Mudanças climáticas

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PESQUISA FAPESP Mudancas climáticas Especialistas de várias áreas se organizam para entender e enfrentar os novos tempos Novo tomógrafo salva vidas na UTI A ciência que veio do Japao Leishmaniose visceral chega às cidades Setembro 2008 151 Setembro 2008 151 EXEMPLAR DE ASSINANTE VENDA PROIBIDA Especialistas de várias áreas se organizam para entender e enfrentar os novos tempos

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Pesquisa FAPESP - Ed. 151

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Mudancas climáticas

Especialistas de várias áreas se organizam para entender e enfrentar os novos tempos

Novo tomógrafo salva vidas na UTI

A ciência que veio do Japao

Leishmaniose visceral chega às cidades

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PESQUISA FAPESP 151 ■ SETEMBRO DE 2008 ■ 3

IMAGEM DO MÊS*

Os leões-marinhos e lobos-marinhos se divertem no quebra-mar da cidade de Rio Grande, no litoral gaúcho, sem se importar com o movimento de máquinas e operários. Embora a região esteja passando por obras para aprofundamento do canal de acesso aos terminais do porto, os animais ignoram o barulho e agem como se estivessem em casa. Toda essa harmonia é fruto de treinamento especial dado aos trabalhadores para que não causem nenhum estresse a eles. O Núcleo de Educação e Monitoramento Ambiental acompanha a situação e garante que a colônia tenha seus hábitos preservados.

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151 SETEMBRO 2008

16 CAPA

> CAPA

16 FAPESP lança programa para amplificar a contribuição brasileira no estudo das mudanças climáticas globais

24 Organização Mundial da Saúde prepara plano para evitar que desastres naturais piorem a vida de milhões de pessoas

28 Famílias de países pobres da África e da Ásia adotam fogões que poluem menos

> ENTREVISTA

10 Especialista em alergia infantil, Charles Naspitz fala sobre o desafio de compreender e tratar a asma

> POLÍTICA CIENTÍFICA

E TECNOLÓGICA

36 FOMENTO

Governo relança programa de redes temáticas de excelência, agora com mais recursos e articulação com os estados

40 CIÊNCIA DA

COMPUTAÇÃO

Dissertação premiada de aluna da Unicamp permite a biólogos manipular dados colhidos com metodologias diversas

> CIÊNCIA

46 SAÚDE PÚBLICA

Leishmaniose visceral avança sobre as cidades brasileiras

52 BOTÂNICA

Equipes de Brasília e Campinas identificam estratégias de árvores para garantir o suprimento de água

56 ECOLOGIA

Área de recifes de corais em Abrolhos é duas vezes maior do que se pensava

> SEÇÕES 3 IMAGEM DO MÊS 6 CARTAS 7 CARTA DO EDITOR 8 MEMÓRIA 30 ESTRATÉGIAS 42 LABORATÓRIO 60 SCIELO NOTÍCIAS ...........................

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> EDITORIAS > POLÍTICA C&T > CIÊNCIA > TECNOLOGIA > HUMANIDADES WWW.REVISTAPESQUISA.FAPESP.BR

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58 QUÍMICA

Nova levedura reduz a acidez do cacau fermentado e melhora a qualidade da matéria-prima nacional

> TECNOLOGIA

68 ENGENHARIA

BIOMÉDICA

Tomógrafo avalia em tempo real reação de pulmões submetidos à ventilação artificial nas UTIs

73 ENGENHARIA

MECÂNICA

Radiação ultravioleta desinfeta óleos lubrificantes usados na indústria

74 AGROINDÚSTRIA

Novos projetos de usinas de açúcar e álcool deixam de captar água de mananciais e até geram excedente

......................... 64 LINHA DE PRODUÇÃO 94 RESENHA 95 LIVROS 96 FICÇÃO 98 CLASSIFICADOSCAPA MAYUMI OKUYAMA FOTO CARLOS SILVA/IMAPRESS/AE

LAGO GRANDE, EM SANTARÉM (PA), NA SECA DE 2005

76 ANÁLISES CLÍNICAS

Aparelho portátil mede hemoglobina com diagnóstico instantâneo

78 MICROELETRÔNICA Pesquisadores de três universidades projetam e montam circuitos integrados de alta complexidade

> HUMANIDADES

80 EDUCAÇÃO

Estudo analisa perfil intelectual da classe dirigente brasileira

86 HISTÓRIA

Como os japoneses contribuíram para a ciência brasileira

90 ARTES PLÁSTICAS

Nas páginas das revistas Fon-Fon e Careta o Carnaval carioca consolidou a contestação democrática

