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r...> MUDANÇA CULTURAL EM EMPRESAS PRIVATIZADAS: Estudo de Casos Ana Beatriz de Alvarenga Menezes Fernandes Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ Instituto de Pós-Graduação e Pesquisa - COPPEAD Mestrado em Administração Orientadora: Ursula Wetzel Brandão dos Santos Rio de Janeiro Março de 2002

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MUDANÇA CULTURAL EM EMPRESAS PRIVATIZADAS: Estudo

de Casos

Ana Beatriz de Alvarenga Menezes Fernandes

Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ Instituto de Pós-Graduação e Pesquisa - COPPEAD

Mestrado em Administração

Orientadora: Ursula Wetzel Brandão dos Santos

Rio de Janeiro Março de 2002

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ii

MUDANÇA CULTURAL EM EMPRESAS PRIVATIZADAS:

ESTUDO DE CASOS

Ana Beatriz de Alvarenga Menezes Fernandes

Tese submetida ao corpo docente da COPPEAD da Universidade Federal do

Rio de Janeiro, como parte dos requisitos necessários à obtenção do grau de

Mestre.

Aprovada por:

Prot". Ursula Wetzel Brandão dos Santos COPPEAD/UFRJ

TiIof.J: 0bert0G0Sda Silva PUC/RJ

Rio de Janeiro, RJ

2002

Presidente da Banca

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Fernandes, Ana Beatriz de Alvarenga Menezes

Mudança Cultural em Empresas Privatizadas: Estudo de Casos. Ana Beatriz de Alvarenga Menezes Fernandes. Rio de Janeiro: UFRJ/COPPEAD, 2002.

Xii, 185 p; iI

Dissertação - Universidade Federal do Rio de Janeiro,

COPPEAD, 2002. Orientador: Ursula Wetzel Brandão dos Santos. 1. Cultura Organizacional. 2. Privatização. 3 Tese. (Mestr. - UFRJ/COPPEAD). 4. Orientador

I. Título. " Tese (Mestr. UFRJ/COPPEAD)

11l

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IV

Ao Anibal, meu companheiro, meu amigo e meu amor e aos meus filhos João Pedro, José Guilherme e Maria Júlia, que me ensinam a aprender sempre e me fazem renascer a cada dia.

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v

Agradecimentos

Gostaria de deixar registrado meus agradecimentos às pessoas cujo apoio e ações

possibilitaram a realização desse trabalho.

Em primeiro lugar minha imensa gratidão a minha orientadora, Professora Ursula

Wetzel, pelo seu apoio, tempo dedicado, disponibilidade, sua consistente orientação e

pelo estímulo contínuo. Seguramente sem ela esse trabalho não teria sido finalizado.

Agradeço também a Professora Ângela da Rocha a quem muito admiro, por me servir de

exemplo e pelas importantes contribuições na reta final desse trabalho.

Quero também fazer alguns agradecimentos especiais a meus familiares. Ao

Anibal, meu marido, por ser a base sobre a qual posso construir meus sonhos. Somente

com seu apoio, sua força e acima de tudo com sua inesgotável capacidade de me

transmitir paz esse trabalho pode ser concluído. Aos meus pais Dirceu e Daisy,

orientadores de toda a minha vida, agradeço pelo carinho, pela confiança depositada e

pelo exemplo de vida. A minha cunhada Teresa, que inúmeras vezes cuidou dos meus

filhos com carinho e com amor, me dando, assim, tranqüilidade para seguir em frente e a

Marcia, minha irmã, que compartilhou comigo todos os percalços e todas as vitórias nesse

caminho.

A todos os meus professores do COPPEAD agradeço o apoio, a dedicação e a

qualidade do conhecimento que me foi transmitido.

Aos meus colegas da turma 1998, pessoas queridas e profissionais competentes,

agradeço pela convivência rica e prazerosa e aos meus amigos de todas as horas

agradeço pela grande torcida.

Por fim agradeço o apoio oferecido por todos os funcionários da Secretaria

Acadêmica e da Biblioteca. Foi muito bom contar com a competência, boa vontade e

simpatia de todos.

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vi

FERNANDES, Ana Beatriz de A. Menezes. Mudança Cultural em Empresas Privatizadas: Estudo de Casos. Orientadora: Professora Ursula Wetzel Brandão dos Santos. Rio de Janeiro: UFRJ/COPPEAD, 2002. Dissertação. (Mestrado em Administração)

RESUMO

Este estudo teve por objetivo investigar o processo de mudança cultural em

empresas brasileiras. A partir do estudo de três organizações privatizadas pelo governo

brasileiro entre 1996 e 1998 e da análise de 58 entrevistas focadas realizadas com

funcionários remanescentes nas empresas após a privatização, foi possível compreender

importantes aspectos do processo de mudança e de adaptação de uma cultura

corporativa para outra.

A luz da corrente funcionalista que considera a cultura uma variável da organização

e, considerando também, que a cultura corporativa pode ser gerenciada, foram analisadas

as características das empresas antes e depois da privatização, bem como as ações

gerenciais praticadas durante o período que se seguiu ao anúncio da nova administração.

A partir dessa análise, observou-se a importância da existência de um evento externo à

organização e de ações gerenciais específicas em um processo de mudança cultural.

Nos casos analisados, a privatização foi o evento externo que serviu como ·um

agente catalisador para o processo de mudança, impulsionando as pessoas a reverem

posicionamentos pré-existentes. Do mesmo modo, as ações gerenciais parecem ter sido

importantes ferramentas no processo, contribuindo para a redefinição do comportamento

dos funcionários e reforçando os valores preconizados pela nova administração.

Como conclusão do estudo percebeu-se que valores comumente aceitos nas

empresas estatais tais como paternalismo, estabilidade, valorização do status quo,

burocracia excessiva e influência política, deram lugar à atribuição de maior

responsabilidade para os funcionários, fim da estabilidade, mudanças sempre que

necessárias, agilidade e valorização do desempenho, valores típicos de empresas

privadas.

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FERNANDES, Ana Beatriz de A. Menezes. Mudança Cultural em Empresas Privatizadas: Estudo de Casos. Orientadora: Professora Ursula Wetzel Brandão dos Santos. Rio de Janeiro: UFRJ/COPPEAD, 2002. Dissertação. (Mestrado em Administração)

ABSTRACT

The objective of this dissertation is to investigate the process of cultural change in

organizations. By studying the cases of three Brazilian companies privatized by the

government between 1996 and 1998 and through the analysis of 58 focused interviews

with people who remained in the company after the process, it was possible to understand

important aspects of cultural change in business organizations.

Based on the functionalist stream that considers culture an organization variable

and also considering that a corporate culture can be managed, the characteristics of the

companies after and before privatization were reviewed, as well as the managerial actions

taken by the néw administration during the transition phase. As a result of these analysis,

the importance of an externai event and of the management involvement in a process of

cultural change were observed.

In the three companies, the privatization was the externai event that worked as a

catalyst agent, encouraging employees to review their values and positions. At the same

way, management interference seemed to have been an important tool in the process,

helping in redefining employees behaviour and reinforcing concepts valued by the new

administration.

As a conclusion of this study, it was noted that values and beliefs that are typically

found in public companies as well as paternalism, stability, importance of status quo,

excessive bureaucracy and political influence were replaced by stewardship, turnover,

changes whenever needed, quick decisions and meritocracy, values typically found in

private companies.

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Vll1

Lista de Figuras

Figura 1.1 Distribuição setorial da receita do PND

Figura 2.1 Interseções entre teoria da cultura e teoria organizacional

Figura 2.2 Cultura como variável independente, externa à organização

Figura 2.3 Cultura como variável independente, interna à organização

Figura 2.4 Cultura e seus elementos

Figura 2.5 Manifestações da cultura

Figura 2.6 O ciclo da evolução cultural nas organizações

Figura 2.7 Tipos e dimensões da mudança cultural

Figura 2.8 Fontes comuns de resistência à mudança

Figura 2.9 Estrutura básica de empresas públicas e privadas

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Lista de Quadros

Quadro 1.1 Número de funcionários das empresas estudadas

Quadro 2.1 Tipologia de táticas de socialização

Quadro 2.2 características típicas de empresas estatais e privadas

Quadro 2.3 Níveis da cultura

Quadro 2.4 Elementos da cultura

Quadro 2.5 Características da cultura

Quadro 2.6 Dimensões da cultura

Quadro 2.7 Processo de mudança

Quadro 3.1 Comparação de Métodos de Pesquisa em Ciências Sociais

Quadro 3.2

Quadro 4.1

Quadro 4.2

Número de entrevistas por cargo

Empresa AAA segundo classificação de Schein

Ideologia da AAA - antes e depois

Quadro 4.3 AAA antes e depois segundo Reilly, Chatman e Caldwell (1991)

Quadro 4.4 Dimensões da mudança cultural na AAA

Quadro 5.1 Empresa BBB segundo classificação de Schein

Quadro 5.2 BBB antes e depois segundo Reilly, Chatman e Caldwell (1991)

Quadro 5.3 Dimensões da mudança cultural na BBB

Quadro 6.1 Empresa CCC segundo classificação de Schein

Quadro 6.2 CCC antes e depois segundo Reilly, Chatman e Caldwell (1991)

• Quadro 6.3 Dimensões da mudança cultural na CCC

IX

Quadro 7.1 Comparativo das características da cultura das organizações antes e depois

da privatização

Quadro 7.2 Dimensões da Mudança Cultural- AAA, BBB, CCC

Quadro 7.3 Aderência às características de uma Estatal

Quadro 7.4 Aderência às características de uma Empresa Privada

Quadro 7.5 Ações gerenciais geradoras de mudanças

Quadro 7.6 Valores mudados através de ações gerenciais

Quadro 8.1 características de empresas estatais e privadas

Quadro 8.2 Valores antes e depois da privatização

Quadro 8.3 Ações gerenciais e os valores antes e depois

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1 Introdução

1.1 Objetivos do estudo 1.2 Relevância do estudo 1.3 Organização do estudo

2 Referencial Teórico

2.1 Cultura

Sumário

Pág. 1

1 3 8

9

9

2.2 Cultura Organizacional 10 2.2.1 Teoria organizacional - suposições e metáforas 11 2.2.2 Diferentes correntes no estudo da cultura organizacional 14 2.2.2.1 Tipologia dos estudos de Cultura Organizacional- Rowlinson e Procter (1999) 15 2.2.2.2 Tipologia dos estudos de Cultura Organizacional- Linda Smircich (1986) 19

2.3 Elementos da Cultura 32

2.4 Desenvolvimento, Manutenção e Identificação da Cultura 39 2.4.1 Modelo Dinâmico de Schein (1985) par a análise da formação da Cultura 39 2.4.2 Modelo de evolução cultural de Dyer Jr (1985) 42 2.4.3 Modelo de identificação de cultura de Sathe (1985) 43 2.4.4 Modelo de Deal e Kennedy (1982) 44

2.5 Mudança Cultural 44 2.5.1 Tipos de mudanças culturais 46 2.5.2 Analisando quantidade de mudança segundo Beyer e Trice (1998) 46 2.5.3 Considerações específicas em mudanças culturais 49 2.5.3.1 O modelo de mudança transformadora de Schein (1999) 49 2.5.3.2 Modelo de mudança de Trice e Byer (1993) 50

2.6

2.7

3

3.1

3.2 3.2.1 3.2.2 3.3 3.3.1 3.3.2

Empresa Pública e Empresa Privada

Modelo Conceitual

Metodologia

Objetivo da pesquisa

Tipo de pesquisa O conceito de pesquisa qualitativa O Estudo de casos Fonte de dados Dados secundários Coleta de dados

56

59

62

62

62 63 64 67 67 70

x

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XI

3.4 Tratamento e Análise de dados 70 3.4.1 Particularidade das empresas pesquisadas 72 3.4.2 Etapas do tratamento e análise de dados 71 3.4.3 Uso de software para análise de dados qualitativos 72 3.4.4 Confidencial idade dos depoimentos 72

3.5 Limitações do método 73

4 Descrição e Análise de Caso - Empresa AAA 75

4.1 Histórico da Empresa AAA 75 4.2 A Empresa AAA antes da privatização 76 4.3 A Empresa AAA depois da privatização 86 4.4 Ações desenvolvidas no processo de privatização e pela nova 95

Administração

4.5 Análise do processo de mudança cultural 99 4.5.1 Níveis da cultura 99 4.5.2 Elementos da cultura 104 4.5.3 Características da cultura 107 4.5.4 Dimensões da mudança cultural 109 4.5.5 Ações gerenciais promotoras de mudança cultural 111

5 Descrição e Análise de Caso - Empresa BBB 115

5.1 Histórico da Empresa BBB 115 5.2 A Empresa BBB antes da privatização 115 5.3 A Empresa BBB depois da privatização 119 5.4 Ações desenvolvidas no processo de privatização e pela nova 122

administração

5.5 Análise do processo de mudança cultural 127 5.5.1 Níveis da cultura 127 5.5.2 Elementos da cultura 129 5.5.3 Características da cultura 130 5.5.4 Dimensões da mudança cultural 131 5.5.5 Ações gerenciais promotoras de mudança cultural 132

6 Descrição e Análise de Caso - Empresa CCC 135

6.1 Histórico da Empresa CCC 135 6.2 A Empresa CCC antes da privatização 135 6.3 A Empresa CCC depois da privatização 139 6.4 Ações desenvolvidas no processo de privatização e pela nova 146

administração

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6.5 6.5.1 6.5.2 6.5.3 6.5.4 6.5.5

7

Análise do processo de mudança cultural Niveis da cultura Elementos da cultura Características da cultura Dimensões da mudança cultural Ações gerenciais promotoras de mudança cultural

Análise conjunta dos três casos

150 150 152 153 154 155

158

7.1 As empresas antes da privatização 159 7.2 Dimensões das mudanças culturais percebidas nas empresas privatizadas

161 7.3 Aderência das características das empresas ao modelo de Machado 164 7.4 Ações gerenciais 165

8 Conclusões 174

9 Recomendações para Pesquisas Futuras 179

10 Referências Bibliográficas 180

xii

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1

1 Introdução

1.1 Objetivos do estudo

Durante as décadas de 70 e 80, o conceito de cultura e o estudo das

organizações tornaram-se cada vez mais próximos. A identificação de aspectos

simbólicos nos sistemas organizados conduziu a uma abordagem cultural nas

organizações.

Nesse contexto, surgiram vários estudos e diferentes correntes que

discutem o que é e como se comporta a cultura corporativa. Algumas dessas

visões são controversas e radicais. Enquanto alguns acadêmicos defendem,

por exemplo, que o assunto mereceria uma disciplina específica nos estudos

das organizações, outros autores não somente negam a importância da cultura

nas organizações, como negam, até mesmo, a sua existência.

Parte dessa discussão e falta de consenso em torno do conceito de

cultura organizacional decorre da existência de múltiplas definições e múltiplos

métodos de investigação. Disciplinas tais como a Antropologia, Sociologia,

Psicologia têm mostrado cada vez mais interesse por esse assunto trazendo

para as discussões paradigmas e métodos de pesquisa particulares.

Associada á definição da cultura organizacional, está o questionamento

sobre a possibilidade dessa cultura ser gerenciável. Nesse ponto surge uma

cisão teórica entre autores que acreditam ser viável gerenciar a cultura de uma

organização e os que pensam de modo diferente.

Esse estudo aborda a cultura organizacional sob a ótica funcionalista,

defendida por autores que enfocam a cultura como uma variável independente,

interna ou externa à organização. Assume-se também, nesse trabalho, que a

cultura de uma organização pode ser gerenciada embora isso possa não ser

um processo fácil.

Cabe ainda ressaltar que a opção pela abordagem funcionalista desse

estudo, está em linha com a experiência profissional do pesquisador e sua

vivência em empresas que passaram por subseqüentes mudanças em seus

processos e valores.

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Assim, à luz da corrente funcionalista, o presente estudo analisa os

efeitos sobre a cultura corporativa em três organizações brasileiras que

passaram por um processo de privatização realizado pelo governo no final dos

anos 90.

Partindo do pressuposto que o estudo e conhecimento da cultura de

uma organização é importante e considerando que cada organização possui

características, valores, comportamentos, ambientes e atividades-fim distintos,

esse estudo investiga se e de que forma:

1. Um evento externo, no caso a privatização, pode provocar mudança cultural

em uma organização;

2. Ações gerenciais podem provocar mudança cultural em uma organização.

Três empresas foram analisadas a partir de dados qualitativos obtidos

através de 61 entrevistas em profundidade1 realizadas pela Professora Ursula

Wetzel Brandão dos Santos em sua Tese de Doutorado em Administração pelo

Instituto de Pós-Graduação e Pesquisa em Administração - COPPEAD, da

Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ: Processo de Downsizing em

Empresas Privatizadas: A Percepção dos Parlicipantes. As transcrições dessas

entrevistas foram disponibilizadas para uso no presente estudo.

Mediante análise das entrevistas realizadas com gerentes e funcionários

de diferentes áreas, buscou-se identificar as características da cultura da

empresa antes e depois de cada uma delas ter sido privatizada. Procurou-se,

1 De acordo com Yin (1994) "pud Wetzel (2000) seriam indicadas três tipos de entrevistas no estudo de caso: a) entrevista aberta (ope1l-ended); b) entrevista foca da (foCllsed) e c) entrevista com questões estruturadas. Na entrevista aberta, as perguntas poderiam incluir dados e opiniões acerca de determinados eventos e poder-se-ia obter dos respondentes insights acerca de determinadas ocorrências. O segundo tipo de entrevista, a focada, seria uma importante fonte de coleta de informações, quando houvesse pouco tempo para o encontro entre pesquisador e pesquisado. Nestas situações, seria natural a utilização de um conjunto de questões derivadas do planejamento do estudo de caso. O terceiro e último tipo de entrevista, a com questões estruturadas, seria adequado se houvesse necessidade de se realizar um estudo semelhante ao das pesquisas quantitativas, orientadas por procedimentos de amostragem. Segundo Wetzel (2000), as entrevistas seguiram um roteiro seguindo a linha de entrevistas focadas.

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3

ainda, entender a estratégia traçada por cada empresa durante o período de

privatização.

1.2 Relevância do estudo

A globalização, a modemização das economias e a necessidade de

investimento em áreas sociais exigem modificações de posicionamento dos

governos em relação a algumas questões, incluindo a questão das empresas

estatais.

No Brasil, o Programa de Privatização representa a operacionalização

de uma decisão geral de modernização do setor público, surgindo como um

potente instrumento para a redefinição do papel do Estado na economia. Ele se

dedica a desenvolver e implementar formas de reestruturar, desativar ou

transferir ao setor privado, empresas cujo controle não mais se justifica estar

em mãos do estado.

Alguns autores, como Kornai (1990), defendem que a privatização deve

ser feita com o objetivo de estabelecer a efetiva propriedade e o controle das

empresas, em vez de simplesmente transferir nominalmente as ações para a

iniciativa privada. Por outro lado, não pode ser esquecida a velocidade

necessária, pois os processos de privatização correm o risco de parar em

função de divergências políticas, no momento em que os diversos agentes

econômicos envolvidos passarem a reclamar dos possíveis prejuízos

resultantes.

Durante décadas o setor público brasileiro promoveu ações e programas

voltados para o desenvolvimento econômico e industrial do país participando,

direta e indiretamente, da consolidação de diversos setores produtivos, tais

como: siderúrgico e energético (década de 30), mineração (década de 40),

transportes (década de 50) e petroquímico (décadas de 60 e 70).

Diante dos desafios impostos pela economia mundial a partir da década

de 80, tais com: concorrência acentuada e acelerada, mercados altamente

globalizados e constantes aperfeiçoamentos tecnológicos, somados com a

necessidade de reduzir as dificuldades fiscais do governo e reestruturar e

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4

tornar eficiente os serviços públicos prestados à sociedade, foi criado, em

1990, o Programa Nacional de Desestatização (PND).

O PND tem como objetivo o reordenamento da participação estatal na

economia; a redução da divida pública; a eliminação dos gargalos,

principalmente em infra-estrutura, que dificultam o crescimento econômico

brasileiro; e o aumento da produtividade e competitividade do parque industrial

nacional.

Foi o primeiro programa, na história econômica brasileira, dedicado

integralmente à privatização de empresas estatais, venda de participações

minoritárias e concessão à iniciativa privada de serviços públicos,

principalmente telecomunicações, eletricidade, transportes e saneamento.

Os resultados gerais, até inicio de 2000, foram2:

• Privatização de 65 empresas;

• Concessão de 58 serviços públicos;

• Foram arrecadados US$72 bilhões;

• Foram transferidos para a iniciativa privada US$18 bilhões em dividas.

Historicamente o processo de privatização brasileiro teve a seguinte

evolução:

a) Década de 80 - reprivatização

Anteriormente ao PND, o governo iniciou, durante a década de 80, um

modesto processo de reprivatização de empresas que, anteriormente privadas,

tinham sido estatizadas em função de dificuldades financeiras.

Foram vendidas 38 estatais, em sua maioria de pequeno porte, proporcionando

uma arrecadação de US$780 milhões.

Em 1985, o governo brasileiro criou o Conselho Interministerial de

Privatização, com a função de efetivar as diferentes formas institucionais de

reestruturação, desativação, descentralização ou transferência de empresas

estatais para o setor privado.

2 Dados obtidos no si!e do governo na internet: http://www.infraestruturabrasil.gov.br

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5

b) Década de 90 - primeira metade

Com a criação do PND, o processo de privatização foi ampliado e

melhorado em relação às tentativas da década anterior. No período de 1990 a

1994, o governo obteve resultado geral de US$12,6 bilhões com as

privatizações,. que envolveram, principalmente, as empresas do setor

siderúrgico. ., ..

Em 1993, o presidente Itamar Franco assinou um decreto regulamentando a

venda das estatais. Desde então, várias empresas brasileiras já' foram

privatizadas, a despeito da enorme resistência de uma parte da sociedade e do

questionamento sobre -as melhorias no serviço prestado à população.

As receitas obtidas com a venda de estatais e participações minoritárias

atingiram US$ 8,1 bilhões e as dívidas transferidas foram de US$4,5 bilhões; O·

pagamento pela aquisição das empresas foi feito, principalmente, com ,títulos

da dívida pública federal, as chamadas "moedas de privatização". ."

Nessa etapa, foi passado para a iniciativa privada o controle de 20

empresas e a participação mirioritária que o governo possuía em outras 13:

A distribuição setorial na receita total do PND foi:

• Siderúrgico 75% • Petroquímico 15% • Fertilizantes 7% • Aeronáutico 3%

Figura 1.1 Distribuição setorial da receita do PND .

Fonte: Paper: Privatização - US$ 90 bilhões e subindo

Site do governo na internet http;.JjwlVw.infraestruturabrasil.gov.br

Ainda em 1994, foram concluídas as privatizações das empresas

siderúrgicas e da maioria das estatais do setor industrial, sendo, logo em

...... ":".

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seguida, permitida a participação dos investidores estrangeiros em 100% do

capital votante das empresas. Além disso, foi criado o Conselho Nacional de

Desestatização, conferindo mais agilidade e definição na condução das

decisões.

c) Década de 90 - segunda metade

A partir do Govemo Femando Henrique Cardoso, iniciado em janeiro de

1995, o PND foi ampliado.

Nessa segunda etapa, o processo de reordenação do papel do Estado

na economia e na prestação de serviços foi definido com a descentralização, a

flexibilização e a reorientação de suas atividades, com destaque para as

concessões nas áreas de telecomunicações, eletricidade, transportes e

saneamento básico.

Duas vendas, em particular, sinalizaram a mudança do paradigma do .

controle estatal sobre a economia: a da Companhia Vale do Rio Doce (CVRD),

uma das maiores mineradoras do mundo; e as concessões do sistema

Telebrás. Ocorridas em 1997, essas vendas marcaram a busca por um Estado

modemo e desenvolvimentista.

De 1995 até o início de 2000, foram arrecadados pelo govemo federal

US$60 bilhões em moedas correntes, derivados das privatizações e

concessões de serviços públicos, e foram assumidos pelos compradores

privados outros US$13,5 bilhões em dívidas2.

A venda de ativos estaduais também foi significativa, embora nem todos

os Estados perseguiram a meta da privatização com a mesma urgência.

O processo de privatização de empresas brasileiras ainda está em

andamento e a discussão em tomo dos impactos causados pela transferência

de empresas de setores como energia e comunicações das mãos do estado

para a iniciativa privada, não está encerrada.

Além da privatização, as condições econômicas nacionais e

intemacionais, o desenvolvimento tecnológico e a ação dos competidores são

fatores que provocam mudanças no ambiente no qual as empresas estão

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inseridas. Fusões, aquisições e internacionalização de empr~sas são

importantes movimentos no ambiente empresarial.

Para competir nesse mundo globalizado, que se desenvolve

rapidamente, as pessoas nas organizações precisam lidar com diferentes tipos

de consumidores e com vários novos competidores. Governos e setores da

população exigem das empresas maior preocupação ambiental e uma maior

preocupação social.

Ao mesmo tempo, a explosão do conhecimento e da quantidade de

informações disponíveis significa que as organizações precisam lidar com

especialistas com diferentes tipos e níveis de especialização, com: visões .do

mundo diferentes e muitas vezes conflitantes.

Profissionais com múltiplas experiências, distintos níveis sócio­

econômicos e muitas vezes de nacionalidades diferentes se unem em projetos

multinacionais e em novas organizações formadas através da compra ou

associações de empresas.

Com tudo isso, os gerentes e altos executivos das empresas têm o

desafio de definir as ações mais adequadas para assegurar a sobrevivência e a

prosperidade da sua organização. Precisam ainda saber como lidar e extrair o

melhor das diferenças individuais .

. Do ponto de vista teórico, a importância do presente estudo deriva de

sua inserção no debate acadêmico sobre processos de ·mudança

organizacional. Ao estudar a forma como· a mudança cultural ocorreu em

empresas privatizadas, buscou-se desvendar alguns aspectos relacionados a

este tema, no âmbito das empresas brasileiras representantes de·:diferentes

setores da economia.'··

Do ponto de vista prático, a importância do presente estudo decorre do

fato de que ele pode proporcionar algumas indicações relevantes para a prática

empresarial não somente em empresas a serem privatizadas, mas em todas as

empresas inseridas em um contexto onde processos de mudança são

freqüentes.

O estudo foi baseado em três empresas de grande porte com o seguinte

número de funcionários:

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8

Empresa Qtde de funcionários

AAA 6.300

BBB 7.500

CCC 12.000

Quadro 1.1 Número de funcionários das empresas estudadas

1.3 Organização do estudo

Este trabalho está organizado em oito capítulos. O primeiro deles

apresenta os objetivos do estudo e sua relevância.

No segundo capitulo, apresenta-se a literatura existente sobre o tema.

São descritas as principais correntes teóricas a debaterem o tema de cultura

organizacional.

No terceiro capítulo, apresenta-se a metodologia adotada, incluindo o

método de pesquisa utilizado e a fonte dos dados.

Nos capítulos quatro, cinco e seis são feitas as descrições e análises

dos casos analisados, tomando-se como base o aspecto específico que se

pretendeu investigar - o processo de mudança cultural a partir da privatização

das empresas.

No sétimo capítulo é feita uma análise comparativa entre aS três

empresas.

Por último, no capítulo oito, são apresentadas as conclusões do estudo.

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2 Referencial Teórico

2.1 Cultura

Embora existam, na literatura acadêmica e popular, inúmeras variações,

o conceito de cultura no qual se baseia a teoria organizacional teria sua origem

na Antropologia (Sackman, 1992) tendo sido primeiramente usado na língua

inglesa por E. B. Taylor, em 1871 (Salama, 1992). Para Taylor apud Gonzaga

Mello (1987), a cultura seria um conjunto complexo que incluiria: conhecimento,

crença, arte, moral, lei, costumes e várias outras aptidões e hábitos adquiridos

pelo homem como membro da sociedade.

Por essa definição, conclui-se que Cultura, em sentido amplo, seria todo

o conjunto de obras humanas, que distingue o homem de outros animais.

Em seus trabalhos, Taylor enfatizaria a capacidade humana de aprender

e transmitir para outros seu conhecimento e definiria cultura como o resultado

dessa capacidade humana de aprendizagem. Para o autor, a capacidade de

continuar, criar, acumular e transmitir a cultura, independente de sua herança

genética seriam as questões mais importantes a serem discutidas (Salama,

1992).

o conceito de cultura já foi definido das mais diversas formas e sob

diversos enfoques. Pode-se adotar uma visão de cultura segundo enfoque

antropológico, que busca desvendar os significados dos costumes de uma

sociedade, ou segundo a visão sociológica do termo, que procura compreender

a elaboração dos símbolos (Salama, 1992).

A enciclopédia Delta Larousse (1972), por exemplo, define cultura em

seu sentido antropológico e sociológico, como um complexo de hábitos, idéias

ou criações do homem, recebidas do grupo em que nasceu ou adquiridas ao

contato com outros grupos.

Segundo Gonzaga Mello (1987), alguns estudiosos, como os

antropólogos Kroeber e Klucklohn consideram que, embora alguns aspectos da

cultura sejam universais como, por exemplo, a necessidade de se cuidar de um

bebê para que ele sobreviva, os grupos diferem culturalmente de acordo com

suas histórias e experiências de aprendizagem.

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De acordo com Linton (1971) apud Gonzaga Mello (1982), a cultura de

qualquer grupo ou sociedade consistiria na soma total e na organização de

idéias, reações emocionais condicionadas e padrões de comportamento

habitual que seus membros adquiririam pela instrução ou pela imitação de que

todos, em maior ou menor graus, participariam. A cultura, entretanto, não seria

apenas adquirida; ela seria também transformada, acrescentada e mudada

pela inovação ou descoberta.

Sathe (1986) considera que o conceito atual de cultura foi influenciado

pelas escolas adapcionistas e ideacionistas. A primeira basear-se-ia no que

seria diretamente observável nos membros de uma comunidade - modo de

falar, linguagem e modo de vestir, por exemplo. A segunda observaria os

conceitos compartilhados nas mentes dos membros de uma comunidade:

aspirações, valores, crenças e outras idéias que as pessoas têm em comum

(Ester de Freitas, 1991).

O conceito de cultura poderia ser aplicado a diversos grupos coletivos,

tais como organizações, profissões, religiões ou famílias.

2.2 Cultura Organizacional

Durante as décadas de 70 e 80, o conceito de cultura e o estudo das

organizações tornaram-se cada vez mais próximos. O reconhecimento dos

aspectos simbólicos de sistemas organizados chamou atenção para uma

perspectiva cultural nas organizações (Smircich, 1983). Nesse contexto,

surgiram vários estudos que trataram o gerenciamento como uma atividade

simbólica (Smircich e Morgan, 1983) enquanto outros chamaram atenção para

o poder do simbolismo organizacional - lendas, estórias, mitos e cerimônias

(Trice e Beyer, 1983).

Há muitas controvérsias na literatura sobre cultura corporativa.

Estudiosos como Hofstede (1986), advogam que cultura organizacional deve

ser uma disciplina própria nos estudos sobre gerenciamento. Entretanto, outros

autores como Thackray (1986), não somente negam a importância da cultura

nas organizações como até mesmo desconsideram a sua existência.

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Essa confusão sobre o conceito de cultura corporativa deve-se à grande

quantidade de definições e métodos de investigação sobre o tema, originadas

pelas várias e diversas correntes que o estudam. Disciplinas tais como a

Antropologia, Sociologia e Psicologia interessam-se pelo estudo da cultura

organizacional o que, se por um lado enriquece a discussão, por outro dificulta

a obtenção de um consenso sobre sua definição e sua operacionalização (Trice

e Beyer, 1983).

2.2.1 Teoria Organizacional - suposições e metáforas

Vários autores (Morgan e Smircich, 1980) têm se dedicado a

compreender as várias suposições que os teóricos das organizações

apresentam em seus estudos. Esses autores concordam que o trabalho na

teoria organizacional pode ser caracterizado por uma série de suposições

sobre o status ontológico da realidade social - a questão do objetivo vs

subjetivo - e uma gama de suposições sobre a natureza humana - a questão

do determinismo vs voluntarismo (Smircich, 1983).

Pesquisadores que mantêm diferentes posições sobre essas questões,

abordam o estudo das organizações de diferentes modos. Entretanto, apesar

dessas diferenças básicas, alguns argumentam que todos os cientistas buscam

conhecer o mundo através de suas diferentes percepções sobre o seu objeto

de estudo (Morgan, 1980).

Outros apontam que o uso de metáforas, ou seja, a caracterização de

uma coisa em função de outra, é um aspecto fundamental do pensamento

humano; é como conhecemos o mundo (Lakoff e Johnson, 1980). Segundo

Smircich (1980), percepção e conhecimento estariam vinculados em um

processo interpretativo que seria metaforicamente estruturado, permitindo-nos

conhecer um elemento de experiência em função de outro. Usar uma metáfora

implicaria um modo de pensar e uma forma de ver que permearia a maneira

pela qual se entende o mundo em geral.

Ao longo do desenvolvimento da teoria e prática administrativa, tanto os

teóricos das organizações como os praticantes têm usado uma variedade de

metáforas ou imagens, para caracterizar, moldar e diferenciar uma espécie de

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experiência conhecida como "organização". Ainda segundo Smircich (1983), a

associação com metáforas seria relevante para compreender a organização e a

administração. As organizações seriam fenômenos complexos e paradoxais,

que poderiam ser compreendidos de muitas maneiras diferentes. Muitas das

idéias assumidas como certas sobre as organizações seriam metafóricas,

mesmo que não fossem reconhecidas como tal. Falar-se-ia, por exemplo, sobre

organizações, como se elas fossem máquinas desenhadas para atingir fins e

objetivos pré-determinados, que devessem funcionar tranqüila e

eficientemente. Quando os administradores pensam nas organizações como

máquinas, tenderiam a administrá-Ias e planejá-Ias como máquinas feitas de

partes que se interligariam, cada uma desempenhando um papel claramente

definido no todo. Como resultado desse tipo de pensamento, suas qualidades

humanas acabariam impelidas para um papel secundário (Morgan, 1986).

Outra metáfora bastante utilizada considera as organizações como

organismos (Morgan, 1986). Essa visão, apreendida da biologia, em que

ecossistemas definiriam um hábitat e os seres vivos que o habitam, levar-nos­

ia a ver a organização como participante de um ambiente e sujeita às

influências dos outros participantes desse ambiente. Desse modo, poder-se-ia

analisar todo o ciclo de vida de uma organização, seu nascimento,

crescimento, desenvolvimento, declínio e morte conforme as relações de

demanda do meio ambiente. A capacidade de adaptação das organizações ao

meio ambiente também poderia ser claramente percebida por meio desta

metáfora. Essa imagem focalizaria a sua atenção em compreender e

administrar as "necessidades" organizacionais e as relações com o ambiente.

Levaria a ver os diferentes tipos de organizações como pertencentes a

diferentes espécies. Vêem-se que diferentes espécies seriam mais talhadas

para lidar com as demandas de diferentes ambientes e, desta forma, aumentar­

se-ia a capacidade de desenvolver interessantes teorias sobre as relações

entre organizações e os seus ambientes.

Embora metáforas que aludam ao ambiente fisico, tais como a dos

organismos e das máquinas sejam historicamente dominantes, outras

metáforas, como as sociais, também têm sido usadas para elaborar aspectos

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da organização (Smircich, 1983). Por exemplo, as organizações podem ser

vistas como "palcos", onde os atores têm papéis, dramas e scrípts ou como

"arenas políticas" orientadas à busca e conquista de poder. Cada uma dessas

imagens metafóricas foca sua atenção em aspectos distintos e fornece modos

diferentes de se conhecer o fenômeno chamado organização. Nem sempre o

uso de uma metáfora é uma escolha consciente ou se faz explícita, mas pode

ser inferida através do modo como o estudo da organização é conduzido, das

suposições feitas no estudo.

Alguns autores, como Pinder e Bourgeois (1982), entretanto, são

contrários ao uso de metáforas uma vez que isso pode afastar os teóricos das

organizações do seu objeto de estudo. Essa linha de pensamento é combatida

por autores que sugerem que o próprio termo organização é uma metáfora que

se refere à experiência de coordenação e ordenamento coletivo (Smircich,

1983).

"Organização ê uma função do problema da ordem e ordenação,

similarmente, conceituações da organização sociais têm sido função da

conceituação do problema da ordem e da ordenação. Muito cedo na

experiência humana, ordem parece ter sido um tipo de fato empírico do qual

não se pode escapar nem se pode reter. O sol nasce e se põe; pessoas

nascem e morrem; as estações vêm e vão; e existe a procissão das estrelas. O

padrão espacial e a temporalidade da experiência humana estabeleceram um

imaginário da ordem, formando uma vestimenta para o drama do cosmos

surgindo do caos. A conquista lenta e incrementaI de um substancial avanço

científico no conhecímento do universo, foi construída na experiência semiótica

e na sua tradicional devoção a suposição inquestionável que esse é um

universo ordenado. (Meadows, 1967:78 apud Linda Smircich, 1983)."

Se, seguindo a linha de Meadows (1967) e Smircich (1983), a teoria

organizacional é dominada pelo conceito de ordem social, o interesse pelo

conceito de cultura não é uma surpresa. Na antropologia, cultura seria o termo

fundamental através do qual ordenamento e padronização da maioria da

experiência humana seria explicada. O mesmo argumento usado por Meadows

(1967) sobre a teoria organizacional poderia ser usado na antropologia cultural

- ela também questionaria o problema da ordem social. O que se vê ao

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associar os conceitos de cultura e organização seria a interseção das duas

imagens, as associadas com organização e as associadas com cultura.

2.2.2 Diferentes correntes no estudo da cultura organizacional

Tal como cultura, a cultura organizacional também é difícil de ser

definida; mas, seguindo Smircich (1983), uma divisão seria sempre feita entre

pesquisadores que tratariam cultura como variável e os que considerariam

cultura uma metáfora. Segundo Schultz (1995), cultura como uma variável

basear-se-ia em uma perspectiva racionalista defendida por autores populares

como Peters e Waterman e Oeal e Kennedy assim como na perspectiva

funcionalista, representada por Schein. Para Schultz (1995), a cultura seria

usada como uma metáfora na perspectiva simbólica, corrente criada a partir de

estudos de antropólogos como Geertz. Ainda de acordo com Schultz, do ponto

de vista da perspectiva funcionalista a pergunta mais importante seria: "qual a

função que a cultura preenche em uma organização?" Enquanto a pergunta

fundamental feita pelo simbolismo seria: "qual o significado da organização

para seus membros ?". (Rowlinson e Procter, 1999).

Rowlinson e Procter (1999) defendem que os diferentes estudos de

cultura organizacional ao invés de serem mutuamente exclusivos são níveis de

análises que se sobreporiam. Em um primeiro nível, a metáfora da cultura

organizacional, veria a organização como um todo, uma coletividade. No

segundo nível, a perspectiva simbólica da organização, possibilitaria uma

interpretação da importância simbólica do fenômeno anteriormente inexplicado

ou não percebido. Por último, o discurso pós-moderno das organizações

preocupar-se-ia em como estariam sendo feitas as pesquisas, levantaria

dúvidas sobre a racionalidade de se conduzir pesquisas e usar a linguagem

para expressá-Ia. Esses três níveis corresponderiam ao culturismo corporativo,

simbolismo organizacional e ao pós-modernismo (Rowlinson e Procter, 1999).

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2.2.2.1 Tipologia dos estudos de Cultura Organizacional- Rowlinson e Procter, 1999.

a. "Culturismo" Corporativo

Para Rowlinson e Procter (1999), uma das explicações para a explosão

das pesquisas sobre cultura corporativa durante os anos 80, teria sido o fato do

sucesso econômico do Japão ter sido creditado às características culturais do

Japão e das suas corporações. Em resposta a isso, pesquisadores americanos

como Peters e Waterman (1982) e Deal e Kennedy (1982), teriam percebido a

necessidade de se valorizar as virtudes culturais das empresas americanas.

Essa versão popular do "culturismo corporativo,,3 teria sido duramente criticada

por advogar manipulação e controle ideológico como uma estratégia essencial

de gerenciamento.

A importância da história empresarial seria claramente reconhecida no

culturismo corporativo popular, mesmo que o seu tratamento tenha sido

simplista. Segundo Rowlinson e Procter (1999), Peters e Waterman basear-se­

iam em eventos históricos escritos por proeminentes membros das

organizações e os tratariam como fontes históricas incontestáveis. Deal e

Kennedy também dariam grande importância a fontes históricas. Para esses

autores, as organizações americanas seriam mais do que simples

organizações seriam instituições humanas.

