MUDAN AS NA PAISAGEM EM UMA UNIDADE DE CONSERVA O NO PANTANAL … · 2009-05-27 · A modificação...

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Diálogo Canoas n. 13 jul-dez 2008

MUDANÇAS NA PAISAGEM EM UMA UNIDADE DECONSERVAÇÃO NO PANTANAL DE MATO GROSSO,BRASIL.José Luís Passos Cordeiro

Luiz Flamarion Barbosa de OliveiraHeinrich Hasenack

ResumoMudanças temporais na paisagem podem ser avali-

adas a partir da análise temporal de imagens de satélite emsistemas de informação geográfica. O Pantanal Matogros-sense vem sendo utilizado para pecuária de corte há maisde 200 anos. Em escalas de detalhe, entretanto, as modifi-cações resultantes desse uso são complexas. O presente tra-balho avaliou a cobertura vegetal da RPPN SESC Pantanal,localizada no município de Barão de Melgaço no Estadodo Mato Grosso, com área de 107.000 ha. ImagensLandsat dos anos de 1988 (10 anos antes da criação daRPPN), 1998 (implantação da RPPN), 1999 (fogo na RPPN)e 2000 (um ano após o fogo) foram classificadas para gera-ção de mapas temáticos de uso e cobertura do solo da RPPN.Considerando o período avaliado, as mudanças estruturaisda paisagem foram bastante acentuadas e devem ser inter-pretadas, em parte, para uma recuperação das condiçõesimediatamente anteriores, especialmente no que se refereao impacto do fogo. Porém, um significativo processo desucessão e arranjos nas zonações está em curso. Os resulta-dos preliminares evidenciam a importância de um acompa-nhamento sistemático da situação da cobertura vegetal daregião. Os resultados obtidos visam a servir como suportepara inferências sobre a efetividade da preservação de clas-ses de habitats e de formas de vida associadas.

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Palavras-chaveSistemas de informação geográfica, sensoriamento

remoto, análise temporal, paisagem.Abstract

Time changes in the landscape can be evaluated bytime series analysis of satellite images in GeographicalInformation Systems. Along the last 200 years, the Pantanalof Mato Grosso in Brazil has been used for cattle breedingdetailed scale studies show that land use changes are complex.The present study evaluated the vegetation cover ofconservation unit RPPN SESC Pantanal, located at themunicipality of Barão de Melgaço, Mato Grosso, Brazil, on anarea of 107,000 ha. Landsat images of the years 1988 (10 yearsbefore the Conservation Unit was established), 1998 (after theConservation Unit was created), 1999 (fire in the ConservationUnit) and 2000 (one year after fire) were classified resulting inland cover thematic maps of the study area. Considering theevaluated period, structural changes in the landscape weresevere and should be interpreted, partialy, to a change towardsthe immediate last condition related to fire impact. Othersuccession processes can also be observed. Preliminary resultsshow the importance of a systematic monitoring of the landcover in the region. The results aim to support effectivenesson maintenance of habitat classes and associated life forms.

KeywordsGIS, Remote Sensing, Time Series Analysis,

Landscape.1 INTRODUÇÃO

O Pantanal Matogrossense é uma das maiores extensões úmidas contí-nuas do planeta, 138.183 km2 (ABDON & SILVA, 1998). A região é uma planí-cie aluvial com altitudes entre 80 e 160 m, influenciada por rios que drenam a

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bacia do Alto Rio Paraguai. A declividade é baixa com variações altimétricas deseis a 12 centímetros por quilômetro, no sentido leste-oeste, e de um a dois cen-tímetros por quilômetro no sentido norte-sul (ADAMOLI,1982).

O clima segundo a classificação de Köppen é Aw, quente e úmido noverão (novembro a março) e frio e seco no inverno (abril a outubro), com tempe-ratura média anual de 26ºC (CADAVID GARCIA,1984). A precipitação médiaanual varia de 1.000 mm no centro-oeste do Pantanal a 1.600 mm na periferiaelevada (ANTUNES, 1986). A heterogeneidade de paisagens no pantanal é origi-nada da convergência de quatro importantes províncias fitogeográficas: Cerrado,Amazônica, Atlântica ou Paranaense e Chaquenha (ADAMOLI, 1982).

