Mudança estrutural da esfera pública_Habermas

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I.

BibliotecaTempo Universitário 76

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Mu. ar:l..ça .estrutural .ESFE PUBLICA

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IV Esfera pública burguesa: idéia e ideolooia .r12 - public opíníon - opinion publique - offentliche

Meinung: para a pré-hístórta do topos .13 - Publicidade como princípio de mediação entre po-

lítica e moral (Kant) .14 - Para a díalétíca da esfera pública (Hegel e Marx)15 - A ambivalente concepção de esfera pública na teo-

ria do liberalismo (Jnhn stuart Mill e Alexís deTocquev1lle) " .

V Mudança na estrutura social da esfera pública .

16 - Interpenetração progressiva da esfera pública como setor privado .

17 - Polarização da esfera social e da esfera íntima .18 - Do público pensador de cultura ao público consu-

midor de cultura .19 - O fundamento apagado: as grandes linhas da de-

cadência da esfera pública burguesa .

VI Mudança de junção polítíca da esfera pública .

20 - Do jornalismo literário de pessoas privadas aosserviços públicos dos mídias - A propaganda comofunção da esfera pública .

21 - A subversão do princípio da "publicidade" .22 - "Publicidade" pré-fabricada e opinião não-pública:

o comportamento eleitoral da população .23 - A esfera pública política no processo de transfor-

mação sócio-estatal do Estado liberal de Direito ..

VII Para o conceito de opinião pública

24 - A opinião pública enquanto ficção do Direito Pú-blico - A dissolução sócio-psicológica do conceito

25 - Uma tentativa sociológica de esclarecimento .....

- Notas· ·.·.·.· ..- Bibliografia .- índice Remissivo .- Índice Onomástico .

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PREFACIO

Tarefa da presente investigação é a cmáiise do tipo "es-fera pública burguesa".

O modo de operar essa investigação é imposto pelas difi-culdades específicas de seu obieto. Em primeiro lugar, a s iuicomplexidade impede que ela se limite aos procedimentosespecíficos de uma única disciplina. A cateçoria "esfer-a pú-blica" precisa ser, pelo contrário, explorada naquele vasto.campo outrora tradicionalmente imputado à "política" /1/:dentro dos limites de cada uma das disciplinas socioloçicastomadas isoladamente, o nosso objeto se dilui. É evidente aproblemática resultante da integração de aspectos sociológi-cos e econômicos, jurídicos e politotoçicos, da história sociale da história das idéias: no atual estágio de diferenciação eespecialização das Ciências Sociais, dificilmente alguém il:Íde poder "dominar" várias dessas disciplinas, muito menostodas elas.

Outra peculiaridade do método resulta da necessidade deter de proceder, ao mesmo tempo, sociológica c historicameu-te. Concebemos a "esfera pública burouesa" como 1l7na cate-goria típica de época; ela não pode ser retirada do inconiuii-dível histórico do desenvolvimento dessa "sociedade burg1.LCSO"nascida no O1.dono da Idade Média européia para, em seçuiáo,ao gmeralizá-la num i[[eal-tipo~-transferi-Ia aconstclaçõesformalmente iguais de situações históricas quaisquer. Assimcomo procuramos mostrar que, num sentido preciso, só sepode falar de algo corno "opinião pública" na Inglaterra doséculo XVIII, também consideramos de modo geraLa "esLçi',~pública" como uma categoria histórica. Nisto se diterencia----- .._- ..__ .....-._-_._ ..-----

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a limine 1*) nosso procedimento da preiensã ;a sociologiatormalista, cuja vanguarda hoje se encontra na assim cha-"-,nadateoria estruturalista e juncionalista. Por outro lado, apesquiE! socjplººiça âe.ienâêncui lÜst.or~ci~~alirrl:!.~f!':-s.?__~nív~l_ª_~ gen.eralidades, .eTfLC[lle'R!~!.~sos e acont~.~:"!!.~ntosúnicos podeT1?·s.ercitados -.de-modo ..exemjiliTicatfvo"s.~inTe~pretados COTJlQ.J;-$~w/p1-º§__q~JT.ql!:sc_~!L~a~_?~-vÜ.fúal. Este meu procedimento sociológico diferencia-se de

'-ui!úi7iist01iografiarigorosa por uma aparente liberdade maiorde critério em relação ao material histórico; por sua vez,presta, no entanto, sua homenagem aos critérios proporcio-nalmente rigorosos de uma análise estrutural da totalidadedas relações sociais.

Col;cadas essas premissas metodológicas, gostaríamosde manifestar ainda uma precaução quanto. ao próprio.assunto. A investigação limita-se à estrutura e junção domodelo liberal da esfera pública burguesa, à sua origem eevolução; refere-se, portanto, aos traços de uma formaçãohistórica que alcançou dominância, descurando da variante,também reprimida no processo histórico, de uma esfera pú-blica plebéia. Naquele estágio da Revolução Francesa ligadoao nome de Robespierre, entra em função uma esfera públicaque só dura, por assim dizer, um piscar de olhos e que despea S1W roupagem literária: não mais as "camadas cul~sãoseu sujeito, mas a "pleb~líif§!!~fjfji'!.?.J_.I}~s.çz __e~.terap!d:.bl{c-ã-plebefa,:"",que cõ'iitfnua vivendo tão. subterraneam~n-te -Tio·rn.ovl17te'nto cartista quanto, sobretudo, nas tradiçoesanarquistas do movimento operário do continente europeu -c~ orieniaruio ...nelas intenções da esfera .pú~ca.b~sa.e., -o:ssTrncomo.esta, foi, na histÓria dâ~'tdlias, her-deira dõ··século XVIII. Por isso, ela deve 'ser ngorosamentedisiitiçuuia da forma plebiscitário-aclamativa da esfera pú-blica altamente regulamentada nas socieâtuies-inâustrializu-das. Ambas têm, formalmente, Certos traços em comum; mas,cada uma a seu modo, diferencia-se da esfera pública lite-rariamente definida de um público pensante cotistituiâo de

]') Desde o início (NT).

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pessoas prt: .âas: uns, por serem iletrados; outros, por serem,como que pós-letrados. A coincidência de certas formas dem~ç§.Q ..I!J:..e_b!.~çitárianão engana quanto ao fato, d~ambos, em. nosso contexto,serein apenas uarumies, aq1LLigualmente não consideradas, da esfera pública burgues~ eque, em seus diversos estágios de desenvolvimento socuil,também desempenharam funções políticas diferentes.

Nossa investigação esiiliza os elementos liberais da esfe-ra pública burguesa e suas transformações sócio-estatais,

À Deuische Forsctuuiçsçemeinschajt, agradeço o gene-roso apoio. Exceiuados os §§ 13 e 14, o trabalho foi apresen-tado à Faculdade de Filosofia de Marburg como tese deliure-tiocência.

Frankfurt, outono de 1961.

J. Habermas

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I - INTRODUÇAO

DEUMITAÇAO PROPED~UTICA DE UM TIPODE ESFERA PúBLICA BURGUESA

§ 1 - A Qu.estão Inicial

o uso corrente de "público" e "esfera pública" denunciauma multiplicidade de significados concorrentes. Eles se ori-ginam de diferentes fases históricas e, em sua aplicaçãosincrônica sobre relações da sociedade burguesa industrialtardia e organizada sócio-estatalmente, entram num turvoconúbio. As mesmas relações que, no entanto, se contrapõemao uso tradicional do termo, um emprego um tanto confusodessas palavras, parecem até mesmo estar a exigir a suamanipulação ideológica. Pois não só a linguagem correntefinca pé nisso (ao menos aquela já impregnada pelo jargãodas burocracias e dos midias) ; também as ciências, sobre-tudo Direito, Ciência Política e SoclOlogta, estão, evidente-menfe-ImpãSSil5ilit-aa-Gi"S---de-sTi15stiluir_çà{egorias tradTCíõii-áiscomo.:~público" e::'pnva;dQ!',~"êSferaji0pli~~'~,_"ºpInIãõ-plíbli-ca", por definicões mais precisas. Ironicamente, tãi-efÜemavingou-sê-·prIm~ir;--~a·-·di~cipÜnaq;e, expressamente, faz daopinião pública o seu objeto: com o avanço das técnicas em-pírlcas, diluiu-se, como uma grandeza impossível de ser cap-tada, aquilo que a pu.blic opinion research 1·) propriamentedeveria captar; também a Sociologia não é conseqüente e-não desiste pura e simplesmente dessas categorias, pois ainda

l' 1 Pesquisa de opinião pública (NTl_

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(se continua a tratar de opinião pública tanto quanto an-teriormente,

_Chamam~s _de ,"públ~CQ~~--certQs eventos-quando eles,em contra~E __as-socI_~_da,gg~---J~çQ_adas,são acessíveis a

_:\.' <l!:!ª-ill.1d.er-1J!p__-:- assim cC?!p.0 !a~,ª-~-º~_iie_lÔG~~~Jn'!blicill'-oud.e__c.a~as públicas .. Mas já falar de "prédios público;-;;- -;;'ã.osignifica apenas que todos têm acesso a eles; eles nem se-q.uer precisam estar liberados à freqüentação pública; elessimplesmente abrigam instituições do Estado e como taissão pú~licos. ? Estado _~_~~:pode~-J~~blico". Ele 'deve o atri~buto de ser puBIlcõ-à sua tarefa de promover o bem público,o bem ~on::~m a todos os cidadãos. - A palavra já tem umoutro ~IgmÍl~~do quando se fala de uma "~RçAq_pública";em tal~ o~~lOes, des~r:;~_~l;-~~~~--~l!!--~--.f.~!:ç~_9._~__~_ep:e~~n~ação,em cUJa. n~tu,:eza _pública logo entra alguma coisa dereconh_~~~x-r:.~~t.cLP}Íl?-!~~Q;-A 'signirícação -também s-ê -deslocaqua~do di,zeI?os que- alguém alcançou renome público; ocarater público do renome ou até da fa,ma se origina de

-outras épocas que não as da "boa sociedade".Apesar de tudo isso, ainda nem sequer tocamos no

e~pre~o ~ais freqüente dessa categoria, no sentido de opí-mao pUbl:ca, de uma esfera pública revoltada ou bem indig-nad~ ?U mforma.da, significados estes correlatos .a__p\:!pl~Q.o,p.$?!!.cIda.º~,_pgpl)ç.a.r. O s,-:!eito dessa esfera pública é o pú-blico enquanto nortador da' op-ifiiãü---'-l-'l-----;--'-- -----J---, . , . x_- llUl--J lca, a__sua __unça.ocl]~~~~~_q~~_.s.~__!!fe!~ c:_~~p~l?~i_~de" (Publízítât) como, porexemplo, o caráter público dos debates judiciais. No âmbitodos mídias, a "p~blicidade" certamente mudou de significa-do. D: uma funçao da opinião pública tornou-se também umatri bu to-ae-quérrl--ae-spefta--ã--o pli1fãü-p-liblTca-'--pu---Z:X;~-rela-ti 1*) ,tons, nome com -que recentemente foram batízadas os"relaci~namentos. ~om o público" e que têm por objetivoproduzir tal publicits). - !:: própria "esfera pública" seapre-senlª- c~mo uma e.sfera: o~:!i_~!~9doque--é setar públicoc9.!ltr.9:poe-s~~9' Muitas vez-ês--efe--apáreêe-- simples-mente como a esfera da opinião pública que se contrapõe

1*) Relações Públicas (NT).

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(diretamente ao poder público. Conforme o caso, incluem-seentre os "órgãos da esfera pública" os órgãos estatais ouentão os midias que, como a imprensa, servem para que opúblico se comunique.

Uma análise histórico-sociológica do síndrome significa-cional de "público" e "esfera pública" poderia canalizar asdiversas camadas verbais históricas até seu conceito socioló-gico. Já a:primeira referência etimológica' relativa à esferapública é instrutiva. Em alemão, só no século XVIII é que,por analogia a publicité e publicity, o substantivo é formadoa partir do antigoadjetivo "üffentlich" (público) /2/; aindaao final do século a palavra é tão inusitada que pôde sercontestada por Heynatz /3/. Se Vettentlichkeit (esfera pú-blica) somente neste período exige o seu nome, devemosadmitir que esta esfera, ao menos na Alemanha, apenasentão é que se constituiu, assumindo a sua função; ela per-tence especificamente à "sociedade burguesa" que, na mesmaépoc.a, estabelece-se como setor da troca de mercadorias e deum trabalho social conforme leis próprias. Não obstante,muito antes já se falava de "público" e daquilo que não épúblico, daquilo que é "privado".

Tratam-se de categorias de origem grega que __~_o~_!?r.:llIJ:ltransmitidas em ~rsãô-rõmaria.--Na-Cíaade-=--e-stado gregadesenvol vida, -a:-hesfera- Cia-- ~-its-que' é .comum. ao~_~~_~~o~_ ,,/líVres- (koiné) é rigor_o.!?_~~~ntesepy.!~!~_ª_~ I2~~P'sJ ,quê---é parti_é_tg_ª.r--~.9-_~ªQ~_-i.ns;l~.Yiº---~º__.úgigL A vida pública,bios-poÚHic-os! não é, no_entantQ,_r~trit~Lª--],lJ.!1:_.lº-ç~L--QC;ª--ráter público. constitui.::..~_::a..E.o.?~~~~_llção(le~iE), que tambémpode--assillnfraTôrma de -éonselho e de tribunal, bem; comoa de pr~xis._cogl.1JI}ij;Mlª-..l1?Tib'r:!S),seja na guerra, seja nosjogos guerreiros. (Para legislar, com freqüência são chama-dos estrangeiros; legislar não pertence aí propriamente àstarefas públicas.). A ordenação política baseia-se, c.omo sesabe, na economia escravagista em forma patrimonial. Oscidadãos estão efetivamente dispensados do trabalho produ-tivo; a participação na vida pública depende, porém de suaautonomia privada como senhores da casa. A esfera privada

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(está ligada à casa não só pelo nome (grego) p); possuir bensmóveis e dispor de força de trabalho tampouco constituemsubstitutivos para o poder sobre a economia doméstica e afamília, assim como, às avessas, pobreza e não possuir escra-vos já seriam por si impecilhos no sentido de poder participarna pólis: exílio, desapropriação e destruição da casa são umasó coisa. A posição na pólis baseia-se, portanto, na posiçãode déspota doméstico: sob o abrigo de sua dominação, faz-sea reprodução da vida, o trabalho dos escravos, o serviço dasmulheres, transcorrem o nascimento e a morte; o reino danecessidade e da transitoriedade permanece mergulhado nassombras da esfera privada. Contrap~t~~~l~-L?~~t~a::se aesfera pública - e isso era mais que eVidente para os gregos-==--cõrllo"'uin:-i;'einoda liberdade e da continuidade. Só à luzda esfera.p{;bÚc~Iti;'~'-~q~ii~ -q~eT~~n~~gLl~.a pªgc'er:,~ tudose 'tO'ma vishê'Ca t'c)2íõs:-Na--êõnversaç'ãodo~ cidadãos entresi é que aseolSilii"se'verbãfizarri'e' s~--cC;~figürãm';-nã-disputados-paies'entre-sr;os-'merhõres'se"d~ta~am-e' conquistam asua essência: a imortãllaaaed-afailfã,-Xc;siDYcõmõ-nosTíniftesdo o'ilcos'i:t'nec'êssICfãd-e-de"subsÍstência e a manutenção doexigido à vida são escondidos com pudor, a pólis cterececampo livre para a distinção honorífica: airllliLql1Lo.Lciçla-dãQ~,J!~!~sitem como i~ais_~nt!:~Jg1?:ais (homq.!!!.!)_L_C!:~daumprO..h.llIfu.....lliLtmtanto.,,_destacar,se (arTstowln) As vú-flides,cujo catálogo Arístóteles codifica, mantém apenas na esferapública: lá é que elas encontram o seu reconhecimento,

Esse modelo da esfera pública helêníca, tal como ele nosfoi estüizadamente transmitido pela interpretação que osgregos deram de si mesmos, partilha, desde a Renascença,com todo o assim chamado "clássico", de autêntica forçanormativa - até os nossos dias /4/. Não é a formação socialque lhe é subjacente, mas o próprio modelo ideológico é quese manteve ao longo dos séculos a sua continuidade, umacontinuidade exatamente nos termos da história das idéias.Inicialmente, ao longo de toda a Idade Média foram transmi-tidas as categorias de público e de privado nas definições

1') oikos significa "casa" em grego (NT).

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(do Direito rlomano: a esfera pública como res publica. Éverdade que elas só passam a ter novamente uma efetivaaplicação processual jurídica com o surgimento do Estadomoderno e com aquela esfera da sociedade civil separadadele: servem para a evidência política, bem. como para a'institucionalização jurídica, em sentido específico, de umaesfera pública burguesa. Entrementes, seus fundamentossociais estão, no entanto, há cerca de um século novamentese diluindo; t~n.dên_cLªê.._.à..-º~~ad~Jlçl?-.....Qaesfera pública nãoserteíxam.maís. deseonheeer.; ...enquanto --a'~líii~§Jfr~--sé-~m-pli,ª..j~,ªgª,Y(:2:,mais, ..grandiosamente,.,ª .~ua !unçãop~ssa ater cada vez menos força. Mesmo assim, a esfera públicacontinua sendo, sempre ainda, um princíplooYgaflE~a.:~i6nhlde'-l1ossoorderiamentO· poÜticõ'.'-'Eii 'é~--evidente'inente, algomais e outra coisa do que um 'fragmento de ideologia liberalde que a social-democracia pudesse desfazer-se sem prejuízos,Caso seja possível entender historicamente, em sua estrutura,a complexão do que hoje, de um modo um tanto confuso,subsumimos sob o título de "esfera pública", podemos entãoesperar, além de uma explicação sociológica do conceito,conseguir entender sistematicamente a nossa própria socie-dade a partir de uma de suas categorias centrais.

§ 2 - Para o Tipo "Representatividade Pública"

Durante a Idade Média européia, a contraposição entrepublicus e privatus /5/, embora corrente, não tinha vínculode obrigatoriedade. Exatamente a precária tentativa de umaaplicação nas relações jurídicas da dominação feudal Iun-diária e de vassalagem fornece, sem querer, indícios de quenão existiu uma antítese entre esfera pública e esfera priva-da segundo o modelo clássico antigo (ou moderno). Certa-mente, também aqui a organização econômica do trabalhosocial faz da casa do senhor o centro de todas as relaçõesde dominação; a posição do senhor da casa no processo deprodução não pode, no entanto, ser comparada com o poder"privado" de dispor que gozavam o oiko-despotes ou o pater

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[amilias. Dominação fundiária (e a vassalagem que deladeriva), quintessência de todos os direitos individuais de do-minação, pode ser ainda entendida como jurisdictio; não sesubmete à antítese de dominio privado (dominium) e auto-nomia pública (imperium). Há "autoridades" superiores einferiores, "privilégios" maiores e menores, mas não hánenhum estatuto que ipossa ser fixado no âmbito jurídicoprivado a partir do qual,' por assim dizer, pessoas privadaspudessem aparecer numa esfera pública. O domínio fundiá-rio plenamente consolidado na alta Idade Média. Na Ale-manha 'só no século XVIII é que, no embalo da libertaçãodos campÇneses e franquia da terra, torna-se propriedadeprivada do solo. Poder doméstico não é domínio privado, seja .no sentido do direito civil clássico, seja no sentido do mo-'demo direito civil. Se as categorias deste são transpostaspara relações sociais, que não fornecem uma base para umadistinção entre setor público e setor privado, surgem difi-culdades: "Se entendemos o país como a esfera do público,então na casa e no poder nela exercido pelo dono da casatemos mesmo é de tratar de um poder público de segunda

.ordem, que, certamente, em vista daquilo que lhe é superior,a ordenação do pais, é uma ordem privada, mas num sentidomuito diferente do que ocorre num ordenamento jurídicoprivado moderno. Assim, parece-me compreensível que a au-toridade "privada" e "pública" fundem-se numa ínseparávelunidade, já que ambas são a emanação de um único poder,sendo também compreensível que estejam ligadas aos bensfundiários e que possam ser tratadas como direitos privadosbem adquiridos /6/."

Existe, no entanto, em "çemeinlich" e "sunderlich","common" e "particular" uma certa correspondência emrelação aos clássicos "publicus" e "privatus" e que se originada antiga tradição jurídica germãníca. Tal contraposição

. refere-se a elementos comunitários à medida que eles se afir-"', rnaram nas relações feudais de produção. O domínio comunal

Y Allmende) é coisa pública, publica; o poço, a praça do mer-cado, são para uso comum, publicamente acessíveis, toei

. í 'communee, loci pubtici. Antitética a este seto~'~sl~~Qmu-~ ._.-.----

( .~! .semeine ), que a história da língua correlacíonacom o bem-c.omul1?:.Quo rem'publIco (com~2-on -~'e~iih'-:'p;;b~icwealth), exis~_"~Sfêfã'·&):piirficular'.' (das "Besondere").Ela é o pa.!.H~l!Iil:r:i~~~o,.os~,Pa.:~~~9,n9-_~~~tiqQcj().P'!::~~.!!'yQ,que ainda hoje mantemos na equivalência entre interessesparticulares (Sonderinteressen) e interesses privados (Priuat-interessen.). No âmbito da constituição feudal, o particular(das Besondere) estava munido de interesses particulares,como imunidades e privilégios; nesta perspectiva, o particular(Sundere) é a liberação do próprio cerne do domínio fundiá-rio e, com isso, simultaneamente, da "esfera pública". Aarticulação das categorias do direito germãníco e do direitoromano se inverte assim que aquelas são absorvidas pelofeudalismo: o common mati é o private mano Esta relaçãoé lembrada pelo uso terminológico de common solâier nosentido de priuate soldier - o homem comum, sem gradua-ção, sem a particularidade (das Besondere) do poder decomando, que, então, poderia ser interpretado como "públi-co". Nos documentos medievais, "senhorial" é empregadocomo sinônimo de publicus; publicare significa: requisitarpara o senhor /7/. Na ambivalência semântica de "comum"(gemein, common ) como comunitário, isto é, acessível (pu-blicamente) a todos e comuníssimo, isto é, como excluídodo direito particular (Sonderrecht), ou seja, do direito dosenhor, excluído sobretudo da própria hierarquia social maiselevada (pública), espelha-se até hoje a integração de ele-mentos da organização comunitária numa estrutura socialbaseada no domínio fundiário /8/.

Na sociedade feudal da alta Idade Média, a esfera pú-blica como um setor próprio, separada de uma esfera privada,não pode ser comprovada sociologicamente, ou seja, usandode critérios institucionais. Não obstante, os atributos dasoberania, como o selo de príncipe, não por acaso são cha-mados de "públicos"; não por acaso o rei inglês goza de"publicness" /9/ - ou seja, aí existe uma representaçãopública de soberania. Esta representatividade pública nãose constitui num setor social, numa esfera daquilo que épúblico; ela é, pelo contrário, caso se possa ampliar o sen-

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tido do termo, algo como uma marca de siatus. O statusde s~nhor fundiário, ~ualquer que seja a sua hierarquia, éem SI neutro em relaçao aos critérios de "público" e "priva-do"; mas seu detentor representa-o publicamente: seja lácomo for, ele se mostra, apresenta-se como a corporificaçãode um_poder ~uperior" /10/. Esse conceito recente de repre-sentaçao contmuou se mantendo até amais recente doutrinaconstituci0r:.al. De acordo com ela, a representação "não podeocorrer senao na esfera pública ( ... ) não há nenhuma re-presentação que seja coisa privada" /11/. E, efetivamenteela pretende, através da pessoa publicamente presente torna;visível u:ry ser invisível: "( ... ) algo morto, algo de' menorvalor ou sem valor, algo baixo não pode ser representado.Falta-lhe ser de nível mais elevado, um ser capaz de umdestaque na existência pública, ser capaz de existir. Palavrascomo grandeza, soberania, majestade, glória, dignidade ehonra procuram designar esta especificidade de um ser capazde representação". Representação no sentido de alguém serrepresentante da nação ou de determinados mandantes nãotem nada a ver com essa representatividade pública que seliga à existência concreta do senhor e que confere uma"aura" à sua autoridade. Se o soberano reúne a seu redoros senhores laicos e religiosos, os cavalheiros, prelados e ascidades (ou, como ainda ocorre em 1816 no Reino Alemãoquando o Imperador convida para a assembléia nacional ospríncipes e bispos, os condes, as cidades do reino e as aba-dias), então não se trata de uma assembléia de delegadosque representem alguém. Enquanto O príncipe e seus terra-tenentes "são" o país, ao invés de simplesmente colocar-see~. lugar dele, eles só podem representar num sentido espe-eífico: eles representam a sua dominação, ao invés de o fazerpelo povo, fazem-no perante o povo.

. A evolução da representatividade pública está ligada aatnbutos da pessoa: a insígnia (emblemas armas) hábito(vestimenta, penteado), gesto (forma de s~udar, co~porta-mentos) e retórica (forma de falar, o discurso estilizado emgeral) /12/, em suma: um rígido código de comportamento"nobre". Este se cristaliza, durante. o outono da Idade Média,

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(nurn sistema cortesão de virtudes, uma forma cristianizadadas virtudes cardeais arrstotélicas, que abranda o heróicopara o cavaleiresco, senhorial. Significativamente, em nenhu-ma dessas virtudes o corpóreo perde completamente a suasignificação, pois a virtude precisa corporificar-se, precisapoder ser representada publicamente /13/. Especialmente notorneio, esta imitação do combate de cavaleiros, tal represen-tação faz-se valer. Como se sabe, também a esfera públicada pólis grega conhece uma encenação lúdíca da arete (vir-tude) , mas a esfera pública da representação cortesã-feudalque então se desenvolve mais plenamente nos dias festivos,mais nos "grandes dias" do que nos dias de audiência, nãoé nenhuma esfera de comunicação política. Como aura daautoridade feudal, ela assinala um status social. Por isso,também lhe falta o "local" específico: o código de com porta-mento cavalheiresco é, como norma, comum a todos os se-nhores, do rei até o semí-camponês que só tem um quartode nobreza; por ele orientam-se não só em ocasiões bem defi-nidas, em locais bem definidos, talvez "em" uma esfera pú-blica, mas a qualquer momento e em qualquer lugar, ondeeles representam o papel de seus direitos senhoriais.

Entre os senhores feudais, só os religiosos é que têm,além das ocasiões civis, um local para a sua representação:a igreja. No ritual religioso, na liturgia, na missa, na pro-cissão, sobrevive ainda hoje a representatividade pública.Para retomar uma frase famosa, o Parlamento inglês, o Es-tado-Maior prussiano, a Academia Francesa e o Vaticano emRoma eram os últimos redutos' da representação; por fim,só restou a Igreja, "tão vizinha que, quem nela vê apenasforma exterior, teria de dizer, com epigramática ironia, queela só representa ainda a representação" /14/. Aliás, a rela-ção dos leigos para com os religiosos mostra como a "cir-cunstância" pertence à representatividade pública e, mesmaassim, está excluída dela - ela é, nesse sentido, privada:de acordo com isso, o mencionado private soldier está excluí-do da dignidade da representação", das honras militares,embora "faça parte". A esta exclusão corresponde um segredono circulo interior da esfera pública: ela se 'baseia num ele-

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mento arcaico; a missa e a Bíblia são lidas em latim não na, ,lmgua do povo.

A representação que estrutura a esfera pública da cava-leira cortesã alcança a sua última formulação pura nas cortesfrancesas e da Bourgogne no século XV /15:/. O famosocerimonial espanhol é o petrefato dessa florescência tardia.Nesta forma, ele ainda se mantém durante séculos nas cortesdos Habsburgos. Primeiro em Florença, depois também emParis e Londres, configura-se de um modo novo a represen-tatividade pública a partir da cultura aristocrática urbanada Itália Setentrional do pré-capitalismo. Exatamente naassimilação da cultura que já se inicia com o Humanismoela mantém, no entanto, a sua força: o mundo culturalhumanista é inicialmente integrado à vida da corte /16/.Seguindo os antigos preceptores de príncipes, o Humanismo,que só no transcurso do século XVI desenvolve a arte dacrítica filológica, já por volta de 1400 serve para reestilizara própria vida da corte. Com o "cortegiano", um homem dacorte com formação humanística, é suplantado o cavaleirocristão. A seu tipo correspondem, um pouco mais tarde, oantigo çenilemiiti inglês e, na França, o honnête turmme.A sua sociabilidade divertida e bem-falante caracteriza anova "sociedade", elevada a ponto central na corte /17/. Onobre rural e autônomo, baseado em seu domínio fundiárioperde força de representação, a representatividade públicaconcentra-se na corte do príncipe. Por fim, todos os seusmomentos convergem mais uma vez na festa barroca de modoeclatante e faustoso.

A festa barroca, em relação às festas mundanas da IdadeMédia e até da Renascença, já é menos sequiosa de "publi-cidade" em sentido literal. Torneio, dança e teatro retiram-se dos locais públicos para as dependências do parque, bemcomo das ruas para os salões do castelo. O parque do castelo,que só aparece na metade do século XVII e que, então, bem-entendido, ::apidamentese expande pela Europa, sobretudocom a arquítetura do Grande Século francês possibilitando, ,~sim co~o o próprio castelo barroco (que, por assim dizer,e construido em torno do grande salão de festas), uma vida

(de corte Jd. protegida em relação ao mundo exterior. Mas ofundamento da representatividade pública não s6 se mantémcomo até se apresenta com ainda maior nitidez. Mademoisellede Scudéry relata, em suas "Conuersaiums", sobre os pesadosencargos das grandes festas: elas não serviam tanto para oprazer dos participantes, mas para exibir a grandeza, agrandeur de seus organizadores - o povo, que nada tinhaa fazer exceto ficar olhando, divertia-se à beça /18/. Por-tanto, também aí o povo não e.stá completamente excluído;continua presente ainda nas ruas; a representatividade estásempre dependente de uma circunvizinhança em que ela sedesenrole /19/. Só os banquetes burgueses de homenagem,a portas cerradas, é que se tornam exclusivos. (IA mentali-dade burguesa se diferencia da mentalidade da corte, poisna mansão burguesa mesmo o salão de festas ainda é habi-tável, enquanto que no castelo até mesmo o espaço de mo-radia ainda é festivo. E, efetivamente, a partir de Versalhes,o quarto de dormir do rei transforma-se num segundo centrode interesse.s nas instalações palacianas. Agora passa a seencontrar aí a cama exposta como um palco, separada poruma barreira do espaço dos espectadores: este quarto é, defato, o palco diário das cerimônias de leuer e do coucher,que promovem o mais íntimo à exposição pública /20/." Naetiquete de Luis XIV, a representatividade pública alcançao ápice de seu refinamento concentrado na corte.

A "sociedade" aristocrática, que deriva daquela socie-dade renascentista, não tem mais, ou então, não tem maisem primeira linha, por função representar a própria sobe-rania, ou seja, representar o próprio domínio territorial:servia para a representação do monarca. Essa camada cortesãaristocrática não poderá transformar o substrato desta socia-bilidade que, apesar de toda a etiqueta, ainda assim eraaltamente individualizada, para fazer aflorar a esfera da "boasociedade", tão singularmente suspensa ao longo do séculoXVIII, mas nitidamente destacada depois dos Estados nacio-nais e territoriais, à base da economia do capitalismo comer-cial, terem aparecido após destruírem os fundamentos dopoder feudal /21/. A última configuração da representativi-

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separação entre o orçamento público e os bens privados dosenhor fundiário. Com a burocracia e o exército (em partetambém com a Justiça), objetivam-se as instituições do poderpúblico perante a esfera cada vez mais privativa da corte. -Finalmente, dos estamentos desenvolve-se os elementos dedominação corporativa a órgãos do poder público, o Parla-mento (e, por outro lado, um Poder Judiciário); _os elemen-tos das corporações profissionais, à medida que sao vlg~n~esnas corporações urbanas ~ servem para operar certas ~lst~-ções nos estamentos rurais, evoluem para a esfera da SOCIe-dade burguesa", que há de se contrapor ao Estado comogenuíno setor da autonomia privada.

(dade pública, ao mesmo tempo reunida e tornada mais nítidana corte dos monarcas, já é uma espécie de reservado, emmeio a uma sociedade que ia se separando do Estado. Sóentão é que, num sentido especificamente moderno, separam-se esfera pública e esfera privada.

Em alemão, só após a metade do século XVI /22/ é quetambém se encontra, então, a palavra "privat" (privado)emprestada do latim privatus, e isso no sentido que, naquelaépoca, também assumiram em inglês "priuate" e em francês"priué", significando tanto quanto: not holding publ: c oiiicear ojiicuü positioti /24/, sans ettiploi qui l'engage dans lesaffaires publiques /25/. Priuat significa estar excluído, pri-vado do aparelho do Estado, pois "público" refere-se entre-mentes ao Estado formado com o Absolutismo e que se obje-tiva perante a pessoa do soberano. Das Pubiikurn , the public,le public é, em antítese ao "sistema privado", o "poder pú-blico". Os servidores do Estado são offentliche Personeti,public persons, personnes publiques; ocupam uma funçãopública, suas atividades são públicas (public oiiice, servicepublic) e são chamados de "públicos" os prédios e estabeleci-mentos da autoridade. Do outro lado, há pessoas privadas,cargos privados, negócios privados e casas privadas; Gotthelffala, por fim, do homem privado. A autoridade estão contra-postos os súdítos, dela excluídos; aquela serve, diz-se, ao bem-comum, enquanto estes perseguem os seus interesses privados.

São bastante conhecidas as grandes tendências que seimpõem até o final do século XVIII. Os poderes feudais,Igreja, realeza e nobreza - dos quais depende diretamentea representatividade pública - decompõem-se ao longo deprocesso de polarização; por fim, cindem-se em, de um lado,elementos privados e, do outro, em elementos públicos. Aposição da Igreja modifica-se com a Reforma; a ligação queela representa com a autoridade divina, re-ligião, torna-se

.coisa privada. A assim chamada liberdade de crença assegurahistoricamente a primeira esfera da autonomia privada; aprópria Igreja continua a existir como uma corporação deDireito Público entre outras. _. A correspondente polarizaçãodo poder principesco é primeiro marcadavisivelmente pela

Certas formas de representatividade pública exercem,efetivamente, uma forte influência até o limiar do séculoXIX' isso é válido sobretudo para a Alemanha, atrasadaeoonõmíca e politicamente, na qual Goethe escrevia, então,a segunda versão de seu Wilhelm Meister. Aí se encontra acarta /26/ em que, então, Wilhelm rompe com o mundo' daatividade burguesa corporificado por seu cunhado :ve~ner.Nesse trecho, ele explica por que o teatro, para ele, sl~ruf1ca"o mundo", ou seja, o mundo .da no~reza, da boa .soc:e~ade_ esfera pública em sua conflguraçao representativa. .Umburguês pode conquistar seus méritos e até mesmo c,ultl:aro seu espírito, mas a sua personalidade se perde, seja la oque fôr que ele faça. À medida que, para o nobre q~e fr_e-qüenta os homens mais distinguidos,. t0.:na-.s~ .obr_lgaçaoconferir.a si mesmo esta suprema dístinçâo, dístinçâo quese toma para ele - a quem todas as portas estão abert,as_ uma distinção pessoal livre, já que, na corte ou no_exer-cito, ele tem de pagar com a sua própria pessoa, entao ele

Excurso: O Fim da Representatividade Pública, Ilustradono Exemplo de Wilhelm Meister

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(tem razão em se autovalorizar e mostrar que ele respeita asi mesmo. "O nobre é autoridade à medida que a representa;ele a exibe, corporifica-a em sua culta personalidade: comisso, ele é uma personalidade pública e quanto mais culti-vados os seus movimentos, quanto mais bem-soante a suavoz, quanto mais contido e controlado todo o seu ser, tantomais perfeito ele é ( ... ) e tudo o que' ele tiver além disso,capacidade, talento, riqueza, tudo parecerá ser apenas umacréscimo." Goethe capta mais uma vez o fulgor da repre-sentativ~dade pública; a sua luz já está alquebrada no rococóda corte francesa e outra vez quebrada na imitação alemãdos soberanos franceses. E tanto mais rebuscadas se mos-tram as coloraturas individuais: estilizado em aparição daprópria graça, o surgimento do "senhor" que, por força darepresentação, é "público" e que nessa publicidade se arranjafestivamente uma aura. Goethe supõe na "personalidade pú-blica" novamente o sentido tradicional de representaçãopública, enquanto que a linguagem corrente de sua época játinha assumido o sentido mais recente de servidor do poderpúblico, de servidor do Estado. Efetivamente, "pessoa" deslo-ca seu sentido imperceptivelmente para' "personalidadeculta"; para ser exato, o nobre, no contexto dessa carta,serve um tanto de pretexto à idéia completamente burguesa.já impregnada pelo neo-humanismodos clássicos alemães,da personalidade que se desenvolve, livremente. Em nossocontexto, é importante a observação goethianade que aburguesia não mais podia representar, de que ela não maispodia dotar-se de representatividade pública. O nobre é oque ele reproduz; o burguês, o que ele produz. "Se, atravésda representação de sua pessoa, o nobre revela tudo, o bur-guês não revela nem deve' revelar nada através de sua per-sonalidade. Aquele pode e deve aparecer; este só deve ser,sendo ridículo e de mau-gosto o que ele queira aparentar.Representativamente aparentar, que é o que o nouveau richeprocura arranjar para si mesmo, transforma-se na comicl-dade da mera aparência. Por isso, Goethe sugere que não

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(se pergunte a ele: "o que és?, mas apenas o que tens?, qualé o teu patrimônio?" Uma assertiva de que a pretensãoa:ris0~E.~~!~~__~,e Nietzsche ainda iria apropriar-se:' de que"o homem não se preserva no que ele pode, mas ccimo~3.ql,lefeque ele~.