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6 ■ SETEMBRO DE 2008 ■ PESQUISA FAPESP 151

Pesquisadores

Gostaria de agradecer e parabenizar Pesquisa FAPESP por nos trazer sempre prazerosas entrevistas e reportagens a cada edição. Mesmo fora do país pos-so acompanhar cada número integral-mente, graças à disponibilização de seu conteúdo pelo site da revista. Em algum momento da entrevista com o profes-sor José Goldemberg e das reportagens “Sob o sol da ciência” e “O fôlego na berlinda” (edição 150) foi abordado o tema da necessidade de alternativas pa-ra o incentivo em inovação tecnológica e a inserção de pesquisadores no setor empresarial. Os números mostram que pequena fração de teses e de doutores realmente culmina em retorno para a sociedade, seja via geração de inova-ção tecnológica ou pela inserção desses profi ssionais no mercado de trabalho especializado. Como graduado e dou-torando por duas universidades esta-duais paulistas, me surpreendo pelas raríssimas ocasiões em que abordamos esses temas. Não obstante, colegas pes-quisadores de outras áreas em renoma-das universidades brasileiras também compartilham da mesma situação. Me pergunto se são meras coincidências e casos isolados ou se realmente nosso sistema educacional, em especial o da pós-graduação, não está preparado pa-ra propor tal discussão.

Alex RafachoUniversidad Miguel HernándezElche, Espanha

Parabéns à Pesquisa FAPESP por ser um manancial no deserto de revistas de divulgação científi ca. Gostei muito do

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■ Para anunciar Ligue para: (11) 3838-4008

■ Assinaturas, renovação e mudança de endereço Envie um e-mail: [email protected] ou ligue: (11) 3038-1434 Mande um fax: (11) 3038-1418

■ Assinaturas de pesquisadores e bolsistas Envie e-mail para [email protected] ou ligue (11) 3838-4304

■ Edições anteriores Preço atual de capa da revista acrescido do valor de postagem. Envie e-mail para [email protected] ou ligue (11) 3838-4304

■ Site da revistaNo endereço eletrônico www.revistapesquisa.fapesp.br você encontra todos os textos de Pesquisa FAPESP na íntegra e um arquivo com todas as edições da revista, incluindo os suplementos especiais. No site também estão disponíveis asreportagens em inglês e espanhol.

■ Opiniões ou sugestões Envie cartas para a redação de Pesquisa FAPESP Rua Pio XI, 1.500 São Paulo, SP 05468-901 pelo fax (11) 3838-4181 ou pelo e-mail: [email protected]

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As reportagens de Pesquisa FAPESP mostram a construção do conhecimento essencial ao desenvolvimento do país. Acompanhe essa evolução.

artigo intitulado “Fôlego na berlinda” (edição 150). Concordo plenamente com a baixa inclusão de doutores, o que causa um desestímulo a quem quer seguir na carreira acadêmico-científi ca. Após a graduação, o tempo médio pa-ra se formar um doutor (mestrado e doutorado) é de aproximadamente seis anos, e somente após esse período é que o jovem doutor poderá ser inserido no mercado profi ssional. Mas qual merca-do é esse? Ele realmente existe? Não são só os laboratórios que não absorvem esses doutores, mas as universidades e os centros científi cos. Novas vagas são necessárias, não adianta lançar douto-res como em um fordismo educacional, é acima de tudo necessário empregar e principalmente dignifi car os novos varões de Plutarco da ciência. É impres-cindível um novo fôlego para que as pernas da produção científi ca brasileira não venham a falhar.

Daniel Cortes BerettaFCAV/UnespJaboticabal, SP

Pingüins

A seção Imagem do Mês (edição 150) referiu-se à ocorrência de pingüins no litoral da Bahia. O texto menciona que as aves foram desviadas da sua rota migra-tória para a África do Sul e foram parar no litoral baiano. Os pingüins não são aves que fazem migração, mas sim aves de arribação. Os que habitam o sul da América do Sul podem ser acidental-mente transportados para o norte pela corrente das Malvinas e atingir o litoral brasileiro até o Rio de Janeiro. Foi um caso inusitado a ocorrência dessas aves na Bahia, mas não em razão do desvio de sua rota migratória, inexistente.

Franciscco Manoel de Souza BragaDepartamento de Zoologia/UnespRio Claro, SP

Cartas para esta revista devem ser enviadas para o e-mail [email protected], pelo fax (11) 3838-4181 ou para a rua Pio XI, 1.500, São Paulo, SP, CEP 05468-901. As cartas poderão ser resumidas por motivo de espaço e clareza.