A modificação pela ação antrópica da paisagem original do Pantanal émuito antiga. A pecuária, por si só, já é uma atividade desenvolvida a mais de 225anos (SOUZA, 1986). Atualmente, os impactos ambientais e socioeconômicosna região são bastante evidentes e decorrem da inexistência de um planejamentoambiental que garanta a sustentabilidade na utilização dos recursos. Nesse senti-do, áreas de referência, como Unidades de Conservação, devem ser vistas comogeradoras de parâmetros comparativos sobre as condições ecológicas da região.

Tendo em vista que as modificações ocorridas no Pantanal ao longo dotempo são bem mais complexas do que se pode visualizar em escalas reduzidas,novas tecnologias, cada vez mais eficientes, estão sendo utilizadas para análises egerenciamento ambiental. Os sistemas de informação geográfica (SIG) repre-sentam, por reunir um poderoso conjunto de aplicativos para coletar, armazenar,analisar e representar visualmente dados espaciais, uma valiosa ferramenta parasubsidiar a avaliação, o planejamento e o monitoramento de recursos em escalascompatíveis com a paisagem.

O interesse em imagens multitemporais tem acompanhado a crescentepreocupação mundial com as questões ambientais. Tais imagens, obtidas a partirde uma sequência de imagens de um mesmo local, em momentos diferentes, são

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utilizadas não apenas para identificar tendências, mas também para descrever ascaracterísticas das paisagens (EASTMAN & McKENDRY, 1991). Uma das maisimportantes aplicações dessas imagens é a detecção de alterações ocorridas napaisagem. Por este meio pode-se monitorar o processo de degradação ambiental,bem como avaliar o impacto de medidas conservacionistas (FEITOSA et al., 2000)tais como a recuperação da paisagem após a implantação de unidades de conser-vação em áreas anteriormente utilizadas pelo homem.

2 ÁREA DE ESTUDOA RPPN SESC/Pantanal é uma unidade de conservação particular, cria-

da em 1997, de responsabilidade do Serviço Social do Comércio, SESC. Estálocalizada no município de Barão de Melgaço, MT, ocupando uma área de apro-ximadamente 106 mil hectares (Figura 1).

Das sub-regiões propostas por ADAMOLI (1982) para o Pantanal, combase nas diferentes fisionomias de cerrado e nas características hidrológicas, aReserva pertence à sub-região de Barão de Melgaço. Cerca de 70% de sua super-fície está coberta por fisionomias de cerrado. Esta fisionomia não é contínua,sendo separada por áreas mais ou menos úmidas, perenes ou sazonais, tais comobaías, cordilheiras de mata, cambarazais, vazantes e corixos.

3 MATERIAL E MÉTODOSOs procedimentos para o desenvolvimento do trabalho envolveram o

georreferenciamento, a classificação e o cruzamento de quatro imagens do sa-télite Landsat- TM 5 de 27 de julho de 1988, 23 de julho de 1998, 15 de novem-bro de 1999 e 13 de agosto de 2000, além da geração de um modelo digital deelevação.

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As tarefas de geoprocessamento foram realizadas com o auxílio do siste-ma de informação geográfica Idrisi32 (Clark Labs, 2002), do software de processa-mento de imagens ENVI 3.4 (Research Systems Inc.) e do software CartaLinx (ClarkLabs) utilizado especialmente na vetorização da base cartográfica analógica.

3.1 Georreferenciamento das imagensO georreferenciamento das imagens teve como objetivo ajustar todas ao

mesmo sistema de referência, UTM, zona 21, datum SAD 69. Neste processoforam utilizados pontos identificados no terreno durante as atividades de campoou obtidos em cartas topográficas.

3.2 Classificação das imagensNa produção dos mapas temáticos de cobertura do solo (Figura 2), utili-

zou-se uma classificação não-supervisionada com base nas bandas 3, 4, 5 e 7 dosatélite Landsat TM5. Esse arranjo de bandas foi escolhido pela boa representa-tividade para análise da cobertura vegetal do solo.

A classificação não-supervisionada não requer qualquer informação pré-via sobre as classes de interesse. Os dados são examinados e divididos em agru-pamentos espectrais naturais predominantes, presentes na imagem, através doalgoritmo Isodata. Em etapa posterior estes agrupamentos foram reunidos emclasses de cobertura do solo. Nessa fase foi incorporado o conhecimento decampo. Para este trabalho foram coletadas informações da paisagem em aproxi-madamente 550 pontos georreferenciados. Em cada ponto foi identificado otipo de cobertura do solo correspondente. A todas as imagens, independente-mente da data, foi atribuída a mesma legenda (Tabela 1), mesmo que certas clas-ses não estivessem presentes.