Wilhelm confessa ao cunhado a necessidade "de ser umapessoa pública e agradar e atuar num círculo amplo." Jáque ele não é, no entanto, nenhum aristocrata e, enquantoburguês, também não quer esforçar-se inutilmente em apa-rentar ser um, ele procura, por assim dizer,como substitu-tivo da esfera pública: o palco. Este é o segredo de suaapresentação teatral: "No palco, o homem culto aparece tãobem pessoalmente em seu brilho quanto nas classes altas.O equívoco secreto da "personalidade culta" ("a necessidadede formar o meu espírito e o Il]-eugosto"), a intencionalidadeprojetada na figura tida por nobre possibilita, enfim, con-fundir representação teatral com representação pública;mas, por outro lado, a percepção da decadência da represen-tatividade pública na sociedade burguesa é tão perspicaz e,mesmo assim, a inclinação a pertencer a ela tão forte, quenão pode dar-se por satisfeito com esse equívoco. O públicojá é, no entanto, portador de uma outra "publicidade" quejá não tem mais nada em comum com a representativa.Neste sentido, a exibição teatral de Wilhelm Meister tem defracassar. Ela também falsifica a esfera pública burguesa,da qual, nesse ínterim, o teatro se tornou o palanque: oFígaro de Beaumarchaís já chegou ao palco e, numa famosaassertiva de Napoleão, com ele a Revolução.

§ 3 - Para a Gênese da Esfera Pública Burguesa

Com o primitivo capitalismo financeiro e mercantil que,a partir do século XIII, também se expande dos Estados do

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(Norte italiano para a Europa ocidental e setentrional, Iazen-do com que surjam, de início, depósitos nos Países Baixos(Brügge, Lüttich, Bruxelas, Gent, etc.) e, depois, as grandesfeiras, constituem-se elementos de uma nova ordem social;eles são, no entanto, inicialmente ainda integrados sem maio-res problemas na antiga ordem feudal. Tal assimilação inicialdo humanismo burguês por uma cultura de corte e que po-demos observar de modo exemplar durante a formação dasociedade renascentista florentina, também precisa ser vistanesse pano de fundo. O pré-capitalismo é conservador, nãos6 na mentalidade comercial, descrita com tanta vivacidadepor Sombart, numa prática de negócios /27/ impregnadapela concepção do lucro "honrado", mas também politica-mente. Enquanto ele vive dos frutos do modo de produçãoanterior (da produção agrícola feudal ligada a um carnpesí- ...nato não-livre e da produção em pequena escala de mercado-rias feita pela manufatura urbana) sem reestruturá-la /28/,os seus traços continuam ambívalentes: este capitalismo es-tabiliza, por um lado, as relações de dominação estamentale, por outro lado, libera aqueles elementos em que elas aca-barão por se dissolver. Aqui pensamos nos elementos do novosistema de trocas: a troca de mercadorias e de uüormacõesengendrada pelo grande comércio pré-capitalista.

As cidades dispõem naturalmente, desde o seu início,de mercados locais. Estes permanecem, no entanto, severa-mente regulamentados nas mãos das guildas e das corpora-ções, um instrumento antes de dominação sobre a vizinhançamais próxima do que de livre-intercâmbio entre cidade ecampo /29/. Com o comércio à distância, para ° qual -segundo a observação de Pirenne - a cidade era uma baseoperações melhor, surgem mercados de outra espécie. Elesse consolidam em feiras periódicas e, com o desenvolvimentode técnicas do capitalismo financeiro (ordens de pagamentoe letras de câmbio já são usuais nas feiras da Champagneno século XIII), logo se estabelecem como bolsas: em 1531,a Antuérpia se toma "feira permanente" /30/. Este inter-

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(câmbio desenvolve-se de acordo com regras que certamentetambém são manipuladas pelo poder político; desenvolve-se,no entanto, uma ampla rede horizontal de dependênciaseconômicas que, em princípio, não se deixam mais ordenarnas relações verticais de deperidência do sistema feudal ba-seadas em formas de economia doméstica fechada. É bemverdade -que a ordem política continua inatingida pelosnovos processos que, como tais, fogem ao âmbito vigente,enquanto que a antiga camada de senhores só participa aícomo consumidora; se ela canaliza uma crescente parcelados próprios produtos para os bens luxuosos que se tornaramacessíveis através do comércio de longo curso, nem por issoa velha produção e, com ela, a base da dominação deles caijá na dependência do novo capital.

Algo semelhante ocorre cem a troca de informações quese desenvolve na trilha da troca de mercadorias. Com aexpansão do comércio, o cálculo comercial, orientado pelomercado, precisava, de modo mais freqüente e exato, deinformações sobre eventos espacialmente distanciados. Porisso, a partir do século XIV, a troca antiga de cartas comer-ciais foi transformada numa espécie de sistema corporativode correspondência. As associações comerciais organizaram,a serviço de seus interesses, os primeiros correios partindoem determinados dias, os assim chamados correios ordiná-rios. As grandes cidades comerciais são, ao mesmo tempo,centros de trocas de informações /31/. Também se tornaurgente a sua permanência à medida que o trânsito das mer-cadorias e das letras de câmbio se toma permanente. Maisou menos contemporâneos ao surgimento das bolsas, o 'cor-reio e a imprensa institucíonalizam contatos permanentesde comunicação. Para os comerciantes basta, no entanto, umsistema de informações reservado às corporações profissionaise às chancelarias urbanas e da corte, um sistema de infor-mações interno. Não lhes interessa a publicidade da in~ol'm~-ção. A seus interesses correspondem muito mais os "jornaismanuscritos", as correspondências privadas organizadas pelos

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(comerciantes de notícias a nível profissional /32/. O novosistema de comunicações sociais, com suas instituições detroca de informações, adapta-se sem maiores problemas àsformas existentes de comunicação enquanto continua ausen-te o elemento decisivo: a publicidade. Assim como, segundourna definição de Sombart, só é possível falar de "correio"quando a possibilidade de transporte regular de cartas torna-se acessível ao público em geral /33/, assim como tambémsó existe uma imprensa em sentido estrito a partir do mo-mento em que a. transmissão de informações regularmentetorna-se pública, ou seja, torna-se por sua vez acessível aopúblico em geral /34/. Até então, o antigo sistema de comu-nicação da representatividade pública não se vê fundamen-talmente ameaçado pela nova esfera pública definida publi-citarlarnente. As notícias transmitidas profissionalmenteainda não são publicadas; as novidades publicadas semqualquer regularidade ainda não foram transformadas emnotícias /35/.

Os elementos do sistema de trocas pré-capítalísta, 0S

elementos do intercâmbio de mercadorias e de informações,só demonstram a sua força revolucionária na fase do mer-cantilismo em que as economias nacionais e territoriais seconstituem simultaneamente com o Estado moderno /36/.Quando, em 1597, a Liga Hanseática alemã é definitivamenteexpulsa de Londres e, poucos anos depois, a Companhia dosMerchant Adventurers se estabelece em Hamburgo, isso nãosó revela a ascenção comercial e política da Inglaterra, massobretudo uma nova fase alcançada neste ínterim pelo capi-talismo. A partir do século XVI organizam-se, numa basemais ampla de capital, as companhias de comércio que nãomais se satisfazem, como os antigos retalhistas, com merca-dos sempre ainda limitados. Elas inauguram, com expediçõesem grande estilo, novos territórios para o seu próprio mer-cado /37/. Para satisfazer as crescentes exigências do capitale compartilhar os crescentes riscos, essas companhias elevam-se logo ao estatuto de sociedades por ações. Mas, para ir mais

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(avante, elas precisam de garantias políticas mais seguras. Osmercados do comércio exterior passam a ser agora, com jus-tiça, considerados como "produtos institucionais."; resultamde esforços políticos e. de força militar. A antiga base deoperações, as corporações locais, amplia-se assim até a novabase o território nacional. Começa então aquele processo queHeckscher descreveu como sendo a nacionalização da econo-mia citadina /38/. É certo que só a partir daí é que se cons-tituiu o que, desde então, é chamado de "nação" - o Estadomoderno com suas instituições burocráticas e uma crescentenecessidade de dinheiro, o que, por sua vez, retroage rapida-mente sobre a politica mercantilista. Nem contratos privadosentre príncipe e financista, nem empréstimos públicos bas-tam para cobri-la; só um eficiente sistema de impostos é queatende à demanda de capital. O Estado moderno é essencial-mente um Estado de impostos.. a administração financeiraé o cerne de sua administração. A separação daí resultanteentre os bens da Casa Reai e os bens do Estado /39/ é mo-delar para a cibjetivação das relações pessoais de dominação.Na Inglaterra, as administrações locais são colocadas sobcontrole das autoridades através do instituto do juiz de paze, no continente europeu, segundo o modelo francês, com aajuda da intendência.

A redução da representatividade pública que ocorre coma mediatização das autoridades estamentais através dossenhores feudais cede espaço a uma outra esfera, que é ligadaà expressão esfera pública no sentido moderno: a esfera dopoder público. Esta se objetiva numa administração perma-nentee no exército permanente; à permanência dos conta-tos no intercâmbio de mercadorias e de notícias (bolsa, im-prensa) corresponde agora uma atividade estatal continuada.O poder público se consolida em algo antitético e que apenasé tangenciável por aqueles que lhe são mero~ s~bordi.n~d~se que, de início, só encontram nele a sua propna deflmç:onegativa. Pois eles são as R~Ss.2!l..§_priYa_dªs..q~er·-por-~aotere~_q~ª}gl}~~ c;ggo~~r~~~.~~~?_?O_E_~.~ado,esta.o e~clUl~O.sda 'partLçjp'~çãono_.p:Jde.r p~~l1co:. _Neste sentido estnto,

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'~o". to,~~~inô~~~~_~~ __.~_t~_tal!_.~..~tributo n.ão ~e-,,>ref~=a~ct~'2~"pr.~~en.~.~tlva, com u~_8:_~!'.~~ inves-tida dé autºIidad~l mas antes aõ-flific1Orlãmento regy),ameri::~ .--- .... ,. . " .......•.. ". "' .•.....• '

taé;j9,,,~.~.w~ordocom..competencias, de um aparelho ....mll!,lidodo monopóll<?_Qª-..\.!1Jli.zaçãolegítima da força. O poderio

'Sen-hafiãTtransforma-.se em·"políCfâ.";'ás'· pessoas privadas,submetidas a ela enquanto destinatárias desse poder, consti-tuem um público.

A política mercantilista, formalmente orientada parauma ativa balança comercial, empresta uma configuraçãoespecífica à relação entre autoridade e subordinado. A aber-tura e a ampliação dos mercados de comércio exterior, emrelação aos quais as companhias alcançaram, mediantepressão política, os privilégios de uma posição de monopólio,em suma: o neo-colonialisrno se coloca, como se sabe, cadavez mais a serviço do desenvolvimento da economia indus-trial no plano interno e, na mesma medida, os interessesdo capital manufatureiro se impõem sobre os do capital co-mercial. Por tais vias, este um elemento do sistema pré-capitalista de intercâmbio, a troca de mercadorias, revolucio-na agora também a estrutura da produção: a troca de maté-ria-prima importada por produtos acabados e serní-acabadosprecisa ser compreendida como função de um processo emque o velho modo de produção se transforma em modo capi-talista. Dobb chama a atenção sobre como esta modificaçãose configura na literatura mercantilista ao final do séculoXVII. O comércio exterior já não vale mais per se comofonte de riqueza, mas só à medida que possibilita a ocupaçãoda população local - employment created by trade 1.) /40/.As medidas administrativas se definem cada vez mais poressa meta de impor o modo de produção capitalista. Em lugardos privilégios das corporações profissionais colocam-se osprivilégios concedidos pelo monarca e que transferem osofícios existentes para a produção capitalista ou servem para

}O) Emprego criado pelo comércio (NT).

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(criar novas manuíaturas. A isto se liga, até à rninúcia, a.regulamentação do próprio processo de produção /41/.

CQrno contrapeso à ~QI.i.dad.e.>-.c.onstit.ui-:§e_aJ..Q.Ç.ie.:dadecivil burgues-ª,--As a,t.iY:i.d.adB.Le...J:ela&Qe.Lde__.de.p'~n.dêllcia_qlle,até então, e§1~va..rr.LCQnfil1.ª-Qªª_ªQ_.ª,rr!QitQ._ºª._.ec,Qu.omiª_.dü::-mést1ca,-'passam o limiar do orçamento doméstico e surg~?:à Iíiz a esfefap1'lblica~' i'constatação de Schumpetei déque"à-s-'velhas-fbrm1fS'-que encerravam toda a personalidade emsistemas teleológicos supra-pessoais estavam mortas e aeconomia individual de cada família tinha se tornado oponto central de sua existência e, com isso, havia sido fun-dada uma esfera privada contraposta à esfera pública comoalguma coisa diferente" /42/, só atinge um aspecto do pro-cesso - a privatização do processo de reprodução, não tam-bém já a sua nova relevância "pública". A atividade econômi-ca privatizada precisa orientar-se- por um intercâmbio mer-cantil mais amplo, induzido e controlado publicamente; ascondições econôrnicas, sob as quais .elas ocorrem agora, estãofora dos limites da própria casa; são, pela primeira vez, deinteresse geral. É nesta esfera privada da sociedade_que setornou publ:iS!Jmente re,!!:vante que JIanna Arendt pensaquartdo'-erãcaracteriza, em contraposíçãoà sOCieda?e antiga,a relação moderna entre esfera pública e esfera privada me-diante a formação do "social". liA sociedade é a forma devida conjunta em que a indepe_10-ê!~_r::~!-_~._~?-.s~.~~;q~põ.:.gmrel~ ã-seusem-ellrrl;nte ocorre' e~.f~ã?. ~~..~!.9P!.1?-.~Qº.~~e-

. , . .-·-.---."'----d.·--c··.... ·t-·-m><""'o'-'-"deum Slgniflcado nublicovivencia e nao, e o'-!.!'o uu, ._ _ -.--.-,,-~ --.~--.-.-.--.- ....-:«: . rl~"" tí 'd des ue afinal servemonde em decorrencla u.J.i:>')O, as Jt..!YLª_ q - _-- - ..

para' a manutençãº.ª'ª~=YiiIªjí.-ãQ§ó.a.parece_rn.publicamente,mas-põêfem-illc.1.~~ye ..<l~JeIminar a fisioIlomia. do...espaçopúbll'c'ô )43/;.··· .

Na passagem da Economia transmitida pela Antigüidadepara a Economia PolítiCh espelham-se as mudanças nas rela-ções sociais. Sim, o pr_ó2!~<?~~o_ ..econôrníco, ..que,.".atéo século XVII estava l!ga.çlº..AfLÇ.rr_c.u1o_das~tBxefas-do,",oike-despóta, <:io·.-p~t~r..:-f~~iliªii.,.ég,_s.~nh()_r._ga...ç~g;ª,,---ªgo~ª-J?_º,,ªcl::

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quire º_~~ significado moderno na' práxis ua empresa, quecalcula contorme os ditames-básicos-"da--rentabilídã:d-e: astarefas dos senhores da casa se estreitam e acentuam a pou-pança na economia doméstica /44/.A economia moderna não~...arieIlt.a_ma.iS.._pfÜPoikos, pois.noIugar <la-: casa.,cptq:ÇbÍ1:S8

,,-omê[ça.Qq: transforma-se em "economia comercial". NaCameralística do século XVIII (que deriva o seu .nome decamera, a câmara do tesouro do senhor feudal), esta precur-sora da Economia Política se coloca, por um lado, no mesmonível da Ciência das Finanças e, por outro, da doutrina quese destacava da técnica agrária sintomaticamente como umaparte da "policy", a doutrina da administração propriamentedita: tão estreitamente a esfera privada da socieda® bur-guesa é subordinad~_.ª_~__Órgãos-,do..poder:-~público.-'r--Dentro dessa ordem política e social, reestruturada du-rante a fase mercantilísta do capitalismo (cuja nova confi-guração já se expressa em grande parte no fato de que nelase separam os momentos próprios do político e do social),agora também o segundo elemento do sistema de trocas pré-capitalistas desenvolve uma peculiar força explosiva: a im-prensa. Em sentido estrito, os primeiros jornais, por ironiatambém chamados de "jornais políticos", aparecem de iníciosemanalmente e, lá pela metade do século XVII, já aparecemdiariamente. As correspondências privadas de então conti-nham noticiários amplo e minucioso sobre assembléias parla-mentares e guerras, sobre resultados de colheitas, impostos,transportes de metais preciosos e, acima de tudo, natural-mente notícias sobre o comércio internacional /45/. Mas sóum filete dessa torrente de informações passa pelos filtrosdesses jornais "manuscritos" até os referidos jornais impres-sos. Os beneficiários das correspondências privadas nãotinham interesse em que o conteúdo delas se tornasse pú-blico. Por isso, os jornais políticos não existem para os co-merciantes, mas, pelo contrário, os comerciantes é queexistem para os jornais. Eram chamados de custoâes nove-larum. 1°) entre os contemporâneos, exatamente por causa

lO) Guardíâes das novidades (NT).

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dessa dependência do noticiário público para com o seuintercâmbio privado de informações /46/. O filtro do controleextra-oficial de informações dos grandes comerciantes e dacensura oficial de informações feita pelas administraçõespassa essencialmente informações do estrangeiro, informa-ções da corte e as notícias menos importantes do comércio;do repertório dos folhetins preservam-se as tradicionais "no-vidades": as curas miraculosas e os dilúvios, os assassinatos,epidemias e incêndios /47/. Assim, as informações que che-gam à publicação pertencem ao rebotalho do material noti-cioso em si disponível; precisa ser igualmente explicado porque ele agora chega a ser difundido e tornado genericamenteacessível, ou seja, tornado público. - É de se duvidar que ointeresse dos escribas dos boletins teria sido suficiente paraisso; mesmo assim, eles tinham interesse na publicação. Atroca de informações desenvolve-se não SÓ em relação àsnecessidades do intercâmbio de mercadorias: as própriasnotícias se tornam mercadorias. Por isso, o processo de in-formação profissional está sujeito às mesmas leis do mercado,a cujo surgimento elas devem, sobretudo, a sua existência.Não por acaso, os jornais impressos desenvolvem-se freqüen-temente a partir dos mesmos escritórios de correspondênciaque já providenciavam os jornais manuscritos. Toda infor-mação epístolar tem o seu preço; está, portanto, muito pró-ximo querer aumentar o lucro mediante o aumento de tira-gem. Já por isso, uma parte do material noticioso disponívelé periodicamente impresso e .vendído anonimamente - pas-sando a ter, assim, caráter público.

Entrementes, maior peso tinha o interesse das novasautoridades que logo passaram a tornar a imprensa útil àsintenções da administração. Só ao se servirem desse instru-mento a 'fim de tornar conhecidos os decretos e as portariasé que o alvo do poder público tornou-se autenticamente um"público". Desde o início, os jornais políticos tinham noticia-do idas e vindas de monarcas, a chegada de personalidadesestrangeiras, festas, "solenidades" da corte, nomeações, etc.;

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também apareciam, no contexto dessas notícias da corte (quepodem ser entendidas como uma espécie de transposição darepresentação para a nova configuração da esfera pública),"'ordenamentos dos senhores feudais para o bem-estar deseus súditos". No entanto, a imprensa logo se tornou siste-maticamente útil aos interesses do poder administrativo.Ainda em março de 1769, um decreto sobre a imprensa baixa-do pelo governo. vienense testemunha o estilo dessas práxís:"Para que os redatores dos jornais possam saber que espéciesde decretos, dispositivos e outras coisas que ocorrem são ade-quadas para o público, essas noticias serão reunidas a cadasemana pelos funcionários públicos fornecidas aos jornalis-tas /48/." Como podemos depreender através d33 cartas deHugo Grotius, na época embaixador sueco em Paris, já Ri-chelieu tinha um senso muito vivo em relação à utilidadedo novo instrumento /48 a/o Ele protege o diário oficial fun-dado em 1631 por Renaudot. É o modelo da Gazette otLotuioti que é publicada desde 1665, sob Carlos lI. Dois anosantes tinha aparecido lá o Intelligencer, oficialmente auto-rizado, que pode ser aproximado de um Daily Intelligenceroi Couri, City and Country que é publicado esporadicamentea partir de 1643 /49/. Os folhetins que surgiram por todaparte, primeiro na França como auxiliares dos escritóriosde informações e de anúncios, tornam-se instrumentos pre-diletos do governo /50/. De muitos modos, as agências noti-dosas são assumidas pelo governo e os jornais informativossão transformados em boletins oficiais. Com esse dispositivo,segundo uma ordem do gabinete prussiano de 1727, dever-se-ia "servir ao público" e "facilitar o comércio". Ao lado dosdecretos e das portarias relativos a "polícia, comércio e ma-nufatura", aparecem as notas sobre o mercado de frutas, astaxas dos meios de subsistência, especialmente os preços maiselevados tanto de produtos nacionais quanto importados;além disso, o curso na bolsa e informações sobre as trocas,relatórios sobre o nível das águas, etc. Nessa medida, o go-verno do palatinado bávaro podia anunciar "ao públicocomerciante" um jornal informativo "a serviço do comércio

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e do homem comum, para que ele possa tomar conhecimentodos decretos reais baixados de tempos em tempos, bem comojulgar os preços das diferentes mercadorias e, assim, colocaras suas mercadorias a um preço melhor" /51/.

1.. autoridad e dir~~,.~\!.ª_~9.m)lntc.aç㺠__~~ªº.'~_J)JÍ..bli.CQ,portanto, eg}_PJ!!lcípi0.z..a todo~.QS_súditos:-·comumerite;·-·ela c(não"Jill'nge, _assilT!l.._Q._~hQ!!l~m,._cDmum~~,._mas,_.se...muito.i.as"c~ma9as.5E!t~s'_~ Junto com o moderno aparelho de Estadosurgiu uma nova camada de "burgueses" que assume urnaposição central no "público". O seu cerne é constituído porfuncionários da administração feudal, especialmente porjuristas (ao menos no continente europeu, onde a técnicado Direito Romano herdado é manipulada como instrumentode racionalização do intercâmbio social). Acrescentam-seainda médicos, pastores, oficiais, professores, os "homens.cultos", cuja escala vai do mestre-escola e escrivão até o"povo" /52/.

Entrementes, os burgueses propriamente ditos, as velhascorporações profissionais de artesãos e pequenos comercian-tes, caíram socialmente; com as próprias cidades, nas quaisse baseava o seu direito de cidadania, perderam a sua im-portância. Ao mesmo tempo, os grandes comerciantes trans-cenderam o âmbito estrito da cidade e, através das compa-nhias, ligaram-se diretamente ao Estado. Assim, também os"capitalistas", comerciantes, banqueiros, editores e donos demanufaturas, quando não podiam afirmar a cidade, comoem Hamburgo, perante o poder territorial do soberano, per-tencem àquele grupo de "burgueses" no sentido tradicionaldo termo quanto ao novo estamento dos "homens cultos" /53/.E4-ta....c.amada"bur~~_ ..Lº autêntico susten táculo (lo. pú-bli~..Jluer d~de-CLinício, é llliLRúblic.o...quelê. Ela não podemais, como à sua época o foram os grand~s comerciantescitadinos e os burocratas inseridos na cultura aristocráticadas cortes da Renascença italiana, ser incorporada como umtodo na cultura aristocrática do barroco tardio. A sua posiçãodominante na nova esfera da sociedade burguesa leva, muito

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(mais, a uma tensão entre "cidade" e "corte", de cujas formasde manifestação tipicamente nacionais ainda iremos ocupar-nos /54/.

As autoridades provocam uma tal repercussão nessacamada atingida e apelada pela política mercantilísta que opublicum, o correlato abstrato do poder público, acaba porrevelar-se conscientemente como um antagonista, como opúblico da esfera pública burguesa que então nascia. Ela,enquanto tal, desenvolve-se especialmente à medida que ointeresse público na esfera privada da sociedade burguesanão é mais percebido apenas pela autoridade, mas tambémé levada em consideração pelos súditos como sendo a suaesfera própria. Ao lado dos sustentáculos do capitalismocomercial e financeiro, o crescente grupo de editores, donosde manufaturas e de fábricas torna-se dependente de me-didas administrativas; nisso impera totalmente a vontadede não serem apenas regulamentados em suas atividades em-presariais, mas, através da regulamentação, sejam estimula-dos a tomarem iniciativas. Ainda que isto seja dito por umpreconceito muito espalhado, o mercantilismo não favorecede jeito nenhum a empresa estatal; a politica empresarialexige, pelo contrário, ainda que por vias burocráticas, montare desmontar empresas privadas que trabalhem capitalista-mente /55/. Por isso, a relação entre autoridades e súditosacaba redundando na peculiar ambívalência de regulamen-tação pública e iniciativa privada. Assim, é problematizada·aquela zona em que o poder público, mediante atos admi-nistrativos contínuos, mantém ligações com as pessoas pri-vadas. Isso nem sequer é válido apenas para a categoria dosque participam de modo imediato na produção capitalista..A medida que esta se impõe, diminui o atendimento próprioe cresce a dependência dos mercados locais em relação aosmercados regionais e nacionais, de modo que amplas cama-das da população, sobretudo das camadas urbanas, são atin-gidas, como consumidores, em sua existência cotidiana pelasmedidas da política mercantilista. Não por causa dos famosos

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( . -decretos sobre as vestimentas, mas em função dos preçosdas taxas e dos impostos, sobretudo em função das inter-venções públicas na economia doméstica privatizada é quese constitui, finalmente, uma esfera crítica: quando há faltade trigo, é por meio de um decreto que se proíbe o consumode pão às sextas-feiras /56/. Já que, por um lado, um seta rprivado delimita nitidamente a sociedade em relação aopoder público, mas, por outro lado, eleva a reprodução davida acima dos limites do poder doméstico privado, fazendodela algo de interesse público, a referida zona de contatoadministrativo contínuo torna-se uma zona "crítica" tambémno sentido de que exige a crítica de um público pensante. Opúblico pode aceitar esta exigência tanto mais por~ue ~recisaapenas trocar a função do instrumento com cuja a.Juda ,aadministração já tinha tornado a sociedade uma COJBapu-blica em sentido estrito: a imprensa.

Já desde o último terço do século XVII, os jornais sãocomplementados por revistas, que não contém, em primeiralinha informações, mas ínstruções pedagógicas e até mesmocríticas e resenhas. Inicialmente, revistas científicas dirigem-se aos círculos de leigos cultos: o Journal des Savants (1665)de Denys de SaIlo, depois as Acta Eruditorum (16_82) de Ott.aMencken e, finalmente, as famosas Conversaçoes Mensais(1688) de Thomasius, que constituem o modelo de todo umgênero de revistas. No transcorrer da primeira metade doséculo XVIII, com os assim chamados artigos "eruditos", aensaística ingressa também na imprensa diária. Qua~do ojornal informativo de Halle tambéI? publica, a part~ de1729, além de notícias, artigos eruditos, resenhas de livros,por vezes "um trabalho histórico escrito }X)ralgum professore dirigido à contemporaneidade", o monarca ~rn:sslano_sente-se levado a tomar tal evolução em suas propnas maos. Oexercício da reflexão enquanto tal é sujeito a regulamenta-ção. Todos os professores dos qua.dro.s das :r:aculdade~, deDireito, Medicina e Filosofia devenam suceSSIvamente en-viar em tempo e no máximo até a quinta-feira ~a no~aespecial, escrita de modo claro e ínteligível, ao âireciorio

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de publicações" /57/. Sobretudo os intelectuais deveriamtransmitir "ao público descobertas que pudessem ser apli-cadas". Os burgueses, aqui ainda sob encomenda dos senho-res feudais, formulam as idéias que logo viriam a ser as suaspróprias idéias e dirigidas contra aqueles que antes as enco-mendavam. Num édito de Frederico II, de 1784, diz-se: "Umapessoa privada não tem o direito de formular nem difundirpela imprensa juizos públicos ou até mesmo críticos e inclu-sive notícias que chegaram a seu conhecimento, sobre ações,comportamentos, leis, decretos e ordenações dos soberanos eda corte, de seus funcionários burocráticos, colégios e tribu-nais de justiça. Uma pessoa privada nem sequer tem condi-ções de. julgá-los, pois lhe falta o conhecimento completodas circunstâncias e dos motivos" /58/. Poucos anos antesda Revolução Francesa, as relações na Prússia mostram-secomo que cristalizadas num modelo, enquanto que na Ingla-terra, já no começo do século, elas começaram a dançar.Esses juizos inteditados são chamados de "públicos" em vistade uma esfera pública que, indubitavelmente, tinha sidoconsiderada uma esfera do poder público, mas que agora sedissociava deste como o fórum para onde se diri gíam aspessoas privadas a fim de obrigar o poder público a se legi-timar perante a opinião pública. O publicum se transformaem público, o subjectum em sujeito, o destinatário da auto-ridade em seu contraente.

A história da palavra conserva os rastros dessa mudançarepleta de conseqüências. Na Inglaterra, a partir da metadedo século XVII, fala-se de "public" em relação ao que antesse costumava chamar de "world" ou "mankínd", Assim tam-bém, em francês, le public serve para designar aquilo que,de acordo com o dicionário dos irmãos Grimm, tinha-sedifundido no século XVIII como "Puolikutn", desde Berlimpor toda a Alemanha: até então se falava de "mundo dosleitores" ou também simplesmente de "mundo" (ainda hojeno sentido de: todo o mundo, alle Welt, tout le monde).Adelung /60/ diferencia o público que se reúne como multi-dão em torno de uni orador ou de um ator em locais públicos,

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do público-leitor; mas em ambos os casos trata-se de um"público que julga". O que é submetido ao julgamento dopúblico ganha "publicidade". Ao final do século XVII, otermo inglês publicity é emprestado do francês puoticité;na Alemanha, a palavra aparece no século XVIII. A pr~priacrítica se apresenta sob a forma de "opinião pública","üffentliche Meinung", expressão cunhada na segunda meta-de do século XVIII conforme a expressão "opinion publique".Na Inglaterra, "public opinion" surge mais ou_menos namesma época; de fato já bem antes, no entanto, se falavade general opinion,

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(estas. Por outro lado, a intimidade íritermedíada logo lite-

. ralmente, a subjetividade capaz de literatura tornou-se efe-tiva literatura de um largo público leitor; as pessoas privadas

. reunidas num público também discutem publicamente sobreo que foi lido e inserem isso no processo ílumínista levadoavante em conjunto. Dois anos depois de Pamela ter apareci-do no palco literário, é fundada a primeira livraria pública;clubes do livro, círculos de leitura, edições por subscrição,brotam por todo lado e, numa época em que, como na In-glaterra depois de 1750, a circulação dos diários e hebdoma-dários também é duplicada em menos de um quarto deséculo /53/, a leitura de romances torna-se hábito nas ca-madas burguesas. Estas constituem o público que, daquelasantigas instituições dos cafés, dos salões, das comunidadesde comensais, há muito já se emancipou e agora é mantidoreunido através da instância mediadora da imprensa e desua crítica profissional. Constituem a esfera pública de umaargumentação literária, em que a subjetividade oriunda daintimidade pequeno-familiar se comunica consigo mesmapara se entender a si própria.

§ 7 - A esfera pública literária em relação à esfera públicapolítica.

o processo ao longo do qual o público constituído pelosindivíduos conscientizados se apropria da esfera públicacontrolada pela autoridade e a transforma numa esrera emque a crítica se exerce contra o poder do Estado realiza-secomo refuncionalização (Umfunktionierung) da esfera públi-ca literária, que já era dotada de um público possuidor desuas próprias instituições e plataformas de discussão. Graçasà mediatização dela, esse conjunto de experiências da priva-cidade ligada ao público também ingressa na esfera públicapolítica. A representação dos interesses de uma esfera priva-tizada da economia de trocas, é interpretada com ajuda deidéias que brotaram do solo da intimidade da pequena-famí-lia: a "humanidade" tem aí o seu local genuíno e não, como

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(corresponderia a seu modelo grego, na própria esfera públi~a.Com o surgimento de uma esfera do social, cuja regulamen-tação a opinião pública disputa com o poder público, o temada esfera pública moderna, em comparação com a antiga,deslocou-se das tarefas propriamente políticas de uma co-munidade cidadãos agindo em conjunto (jurisdição no planointerno, auto-afirmação perante o plano externo) para astarefas mais propriamente civis de uma sociedade que debatepublicamente (para garantir a troca de mercadorias). Atarefa política da esfera pública burguesa é a regulamenta-:ção da sociedade civil (por oposição à res publica) /53a/;tendo já a experiência de uma esfera privada intima, ~nfren-ta a autoridade da monarquia estabelecida: nesse sentido elatem, desde o começo, caráter privado e polêrnico. Ao modelogrego de esfera pública faltam ambos os traços, pois o esta-tuto privado do senhor da casa, de qual depende o seu statuspolítico como cidadão, baseia-se na dominação ~m qualq~e.raparência de liberdade mediatizada por ínterioridade: e lúdi-co é o comportamento dos cidadãos só na competição espor-tiva entre eles: ela representa uma forma aparente de lutacontra o inimigo externo, jamais algo como um confrontocom o próprio governo.

A dimensão da polêmica, dentro da qual a esfera públicachega, durante o século XVIII, à eficácia política, j~ haviasido durante os dois séculos precedentes, desenvolVIda nacontrovérsia de Direito Público em torno do princípio dasoberania absoluta. A literatura laudatória em torno do se-gredo de Estado fornece ao príncipe os meios par~, com aajuda deles, poder afirmar sozinho a sua S?ber~I~. - osjura imperii 1*) são exatamente os arcana, 1mperu,-) todoesse catálogo de práticas secretas codificado por Maquiavele que pretendem asegurar ~ manutenção ~~ dominação sobreo povo, que é conisderado Imaturo. A prática do segredo. d.eEstado será mais tarde contraposto o princípio da "publici-dade" /54/ .. Os opositcres contemporâneos, os monarcoma-

1*) Direitos do império (NT) .:>. ) Segredos do Império (NT).

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(cas 3') colocam a questão de saber se a lei deve dependerapenas do arbítrio 40 príncipe ou se a ordem dele emanadasó deve ser aceita à base de alguma lei. Como poder Iegís-lativo, as assembléias dos estados tinham, por certo, emmente: a polêmica dos monarcomacas ainda sobrevive natensão entre o monarca e as corporações e os estamentosdetentores de poder, já se dirige contra a mesma burocraciaabsolutista contra a qual, desde o final do século XVII, tam-bém se dirigia então a polêmíca burguesa. Sim, contra oinimigo comum se conjugam, ainda no caso de Montesquieu,as duas linhas de frente, a ponto de se tornarem índistínguí-veis. O único critério confiável de diferenciação entre a polê-mica mais recente e a antiga é o conceito rigoroso de lei eque não alberga apenas a justiça no sentido de direitos bemadquiridos, mas legitimidade por emanação de normas geraise abstratas.

Certo é que a tradição filosófica, tanto a aristotélico-.escolástica quanto também a cartesiana-moderna conhece acategoria· da lex çeneratis ou universalis 10), mas no setorda filosofia social e da política ela só é implicitamente intro-duzida por Hobbes e expressamente definida por Montes-quieu /55/. "Whoever has the legislative or supreme powerof any commonwealth, is bound to govern by establishedstanding laws, promulgated and known to the people, andnot extemporary decrees ( ... )" 2') /56/. Locke atribui à lei,por oposição ao decreto e à ordem, constant and lastinçforce a·) /57/. Na literatura francesa do século ·seguinte, esta.definição é tornada mais precisa: "Les lois ( ... ) sont lesrapports nécessaires qui derívent de la nature des choses" 4')

8') Teóricos que se opunham ao princípio do soberano absoluto earbitrário. (NT)

1') Lei geral ou universal (NT).2*) "Quem tiver o poder legislativo ou supremo de qualquer co-

munidade, está obrigado a governar através de leis estáveispromulgadas e conhecidas pelo povo, e não através de decreto~externporâneos." (NT).