Segundo criticos dessa corrente, os depoimentos de executivos e

gerentes usados pelos teóricos do culturismo corporativo seriam considerados

verdades incontestáveis, havendo pouca reflexão sobre o que é dito. Nem

Peters e Waterman, nem Deal e Kennedy discutiriam o lado negro das histórias

que aflorariam.

Além disso, embora os autores dessa corrente reconheçam a

importância da história empresarial, eles a separariam claramente dos mitos.

Para eles a história seria imutável, enquanto "estórias, mitos e lendas"

poderiam ser construidos para atender aos valores e a cultura da empresa.

Quando se tratasse de gerenciar a cultura, eles atribuiriam muito mais poder ao

mito do que à história (Rowlinson e Procter, 1999).

3 Nomenclatura usada por WiIlmott (1993).

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Schein (1985), um dos mais influentes estudiosos da cultura corporativa,

trabalha sobre uma estrutura funcionalista, e reconhece que a informação

histórica é vital para o estudo de cultura. Entretanto ele considera a histórica

metodologicamente inacessivel devido ao problema dos significados. Os

estudos de cultura de Schein seriam amplamente baseados em entrevistas. A

natureza dos seus dados reforçaria o fato que a história real seria complexa,

dificil de ser interpretada e por si só um repositório de cultura. Schein simplifica

e reinterpreta os dados de modo a enquadrá-los em temas que façam sentido

em termos de cultura organizacional.

Schein (1985) interpreta fatores históricos no que diz respeito à história

de seus fundadores. Ao invés de basear-se na história das culturas

organizacionais, Schein invoca teorias psicológicas da psicodinâmica de

formação de líderes. Ele se utiliza disso para idealizar o quadro de como

culturas organizacionais são formadas a partir da ação de seus fundadores.

b. Simbolismo Organizacional

O simbolismo organizacional abrangeria diversas tradições teóricas

como a antropologia, semiótica, criticismo literário e estudos de comunicação.

Estudiosos dessa corrente advogariam não haver consenso sobre o que seria

cultura organizacional ou sobre o que esperar do estudo da cultura

organizacional. Entretanto, segundo Rowlinson e Procter (1999), eles desejam

afastar-se do culturismo corporativo. Os simbolistas organizacionais posicionar­

se-iam como acadêmicos e não praticantes, como puristas culturais e não

pragmáticos.

O simbolismo organizacional estaria associado a ponto de vista de

teóricos sociais que defenderiam que para compreender a realidade social

seria preciso estar menos preocupados com previsões e mais com o

significado e interpretações dos atores, que ajudariam a construir o fenômeno

social denominado organização. Simbolistas organizacionais não entenderiam

a cultura como chave para predição do sucesso das organizações. (Rowlinson

e Procter, 1999).

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Os adeptos do simbolismo organizacional seriam particularmente críticos

à idéia que as organizações possuiriam uma única cultura corporativa que

poderia ser manipulada pela gerência da organização. Ao contrário, as

organizações poderiam ser vistas como contendo subculturas. (Rowlinson e

Procter,1999).

A mudança para o simbolismo organizacional estaria associada à

crescente desilusão com os métodos quantitativos usados nos estudos

organizacionais, os quais encorajariam os pesquisadores a separarem-se do

fenômeno que criou a vida organizacional e passar muito pouco tempo nas

organizações coletando dados.(Rowlinson e Procter, 1999).

Do mesmo modo que Geertz, os simbolistas organizacionais

defenderiam descrições em profundidade sobre as organizações, envolvendo

casos qualitativos em contraposição às descrições sucintas baseadas em

poucas entrevistas com gerentes. Por outro lado, autores como Ott (1989)

argumentariam que os estudos de caso profundos raramente poderiam ser

replicados. Isso aconteceria porque a pesquisa etnográfica seria um produto da

relação entre o pesquisador, a comunidade pesquisada e os atores da

organização que estaria sendo estudada. O papel do pesquisador nesse

relacionamento não poderia ser passivo.

Os simbolistas acreditariam que a objetividade na pesquisa

organizacional seria um mito e que uma genuína perspectiva de ciência social

seria uma infraestrutura interpretativa subjetivamente imposta no processo de

coletar e analisar dados culturais. O reconhecimento do pesquisador como

parte do processo interpretativo, resultaria em um estilo de escrever subjetivo

onde o autor estaria necessariamente presente de algum modo. Segundo

Rowlinson e Procter (1999), num caso extremo isso poderia levar a uma

autobiografia e não a uma etnografia, onde o interesse seria captar a

experiência única do autor em uma cultura, e não em uma descrição confiável

da mesma (Rowlinson e Procter, 1999).

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c. Pós Modernismo

Ainda segundo Rowlinson e Procter (1999) a relutância dos simbolistas

organizacionais em pesquisar e escrever narrativas históricas seria reforçada

pela influência do pós-modernismo. Na maior parte dos estudos

organizacionais, o pós-modernismo teria sido fonte de inspiração para os

teóricos com formação no simbolismo organizacional.

Em comum com os simbolistas organizacionais, o pós-modernismo

estaria associado com a introdução nos estudos da cultura organizacional de

disciplinas tais como a lingüística, psicanálise, antropologia, critica literária e

história. Assim como o conceito de cultura, o pós-modernismo é difícil de ser

definido e seus críticos reclamam essa falta de definição (Rowlinson e Procter,

1999). O pós-modernismo poderia ser mais bem entendido como um termo que

abrigaria uma gama de discussões envolvendo linguagem, cultura,

racionalidade e escrita. Essas discussões constituiriam uma mudança textual

nos estudos organizacionais particularmente ligados aos estudos etnográficos

da cultura organizacional. Para os pós-modernistas, os etnógrafos estariam tão

preocupados com a arte de escrever quanto com a de pesquisar sobre cultura.

Existe um temor de que reflexões infindáveis sobre o que faz a etnografia ser

uma etnografia distraiam os etnógrafos de fazer trabalho de campo. Enquanto

o pós-modernismo corre o risco de ser acusado de querer transformar toda a

ciência social em crítica literária, Rowlinson e Procter (1999), alertam sobre o

risco de isso ser usado para se evitar uma maior reflexão crítica.

As mais céticos ou duras versões do pós-modernismo, associadas a

gurus como Lyotard (1984) e Baudrillard (1992), aparentariam acreditar no fim

dos estudos organizacionais tal qual apostariam no fim da história. Para esses

autores, do mesmo modo como não faria sentido procurar padrões e

significados na história, seria igualmente inútil interpretar o mundo em termos

de organizações, culturas e símbolos.

São as formas mais suaves ou positivas das versões do pós­

modernismo, especialmente a de Foucault (1972), as que teriam sido

consideradas tanto no estudo de culturas organizacionais quanto na história

das organizações. A influência de Foucault estaria nos conceitos de que

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organização e cultura não se refeririam a objetos, mas a construções

lingüísticas.

2.2.2.2 Tipologia dos estudos de Cultura Organizacional- Linda Smircich, 1986.

Segundo Smircich (1986), a interseção entre a teoria das organizações e

a teoria da cultura se manifesta em várias áreas temáticas e conteúdos, que

são de interesse de estudiosos das organizações e de gerenciamento, como

mostra a figura 2.1. Diferentes conceitos de organização e cultura teriam

gerado estudos nas seguintes áreas: gerenciamento corporativo,· cultura

organizacional, simbolismo organizacional e organização e processos

inconscientes. A variação no modo em que o conceito de cultura é usado por

pesquisadores nessas diversas áreas estaria diretamente ligada aos diferentes

modos como "organização" e "cultura" são percebidos. Seus questionamentos

são guiados por diferentes metáforas e buscam diferentes fins.

Smircich (1983), define cinco programas de pesquisas diferentes

associados a conceitos de cultura e organização, e que utilizam diferentes

suposições e metáforas: Nos dois primeiros, cultura seria uma variável

organizacional que poderia ser tanto independente ou dependente, externa ou

interna. Nos três últimos, cultura não seria uma variável, mas uma metáfora

para conceituação de organização.

a. Cultura como variável independente

Estudos sobre gerenciamento comparativo analisam variações no

gerenciamento, práticas de trabalho e atitudes em diferentes países (Haire,

Ghiselli e Porter apud Smircich, 1983). Para esses estudiosos, cultura seria um

fator que estaria na retaguarda, quase sinônimo de país, uma variável

explanatória ou uma infraestrutura básica e ampla, influenciando e reforçando o

desenvolvimento de credos. A literatura sobre esse tema poderia ser

segmentada em um macro foco, examinando a relação entre cultura e a

estrutura da organização e em um micro foco, investigando similaridades e

diferenças na atitude de gerentes de diferentes culturas (Smircich, 1983).

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Cultura é um instrumento a serviço das necessidades humanas biológicas e psicológicas.

Ex. Funcionalismo de Malinowski

Cultura funciona como um mecanismo adaptativo e regulatório, Une individuas em estruturas sociais.

Ex. Funcionalismo estrutural de Radcliffe-Browni.

Cultura é um sistema de cognições compartilhadas. A mente humana cria a cultura através de um numero finito de regras.

Ex. Etnociência de Goodenough.

Cultura é um sistema de simbolos e significados compartilhados. As ações simbólicas precisam ser interpretadas. lidas e decifrooas para serem entendidas.

Ex. Antropologia simbólica de Geertz.

Cultura é um projeção da infraestrutura universal da mente humana.

Ex. Estruturalismo de Levi-Strauss.

ASSUNTOS ESTUOADOS NA PESQUISA GERENCIAL E ORGANIZACIONAL

Gerenciamento

Corrporativo ~--

Cultura

Corporativa

Cogniçao

Organizacional

Simbolismo

Organizacional

Processos Inconscientes e

Organizaçao

20

Organizações são instrumentos sociais para a realização de tarefas.

Ex. Teoria Clássica.

Organizações são organismos adaptativos existentes através do processo de troca com o ambiente.

Ex. Teoria Contingerdal

Organizações são sistemas de conhecimento. A· Organização "reside na rede de significados subjetivos que seus membros compartilham em níveis variados. e parece funcionar baseada em

regras Ex. Teoria Organizacional Cognitiva

Organizações sao padrOes de discurso simbólico. A "Organizaçao" é mantida através de modos simbólicos como a linguagem qLe facilitam o compartilhamento de sgnificooos e realidades.

Ex. Teoria Organizacional Simbólica.

Formas e práticas organizacionais são manifestações de processos do inconsciente.

Ex.Teoria Organizacional Transformacional.

Conceitos de Cultura Conceitos de Organização

Figura 2.1. Interseções entre teoria da cultura e teoria organizacional

Fonte: Concepts of Culture and Organizational Analysis, Linda Smircich, 1983-Administrative Science Quartely, 28 (1983): 339-358

Esse conceito de cultura-organização poderia ser esquematicamente

representado como na figura 2.2.

Contexto Cultural

A Organização

Figura 2.2 Cultura como variável independente, externa á organização

Fonte: Concepts of Culture and Organizational Analysis, Linda Smircich, 1983-Administrative Science Quartely, 28 (1983): 339-358

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21

Assim, a cultura seria tratada como uma variável independente, trazida

para a organização através dos seus membros. Sua presença seria detectada

através dos padrões, das atitudes e ações dos membros da organização.

Pesquisas derivadas dessa visão analisariam diferenças entre culturas,

localizariam grupos similares e traçariam as implicações sobre efetividade

organizacional.

b. Cultura como variável interna

Um segundo modo de se relacionar os conceitos de organização e

cultura seria o de pesquisadores tais como Deal e Kennedy (1992), que

acreditam que as organizações por si só seriam fenômenos geradores de

cultura.

Nesse caso, as organizações seriam vistas como instrumentos sociais

que além de produzirem bens e serviços produziriam artefatos culturais

distintos tais como rituais, lendas e cerimônias. Embora as próprias

organizações estivessem inseridas em um contexto cultural mais amplo,

pesquisadores dessa linha enfatizariam os aspectos sócio-culturais

desenvolvidos nas organizações (Smircich, 1986).

Pesquisas que se utilizam desse conceito baseiam-se na teoria dos

sistemas. Como tal, estariam preocupadas em articular padrões de

relacionamentos contingenciais entre variáveis típicas da organização, tais

como estrutura, tamanho, tecnologia e liderança. Algumas variáveis subjetivas,

como cultura, seriam inseridas no modelo de sistemas, com o reconhecimento

que processos simbólicos estariam ocorrendo dentro das organizações.

Consistente com o modelo da teoria dos sistemas, essa linha de pesquisa

consideraria que a organização estaria em constante troca com o seu meio­

ambiente. O meio-ambiente estabeleceria alguns padrões de comportamento

que os gerentes trariam para as organizações através de simbolismos. O

resultado seria que a dimensão cultural ou simbólica de algum modo

contribuiria para o balanço sistêmico geral e para a efetividade da organização.

A figura 2.3 esquematiza essa forma de abordagem entre cultura e

organização

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Figura 2.3 Cultura como variável independente, interna à organização

Fonte: Concepts of Culture and Organizational Analysis, Linda Smircich, 1983-Administrative Science Quartely, 28 (1983): 339-358

22

Dentro dessa abordagem, a cultura seria normalmente definida como um

aglutinador social que manteria a organização integrada. Ela expressaria os

valores ou ideais sociais e os credos que os membros da organização

compartilhariam. Esses valores ou padrões de crenças seriam manifestados

através de meios simbólicos como mitos, rituais, estórias, lendas e linguagem

especializada.

Algumas das mais antigas referências ao conceito de cultura como uma

variável organizacional interna, podem ser encontradas na literatura de

Desenvolvimento Organizacional. A maior parte dos pesquisadores dessa área

estaria preocupada em melhorar os mecanismos adaptativos dentro das

organizações. As intervenções do Desenvolvimento Organizacional estariam

sempre direcionadas ao subsistema cultural de modo a permitir o

questionamento de valores e normas sob os quais as pessoas operariam.

Essas ações ajudariam a cultura a ser mais receptiva a mudanças, facilitando o

realinhamento de todo o sistema organizacional a uma configuração mais

viável e satisfatória (Smircich, 1986).

Entretanto, outra linha de pesquisa não explicitamente preocupada com

projetos de mudanças planejadas, tem focado em aspectos normativos e

simbólicos das organizações. Essa linha de pesquisa defende que haveria

alguns processos de interpretação subjetiva que poderiam influenciar a

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adaptação em ambientes organizados, e procuraria descrever e prever o modo

como tais processos estão relacionados a outros parâmetros como rotatividade

de pessoal, absenteismo e comprometimento. Essa linha de pesquisa

investigaria várias dimensões da cultura organizacional. Seus pesquisadores

advogariam que artefatos culturais e mesmo o próprio gerenciamento seriam

poderosos mecanismos simbólicos de comunicação. Eles poderiam ser usados

para estabelecer o comprometimento organizacional, converter uma filosofia de

gerenciamento, racionalizar e legitimizar atividades, motivar pessoas e facilitar

a socialização. (Smircich, 1986).

Cultura concebida como valores e crenças compartilhadas, preencheria

várias importantes funções. Em primeiro lugar, forneceria um senso de

identidade aos membros da organização. Em segundo lugar, facilitaria o

estabelecimento de comprometimento dos membros com algo maior do que

consigo mesmo. Em terceiro lugar, melhoraria a estabilidade do sistema social.

Por último, a cultura serviria com um algo que faz sentido e que norteia e

modela os comportamentos.(Smircich, 1986).

Essa linha de pesquisa ofereceria a perspectiva de que a cultura

organizacional poderia ser uma peça chave, uma poderosa ferramenta para

direcionar e influenciar o curso de uma organização. A crença seria que

empresas cuja cultura organizacional estivesse alinhada a seus objetivos

estratégicos teriam maiores chances de sucesso. Aos gerentes caberia

encontrar o modo como usar estórias, lendas e outros simbolismos próprios

para atingir os objetivos que deseja. (Smircich, 1986).

De um modo geral, pesquisas baseadas na visão de cultura como uma

variável organizacional buscariam entender como moldar e definir uma cultura

interna de um modo particular e como mudar uma cultura de modo a atingir os

objetivos organizacionais.(Smircich, 1986).

Em contraposição a essa pesquisa, alguns estudiosos questionariam o

fato de uma cultura ser gerenciável. A maior parte da literatura referir-se-ia a

uma cultura organizacional, esquecendo-se da grande possibilidade de haver

mais de uma cultura, subculturas ou mesmo contra-culturas, competindo na

definição da natureza das situações dentro dos limites da organização. Outro

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questionamento feito seria até que ponto o termo cultura corporativa referir-se­

ia a nada mais do que uma ideologia cultivada pelos gerentes com o objetivo

de controlar e legitimizar suas atividades. (Smircich, 1986).

Apesar desses questionamentos, o conceito de cultura corporativa

geraria muito interesse entre acadêmicos e profissionais. Talvez por se tratar

de um termo de senso-comum - todos saberiam o que significa sem muita

explicação. Para acadêmicos, cultura forneceria uma ligação conceitual entre

micros e macros níveis de análise, bem como uma ligação entre

comportamento organizacional e interesses gerenciais estratégicos. Para

profissionais, proveria um modo menos racional de entender o mundo

organizacional, de modo mais próximo da sua vivência prática. (Smircich, 1986)

c. Comparativo entre cultura como variável independente e como variável

interna

Embora as diferentes abordagens anteriormente analisadas pareçam

distintas, há nelas alguns aspectos comuns. Ambas estão consistentes com os

paradigmas funcionalista, a visão estruturada do sistema, e o social factual. As

duas são derivadas de pressuposições básicas similares sobre a natureza do

mundo social, das organizações e da natureza humana.

Ambas assumem que o mundo social se expressa em termos de

relacionamentos formais e contingenciais entre os seus elementos, chamados

de "variáveis" (Morgan e Smircich, 1980). Elas compartilham o conceito de

organizações como organismos, existindo em um ambiente que apresenta

algumas normas de comportamento. No primeiro caso, "cultura" é parte do

ambiente e vista como determinando ou imprimindo sua força. No segundo

caso, cultura organizacional é vista como resultado da interferência humana.

Nos dois casos organizações e cultura são conhecidas através do estudo de

padrões de relacionamento dentro e fora das suas fronteiras.

Ao se considerar cultura como uma variável, as suas atenções são

focalizadas na linguagem, nos símbolos, mitos, histórias e rituais. Mas

enquanto a primeira linha busca entender essas manifestações da cultura

como variáveis, a segunda busca entendê-Ias como geradoras de significados.

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o ponto comum nos estudos das duas abordagens, é a busca por

modos previsíveis de controle organizacional e da melhoria do gerenciamento

das organizações. Nos dois casos o problema da casualidade é de importância

crítica.

d. Cultura como metáfora

As duas maneiras anteriormente descritas para analisar-se cultura e

organização estão consistentes com a imagem de organização como um

organismo. Mas existem outras maneiras de analisar as organizações, por

exemplo, como cérebros, sistemas políticos e prisões psicológicas (Morgan,

1986)4

Alguns teóricos defenderiam que as organizações deveriam ser

entendidas como culturas. A metáfora cultural enxergaria a organização como

idéias, valores, normas, rituais e crenças que sustentariam a organização como

uma realidade social construída. Eles abandonariam a idéia de que cultura

4 Quando se comparam as organizações a cérebros, dar-se-ia importância aos processos de

informação. aprendizado e inteligência e às formas de desenvolvê-los. Segundo esse enfoque as

organizações modernas poderiam ser melhor entendidas se fossem comparadas com hologramas. Os

hologramas apresentariam a caracteristica peculiar de ser o todo e a parte ao mesmo tempo. A

organização holográfica se formaria a partir da divisão do todo em partes, da criação de redes de

conectividade e redundância entre partes, da existência simultânea da especialização e da generalização

8, por fim, da capacidade de se organizar por si só em uma forma total. Assim, a organização seria uma

fonte de informações, inteligência e auto desenvolvimento (Morgan, 1986).

A metáfora política buscaria explicar a organização segundo interesses, conflitos e disputas de

poder internas e externas à organização. Uma metáfora derivada desta seria a da organização como

instrumento de dominação e exploração com vistas a atingir objetivos organizacionais. (Morgan, 1986)

As organizações também poderiam ser vistas como prisões psiquicas em que as pessoas são

aprisionadas pelos seus pensamentos, ideais, crenças e preocupações surgidas do seu inconsciente.

Neste enfoque, as organizações seriam um reflexo das manifestações do inconsciente das pessoas. A

busca da redução da ansiedade, da satisfação dos desejos, da solução dos problemas advindos da

repressão sexual e da segurança seriam os guias mestres desta visão. (Morgan, 1986)

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seria algo que a organização tem em detrimento de algo que a organização é

(Smircich, 1983).

O uso da cultura como uma metáfora seria bastante diferente do que

fazer analogias entre organizações e máquinas ou organizações e organismos.

Representaria uma mudança na comparação da cultura com objetos físicos

para comparação com outro fenômeno social, uma suposição sujeita a

ambigüidades devido ao caráter abstrato de cultura. A cultura como uma

metáfora para as organizações iria além da visão instrumental das

organizações vistas como máquinas e além da visão adaptativa proveniente da

metáfora do organismo. Cultura como metáfora veria as organizações como

formas expressivas, manifestações da consciência humana, entendidas e

analisadas não somente em termos econômicos e materiais, mas em termos

de sua expressão, ideais e aspectos simbólicos. (Smircich, 1983).

Caracterizada amplamente, a linha de pesquisa derivada dessa

perspectiva exploraria o fenômeno da organização como uma experiência

subjetiva, e investigaria os padrões que tomariam a ação organizada possível.

(Smircich, 1983).

O conceito de cultura desenvolvido na antropologia serviria como um

instrumento epistemológico do mesmo modo como a metáfora dos organismos

serviria como base para o desenvolvimento da teoria dos sistemas nas

organizações. Entretanto, como já dito anteriormente, na própria antropologia o

conceito de cultura seria bastante variado. Quando os teóricos das

organizações desenvolvem uma analogia com a cultura, costumam trabalhar

com uma visão de cultura extraida da antropologia cognitiva, da antropologia

simbólica ou da antropologia estrutural e teorias psicodinâmicas. A antropologia

cognitiva diz que a cultura consiste no conhecimento compartilhado; a

simbólica considera cultura como significados compartilhados; e a estruturalista

enfoca a cultura como a manifestação e expressão das operações

inconscientes da mente.

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d.1. Perspectiva Cognitiva

De acordo com a corrente que segue a antropologia cognitiva,

conhecida como etnociência, cultura seria um sistema de cognições

compartilhadas ou um sistema de conhecimentos e crenças. A cultura seria

vista como um sistema único para perceber e organizar fenômenos materiais,

coisas, eventos, comportamentos e emoções (Smircich, 1983).

A cultura seria gerada pela mente humana através de um número finito

de regras ou significados de uma lógica inconsciente. A tarefa de um

antropólogo que seguisse essa corrente seria determinar quais seriam essas

regras, descobrir como os membros da cultura vêem e descrevem seu mundo

(Smircich, 1983).

A maior conseqüência prática de se conceber as organizações como

associações sociais cognitivas seria a ênfase no pensamento e na mente. Os

membros da organização seriam vistos como componentes que tem

comportamento e pensamento (Smircich, 1983).

A perspectiva cognitiva teria sido crescentemente aplicada ao estudo

das organizações. Teóricos dessa corrente poderiam ou não usar o termo

cultura em seus trabalhos. A ênfase que dariam à cognição os levaria a ver as

organizações como redes de significados subjetivos ou sistemas de referência

compartilhados que membros da organização compartilhariam em diferentes

graus e, assim, para um observador externo, pareceriam funcionar como regra.

Algumas dessas pesquisas documentariam como os membros da organização

perceberiam a eles mesmos como uma coletividade. Muitas vezes seriam

também diagnósticos, no sentido que descreveriam até que ponto existiria uma

base compartilhada para ação ou espaço para conflito (Smircich, 1983).

O entendimento de organizações como culturas - estruturas de

conhecimento ou empresas cognitivas - seria semelhante à noção de

paradigma como aplicado nas comunidades científicas. Em outras palavras,

paradigmas e culturas, ambos referir-se-iam a visões do mundo, padrões

organizados de pensamento acompanhados do entendimento do que

constituiria conhecimento adequado e atividade legítima. Alguns teóricos

considerariam a conceituação de organizações como paradigmas úteis para se

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pensar sobre processos estratégicos de gerenciamento e mudança

organizacional (Smircich, 1983).

A orientação cognitiva da cultura e organização seria unificada pela

atenção dada pelos teóricos à base epistemológica da ação social, assim como

das suas buscas para encontrar uma gramática para explicar seu padrão. Um

pensamento comum nesses trabalhos seria que o pensamento estaria ligado à

ação. A maior conseqüência prática de se conceber as organizações como

empresas cognitivas socialmente sustentadas seria a ênfase na mente e no

pensamento. Membros da organização seriam vistos como seres que pensam

e se comportam.

Enxergar as organizações como sistemas de conhecimento abriria

canais para o entendimento do fenômeno da atividade organizada. As questões

a serem pesquisadas seriam: Quais as estruturas de conhecimento que

estariam operando? Quais seriam as "regras" ou "roteiros" que direcionariam a

ação? Seriam estas as questões práticas para os que buscam entender,

diagnosticar e alterar o modo como a organização está funcionando (Smircich,

1983).

d.2. Perspectiva Simbólica

Outra corrente é a da perspectiva simbólica. Antropólogos como

Hallowell (1955) e Geertz (1973) tratariam sociedades ou culturas como

sistemas de símbolos e significados compartilhados. Perceberiam a função do

antropólogo como sendo interpretar os "temas" da cultura - esses postulados

ou entendimentos, declarados ou implícitos, aprovados por todos embora sem

regulamentação específica, que orientariam e estimulariam a atividade social.

De modo a explicar os sistemas de significados que permeariam as atividades,

os antropólogos mostrariam o mOodo como símbolos operariam em relações

plenas de significados e demonstrariam sua conexão como as atividades das

pessoas (Smircich, 1983).

Quando essa perspectiva simbólica fosse aplicada à análise

organizacional, a organização, assim como a cultura, seria entendida como um

padrão de discurso simbólico. Seria necessário interpretar, "ler" ou "decifrar"

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para ser entendida. Para interpretar uma organização, o pesquisador focaria no

modo em que uma ação ou experiência se tornaria significativa para as

pessoas. Isso seria feito observando-se os relacionamentos mantidos no

campo através do modo como prestam atenção, nomeiam e outros padrões de

atitudes. O pesquisador poderia usar várias evidências para construir uma

figura complexa e multifacetada de vários tipos de sistemas simbólicos e seus

significados associados. O pesquisador também estaria preocupado em

articular temas recorrentes que representariam padrões de discursos

simbólicos e que especificariam ligações entre valores, crenças e ações em um

cenário. Os temas, expressos de vários modos simbólicos, representariam o

coração de uma análise simbólica da organização como cultura (Smircich,

1983).

O foco dessa forma de análise organizacional seria como os indivíduos

interpretariam

interpretações

e compreenderiam suas experiências e como essas

e percepções se relacionariam com as ações. Com essa

orientação, o conceito de organização seria problemático já que o pesquisador

buscaria examinar os processos através dos quais grupos de pessoas

passariam a compartilhar interpretações e significados vivenciados que

permitiriam a possibilidade de uma atividade organizada. Aqui a agenda de

pesquisa seria documentar a criação e manutenção da organização através da

ação simbólica.

Por terem esse foco de interesse, teóricos da organização simbólica

teriam muito em comum com os líderes das organizações. Teóricos e

administradores estariam preocupados com assuntos práticos tais como criar e

manter um senso de organização e como alcançar interpretações comuns de

situações de modo que uma ação coordenada fosse possivel. Algumas

pesquisas derivadas dessa perspectiva visualizariam a liderança como o

gerenciamento dos significados e formatação das interpretações.

d.3. Perspectivas Estrutural e Psicodinâmica

Cultura também pode ser entendida como a expressão de processos

psicológicos do inconsciente. Essa visão da cultura seria a base da

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antropologia estrutural de Levi-Strauss. Estaria também presente no trabalho

de teóricos das organizações que analisariam as organizações através de

abordagens psicodinâmicas. Sob essa ótica, as formas e práticas das

organizações seriam entendidas como projeções de processos inconscientes e

analisadas segundo a interação dinâmica entre processos desconhecidos e

sua manifestação consciente.

O estruturalismo de Levi-Strauss teria pouco desenvolvimento na teoria

das organizações. Ele assumiria que a mente humana teria limites fixos sobre

os quais se estrutura conteúdo físico e psíquico. Uma vez que esses limites e

estruturas seriam desconhecidos, eles poderiam ser chamados de "infra­

estrutura do inconsciente" (Smircich, 1983). Nesse caso, a cultura mostraria o

trabalho da infra-estrutura do inconsciente; revelaria a forma da inconsciência.

Por essa perspectiva, o propósito do estudo da cultura seria revelar aquilo que

está escondido, dimensões universais da mente humana. A tarefa da análise

estrutural seria descobrir uma ordem de relações que tornassem uma série de

partes, de significado individual limitado, em um todo inteligível. Essa ordem

poderia ser chamada estrutura.

De acordo com Levi-Strauss as "estruturas" resolveriam problemas. Se

essa abordagem de cultura fosse aplicada ao estudo das organizações poder­

se-ia perguntar: Quais problemas seriam resolvidos por esses padrões

persistentes em organizações como a hierarquia? O que os padrões de

organização revelariam sobre a mente humana?

Por essa perspectiva a maioria da análise organizacional poderia ser

criticada por ser muito limitada na sua abrangência. A pesquisa organizacional

tenderia a lidar somente com o nível superficial, fragmentos que seriam, de

fato, elementos dos modelos conscientes compartilhados por participantes e

analistas organizacionaís. O estruturalismo e os modelos psicodinâmicos

separariam a experiência do fenômeno da realidade sublinhada que faria surgir

formas de associações particulares. Assim um analista de organizações

orientado por uma perspectiva dinâmica ou psicodinâmica necessitaria penetrar

por sob a superfície da aparência e experimentar para descobrir as bases

objetivas dos arranjos sociais.

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e. Comparativo da cultura como metáfora

Embora a perspectiva cognitiva, simbólica, estrutural/ psicodinâmica das

organizações e cultura tenha distintos focos de interesse entre teóricos da

cultura organizacional, todas teriam uma base comum que as separariam das

visões que consideram cultura como uma variável. Esse modo de pensar

adotaria a idéia de cultura como um mecanismo epistemológico para enquadrar

o estudo das organizações como fenômeno social. Embora haja diferenças no

modo como cultura é conceituada, ao se considerar as abordagens cognitiva,

simbólica, estrutural ou psicodinâmica, ao se considerar a cultura como

metáfora, todas consideram a organização como uma forma particular de

expressão humana. Essa abordagem é distinta das oriundas das metáforas na

máquina ou dos organismos, nas quais as organizações são percebidas como

instrumentos com um fim especifico ou como mecanismos adaptativos.

Ao se considerar a cultura como metáfora; o mundo social passa a não

ter um objetivo, uma existência independente imposta aos seres humanos. Ao

contrário, as sociedades e organizações somente existem por causa das

relações e dos significados mantidos através dos processos interativos dos

seres humanos. A ação social só é possivel por causa dos significados

determinados consensualmente através da experiência que, para um

observador externo, poderia ter a aparência de uma regra independente.

O foco da atenção de pesquisadores aqui também está na linguagem,

símbolos, mitos, estórias e culturas, assim como nas abordagens que

consideram cultura uma variável. Entretanto, aqui eles não são considerados

artefatos culturais, mas processos produtivos que criam e modelam

significados e que são fundamentais para a existência da organização. Quando

a cultura é uma metáfora, a atenção dos estudiosos muda de preocupações

sobre o que as organizações alcançam e como podem alcançá-Ias mais

eficientemente para como a organização é formada e o que significa estar

organizado.

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2.3 Elementos da Cultura

Embora exista uma enorme variedade de conceitos de cultura

organizacional, a maior parte dos trabalhos empiricos baseia-se na visão de

cultura como um fenômeno duradouro e autônomo, que pode ser isolado para

análise e comparação entre diferentes organizações (Detert, Schroeder &

Mauriel, 2000). Há também em comum, em várias visões sobre cultura, a idéia

que esta consistiria de uma combinação de artefatos (também chamados de

práticas, símbolos de expressão ou formas), valores, credos e pressupostos

sobre determinados comportamentos, que os membros da organização

compartilhariam (Schein, 1992). O fato de que esses conceitos compartilhados

atuam de um modo normativo para guiarem o comportamento faria com que a

cultura fosse considerada um "aglutinador social" da organização (Smircich,

1983).

Segundo Hofstede, Neuijen, Ohajv e Sanders (1990), a maioria dos

autores concorda com as seguintes características do conceito de cultura

organizacional: ela seria (1) holistica, (2) historicamente determinada; (3)

socialmente construída; (4) "soft"; (5) difícil de mudar. Segundo esses autores,

essas características teriam sido tratadas separadamente em vários trabalhos

sobre cultura organizacional realizados nas últimas décadas.

Schein (1984) analisa a cultura organizacional da seguinte forma:

"Cultura é o resultado da aprendizagem coletiva ou compartilhada

adquirida pela organização enquanto ela desenvolve sua capacidade de

sobreviver ao ambiente externo e gerenciar seus assuntos internos. Cultura é o

conjunto de soluções para esses problemas externos e internos que

funcionaram, de forma consistente para um grupo e assim foram ensinados

para os novos membros da organização como a correta maneira de perceber,

pensar e sentir em relação àqueles problemas. Essas soluções

eventualmente tornam-se pressupostos sobre a natureza da realidade,

verdade, tempo, espaço, natureza humana, atividade humana e

relacionamento humano. A partir de então são tomadas como certo e

finalmente saem do nível da consciência. O poder da cultura està no fato de

que ela opera uma série de pressupostos inconscientes e tomados como

verdade (Schein, 1984).

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De acordo com o mesmo autor, cultura organizacional seria entendida

como um fenômeno que existe em três níveis, como ilustrado na figura 2.4.

1. Artefatos e criações

Estariam no nível mais superficial, seriam fáceis de serem vistos, mas

difíceis de serem decifrados. O que se veria e o que se ouviria quando se

entrasse em uma organização - a arquitetura, o modo como mesas e

escritórios estão dispostos, a decoração, o clima, a tecnologia disponível etc.

Seriam os modelos de comportamento visíveis e audiveis. Ao se deparar com a

cultura, no nível de artefatos ter-se-ia um impacto emocional imediato;

entretanto o que se veria e sentiria não necessariamente seria o que é. Nesse

nível não se conheceria a razão pela qual todos funcionários agiriam de um

determinado modo ou a razão da configuração formada e observável da

organização.

2. Valores

Seriam explicações dadas pelos membros da organização para o que

acreditam estar por trás dos artefatos. Representariam manifestações da

cultura, a nível do consciente de cada indivíduo, que procurariam relatar a

ideologia, filosofia ou credo básico da organização.

3. Pressupostos Básicos

Pressupostos básicos norteariam e criariam valores. Seria a organização

em seu nível mais profundo. Os valores históricos trazidos pelos seus

fundadores e pelos seus líderes ao longo do tempo. Seriam os elementos

usados na solução de problemas que se mostraram eficazes e que

gradativamente foram aceitos, saindo do nível consciente para o nível do

inconsciente. Esses elementos resultariam de um processo de aprendizado

em conjunto. Seriam idéias originalmente oriundas dos fundadores e líderes,

compartilhadas e admitidas pelos novos membros da organização à medida

que estes percebessem a utilidade para o sucesso da empresa.

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1. Artefatos e Criações Tecnologia Arte Padrões de comportamento visíveis e audíveis

~

~ 2. Valores

Testáveis no ambiente físico Testáveis somente com consenso social

i 3. Pressupostos Básicos

Relação com o ambiente Natureza da realidade, tempo e espaço Natureza da natureza humana Natureza da atividade humana Natureza do relacionamento humano

Figura 2.4 Cultura e seus elementos

Fonte: Schein, 1985

34

Visíveis mas nem sempre decifráveis

i Maior nível de consciência

i Entendidos como certo, invisíveis, pré­conscientes

Hofstede, Neuijen, Ohajv e Sanders (1990), classificam as

manifestações de cultura em quatro categorias: (1) símbolos, (2) heróis, (3)

rituais e (4) valores.

Símbolos seriam palavras, gestos, figuras ou objetos que carregariam

um significado particular dentro da cultura. Heróis seriam pessoas vivas ou

mortas, reais ou imaginárias que possuiriam características altamente

valorizadas na cultura e que serviriam de modelo de comportamento. Rituais

seriam atividades coletivas, tecnicamente supérfluas, mas socialmente

essenciais dentro da cultura.

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Simbolos

Heróis

Rituais

Valores Práticas

Fi9ura 2.5. Manifestações da cultura

Fonte: Hofstede, Neuijen, Ohayv e Sanders, 1990

35

Essas características seriam desenhadas na forma de camadas

sucessivas dos símbolos mais superficiais para rituais mais profundos. De

acordo com o modelo de Hofstede, Neuijen, Ohayv e Sanders (1980),

símbolos, heróis e rituais poderiam ser agrupados em "práticas", porque seriam

visíveis para um observador embora seu significado cultural estivesse no modo

em que fosse percebido por membros da cultura. De acordo com a figura 2.5,

e baseado em estudos tradicionais de cultura corporativa, o coração da cultura

seria formado pelos valores, no sentido de sentimentos amplos e não

especificos de bem ou mal, bonito ou feio, normal e anormal, racional e

irracional - sentimentos, na sua maior parte, inconscientes e raramente

discutidos, que não poderiam ser observados como tal, mas que seriam

manifestados em comportamentos alternativos.

Schein (1984), observa que a manifestação do conceito de cultura se dá

por meio de símbolos, da linguagem, da ideología, das crenças, dos ritos e dos

mitos.

1. símbolos - seriam as maiores manifestações da cultura, referências

por si só, enquanto as outras manifestações citadas seriam formas de

simbolismo. Símbolos seriam objetos, atos, relacionamentos ou formações

lingüísticas que apresentariam diversos significados e que evocariam emoções

e impeliriam pessoas a agirem. A construção de símbolos serviria como um

meio para a formação da identidade da organização.

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2. linguagem - seria outra forma de manifestação da cultura

organizacional. A linguagem seria um conjunto de signos com a capacidade de

comunicar significados. Por seu meio, as experiências seriam compartilhadas e

transmitidas não apenas como um conjunto de palavras e termos, mas também

recheadas de significados ocultos. A análise de certas características

peculiares à detenminada linguagem poderia ser muito útil para desvendar a

cultura de uma organização. Muitas vezes, grupos específicos em uma

organização desenvolveriam uma linguagem própria. Este seria o caso da

subcultura, por exemplo, de engenheiros que utilizariam freqüentemente

termos técnicos no seu vocabulário.

3. gestos - seriam movimentos de partes do corpo usados para

expressar significados. Funcionariam como complemento às idéias transmitidas

por meio da linguagem.

4. - ideologia seria um conjunto de crenças sobre o mundo social e sua

operação, contendo fatos sobre o arranjo social e as ações

esperadas em tal arranjo. A ideologia serviria como um elo de ligação

entre atitudes e ações. 5

5. ritos - segundo Trice e Beyer (1984), os ritos constituir-se-iam de um

conjunto relativamente elaborado, dramático e planejado de atividades, que

consolidariam várias formas de expressão cultural em um evento, realizado por

meio de interações sociais, geralmente para o benefício da audiência e com

múltiplas conseqüências sócias. Por meio dos ritos, as regras sociais seriam

definidas, estilizadas, convencionadas e principalmente valorizadas.

Seis tipos básicos de ritos e seus objetivos poderiam ser identificados:

• Ritos de passagem: facilitariam a transição de indivíduos

para novos papéis e novo status;

5 Poderia ser comparada com uma religião que exige fé e dedicaçao de seus membros (Pagés, 1985).

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• Ritos de degradação: dissolveriam identidades sociais e o

poder a eles associados;

• Ritos de confirmação: fortaleceriam identidades sociais e o

poder a eles associados;

• Ritos de reprodução: renovariam estruturas sociais e

melhorariam o seu funcionamento;

• Ritos para a redução de conflito: reduziriam conflitos e

agressões;

• Ritos de integração: encorajariam e reviveriam sentimentos

comuns que agregariam os indivíduos e os manteria em um sistema

local.