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3.3 Análise temporalA análise temporal foi organizada com o objetivo de avaliar eventos im-

portantes na Reserva entre 1988 e 2000. Os mapas temáticos de cobertura dosolo, para cada período, foram comparados dois a dois, considerando os seguin-tes eventos:

� implantação da Reserva: mapas de 1988 e 1998;� impacto do fogo: mapas de 1998 com 1999;� regeneração da paisagem: avaliação do cenário atual: mapa de 1999 com

2000.Uma terceira imagem associada a uma tabela de valores é o produto de

cada comparação. Ela representa a proporção de classes de cobertura de umadata em relação à outra. Estas tabelas contêm valores relativos às mudanças ocor-ridas para cada classe de cobertura do solo de um ano para o outro, pixel a pixel.

4 RESULTADOS

4.1.1 Cobertura do soloA imagem referente ao ano 2000 apresentou um deslocamento no senti-

do norte-sul, o que acarretou uma perda de cobertura de área de aproximada-mente 1.900 ha no extremo Norte da Reserva. Os resultados correspondem auma caracterização fisionômica da paisagem (Tabela 1).

Apesar de diferenças na composição dos estratos, as matas densas e oscambarazais foram considerados como pertencentes a uma única classe de cober-tura do solo (MTD). Essas duas fisionomias vegetais oferecem uma cobertura dosolo igualmente densa, resultando em um comportamento espectral similar.

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A classe Mata Aberta (MTA) incorpora um gradiente de densidade noestrato arbustivo e sub-bosque, sempre inferior ao encontrado na classe MataDensa (MTD). Apesar deste gradiente, optou-se por uma classe única baseada nocomportamento do estrato arbóreo e na redução do erro na classificação dasimagens mais antigas, para as quais não foi feita verificação em campo.

Apesar da baixa variação altimétrica na RPPN ser inferior a 40 metros,fica evidente que principalmente aquelas fisionomias relacionadas aos camposcom murundu (CM, CMp) ocupam uma posição mais central, na porção de mai-or altitude da Reserva. Por estas características estes campos foram intensamenteutilizados como invernadas para o gado no período chuvoso. Nessas áreas po-dem ser encontrados locais com fisionomia de campos baixos (CB) e/ou homo-gêneos (CH) inseridos na paisagem. Áreas cultivadas para pastagem com capimhumidícola (Brachiaria humidicola) estão incluídas dentro da classe Campo Homogê-neo (CH), juntamente com as demais áreas campestres nativas onde a coberturaherbácea do solo é bastante uniforme.

A classe Campo Homogêneo (CH) não foi detectada no ano de 1988, embo-ra estivesse presente nos anos de 1999 e 2000, especialmente nas imediações desedes de antigas fazendas e atuais postos de fiscalização.

A cobertura estimada de capim humidícola (Brachiaria humidicola), utiliza-do em pastagens nas fazendas antes da implantação da RPPN, é, na atualidade,de 793 ha.

Grande parte das áreas com fisionomia arbustiva (ARB) estão localizadasna porção de menor altitude da RPPN na várzea de inundação do rio Cuiabá.Estas são periodicamente inundadas, durante a estação da cheia, pelo transbor-damento do rio Cuiabá. São áreas que antes da implantação da Reserva forammuito utilizadas para pastejo durante as estações secas. Fisionomias similares àscondições anteriores à implantação da Reserva podem ser observadas nas vizi-

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nhanças onde a presença do gado é notória. Na atualidade, no entanto, a vegeta-ção é bastante densa, constituindo uma das regiões de mais difícil penetração nocontexto da RPPN.

Os campos com intensa pressão de pastejo, tanto nativos quanto cultiva-dos, foram agregados em uma classe específica denominada Pastagem (PAS).A principal característica desta fisionomia está ligada a um estrato herbáceo bai-xo e ralo, com cobertura descontínua do solo. Essa classe estava presente apenasem 1988.

As classes Falha e Água ou Sombra (FAL e A/S, respectivamente) corres-pondem a áreas com falta de informação. Corpos d�água foram incluídos na mesmaclasse que sombra por apresentarem comportamento espectral similar. Ambas asclasses absorvem toda a luz emitida pelo sol nos comprimentos de onda maiscurtos (bandas 3 e 4), impedindo a separação das mesmas.