3') Força constante e permanente (NT).oi') "As leis (. .. ) são relações necessárias que derivam da natureza

das coisas." (NT).

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/58/. Elas são regras da razão com uma certa generalidade eduração. Governar por décretos e éditos é classificado porMontesquieu como une mauvaise sorte de législation 1*) /59/.Com isso, está preparada a inversão do princípio da soberaniaabsoluta, inversão definitivamente formulada na teoriahobbesiana do Estado: ueriias noti auctoritas [acit ieçem:")A "lei", essência das normas gerais, abstratas e permanente,à cuja mera aplicação se pretende que a dominação seja re-duzida, é inerente uma racíonalídade em que o correto con-verge como justo.

Historicamente, a polêmica pretensão dessa espécie deracionalidade desenvolveu-se contra a politica do segredo deEstado praticada pela autoridade principesca no contexto doraciocínio público das pessoas privadas. Assim como o segredoserve para manter uma dominação baseada na voluntas s.),

assim também a publicidade deve servir para impor uma le-gislação baseada na ratio 4'). Já Locke relaciona a lei tornadade conhecimento público com um common conseni ~O); e Mon-tesquieu volta a baseá-la simplesmente na raisoti humaine 6.):

mas é aos fisiocratas, dos quais ainda trataremos /60/, que éreservado relacionar explicitamente a lei à razão que se ex-pressa na opinião pública. Na esfera pública burguesa, de-senvolve-se uma consciência política que articula, contra amonarquia absoluta, a concepção e a exigência de leis gené-ricas e abstratas e que, por fim, aprende a se auto-afirmar,ou seja, afirmar a opinião pública como única fonte legítima.das leis. No transcurso do século XVIII, a opinião públicajá pretenderá ter competência legislativa para aquelas nor-mas que devem a ela mesma o seu conceito polêmíco-racionalista.

Os critérios de generalidade e abstração que caracterizama norma legíslativa, deveriam ter uma peculiar evidência

l') Má espécie de legislação (NT).!!*) A verdade,' não a autoridade, é que faz a lel (NT) .3') Vontade (NT).4*) Razão (NT).ó') Consenso comum, consenso comunitário (NT).0*) Razão humana (NT).

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para -as pessoas privadas que, no processo de comunicaçãoda esfera pública literária, asseguravam a sua própria sub-jetividade oriunda da esfera íntima. Pois, como público, jáestão sob a lei não expressa de uma igualdade das pessoascultas, lei cuja generalidade abstrata era a única garantiaque os indivíduos subsumidos como "meros seres humanos",exatamente através dela é que tem liberada a sua subjetivi-dade, As palavras-de-ordem revolucionárias burguesas quantoa "igualdade" e "liberdade", congeladas em clichês, aindamantém aí o seu contexto vivo: o raciocinio político do pú-blico burguês ocorre, em princípio, sem levar em considera-ção quaisquer hierarquias sociais e políticas pré-formadas,conforme leis gerais que, por permanecerem rigorosamenteexternas aos indivíduos enquanto tais, asseguravam-lhes odesenvolvimento literário de sua interioridade; por teremvalidade geral, garantiam a índívíduação; sendo objetivas,permitiam o desenvolvimento da subjetividade; por seremabstraías, possibilitavam um espaço de manobra ao maisconcreto, Ao mesmo tempo, tudo o que, sob tais condições,resulta do tirocínio público, pretende ter racionalidade; deacordo com a sua própria concepção, uma opinião públicanascida da força do melhor argumento, demanda aquela ra-cionalidade moralmente pretensiosa que busca conjuminaro certo com o correto. A opinião pública pretende correspon-der à "natureza das coisas" /61/. Por isso, "leis" que ela

,agora gostaria que também fossem válidas para a esfera.social, precisam assegurar-se, além dos critérios formais degeneralidade e abstrações, também a racionalidade como umcritério material. Só nesse sentido, explicam os fisiocratas,é que a opinion publique reconhece e torna visível a ortirenaturel, para que o monarca esclarecido possa, então, fazerdela, configurada em normas gerais, a base de sua ação -a soberania deve ser, por esse caminho, levada a: convergir

. com a razão.A consciência de si mesma que a esfera pública política

tem e que foi demonstrada na central categoria da normalegal, é intermediada pela consciência institucional da esferapública literária, Essas duas configurações da esfera pública

(se imbricam uma na outra de modo peculiar. Em ambas .seforma um público de pessoas privadas, em que a autonomia,baseando-se na propriedade privada, busca re~resent~r-se,enquanto tal, na esfera da família burguesa realizar-se mte~riormente no amor, na liberdade, na cultura' - em suma,enquanto "humanidade". .

À esfera do mercado chamamos de esfera privada; à es-fera da família, como cerne da esfera privada, chamamos deesfera íntima. Esta crê ser independente daquela, quando naverdade está profundamente envolvida nas necessidades ?omercado. A ambivalência da família - ser agente da SOCIe-dade mas, também, ser de certo modo a antecipada ernancí-pação da sociedade - expressa-se na ,posi~ão dos me~brosda família: eles são, por um lado, mantidos Juntos através dadominação patriarcal e, por outr?, pela intimi~ade human~:Como pessoa privada, o burguês e ambas as coisas numa so :proprietário de bens e de pessoas, bem como ser ,huI?a~oentre seres humanos, bourgeois e tiomrne. Esta amblVa:er:CIada esfera privada também se mostra ainda na esfera pU,bl1ca,ou seja, conforme as pessoas privadas se entendam ,r:o ~lSCur-so literário enquanto seres humanos sobre ,expenenclas desua subjetividade; ou então se as Pessoas pnv~das se enten-dam no discurso político sobre a regulamentaçao de sua esf~-ra privada. O círculo de pessoas de ambas as f.ormas de pu-blico nem sequer coincide plenamente: mulheres e dependen-tes estão excluídos da esfera pública política tanto de f~toquanto de direito; enquanto o público leiU:,rAfe~inino, asslI~como alunos e mensageiros, tem com f'requência uma parti-cipação mais. forte na esfera pública literária do qu~ osproprietários privados e os próprios homens adultos; A!nd~assim nas camadas cultas, uma forma de esfera pública econsiderada idêntica à. outra; a esfera pública aparec~ natu-ralmente à opíníão pública como una e indivisív~l. AsSIm queas pessoas privadas não se entendem entre, SI, ~penas en-quanto seres humanos no plano de sua s~bJ~t~vldade, masgostariam de determinar, enquanto propne,tarlOs, o pod~rpúblico em seu interesse comum, a humanidade da, ~ferapública literária ·serve de instância mediadora à efetlvldade

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(da esfera política. A esfera pública burçaesa desenvolvidabaseia-se na identidade fictícia das pessoas privadas reuni-das num público em seus duplos papéis de proprietários e demeros seres humanos.

A identificação do público dos "proprietários" com odos "seres humanos" pode ser ef.etuada especialmente porque,em regra, o statu.s social das pessoas" privadas burguesasconjuga de qualquer modo as características de propriedadee formação cultural. Mas, antes de mais nada, a ficção deuma esfera pública é facilitada por assumir funções efetivasno contexto da emancipação política da sociedade civil bur-guesa em relação à regulamentação mercantillsta, sobretudoem relação "ao regime absolutista: por volver o princípio doconhecimento público contra as autoridades constituídas, afunção objetiva da esfera pública política pode, no começo,com sua naturalidade evidente conquistada a partir de cate-gorias da esfera pública literária, convergir especificamenteos interesses dos proprietários privados com o das liberdadesindividuais. A fórmula básica de Locke quanto à preservationot property lO) subsurne, numa s6 linha e de um só fôlego,sem qualquer constrangimento, sob o titulo "propriedade",tite, liberty and estate: tão fácil conseguia Ser, naquela época- segundo uma .dístínção do jovem Marx, identificável aemancipação política com a emancipação "humana".

1':) Preservação da propriedade (NTl.

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m - FUNÇõES POLíTICAS DA ESFERA PúBLICA

§ 8 - Caso-modelo: o desenvolvimento inglês

Uma esfera pública funcionando politicamente apareceprimeiro na Inglaterra na virada para o século XVIII. Forçasque querem então passar a ter influência sobre as decisõesdo poder estatal apelam para .o público pensante a fim delegitimar reivindicações ante esse novo fórum. No contextodessa práxis, a assembléia dos estados se constitui num mo-derno parlamento, processo que se estende ao longo de todo oséculo. Ainda está para ser esclarecido por que, tão mais cedona Inglaterra do que noutros países, manifestam-se certosconflitos que contam com a participação do público. Comoinstância apelável rio continente europeu também existe umaesfera pública literária. Ali, no entanto, ela só se torna poli-ticamente ativa quando, graças ao mercantilísmo, a impo-sição do modo de produção capitalista já avançou tantoquanto na Inglaterra após a Revolução Gloriosa. Na segundametade do século XVII, surgiram aí um grande número denovas companhias visando e ampliando sobretudo a manu-fatura têxtil e a indústria metalúrgica. A tradicional antíteseentre latuieâ e moneyed interests que, na Inglaterra, onde osfilhos mais jovens da aristocracia rural cedo se tornaramexitosos comerciantes ou onde a grande burguesia comproufreqüentemente propriedades rurais /1/, não tinha, contudo.evoluído apesar disso para um aberto antagonismo de clas-ses, é agora superado por um novo antagonismo de interesses:D antagonismo entre os interesses restritivos do capital co-mercial e financeiro de um lado e os interesses expansivos do

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palmente entre aquelas classes que, quando atuam em massa,constituem o que prepondera" /50/. Certamente aí não per-tencem "as classes mais baixas do povo", os sans-cuiottes,pois, sob a pressão da necessidade e do trabalho, não temdisposição nem oportunidade "de se preocuparem com coisasque não concernem de modo imediato o seu bem-estarcorpóreo" /51/.

Bem verdade é que nas reflexões de Wieland entramtambém nitidamente elementos de Rousseau, daqueles que,mais tarde, durante as guerras de libertação, o romantismopolítico assume para identificar a opinião pública com omudo espírito do povo /52/. Em Wieland predomina, noentanto, um conceito de opinião pública que, na algo pedantetradição do Iluminismo alemão, preferiria citar, ante o forumda razão pública, sobre tudo engodos praticados por padrese segredos de gabinetes governamentais /53/.

§ 13 - Publicidade como principío de mediação entre .poli-tica e moral (K ani ).

Ainda antes que o tópos da opinião pública seja adotadono âmbito da língua alemã, a idéia da esfera pública bur-guesa encontra, com o desenvolvimento jurídico e histéricofilosófico do princípio da publicidade através de Kant, a suaconfiguração teórica amadurecida.

O processo crítico, que as pessoas privadas que. racioci-nam publicamente avançam contra a dominação absolutista,entende a si mesmo como apolítico: a opinião pública querracionalizar a pouncaem nome da moral. ~lº-J:ç:[III,a tra~.ªQ_aüstotélica._de-.uma-f.iJosO-fia-da_política_reaparece,significatival~~.~,gtê,.._.Ç.9mÇL~losofia Moral, no que _ aderi-trãildõ'-n-o'-'horizontesemi'lntico"'-êfa palavra "social", tãopeculiarmente acentuada naquela época -- o "moral", dequalquer modo pensado em conjunto com "natureza" e"razão", também se expandia para a esfera do "social" queentão surgia. Não por acaso o Autor de "Weaitt: oi Nations"tinha uma cátedra de Filosofia Moral. Neste contexto colo-

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ca-se a assertiva: liA verdadeira política não pode dar ne-nhum passo sem ter antes homenageado a moral e, emboraa política seja em si mesma uma arte difícil, a união delacom a moral não é nenhuma arte, pois esta. distrincha onó que aquela não pode abrir assim que ambasconflituamentre si" /54/. Kant escreveu esta frase no apêndice a seuEsboço à Paz Eterna. Aí ele retoma dois postulados deduzidosna Doutrina do Direito: a constituição civil de todo e qual-quer Estado deve ser republicana e a relação dos Estadosentre si no âmbito de uma federação cosmopolita, deve ser,pacifista. Todas as obrigações jurídicas que ~ssegurem aliberdade civil no plano interno e a paz mundial no planoexterno apontam para essa mesma idéia da ordem plena-mente justa. Coerção já não pode mais, então, ser exercidana forma de dominação pessoal ou de auto-afirmação à força,mas só de tal modo que "apenas-a razão tenha poder". Mesmoas relações jurídicas, transformadas em única sob~r~nia _eque são concebidas como a possibilidade de uma Iimitaçãoreciproca e concordante da liberdade de cada ~ c~rr: a detodos segundo leis gerais, se originam da razao prática ~contragolpe extremo contra o princípio absolutista: auctoti-tas non ueriias [acit legem.

Com esta fórmula, Hobbes pôde uma vez sancionar opoder absoluto. dos príncipes, pois o estabelecimen~ d~ paz,ou seja, o término da guerra civil religiosa, parecia nao serpossível senão ao preço de que o poder público fosse mono-polizado na mão do monarca e a sociedade civil, com tod.aa sua disputa religiosa, fosse neutralizada como esfera pn-vada, Ante a decisão oriunda de uma inteligência que se de-monstrava, por assim dizer existencialmente, na pessoa dosoberano, qualquer raciocínio de acordo com regras da éticaestava degradado a palpite politicamente inconseqüente.Quando este, dois séculos depois, foi reabilitado por Kant emforma de lei da razão prática, prescrevendo até que a legis-lação política deveria ficar subordinada moralmente a seucontrole, aquelas pessoas privadas burguesas haviam-setransformado entrementesnum público e já haviam ínstí-

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(tuído a esfera de seu raciocínio, ou seja, a esfera pública,nas funções políticas de uma mediação entre Estado e socie-dade. Por isso é que a "publicidade" em Kant deve serconsiderada como aquele princípio único a garantir o acordoda política com a moral /55/. Ele considera a "publicidade"como sendo, ao mesmo tempo, princípio da ordenação jurí-dica e métodoiluminista.

"Minoridade" - assim começa o famoso tratado /56/ -

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"é a incapacidade de,usar o seu p~p, rio en"te,nd,imento semfi dTiêCãõOeoüfro. -PecarriTnosã'ê~essâ~mriiõrTaã(:reqüânaô a

c~ suã c;usa não reSTdê-~;;;"'f~it;:d-~"~n'~;dim'é'nfõ-,-mãs"de re-\ s6Ttfçaõe-d"é-::~~ÃnnçC~"~n"-LfBertãr~"e'ãa-"mTÍY(}r}dade;-~de~§.a

imaturidade auto-!!PRutável" é o quese chamã-de iluminismo.Cónsjd~ãlliiô~-se~-ó-indivíduo, isto indiciaUffiã1nã'Xlma "~übfe-tíva, ou seja, perísàrPoT_~9E:li:PjQp.r:íã·:--CõfíSTâeranã"cfse ahunfâTIlããde cornõ'"urrttôd6, isso indicia uma tendência obje-tiva, ou seja, o progresso para uma ordem completamentejusta. Em ambos os casos, o iluminismo deve ser ínterme-diado pela publicidade: "P~-ª-l:l~Lser_.hum.ªn~.LiD-~qtyid:u.al-mente é difícil auto-elaborar~~_p.'~Xª~Cj,lé.m.çles.s.a.jrrH~t~g:idademi;10n1ãf1ã···qüe·~q~:ai~:·'.§.~::tQmQ~_!2"ª't.llI~Eª._P,ªnLele....._Mas"

"-"'~"'b"-l""'" , .. , 1 . 'b nns ível seque um pu .w() .~e esc areça.,a",Sl...rn.~.!')mq."e...,..~m..~~"_§_ ..,c,+;.....;diriã atf~qll,~·,..q1Jando.Jheé_,dada.~a-.libgrdade,,_~_.gllase jnevi-távelíj'-í57 I. Da perspectiva do Iluminismo, parece, por isso,clue"pensar por si mesmo coincidir com ~n.sar em voz alta158/, assim como o uso da razão coincidiria com a sua utili-zação pública: "É certo que se diz: a liberdade de falar oude escrever pode ser-nos retirada por um poder superior, masnão a liberdade de pensar. Até que ponto, porém, e com quegrau de correção iríamos pensar se não pudéssemos fazê-lode algum modo em comunhão com outros, aos quais comu-nicamos os nossos pensamentos e vice-versa?" 159/,

Kant, como os enciclopedistas, concebe o Iluminismo, ouso público da razão, inicialmente como coisa de eruditos,especialmente daqueles que trabalham com princípios darazão pura, portanto os filósofos. Como nas disputas dosescolásticos e nas famosas controvérsias da Reforma, a

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(questão gira em tomo de doutrinas e opiniões "que as facul-dades têm de acertar dentro delas mesmas sob nomes deteóricos ( ... ) e das quais o povo reconhece que nada conhe-ce" /60/. O conflito das faculdades realiza-se como discussãocrítica das faculdades inferiores com as superiores. Estas,Teologia, Direito e Medicina, baseiam-se de um ou de outromodo na autoridade. Elas também estão sujeitas à supervisãodo Estado, já que elas formam os "negociantes da erudição",padres, juizes e médicos. Estes apenas aplicam a ciência(entendem do artesanato, do sauoir taire», As faculdades in-feriores, pelo contrário, tem a ver com conhecimentos oriun-dos da razão pura. Seus representantes, os filósofos, indepen-dente dos interesses do governo, só se deixam orientar pelointeresse da razão. O seu espírito "dirige-se à exposição pú-blica da verdade" /61/. Em tal briga das faculdades, a razãoprecisa "ter o direito de falar 'abertamente, pois (senão) averdade não iria aparecer à luz do dia" /62/. E isto, comoKant acrescenta, em prejuízo do próprio governo.

A esfera pública, dentro da qual os filósofos exercem oseu artesanato crítico, não é, no entanto, apesar de seu cen-tramento acadêmico, algo meramente acadêmico. Assim comoa discussão dos filósofos se desenrola em face do governopara instruí-lo e sondá-lo, também ocorre ante o público do"povo" para induzi-lo a se servir de sua. própria razão. Aposição desse público é ambígua: por um lado, imaturo eainda necessitado do esclarecimento, constitui-se por outrolado, enquanto público, já com apretensão de uma maiori-dade daqueles que estão capacitados para o Esclarecimento.Pois, por fim,· serve para isso não Só o filósofo, mas todoaquele que sabe se utilizar publicamente de sua razão, Oconflito das faculdade é, por assim dizer, apenas a fornalhada qual emana o fogo do Esclarecimento e de onde semprede novo ele é atiçado. Não é só na república das pessoas ins-truídas que se realiza a esfera pública, mas no uso públicoda razão por parte de todos aqueles que aí se entendam. Cer-tamente eles precisam sair dos limites de sua esfera privada,como se fossem eruditos: "Entendo, no entanto, como usopúblico de sua própria razão aquele que se faz enquanto

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(pessoa instruída perante todo o público-leitor. Chamo de usoprivado aquele que ele pode fazer de sua razão num deter-minado posto ou cargo civil que lhe for confiado ... Neste,certamente não lhe é permitido discutir; trata-se de obedecer.A medida que, porém, essa parte da máquina se vê, ao mesmotempo, como membro de todo um ente comunitário, atémesmo da sociedade civil mundial, ainda por cima na quali-dade de uma pessoa culta que se volta, com entendimentopróprio, para um público através de textos, ele pode, todavia,raciocinar e argumentar ... " /63/. Daí resulta o postuladoda publicidade como princípio: "O uso público da própriarazão deve ser sempre livre e só isso pode fazer brilhar asluzes entre os homens; o uso privado da razão deve ser,porém, com 'freqüência, bastante limitado, sem, contudo,impedir especialmente através disso o progresso do Iluminis-mo" /64/. Cada um está convocado para ser um "publica-dor" que fala "através de textos ao público propriamentedito, ou seja, ao mundo" /65/.

Com "o mundo", em que o público se constitui, a esferapública é caracterizada enquanto esfera: Kant fala de conhe-cimento do mundoLpara ele homem é o homemdo mundo.Este sentIdo ~un'dãi11dáde~;"se--ã;tiCula"-~;cõn-ceitõ--decosrnopolítismo e, afinal, no do que há de melhor no mundolevando à Idéia de um mundo, que talvez apareça do modomais nítido no "conceito universal" da ciência - pois, naverdade, 'o mundo se estabelece -na comunicação de entesracionais. ~quanto que o conceitoescüráSfic'õ'-ãe--clêtíCiã"sódefine wna "habilidade para certos fins arbitrários", aqueleconceito de universalidade "concerne aquilo· que necessaria-mente interessa a qualquer um" /66/. Isso não é mundo nosen tido transcendental: quintessência de todos os fenôme-nos enquanto totalidade em sua síntese e, nessa medida, unoCom a "natureza". Esse "mundo" aponta muito mais paraa humanidade enquanto gênero, mas de tal modo como asua unidade se apresenta no fenômeno: o mundo daquelepúblico-leitor pensante que exatamente naquela época se de-senvolvia nas camadas burguesas amplas. É o mundo dos

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literatos, mas também dos salões, em que "as sociedades hete-rogêneas" trocavam idéias; aqui, nas casas burguesas, se es-tabelece o público. "Quando se presta atenção ao andamentodas conversas em sociedades heterogêneas, que não se cons-tituem apenas de sábios e sabichões, mas também de pessoasdo comércio e de senhoras, observa-se então que, além donarrar e do gracejar, ocorre ainda uma conversação, ou seja,o raciocinar" /67/.

O público pensante dos "homens" constitui-se em públi-co dos "cidadãos", no qual ficam se entendendo sobre asquestões da res publica. Essa esfera pública politicamente emfuncionamento torna-se, sob a "constituição republicana",um princípio de organização do Estado liberal de Direito. Emseu âmbito está estabelecida a sociedade civil burguesa comoesfera da autonomia privada (cada qual deve poder procurara sua "felicidade" por aquele caminho que lhe pareça útil).As liberdades civis são asseguradas através de leis gerais; àliberdade do "homem" corresponde a igualdade dos cidadãosperante a lei (abolição de todos os "direitos natos"). A pró-pria legislação se baseia na "vontade do povo decorrente darazão", pois leis têm sua origem empiricamente na "concor-dância pública" do público pensante: por isso é que Kanttambém as chama de leis públicas, diferenciando-as das leisprivadas que, como usos e costumes, não têm necessidade deserem reconhecidas expressamente /68/. "Mas uma lei pú-blica, que determina a todos o que juridicamente lhes deveou não deve ser permitido, é o ato de uma vontade pública,da qual emana todo o direito e que, portanto, não deve serinjusto com ninguém. Ora, essa não POde ser nenhuma outravontade senão a do povo todo (todos decidindo sobre todose, com isso, cada um sobre si mesmo)" /69/. Nisso, a argu-mentação segue completamente a de Rousseau, com umadecisiva exceção em um ponto: que o princípio da soberaniapopular /70/ só pode ser realizado pressupondo-se um usopúblico da razão. "Em cada sistema comunitário ( ... ) pre-cisa haver um espírito de liberdade, já que cada um, no quetange o dever universal humano, quer ser convencido atravésda razão, e que essa coação seja de acordo com a lei, para

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que ele não caia em contradição consigo mesmo." Limitar apublicidade ---: Kant diz isso com um olho voltado para aslojas maçônícas, então calorosamente debatidas - é a causadesencadeadora de todas as sociedades secretas. Pois é umavocação natural da humanidade a intercomunicação em tudoquanto diga respeito aQS homens !71/.Neste contexto é queaparece a liberdade da pena como "única salvaguarda dosdireitos do povo".

Já na Crítica da Razão Pura Kant tinha atribuído ao. 'consenso aberto dos debatedores públicos a função de um

controle pragmático da verdade: "A pedra de toque do testesobre se é uma convicção ou uma mera persuasão é, portanto,externamente, a possibilidade de comunicá-la e considerá-laválida para a razão de todo e qualquer ser humano" /72/. Aunidade inteligível da consciência transcendental correspon-de a concordância de todas as consciências ernpíricas que seefetua na esfera pública. Mais tarde, na Filosofia do Direito,essa "concordância de todos os juízos independente da diver-sidade dos sujeitos entre si" garantida pela publicidade, paraa qual em Kant só falta ainda o nome "opinião pública",recebe, para além de seu valor pragmático, um significadoconstitutívo: as ações políticas, ou seja, as ações voltadaspara o direito dos outros, só devem poder elas mesmas estarem concordância com o Direito e a Moral à medida que assuas máximas podem ter publicidade e mesmo a exigi-rem /73/. Diante do tribunal da esfera pública, todas asações poIí ticas devem poder ser remetidas às leis <tue asfundamentem e que, por sua vez, estão comprovadas perantea opinião pública como leis universais e racionais. No âmbitode um regime plenamente sujeito a normas (que reúne"numa ordem plenamente justa" a constituição civil e apaz eterna), a lei natural da dominação é substituída pelasoberania das leis jurídicas - a política pode passar a serfundamentalmente moral.

Mas como poderia ser garantida essa coincidência lumi-nosa da política com a moral enquanto esse Estado de Di-reito ainda não existe? Para torná-la efetiva, não basta se-quer o querer de todos os indivíduos humanos no sentido de

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viver mC.a constituição legal de acordo com principies deliberdade, ou seja, a unidade distributiva da vontade detodos; precisaria, além disso, da unidade coletiva da .vont~deconjuminada: todos juntos deveriam qu~rer ~sta situação.Em decorrência disso, também Kant acredita nao poder espe-rar nenhum outro começo de um estado legal a não ser pelopoder político. A tomada indireta do poder por parte daspessoas privadas reunidas num público não se enten?e, po-rém, a si mesma como política /74/, o auto-entendimentomoral da esfera pública burguesa obriga também àquelesesforços, que a sua função política ainda iria arranjar, auma abstinência em relação a métodos de um poder político,quanto aos quais a publicidade é que promete liberação. Kantresolve esse dilema histórico-filosoficamente. Mesmo sem acontribuição dos indivíduos interiormente livres, hão de seproduzir, segundo ele, relações externamente livres, sob asquais política poderá então desabrochar em moral. Comose sabe, Kant constrói um progresso da espécie humana euma melhoria de sua constituição social a partir da meraimposição da natureza, mesmo sem levar em conta aquilo queos próprios seres humanos deveriam fazer de acordo com asleis da liberdade; certamente esse progresso não se constituide um quantum crescente de moralidade, mas exclusivamentede um aumento dos produtos da legalidade /75/.

Quando a natureza do "antagonismo da sociedade" seserve das lutas no plano interno, bem como também dasguerras entre os povos, para desenvolver todas as disposiçõe.snaturais da humanidade numa "sociedade civil regida um-versalmente pela lei", então essa "constituição civil plena-mente justa" terá de ser ela mesma uma "unanimidade im-posta patologicamente", que só aparenta ser um "tc:.dom~ral".Nela, um problema terá encontrado a sua soluç_ao pratl~a,que Kant coloca da seguinte forma: "uma po~çao de entesracionais, que em conjunto solicitam leis gerais para a suasobrevivência, das quais cada um secretamente ten~e, noentanto, a se exceptuar: é preciso ordená-los e orgamzar asua constituição de tal modo que, embora er:n sua ~enta-[idade privada se contraponham, eles se refrelem reciproca-

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mente de tal modo que, em seu compor .iento público, aconseqüência disso seja como se não tivessem tais intençõesmaldosas" /76/ - uma variante do slogan de Mandeville:"priuaie uices, public beneiits".")

De acordo com essa tese básica, Kant desenvolve entãotambém os pressupostos de ordem sociológica da esfera pú-blica politicamente ativa: são toda vez correlatos à autono-mia privada das relações, deixadas à autonomia privada, deproprietários de mercadorias em livre-concorrência.

Ao público politicamente pensante, só proprietários pri-vados é que têm acesso, pois a sua autonomia está enraigadana esfera do intercâmbio de mercadorias e, por isso, tambémcoincide com o interesse em sua manutenção como uma esfe-ra privada: liA única qualidade exigida para isso, excetuadaa natural (que não seja uma criança, uma mulher), é: queele s~lQQriQo~nhºL._.J&Jldo portanto alguma pro-priedade (podendo aí ser computada qualquer arte, artesa-nato, talento artístíco ou ciência) que o sustente, ou seja,que ele, no caso de ter de receber de outros para viver, sóo faça através da alienação do que é dele e não através deuma permissão que ele dê a outros no sentido de fazeremuso de suas forças; por conseguinte, que ele nunca sirva senãoà res publica no sentido .autêntico da palavra. Ora, nissotodos os artesãos e grandes (ou pequenos) proprietários debens são iguais entre si (. o,)l' /77/0 Kant, notando o insa-tisfatório dessa diferenciação - "é, eu o reconheço, um tantoinsatisf'atório determinar as condições que é preciso preen-cher para poder, na posição de concidadão, ser o seu própriosenhor" -, chegou igualmente a uma delimitação precisaem relação ao que, mais tarde, passaria a ser chamado deassalariado-livre /78/. Enquanto os assalariados estão obriga-dos a trocar a força de trabalho como sua única mercadoria,os proprietários privados se correlacionam como donos demercadorias através da troca de artigos. SG-~uspróprios senhores, só eles devem ter o direito .d~y"otar, defazer---us'ü-plíbTlCo-cTãrazâo em~do modelar.

._-- -------._-_ .._--_._.'1") "Vícios privados, benefícios públicos" CNT).

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ELa. limitação só concorda, por sua vez, com o princípioda publicidade quando, dentro da privacidade, através doeficaz mecanismo da livre-concorrência /79/ vigoram chancesiguais para a aquisição de propriedade. Assim, o l~vre-inter-câmbio de mercadorias "pode acarretar, numa série de des-cendentes uma considerável desigualdade nas condições pa-trimoniais entre os membros de uma mesma categoria (mer-cenários e inquilinos, donos de terras e servos camponeses,etc.) ; só que ele não (deve) impedir que estes, quando o seutalento, o seu esforço e a sua sorte lhes possibilite,. possa~elevar-se às mesmas condições. Pois senão um pode na coagirao outro sem poder ser, por sua vez, coagido através de ~aação contrária ... Pode-se considerá-lo (a ~ualquer um) felizem qualquer circunstância quando está símptesmente c~n~-ciente de que ele só depende de si n:esmo ~de .seu patnmon!oou de sua vontade efetiva) ou de clrcunstancIas que el.e naopode atribuir a outrem, ficando ele sujeito à vontade me,xo--rável de outros, que ele não possa ascender ao. mesm_o lll,:elque outros que, ( ... ) no que tange ao direito, nao te~nenhuma superioridade em relação a ele" /80~. Sem f.en:,através disso, o principio da publicidade, os. nao-prop~l~ta-rios estão excluídos do público das pessoas pnva~as ~ollt.lca-mente pensantes. Neste sentido, eles também nao sao CIda-dãos mas pessoas que, com talento, esforço e sort:, podemtorn~r-se algum dia cidadãos: até nova ordem, sao meroscompanheiros, que gozam da proteção das leis, sem poderemeles mesmos fazê-las.

Kant partilhava da crença dos liberais de que, com aprivatização da sociedade civil burguesa, tais pressupostossociais se estabeleceriam por si como a base natural do Es-tado de Direito e de uma esfera pública capaz de funcionarpoliticamente, que eles talvez até já pudes~.rr: t~r-se ens~iado;e porque uma constituição social dessa espécie ] á parecia _ter~se configurado tão nitidamente como ordre naturel, nao edifícil a Kant supor histárico--filosoficamente o Est~d.o deDireito como decorrente de uma coação natural, permItmdo-lhe fazer da política uma questão de moral. A fjcçã~ de umajustiça imanente ao livre-intercâmbio de mercadonas torna

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plausível a equiparação de bourgeois e ho..cme, dos proprie-tários privados puni e simplesmente interessados com indi-víduos autónomos. A relação específica entre esfera privadae esfera pública, da qual decorre a duplicação do bourgeoissequioso de seus próprios interesses na figura do homtne nãosequioso de seus próprios interesses, do sujeito empírico du-plicado em sujeito inteligente, também 'possibilita consideraro citouen, o cidadão com' direito a voto, sob o duplo aspectoda legalidade e da moralidade. Em seu "patologicamente per-vertido" comportamento, ele pode aparecer ao mesmo tempocomo um homem moralmente livre, enquanto só através deuma intenção da natureza, ou seja, à base de uma sociedadeemancipada da dominação e neutralizada quanto ao poder,constituída por proprietários privados concorrentes, estáassegurada a concordância da esfera pública com a suaprópria concepção, conquistada a partir da esfera públicaliterária, ou seja, de tal modo que as pessoas privadas inte-ressadas, reunidas num público, se comportem externamentecomo se interiormente fossem livres. Sob os pressupostossociais que traduziriam private uices em public uirtues, é con-cebível uma situação cosmopolita e, com isso, possível sub-sumir empiricamente a política à moral. Essa ordem cosmo-polita pode fazer a res publica noumenon aparecer como respublica phaenomenon; pode reunir, sobre a mesma base daexperiência, duas legislações heterogêneas, sem que uma atueem detrimento da outra: a das pessoas enquanto donos demercadorias conduzidas por interesses privados e, ao mesmotempo, a dos seres humanos espiritualmente livres. Assimcomo no âmbito social, a relação do fenomênico com o riou-mênico se coloca para o mundo de um modo geral, de acordocom o exposto na solução da terceira antinomia da razãopura, do seguinte modo: toda ação deve ser considerada comosendo, em relação à sua causa inteligível, livre e, mesmoassim, em vista de sua existência empírica, ao mesmo tempocomo necessária, ou seja, como parte integrante da sérietotalmente causal que encadeia todos os eventos elo mundosensível /81/.

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ÉC_.cto que Kant não pode manter de modo conseqüenteessa diferenciação, central para o seu sistema, na filosofiapolítica - ele não pode, a sério, tornar lels, da razão práticadependentes de condições empíricas. A medida que, porém,aquela base natural do Estado de Direito se torna questio-nável enquanto tal, o estabelecimento de um Estado de Di-reito - que até então era o pressuposto de uma políticamoral - precisa ser transformado, ele mesmo, em conteúdoe tarefa da política. Também a esfera pública, que teria portarefa harmonizar a política com leis da moral, ver-se-iaacrescida de uma nova função, uma função que, ao final dascontas, não se deixaria mais interpretar dentro do sistemakantiano.

Seja quem for o agente político, o príncipe, um partido,alguém nomeado para a chefia ou o cidadão individual, seeles não querem se orientar por. leis já existentes, mas pre-tendem introduzir primeiro uma ordem legal, não basta estarafinado numa concordância meramente negativa com o arbí-trio de todos os demais - precisa-se, muito mais, procurarexercer uma influência positiva sobre o arbítrio deles. Issopode ocorrer através da força e, ern regra, é assim que ocorre.Influenciar a vontade de outros, quando isso transcorre mo-ralmente, exige, no entanto, orientar-se pelas intenções geraisdo público, ou seja, que se tenha em vista o bem-estar dasociedade civil burguesa como um todo. A intenção moral deuma ação precisa ser, com isso, no âmbito de uma tal política,controlada pelo seu possível êxito no mundo empírico. A vir-tude política não deve ser indiferente a felicidade: todas asmáximas da ação política precisam, agora, da publicidadepara coincidirem univocamente com o direito e a política,exatamente porque "precisam ser adequadas à intençãogeral do público (a felicidade) li, pois seria a autêntica tarefada política "torná-lo satisfeito com a sua situação" /82/. Noentanto, no mesmo ensaio ainda havia sido dito anterior-mente: "As máximas políticas não devem originar-se dobem-estar ou da felicidade de cada um dos Estados, portantonão da finalidade que cada um deles torna seu objeto ( ... )como o supremo ( ... ) princípio da sabedoria do Estado, mas

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do puro conceito de obrigação jurídica, q•...ísquer que sejamas conseqüências f.ísicas daí decorrentes" /83/.