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PESQUISA FAPESP 151 ■ SETEMBRO DE 2008 ■ 7

Entender para agir

Luiz Henrique Lopes dos SantosDiretor de Redação em exercício

O tema “mudanças climáticas” entrou na agenda dos principais países do mun-do há pelo menos duas décadas. Mas

quase sempre como um assunto protocolar que pode ser adiado, jogado para ser decidi-do no futuro. O século XXI trouxe consigo um sentido de urgência maior, herdado da reunião de Kyoto em 1997, quando foram estabelecidos prazos para a diminuição de emissão de gases poluidores que provocam o efeito estufa. O fato é que as soluções para as questões que envolvem o assunto vão além das tentativas de poluir menos o ambiente. É essencial estudar mais o clima do globo e suas interações, ainda pouco entendidas, e não esquecer do aspecto humano presente em todas as ações que vierem a ser planeja-das. Melhor compreender antes o que está acontecendo para evitar agir às cegas.

Como é da natureza da FAPESP, a insti-tuição não se omitiu sobre o tema. No fi nal de agosto lançou o Programa FAPESP de Pes-quisa sobre Mudanças Climáticas Globais com o objetivo de ampliar o conhecimento a esse respeito e propiciar a produção de mais estudos em assuntos nos quais o Brasil te-nha interesse específi co. O programa não se restringirá a uma ou duas áreas de pesquisa, como climatologia ou oceanografi a. Pesqui-sadores das ciências físicas e naturais assim como os das ciências sociais trabalharão na articulação de estudos básicos e aplicados sobre as causas das mudanças no clima e seus impactos no mundo. Serão pelo menos dez anos de estudos fi nanciados pela Fundação – parte deles custeada também pelo Conse-lho Nacional de Desenvolvimento Científi co e Tecnológico (CNPq). Até agora, este é o maior esforço multidisciplinar já feito no país para colaborar no entendimento do que se passa com o clima. O editor de política científi ca e tecnológica, Fabrício Marques, explica como o programa paulista foi pla-nejado (página 16). E duas reportagens do editor especial Carlos Fioravanti mostram como o problema já afeta várias partes do mundo e quais as soluções imaginadas até agora para reduzi-lo (páginas 24 e 28).

Das questões globais para as locais. A leishmaniose visceral, doença antes restrita às áreas rurais do Brasil, está chegando às grandes cidades. Para os pesquisadores que acompanham essa infecção provocada por um protozoário, é apenas questão de tem-po para que ela se instale em centros como São Paulo e Rio de Janeiro. A destruição das matas, ambiente natural do parasita presente em cachorros-do-mato e raposas-do-cam-po, levou a doença para perto dos grandes agrupamentos urbanos. O editor de ciência, Ricardo Zorzetto, conta como pesquisadores de São Paulo, Rio, Belo Horizonte e Teresina trabalham em testes, vacinas e coleiras pa-ra cães na tentativa de evitar uma epidemia anunciada e as prováveis mortes que poderão ocorrer, caso nada seja feito (página 46).

A bioengenharia, por sua vez, já ajuda a salvar vidas no Hospital das Clínicas (HC) e no Instituto do Coração (InCor), relata a editora assistente de tecnologia, Dinorah Ereno (página 68). Um tomógrafo novo, em pleno desenvolvimento por pesquisadores, médicos e engenheiros, permite controlar a injeção exata de ar nos pulmões de pacientes em unidades de terapia intensiva (UTI), sem causar lesões desnecessárias. O equipamento partiu de um protótipo inglês, mas avançou e é considerado o mais desenvolvido até agora. Uma empresa privada trabalha com os pes-quisadores no desenvolvimento da máquina com boa perspectiva para o futuro – se o to-mógrafo for vendido comercialmente, como se espera, uma parte do dinheiro será reverti-da para outras pesquisas no HC e InCor.