6. A criação de mitos seria a forma encontrada para estabelecer o

comportamento correto e valorizado contra atitudes inaceitáveis. Os mitos

exerceriam um papel importante na formação da cultura, pois seriam

rapidamente criados e facilmente percebidos pelos membros da organização.

Os mitos seriam ricas fontes para "revelar" a cultura de uma organização

(Fleury, 1987).

7. As sagas seriam narrativas históricas descrevendo uma realização ou

atividade ímpar, realizada com sucesso e, em geral, com grande heroísmo.

Pela descrição e definição das várias formas e funções dos símbolos,

linguagens, crenças, rituais e mitos, poder-se-ia perceber que todos estariam

interligados e convergiriam para solucionar o problema da integração interna da

empresa.

Robbins (1998) apud Reilly, Chatman e Caldwell (1991), definiriam sete

características básicas que, juntas, apreenderiam cultura de uma organização.

1. Inovação e tomada de risco

O grau em que as empresas seriam estimuladas a serem inovadoras e a

assumirem riscos.

2. Atenção a detalhes

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o quanto à organização esperaria que funcionários fossem precisos,

analíticos e atentos a detalhes.

3. Orientação para resultados

A concentração em resultados comparada à concentração em técnicas e

processos para atingir aos objetivos organizacionais.

4. Orientação para pessoas

Grau em que a administração consideraria os efeitos das decisões nas

pessoas.

5. Orientação para equipes

O quanto às tarefas estariam mais organizadas em função de equipes

do que nos indivíduos.

6. Agressividade

Grau de agressividade e competitividade das pessoas em detrimento da

sociabilidade.

7. Estabilidade

O quanto às atividades organizacionais dariam ênfase à manutenção do

status quo em comparação com o crescimento.

Avaliando a organização sob estas sete características ter-se-ia, então,

uma imagem da cultura da organização. Esta imagem seria base para o

entendimento partilhado dos membros da organização, de que modo as coisas

seriam feitas nela e da maneira que se espera que os membros se comportem

(Robbins, 1998).

Segundo Schein, (1985), a cultura concebida como um conjunto de

crenças e valores compartilhados preencheria várias funções importantes:

1. Fomeceria um sendo de identidade aos membros da

organização;

2. Facilitaria a geração de comprometimento com algo maior do que

apenas com o próprio indivíduo;

3. Melhoraria a estabilidade do sistema social;

4. Serviria como um mecanismo para guiar e molda o

comportamento.

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A cultura organizacional poderia ser uma ferramenta adicional

importante com a qual a gerência estratégica conseguiria influenciar e

direcionar mudanças organizacionais. Organizações que tivessem uma cultura

alinhada com sua estratégia teria maiores chances de sucesso (Schein, 1985).

Para Pettigrew (1986), o nível mais profundo de entendimento da

cultura, os credos e pressupostos básicos, se manifestam na estrutura,

sistemas, símbolos, mitos e padrões de recompensa da organização.

Estudos nessa área buscariam, portanto, as formas pelas quais se

moldar a cultura de uma organização e como mudá-Ia de modo a atingir

objetivos gerenciais.

Alguns, entretanto, questionam o fato da cultura organizacional ser

gerenciável. A maior parte da literatura refere-se a uma cultura organizacional,

aparentemente não considerando que há múltiplas subculturas ou mesmo

contraculturas, competindo entre si para definir a natureza das situações,

dentro das fronteiras da organização.

2.4 Desenvolvimento, Manutenção e Identificação da Cultura

2.4.1 Modelo Dinâmico de Schein (1985) para a análise da formação da

Cultura

Segundo Schein (1985), os tipos de problemas que quaisquer empresas

teriam que lidar estariam relacionados á sobrevivência externa ou à integração

interna. Para formar a cultura e sobreviver ao ambiente externo, qualquer

empresa deveria:

A. definir senso de missão, objetivo da existência da organização;

B. estabelecer objetivos concretos derivados da missão da empresa;

C.definir uma estrutura organizacional apropriada e processos de

decisão adequados para que os funcionários atingissem os objetivos

estabelecidos;

D. desenvolver sistemas de monitoramento e controle;

E. definir mecanismos de reavaliação de estrutura e processos para

casos em que os objetivos não estivessem sendo atingidos.

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Entretanto, para atingir o sucesso que o grupo deveria ter:

1. Linguagem comum e conceitos compartilhados;

2. Algum modo de definir fronteiras e selecionar membros;

3. Alguma forma de alocar autoridade e status;

4. Normas para lidar com relações interpessoais e íntimas;

5. Critérios de recompensas e punições;

6. Alguma forma de lidar com o não administrável.

Para Schein, a cultura seria aprendida através de dois mecanismos

interativos: redução da dor e ansiedade e reforço/recompensa positiva.

O primeiro diria respeito à ansiedade que teria, um indivíduo novo na

organização, provocada pela incerteza na sua capacidade de sobrevivência e

na qualidade de seu relacionamento com os demais membros do grupo. No

segundo mecanismo, reforço positivo, as pessoas repetiriam as ações e

atitudes que funcionassem e abandonariam o que não funcionasse.

Schein acreditaria que a pergunta sobre "se toda a organização tem uma

cultura" poderia ser respondida em termos de oportunidade ou não para que a

aprendizagem entre seus membros ocorresse. Para esse autor, a cultura seria

diretamente proporcional à estabilidade do grupo, ao tempo que ele tem de

convivência e à intensidade da aprendizagem gerada. Assim, para Schein, a

cultura não poderia ser criada simplesmente por uma ação dos executivos ou

decisões de cúpula.

Para Schein, o desenvolvimento cultural de uma organização estaria

relacionado com o seu estágio de desenvolvimento. Usando a noção de ciclo

de vida, o autor atribuiria uma correspondência entre o desenvolvimento da

cultura e os estágios de desenvolvimento da organização, como descrito

abaixo:

1. Fase de crescimento

a. Nascimento e estágios iniciais de organização, onde

existiria a dominação do fundador ou da família dominante.

A cultura seria uma competência distinta e fonte de

identificação, uma espécie de cimento que manteria os

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membros unidos. Seria dada forte ênfase à socialização

como uma evidência compartilhada.

b. Sucessão. A organização se tornaria um campo de

batalhas entre os conservadores e os progressistas.

Sucessores potenciais seriam julgados de acordo com a

sua capacidade de mudar alguns elementos da cultura

presente.

2. Fase intermediária

Com o desenvolvimento de novos produtos, integração vertical,

expansão geográfica, aquisições, fusões etc. surgiriam subculturas, crises

de identidade, perda de objetos-chave, valores e pressupostos.

Oportunidade para mudança cultural.

3. Maturidade

Com a estabilidade de mercados, falta de motivação para mudanças

a cultura tornar-se-ia restritiva às inovações, passando a ser valorizada

como uma fonte de auto-estima e defesa, preservando a glória do passado.

Nessa fase também poderia ocorrer uma opção de transformação, via

mudança cultural, ou uma opção de destruição, onde ocorreria mudança

cultural nos níveis básicos, através da substituição massiva de pessoas­

chave.

Segundo Schein (1985), deveriam ser tomados alguns cuidados

quando se trata de cultura organizacional:

1. Não supersimplificar - a cultura organizacional seria mais

que o comportamento observável e os valores. Seriam os

pressupostos básicos que definiriam a realidade apreendida

para certo grupo;

2. Não esquecer que se deveria aprender a cultura - se a

aprendizagem se desse através de mecanismo baseado em

traumas, haveria resistência às mudanças;

3. Não limitar o raciocínio ao conteúdo da cultura. Seria

importante analisar relações humanas, realidade, verdade,

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estrutura social, desenho organizacional e decisões

tomadas;

4. Não assumir que se muda fácil a cultura de uma

organização

5. Não assumir que mais cultura ou cultura mais forte seria

necessariamente melhor.

2.4.2 Modelo de evolução cultural de Dyer Jr. (1985)

Maria Ester de Freitas (1989), analisaria o modelo de evolução cultural

proposto por Dyer Jr.(1985) que consideraria três correntes para analisar a

criação da cultura:

1. Fundadores e outros líderes trariam com eles um conjunto de

valores, perspectivas e artefatos para a organização e o

imporia a seus funcionários;

2. A cultura emergiria com a interação dos membros da

organização para resolver problemas relacionados com a

integração interna e a adaptação ambiental;

3. Membros individuais da organização poderiam tornar-se

"criadores da cultura", através de soluções para problemas

individuais de identidade, controle, necessidades individuais e

aceitação, passando-as para as gerações seguintes.

Baseado nessas três correntes, o autor sugere um modelo de evolução

cultural de seis etapas, que considera o processo de resolução das crises e o

papel da liderança, conforme figura 2.6.

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43

1. Se a crise percebida 2. Se a percepção fosse

questionasse as acompanhada de ruptura

habilidades e práticas da nos padrões, símbolos,

liderança crenças ou estruturas

t 6. A nova cultura seria sustentada pela introdução 3. Se uma nova liderança de novos padrões de emergisse com um novo manutenção conjunto de pressupostos

5. A crise seria resolvida, e 4. Existência de conflitos se fosse dado crédito à entre os proponentes da nova liderança por essa .. nova e antiga liderança tarefa, estabeleceria-se uma nova elirte cultural

Figura 2.6. O ciclo da evolução cultural nas organizações.

Fonte: Cultura Organizacional - Formação, Tipologias e Impacto, Maria Ester de Freitas

Considerando esse processo cíclico, o autor questionaria o

planejamento da mudança, dizendo que esta seria, em grande parte, resultado

de ocorrências imprevisíveis.

2.4.3 Modelo de identificação de cultura de Sathe (1985)

Sathe (1985) compartilharia as idéias de Schein sobre os níveis de

definição da cultura e como esta se fonmaria, comentando que uma melhor

compreensão se daria quando se examinassem os aspectos de conteúdo

(pressupostos dos fundadores e líderes seguintes, bem como as experiências

atuais de resolução de problemas e aprendizagem) e força (quão importantes

fossem os pressupostos, quão largamente fossem compartilhados e a clareza

de que alguns seriam mais importantes do que outros).

Para decifrar a cultura, Sathe proporia:

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1. Inferir o conteúdo através das falas, modos de fazer as coisas, os

sentimentos compartilhados;

2. Atentar para as qualificações e "status" dos investigadores (vantagens e

desvantagens da observação dos antigos e recém-admitidos na

organização );

3. Estimar a força da cultura, observando a proporção em que seus

membros compartilhariam manifestações tais como: atributos, slogans,

práticas, expressões de sentimentos etc.

2.4.4 Modelo de Deal e Kennedy (1982)

Deal e Kennedy sugeririam dois tipos de análise: extema e intema. Na

análise extema:

a. Observar-se-ia o ambiente físico que sugeriria quão orgulhosa

uma empresa seria de si própria;

b. Ler-se-ia o que a companhia falaria sobre si e sua cultura;

c. Testar-se-ia como a companhia receberia os estranhos;

d. Entrevistar-se-iam pessoas a respeito da história da companhia,

como teria sido o seu começo, que tipos de pessoas trabalhariam

ali, quem iria avante, a que se atribuiria o sucesso.

O aspecto intemo envolveria entender questões como: o sistema de

carreiras; quanto tempo em média as pessoas ficariam em um determinado

cargo; qual o conteúdo dos discursos e memorandos, as anedotas e estórias

que circulariam na rede cultural. Aqui também poderiam ser detectados alguns

males culturais tais como foco no curto prazo, explosões emocionais, diferentes

padrões de vestimenta, diferentes ambientes físicos, diferentes hábitos de

trabalho e rituais.

2.5 Mudança Cultural

Segundo Maria Ester de Freitas (1991), não seria consenso entre os

pesquisadores que a cultura de uma organização possa ser mudada. Mesmo

os estudiosos que defendem a condição de mudança assumiriam que o

processo não seria simples, barato e nem se faria sem causar traumas.

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Existiria uma concordância explícita a respeito da cultura ser conectada a

outros elementos organizacionais que também sofreriam alterações caso

houvesse uma mudança cultural, como a estratégia, a estrutura, habilidades,

sistema de recompensas entre outros.

O que se entenderia por mudança cultura seria a definição de um novo

rumo, uma nova maneira de fazer as coisas, alicerçada em novos valores,

símbolos e rituais.

Deal e Kennedy (1982), advogariam que a mudança cultural seria a

parte mais difícil de uma transformação organizacional e que muitos

administradores subestimariam esses dados no que se refere ao tempo e ao

custo. Para esses autores, quanto mais forte fosse a cultura de uma

organização mais difícil seria a sua mudança.

Para Schein (1986), as organizações precisariam mudar para

adaptarem-se a mudanças no ambiente externo. Se as organizações forem

vistas como sistemas abertos, trocas entre a organização e o ambiente externo

seriam constantes.

Trice e Byer (1993) discutiriam que uma maneira de se tirar dúvidas

sobre se uma cultura organizacional poderia ser alterada consistiria em

entender que a verdade está entre as duas visões extremas sobre o assunto.

Alguns estudiosos acreditariam ser praticamente impossível mudar

deliberadamente uma cultura. De acordo com esse argumento, culturas seriam

demasiadamente etéreas para serem descritas, gerenciadas ou mudadas

(Uttal, 1983). Outras análises, entretanto, defenderiam que a cultura poderia

ser totalmente manipulada, sugerindo que gerentes pudessem agir direta e

intencionalmente para mudar suas culturas (Peters e Waterman, 1982; Deal e

Waterman, 1982; Kilmann, 1982). Segundo Trice e Byer (1993), um consenso

que a realidade está no meio do caminho pareceria estar emergindo.

De acordo com Trice e Bayer (1993), estudiosos considerariam a

existência de três maneiras distintas de se classificar o que seria e significaria a

mudança cultural: (1) classificar o que mudança cultural seria e não seria; (2)

descrever, através da observação, o que pareceriam ser tipos de mudanças

culturais qualitativamente diferentes; (3) estudar os prováveis efeitos de

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quaisquer mudanças específicas em dimensões que representassem aspectos

específicos do funcionamento da organização. As três maneiras procurariam

responder a mesma pergunta: quando uma cultura seria suficientemente

alterada para ser considerada uma mudança cultural?

A resposta a essa pergunta teria ramificações práticas e acadêmicas.

Para serem efetivos em gerenciar suas culturas, os gerentes deveria ter claro

qual deveria ser a linha mestra de seu gerenciamento. Precisariam decidir se

seus esforços seriam no sentido de manter a cultura atual ou no sentido da

inovação. Se eles não estivessem seguros, seria pouco provável que seus

subordinados ou acionistas recebessem mensagens claras de suas intenções

(Trice e Byer, 1993).

2.5.1 Tipos de mudanças culturais

A literatura descreve pelo menos três tipos diferentes de esforços de

mudanças culturais nas organizações. Alguns desses esforços buscariam

trazer mudanças massivas em toda a organização, o mais rápido possível.

Outros também seriam radicais, mas estariam restritos a algumas partes da

organização. Outros ainda envolveriam pequenas mudanças espalhadas ao

longo dos anos ou de décadas. As descrições cairiam três tipos básicos: (1)

esforços revolucionários para mudar a cultura de toda a organização; (2)

esforços confinados a mudar subculturas específicas ou unidades' da

organização; (3) esforços graduais e incrementais, mas que representariam

uma reformatação de toda a cultura organizacional. Todos eles seriam

esforços de mudanças conscientes e planejados. De um modo geral a

diferença entre eles estaria quantidade das mudanças.

2.5.2 Analisando quantidade de mudança segundo Beyer e Trice, 1998

Se a mudança cultural fosse vista como um processo contínuo e não um

evento discreto ou um produto a ser gerado, tornar-se-ia mais fácíl desagregar

aspectos distintos do processo. Os processos de mudança poderiam ser

descritos em quatro dimensões que ajudariam a esclarecer a quantidade de

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mudança envolvida em um processo de mudança cultural planejado. Essas

dimensões seriam: penetração, magnitude, inovação e duração do processo.

A penetração de uma mudança cultural seria o quanto das atividades em

uma organização seriam afetadas por ela. Essa quantidade seria determinada

por pelo menos dois fatores: quantos membros deveriam mudar seu

comportamento e seu entendimento da cultura, e com que freqüência essas

mudanças impactariam o modo de trabalhar.

A magnitude da mudança estaria relacionada com a distância entre

compreensão e comportamentos antigos e os novos que os funcionários

deveriam adotar. Os funcionários iriam considerar a ideologia e valores

desejados próximos àqueles que já existissem? Haveria algo da ideologia e

valores atuais tão incompatíveis com a cultura desejada que os funcionários

teriam que abdicar delas e por algo diferente em seu lugar?

Inovação se referiria a quanto as idéias e comportamentos na nova

cultura que se desejaria implantar seriam sem precedentes ou haveria alguma

similaridade a algo já implantado em outro lugar. Se a cultura desejada fosse

similar a algo já implantado por outros grupos ou outras organizações, gerentes

e demais funcionários poderiam adaptar o que outros aprenderam sobre como

essa cultura funciona. Em particular, poder-se-ia imitar algumas formas

culturais que ajudariam a comunicar e afirmar tal cultura. Se não fosse similar,

seria necessária originalidade para se pensar em formas culturais como novo

conteúdo. Seria também relevante entender se haveria subculturas na

organização atual similares à cultura que se desejaria implantar. Se existisse

algum exemplo interno, gerentes e funcionários poderiam aprender algo com

eles. Mas se uma cultura totalmente nova fosse desejada, gerentes e

funcionários deveriam inventar novas redes de ideologias e valores para dar­

lhe substância.

Duração se referiria a quanto tempo um esforço de mudança deveria

durar e o quão permanente a mudança seria. Embora todas as mudanças

organizacionais radicais levassem anos, algumas seriam mais demoradas que

outras. Esperar-se-ia que mudanças em organizações de baixa performance ou

acostumadas a ambientes de mudanças rápidas, acontecessem mais

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rapidamente do que em outras. Embora o corpo gerencial normalmente

pretendesse que a nova cultura persistisse por um longo horizonte de tempo,

algumas culturas seriam temporárias - seja porque elas lidariam com

circunstâncias temporárias claramente reconhecidas como tal, ou porque

surgiriam em organizações temporárias.

Uma vez que as quatro dimensões de mudança fossem conceitualmente

distintas, não se deveria esperar que qualquer mudança fosse alta ou baixa em

todas as dimensões. Ao se analisar a quantidade de mudança cultural, os

gerentes deveriam considerar especialmente a magnitude e inovação da

mudança; juntas essas dimensões representariam o quanto as mudanças

previstas representariam um rompimento com o passado. Se a magnitude for

alta, e a inovação baixa ou média, os gerentes estariam enfrentando um

esforço de mudança cultural. Se a inovação fosse alta, os gerentes teriam que

criar uma nova cultura, especialmente se a mudança também fosse

penetrativa. Se tanto a inovação quanto a magnitude fossem baixas, os

gerentes estariam lidando com manutenção da cultura e não com mudança. A

penetração de uma mudança pretendida indicaria o quão inclusiva ela seria.

Alta penetração indicaria que toda a organização deveria ser persuadida a

mudar; baixa penetração indicaria que os esforços de mudança estariam

direcionados a grupos ou unidades pré-determinadas.

A tabela abaixo combinaria as três mudanças descritas anteriormente

com as quatro dimensões acima relatados. A tabela mostraria que diferentes

dimensões de mudanças seriam indicadores chave dos tipos de mudança

cultural descritos na literatura. Embora outras combinações de dimensões

fossem possíveis, estas pareceriam ser as mais comuns.

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Tipos e Dimensões da Mudança Cultural

Tipos de Mudanças Culturais Dimensões

1. Revolucionária e abrangente Penetração: alta

Magnitude: alta

Inovação; variável.

Duração: variável

2. Subunidade ou subcultura Penetração: baixa

Magnitude: moderada a alta

Inovação; variável.

Duração: variável

3. Remodelagem Penetração: alta

Magnitude: moderada

Inovação: moderada

Duração: alta

Figura 2.7 Tipos e dimensões da mudança cultural

Fonte. The Cultures of Work Organizations, Trice & Byer, 1993

o terceiro tipo de mudança cultural seria a menos descontinua das três.

Os rompimentos com a cultura anterior seriam numerosos, mas cada um deles

seria moderado em magnitude. Além disso, esse tipo de mudança tenderia a

buscar mudanças amplas - aquelas que visariam afetar todos os funcionários

em algum nível. Uma vez que a reformulação cultural ocorreria gradativamente,

através de várias mudanças que seriam acumuladas e internalizadas ao longo

do tempo, esse tipo de mudança poderia ser mais fácil de se implantar e de

permanecer.

2.5.3 Considerações específicas em mudanças culturais

2.5.3.10 modelo de mudança transformadora de Schein

Para Schein (1999), quando os elementos de uma cultura estivessem

estabilizados, tornar-se-ia mais complexa a mudança. Ela envolveria

desaprender velhas crenças, atitudes, valores e certezas, e também aprender

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novas. As pessoas resistiriam a ela porque esse aprendizado seria

desconfortável e geraria ansiedade. Elas poderiam ser coagidas a mudar seu

comportamento em público, mas a mudança só seria estável se houvesse

algum tipo de transformação e um nível mais profundo. O modelo de Schein

envolveria três estágios:

1. Estágio 1

Descongelar - criar a motivação para mudar

• Desconfirmação

• Criação da ansiedade pela sobrevivência ou da culpa

• Criação de uma segurança psicológica que sobrepuje a

ansiedade do aprendizado

2. Estágio 2

Aprender novos conceitos e novos significados para velhos conceitos

• Imitação e identificação com modelos

• Exploração para encontrar soluções e aprendizado com

tentativas e erros

3. Estágio três

Internalizar novos conceitos e significados

• Incorporação no autoconceito e na identidade

• Incorporação nos relacionamentos em evolução

2.5.3.2 Modelo de mudança de Trice e Byer

Trice e Byer (1993) proporiam um modelo para se gerenciar a mudança

cultural de uma organização, baseado em oito proposições:

1. Capitalizar em momentos propícios

Uma mudança cultural seria mais bem iniciada em momentos propícios,

quando algum problema óbvio, oportunidade, ou mudança nas circunstâncias

tornassem a mudança desejável. Deveria ser apropriada, necessária à

empresa e os funcionários precisariam estar convencidos de sua necessidade.

Os gerentes não deveriam assumir uma mudança cultural óbvia para um grupo

fosse óbvia para os demais.

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Oportunidades que demandariam mudança cultural, na prática - a

descoberta de nichos de mercado lucrativos ou uma nova fonte de venture

capital- poderiam aparecer de repente e fornecer as justificativas. Além disso,

"revoluções" podem ocorrer que gerem uma crise e momentos propícios de

mudança cultural (Milier e Friesen, 1990). Internas ou externas como a

privatização de uma organização.

2. Combinar cautela com otimismo

Uma vez iniciada uma mudança, dever-se-ia criar uma visão otimista

sobre o processo. Embora culturas sejam, sem dúvida, difíceis de mudar (Urtal,

1983; Barley e Louis, 1983; Beyer, 1981; Martin e Siehl, 1983), os gerentes

deveriam estar confiantes do sucesso da empreitada ou as dúvidas seriam

transmitidas a outros. O entendimento completo dos benefícios da mudança

ajudaria a criar essa confiança. Também ajudaria se eles entendessem que as

culturas mudariam de qualquer modo, e seria natural que os gerentes

canalizassem e iniciassem tais mudanças (Jones, 1984). Consistência e

persistência em seus esforços seria absolutamente essencial para trazer

otimismo e confiança.

Outra razão para que gerentes temperassem seu otimismo com alguma

cautela seria o grau de resistência que a mudança cultural poderia provocar.

Algum entendimento sobre as possíveis fontes de resistência poderia ajudar os

gerentes a remover algumas dessas fontes e reduzir outras.

3. Entender a resistência à mudança cultural

Pesquisas em mudanças organizacionais de vários tipos apontariam

várias razões pelas quais as pessoas resistiriam a mudanças. A tabela abaixo

lista as fontes comuns de resistência.

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A nível individual:

Medo do desconhecido

Interesse próprio

Atenção e retenção seletivas

Hábito

Dependência

Necessidade de segurança

A nível da organização ou grupo:

Ameaças ao poder e à influência

Falta de confiança

Diferentes percepções e gols

Disrupção social

Limitações de recursos

Investimentos fixos

Acordos interorganizacionais

Figura 2.8. Fontes comuns de resistência à mudança.

Fonte Trice e Byer, 1993

4. Mudar alguns elementos, mas manter alguma continuidade.

52

A resistência a mudança cultural poderia ser reduzida se alguns

elementos da cultura vigente na empresa fossem valorizados e mantidos. Os

membros da atual cultura não teriam a percepção de estarem destruindo o que

construiram e valorizariam isso. Ao contrário, os novos elementos da nova

cultura poderiam ser vistos como somando-se positivamente aos valores já

existentes.

5. Reconhecer a importância da implantação

De acordo com pesquisa feita por consultores especializados, 90% das

corporações americanas fracassariam em implementar mudanças em sua

estratégia corporativa (Kiechel, 1970 apud Trice e Byer, 1993). Esse número

impressionante demonstraria o fato que muitas mudanças planejadas

dificilmente são implementadas com sucesso. Aceitação inicial e entusiasmo

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seriam insuficientes para se levar adiante um processo de mudança. Muitos

planos cuidadosamente elaborados são abandonados.

Segundo Trice e Byer (1993), cada etapa de qualquer processo de

mudança correria o risco de ser omitido, abandonado ou de voltar a etapa

anterior. O modelo simplificado de um processo de mudança teria três estágios:

1° Decidir a mudança;

2° Implementar a mudança;

3° Institucionalizar a mudança.

Embora os três estágios pudessem se sobrepor, o modelo serviria para

mostrar que cada uma das etapas afeta a etapa seguinte. Particularmente, a

institucionalização das mudanças dependeria de uma implementação bem

conduzida.

A etapa da implementação da mudança também poderia ser quebrada

em três passos:

1 ° Difusão das informações sobre as mudanças para todos os membros

da organização;

2° Receptividade dos membros às mudanças;

3° Aplicação e uso efetivo das mudanças.

Para Trice e Byer (1993) uma transformação cultural não teria sucesso

sem a condução cuidadosa das três etapas anteriores.

6. Selecionar, modificar e criar formas culturais apropriadas.

Muitos pesquisadores advogariam que o uso de símbolos, rituais,

linguagem e estórias seriam ferramentas a serem usadas por gerentes em

processos de mudança cultural (Schein, 1985).

Outros diriam que ações gerenciais poderiam simbolicamente legitimar

mudanças culturais. Assim, o modo como se comportariam ao telefone, como

distribuíram seu tempo, o local de reuniões, as perguntas feitas - todas essas

ações também seriam ferramentas a serem usadas em mudanças culturais

(Trice e Byer, 1993 apud Deal e Kennedy, 1982).

Metáforas também poderiam ser veículos efetivos de mudança. A

eliminação ou a mudança de metáforas que traduzissem a antiga ideologia

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corporativa, seria um passo no processo de mudança cultural (Trice e Byer,

1993 apud Krefting e Frost, 1985).

A criação de novos mitos também seria um poderoso instrumento de

mudança cultural (Trice e Byer, 1993 apud Boje, Fedor e Rowland, 1982).

Trice e Byer, 1993 apud Moore e Myerhoff, 1977, afirmariam que os ritos

e cerimônias normalmente funcionariam melhor para manter e celebrar uma

cultura existente do que para promover uma mudança cultural. Assim, a criação

de ritos e cerimônias novas em uma organização por si só, não gerariam um

movimento de mudança. Para esses autores, os ritos e as cerimônias

existentes em uma empresa poderiam ser modificados para incorporar

elementos desejados da nova cultura. Além disso, ritos novos que

conscientemente combinassem elementos novos e antigos poderiam ser

estabelecidos (Trice e Byer, 1985).

7. Modificar táticas de socialização

Para Trice e Byer, 1993, uma vez que uma das maneiras mais básicas

de se aprender sobre a cultura de uma organização seria através de processos

de socialização, bastaria alterá-los para dar início a um processo de mudança

cultural.

Van Maanen e Schein, 1979, proporiam uma tipologia para táticas de

socialização, conforme representado no quadro 2.1. Essa tipologia relacionaria

doze diferentes táticas, cada uma em um extremo de pólos opostos, e as

ordenaria de acordo com seu efeito lógico, relacionado na última linha da

tabela. Quanto mais um processo de socialização usasse as táticas

relacionadas em uma ou outra coluna, mais tenderia a produzir uma resposta

conservadora ou inovadora. Uma resposta conservadora seria aquela na qual a

pessoa sendo socializada agiria, no futuro, de modo a preservar e continuar

com a cultura existente. Uma resposta inovadora seria aquela na qual o modo

de agir de quem estivesse sendo socializado seria diferente da cultura atual e

poderia provocar uma mudança.

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Institucionalizada Individualizada

Contexto Coletiva Individual

Formal Informal

Conteúdo Seqüencial Randômico

Fixo Variável

Aspectos sociais Serial Disjuntivo

Descobrir Encobrir

Efeitos prováveis Conservar Inovar

Quadro 2.1 Tipologia de táticas de socialização

Fonte: Van Maanen e Schein, 1979

8. Encontrar e cultivar liderança inovativa

55

Provavelmente a mais importante qualidade de um líder seria sua

capacidade de convencer membros da organização a seguirem sua visão

(Trice e Byer, 1993). Um líder precisaria demonstrar autoconfiança, ter uma

personalidade dominante e pregar sua nova visão com drama e eloqüência

(Trice e Byer, 1991). Em um processo de mudança é fundamental identificar

quem são esses líderes e usá-los de modo a fortalecer a nova cultura.

Trice e Byer (1993), advogariam também que durante uma mudança

cultural seria preciso desacreditar ou destruir partes da velha cultura. Uma das

maneiras de se fazer isso, seria desligando-se da organização pessoas

importantes que representassem esses aspectos da velha cultura. O

afastamento dessas pessoas teria conseqüências simbólicas e práticas.

Comunicaria aos membros da organização que determinados credos e valores

não seriam mais aceitos. Além disso, retiraria da organização pessoas que

poderiam representar um importante foco de resistência à nova cultura. O

perigo nessa ação estaria em que ao se desligar pessoas importantes na

organização, os demais funcionários remanescentes poderiam sentir-se

ressentidos.

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2.6 Empresa Pública e Empresa Privada

Uma empresa deve ser vista como uma organização, podendo ser

basicamente de caráter público ou privado. O Dicionário Houiass da Língua

Portuguesa (pág 1128) definiria empresa como uma organização econômica,

civil ou comercial, constituída para explorar determinado ramo de negócio e

para oferecer ao mercado bens e/ou serviços.

Para HALL apud Amorim e Freitas (1994) a organização seria uma

coletividade com fronteiras relativamente identificáveis, ação normativa,

escalas de autoridade, sistemas de comunicação, de coordenação e de

afiliação. Sua finalidade básica residiria em racionalizar a utilização dos

recursos disponíveis, visando atingir determinados objetivos.

Segundo os autores, moderna mente, a busca pela eficácia empresarial

complementaria esse conceito, no sentido de a empresa atingir seus objetivos

globais e também os dos próprios funcionários.

No que se refere aos tipos de empresa, o Dicionário Houaiss da Língua

Portuguesa apresenta as seguintes definições:

}- Empresa de economia mista - pessoa jurídica de direito privado,

de natureza mercantil, com capital misto e controle do Estado;

}- Empresa pública - pessoa jurídica de direito privado, de natureza

mercantil, com patrimônio próprio e capital exclusivo do Estado,

criada por lei para a produção de bens e serviços essenciais à

coletividade (transporte, energia elétrica, etc)

}- Empresa privada - empreendimento de pessoas jurídicas de

direito privado.

Ainda segundo Houaiss, no Brasil seria freqüente o uso do termo

"estatal" para se referir tanto à empresa de economia mista quanto à empresa

pública. Esse estudo adotará essa terminologia.

Para Amorim e Freitas (1994), as empresas públicas distinguiriam-se,

geralmente, das empresas privadas pelos principais objetivos que

perseguissem. As públicas estariam voltadas à satisfação das necessidades da

sociedade e não percorreriam a busca pelo lucro. O "lucro" apareceria como

meio para se conseguir esse objetivo maior, ou seja, seria destinado a

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reinvestimentos como forma de atingir sua missão. Daí a interferência do

Governo, que passaria a atuar como empresário, no intuito de garantir uma

assistência adequada a seus cidadãos.

Segundo Machado (1991), as empresas estatais, de maneira geral,

apresentam características comuns, como possuir uma cúpula dirigente

transitória e coincidente com o poder executivo. Para o autor, a cada mandato

assumiriam novos executivos com valores, percepções e personalidades

diferentes. Formar-se-ia um novo jogo de poderes, passando a ditar o

comportamento dos participantes e o funcionamento da organização. Tal

aspecto muitas vezes impossibilitaria a implantação de um planejamento a

longo prazo, especialmente pela falta de continuidade da Administração e

observância de interesses distintos.

Amorim e Freitas (1994) verificam, ainda, a existência de estabilidade

empregatícia para quadros táticos e operacionais das empresas públicas, além

da maioria estar organizada em um plano de carreira pré-definido. Assim, pra

os autores, seria comum notar acomodação e desestímulo dos funcionários

quanto a seus cargos. A mudança organizacional, especialmente de caráter

mais profundo, tenderia a ser vista como algo indesejável pelos funcionários,

que estariam acostumados ás rotinas e procedimentos vigentes, por vezes

ultrapassados. O clima seria propício a uma excessiva burocracia.

De outro lado, ainda segundo os autores, estaria a empresa privada,

cujo objetivo principal seria a satisfação dos seus público alvo e dos seus

proprietários como forma de alcançar lucros cada vez mais elevados. A cúpula

administrativa geralmente seria formada por profissionais algumas vezes de

origem familiar ou societária, apresentando relação direta com os fundadores

da empresa, além de possuírem laços de interesse com os demais. Isso

possibilitaria a escolha de pessoas aptas não só a darem inicio, como a

continuarem um processo de mudança e alavancagem da empresa, cuja

duração não seria interrompida a cada mandato do executivo principal.

Machado (1991), salienta ainda que os níveis táticos e operacionais, nas

empresas privadas mostram-se mais rotativos e menos comprometidos com os

interesses organizacionais. Os funcionários não gozando de estabilidade

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empregatícia, precisariam mostrar suas habilidades e potenciais. Geralmente, a

ascensão a níveis mais elevados decorreria do esforço individual dos

funcionários, o que propiciaria um clima de competição e desenvolvimento

pessoal.

O quadro 2.2 sumariza as características mencionadas por Machado

(1991) e Amorim e Freitas (1994).

Empresa Estatal Empresa Privada Satisfação das necessidades da Satisfação do público alvo sociedade Não objetivam o lucro Objetivam o lucro Forte interferência do Estado Administração por profissionais, Cúpula dirigente transitória e Cúpula dirigente não é interrompida a coincidente com o Poder Executivo cada mandato do executivo ~incipal Dificuldade em se ter planejamento de Maior compromisso com longo prazo planejamento Estabilidade empregatícia Não há estabilidade empregatícia Acomodação e desestímulo dos Funcionários precisam mostrar funcionários habilidades e.potenciais Rotinas e procedimentos por vezes Ascenção dos funcionários decorrente ultrap..assados de esfol"Ço Burocracia Competição e Desenvolvimento

Ipessoal são fundamentais Continuidade desejada Processos de mudança

Quadro 2.2 Características típicas de empresa estatais e privadas

Adaptado de Machado (1991) e Amorim e Freitas (1994)

Vasconcelos (1991) apud Amorim e Freitas (1994) compara assim a

estrutura básica de uma empresa privada a de uma empresa estatal:

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Nível Estratégico

Nível Tático

1t.l'I'"'' Operacional

Empresa Pública Empresa Privada

V= Variável; C=Constante

Figura 2.9 Estrutura básica de empresas públicas e privadas

Fonte: Paper publicado pela Universidade Federal de Pernambuco Ter Estagiários de Administração: Bom só para as empresas? Amorim e Freitas, 1994

2.7 Modelo Conceitual

59

Usando como base a revisão de literatura realizada, pode-se chegar ao

quadro conceitual orientador da análise e interpretação dos dados.

Inicialmente foi usado o modelo de Schein para classificar os níveis da

cultura de cada uma das empresas investigadas.

Artefatos e Criações

• t Valores

• t Pressupostos Básicos

Quadro 2.3 Níveis da cultura

A seguir, foram identificados alguns dos elementos de cultura, de acordo

com a definição de Schein.

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Empresa

Símbolos

Linguagem

Gestos

Ideologia

Ritos de Passagem

Ritos de Degradação

Ritos de Confirmação

Ritos de Reprodução

Ritos para redução de

conflitos

Ritos de Integração

Mitos

Quadro 2.4 Elementos da cultura

Foi usado também o modelo de Reilly, Chatman e Caldwell para

caracterizar a cultura das empresas analisadas.

Empresa

Inovação e tornada de risco

Atenção a detalhes

Orientação para resultados

Orientação para pessoas

Orientação para equipes

Agressividade

Estabilidade

Quadro 2.5 Características da cultura

A revisão de literatura revelou uma quantidade relevante de estudos

sobre criação, manutenção e mudança de cultura de empresas. Foi utilizado o

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modelo de dimensões da mudança cultural de Trice e Byer para caracterizar o

grau de mudanças realizadas em cada uma das empresas analisadas.

Empresa

Penetração

Magnitude

Inovação

Duração

Quadro 2.6 Dimensões da cultura

Procurou-se analisar também como o processo de mudança foi

conduzido em cada uma das empresas usando o modelo de Trice e Byer.

Empresa

Capitalizar momentos

Cautela e otimismo

Resistência à mudança

Mudar e manter

Implantação

Criar cultura apropriada

Socializar

Liderança Inovativa

Quadro 2.7 Processo de mudança

Por último, na conclusão do estudo, foi feita uma análise de aderência

entre as características de uma empresa estatal e de empresa privada

definidas por Machado (1991) e àquelas identificadas nas empresas AAA, BBB

e na CCC.

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3 Metodologia

3.1 Objetivo da pesquisa

Este estudo tem por objetivo analisar os efeitos sobre a cultura

corporativa em organizações brasileiras que passaram por um processo de

privatização realizado pelo governo no final dos anos 90.

À luz da corrente funcionalista, que enfoca a cultura como uma variável

independente, interna ou externa à organização e através da análise das

características das organizações, antes e depois de serem privatizadas, o

estudo pretende investigar se e como:

1. Um evento externo, no caso a privatização, pode provocar mudança cultural

em uma organização;

2. Ações gerenciais podem provocar mudança cultural em uma organização.

3.2 Tipo de pesquisa

De acordo com a taxonomia proposta por Vergara (1990), a pesquisa

pode ser classificada de acordo com dois critérios: quanto aos fins -e quanto

aos meios.

Quanto aos fins, uma pesquisa poderia ser exploratória, descritiva,

explicativa, metodológica, aplicada ou intervencionista. A pesquisa- descritiva

exporia características de determinada população ou de determinado

fenômeno. Poderia também estabelecer correlações entre variáveis e definir

sua natureza. Não teria compromisso de explicar os fenômenos descritos,

embora sirva de base para tal explicação (Vergara, 1997).

Tomando por base essa tipologia, pode-se caracterizar o presente

estudo como tendo finalidade descritiva porque pretende relatar como e quais

mudanças culturais foram percebidas em empresas brasileira recém

privatizadas.

Ainda segundo Vergara (1997), no que se refere aos meios, as

pesquisas podem ser classificadas como de campo, de laboratório,

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telematizada, documental, bibliográfica, experimental, ex post facto,

participante, pesquisa-ação e estudo de caso.

Estudo de caso seria circunscrito a uma ou poucas unidades, entendidas

como uma pessoa, uma família, um produto, uma empresa, um órgão público,

uma comunidade ou mesmo um país. Tería caráter de profundidade e

detalhamento. Poderia ou não ser realizado no campo (Vergara, 1990).

Para esse estudo, se aplica a classificação de estudo de caso por

analisar e detalhar o fenômeno de mudança cultural em três empresas

brasileiras recentemente privatizadas.

3.2.1 O Conceito de Pesquisa Qualitativa

Dentre as diversas classificações dos métodos de pesquisa, uma das

mais comuns é a que distingue a pesquisa qualitativa da pesquisa quantitativa.

