma quantia diária. Essa sanção não se confunde e é cumulável com a indenização. 12

Além desta multa, há também a menção expressa de que aquele que

desobedecer a uma providência cautelar decretada incorre em crime de desobediência qualificada. Para as tutelas relativas a prestação pecuniária existe o mecanismo da incidência de juros anuais, destinadas ao credor e ao Estado, além de juros de mora e indenização.

3.1.7. Do direito argentino

Os métodos coercitivos no ordenamento argentino nasceram inicialmente na doutrina e na jurisprudência, através das astreintes do direito francês. A multa é provisória e tem caráter progressivo, na medida em que perdure a transgressão, assim como ela pode ser reajustada ou deixada sem efeito, mediante desistência da resistência ou justificativa por parte do devedor.

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                                                            12 AMARAL, Guilherme Rizzo, op. cit., p. 32.

 

 

Com a reforma de 1994, a Constituição passou a prever a ação

expedita e rápida de amparo, para os casos em que não exista outro método judicial mais idôneo, contra todo ato ou omissão de autoridades, sejam elas públicas ou particulares, desde que altere, lese, restrinja ou ameace direitos e garantias, desde que de forma arbitrária ou manifestamente ilegal.

Da formulação do amparo, destacam-se os seguintes aspectos: a

generalidade do remédio, cabível tanto contra atos públicos quanto privados e visando garantir direitos tanto constitucionais quanto infraconstitucionais; caráter subsidiário, pois só será empregado quando não houver outro método mais idôneo; mecanismo válido inclusive para tutelar obrigações de fazer e não fazer; tem função tanto opressiva quanto repressiva.13 3.1.8. Código Tipo para a América Latina

No Código Tipo está previsto a possibilidade de cominar, ex officio ou por requerimento, medidas coercitivas patrimoniais. Inclusive o juiz pode decidir ex officio aplicar multa diária destinada a um fundo público em caso de descumprimento.

3.1.9. Do direito comunitário europeu

Na União Européia as medidas coercitivas pecuniárias são amplamente utilizadas, seguindo o molde das astreintes.

A eficácia das sentenças contra descumprimento de disposições

comunitárias pelos Estados membros tem sido reforçada. Embora o Tratado não preveja prazo para que os julgados sejam cumpridos, a jurisprudência se firmou no sentido de que a execução pelo Estado infrator deve ter início imediato e ser cumprida integralmente o mais rapidamente possível. Caso o Estado não implemente as medidas no tempo razoável, um novo processo pode ser instaurado.

O Tratado também prevê o pagamento de uma multa coercitiva por

parte do Estado que descumpre a primeira condenação. Essa multa pode ser aumentada de várias maneiras, visando sempre pressionar o Estado a cumprir a determinação: a partir de uma quantia de €500 por dia, a Comissão considera como fatores de multiplicação a gravidade e a duração da violação, além da necessidade da sanção em intimidar a repetição da violação e anular possíveis vantagens econômicas dela derivadas.

3.1.10. Dos direitos alemão e austríaco

O direito alemão não seguiu a onda de relaxamento das medidas coercitivas nos séculos XVIII e XIX. O Zivilprozessordnung prevê duas medidas coercitivas básicas: a coerção pecuniária (Zwangsgeld) e a prisão coercitiva

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                                                            13 TALAMINI, Eduardo, op. cit., p. 73.

 

 

(Zwangshaft). A aplicação desses meios depende de requerimento da parte. A multa é destinada ao fisco e sua quantia máxima subordina-se a um teto legal. “Cabe ao tribunal, considerando o caso concreto, determinar a espécie de medida aplicável, assim como sua intensidade.”14

Em caso de desobediência reiterada por parte do devedor ou caso a

coerção pecuniária não surta o efeito desejado, a mesma poderá ser convertida em prisão coercitiva. Essa prisão deverá perdurar até o adimplemento da obrigação ou a sua impossibilidade, até um prazo legal máximo.

1). Cada nova violação que vier a ocorrer justifica nova incidência da pena pecuniária (Ordnungsgeld) ou da prisão (Ordnungshaft) – ainda que para esta a lei fixe, além de um limite máximo para cada sanção singularmente considerada (tal como para a multa), um prazo total de incidência. Incumbe ao órgão jurisdicional definir a espécie e a intensidade do meio de coerção a aplicar.15

Essas medidas coercitivas são utilizáveis tanto contra pessoas físicas quanto jurídicas.

O ordenamento alemão sempre fez questão de salientar o caráter

coercitivo e não penal das medidas aplicáveis. Para tanto, substituiu as expressões Geldstrafe (“multa”) e Haft (“prisão”) por Zwangsgeld (“coação pecuniária”) e Zwangshaft (“prisão coercitiva”), para enfatizar o caráter de pressão psicológica dos institutos. Já para as obrigações de não fazer tal modificação não foi tão clara, tendo em vista que Ordnungsgeld e Ordnungshaft continuam tendo o significado de multa e prisão. 16

Neste ordenamento, a utilização de medidas coercitivas é, de certa

forma, equivalente a deveres acessórios internos às obrigações de pagamento de quantia e de entrega de coisa. 17

Muito semelhante aos mecanismos do direito alemão é o direito

austríaco. A principal diferença reside na previsão expressa do aumento progressivo da sanção em virtude da persistência ou repetição da transgressão.

b. Da tradição jurídica anglo-saxã

A tradição jurídica inglesa da common law tem poucos aspectos em

comum com a tradição continental. Um desses aspectos que as duas escolas compartilham semelhanças é o dos métodos de coerção.

3.2.1. Common law e equity

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                                                            14 TALAMINI, Eduardo, op. cit., p. 79 15 TALAMINI, Eduardo, op. cit. p. 79 16 AMARAL, Guilherme Rizzo. op. cit., p. 32. 17 TALAMINI, Eduarto, op. cit., p. 81.

 

 

Na common law existe a concepção de que os instrumentos de proteção à tutela precedem e determinam os direitos. Isso significa que de nada adianta existirem direitos se não existem mecanismos eficientes de realização. 18

O processo da common law era bastante limitado, tendo em vista o

número restrito e taxativo de hipóteses, geralmente ligados à violência que fosse capaz de afetar a paz no reino, além do fato de que a tutela em questão geralmente versar sobre indenizações pecuniárias ou posse de coisa móvel ou imóvel, conduzindo à apreensão sub-rogatória dos bens; e, por último, a incidência de restrições intraprocessuais.

Com tudo isso, surgiu o sistema da equity. A autoridade do rei e de

seus conselheiros foi delegada à corte de chancelaria, composta inicialmente por eclesiásticos e, mais tarde, por juristas. As decisões por eles tomadas eram registradas em “doutrinas de eqüidade”.

Apesar de este novo sistema encontrar certa resistência no início, aos

poucos a equity foi se unindo à common law em uma simbiose, dando ensejo à possibilidade de que uma mesma situação concreta possa dar início à uma proteção cumulada de at law e in equity, para diferentes aspectos; a possibilidade de uma decisão at law ser efetivado in equity; e, por último, da tutela in equity vir a ser substituída por damages at law em casos de fracasso do cumprimento específico.