4.1.2 Análise temporal

4.1.2.1 Implantação da Reserva (1988 � 1998)A classe de cobertura do solo denominada Pastagem (PAS) foi encontrada

neste cruzamento de imagens apenas no ano de 1988. Apesar da baixa represen-tação desta classe, 4,8% (5.137 ha) neste ano, ela caracteriza a principal atividadeeconômica desenvolvida na área de implantação da RPPN nesse período. NaTabela 2, são apresentados os resultados do cruzamento de imagens entre osanos de 1988 e 1998. Entre esses dois períodos, esta classe mudou para Campocom Murunduns (CM) e Campo Baixo (CB), representando 38,5 e 39,2% respectiva-mente, no ano de 1998. O incremento do estrato herbáceo e principalmente daporção arbórea dos murundus é responsável pela significativa mudança. Quandoa sucessão se deu de Pastagem para Campos Baixos, a presença arbórea nas pasta-

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gens não era significativa para que nela houvesse incremento. Outra parcela rele-vante de 761,8 ha (14,8%) das pastagens evoluiu para a fisionomia de transiçãoflorestal Mata Aberta (MTA). Essas áreas onde ocorreram mudanças, em 1988,eram pastagens em bordas de mata.

A classe Solo Parcialmente Exposto (SPE) teve um sensível declínio no perí-odo de 10 anos considerado (Tabela 2). Apenas 5,8% da mesma permaneceramcomo Solo Parcialmente Exposto em 1998, em decorrência, principalmente, da pre-sença do gado na região ainda no período. Do total da área coberta por estaclasse em 1988, 35,3% apresentou-se como Mata Aberta (MTA) em 1998. Esseslocais situam-se nas bordas de áreas de florestas, o que evidencia um relativoavanço dessas formações sobre as áreas abertas anteriormente pastejadas. Gran-de parte das áreas com baixa cobertura herbácea esteve associada às imediaçõesdas sedes de antigas fazendas e atuais postos de fiscalização da Reserva. Essasáreas foram mais intensamente utilizadas pelo gado do que aquelas mais afasta-das das sedes.

O comportamento da classe Arbustivo (ARB) nesses 10 anos caracterizauma fisionomia vegetal de transição onde 22,3% de sua cobertura original (1988)permaneceram dentro desta classe em 1998. Um notável aumento na coberturaarbórea de regiões anteriormente classificadas como arbustivas é identificadopela mudança de 50% (6.243,7 ha) da superfície dessa classe para Mata Aberta(MTA).

O desaparecimento da classe Campo com Murundu pequeno (CMp) em 1998é outro fato associado à retirada do gado e resultante do fim da pressão de paste-jo sobre as áreas abertas. Com o aumento da cobertura herbácea dentro da classe,juntamente com o incremento arbóreo nos murundus, 45,9% da cobertura totaldessa classe passou a Campo com murundu (CM) em 1998. Tal mudança evidenciaum processo de regeneração dos pequenos capões de mata que, pelas suas redu-

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zidas dimensões, deviam sofrer forte pressão pela atividade do gado e do fogoassociados.

A Mata Aberta (MTA) foi a classe que apresentou maior incremento emárea de cobertura nesse período. Sua superfície passou de 30.170,4 ha em 1988para 43.049,4 ha em 1998 (um aumento de 42,7%).

O comportamento da classe MTD, classe relacionada a fisionomias flo-restais densas, mostrou, em parte, uma estabilidade, onde 55% da área cobertapor esta classe em 1988 permaneceu dentro dela em 1998.

4.1.2.2 Impacto do fogo (1998 � 1999)Na comparação entre os anos de 1998 e 1999, aparecem novas classes no

ano de 1999, tais como Campo queimado com Murundu (CqM) e Campo Baixo queima-do (CBq), consequência direta da passagem do fogo pela Reserva. Essas duasclasses foram formadas principalmente por campos com murundus (CM), cam-pos baixos (CB), zonas arbustivas (ARB) e matas abertas (MTA) (Tabela 3).A transformação das matas abertas em fisionomias abertas queimadas (CqM eCBq) ocorreu quando estas se apresentavam como ilhas ou cordilheiras em umapaisagem de campos. Pela ação do fogo estas foram reduzidas e incorporadas napaisagem queimada, constituindo um continuum. Uma superfície de 11.756 ha dematas abertas apresentou este comportamento.