Por fi m, Pesquisa FAPESP entra nas co-memorações dos cem anos da imigração ja-ponesa para contar qual a contribuição dos nikkeis (descendentes nascidos fora do Japão) à ciência e tecnologia no Brasil. O editor de humanidades, Carlos Haag, mergulhou na história e recuperou algumas das mais sig-nifi cativas colaborações da área de física, agricultura, medicina e engenharia (página 86). O legado dos imigrantes da Terra do Sol Nascente é muito maior do que a tão cantada culinária japonesa.INSTITUTO VERIFICADOR DE CIRCULAÇÃO

CELSO LAFERPRESIDENTE

JOSÉ ARANA VARELAVICE-PRESIDENTE

CONSELHO SUPERIOR

CELSO LAFER, EDUARDO MOACYR KRIEGER, HORÁCIO LAFER PIVA, JACOBUS CORNELIS VOORWALD, JOSÉ ARANA VARELA, JOSÉ DE SOUZA MARTINS, JOSÉ TADEU JORGE, LUIZ GONZAGA BELLUZZO, SEDI HIRANO, SUELY VILELA SAMPAIO, VAHAN AGOPYAN, YOSHIAKI NAKANO

CONSELHO TÉCNICO-ADMINISTRATIVO

RICARDO RENZO BRENTANIDIRETOR PRESIDENTE

CARLOS HENRIQUE DE BRITO CRUZDIRETOR CIENTÍFICO

JOAQUIM J. DE CAMARGO ENGLERDIRETOR ADMINISTRATIVO

CONSELHO EDITORIALLUIZ HENRIQUE LOPES DOS SANTOS (COORDENADOR CIENTÍFICO), CARLOS HENRIQUE DE BRITO CRUZ, FRANCISCO ANTONIO BEZERRA COUTINHO, JOAQUIM J. DE CAMARGO ENGLER, MÁRIO JOSÉ ABDALLA SAAD, PAULA MONTERO, RICARDO RENZO BRENTANI, WAGNER DO AMARAL, WALTER COLLI

DIRETOR EM EXERCÍCIOLUIZ HENRIQUE LOPES DOS SANTOS

EDITOR CHEFENELDSON MARCOLIN

EDITORA SÊNIORMARIA DA GRAÇA MASCARENHAS

EDITORES EXECUTIVOSCARLOS HAAG (HUMANIDADES), FABRÍCIO MARQUES (POLÍTICA), MARCOS DE OLIVEIRA (TECNOLOGIA), RICARDO ZORZETTO (CIÊNCIA)

EDITORES ESPECIAISCARLOS FIORAVANTI, MARCOS PIVETTA (EDIÇÃO ON-LINE) EDITORAS ASSISTENTESDINORAH ERENO, MARIA GUIMARÃES

REVISÃOMÁRCIO GUIMARÃES DE ARAÚJO, MARGÔ NEGRO

EDITORA DE ARTEMAYUMI OKUYAMA

ARTEJÚLIA CHEREM RODRIGUES, LAURA DAVIÑA, MARIA CECILIA FELLI

FOTÓGRAFOSEDUARDO CESAR, MIGUEL BOYAYAN

SECRETARIA DA REDAÇÃOANDRESSA MATIAS TEL: (11) 3838-4201

COLABORADORESALEXANDRE AMARAL RODRIGUES, ANA LIMA, ANDRÉ SERRADAS (BANCO DE DADOS), BRAZ, BUENO, DANIELLE MACIEL, GEISON MUNHOZ, GONÇALO JUNIOR, HÉLIO DE ALMEIDA, LAURABEATRIZ, LUANA GEIGER, REINALDO JOSÉ LOPES E YURI VASCONCELOS

OS ARTIGOS ASSINADOS NÃO REFLETEM NECESSARIAMENTE A OPINIÃO DA FAPESP

É PROIBIDA A REPRODUÇÃO TOTAL OU PARCIAL DE TEXTOS E FOTOS SEM PRÉVIA AUTORIZAÇÃO

PARA ANUNCIAR(11) 3838-4008

PARA [email protected](11) 3038-1434

GERÊNCIA DE OPERAÇÕESPAULA ILIADIS TEL: (11) 3838-4008e-mail: [email protected]

GERÊNCIA DE CIRCULAÇÃO RUTE ROLLO ARAUJO TEL. (11) 3038-4304 FAX: (11) 3038-1418e-mail: [email protected]

IMPRESSÃOPLURAL EDITORA E GRÁFICA

TIRAGEM: 35.800 EXEMPLARES

DISTRIBUIÇÃODINAP

GESTÃO ADMINISTRATIVAINSTITUTO UNIEMP

FAPESPRUA PIO XI, Nº 1.500, CEP 05468-901ALTO DA LAPA – SÃO PAULO – SP

GOVERNO DO ESTADO DE SÃO PAULO

SECRETARIA DO ENSINO SUPERIOR

ISSN 1519-8774

FUNDAÇÃO DE AMPARO À PESQUISA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CARTA DO EDITOR

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MEMÓRIA

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O DOMÍNIO DA ELETRÔNICA

Há 60 anos, os Bell Labs apresentavam o transistor, base da revolução da informática