3.2.2. Dos equitable remedies

Com esta evolução dos mecanismos jurídicos anglo-saxões que se enquadram as injunctions e decrees of specific performance, equitable remedies que são nada além de ferramentas coercitivas. Estas ferramentas estão mais ligadas às equities do que ao common law. Dentre suas principais características, destacam-se:

A subsidiariedade dos equitable remedies, cabíveis apenas quando a

tutela da common law não era adequada. Para tanto, era necessário uma justificativa especial (adequacy test) de que a indenização pecuniária (damages) não remediaria de forma adequada a violação ocorrida. Porém, com o passar do tempo, os equitable remedies passaram a ser implementados sempre que houvesse “ameaça de continuidade da violação ou quando a imposição do cumprimento específico revelar-se mais efetiva do que o ressarcimento.”19

A discricionariedade na concessão dos equitable remedies. Cabe ao

juiz decidir qual medida será adotada, bem como o seu prazo de duração, a sua forma de execução, de comprovação do cumprimento, sua concessão em caráter de urgência, etc. Também cabe ao juiz majorar ou minorar a severidade da medida em casos de boa ou má fé daquele que cometeu a infração.

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                                                            18 AMARAL, Guilherme Rizzo. op. cit., p. 30. 19 TALAMINI, Eduardo, op. cit., p. 87.

 

 

A natureza pessoal dos equitable remedies. Diferente da judgement at law, onde as ferramentas de coerção incidiam apenas sobre o patrimônio do réu, os equitables decrees são ordens diretas ao réu que, se inobservadas, acarretam afronta à autoridade real, sancionada com prisão (contempt of court). Esta sanção acabou evoluindo para uma sanção pecuniária progressiva.

A flexibilidade e adaptabilidade dos equitable remedies. Como referido

anteriormente, o juiz tem poderes para adaptar e moldar os equitable remedies conforme solicita o caso concreto, seja na escolha da medida adotada, seja na forma como essa medida será empregada para coagir o réu ao cumprimento da determinação judicial.20

3.2.3. Do contempt of court

O instituto do contempt of court é uma decisão da corte em que, no contexto de um julgamento, considera um indivíduo como alvo de punição pela corte. É o remédio mais drástico que um juiz possui para impor sanções em um indivíduo por atos que afetam o andamento de um processo.

O caráter in personam desta injunction é assegurada através da

ameaça de contempt of court. Esta ferramenta é utilizada em casos de desatendimento de ordens judiciais, com medidas coercitivas drásticas visando a obediência do sujeito. O contempt of court será analisado com maior profundidade em capítulo subsequente.

3.2.4. Da atuação de institutional e structural decrees

Quando o processo requer a efetivação de condutas ativas ou omissivas de caráter prolongado, o juiz pode nomear um agente encarregado para fiscalizar o destinatário da injunction.

Quando o direito a ser protegido possui certa relevância patrimonial e a

sua satisfação não é alcançada com uma conduta ativa ou omissiva instantânea, uma solução semelhante pode ser implementada. É o que ocorre quando a injunction tem por objeto uma institutional change, “quando a corte ordena a modificação de práticas adotadas no âmbito interno de estruturas institucionais.”21

Mecanismos como esses demonstram que o ordenamento jurídico

processual americano percebe a insuficiência dos mecanismos coercitivos que buscam assegurar uma tutela jurisdicional. Todos os provimentos do common law possuem autoridade para, se desrespeitados, caracterize contempt of court. Porém se percebeu que isso não basta, pois em tais casos a corte não possui meios de sequer saber se a ordem estaria sendo obedecida.

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                                                            20 FULLERTON, James D. Equitable Remedies. Disponível em http://www.fullertonlaw.com/EqutiableLienWebReady.htm Acesso em 21/mar/2007. 21 TALAMINI, Eduardo, op. cit., p. 100.

 

 

3.2. Da tradição luso-brasileira

Até o final do século XIX, o direito luso-brasileiro era fortemente

calcado nas diretrizes do direito comum. Enquanto o preceito cominatório, ligado aos interditos, esteve em vigor, o processo civil brasileiro ficou alheio à tendência de rejeitar o emprego de métodos coercitivos.22

Gradualmente, o caráter interdital dos preceitos cominatórios foi sendo

posto de lado, com a pretensão de se fazer valer o interdito em sua plena eficácia. A partir disto, a antiga tese de que “os direitos pessoais eram passíveis de posse e, assim, tutelados pelos interditos.”23 Com o Regulamento 737 de 1850, passaram a ser aplicadas hipóteses de detenção pessoal, mas ainda sem a idéia de usar tal mecanismo como método de coerção.

Foi com o Código de Processo Civil de 1916, influenciado pelo

napoleônico, que começaram a surgir os primeiros esboços de coerção, como a sub-rogação em terceiro às custas do devedor. Mas ainda assim não havia um mecanismo de pressão psicológica, que apresentasse uma desvantagem maior do que a que o réu teria se cumprisse espontaneamente a determinação.

Com o CPC de 1939, deu-se mais um pequeno passo nesse sentido,

com o artigo 999, que constava que a ordem desobedecida daria ao exequente a alternativa de requerer multa ou perdas e danos. Além deste artigo, outros esboçavam métodos de pressão, como os artigos 1000 a 1005, onde fica explícita a menção de caráter coercitivo e que poderia admitir a cumulação da multa – limitada ao valor das perdas e danos – com perdas e danos. Mas foi com o CPC de 1973 que se viu mecanismos reais de coerção, como a multa diária, ilimitada e cumulável com as perdas e danos.

E o que se percebe nos dias de hoje é que cada vez mais são criados

mecanismos de pressão psicológica, sempre voltados ao cumprimento das determinações e buscando a efetividade da tutela jurisdicional.

 

4. Dos métodos coercitivos de natureza patrimonial

O método coercitivo de natureza patrimonial mais conhecido é aquele onde a ordem expedida pelo juiz acompanha multa pecuniária em caso de descumprimento.

Este tipo de ferramenta ganhou espaço no direito brasileiro com o

advento do artigo 84 §4º do Código de Defesa do Consumidor, bem como dos artigos 461§4º e 461-A do Código de Processo Civil. A multa pecuniária está presente também em outros institutos do direito pátrio, como o direito trabalhista e o Estatuto da Criança e do Adolescente.

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                                                            22 AMARAL, Guilherme Rizzo, op. cit., p. 32. 23 TALAMINI, Eduardo, op. cit., p. 111.

 

 

A multa pecuniária é empregada principalmente nas obrigações de fazer e não fazer e de entrega de coisa. Essa multa tem por finalidade compelir o destinatário ao cumprimento da ordem. Ela não se limita a assegurar o direito a quem solicitou a medida; a multa tem como objetivo anexo assegurar a autoridade das decisões judiciais,24 já que o direito constitucional à sentença e à efetividade jurisdicional, conforme visto no primeiro capítulo, só tem valor se o direito material envolvido no litígio vier a ser alcançado.