Os campos com murundus (CM) constituem a classe de cobertura dosolo mais atingida pelo fogo. Do total de sua área em 1998 (14.874 ha), 60,9% desua superfície foi transformada na classe Campo queimado com Murunduns (CqM).A inclusão das superfícies de outras classes, ainda dentro dos campos com mu-runduns, tais como Campo Baixo queimado (11,4%) e Solo exposto (3,3%), em 1999,evidencia a expressividade do impacto. No ano de 1999, 1.804,7 ha (12,1%) dasuperfície da classe Campo com Murundu, observados em 1998, foram cobertos

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pela fisionomia arbustiva (ARB). Baseado na distribuição espacial dessa classe(ARB) na Reserva, comum em locais muito afetados pelo fogo de 1999, e adici-onadas as características pioneiras desse tipo de formação, deve-se somar estasáreas às impactadas diretamente pelo fogo, porém mostrando um estágio de re-generação inicial. As análises demonstram que um total de 13.053,2 ha da classeCampo com Murundu (CM) foram queimados.

Os campos baixos (CB) representam outra fisionomia fortemente atingi-da pelo fogo e com valores similares ao apresentado pela classe Campo com Murun-du (CM). O incremento da representatividade da classe Solo Parcialmente Expostotambém reflete o efeito do fogo, variando de 662 ha em 1998 para 2.101,5 ha em1999. Isso sugere que parte da superfície com solos expostos, observados anteri-ormente à implantação da Reserva, seja resultante do efeito sinérgico da presen-ça do gado e do fogo. Extensas áreas similares são observadas na atualidade nasadjacências da RPPN e são componentes comuns da paisagem da região onde aatividade da pecuária está estabelecida.

A ação do fogo sobre as formações mais densamente florestadas (MTD)foi evidenciada na análise pela simplificação do estrato arbóreo até sua total elimi-nação. A mudança dessa classe (MTD), em 1999, para uma fisionomia ainda flores-tal, porém menos densa (MTA), onde o estrato arbóreo não foi totalmente destru-ído, permanecendo expressivo na cobertura da paisagem, representou 5.465,2 haatingidos pelo fogo, correspondendo a 26,1% das matas densas em 1998. Estasimplificação do mosaico foi mais drástica quando o estrato arbóreo foi totalmenteeliminado, passando à zona Arbustiva (ARB), Solo Parcialmente Exposto (SE),Campo Homogêneo (CH) e/ou a fisionomias campestres queimadas (CBq e CMq).

As áreas de matas densas menos afetadas pelo fogo localizam-se nas regi-ões mais baixas e úmidas (principalmente Cambarazais) e às margens do rio SãoLourenço, totalizando 41,8% (8.768,4 ha) dos 20.959,5 ha dessa fisionomia naárea da RPPN observados em 1998.

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As análises evidenciaram que uma superfície de 59.909 ha (55,7% da áreada RPPN) sofreu impacto pelo fogo. As diferenças foram grandes entre as clas-ses de cobertura, sendo que as alterações não se traduziram, na totalidade, emum retorno às condições anteriores ao fogo. Este, certamente, deve ter direcio-nado a evolução de algumas classes de cobertura a outras categorias não observa-das em períodos recentes.

4.1.2.3 Avaliação do cenário atual de regeneraçãoda paisagem (1999 � 2000)

Das áreas de matas densas, 91,8% (Tabela 4) permaneceram como MTDem 2000, estando o restante da mudança relacionado à característica decidualdesta formação.

O incremento em 62,8% (14.297,9 ha) da classe de cobertura Mata Aber-ta (MTA), passando a 37.066,6 ha em 2000, se deve principalmente à transforma-ção de zonas arbustivas e fisionomias queimadas (CMq e CBq) em matas abertas.Apesar da grande contribuição das áreas arbustivas, 28% desta formação em2000 foi identificada com MTA, na estruturação das matas abertas; essa classe(ARB) demonstrou uma estabilidade de 52,5% em 2000. Em certas áreas a classemata aberta (MTA) expandiu sua ocorrência. Isso foi particularmente notável naregião dos campos com murundus onde, em capões de mata, áreas relativamentedensas podem ser encontradas. Essas manchas certamente deveriam ser bemmenores nos períodos de maior pressão pela presença do gado e pela atuaçãorelativamente frequente do fogo.

Aproximadamente 34% dos campos baixos queimados foram recupera-dos em 2000 com aquele mesmo tipo de cobertura vegetal (CB).

A maior parte dos campos homogêneos foram transformados em zonasarbustivas em 2000 (43,1%). Apresentando uma redução total anual de 56,6%,

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o que foi bastante significativo. As áreas abertas, em decorrência do intenso usono passado, deverão ser aquelas onde as mudanças deverão ser mais significativasem futuro próximo.