De acordo com Myers (1997), a pesquisa quantitativa teria sido

originalmente desenvolvida pelas ciências naturais para estudar os fenômenos

naturais. Surveys, experimentos em laboratório, métodos formais e métodos

numéricos tais como a modelagem matemática, seriam exemplos de métodos

quantitativos atualmente usados nas ciências sociais.

Por outro lado, os métodos de pesquisa qualitativos teriam sido

desenvolvidos nas ciências sociais de modo a possibilitar os pesquisadores a

estudarem os fenômenos culturais e sociais. Exemplos de métodos qualitativos

seriam a pesquisa de ação, o método do caso, a etnografia e a grounded

theory. Fontes de dados qualitativos incluiriam a observação e observação dos

participantes, entrevistas e questionários, documentos e textos, e as

impressões e reações do pesquisador.(Meyers, 1997)

Kirk e Miller (1986) apud Barreto (1998) observam que a pesquisa

qualitativa identifica a presença ou a ausência de algo, em oposição à pesquisa

quantitativa, que mede o grau em que determinada coisa se apresenta. Para

esses autores, a objetividade em pesquisa qualitativa implicaria entender um

mundo de realidades empíricas que se colocaria diante do pesquisador. Nesse

sentido, nem todas as interpretações seriam igualmente válidas ou bem

aceitas. Haveria, então, um compromisso intelectual através do qual os

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pesquisadores se disporiam coletivamente a interpretar essa realidade

empirica, através de melhorias parciais e incrementais no entendimento da

questão. Estas melhorias viriam através da identificação de ambigüidades em

visões anteriores aparentemente claras ou em mostrar casos em que uma

visão alternativa pareceria funcionar melhor. Estas visões, na maioria das

vezes complementariam as anteriores.

3.2.2 O Estudo de Casos

De acordo com Yin (1989), a análise de caso é uma pesquisa empírica

que investiga um fenômeno contemporâneo no seu contexto real, quando os

limites entre o fenômeno e o contexto não se encontram definidos e quando

diversas fontes de informação são utilizadas.

Ainda segundo Yin (1994), o estudo de caso é considerado uma

metodologia abrangente que inclui a pergunta da pesquisa, prossegue com a

coleta e a análise de dados e termina com as conclusões e a redação final da

pesquisa.

O método de estudo de casos na pesquisa em Ciências Sociais teria sua

origem na Antropologia e na Sociologia. Na Antropologia seria atribuído a

Malinowski o desenvolvimento inicial do método, através da observação

participante. A unidade de análise, ou caso, passou a ser, então, a tribo ou

comunidade, considerada o loeus adequado para o estudo da cultura, uma vez

que a homogeneidade do grupo permitiria identificar padrões de

comportamento, crenças e valores daquele grupo social (Hamel, 1993).

Na Sociologia, o método do caso surgiria através das monografias

familiares do sociólogo francês Frédéric Le Play. Para Le Play seria

fundamental a escolha da família como unidade de análise, já que a sociedade,

como organismo complexo, não poderia ser estudada em sua totalidade. Desta

forma, o estudo da família da classe trabalhadora seria a forma adequada de

estudar a sociedade francesa do século XIX (Hamel, 1993).

Nos Estados Unidos, no final do século XIX e início do século XX, o

Departamento de Sociologia da Universidade de Chicago, adotaria e

consagraria o método do caso no contexto dos estudos sociológicos

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relacionados à urbanização e imigração. Chicago era, à época, uma cidade em

crescimento desordenado e alvo de movimentos migratórios. Problemas

decorrentes, como subemprego, pobreza e violência estimularam uma série de

pesquisas desenvolvidas em contato direto com a população. Entre os

enfoques do método do caso utilizados encontrar-se-ia a observação direta,

perguntas abertas e análise de documentos. Por conta dessas pesquisas, a

Escola de Chicago passaria a ser referência nos estudos de caso nos Estados

Unidos (Hamel, 1993).

Entretanto, por volta de 1935, ocorreria a ascensão da Escola de

Sociologia da Universidade de Columbia e com esta, o uso de sUlveys e

métodos estatísticos nas pesquisas, estabelecendo a dominância dos métodos

quantitativos sobre os qualitativos neste campo de conhecimento. No entender

dos investigadores de Columbia, o método do caso carecia de qualquer forma

possível de controle, estando sujeito aos viéses decorrentes do processo de

coleta de dados, introduzidos tanto pelo investigador quanto por seus

informantes. Uma nova corrente se formaria, defensora do método dedutivo

com base em trabalho estatístico, adequado para validar as grandes teorias

sociológicas, e contrário ao processo indutivo inerente ao método do caso.

Desde então e até recentemente, o método do caso passaria a coexistir com os

métodos quantitativos na Sociologia, cabendo ao primeiro o papel de método

explanatório, preliminar.

Apenas na última década, ressurgiria o debate em torno do método do

caso como instrumental na pesquisa sociológica, voltando a ser-lhe atribuída

maior importância (Hamel, 1993). Gummesson (1991) apud Wetzel (2000),

indica, entretanto, que o método do caso tem sido cada vez mais usado nos

Estados Unidos e na Europa.

Para Yin (1994), são três as condições que definem quando usar

determinados métodos de pesquisa: (a) o tipo de questão que se deseja

responder, (b) o quanto o pesquisador tem controle sobre os eventos

comportamentais, e (c) o nível de focalização em eventos contemporâneos em

detrimento de eventos históricos. O quadro 3.1 relaciona as condições

relatadas com cinco métodos de pesquisa usados em Ciências Sociais.

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Quanto à pergunta da pesquisa, aquelas do tipo como e porquê

sinalizariam a conveniência do estudo de caso; as do tipo qual poderiam indicar

survey, experimento ou estudo de caso. Com relação à questão do controle,

apenas o experimento se aplicaria. A atualidade do fenômeno, por sua vez,

seria importante para distinguir a história do estudo de caso. O estudo de caso

lida com personagens ainda vivos que fazem ou fizeram parte do fenômeno,

enquanto na história apenas documentos e objetos estariam disponíveis (Yin,

1994).

Quadro 3.1 Comparação de Métodos de Pesquisa em Ciências Sociais

Método Tipo de Necessita controlar Focaliza eventos

Pergunta da eventos recentes?

Pesquisa comportamentais?

Experimen to Como, por que Sim Sim

Survey Quem, o que, Nao Sim

onde, quanto

Análise de arquivo Quem, o que, Não Sim/não

onde, quanto

História Como, por que Não Não

Estudo de caso Como, por que Não Sim

Fonte: Yin, 1994

De acordo com Yin (1994), estudos de casos poderiam limitar-se a uma

ou mais unidades de anàlise. Estudos de um único caso seriam mais

adequados no estudo de uma situação extrema, única ou crítica. Múltiplos

casos deveriam ser estudados quando houvesse possibilidades materiais,

humanas e de tempo, como é o caso dessa pesquisa.

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3.3 Fonte de dados

Os dados utilizados nesse estudo são dados secundários provenientes

de base de dados gerada pela Professora Ursula Wetzel Brandão dos Santos

em sua tese de Doutorado em Administração pelo Instituto de Pós-Graduação

e Pesquisa em Administração - COPPEAD, da Universidade Federal do Rio de

Janeiro - UFRJ: Processo de Downsizing em Empresas Privatizadas: A

Percepção dos Participantes. Essa base de dados foi disponibilizada para uso

da pesquisadora.

3.3.1 Dados Secundários

De acordo com Mattar (1996), os dados em pesquisa podem ser

classificados em dados primários e dados secundários. Os dados primários

seriam aqueles não antes coletados, estando ainda em posse dos

pesquisadores, e que seriam obtidos com o propósito de atender às

necessidades especificas da pesquisa em andamento. As fontes básicas de

dados primários seriam o pesquisado, pessoas que tivessem ligação com o

pesquisador e situações similares. (Mattar, 1996)

Os dados secundários seriam aqueles que já teriam sido coletados,

tabulados, ordenados e, às vezes, analisados e que estariam catalogados à

disposição dos interessados. (Mattar, 1996)

Kinnear e Taylor (1979) classificam os dados secundários em internos e

externos. Os dados secundários internos seriam aqueles gerados pela própria

organização, tais como relatórios de vendas, dados financeiros e contábeis. Os

dados secundários externos seriam gerados por fontes fora da organização

(livros, jornais, revistas, publicações acadêmicas).

A utilização de dados secundários apresenta vantagens e desvantagens

para o pesquisador e sua pesquisa. Kinnear e Taylor (1979) advogam que as

vantagens da utilização de dados secundários seria a economia de tempo,

dinheiro e esforços. Para esses autores, se os dados necessários para a

pesquisa estivessem disponíveis em fontes secundárias, o pesquisador poderia

dedicar-se a busca de materiais complementares em bibliotecas, órgãos do

governo, instituições não governamentais, leitura de jornais e publicações ou

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consultas de informações padronizadas de empreSas de pesquisa. Nesse caso,

os dados secundários poderiam contribuir para:

~ Estabelecer melhor o problema de pesquisa;

~ Sugerir outros métodos já testados e aprovados de coleta de

dados;

~ Sugerir outros tipos de dados a serem coletados para obter as

informações desejadas;

~ Servir como fonte comparativa e complementar para os dados

principais a serem coletados.

Segundo os mesmos autores, haveria também desvantagens na

utilização de dados secundários. Uma delas seria que, como os dados teriam

sido coletados com diferentes objetivos, poderiam não se ajustar perfeitamente

às necessidades de determinada pesquisa. O grau de ajustamento desses

dados dependeria de quatro fatores: unidade de medida, a definição de

classes, momento da publicação e confiabilidade e precisão.

Para Kinnear e Taylor (1979), é comum para o pesquisador descobrir

que os dados secundários estão expressos em unidades diferentes das

requeridas em sua pesquisa. Outro problema comum ocorreria quando os

intervalos de classe da apresentação dos resultados da variável de interesse

não coincidissem com aqueles que interessariam a pesquisa.

Com relação ao momento da publicação, seria importante considerar o

período de tempo entre a coleta dos dados e a sua utilização. Períodos

excessivamente longos poderiam tornar os dados obsoletos, tendo apenas

valor histórico.

Finalmente seria importante para o pesquisador verificar a confiabilidade

e precisão dos dados tendo em vista os propósitos de sua pesquisa. (Mattar,

1996)

Traçando um paralelo entre quatro critérios anteriormente descritos, e a

base de dados utilizada no presente estudo, concluiu-se que o seu grau de

ajustamento é bastante adequado. Primeiramente, a base de dados continha

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entrevistas individuais com funcionários remanescentes das estatais o que

estava alinhado com as necessidades desse estudo. Quanto ao grau de

agregação, os dados utilizados não estavam agrupados ou classificados. Ou

seja, foi usado no corrente estudo, o conteúdo integral das entrevistas

individuais efetuadas na coleta primária, transcritas pela pesquisadora que os

coletou.

No que se refere à obsolescência, embora sua coleta tenha sido no

período de maio a outubro de 1999, os dados analisados foram considerados

bastante atualizados para os fins dessa pesquisa. Isso decorre do fato que se

pretendeu analisar ações e mudança de comportamento de indivíduos em uma

organização decorrentes de uma ação específica externa ocorrida em períodos

de tempo muito próximos da coleta (97/98).

Por fim quanto a precisão e confiabilidade, cabe ressaltar novamente

que a dados foram coletados para a Tese de Doutorado de Administração da

Professora Ursula Wetzel. As entrevistas foram gravadas e posteriormente

transcritas, o que garantiu a precisão do registro das informações coletadas.

A base de dados em questão é extremamente rica em seu conteúdo. Ela

é composta por entrevistas em profundidade de aproximadamente uma hora,

com funcionários de vários níveis hierárquicos das empresas analisadas.

Além disso, embora seguindo um roteiro padrão nas três empresas e em

todas as entrevistas, além do tema original abordado (no caso, downsizing),

pode-se extrair informação relevante e detalhada da percepção dos

funcionários sobre as características das empresas antes e depois da

privatização, bem como sobre a própria condução do processo de privatização.

Uma das razões para tal deriva do fato de que, por coincidência, todas as

empresas pesquisadas para o estudo de downsizing haviam sido privatizadas

em um passado recente. Desse modo, embora, teoricamente, as questões de

privatização e downsizing possam ser tratadas separadamente, na percepção

dos entrevistados estes dois eventos estavam ligados e a privatização assumiu

uma importância maior em suas vidas do que o próprio downsizing. Assim, a

discussão sobre privatização esteve presente em todas as entrevistas

efetuadas.

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3.3.2 Coleta de Dados

De acordo com Wetzel (2000) a base de dados em questão foi gerada a

partir de entrevistas facadas com funcionários remanescentes nas empresas

após a privatização, no período de maio de 1999 a outubro de 1999. Os

funcionários foram divididos em duas categorias: os que tinham função

gerencial e os que não tinham. Além disso, não foram entrevistados

funcionários da estatal desligados após a privatização.

As entrevistas foram realizadas usando-se dois roteiros padrão: um para

funcionários remanescentes com cargo gerencial e outros para remanescentes

sem cargo gerencial (Anexos 1 e 2). Cabe ressaltar que a base de dados

utilizada não foi explicitamente gerada visando à mudança cultural das

empresas. Desse modo, os dados obtidos para essa pesquisa foram inferidos a

partir dos discursos e entrevistas realizadas.

No quadro 3.2 encontra-se o detalhamento, por cargo, das entrevistas

realizadas em cada uma das empresas.

Quadro 3.2 Número de entrevistas por cargo

Cargo AAA BBB CCC

Diretor de Recursos Humanos ou 2(*) 1 1

gerente de alto nível

Gerentes intermediários ou 11 10 8

supervisores

Funcionários sem cargo gerencial 9 10 6

Total por empresa 22 21 15

Entrevistas descartadas 2 1

(*) Foram entreVistados o diretor de Recursos Humanos da holdmg e o diretor de Recursos

Humanos da MA.

3.4 Tratamento e Análise dos dados

3.4.1 Particularidade das empresas pesquisa das

As empresas analisadas nesse estudo passaram por dois processos

teoricamente distintos mas que ocorreram simultaneamente: a privatização e o

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downsizing. Portanto, embora o estudo original da Professora Ursula Wetzel,

gerador dos dados primários, tenha sido sobre Oownsizing (Wetzel, 2000) e

conseqüentemente suas entrevistas tenham focado esse tema, a maior parte

das respostas obtidas abordaram, também, a privatização e as mudanças

ocorridas.

Para o presente estudo isso foi um fator fundamental, visto que a base

de dados, embora secundária, apresentava uma quantidade extremamente rica

de informações relevantes.

3.4.2 Etapas do tratamento e da análise de dados

Os dados coletados foram analisados da seguinte forma: em uma

primeira fase, analisou-se para cada empresa, as características da

organização antes e depois da sua privatização, permitindo a emergência de

temas e conceitos específicos de cada situação. Na segunda etapa, também

para cada empresa, foram analisadas as ações gerenciais realizadas durante

as fases de transição da estatal para a empresa privada e durante a fase inicial

de operação da empresa privada, conforme relato dos entrevistados.

A seguir os dados de cada uma das empresas foram analisados

segundo o modelo conceitual adotado.

Por último, foi efetuada uma análise comparativa entre o processo de

mudança cultural das três empresas analisadas.

Em algumas análises adotou-se o critério de se classificar a mudança

ocorrida nas empresas ou a relevância dada a determinado valor/caracteristica

como baixo, moderado e alto. Isso foi feito para facilitar a identificação das

mudanças ocorridas e a comparação entre empresas. Nesses casos:

~ Baixo - significa que a característica/valor não era valorizada pela

maior parte dos funcionários entrevistados. Significa também que

foram mínimas ou nenhuma as mudanças percebidas antes e

depois da privatização;

~ Moderado - significa que parte da organização valoriza a

característica/valor analisado, mas não a maioria da organização.

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Significa também que algumas mudanças foram percebidas, mas

ainda de modo tímido;

).> Alta - significa que a organização, em praticamente sua

totalidade compactua com os novos valores/caracteristicas.

Significa também, que as mudanças ocorridas antes e depois da

privatização foram radicais.

3.4.3 Uso de software para análise de dados qualitativos

De acordo com Wetzel (2000), dados qualitativos referem-se, na maioria

das vezes, a narrativas, materializadas inicialmente na forma de entrevistas,

gravadas e posteriormente transcritas para o papel.

A base de dados usada nesse estudo continha o conteúdo transcrito de

586 entrevistas realizadas com funcionários das três empresas analisadas,

correspondendo a cerca de 20 páginas por entrevista.

Assim, diante de um volume grande de material, utilizou-se um software

específico para a análise de dados qualitativos. Segundo Creswell (1998) apud

Wetzel (2000), o uso desses softwares apresentam as seguintes vantagens:

).> Organizam e arquivam material;

).> Permitem rápida recuperação de partes específicas;

).> Eliminam as operações de "corte e cola";

).> Forçam uma análise mais profunda do texto.

Esse estudo utilizou-se do software Nud*ist, criado por Thomas e Lyn

Richards e comercializado pela empresa Sage.

3.4.4 Confidencialidade dos depoimentos

De modo a garantir a confidencial idade dos dados, todas as citações

diretas utilizaram nomes fictícios. As empresas foram denominadas AAA, BBB

6 Segundo Wetzel (2000), originalmente foram feitas 61 entrevistas. Entretanto, três das 61 não puderam ser consideradas. Em um dos casos, o funcionário pesquisado teria permitido a gravação da entrevista mas, a certa altura, teria solicitado que o gravador fosse desligado e as informações e opiniões relatadas a seguir não fossem utilizadas na pesquisa. Nos outros dois casos, teria havido problemas com a fita a ponto de não ser possível a transcrição.

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e CCC, e os funcionários foram categorizados por nível hierárquico e área

funcional.

3.5 Limitações do método

Segundo Rocha (s/d), o método de casos não permitiria generalizações

dos resultados da pesquisa. Entretanto, esta limitação não invalidaria sua

utilização, uma vez que ele não se proporia a avaliar a freqüência;.com que

dado fenômeno ocorreria em determinada população. Ao contrario, sua

proposta seria a de descobrir relações, estudar processos, identificar variáveis

ainda não estudadas, encontrar tipologias - objetivos esses que não

conduziriam á necessidade de generalizações para o universo. .., .

Yin (1989) observa que os estudos de casos, como os experimentos,

seriam generalizáveis para proposições teóricas e não para populações ou

universos.

Outra limitação do método decorre da subjetividade na coleta, registro e

análise de informações, particularmente aquelas obtidas através de entrevista

pessoal.

É importante ressaltar, ainda, que as conclusões desse estudo estão

sujeitas à perspectiva do pesquisador, uma vez que a real mudança de valores

de um indivíduo é um pressuposto básico, uma verdade absoluta de' cada um

que medida ou observada diretamente.

Deve-se considerar ainda que a percepção dos entrevistados é outro

viés a que deve submeter-se o pesquisador nesse tipo de. estudo.

Especificamente, quando relatando eventos passados, é possível que o

entrevistado não disponha de memória de tais eventos ou distorça,

deliberadamente ou não, esses eventos. Por outro lado, mesmo quando se

referindo a eventos em andamento, pode ele desejar, por exemplo,

impressionar o entrevistador, alterando as informações.

Na verdade, pouco se pode fazer com relação a isso, a não ser que o

entrevistador use de sua habilidade para abordar a mesma questão de diversas

formas, de modo a testar as respostas obtidas, ou, ainda, através do uso de

várias fontes.

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De modo similar, deve-se considerar o efeito da dissonância cognitiva.

Segundo Chisnall (1975), a teoria da dissonância cognitiva foi proposta por

Leon Festinger, Professor de Psicologia de Stanford, estados Unidos, em 1957.

A teoria pressupõe que:

1. A existência de dissonância, sendo psicologicamente desconfortável,

motivará a pessoa a reduzir a dissonância e alcançar consonância;

2. Quando a dissonância está presente, além de tentar reduzi-Ia, a

pessoa irá evitar ativamente situações e informações que poderiam aumentar a

dissonância.

No estudo proposto, deve-se considerar o efeito da dissonância

cognitiva nos flJncionários remanescentes. Tendo sido psicologicamente

afetados pelas mudanças decorrentes da privatização, poderiam tender a

reduzi-Ia mostrando-se mais adaptados e mais favoráveis á nova situação do

que realmente estariam.

Este tipo de viés é inerente a pesquisas em Ciências Sociais. É possível,

porém, que a longa duração das entrevistas tenha reduzido o impacto do

mesmo, uma vez que os entrevistados, ao longo da entrevista, tiveram a

oportunidade de sentir-se mais confortáveis e menos defensivos. Em uma

situação como a estudada, as entrevistas em profundidade podem ser, nesse

sentido, claramente superiores a entrevistas curtas ou questionários

estruturados.

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4 Descrição e Análise de Caso - Empresa AAA

4.1 Histórico da Empresa AAA

A AAA é uma empresa prestadora de serviços com âmbito de atuação

na Região Sul do país. Estatal em sua origem, a empresa foi adquirida em

1997 por um consórcio de sócios majoritariamente nacionais, tornando-se líder

de mercado, na região, em seu segmento de atuação.

Ao final de 1996, ao ser anunciado o ganhador do leilão de privatização,

a AAA iniciou uma fase de transição de dois meses de duração, durante a qual

se realizou uma administração conjunta da estatal e do consórcio adquirente.

Nessa época, os novos administradores montaram uma equipe responsável

pela transição, que definiu, entre outras coisas, as linhas da nova estrutura

administrativa, incluindo um plano de redução de pessoal.

No início de 1997, a nova direção assumiu a empresa e imediatamente

iniciou um forte processo de demissão de pessoal, que incluía as áreas

administrativa, operacional e comercial. Previa-se uma maior redução de

funcionários na área operacional, pois algumas atividades seriam terceirizadas

e outras eliminadas, mediante a da otimização de processos e procedimentos.

A estatal tinha escritório em dois Estados. o que gerava duplicidade de

funções, como, por exemplo, as de recursos humanos, contabilidade e

orçamento. Planejava-se, assim, a fusão das duas unidades e a concentração

das atividades em apenas um dos locais, ficando o outro apenas como a parte

operacional da região e um departamento de apoio. Na opinião da nova

direção, todas essas medidas justificavam a eliminação de um grande número

de postos de trabalho.

Para poder conduzir o processo de desligamento de funcionários, a AAA

precisava dos líderes oriundos da estatal. Entretanto, como raramente eram

efetuados processos de demissão na estatal, esses líderes não tinham

experiência prática em entrevistas de desligamento. Assim a AAA optou por

efetuar uma série de palestras durantes as quais procurava-se explicar as

razões da redução de pessoal.

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4.2 A Empresa AAA antes da privatização

De acordo com os entrevistados, as principais caracteristicas da AAA como

estatal eram:

a) Excesso de burocracia;

b) Falta de comunicação e de objetivos bem definidos;

c) Excesso de pessoal, ociosidade e despreparo;

d) Estabilidade;

e) Preocupação Social;

f) Impunidade;

g) Custos não priorizados;

h) Sujeição a interesses políticos;

i) Remuneração igualitária e baseada em gratificações por nível e tempo

de serviço;

j) Recursos e investimentos escassos;

k) Falta de comprometimento.

a) Excesso de Burocracia

A empresa era considerada extremamente burocrática, com processos

longos e lentos. Quaisquer compras, por exemplo, mesmo as de produtos de

baixo valor agregado, necessitavam de licitação. Isso diminuía bastante a

agilidade da empresa.

"Como empresa pública, infelizmente todo mundo sabe que ela tem uma série de

dificuldades de atuar em função do sistema burocrático em que o governo em si, o

sistema público está envolvido. Não tem como mudar esse processo; é uma coisa que

já está arraigada no sistema de governo. Para você ter uma idéia: para se comprar um

parafuso na empresa pública você tem que fazer uma licitação e na empresa privada

não, as coisas são muito mais ágeis, em todos os sentidos."(funcionário de área

administrativa)

"Na ocasião da AAA estatal, você não sentia muito isso. A gente estava

empregada da AAA, estava fazendo um serviço, muitas vezes um serviço que

demandava muito sacrifício, e até pelas próprias dificuldades numa empresa pública,

não teve cursos, a parte burocrática era muito amarrada. e você não via aquele

resultado no contexto geral da empresa. Mesmo porque a empresa não tinha aqueles

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objetivos determinados de atingir metas, de atingir e bater recordes e ter resultados

financeiros, a gente vê isso claramente." (funcionário de área administrativa)

Além disso, a estrutura organizacional da estatal era considerada "pesada",

setorizada e com muitos níveis intermediários. Isso acarretava uma baixa

produtividade e dificultava o processo decisório. Mesmo pequenas decisões

precisavam passar por diversas pessoas da organização, gerando um

desperdício de tempo e atrasando os processos.

"Porque olha, é outro conceito de trabalho? A empresa estatal, como é que eu vou

dizer ... tem um conceito de que eu não era demitido, era uma empresa muito

setorizada, a estrutura era muito pesada. E eu tinha conhecimento que uma empresa

privada a coisa é mais enxuta, as oportunidades de acordo com a capacidade de cada

um, ficou mais fácil? E todo um processo novo de trabalho." (funcionário de área

administrativa)

"Para você ter uma definiçãozinha de algumas coisas, você demorava até

semanas. Fazia um despachozinho para o teu chefe, teu chefe mandava para o chefe

dele e mandava para o chefe ... Tinha supervisor de grupo, de núcleo, gerência,

gerência do setor, gerência da unidade, depois chegava ao cargo de diretor. Então nós

tínhamos cinco gerentes antes de chegar ao diretor." (funcionário de área

administrativa)

"Eu lembro que da estatal até ... que eu aprendi a escrever. Que, na estatal, a gente

tinha que escrever muito ... Escreve, escreve. Dai passava para um, passava por outro,

até que aquele processo retornasse para você e demorava uma, duas, e você não

tinha esse acesso que nem a gente tem aqui." (gerente de área administrativa)

b) Falta de comunicação e de objetivos bem definidos

A estatal tinha também, um sistema de comunicação vertical que dificultava

o acesso aos níveis superiores da empresa e distorcias informações. Os

entrevistados fazem, referência, por exemplo, a secretárias que organizavam a

agenda da chefia e à disposição física das salas de trabalho, aspectos que

entravavam, mais ainda, o fluxo e a rapidez das informações na empresa.

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"Era muito, muito dificil. Para você telefonar e falar com o superior, você tinha que

passar toda a hierarquia primeiro até chegar. Se não, era falta grave." (funcionário de

área administrativa)

"Na estatal, era muito difícil. Eu tinha que ir ao gerente. Esse gerente ia no outro e

ia no outro .... Muitas vezes, até alguma coisa que você fazia, que chegava no último já

não era mais assim." (funcionário de área administrativa)

"Era uma sala separada, fechadinha e ali estava o superintendente, estava o

assessor, estavam todas as pessoas assim. Você tinha que se anunciar para falar.

Você não chegava a ter um diálogo aberto, os problemas você tinha,as vezes, que

passar para outra pessoa, aquela outra pessoa ia falar." (funcionário de área

administrativa)

"Na AAA era tudo, salas reservadas e não sei o quê, escritórios fechados. Para

você conversar com o diretor tinha que ficar marcando na agenda com ele. Ele não se

chega ali." (funcionário de área administrativa)

No nível operacional, havia queixas quanto ao desconhecimento dos

objetivos da organização. A infonmação não fluía facilmente na empresa

dificultando, muitas vezes, a própria operação da empresa.

"Em tempo de estatal, as coisas eram todas chaveadas, tudo no cadeado. Cada

arquivo, cada equipamento tinha um dado e tudo era chaveado. Fulano não pode ficar

sabendo disso ai, fulano não pode saber disso aqui." (funcionário de área operacional)

"No tempo da estatal não havia esse envolvimento. Não se conhecia muito quais

eram os objetivos, onde nós queríamos chegar." (gerente de área operacional)

" ... Era mais fechado. Bem mais fechado, Era aquela coisa do superintendente ter

uma secretária no meio ali, você não passa, sem passar pela secretária. Hoje você tem

as secretárias, as secretárias estão ali. Mas se eu passar ali, ela não vai perguntar o

que você vai fazer? Porque você está indo lá? Porque você quer falar? É bem

diferente ... (funcionário de área administrativa)

c) Excesso de pessoal, ociosidade e despreparo

A AAA trabalhava com um número excessivo de profissionais. A

percepção da maioria das pessoas entrevistadas era que a empresa estava

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"inchada". Esse número excessivo de pessoas traduzia-se também em uma

grande ociosidade.

"Quando privatizou a gente sabia que o quadro estava inchado, sabe? Inchado de

pessoal, o quadro de pessoal estava inchado, um verdadeiro cabide de emprego."

(funcionário de área operacional)

"Era muita gente mesmo. Você entrava naquelas salas lá, tinha 20/30 pessoas

numa sala. Tinha 1 ou 2 pessoas 3 pessoas trabalhando s6. Uma velharada fazendo

tricô, crochê, lendo jornal. O pessoal não queria se aposentar nunca. " (funcionário de

área operacional)

Além disso, como a AAA era uma empresa descentralizada, operando em

dois estados, possuía uma duplicidade em alguns de seus processos e a

necessidade de um quadro de funcionários maior.

"Com a privatização não existiu mais a estrutura aqui de diretoria, ficou tudo em

[local xl. Então tinham atividades que eram paralelas, que eram iguais. Então não tinha

como manter. Se era uma empresa só que abrangia os três Estados e que estava

sendo feito por [local xl, mas no mornento assim que houve essa grande demissão foi

feito uma reunião e foi dito isso pra n6s. Em termos de mudança ... foi feito de processo

de trabalho, pelo menos pra mim foL" (funcionário administrativo)

Os funcíonários estavam desatualizados e eram excessivamente

especializados nas suas funções. A maior parte deles tinha mais de 10 anos

de empresa, entraram na empresa através de concurso e nunca tiveram

outro emprego. Havia funcionários dos mais diversos níveis sócio-culturais

e econômicos, morando em lugares de difícil acesso, muitos semi­

analfabetos.

"Os nossos empregados ficaram muito tempo numa função s6; então eles foram

desligados lá com um número x de anos, mas extremamente especializados somente

naquilo." (funcionário de área administrativa)

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"A grande maioria tem primeiro grau completo. Quando a AAA foi privatizada, a

média das pessoas [de empresa] era mais ou menos 15 anos; é pessoal de primeiro

grau incompleto. É aquele pessoal que capina" (funcionário de área administrativa)

d) Estabilidade

Era raro e difícil demitir-se um funcionário na AAA. O processo de

demissão era cheio de etapas e representava uma pesada burocracia. Em

uma das etapas, o funcionário precisava conversar com um assistente

social, que buscava reverter a situação. Por último, a chefia necessitava

negociar com o sindicato cada uma das demissões pretendidas.

"E a gente tinha uma cultura de estabilidade. Eu trabalhei nesses dezoito anos,

ninguém foi demitido assim por sei lá alguma causa, sei lá. Raríssimas as exceções,

que foram demitidos. E a pessoa tava lá. Podia fazer assim ... continuava lá. "

(funcionário da área administrativa)."

"Para mandar uma pessoa embora na estatal, dava serviço, porque você tinha que

provar, você tinha que conhecer seu chefe ... Depois você tinha o RH, depois tinha o

serviço social, que queria tentar tudo antes e, depois, tinha o problema juridico e,

depois ainda, com tudo isso envolvido, as vezes politicamente não era interessante

porque você ia pegar uma guerra com o sindicato ... então para você conseguir mandar

uma pessoa embora que estava causando problemas aqui, era uma via crucis."

(gerente da área operacional)

"Também não se fazia investimento. Tanto é que foi se degradando o sistema

como um todo. Então veja bem o seguinte, eu sabia que a empresa ... era inevitável o

enxugamento, não tinha como. Mesmo porque haveria, e há necessidade de

renovação sempre no quadro. Empresa que não renova seu quadro ela está fadada

realmente a se acabar. É o que estava acontecendo na AAA ultimamente. As

admissões na AAA eram assim a cada 10 anos que se admitia alguém. Não havia uma

oxigenação da empresa ..... senão não há uma renovação de idéias tuas ou de fora,

você acaba entrando na rotina, quer dizer não

outras alternativas, de uma mudança

renovando ... "(funcionário de área operacional)

há uma inovação, você não busca

de tecnologia que acabe

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e) Preocupação social

Por ser uma empresa estatal, a empresa AAA tinha a preocupação de

assistir ao funcionário em casos de problemas pessoais.

"Na época da AAA (estatal) tinha essa assistente social, que era para ver. Porque

é que você bebeu? Porque é que você foi jantar? Porque é que você voltou nervoso?

Quer dizer, eram todas preparadas ali e conversavam. "(funcionário de área

operacional)

"Na época de estatal, você pegava o cara no flagrante e fazia um termo, ... de

alcoolismo e essas coisas. Mas aí, você tinha que comunicar o sindicato, assistência

social, a chefia e tudo mais. No dia seguinte estava o sindicato, assistente social, todo

mundo atrás desse cara. Pegavam essa cara, levavam para a capital, tratavam dele

dois, três meses lá, tudo por conta do governo. O cara vinha de lá como viço, bonito,

vistoso. Então eu digo, e' agora? Agora ele vai, agora ele está. Dava um mês, dois, de

novo. O cara caía de bêbado, de farra, de jogatina e isso tudo, mas existia a assistente

social que tentava recuperar a pessoa." (supervisor de área operacional)

(f) Impunidade

Os regulamentos existiam, as pessoas os conheciam, mas eles não

eram seguidos. Não havia cobrança nem qualquer punição nos casos de

não cumprimento do que estivesse estabelecido.

"Só que na época da AAA (estatal), aquele regulamento estava ali em cima de uma

mesa, ninguém cumpria, e quem cumpria, ia para o pau porque cumpria. É igual te

digo assim um exemplo, tolerância de álcool para determinadas classes: maquinista,

manobrador, o cara que mexe diretamente com a locomotiva com o trem ai, o cara que

chega alcoolizado para trabalhar. "(funcionário de área operacional)

g) Custos não priorizados

Não se tinha como meta a otimização dos custos.

"O custo, o custo era muito alto. Trabalhava-se com déficit. Embora aqui na

regional, tinha um superavit operacional mas era muito ... era o seguinte, praticamente

empatava. Não se falava em lucro ... "(funcionário de área operacional)

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"Esse curso inicialmente era dado no IMI no Rio, mas por uma questão

politica na época, esse curso foi transferido para a Universidade da Paraiba, em

Campina Grande, onde na verdade a Universidade da Paraíba só entrou como local

físico, os professores eram do Rio, os alunos eram do Brasil inteiro [risos], esse foi o

curso mais caro que eu vi até hoje."(gerente de área operacional)

h) Sujeição a interesses políticos

A política externa governamental direcionava as ações e o

preenchimento de cargos na AAA.

Apesar da estabilidade de empregos garantir a permanência das

pessoas em empresas públicas, não garantia a sua permanência nos cargos

que ocupava. Quando havia uma mudança por indicação política em algum

cargo de chefia, pessoas da equipe também poderiam ser destituídas de seus

cargos.

"Uma coisa que eu não esperava, na verdade a gente sempre vinha com um

trabalho profissional. Infelizmente pegamos uma parte que entrou mais na parte

politica ... E aí não fiquei muito tempo na superintendência. Graças a Deus saí, não me

arrependo até hoje, mas era alguma coisa com a qual não concordei. .. Aí eu fui para a

área administrativa, aí me encostaram lá na área administrativa. No setor estatal é

assim, qualquer coisa você encosta (gerente de área operacional)

Além disso, como não havia um sistema de meritocracia formal, a

ascenção profissional de cada funcionário estava vinculada não somente ao

seu tempo de empresa mas também a indicações políticas.

"A AAA foi muito politica. Para conseguir uma ascenção tinha que ter um bom

padrinho. É o mesmo sistema do governo, só que numa outra esfera."(funcionário de

área operacional)

"As grande mudanças? Acho que uma coisa muito forte para mim é a

perspectiva de futuro. Na AAA [estatal], o futuro que eu teria é só se fizesse assim um

concurso, no meu cargo, por exemplo, se eu fizesse mais ou menos não ia fazer muita

diferença. Ia ter o mesmo salário no final do mês. Não teria uma perspectiva para o

futuro. Então se você trabalhando você vai direito a ter um aumento, se você trabalhar

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mais se dedicar mais vai ter direito a um aumento ou vai ter uma ascensão para outro

cargo, não tinha isso. Nem poderia, porque a empresa pública não permite isso. Tem

que fazer concurso externo, tem uma série de, é um processo realmente muito difícil. A

não ser que conseguisse, politicamente, um cargo de confiança, por exemplo. Mas era

muito difícil." (funcionário de área operacional)

Um dos funcionários entrevistados demonstrou ressentimento pela falta

de reconhecimento das boas iniciativas dos funcionários. Na sua

perecepção os erros eram sempre apontados e as boas ações eram

sempre creditadas à chefia.

"Antigamente era muito mais difícil. Eu tinha que ir no gerente. Esse gerente ia

no outro, e ia no outro, e então você ... muitas vezes até alguma coisa que você fazia,

que chegava no último já não era mais assim.Coisas que eu havia desenvolvido e eu

ficava sabendo que ... ah, olha aqui, o gerente de tal, tal tal, apresentou em tal local.

Isso acontecia. De levarem serviços meus para a AC dizendo que outras pessoas que

tinham. Ah, não. É que no momento, no momento que erra, foi fulano, no momento que

está certo foi a gerência. Então não é por aí. Acho que de repente tem que dar o nome

aos bois também. Isso acontecia bastante. Aqui não, você errou foi você. Você acertou

foi você também. Tem isso, as pessoas sabem o que você faz." (funcionário de área

administrativa)

i) Remuneração igualitária e baseada em gratificações por nível e tempo de

serviço

Alguns salários estavam fora da faixa salarial praticada no mercado mas

havia várias gratificações adicionais que faziam com que a remuneração

total, de um modo geral fosse boa. Os aumentos salariais, entretanto,

precisavam ser discutidos com o sindicato e aprovados pelo governo. Por

ser estatal, aumentos eram muito difíceis de serem concedidos, uma vez

que poderiam causar impacto na inflação.

"Alguns fora do mercado. Nós tínhamos uma série de vantagens, adicional

por tempo de serviço. Então tinham duas pessoas, por exemplo, fazendo a mesma

coisa, só que uma tinha 5 anos de empresa, outra tinha 25 anos de empresa. Essa

ganha 25 anos, o custo dela é muito mais do que aquela de 5 anos. Então fazia com

que quanto mais antigo, maior o custo." (gerente de área administrativa)

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Sem um processo de avaliação individual que alimentasse o sistema de

remuneração, os empregados da estatal recebiam aumentos independentes

de sua produtividade. Em um processo de comparação indicavam que, se

outro funcionário não trabalhasse, esse receberia um aumento da mesma

forma. Verifica-se, assim, que as práticas de recursos humanos

desestimulavam os funcionários que desejavam produzir.

"O plano de cargos e salários e de merecimento era igual para todos. Se você

fosse um bom funcionário ou fosse ruim, você recebia a mesma coisa. Não tinha uma

meritocracia. A pessoa recebia igual, você trabalhava e trabalhava e ganhava a mesma

coisa. Se você ficasse o dia inteiro lendo e eu ficasse fazendo tudo, seria a mesma

coisa. Você não era reconhecido e eu também não, tudo bem, ficava por isso mesmo.

Hoje não, hoje as pessoas demonstram algum interesse a mais, elas são

reconhecidas." (gerente da área operacional)

j) Recursos e investimentos escassos

Os recursos tecnológicos da estatal eram bastante precários. Todos os

sistemas existentes eram desenvolvidos por funcionários da própria

empresa e eram sujeitos às limitações impostas pelo governo.