Sob o pressuposto histórico-filosófico de uma já existentebase natural de um estado de direito, Kant podia e até tinhade separar a segurança do Estado do bem-estar de seus cida-dãos, separando, assim, moralidade de legalidade. Mas ele nãoconfia integralmente nesse pressuposto; isso mostra a ambi-valência de sua filosofia da história, na qual, ao lado dasmuitas assertivas conformistas em relação ao sistema, queexcluem a moralidade em relação ao progresso e reservama este uma multiplicação dos produtos da legalidade, encon-tra-se também a contraditória confissão de que "como ogênero humano, do ponto de vista da cultura, que é a fina-lidade natural dele, está em progresso constante, ele estariatambém progredindo em direção ao melhor do ponto de vistada finalidade moral de sua existência" /84/. E no mesmocontexto: "Quanto a isso, pode-se dar algumas provas de queo gênero humano como um todo, em nossa época, comparan-do-a com todas as anteriores, realmente progrediu na direçâodaquilo que é propriamente melhor" /85/. Se o próprio estadode direito só pode ser instaurado politicamente, e isso atravésde uma política conduzida em consonância com a moral, oprogresso da legalidade depende diretamente de um progres-so na moralidade e a res publica phiinomenon; torna-se pro-duto da própria res publica nournenon: "( ... ) aí, todos ostalentos são desenvolvidos pouco a pouco, o gosto é formadoe, até mesmo por um ilumínísrno continuado, inicia-se afundação de um modo de pensar que, com o tempo, podetransformar a grosseira disposição natural em discernimentoético quanto a determinados princípios práticos e, assim,finalmente, um acordo feito patologicamente em vista doestabelecimento de uma sociedade pode transformar-se numtodo moral" /86/.

A relação da res publica pluinomenon. com a res publicanoumenon não se submete mais à, relação fixada teorica-mente de f.enômeno com essência. "A idéia", é dito na disputada faculdade filosófica com a jurídica, "de uma constituiçãocoincidente com o direito natural dos homens: ou seja que os

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que otC_.ççam à lei também devam ser, reunidos, legislado-res, está também subjacente a todas as formas de Estado, eque o ente comum que, de acordo com isso, pensado atravésde puros conceitos da razão, significa um ideal platônico(res publica noumenony, não é uma vazia fantasia, mas sima eterna norma para toda e qualquer constituição burguesa,afastando toda guerra" /87/. Ora, lembrando o uso kantíanode "Ideal", que quer dizer uma idéia in ituiuruiuo, ou seja,uma coisa individual só determinável ou só determinadaatravés da idéia /88/. O ideal é, nessa concepção, ainda maisdistante da realidade do que a idéia; a ambos só pode seratribuída uma função regulatíva: assim como a idéia ditaa regra, também o ideal serve de protótipo para a definiçãode uma cópia, sendo sempre apenas "diretriz de nossa ação"

, e completamente diferente do "ideal" de Platão, pois este lheteria falsamente atribuído significado constitutivo por ser doentendimento divino. Tanto mais espantoso é que, no con-texto da passagem por nós citada, a res publica nournenonseja expressamente chamada de um ideal platônico. Isso nãoé apenas um engano, pois como adendo é dito aí: uma "socie-dade civil burguesa organizada de acordo com esse ideal éa representação .dela de acordo com leis da liberdade atravésde um exemplo na experiência (res publica ptuienomenonse só pode ser conseguido penosamente depois de múltiplashostilidades e guerras; mas a sua constituição, uma vez quetenha sido conquistada em seus traços básicos, qualifica-secomo a melhor de todas". Já a frase anterior também tinhasido concluída significativamente no mesmo sentido: "( ... ) eafasta toda guerra." Na própria definição do ideal é dito,contudo: "Mas querer realizar o ideal em um exemplo, como,por exemplo, o sábio em um romance, não é factível e, alémdisso, tem em si algo de contra-senso e pouco construtivo àmedida que as barreiras naturais, que continuamente inter-rompem a plenitude na idéia, tornam impossível qualquerilusão em tais tentativas e, através disso, tornam suspeitoo próprio bom que há na idéia e o tornam parecido com umamera ficção" /89/.

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Na filosofia política de Kant há âuc; versões nitida-mente dístlnguíveis. A oficial utiliza-se da construção de umaordem cosmopolita decorrente apenas da imposição da natu-reza, sob cujo pressuposto a doutrina jurídica pode entãodeduzir as ações políticas como se fossem ações morais: numestado de direito, de qualquer modo já existente (ou seja,aquelas condições extrínsecas sob as quais realmente podeser agregado um direito ao ser humano), uma política moralnão quer dizer mais que um comportamento correto porobrigação decorrente de leis positivas. A soberania das leisé conseguida através da- publicidade, ou seja, através de umaesfera pública cuja capacidade funcional é imposta sobretudocom a base natural do estado de direito.

A ou tra versão da filosofia da história, a não-oficial,parte de que a política primeiro deva tratar de estabelecerum estado de direito. Por isso é que ela se utiliza da cons-trução de urr:~ ordem cosmopolita decorrente de imposiçãonatural e ~lltlCa m~ral ao mesmo tempo. Política não podeser entendida exclusivamenta como um agir exclusivamentemoral,. com~ .um comportamento de acordo com obrigaçõessob leis positivamente existentes: a positivação delas comometa autêntica de sua ação precisa muito mais levar emconta uma vontade coletiva unificada no interesse geral dopúblico,. ou seja, em seu bem-estar. Isto, por sua vez, deveser efetívado através de publicidade. Mas, agora, a publicida-de deve mediatizar política e moral num sentido específico:nela, ~eve efetuar-se uma unificação inteligível dos objetivosempiricos de todos, legalidade deve decorrer de moralidade.

Com essa intenção é que a filosofia da história deveass~mi.r o encargo de induzir o público, pois nela, como pro-pede~tl~a. de um estado cosmopolita, as leis da razão passama coíncídír com as necessidades do bem-estar: ela mesmaprecisa tornar-se opinião pública. Assim é que se chega ànotável implicação da filosofia da história; ela avalia o efeitoretroativo de uma teoria da história sobre o seu próprio per-curso: "A tentativa filosófica de elaborar toda a históriamundial de acordo com um plano da natureza, que intencio-ne a perfeita reunificação civil na espécie humana, precisa

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ser vista como possível e até mesmo exigida para esse propó-sito da natureza" /90/. Com esclarecimento progressivo,"uma certa parte do coração, que o homem esclarecido nãopode deixar de assumir do que é bom e que ele entende per-feitamente,· há de subir pouco a pouco aos tronos" /91/.Assim, a própria filosofia da história deverá tornar-se partedo Iluminisrno, que e1a diagnostica como caminho da histó-ria, ou seja, por seus conhecimentos ingressarem no raciocí-nio do público. Kant, no contexto de sua "veraz história dahumanidade", dedica conseqüentemente um parágrafo pró-prio às dificuldades "colocadas aos princípios para o progres-so universal em vista de sua publicidade" /92/. Para a doutri-nação pública do povo seriam conclamados os professores dedireito, melhor dito, os filósofos, que, sob o nome de ilumi-nistas, são apontados como perigosos para o Estado. Oavanço para um mundo melhor necessitaria, porém, daatividade deles em toda a esfera pública - "assim, a proi-bição da publicidade impede o progresso de um povo parao melhor". /93/.

As conseqüências, sabotadoras do sistema, de uma filo-sofia da história que, em sua intenção e eficácia política,ainda era imanente ao sistema, aparecem exatamente nacategoria da publicidade por ela pretendida: no percursohistórico de sua concretização, como correspondência à uni-dade inteligível da consciência, a razão exige uma unificaçãodas consciências empíricas: a publicidade deveria interme-diar uma com a outra; a sua generalidade é sobretudo a deuma consciência empírica, à qual a filosofia do direito deRegel há de dar o seu nome: opinião pública.

Sem forçar, a noção de publicidade só se submeteu àscategorias do sistema kantiano enquanto a distinção, inicial-mente necessária para a filosofia política, entre sujeito empí-rico e sujeito inteligível, entre mundo fenomênico e mundonoumênico, podia apoiar-se na hipótese social do modeloliberal de esfera pública: com a clássica relação de bourgeois-tiomme-ciiouen, podendo contar exatamente com a sociedadeburguesa como aquela ordre naiurel que converte private

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inces em public virtues. Porque uma série de ficções, em queo auto-entendimento da consciência burguesa se articulacomo opinião pública, adentram-se no sistema kantiano, podeser de novo ganha a idéia de esfera pública burguesa exa-tamente em sua conexão com o pressuposto de uma basenatural do estado de direito. Não é por acaso que o conceitode publicidade, assim que não pode mais estar certo dessaligação, volta-se contra os fundamentos do próprio sistema.Já Hegel há de colocar expressamente em dúvida que asociedade burguesa pudesse vir alguma vez a funcionar comouma tal ordem natural. Embora base natural do estado dedireito, a esfera privatizada do intercâmbio de mercadoriase do trabalho social ameaça sucumbir em seus conflitos ima-nentes. Em tais circunstâncias, também a esfera pública nãoserve mais como princípio de mediação entre política e moral- no conceito hegeliano de opinião pública, a idéia da esferapública burguesa já passa a ser denunciada como ideologia.

§ 14 - Para a dialéiica da esfera pública (Hegel e Marx)

No público das pessoas privadas pensantes se desenvolveo que em Kant se chama de "concordância pública"; emRegel, de "opinião pública"; nela encontra a sua expressão"a universalidade empírica dos pontos de vista e dos pensa-mentos dos muitos" /94/. A primeira vista, Hegel parecedefinir essa grandeza só em nuances diversamente de Kant:liA liberdade formal, subjetiva, que os indivíduos enquantotais têm e expressam em seus próprios juizos, opiniões econselhos, encontra a sua manifestação no contexto do quese chama de opinião pública" /95/. Explicando este parágra-fo, ele define a função da esfera pública de acordo com omodelo do século XVIII, ou seja, como racionalização dadominação: "O que agora deve ter vigência, não vige maisatravés da força e pouco através de usos e costumes, massim através da compreensão e de razões"; e um pouco maisadiante: "O princípio do mundo moderno faz com que o quecada um deva reconhecer lhe apareça como algo que se jus-

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(tífica" /96/. E assim como .Kant considera a publicidade doraciocínio como a pedra de toque da verdade, em que consi-derar algo verdadeiro pode-se comprovar como válido paraa razão de qualquer ser humano, assim também Hegel con-sidera a opinião pública, "pois é uma coisa diferente o quealguém se imagina em casa, com sua mulher ou seus amigos,e o que acontece numa grande assembléia, onde uma sensa-tez devora a outra" /971. Por outro lado, impregna a opiniãopública também o ocasional da generalidade apenas formal,que encontra a sua substância em uma outra coisa que nãoela: ela é o conhecimento apenas como aparição. A medidaque a utilização pública da razão é uma coisa de pessoa culta(conf. Kant, "O Conflito das Faculdades"), o conhecimentotranscende o seu mero fenômeno; por isso é que, para Hegel,a ciência fica fora do âm bi to da opinião pública: "As ciên-cias se elas são verdadeiramente ciências, não se encontramde maneira nenhuma no terreno da opinião e dos pontos devista subjetivos, e também a sua exposição não consiste naarte dos torneios retóricas das alusões, dos sub-entendidos edos escamoteamentos, ma; na enunciação inequívoca, defini-da e aberta do significado e do sentido; elas não recaem nacategoria daquilo que constitui a opinião pública" /98/.

Tal degradação da opinião pública resulta, necessaria-mente, do conceito que Hegel tinha da sociedade burguesa.Bem que ele louva uma vez as leis dela, apontando a Econo-mia Política de Smith, Say e Ricardo como aparência deracionalidade mas a sua visão do caráter ao mesmo tempoanárquico e antagõnico desse sistema de necessidades destrói,decididamente, as ficções liberais, sobre as quais repousava_ oauto-entendimento da opinião pública como sendo a razaonua e crua. Hegel descobre a profunda divisão da sociedadeburguesa, que "não só não supera dialeticamente ( ... ) adesigualdade ( ... ) posta por natureza, mas ( ... ) eleva-a auma desig-ualdade das aptidões, da fortuna e até mesmo daformação intelectual e moral" /99/. Pois "mediante a gene-ralização da vida conjunta dos homens através de suas neces-sidades e dos modos e meios' de evitá-las e satisfazê-las, au-menta o acúmulo de riquezas ( ... ) por um lado, assim como,

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· . (ser:recy m areas ... considereâ public" 1·) /htl/. A esfera pú-bl~c~ parece ~rder a força de seu princípio, publicidadec~Itlca, à ,medI?a que ela se amplia enquanto esfera, esva-zíando, alem disso, o setor privado.

"Duas tendências p~rturbado~as: primeiro, uma conseqüentedesconslde:aç~o do direito Indívlduaj à privacidade; e, segundo,uma tendência no sentido de publicidade a menos com umc~nsequente incremento de segredo em áreas con'sideradaspublicas." (NT). . ..

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v - MUDANÇA NA ESTRUTURA SOCIAl" DAESFERA PÚBLICA

§ 16 - Interpenetração progressiva da esfera pública com° setor privado.

A esfera pública burguesa- desenvolve-se no campo detensões entre Estado e sociedade, mas de modo tal que elamesma se torna parte do setor privado. A separação radicalentre ambas as esferas,na qual se fundamenta a esfera pú-blica burguesa, significa inicialmente apenas o desmantela-mento dos momentos de reprodução social e de poder políticoconjugados na tipologia das formas de dominação da IdadeMédia avançada. Com a expansão das relações económicasde mercado, surge a esfera do "social", que implode as limi-tações da dominação feudal e torna necessárias .forrnas deautoridade. administrativa. A medida que é intermediada pelosistema de trocas, a produção liberta-se de competências daautoridade pública - e, por outro lado, a administração des-carrega-se de trabalhos produtivos. O poder público concen-trado nos Estados nacionais e territorias eleva-se acima deuma sociedade privatizada, seja lá como for que, de início,o seu intercâmbio passe a ser orientado por intervenções dasautoridades. Tal esfera privada só evolui para uma esfera deautonomia privada à medida que se emancipa da regulamen-tação mercantilista. Também a inversão dessa tendência, ocrescente intervencionismo estatal, delineado desde o últimoquartel do século XIX, já não leva, portanto, por si a umainterpenetração da esfera pública com o setor privado: trans-

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(cendendo a separação vigente entre Estado e sociedade, umapolítica intervencionista ~ que foi chamada de neomercanti-lista .:..- poderia limitar a autonomia das pessoas privadas,sem tocar, no entanto, no caráter privado de seu intercâm-bio enquanto tal. Como esfera privada, a sociedade só é colo-cada em questão quando as próprias forças sociais conquis-tam competências de autoridade pública. A política "neo-mercantilista" anda, então, lado a lado com uma espécie ele"refeudalização" da sociedade.

O novo intervencionismo do crepúsculo do século XIXé levado a cabo por um Estado que, através da constitucio-nalização de uma esfera pública politicamente ativa (naAlemanha, certamente, ainda muito limitada) que tende aestar ligada aos interesses da sociedade burguesa. Em decor-rência disso, as intervenções do poder público no processo detrocas das pesoas privadas intermediam impulsos que, me-diatamente, se originam de sua própria esfera. O interven-cionismo se origina de uma tradução de tais conflitos deinteresses, que não podem mais ser desencadeados apenasdentro da esfera privada, para o âmbito político. Assim, alongo prazo, ao intervencionismo estatal na esfera socialcorresponde também a transferências de competências pú-blicas para entidades privadas. E à ampliação da autoridadepública a setores privados também está ligado o processocorrelato de uma substituição de poder público por podersocial. Somente esta dialética de uma socialização do Estadoque se impõe, simultaneamente com a estatização progressi-va da sociedade, é que pouco a pouco destrói a base da esferapública burguesa: - a separação entre Estado e sociedade.Entre ambos e, ao mesmo tempo, a partir de ambos, surgeuma esfera social repolitizada, que escapa à distinção entre"público" e "privado". Ela também dissolve aquela parteespecifica do setor privado em que as pessoas privadas reu-nidas num público regulam entre si as questões gerais deseu intercâmbio, ou seja, a esfera pública em sua configu-ração liberal. A decomposição da esfera pública, que é de-monstrada na alteração de suas funções políticas (capítulo

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( -VI), está fundada na mudança estrutural das relaçoes entreesfera pública e setor privado (capítulo V).

A partir da grande depressão que começa em 1873, aera liberal marcha para o seu fim, com uma visível revira-volta também na política comercial. Pouco a pouco, todosos países capitalistas avançados sacrificam, em favor de umnovo protecionismo, os sagrados mandamentos do iree trade,aos quais, de qualquer modo, somente a Inglaterra tinhaaderido, já por dominar sozinha o mercado mundial. Igual-mente se reforça nos mercados internos, sobretudo nas in-dústrias centrais, a tendência ao oligopólio, A isto corres-ponde a movimentação no mercado de capitais. A::, sociedadespor ações na Alemanha, bem como a irust company nosEstados Unidos demonstram ser um eficaz veículo da con-centração. ESS~ evolução logo desencadeou uma legislaçãoantí-trust nos Estados Unidos e uma legislação contra car-téis na Alemanha. Significativamente, as duas jovens naçõesindustriais superam nisso tanto a França como também,. s.?-bretudo, a Inglaterra, onde o capitalismo tem uma ~radlçaomais longa e contínua, estando de qualquer modo mais fo~te-mente enraigada no assim chamado perío~~ manuf~tur.elro.Na Alemanha recérn-uniücada, peJo contrário, o capIta!ls,n:-0industrial só se desenvolve, "espontaneamente" com o inicio

do período imperialista, portanto sob a coação de se ass,eg~-rarem esferas politicamente' privilegiadas para o comercioexterior e a exportação de capital /1/. A adesão ao desenvol-vimento, europeu-ocidental e norte-america~o, do ~stado ~r-lamentar de Direito é inicialmente tornada impossível dev:.doà alteração de funções, sobretudo pelo aumento das tunçõesque o capitalismo nesta fase exige da máquina do Estado /2/.

As limitações da concorrência no mercado de artigos deconsumo, seja através da concentração do capital e ~a con-jugação de grandes empresas que passarr; a assumIr. ~rr:aposição oligopólica, seja diretamente atraves de uma dlVls_aodo mercado por via de acordos quanto a preço ,e produçao,isso é algo que se impõe internacionalmente ~o .últl:n0 terçodo século passado. O antitético jogo de tc:nde?CI.as a .expa~-são e à recessão que o sistema de livre-câmbio jamais teria

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(deixado manifestar-se nem se afirmar como motor da evo-lução do c~pital financeiro e comercial, condiciona por suavez o.: ~ovImentos d_ocapital industrial e faz com que, aocontrário do que supoem as deformações óticas da Economiaclássica, a er~ liberal seja apenas um episódio: da perspectivado desenvolvimento global do capitalismo, o período entre1775 e 1875 aparece só como "vast secular boom" 1·) /3/. Oque Say, com a sua lei famosa, atribuía simplesmente aocapitalismo do lai~s~z-faire, ou seja, um equilíbrio que auto-maticamente surgiria do ciclo econômico global da produçãoe do consumo, não dependia, efetivamente, do sistemaen-qua:r:~ tal, ma.s de condições históricas concretas /4/ que semodificaram amda no transcorrer do século, não sem a in-fluência do antagonismo do próprio modo de produção caoi-talista. Aliás, a lei de Say também falha quanto ao fato 'deq~e o ~quilíbrio do sistema, após cada superação de umacrrse, nao se recoloca automaticamente de novo no nível maisalto que possa ser alcançado pelas forças produtivas dis-poníveis. .

~o longo dessa evolução, a sociedade burguesa aindaprecisa dar-se uma leve aparência de ser uma esfera neutraem relação ao poder. O modelo liberal, na realidade um mo-delo da economia do comércio em pequena escala só tinha?re~i~to :elações de trocas horizontais entre pr~prietáriosindividuais de mercadorias: havendo livre-concorrência epreços independentes, então ninguém deveria poder obtertanto poder que lhe fosse permitido dispor sobre um outro.Contra tais expectativas concentra-se agora, porém, casohaja concorrência imperfeita e preços independentes, o podersocial em mão privada /5/. Na tes.situra das relações verticaisentre unidades coletivas, constituem-se relaçõe.s que são emparte de dependência unilateral, em parte de pressão recí-prcca. Processos de concentração e processos de crise arran-cam o véu que encobre a "troca por equivalentes" e desvelama estrutura antagônica da sociedade. Quanto mais ela semostra como um relacionamento simplesmente coercitivo,

)' ) Enorme explosão secular.

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tanto L .s urgente se torna a necessidade de um Estadoforte. Com razão é que Franz Neumann /6/ apresenta aobj eção ao "Estado vigia da noite": a de que ele teria sidosempre tão forte quanto o exigia a situação política e socialno interese burguês /7/. Mesmo assim, enquanto o Estadoainda era um Estado liberal, fazia exatamente parte dessesinteresses que, a grosso modo, a esfera da troca de merca-dorias e do trabalho social ficasse resguardada para a auto-nomia privada (a não ser que já se visse, como Achinger /8/,na introdução do ensino e do serviço militar obrigatórios ocomeço da intervenção estatal na esfera privada). A tal de"centralização do poder governamental", que se tornou àmesma época um problema para Marx e para Tocquevílle,a rigor ainda não tocava na relação que é ccnstítutíva parao Estado de Direito burguês: a relação entre setor público esetor privado. Mesmo o interesse, do qual a grande indústriaparticipa, no sentido de ampliar o aparelho militar a fim deconquistar e assegurar mercados externos privilegiados, re-força de início apenas uma das funções existentes no poderpúblico. Só quando novas funções são acrescidas ao Estado éque a barreira entre ele e a sociedade começa a balançar.

Por um lado, concentração de poder na esfera privadado intercâmbio de mercadorias e, por outro, a esfera públicaestabelecida, com a sua institucionalizada promessa de acessoa todos, reforçam uma tendência dos economicamente maisfracos: contrapor-se, agora com meios políticos, a quem sejasuperior graças a posições de mercado. Na Inglaterra, em1867 e 1883 houve reformas eleitorais; na França, NapoleãolU havia introduzido o sufrágio universal; as conseqüênciasconservadoras do seu plebiscito é o que Bismarck tinha emmente ao adotar o sufrágio universal na constituição, primei-ro da Federação da Alemanha do Norte, depois do recém-criado Reino Alemão. Apoiadas nessa possibilidade formal-mente permitida de participação política, as camadas pobres,bem como as classes ameaçadas de pauperização, procuravamconquistar uma influência que deveria compensar politica-mente a igualdade de oportunidades que é violada no setor

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econômico (caso um dia ela sequer tenha \__.rstido): A des-vinculação da esfera pública frente aos interesses privadosfracassou assim que as próprias condições em que deveriaocorrer a privatização dos interesses foram trazidas para adisputa dos interesses organizados. Os sindicatos não só for-mam no mercado de trabalho um contrapeso organizado,mas, através dos partidos socialistas, pretendem influir sobrea própria legislação; os empresários, as "forças conservado-ras do Estado" de modo geral, como eles têm sido desdeentão chamados, vão de encontro a isso com a imediata con-versão de sua força social privada em f.orça política. A leianti-socialísta de Bismarck é um caso exemplar; mas o segurosocial que ele organiza à mesma época também mostra emque medida a intromissão do Estado na esfera privada preci-sa ceder às pressões vindas de baixo. As intervenções do Es-tado na esfera privada a partir do final do século passadopermitem reconhecer que as grandes massas, agora admitidasà cogestão, conseguem traduzir os antagonismos econômicosem conflitos poIíticos: as intervenções vão em parte ao en-contro dos interesses dos economicamente mais fracos, emparte também servem para repeli-los. Uma nitida contabili-dade quanto a interesses privados coletivos de um ou deoutro lado não é sempre fácil de fazer em caso isolado. Deum modo geral, no entanto, as intervenções do Estado, mes-mo onde tenham sido obtidas contra interesses "dominan-tes", estão no interesse da manutenção de um equilíbrio dosistema que não possa mais ser assegurado através do mer-cado-livre. Strachey extrai daí a conseqüência, só prima[acie P) paradoxal, "de que exatamente a luta das forçasdemocráticas contra o capitalismo é que possibilitou ao sis-tema continuar existindo. Pois não só ela tornou suportá-veis as condições de vida do trabalhador: ela manteve aomesmo tempo abertos os mercados de colocação dos produtosacabados, impedindo um ataque suicida do capitalismo, de-vido à distribuição cada vez mais desigual dos salários" /9/.

I' ) À primeira vista (NT).

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(Este mecanismo, que Galbraith também analisou no

aspecto dos countervailing pouiers 2*) /10/, explica a conexãoentre a tendência à concentração de capital /11/ e um cres-cente intervencionismo estatal. Um ponto de referência paraa crescente atividade do Estado já é dado pelos numeráriosdos orçamentos estatais /12/. Mesmo assim, este critérioquantitativo continua insuficiente; só uma análise qualita-tiva das intervenções públicas na esfera privada permite re-conhecer nitidamente que o Estado não só amplia as suasatividades dentro das antigas funções, mas que, sobretudo,ele conquistou uma série de novas funções adicionais. Aolado das tradicionais funções de guardar a ordem, que, noplano interno, o Estado assumia através da polícia, da jus-tiça e de uma política de impostos aplicada muito cautelosa-mente, e que, no plano externo, apoiado nas forças armadas,ele assumia até mesmo na época liberal, surgem agora fun-ções de estruturação /13/. A sua especíücação é naturalmen-te tanto mais fácil quanto mais, no 'transcorrer do século :XX,se diferencia o leque nas tarefas do Estado-social. Já aventa-mos a tarefa de proteger, indenizar e compensar os grupossociais mais fracos: trabalhadores e funcionários, inquilinos,usuários, etc. (neste âmbito recaem, por exemplo, as medidascom o objetivo de redistribuir a renda). - Outra é a situaçãoda tarefa de prevenir, a longo prazo, modificações da estru-tura social ou, então, ao menos de atenuá-las, ou, no entanto,apoiá-las planejadamente, até mesmo dirigi-las (aqui perten-ce um complexo como a política da classe média). - O poder,repleto de conseqüências, de influenciar os investimentos pri-vados e de regulamentar os investimentos públicos já caemno círculo mais amplo de tarefas de um controle e de umequilíbrio de todo o ciclo económico. Os processos de concen-tração não só provocaram o plano de uma política conjun-tural; eles também criam, além dessa tendência a formargrandes unidades, certos pressupostos que tornam finalmentepossível uma tal política em grande estilo: ou seja, a econo-

~') Poderes contravalentes, a compensação dos poderes, o sistemade contravalentes entre os poderes

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mia se torna, na mesma medida, acessível \",-,smétodos econo-métricos da Economia Política, sendo eles introduzidos na In-glaterra, nos Estados Unidos e no Canadá pouco antes derebentar a II Guerra Mundial /14/.

Enfim, o Estado assume, além das atividades administra-tivas habituais, inclusive prestações de serviço que até entãoeram deixadas à iniciativa privada: seja confiando tarefaspúblicas a pessoas privadas, seja coordenando atividades eco-nômicas privadas através de planos de metas /15/ ou se tor-nando, ele mesmo, ativo enquanto produtor e distribuidor.Obrigatoriamente amplia-se o setor dos serviços públicos"porque, com o crescimento econômico, tornam-se efetivosfatore.s capazes de alterar a relação entre custos privados ecustos sociais" /16/. Ao lado dos custos públicos da produ-ção privada, surgem, proporcionalmente ao crescente poderde compra das grandes massas, custos públicos do consumoprivado /17/.

A fórmula da "previdência coletíva" encobre a multi-plicidade das funções recém-acrescidas ao Estado-social /18/e também a multiplicidade de interesses privados coletiva-mente organizados, que se entre cruzam e que estão subja-centes a este crescimento. Através de leis e de medidas admi-nistrativas, o Estado intervém profundamente na esfera dointercâmbio de mercadorias e do trabalho social, pois os in-teresses concorrentes das forças sociais se transformam emdinâmica política e, intermediadas pelo intervencionismo es-tatal, retroagem sobre a própria esfera. Examinando-se issoa grosso modo, a "influência democrática" sobre o ordena-mento econômico não pode ser negada: a massa dos não-proprietários conseguiu, através de intervenções públicas nosetor privado agindo contra a tendência à concentração decapital e à organização oligopólica, fazer com que a sua par-ticipação nos rendimentos do povo não pareça ter diminuídoa longo prazo, mas, até a metade de nosso século também,não ter aumentado de modo essencial /19/.

Ora, já que o intervencionismo decorre de tais contex-tos, os setores sociais protegidos por intervenções devem serrigorosamente diferenciados de uma esfera social apenas re-

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gulamentCua pelo Estado - as próprias instituições privadasassumem em grande parte um caráter semi-oficial; pode-sefalar diretamente do quasi pouticcü character Df private eco-nomic uniis 1+) /20/. A partir da esfera privada publicamenterelevante da sociedade civil burguesa constitui-se uma esferasocial repolitizada, em que instituições estatais e sociais sesintetizam em um único complexo de funções que não é maisdiferenciável. Essa nova interdependência de esferas atéentão separadas encontra a sua expressão jurídica na ruptu-ra do sistema clássico de Direito Privado.

Na sociedade industrial organizada como Estado-socialmultiplicam-se relações e relacionamentos que não podemser suficientemente bem ordenados em institutos quer doDireito Privado, quer do Direito P&blico; obrigam, antes, aintroduzir normas do assim chamado Direito Social.

A crítica socialista quanto ao caráter meramente formaldo Direito burguês sempre sntatizcu que a autonomia garan-tida pelo Direito Privado só beneficiaria igualitariamente atodos os sujeitos de direito à medida que iguais chances deêxito econômico permitissem a realização da igualdade juri-dicamente estatuída /21/. Uma vez que a separação dos pro-dutores em relação aos meios de produção, a relação de clas-ses que o capitalismo industrial desenvolve plenamente noséculo XIX transformou a relação jurídica da igualdadeformal entre capitalistas e assalariados numa relação fáticade subordinação, a sua expressão no Direito Privado eS,camo-teava um poder quase-público, Karl Renner /20/ analisou ainstituição central do Direito Privado, a propriedade dosmeios de produção, e suas garantias conexas, as liberdadesde contratar' de empreender e de herdar, e, deste ponto devista, aíírmou que, de acordo com as suas funções efetiv~s,elas deveriam ser consideradas partes integrantes do DireItoPúblico: ao capitalista, o Direito Privado asseguraria o exer-cício de um. "poder de comando publicamente delegado", Porisso no mais tardar desde o término da Primeira GuerraMundial, também a evolução jurídica acompanha até certo

1*) o caráter quase po litico de unidades econômicas privadas (NT).

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ponto a evolução social e acarreta o surgímento de uma com-plicada mistura de tipos que, de inicio, foi registrada sob arubrica "publicização do Direito Privado" 123/; mais tardeaprendeu-se a considerar o mesmo procedimento também sobo ponto de vista inverso, o de urna prívatízação do DireitoPúblico: "elementos do Direito Público e elementos do DireitoPrivado se interpenetram mutuamente até a incognoscibili-dade e a índissolubilidade" 124/.

O direito de propriedade não é limitado apenas medianteas intervenções económicas já aventadas, mas igualmenteatravés de garantias jurídicas que deveriam restabelecer emsituações sociais típicas, também materialmente, a igualdadeformal de contratar. Contratos coletívos que, de modo exem-plar no Direito Trabalhista, passam a ocupar o lugar doscontratos individuais, dão garantias ao parceiro mais fraco.Cláusulas cautelares no interesse do inquilino fazem com queo contrato de aluguel já quase se torne, para o locador, umarelação de uso público do espaço. E, assim corno os operáriose inquilinos, também os usuários gozam de garantias espe-ciais. Evoluções similares configuram-se no direito relativoa empresas, a conjuntos habitacionais e no direito de família.Medidas preventivas quanto à segurança pública restringemàs vezes os proprietários de empresas, terrenos, prédios ,etc.numa medida tal que se chegou a falar de uma "superpro-priedade pública'.' /25/. Certos liberais, especializados emDireito Constitucional, levantam as suas perorações contraessa tendência de "esvaziar" os direitos de propriedade, ale-gando que hoje, formalmente, se deixaria a propriedade aoproprietário, mas, mesmo assim, ele seria de fato expropriado,até mesmo sem indenização e sem a proteçãc jurídica de umprocesso regular de desapropriação: "Assim surgem novasformas de socialização por meio de uma legislação confisca-dora, com as quais nem o marxismo doutrinário haviacalculado" /26/.

Junto com a instituição central do Direito Privado, apropriedade, naturalmente são também atingidas as suasgarantias correlatas, sobretudo a liberdade contratual. A re-lação contratual clássica supõe completa independência na

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(definição das condições do contrato. Isto foi, entrementes,sujeito a fortes limitações. À medida que as relações jurídi-cas se equivalem de modo social-típico, os próprios contratostambém procuram tornar-se esquematizados. A crescente pa-dronização das relações contratuaís normalmente reduz aliberdade do parceiro economicamente mais fraco, enquantoque o já citado instrumento do contrato coletivo deve exa-tamente restabelecer a igualdade de posição no mercado. Osacordos coletívos entre associações de empresários e sindi-catos perdem o seu caráter de Direito Privado em sentidoestrito' assumem diretamente um caráter de Direito Público,pois a' série de medidas que eles sancionam funciona comoum sucedâneo à lei: "A função das associações ao términode um contrato coletivo de trabalho equivale menos ao exer-cício da autonomia privada do que a função de legislar porforça de delegação" /271. A autonomia privada original tam-bém já está juridicamente degradada a ser uma autonomia

-derivada, a um ponto tal que muitas vezes não é mais con-siderada necessária para a validade contratual. Os efeitosjurídicos das relações contratuais de fato se equiparam àsrelações jurídicas clássicas /28/.

Por fim, o sistema jurídico privado é invadido pelo cres-cente número de contratos entre poder público e pessoasprivadas /29/. O Estado pactua com pessoas privadas à basedo do ut des 1"); a desigualdade dos parceiros, a dependência'de um em relação ao outro, dissolve também aqui o funda-mento da relação contratual rigorosa; mensurado pelo mo-delo clássico não se trata de mais que pseudo-contratos. Se,, - .hoje, funcionários públicos, no exercício de suas funçoes pu-blicas, substituem grandemente uma regulamentação legalpelo instrumento do contrato, tais contratos, não se consi-derando a sua forma jurídica privada, têm um caráter quase-público pois, para falar a verdade, "nosso sistema jurídico sebaseia na concepção de que contratos de Direito Privadoestão afinal de contas submetidos à lei, não estando no, ,mesmo nível da lei, e que nosso Direito Público só deixa

1') Dou para que dês.

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· Iespaço para contratos onde existem relações de equivalênciahierárquica ... " /30/.

Com a "fuga" do Estado para fora do Direito Público,com a transferência de tarefas da administração pública paraempresas, estabelecimentos, corporaçôes, encarregados denegócios semi-oficiais, mostra-se também o lado inverso dapublicização do Direito Privado, ou seja: a privatização doDirei to Público. Os critérios clássicos do Direi to Público tor-nam-se caducos uma vez que a administração pública seutiliza de meios do Direito Privado mesmo em suas funçõesde distribuir, prover e fomentar /31/. Pois o sistema organi-zado do Direito Público não impede, por exemplo, um forne-cedor da comunidade de entrar numa relação de Direito Pri-vado para com os seus "clientes"; muito menos a amplaregulamentação de uma tal relação jurídica exclui a suanatureza jurídica privada. Uma posição de monopólio e deimposição contratual impede que se classifique isso no Di-reito Público, mas também impede que se fundamente a rela-ção jurídica como sendo um ato administrativo. O momento"publicitário" do interesse público liga-se, nessa medida, como momento jurídico privado da formulação contratual, como que surge uma nova esfera, com concentração de capital eintervencionismo, a partir do processo correlato de uma so-cialização do Estado e de uma estatização da sociedade. Estaesfera não pode ser entendida completamente nem comosendo puramente privada nem como sendo genuinamentepública; também não pode ser univocamente classificada noâmbito do Direito Privado ou do Direito Público /32/.

§ 17 - Polarização da esfera social e da esfera íntima.