Réplica do primeiro transistor: tosco e inovador

Logo depois da Segunda Guerra Mundial a norte-americana Bell Telephone Laboratories, ou Bell Labs, companhia com forte tradição de pesquisa básica orientada para tecnologia, decidiu aumentar o investimento para conhecer melhor os semicondutores. Em 1946 foi criado um grupo de física do estado sólido dentro da empresa,

que reuniu especialistas de várias áreas. O físico William Shockley formou uma equipe para trabalhar em semicondutores acreditando que o investimento no setor traria avanços signifi cativos para a tecnologia de telecomunicações. Walter Brattain e John Bardeen, também físicos, foram alguns dos talentos atraídos para o projeto. Em 1º de julho de 1948 a Bell anunciava que os três haviam inventado o transistor, dispositivo eletrônico que controla e amplifi ca sinais elétricos e viria a se tornar base de toda a revolução da informática. “Foi o mais importante invento do século XX”, crê Adalberto Fazzio, do Instituto de Física da Universidade de São Paulo, diretor do Centro de Ciências Naturais e Humanas da Universidade Federal do ABC e atual reitor pro tempore da instituição.

Naturalmente, tudo não se passou tão rápido como parece. “Os laboratórios da Bell já faziam pesquisas no

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PESQUISA FAPESP 151 ■ SETEMBRO DE 2008 ■ 9

Bardeen e Brattain (em pé)

e Shockley: conhecimento compartilhado

Bardeen, Cooper e

Schrieffer: teoria BCS

campo dos semicondutores bem antes da Segunda Guerra”, contou o economista Richard Nelson, da Universidade de Colúmbia, em um ensaio de 1960 sobre o transistor que integra o livro As fontes do crescimento econômico (Editora Unicamp, 2006). Semicondutores são elementos isolantes, como germânio e silício, que conduzem eletricidade quando dopados (enriquecidos) com outros elementos, embora não sejam tão bons condutores quanto os metais, como o cobre. Esses materiais, aquecidos, conduzem corrente elétrica mais facilmente que quando frios, o que os diferencia dos metais. Em 1931, Alan H. Wilson publicou um artigo com a maioria das informações necessárias para o entendimento dos semicondutores, mas mal foi notado. Os conceitos foram sendo gradualmente compreendidos.

Nos Bell Labs os objetivos eram claros. A válvula a vácuo inventada por Lee De Forest em 1906 foi um grande avanço, mas se sabia que havia algo melhor do que ela, ainda por vir. “A válvula consumia muita energia, tinha pouca durabilidade, era cara e frágil”, diz Fazzio. “A idéia era criar um amplifi cador de sinais elétricos em estado sólido, ou seja, com semicondutores, já que as propriedades de retifi cador

(que permite a passagem da corrente numa única direção) já eram conhecidas desde o fi nal do século XIX, descobertas por Ferdinand Braun, Nobel de 1909.” As motivações dos cientistas eram mais complexas que as da empresa. “Seus interesses intelectuais estavam focalizados quase exclusivamente na criação de mais conhecimento sobre semicondutores. Outros no grupo estavam preocupados tanto com as aplicações quanto com as disciplinas científi cas adjacentes”, escreveu Richard Nelson.

Uma teoria desenvolvida por John Bardeen em 1947 resolveu de forma efetiva alguns problemas que levaram ao primeiro transistor construído por ele, Brattain e Shockley em dezembro de 1947 e apresentado em julho de 1948. O trabalho

principal foi realizado pelos três, mas Richard Nelson frisa em seu ensaio que 13 outras pessoas tiveram participação nas pesquisas. O nome transistor surgiu porque é um resistor (apresenta resistência à eletricidade) que transfere elétron e amplifi ca sinais. O dispositivo, que nasceu com 1,5 centímetro, foi miniaturizado e se transformou no coração dos circuitos integrados e, conseqüentemente, dos computadores.

Shockley (1910-1989), Brattain (1902-1987) e Bardeen (1908-1991) ganharam o Nobel de Física em 1956. No ano seguinte, Bardeen publicou artigos com Leon Cooper e Robert Schrieffer explicando o fenômeno da supercondutividade – a capacidade que certos metais têm, em baixas temperaturas, de conduzir eletricidade sem nenhuma resistência. Depois deles, a teoria da supercondutividade tornou-se conhecida como teoria BCS (iniciais dos nomes dos físicos). “A explicação do fenômeno havia sido tentada sem sucesso por alguns dos grandes físicos do século XX, como Niels Bohr, Werner Heisenberg, Wolfgang Pauli e Felix Bloch”, conta Fazzio. Em 1972, Bardeen se tornou o único cientista a ganhar o Nobel duas vezes na mesma área.