"Até porque pelas próprias limitações, a AAA [estatal) não podia pensar em

contratar um serviço. O governo não permitia isso. A rede chegava ao absurdo de

parar uma [máquina] porque o governo não permitia a importação da peça para fazer a

[máquina] funcionar. Por mais que o RH quisesse, eu não podia nem pensar em

contratar um sistema externo para o RH. Por melhor que fosse." (gerente de área

administrativa)

"Naquela primeira ocasião se sabia que se precisava daquilo. Tudo que a

gente tinha era praticamente obsoleto, na época da AAA [estatal). Nós não

trabalhávamos ainda com o Windows 95. Algumas áreas sim, alguns computadores só,

mas a grande maioria trabalhava com sistema DOS ainda. Então, para redigir carta era

o Carta Certa, por exemplo. Então era um transtorno. Quando chegou assim que

precisava uma ferramenta melhor, um Word, uma qualidade melhor .. " (funcionário de

área operacional)

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"Só para você ter uma idéia: nós tínhamos as entradas para a folha de

pagamento, a gente gerava documentos manuscritos ou feitos através de como se

fosse uma planilha no microcomputador.lsso era redigitado na informática. Então 5 ou

6 pessoas na informática, só para digitação." (funcionário de área administrativa)

As condições para o trabalho eram consideradas inadequadas. Na área

operacional, por exemplo, havia constante falta de peças para o conserto de

máquinas, sendo que, algumas vezes, chegava-se a reciclar peças que já

haviam sido descartadas. Por falta total de peças, os funcionários eram

obrigados, muitas vezes, a interromper o trabalho. Tal situação, segundo o

relato de um funcionário, desmotivava os empregados, fazendo com que se

sentissem "desgostosos" com o trabalho.

"Muitas vezes tinha o serviço, mas faltavam peças, ou, então, para você fazer

um serviço mal feito, justamente por não ter peças. Então, profissionalmente, a gente

se sente um pouco ruim com essa situação. Porque você sabe que cada um tem um

determinado potencial, cada um quer dar o melhor de si. E, as vezes, você sabe que

não está fazendo, porque a empresa não dá condições de fazer. Eram peças

reutilizadas, muita coisa que estava, muitas vezes na lata do lixo, tinha que ir lá buscar,

para reutilizar, porque não tinha peça. Você tinha duas opções: ou você deixava a

máquina parada ali no pátio, ou fazia uma tentativa de pegar uma peça já sucateada e

colocar na máquina." ... E tudo isso ai fazia a gente ficar desgostoso de trabalhar numa

firma estatal. .. (funcionário de área operacional)

"Porque você estava vendo na estatal que o patrimônio estava terminando,

coisas assim. Não tinha incentivo de trabalhar." (funcionário de área administrativa)

"Para você ter uma idéia, faltava lápis para se escrever. Então o pessoal não

tinha como trabalhar, não tinha copo, não tinha bulufas nenhuma." (funcionário de área

operacional)

Não havia uma preocupação com as condições de segurança dos

empregados. Sem fornecimento de roupas e equipamentos adequados para o

trabalho, os funcionários sentiam-se, em alguns casos, obrigados a arcar com

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despesas de uniforme. O sentimento de descaso com os funcionários e com o

patrimônio da empresa expressou-se no seguinte depoimento:

"Eu mesmo, eu ficava revoltado e a turma também. Então, nós parávamos de

trabalhar, que os caras não se preocupavam com segurança do trabalho. Eles não

davam luvas, não davam botinas para nós. Roupa, roupa a essa altura do serviço nós

é que pagávamos. Nós é que pagávamos a nossa roupa." (supervisor de área

operacional)

k) Falta de Comprometimento

A ausência

produtividade de

de pressão para o desempenho ocasionava a baixa

muitos empregados. Havia, na opinião de alguns

entrevistados, uma cultura paternalista, em que os interesses pessoais se

sobrepunham aos interesses da organização, produzindo empregados pouco

comprometidos com o trabalho.

"Antigamente eles batiam o cartão 'as sete e vinham do vestiário ás oito. Aí,

depois, eles iam tomar café, daí nós íamos conseguir fazer eles trabalhar com um

tapinha nas costas. Quem sabe, por favor, vai lá e faz isso para nós ?' Ah, mas a

minha mulher está doente, eu tenho que ir para casa, olhar meus filhos' , e era assim

que era." . (supervisor da área operacional)

Em algumas áreas geográficas, entretanto, a produção atingia um nível

que, se comparado com outras áreas da estatal, era considerado superior à

média nacional. O orgulho por esse desempenho pode ser constatado no

discurso de um supervisor da área operacional:

"É que, no tempo de estatal, nós aqui nos pátios, sempre foi isso que é hoje.

Uma alta produção ... , mesmo na época de empresa estatai. Isso aqui sempre foi um

pátio modelo, sempre foi alta produção" (supervisor de área operacional)

4.3 A Empresa AAA depois da privatização

De acordo com a percepção dos funcionários, a privatização da AAA fez

com que novas prátícas de trabalho fossem implementadas mudando a forma

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de trabalhar e o comportamento dos funcionários. As principais características

observadas na empresa após a privatização foram:

a) Foco em custos;

b) Administração por metas;

c) Meritocracia;

d) Acesso mais fácil às chefias;

e) Comunicação mais eficiente;

f) Reconhecimento e valorização do funcionário;

g) Alteração na quantidade e no modo de trabalhar;

h) Cobrança de resultados;

i) Multifuncionalidade;

j) Atitude pró-ativa;

k) Comprometimento, respor:lsabilidade e mais tempo dedicado à empresa.

a) Foco em custos

A partir da privatização, a AAA passou a visar a maior redução possível dos

seus custos. Os salários foram revistos e unificados de modo que ficasse claro

qual o real custo da mão de obra.

""Não pode diminuir [salário]. E uma das, uma das mudanças da AAA [após

privatizar], em 97, ela unificou todas essas vantagens como salário. Porque o nosso

contracheque era bastante extenso. Então o que ela fez? Ela fez um estudo e juntou.

Todas essas gratificações essas verbas numa só. Porque na realidade era salário. E,

ai, começou a ficar bem claro quanto uma custava em relação à outra. Então os mais

caros também contribuíram para que infelizmente saíssem da empresa. É a regra de

jogo. Não sei se você concorda. Mas a regra do jogo é essa. Você, a gente como

consumidor pensa assim. Você vai comprar uma coisa, como colaborador, ele é uma

mercadoria digamos assím. Então entre duas eu sempre escolho a mais barata.

Analiso a qualidade das duas, mas essa ... E na AAA [estatal] não tinha, não era

assim." (gerente de área administrativa)

b) Administração por metas

A nova administração da AAA implementou um sistema de

administração por metas. Assim, todas os níveis da empresa, da presidência

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até a seção de mais baixo nível na hierarquia receberam metas a serem

atingidas. Os coordenadores e gerentes são avaliados pela diretoria de acordo

com o seu desempenho em relação ao que foi estabelecido.

"Existem metas a serem cumpridas. Coloca isso como o item número um. Tem

prazo, você negocia o prazo. Agora, depois de negociado o prazo, ai é sua

responsabilidade cumprir o prazo. " (funcionário de área administrativa)

"Todas as áreas têm metas e os coordenadores e os gerentes são avaliados

pela diretoria de acordo com o seu desempenho nas metas. E nós também somos

questionados porque todos estão envolvidos nas metas. Então se a gente não está

conseguindo cumprir a meta, é porque tem algum problema. Então a gente é

questionado e a gente é ... solicitado digamos assim, a dar sugestão para .. O que nós

podemos fazer para melhorar? Como é que nós estamos errados? Olha você está

errado nisso, isso ai não está bom, vamos mudar, vamos tentar melhorar. A gente está

permanentemente sendo avaliado." (funcionário de área administrativa).

Para alguns funcionários essa postura da empresa representa a

abertura de oportunidades de crescimento na empresa.

"Hoje não, hoje, com a privatização, com a oportunidade que a Companhia

está dando para as pessoas da base ... a minha oportunidade de crescer, dentro da

Companhia, depende só de mim, mas é muito grande. É enorme, meu campo é

enorme, meu cargo é enorme. Nós temos doze empresas, quer dizer, eu acho que

amanhã de repente, eu posso estar como chefe de uma OP, ou chefe de produção em

outro lugar, agora, quanto a aposentaria .... " (funcionário de área operacional)

c) Meritocracia

Um sistema que vinculava o desempenho, com a avaliação e

remuneração foi implantado, aumentando o estímulo e a motivação dos

funcionários.

"Até hoje a filosofia da empresa é esta. Tanto é que ela tem uma politica de

meritocracia. Você propõe as coisas, elas são analisadas e se elas forem boas com

certeza serão implantadas, e você é medido por isso, por esse retorno que você dá. E

isso não acontecia na AAA [estatal]." (funcionário de área administrativa)

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"As grande mudanças? Acho que uma coisa muito forte para mim é a

perspectiva de futuro ... Então se você trabalhando você vai direito a ter um aumento; se

você trabalhar mais se dedicar mais vai ter direito a um aumento ou vai ter uma

ascensão para outro cargo;[na estatal] não tinha isso. Na AAA [após a privatização]

não, isso pode acontecer [ascenção de cargo], depende muito da gente. Quase que

exclusivamente de você ser um bom profissional. Eu acho que a visão dos

administradores da AAA, são muito de observar as pessoas. E de reconhecer isso e

dar possibilidade da pessoa crescer, em todos os niveis." (funcionário de área

administrativa)

d) Acesso mais fácil ás chefias

O organograma da empresa foi revisto e vários níveis foram eliminados,

diminuindo o distanciamento entre os funcionários e a alta administração da

organização. A tomada de decisão foi agilizada.

Em paralelo, os diretores passaram a passar mais tempo visitando as

áreas operacionais entendendo os problemas e funcionamento.

"Ele [organograma] foi modificado, pra diretoria ficar perto da base ... pra dar

mais autonomia, porque as empresas precisam de mais autonomia, e diminuir dentro

do organograma o espaço ...... Topo de pirâmide e a base. E a diretoria, constante, ..

andando pela empresa, conversando com o pessoal, a gente se vê a tarde inteira, fala

com o que pernoitou ... E a diretoria ... eles se mantém ai mesmo junto com o pessoal,

eles tão valorizando muito o pessoal." (funcionário de área opercaional)

"E hOje não, hoje se eu precisar falar com o presidente, se ele estiver !lli,

posso entrar ali, sentar na mesa dele e conversar com ele. Mais aberto .... que a gente

vê é uma filosofia da empresa, nem todas as empresas sâo assim." (funcionário de

área administrativa)

" ... mas ele (superintendente) sempre está disposto ali e aberto a qualquer diálogo que

você precise dele. Chega ali e resolve as coisas rapidamente e já se libera e vai

embora, pegar teu serviço. E para a comunicação entre as áreas a mesma coisa. Se

eu preciso de uma área, corro ali, já troco uma idéia, já resolvo e já. Se preciso de

outra área, corro lá também, já resolvo e já volto. Está tudo facilitado." (funcionário de

área opercaional)

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" ... , tenho total liberdade de ir ali e falar com ele, perguntar, se ele puder resolver. Ele

não vai me criticar por causa disso. Total liberdade, total liberdade. Tem livre acesso. E

não só para mim como para todos. Isso é uma coisa que fica bem claro, todos têm

acesso. O próprio presidente nos informes que passa ele mesmo fala, estamos á

disposição" (funcionário de área administrativa)

e) Comunicação mais eficiente

A comunicação na empresa entre os diferentes níveis também melhorou

bastante. Os resultados da empresa são divulgados para todos os funcionários

através de informes distribuídos via correio eletrônico.

"Eles sempre passam o resultado do mês.A gente tem correio eletrônico, então

ele passa informando como foi o desempenho da empresa, qual vai ser a meta do

próximo mês. E sempre se colocando á disposição para quem quiser dúvida"

(funcionário de área administrativa)

"Vem gente de várias localidades. Então são cento e poucas pessoas

e nessa reunião é falado da área de operações, da área financeira. como estão

os números, as metas, como estão em relação ao mês anterior, expectativa

para a safra, para o próximo ano, como estão as metas, participação nos

resultados, números, enfim é uma forma de você melhorar a informação dentro

da empresa, para fluir melhor, embora a gente tenha outras fontes de

informação, que são as reuniões que acontecem setoriais."(gerente de área

administrativa)

f) Reconhecimento e valorização do funcionário

No relato dos funcionários, a questão da valorização e do

reconhecimento das pessoas pela nova administração revelou-se freqüente.

"As pessoas estão muito valorizadas, principalmente na área operacional.

Porque percebeu-se que, para cuidar de um negócio como o da gente, mais no nível

técnico, no nivel intermediário, a gente não encontra no mercado uma pessoa com

tanta experiência .... Então eu acho que as pessoas, principalmente da área operacional

foram muito valorizadas." (gerente de área administrativa)

" Reconhecidos, eu acho que o reconhecido que a gente está tendo por parte

deles é que a gente está, continua empregado. Então se a gente continua empregado,

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é porque está havendo um reconhecimento por parte deles do que a gente está

fazendo. Acredito que seja isso." (funcionário de área administrativa)

" A gente sente uma valorização do pessoal. Com a privatização da AAA, a

valorização do pessoal tá sendo muito grande" (funcionário de área operacional)

Parece ter havido também uma preocupação da empresa em investir no

treinamento e desenvolvimento de seus funcionários. Em primeiro lugar, a

própria nomenclatura foi alterada: o funcionário passou a ser chamado de

colaborador.

"Por que a empresa tem como filosofia o foco nas pessoas. Colaboradores.

Então ela tem investido bastante em gente. Nós temos como meta o treinamento

homem-hora. Então além dos treinamentos técnicos, sejam eles on the job, ou o RO, o

regulamento operacional, a empresa já tem como objetivo estar treinando e reciclando

pessoas. E até em aspectos comportamentais mesmo."(gerente de área administrativa)

"Há dois anos já na condição de AAA [pós privatizada). nós fizemos um

trabalho de desenvolvimento gerencial, que foi voltado muito para a questão

orçamentária. Foi um recurso que a empresa utilizou para que cada gerência da

empresa fizesse o seu plano orçamentário para 99. Então foi uma consultoria inclusive

do Rio de Janeiro que veio e trouxe essa metodologia, que se não me falha a memória,

veio de Harvard. E nesse treinamento nós tivemos dois momentos, um aprendendo a

utilizar esta técnica, essa ferramenta, e num outro momento uma questão

comportamental, onde você trabalhou depressão, comunicação, motivação, então foi

um trabalho interessante." (gerente de área administrativa)

g) Alteração na quantidade e no modo de trabalhar

De acordo com a maioria dos depoimentos dos funcionários, houve um

significativo aumento na quantidade de trabalho após a privatização da

AAA. As razões para este aumento na carga de trabalho foram tributadas a

várias causas: reestruturações organizacionais, novos processos,

introdução de novas tecnologias e escassez de pessoal para realizar todas

as tarefas.

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"Que a gente está trabalhando mais, com certeza. Eram 6.000, hoje está com

3,000, alguém está fazendo o serviço. A gente está trabalhando muito mais, está se

desgastando mais. O estresse é muito grande, mas profissionalmente eu cresci muito.

Isso vale muito também." (funcionário de área administrativa)

"Bastante dificil, porque é muito trabalho. É muito complicado, muita mudança,

muita reestruturação. Nós tivemos a implantação de novos sistemas, inclusive sistema

de RH. Aconteceu logo depois, os novos donos assumiram em março, em setembro as

pessoas já trabalharam na migração do novo sistema, que mudou completamente ... um

outro sistema, um outro sistema. Gráficos bem modernos em relação ao que se

utilizava .... Transfonmar todos os arquivos, históricos financeiros, históricos salariais,

então um trabalho muito grande. Então a gente trabalhou muito."(funcionário de área

administrativa)

h) Cobrança de resultados

A cobrança de resultados apresentou-se no depoimento de quase todos

os funcionários, de forma implícita ou explícita. Cobra-se uma maior

produtividade, menos ociosidade e mais eficiência.

"Acho que nós tivemos um aumento de produtividade muito grande. Mesmos as

pessoas que apertavam apenas um parafuso, hoje elas sabem que ... elas têm que

apertar 10. Então elas mesmas estão se condicionando a produzir mais. E isso foi

colocado para as pessoas, que elas têm que produzir mais e em niveis tão bons

quanto qualquer empresa privada." (gerente de área operacional)

"Antes tinha ... o pessoal parava para tomar café. Tipo, tinha a reunião dos lideres

de manhã das sete às sete e meia, era um horário que quase todo o pessoal não

trabalhava, ficavam tomando cafezinho, depois paravam para tomar café e voavam

para caramba. Hoje em dia não, o cara, você tem que entregar o seu serviço, você tem

que entregar no final do expediente ou se passam um serviço grande, até o fim de

semana, até lá você tem que entregar mesmo." (funcionário de área operacional)

A cobrança por resultados também sinalizou para alguns funcionários, o

fim do "paternalismo" e da impunidade existentes na época da estatal.

"Agora esse [nc] não tem isso, não tem uma psicóloga, não há um

departamento que chegue e pergunte: Machado, você bebeu? Hoje não deve nem

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saber. O Regulamento diz, não pode usar drogas, álcool, assim, assim, e lista aquele

troço todo. Não pode, não pode. Não tem choro, pegou manda embora. Não está

fazendo de acordo, manda embora. Então é por isso que hoje o pessoal que ficou

sentiu o drama da coisa, ôpa, o troço não é bem assim." (supervisor de área

operacional)

i) Multifuncionalidade

Outra característica da nova forma de trabalhar levantada

consistentemente pelos funcionários foi a multifuncionalidade. Ao invés da

estrita divisão do trabalho, os funcionários teriam passado a trabalhar com

escopo menos nitido, a realizar tarefas acessórias as suas tarefas principais, a

aprender o ofício de outro especialista ou mesmo substituir empregados

desligados, em treinamento ou em férias.

"É alguma coisa que a gente percebe dentro da multifuncionalidade. A parte de

mecãnica também. A parte de mecãnica tem lá, o especialista mecânico e o

especialista elétrico. Na época da estatal o especialista elétrico era um especialista. O

especialista elétrico só fazia aquilo mesmo ali. O mecãnico não, só faz a parte

mecânica. O elétrico tem que chamar o outro para fazer. Hoje já a gente consegue,

estamos desenvolvendo que o elétrico está prendendo a parte mecânica e o mecânico

a parte elétrica." (gerente de área administrativa)

j) Atitude pró-ativa

Além da mudança para uma prática de multifuncionalidade, os depoentes

relataram ainda, o estímulo, por parte da gerência, para a adoção de atitudes

pró-ativas. Segundo os entrevistados, procurava-se estimular o pensamento

critico e a busca por atividades mais inteligentes de se realizar um trabalho.

"Então a gente acertou ... primeiro é o seguinte: nós vamos ter que fazer, dar

treinamento 5S para todo o pessoal aqui. Foi o que a gente fez, um treinamento geral

para todo mundo. Vamos mudar a cabeça do pessoal, vamos fazer com que eles

mesmos tenham a iniciativa de fazer e aprender que o mais importante não é limpar, o

mais importante é não sujar. E a partir dai agente está conseguindo uma evolução.

Olha, eu fico até emocionado de ver a evolução que a gente tem no dia a dia, o

pessoal limpando... A mudança que dá é realmente fantástica, na cabeça das

pessoas." (gerente de área administrativa)

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k) Comprometimento, responsabilidade e mais tempo dedicado á empresa

Alguns aspectos de mudanças no comportamento dos funcionários

surgiram durante as entrevistas.

Em primeiro lugar percebeu-se que os funcionários estavam mais

comprometidos seja com os resultados da empresa como também em cumprir

seus deveres.

"Hoje não, hoje você ganha oito para trabalhar, trabalha oito e você fica mais

uma ou duas de graça para a empresa aqui dentro. Porque você se compromete muito

com a situação. Se compromete muito com a situação. E hoje a empresa não admite

hora extra. Não pode hora extra, tem que cumprir seus deveres." (supervisor de área

operacional)

"Acho que a grande maioria hoje está comprometida com a empresa, com o

resultado, com a geração de lucro, com a imagem. Isso eu vejo como uma coisa

positiva. Mesmo que isso cause, digamos assim, um certo transtorno na vida pessoal."

(gerente de área operacional)

Outra novidade para os empregados da AAA, surgida após a

privatização foi o aumento da responsabilidade sobre as tarefas.

"As pessoas respeitam e eu acho que elas sabem até onde que elas têm que

resolver as coisas que são de responsabilidade delas, que não adianta jogar o

macaquinho para as costas dos outros. Elas têm que resolver o problema, não adianta

trazer o macaquinho para cá achando que o diretor vi dar. Não é. Hoje cada um de nós

tem responsabilidade sobre uma boa parte daquilo que nós decidimos." (gerente de

área administrativa)

Por último, percebeu-se que os funcionários passaram a levar situações

de trabalho para dentro de casa.

"Não, não consegue se desligar. Depois que inventaram o celular então, ai. ...

Você fica com celular direto, direto ligado. Então as pessoas ficam, a gente até passa

uma certa preocupação até no aspecto familiar a gente para eles assim, uma

preocupação que algumacoisa pode acontecer errado, você pode ser chamado de uma

hora para outra." (gerente de área operacional)

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4.4 Ações desenvolvidas no processo de privatização e pela nova

administração

Quando foi anunciado o consórcio ganhador da AAA, a nova diretoria

começou a implantar uma série de novas ações, a saber:

(a) Definição dos gerentes e líderes que continuariam na empresa;

(b) Desligamento de profissionais;

(c) Contratação de novos funcionários;

(d) Reestruturações organizacionais e mudanças de atividades;

(e) Implantação de novas tecnologias;

(f) Estabelecimento de metas;

(g) Terceirização de atividades.

a) Definição dos gerentes e líderes que continuariam na empresa

Durante o período de transição, que se caracterizou por uma

administração conjunta da antiga e nova administração eque se estendeu de

dezembro de 1997 a fevereiro de 1998, foram selecionadas pessoas de nível

gerencial ou em cargos de liderança que continuariam na empresa e foi

elaborada uma lista dos funcionários que seriam desligados.

Ao assumir a empresa, os novos administradores delegaram aos

gerentes e líderes escolhidos para permanecerem na empresa a tarefa de

escolher, com base no levantamento efetuado na fase de transição os

funcionários que deveriam ser demitidos. Esses gerentes, por sua vez, junto

com alguns de seus subordinados imediatos, analisaram a mão de obra

existente e fizeram suas seleções.

"Se tentou fazer o critério o mais justo possível. Mas devido ao pouco tempo

que você tem para conhecer, e você tem às vzees 1.300, 1.500 pessoas aquí, você

não consegue conhecer todas rapidamente. Então cada um, cada engenheiro desses,

junto com seus supervisores, iam determinando as pessoas abaixo. Por exemplo, eu

determinei os cinco engenheiros que ficavam comigo. Eles, com seus supervisores,

escolhiam as demais que iriam ficar." (gerente da área operacional)

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b) Desligamento de profissionais

Foi um processo já esperado pelas pessoas e ocorreu em primeiro de

março de 1998, primeiro dia da nova administração. Foram desligadas 2.500

pessoas.

"A gente não sabia. A gente imaginava. Era praticamente um consenso que

haveria redução no quadro, até porque a gente sabia que a nova empresa ia se tentar

modernizar muitas atividades ... A gente sabia que ia reduzir, mas a gente não sabia se

ia ser na área operacional, se ia ser na área administrativa ... a gente não sabia se iria e

em que nivel e nem quando." (funcionário de área administrativa)

Dentre as razões para o desligamento citadas pelos entrevistados

incluem-se: eliminação de funções em duplicidade, redução de custos,

enxugamento do quadro de pessoal, necessidade de oxigenar a empresa,

mediante a criação de vagas par novas contratações e terceirização das

atividades.

"Estava tendo um processo de enxugamento do quadro porque a empresa

estava com a folha de pagamento muito alta e tinham muitos processos que tinham

mudado, que tinham ido para outro Estado... Então tinham atividades que eram

paralelas, que eram iguais. Então, não tinha como manter." (funcionário da área

administrativa)

c) Contratação de novos funcionários

Pessoas provenientes de outras empresas foram contratadas pela nova

administração e um programa de trainees foi implementado.

A contratação dessas pessoas provocou reações diversas nos

entrevistados. Alguns sentiram-se bastante incomodados, até mesmo

ameaçados em suas posições, considerando excessiva a valorização desses

novos profissionais em detrimento daqueles provenientes da estatal.

"A gente teme por outro lado, a gente teme que amanhã ou depois eles metam

um guri novo, que não entenda bulufas do serviço como já está acontecendo em

alguns setores ... Eu já tive a impressão, ... que a AAA mais cedo ou mais tarde, ela não

vai ficar com um sequer remanescente da estatal." (funcionário de área operacional)

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Outros funcionários, entretanto, consideravam as novas contratações

como uma oportunidade de "oxigenar" as idéias da empresa e auxiliar na

construção de metas.

"Eu não tinha nenhuma preocupação com eles [trainees]. Eu acho que eles iam

desenvolver um trabalho ótimo, que iam somar, que iam oxigenar a cabeça das

pessoas que estão ai, que iam empurrar todo mundo para um caminho melhor."

(gerente de área operacional)

d) Reestruturações organizacionais e mudanças de atividades

Durante os primeiros meses da nova administração foram realizadas

uma série de reestruturações organizacionais e de mudanças nas atividades.

Vários processos e procedimentos adotados na estatal foram revisados e

redefinidos, buscando uma maior adequação ao novo modo de trabalho da

empresa privatizada.

" Foi um período de muito trabalho ... porque ainda estavam se fazendo muitos

ajustes na empresa. A gente mudou e reestruturou aqui o nosso departamento,

mudamos o local, muitas coisas foram abandonadas que eram feitas na época da

estatal... o modo de trabalhar, como uma readequação grande nesse sentido."

(funcionário da área administrativa)

"Houve basicamente duas fases. Teve uma fase que foi a fase inicial da

privatização, eu diria que foi um mês ou dois antes de ser [privatizada]. Janeiro e

fevereiro e os primeiros meses de 97. Porque foram meses de acomodação. Você

tinha que reestruturar tudo novamente, tinha que repensar seu quadro de pessoas, a

sua maneira de fazer e priorizar o serviço novamente ... Elas têm que aprender a

priorizar, isso foi dificil no começo, porque as pessoas não estavam acostumadas com

aquela redução. A redução [de pessoal] foi bastante grande assim no começo."

(gerente da área operacional)

e) Implantação de novas tecnologias

Um correio eletrônico foi disponibilizado para agilizar a comunicação

entre todos os funcionários e vários processos da empresa foram

automatizados.

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"Bastante difícil, porque é muito trabalho. É muito complicado, muita mudança,

muita reestruturação. Nós tivemos a implantação de novos sistemas, inclusive sistema

de RH. Aconteceu logo depois, os novos donos assumiram em março, em setembro as

pessoas já trabalhavam na migração do novos sistema que mudou completamente ...

um outro sistema, um outro sistema. Gráficos bem modernos em relação ao que a

gente utilizava. ... Tranformar todos os arquivos, históricos financeiros, históricos

salariais, então um trabalho muito grande." (funcionário de área administrativa)

Em paralelo, investiu-se no treinamento dos profissionais no uso dessas

novas tecnologias.

"E até uma coisa interessante de falar é que a AAA [pós privatização] deu um

treinamento para quem ficou. Eu mesmo tive um treinamento em informática na

Ferrovia. Fiz o Excel, fiz o Word. Excel e Word só." (funcionário de área operacional)

f) Estabelecimento de metas

Metas forma estabelecidas para todos os niveis da empresa, da

presidência à seção de mais baixo nível na hierarquia. Em cada local de

trabalho era exposto um quadro com a lista de metas do setor e uma avaliação

do atingimento das mesmas. Um sinal verde indicava que as metas teriam sido

atingidas com sucesso, amarelo, que a meta requeria atenção e vermelho

acusava insucesso em seu atendimento. O desempenho de todos os setores

era exposto para toda a empresa.

"Mudou a forma de trabalhar, a forma de cobrança. Hoje, aqui todos têm metas de

produção, todas as gerências têm metas. Então hoje todos os funcionários estão

envolvidos com metas. Qualquer mecânico que você chegar lá dentro e vai perguntar

quais são as metas aqui da oficina, eles vão saber dizer". (gerente da área operacional)

"As pessoas são cobradas pelas metas individuais. Eu tenho uma meta individual que

eu tenho que alcançar um valor X de vendas. Se eu não alcançar esse valor X, eu

tenho uma nota mais baixa, digamos que eu não ganho [participação nos lucros]."

(funcionário de área administrativa)

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99

g) Terceirização

Após reduzir seu quadro de pessoal, nova administração da AAA

começou a terceirizar algumas atividades da empresa.

"Era aqui. Recursos humanos, sistema de recursos humanos. O sistema que a

AAA [estatal] utilizava, foi desenvolvido na empresa, por técnicos da empresa, com

recursos que a empresa dispunha, dentro das limitações da empresa. Hoje não, a

gente tem contato. É uma empresa de fora que está trazendo tecnologia. Que de

melhor existe, pelo menos que a gente conseguiu encontrar. Então você tem contato,

sabe como isso acontece. Ah não, mas vocês fazem assim, mas tal empresa faz

desse jeito. E aí você vai correr lá para ver porque você faz assim. Na AAA [estatal]

não era, na AAA [estatal] não tinha disso. A AAA [estatal] era o mundo dela ali."

(gerente de área administrativa)

"E hoje não. Hoje você tem plena liberdade até de propor isso [contratação de

terceiros], O que você está fazendo ali, Você vê uma chance de pegar um serviço fora

e trazer para cá. Um produto externo, não tem problema. S6 sugere, vamos analisar,

vamos ver quanto custa, e está liberado." (gerente de área administrativa)

4.5 Análise do processo de mudança cultural

4.5.1 Níveis da cultura

Analisando a AAA segundo o modelo de níveis da cultura de Schein,

percebem-se mudanças significativas na cultura da empresa antes e depois de

sua privatização como descrito no quadro 4.1.

a) Artefatos e criações

A AAA antes de ser privatizada era uma empresa burocratizada e

com uma estrutura organizacional com muitos níveis hierárquicos. O acesso a

alta diretoria era difícil e controlado. No nível imediatamente observável, isso se

traduzia em um ambiente de trabalho caracterizado por salas fechadas e

isoladas, para superintendentes, diretores e assessores. O acesso de

funcionários aos altos executivos era através das secretárias e necessitavam

de um pré agendamento. Havia um distanciamento bastante grande entre a

operação e a alta administração.

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100

AAA antes AAAdepois

Artefatos e Criações » Salas reservadas e » Facilidade de

fechadas acesso à diretoria

» Estrutura formal e » Diretoria em sala

hierárquica única e sem portas

» Acesso à diretoria » Maior interação

através de entre funcionários e

assessores e a alta administração

secretárias

Valores » Preocupação Social » Foco em custos

» Igualdade de » Meritocracia

remuneração » Eficiência e

» Foco no·funcionário Produtividade

» F alta de foco na » Eficácia

produtividade » Multifuncionalidade

» Falta de foco na » Pró-atividade

eficácia

» Falta de foco no

cliente

Pressupostos Básicos » Atender ao poder » Lucro

público

» Estabilidade

Quadro 4.1 Empresa AAA segundo classificação de Schein

Como conseqüência disso, a comunicação dentro da empresa não

fluía facilmente. Muitas informações eram de difícil acesso, dificultando, em

alguns casos, a própria operação da empresa.

Ao se privatizar, a estrutura organizacional da empresa se modificou,

passando de cerca de 14 níveis para 4 níveis. Os escritórios foram

remodelados de modo que tanto o novo comitê de diretoria, como o presidente

da empresa trabalham em uma única sala na qual não há portas nem

secretárias exclusivas.

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101

A alta administração da MA pós privatização tem um estilo mais

despojado de se apresentar e de trabalhar. Os diretores não usam terno ou

gravata e fazem bastante trabalho de campo, ou seja, eles têm uma

comunicação muito mais intensa com os funcionários que trabalham na

operação da empresa.

b) Valores

Com relação ao segundo nivel proposto por Schein, os valores, antes

de ser privatizada, percebe-se que a AAA tinha um compromisso maior com a

sociedade e com seus funcionários do que com a eficiência, lucratividade e

otimização de custos.

A preocupação com a sociedade se manifestava através do controle

de aumentos salariais que pudessem causar impacto na inflação ou em não

demitir para não elevar a taxa de desemprego local.

Demissões eram muito raras de acontecerem. Os funcionários que

apresentassem problemas de comportamento tais como alcoolismo ou

abandono de posto eram encaminhados para o serviço social da empresa para

serem devidamente tratados e, na maioria das vezes, eram reencaminhados

para o trabalho. Além disso, havia uma forte presença dos sindicatos

defendendo os direitos dos trabalhadores.

Na AAA estatal não havia um sistema de meritocracia mas de

igualdade de remuneração entre os funcionários. A ascenção dos profissionais

estava vinculada ao tempo de serviço ou a alguma interferência política. A

remuneração também era limitada por eventos externos à organização. Por ser

uma estatal, aumentos salariais poderiam impactar a sociedade gerando

aumento de impostos e criando uma imagem negativa da empresa. Assim,

quando se desejava aumentar os salários, eram usados artificios como mudar

o funcionário de nível.

A falta de foco na eficiência, eficácia e no cliente tinha múltiplas

conseqüências. A primeira é que a otimização de custos não era uma

prioridade da empresa. Havia um excessivo número de funcionários na AAA e

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uma falta de cobrança efetiva por resultados, gerando ociosidade e falta de

comprometimento de alguns funcionários.

Outra conseqüência da falta de focalização na eficiência é que a

empresa não investia nem em tecnologia nem na contratação de serviços

tecnológicos especializados do mercado. Essa falta de investimentos era

atribuída ás dificuldades impostas pelo excesso de burocracia. Assim ,todos os

sistemas informatizados eram desenvolvidos pelo próprio pessoal da empresa.

Várias peças necessárias usadas pela equipe de manutenção tinham que ser

adaptadas e recondicionadas, devido à demora no processo de compra.

Durante o período de transição da estatal para a empresa

privatizada, a nova administração preparou-se para assumir a empresa e ser

rápida na efetivação de algumas mudanças. Durante esse período uma

empresa de consultoria foi contratada para ajudar no redimensionamento da

empresa e na elaboração do planejamento estratégico.

A AAA precisava cortar custos para se tornar economicamente

viável. Essa redução de custos começou com a redução do quadro de

funcionários. Ainda durante o período de transição, foram escolhidos os

gerentes da estatal que seriam convidados a permanecer na empresa e

aqueles que deveriam sair. O grupo que permaneceu foi, então, preparado

para ajudar no processo de seleção, preparação a condução do desligamento

de pessoas de suas equipes. Com essa atitude a nova administração

conseguiu conquistar importantes aliados. Líderes que tinham poder de

influenciar pessoas e diminuir eventuais resistências a mudanças. Além disso,

essas eram as pessoas mais capacitadas a identificar os melhores .ou mais

necessários funcionários para a operação da empresa.

A AAA buscou reduzir o atraso tecnológico através da implantação

de alguns sistemas, como por exemplo o correio eletrônico, Notes, o qual

mudou bastante o modo de trabalhar dos funcionários.

Em termos de administração de pessoas, foram definidas metas

individuais e por equipe e implantado um sistema de meritocracia atrelado aos

resultados da empresa. Se por um lado isso aumentou a competitividade

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interna, por outro lado estimulou os funcionários a dedicarem-se mais a

empresa para serem recompensados.

A redução do quadro de funcionários fez também com que a carga

de trabalho dos que permaneceram na empresa fosse aumentada. Outra

conseqüência disso foi que as pessoas, antes muito especializadas, tivessem

que ser mais multifuncionais ou seja, tivessem que desenvolver a capacidade

de atuar e conhecer diversas áreas.

c) Pressupostos básicos

Em termos de pressupostos básicos, o que realmente norteava a

AAA como estatal eram dois fatores: a estabilidade e o poder público.

A estabilidade regia o comportamento das pessoas. O fato de

sentirem-se seguras em suas posições fazia com que alguns funcionários

pouco se dedicassem ao trabalho e evitassem esforços além do que fosse

formalmente demandado. Esse comportamento era reforçado pela prática da

remuneração igualitária que estabelecia que as recompensas seriam as

mesmas, independente da quantidade ou qualidade do trabalho realizado. Em

conseqüência disso, havia funcionários pouco motivados e pouco

comprometidos. A convivência entre pessoas pouco comprometidas com a

empresa com outros mais dedicados, tinha o impacto negativo de desestimular

os que "vestiam a camisa" da empresa.

Com relação a política, cargos e remunerações eram guiados de

acordo com indicações políticas o que desestimulava e em algumas situações

comprometia a empresa.

Na AAA após a privatização, o direcionador foi o lucro final desejado.

Para isso, era necessário ser competitivo, eficiente, cortar custos e de fazer

mais por menos. Os sistemas implantados (meritocracia, metas, remuneração,

multifuncionalidade) foram todos direcionados a aumentar a eficiência e a

lucratividade da empresa.

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4.5.2 Elementos da cultura

Após analisar os níveis da cultura de empresa, passou-se a analisar os

elementos da cultura da AAA antes e depois da privatização.

a) Símbolos

As salas reservadas e fechadas da AAA estatal são símbolos que podem

ser traduzidos em um distanciamento entre os executivos da empresa e os

demais funcionários. Também o posicionamento das secretárias consideradas

como "dificultadoras" de acesso aos executivos, denotava uma hierarquia que

deveria ser respeitada.

Por outro lado, o despojamento da nova administração da AAA podia ser

observado na sala ampla, dividida pelos membros da diretoria e pelo

presidente. As portas abertas ou falta de portas também era um símbolo

interessante de abertura e de receptividade.

A proximidade desejada pela nova administração também podia ser

observada no modo de vestir dos executivos e nas suas ações. Os diretores

não usavam terno ou gravata e estavam sempre presentes nas áreas

operacionais.

b) Ideologia

A filosofia da AAA antes de ser privatizada era a de atender à sociedade

e ao poder público. Isso norteava e, algumas vezes, prejudicava a sua ação,

como nos casos de longas licitações que implicavam na demora na compra de

equipamentos essenciais para a operação da empresa.

Outra ação que demonstrava a atitude "social" da AAA estatal eram as

casas alugadas para funcionários com aluguéis de valor simbólico. Novamente

aqui a empresa estava mais interessada em "cuidar" de seus funcionários do

que em trabalhar com custos reduzidos.

Após a privatização, o novo ideal da AAA era tornar-se uma empresa

competitiva, ágil e dinâmica. Algumas das diferenças ideológicas da AAA antes

e depois da privatização estão caracterizadas no quadro 4.2.

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MA antes MA depois

Manter empregos Cortar custos

Responsabilidade pelo indivíduo Eficiência e competência

Licitações para prestar contas à Agilidade nos processos com custos

sociedade menores

Quadro 4.2 Ideologia da AAA - antes e depois

c) Ritos

c.1) Ritos de Passagem

Na AAA estatal a transição dos funcionários para novas funções era feita

através de concursos internos. Usualmente os funcionários entravam ma

empresa bastante jovens e através desses concursos desenvolviam uma

carreira interna ou mudavam de área. Nos cursos para posições de nível

superior, os funcionários disputavam vagas com profissionais de fora da

empresa.

A nova administração da MA investiu em treinamentos formais,

vivenciais e palestras para motivar, integrar e preparar antigos funcionários da

estatal para se adaptarem à nova filosofia da empresa.

Foram feitos também treinamentos que visavam "reeducar" funcionários

de nível cultural mais baixos, como por exemplo, treinamento de 58 para

ensinar aos funcionários que melhor do que limpar a sua casa ou seu local de

trabalho é não sujá-los.

c.2) Ritos de Degradação

Na MA após a privatização algumas ações poderiam ser caracterizadas

como ritos de degradação. Em primeiro lugar os planos de demissão e a

identificação das pessoas menos qualificadas. Para alguns dos entrevistados,

embora haja uma maior valorização dos funcionários, há também uma

cobrança muito maior, e demite-se as pessoas muito facilmente.

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106

Em segundo lugar, a percepção das pessoas que para a nova

administração o pessoal remanescente da estatal estava "carimbado" ou seja,

eram incompetentes. Pessoas novas contratadas com MBA e com

conhecimento de línguas ganhavam mais do que funcionários antigos. Além

disso, alguns funcionários reclamaram da diferença de tratamento dada pelos

chefes a novos e velhos funcionários quando aconteciam eventuais erros.

Por último, o modo intenso como foi implantado o programa de trainees

da nova empresa, fazendo com que antigos funcionários temessem sua

substituição.

c.3) Ritos de Confirmação e Reprodução

Para reciclar os funcionários remanescentes da estatal, a AAA montou

um forte programa de treinamento, com o objetivo de elevar a auto-estima,

confraternizar, melhorar o trabalho em equipe, aumentar a sinergia e motivar

dos que permaneceram na empresa.

c.4) Ritos para redução de conflitos

Na AAA estatal havia conflito entre os funcionários, sindicatos e a

administração da empresa quando se aproximava a data do dissídio coletivo.