A medida que Estado e sociedade se interpenetram, ainstituição da família striciu sensu se destaca dos proces-sos de reprodução social: a esfera íntima, outrora centro daesfera privada de um modo geral, recua para a sua periferiaà medida que esta se desprivatiza. Os burgueses da era liberalviviam a sua vida privada prototipicamente na profissão e

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rna Iamil.a: o setor do intercâmbio de mercadorias e do tra-balho social era tanto uma esfera privada quanto a "casa",despojada de funções econômicas imediatas. Estas duas es-feras outrora estruturadas no mesmo sentido, desenvolvem-,se agora de modo oposto: "e :Q9de-se efetivamente dizer quea família se torna cad8:..3_e.z...'mai,,'i._priv'ª-di,,.,.e)J_qJd.ê!l.!.2.-.Çl.uefY'

mU~Q_.Q..ºJ!:~Pil~9.~~_~~_ºTgª.ni~i:Wª-ºª~.tº1:!l.ª~..,c:.?:~,~u~~z..~3ispúblicos" /33/.~-~~pressão "mundo __.~9_~!.~~?:~~~_.e_~daorganização" j~

revelaalgõ·-a-ã--iéndência à objetivação de-unl"setÔfõ-u.-n·-c}f13.,consiâêYa-cfó-'~üjgtt;Q:-a;_~uisPQ:~J~tY9_~:p:Ii~~c:l-º~--quéf-s'ê-tí:ãlas'se,para-õ"p;ópri~tário, dos' bens próprios de que ele' dispunha,quer se tratasse, para o assalariado, de uma propriedade daqual ele não gozava. O desenvolvimento da grande empre~aindustrial depende de modo imediato, enquanto que o desen-volvimento burocrático depende de modo imediato de graude concentração do capital. Em ambos os casos desenvolvem-se formas de trabalho social que diferem especificamente dotipo do trabalho profissional. privado. Do ângulo da Sociolo-sia do Trabalho, uma empresa pertencer formalmente aosetor privado e uma repartição pertencer ao setor público éalgo que perdeu a sua força distintiva. Seja como for queuma grande empresa possa estar à disposição de proprietá-rios individuais, grandes acionistas ou diretores administrati-vos, ela teve de se objetivar, no entanto, frente a dispositivosprivados a tal ponto que o "mundo trabalhista" ten~a. seestabelecido como uma esfera sui generis entre setor públicoe setor privado - tanto na consciência dos funcionários ctrabalhadores quanto também daqueles que dispõem de com-petências mais amplas. Tal evolução também se baseia nat.u-ralmente na desprivatização material de uma autonomía,formalmente mantida, dos proprietários dos meios de produ-ção. Com a palavra-de-ordem da separação entre títulos depropriedade e funções dispositivas, isso já foi várias vezesanalisado no caso das grandes sociedades de capitais, poisaí se torna especialmente nítida a restrição do exercício ime-diato do direito de propriedade em favor da alta-direção e dealguns grandes acionistas. A caminho do autofinanciamenLo,

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/!tais empresas conseguem freqüentemente sua. independência

em relação ao mercado de capitais; na mesma medida, am-pliam a sua autonomia em relação à massa dos acionis-tas /34/. Qualquer que seja o efeito econômico, o efeito so-ciológico é exemplar para uma evolução que a grande em-presa, de um modo geral, mesmo independente da forma doempreendimento, passa a ter ao assumir aquele caráter deuma esfera de autonomia privada individual que era típico,na era liberal, para os negócios e oficinas dos autônomos.Esse efeito foi cedo reconhecido por Rathenau, levando-o àformulação: de que as grandes empresas evoluem para "esta-belecimentos". O institucionalismo jurídico retomou tal ob-servação, elaborando uma teoria para uso próprio /35/.Embora teorias similares (de James Burnham e Peter F.Drucker expostas no caso das relações norte-americanas)tenham alcançado grande êxito na imprensa após a guerrae tenham ostentado poucos traços menos ideológicos, elastêm, no entanto, um certo valor descritivo: elas acertada-mente diagnosticam o "desaparecimento do privado" na e.s-fera do trabalho social.

A grande empresa assume inicialmente, em relação aseus funcionários e trabalhadores, certas garantias de status,seja através da divisão de competências, seja através da ma-nutenção de garantias e serviços sociais, seja através deesforços - por mais que também sejam isoladamente ques-tionáveis - no sentido de uma integração dos empregadosno local de trabalho; mas, bem mais marcantes do que essasmudanças objetivas, são as subjetivas. A categoria estatís-tica que engloba os "prestadores de serviços" já revela nonome uma nova atitude para com o trabalho: a diferença,uma vez traçada também subjetivamente através da proprie-dade privada, em~ agl!~~-q!J.~--.t~!1EalI::~:Y~IE_~~._~_f~~~"pri-vada próp'ril:L~.llg~~~~ tinham de tr~~lhar_~~~~aprivada de outras Q~_s-ºª§,apaga-se em -faVorde um~ "relaçãod.e serviCQ", que certamente nãô--assumiu os direitos (e de-veres) dos funcionários do "serviço público", mas assumiutraços d_~.J:!..ma!.~!ªç-ªºde trabalho objetivadaL..que liga pem:I~!:..e_Kª-c:lg_P1aisa uma,Jnstttuição do que a pessoas. Com a

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grande ~rnllresa,--º-ria-Q~J~_QmQJÜXUiQ.mirtanJ:..~._ª~_.º:r:g~.~a-.J

çao dQ...1!'~e.9;.~~g__social frente à ~~~::.<:.<t~-..:.ntr=..~.~!~~!r~pr:va"rda e esfera públicb.-1lmª-.f0lTI!.açao socIal~utr§:.: AS em-presas industriais constroem moradias ou até ajudam aoempregado para que consiga uma casa, formam par.quespúblicos, constroem escolas, igrejas e bibliotecas, organ:zamconcertos e sessões de teatro, mantém cursos de aperfeiçoa-mento, provêem em prol de ancião~, viúvas e. ~rfãos. Emoutras palavras: uma série d~ fun?oe.s que.•..onpnalme~te,eram preenchidas por instituições públicas nao so no sentidojurídico, mas também no sentido sociológico~ pass~m a serassumidas por organizações cuja atívidade nao é publica ...O amos de uma ~I].5..!~~rgRre~ª;-dete~!pa assi!!L-ª:....Yl.9.ê-d: 'yum~ciºªde ~Ç_ªIT~t1_um ..íenômeno....q_ue_,-..cQIT~t~~~ll;~",,"edesignad9-...Cº.LlliLf~_!Jgêjsm{)industrial. .. O n:esmo e. v~lido,muiaiis mutandis para as grandes burocracias administra-tivas das metrópoles, que perdem o seu caráter público (nosentido sociológico) na mesma medida em que se tr~nsfor-mam em grandes empresas" /36/. Autores nort~-amenca~ospodem, então, pôr-se a analisar a .J2§icologiaSOCI::!do ..:~~mchal]lago EI.Q!E.1-izatiQ1L....1!]p~m levar em conta se, em ca~acaso se trata de uma sociedade privada, uma corporaçao, .semi-pública ou de uma administração pública - "organiza-tion" significa simplesmente a grande empresa.

Comparada com a empresa privada típica do século,~X,a {!sfera profissional _ev()!~L_p.l3:~.~.urr:...~~~r.~~~-:pu.:.!?!:cofrente a uma esfera privada reduzida à famIlia; hOJe,. o

~---':'--'"-'·--·-··~'··-·-~~·-··-l·"·>'-·-·a-fívIdãdês---'''fôfissrõnãis delimi tatemyo~ªº-_ocu Pê:..do12e~~_._-,.--_ __ .p.. . .__. , .._._ _exatamentea "reserva" do privativo, enquanto que com otrabalhõ"prôfisslonâl- começão"1 'séiViço' i. ComOUrnã-d(;sprí-vatlzaçao d'a esfera -prõfi.SSional, esteprocesso só se co:oc~,no entanto, a partir da perspectiva histórica dos proprietá-rios privados, enquanto que, inversamente, ~le ,a~arece. com?uma privatização aos trabalhadores e Iuncionáríos, e IS~ amedida que não estão mais subordinados de modo excl~I~Oe sem regulamentação a um regime patriarcal, mas, ao invesdisso, a uma manipulação psicológica pela qual os acertos

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relativos ao clima de trabalho criam a Ilusà.. de uma esferaaparentemetne privada 136a/.

Na ~sma medi,d~..!..mque a esfera profissional se auto-no:n.iza, a da família, se-reêOr1iê~~,·:~._rllesma:-ã'"lhúdançaestl:ülulãraâ~Jariimã'de'Sde"à-era 'liberal' éêaracterizada me-nos pela perda de funções produtivas em favor de funçõesconsumptivas e mais pela sua progressiva separação do con-texto funcional do trabalho social de modo geral. Tambéma família sirictu sensu de tipo patriarcal burguês há muitojá não era mais uma comunidade de produção; mesmo assim,baseava-se essencialmente na propriedade familiar, que ope-rava capitalistamente. Sua manutenção, multiplicação etransmissão por herança eram a tarefa do homem privado en-quanto dono de mercadorias e cabeça de família numa sópessoa: as relações de troca da sociedade burguesa atuaramprofundamente nas relações pessoais das famílias burguesas.Com a perda de sua base, com a dissolução da propriedadefamiliar através da renda individual a família perde além, ,de suas funções na produção (e que ela já tinha em grandeparte passado adiante), também aquelas funções para aprodução. - A redução, típica para as relações hodiernas dapropriedade familiar aos rendimentos de cada um de seusmembros rouba, além disso, à família a possibilidade decuidar de si mesma no caso de uma emergência e a pos-sibilidade de prover para a própria velhice.

Os riscos clássicos, sobretudo desemprego, acidentes,doença, velhice e falecimentos, são hoje grandemente cober-tos por garantias sociais do Estado; a eles correspondem

.prestações fundamentais, normalmente em forma de descon-tos salariais /371. Mas essas ajudas não se endereçam à fa-mília nem se espera dela uma ajuda subsidiária num volumetal que mereça ser citado. Quanto aos assim chamados basicneeds 1*), que outrora a família burguesa tinha de sustentarcomo risco privado, hoje o membro individual da família éassegur~do publicamente 138/. De fato, não só se amplia ocatálogo dos "riscos correntes" para além das situações de

(necessidaues clássicas, levando a auxílios de vida de toda es-pécie, serviços de obtenção de moradia e de emprego, acon-selhamento profissional e educacional, controle de saúde, etc.;além disso, as indenizações são complementadas cada vezmais por medidas preventivas, com o que "medidas sócio-políticas preventivas são diretamente idênticas à inte,f;:ven,Çàoem novas esferas, até então privadas" /39a/. A, compensaçãosócio-política pela perda quase total do que era a base dapropriedade familiar estende-se, para além das ajudas mate-riais de rendimentos, para aj udas a funções existenciais. 0\1

seja, com as funções de formação do capital, a família tam-bém perde cada vez mais funções como a de criar e de educarfilhos. funções de proteção, de acompanhamento e de guia,em suma, funções elementares de tradição e orientação; elaperde o poder que tinha de determinar comportamentos, so-bretudo em setores que, na família burguesa, eram conside-rados com o âmbito mais íntimo do privativo. De certo modo,portanto, também a La".mHt~_,,_esse,Jesq.uíc.i.Q..QºJ:>riva~_!_i_ges-pri v-ª.U~ªºªªtrªyé_E!..Qª_s__gfl.rantias __.RÚblicas ..9:~_~e1!_~~atus. Poroutro lado, agora sim é que a família efetivamente se desen-volve no sentido de se tornar consumidora de rendimentose de tempo livre, beneficiária das indenízaões e ajudas previ-denciárias garantidas pelo poder público: ela não garantetanto a sua autonomia privada nas funções administrativasquanto nas funções consumptivas; ela consiste hoje menosno poder de dispor que os donos de mercadorias têm do queno direito de usufruir dos prestadores de serviços. Atravésdisso, surge a aparência de uma intensificação da privacidadenuma esfera íntima reduzida ao setor da comunidade de con-sumo da pequena família. Mais uma vez ambos os aspectosafirmam o seu direito: uma série de funções de dispor pri-vadamente é substituída por garantias públicas do status;no âmbito mais restrito desses direitos e deveres sócio-polí-ticos, o fenômeno primacial da perda do poder discricionárioprivado tem por efeito secundário transformar essa perdanum alívio de encargos, pois tanto mais "privadamente" podedesenvolver-se o consumo das chances de rendimentos, deajuda social e de tempo para lazer. Na tendência, registrada1*) Necessidades básicas.

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(por Schelsky, de polarização, por um lado, das grandes orga-nizações enriquecidas por elementos de natureza pública e,por outro, de grupos íntimos se estreitarem privadamente,"uma tendência de separação crescente entre vida privada evida pública" /40/, uma complicada história de uma evolu-ção encontra aí a sua expressão.

Proporcionalmente à perda de suas tarefas econômicas,a família ~..rdebLç,º~p!,~!p:~n~~~~!!~.e__~§:!!lb§:!p~_!.sH:ç~..Rê:raa interiorização~~al. Diagnosticada por Schelsky, essatendência à retificaç~o das relações intra-familiares corres-ponde a uma evolução em cujo transcurso a" família é ~j.avez menos sol,icit.ada_c,Qmo_agência_primordiaLºª§QÇü~"g§;de.Omuit'õ citã'do' desmantela~[Üo da autoridade paterna, umatendência, observável em todos os -PaÍses-'iridliS'trializadosavançados, no sentido de contrabalançar a estrutura de auto-ridade intrínseca à família /41/, pertence ao mesmo contexto.Agora, os membrosjndj.v,iduaiS-da-família~passaITL"~Llmcia-

-« ~~~~::~:n!;o:;,~~:~~~:ri~~~~~:i:~~;~;~;t~~a~~u~~~funçõeSexpliCltaThen~-"peaagógicas que a família burguesateve de entregar formalmente à escola, informalmente aforças anônimas fora do lar /43/. A la.:~,íl~f:l.~.~q~~~..~::~~ v.ezmais excluída do contexto .imediato da r~p:rQg\l:ça.-()da socie-sLa®-', "sani' apar-êllcla'é" "que'-mantêm'com isso um "espaçointrínseco de privacidade intensiva: na verdade, tendo per-dido as suas tarefas econômicas, ela também perde as suasfunções de proteção; exatamente à pretensão econômica dafamília patriarcal strictu sensu correspondia, de fora, a forçaínstitucional para a formação de um domínio da interioridadeque, hoje, abandonado a si mesmo, sob o ataque de instân-cias extra-familiares, começou a se dissolver numa esfera daprivacidade aparente, a se reduzir imediatamente ao indivíduo.

Este secreto esvaziamento da esfera familiar íntima en-contra a sua expressão arquitetônica na construção de casase de cidades. O isolamento da casa privada - possibilitadopara fora, através de jardins e cercas; para dentro, atravésda individualização e divisão múltipla dos espaços - estáhoje tão rompido quanto, inversamente, com o desapareci-

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1I

(mento ao salão, das salas de recepção de um modo geral,está ameaçada a sua abertura para o intercâmbio social deuma esfera pública. A ~rda da esfer~,p'riyada_e_lllU_aç.e,s,SOse~~~esfera p~bE_~~sãQ_~qj~~~Q~_J:~!ê_Ç~ܧtiç~", domodcLde mQl:,ª-r__~~~gfLy!y~t"u;r:b:;t:nQs,não importando se asantigas formas de morar metropolitanas tenham sido taci-tamente refuncionalizadas pelo desenvolvimento técnico-eco-nômico ou se, à base dessas experiências, tenham sido desen-volvidas novas formas da habitação coletivas e suburbanas.

William H. Whyte descreve o modelo americano de umtal mundo "suburbano". Submetendo-se à mecessidade deconformar-se a relações de vizinhança, o que já é condicio-nado pela construção de pátios comuns para uma série decasas, desenvolve-se no meio socialmente homogêneo do pro-totípico condomínio horizontal "uma versão civil da vida deguarnição" /44/. Por um lado, a esfera íntima se dissolveante os olhares do "grupo": "Assím como as portas ( ... )desaparecem dentro das casas, assim também desaparecemas cercas entre os vizinhos. A imagem daquilo que aparecena sala é a imagem daquilo que ocorre no quarto - oudaquilo que ocorre dentro dos quartos de dormir das outraspessoas" /45/. As paredes finas garantem no máximo umaliberdade de movimentos protegida de olhares, mas de jeitonenhum de ouvidos atentos; também elas assumem funçõesde comunicação social, difícil de diferenciar do controle so-cial, Privacidade não é algo dado por meio do habitat, masalgo que cada vez precisa primeiro ser restabelecido: "Parachegar a ter uma vida privada, é preciso primeiro fazer algopara isso. Um morador de um pátio coloca a sua espreguiça-deira na parte da frente da casa, ao invés de colocá-la naparte do pátio, para mostrar que não quer ser perturba-do" /46/. Na mesma proporção em que a vida privada setorna pública, a esfera pública passa a assumir ela mesmaformas de intimidade - na "vizinhança" ressurge em novaindumentária a grande família pró-burguesa. Aqui, por suavez, os momentos da esfera privada e da esfera pública per-dem as suas características diferenciais. Também o raciocí-nio do público é vítima da refeudalização. A forma de dis-

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(cussão da sociabilidade cai sobre o fetiche ue uma presençacomunitária em si: "A gente não se satisfaz mais com areflexão solitária e egocêntrica" - a leitura privada erasempre o pressuposto do raciocínio no círculo do públicoburguês -, "mas fazendo coisas com outras pessoas; atémesmo olhar em conjunto programas de televisão ajuda afazer com que se seja um homem certo" /47/.

Não só onde a arquitetura urbana moderna vai ao en-contro dessa evolução, mas também onde a arquitetura exis-tente é igualmente banhada por ela, é possível observar amesma destruição da relação entre esfera privada e esferapública. Bahrdt demonstrou isso no arranjo da "construçãoem blocos", que, antigamente, com a frente das casas paraa rua, com jardins e pátios divididos na parte de trás, pos-sibilitava-se uma divisão adequada da moradia no planointerno bem como uma ordenação racional da cidade comoum todo. Hoje, com a mudança de função técnica no trân-sito das ruas e praças, ela já está superada. Ela não asse-gura uma esfera privada espacialmente garantida nem ar-ranja espaço livre para os contatos e as comunicaçõespúblicas que poderiam levar e elevar as pessoas' privadas aum público. Bahrdt sintetiza as suas observações do seguintemodo: "O processo d~ urbanização pode ser descrito comouma progressiva polarTiãÇ'aõ---a-a-vfda-"socia:l-sob-0·-aspecto

•.._..~. _._.. ,._.._-"- .._.•_~.-...•,"'-""'~-..,."..•..•._. .,....,,...---,.-.,.....,.,"'--'".,.~.... _--_."....~ •.•-, ...-_.~ •.'"--;...."'-~--.-.>,- .•.••__ .~_.,--,...".•..•,,......---

'R®Jicg::"Q~_,~.:privativo". Sem_JJ.wJ!:.~fera privada protetoraé su~tel1t-ªºilljl._!~iü~~ivíduo cai na torrente da~esfera puD1fca,que, IlQ __~n_ta,!1to,passa"ã"ser desnaturãCiã-exaJáfrfêllte-âtravésdesse processo.--nes·ã.j;ía'rêc--éri'dó-o-lnomentu-da--distân-c'ia-;::cUns-~----, ---,-- .... -,- ... ".- --,.--." . ~ --- -titutivo da esfera pública, se os membros dela ficam ombroá"--üITibi:O,enTãõ--õ pú151ic~tr1I.D'Sfõrmãemmassa.~ Nomomento~pro1::Írem-âtiCasocial d;-m:etr'Ópol'e moderna nãoconsiste tanto no fato de ela ter novamente perdido marcosessenciais da vida urbana. A correlação entre esfera públicae esfera privada está perturbada. Ela não está perturbadaporque o.metropolitano é pei se homem de massa e, por isso,não tem mais senso para o cultivo da esfera privada, masporque não lhe é mais possível ter uma visão global da vidacada vez mais complicada de toda a cidade de um modo tal

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que el[ne seja pública. Quanto mais a cidade como umtodo se transforma numa selva dificilmente penetrável, tantomais ele se recolhe à sua esfera privada, que passa a serlevada cada vez mais avante, mas que finalmente vem asentir que a esfera pública urbana se decompõe, não porúltimo porque o espaço público se perverteu no sentido deuma superfície mal-ordenada de um trânsito tirânico" /48/.

A redução da esfera privada aos círculos interno-s de umafamília strictu sensu, em grande parte despida de funções eenfraquecida em sua autoridade - a felicidade no recantodo lar -, só na aparência é que há uma perfeição da intimi-dade, pois à medida que as pessoas privadas abandonam osseus papéis obrigatórios de proprietários e se recolhem 3.0espaço livre de obrigações do tempo de lazer, acabam caindoimediatamente sob a influência de instâncias sem i-públicas ,sem a proteção de um espaço familiar intrínseco Institucío-nalmen te garantido. O cQmPQ!:~~~~_~.0.__g}J.I-ªnt~_.º..J_~rn..QO delazeréa __çhª_Ye__pa:rª-.l;t:':'pJ:i.:yaddade sa.bJ_JQll:lfu.te~das..nQYasesfergs.,.para._.íi,.des.intemuz...9J;.ii<Lda.Jnl&ria.udade_declar.ada.O que hoje se delimita como setor do tempo de lazer anteuma esfera autonomizada da profissão assume tendencial-mente o espaço daquela esfera pública literária que, outrora,era a referência da subjetividade formada na esfera íntimada família burguesa /49/ .

§ 18 - Do público pensador de cultura ao público consu-midor de cultura.

A psicologia social daquele tipo de privacidade correlataa um público que se forma durante o século XVIII a partirdo conjunto de experiências da esfera íntima da pequenafamília permite compreender, além do desenvolvimento daesfera pública literária, certas condições de sua decadência:no lugar da esfera pública literária surge o setor pseudo-público ou aparentemente privado do consumismo cultural.Se, outrora, as pessoas privadas estavam conscientes de seuduplo papel de bourçeois e homme e, ao mesmo tempo, sim-

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(plesmente afirmavam a identidade dos propriecários com "oshomens" então eles devem essa autoconsciência ao fato de,que, a partir do próprio cerne da esfera privada, desenvol-veu-se uma esfera pública. Embora, considerando-se a suafunção, seja apenas uma pré-forma da esfera pública polític~:essa esfera pública literária tinha, no entanto, ela mesma jauma espécie de caráter "político", através do qual ela estavaafastada da esfera da reprodução social.

A cultura burguesa não era mera ideologia. Porque oraciocínio das pessoas privadas nos salões, clubes e associa-ções de leitura não estava subordinado de modo imediato aociclo da produção e do consumo, ao ditame da necessidadeexistencial; porque, no sentido grego de uma emancipaçãodas necessidades existenciais básicas, possuía muito mais umcaráter "político" também em sua forma meramente literária(para se poder entender as novas experiências da subjetivi-dade) , é que aqui pôde cristalizar-se essa idéia, posterior-mente então degradada a mera ideologia - ou seja: humani-dade. A identificação do proprietário com a pessoa natural,com o homem puro e simplesmente, pressupõe, dentro dosetor privado, uma separação entre, por um lado. negócios,que as pessoas privadas, cada urna para si, perseguem nointeresse da reprodução individual de sua vida, e, por outrolado, aquela sociabilidade que liga as pessoas privadas en-quanto público. Mas exatamente essa linha fronteiriça éapagada assim que e à medida que a esfera pública literáriaavança no âmbito do consumo. O assim chamado modus m-vendi fora do .'iervico é apolítico [á porque, inserido no êíõlõ daproaucão e do consumQ~ao=-é c~~p~z-à..!:~"~~.f!=ü?l~~??Oenmncipad~.flJ,!.e é i!Il~.QiÇl.Jªmtm,te~.~essariQ.hà.~YUta.Se 0

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tel1illQ do lazef-~rmanef.ê...nreso_~o ten:J?9_~_..~I.?:~~.~..9__~~::':ose}! suplementQ..JJiQLnele só pQQe ter c_çl!i~n1fj~.~~~~_per-secução dos negócios privados de cada um, sem poder conver-ter-se na comunicaçã!LpÚblica:das_pess.aas priva a~i.Bem verdade é que certas necessidades podem ser satisfeitasnas condições do público, ou seja, em massa, mas disso aindanão surge a própria esfera pública. Se as leis do mercado,que dominam a esfera do intercâmbio de merc"'ãaQríãS:ê:c!o-----_._-_._ .•-.•..._ ....~---_.__ .._._----190

(t~balho social, também penetram ~~~f~m x~rvª_c:l-ª à~_p~-soas privãdâSe~uarito_pú1!!!_~§~~~_.!"~.~~9_. ~!1c!~_~'h~_..con-verten-em.consumoj; _º__ç.Q'p,t~~.çlª_ǺITlll!1áÇ~窺_,mdºl.l.G~t,§edissolve nos atas estereotipados da recepção i~.9!ª92::._ ..

Di~~t~~~Ilt~"i~~~'~~~'é:'~-;t[;;,.-~q-~~l;:-'prlvacidade corre-lata ao público. Os modelos que, outrora, ostentavam o seloliterário em sua matéria circulam hoje com o segredo de umafabricação intencional de uma patenteada indústria cultu-ral, cujos produtos, divulgados publicamente através d03meios de comunicação de massa, provocam, por sua vez, pri-meiro na consciência dos consumidores, a aparência de pri-vacidade burguesa. Essa refuncionalização sócio-psicológicada relação originária entre âmbito íntimo e publicidade lite-rária correlacíona-se sociologicamente com a mudança es-trutural da própria família.

Por um lado, as pessoas privadas podem libertar-se dainibição ideológica de seu duplo papel de bourçeois e homme;mas a mesma dissolução da esfera íntima quanto à base dapropriedade capitalístamente operante e que apare~ta. possi-bilitar a conversão de sua idéia numa esfera publica depessoas privadas emancipadas - acarretou, porém, por outrolado, novas relações de dependência. A autonomia das ~ssoasprivadas, que agora não se fundamenta mai~ origin~rlame~-te na capacidade de dispor da propriedade privada, so pode~laser realizada como uma autonomia derivada de garantiaspúblicas do status de privacidade se os "homens" (n~ maiscomo bourçeois, como anteriormente, mas) como C2tOJl~nspassassem eles mesmos a ter em suas mãos essas con~lç~sde sua existência privada por meio de uma esfera públicapoliticamente ativa. Nas condições dadas, n~ ~e ~de co.n.tarcom isso. Se, pclrém, os cidadãos, em sua exístênuia familiar,nª-Q.J?2g~E?:_co~e gl}ir_Ê:litonorr.ll.~~apartir~o QirêTto"(I~":ms P9rsobre a propriedade privada e também nao da participaçâona esfera pública política, duas coisas se perdem: p~r ~lado, não há mais garantia institucional para urna indivi-duação da pessoa de acordo com o modelo da "ética pr?t~s-tante"; por outro lado, não~se podem vislu~ar c~n~:~.~~s

. . b t·t m, o I""'l'l"IinUo.....daclássica Iffte'nO'tizaçaoSOClalSqU~_~l.LU. .lU1- .' .• ~'-<I.tiAM._. •.. .,._. _..,---~.. , ..... _-

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(atlJlYés-dcL.c.aminh{Ld~fQr:maÇÊi9Q~_.bUPJl__··ética política" eque, com iS?o, poderiaIE_..<!~F':lm novo !unclamento'-ã~:pro=-ce5CféTndividu..aç.ão /51/. O ideãl:UPü bui-"guêrpre'vIã que,a~partir de uma esfera íntima bem fundada na subjetividadecorrelata ao público, se cristalizasse uma esfera pública lite-rária. Ao invés disso, esta se torna hoje uma porta abertapor onde entram as fõrçãs--iiõCiafs~'sustê'ntacrâs"'pêí;;"~e'sferapÚ15J§· qocon~~gÚ:.tr!JI3mrtü-i_?T·do's·IfiêIos"-dec{;m·unrêftçãoele massa, invadindo a intimidade famÚEtr. 6'ârribTfoíritImo

.' '. _ , .•....~".•.••_~....,.."Ç/.r .....,.._ .•..-.,.'-..•.._·"' ..·~~ l "_'''. ~.. ". 7'~."",.~-_, ..••

desprivatizádó e esvaziado jornalisticamente, uma pseudo-e~~a pÍ!~liÇ.;:Lé-r~da numa zona de "confianÇ?ãe~üTI'i1Lespécie de ~~fa~.~

Desde a metade do século XIX, estão abaladas as insti-tuições que, até então, asseguravam a reunião do público en-quanto público pensante. A família perde a função de um"círculo de propaganda literária"; já a revista Gartenlaubeé uma idílica forma de transfiguração, em que a família declasse média de uma pequena cidade recebe e quase apenasainda imita a tradição cultural viva da família da grandeburguesia de gerações anteriores, voltada para a leitura. Osalmanaques das musas, as revistas de poesia, cuja tradição,na Alemanha, começou em 1770 com os almanaques deLeipzig e de GOttinger e que havia sido levada avante noséculo seguinte por Schiller, Chamisso, Schwab, foram, porvolta de 1850, substituídas por um tipo de revista literáriafamiliar que, com empreendimentos editoriais exitosos comoWestermanns Monaistieite ou, precisamente, Gartenlaube,estabiliza comercialmente uma cultura leitora que quase jáse tornou ideologia, mas que, no entanto, ainda pres.supõe afamília como superfície de ressonância literária. Esta, en-trementes, está rompida. As revistas literárias programáticas,e, desde o final do século XIX, as plataformas polêrnícas deuma vanguarda que muda como a moda, nunca tiveram ousequer procuraram uma ligação com as camadas de uma bur-guesia culturalmente interessada. Com a mudança de estru-tura da família burguesa, revistas literárias familiares tor-naram-se inclusive obsoletas. O seu lugar é hoje ocupadopelas bastante difundidas revistas ilustradas de propaganda

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(dos círculos do livro - elas mesmas, apesar de sua decla-rada meta de aumentar a tiragem dos livros, já testemunhasde uma cultura que não mais confia no poderio das letras.

Quando a família perde a sua coesão literária, tambémo "salão" burguês fica fora de moda, ele que complementavaas associações de leitura do século XVIII, tendo inclusive emparte as substituído. "O desaparecimento do álcool desem-penhou aí muitas vezes o papel inverso da introdução doscafés sociais na Europa a partir do final do século XVII. Asassociações e sociedades masculinas acabaram morrendo, co-munidades de comensais se dissolveram, clubes ficaram de-sertos; o conceito de "dever social", que havia desempenhadoum papel tão grande, tornou-se vazio" /52/. As formas bur-guesas de convívio social encontraram substitutivos no trans-correr de nosso século que, apesar de toda a sua multiplici-dade regional e nacional, têm tendencialmente algo emcomum: a abstinência quanto ao raciocínio literário e poli-tíco, A discussão em sociedade entre indivíduos já não cabemais no modelo: cede lugar a atividade de grupo mais oumenos obrigatórias. Também estas encontram formas rígi-das de convívio informal; falta-lhes, no entanto, aquela forçaespecífica da instituição, que assegurava, antigamente, a co-nexão dos contatos sociais como substrato da comunicaçãopública - em torno das "qroup actiuiiies" não se formanenhum público. Mesmo ao se ir junto ao cinema, ao seescutª-LJ:~ºnjuntam~~!:ªgJ.Q. ..gjI,9Üiii:Ja~aQ:WSsCliYelr~sea relação.caracteristicada .,privacidada.correla ta- ..a.urri.pú bli-co: a comunicação do público que pensava a cultura ficavaintimamente ligada à leitura que se fazia na clausura daesfera privada caseira. As ocupações do 'público consumidorde cultllra no tempo de lazer _9_Q.Q!I.em,}~~u~nta_rl..~o~-elãsmes-ma~L.~~~__~JL~~.~E~!§:~e~.51~~~~.9_E~~~~m_.~~~9.~t~~~_~~JKu-ma.,.fon.E~l!!daq§"'!:1P~~?"~,~§"G.ões/53/ =n,a.!;::"~._12~_~~da~deassimUª,~ão_J§:t..mb~!!lJ>_!Lper..Qf_,.çL'cQmlnÜÇ&tÇaº_P.\IP1tÇa..sobreo_~§§im.Uado.A sua correlação dialética mútua é nivelada semtensões no quadro das atividades do grupo /54/.

Por outro lado, a tendência para o debate público tam-bém continua. Organizam-se, formalmente, os assim chama-

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III

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dos "debates" e, como parte integrante da pedagógica for-mação dos adultos, eles são ao mesmo tempo departamenta-lizados. Seminários religiosos, foruns políticos, organizaçõesliterárias vivem dos debates sobre uma cultura que pode serdiscutida e necessita ser comentada /55/; emissoras de rádio,editoras, associações, desenvolvem, com as discussões públi-cas, uma florescente atividade secundária, Com isso, a dis-cussão parece sujeita a grandes cuidados e não parecemexistir limites à sua expansão, Por baixo do pano, no entanto,ela se al terou de modo peculiar: ela mesma assume a con-figuração de um bem de consumo. Bem verdade é que acomercialização dos bens culturais já foi um pressuposto dopensamento público: ele mesmo permaneceu, porém, funda-mentalmente fora das relações de troca, continuou a ser ocentro exatamente daquelas esferas em que os proprietáriosprivados queriam se encontrar como "seres humanos" eapenas enquanto tais. Falando simplificadamente: para lei-tura, teatro, concerto e museu tinha-se de pagar; não, porém,também ainda para conversar sobre o que se leu, ouviu eviu e de que se gostaria de se assenhorar plenamente coma conversação, Hoje, a conversação enquanto tal ainda éadministrada: diálogos profissionais de catedráticos, discus-sões públicas, rourui table stunos 1*) - o raciocínio públicodas pessoas privadas torna-se um número no programa aosaitros do rádTõe-" da televisão, torna-se maduro para cobrarentrªçlas, ganha formlule._m~l;'.cadQria.JDesmo ainaa aíonde,em jornadas, cada um pode "participar", A discussão incluí-. . .. t ~__.....•.•.•.•

da no ...:.negQci.o!:.,..lm:roalizª~i~.e9,~!9_~0e contra posição estãode antemão. sujeitas a certas regras cfi'ipreseritãC'ãó;'õ"con-sens~_0Lqjl'estã;Q:1QJii;:~r·giiQ:çf~fumte_jÜipe.:aIT!Q~,~"y id~i·õ~cor:~..tl!..§.QJlQ,.JU;Q.ce.dimfmtº.Colocações de problemas são defi-nidas como questões de etiqueta; conflitos, que uma vez jáeram descarregados em polêmica pública, são desviados parao ni vel dos a tri tos pessoais, O u.so da razão arranj ado dessejeito preenche, por certo, importantes funções sócio-políticas,sobretudo a de um aquietador substitutivo da ação; a sua

l' ) Mesas redondas como shows.

194

(função "jornallstíca" se perde, contudo, cada vez mais /5,6/.O mercado dos bens culturais assume novas funções na con-figuração mais ampla do mercado do lazer. É verdade que,outrora, às obras da literatura e da arte, da filosofia e daciência, a forma de mercadoria, pouco habitual a elas, ficou-lhes tão pouco externa que, só passando pelo caminho domercado, é que elas podiam constituir-se em configuraçõesautônomas de uma cultura separada, ao que parecia, dapráxís, pois o público ao qual se tornavam acessíveis tratava-as como objetos de julgamento e do gosto, da livre-escolhae da preferência, Exatamente através da intermediação co-mercial é que surgiram os posicionamentos críticos e esté-ticos que se sabiam independentes do mero consumo. Exata-mente por isso é que, cçntudo, a função do mercado tambémse limita a distribuir os bens culturais, retirando-õS-·a'ü'ê'on- (,:,/sumõ-ex-crm;i\Tõ--dó~'-ii1'erCênãS--e··aõs·-êo;i;i~~-;U; $'~··)--ãr[sfôcrã: \ticÔs':" Os valoréside troca' arria'a rrào+alcarrçam nenhumainfluência sobre a qualidade dos próprios bens: até hojeadere ao negócio com bens culturais algo como uma incom-patibilidade des.sa espécie de criações com a sua forma demercadoria, Não por acaso a consciência outrora específicadesses setores só se mantém agora ainda, no entanto, emcertas reservas, pois as leis do mercado já penetraram nasubstância das obras, tornando-se imanentes a elas como leisestruturais, Não mais apenas a difusão e escolha, a apresen-tação e a embalagem ããSõbras ==-ffiãSa-própQ.ª- ...ITt~ãodelãSenqüari1õTâTS--séõrfentã~nossetõres 'ã'mpios da culturados consumidôres,··êõnfõ~p§i"fg!j~~~~1~~~~§:~_ esfritêilª~=g~veiiC1ãs"nõ-méfcã(fü," Sim, a cultura de massas recebe o seudUvlêfõso n:õme exatamente pofc'ônfõr'ffiãi::sê"ãs"ll'éCessí'daâésde disti:iÇã"o<"e'díversão-de 'gru"pos"éié--cõi1sumldore's'4éom um"'~/nÍvêI de fOln}_ª_ç,a_q_rgJ~~I~_p-ª-~aolnVes:-de.-TiiYerSa-me~Qí~rnar opúblico.rnaís ..am.pl()....T-l-U-ma.._c.ultur.a.jn.ta1p._~r:!)-~1UL,;;J.lbstânci a,

Ao final do século XVIII, é desse modo ultrapassado queo público das camadas cultas havia se expandido no seio da

~') Entendidos,

195

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(pequena-burguesia empresarial. Naquela época, em muitoslugares, pequenos comerciantes fundaram, como donos de es-tabelecimentos públicos em geral excluídos dos clubes bur-gueses, as suas próprias associações; ainda mais difundidaseram as associações profissionais /57/, que tinham exata-mente a forma de sociedades de leitura. Aí com freqüênciase tratam de ramificações das associações civis-burguesas deleitura: a direção, mesmo a seleção do material de leitura,cabia aos dignatários, que, bem no estilo do Iluminismo,queriam levar a formação cultural às assim chamadas ca-madas inferiores. Aí, homem culto é quem possui uma enci-clopédia; esse critério é assumido pouco a pouco pelos mer-ceeiros e artesãos. Educa-se o "povo" para a cultura; aprópria cultura não é rebaixada a uma cultura de massas.