Nesse sentido, compreendida a necessidade de tutela – aí entendida como proteção – dos direitos através do processo jurisdicional, é correto pensar que o juiz e o legislador, ao zelarem pela técnica processual adequada à efetividade da prestação jurisdicional, prestam proteção aos direitos e, por conseqüência, ao direito fundamental à tutela jurisdicional efetiva, os quais, não fosse assim, de nada valeriam.25

A jurisprudência tem decidido no sentido de que a multa poderá ser imposta ex officio ou a requerimento da parte.26 O seu valor deve ser mensurado de acordo com o princípio da razoabilidade, porém deverá ser significativamente alto, tendo em vista seu caráter inibitório. O objetivo da multa não é ser paga, mas coagir o destinatário a desistir de seu intento de resistir e cumprir a determinação do juiz. A multa só terá alcançado seu objetivo se for mais vantajoso para o réu cumprir a determinação judicial em detrimento do pagamento da multa.27

Um questionamento pertinente é acerca do limite da multa. Até onde

ela é cabível? Poderá ela se prolongar infinitamente, alcançando valores altos demais, a ponto de perder seu caráter coercitivo?

Barbosa Moreira ensina que a multa deve incidir enquanto a obrigação

permanecer descumprida. Ela não há de ser limitada ao valor da obrigação, pois sua função não é reparatória, mas sim coercitiva, podendo cumulá-la inclusive com perdas e danos. Porém existem casos em que a fluência da multa deve cessar, como por exemplo num caso em que o cumprimento da obrigação se tornou inviável, prolongando infinitamente a valoração da multa, sem considerar a vontade do devedor, tornada irrelevante, tendo em vista a inviabilidade do cumprimento da obrigação, e sem possibilidade do credor conseguir aquilo que almeja.28

É importante apontar que o valor da multa poderá ser alterado mesmo

após a sentença que o estipulou ter transitado em julgado. Isso não afetaria a coisa

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                                                            24 BARINONI, Rodrigo. Efetivação da Sentença Mandamental. Disponível em http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=5732. Acesso em 27/mar/ 2007. 25 MARINONI, Luiz Guilherme. O direito à tutela jurisdicional efetiva na perspectiva da teoria dos direitos fundamentais. Disponível em http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=5281 . Acesso em 13/abr/2007. 26 Superior Tribunal de Justiça: REsp. 196.931-SP, rel. Min. Vicente Leal, DJU 8.3.2000; REsp. 267.446-SP, rel. Min. Felix Fischer, DJU 23.10.2000; REsp. 235.325-SP, rel. Min. José Arnaldo da Fonseca, DJU 26.6.2000; REsp. 201.378-SP; rel. Min. Fernando Gonçalves, DJU 21.6.1999. 27 NERY JÚNIOR, Nelson e NERY, Rosa Maria de Andrade. CPC Comentado e legislação processual civil extravagante em vigor, p. 911. 28 MOREIRA, Barbosa, Tendências em matéria de execução de sentenças e ordens judiciais, RePro 41/164.

 

 

julgada, tendo em vista que esta só eterniza as decisões judiciais limitadas aos fatos tomados por base, impondo-se rebus sic stantibus.29

Outra situação que pode vir a suceder é a de que o valor acumulado da

multa, mesmo após a medida ter cessado, ser excessivo. Neste caso, o juiz pode reduzir o débito existente por conta do inadimplemento do réu.

(...)se a multa já assumiu valor despropositado, e assim não se constitui mais em meio de pressão sobre a vontade do réu, não há razão para não admitir a redução do seu valor, tornando-o compatível com a situação concreta posta em juízo. (...)Reduzindo-se o valor da multa que se tornou despropositado, e dando-se ao inadimplente nova oportunidade de adimplir a sua obrigação, reafirma-se a função da multa, que é a de compelir o demandado a adimplir, e não a de retirar patrimônio do demandado para – o que é pior – permitir o enriquecimento sem qualquer justificativa do autor.30

A multa, se em excesso, pode ser reduzida, inclusive deixar de existir. Mas no período em que já incidiu não cabe mudança, não importando o quão alto se tornou o valor cobrável até então. Do contrário seria cômodo ao réu simplesmente aguardar que o valor da multa já incidida fosse revisto e, consequentemente, reduzido.

4.1. Das astreintes

O instituto coercitivo francês foi implementado no ordenamento pátrio de forma clara e definitiva com a alteração do CPC que incluiu os artigos 461§4º e 461-a, possibilitando de aplicar, independentemente do pedido do autor, as astreintes, tanto em sentença quanto em tutela antecipada.

Liebman conceituou o instituto da seguinte forma:

Chama-se ‘astreinte’ a condenação pecuniária proferida em razão de tanto por dia de atraso (ou por qualquer unidade de tempo, conforme as circunstâncias), destinada a obter do devedor o cumprimento de obrigação de fazer pela ameaça de uma pena suscetível de aumentar indefinidamente.31

Conforme já referido neste texto, as astreintes possuem caráter de medida coercitiva, “destinada a pressionar o devedor para cumprir decisão judicial, e não a reparar os prejuízos do descumprimento da mesma.”32

Não só caráter de coerção da multa está ainda mais explícito no §2º do

artigo 461, que dispõe que a indenização por perdas e danos ocorrerá sem prejuízo

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                                                            29 DINAMARCO, Cândido Rangel, A reforma do Código de Processo Civil, p. 243. 30 MARINONI, Luiz Guilherme, Tutela específica: (arts. 461, CPC e 84, CDC), p. 113. 31 LIEBMAN, Enrico Tulio, Processo de Execução, p. 337/338. 32 AMARAL, Guilherme Rizzo, op. cit., p. 61.

 

 

da multa, mas ele também elimina totalmente a possibilidade de se auferir ao instituto um caráter ressarcitório.

Outro aspecto importante das astreintes é o seu caráter acessório, de

uma técnica destinada ao alcance de determinado fim, que só é cabível enquanto este fim ainda é almejado e possível. Desta forma, pode-se concluir que a natureza da multa é processual e não um atributo da obrigação, mas sim um ato da autoridade da justiça.33 A sua existência depende da manutenção da decisão principal e sua incidência fica vinculada à possibilidade de ser cumprida a obrigação declarada.

O objetivo principal das astreintes é a pressão psicológica sobre o

obrigado, visando o cumprimento da obrigação específica, que foi determinada pelo juiz, visando evitar a perda de seus bens particulares.

Se a multa não atinge os seus escopos, não levando o demandado a adimplir a ordem do juiz, converte-se automaticamente em desvantagem patrimonial que recai sobre o réu inadimplente. Neste momento, é certo, acaba por assumir a mera feição de sanção pecuniária; entretanto, tal feição, assumida pela multa justamente quando ela não cumpre os seus objetivos, é acidental em relação à sua verdadeira função e natureza.34

É importante frisar que as astreintes não buscam punir o réu por conta do atraso no cumprimento da obrigação, mas sim desistimulá-lo ao descumprimento da ordem judicial. Portanto, caso seja impossível a obrigação se ver cumprida no prazo determinado, não é caso de diminuição do valor da mesma, mas sim postergar a sua incidência, seguindo sempre o princípio da razoabilidade, neste caso aplicável ao prazo.35

4.2. Da incidência da multa

Para a correta utilização do instituto, é importante definir o termo inicial e final da contagem da multa. Se calculada de forma imprecisa, poderão ocorrer consequências que variam desde a perda de um dia de multa até a total inaplicabilidade da ferramenta num caso em que ela seja essencial.