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10 ■ SETEMBRO DE 2008 ■ PESQUISA FAPESP 151

ENTREVISTA

Charles Naspitz

Em março de 2007 o médico paulistano Charles Nas-pitz recebeu uma surpreendente carta da Academia Americana de Alergia, Asma e Imunologia, a AAAAI, a entidade mais prestigiosa da área no mundo. A carta informava que um trabalho publicado por Naspitz em 1968 fora considerado um dos seis mais importantes – o único de um autor latino-americano – em alergia

e imunologia nos últimos 40 anos. Nesse estudo desenvolvido durante o mestrado na Univer-

sidade McGill, no Canadá, Naspitz demonstrou pela primeira vez que grãos de pólen provocam alterações morfológicas nos linfócitos, células de defesa que identifi cam e ajudam a elimi-nar microorganismos infecciosos ou substâncias estranhas ao corpo. A descoberta do fenômeno levou a identifi cação de outros mecanismos celulares na resposta in vitro ao ragweed, pólen ao qual os pacientes estavam sensibilizados.

De volta ao Brasil depois de dois anos muito produtivos, em que publicou um total de 17 trabalhos científi cos, Naspitz assumiu provisoriamente a cadeira de imunologia na Esco-la Paulista de Medicina – atual Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) –, onde havia se formado em 1959. Depois de provar para si próprio que conseguia realizar um trabalho relevante se as condições necessárias lhe fossem dadas, mos-trou também que é possível fazer muito mesmo quando essas condições não existem. Na Unifesp organizou a disciplina de alergia, imunologia clínica e reumatologia e ajudou a formar uma geração de especialistas na área. Publicou um total de 162 artigos científi cos e quatro livros que são referência na área, três deles editados apenas em inglês.

Pai de três fi lhos – e avô de cinco netos –, Naspitz completa este mês 73 anos. É considerado hoje um dos mais impor-tantes especialistas em imunologia e alergia infantil no país. Ofi cialmente aposentado desde 2005, continua a freqüentar a universidade, mas de forma menos assídua do que nos 54 anos anteriores. Na entrevista a seguir, falou sobre a epidemia de alergias respiratórias que atinge o mundo todo, suas possíveis causas e os prejuízos que o tratamento inadequado acarreta às pessoas e à sociedade.

■ Nas últimas décadas a ocorrência de alergias, principalmente as respiratórias como asma e rinite, vem crescendo em todo o mundo. Por quê? F

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Especialista em alergia infantil fala sobre o desafio de compreender e tratar a asma

— Nos últimos 30 ou 40 anos, em alguns países há uma epidemia que atingiu um platô. Não se sabe a causa, mas há algu-mas tentativas de explicação. Uma delas é a chamada hipótese da higiene, lançada pelo pesquisador inglês David Strachan em 1989. Ele dizia que o modo de vida ocidental fez com que a água fosse clo-rada e as comidas esterilizadas, houves-se o uso de antibióticos profi láticos e a construção de redes de esgotos. Enfi m passamos a viver em um ambiente de hi-giene como nunca antes existiu. Muito provavelmente uma parte do armamento imunológico que era destinado à defesa contra as agressões do ambiente, elimi-nadas pela higiene, fi cou solta, pronta para combater os alérgenos [substâncias que induzem a alergia], como o pólen e alguns alimentos. A hipótese diz que, ao se eliminar determinado número de microorganismos, libera-se o sistema imunológico para que se dedique a ou-tras atividades.

■ O senhor acredita nessa hipótese?— Ela pode ser válida para alguns paí-ses ocidentais. Na América Latina e no Brasil não há toda essa higiene, falta rede de esgotos e, no entanto, a prevalência de asma é muito alta – é a segunda ou ter-ceira do mundo. Talvez a hipótese tenha aplicações regionais e não possa cobrir todas as variantes que estão acontecen-do. É uma teoria engenhosa que abriu um campo de pesquisa grande. Alguns parasitas provavelmente acompanham o homem desde os primórdios da evolução e convivem com ele muito bem até hoje. Dizem que os parasitas são a vergonha do sistema imunológico, porque não podem ser eliminados por ele.