De acordo com isso, é preciso distinguir rigorosamenteas funções do mercado: conforme permita a um público oacesso a bens culturais e, daí, à medida que os produtos bara-teiem, ele facilita economicamente o acesso a uni públicocada vez maior; ou, se ele adapta de algum modo o conteúdodos bens culturais às próprias neces.sidades, ele tambémfacilita psicologicamente o acesso às camadas mais amplas.Nesse contexto, M;~e.Isobn fala de uma r.eduç.ãQ.Jia,saiiismce

_~r!!g.3úTements_,intOleasure,lO) /58/. A medida que a culturase torna mercadoria, e isso não só por sua forma, mas tam-bém por seu conteúdo, ela se aliena àqueles momentos cujarecepção exigem uma certa escolarização - no que o "conhe-cimento" assimilado por sua vez eleva a própria capacidadede conhecer. Não jáa estardização enquanto tal, mas aquelapreformação específica das obras criadas é que lhes emprestaa ma tu~e para....LLConsum.QT'.ou~se~a,a-gãiintia:::ae:-IXlde-rem ser recebidas sem pr~~uQQ!itQLTr1.g2!.~9§I--E..ertame~também sem conseqüênciaL12ill§Pti31eis.:.. isso ~oca, §- co-mer'Cialização dos bens culturais numa proporção inversa àsuácom12lexiaããe. Âln tímiClâ'ae"com-ãcw'flifã-exercltã oespírito, enquanto que o consumo da cultura de massas não

ij> lO) ~equlsit<?L9~~.!}.l!.~5!,?-_E.9,~laí?;~.L

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(deixa rastros: ele transmite uma espécie de experiência quenão acumula, mas faz regredir /60/.

As duas funções do mercado de bens culturais: facilitaro acesso no aspecto meramente econômico ou no aspectomeramente psicológico, não andam necessariamente lado alado. Até hoje isto se mostra em seu setor mais essencialpara o raciocínio literário, o mercado livreiro, que é dominadopor dois fenômenos complementares. Através das ccleções delivros de bolso editadas em grandes tiragens /61/, a umacamada relativamente pequena de leitores cultos e dispostosa se instruírem (de modo preponderante, alunos e estudantesuniversitários), é tornada acessível a literatura altamentequalificada, cuja aquisição lhes seria impossível nas ediçõescostumeiras. Embora a sua apresentação, hábil do ponto devista da técnica publicitária, e uma bem pensada organizaçãoempresarial desse gênero de livros, tenham emprestado a ele,mais do que a qualquer outro, a aparência e um caráter demercadoria voltada para o consumo rápido e para o desgasteimedia to, o mercado man tél1L...JJ.e.S.secasu>-a_l.uD_Ç.,ã,CLernanci-patória de uma facilitação exclusivamente econômica doaceSsõ:creümmoê!õ-geral;-o-Cõn te.údO-dos~:irvros'-cl~o ,:.,J___----...... r---- .continua inatingido pelas leis imanentes às grandes tiragens,às qua·is-'devem--à--.s'ü"ad1Tüsaô-:-nil·-sejã:conl"Nni''''fbS~cfr-SõlSo==l1m-paradoxopa-fãõ qual~lfgang Kayser já apontou /62/- o duradouro aparece com a forma doTfãrIsltório, enquantoque: pelo contrário, com- os voIUmesUoscÍrCWos do livro, Q~.__j

tra~~io ~mt!êce ~.2Irl~ª-1Q.rmª,,,êlQ1[üi:ãêfõuro,:_CapãS-=tranã-)lhadas, ornadas a ouro.-~~Tãmõemõs-clü~b€s- do livro que, primeiro nos paísesanglo-saxões, se formaram depois da I Guerra Mundial e quehoje já controlam a maior parte do mercado /63/, diminuemo risco empresarial e barateiam o exemplar individual; estra-té~~e ;end~ e organ~zação d,a divul_ga?~O,que "e~'ãr::_ymmal0r.__~º"L~m~ttré"'·Lltmm~~idllê:l!p.!!l~f[!~.J:?an.:!sde esco~ dos c_o_r:~~id:::es_:"~!1tensivarem o co~o .~meJdia to do-J~m:~t!3:.q.fL..ÇJÚJl,Jls.",n~c.eJSIUillülIs.:au...g9stõãasmas~ )facilitam, no entanto, não só economicamente, o acesso à

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literatura para esses consumidores oriunC~.:) sobretudo decamadas sociais inferiores. Facilitam muito mais, psicologi-camente, as "condições de acessoJ~detãlIhlldo-que'<al'rópriaTIteratura preciSã ser "taIhãlíacoflforme o conforto e a como-didade daquela espécie de recepção de poucas exigênciasprévias e de parcas conseqüências. - Neste exemplo, toma-se, aliás, patente, como o critério sócio-psicológico da culturaconsumista, a experiência não-acumulatíva, anda junto como momento sociológico de uma destruição da esfera pública:os clubes do livro afastam a grande massa da literatura bele-trística não só do sortimento, mas da variedade. O meiointerno de publicidade, as revistas ilustradas dos círculos dolivro, como a única ligação entre editores e leitores, geramum curto-circuito na comunicação. Os clubes do livro admi-nistram a sua clientela sem qualquer intermediário com oeditor - e fora da esfera pública literária. Inversamente, comisso pode estar relacionado o próprio enfraquecimento daposição da crítica, na qual, antigamente, quando críticos doporte de Schiller e Schlegel não consideravam indigno delesessa atividade secundária, estava institucionalizado o julga-mento laico das pessoas privadas literariamente interessadas.

O progressivo declínio de uma esfera pública literária sóé certamente discernível de modo pleno quando a expansãodo público-leitor por quase todas as camadas populacionaisé relacionada com a efetiva difusão da leitura de livros: naAlemanha Federal, mais de um terço de todos os leitores po-tenciais não lêem nenhum livro, mais de dois quintos nãoadquirem nenhum livro /64/; a isso correspondem tambémos números comparativos dos países anglo-saxões e da França.A dissolução de um público-leitor culturalmente pensante sópode, por isso, refletir-se de modo insuficiente dentro do âm-bito do mercado livreiro. Este processo se utiliza de outrosfatores do que o meio burguês de formação par excellence 1') :

o livro /65/.O primeiro jornal. com uma grande tiragem, de pelo

menos mais de 50.000 exemplares, foi, significativamente, o

l' ) Por excelência.

198

órgão C movimento cartista - Cobbet's rouuoa Register-, que apareceu a partir de 1816. A mesma situação econó-mica que leva as massas a participar na esfera pública polí-tica impede-lhes, no entanto, também o nível de formaçãoescolar que lhes teria possibilitado participar do modo e nonível dos leitores burgueses de jornais. Logo conseguemtomar por isso possível uma penny-press ~'), que, no co-meço dos anos trinta, atinge uma tiragem entre 100.000 e200.000 exemplares; por volta da metade do século, fazemcom que surja a ainda mais difundida imprensa-de-fim-de-semana, com a tal de "acessibilidade psicológica", que, desdeentão, configura as feições da imprensa comercial de massas.Desenvolvimentos paralelos se desenham, depois da Revolu-ção de Julho, com o início de atividades de Emile Girardinem Paris e nos Estados Unidos também com o New York Sunde Benjamin Day. É verdade que ainda demora um meioséculo até que Pulitzer adquira o Neto York WorlQ e, comoà mesma época o Lloyd's Weekly Newspaper de Londres, pu-blique edições que logo se aproximam da fronteira de ummilhão de exemplares e, com a ajuda dos métodos da "yellowpress" JO), agora realmente penetra nas grandes massas. Onome de yellow journalism passa para a imprensa sensacio-nalista dos anos 80 a partir da cor amarela dos comics ~')(cuja figura representativa é o "Yel101IJ Kid"). As técnicasdo cartoon 3.), do news picture 4*), da human interest story ~') ,certamente se originam do repertório da imprensa hebdoma-dária de fim-de-semana, que já tinha anteriormente apre-sentado as suas news e iicticnstories a') de um modo otica-mente tão efetivo quanto literalmente simplório /66/. Porvolta do final do século, também no continente europeu seimpõe a forma "americana" de imprensa de massas; a im-

~') Jornais a preços módicos: imprensa-prence.

~.) Quadrinhos.:;» Desenho animado .•• ) Noticiário cinematográfico, jornal filmado.r,*) História com interesse humano.li') Literatura narrativa.

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· d (prensa de fim- e-semana e as revistas Ilusuadas são aqui,igualmente, precursoras dos jornais sensacionalistas propria-mente ditos.

A grande imprensa repousa na refuncionalização comer-cial daquela participação de amplas camadas na esfera pú-blica : arranjar preponderantemente às massas de um modogeral um acesso à esfera pública. No entanto, essa esferapública ampliada perde o seu caráter político à medida queos meios para a "acessibilidade psicológica" poderiam tornar-se uma finalidade em si mesma de uma posição consumístacomercialmente fixada. Já naquela antiga penny-press pode-se observar como ela paga a maximízação de sua venda coma despolitização de seu conteúdo - by eliminating politicalnews and poliiical etiiiorials on sucli moral topics as in tem-perance and gambling 1·) /67/.

Os princípios jornalísticos da imprensa ilustrada temuma respeitável tradição. Proporcionalmente à ampliação dopúblico leitor de jornais, a imprensa politicamente pensanteperde, a longo prazo, a sua influência; muito mais, é o pú-blico consumidor de cultura, cuja herança provém antes daesfera pública literária do que da política, que consegue umanotória preponderância /58/.

O consumo de cultura está certamente desprovido emgrande parte da intermediação literária; informações não-verbais ou aquelas que, se não traduzidas em imagens e sons,são facilitadas mediante apoios óticos e acústicos, reprimin-do em maior ou menor escala as formas clássicas da produ-ção literária. Também na imprensa diária, que apesar detudo está mais próxima delas, podem ser verificadas essastendências. Uma paginação variada e muitas ilustraçõesapóiam a leitura, cujo espaço de espontaneidade é, de modogeral, restringido através de uma preformação do, material(patterning, predegisting) . As tomadas de posição da redaçãocedem espaço às informações das agências noticiosas e às

Pl Eliminando noticias 'políticas e editoriais políticos sobre tópicosmorais como a temperança e o jogo,

200

''i

(reportagens dos correspondentes; o raciocínio desaparece portrás do véu das decisões tomadas internamente sobre a sele-ção e a apresentação do material. Assim se modifica a parti-cipação das notícias políticas ou das notícias politicamenterelevantes: public ajtairs, 'social problems, economic matters,eâucation, healtti lO) - conforme uma divisão de autoresamericanos /69/, as âelaueâ reuiarâ neios 2·) não apenas sãosuprimidas pelas immediate reward news 3*) comic, corrup-tion, aceidence, desaster, sporis, recreation, social euetiis,human interest 4·) ~ mas também, como já se mostra naterminologia característica, efetivamente cada vez menoslidas e mais raramente lidas. Por fim, as notícias geralmenteassumem formas de disfarce, passam a ser equiparadas auma narrativa desde o formato até o detalhe estilístico (newsstories 5.)); a separação rígida entre fact 6·) e [iciion 7') éabandonada cada vez com maior freqüência /70/. Notíciase relatórios, mesmo tomadas de posição, são equipados como instrumental da literatura amena, enquanto que, por outrolado, as colaborações beletrísticas, rigorosamente "realistas",tendem a duplicar o status quo, de qualquer modo já sub-sumido a clichês, e, por sua vez, superam a fronteira entreo romance e a reportagem /71/.

O que na imprensa diária apenas assim se esboça, jáestá bem mais avançado nos novos mídias: a integração dossetores outrora separados da publicidade e da literatura, ouseja, informação e raciocínio de um lado, beletrística dooutro, acarreta uma peculiar distorção da realidade, clara-mente uma imbricação de diferentes níveis de' realidade. Abase do denominar-comum do assim chamado tiumaii interest

1") Negócios públicos, problemas sociais, assuntos econômicos. edu-cação, saúde.

~") Notícias de retorno retardado,:1" ) Notícias de retorno imediato.4') Notas cómicas, corrupção, acidente, desastre, esporte, recreação,

eventos sociais, interesse humano.r.') Notíciãs-contos.ti' ) Fato.7' ) ficção,

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...,I

surge o mixtum composituni 1') de um e( etenimento aomesmo tempo agradável e facilmente digerível, ~ue tende ~substituir a captação totalizadora do real por aquilo que estapronto para o consumo e ~ue mais ?esvi,a para o consumoimpessoal de estímulos destinados a distrair d? 3-ue leva parao uso público da razão, Rádio, eine~ ~~~levl~.~.~.2.e~amgra-

d dualmente ao desapar~~!~~?~,~,~._9:~I~.~~Ia"'~~'~T9..1~~~e-~-,ci~K!:l_;gQª-r ank_::a~.le.tL~j.mP:rê~~!L---:-.uma 1S ancia que a

privacidade da assimilaçao tanto solicitava quan.to ~ esf~rapública de uma troca de idéias sobre o ~~e havia .s~do lidoacabava po.ssibilitando. Com os novos mIdla.s, modlflca-s~ aforma de comunicação enquanto tal; por ISSO,no sentidoestrito da palavra, atuam de um modo mais penetrante doque a imprensa alg-uma vez pôde fazê-lo /72/. O ,~~:nporta-mento do público, sob a coação do ':don't taUc back -), assu-me uma outra configuração. Os programas que os novosmídias emitem, se comparados com comunicações impressas,cortam de um modo peculiar as reações do recept~:.-~}e5cat~ILúbli~Q ..~ê.rtqUJm~Q-;'l:l_~y'jE~~~,,~~,,"~;p:,~tad?..:~-;õ:s~~~mesmo j&mpo._Ju:am.::lhe..".a"dlstancla. da~.em_anclpaç ...:_.};, .

i;~,,'., seja,a:" chal1c~ _flt.R9!l~Lç!~~~!3~.(~~E~!E§5!t~r/73/. O}a~lOc:nlOdéü"Yi1j)LibÍico-leitor dá tendencialmente luga~ ao m e~cam-bio de gostos e preferências" /74/ de consumidores ~ inclu-sive o falar sobre o consumido, lia prova dos conhecimentosdo gosto", torna-se parte do próprio consumo.

O mundo criado pelos meios de comunicação de massasó na aparência ainda é esfera pública, mas também a inte-gridade da esfera privada, que ela, por outro lado, ga~antea seus consumidores, é ilusória. No transcorrer do seculoXVIII, o público-leitor burguês pôde cultivar, tanto na cor-respondência íntima quanto na leitura de roma~ces ~ nove-las psicológicas daí oriunda, uma subjetividade l1ter.anam~n-te habilitada e eorrelata à publicidade. Nesta conf1guraç~o,as pessoas privadas interpretavam a sua nova forma de, e~lS-tência, que repousava na relação liberal entre esfera pública

\

l' ) Gênero compósito misto~~'J "Não falar de volta", nao responder.

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e esfera. ",rivada. A experiência da privacidade tornava possí-vel o experimento literário com a psicologia do meramentehumano, com a individualidade abstra ta da pessoa natural.À medida que hoje os meios de comunicação de massa elimi-nam os bolsões literários da consciência que os burguesestinham de si mesmos e utilizam a sua própria representaçãocomo forma corrente para a prestação de serviços públicosda cultura dos consumidores, inverte-se o sentido originário.Os modelos "socializados pelos mídias" da já referida litera-tura psicológica do século XVIII, nos quais são elaboradasrelações próprias do século XX sob a forma do human in-terest e da nota biográfica /75/, traduzem, pDr um lado, ailusão de uma esfera privada íntegra e de intata autonomiaprivada para relações que há muito já retiraram a base desustentação para a privacidade e a autonomia. Por outro lado,esses modelos são sobrepostos a tal ponto inclusive a~políticos que a próPE.~~~f':~~~~~_ ..~~E!j~ti~§..._~~~ns-ciencia do público consumlaor; efetivamente, a~ra públi-ca~1õn11r:se--a-·e·sfera-enàe"~8e~·ptlblicam biografias ~as,sê}â---pD"Fal'êãi1çãr~é'm~"I'jü15ncíâ'a:âe~'~õscrêsTinós-'''eVenmãi'sooassim chamado homem médio ou os astros planejadamentefabricados, seja porque as evoluções e as decisõ~.LE~~C.~-mente relevantes sejam disfarçadas em roupagens privadase, mêdiánré"~ã-·peis-õnHTcâç·ão-:-sejãillaefõrffiãdas até Sêtor-natemIrreconhecl vêIs:-Se'I:iIfiTIentalismo em-reillçãõ-ã-pêssõãse"oQ6msRQn...d~Dl~~jriJ.§.!Uoem .,Eelação a insti tuições que daíresultam com obrigatoriedade sócio-psicológiCã:--nrrrttam~n-tão, naturalmente, a capacidade de raciocínio crITICOperanteo põd1:!r pá1111~ono p-tà1íõsüb]êEíVD-orrd-e-qrrerqmdsM aindativesse sido objetivamente possível.

O espaço outrora protetor - a esfera familiar íntima -também está rompido nas camadas que antigamente se teriacomputado entre as camadas "cultas" à medida que asocupações privadas da leitura de romance e da correspon-dência epistolar estão desativadas enquanto pré-requisitospara participar na esfera pública literariamente mediatízada.Em relação ao comportamento do público-leitor burguês,deve-se considerar como um fato que a difusão da leitura de

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i;1 l!

(livros diminuiu rapidamente entre o público mais amplo dosmeios de comunicação de massa. O costume de manter cor-respondência pessoal deve ter desaparecido ao menos namesma proporção. Muitas vezes ela é substituída pela parti-cipação no diálogo epistolar que as redações de jornais, asrevistas e mesmo as estações de rádio e de televisão cultivamcom as suas comunidades de leitores. Os mídias se apresen-tam como instâncias e~~.U~iYel_YQltar-se~par.a..Ill!Cessi-da~~_,ªglc~-ªaª"es p~~~~1~.L_ÇQ!?9_~~t.<?~J<:l-ª~~_.P.:~E~.,?:Ü!ç!ara~~~~..:...oferecem abundantes oportunidades para a identifi-cação, para uma espécie de regeneração do setor privado apartir dos fundos disponíveIS de -serv1'çõsIFúl;JlicoS""âe--a:nojoe de acom:elhamento /76/. A relação originária da esferamtima para com a esferà pública literária .se inverte: a inte-rioridade correlata à publicidade dá tendencialmente lugara uma retificação correlata à intimidade. A problemática daexistência privada é absorvida até certo ponto pela esferapública e, sob a supervisão de instâncias publicitárias, se nãoé resolvida, ao menos é difundida. Por outro lado, a. cons-ciência da privacidade se eleva exatamente através ciec

umataa:ü1)Inçlª~]~~, ...comã- qualâeSferaefêlivã·dápeiõs-méio.s~·decomunicação de massa assumiu traços de uma intimidade de~-- 'segundo grau /77/. -~-;,-~-~

Ao contrário do que supõe um preconceito muito difun-dido, ,a esse diagnóstico sócio-psicológico não correspondeagora sociologicamente um público que, como que a partirda periferia, seja invadido e inundado por massas de cpnsu-midores semi-analíabetos, sobretudo nos níveis mais elevadosda nova classe média, que disporia de uma certa continuí-daue com a tradição daquelas pessoas privadas literariamentepensantes do século XVIII e cuneço do século XIX. Senãoseria de se esperar especificamente que as instituições e Osmodos de comportamento da nova cultura consumista seespalhariam primeiro e mais extensamente nas camadassociais mais baixas do que nas camadas mais elevadas. Auma suposição dessas não correspondem as relações contem-porâneas: antes, a leitura regular de revistas-de-fim-de-sema-na, revistas ilustradas e jornais sensacionalistas, o costume

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(de ouvi! regularmente rádio ou de assistir à televisão, atémesmo freqüentar regularmente o cinema, são coisas quesempre ainda podem ser encontradas de modo relativamentemais forte nos grupos de status mais elevados e entre a popu-lação urbana do que nos grupos de status mais baixo e entrea população rural. Esta espécie de consumo de cultura sobeem proporção quase direta com o status medido por critériosde posição profissional, de renda e de formação escolar, bemcomo com o grau de urbanização (da aldeia à grande cidade,passando pela pequena e média cidade) /78/. Por um lado,as linhas de expansão do público não devem, sem mais nemmenos, ser retroprojetadas de seu contexto social hodiernode um modo tal como se tivesse sido anexados ao circulo dopúblico-leitor burguês urbano daqueles "estamentos cultos"como que sempre novas camadas marginais; por outro lado,a situação de fato exclui também, no entanto, a versão antí-tética de que o público dos meios de comunicação de massa"de baixo", do operariado, e "de fora", da população rural,tenha aniquilado e suprimido o público antigo. Observaçõesde ordem sócio-histórica revelam muito mais que, até certoponto, naquele caso de ampliação do público que, com aintrodução da televisão nos Estados Unidos, pôde ser obser-vado inclusive nos estágios iniciais, sob o controle de umapesquisa sociológica empiricamente desenvolvida, extrapolan-do para a art1Rliação e sim~ltâ~~2~~~~~~~~p2Íbliç:,9 ..suepensa a cultura para .1:dm..núQUÇ,Q~.qlle."consorne._.cultura.NosESta'dos"Yfllldôs"'veliiicou-se que, entre os grupos que primeirodecidiram adquirir um aparelho de televisão, preponderavamcompradores cujo grau de escolaridade não correspondia aonivel de seus rendimentos /79/. Caso seja permitida umageneralização, as camadas de consumidores em que novasformas de cultura de massa primeiro penetram não perten-cem nem à camada tradicionalmente culta nem às camadassociais inferiores, mas com uma certa freqüência a grupos emprocesso de ascenção, cujo status aínca necessita de legiti-mação cultural /80/. Intermediado por esse grupo inicial, onovo meio se expande então, no entanto, primeiro dentro do

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1Ii.

(estrato social mais alto para, a partir daí, propagar-se poucoa pouco para os grupos de status inferior.

A partir desse contexto é que também pode explicar-sea cisão de uma "íntelectualidade" em relação às camadascultas burguesas; estas, apesar de sua autoconsciência ideo-logicamente conservada, afirmaram, mesmo dentro do novopúblico do.s consumidores de cultura, totalmente o seu papelcondutor, agora por certo menos famoso. Da Pamela de Ri-chardson poder-se-ia ter dito que ela foi lida por todo o pú-blico, isto é, por "todos" aqueles que liam. Essa relação íntimados artistas e literatos com o seu público se afrouxa maisou menos desde o Naturalismo; ao me.smo tempo, o público"deixado para trás" perde o poder crítico sobre os produ-tores. Desde então a arte moderna vive sob o véu da propa-ganda: o reconhecimento publicitárío-jornalístico do artistae da obra está apenas ainda numa relação ocasional com oreconhecimento deles no grande público. Só agora é quesurge uma "intelectualidade" que progressivamente se isola,primeiro em relação ao público dos burgueses cultos, e queinterpreta este seu isolamento como sendo o de uma "livree autônoma intelligenzia"; uma - ilusória - emancipaçãode sua posição social. Também Hauser data a origem dissopor volta da metade do século XIX: "Só depois de sua vitóriasobre a revolução e da derrota do Cartismo é que a burguesiase sentiu tão segura de seu poder que ela não teve maisnenhum conflito de consciência nem remorsos, acreditandonão precisar mais da crítica. Com isso, no entanto, para acamada culta, ou melhor, para a sua parcela literariamenteprodutiva, perdeu-se a sensação de que ela tinha uma missãoa cumprir na sociedade. Tendo sido até então porta-voz daclasse social, viu-se cortada dela e passou a sentir-se com-pletamente isolada entre as camadas incultas e a burguesiaque dela não mais necessitava. Com esta sensação, surgiuprimeiro, da antiga camada culta enraigada na burguesia, aconfiguração social que designamos por "íntelligenzia" /81/.Um século mais tarde, no entanto, essa intelligenzia estáplenamente integrada na sociedade /82/; a partir da bcernialúmpen-proletária ascendeu o grupo dos bem pagos funcio-

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(nários da cultura para a respeitabilidade das camadas diri-gentes. ad~ir~is_trativas e burocráticas. Restou a vanguardacomo ínstituíção, a ela corresponde a crescente distânciaentre as minorias críticas e produtivas dos especialistas e dosamadores competentes~ que estão atualizados com os proces-sos de elevada abstração na arte, na literatura e na filosofiacom o envelhecimento específico no âmbito da modernida-de /83/, certamente também com a mera troca de fachadae ~s .trocas de t~ros de festim conforme a moda - e o grandepúblico dos meIOS de comunicação de massa por outro lado.

A decadência da esfera pública literária se sintetiza maisu~a .vez nesse fenômeno: está rebentado o campo de resso-nancI!- de ur~a .camada culta criada para usar publicamentea raz~o; .0 p~lIco fragmentado em minorias de especialistasque nao pensam pu5fiéâmente é·üffiã~grá-nae-·mãS.sã-ae'-êól1Su~'

~ mid~Y--meiô-'ê1ê~~éOmuiiTê'ãçaõ-'puóilcade-massa78'±/.~~~Ob-retutl'O-a-fD'rm'a~àe~'CDmunicaçã-o'-'e'Spe-cíf'ica de um publico.

§ 19 - O fundamento apagado: as grandes linhas da deca-dência da esfera pública burguesa.

, ~a passagem do público que pensa a cultura para opublico que consome cultura, o que anteriormente ainda sepermitia que se distinguisse como esfera pública literárià emrelação à esfera política perdeu o seu caráter específico. A"cultura" difundi.d t 'd' , -..,-..:::.::::.:.=.!=-""--",,,. ""'... a.,a raves., ca-meícs-de-comunicaeâo-ele

0'~ ;~:~ã~··~6~i~~:~i§[ô~e~"~T~~~r;,ª-~~'i-~~~~~ç:~~ir~~!~it:~como as formas literárias da beletrística psicológica para~ma ocupação e "ajuda de vida" determinada pelo liurnaninterest; ela é suficientemente elástica. para também assimi-lar, ao mesmo tempo, elementos da propaganda, até mesmopara servir como uma espécie de super-slogan que, caso ainda~ão existisse, poderia ter sido simplesmente inventado parafins de =». relations do stai us quo /84a/. A ~~fera~~caass~~~~_.~Q.~ __pro..p-ª.gªn.~t~:__~ ..~~=an:.:.::.::to~m:::::.:ai::s-.:::.:el:.:::a~po=d:.e~.s=er

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(utUEada _com!! :m~iQ.~ili:-5Ilfl~L._I)())jtJs:lit.t .eçgl;l.QIlliçaJl1ente,taÍlto~~!ê~~J?:91ítiç~._el3:,.sg,_~~.a. no todo e tanto mais apa-renta estar privatizê.9.ª-",i.Sp/. -- -.-

~~-O~~d~lod;~;~fera pública burguesa contava com a se-paração rígida entre setor público e setor privado; a esferapública das pessoas privadas. reunidas num público, que faziaa mediação entre o Estado e as necesisdades da sociedade,era computada ela mesma no setor privado. A medida que osetor público se imbrica com o setor privado, este modelo setorna inútil. Ou seja, surge uma esfera social repolitizada,que não pode ser subsumida, nem sociológica nem juridica-mente, sob as categorias do público ou do privado. Nestesetor intermediário se interpenetram os setores estatizados dasociedade e os setores socializados do Estado sem a ínterme-diação das pessoas privadas que pensam politicamente. Opúblico cede grandemente essa tarefa a outras instituições:por um lado, a associações em que os interesses privadoscoletivamente organizados procuram dar-se imediatamenteuma configuração política; por outro lado, através de par-tidos que, concrescidos com órgãos do poder público, comoque se estabelecem acima da esfera pública, da qual já foraminstrumentos. O .~~o,politis~~I!!~ntLmL~.~_d~.~xer-cício e do reequilíbE~9.".QQ~<LP~)Q_~r~~~..Jl9:m~.QELL21~Jllenteen·ti·eas·-aamrll1§frª~~oe§.",mjY_a.da§,._,ª:U~SllQ.cjê&õe.ê.,.-QS-.pa.r.1jdose it=~.9!niiil:§friç.ãa_pública;~ o,.12lJP.lifQ,,~!!.qBêP~º_taUó ~o-radicamente é inserido neste circuito do poder e, então,apenasTambém·-pªiª~':(tu.ej.êlamf~~:As-pêS§·ôas·'p-rivada:s;'à-me-dida-que-s'aO~íSsalariadas e admitidas ao trabalho, precisamfazer representar coletivamente as suas reivindicações publi-camente relevantes. Mas as resoluções que lhes restam comoconsumidores e eleitores individualmente, acabam caindo, namesma medida em que lhes advém relevância pública, sob ainfluência de instâncias econômicas e políticas.l-;A medidª.Jlli.ea-leproduçã,9 so~iaLªirulª_çi~P.fIl:q.~._~-ª-_g~_çJsã;üde consumire 9,}!eº-~gl,Çiçi.º_.Q9..J?2S!~EJ?~~í~i.c.odepende da decisão eleito-ral das pessoas privadas, existe uffi'íii'teresse'oo-sentmOãe se--ter=.IhJJilêné.iã=-sõbiêJ:s;s:ô=:·~:'].=cfJIL~PI(~~:e.I~y~ª-i:_.ª-..ve@,~:-ªli,para aumentar fqmwlI.!lente.p,_",parti,cipação_.eJ~itQL~J..1QIlJ1al

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(deste ou daquele partiçLQ--ºlL.em.ã.O-daLinfonnalme.nte_:u.mmaior peso à pressão de determinadas organizações. O espaçosocTãr daSdecisoespríVãifàs-ep-rejTícrrcãaõpõrfatores obj e-tivos como o poder de compra e a participação em grupos,sobretudo pelo status sócío-econômíco. Dentro desse espaço,no entanto, podem ser tanto mais influenciadas quanto maisa relação originária entre esfera íntima e esfera pública lite-rária se inverteu, pos.sibilitando um esvaziamento publicitá-rio-jornal ístico da esfera privada. Assim, então, o consumo decultura também entra a serviço da propaganda econômica epolítica. Enquanto antigamente a relação da esfera pública li-terária com a esfera pública política era simplesmente consti-tutiva para a já citada identificação central dos proprietárioscom os "seres humano.s", hoje existe a tendência de absorveruma esfera pública "política" plebíscitária através da esferapública do consumismo cultural. Marx ainda partilhava daperspectiva das classes despossuídas e incultas que, sem pre-encher as condições de admissão da esfera pública burguesa,ainda assim nela penetravam, para transformar os conflitoseconômicos na única forma de conflito político que prometiaêxito. De acordo com a sua opinião, elas não se utilizariamda plataforma da esfera pública institucionalizada pelo Di-reito Constitucional para destruí-la, mas para fazer dela. oque a sua aparência liberal continuava a prometer. Na rea-lidade, porém, a ocupação do espaço público político pelamassa dos não-proprietários levou à referida imbricação deEstado e sociedade que retirou à esfera pública a sua antigabase, sem lhe dar uma nova. A íntegração do setor públicocom o setor privado correspondia particularmente a uma de-sorganização da esfera pública que .outrora intermediava oEstado com a sociedade. Essa função mediadora passa dopúblico para aquelas instituições que, como as associações,se constituíram a partir da esfera privada ou, como os par-tidos, a partir da esfera pública e que, internamente, exer-cem agora o poder e a distribuição do poder num jogo com oaparelho do 'Estado; nisso, preocupam-se, através dos mídiasque lhes fossem mais favoráveis, no sentido de obter do pú-blico mediat.izado um assentimento ou ao menos uma tole-

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(rância. A publicidade é desenvolvida como que do alto afim de criar uma aura de good will1') para certas posições.Originariamente, a publicidade garantia a correlação do pen-samento público tanto com a fundamentação legíslatíva dadominação como também com a supervisão crítica sobre oseu exercício. Entrementes, ela possibilita a peculiar ambi-valência de uma dominação sobre a dominação da opiniãonão-pública: serve à manipulação do público na mesma me-dida que à legitimação ante ele. O jornalismo crítico é su-primido pelo manipulativo.

Como, com o princípio da publicidade, ao mesmo tempose modifica a idéia de esfera pública politicamente ativa ea sua função efetiva, mostra-se no fato de a ligação - aindapretendida pelo liberalismo - de discussão pública e normalegal se dissolver e não mais ser pretendida. O conceito libe-ral de norma legal, em que Executivo e Justiça estão com-prometidos na mesma medida, ainda que não do mesmomodo, implicava nos momentos de universalidade e de ver-dade (justiça - o justo). A sua estrutura espelha a daesfera pública burguesa, pois, por um lado, o caráter ge-nérico das leis em sentido estrito só está garantido enquantoa autonomia intata da sociedade como esfera privada permi-te excluir da matéria tratada legislativamente certos interes-ses muito especiais, limitando o trabalho de codificação àscondições gerais necessárias ao equilíbrio desses interesses.Por outro lado, a "verdade" das leis só é garantida enquantouma esfera pública, elevada no Parlamento a um órgão doEstado, permite que, através de discussões públicas, seja co-municado o que praticamente é necessário para o interessegeral. Que, nisso, exatamente a formalidade daquele carátergenérico da lei assegurava a "verdade" como adequação nosentido material do interesse de classes burguês, pertenciaà dialética logo descoberta dessa concepção de lei: baseava-se na díalétíca da própria esfera pública burguesa.

Já que a separação entre Estado e sociedade é superadae o Estado interfere na ordem social provendo, distribuindo

1') Boa vontade.

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e admimstrando, a generalidade da norma como princípio jánão pode mais ser mantida sem reservas /86/. As situaçõesde fato que precisam de uma normatização agora são tam-bém situações sociais de fato no sentido mais estrito e, porisso, ligadas concretamente a determinados grupos de pessoase situações instáveis. Leis, mesmo quando não se apresentemexpressamente como normas de tipo mais administrativo (ouseja, como norma não-genérica) /87/, já assumem, nessascircunstâncias, com freqüência o caráter de dispositivos ad-ministrativos sobre detalhes; com maior freqüência ampliam-se as competências da administração de tal modo que a suaatividade dificilmente ainda pode ser considerada como deexecutação das leis. Forsthoff sintetiza os três procedimentostípicos em que a divisão clássica e a simultânea limitaçãodesses poderes entre si tende a se dissolver. Isso acontece àmedida que o Legíslativo como que parte ele mesmo para aação e toma certas medidas; ele' se introrriete nas competên-cias do Executivo (caso das normas administrativas). OUquando o Legíslativo transfere suas funções para o Executi-vo; este passa a ter um poder de legislar de modo suplemen-tar por meio de decretos-leis (caso de ele assumir procuraçãopara legislar). Ou, por fim, quando o Legíslativo, em vistade uma matéria que necessita de regulamentação, simples-mente deixa de baixar normas e dá plena liberdade aoExecutivo /88/.

Na mesma medida em que a referida interpretação deEstado e sociedade dissolve uma esfera privada cuja autono-mia possibilitava a generalidade das leis, também foi abaladoo solo do público relativamente homogêneo de pessoas pri-vadas intelectualizadas. A concorrência dos interesses pri-vados organizados penetra na esfera pública, Se, outrora,neutralizados à base do denominador-comum do interesse declasses, pretendiam possibilitar uma certa racionalidade por-que eram interesses privados isolados, permitindo tambémuma efetiva discussão pública, hoje, no lugar disso, já apare-ceu a manifestação de interesses concorrentes. As leis sur-gídas por essa via, mesmo que em muitos casos nelas sejamantido o momento da generalidade, não podem mais reivin- .