As fisionomias de campos queimados, classes temporárias de expressãodo impacto do fogo (Campo queimado com Murundu, CqM; Campo Baixo queimado,CBq), foram, pela regeneração do estrato herbáceo, incorporadas novamente napaisagem campestre no ano 2000 (CM, CMp e CB). As diferenças na regenera-ção dos agregados arbóreos residem na reposição da biomassa perdida pela atu-ação do fogo. Uma porção expressiva (73,4%) da cobertura atual de campos commurundus na área da RPPN, cerca de 11.641 ha, é fruto da recuperação de cam-pos queimados com murundus e campos baixos (Tabela 4). Cabe ressaltar queessa recuperação está também relacionada, dado o curto período de tempo ana-lisado, ao incremento de zonas arbustivas na forma de arvoretas nos agregadosarbóreos. Este padrão também é encontrado nas cordilheiras e ilhas de matas aber-tas que foram queimadas em 1999, onde houve a recuperação da porção arbóreaapresentando-se, em 2000, novamente como matas abertas (MTA), e representan-do 6.834 hectares do que existe na atualidade na área da RPPN. Em contrapartidaa este comportamento, 10,9% das áreas queimadas da classe Campo queimado comMurunduns (CqM) não apresentaram recuperação arbórea, sendo representadas, em2000, por classes essencialmente herbáceas tais como Campo Homogêneo e CampoBaixo. Isso pode significar que, em determinadas áreas, o estrato arbóreo foi afeta-do de tal forma que mudanças significativas na fisionomia tenham ocorrido.

O reaparecimento da classe Campo com Murunduns pequenos em 2000, ante-riormente observada apenas em 1988 quando as fazendas estavam estabelecidasna região, é decorrente do caráter intermediário de recuperação dos agregadosarbóreos encontrados nessas áreas. A presença dessa classe evidencia o processode degradação ocorrido através do impacto pelo fogo; algo que deve ter sidocomum em períodos anteriores à criação da RPPN.

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Quanto à classe Solo Parcialmente Exposto presente em 1999, apenas 6,9%dessa cobertura permaneceu na mesma categoria em 2000. Do restante, 70,7%foram incorporados em paisagens campestres.

Ao analisarmos a disposição espacial destas manchas de solo exposto,que em 2000 foram incorporadas em paisagens campestres, constatou-se que em1999 representavam fragmentos com tamanho médio de 0,41 ha (n=3594; s=2,02ha), dispersas em uma matriz de fisionomia campestre.

Essa classe (SPE) teve uma redução de 77% de sua área na RPPN, con-tribuindo para o incremento das proporções de áreas com matas abertas, camposcom murundu e campos homogêneos e baixos.

Cabe salientar que, em 1999, as matas abertas eram de tal forma estrutu-ralmente abertas, que apresentavam internamente áreas que puderam ser caracte-rizadas como pertencentes à classe Solo Parcialmente Exposto, fato também relacio-nado à passagem do fogo nesta formação, apresentando área média de 0,14 ha(n=2243; s=0,15 ha). Em 2000 estas pequenas manchas foram incorporadas àmatriz de Mata Aberta.

Na atualidade, a classe Solo Parcialmente Exposto é composto por pe-quenas manchas com tamanho médio de 0,28 ha (n=1762; s=0,59 ha) e dispersasem uma matriz de fisionomias abertas. Fisionomias relacionadas à SPE, em ex-tensões notavelmente maiores, são bastante comuns nas áreas adjacentes à RPPN,onde o uso da terra é bastante diferenciado. Nessa classe reside a diferença prin-cipal entre as zonas internas e externas à RPPN. A expressão da mesma pode serconsiderada como um critério de avaliação do impacto da agropecuária na trans-formação da paisagem e do efeito da implantação da Reserva na recuperação dossistemas naturais.

É importante observar que as mudanças de classe entre os diferentesmomentos avaliados não necessariamente estão associadas a processos de suces-

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são. Isso é particularmente notável quando as mudanças se deram no sentidoherbáceo-arbóreo ou arbustivo-arbóreo no curto período de tempo considerado.Nesses casos as diferenças se devem às particularidades das formações. Matasabertas, por exemplo, quando sob pressão do fogo, perdem boa parte da suaestrutura, o que as remete temporariamente a uma classe onde o solo fica expos-to em consequência da redução ou do total desaparecimento da cobertura dodossel ou mesmo da cobertura herbácea que muitas vezes às caracterizam. Nessesentido, o grau de cobertura se aproxima dos domínios herbáceos. Isso é bastan-te acentuado quando tais florestas são fortemente impactadas pelo fogo.