Como aumentos salariais eram difíceis de serem dados por gerar impacto

social, artifícios tais como, promover o funcionário de nível eram utilizados.

Na AAA após a privatização para se compensar o excesso de trabalho

há uma maior valorização do funcionário e uma maior recompensa financeira.

O próprio comportamento das chefias, trabalhando um maior número de

horas de horas e trabalhando além do expediente normal buscava atenuar a

questão do excesso de trabalho, criando a imagem de "cumplicidade", um

modelo a ser seguido.

c.5) Ritos de Integração

Na AAA após a privatização, a integração se dava através de reuniões,

treinamentos, palestras e uma maior abertura entre funcionários e a alta

diretoria.

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d) Mitos

Na MA estatal, criou-se o mito da estabilidade e da impunidade. Vários

depoimentos falavam da dificuldade em se demitir pessoas, mesmo quando

cometiam delitos graves como chegarem alcoolizadas ao trabalho. Pelas

regras do governo, podia-se demitir funcionários de empresas públicas.

Entretanto, o mito em torno da dificuldade de faze-lo já inibia, muitas vezes,

uma ação efetiva nesse sentido. Em muitos casos, quando um funcionário não

desempenhava satisfatoriamente, era transferido de área.

Um mito criado pela nova administração da MA foi o da acessibilidade

do presidente da empresa. Este procurava aproximar-se muito dos funcionários

não somente estando fisicamente próximo, mas agindo como um simples

funcionário. O presidente visitava várias áreas da empresa, conversava com

funcionários, viajava de trem e usava uniforme. Isso era muito valorizado

dentro da empresa.

Com essa atitude, o presidente tornou-se urn herói, um exemplo a ser

seguido por todos. Criou-se um sentimento de orgulho nos funcionários,

aumentando sua auto estima, motivação e dedicação.

4.5.3. Características da cultura

Analisando as caracteristicas da cultura da MA antes e depois de ser

privatizada, sob a ótica do modelo de Reilly, Chatman e Caldwell (1991),

observam-se as caracteristicas resumidas no quadro 4.3.

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AAA antes AAAdepois

Inovação e tomada de Baixa Alta

risco

Atenção a detalhes Baixa Alta

Orientação para Baixa Alta

resultados

Orientação para pessoas Alta Média

Orientação para equipes Baixa Alta

Agressividade Baixa Alta

Estabilidade Alta Baixa

Quadro 4.3 AAA antes e depois segundo ReilJy, Chatman e CaldwelJ (1991)

Na AAA antes da privatização não havia estímulo para a inovação e

tomada de decisão. Não havia qualquer tipo de recompensa diferenciada para

quem fizesse mais do que o básico exigido na função. Os sistemas de

avaliação e remuneração não estavam atrelados à performance individual ou

do grupo. Além disso, mesmo os funcionários mais comprometidos, ao verem

seus colegas produzindo menos sentiam-se desmotivados a desempenhar

melhor do que a média.

Ao contrário, na AAA após a privatização, foi implementado um sistema

de meritocracia que vinculou o desempenho à qualidade do trabalho realizado.

Isso incentivou os funcionários a arriscarem mais e a serem mais criativos.

Em termos de atenção a detalhes, o grau em que se espera que os

empregados demonstrem precisão, análise a atenção a detalhes, na AAA

estatal era muito baixo. Pela falta de investimento da empresa, eram usadas

peças sucateadas ou peças pegas no lixo. Os funcionários trabalhavam sem

equipamento de segurança e proteção. Algumas vezes compravam

equipamento com seu próprio dinheiro.

Quanto à orientação a resultados, o grau em que a administração

concentra-se em resultados ou produção mais do que em técnicas e processos

usados para atingir esses resultados, na AAA estatal era muito baixo. Era uma

empresa mais orientada a pessoas, ou seja, as decisões eram tomadas

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avaliando-se o impacto nos funcionários e na sociedade, em detrimento do

impacto na lucratividade ou nos clientes. Para evitar reduzir seu quadro de

pessoal, por exemplo, a empresa trabalhava com ociosidade e com alto custo

de mão-de-obra. Além disso, mesmo quando funcionários em cargos que

exigiam atenção se apresentavam no trabalhar sem condições físicas,

bêbados, por exemplo, eram encaminhados ao serviço de assistência social

onde eram socorridos e reencaminhados a seus postos.

A AAA após ser privatizada, tinha maior foco em resultados do que em

pessoas. A primeira ação efetiva tomada pela nova administração foi reduzir

custos, reduzindo pessoal. A empresa também se informatizou e agilizou seus

processos, mas sempre visando melhorar os resultados financeiros da

empresa.

A agressividade e a competitividade dos funcionários tornou-se bem

maior após a privatização do que na época da estatal. A implantação de um

sistema de meritocracia e o estímulo da nova direção foram os principais

motivadores dessa mudança.

Na AAA estatal, não somente a estabilidade de emprego era garantida

como pouco se mudavam os processos ou a forma de trabalhar. Após

privatizada, a empresa impôs as regras do mercado - demite-se e contrata-se

quando necessário à empresa ou de acordo com o desempenho dos

funcionários. Os processos e a estrutura da empresa ganharam agilidade e se .

modificam rapidamente para atender ao mercado.

4.5.4 Dimensões da mudança cultural

Analisando o processo de mudança da AAA estatal para uma empresa

privatizada segundo o modelo de Trice e Byer (1984), conforme quadro 4.4,

percebeu-se que a mudança cultural na AAA foi bastante acentuada.

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AAA

Penetração Alta

Magnitude Ampla

Inovação Baixa

Duração Baixa

Quadro 4.4 Dimensões da mudança cultural na AAA

o grau de penetração, ou seja, o quanto as atividades da empresa

foram impactadas pela mudança, foi bastante alto. A mudança atingiu a maioria

dos empregados e muitos dos processos administrativos da empresa. Os

processos operacionais da organização também foram influenciados, através

da implantação de nova tecnologia.

Em termos de magnitude, ou seja, do distanciamento entre ideologias, a

mudança também foi bastante grande. A estatal preocupava-se com questões

políticas e sociais, enquanto a empresa privada visava aumentar sua

lucratividade.

Já em termos de inovação, isso é, o quanto a mudança foi sem

precedentes, pode-se dizer que seu grau foi baixo. Embora a privatização no

Brasil seja uma questão recente, ela já ocorreu no país em outras empresas.

Além disso, como muito já foi divulgado na mídia e na literatura administrativa

sobre características de empresas privadas, a maioria das pessoas tinha um

modelo mental de como seria a empresa privatizada.

Com relação à duração da mudança, embora processos de mudança

real de cultura em uma organização sejam processos profundos e levem

bastante tempo, pode-se dizer que na AAA seu impacto foi sentido muito

rapidamente. Esse fato deve-se, principalmente ao perfil do grupo que adquiriu

a AAA: agressivo, rápido e inovador.

Dentro dessa classificação de Trice e Byer, pode-se considerar a

mudança cultural ocorrida na AAA como revolucionária e abrangente.

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111

4.5.5 Ações gerenciais promotoras de mudança cultural

Seguindo ainda as considerações de Trice e Byer sobre ações

recomendadas em um processo de mudança cultura concluiu-se que:

1. Capitalizar em momentos adequados

A mudança cultural na AAA foi deflagrada por um evento externo à

organização, que foi a privatização definida pelo governo. Tão logo o anúncio

da privatização foi efetuado e o grupo ganhador assumiu a direção, o processo

de mudança cultural teve início. A nova direção foi rápida em introduzir seu

estilo gerencial e a demonstrar através de ações e de palavras a cultura que se

desejava implantar.

2. Cautela e otimismo

O grupo ganhador do leilão de privatização da AAA preparou-se durante

um período de dois meses (transição) para assumir a empresa. Foi feito um

estudo de viabilidade econômica da empresa durante o qual verificou-se a

necessidade de reduzir o número de empregados e foi elaborado um plano de

ações. Nesse plano estabeleceu a necessidade de redesenhar processos,

implantar novos sistemas, terceirizar atividades e fundir algumas atividades

antes descentralizadas em vários escritórios. Ao mesmo tempo, foram

identificadas pessoas chave na organização as quais foram preparadas para

ajudar a administração nas mudanças que seriam implantadas.

Pode-se dizer que apesar do otimismo e da crença da alta direção no

sucesso do plano de mudança cultural a ser implantado, houve cautela na sua

condução.

3. Resistência à mudança

As principais razões de resistência a nível individual, identificadas no

processo de mudança cultural foram: o medo do desconhecido, a perda de

vantagem pessoal e a necessidade de segurança das pessoas. Com o fim da

estabilidade e os planos de demissão implantados, as pessoas sentiram-se

inseguras e prestes a perder os respectivos empregos. Além disso, um plano

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de frainees foi implantado, trazendo para a organização pessoas jovens, com

excelente formação acadêmica. Isso gerou um desconforto nos antigos

funcionários que sentiram seus empregos ameaçados. Para fazer frente a isso,

percebeu-se um aumento da competividade interna.

A nível de grupo, houve uma ruptura social. De acordo com

depoimentos, alguns dos antigos chefes queriam proteger pessoas de sua

intimidade e com laços familiares. Houve também casos em que em um

primeiro momento as pessoas permaneceram nas suas funções, mas após

alguns meses essas mesmas funções foram eliminadas. Isso representou uma

perda de confiança das pessoas na empresa.

Houve também casos em que chefes viraram subordinados de seus

antigos pares, gerando desconforto.

Alguns dos funcionários não se adaptaram ao processo de mudança e

foram demitidos.

4. Mudar e manter

Uma das primeiras ações da alta direção da AAA foi definir gerentes e

líderes que continuariam na empresa. Com isso a AAA estava mantendo na

empresa um importante conhecimento mas estaca também fazendo duas

importantes indicações de mudança cultural:

1a seriam aproveitados e valorizados os gerentes que estivessem

alinhados com os valores desejados pela nova administração;

2° a importância na meritocracia: a partir daquele momento, os melhores

funcionários seriam aproveitados.

O desligamento de profissionais representou outra profunda mudança;

sinalizou a todos que a estabilidade não era mais o padrão que seria seguido.

Se antes as pessoas dificilmente eram demitidas, nesta nova fase, 2.500

funcionários foram desligados em um único dia.

A contratação de frainees foi mais uma mudança relevante. Significa que

a nova administração estava em busca e valorizava novas idéias. A

senioridade passou a ser menos importante do que a inovação.

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113

Por fim, os processos de reestruturação da organização, além de

diminuir o número de níveis hierárquicos da empresa, simbolizou aos

funcionários que o status quo antigo não valeria mais. As mudanças ocorreriam

sempre que a economia e o mercado demandassem. Caso necessário,

departamentos inteiros seriam eliminados.

5. Implantação

A implantação das mudanças de processos e de pessoas pela nova

administração da AAA foi feita de forma extremamente rápida e agressiva. As

mudanças não foram abandonadas nem postergadas,

Durante o período de transição e no início da nova administração, houve

instabilidade, as pessoas ficaram instáveis dentro da empresa, em termos de

sinergia e motivação. Aconteciam "conversas de corredor" e os índices de

acidente foram maiores do que o usual. Isso afetou a produtividade e ambiente

de trabalho. A nova administração contomou isso através de treinamento e

palestras motivacionais.

6. Criar cultura apropriada

A cultura implantada na AAA foi a do grupo formador da nova

administração. Era forte, agressiva, flexível, voltada para o mercado e para os

resultados. Ela já havia sido testada e implantada em outras organizações.

7.Mudar táticas de socialização

A tática adotada para manter as pessoas motivadas durante o processo

de privatização foi, em primeiro lugar, mantê-Ias ocupadas. Era importante que

elas se sentissem úteis dentro do contexto e se sentissem desafiadas. Foi

montado um programa, que incluía um treinamento vivencial do qual

participaram os principais executivos da empresa e que tinha por objetivos

confraternizar, estimular o trabalho em equipe, aumentar a sinergia, motivar e

recuperar a auto-estima dos antigos funcionários.

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114

8. Liderança Inovativa

A nova administração da AAA era totalmente alinhada com os valores da

nova cultura. A começar com o estilo bastante despojado e agressivo, bastante

diferente da antiga organização. Sem terno nem gravata, presidente e diretores

trabalhavam juntos em uma única sala, no intuito de demonstrar aos

funcionários que estavam disponíveis para todos, que eram orientados a

resultados muito mais do que a formalidades e aparências do que a antiga

administração.

O presidente tinha o carisma de um líder. Tomou-se um mito e um

exemplo a ser seguido. Não se limitava a trabalhos administrativos, estava

sempre nas areas de produção, conversava com pessoas de todos os níveis da

hierarquia da organização e demonstrava interesse e preocupação pelos

aspectos técnicos da empresa. A política de portas abertas e livre acesso á alta

direção também era simbolizada em almoços, cafés da manhã e reuniões cujo

objetivo anunciado era aproximar e ouvir as pessoas.

Os empregados sentiram que o poder que, no tempo da estatal estava

em Brasília, passou a estar próximo aos empregados, dentro da própria

empresa.

Além disso, foi dada maior autonomia aos líderes. Se, por exemplo, um

líder precisar demitir alguém, ele não precisa mais consultar a alta direção, ele

tem hoje o poder de demitir.

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5 Descrição e Análise de Caso - Empresa BBB

5.1 Histórico da Empresa BBB

A BBB é uma empresa prestadora de serviços com âmbito de atuação na

Região Sudeste do país. Ainda como estatal, a empresa era uma referência

para as demais empresas do govemo, pelo seu nível de desempenho em

termos gerenciais, técnicos e operacionais.

Em 1998, a empresa foi vendida para a iniciativa privada e, juntamente com

outras empresas estaduais privatizadas, tornou-se parte de um grupo maior,

cuja holding está localizada na região sudeste.

Já privatizada, a empresa contratou uma empresa de consultoria para

auxiliá-Ia no estabelecimento das próximas ações da holding. Empresas

internacionais foram usadas como benchmark para a avaliação operacional e

para a identificação dos recursos necessários ao alcance das metas

estabelecidas.

As entrevistas foram efetuadas cerca de um ano após a privatização. De um

modo geral, a percepção das pessoas é que a fase de transição da estatal para

a empresa privada ainda estava em andamento. Havia uma certa frustração em

torno das expectativas geradas até então não efetivadas.

5.2 A Empresa BBB antes da privatização

Segundo as entrevistas efetuadas, a BBB antes de ser privatizada

apresentava tanto características típicas de uma estatal como outras típicas de

uma empresa privada. As principais características identificadas foram:

a) Gestão pautada em interesses políticos;

b) Quadro de pessoal enxuto, no contexto de uma empresa estatal;

c) Foco em treinamento e desenvolvimento;

d) Capacitação técnica;

e) Paternalismo e Benevolência.

a) Gestão pautada em interesses políticos

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A empresa era criticada por alguns funcionários porque cargos de gerência

e diretoria eram preenchidos mediante indicações políticas, por pessoas

relacionadas a partidos políticos, sem as completas qualificações técnicas para

o cargo.

Além disso, para algumas pessoas entrevistadas, certas ações

consideradas estratégicas para a empresa deixavam de ser tomadas por

interesses alheios aos interesses da empresa.

"Todo mundo aqui político mesmo, diretoria politica, muitos gerentes eram

designados politicamente ... Presidente da empresa do partido tal, o diretor de Recursos

Humanos era do partido tal. ... Nós tivemos aqui dentro do próprio departamento duas

pessoas recomendadas pelo diretor ... Apesar de ótimos colegas não tinham qualquer

perfil gerencial ... tinham dificuldade até no operacional... quanto mais gerencia

pessoas." (gerente de área administrativa)

b) Quadro de pessoal considerado enxuto no contexto de uma estatal

Quando questionados sobre a quantidade de funcionários, vários

entrevistados acreditavam que o quadro da empresa, tratando-se de uma

empresa estatal, era enxuto, mas precisava ser renovado. Muitos funcionários

tinham bastante tempo de empresa e salários elevados.

Para um dos entrevistados, a BBB estatal sempre demitiu: 'acho que foi em

77, 78 ... foram umas 300 demissões" (funcionário de área administrativa). Ou

ainda, segundo outro depoimento: "Desde a época da estatal, eu acho que

sempre convivemos com isso, o fantasma do desemprego".

"A BBB sempre se preocupou em enxugar seu quadro. Por isso que quando

assumi a folha de pagamento, nós tínhamos 13 pessoas lá trabalhando e nós

reduzimos pessoas. E em vários setores, a empresa sempre, de um modo geral, se

preocupou em ajustar seu quadro. Então a BBB sempre teve o quadro bem ajustado."

(gerente de área administrativa)

"Bem, eu percebo o seguinte: ela [a empresa] precisa enxugar o quadro de pessoal

e eu senti, bem no fundo, eu senti que ela precisava ficar livre daquele pessoal que já

estava mais próximo de se aposentar, pessoal com mais tempo de casa e com salário

mais alto." (funcionário de área administrativa)

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A redução do quadro foi feita mediante programas de incentivo nem

sempre com o intuito de reduzir quadro, mas para dar algum benefício

àqueles com tempo para se aposentarem.

"A BBB mesmo como uma empresa estatal ela sempre veio fazendo programas de

incentivo, Isso desde 83/84. Na época tinha outros nomes, ela fazia como se fosse

acordo. Acordo para a aposentadoria e acordo para desligamento com o próprio

funcionário. E nessas siluações englobava-se um número expressivo de empregados

bem acima da média de desligamentos mensais, chegavam 200 a 300 casos por cada

programa desse. Mas sempre, não com o intuito de fazer redução de quadro, era mais

com o inluito de dar algum beneficio para as pessoas que já tinham atingido o lempo

para sairem da empresa." (gerente de área administrativa)

(c) Foco em treinamento e desenvolvimento

A BBB, incentivava o treinamento e desenvolvimento de seus funcionàrios.

Em alguns casos autorizava-se o uso do horàrio de trabalho para esse

desenvolvimento.

"Então a genle estudava, tinha tempo, o próprio gerente designava para a gente

estudar e de uma maneira assim bastante interessante. Eu achava que os gerentes,

nessa época, estimulavam todos a estudarem." (funcionário de área administrativa)

Os treinamentos eram direcionados a todos os níveis organizacionais e

abrangiam treinamentos tecnológicos, funcionais e comportamentais.

"Eu sempre achei que havia uma preocupação da BBB, empresa estatal, muito

grande com relação ao desenvolvimento pessoal e profissional dos empregados.

Desde o diretor até o empregado mais simples da empresa, no menor cargo, eles

todos foram envolvidos em programas de desenvolvimento pessoal e profissional."

(gerente de área administrativa)

(d) Capacitação técnica

A BBB era considerada por seus funcionários uma empresa de ponta, que

funcionava muito bem e tinha uma equipe técnica de alta qualidade.

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"Aqueles equipamentos antigos foram ficando para trás e sempre renovando os

equipamentos, sempre substituindo por equipamentos mais modernos. E toda essa

revolução tecnológica que teve, o treinamento acompanhou essa revolução

tecnológica." (supervisor de área operacional)

"A BBB conseguiu, mesmo na esfera estatal, mesmo sendo uma estatal, ela

conseguiu um nome, uma competência, prestar um serviço de qualidade ... " (gerente de

área administrativa)

"A BBB foi uma grande empresa mesmo na época em que os políticos a

administraram, porque eles também tiveram uma postura de fazer com que os técnicos

'tocassem' ... " (gerente de área administrativa)

e) Paternalismo e benevolência

Mesmo sendo considerada uma empresa modelo dentro da indústria, a BBB

era uma estatal onde era muito difícil demitir-se funcionários. Por essa

dificuldade e por manter em seu quadro algumas pessoas sem qualificação, a

BBB era considerada uma empresa paternalista.

Existem realmente incompetentes, existem essas pessoas ineficientes,

incompetentes, problemáticas e tudo, que em condições normais numa empresa

privada, não ficariam. Mas como as estatais, inclusive a nossa, ela é até fruto daquele

autoritarismo da era militar. Então nós éramos muito paternalistas. Nós éramos muito

paternalistas." (gerente de área administrativa)

A empresa também cometia alguns "excessos" que segundo depoimento de

um gerente da empresa seriam "inaceitáveis" em uma empresa privada, tal

como admitir que pessoas com ações na justiça contra a própria empresa

permanecessem como funcionários.

"Nós temos hoje, é ... nós temos um número muito grande, um volume muito grande

de pessoas que estão trabalhando na empresa e estão demandando na justiça contra

ela. Isso eu temo que, ao longo do tempo, as estatais permitiram isso, talvez dada a

distorção .. ." (gerente de área administrativa)

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5.3 A Empresa BBB depois da privatização

De acordo com a percepção dos funcionários, a privatização da BBB fez

com que novas práticas de trabalho fossem implementadas mudando a forma

de trabalhar e o comportamento dos funcionários. As mais relevantes foram:

a) Cobrança de resultados;

b) Foco em custos e centralização das decisões;

c) Foco nos clientes;

d) Falta de metas;

e) Liderança melhor identificada;

f) Aumento da carga de trabalho.

a) Cobrança de resultados

Segundo as pessoas entrevistadas a cobrança após a privatização estava

bem maior. Houve uma expansão das atividades, a competição aumentou, a

qualidade e atendimento ao cliente tornaram-se prioridades, aumentando a

carga de trabalho e o senso de responsabilidade dos funcionários.

"Hoje você é obrigado a tudo aquilo que você colocar ali, você sente aquela

responsabilidade que você tem que cumprir aquele negócio porque eles vão te cobrar

depois ... Então isso faz com que você se esmera mais no seu planejamento, que você

faça uma pesquisa de custo, uma pesquisa de gasto mais detalhada. Então eleva

demais o seu senso de responsabilidade. Realmente a gente sente agora que está

começando a gerenciar como sempre deveria ter sido feito. Porque nunca havia sido

feito porque a gente nunca era cobrado. então basicamente o que mudou é que você é

cobrado hoje. Antigamente você não era muito cobrado, sabe?" (gerente de área

ad m i nistrativa)

b) Foco em custos e centralização das decisões

Com a privatização a BBB passou a focar-se na redução de custos, visando

uma economia mensal, que seria, na visão de algumas pessoas, mais

adequada a uma empresa privada.

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"Então foi muito focado em cima de custos. Nós tivemos um período após a

privatização em que eu senti assim uma ditadura do custo, sabe? O custo, o quê você

fazia, quanto custava, então sentavam em cima do cofre, sabe. E a gente com projetos

parados porque não eram aprovados. Tudo tinha que passar pela Matriz, eles tinham

que aprovar qualquer contratação acima de dois mil Reais, então .. ."(gerente de área

administrativa)

Por outro lado, a matriz da empresa estava localizada em outra cidade e

centralizava a tomada de decisão. Isso provocou um distanciamento do corpo

de funcionários das decisões estratégicas da empresa. Os funcionários

sentiam-se à margem das decisões e sentiam falta de informações sobre os

rumos da empresa.

"Não existe ainda um sistema de comunicação interna que permita sentir-nos

próximos das decisões estratégicas da empresa. Eu sei que existe um Planejamento

Estratégico á longo prazo. Eu sei porque eu vou atrás, eu leio, eu converso com as

pessoas, eu ligo para o Rio, eu encho o saco do pessoaL .. Agora, noventa e cinco por

cento do pessoal da empresa, não sabe para onde que essa empresa está indo. Se

antes, com a diretoria que já era dificil. .. Porque tinha toda aquela orientação política e

tal, mas a empresa tinha um rumo e as pessoas mais ou menos sabiam que no ano

seguinte ia implantar duzentos mil terminais, que ia crescer a planta de telefone

público, que o lucro tinha que ser de tanto, tem que atingir a marca lá de um milhão. tal

e tal. Então a gente tinha aquela noção. Atualmente ... Que eu falo que é mais um

reflexo do assentamento de coisas que estão acontecendo ainda, nós ainda não temos

aquele rumo, olha, é esse o rumo, é aquele caminho, é aquela meta. A partir do

momento que as pessoas começam a entender isso as suas ações já começam a ficar

direcionadas para aquele rumo. "

c) Foco nos clientes

Após a privatização a área comercial ganhou um maior enfoque para

melhor atender ao cliente. Observou-se, por sua vez, uma preocupação dos

empregados com a eficiência e a sobrevivência da empresa. A BBB procurava,

segundo um entrevistado, não apenas aumentar a sua base de negócios, como

também, impedir que a concorrência avançasse em sua fatia de mercado.

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" ... da privatização pra cá, a ênfase da empresa foi na área comercial, nos

negócios, todo o foco da estratégia da empresa foi voltada pro cliente. Quer dizer, ela

se reestruturou muito pra tentar se colocar presente pro cliente, porque o cliente é a

pessoa mais importante, o parceiro que a gente tem é o cliente. Foram ampliadas

áreas de negócios, investiu-se maciçamente em treinamento e desenvolvimento da

área de negócios, foram criados dados de clientes especiais, clientes corporativos.

Então houve ênfase muito grande para negócios." (gerente de área administrativa)

"Ela [a empresa] vai trabalhar com uma competição acirrada. Cada vez mais

visando, querendo o cliente, ter o cliente com todas as suas forças. Porque se ela não

fizer isso a concorrente vai pegar. As concorrentes estão cada vez mais fortes ... Então

cada vez mais o corpo de funcionários da empresa, ele tem que estar preparado para

competição, como se fosse diária." (funcionário de área operacional)

d) Falta de metas

Durante o primeiro ano após a privatização, ainda percebia-se algumas

indefinições da empresa em termos de metas a serem atingidas. Em alguns

depoimentos foi ressaltado que a empresa ainda estava um pouco

desorganizada.

"O processo de transição que vai fazer um ano agora no final desse mês, ainda

está em curso. Então não houve o assentamento da poeira ainda. A poeira levantou

mas não assentou ainda." (gerente de área administrativa)

"Essa falta de definição institucional - olha, nossa meta aqui, nossa linha e tal, isso

ainda não está ainda bem sedimentado a nivel de empresa" (gerente de área

administrativa)

o clima de desorganização também foi relacionado ao excesso de

consultorias contratadas para auxiliar a BBB após a privatização. Um dos

entrevistados argumenta que a contratação das consultorias deveu-se a falta

de confiança do atual acionista no corpo de funcionários oriundo da estatal

assim como da falta de conhecimento técnico do próprio acionista.

"É uma desorganização. As pessoas estão tentando acertar... Está havendo

também uma excessiva contratação de consultorias. A Matriz está consultando

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consultorias demais, tipo assim, pra mim está refletindo ... O que está passando para

mim é O seguinte: as pessoas existentes hoje não têm competência para fazer. Como

nós não conhecemos, vamos contratar uma consultoria ... Então, já desfilaram por nós

aqui, dez consultorias ou mais ... " (gerente de área administrativa)

e) Liderança melhor identificada

Como a estatal pertencia ao governo, era muito difícil identificar um

"dono", alguém que fosse realmente responsável pela empresa. Essa figura só

começa a aparecer, na percepção das pessoas, após a privatização.

"Eu acho que ela vem mudando gradualmente, não houve assim um corte ... Ó, até

aqui nós trabalhamos desse jeito, depois passou a trabalhar de outro ... Não. Ela tem

mudado gradualmente ... Temos tido ganho e temos tido deficiências também. Temos

tido algumas perdas, por outro lado. A forma de trabalhar mudou no sentido de que,

agora a gente sabe que tem um dono. E a gente não sabia que tinha um dono ...

Porque o dono cobra. Quando você não tem dono, você não cobra. "(gerente de área

administrativa)

f) Aumento da carga de trabalho

Percebia-se também, que a redução do quadro de pessoas e o aumento no

ritmo de trabalho, fizeram por aumentar a carga de trabalho de cada

funcionário.

"Aumentou muito o volume de hora extra. A gente gastava uma média de quatro

por cento da folha de hora extra, passou para seis, seis e meio, sete ... Essa equação

não fecha. Aumento de serviço, aumento da cobrança, diminuição de empregados

igual a hora extra menor ... Não, a hora extra vai ser maior. Essa equação não fecha.

Então aconteceu tudo ao mesmo tempo: aumento de serviço, aumento da pressão,

diminuição de empregados uma pressão para reduzir a hora extra .. ." (funcionário de

área administrativa)

5.4 Ações desenvolvidas no processo de privatização e pela nova e

velha administrações

Na BBB a administração da estatal preocupou-se em preparar seus

funcionários para o processo de privatização que viria, sendo responsável pela

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primeira ação efetiva do processo de mudança cultural. Quando foi anunciado

o consórcio ganhador da BBB, a nova diretoria começou a executar novos

procedimentos.

De um modo geral, foram realizadas as seguintes ações:

a) Preparação dos funcionários;

b) Plano de Desligamento Incentivado;

c) Terceirização de atividades;

d) Implantação de tecnologia;

e) Contratação de novos profissionais;

f) Centralização.

a) Preparação dos funcionários

Antes da efetiva privatização, a administração da BBB realizou uma

série de palestras para seus funcionários informando sobre o processo de

privatização que estava por vir. Além disso, ocorreram ações individuais das

chefias, no sentido de conscientizar os funcionários da iminente privatização.

"Com relação a esse processo de privatização, uns três anos antes ... nós

estávamos sempre presentes informando desse processo de privatização que todo o

pais e todo o mundo passava nesse processo de globalização. Então nós sempre

procurávamos estar no interior, nos parques, mesmo nos prédios mais centralizados,

informando de que esse processo era inevitável." (funcionário de área administrativa)

"Eu atuei na função gerencial e com o grupo conversava muito sobre essas coisas,

exatamente para as pessoas entenderem que essa coisa de estatal e privatização tem

algo muito mais complexo por trás disso tudo, que "e o sistema capitalista."

(funcionário de área administrativa)

b) PDI - Plano de Desligamento Incentivado

No início da administração da BBB como empresa privada, foi efetuado um

Plano de Desligamento Incentivado. Todos que aderiram ao plano, teriam

direito ao desligamento, sem exceção. Por indicação do presidente da empresa

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não deveria haver vetos, ou seja, os que quisessem sair, deveriam sair,

independente de cargo ou posição.

"Ele [o presidente] achou, que em princípio, todo mundo que aderisse poderia sair.

Ele não queria prender ninguém. Então, foi uma opção também da empresa não

prender ninguém." (gerente de área administrativa)

De acordo com as pessoas entrevistadas, o corpo gerencial da empresa

não foi preparado para lidar com o processo de desligamento incentivado.

"Não houve preparação do grupo gerencial. Não reuniram os gerentes, e

colocaram em primeira mão pra eles qual era o escopo do plano, o quê o plano visava,

que beneficios que traria, que incentivos que ele propunha ... não houve uma questão

assim: 'Olha você só vai, vai aceitar as pessoas que são indesejáveis' ou, 'na realidade

é um plano de incentivo mas nós não vamos admitir que todas as pessoas saiam; as

pessoas que forem importantes e forem estratégicas pra nós, você vai ter que segurar,

você vai ter que fazer assim,',. você é que vai ter que assumir esse pape!' ... " (gerente

de área administrativa)

Ao final do PDI não houve uma comunicação formal da empresa sinalizando

seu final. Para alguns, isso era um indicador que mais demissões ainda iriam

acontecer.

"Olha, não, não assim ... sistematicamente não; você fala assim: - Olha, agora

acabou, não vamos mandar mais ninguém embora ... ". Não porque essa não é a

realidade. A empresa, pelo o que a gente tem trabalhado e tem visto, ela ainda não se

ajustou, ao ponto de que, poderiamos dizer assim, que seria o ideal. Eu acho que não

chegou o momento ainda de você chegar e falar: 'Olha, isso aqui agora acabou, agora

daqui pra frente não se vai demitir mais.' Acho que isso não aconteceu ainda. Acho

que mais desligamentos, mais demissões virão." (gerente de área administrativa)

c) Terceirização de atividades

Durante o processo de privatização, algumas das atividades foram

terceirizadas. Entre os funcionários, foram sentidas duas reações: em primeiro

lugar, a de que a terceirização estava sendo feita porque a nova administração

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os achava "incompetentes"; a segunda reação foi que a mão de obra de

terceiros não era suficientemente qualificada.

"Não é o fato, o estigma de terceirizar tal que faz com que as pessoas sejam todas

ruins. Então, no primeiro momento em que entrou a nova diretoria de empresa privada,

houve muito essa percepção da nossa parte de que a partir daquele momento a gente

não estava servindo mais para nada, porque tudo o que se fez até então estava

errado." (gerente de área administrativa)

"Então, o que gerou é uma barbaridade, você quer ver uma coisa interessante, que

ela terceirizou, terceirizou sim, terceirizou e vai terceirizar, isso é politica terceirizar.

Politica que está acontecendo em todo canto, muito bem, você sabe o que está

acontecendo nesse mercado? Porque o vizinho ali também está terceirizando, primeiro

o que se tinha em empreiteiras, a qualidade do trabalho das empreiteiras na BBB

estatal era o mais precário que tinha ... Aí, se provou, se teve o gosto da terceirização.

E aí isso cresceu, isso cresceu, só que cresceu numa baixa qualidade, porque esse

mercado não existia. Bom, hoje o que acontece? A BBB faz sabe o quê? Ela investe

nesse mercado." (gerente de área administrativa)

d) Implantação de tecnologia

A nova administração automatizou vários processos de negócios da

empresa através da implantação de uma ferramenta integrada, o SAPo Além

disso, foi feito um processo de automação interna com a introdução do Notes e

das ferramentas do Windows, da Microsoft.

" Rede interna não existia. Então hoje uma ferramenta tipo NOTES substitui uma

secretária. Carta interna eu não recebo ... Nunca mais eu recebi uma carta interna. Só o

NOTES, e eu nunca mais fiz uma carta interna. Então você vê quanta coisa foi

racionalizada por conta da tecnologia. O próprio SAP ajudou muito ... Nos módulos em

que ele já entrou e está trabalhando, funcionando ... A de contabilidade [n.c. 1] a de

orçamento porque eu trabalho mais direto nessas coisas ... A gente fazia ... Tinha um

trabalho aqui muito grande. Precisava de todas as pessoas mesmo ... Só que agora

você tem tudo ali, não precisa de muita gente mesmo. Você migra um arquivo do

grande porte, trabalha numa planilha assim ... Antes tinha que trazer ele em papel,

digitar... É um negócio complicado... Eu acho que a tecnologia foi realmente ...

Tecnologia, uma gerência uma redefinição das tarefas, eu acho que foi fundamental

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para esses quatro mil ficarem quase que imperceptiveis." (gerente de área

administrativa)

e) Contratação de novos profissionais e reciclagem dos antigos

Alguns profissionais foram contratados do mercado para trabalhar nas

novas áreas de negócios criadas. Em paralelo, profissionais da empresa

considerados com perfil e habilidade foram treinados para assumirem novas

posições.

"Foram contratadas, foi um misto. Nós procuramos pegar dentro do quadro

existente, pessoas que tinham perfil pra trabalhar com o negócio. Apesar do ambiente

de estatal não competitivo, tinham pessoas que tinham o perfil, tinham habilidade e

poderiam desenvolver um processo pra trabalhar nessa área." (gerente de área

administrativa)

Além disso, um programa de trainees foi desenvolvido com o intuito de

disseminar e reter o conhecimento.

"Nosso estado foi o primeiro a fazer o programa de "trainee", iniciamos no final do

ano passado. Dez "trainees" já tão ... acabando agora no final do mês, agora em

agosto eles acabam a fase de treinamento e ai a gente vai tentar colocá-los, já nas

áreas respectivas, e definir pra eles, deve ser, deve ser provavelmente na área de

negócios ... "(gerente de área administrativa)

f) Centralização

Como a privatização da BBB envolveu a incorporação de várias empresas,

cada qual com seus processos, a nova administração da BBB optou por

centralizar alguns processos, incluindo o planejamento estratégico, que passou

a ser de responsabilidade da holding.

"Por exemplo, muita centralização ... Centralizou agora toda a parte de Tecnologia

de Informação, voltando aquela estrutura que existia há vinte anos atrás, tinha um

órgão central o antigo CPD, está voltando agora ... " (gerente de área administrativa)

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5.5 Análise do processo de mudança cultural

5.5.1 Níveis da cultura

Antes de ser privatizada, BBB apresentava algumas características típicas

de uma empresa estatal e outras mais próximas de uma administração de

empresa privada. Seguindo a conceituação proposta por Schein, os níveis da

cultura na BBB antes e depois da privatização da empresa estão sumarizados

no quadro 5.1.

BBB antes BBB depois

Artefatos e );> Diretoria política );> Baias na matriz

Criações );> Acesso às informações );> Centralização dos

);> Proximidade dos processos processos

Valores );> Postura participativa da empresa );> Foco em custos e lucros

em relação a funcionários e à );> Cobrança por

comunidade resultados

);> Preocupação com );> Foco no cliente

desenvolvimento pessoal e );> Atenção à concorrência

profissional dos empregados

);> Foco em tecnologia

);> Espírito de time e

responsabilidade

);> Respeito e orgulho dos

funcionários pela empresa

Pressupostos );> Atender ao poder público );> Lucro

Básicos );> Satisfazer os funcionários );> Competição

Quadro 5.1 Empresa BBB segundo classificação de Schein

a) Artefatos e Criações

Os gerentes que trabalham na matriz da BBB mudaram a disposição física

de seus escritórios, passando a trabalhar em boxes abertos. Com isso a

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empresa pretendia sinalizar abertura e atenuar a sensação de distanciamento

dos funcionários, causada pela centralização dos processos na matriz.

b) Valores

A BBB era considerada um modelo entre as demais estatais do seu ramo

de negócios. Diferentemente do que acontecia em outras estatais, por

exemplo, não era consenso entre os funcionários entrevistados que havia

excesso de funcionários na empresa.

A empresa também investia em treinamento e desenvolvimento de pessoas

de todos os níveis. Essa ênfase percebida no treinamento poderia ser pela

necessidade da empresa ter tecnologia especifica e dinâmica e ser

monopolista em seu setor.

A BBB estatal investia continuamente em tecnologia, substituindo

freqüentemente seus equipamentos por outros mais modernos. O treinamento

dos funcionários acompanhava essas mudanças tecnológicas.

Os funcionários da BBB estatal tinham orgulho e respeito pela empresa.

Consideravam-na dinâmica e avançada, técnica e operacionalmente melhor do

que suas similares no país. Além de apresentar uma postura participativa com

relação a seus funcionários e à sociedade

Após a privatização, a BBB passou a focar em custos, lucros, cliente e

concorrência. Orçamentos foram elaborados e controles implantados.

Entretanto, para alguns, isso provocou uma demora no processo decisório que

antes não havia, já que as decisões tinham que ser aprovadas pela holding.

A empresa passou a ter um claro "dono" e com isso os funcionários

sentiram-se mais cobrados, tendo que ter maior responsabilidade.

Como a holding da qual a BBB passou a fazer parte também era formada

por outras empresas do ramo, várias atividades antes desenvolvidas na

empresa foram centralizadas. Com isso houve ganho de escala mas houve

também um maior distanciamento entre funcionários e o corpo executivo da

empresa. A BBB tomou algumas ações para atenuar isso, como mudar a

disposição de alguns setores: os gerentes que trabalham na matriz da BBB

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estão trabalhando em boxes abertos em uma postura de quem mostrar-se mais

aberto.

A Diretoria era vista como muito política, ou seja, cargos chave como a

presidência e a diretoria de RH eram preenchidos através de indicação política

com pessoas consideradas boas mas sem embasamento técnico. Entretanto,

apesar disso, a empresa era tida como tecnicamente bastante boa, uma vez

que esses politicos deixavam "os técnicos trabalharem", como dito por um dos

entrevistados.

Após a privatização a percepção era de que o período de transição ainda

estava em andamento. As metas e a linha de atuação da empresa não

estavam claramente definidas. Alguns funcionários sinalizaram uma notória

desorganização da direção da empresa.

c) Pressupostos básicos

Em termos de pressupostos básicos, o que realmente norteava a BBB como

estatal eram dois fatores: a politica e a tecnologia. Na BBB após a privatização,

o direcionador foi o lucro, que era o objetivo maior da empresa privada e a

competição que se tornaria muito forte no seu setor de atuação.

5.5.2 Elementos da Cultura

Após analisar os níveis da cultura de empresa, passou-se a analisar como o

conceito de cultura se manifestou na BBB antes e depois da privatização.

1. Símbolos

Na matriz da BBB após a privatização, são usadas baias abertas para

mostrar a facilidade de acesso à diretoria.