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(dicarpor muito tempo o momento da "veruade", pois tam-bém a esfera pública parlamentar, o local em que ela teriade se demonstrar, foi implodido: "A discussão, como foi des-crito com freqüência na literatura, perde o seu caráter cria-tivo Os discursos que são proferidos no plenário do Parla-mento não.estão mais aí para convencer deputados de outraopinião, mas se voltam diretamente para os cidadãos ativos,ao menos nas questões fundamentais que determinam a vidapolítica ... A esfera púbilca, que já foi vivida pelos antepas-sados dentro da assembléia parlamentar e que, por sua vez,transmitiu-lhe um brilho todo especial, passa agora a terum caráter plebiscitário" /89/.

A tais modificações efetivas é que corresponde se, agora,no Direito Positivo, também o próprio conceito de normalegal abandona os marcos característicos de generalidade everdade. Desde os anos 60 do século XIX impõe-se na Alema-nha a doutrina do duplo conceito de lei. Lei no sentidomaterial significa, desde então, todo enunciado jurídico por-tador de um caráter de obrigatoriedade, independente desaber se se trata de uma regra geral ou de uma medidaparticular; formalmente, no entanto, leis é toda a norma que,qualquer que seja o seu conteúdo, tenha sido promulgadamediante um processo parlamentar /90/. A ligação originária,tão nitidamente sublinhada por Kant, da esfera pública poli-ticamente ativa com uma soberania elas leis se desmoronaante esses dois conceitos de lei. A estrutura modificada dalei é preciso atribuir que não seja mais colocado no princípioda publicidade a tarefa de uma racionalização da domina-ção política. Certamente, o público mediatizado, dentro deuma esfera pública imensamente ampliada, é incomparavel-mente mais citado de diversos modos e com maior freqüên riapara fins de aclamação pública, mas, ao mesmo tempo, eleestá tão distan te dos processos de exercício do poder e dadistribuição do poder que a racionalização deles mal podeser ainda estimulada através do princípio da publicidade, dotornar público. Muito menos se pode, então esperar que elepossa ser garantido. .

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VI - MUDANÇA DE FUNÇÃO POLíTICA DAESFERA PÚBLICA

§ 20 - Do jOTnalisrrw 'literário de pessoas privadas aosserviços públicos dos miâias - A propagandacomo função da esfera pública.

A refuncionalização do princípio da esfera pública ba-seia-se numa reestruturação da esfera pública enquanto umaesfera que pode ser apreendida na evolução de sua institui-ção por excelência: a imprensa. Por um lado, na medidamesma de sua comercialização, supera-se a diferença entrecirculação de mercadorias e circulação do público; dentro dosetor privado, apaga-se a nítida delimitação entre esfera pú-blica e esfera privada, Por outro lado, no entanto, a esferapública, à medida que a independência de suas instituiçõessó pode ser ainda assegurada mediante certas garantias po-líticas, ela deixa de ser de modo geral exclusivamente umaparte do setor privado /1/.

Sendo oriundo do sistema das correspondências privadase tendo ainda estado por longo tempo dominada por elas,a imprensa foi inicialmente organizada em forma de peque-nas empresas artesanais; nessa primeira fase, os cálculos seorientam por princípios de uma maximização dos lucros, mo-desta, mantida nos tradicionais limites da primeira fase docapitalismo: o interesse do editor por sua empresa era pura-mente comercial. A sua atividade se limitava essencialmenteà organização da circulação das notícias e a verificar essaspróprias notícias. - A este momento econômico se acresce,

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rno entanto, um novo momento, político L.....sentido maisamplo, assim que a imprensa de informação evoluiu parauma imprensa de opinião e que um jornalismo literário pas-sou a concorrer com a mera redação de avisos. Bücher des-creveu, numa frase, os grandes traços dessa evolução: "Osjornais passaram de meras instituições publicadoras de notí-cias para, além disso, serem porta-vozes e condutores daopinião pública, meios de luta da política partidária. Issoteve, para a organização interna da empresa jornalística, aconseqüência de que, entre a coleta de informações e a pu-blicação de notícias, se inseriu um novo membro: a redação.Mas, para o editor de jornal, teve o significado de que elepassou de vendedor de novas notícias a comerciante comopinião pública" /2/.

A virada propriamente dita não se efetivou por certotão somente com a autonomização de uma redação: começou,no continente europeu, com os "jornais cultos" e, na Ingla-terra, com os hebdomadários moralistas e com as revistaspolíticas, a partir do momento em que certos escritores pas-saram a utilizar o novo instrumento da imprensa periódicaa fim de conseguir eficácia publicitária para a argumentaçãodeles impregnada de intencíonalidade didática. Já se faloudesta segunda fase como a fase do "jornalismo literário"/3/. Neste momento, a intenção de obter lucros econômicosatravés de tais empreendimentos caiu geralmente para umsegundo plano, indo contra todas as regras da rentabilidadee sendo, com freqüência, desde o começo atividades defici-tárias. O impulso pedagógico, depois o impulso cada vez maispolítico, podia ser financiado, por assim dizer, através dafalência. Na Inglaterra, jornais e revistas dessa espécie eramcom freqüncia "o cavalo de batalha da aristocracia do dinhei-ro" /4/; no continente europeu, derivavam com maior fre-qüência da iniciativa de homens cultos e de escritores.

Estes, no início, sustentavam sozinhos o risco econômi-co; coletavam por conta própria o material, pagavam os seuscolaboradores e eram proprietários das revistas, cujos núme-ros, para os editores, representavam uma série contínua deobjetos distintos. Só pouco apouco é que esses editores ce-

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deram , ruas funções empresariais a proprietários de edi-toras. Nessa. evolução, torna-se compreensível a posiçãomarcante do redator-chef'e, que continuava a se considerarsempre ainda como "editor" e "redator". Por volta do co-meço do século XIX, a relação entre editor e redator, nãose reduzia a uma mera relação empregaticia: muitas vezeseste último participava do lucro. É bem verdade que, espe-cialmente nos jornais ao velho estilo e que se mantinhamdistantes do debate literário e político, o tipo tradicional deempresa jornalística continuou a perdurar até o século XIX:Markus Dumont, ao assumir em 1805 o Jornal de Colônia,ainda era, ao mesmo tempo, redator, editor, dono da editorae gráfico. Mas as revistas concorrentes dos escritores [orna-Iisticamente ativos levou, onde tais empresas se consolida-ram, à criação' de redações profissionalizadas e autônomas,Na Alemanha, Cotta é um caso exemplar: convidou Posselta ser o redator-chete da Neueste Weltkunde: entre "editor"e dono da editora passavam a estar, agora, separadas asfunções econômicas. A essa autonomia da redação está rela-cionado o fato de que, durante a primeira metade do séculoXIX, também na imprensa diária o artigo de fundo tenha seimposto. Certamente, com a nova figura do jornalismo deredação, quão pouco a rentabilidade do empresário prepon-derou sobre a sua intenção publicitária, o espírito de lucrosobre a consciência, mostra-o novamente o exemplo de Cotta,cuja Allçemeine Zeiiutiç, caso não se considere a sua signifi-cativa influência, continuou durante decênios a ser um em-preendimento subvencionado. Nesta fase, já que a esferapública se impõe como uma esfera politicamente ativa, tam-bém as empresas jornalísticas consolidadas editorialmenteresguardam para as suas redações aquela espécie de liber-dade que era, de um modo geral, característica para a co-municação das pessoas privadas enquanto um público.

Os antigos "editores" asseguravam à imprensa a basecomercial, sem, no entanto, comercialízá-Ia enquanto tal.Uma imprensa que se desenvolvia a partir da politização dopúblico e cuja discussão ela apenas prolongava continuou aser por inteiro uma instituição deste mesmo público: atíva

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como uma espécie de mediador e poten, ..•ador, não maisapenas um mero órgão de transporte de informações e aindanão um instrumento da cultura consumista. Esse tipo deimprensa pode ser observado de modo exemplar em épocasrevolucionárias, quando os jornais dos menores grupelhospolíticos brotam por toda parte como capim: na Paris de1789, qualquer político meio importante funda o seu clube,um a cada dois cria o seu jornal: só entre fevereiro e maiosurgiram então 450 clubes e mais de 200 jornais /5/! En-quanto a existência pura e simples de uma imprensa politi-camente pensante continua problemática, ela é forçada auma contínua autotematização: até a legalização permanen-te da esfera pública politicamente atíva, o surgimento de umjornal político e a sua afirmação eram sínônímos de engaja-mento na luta em torno do espaço da opinião pública, emtorno da publicidade como princípio. Bem verdade é quetambém os jornais ao velho estilo estavam rigorosamentesubmetidos à censura, mas a resistência contra tais barreirasjamais poderia ser manifestada em suas próprias colunasenquanto o jornal transmitisse exclusivamente notícias. Asregulamentações das autoridades degradam a imprensa auma mera empresa, sujeita, como todas as demais, às inter-dições e proibições da política. A imprensa opinativa está,pelo contrário, como instituição dei público debatedor, basi-camente preocupada em afirmar a função crítica dele; porisso, só secundariamente é que aí é investido capital, casoisso ocorra, para obter um retorno lucrativo.

Só com o estabelecimento do Estado burguês de Direitoe com a legalização de uma esfera pública politicamenteativa é que a imprensa crítica se alivia das pressões sobre aliberdade de opinião; agora ela pode abandonar a sua posi-ção polêmica e assumir as chances de lucro de uma empresacomercial. Na Inglaterra, na França e nos Estados Unidos,uma tal evolução da imprensa politizante para uma impren-sa comercializada ocorre mais ou menos à mesma época du-rante os anos 30 do século XIX. A colocação de anúnciospossibilita uma nova base de cálculos: com preços bastantemais baixos e um número muito maior de compradores, o

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edito/rAia contar com a possibilidade de vender uma parteproporcionalmente crescente do espaço de seu jornal paraanúncios. A esta terceira fase da evolução se aplica a conhe-cida definição de Bücher de que "o jornal assume o caráterde um empreendimento que produz espaço para anúncioscomo uma mercadoria que se torna vendável através daparte reservada à redação". Essas primeiras tentativas deuma moderna imprensa comercial devolveram ao jornal ocaráter unívoco de uma empresa de economia privada desti-nada a gerar lucros; mas, agora, por certo contrastando comas empresas manufatureiras dos velhos "editores", dentro donovo nível atingido pela evolução da grande empresa do ca-pitalismo avançado; já pela metade do século havia umasérie de empresas jornalísticas organizadas como sociedadesanônimas /6/.

Se, no começo, dentro de uma imprensa diária motivadaem primeiro lugar politicamente, a reorganização de certasempresas sobre uma base exclusivamente comercial podiarepresentar tão somente uma simples possibilidade de inves-timento capaz de gerar lucros, em breve isto se tornou umanecessidade para todos os editores. A ampliação e o aperfei-çoamento da base de capital, uma elevação do risco econô-mico e, necessariamente, a subordinação da política empre-sarial a pontos de vista da economia de mercado. Já em 1814o Times é impresso nas novas máquinas, mais velozes é que,após quatro séculos e meio, substituíam a impressora de ma-deira de Gutenberg. Uma geração mais tarde, a invenção dotelégrafo revoluciona a organização de todo o sistema deinformações /7/. Mas não só os interesses econôrriicos pri-vados passaram a ter maior peso: o jornal acaba entrandonuma situação em que ele evolui para um empreendimentocapitalista, caindo no campo de interesses estranhos à em-presa jornalistica e que procuram influenciá-la. A históriados grandes jornais na segunda metade do século XIX de-monstra que a própria imprensa se toma manipulável àmedida que ela se comercializa. Desde que a venda da parteredacional está em correlação com a venda da parte dosanúncios, a imprensa, que até então fora instituição de

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pessoas privadas enquanto público, torna-sL .nstítuição dedeterminados membros do público enquanto pessoas privadas- ou seja, pórtico de entrada de privilegiados interesses pri-vados na esfera pública.

Proporcionalmente se modifica a relação entre editora eredação. De qualquer modo, a atividade redacional já tinha,sob a perssão da transmissão de notícias de um modo tecni-camente mais avançado, se especializado de uma atividadeliterária para uma ativídade jornalística /8/: a seleção domaterial se torna mais importante do que o artigo de fundo;a elaboração e a avaliação das notícias, a sua revisão e pre-paração se torna prioritária em relação à obediência efetiva,do ponto de vista literário, de uma "linha". A partir dosanos 70, configura-se sobretudo a tendência de que o que dárenome e nível ao jornal não são mais os jornalistas famosos,mas os editores talentosos. A casa editora contrata os reda-tores com a expectativa de que eles trabalhem no sentido dointeresse de uma empresa privada que quer obter lucro eque eles se conformem a esse imperativo /9/.

A autonomia jornalística do redator também é, aliás,sensivelmente diminuída nessa espécie de imprensa que nãose curva às leis do mercado, mas que serve primeiramente aflns políticos - sendo nisso antes aparentada com o jorna-lismo literário das revistas intelectualizadas. De fato, mesmodepois que, primeiro na Inglaterra e na França, se consti-tuem frações parlamentares e partidos, a imprensa políticaainda mantém por algum tempo o seu estilo individualista.Ainda por volta da metade do século prepondera um tipode imprensa partidária como a que, na Alemanha, a~s .~Revolução de Julho, havia aparecido com a Deutsche Tribii-ne 1*) de Wirth; esses jornalistas não dependiam de nenhumpartido ou fração, mas eles mesmos eram mais propriamentepolíticos que reuniam, em torno de seu jornal, um apêndiceparlamentar. Assim também os inícios da imprensa ligada apartido e que é controlada por organizações políticas retroa-gem para a primeira metade do século, ao menos na Ingla-

lO) Tribuna Alemã.

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(terra e •. ..i França. Na Alemanha dos anos 60, ela se desen-volve primeiro no lado conservador, depois no lado social-democrata /10/. O redator, ao invés de estar subordinado aodiretor editorial, é subordinado a uma comissão supervísora- tanto num caso quanto no outro ele é um empregadopreso a certas diretrizes.

Os aspectos sociológico-empresariais da mudança estru-tural da imprensa não podem ser, certamente, separados dastendências gerais à concentração e centralização, que tam-bém aqui se impõem. No último quarto de século, formam-seos primeiros grandes trustes da imprensa: Hearst nos Esta-dos Unidos, Northcliffe na Inglaterra, Ullsteín e Mosse naAlemanha. Este movimento teve a sua continuidade em nossoséculo, ainda que de modo não bem regular /11/. O desen-volvimento técnico dos meios de transmissão de notícias(após o telégrafo e o telefone, o telégrafo sem fio, a teleco-municação e o rádio) acelerou em parte a unificação orga-nizacional e a cartelização econômica da imprensa, mas emparte apenas a possibilitou. A sincronização do serviço deinformações através das agências organizadas em monopó-lios /12/, acrescentou logo a sincronização redacional depequenos jornais através de correspondências padronizadas efábricas de suplementos. Entre 1870 e 1880 é que, primeironos países anglo-saxões, foram empregadas matrizes; porvolta do início do século, a prensa gráfica de cilindro tambémse impõe no continente europeu. Na maioria dos casos, talunificação tecnológica ocorre junto com uma unificaçãoatravés de cadeias de jornais; os jornais locais, principal-mente nas regiões rurais, tornam-se com freqüência, atravésdisso, também dependentes dos jornais urbanos das circun-vizinhanças e passam a ser incorporados a estes como reda-çôes municipais ou redações afiliadas /13/.

Mesmo assim, na indústria da imprensa, o grau de con-centração econômica e sua coordenação técnico-organizatóriaparece limitada em comparação com os novos mídias doséculo XX: rádio, cinema falado e televisão. Ora, pois, anecessidade de capital pareceu tão grande e o poder jorna-Iistico-publicitário também tão ameaçador que, em algunspaíses, como se sabe, a organização desses mídías foi desde

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iO começo colocada sob a direção ou o cou .role do Estado.Nada caracteriza demodo mais evidente o desenvolvimentoda imprensa e dos novos midias do que essas medidas: deinstituições privadas de um público de pessoas privadas pas-sam a instituições públicas. Essa reação do Estado sobre aherança de uma esfera pública caída sob a influência deforças sociais pode ser já estudada na história das primeirasagências telegráficas. Os governos colocaram primeiro indi-retamente as agências numa situação de dependência e em-prestaram-lhes um status oficioso ao não lhes retirarempropriamente o seu caráter comercial, mas ao aproveitá-lo.Entrementes, Reuters Ltda. tornou-se propriedade da Uniãoda Imprensa Britânica; a aprovação do Supremo Tribunal,exigida para modificar os estatutos, confere-lhe, no entanto,um certo caráter público. A agência France Press, decorren-te .após a II Guerra, da agência Havas, é uma empresa esta-tal, cujo díretor-geral é nomeado pelo governo. A AgênciaAlemã de Imprensa é uma sociedade de responsabilidadelimitada, sustentada pelos jornais com uma participação de,no máximo, 1 (lI, de cada jornal no capital básico; mas asestações de rádio (que, por sua vez, estão sob controle pú-blico) dispõem de mais de 10% /14/. A indústria jornalís-tica e a cinematográfica foram, por sua vez, essencialmentedeixadas por conta dos interesses privados /15/. Mas, mesmoassim, as experiências com uma imprensa tendente à con-centracão deram pretexto .suficiente para impedir que os"monopólios naturais" do rádio e da televisão assumissem aforma de empresas de economia privada - como isso ocorreu,no entanto, nos Estados Unidos. Na Inglaterra, na França ena Alemanha, esses novos mídias foram organizados comoinstituições públicas e semi-públicas, porque senão a suafunção pública-jornalística não poderia ter sido suficiente-mente protegida frente à função capitalista priv.ada /~6(

Com isso a base originária das instituiçoes jornalístico-publicitárias é exatamente invertida nesses seus setore~ ~aisavançados: de acordo com o modelo liberal de esfera publ~ca,as instituições do público intelectualizado estavam, aSSIm,garantidas frente a ataques do poder público por estarem nasmãos de pessoas privadas. Na medida em que elas passam

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(a se comercializar e a se concentrar no aspecto econômico,técníco e organizatórío, elas se cristalizam nos últimos cemancs, em complexos com grande poder social, de tal modoque exatamente a sua permanência em mãos privadas é queameaçou por várias vezes as funções críticas do jornalismo.Em comparação com a imprensa da era liberal, os meios decomunicação de massa alcançaram, por um lado, uma exten-são e uma eficácia incomparavelmente superiores e, com isso,a própria esfera pública se expandiu. Por outro lado, tambémforam cada vez mais desalojados dessa esfera e reinseridos naesfera, outrora privada, do intercâmbio de mercadorias;quanto maior se tornou a sua eficácia jornalístico-publieitá-ria, tanto mais vulneráveis se tornaram à pressão de deter-minados interesses privados, seja individuais, seja coletívos.Enquanto antigamente a imprensa só podia intermediar ereforcar o raciocínio das pessoas privadas reunidas em umpúblico, este passa agora, pelo contrário, a ser cunhado pri-meiro através dos meios de comunicação de massa. No per-curso do jornalismo, de pessoas privadas que escreviam atéos serviços públicos dos meios de comunicação de massa, R

esfera pública se modifica mediante o de interesses privados,que nela conseguem presentificar-se de modo privilegiado -,embora eles não sejam mais, de modo algum, eo ipso repre-sentativos quanto aos interesses das pessoas privadas comopúblico. A separação entre esfera pública e esfera privadaimplicava que a concorrência de interesses privados tenhasido fundamentalmente deixada para ser regulada pelo mer-cado, ficando f~ra da disputa pública das opiniões. A medidaque a esfera pública é, porém, tomada pela publicidade co-mercial, pessoas privadas passam imediatamente a atuar en-quanto proprietários privados sobre pessoas privadas enquan-to público. Nisso, por certo, a comercialização da imprensavai de encontro à metamorfose da esfera pública em um meioda propaganda: inversamente, aquela também é, no entanto,levada avante por necessidades de propaganda comercialoriundas autoctonomamente de contextos econômicos.

A inundação da esfera pública por publicações jorrialís-tico-publicitárias não se explica a partir da liberalização das

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(trocas de mercado, embora a propaganda comercial ao velhoestilo tenha surgido mais ou menos à mesma época. Os esfor-ços incomparavelmente maiores de um marketing conduzidocientificamente só se tornaram necessários à proporção dasrestrições oligopólicas do mercado. Na grande empresa indus-trial acaba ocorrendo um conflito entre o ponto ótimo técnicoe o financeiro, o que reforça a tendência para a assim cha-mada concorrência monopolista. A medida que os conglome-rados técnicos são reformulados para uma produção emmassa, o processo de produção perde em elasticidade -"output can no lonçer be varied ... ; output is dictated bythe capacity oi the unitieâ machine-process" 1*) /17/.· Paratanto preCis,a de uma estratégia de vendas a longo prazoque, se possível, assegure mercados e fatias de seguros mer-cados. A concorrência imediata quanto aos preços foge cadavez mais a uma concorrência mediata no processo de esta-belecer mercados com uma clientela específica da firma. Opaulatino desaparecimento de transparência do mercado eque costuma ser vista como motivo para a. publicidade cadavez maior /18/ é, em grande parte, pelo contrário, uma con-seqüência dessa publicidade: uma concorrência que, atravésda p.ublicidade, acaba com a concorrência dos preços é que,precisamente, acarreta uma multiplicidade indiscernível demercados próprios e marcas de artigos que com tanto maiordificuldade podem ser comparados entre si de acordo compadrões de racionalidade econômica quanto mais o seu valorde troca também é determinado através de manipulaçãojornalístico-publicitária. Há uma relação evidente entre, porum lado, a tendência à formação da grande empresa capita-lista levando a uma limitação oligopólica do mercado e, poroutro, as famosas soap operas=: exatamente um jornalismoe uma publicidade que atravessam toda a cultura de inte-gração dos mídias /19/.

Publicidade comercial - o que, na França, por volta de1820, foi primeiro chamado de "reclame" /20/ ~ é um Ie-

l' I o outinü nào pode mais ser variado ... ; o output é ditado pelacapacidade do_processo unificado de toda a máquina.operas elo sabao: radionovelas tratando de problemas domés-tICOS de um grupo de pessoas.

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(nômeno que só aparece com o capitalismo avançado, por maisque ela tenha se tornado óbvia como um ingrediente fra-grante da economia de mercado; efetivamente, ela só alcançaum volume digno de menção com o processo de concentraçãodo capitalismo industrial na segunda metade do século XIX:"durante vários decênios, inclusive ainda do século XIX, exis-te nas mais distintas casas comerciais uma repulsa inclusivecontra simples anúncios comerciais; os reclames são consi-derados indecentes" /21/. No século XVIII, os anúncios co-merciais só abrangiam cerca de um vigésimo do espaço dosfolhetins com anúncios; estes se referiam, de resto quaseexclusivamente a curiosidades, a mercadorias fora do comér-cio usual. Este se regulava ainda em grande parte face toface 1*); a concorrência se fiava muito na propaganda oral.

Lá pela metade do século passado surgem agências deanúncios à base do reclame comercial: na Alemanha, Ferdi-nand Hartenstein fundou a primeira agência em 1855. Umaestreita colaboração com a imprensa levou muitas vezes asagências publicitárias importantes a comprarem espaços deanúncios em consignação e, assim, acabaram tendo o con-trole sobre uma parte importante da imprensa de um modogeral. Hoje, na República Federal da Alemanha, mais de 2.000firmas trabalham para um tipo de publicidade, cujos métodos,desde a grande crise mundial, têm-se aperfeiçoado cientifica-mente com o nível cada vez alcançado pela pesquisa de mer-cado no aspecto econômico, sociológico e psicológico /22/. Osinvestimentos publicitários sustentados por tais agências sóatingem cerca de um terço do investimento econômico globaldessa espécie. Os outros dois terços são investidos pelos em-presários diretamente, em grande parte em publicidade ex-terna; para este fim, toda grande empresa organizou o seupróprio departamento de publicidade. Na Alemanha Federal,calcula-se que, em 1956, os gastos globais com publicidadeforam de cerca de 3 milhões de marcos alemães, constituindomais ou menos 3'l'o de todos os gastos privados /23/. Já noano anterior tinham alcançado uma participação de 1,37"0

1') Literalmente, face a face: a propaganda de boca a boca.

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do produto social bruto, enquanto que na Inglaterra e nosEstados Unidos os equivalentes remontavam a 1,9% e 2,3%/24/. A atividade das agências de publicidade continua a li-mitar-se principalmente a jornais e a revistas ilustradas,embora os novos mídías abram uma possibilidade muito maisampla' de anúncios. Naturalmente, à medida que esse meiode comunicação alcança de um modo geral maior expansão,a televisão comercial conquista uma influência preponderan-te, proporcional ao desenvolvimento de sua organização. Em1957, na Alemanha Federal, ao menos metade dos leitores re-gulares de jornais liam também os anúncios econômicos,65':;; dos ouvintes de rádio escutavam as estações comerciaise, destes, quase um terço afirmava escutá-las diariamen-te /25/. Enquanto os mídias tendem a atingir de um modogeral antes as camadas sociais mais elevadas do que as emcada caso inferiores, aí a relação se inverte; os anúncios eas propagandas comerciais atingem os grupos de status infe-rior num volume e numa freqüência bem maiores do queàs camadas em cada caso mais altas. A socialização de bensque antes eram exclusividade das camadas superiores des-perta a maior. atenção naquelas camadas que procuram aomenos simbolicamente adequar o seu estilo de consumo parao~~. .

A indústria da publicidade não só toma, entrementes,conta dos órgãos publicitários existentes, mas ela cria os seuspróprios jornais, revistas e cadernos. Em 1955, em um a 'cadacinco lares da Alemanha Federal encontrava-se ao menos umexemplar desse.s catálogos comerciais correntes, frequente-mente apresentados como custosas brochuras ilustradas /26/.Ao lado disso, surgiu um peculiar gênero publicitário: o nú-mero de revistas de empresas feitas para clientes. chegava aconstituir à mesma época quase a metade de todas as revistaspublicadas no mercado da Alemanha Ocidental. Alcançavamuma tiragem de mais de um quarto da tiragem de todas asrevistas somadas, uma difusão de mais de 50% da difusão detodas as revistas de diversão consideradas conjuntamen-te /27/. A isto se acresce que esta mesma diversão - e nãosó a intermediada por revistas -, bem como os programas

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(dos rneic., de comunicação de massa mesmo em sua partenão-comercial estimulam o comportamento consumista efixam-no em determinados modelos. David Riesman consí-dera ser a essência dos meios de diversão de massa exata-mente uma educação do consumidor que já começa na infân-cia e que acompanha incessantemente os adultos: "hoje, aprofissão futura de cada criança é a de um consumidor for-mado" /28/. A cultura de integração maciçamente difun-dida leva o seu público per se à troca de opiniões sobre arti-gos de consumo, submetendo-o à doce coação do contínuotreinamento para o consumo.

Ora, a invasão da esfera pública pela publicidade - in-vasão tornada economicamente necessária - não precisariater enquanto tal por conseqüência provocar por si a modí-ficação dela. Assim como, desde o segundo terço do séculopassado, os jornais começaram a separar da parte redacionalum espaço para anúncios, assim também uma separação dasfunções jornalísticas ligadas ao pensamento das pessoas pri-vadas enquanto público poderia ter deixado essencialmenteintacta a esfera pública, criando uma representação públi-ca de interesses privados individuais ou, então, coletivos. Masnão se chegou a formar uma tal esfera pública economica-mente separada da esfera pública política, uma esfera públi-ca jornalístíco-publicitária com a sua origem própria e especi-fica; a representação jornalístico-publicitária de privilegiadosinteresses privados esteve desde o começo plenamente amalga-mada com interesses políticos. Pois à mesma época em que,através da propaganda publicitária, penetrava na esfera públi-ca a concorrência horizontal dos interesses dos donos de mer-cadorias entre si, os fundamentos do capitalista concorrencialjá haviam penetrado enquanto tais nas lutas dos partidos,também a concorrência vertical entre contraditórios interessesde classes havia ingressado no âmbito da esfera pública. Porvolta da metade do século passado, numa fase de antago-nismos de classe mais ou menos declarados, a própria esferapública foi cindída pela dicotomia das two tiaiions 1'): -

10) Duas nações.

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I.,I. t - rbli d . ( . dassim é que a represen açao pu ica e im.cresses pnva os

consegue eo ipso 1") um caráter político. Propaganda comer-cial em grande estilo assume numa tal esfera pública quasesempre também a qualidade de uma propaganda mais queapenas comercial - já porque ela per se ~') representa ofatal' mais importante nos cálculos econôrníco-empresariaisdos jornais e revistas, também dos novos mídias, à medidaque eles trabalham numa base comercial. No entanto, só napráxis das public relaiums é que o anúncio econômico chegaa ter consciência deste seu caráter político.

Esta prática, como o próprio termo /29/, provém dosUSA. Atribui-se o seu início a Ivy Lee, que desenvolveu as"publicity iectiniques on a policy-making level" 3*) para jus-tificar o big business, principalmente a Standar Oil Com-pany e à Pennsylvania Rail Road que, àquele época, viam-seameaçadas por certas reformas sociais /30/. No período entreas duas guerras mundiais, algumas das maiores empresascomeçaram a definir a sua estratégia levando também emconta pontas de vista de public relaiums. Nos Estados Unidos,isto se mostrou útil especialmente no clima de consenso na-cional depois da entrada na guerra, em 1940. Só após o tér-mino da guerra é que as novas técnicas encontraram difusãogeral, inclusive na Europa. Nos países mais desenvolvidos doocidente capitalista, elas assumem o seu domínio sobre a es-fera pública no último decênio. Para o diagnóstico dessaesfera, tornaram-se um fenômeno-chave /31/. "Trabalhar aopinião pública" /32/ diferencia-se da propaganda por assu-mir a esfera pública expressamente como política. Os "recla-mes privados voltam-se toda vez para outras pessoas privadasà medida que entram em consideração como consumidores; odestinatário das public relations é a "opinião pública", sãoas pessoas privadas enquanto público e não enquanto consu-midores imediatos. O emissor esconde as suas intenções co-merciais sob o papel de alguém interessado no bem-comum.A manipulação dos consumidores empresta as suas conota-

1* ) Por isso mesmo.2 *) Por sI.:\*) Técnlcas publicltárlas a nível de ação política.

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(ções à figura clássica de um público culto de pessoas privadase se aproveita de sua legitirnação: as ,funções tradicionais daesfera pública são integradas à concorrência de interessesprivados organizados.

A grosso modo, a publicidade se limitava aos anúncios.O cuidado quanto à opinião pública transcende, no entantoO "re 1 "t 'd' 'c ~me a raves a "promoiion" ]-) e da exploitation= ~~):e!a se m~romete no processo da "opinião pública" ao produ-ZIr planejadamente novidades ou ao se aproveitar de eventosque despertem a atenção. Nisto, ela se utiliza diretamente dapsic~l~gi~.e ~a técnica da ~eature-publu:ity 0*) e da pictoriat-publzczty ) ligadas aos meIOS de comunícaçãr, de massa comos seus topoi 5*) de human inierest 6*) já tantas vezes testa-dos:. romance, reliçion, money, ctiilâren, health, animals.")Mediante uma representação dramática dos fatos e de este-reotípos calculados, el~ pretende uma "reorientation oi publicCJP!nwn by the iormation o] neui auihorities or symbols iohictitoill have acceptance" S*) /33/. Ou os relações públicas con-seguem inserir material adequado diretamente nos canais decomunicaçã~ ?U então eles. arranjam na esfera pública pre-textos específicos que mobilizam os aparelhos de comunica-ção d.e um modo previsível; para essa espécie de "maJcing arcreaiinç news",D*) um manual recomenda vinte métodos di-ferentes /34/.. Ac:.escente-s~ a isso a multiplicidade de informações e deH:struÇoes que sao agregadas pelas agências de pubiic-rela-tions numa forma séria como "subsídios", como press-re-leas_es,para as m~is importantes "ínstâncías de divulgação",entao parecem SImplesmente antiquadas certas assertivaspresas à ideologia profissional e que repetem a velha distin-

l*):l*)ü*)4*)~')G')t- )8*)

Promoção.Exploração.Publicidade gráfica.Publicidade pictórica.Tópicos, modelos repetidos ao longo do espaço e do tempo.Interesse humano.Romance, religião, dinheiro, crianças, saúde, animais.Reortentação da ,opinião pública mediante a formação de novasautondades ou símbolos que terão aceitação.Produção Ou criação de notícias.n')

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(ção entre notícia e anúncio /35/. Public reiations misturam,pelo contrário, um com o outro: a propaganda já nem devemais sequer ser negociável como auto-representação de uminteresse privado. Ela empresta a seu objeto a autoridade deum objeto de interesse público, a respeito do qual, como sepretende que isso pareça, o público das pessoas privadascultas forme livremente a sua opinião. A tarefa central é a"enqineerinç oi conseni" 10), pois só no clima de um tal con-senso é possível "promotion to the public, suggesting arurging acceptance of a person, product, organisation aruiea" 2·~ /37/. A disponibilidade despertada nos consumido-res é mediada pela falsa consciência de que eles, como pes-soas privadas que pensam, contribuam de um modo respon-sável na formação da opinião pública.

Por outro lado, o consenso sobre algo que, na aparência,é necessário para o interesse público tem, efetivamente, al-guma coisa de uma "opinião pública" encenada. Embora aspublic relaiions devam estimular algo como a venda de de-terminados artigos, o seu efeito acaba sempre sendo algumacoisa mais que isso; já que a publicidade para produtos espe-cíficos passa a ser desenvolvida pelas vias índíretas de umfingido interesse geral, ela não acarreta nem assegura apenaso perfil da marca e uma clientela de consumidores - muitomais, ela ao mesmo tempo mobiliza para a firma, para umramo da economia e até para todo um sistema 'um créditoquase-político, uma espécie de respeito que só se teria paracom autoridades públicas.

Naturalmente, o consenso fabricado não tem a senomuito em comum com a opinião pública, com a concordânciafinal após um laborioso processo de recíproca "Auikldrumç",pois o "interesse geral", à base do qual é que somente seriapossível chegar a uma concordância racional de opiniões emconcorrência aberta, desapareceu exatamente à medida queinteresses privados privilegiados a adotaram para si a fim de

1') o engendrar o consenso.~.) Promover junto ao público, sugerindo ou exigindo a aceitação

de uma pessoa, um produto, uma organização ou uma idéia.

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(se auto-representarem através da publicidade. Com o duplopressuposto: uma limitação do público a pessoas privadasburguesas e a limitação de seu pensamento aos fundamen-tos da sociedade burguesa enquanto uma esfera de que priva-damente se disponha - com isso também está rompida avelha base da convergência de opiniões; e uma nova basenão se estabelece simplesmente porque os interesses privadosque ingressam na esfera pública queiram se aferrar à ficçãodeles. Faltam critérios para ser tão somente razoável ao con-senso gerado sob o signo de um fingido public interest lO)

através de refinados opinion-molding services 2*). A críticacompetente quando a questões publicamente discutidas cedelugar a um mudo conformismo, com pessoas ou personifica-ções publicamente presentificadas; consetit:") coincide como good wilZ 4* provocado pela publicita) ~.). Outrora, "publici-dade" significa a desmistificação da dominação política pe-rante o tribunal da utilização pública da razão; publicitysubsume as reações de um assentimento descompromissado.A medida que se configura) mediante public reiations, a es-fera pública burguesa reassume traços feudais: os "oíertan-tes" ostentam roupagens e gestos de representação peranteclientes dispostos a segui-los. A publicidade imita aquele aurade prestígio pessoal e de autoridade supra-natural que anti-gamente era conferida pela esfera pública representativa.

De uma refeudalização da esfera pública é preciso falarainda em um outro sentido, mais restrito. A referida integra-ção de diversão de massa e publicidade, que na configuraçãodas public relaiions assume um caráter já "político", subme-te ainda inclusive o próprio Estado /38/. Já que as empresasprivadas sugerem a seus clientes, nas decisões de consumo,a consciência de cidadãos do E:stado, o Estado precisa "vol-tar-se" a seus cidadãos como consumidores. Deste modo,também o poder público apela para a publicity.

}') Interesse público.~') Serviços de moldagem de opinião.:1' ) Consenso.'1') boa-vontade.~,') publicidade.