CONSIDERAÇÕES FINAISA modificação de uma paisagem marcada pela presença do gado em 1988

para uma fisionomia campestre, onde o herbáceo é alto e sua cobertura sobre osolo é densa, está ligada não apenas à implantação da Reserva, mas também aohistórico declínio da pecuária na região. Os efeitos desse declínio também po-dem ser observados nas áreas onde os campos fazem contato com as matas.Áreas, em 1988, identificadas como pertencentes às classes Campo com Murundupequeno (CMp), Campo Baixo (CB), Pastagem (PAS) e Solo Parcialmente Exposto (SPE),totalizaram 28.638,5 hectares de superfície intensamente utilizada pelo gado.

O incremento das dimensões dos murundus e de uma maior importânciado componente arbóreo dentro de fisionomias abertas (CB, CMp e PAS), utiliza-das como pastagens antes da implantação da Reserva, está associado ao decrésci-mo dos efeitos da presença do gado e do fogo. Os agregados arbóreos (murun-dus) em áreas pastejadas apresentavam-se anteriormente menores em diâmetro emenos densos (Campo com Murundu pequeno - CMp). Com a retirada do gado, essasáreas, dentro do intervalo analisado (1988 - 1998), desapareceram, dando lugar auma fisionomia onde os capões de mata são maiores, e o dossel, mais fechado.

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As áreas onde a pressão de pastejo e o efeito do fogo sobre os agregadosarbóreos foram muito elevados, a ponto de sua representatividade na imagem desatélite não ser muito expressiva, foram agrupadas dentro de classes totalmenteherbáceas como Campo Baixo e Pastagem (CB e PAS, respectivamente) em 1988.Com o final do pastejo sobre essas áreas, o componente arbóreo remanescentecontribuiu no processo sucessional em direção às fisionomias originais da região.Essas áreas foram incorporadas na paisagem caracterizada pela classe Campo comMurundu, bastante representativa no núcleo da Reserva, cobrindo, no ano 2000,uma superfície equivalente a 15% da área da RPPN (15.869,9 ha).

A diminuição da pressão do gado e do fogo é identificada também peloavanço das matas sobre antigas áreas de pastejo. Adicionalmente, a maior partedos campos homogêneos foram transformados em arbustivos no ano 2000, apre-sentando uma redução anual de aproximadamente 56,6%. Isso sugere que não sóprocessos de sucessão estejam ocorrendo na região, mas que as zonações encon-tram-se em franco processo de evolução.

As mudanças ocorridas nas classes Campo queimado com Murundu (CqM) eCampo Baixo queimado (Cbq) foram fundamentais na avaliação da extensão doimpacto do fogo sobre a vegetação. O efeito deste sobre áreas abertas teve comoconsequência a rarefação da cobertura arbórea nos murundus (agregados arbó-reos). O reaparecimento, no ano de 2000, da fisionomia Campo com Murundu pe-queno (CMp), após a passagem do fogo pela Reserva, é uma evidência disto. Osmurundus sofreram uma forte transformação estrutural, e as condições tende-ram a se aproximar daquelas anteriores ao período da implantação da RPPN,quando as pressões sobre os capões de mata, em particular, eram bastante acen-tuadas. O efeito do fogo do ano de 1999, portanto, tendeu a simplificar a paisa-gem de maneira similar ao observado na análise temporal entre 1988 e 1998.

Somado ao impacto do fogo, as áreas de mata densa apresentaram-semenos compactas em 2000 do que em períodos anteriores ao incêndio. Dada a

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baixa velocidade de regeneração do estrato arbóreo destas fisionomias, sua recu-peração esteve mais associada ao incremento do estrato arbustivo, o que eviden-cia uma resposta a esse processo.

Considerando o período avaliado, as mudanças estruturais da paisagemforam bastante acentuadas e devem ser interpretadas, em parte, no sentido deuma recuperação às condições imediatamente anteriores, especialmente no quese refere ao impacto do fogo. Porém, um significativo processo de sucessão earranjos nas zonações está em curso.