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PESQUISA FAPESP 151 ■ SETEMBRO DE 2008 ■ 11

Epidemia no ar

Maria Guimarães e Ricardo Zorzetto

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12 ■ SETEMBRO DE 2008 ■ PESQUISA FAPESP 151

■ São organismos mais complexos do que uma bactéria.— Sim, e são estranhos. O sistema imu-nológico funciona dentro da lógica do self e do non-self, isto é, do próprio e do não-próprio. Ele tem a obrigação de re-conhecer o que é não-próprio e eliminar. Por isso os transplantes são um problema. Quando se transplanta um rim de um indivíduo em outro, o rim é reconheci-do como estranho e ocorre a rejeição. Os parasitas, entretanto, encontraram um modo de viver nos seres humanos. O cor-po fabrica uma proteína chamada IgE. É uma imunoglobulina contra parasitas e alérgenos. Os parasitas praticamente de-sapareceram na Europa, nos Estados Uni-dos e na Austrália. Trata-se basicamente do mundo de cultura anglo-saxônica. A Europa do Leste não primava pela hi-giene, mas agora as coisas estão mudando. A prevalência de alergias na África é bai-xa, provavelmente em razão da parasitose generalizada detectada na população.

■ Como a IgE funciona?— Ela apareceu há milhões de anos para proteger o homem contra os parasitas. Na verdade, trata-se de uma tentativa, por-que ela não consegue destruí-los. Com a presença de qualquer parasita, aumenta a produção de IgE. O nível normal de IgE nos países avançados é de até 100 kU/L (mil unidades por litro). Nosso nível nor-mal é mais alto do que nos outros países. No Brasil temos em torno de 300 a 400 kU/L como nível normal da população, por causa do grande número de indiví-duos que têm parasitas. Quando fazemos a determinação da IgE total, não sabemos contra o que ela é dirigida, se a parasitas ou a outros alérgenos.

■ Existe uma proposta de usar parasitas como forma terapêutica. Ela não pode ser útil aqui?— Alguns centros têm apresentado essa proposta de tratamento. Nosso organismo fabrica anticorpos IgE contra o esquistos-somo, o verme causador da esquistosso-mose, que é um problema de saúde pública no Brasil. Esse parasita, que é grande, está no intestino. A IgE gruda na parede do parasita e ocorrem fenômenos similares ao da eliminação de uma bactéria. Porém o esquistossomo é mais esperto. Quando a IgE “bate”, ele muda a estrutura de sua parede, de modo que o anticorpo original não vale mais. Um novo anticorpo se faz necessário e o processo se reinicia. O que acontece – e a gente esquece – é algo cha-mado pressão evolucionária. Essa pressão

evolucionária também age sobre parasitas e bactérias, que aprenderam que quanto mais parecidos eles fi cassem com o nosso organismo, menor seria a possibilidade de serem rejeitados. Existem teorias que podem explicar doenças como a colite ul-cerativa, causada pela bactéria Escherichia coli, que não é eliminada porque cria uma capa com muitos antígenos humanos, de modo que o organismo não a reconhece como estranha, permitindo sua prolifera-ção. Esse é o resultado da chamada pressão evolucionária nos seres unicelulares.

■ A genética poderia explicar o aumento de incidência das alergias?— Não. Os fatores genéticos, por exem-plo, não podem ser invocados para expli-carmos alterações ocorridas em 30 ou 40 anos. Para a genética, isso são minutos. Alguns países, como os escandinavos, têm populações praticamente puras. O Bra-sil é um caldeirão genético sem igual no mundo, tem mistura de tudo, de modo que a genética do brasileiro é diferente da dos outros – diferente em termos, pois somos todos 99% iguais ao camundongo – e não houve grandes vantagens. Não sa-bemos o motivo da epidemia, não temos uma razão clara e transparente.

■ Como está a prevalência dos problemas alérgicos no Brasil?— Os últimos dados do SUS [Sistema Único de Saúde] mostram que ocorrem 350 mil internações por asma no país anualmente. É a quarta principal causa de internações no SUS, corresponden-do a cerca de 2% ou 3% do total, sendo que ela ocupa o terceiro lugar quando se trata de crianças e jovens. Em 1996 os custos com internações por asma foram de R$ 76 milhões, ou seja, 3% dos gastos totais com internações. Em primeiro lu-gar estão os partos. Na verdade, nunca se soube direito a prevalência das doenças alérgicas até surgir um estudo chama-do Isaac [International Study of Asthma and Allergies in Childhood]. Criado na Nova Zelândia, foi feito com base em um questionário padronizado que foi validado no mundo inteiro. Nesse estudo estabeleceu-se a prevalência de doenças alérgicas em crianças e adolescentes. Ele é feito em duas faixas etárias: de 7 e 8 anos e de 13 e 14. A prevalência da asma ia de 3% na Albânia a 30% na Inglaterra.