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(§ 21 - A subversão do princípio da "publicuuuie"

No final dos anos 20, um congresso de sociólogos alemãesocupou-se com o tema da opinião pública /39/. Nessa ocasião,pela primeira vez, foi registrado de modo competente um fe-nômeno que é sintomático para a mudança de função políticada "publicidade": o "ativismo jornalístíco" de repartições,partidos e organizações. Brinkmann formulou uma certa-mente discutível antítese entre "imprensa livre" e "imprensaoficializante" nas administrações públicas e privadas ("coma absorção incessante de todos os setores da existência emsuas "publicações", o jornal moderno acabou criando o seupróprio antagonista e talvez até o seu dominador neste insa-ciável desejo de informações: nas agências jornalísticas queagora vêem-se obrigadas a Organizar ( ... ) essa instânciavital voltada para o público ou que procura conquistá-lo"/40/). Discutível era essa contraposição, pois a política depublic-relations das administrações, cuja extensão ia muitoalém das publicações de tipo clássico, já tinha se Utilizadodos mídias existentes, assegurando a sua posição. Só que aconstatação do fenômeno é pertinente: ao lado das grandesinstituições jornalísticas e ligado a elas ("um aparelho quecertamente representa um máximo de público, mas um mí-nimo de opinião"), estabeleceu-se um outro aparelho, que vaide encontro às novas necessidades de "publicidade" do Esta-do e das associações ("ali temos ... uma outra "opinião pú-blica", que talvez "opine" muito e sobre, 'coisas bem concretas,mas que procura construir e impor isto essencialmente de umoutro modo que não o "público" dentro da sociedade" /41/).As formas de que se reveste a manipulação da opinião a queaqui é referido são aquelas que "conscientemente divergemdo ideal liberal de esfera pública". A burocracia estatal tomaemprestada uma práxis que as grandes empresas privadas ecoligações já tinham posto em andamento; só a sua colabo-ração com estas é que de algum modo confere às administra-ções públicas o seu "caráter publicitário".

O crescimento do poder da administração no Estadosocial-democrata - não só frente ao Legislativo, mas frente

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(ao próprio .8xecutivo governamental /42/ - faz com que apa-reça de modo evidente aquele momento de sua "autcnomíza-ção", embora mesmo na era liberal o Executivo jamais tenhafuncionado como puro executor de leis /43/. O outro momen-to, o processo inverso de uma transferência de poder do Es-tado para grupos sociais permanece menos perceptível; norecém-conquistado espaço do "parecer construtivo", em que opróprio Executivo também se torna produtor, negociador edistribuidor, o Executivo vê-se Obrigado a assumir um com-portamento que complementa e em parte até substitui a au-toridade estatal por um arranjo com a "esfera pública". Issoleva, em parte, a uma colaboração extra-oficial das associa-ções, em parte a uma transferência regular de tarefas admi-nistrativas para a competência delas. Werner Weber observaque amplos setores da administração são simplesmente reti-rados do Estado e transformados em "partes integrantes deum sistema administrativo de estamentos para-estatais" /44/.Mas, mesmo onde o Estado impõe ou amplia a sua soberaniaadministrativa, ele precisa se "acomodar" no campo ten.sionaldos interesses organizados. Embora aqui sejam procurados eefetivamente ocorram acordos extra-parlamentares, portantocom a exclusão da esfera pública institucionalizada estatal-mente, eles são, no entanto, preparados de ambos os ladoscom o reforço do assim chamado gesto de "trabalhar a opi-nião pública", sendo para isso acompanhados sistematica-mente. Na medida em que há essa interpenetração de Estadoe sociedade, a esfera pública perde certas. funções de inter-mediação e,com ela, o Parlamento enquanto esfera públicaestabelecida enquanto órgão do Estado. Um processo contí-nuo de integração é assegurado de um outro modo: a umenfraquecimento da posição do Parlamento corresponde umreforço na transformação do Estado frente à sociedade (ad-ministração) e, vice-versa, da sociedade frente ao Estado(associações e partidos). No entanto, o investimento no setorda publicidade, um desenvolvimento de public relaiions con-forme modernos métodos de gestão, mostra que a "publicida-de", grandemente espoliada de suas funções originais, estáagora, sob o patrocínio das administrações, das associações e

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dos partidos, mobilizada de um outro mei. no processo deíntegração entre Estado e sociedade.

Dentro da esfera pública politicamente ativa, só assimos conflitos podiam ser descarregados sobre uma base de inte-resses relativamente homogôneos e em formas relativamenterazoáveis de deliberação, só assim os conflitos levados parla-mentarmente a uma decisão podiam ser fixados num siste-ma de leis abstratas e gerais com pretensões de racionalidadee permanência, pois a grande massa das decisões materiais,dentro de uma sociedade de trocas neutralizada enquantoesfera privada, era intermediada pelos mecanismos do merca-do e, em princípio, resolvida apoliticamente. Por certo apenasno âmbito do interesse comum das pessoas privadas enquan-to proprietários privados, a esfera pública política é que seestava, no entanto, suficientemente livre da concorrência deinteresses privados individuais para que as decisões reserva-das ao compromisso político pudessem ser controladas atra-vés de processo.s de discussão política. Assim que, no entanto,os interesses privados, organizados coletivamente, foram obri-gados a assumir uma configuração política, também na es-fera pública passaram então a ser descarregados conflitos quealteraram na base a estrutura do pacto político /45/. A esferapública passa a ser sobrecarregada com tarefas de compen-sação de interesses, que escapam às formas tradicionais deacordos e compromissos parlamentares; aí é que se podeainda perceber a sua origem na esfera do mercado: - oacordo precisa ser literalmente "negociado" através de pres-sões e contrapressões, levando ao resultado apoiado imedia-tamente no equilíbrio precário de uma constelação de forçasentre aparelho de Estado e grupos de interesses. As decisõespolíticas acabaram caindo nas novas formas de "barganha",que se desenvolveram ao lado das antigas formas de exer-cício do poder: hierarchy e âemocrticu /45/. Por um lado, éverdade que o âmbito da competência da esfera pública seampliou. Mas porque, por outro lado, o equilíbrio entre 06

interesses ainda continua subordinada à pretensão liberaldessa esfera pública, legitimando-se no bem comum, sem,contudo, satisfazê-lo, mas também sem poder escapar total-

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mente a ("" a negociação dos compromissos desloca-se parasetores extra-parlamentares: seja formalmente mediant~ adelegação de competências de órgãos estatais para orga:llz~-ções sociais, seja informalmente mediante a transrerêncíaefetiva de competências fora da lei (ou contra a lei).

Onde, como no caso do conflito central da sociedade capi-talista avançada - o conflito entre patrões e empregados -,não se pode esperar um equilíbrio de interesses relativamen-te duradouro ou até mesmo uma "satisfação" no lugar deacordos que produzem fornadas de normas, é possível que,através da ausência da arbitragem forçada do Estado, possaser criado um espaço autónomo para um exercício quase-autónomo dos grupos sociais conflitantes. Por um lado, osparticipantes do acordo já não agem mais como se exercitas-sem uma autonomia privada: agem no âmbito da esfera pú-blica política e, por isso, estão oficialmente subordinados aomandamento democrático do agir publicamente /47/. Poroutro lado, a criação de normas tarifárias subverte ta~to,porém, as formas racionais da "publicidade" ao velho estilo,quanto tão pouco oferece objetivamente a possibili?ade delegislar de acordo com critérios liberais o antagonismo deinteresses subjacente a esses compromissos e que em geralsão mantidos fora da processualística do Legíslativo parla-mentar e, com isso, fora do âmbito das competências da es-fera pública estatalmente institucionalizada.

A um tal deslocamento oficial das competências corres-ponde, num volume muito maior, o deslocament.o efeti~o. decompetências do poder legislativo, num compromisso político,ao mundo de relacões nos setores administrativos, das asso-ciações e dos part.idos, A crescente integração do Estad.o comuma sociedade que já não é, enquanto tal, uma so.cI.edadepolítica, exige decisões em forma de acordos tempor~nos degrupos, portanto num intercâmbio direto de favoreclm~n~se indenizaçôes particulares, sem passar pelo processo insti-tucionalizado da esfera pública política. Por iSiSOé que asso-ciações e partidos continuam a ser fundamentalmente ins-tituições privadas: algumas nem sequer são organizadas emforma de sociedades juridicamente constituídas e, apesar

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disso, participam da tomada de posiçoes {..Jlicas. Ou seja,também exercem funções da esfera pública política e estãosujeitas ao princípio básico dela: legitimar a pressão socialexercida sobre o poder do Estado, transcendendo uma merarelação de força. Assim, as associações subverteram de fatoos limites do direito burguês de associação: a sua meta decla-rada é a transformação dos interesses privados de muitos in-divíduos em um interesse público comum, a representação edemonstração do interesse da associação como sendo confia-velmente universal /48/. Nisso, as associações certamente não'dispõem de amplo poder político apesar de seu caráter priva-do, mas exatamente por causa dele; sobretudo elas podemmanipular a "opinião pública" sem precisarem deixar-se con-t.rolar por ela. Este é o resultado da dupla necessidade de,por um lado, exercer o poder social e, por outro, de justificar-se perante os padrões tradicionais de uma esf.era pública defato em decadência: as organizações buscam conquistarjunto ao público intermediado por elas uma entusiásticaaprovação que ratifique formações de compromissos sujeitosao crédito público, ainda que desenvolvidos grandemente anível interno, ou ao menos tratam de assegurar a sua passi-vidade replena de boa-vontade - seja para transformar talconcordância em pressão política, seja para, à base da to-lerância alcançada, neutralizar pressões políticas contrá-rias /49/.

O trabalho na esfera pública visa reforçar o prestígio daposição que se tem, sem transformar em tema de umadiscussão pública a própria matéria do compromisso: orga-nizações e funcionários desenvolvem uma represeniatiuidade."k; associações públicas nem querem aparecer como pessoasjurídicas, mas como organizações coletivas, e isso porque elasnem sequer estão tão interessadas em sua representação for-mal para fora, autonomizando essa representação em relaçãoà vida interna da associação, mas estão principalmente inte-ressadas na representatividade de seus membros na esfera,pública" /50/. A representatividade é menos um elemento daestrutura associatíva interna e bem mais uma "expressão desua intencionalidade pública" /51/. Naturalmente, atravésdisso não se restabelece a esfera pública representativa ao

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(velho estilo, mas ela empresta, contudo, certos traços de umaesfera pública burguesa refeudalizada que, conforme uma ob-servação de Schelsky, se caracteriza pelo fato de que os gran-des organizadores do Estado e de instituições não-estatais"são os managers das manifestações de suas próprias posi-ções" /52/. A aura da autoridade pessoalmente representadareaparece como um momento da publicidade; nessa medida,a moderna publicity é bem aparentada com a publicnessfeudal. Public relations não se referem propriamente à publicopinioti, mas à opinioti no sentido da reputation. A esferapública se torna uma corte, perante cujo público o prestígioé encenado - ao invés de nele desenvolver-se a crítica.

Outrora, a "publicidade" teve de ser imposta contra apolítica do segredo praticada pelos monarcas: aquela "publi-cidade" procurava submeter a pessoa ou a questão ao julga-mento público e tornava as decisões políticas sujeitas àrevisão perante a instância da opinião pública. Hoje, pelocontrário, a publicidade se impõe com a ajuda de uma secretapolítica dos interesses: ela consegue prestígio público parauma pessoa ou uma questão e, através disso, torna-se alta-mente aclamável num clima de opinião não-pública. A ex-pressão "trabalhar a esfera pública" (Deffentlichkeitsarbeit)já revela que, conforme as circunstâncias e conforme o caso,primeiro é preciso estabelecer uma esfera pública que, antiga-mente, era dada com a posição dos representantes e quetambém tinha assegurada a sua continuidade através de umsimbolismo garantido por tradição. Hoje, precisam ser arran-jados pretextos para a identificação - a esfera pública pre-cisa ser "fabricada", ela já não "há" mais. Altrnann apelidouisso acertadamente de ato de "comunificação" /53/. A efi-cácia publicitária imediata não se esgota no referido efeitopropagandístico descomercializado de uma aura ot good unll,que produz uma disposição à concordância. Essa publicidadepassa agora de uma influência sobre decisões dos consumi-dores também para a pressão política, pois mobiliza um inar-ticulado potencial de pré-disposição à concordância que, casonecessário, também pode ser traduzida numa aclamação de-finida de modo plebiscitário. Nessa medida, a nova esfera

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pública continua ainda tendo por rererênci ..•A burguesa, en-quanto as suas formas institucionais de legitimação perma-necem em vigor; mesmo a publicidade de tipo demonstrativodesenvolve eficácia política só à medida que torna manifestoum capital de potenciais decisões eleitorais ou quando efeti-vamente pode resolver problemas. Essa "resolução" é, no en-tanto, então, tarefa dos partidos.

A mudança de função atinge a totalidade da esfera pú-blica politicamen te ativa: também a central relação de públi-co, partidos e Parlamento está subordinada a ela. ConformeMax Weber o descreveu, os partidos dos grandes honoráveismarcaram a esfera pública política da era liberal /54/. Oscírculos de proprietários cultos, sob a direção de religiosos eprofessores, de advogados, médicos, mestre-escolas e Iarma-cêuticos, de fabricantes e proprietários de terras, fundaramclubes políticos locais, primeiro associações circunstanciais,ligas eleitorais, que eram mantidas reunidas simplesmen~eatravés dos deputados. O número dos políticos' profissionaíspermaneceu restrito e suas funções eram inicialmente subal-ternas: a política é uma profissão secundária honorifica enão-paga. A imprensa foi a única instituição permanen:eIigada a esta prática informal da política limitada, que naosó nas grandes cidades tinha reuniões locais periódicas erga-nizadas pelas asssociações locais a fim de que os deputadospudessem prestar contas de seu mandato. Há uma comunica-ção permanente entre os centros comunais de discussão eas sessões do Parlamento /55/. Exatamente a frouxa ligaçãoorganizatória do "partido de frações" - que praticamente sóexistia no Parlamento - é que permitia, acima dos círculosdos notáveis, com os eleitores do interior, uma corrente decomunicação que transcorria dentro de um único público. Aparidade dos homens cultos ainda não era posta fundamen-talment.e em questão através de uma divisão das competên-cias. Os próprios partidos também se entendiam nesse quadroda esfera pública burguesa como "formações de opiniões";conforme o expressa Rudolf Haym em seu relatório sobre aassembléia nacional alemã, eles têm opiniões políticas emsua maciça conexão e ligação cem as bases. E August Ludwigvon Rochau reivindica para o "espírito de partido" uma obje-

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tividad[ ....e julgamento que pretende se contrapor ao merointeresse /56/. Mas já Treitschke refuta a tese do partidode opinião: "Efetivamente, os interesses das classes sociaisestão muito mais interligados com as doutrinas partidáriasdo que os próprios partidos reconhecem" /57/. No fim doséculo, encontram-se afinal testemunhos que fazem renun-ciar à ilusão quanto à neutralidade de interesses mesmo emrelação aos partidos burgueses. Pessoas como Friedrich Nau-mann exigem diretamente um partido de classe para a situa-ção liberal, pois "só um liberalismo com consciência de classetem a firmeza de sustentar o seu membro nessa luta gene-ralizada das classes que, hoje, é, simplesmente, um fato" /58/.

Entrementes, a mudança estrutural da área pública bur-guesa já tinha começado: as instituições de relacionamentona "boa sociedade" e que asseguravam a coesão do públicopensante perderam a sua força ou faliram completamente;à. evolução para urna imprensa comercial de massa corres-pondia a reestruturação dos partidos dos notáveis sobre umabase de massas. A socialização dos direitos igualitários bur-gueses modificou a estrutura dos partidos. A partir da me-tade do século passado, as soltas ligas eleitorais dão lugarcada vez mais a partidos no sentido próprio, organizadossupralocalmente, com um aparelho burocrático, voltadospara a integração ideológica e a mobilização política dasgrandes massas de eleitores: na Inglaterra, Gladstone intro-duziu o sistema caucus. Os comitês locais perderam a suaimportância com a construção de um aparelho de políticosprofissionais organizado de modo mais ou menos empresariale dirigido de modo centralizado. Os partidos estavam agoraperante a tarefa de, com a ajuda de novos métodos, "inte-grar" a massa dos cidadãos - que já não eram mais propría-mente "burgueses" - para fins eleitorais; as reuniões doseleitores com o deputado local para prestar contas teve dedar lugar à. propaganda sistemática. Só então é que surgiualgo como a propaganda moderna, que, desde o começo, pas-sou a exibir a máscara de Janus de iluminismo e manipula-ção, informação e publicidade, didatismo e manipulação /59/.

Havia crescido a interdependência dos eventos politica-mente relevantes: junto com a sua base na comunidade, a

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(esfera pública perdeu a sua localização; ela. perdeu a suaclara delimitação, por um lado, em relação à esfera privadae, por outro, em relação ao "cosmopolitísmo"; perdeu a suatransparência e abrangência /60/. Como alternativa ao par-tido de classe /61/, surgiu o "partido de integração", formaem geral não muito nitidamente diferenciada daquela: "pren-de" os eleitores temporariamente e incita-os à aclamação,sem mexer na imaturidade política deles /62/. Hoje, essepartido de massas de integração superficial, que surgiuàquela época, tornou-se o tipo dominante. Para. ele,é deci-sivo saber quem dispõe dos meios de coação e de formaçãoeducacional para poder influenciar, de modo demonstrativoou manipulador, o comportamento eleitoral da população.Os partidos são instrumentos de formação das vontades, masnão nas mãos do público e sim daqueles que mandam noaparelha do partido. Essas alteradas relações dos partidos como público por um lado e, por outro, com o Parlamento podemser sintomaticamente decifradas na alteração do status dosdeputados.

Desde o início fazia parte da concepção de parlamenta-rismo a rejeição do mandato imperativo, que havia sido típi-co para todas as espécies de representação corporativo-esta-mental. Já em 1745 um deputado da Casa dos Comunsdeclarava: "By our constituiion, aiter a gentleman is chosen,he is the representative, or, if you please, the attorney of ihepeople oi Etujlarui" ]'), uma tese que, uma geração maistarde Burke e Blackstone /63/ transformaram na clássicadoutrina do livre mandato. Ela encontrou abrigo em todasas constituições burguesas /64/ na fórmula segundo a qualo deputado deve independer de qualquer mandato imperativoe só deve responder perante a sua consciência e perante opovo como um todo. No Estado liberal de Direito, essa ideo-logia correspondia sempre ainda a um processo de formaçãoda vontade política, intermediado pela formação da opiniãode um público pensante. De acordo com o seu sentido socio-

1") Segundo a nossa constituição, depois que um cavalheiro é eleito,ele é o representante, ou, como se queira, o advogado do povoda Inglaterra.

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(lógico, nessa fase o livre-mandato não significava tanto aindependê~cia do representante enquanto tal; o deputadoestava efetivamente num contato muito mais íntimo com oseu circulo eleitoral do que desde então tem acontecido' eramuito mais, a garantia da posição paritária de todas as pes~soas privadas dentro do público pensante. Para que o próprioParlamento continuasse a fazer parte desse público e a liber-dade de discussão ficasse garantida tanto inira muros quantoe-:tra mur?s, as cautelas quanto à independênciaçio deputadonao deveriam acarretar um status privilegiado perante oresto do público - representação no sentido da esfera públi-ca pré-burguesa -: deveriam apenas impedir que o statusde deputado se tornasse desprivilegiado através da delega-ção /65/.

~ssa coesão do público se rompe de fato à medida que ospartidos, transformados em expoentes de um sistema de asso-ciação pública, deveriam intermediar e representar os interes-ses de um número cada vez maior de tais organizações oriun-das da esfera privada e que tinham ingressado na esferapública. Em regra, eles não são hoje nem partidos de claase(como a antiga social-democracia) nem mesmo uma associa-ção de interesses (no estilo do BHE 1*)). Pelo contrário, exata-

. mente a inserção dos interesses organizados e sua traduçãooficial na máquina política dos partidos empresta-lhes aquelaposição destacada., frente à qual o Parlamento é degradado auma assembléia de facções - e o próprio parlamentar degra-da-se "a um membro intermediário técnico-organlzatórío dopartido, ao qual, em caso de conflito, ele tem de se curvar"/66/. Segundo uma observação de Kirchheimer, muito li-gada a isso está a evanescente influência parlamentar dosjuristas /67/: o tipo do parlamentar advogado dá lugar aoparlamentar-burocrata. Ao lado do pequeno grupo dos "rni-nísteriáveís", que acumulam os cargos de comando, acabaentrando no Parlamento um grande número de autênticosfuncionários do partido (meros executantes, especialistas em

1*) BHE: Bund der Heimatverlriebener und Entrechteten: uniãodos exilados e dos despojados de seus díreltos. (NT)

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(propaganda, etc.) e, por fim, um grande numero dos repre-sentantes mediatos e imediatos de associações (sindicalistas,intermediários, especialistas, etc.). O deputado individual,chamado para ajudar a formar as decisões de maioria dentrode seu partido, decide, ao final das contas, em função dafacção a que ele pertence. A coação para acordos sempre re-novados entre interesses organizados transforma o partido,acima da facção, numa coação para manter a fachada deuma unidade perante o público; o deputado recebe, de fato,um mandato imperativo de seu partido /68/. Com isso, oParlamento tende a se tomar num local em que esses fun-cionários do partido, presos a mandatos, se encontram parafazer com que sejam regístradas decisões já tomadas, CarlSchmidt já havia observado coisa semelhante durante aRepública. de Weimar /69/. O novo status de deputado nãose caracteriza mais pela participação em um público pensan-te de um modo geral.

O próprio Parlamento desenvolveu-se de acordo com isso,deixando de ser uma corporação que discutia, pois o mero"amém" parlamentar de resoluções previamente negociadaspor baixo do pano não obedece apenas a uma prescriçãoformal: serve para demonstrar, para fora, a vontade do par-tido. De uma "assembléia de homens sábios, escolhidos comopersonalidade únicas de camadas privilegiadas, que procura-vam persuadir-se mutuamente com argumentos, através dediscussões públicas, na suposição de que a decisão tomada,então, pela maioria seria o verdadeiro e o correto para o bem-estar do povo", o Parlamento passou a ser a "tribuna públicaem que, perante todo o povo que, através do rádio e da tele-visão, participa de modo todo especial nessa esfera pública, ogoverno, com os partidos que o apóiam, apresenta e defendea sua política perante o povo, enquanto a oposição ataca essapolítica com a mesma abertura, apresentando alternati-vas" /70/, Essa descrição de Friesenhahn capta certamenteapenas um lado do processo, ou seja, a ampliação da "publi-cidade" enquanto tal, não a mudança da função dela. En-quanto antigamente a natureza pública das negociações eatividades devia assegurar a "todos" a continuidade da dis-

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(cussão pie-parlamentar com a discussão parlamentar, a uni-dade da esfera pública e da opinião pública que aí se consti-tuía, numa palavra: o Parlamento deliberativo como meio,mas também como parte do público - e durante algumtempo de fato ela também assegurou isso -, hoje ela nãofaz nada semelhante; ela nem sequer o pode, pois a própriaesfera pública, tanto dentro quanto fora do Parlamento,alterou a sua estrutura: "Caso se veja o sentido das trans-missões feitas a partir do Congresso no fato de dar ao ou-vinte (ou espectador) a possibilidade de participar, pelo apa-relho receptor, no trabalho do representante popular por eleeleito, então seria preciso concluir que o rádio e a televisãonão são capazes de estar à altura dessa finalidade, mas que,pelo contrário, mediante distorções e deformações dos deba-tes, representam 'uma perturbação no trabalho' parlamentar.Assim como a resolução propriamente dita se deslocou doplenário para as comissões e facções, assim também no Par-lamento a deliberação se escondeu completamente atrás dadocumentação" /71/. Perante a esfera pública ampliada, ospróprios debates são estilizados num show. A "publicidade"perde a sua função crítica em favor da função demonstra-tiva: mesmo os argumentos são pervertidos em símbolos, aosquais não se pode, por sua vez, responder com argumentos,mas apenas com identificações.

Na mudança de função do Parlamento, torna-se evidentea natureza problemática "publicidade" enquanto princípiode organização da ordem estatal: de um princípio de crítica(exercida pelo público), a "publicidade" teve redefinida a suafunção, tomando-se princípio de uma integração forçada(por parte das instâncias demonstrativas - da administra-ção e das associações, sobretudo dos partidos). Ao desloca-mento plebiscitário da esfera pública parlamentar correspon-de uma deformação no consumismo cultural da esfera pú-blica jurídica. Com efeito, os processos penais que são sufi-cientemente interessantes para serem documentados e bada-lados pelos meios de comunicação de massa, invertem, demodo análogo, o princípio crítico da "publicidade", do tornarpúblico; ao invés de controlar o exercício da justiça por meio

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(dos cidadãos reunidos, serve cada vez ma«, para prepararprocessos trabalhados judicialmente para a cultura de massasdos consumidores arrebanhados.

O poderio de tais tendências pode ser avaliado pelaspropostas de revisão que elas acabaram provocando. Enquan-to na Alemanha napoleônica a "publicidade" encontrou, en-quanto princípio de organização de um Estado liberal, os seusprimeiros militantes convictos; enquanto que, naquela época,Carl Theodor Welcker e Anselm Feuerbach faziam a suacampanha em favor da "publicidade" no Parlamento e naJustiça em conexão com uma imprensa diária politicamentepensante e em expansão /72/, hoje procura-se proteger osdebates e as negociações parlamentares e os processos judi-ciais frente a uma publicidade de tipo plebiscitário. As lide-ranças reunidas do Bundestag 1*) recomendaram que as reu-niões da Casa não fossem mais transmitidas ao vivo, advo-gados' e juristas reivindicam com crescente insistência nosentido de que se esgotem todos os recursos legais ou. ondeestes não bastem, que se altere o Direito Processual a fimde limitar as reportagens radiofônicas e televisadas das sessõesdo júri e das audiências: em ambos os casos, o princípio da"publicidade" deve ser reduzido ao controle da "publicidadeimediata". Não se trata de interditar o livre acesso aos de-bates, mas deve-se impedir que, a partir da documentaçãoparlamentar de resoluções negociadas internamente, se façauma grande demonstração político-partidária e que, a partirde um processo penal, se faça um show processual para adiversão dos consumidores não-participantes. A argumenta-ção se volta contra os desvios plebiscitários do modelo liberal.A distinção entre publicidade e publicity feita por EberhardSchmidt é típica para isso, distinção que ele queria ver man-tida mesmo no caso de processos penais com "personalidadesda história contemporânea": "O que se perde, afinal decontas, quando não se consegue ver na imprensa fotos deacusados ou de testemunhas? Pode haver um justificado inte-resses da esfera pública em saber de que atos são acusadas

lO) Parlamento da Alemanha Federal.

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personalidades contemporâneas, o que se esclarece quanto a~sso no processo e qual é a sentença. Estes são momentosImportantes para formar a opinião dos cidadãos interessadosna vida pública e que, através de um confiável relato sobreo processo, também podem ser levados ao conhecimento dequem não participa das negociações. Mas qual é a expressãofisionômíca do acusado e das testemunhas durante a audiên-cia principal, os interrogatórios ou o veredito, é algo com-pletarnente indiferente a todo interesse justo. Só quem esti-ver dommado por essa desalmada inclinação à publicitypela qual é atropelado tudo quanto um pensamento hurna-n.ista se sinta obrigado em termos de cuidados naturais, podeainda querer falar aí de uma justa necessidade de informa-ção da esfera pública" /73/. É evidente que tais medidasreatívas não podem contribuir para recolocar a publicidadeem suas funções originárias. A t.entativa de restaurar uma"publicidade" liberal mediante a redução de sua ampla con-figuração plebiscitária há de enfraquecer ainda mais, em todocaso, a esfera pública no pouco que lhe resta de suas funcõesgenuínas. .

Ainda hoje, a constituição dos Estados sociais-democra-tas enquanto democracias de massas obriga a atividade dosórgãos estatais a ser pública, para que ao menos possa tor-n~!-se efetivo Um processo permanente de formação de opí-niao e de vontades até mesmo como um corretivo quegaranta a liberdade perante o exercício do poder e da domi-nação: "as manifestações desse processo, absolutamentevitais para uma democracia livre, e que consistem em pro-mover urna "opinião pública" orientada em todos os seussetores, podem ( ... ) consistir, legitimamente, de modo plenonum "poder" não sancionado juridicamente, pressupondo-seque também elas sejam plenamente "públicas", confrontan-do-se publicamente com o poder estatal, obrigado, por prin-cípio, a manter pública toda a sua atividade" /74/. Requi-sitada por organizações sociais, sob a pressão de interessesprivados coletívos, essa esfera pública só pode exercer fun-ções de crítica política e de controle à medida que, além daco-gestão de compromissos políticos, está ela mesma sujeita,

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(sem limitações, às condições de coisa pública e da "publici-dad~", ou ~eja, tornando-se novamente esfera pública emsentido ,estnto. Sob tais condições alteradas, a intenção clás-sica de exigir "publicidade" pode ser protegida de uma rein-versão restauracionista se, ampliada por imperativos nãoortodoxos de "publicidade", essa "publicidade" também devaestender-se a instituições que, até então, haviam vivido maisda natureza pública das outras instituições do que elasm~sm~s es.tavam sujeitas à supervisão da esfera pública: empn~ell'a lmha, estender-se a partidos, mas logo também ameios de comunicação de massa politicamente efetivos e aassociações públicas. São instituições das forças socialmenteativas: organizações privadas da sociedade, exercendo fun-ções públicas dentro da ordem política.

A fim de atender a tais funções no sentido de formarde~1o~raticamente a opinião e a vontade, elas precisam, emprimeiro lugar, estar organizadas em sua estruturacão inter-~a ~e a~ordo com o princípio da "publicidade" e possibilitar,m~tItuclO?almen.te, _uma democracia intrapartidária ou in-tnnsec~ a assocraçao ; permitir uma comunicação sem per-turbaçoes e um uso público da razão /75/. Deste modo, estáassegurada a conexão de uma tal "publicidade" organizacio-nal com a esfera pública de todo o público através públicoacesso aos eventos internos do partido e da associação /76/.Por fim, a atividade das próprias organizações, a pressãodelas sobre o aparelho do Estado, mas também o exercíciodo poder entre elas, bem como uma ampla publicidade e asmúltiplas relações de dependência e ramificações econômicas;a ,isso perten~e, por exemplo, que as organizações da esferapublica permitam uma visão e um controle quanto à origeme a aplicação de seus recursos financeiros /77/. Na AlemanhaFederal, quanto a tais exigências de "publicidade" dos par-tidos garante-se, pela lei fundamental a possibilidade de es-tendê-las também para as associações públicas /78/, poistambém elas estão legitimadas no sentido de co-atuar soba garantia constitucional da "liberdade de opinião públicainstitucionalizada no 'Estado de partidos' " /79/, na formaçãoda opinião e da vontade do povo. Mesmo o jornalismo poli-

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tico deve: .orno todas as instituições que exercem uma in-fluência privilegiada, de modo demonstrativo ou manipula-tivo, na esfera pública, por sua vez estar subordinado aomandamento democrático de ser abertamente público. Sejacomo fôr que isto se coloque juridicamente, sob o aspectosociológico tais exigências colocam em discussão o relevanteaspecto de uma democratização de organizações sociais cujaatividade se relacione com o Estado. Não só os órgãos doEstado, mas todas as instituições da imprensa atuantes naesfera pública política estão, neste caso, presas ao mandamen-to da "publicidade", pois o processo da transformação dopoder social em político precisa tanto de crítica e controlequanto o exercício legítimo do poder político sobre a socie-dade. A idéia de esfera pública institucionalizada na social-democracia de massas, de um modo não-outro que no Estadode Direito burguês é, primeiro: a racionalização da dominaçãono âmbito do pensamento público das pessoas privadas sópode ser, agora, ainda realizada como uma racionalização -certamente limitada pelo pluralismo dos interesses privadosorganizados - do exercício social e político do poder sob ocontrole mútuo de organizações rivais, presas à esfera públicaem sua estrutura interna bem como no relacionamento como Estado e delas entre si /79a/.

Só à proporção do avanço de tal racionalização é que,por sua vez, como à sua época na configuração do públicoburguês das pessoas privadas, surge e se forma uma esferapública política - ou seja, "além das eleições periódicas ouesporádicas para os órgãos do Estado ... (uma) .. , socie-dade presente num processo coerente e permanente de inte-gração" 180/. Quanto, de fato, a esfera pública política dasocial-democracia de massas tem ainda ficado para trás nessadimensão, ou melhor, quão pouco ela avançou nisso de ummodo geral, pode ser analisado exatamente nos próprios pre-parativos públicos das eleições e no processo eleitoral. Aesfera pública temporariamente estabelecida, mobilizadaapenas transitoriamente para essa finalidade, leva à posi-ção dominante aquela outra "publicidade" das public re-laiions, que pode ser desenvolvida com tanto maior êxito

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. d ~ d 'bl' (.por CIma as caoeças e mTI pu ICO n<..v-organizado deorganizações quanto mais estas escapam ao mandamentodemocrático da "publicidade". As mais recentes pesquisassobre eleições mostram "como é vantajoso para um partidonão ter membros, mas apenas ressuscitar em épocas deeleições, com a capacidade centralizada de manobrar que temuma firma de publicidade só existente para um único fim:fazer a campanha publicitária" /81/. Um processo de comu-nicação pública que se desenvolve no seio dos partidos e dasorganizações está, evidentemente, numa relação inversaquanto à eficácia demonstrativa e manipuladora de umapublicidade que procure mobilizar o explosivo potencial acla-mativo de amplas camadas da população e, principalmente,atingir sua parte politicamente mais indiferente.

~ 22 - "Publicidade" pré-icbricaâa e opttuao não-pública:o comportamento eleitoral da população

A relação do usuário com o Estado não é, em primeiralinha, a participação política, mas um posicionamento c,-,né-rico de demanda que espera atendimento sem querer pro-priamente, impor decisões /82/. O contato com o Estadotranscorre essencialmente nos quadros administrativos e desua periferia; ele é apolítico e de uma "indiferença replenade pretensões". Na social-democracia - onde o Estado pre-cipuamente administra, distribui e exerce a previdência -,os interesses "políticos" dos cidadãos subsumídos permanentea atos administrativos se reduzem essencialmente a reivin-dicações ligadas a tal ou qual setor profissional. A sua repre-sentação efetiva precisa ser, por certo, transferida para asgrandes organizações. O que, além disso, fica para a iniciati-va, ao que parece, do próprio voto, é assumido pelos partidose controlado como uma eleição organizada enquanto escrutí-nio. Até que ponto se esfacelou a esfera pública política en-quanto uma esfera de participação contínua na discussão eno pensamento relativos ao poder público mede-se pelo grauem que se torna uma tarefa genuinamente [ornalistíco-publicitária dos partidos estabelecer inclusive até mesmo

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algo como uma esfera pública. Disputas eleitorais já nãotranscorrem mais no âmbito de uma esfera pública institu-cionalmente garantida a partir de uma disputa de qualquermodo ininterrupta das opiniões.

De um jeito ou de outro, o arranjo democrático daseleições parlamentares continua a contar com as ficções libe-rais da esfera pública burguesa. As espectativas de comporta-mento que ainda hoje determinam normativamente o papelcivil do eleitor são um retrato sócio-psicológico daquelasrelações em que um público de pessoas privadas pensantespassou, outrora, a assumir funções críticas e legislativas. Aoleitor se atribui que, com um certo grau de capacitação judi-cativa e de .conhecimentos, ele participe interessadamente emdiscussões públicas para, de forma racional e orientado pelointeresse geral, ele ajude a encontrar o certo e o correto comouma escala obrigatória para toda a ação política. Num en-saio sobre Democratic Theory and Public Opinion 1'), Berel-son enumera os aspectos da "estrutura de personalidade" doeleitor: interest in public ajfair; possession oi iniormaiion.and ktunoledçe; oi 'stable potiiical principies or moral stan-âarâs; ability oi accuraie observation; engagement in com-

.municaiions and discussion; raiional behavior; considera-tioti oi commimiiu interesi ~') /83/. Os constituintes socio-lógicos da esfera pública politicamente ativa se condensaramaí em caracteres psicológicos. Se, no entanto, a massa dapopulação com direito a voto, mesmo que isto seja mensu-rado tão somente por critérios tão externos quanto o graude seu interesse político, o seu grau de informação, a suainiciativa política e atividade, preenche tão pouco hoje opadrão de comportamento democrático como tem sido com-provado por tantas pesquisas empíricas /84/, então um talpadrão só pode ser entendido sociologicamente no contextoda própria mudança estrutural e funcional da esfera pública.

lO) Teoria Democrática e Opinião Pública.·2*) Interesses nas questões públicas; posse de informações e co-

nhecimentos; ter principios políticos estáveis e padrões morais;capacidade ele observação acurada; engajamento em comuni-cações e discussão; comportamento racional; consideração porin teresses comunitários.

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