A multa começa a incidir apenas após o prazo estabelecido pelo juiz

para que a obrigação seja cumprida.36 O processualista Popp37 aponta, errôneamente, que o ponto inicial para a incidência da multa seria no dia seguinte ao fim do prazo estipulado para o cumprimento.

Porém o autor não leva em consideração casos concretos em que

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                                                            33 AMARAL, Guilherme Rizzo, op. cit., p. 66. 34 MARINONI, Luiz Guilherme, Tutela Específica: arts. 461, CPC e 84, CDC, p. 106. 35 AMARAL, Guilherme Rizzo, op. cit., p. 132 36 WAMBIER, Luiz Rodrigues e outros, Curso Avançado de Processo Civil, p. 280. 37 Op. cit., p. 128.

 

 

a prestação jurisdicional só é eficaz se imediatamente atuada, revelando a experiência forense que algumas horas são suficientes para torná-la desprovida de qualquer utilidade prática.38

Assim, podemos apontar como o momento incidente da multa o momento seguinte ao descumprimento da ordem proferida judicialmente.

Tão importante quanto precisar o momento em que inicia a incidência

da multa é determinar o momento exato de seu cessamento. Não há de se falar que a multa cessa assim que o autor optar por meios sub-rogatórios para fazer valer a determinação judicial, tampouco se a obrigação for convertida em perdas e danos, tendo em vista que estes dois institutos podem ser empregados cumulativamente com as astreintes, como bem ensina Talamini:

Os mecanismos sub-rogatórios e coercitivos, portanto, poderão até ser utilizados simultaneamente. Em face da absoluta preferência prelo resultado específico, a conjugação de ambos, sempre que viável, é uma imposição. Não se descarta que, além da ordem para que o réu cumpra acompanhada da cominação de multa ou medida de coerção atípica, o provimento desde logo determine a atuação de instrumentos que atinjam o ‘resultado prático equivalente’, prescindindo da colaboração do demandado – com a óbvia ressalva que o meio coercitivo deixará de incidir, uma vez produzido o ‘resultado prático equivalente’, ou quando o procedimento para sua produção estiver em tal estágio que já não se revele proporcional o cumprimento específico (...).39

Se as medidas coercitivas forem adotadas cumulativamente com as sub-rogatórias, as astreintes irão incidir enquanto não for obtida a tutela específica almejada ou seu resultado prático equivalente.

Se o autor optasse exclusivamente pelos métodos sub-rogatórios,

como a realização da obrigação por terceiro às custas do réu, a multa não é mais cabível, tendo em vista que nada mais se espera do réu, pois a pretensão do autor foi alcançada.

Da mesma forma, convertendo a obrigação em perdas e danos, a

multa também não é mais cabível, já que essa conversão representa a desistência do autor em buscar o cumprimento da decisão judicial relativa a uma obrigação, mas sim em buscar uma obrigação pecuniária. Além disso, a própria forma da execução das perdas e danos torna inviável a aplicação das astreintes.

4.3. Das variações da periodicidade e do valor da multa

Apesar do padrão ser o “dia” na aplicação da multa, nada impede de outras unidades de tempo sejam empregadas com esta ferramenta. Inicialmente, em

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                                                            38 SPADONI Joaquim Felipe, A Multa Na Atuação Das Ordens Judiciais, in Processo de Execução. Sérgio Shimura et. al., p. 493. 39 TALAMINI, Eduardo, op. cit., p. 280.

 

 

todos os dispositivos que tratavam sobre as astreintes se referiam a ela como “multa diária”, sem ter nenhuma disposição que utilizasse outra medida de tempo. Porém esta noção de “dia” acabou por algemar um instituto tão flexível, já que em alguns casos a unidade “dia” não teria capacidade para dar à multa o caráter coercitivo necessário.40

Assim, o §5º do artigo 461 acabou por inserir a previsão de multa por

tempo de atraso, dando liberdade para que o magistrado fixe a unidade de tempo que seja a ideal para o caso concreto.

Da mesma forma, não resta dúvidas que o magistrado pode, no curso

do processo, alterar o valor da multa, bem como sua periodicidade. Porém, é importante frisar que toda a alteração, tanto na periodicidade quanto no valor da multa, possui efeito ex nunc, pois, do contrário, a multa passaria a ter um caráter punitivo, o que descaracteriza o instituto das astreintes.

Ao determinar a majoração ou minoração da multa, o juiz deverá

atentar à conduta do réu. Por exemplo: o cumprimento parcial da obrigação seria um motivo para minorar o valor da multa, assim como a resistência do réu ao obedecimento da ordem judicial ensejaria uma majoração desse valor.41

4.3.1. Da determinação do quantum

Considerando ser a multa uma forma de se ameaçar o patrimônio do réu, são necessárias regras para determinar tal montante. Embora não exista uma determinação legal para apontar o valor da multa, não pode o juiz simplesmente agir com discricionariedade, pois existem critérios abstratos para tal42. O valor da multa deverá ser estipulado tendo em vista o patrimônio do réu e o tamanho da provável resistência.

Analisando o volume do patrimônio do réu, teremos a medida da sua

capacidade de resistência. Porém, não basta analisar a capacidade de resistir, mas também o interesse. A partir do exame destes dois parâmetros é que teremos capacidade de estipular um montante que venha a coagir o réu a obedecer a ordem judicial.

Como bem ensina Guilherme Rizzo Amaral, um réu de patrimônio

reduzido pode vir a auferir uma vantagem patrimonial volumosa através da prática reiterada de uma conduta proibida, restando insuficiente a exclusividade da análise do patrimônio do réu para auferir o quantum da multa.

No mesmo sentido, um réu de patrimônio abundante ao receber um

mandado judicial com uma obrigação de pequeno valor e interesse, acabe

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                                                            40 AMARAL, Guilherme Rizzo, op. cit., p. 121. 41 TALAMINI, Eduardo, op. cit., p. 249. 42 TALAMINI, Eduardo, op. cit., p. 248-249.

 

 

dispensando uma ameaça desproporcional ao seu patrimônio para sentir-se coagido ao cumprimento do mandado.43

Esta adequação da multa ao patrimônio do réu tem, inclusive, previsão

legal, pois dita o §4º do artigo 461 que a multa será fixada se for “suficiente ou compatível com a obrigação”, ou seja, suficiente para pressionar o réu a obedecer a ordem judicial e compatível com a obrigação que se quer ver cumprida.