2. Ideologia

A filosofia da BBB antes de ser privatizada era a de atender ao poder

público e a seus funcionários. Os cargos mais importantes da empresa como a

presidência da empresa e a alta diretoria eram preenchidos por indicações

politicas.

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Com relação aos funcionários, a BBB, garantia a estabilidade de emprego,

treinava-os e desenvolvia-os em tecnologias atualizadas. Era um ótimo

ambiente de trabalho, o que fazia com que as pessoas se apegassem

emocionalmente a ela. Algumas das diferenças ideológicas da BBB antes e

depois da privatização estão caracterizadas no quadro 5.2.

3. Ritos

3.1 Ritos de Passagem

Na BBB estatal a transição dos funcionários para novas funções era feita

primeiro através da análise dos currículos. Os que fossem adequados às vagas

em aberto, faziam um concurso público concorrendo com pessoas de dentro e

de fora da empresa. Os funcionários entravam na empresa jovens e através

desses concursos desenvolviam uma carreira interna ou mudavam de área.

A nova administração da BBB, na época das entrevistas, reconhecia a

necessidade de reposicionar e revalorizar seus funcionários mas esse plano

ainda não havia sido implementado.

Quando a BBB foi privatizada, a marca da empresa foi mudada. Isso gerou

um sentimento de perda nos funcionários. Para superar isso foi feita uma

campanha interna de divulgação, visando aumentar a motivação dos

funcionários e reestabelecer a ligação entre os funcionários e a empresa.

5.5.3 Características da cultura organizacional na BBB

BBB antes BBB depois

Inovação e tomada de risco Moderada Moderada

Atenção a detalhes Moderada Alta

Orientação para resultados Moderada Alta

Orientação para pessoas Alta Baixa

Orientação para equipes Alta Moderada

Agressividade Baixa Moderada

Estabilidade Alta Baixa

Quadro 5.2 BBB antes e depois segundo Reilly, Chatmane Caldwell (1991)

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Em termos de inovação e tomada de risco, a BBB estatal procurava

estar tecnologicamente atualizada tanto em termos de equipamentos como em

termos de capacitação profissional. Algumas decisões que na teoria

necessitariam de aprovação de Brasília, eram feitas localmente pela diretoria. A

BBB pós privatizada estava implantando o SAP para agilizar seus processos,

mas ainda não havia implementado outros processos planejados, como a

remuneração variável.

O planejamento e controle orçamentário é um bom exemplo de como

a atenção a detalhes aumentou após a privatização. Antes o orçamento era

feito e a diferença entre o planejado e o executado não era gerenciada. Após a

privatização, eventuais diferenças precisavam ser explicadas e justificadas,

aumentando a cobrança e o senso de responsabilidade dos funcionários.

A BBB estatal era mais orientada a pessoas e a equipe do que a

resultados. O oposto acontecia na empresa sob a nova administração.

A agressividade da BBB após a privatização aumentou

principalmente devido ao fim do monopólio e a perspectiva de uma competição

forte no mercado.

Em termos de estabilidade, houve o fim da estabilidade de emprego.

5.5.4 Dimensões da Mudança Cultural

As dimensões da mudança cultural na BBB estão resumidas no quadro 5.3.

Na BBB, as mudanças foram de alta penetração pois impactaram um

grande número de funcionários e toda a organização.

Foi de magnitude moderada porque muitos processos operacionais

permaneceram os mesmos.

Inovação baixa porque o processo de privatização já ocorreu em várias

outras organizações.

A duração foi considerada moderada, porque após um ano, alguns

processos que haviam sido planejados ainda não tinham sido implantados.

BBB

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Penetração Alta

Magnitude Moderada

Inovação Baixa

Duração Moderada

Quadro 5.3 Dimensões da mudança cultural na BBB

5.5.5 Ações em um processo de mudança cultural Seguindo ainda as considerações de Trice e Byer sobre ações

recomendadas em um processo de mudança cultura concluiu-se que:

1. Capitalizar em momentos adequados:

A mudança cultural na BBB foi deflagrada por um evento externo à

organização, que foi a privatização definida pelo governo.

2. Cautela e otimismo

Ao assumir a administração da empresa, a BBB contratou uma grande

consultoria para auxiliar no estabelecimento dos cursos de ação da holding.

Empresas internacionais foram usadas como benchmark para avaliação

operacional e para estimar a quantidade de mão de obra necessária para o

atingimento das metas estabelecidas.

Foi também usado o suporte de uma empresa especializada na implantação

do programa de demissão, de modo que tudo acontecesse de modo tranqüilo e

adequado.

3. Resistência à mudança

As mudanças na BBB não foram fáceis de serem aceitas. Muitas pessoas

achavam que a privatização seria revertida.

De acordo com algumas das pessoas entrevistadas, algumas pessoas

sentiram-se ameaçadas com a privatização. Sentiram medo de estarem

profissionalmente defasadas e terem que disputar posições de trabalho em um

mercado mais exigente e mais competitivo.

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Houve também resistência do sindicato. com algumas correntes

ideologicamente contrárias à privatização e à demissão de pessoas.

4. Mudar e manter

Os planos de demissão incentivados reduziram parte do quadro de

funcionários. Alguns dos antigos funcionários foram remanejados para outras

empresas da holding. Outros permaneceram em suas funções.

Na época em que as entrevistas foram realizadas a nova administração da

empresa planejava implantar um plano de remuneração variável de acordo com

a produtividade.

5. Implantação

Na época das entrevistas. a implantação estava em andamento. Para

alguns funcionários remanescentes da estatal. a expectativa era de que as

mudanças aconteceriam muito mais rapidamente do que estava efetivamente

acontecendo.

6. Criar cultura apropriada

Como a nova empresa era composta de vários sócios ainda não percebia­

se claramente a cultura a ser implantada. As características mencionadas nas

entrevistas eram características do modelo mental que as pessoas tinham

sobre uma empresa privada e não necessariamente decorrentes de ações que

já haviam sido tomadas pela nova administração.

7. Mudar táticas de socialização

Estavam sendo avaliados mecanismos de reposicionamento e revalorização

dos antigos funcionários.

A implantação de um correio eletrônico funcionou como uma importante

ferramenta de socialização. facilitando a divulgação de mensagens

simultaneamente para um grupo grande de funcionários.

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8. Liderança Inovativa

A liderança não estava claramente identificada. Percebia-se um conflito

entre os vários sócios.

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6 Descrição e Análise de Caso - Empresa CCC

6.1 Histórico da Empresa CCC

A CCC é uma empresa prestadora de serviços com âmbito de atuação

na Região Sudeste do pais. Em 1996 do estado, dentro do programa de

privatização, por um consórcio formado por empresas nacionais e

internacionais de duas nacionalidades diferentes.

A empresa era carente de investimentos e estava defasada

tecnologicamente.

Em termos de pessoal, a CCC tinha cerca de 480 empregados por

cliente, enquanto a relação considerada ideal no setor era de aproximadamente

700 a 800. Além do excesso de funcionários, a idade média dos funcionários e

seu tempo de serviço na empresa tornaram-se muito elevados, formando um

quadro dito "envelhecido".

A empresa e o sindicato patrocinavam uma escola de primeiro grau para

onde estudavam vários filhos de funcionários.

6.2 A Empresa CCC antes da privatização De acordo com os entrevistados, as principais caracteristicas da CCC

como estatal eram:

a) Hierarquia;

b) Excesso de pessoal;

c) Estabilidade;

d) Impunidade;

e) Projetos desenvolvidos internamente;

f) Foco no produto e não no cliente;

g) Falta de mobilidade e individualismo;

h) Submissão ao poder público;

i) Liderança;

j) Comunicação;

k) Remuneracão;

I) Recursos e investimentos escassos;

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m) Falta de comprometimento.

a) Hierarquia

Assim com a maioria das estatais, a CCC era criticada por ter vários

níveis hierárquicos e uma estrutura extremamente formal.

"Eu não tinha o acesso que eu tenho hoje aos meus superiores hierárquicos ... em

vinte anos eu fui talvez a uma reunião com o diretor. Depois da privatização, eu já fui a

várias. Com o superintendente é quase todo o dia. Não era uma coisa normal. As

coisas eram mais estanques .. " (gerente de área operacional)

b) Excesso de pessoal

A CCC trabalhava com um número excessivo de profissionais. A

percepção da maioria das pessoas entrevistadas era que a empresa estava

"inchada" principalmente devido ao caráter político de recursos humanos. Esse

número excessivo de pessoas, se traduzia também em uma grande ociosidade.

"A gente conversando: 'Está inchado. Passa por ai tem gente lendo jornal a torto e

a direito. A gente está um pouquinho inchado:." (gerente de área administrativa)

"Eu não sei, eu não tenho condição de dizer qual é o número adequado de

empregados que tem que ter na CCC. Mas tem um número e este não é aquele

passado: 12.000. Não é aquilo, aquilo era um absurdO."(gerente de área administrativa)

c) Estabilidade

Era raro e difícil demitir-se um funcionário na CCC. O processo de

demissão era cheio de etapas e representava uma pesada burocracia. Um

funcionário só era desligado da empresa se fizesse uma "grande besteira".

"Ela não tinha uma cultura de desligamento. Para você desligar uma pessoa aqui,

era melhor dar um tiro na cabeça, porque você não conseguia desligar ninguém, por

força do sindicato, força política. Uma empresa estatal tem toda essa história" (gerente

da área administrativa)."

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"Estatal para você ser mandado embora tem que fazer uma besteira muito grande.

xingar o presidente. coisas desse tipo. Todo mundo tem sempre isso em em mente.

Você trabalhar normal. não precisa ser nenhum gênio. mas se você fizer o seu

feijãozinho com arroz. você vai fazer. Ninguém. a principio. ninguém era demitido.

Nesse sentido. a menos que a besteira fosse muito grande." (gerente da área

operacional)

Uma outra conseqüência da estabilidade era a não renovação do quadro

de pessoal. Na opinião de algumas pessoas entrevistadas. isso ocasionava

uma falta de "oxigenação" na empresa. ou seja. não era trazidas idéias novas

para a empresa.

"Ai então. você tinha pessoas que não estavam totalmente preparadas pra exercer

as funções que exerciam. mas que não precisavam se mexer. não precisavam

melhorar porque ... aquilo era só perder tempo. se esforçar por nada. porque não

tinha ... é nenhum tipo de perigo se continuassem exercendo parcialmente aquilo que

tinham que exercer ...• até porque como não havia também admissão você não tinha a

oxigenação de quadro. você não tinha alguém que viesse lá de fora com novas idéias

aqui para dentro. a não ser com as participações que a gente tinha em cursos e

seminários. em que se ouvia falar o que se fazia lá fora ..... (funcionário de área

administrativa)

d) Impunidade

Os regulamentos existiam. as pessoas os conheciam mas eles não eram

seguidos. Nao havia cobrança nem qualquer punição nos casos de não

cumprimento do que estivesse estabelecido.

"Eu tenho certeza que as pessoas tão num novo contrato de trabalho. É o contrato

de trabalho é ... formal. é o que você trabalha de oito e trinta às dezessete horas. que é

o mesmo de antes. mas o que acontecia antes é que as pessoas chegavam ás oito e

trinta e saiam as dezessete horas "(funcionário de área administrativa)

e) Projetos desenvolvidos internamente

Todas as atividades e projetos desenvolvidos na CCC eram feitos

pelos próprios funcionários da CCC ou seja. nada era terceirizado. Isso se

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traduzia em uma maior quantidade de pessoas com níveis de conhecimento

diversos.

"Mudou ... ? em termos ... de que tudo é para ontem. A não ser ... até, algumas

coisas tinham que ser mesmo tá, tinham que ser porque a empresa tinha uma

quantidade de pessoas para pensar no [n.c.] que era muito maior, você tinha um ... tudo

era feito aqui dentro, você não contratava quase nada lá fora. Então, algumas coisas

tinham que mudar mesmo." (funcionário de área administrativa)

(f) Foco no produto e não no cliente

De acordo com a visão de algumas pessoas entrevistadas, a CCC

estatal era focada no produto e não no cliente.

"Isso é um choque, há uma mudança muito grande, eu acho que tá sendo muito

difícil pra empresa que nunca colocou o cliente como sua prioridade, essa prioridade

sempre foi a qualidade do produto fim, mas nunca pensando no cliente, é ... era o

produto pelo produto ... " . (funcionário de área administrativa)'

(g) Falta de mobilidade e individualismo

A CCC era criticada pela falta de perspectiva de mudança de função

ou de uma careira na empresa. O funcionário que iniciasse sua vida

profissional em uma função permaneceria nela por muito tempo.

"Vinte anos, vinte anos de empresa ... muito tempo. É, sempre trabalhando com

subestações e ... perfil de estatal mesmo, né, a pessoa entra num lugar e acaba

naquele lugar." (gerente de área operacional)

Além disso, não havia um sentimento comum de trabalhar em equipe

para o bem da operação da empresa. Cada qual cumpria estritamente o que

lhe havia sido delegado sem importar-se com o atingimento dos objetivos finais

da empresa.

"No modelo antigo, "I did my best, mas eu fiz a minha parte, e o problema não é

meu, eu entreguei esse papel desde a semana passada." Tá certo?" (gerente de área

operacional)

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h) Submissão ao poder público

Na percepção dos empregados da CCC, a empresa era governada por

interesses políticos. Os cargos eram preenchidos através de arranjos políticos,

por pessoas sem qualificação técnica para o cargo.

"O diretor desconhece aquilo lá de baixo. Tecnicamente ele não conhece aquilo.

Então a decisão dele é sempre política. "" Achava que as pessoas não tinham

oportunidades. A gente via pessoas chegando, que era amigo de Fulano, Beltrano: isso

acontecia muito na CCC. A CCC quando era federal, a coisa vinha muito de fora, de

Brasília." (gerente de área administrativa)

i) Orgulho

A CCC tinha uma tradição de prestação de serviços essenciais

prestados à população. Empregados e gerentes tinham consciência da

importância de sua atividade e orgulhavam-se disso.

"Então ela tem essa característica, o indivíduo que trabalha na CCC ele é visto na

sociedade de uma forma especial, como alguém que trabalha numa empresa que

presta um serviço público, portanto presente na residência de todos, em todos os

cantos. Tem esse sentido." (funcionário de área administrativa)

6.3 A Empresa CCC depois da privatização

Os principais efeitos da privatização da CCC foram sentidos através das

novas práticas empresariais, da nova forma de trabalhar, da alteração do

contrato psicológico,e da expectativa que as pessoas tinham do futuro.

Entretanto, havia também uma percepção de que a nova administração ainda

precisava organizar-se melhor.

a) Cobrança de resultados;

b) Foco no cliente;

c) Maiores investimentos em equipamentos e novas tecnologias;

d) Maior agilidade;

e) Expectativas não atendidas;

f) Características de estatal;

g) Insatisfação com as políticas de RH;

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h) Carreira limitada pela idade.

a) Cobrança de resultados

De acordo com muitos depoimentos coletados, os funcionários sentiram

grande modificação na exigência da qualidade e rigidez com que resultados

deveriam ser entregues. Isso gerava maior ritmo de trabalho e maior autonomia

e responsabilidade.

"As cobranças são maiores. Então, antes existiam as metas, existiam os

resultados e tal, mas as pessoas algumas pessoas já trabalhavam num ritmo parecido,

mas por ser característica das pessoas, não por exigência do empregador. Hoje

mesmo quem não tinha isso, vamos dizer, na massa do sangue, está sendo forçado a

fazer desse jeito porque tem que apresentar resultado. Você tem que mostrar e chegar

aos resultados que eles esperam de você."(gerente de área operacional)

"Então eu vejo maior autonomia tanto no lado técnico quanto no lado gerencial.

Eles querem ver resultado. Então eu contrato isso, contrato aquilo, executo isso,

executo aquilo, o problema é meu. Tem que ter resultado nisso ai." (gerente de área

operacional)

"A cobrança é maior. As pessoas têm que ter mais responsabilidade e

iniciativa, elas sabem disso. Umas conseguem e outras não. A cobrança da qualidade

do trabalho, de uma decisão também é maior. Se exige é que sejam pessoas pró

ativas, pessoas auto motiváveis e isso não acontece na prática .. (gerente de área

administrativa)

Esse maior comprometimento foi creditado, também, ao medo dos

funcionários de perderem os seus empregos.

"Eu tenho certeza que as pessoas tão num novo contrato de trabalho. É o

contrato de trabalho é formal, é o que você trabalha de oito e trinta ás dezessete horas,

que é o mesmo de antes. O que acontecia antes é que as pessoas chegavam às oito e

trinta e saiam as dezessete horas. Hoje, não. Tem alguma coisa pelo próprio trabalho e

outra coisa pelo medo, as pessoas vão ficando ... " (funcionário de área operacional)

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A responsabilidade individual tornou-se fundamental para que os

objetivos da empresa fossem alcançados.

"Então a pessoa entender isso, não importa o quê você fez, a etapa que você

cumpriu ou se você passou a mensagem, você tem que saber se o outro entendeu e

você tem que se preocupar com a ponta do processo. O quê que aconteceu e se a

gente colocou o medidor no cliente, se não colocou o medidor no cliente, foi trabalho

posto fora. Um exemplo prático, quando eu digo a você, é a gente começar a incutir

esse espírito de equipe e o pessoal perceber isso ... não é? Porque também muita

gente era gerenciada sem saber por que faz aquilo ... ? Fazia aquilo sem nenhuma

motivação, eu pego isso aqui todo dia e levo lá pro ... não sei pra onde, mas não sei o

que tem dentro ... tá?" (gerente de área operacional)

b) Foco no cliente

O atendimento ao cliente tomou-se o foco da CCC após a privatização.

Segundo depoentes isso deve-se ao fato da empresa ter que satisfazer

adequadamente aos consumidores, para garantir o contrato de concessão.

"Então, de repente você tem o acionista que aqui dentro, e você tem o cliente

como uma coisa importante por causa da imagem da empresa, e isso tem é reflexo no

Contrato de Concessão. Embora o consumidor, não mude muito para ele, o tratamento

que ele tá recebendo. Porque ele não tem a força específica, mas, o conjunto de

consumidores tem força." (funcionário de área administrativa)

c) Maiores investimentos em equipamentos e novas tecnologias

Com o aporte de capital feito pelos novos donos da CCC, foram

implantados modernos sistemas de informática e também de tecnologias que

permitiram a automação de processos com grande redução de pessoal.

"O plano de investimento da CCC nessa área [w), antes da privatização era da

ordem de vinte milhões ano. Ano passado a gente gastou cento e dez milhões. Esse

ano a gente tem 80 pra gastar e ano que vem tem mais 80... "(gerente de área

operacional)

"Rede interna não existia. Então hoje uma ferramenta tipo Notes substituiu uma

secretária. Carta interna eu não recebo. Nunca mais eu recebi uma carta interna ... s6 o

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Notes. Eu nunca fiz uma carta interna. Então você vê quanta coisa foi racionalizada por

conta da tecnologia." (funcionário de área administrativa)

Entretanto a disponibilidade de capital deparou-se com a falta de cultura

e experiência de uso destas ferramentas.

"Há quatro anos atrás, quem tinha um micro era uma beleza. E, de repente,

estou falando isso também para mostrar quais são as conseqüências da modernização

da ferramenta. A CCC investe vinte milhões de dólares, que faz toda a parte financeira,

controladoria, materiais, recursos humanos, o SAPo E, de repente, ... todo mundo tem

acesso a um meio digital. Qual a dificuldade? Nós não tínhamos essa cultura na

empresa. Então tem uma certa carência do pessoal voltado para essa parte da

informatização." (gerente de área operacional)

d) Menor hierarquia e facilidade de comunicação

A nova liderança da CCC imprimiu um modelo mais ágil, facilitando o

acesso dos funcionários aos níveis mais altos da organização. Além disso, os

técnicos passaram a ser estar mais próximos da alta gerência e a serem

envolvidos em reuniões e discussões, o que não acontecia na época da estatal.

"Bom, eu acho até que melhorou, eu não tinha o acesso que eu tenho hoje aos

meus hierárquicos superiores. Antes da privatização, os cargos eram muito políticos ...

a área técnica num tava envolvida, então eu ... em vinte anos eu fui. .. talvez a uma

reunião com o diretor, e, depois da privatização eu já fui a várias. Com o

superintendente é quase todo o dia, e ... não era uma coisa normal, as coisas eram

mais estanques ... Sem dúvida, a empresa com a privatização melhorou muita coisa,

é ... melhorou ... linealizou mais as ... aquela, aquela formação hierárquica, apesar de

existir a estrutura hierárquica ela é toda hora quebrada, o superintendente te chama

pra você ir numa reunião, o chefe de departamento nem sabe se chama aquele

engenheiro pra ir pra uma reunião." (gerente de área operacional)

e) Expectativas não atendidas

Se muitas coisas mudaram após a privatização, para alguns funcionários

muitas outras ainda continuavam igual a antes. A expectativa gerada em torno

da privatização ainda não tinha sido atendida.

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Uma das razões apontadas para isso foi a permanência na empresa de

gerentes de nível médio que não compartilhavam da mesma visão da nova

administração. Esses gerentes tornaram-se uma "camada isolante" que impede

que novas idéias e valores provenientes da alta liderança cheguem aos

funcionários de níveis inferiores da hierarquia da empresa.

"Na minha visão eu acredito o seguinte: a CCC não conseguiu muita coisa até

hoje, porque ela tem uma equipe gerencial ao nivel de superintendente até chefe de

departamento que não modificou a sua estrutura de pensamento. Então o que

acontece? Você tem uma determinação lá em cima, os caras que pensam

maravilhosamente bem, são instruidos pelas empresas de origem deles, são empresas

de sucesso, trazem tudo para cá, mas chega aqui esbarra numa cultura corporativa

muito grande, muito forte a nivel gerencial, a nivel de superintendente e chefe de

departamento.

A maioria, vou te dizer 96%, 93% são gerentes antigos da CCC. Então a

cultura, não se trabalhou a cultura dessas pessoas. Eles não têm uma cultura de

mudança. Então é complicado você fazer programa ... " (gerente de área administrativa)

"A expectativa era muito maior. As reformas de RH, as expectativas de muita

coisa que aconteceria com a privatização, até hoje a gente tá esperando." (gerente de

área operaciona I)

"Eu queria deixar claro que a expectativa pra privatização era muito maior do

que a que aconteceu. Com o passar do tempo, cada vez a gente tá mais ansioso por

essas expectativas. E a gente não tem sinalização nenhuma de que isso vá

literalmente ocorrer." (gerente de área operacional)

"A gente está com programas ótimos, mas só de boa .intenção, só de boa

intenção. Ai esbarra numa mudança de diretoria, esbarra em qualquer coisa dessa, o

programa dá uma estabilizada, segura, não vamos chamar agora, aguarda, mas toda a

reunião que a gente participa, não, programa de trainee é ótimo, não sei o que mais.

Vamos? Até agora não funcionou." (gerente de área administrativa)

A existência de vários donos, de nacionalidades diferentes gerava uma

confusão na administração da empresa. Na percepção de alguns funcionários,

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ainda não havia consenso sobre os objetivos da empresa, entre os próprios

donos.

"De tudo isso que eu te falei, eu não acho que o futuro seja ruim não. Eu não

sei é quanto tempo ele demora pra chegar. Porque eu acho, que um dos principais

fatores dessas coisas é a existência de quatro donos dentro da própria empresa. É

não é que ter quatro, cinco ou cinqüenta donos faça diferença, mas eles estão aqui

dentro, e cada um quer uma coisa diferente. Um busca só lucro; o outro busca

mercado pro seu pais, o outro busca sei lá [o quê]. Cada um tem aquilo que pretende

aqui dentro. Enquanto isso não for uma coisa que fique acertada lá entre eles, eu acho

que a gente aqui vai estar sofrendo aqui embaixo, as conseqüências dessa ... desses

rumos não muito definidos, e eles vão estar é ... desperdiçando energia sob esse ponto

de vista, né?" (funcionário de área administrativa)

Há também frustração de alguns funcionários por conta de politicas de

recursos humanos anunciadas, mas ainda não implementadas.

"Isso até hoje é uma realidade que a gente não tem, e já se passaram três

anos, e a gente não tem uma política de recursos humanos mais transparente, a

solução de "n" problemas que andam pela empresa e que não tem solução, tipo

periculosidade e horas extras. A expectativa é que isso se resolvesse, com uma

fiexibilização, uma velocidade de recursos muito maior. Isso tudo a gente continua

esperando, infelizmente a gente diz internamente que não privatizou .. ?" (gerente de

área operacional)

f) Características de estatal

Para algumas pessoas entrevistadas, as caracteristicas da CCC estatal

ainda não haviam sido eliminadas da empresa após a sua privatização .

.... perdeu não, tô exagerando, diminuiu a conotação política, que hoje ainda

existe, . e a [empresa dona] é uma estatal, tem muita conotação política ... Então,

diminuiu, mas hoje a gente tem mais chance de ascensão do que tinha antigamente,

tem mais chance de participação em coisas que a gente não tinha e com isso o

desenvolvimento sobe." (gerente de área operacional)

"Não aconteceu nada com ninguém. Então, é isso que eu estou esperando da

empresa privatizada. Porque numa empresa privatizada normal talvez o financeiro todo

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tivesse ido embora, porque uma ação que sai de 330 pra cento e dez, o financeiro todo

tinha ido embora. O quê aconteceu? Nada, tá todo mundo lá, no mesmo lugar,

fazendo as mesmas coisas. " (gerente de área operacional)

Até nas instalações físicas, havia uma percepção de descaso, de uma

postura não condizente com o padrão das empresas privadas.

"Isso aqui, uma sala como essa toda suja, um banheiro em que as portas não

fecham ... Esse tipo de coisa ainda não chegou. Porque me incomoda receber você

aqui, numa sala em que a parede tá suja, afinal de conta eu trabalho numa

multi nacionaL" (gerente de área operacional)

g) Insatisfação com as políticas de RH

Os salários ainda são considerados ruins . Além disso, a empresa

estava contratando pessoas com experiência no mercado com salários mais

altos do que o dos antigos funcionários, causando um desconforto entre eles.

"Bom, eu diria que hoje, a, a relação do empregado com a empresa é de

sobrevivência. O mercado de trabalho tá muito ruim pra engenharia e as pessoas estão

sobrevivendo. O salário da gente também tá muito ruim. É uma troca, não tem

mercado, não tem salário." (gerente de área operacional)

"Isso é um outro aspecto bastante desmotivadorTem lá, uma superintendência

"x", dois departamentos: o daqui é um empregado antigo que tá ai há vinte anos e

ganha cinco; o daqui acabou de chegar, o mercado diz que salário deve ser nove, ele

vai ganhar nove ... então essas coisas estão ... " (funcionário de área administrativa)

Havia também uma percepção de que os funcionários provenientes da

estatal não estavam qualificados para exercerem suas funções na nova

empresa.

"Mas a sensação que dá é de que é um demérito. Ter muito tempo de empresa

não é positivo, é um fator negativo. Essa é a sensação que me passa da empresa de

um modo geral, e eu também tenho essa sensação ... "(funcionário de área

administrativa)

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h) Carreira limitada pela idade

Outro fator de desconforto entre os funcionários era o fato da empresa

parecer mais preocupada com o tempo de casa de cada funcionário do que

com seu nível de contribuição.

'"É, exatamente, o cara não agüenta mais. Quer dizer, quando vem o próximo

plano? Então isso é um mal estar muito grande. Quer dizer, quando eu vou ser

encarado não como uma pessoa que tem um certo tempo de casa e que já pode se

aposentar? Quando eu vou ser encarado pelo meu, pela minha capacidade de

trabalho?" (gerente de área operacional)

6.4 Ações desenvolvidas no processo de privatização e pela nova

administração

Quando foi anunciado o consórcio ganhador da CCC, a nova diretoria

começou a implantar uma série de novas ações. Dentre elas:

a) Demissão sumária de 340 funcionários;

b) Plano de desligamento incentivado;

c) Investimento em novas tecnologias e em equipamento;

d) Terceirização de atividades;

e) Melhor gerenciamento;

f) Contratação de novos profissionais;

g) Cobrança de resultados;

h) Desenvolvimento de pessoal.

a) Demissão sumária de 340 funcionários

Logo após a privatização e antes de qualquer plano de desligamento

incentivado, a CCC demitiu sumariamente cerca de 340 empregados, sem

direito a nenhum benefício adicional além dos estipulados por lei. Segundo

alguns depoimentos, eram funcionários com história de problemas na empresa.

'"Uma semana antes da CCC implantar esse programa [programa incentivado],

ela pegou 340 casos e desligou sem direito a nenhum beneficio. Fez a demissão

sumária, mandou superintendente para a rua, mandou diretor para a rua, mandou

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147

funcionário, mandou embora. Pegou a carta entregou numa sexta-feira, 'toma está

demitido'. Acabou. E uma semana depois ela solta o programa de incentivo."(gerente

de área administrativa)

b) Plano de desligamento incentivado

O PDI foi o primeiro de uma série de planos implantados pela CCC. Uma

das razões mais mencionadas para o programa de redução de pessoal referiu­

se ao quadro de pessoal envelhecido. Segundo os entrevistados havia um

contingente grande de pessoas com muitos anos de empresa que deveria ser

desligado e havia, também, a necessidade de contratar novas pessoas para

oxigenar as idéias.

"Todos nós sabíamos que a empresa era muito grande, era um número

excessivo de funcionários e nós sabiamos que isso ia ocorrer."(funcionário de área

operacional)

"Tem muitas pessoas já com muito tempo de empresa, já com idade ... um dos

fatores que foi colocado é porque ela está com o quadro envelhecido."(funcionário de

área administrativa)

c) Investimento em nova tecnologia e em equipamentos

Ao privatizar houve aporte de capital pelos novos donos, o que

possibilitou a compra de modernos sistemas de informática e também de

tecnologias que permitiram a automação dos

empresa deparou-se com a falta de cultura e

ferramentas.

processos. Entretanto, a

experiência de uso destas

"Rede interna não existia. Então hoje uma ferramenta tipo Notes substitui uma

secretária. Carta interna eu não recebo. Nunca mais eu recebi uma carta interna ... só o

Notes. Eu nunca mais fiz uma carta interna. Então você vê quanta coisa foi

racionalizada por conta da tecnologia." (funcionário de área administrativa)

"Há quatro anos atrás ... quem tinha um micro era uma beleza. E, de repente,

... estou falando isso também para mostrar quais são as conseqüências da

modernização da ferramenta ... A CCC investe ... vinte milhões de dólares, que faz toda

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148

a parte financeira, controladoria, materiais, recursos humanos, o SAP.E, de repente, ...

todo mundo tem acesso a um meio digital ... Qual a dificuldade? Nós não tínhamos

essa cultura na empresa ... então tem uma certa carência do pessoal voltado para essa

parte da informatização." (gerente de área operacional)

d) Terceirização de atividades

Para melhor equilibrar a maior demanda de trabalho com a redução de

pessoal, a empresa terceirizou parte de suas atividades.

"Uma coisa interessante é o seguinte: como é que a CCC perdeu 6.000, 5.000

em uma ano e continuou trabalhando? A gente entrou com processo de terceirização

muito pesado."(gerente de área operacional)

e) Melhor gerenciamento

Uma melhor ação gerencial foi considerada fator alavancador de

motivação e produtividade.

"Como é que você continua? Gerenciando melhor. Eu diria que gerenciando

melhor. distribuindo melhor a tarefas, premiando. Tem formas de você incentivar o

empregado e fazer com que ele se supere."(funcionário de área administrativa)

f) Contratação de novos profissionais

Uma das preocupações dos novos acionistas da CCC concentrou-se em

diminuir não apenas o contingente, mas também a idade média de seu quadro

de funcionários. À época do PDI, o tempo médio de empresa dos funcionários

era de 20 anos, número considerado alto, considerando que a atividade da

empresa exigia dos funcionários operacionais esforço físico Ei cuidados com a

segurança.

"Porque a CCC, assim como ela está reduzindo o quadro, ela também tem feito

várias admissões. E essas admissões são de pessoas novas no mercado, um pessoal

recém-formado. Então, quer dizer, ela está oxigenando, está trazendo novos

conhecimentos, pessoas novas. E a gente, o pessoal que está com um certo tempo de

empresa, vai se sentindo pressionado."(funcionário de área administrativa)

g) Cobrança de resultados

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149

Os funcionários sentiram grande modificação na exigência da

qualidade e rapidez com que resultados deveriam ser entregues. Essa

maior cobrança veio acompanhada de maior autonomia e responsabilidade.

"Você tem que dar solução para as coisas e não tem muita maneira de correr

com desculpas, justificativas ... O que se tinha muito eram justificativas. A gente ia para

uma reunião na estatal, as pessoas não percebiam que estavam justificando o tempo

todo e hoje você não consegue começar. Se você começar a justificar alguém vai

cortar você numa reunião."(gerente de área administrativa)

"Então eu vejo muito maior autonomia tanto no lado técnico quanto no lado

gerencial. Eles querem ver resultado. Então eu contrato isso, contrato aquilo, executo

isso, executo aquilo, o problema é meu. Tem que ter resultado nisso ai."(gerente de

área operacional)

h) Desenvolvimento de pessoal

Na nova empresa houve preocupação em se realizar um grande

investimento na melhoria da qualificação das pessoas; para todos os níveis e

abrangendo diversos temas.

"Existem três tipos de plano. Existe o treinamento de gerente, que é um

treinamento gerencial. A própria empresa se encarrega de programar... Existe o

treinamento que é o treinamento de informática que é para todos os funcionários, para

poder capacitar ... Hoje em dia você tem um micro praticamente na mesa de cada

funcionário .... Em função disso o pessoal teve que ser treinado. Houve um treinamento

maciço em informática ... " (funcionário de área gerencial)

A manutenção de alguns gerentes de nível médio na empresa impedia,

segundo alguns depoimentos, que as mudanças culturais se efetivassem na

CCC.

"Nós vemos hoje pessoas que sabidamente têm todo um comportamento

assim ... Questionável nessa relação com o empregado, embora excelentes

tecnicamente, mas na relação com o empregado são questionáveis. Essas pessoas

não deveriam permanecer como gerentes. Porque? Eles estão mantendo STATUS

QUO ali, estão mantendo o jeitinho que estava, sabe? Dão a impressão de que estão

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fazendo alguma coisa, mas não estão fazendo aquela coisa. Só que não tem condição

de se perceber isso de urna hora para outra. Não é só porque privatizou que todo

mundo que tinha lá seus problemas vai ser descoberto agora. Não, não é assim que

acontece. Agora, aos poucos, acho que isso vai acontecer .... ? Eu vou te falar, o

fisiologismo no corpo gerencial ainda é muito presente, muito presente. Você vê que há

comportamentos questionáveis no corpo gerencial, mas ainda continua tendo peso. "

(gerente de área administrativa)

"Na minha visão eu acredito o seguinte: a cce não conseguiu muita coisa até hoje,

porque ela tem uma equipe gerencial ao nível de superintendente até chefe de

departamento que não modificou a sua estrutura de pensamento. Então o que

acontece? Você tem uma determinação lá em cima, os caras que pensam

maravilhosamente bem, são instruídos pelas empresas de origem deles, são empresas

de sucesso, trazem tudo para cá, mas chega aqui esbarra numa cultura corporativa

muito grande, muito forte a nível gerencial, a nível de superintendente e chefe de

departamento .... A maioria, vou te dizer 96%, 93% são gerentes antigos da cec. Então a cultura, não se trabalhou a cultura dessas pessoas. Eles não têm uma cultura

de mudança, então é complicado você fazer programa .... " (gerente de área

administrativa)

6.5 Análise do processo de mudança cultural

6.5.1 Níveis da Cultura

A CCC antes de ser privatizada pouco diferia das demais estatais, como

pode ser visto no quadro 6.1.

a) Artefatos e Criações

Salas fechadas, com secretárias e assessores em ante-salas,

simbolizando hierarquia e formalidade. Havia muita burocracia, a comunicação

não fluía facilmente e o processo decisório era pouco ágil.

b) Valores

A CCC era uma empresa voltada para interesses políticos. Tinha uma

estrutura organizacional hierárquica e formal. Os cargos eram preenchidos

através de indicações políticas e área técnica não era envolvida nas decisões

estratégicas da empresa. Esse caráter político da administração de recursos

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humanos criou uma empresa "inchada", com excesso de pessoal e com um

alto nível de ociosidade.

A empresa não tinha como objetivo principal o lucro e o atendimento a

cliente. Seu foco estava mais direcinado ao

O sistema de remuneração era baseado na igualdade e no tempo de

seNiço. Não havia correlação entre remuneração ao desempenho. Isso

acarretava desmotivação nos funcionários que trabalhavam produtivamente.

A divisão de trabalho na CCC estatal era considerada desigual. Poucas

pessoas trabalhavam em demasia enquanto muitos faziam muito pouco.

CCC antes CCCdepois

Artefatos e Criações » Estrutura formal e » Estrutura mais

hierárquica dinâmica

Valores » Remuneração por » Multifuncionalidade

tempo de seNiço » Cobrança de

» Excesso de pessoal resultados

» Quadro de pessoal » Quadro de pessoal

envelhecido enxuto

» Forte presença do » Foco no cliente

sindicato » Características de

» Processo decisório uma estatal

pouco ágil

Pressupostos Básicos » Atender ao poder » Cliente

público » Lucro

» Estabilidade

Quadro 6.1 Empresa CCC segundo classificação de Schein

c) Pressupostos básicos

O que direcionava as ações na CCC eram o lucro final da empresa e o

atendimento ao cliente, isso porque a continuidade da concessão do governo

dependeria da avaliação dos clientes.

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152

6.5.2 Elementos da Cultura

Após analisar os níveis da cultura de empresa, passou-se a analisar

como o conceito de cultura se manifestou na CCC antes e depois da

privatização.

a) Símbolos

Na CCC um das representações da continuidade de alguns aspectos

da antiga cultura da empresa foi o da permanência de salas sujas, com

paredes sujas e portas de banheiro que não se fechavam. Para algumas

pessoas isso não estava em acordo com a postura de uma empresa

"multi nacional".

b) Ideologia

A filosofia da CCC antes da privatização pouco diferia das práticas

de outras estatais. Sua gestão era baseada na conveniência de políticos,

acentuada divisão dos trabalhos, dificuldade para demitir, processo decisório

lento e burocrático, ausência de investimentos e defasagem tecnológica.

Após a privatização a empresa passou a focar em reduzir custos,

satisfazer a clientes, dar maior autonomia dos funcionários e criar processos

decisórios mais dinâmicos. Entretanto, talvez por ter como um de seus

acionistas uma estatal internacional, alguns aspectos da cultura da AAA antes

de ser privatizada não se alteraram.

c) Ritos

c.1) Ritos de Passagem

Após a privatização treinamentos técnicos e gerenciais foram

disponibilizados para funcionários de todos os níveis.

O correio eletrônico implantado na empresa também ajudou a nova

administração a comunicar-se mais rapidamente com mais funcionários.

c.2) Ritos de Degradação

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Logo após a privatização, a nova administração da CCC demitiu

sumariamente cerca de 340 empregados, sem direito a nenhum benefício

adicional além dos estipulados na lei. Segundo depoimentos de alguns

entrevistados, tratava-se de funcionários com histórias de problemas na

empresa. Desso modo, a nova administração estava sinalizando para os

demais funcionários um dos valores relevantes da nova cultura: na nova

empresa não havia mais lugar para pessoas que não contribuíssem para o

sucesso da empresa.

c.3) Ritos para redução de conflitos

Uma das conseqüências mais evidentes da privatização na CCC foi o

aumento da carga de trabalho. As principais ações organizacionais tomadas

para reduzir esse conflito foram a contratação de serviços de terceiros e a

implantação de ferramentas de informática, acarretando um ganho na

prod utividade.

Além disso, em alguns casos, antigos funcionários foram contratados

temporariamente.

A ação gerencial também foi considerada como fator alavancador de

motivação e produtividade. Os gerentes se preocupavam em distribuir melhor

as tarefas e de descobrir diferentes modos de estimular os seus funcionários a

serem mais eficientes.

Individualmente, uma estratégia adotada por vários profissionais foi

rever e otimizar o próprio processo de trabalho.

6.5.3 Características da cultura organizacional

Analisando as características da cultura da CCC antes e depois de

ser privatizada, sob a ótica do modelo de Reilly, Chatmane e Caldwell (1991),

observam-se as características resumidas no quadro 6.2

Na CCC a atenção a detalhes tornou-se maior no sentido de que

havia mais cuidado no planejamento, por exemplo. Por outro lado, as paredes

sujas e instalações ruins demonstrava que esse cuidado não era um padrão

generalizado na empresa.