Os resultados preliminares sobre as características da paisagem na escalade tempo analisada evidenciam a importância de um acompanhamento anual esistemático da situação da cobertura vegetal da região; poucas inferências foramfeitas sobre a paisagem pantaneira quando a pressão antrópica é decrescente.Cenários novos deverão emergir ao longo do tempo, quando tais perspectivasforem consideradas.

Os resultados obtidos visam a contribuir para uma maior compreensãodas condições internas da RPPN SESC Pantanal, servindo como suporte parainferências sobre a efetividade da preservação de classes de habitats e de formasde vida associadas. Nesse sentido, a interpretação mais detalhada das variaçõesinternas das classes de cobertura em escalas maiores de tempo, e de maneiracontrastante com as adjacências da RPPN, resultará em uma renovação de infor-mações e na consequente mudança de conceitos sobre a estrutura e composiçãoda paisagem pantaneira.

AGRADECIMENTOSAo SESC, pelo apoio financeiro; à administração da RPPN SESC Panta-

nal e aos guardas-parque, pelo apoio nos trabalhos de campo. A Lúcio Lucatelli,pela elaboração das figuras.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICASABDON, M.M.; SILVA, J.S.V. 1998. Delimitação do pantanal brasileiro e suassub-regiões. Pesq. Agropec. Brás. v. 33, p. 1703-1711.ADAMOLI, J. 1982. O pantanal e suas relações com os cerrados, discussão so-bre o conceito �Complexo do Pantanal�. In: Congresso Nacional de Botânica,32. Anais.Teresina, Brasil. p. 109-119.ANTUNES, M.P. 1986. Diagnóstico da área de estudo � resumo: In: Simpósiosobre Recursos naturais e sócio-econômicos do Pantanal, 1. Anais. Corumbá, 28nov-4 dez 1984. Brasília, EMBRAPA. p. 207-277.CADAVID GARCIA, E.A. 1984. O clima do pantanal mato-grossense. Corumbá:Embrapa-UEPAE Corumbá. Circular Técnica. p. 14-42.EASTMAN, J.R.; McKENDRY, J.E. 1991. Change and time series analysis.Geneva, UNITAR. 85 p.FEITOSA, R.Q.; AMARAL, J.F.M.; SANTOS, R.O.V.; VIEIRA, H.; SIMÕES,M. 2000. Método híbrido para classificação de imagens multitemporais. GISBrasil2000. Anais. Salvador, BA CD-ROM.NAVEH, Z.; LIEBERMAN, A.S. 1994. Landscape Ecology: Theory andApplication. Springer, New York. 336 p.OLIVEIRA, L.F.B.; CORDEIRO, J.L.P. 2001. Estrutura e heterogeneidadeda paisagem da Estância Ecológica do SESC Pantanal (Barão de Melgaço,MT): Efeitos sobre a riqueza e densidade de mamíferos ungulados. Proje-to conjunto (Depto. de Vertebrados, Museu Nacional, UFRJ; Depto. de Ecolo-gia, UFRGS) em andamento. Primeiro Relatório.OLIVEIRA, L.F.B., CORDEIRO J.L.P. & BARROETA, M.R. 2001. Estruturae heterogeneidade da paisagem da Estância Ecológica do SESC Pantanal(Barão de Melgaço, MT): Efeitos sobre a riqueza e densidade de mamífe-ros ungulados. Projeto conjunto (Depto. de Vertebrados, Museu Nacional, UFRJ;Depto. de Ecologia, UFRGS) em andamento. Segundo Relatório.

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Tabela 1: Classes de cobertura do solo identificadas na área da RPPN SESC/Pantanal.

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Tabela 2: Comparação da cobertura do solo entre os anos 1988 e 1998. Valores expressamporcentagem de mudança entre as datas. Estão em negrito mudanças consideradas importantes.

Tabela 3: Comparação da cobertura do solo entre os anos 1998 e 1999. Os valores expressamporcentagem de mudança entre as datas. Estão em negrito mudanças consideradas importantes.

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Tabela 4: Comparação da cobertura do solo entre os anos 1999 e 2000. Valores expressamporcentagem de mudança entre as datas. As mudanças em negrito são consideradas importantes.

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Figura 1: Localização da RPPN SESC Pantanal no Estado do Mato Grosso.

Figura 2: Cobertura do solo da RPPN SESC Pantanal, correspondente ao ano 2000. O produ-to colorido da cobertura vegetal desse e dos demais anos analisados estão disponíveis emhttp://www.ecologia.ufrgs.br/labgeo/downloads/dados/Paisagem_RPPN_SESC_Pantanal.pdf.

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