Mas seria também necessário estipular um teto para o montante? Até

onde podem acumular as astreintes? Este questionamento foi muito bem respondido por Humberto Theodoro

Júnior, ao ensinar que “enquanto for viável obter-se a prestação in natura, continuará cabível a multa, ainda que ultrapasse o valor da dívida, porque a astreinte não é meio de satisfação da obrigação, mas simples meio de pressão.”44

Na mesma linha, Marinoni aponta que

não há razão para não admitir que a própria multa contratual, em determinados casos, possa superar o valor da prestação, e desse modo ser estabelecida como função coercitiva. O contrário, isto é, supor que a multa contratual deva sempre ficar limitada ao valor da prestação, significaria continuar prestando atenção às doutrinas que inspiraram o Code Napoleón.45

Se o valor da multa fosse limitado ao valor da prestação, seria muito cômodo ao demandado, pois este sempre teria a opção de se desobrigar simplesmente pela devolução do valor pago pela prestação.46

Assim, pode-se concluir que, tendo em vista a natureza coercitiva

das astreintes, as mesmas não podem sofrer limitações em sua incidência, sob pena de se tornarem ineficazes como método de coerção para se obter uma tutela específica.

4.4. Da titularidade do crédito advindo das astreintes

Um dos pontos mais polêmicos relativo às astreintes é quem seria o titular do crédito proveniente da multa? Seria o autor ou o Estado? Embora não haja previsão legal sobre quem seria o titular, a doutrina e a jurisprudência apontam no sentido de ser a parte contrária a detentora.

Esta tese, apesar de ideal, é imperfeita, pois a titularidade do autor

acabaria por implicar no seu enriquecimento ilícito, ainda mais frente ao ensinamento de Assis:

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                                                            43 AMARAL, Guilherme Rizzo, op. cit., p. 137. 44 THEODORO JÚNIOR, Humberto, Tutela Específica das Obrigações de Fazer e não Fazer, p. 27. 45 MARINONI, Luiz Guilherme, Técnica Processual e Tutela dos Direitos, p. 395. 46 MARINONI, Luiz Guilherme, op. cit., p. 395.

 

 

“O valor da astreinte, caracterizado pelo pelo exagero no algarismo, há de ser fixado de molde a induzir o executado ao cumprimento, em quantia capaz de constrangê-lo. (...) Nenhum outro critério substitui o do puro casuísmo. O juiz considerará as condições econômicas do devedor (art. 52 da Lei 9.099/95) – quanto mais rico, maior o valor – e a grandeza da sua provável resistência.”47

A idéia acima, somada à orientação dos tribunais de que a multa não deve servir como meio de enriquecimento do credor, acaba por colocar esta tese em um beco sem saída.

Talamini demonstra ser correta esta idéia, ao ditar que o fato da parte

contrária ser o destinatário da multa aumenta o caráter coercitivo da mesma, tendo em vista que, desta forma, a multa será rapidamente executada, bem como a utilização deste crédito em uma eventual composição com o réu.48

Porém, dentre todos os defensores desta idéia, nenhum conseguiu

afastar o argumento do enriquecimento injusto por parte do autor quando do recebimento dos valores da multa.

De outra banda, existe uma forte corrente contrária, dizendo ser o

Estado o detentor da titularidade, dentre eles Spadoni, que afirma que

Ao se reconhecer na imposição da multa cominatória uma medida de direito público, de caráter processual, destinada a assegurar a efetividade das ordens judiciais e a autoridade dos órgãos judicantes, não se consegue vislumbrar qualquer fundamento lógico jurídico que justifique ter a parte contrária ter direito a receber a importância decorrente da aplicação da multa. Mais coerente seria que o produto da multa fosse revertido ao Estado, em razão da natureza da obrigação violada.49

Somando-se a isso, vem também a concepção da multa não possuir caráter ressarcitório, mas sim coercitivo, de pressão psicológica para que o réu venha a atender a ordem do juiz.

Mas esta tese também apresenta falhas, como o fato da iniciativa da

execução recair sobre o Estado, lento e burocrático, além do fato de que a multa não viria a ser executada nos casos em que o Estado fosse o penalizado com este instituto, já que ele seria, ao mesmo tempo, o obrigado e o beneficiário.

Com isso, nota-se que não há alternativa perfeita para a solução desta

polêmica, já que, ao retirar do autor o crédito se retiraria da multa a sua eficácia e, ao manter o crédito para o autor, estaria sendo permitido o enriquecimento injusto em alguns casos.  

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                                                            47 DE ASSIS, Araken, Execução Civil nos Juizados Especiais, p. 84. 48 TALAMINI, Eduardo, op. cit., p. 258. 49 Op. cit., p. 504.

 

 

5. Dos métodos coercitivos de natureza pessoal

No ordenamento jurídico brasileiro, as medidas coercitivas pessoais, tais como a prisão do infrator, têm sido empregadas apenas em hipóteses específicas. Talvez a mais famosa de todas seja a prisão civil do devedor de alimentos, prevista no artigo 733 do CPC. Esta prisão não possui caráter penal, mas sim de pressão psicológica, para forçar o devedor a pagar aquilo que fora obrigado.

A partir deste instrumento, vem se analisando a possibilidade de

ampliação do instituto, abrindo o leque de casos de desobediência de ordens judiciais puníveis com a prisão. Os países que adotam o regime da common law empregam como mecanismo de coerção o contempt of court, que prevê sanções como prisão e multa para aqueles que desrespeitarem as ordens judiciais.

Porém no ordenamento brasileiro tal medida é polêmica, tendo em

vista a vedação constitucional prevista no artigo 153§17, que dispõe ser vedada a prisão civil por dívida, a não ser nos casos de devedor de alimentos e de depositário infiel. Algumas vozes doutrinárias se ergueram no sentido de que a Constituição Federal vedaria apenas a prisão por dívida, não por desobediência de ordem judicial.

Analisando as exceções, podemos verificar que apenas a do devedor

de alimentos trata de dívida pecuniária. O depositário infiel violou uma obrigação, uma determinação judicial, colocando por terra tal argumento.50 Além disto, como bem aponta Talamini, o Brasil é signatário do Pacto de São José da Costa Rica, que proíbe qualquer tipo de prisão civil, a não ser nos casos excepcionais apontados por nossa Constituição.

Diante desta vedação constitucional, faz-se mister analisar quais os

métodos coercitivos pessoais podem ser aplicados no ordenamento pátrio, bem como as formas de se aplicar os mecanismos do contempt of court sem ferir a nossa Carta Magna.

5.1. Do contempt of court

O contempt of court é o principal mecanismo de coerção nos países que adotam o common law. Ele consiste em métodos de coagir à cooperação, ainda que indireta, aplicando sanções às pessoas envolvidas no processo. Sendo um dos mais antigos procedimentos judiciais, o contempt of court envolve o poder do juiz de proteger a dignidade de sua corte ou de punir a desobediência a suas ordens.51

Embora carente de uma tradução direta ideal, o instituto do contempt of

court pode ser conceituado como desobediência proposital ou afronta direta a uma

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                                                            50 SHIMURA, Sérgio, op. cit., p. 674. 51 MURPHY, Walter, Courts, Judges and Politics. An Introduction to the Judicial Process. p. 196., apud WEBER, Márcia Regina Lusa Cadore, Da repressão a ato atentatório ao exercício da jurisdição, disponível em http://www.tex.pro.br/wwwroot/02de2005/darepressao_marciareginalusacadoreweber.htm , acesso em 28/mar/2007.