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154

o foco da empresa mudou da sociedade e dos funcionários para o

lucro, a competição e para os clientes.

Em termos de agressividade, ela também aumentou, mas ainda

estava longe dos padrões da AAA, por exemplo.

CCC antes CCC depois

Inovação e tomada de Moderada Moderada

risco

Atenção a detalhes Baixa Moderada

Orientação para Baixa Alta

resultados

Orientação para pessoas Alta Baixa

Orientação para equipes Baixa Alta

Agressividade Baixa Moderada

Estabilidade Alta Baixa

Quadro 6.2 CCC antes e depois segundo Reilly, Chatmane Caldwell (1991)

6.5.4 Dimensões da Mudança Cultural

CCC

Penetração Alta

Magnitude Alta

Inovação Baixa

Duração Alta

Quadro 6.3 Dimensões da mudança cultural na CCC

Assim como na AAA, na CCC o grau de penetração e de magnitude

foram altos e o de inovação baixo.

A duração foi considerada alta, uma vez que o processo ainda estava

em andamento e muitas das iniciativas esperadas ainda estavam sendo

planejadas e discutidas.

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6.5.5 Ações em um processo de mudança cultural

Seguindo ainda as considerações de Trice e Byer sobre ações

recomendadas em um processo de mudança cultura concluiu-se que:

1. Capitalizar em momentos adequados:

A mudança cultural na CCC foi deflagrada por um evento externo à

organização, que foi a privatização definida pelo govemo.

2. Cautela e otimismo

Algumas chefias mostraram-se mais conscientes com relação às

mudanças que estavam por vir. Estes procuraram alertar suas equipes sobre a

possibilidade de demissão, reestruturações, novos processos e mudanças nas

funções de cada um dentro da empresa.

Muitos funcionários adotaram uma visão otimista, acreditando que

na empresa privatizada haveria mais reconhecimento, valorização e melhor

reumuneração.

3. Resistência à mudança

Embora o Programa Nacional de Desestatização já estivesse em

pleno andamento, a grande maioria dos funcionários da CCC não acreditava

que o governo fosse conseguir concretizar o processo. A camada gerencial

dividia-se em acreditar e não acreditar. O sindicato foi o primeiro a adotar uma

postura de negação.

A privatização era um fator ameaçador para grande parte dos

funcionários, uma vez que, a exemplo da experiência de outras empresas

anteriormente privatizadas, havia grande possibilidade de demissão em massa

dos funcionários. O grande temor era a possibilidade imediata de perda de

emprego.

Esse cenário de ameaça originou comportamentos diferenciados

entre os funcionários. Alguns buscaram uma melhor qualificação, procurando

cursos de idioma, por exemplo. Outros procuravam mostrar-se

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profissionalmente competentes como proteção contra uma possível demissão

futura.

Houve resistência também, dos antigos funcionários, à ausência de

secretárias e contínuos. Empregados mais graduados reagiram à necessidade

de executar tarefas de arquivamento, por exemplo, por considera-Ias atividades

menores.

4. Mudar e manter

Logo após a privatização e pouco antes do primeiro Plano de

Desligamento Incentivado, a CCC demitiu aproximadamente 340 pessoas.

Tratava-se de pessoas que tinham um histórico de problemas e dificuldades

com a empresa.

Em seguida foi implantado o primeiro de uma série de planos de

desligamento.O quadro de pessoal da empresa estava envelhecido e a nova

administração sentiu necessidade de oxigenar a empresa através da

contratação de novas pessoas.

5. Implantação

A implantação efetiva da mudança cultural na CCC teve início com

os planos de desligamentos. Uma das críticas relatadas pelos funcionários

referiu-se ao pouco tempo que a nova direção teve para elaborar o primeiro

plano de desligamento. Segundo alguns depoimentos, passados apenas dois

ou três meses da privatização, a nova direção da empresa não teria tido tempo

suficiente para conhecer os funcionários. A prova desse erro foi o fato que

foram recontratadas algumas pessoas que haviam saído no plano. Outra crítica

ao plano foi a falta de preocupação em preparar substitutos para cargos críticos

ocupados por funcionários que saíram durante o plano.

Além dos POis, uma outra ação da nova administração que auxiliou

no processo de mudança cultural foi a implantação de softwares modernos,

como o SAP, e de tecnologia de micro informática como o Notes.

6. Criar cultura apropriada

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Ainda não estava totalmente clara a cultura que deveria ser implantada

na CCC. Como a nova administração era formada por várias empresas, de

diferentes nacionalidades e de diferentes ideologias (havia entre elas uma

estatal), algumas vezes parecia não haver um objetivo comum claro. Algumas

ações tomadas eram típicas de uma empresa multinacional de última geração,

enquanto outras eram mais condizente com o modelo mental estabelecido para

uma estatal.

7. Mudar táticas de socialização

Foram feitos treinamentos gerenciais e técnicos como tática de

socialização. O correio eletrônico também funcionou como uma ferramenta de

socialização, facilitando a divulgação de mensagens e transmissão de

informação para um grupo grande de pessoas.

8. Liderança Inovativa

O perfil da nova liderança não estava bem delineado ainda. Os grupos

formadores da nova administração ainda estavam se organizando. Isso foi

percebido pelos funcionários e gerou neles certa frustração.

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7 Análise conjunta dos três casos

Este estudo teve por objetivo investigar se, impulsionadas por um evento

externo e através de ações gerenciais específicas, as organizações seriam

passíveis de passar por processos de mudança cultural. Em caso afirmativo,

este estudo procurou entender de que modo isso ocorreria.

De um modo geral, a literatura específica pressupõe que a cultura de

uma organização é profunda, extensa e complexa. Ela cobre todos os aspectos

da realidade e da vida humana. Ela influencia o modo de pensar e de sentir,

bem como o de agir, e dá significado e previsibilidade ao dia-a-dia.

Embora nas teorias revisadas, haja correntes que defendam que a

cultura de uma organização não pode ser alterada, nesse estudo seguiu-se a

linha funcionalista que acredita que, embora a cultura não possa ser pensada

superficialmente, ela pode ser mudada. Acredita-se, entretanto, que isso não é

feito com facilidade e nem tampouco rapidamente.

Cabe ressaltar, que a linha adotada nesse estudo está em acordo com a

experiência profissional do pesquisador e sua vivêncía em empresas que

conseguiram rever seus valores e processos, mudando radicalmente seu modo

de ser e agir, sem, contudo, deixar de existirem.

Por fim, ao se analisar os dados utilizou-se, em alguns casos o seguinte

critério:

~ Baixo - significa que a característica/valor não era valorizada pela

maior parte dos funcionários. Significa também que foram

mínimas ou nenhuma as mudanças percebidas antes e depois da

privatização;

~ Moderado - significa que parte da organização valoriza a

característica/valor analisado, mas não a maioria da organização.

Significa também que algumas mudanças foram percebidas, mas

ainda de modo tímido;

~ Alta - significa que a organização, em praticamente sua

totalidade compactua com os novos valores/características.

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Significa também, que as mudanças ocorridas antes e depois da

privatização foram radicais.

7.1 As empresas antes da privatização

Embora com algumas variações, havia mais semelhanças do que

diferenças entre as empresas AAA, BBB e CCC antes da privatização. As

características mais relevantes das estatais eram:

a) Estrutura organizacional formal e hierárquica

As três empresas tinham uma estrutura organizacional formal e

composta de vários níveis hierárquicos. O acesso à alta direção das empresas

era difícil: os diretores e superintendentes tinham salas próprias e uma agenda

monitorada por secretárias e assessores. Os funcionários sentiam que havia

um distanciamento entre a chefia e o trabalho operacional feito no campo.

b) Excesso de burocracia

Processos decisórios longos e lentos, que precisavam passar por várias

etapas e aprovações.

c) Sujeição ao poder público

Nas três empresas, cargos estratégicos eram preenchidos por indicação

de políticos. Na BBB, embora os políticos influenciassem, havia uma forte

capacitação técnica no quadro de pessoal e grande parte dos funcionários

orgulhava-se disso.

d) Quadro de pessoal inchado

Tanto a AAA, como a BBB e a CCC mantinham em seu quadro de

pessoal, mais pessoas do que era considerado necessário. Havia ociosidade,

baixa produtividade e pouca cobrança.

e) Baixo investimento em pessoas e em tecnologia

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o investimento em treinamento e desenvolvimento era baixo na AAA e

na CCC. No entanto, a BBB investia muito na capacitação de seus

funcionários.

De um modo geral, tanto na AAA como na CCC, eram escassos os

recursos para investimento em tecnologia e automação de processos,

causando, em alguns casos, defasagem tecnológica.

f) Estabilidade

A estabilidade era uma questão fundamental nas três empresas e

direcionava a maioria das ações e do comportamento das pessoas. Eles não

se sentiam pressionados, nem ameaçados em suas posições caso não se

mostrassem eficientes. Era raro e dificil demitir um funcionário. O processo de

demissão era cheio de etapas e representava uma pesada burocracia.

g) Remuneração igualitária e baseada em gratificações por nivel e

tempo de serviço

A remuneração não estava atrelada ao desempenho. Não havia sistema

de meritocracia e nem administração por metas. A remuneração era baseada

no tempo de serviço e no nivel em que o funcionário estava.

Como conseqüência disso, muitos funcionários sentiam-se

desmotivados. A maior parte dos empregados fazia o trabalho que lhe era

atribuído sem nenhum diferencial. Alguns, mais comprometidos, buscavam

agregar outros valores, mas nem sempre isso era visto com bons olhos pelos

demais membros das equipes.

h) Impunidade

Os regulamentos existiam, as pessoas os conheciam, mas eles não

eram seguidos. Havia pouca cobrança, e raras punições nos casos de não

cumprimento do que estivesse estabelecido.

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7.2 Dimensões das mudanças culturais percebidas nas empresas

privatizadas

Após a privatização houve alteração significativa das características das

empresas analisadas, conforme quadro 7.1.

O fim da estabilidade e a mudança de foco de pessoas para resultados

foi comum às três empresas.

A demissão maciça de funcionários e os planos de demissão

incentivados sinalizaram claramente que estabilidade não mais seria um valor

considerado nas empresas. Novas contratações foram feitas e programas de

frainees postos em prática. Mais um sinal de um novo valor importante na

empresa: novas idéias e oxigenação. As demissões e admissões em conjunto,

também sinalizaram outro valor da nova empresa: mudanças, sejam elas quais

fossem, seriam uma constante daquele momento em diante.

AAA BBB CCC

Antes Depois Antes Depois Antes Depois

Inovação e Baixa Alta Moderada Moderada Moderada Moderada

tomada de risco

Atenção a Baixa Alta Moderada Alta Baixa Moderada

detalhes

Orientação para Baixa Alta Moderada Alta Baixa Alta

resultados

Orientação para Alta Baixa Alta Baixa Alta Baixa

pessoas

Orientação para Baixa Alta Alta Moderada Baixa Alta

equipes

Ag ressividade Baixa Alta Baixa Moderada Baixa Moderada

Estabilidade Alta Baixa Alta Baixa Alta Baixa

Quadro 7.1 Comparativo das características da cultura das organizações antes e

depois da privatização

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162

Com relação à mudança de foco, se antes a AAA, a BBB e a CCC,

preocupavam-se mais com se papel social e com seus empregados, após a

privatização, o objetivo das empresas passou a ser gerar lucro.

Das três empresas, a AAA foi a que passou por um processo de maior

transformação, Todas as características relacionadas foram alteradas de um

extremo a outro, ou seja, de baixa para alta e de alta para baixa.

Particularmente o aumento da agressividade e da capacidade de inovação e

tomada de risco foram importantes mudanças na AAA.

Na BBB as mudanças foram menos radicais, porque a estatal já tinha

características de uma empresa privada. Em vários itens a BBB estatal foi

classificada como "moderada". Assim, o gap entre a estatal e a empresa

privada mostrou-se menor.

Já na CCC, o impacto da mudança também foi menor, porque a nova

administração não tinha características tão agressivas e tão típicas de uma

empresa privada como os demais grupos que assumiram a AAA e a BBB. Ao

contrário da BBB, a CCC manteve classificações "moderada" e "baixa" depois

da privatização.

Analisando o processo de mudança cultural sob a ótica do modelo de

dimensões da cultura de Trice e Byer (1984), conforme o quadro 7.2, pode-se

concluir que:

1° Em termos de penetração? a mudança cultural foi considerada alta na

AAA, na BBB e na CCC uma vez que toda a organização e praticamente todos

os funcionários foram impactados. As três empresas passaram por

reestruturações organizacionais e redesenho de processos. Na BBB houve a

criação de uma holding e a incorporação de várias empresas.

2° Com relação à magnitude8, ou seja, o quanto as ideologias antes e

depois da mudança eram distantes, na BBB ela foi considerada moderada. A

BBB estava em um nivel mais avançado em sua visão de negócios, investindo

7 Grau de penetração de um processo de mudança cultural representa a proporção das atividades da organização que serão afetadas pelas mudanças. 8 Magnitude mede o distanciamento entre valores e comportamentos dos membros da cultura corrente e aqueles que se espera ser adotado na nova cultura.

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em tecnologia, em processos e em capacitação de pessoal, de modo a ser

mais eficiente. Assim, na BBB a que a privatização não significou uma

mudança tão radical quanto nas demais empresas;

3° A inovaçã09 foi considerada baixa nas três organizações. A nova

cultura a ser implantada nas empresas privatizadas não era sem precedentes,

uma vez que o processo de privatização já ocorreu em outras empresas. Além

disso, características de uma empresa privatizada já foram estudadas por

teóricos da administração e a maioria da sociedade tem um modelo mental do

que esperar de uma empresa privada.

4° Em termos de duraçã01O, a mudança cultural na AAA foi considerada

bastante rápida, devido ao perfil agressivo da nova administração. Na CCC, ao

contrário, como as empresas ganhadoras têm perfis diferentes, o

direcionamento a ser dado para a nova empresa não está claro, o que faz com

que as ações que levam ao processo de mudança aconteçam mais lentamente.

Cabe ressaltar, que não se pressupõe, nesse estudo, que o processo de

mudança cultural já estava encerrado em quaisquer das três empresas. O

julgamento sobre a duração das mudanças nas três empresas levou em conta

a velocidade do início de sua implantação.

AAA BBB CCC

Penetração Alta Alta Alta

Magnitude Alta Moderada Alta

Inovação Baixa Baixa Baixa

Duração Baixa Moderada Alta

Quadro 7.2 Dimensões da Mudança Cultural - AAA, BBB, CCC

9 Inovação refere-se ao grau em que valores e comportamentos preconizados pela nova cultura, são sem precedentes ou não tenham similaridade com o que j' s existe em outras organizações. 10 Duração refere-se ao tempo que se imagina que o processo de mudança cultural irá levar e o quão permanente a mudança será.

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164

7.3 Aderência das características das empresas ao modelo de Machado

De acordo com Machado (1991) tanto as empresas estatais como as

empresas privadas apresentariam algumas características particulares. Essas

características seriam aquelas facilmente reconhecidas na maioria das

empresas de mesma natureza e que as distinguiriam das demais.

Analisando comparativamente as características observadas nas

empresas AAA, BBB e CCC, antes de serem privatizadas, pode-se identificar

nas três empresas, todas as características descritas por Machado e Amorim e

Freitas (1994).

Empresa Estatal AAA, BBB, CCC Satisfação das necessidades da Sim. sociedade Não objetivam o lucro Sim. Forte interferência do Estado Sim. Cúpula dirigente transitória e Sim. coincidente com o Poder Executivo

Dificuldade em se ter planejamento de Sim. longo prazo

Estabilidade empregatícia Sim. Acomodação e desestímulo dos Sim. funcionários Rotinas e procedímentos por vezes Sim. Em graus diferentes, sendo a ultrapassados BBB mais atualizada. Burocracia Sim Continuidade desejada Sim

Quadro 7.3 Aderência às características de uma Estatal

De modo idêntico, após a privatização, a aderência das características

das empresas privatizadas ao modelo de Machado é bastante alta.

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165

Empresa Privada AAA, BBB, CCC Satisfação do público alvo Sim. Objetivam o lucro Sim. Administração por profissionais, Sim. Cúpula dirigente não é interrompida a Sim. cada mandato do executivo principal Maior compromisso com planejamento Sim.

Não há estabilidade empregatícia Sim. Funcionários precisam mostrar Sim. habilidades e potenciais Ascenção dos funcionários decorrente Sim. de esforço Competição e Desenvolvimento pessoal Sim são fundamentais Processos de mudança Sim

Quadro 7.4 Aderência às características de uma Empresa Privada

7.4 Ações gerenciais

Após analisar o processo de mudança cultural conduzido na AAA, BBB e

CCC, pode-se perceber que a execução de ações alinhadas aos objetivos

estratégicos que se pretende na nova administração da empresa, possibilitam

uma efetiva mudança na organização.

As ações listadas no quadro 7.6 direcionaram e reforçaram os novos

conceitos desejados pelas empresas após a privatização.

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Ações gerenciais AAA BBB CCC Relisão do quadro de funcionários e seleção dos Feito com o objeti\oO de buscar N/A N/A que permaneceriam líderes aliados - manter

conhecimento e mudar cultura Preparação dos funcionários para demissão Os gerentes que permaneceriam na Antes de privatizar, os chefes da N/A

empresa foram posicionados sobre estatal conduziram um processo as razões do desligamento e de conscientização da mudança treianados para conduzir processo de de cultura demissão Por parte da nova administração

não houloe uma preparação dos funcionários para o processo de demissão Também não houloe comunicação formal sobre fim das demissões

Desligamento de funcionários Logo no primeiro dia da nova Foi feita atral.és de plano de Inicialmente foram feitas cerca de 340 administração, foram demitidas 2.500 desligamento \oOluntário. Todos demissões sumárias com o intuito de pessoas de todas as áreas da os que aderissem ao plano estimular adesões ao PDI e sinalizar fim da companhia com o objeti\oO de eliminar teriam direito ao desligamento. estabilidade; Depois seguiram-se vários funções em duplicidade, reduzir Sem exceção planos de desligamento de modo a diminuir custos, reduzir quadro de idade média dos funcionários da empresa -pessoal,abrir espaço para novas no\oO valor p contratações e a determinação da

Reciclagem de profissionais Os profissionais conlidados a Profissionais da empresa que Alguns treinamentos foram efetuados permanecer na empresa foram tinham perfil e habilidade foram treinados e começaram a participar treinados para assumirem novas de reuniões e palestras posições

Contratação de no\oOs profissionais Programa agressi\oO de trainees, com Programa de trainees tímido e Pessoas novas [de idade] foram o objeti\oO de oxigenar a empresa. profissionais contratados do contratadas no mercado lisando reciclar e

mercado para novas áresa reduzir a média de idade dos funcionários. Como os 'irainees eram preparados Programa timido de lrainees para substituir os antigos funcionários, algumas pessoas sentiram seus empregos ameaçados pessoas.

Quadro 7.5 Ações gerenciais geradoras de mudanças

>-'

~

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Ações gerenciais AAA BBB CCC Terceirização de ati-.idades Várias ati-.idades foram terceirizadas Ati-.idades foram terceirizadas, Ati-.idades foram terceirizadas

mas a mão-de-obra dos terceiros nem sempre era qualificada

Reestruturação organizacional e mudança nos Já nos primeiros meses da nova Alguns processos foram Processos foram redefinidos processos administração, uma série de centralizados, como a

reestruturações organizacionais informática eo planejamento foram realizadas. Ni\oeis hierárquicos estratégico foram suprimidos e vários processos e procedimentos foram re-.isados e redefinidos

In\oestimento em novas tecnologias e em Um sistema de correio eletrônico foi Automação de processos -.ia In\oestimento na compra de modemos equipamentos implantado e processos foram SAP sistemas de informática e de tecnologias

---- .. -automatizados A matriz da nova holding da que permitiram a automação dos

qual a BBB passou a fazer parte processos ficou em outro estado A estatal já in\oestia.

Cobrança de resultados A cobrança foi uma conseqüência de Cobrança como conseqüência Cobrança como conseqüência do foco em várias ações como metas e planos da redução de pessoas e do qualidade, rapidez e eficiência de remuneração variá\oel. Exigia-se foco na produti-.idade maior produti-.idade, menos ociosidade e mais eficiência

Sistema de meritocracia e administração por Um sistema de meritocracia foi Precisam ser melhor definidas. Não avaliado metas implantado. Metas foram A administração ainda está se

estabelecidas para todos os ni\oeis da organizando empresa. O desempenho de todos os setores era exposto para toda a empresa

Ação da liderança Liderança ativa, participante, Embora as pessoas percebam Liderança ambigua por conta da di\oersidade agressiva, dando exemplos do que têm dono, a liderança ainda e quantidade de grupos que fazem parte da comportamento desejado não está claramente nova administração

identificada.

>-'

Quadro 7.5 Ações gerenciais geradoras de mudanças(cont.) ~

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168

a) Revisão do quadro de funcionários e seleção dos remanescentes

Uma das primeiras ações da nova administração da AAA foi rever o

quadro de funcionários da empresa no nível gerencial e definir aqueles que

seriam convidados a permanecer na organização. Depois de escolhidos, os

gerentes remanescentes teriam que reavaliar suas equipes e identificar dentre

seus funcionários aqueles que também seriam convidados a permanecer na

empresa.

O objetivo dessa ação foi identificar líderes na estatal e iniciar com eles

um processo de "conversão" para a nova cultura. Com isso, a AAA estaria

retendo na empresa um conhecimento importante, técnico e organizacional, e

ao mesmo tempo estaria criando replicadores da nova cultura para diferentes

níveis.

Com isso a AAA sinalizou uma postura pró-ativa e controladora: seria a

nova administração quem escolheria os seus funcionários dentre os melhores e

os que tivessem maior potencial de alinhamento com a nova administração.

Não seriam os funcionários que decidiriam se ficariam ou não.

Outro valor sinalizado pela AAA nessa ação foi o fim do paternalismo. A

partir daquele momento delegava-se e atribuía-se responsabilidade aos

gerentes. Eles seriam cobrados por agir e por responder por seus atos perante

a alta direção da empresa.

b) Preparação dos funcionários para condução do processo de

desligamento

Na AAA os gerentes remanescentes foram preparados para conduzir os

processos de desligamento que viriam, uma vez que eles não tinham essa

vivência na estatal. Na BBB, as chefias da estatal preocuparam-se em preparar

os funcionários para o eminente processo de privatização.

A preparação dos funcionários além de sinalizar que maior

responsabilidade seria exigida dos gerentes, sinalizou também a necessidade

de um maior comprometimento por parte dos funcionários. Eles teriam que

compactuar com os valores da empresa e servirem como representantes e

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169

divulgadores destes para os demais funcionários, seja demitindo pessoas, seja

defendendo os valores da empresa junto os funcionários remanescentes.

c) Desligamento de funcionários

A demissão de funcionários e os planos de desligamento incentivado

foram importantes sinalizadores de que a estabilidade não era mais um valor

aceito na nova empresa.

Na CCC a demissão sumária de funcionários com problemas de

desempenho, também sinalizou que a má performance não seria tolerada. A

CCC também indicou que queria um time de funcionários mais jovem e

buscava diminuir a idade média de seus funcionários.

Antes de qualquer plano de desligamento incentivado, as empresas AAA

e a CCC fizeram uma demissão sumária. Com essa atitude, ambas as

empresas mostraram a prevalência de sua autoridade e importância dada aos

mais competentes. Na BBB, ao contrário, o primeiro desligamento ocorreu de

acordo com a vontade dos funcionários, ou seja, desligaram-se da empresa

aqueles que desejaram, independente da sua contribuição para a empresa.

O processo de desligamento de funcionários também funcionou, em

maior ou menor grau, como um fator de coerção para os funcionários

remanescentes da estatal, indicando que caso eles não aderissem aos novos

valores, não permaneceriam na empresa.

a) Reciclagem de profissionais e contratação de novos profissionais

Reciclando profissionais, a AAA, a BBB e a CCC estavam "convertendo"

antigos funcionários ao credo da nova organização. Esses funcionários

serviriam como importante replicadores de valores.

Além disso, as três empresas iniciaram processos de recrutamento,

buscando no mercado pessoas com experiência em outras organizações e

criando um programa interno de frainees.

O programa de frainees foi muito agressivo na AAA, ou seja, muitas

pessoas sem muita experiência profissional foram contratadas e começaram a

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170

ser preparadas para assumir cargos de chefia. Na BBB e na CCC o programa

de trainees foi implementado mas de modo mais conservador.

As contratações na AAA, BBB e CCC provocaram nos funcionários

remanescentes o medo da demissão e a necessidade de aumentar seu "valor

de mercado". Assim houve uma crescente busca por programas de auto­

desenvolvimento.

Todas essas ações traduziam dois valores importantes da nova cultura:

d.1) a importância do conhecimento e da atualização. Se antes, a estatal

era uma "ilha", onde havia pouco intercâmbio com outras organizações e com o

mercado, a partir de então, exigia-se que os funcionários estivessem muito

bem informados e conectados com o que estivesse acontecendo no mundo;

d.2) a importância da experiência trazida por funcionários de outras

organizações, o conhecimento de outros processos e de outras formas de

atuar.

b) Terceirização de atividades

A terceirização das atividades indicou que as empresas estavam

focalizando na sua atividade fim e que atividades não diretamente ligadas a ela

não mais seriam executadas na empresa.

A AAA, BBB e CCC reforçavam, assim, o fim da estabilidade, a

possibilidade de futuras e novas mudanças, e principalmente a necessidade de

se agregar valor. Atividades, pessoas ou departamentos que não agregassem

valor, que não contribuíssem para melhorar o desempenho ou os resultados da

empresa, seriam eliminados da organização.

c) Reestruturação organizacional e mudança nos processos

A redução do número de níveis hierárquicos dentro da organização

diminuiu o distanciamento entre os funcionários e a alta administração das

empresas. Isso indicava uma necessidade de agilidade do processo decisório

e do fim da burocracia. Indicava também que a comunicação deveria fluir

melhor na organização.

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171

A eliminação de níveis em conjunto com as demissões sinalizavam,

ainda, que a multifuncionalidade tornava-se uma característica importante para

a organização. Esperava-se que com um número menor de funcionários e com

mais dedicação e objetividade, os funcionários tivessem capacidade de realizar

diversas atividades.

d) Investimento em novas tecnologias e em equipamentos

As empresas investiram em automatizar processos e em novas

tecnologias. Isso as tornava mais eficientes e mais produtivas, em alinhamento

comoos objetivos primordiais das organizações estudadas que eram: lucro, na

AAA; concorrência, na BBB e atendimento ao cliente, na CCC.

O uso de correio eletrônico significava a necessidade de melhorar a

comunicação, agilizando-a e expandindo as informações para diferentes níveis.

Significava também a busca por uma agilização dos processos e eliminação de

cargos e atividades que não agregavam valor, como secretárias e assessores,

usados para transmitir mensagens.

e) Sistema de meritocracia, estabelecimento de metas e cobrança de

resultados

A implantação de um sistema de meritocracia, da administração por

metas e de uma maior cobrança por resultados foi fundamental para criar e

divulgar uma mensagem única em toda empresa, alinhada com a estratégia e

com os objetivos de negócio de cada organização.

A orientação por metas direciona de modo claro e tangível o que é

esperado de cada funcionário, visando retirar uma parte da subjetividade dos

processos de avaliação e de delegação das tarefas.

O sistema de meritocracia reforça o conceito de que o que vale é a

produtividade, a eficiência e a responsabilidade de cumprir as metas

previamente acordadas. Influências políticas e tempo de casa não são mais

valores relevantes na empresa. Aqueles que produzirem mais serão melhor

recompensados.

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172

A cobrança por resultados reforça o conceito da responsabilidade

atribuída aos funcionários. Estabelece também o fim da impunidade, uma vez

que quem não estiver cumprindo com o estabelecido ou comportar-se de modo

não condizente com o estabelecido pela empresa sofrerá algum tipo de

"castigo", seja através do desligamento da empresa ou através do não

recebimento de recompensas.

f) Ação e comportamento da liderança

O perfil da nova liderança acelerou e aprofundou a mudança de cultura

na AAA. Seus novos administradores vinham de uma empresa com forte

cultura. A penetração dessa cultura na AAA estatal foi mais rápida do que

naquelas cuja composição acionária ainda estava se formando, como nas

empresas BBB e CCC.

Além disso, na AAA o presidente tornou-se um mito, que freqüentava as

áreas operacionais, conversava com os funcionários e se interessava portodos

os aspectos da organização: administrativos, financeiros e técnicos.

Na três empresas, através da imagem e do comportamento dos alto

executivos, criou-se um espelho, um modelo de comportamento a ser seguido

por todos. Trabalhando fora do expediente, a alta administração sinalizava a

necessidade de um ritmo de trabalho mais forte, com menos desperdício de

tempo e com mais horas de dedicação à empresa, mesmo que fora do

expediente normal de trabalho.

Os valores antes e depois das ações gerenciais realizadas durante o

processo de privatização da AAA, BBB e CCC estão relacionados no quadro

7.6.

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Valores antes da privatização Ações Gerenciais Valores depois da privatização Patemalismo- decisões escaladas para Re>isão do quadro de funcionários e seleção dos Maior responsabilidade exigida de cada níveis superiores remanescentes funcionário

Maior cobrança Re>isão do quadro de funcionários e seleção dos Comprometimento com os valores da

Falta de ~prometime!1t~ __ ,_,. ___ ,Irernanesc:ente~ , ____ , ___ .__ _ ________ Ie~p~e~~ ___ ,_ _ _ ______ _ Preparação dos funcionários para condução do processo de desligamento Re>isão do quadro de funcionários e seleção dos

~~.h~_c!~e~.~o não era !U,n~~~~~a~ ___ J~emane~_entes____ _ ___ __ _ __, _____ o .. _" .I",aloriz~ção:J9.co~~~r:!1ento __ ., ___ .'

Estabilidade

Status quo

Preparação dos funcionários para condução do processo de desligamento Reciclagem de profissionais Desligamento de funcionários

-, Contratação"de profissionais Fim da estabilidade

"Mudanças s~mpreClue necessárias Desligamento de funcionários Contratação de profissionais

------~._----~~~- -_·_-----~~-~-I- ~-- ~-~.~ - ~.- -----~ -. - ,---- ,._- -.-.-~._~~ ______ I ___ ~ __ ~ ________ - - - ---

Isolamento Especialização Garantir emprego Burocracia

Preocupação social Maior dedicação a ati>idades pessoais Influência politica e tempo de empresa

Reestrutura,çã~ orílanizacional Mudanças nos processos Contratação de profissionais;

Desligamento de funcionários Terceirização de ati>idades Reestruturação e mudança de processos Meritocracia, Metas e Cobrança; Investimento em tecnologia Ação e comportamento da liderança Meritocracia, Metas e Cobrança

Oxigenação e intercâmbio de experiências Multifuncionalidade Agregar valor Agilidade

Eficiência e produti>idade Maior dedicação à empresa Desempenho

Quadro 7,6 Valores mudados através de ações gerenciais

.... ;:;l

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174

8 Conclusões

Embora, nas teorias revisadas, haja correntes que defendam que a cultura

organizacional não possa ser alterada, esse estudo seguiu a corrente funcionalista

que pressupõe que a cultura é uma variável e que uma organização pode mudar

sua cultura. Essa mudança não seria um processo simples e tampouco rápido de

ser implementado, mas poderia ser feita.

A opção da pesquisadora pela corrente funcionalista está alinhada com a

sua experiência profissional em empresas que já vivenciaram tais processos.

Assim, analisando as proposições iniciais desse trabalho, à luz da corrente

funcionalista, concluiu-se que:

1. Um evento extemo, no caso a privatização, pode provocar mudança cultural em

uma organização

O simples conhecimento de que um evento externo estava por vir funcionou

como uma centelha iniciadora do processo de mudança cultural. Nos três casos

analisados, o evento externo foi o processo de privatização de empresas estatais,

anunciado pelo governo.

Por tudo o que já foi publicado na literatura da administração e pela própria

convivência prática, o estereótipo das caracteristicas de uma empresa estatal e de

uma empresa privada fazem parte do imaginário coletivo das pessoas. Como já

visto, analisando as características típicas de empresas estatais e empresas

privadas como proposto por Machado (1991) e relacionadas novamente no quadro

8.1, percebeu-se que algumas das características trazidas pelas novas

administrações das empresas privadas foram antecipadas pelos funcionários da

estatal.

Desse modo, quando se anunciou que o processo estava por vir, é possível

que muitos dos funcionários das empresas que seriam privatizadas tenham dado

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início a um processo inconsciente de intemalização de novos conceitos e novos

valores.

Empresa Estatal Empresa Privada Satisfação das necessidades da Satisfação do público alvo sociedade Não objetivam o lucro Obietivam o lucro Forte interferência do Estado Administração por profissionais, Cúpula dirigente transitória e Cúpula dirigente não é interrompida a coincidente com o Poder Executivo cada mandato do executivo principal Dificuldade em se ter planejamento de Maior compromisso com planejamento longo prazo Estabilidade empreg_atícia Não há estabilidade empregatícia Acomodação e desestímulo dos Funcionários precisam mostrar funcionários habilidades e potenciais Rotinas e procedimentos por vezes Ascenção dos funcionários decorrente ultrapassados de esforço Burocracia Competição e Desenvolvimento pessoal

são fundamentais Continuidade desejada Processos de mudança

Quadro 8.1 características de empresas estatais e privadas

Fonte: Adaptado de Machado (1991) e Amorim e Freitas (1994)

De fato, percebeu-se que antes de qualquer ação efetiva, de qualquer

alteração no contrato de trabalho, boa parte dos empregados posicionou-se como

se já soubesse o que seria esperado deles, de que modo deveriam agir e quais

seriam as atitudes valorizadas. Em muitos depoimentos, os funcionários diziam

saber antecipadamente que o desligamento de funcionários seria a primeira ação

a ser tomada pelas empresas. O fim da estabilidade na empresa privada, também

era um aspecto claro para os funcionários. Além disso, a necessidade de um

maior comprometimento e de maior cobrança pareciam também ser

características antecipadas pelos funcionários remanescentes.

Outro fato curioso observado foi o posicionamento distanciado de parte dos

entrevistados, como se eles próprios não tivessem sido empregados da estatal e

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também responsáveis por tudo o que criticaram da antiga forma de administração.

Era como se apenas "os outros" agissem como funcionários públicos. Uma

explicação possível para isso encontra-se na literatura sobre dissonância

cognitiva. A teoria da dissonância cognitiva proposta por Festinger (1957)

pressupõe que:

1. A existência de dissonância, sendo psicologicamente desconfortável,

motivaria a pessoa a reduzir a dissonância e alcançar consonância;

2. Quando a dissonância estivesse presente, além de tentar reduzi-Ia, a

pessoa iria evitar ativamente situações e informações que poderiam aumentar a

dissonância. (Chisnall, 1975).

Na reação e nos comentários dos funcionários remanescentes na estatal

deve-se considerar o efeito psicológico ocasionado pela privatização. O medo das

mudanças que estavam por vir, da falta de qualificação profissional e, talvez, a

percepção de uma maior valorização dos funcionários recém contratados pode ter

causado um desconforto psicológico e ter feito com que os remanescentes

buscassem uma identificação com os novos padrões e, até mesmo, uma

exaltaçâo da nova situação. Desse modo, buscariam compactuar com os novos

valores, mesmo que ainda não estivessem realmente expostos a eles.

2. Ações gerenciais podem provocar mudança cultural em uma organização

As ações gerenciais parecem ter sido importantes ferramentas no processo

de mudança cultural das empresas AAA, BBB e CCC, redefinindo o

comportamento dos funcionários e reforçando os novos valores preconizados pela

nova administração.

Através de ações que envolviam desde uma maior capacitação de

profissionais e implantação de sistemas de informática a simples postura da nova

liderança buscou-se redirecionar os valores culturais das empresas. No quadro 8.2

estão relacionadas algumas das mudanças ocorridas nas três empresas

analisadas, com pequenas variações de intensidade entre elas. No quadro 8.3

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estão algumas das ações identificadas nesse estudo que facilitaram a ocorrência

dessas mudanças.

Estatal i Privada

Patemalismo . .__ ..._ ... I Resf>On!;abilidad~ .. Falta de comprometimento ,Comprometimento . - ._. __o _ ... ___ __ _._ ... + .. - ._ ._. __ _ .. _. . ~on.h. ecimento defaS~.d~. ____ -hc:o_~~~cimento atualizado __ Estabilidade -------fim da Estabilidade Status qüo- ---- -- ,Mudanças contínuas ------.--- -... - -- ·i .. -- ___ o - • --- --..-

Isolamento :Osigenação - -- -- -- ~ .. - -

~_s'pe~iaHz~ç!i~ ______ -i~ulti~nc~o.n~li~~~e _____ _ (3arantir ~mpreg?____fAgrElgar valor Burocracia ,Agilidade - ---........ -f .. .. - -. ---- --. . Preocupação Social 'Eficiência e produtividade Dedica-ç"ão·a--atividades pessei"ãis-r Dedícaçãoif é-ri-ipresa-~­Ii,fluência poiítica ... .... - . ;Oesempenho .. .... ......-

Quadro 8.2 Valores antes e depois da privatização

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Valores antes da privatização Ações Gerenciais Valores depois da privatização Paternalismo- decisões escaladas para 1. Revisão do quadro de funcionários e seleção dos Maior responsabilidade exigida de cada niveis superiores remanescentes funcionário

2. Preparação dosfuncionários para conduzir demissões 3. Maior cobrança

1. Revisão do quadro de funcionários e seleção dos Falta de comprometimento remanescentes Comprometimento com os valores da empresa

2. Preparação dos funcionários para condução do processo de desligamento 3. Cobrança de resultados

I 4. Ação da liderança

Conhecimento não era fundamental 1. Reciclagem de profissionais Valorização do conhecimento I

2. Contratação de novos profissionais 3. Reciclagem de profissionais 4. Investimento em novas tecnologias 4. Terceirização de atividades 5. Sistema de meritocracia

Estabilidade 1. Desligamento de funcionários Fim da estabilidade 2. Contratação de profissionais

Status quo 1. Desligamento de funcionários Mudanças sempre que necessárias 2. Contratação de profissionais 3. Reestruturação organizacional 4. Mudanças nos processos

Isolamento 1. Contratação de profissionais Oxigenação e intercãmbio de experiências 2. Reciclagem de profissionais 3. Sistema de meritocracia

Especialização 1.Desligamento de funcionários Multifuncionalidade 2. Reciclagem de profissionais 3. Investimento em novas tecnologias

l:iarannr emprego 1.Terceirização de atividades Agregar valOr tiU rocracla 1. Reestruturação e mudança de processos Agilidade

Preocupação social 1.Sistema de meritocracia Eficiência e produtividade 2. Administração por metas 3. Maior cobrança 4. Investimento em novas tecnologias

lVialor(jedlcaçao a atiVidades pessoais 10çao e comportamemoaa lIaerança Maior aedlcaçao a empresa

Influência politica e tempo de empresa 1. Sistema de meritocracia Desempenho 2. Administração por metas

>-'

dl 3. Maior Cobrança 4. Ação da liderança

- - -- - --- - - - - -

Quadro 8.3 Ações gerenciais e os valores antes e depois

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179

9 Recomendações para Pesquisas Futuras

Este estudo investigou o processo de mudança cultural em três empresas

de grande porte, relevantes nos cenários regional e nacional, que passaram por

processos de privatização.

Dentro dessa linha de estudo, algumas sugestões para novas pesquisas

seriam:

1. Investigar se em empresas que não passaram por um evento externo, como a

privatização, as ações gerenciais teriam o mesmo efeito no processo de mudança

cultural;

2. Revisitar as empresas estudadas e avaliar o grau de permanência e aderência

às mudanças culturais;

3. Analisar se o setor da economia no qual atuam as empresas analisadas,

impactam, de algum modo, o processo de mudança cultural;

4. Analisar, isoladamente, o efeito das diferentes lideranças no processo de

mudança cultural das empresas analisadas;

5. Uma vez que as estatais tinham uma preocupação social, avaliar o impacto na

sociedade, do processo de mudança cultural nas empresas privatizadas;

6. Estudar a importância dos aspectos simbólicos das organizações para seus

funcionários;

7. Analisar o processo de privatização sob a ótica dos funcionários que foram

desligados da empresa.

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