 

 

ordem judicial. Mesmo nos países onde é aplicado, esta ferramenta é alvo de duras críticas, sobretudo pelo fato da imparcialidade do juiz para avaliar e julgar o desacato realizado contra sua ordem ou conduta que o atinja de forma pessoal, acumulando os papéis de juiz, testemunha e vítima.52

5.1.1. Do contempt of court criminal e civil

O contempt criminal é cometido contra a autoridade ou a dignidade do tribunal, envolvendo também seus funcionários. É o aumento da morosidade do processo, através de atos que obstaculem ou obstruam o seu andamento ideal. A ofensa pode ser realizada de forma indireta, através de publicações na imprensa ou veiculações em rádio ou televisão.

O contempt criminal é o termo genérico de proibição de grande

variedade de condutas que obstruem ou tendem a obstaculizar ou interferir na administração da justiça.

Sua sanção é única, ao mesmo tempo punindo o autor da ofensa e

dissuadindo de praticar outras no mesmo sentido. Esta sanção pode ser tanto a prisão do sujeito, bem como multa, de quantia e duração ilimitada, sujeita à discricionariedade do juiz. Na eventualidade da sanção escolhida ser a multa, esta é revertida em favor do Estado.

É interessante observar os diferentes procedimentos dos diferentes

países da common law ao tratar desta sanção. Os Estados Unidos, nos processos que envolvem a prisão do ofensor, um novo processo é iniciado, inclusive com a presença de júri, com a ampla observação das normas constitucionais de due process of law. Já na Inglaterra isso já não ocorre. O juiz simplesmente considera que a corte foi ofendida e impõe a sanção sobre o ofensor.53

O contempt criminal se divide em duas categorias: a primeira categoria

consiste no ato de publicar matérias, cartas, programas de televisão e rádio com tendência a interferir no curso da justiça. A segunda categoria é residual, abrangendo as demais formas de contempt criminal.

O contempt civil é aquele realizado contra a parte, visando frustrar ou

impedir o direito alheio. Mas, apesar da ofensa acabar por atingir o direito de outrem, ela é realizada contra a disposição do juiz. O ofendido é parte legítima para requerer a imposição da sanção, mas nada impede que o juiz a imponha ex officio.54

Diferentemente do contempt criminal, caso a sanção aplicada seja a

multa, o valor dela é revertido em favor da parte prejudicada pela atitude desrespeitosa.

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                                                            52 BARINONI, Rodrigo, Efetivação da Sentença Mandamental. Disponível em http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=5732 , acesso em 28/mar/2007. 53 DE ASSIS, Araken, O Contempt of Court no Direito Brasileiro. Disponível em http://www.abdpc.org.br/artigos/artigo6.htm , acesso em 28/mar/2007. 54 BARINONI, Rodrigo, op. cit.

 

 

Note-se que o procedimento do contempt of court não é civil nem

penal, tratando-se de um procedimento sui generis. O contempt criminal deve ser punido sumariamente.

Esta dificuldade em classificar o contempt of court reside no fato de

que originalmente só havia um contempt, o de caráter criminal. Aquilo que se conhece por contempt civil era classificado como “quase contempt” ou contempt em teoria. 55

Para configurar o contempt criminal não é necessário o

descumprimento de nenhuma lei, bastando desacatar ordens emanadas do judiciário. Para diversas cortes dos Estados Unidos o ato ou omissão em relação à ordem judicial já é o suficiente para caracterizar o contempt, não aceitando como defesa sequer a alegação de boa-fé da parte que acreditava que determinado ato não implicava ofensa ao judiciário.

É importante frisar que, por ser uma ferramenta de ampla abrangência,

nada impede que uma mesma ação acabe por ensejar uma penalidade tanto civil quanto criminal,56 já que a maioria dos casos de contempt of court se enquadram em ambas classificações. Isso foi reconhecido pela doutrina americana e foi de fácil aceitação, tendo em vista que qualquer tipo de ato que prejudique a parte (contempt civil), a ordem de cumprimento ou abstenção de algum ato provém do judiciário. Este desacato que lesou a parte contrária, antes de tudo, ofende o próprio judiciário, pois foi ele quem emitiu a ordem descumprida (contempt criminal).57

Parte da doutrina vem sugerindo abolir esta distinção, buscando obter

um tratamento uniforme, baseando-se no procedimento do contempt criminal.

5.1.2. Do contempt direto e indireto

Também chamado de in facie curiae, o contempt direto é aquele que se dá na presença do tribunal. Como bem citados por Assis, podem servir como exemplos para tal conduta o falso testemunho, a reiteração de perguntas já proibidas, a recusa a responder uma pergunta já autorizada pelo juiz, dentre outros.58

O contempt indireto é aquele realizado fora do espaço físico do

tribunal. Neste tipo de violação é considerado todo o desrespeito tácito abrangendo praticamente todas as condutas possíveis, tais como os realizados por publicações e que de forma alguma podem ser classificados como diretos. A este grupo somam-se também os contempt realizados contra a administração da justiça, mas longe da corte ou quando esta não se encontra em sessão.

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                                                            55 GOLDFARB, Ronald, The Contempt of Court, apud DA MOTTA, Cristina Reindolff, Desacato A Ordem Judicial – Contempt of Court, p. 59. 56 TALAMINI, Eduardo, op. cit., p. 97. 57 MOTTA, Cristina, op. cit., p. 62. 58 DE ASSIS, Araken, op. cit.

 

 

Alguns exemplos comuns de contempt indireto são: comunicação imprópria com ou entre jurados, deixar de apresentar uma prova em juízo, etc. Mas alguns questionamentos ocorrem neste caso: como pode o tribunal ou juiz ser obstruído sem que nem mesmo estes tomem conhecimento de tal obstrução?

5.1.3. Das sanções aplicáveis

O contempt of court apresenta duas sanções principais: a prisão e a multa. Ambas possuem o mesmo objetivo de não punir o sujeito, mas compeli-lo a obedecer à ordem da corte.

A pena de multa se subdivide em duas espécies, ambas sujeitas à discricionariedade do juiz, que as definirá de acordo com o tamanho da ofensa. A multa condicional possui um forte caráter coercitivo, já que, como o próprio nome diz, é condicionada a uma ação ou omissão por parte do ofendido. Já a multa definitiva não possui este caráter, já que ela visa repreender o sujeito, para que este não venha a repetir a ofensa em momento futuro.

Na mesma linha coercitiva está a prisão. É dito que o sujeito preso in

contempt of court possui as chaves da cadeia em seu bolso, pois ele será solto assim que se comprometer a agir conforme o determinado pelo magistrado.

5.1.4. Do contempt of court no Brasil

No ordenamento jurídico nacional, a idéia de coerção psicológica vem sendo aceita e legislada, aos poucos se vendo constar em nosso corpus jurídico. A liberdade que o juiz possui de determinar qual medida deverá ser aplicada para compelir alguém a alguma coisa é muito mais restrita que a do direito anglo-saxão.

O meio coercitivo estimula o cumprimento da obrigação, já que atinge diretamente o patrimônio ou a própria pessoa do devedor. A doutrina reconhece a supremacia do interesse do credor na própria prestação do fato ou na abstenção do ato, isto é, uma vez que a satisfação da obrigação depende, em princípio, da vontade do obrigado. O legislador busca meios capazes de influenciar a vontade do obrigado.59

As possibilidades de coerção previstas no ordenamento pátrio atingem

apenas autor e réu, sem alcance contra terceiros. Isto ocorre pois no direito anglo-saxão o contempt serve para repelir o disregard, o descumprimento de uma ordem judicial, vista como uma afronta a todo o poder judiciário. Enquanto no Brasil, tanto a multa quanto a prisão não possuem este escopo, se limitando a obrigar o devedor ao cumprimento da obrigação.

O artigo 600 do CPC esboça um contempt of court, porém é

extremamente limitado, visto que tratam-se de numerus clausus, nem se comparando à vasta amplitude que este mecanismo possui no direito anglo-saxão.

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                                                            59 MOTTA, Cristina, op. cit., p. 115.

 

 

Defende-se no Brasil a implementação do contempt of court como

desacato a ordem judicial, com punição sumária, da mesma forma que nos países do common law. Caberá, portanto, ao juiz ou tribunal ofendido definir o que vem a ser um ato atentatório, impeditivo, desrespeitoso ou de desobediência.

Tomando-se por base o contempt, podemos perceber no Brasil a

existência de um instituto semelhante, porém de aplicabilidade mais restrita, que seria o poder geral de cautela, previsto no artigo 798 do CPC, que faculta ao julgador valer-se dos meios necessários para evitar danos que um ato pode vir a causar.

Com isto percebe-se que, mesmo sem previsão legal no Brasil, não se

pode deixar de pensar em formas de tornar mais efetiva a prestação jurisdicional, dando poderes reais ao julgador para compelir a parte a cumprir aquilo que lhe é determinado.

6. Das outras formas de coerção

Após a análise das duas principais formas de coerção e suas ferramentas, faz-se mister breves observações acerca das outras formas de coerção, bem como sugestões de métodos alternativos de pressão visando a efetividade da prestação jurisdicional.

6.1. Das sanções penais

Além da multa coercitiva e da prisão civil, o sujeito que não cumprir a determinação judicial também poderá ser alvo de sanções penais. Diferente das outras sanções, que visavam coagir o sujeito a cumprir a ordem, as sanções penais visam puni-lo por tal descumprimento.

Mesmo tendo caráter punitivo, estas sanções possuem também um

caráter coercitivo indireto, pois a ameaça de sofrer tal sanção serve como mecanismo de pressão psicológica sobre aquele que descumpre o mandado judicial.

Existe a tipificação penal de crime de desobediência a funcionário

público. Para que este dispositivo venha a ser aplicado, considera-se o juiz como funcionário público e do descumprimento de sua ordem seria crime a ser punido conforme a lei.60

Entretanto não são todos os dispositivos proferidos pelo juiz que

ensejariam tal sanção. Apenas aqueles que contêm uma ordem é que podem ensejar uma desobediência. Assim, dispositivos declaratórios, constitutivos, condenatórios e executivos latu sensu não impõem tal conduta, pois prescindem de

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                                                            60 BARINONI, Rodrigo, op. cit.

 

 

ação do réu. Apenas os dispositivos mandamentais ensejariam punição por desobediência.61

Nos casos da ordem desobedecida tenha sido proferida contra uma

pessoa jurídica de direito privado, o agente responsável é a pessoa física a quem o mandado havia sido dirigido. É irrelevante falar no representante como sendo terceiro no processo, pois a sanção por desobediência é alheia ao processo em curso, além de que sempre se reconheceu que crimes de desobediência podem ser praticados por terceiros.62

Já contra pessoas jurídicas de direito público não é possível aplicar tal

sanção, pois o funcionário público não pratica esta espécie de crime. O cerne do problema reside na necessidade da busca pela satisfação de interesse e sentimento pessoal por parte do funcionário para que o crime de prevaricação seja configurado. Desta forma, todos os crimes de desobediência praticados pela Administração Pública sem que se configure um dos requisitos acima, não se enquadraria como prevaricação, tornando-a praticamente imune a sanções penais por desobediência de ordem judicial.

Segundo Talamini, se a ordem judicial for descumprida em virtude de

determinação do superior hierárquico, o funcionário público praticaria o crime de desobediência ou prevaricação, pois o artigo 22 do Código Penal subtrai a responsabilidade apenas quando a ordem do superior hierárquico não é manifestamente ilegal. No tocante ao mandado judicial, seria manifestamente ilegal não cumpri-lo, devendo assim, ser cumprido pelo funcionário.63

Se a desobediência for percebida em flagrante delito, pode o juiz que

preside o processo expedir o mandado de prisão para o sujeito. Do contrário, tal mandado somente poderá ser expedido pelo juiz que presidir o processo criminal subseqüente.

6.2. Das sanções meramente processuais

Este tipo de ferramenta caracteriza-se pela restrição a direitos e faculdades que a parte teria no curso do processo. Obviamente este mecanismo só pode ser aplicado às partes, tendo em vista que é impossível restringir a prática de atos dentro do processo a quem não figura no mesmo, tampouco não teria resultado útil algum se aplicado aos auxiliares da justiça.

Tendo em vista os direitos constitucionais de acesso à justiça, devido

processo legal e ampla defesa, os casos em que esta ferramenta pode ser aplicada são restritos. Apenas em casos extremos e diante da indispensabilidade de tal aplicação é que estes mecanismos devem ser empregados pelo juiz.

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                                                            61 TALAMINI, Eduardo, Ainda Sobre A Prisão Como "Execução Indireta": A Criminalização Da Desobediência A Ordens Judiciais, apud Sérgio Shimura, op. cit. 62 TALAMINI, Eduardo, op. cit. 63 TALAMINI, Eduardo, op. cit.

 

 

Por causa da preocupação em observar tais princípios é que se retirou do Código de Processo Civil o artigo 601, que dispunha que, se o devedor, advertido, insistir na prática de atos atentatórios à dignidade da justiça, poderia o juiz proibi-lo de falar nos autos do processo. Ao precluir o prazo para recurso, o devedor não poderia se manifestar até que lhe seja revelada sua pena.

Esta ferramenta era demasiadamente prejudicial e violava

flagrantemente o direito à ampla defesa. Com isto em mente se criou o dispositivo previsto no artigo 879 do CPC, que dispõe "A sentença que julgar procedente a ação, ordenará o restabelecimento do estado anterior, a suspensão da causa principal e a proibição de o réu falar nos autos até a purgação do atentado". Esta norma é bem mais simples, porém com a mesma carga de eficácia. É proferida a ordem mandamental e o réu só poderá se manifestar nos autos após ter sido cumprido o mandamento.64

6.3. Das sanções políticas

A intervenção estadual e federal está prevista no artigo 34 Constituição Federal, e dispõe que a União Federal não irá intervir nos Estados-membros e no Distrito Federal, a não ser quando haja a necessidade de "prover a execução de lei federal, ordem ou decisão judicial". Seguindo o mesmo raciocínio, o artigo seguinte dispõe que o Estado não irá intervir nas decisões dos Municípios, a não ser nos casos em que o “Tribunal de Justiça der provimento a representação para assegurar a observância de princípios indicados na Constituição Estadual, ou para prover a execução de lei, de ordem ou de decisão judicial".

Este tipo de intervenção é uma ferramenta de coerção aos Estados-

membros e Municípios para que obedeçam aos mandados judiciais. Nos dias de hoje, verifica-se uma larga quantidade de pedidos de intervenções, especialmente em virtude da falta de pagamento de precatórios judiciais.

Em tese este mecanismo é extremamente eficaz, pois visa que os

entes da federação descumpram as ordens proferidas judicialmente. Porém tem-se percebido que a ferramenta não possui utilidade, tendo em vista as implicações políticas que a envolve. Desta forma, o Supremo Tribunal Federal, órgão responsável pelo julgamento destes pedidos, acaba por evitar sempre que possível decretar tal medida.

6.4. Da técnica diferenciada e dos métodos alternativos de coerção

A partir do amadurecimento da idéia de efetividade do direito tutelado, novas formas de tutela vêm sendo criadas no nosso ordenamento. A busca do melhor resultado é feita a partir da adequação de procedimentos ligada à idéia de efetividade, observando sempre os direitos e garantias fundamentais previstos na CF.

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                                                            64 BARINONI, Rodrigo, op. cit.

 

 

A tutela jurisdicional diferenciada é evidenciada pela questão da

adaptabilidade da prestação jurisdicional e de seus instrumentos que propiciam a finalidade desta tutela. Tendo em vista a miríade de objetivos que a tutela visa abraçar, não há porque restringir as formas de se buscar a efetividade desta tutela.65 Para buscar uma melhor efetividade, deve-se vincular o “tipo de prestação à sua finalidade específica”.66 Como ensina Carpena:

A forma de execução imediata com cumulação de meios coercitivos nada mais é do que prova bastante disso, contra a qual ninguém que preze pelo resultado prático do processo pode ser contrário, já que não há, pois, em situações em que a medida deve ser satisfeita com a maior brevidade possível, como se sustentar que a forma de execução da decisão deva obedecer ao modelo sub-rogatório.67

Para tanto, deve-se autorizar a emissão de ordem de cumprimento do mandado cumulado com ferramentas de coerção, sempre que necessário exercer sobre o devedor pressão psicológica superior à multa de 10% prevista no artigo 475-J do CPC.

Examinando o diploma processual, especialmente no tocante às

decisões de pagar, que muitas vezes têm-se métodos coercitivos mais fortes para decisões de antecipação de tutela do que para a decisão final em si. De um lado temos, nas decisões antecipatórias, o juiz podendo aplicar uma multa diária para forçar o réu a cumprir a determinação de maneira célere. É incoerente que, do outro lado, no tocante às decisões finais, nos restrinjamos à multa de 10% sobre o valor da causa.68

Esta visão se mostra ainda mais urgente sob o prisma do direito

fundamental à tutela jurisdicional executiva efetiva e adequada, o que dá ao juiz a possibilidade de adotar os meios executivos que julgar mais adequados para coagir o devedor a cumprir de forma célere e plena a sua determinação.

O artigo 273 do CPC não deve ter seu escopo limitado aos provimentos

cautelares, mas sim ampliado para todas as situações em que seja evidente a necessidade de uma satisfação efetiva a um direito que seja, no mínimo, verossímil.

Como aponta Carpena, para empregar tal ferramenta no escopo

executório, os mesmos requisitos devem ser observados. O requisito principal, da verossimilhança, já se encontra superado, tendo em vista a existência da sentença. O requisito do receio de dano irreparável ou de difícil reparação encontra-se na questão temporal, com o prejuízo ocorrendo a partir da morosidade do procedimento executório tradicional. Por fim, o abuso do direito de defesa é observado nos casos em que o devedor emprega meios protelatórios para retardar a efetivação do mandado.69

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                                                            65 CARPENA, Márcio, Da Execução Das Decisões De Pagar Quantia Pela Técnica Diferenciada. 66 ARMELIN, Donaldo, Tutela Jurisdicional Diferenciada, apud CARPENA, Márcio, op. cit. 67 CARPENA, Márcio, op. cit. 68 CARPENA, Márcio, op. cit. 69 CARPENA, Márcio, op. cit.

 

 

Com a observação destes requisitos, pode o juiz empregar os métodos

coercitivos constantes no artigo 461 §§4º e 5º do CPC, porém não necessita manter-se restrito a estes.

A multa diária é o meio coercitivo mais comum a ser aplicado nestes

casos, porém isto não impede que seja aplicado cumulativamente outra ferramenta de pressão, como a suspensão de algum direito do demandado.

A supressão de direitos é uma ferramenta poderosa para os casos em

que o devedor possui meios de cumprir a obrigação mas não o faz, mesmo com a aplicação da multa diária. Por exemplo: uma empresa que despeja diariamente poluentes num rio é obrigada a colocar um filtro para diminuir a emissão destes poluentes, sob pena de multa diária. Ao calcular as despesas de instalação deste filtro, percebe-se ser mais vantajoso seguir pagando a multa do que cumprir a ordem judicial. Com isto, a ferramenta perderia sua principal característica, que é a pressão psicológica para que o mandado judicial seja cumprido.

Mas se, em anexo à multa, viesse a ordem de cancelamento da

conexão da internet desta empresa enquanto a medida não fosse cumprida, já não seria vantajoso prosseguir com a desobediência, sendo esta a medida mais eficaz para se ver cumprida a determinação do juiz.

Com isso, percebe-se o quão frágil é o nosso ordenamento no tocante

a coagir o réu à prestação e obediência às ordens judiciais, tendo em vista a necessidade da criação de ferramentas alternativas para exercer pressão psicológica e ver cumpridos os mandados proferidos.  

A efetividade deve ser buscada de todas as formas, desde que

observados os direitos e garantias fundamentais, com ferramentas criativas, cumuladas à multa coercitiva, para, finalmente, alcançarmos o bem da vida almejado.

7. Conclusão

No decorrer deste artigo, procurou-se verificar a necessidade do emprego de métodos coercitivos para que a efetividade das ordens proferidas pelo juiz possa vir a ser alcançada de forma plena e ágil.

Dentro deste escopo, se buscou apontar a forma como a necessidade de

mecanismos de coerção evoluiu com o passar dos anos e quais são os mecanismos empregados comumente no exterior. Também se apresentou as formas mais comuns de coerção, desde a multa diária até o polêmico contempt of court.

Também se discorreu acerca dos outros mecanismos de pressão

psicológica vigentes no nosso ordenamento, desde as sanções penais até rápidos apontamentos acerca da intervenção federal nos Estados e nos Municípios.

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Da mesma forma se apresentou, brevemente, apontamentos e sugestões para ferramentas alternativas, visando empregá-los no dia-a-dia forense para buscar uma melhor, mais célere e mais plena prestação jurisdicional.

É claro que este trabalho de maneira alguma esgota o tema, pois

apresenta os institutos en passant, pois o seu intuito é de se somar aos tantos trabalhos acerca desta matéria em voga hoje em dia no Brasil.

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