■ Esse questionário foi aplicado no Brasil?— O primeiro Isaac foi feito aqui há sete anos. Depois houve um segundo. É um levantamento mundial, realizado por

No Brasil, a prevalênciade asma entre crianças e adolescentes está em torno de 20% a 25% e varia muito conforme a região. Não há muitas explicações para isso

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pesquisadores de cada país. No Brasil, por exemplo, a prevalência varia muito conforme a região. Não há muitas expli-cações. Algumas cidades são costeiras, outras não, mas a prevalência de asma no Brasil está em torno de 20%, 25%, considerando-se crianças e adolescentes. Não temos dados sobre adultos.

■ Não é um número muito elevado?— Sim. Em primeiro lugar estão Austrália, Nova Zelândia e Inglaterra, em segundo estão os Estados Unidos, em terceiro o Bra-sil e o Peru. Isso, considerando-se a pre-valência de asma. A prevalência de rinite alérgica tem subido muito. Em algumas cidades, como Salvador, chega a 40%.

■ A causa pode estar relacionada a fatores como a poluição? — Não se consegue saber. Na área rural a prevalência é menor do que na urbana. Mas a asma existe há mais de 2 mil anos, quando não havia poluição. Há alguns anos, quando da união das duas Alema-nhas, houve uma oportunidade única para que epidemiologistas estudassem essa questão. Pela primeira vez havia po-pulações geneticamente homogêneas que viveram em ambientes diferentes por mais de 50 anos. A Alemanha Ocidental tinha um padrão de vida alto e era limpa. A Ale-manha Oriental era uma sujeira só, muito poluída. Os epidemiologistas fi zeram um estudo sobre a prevalência e descobriram que na Alemanha Oriental a ocorrência de asma era mais baixa do que na Ocidental. A poluição como fator isolado não expli-caria a prevalência.

■ No Brasil a prevalência é um pouco mais alta nas zonas urbanas do que nas zonas ru-rais e a asma afeta as camadas mais pobres. Não podemos enxergar um padrão nisso?— Fora do Brasil, as classes sociais mais altas são as mais afetadas, epidemiologica-mente falando. Entretanto há um trabalho de Antonio Carlos Pastorino, do Hospital das Clínicas de São Paulo, feito na capital paulista, no qual ele mostra que a clas-se social não infl uencia a prevalência da asma. Há também o trabalho do Dirceu Solé, da Unifesp, encarregado do Isaac no Brasil. Em um artigo publicado em 2006, ele compara as fases 1 e 3 do Isaac – são sete anos de diferença. A prevalência de asma era de 27,7% há sete anos, agora é de 20%, uma diferença estatisticamente signifi cante. Mas a asma grave continua igual, 5,2%, assim como a tosse noturna, 32%. Concluiu-se com o estudo que o Brasil teve uma pequena, mas signifi cante,

redução da prevalência de dois sintomas da asma: sibilos [respiração com chiado] e tosse noturna. Mas a tendência não foi consistente nas cidades estudadas, em uma subiu, em outra desceu etc.

■ Por que, afi nal, a asma ainda desafi a a medicina?— Porque é uma síndrome com dezenas de causas. Algumas são conhecidas, ou-tras não. Além disso, um asmático é bem diferente de outro e nem todo asmático é alérgico.

■ O que muda de um para outro?— Alguns têm higiene normal e não con-seguimos identifi car nenhum alérgeno. É o chamado asmático não-atópico. Não se sabe o que causa a asma neles. Há ri-nite não-atópica. Há um trabalho no Rio Grande do Sul com uma população muito pobre, altamente parasitada, na qual a maioria dos asmáticos era não-atópica. A conclusão deles foi de que a parasitose protegia contra o aparecimen-to de doenças alérgicas. Mas não signifi ca que as doenças alérgicas sejam de fato alérgicas. Elas são chamadas alérgicas de um modo geral, mas muitas vezes não se encontram as causas. Por exemplo, no caso das urticárias crônicas, que ocorrem principalmente em mulheres, somente 30% têm sua causa diagnosticada. Em 70% dos casos não se tem a menor idéia do que está acontecendo. ■ Como tratar?— Tratam-se os sintomas. Usamos vários medicamentos e podemos controlar as doenças, mas não curá-las.

■ Há algo em comum entre as doenças alérgicas “não-alérgicas”?— Há muita divergência entre os mé-dicos. O processo infl amatório dentro do pulmão é igual, mas a causa não foi identifi cada. Classifi ca-se um indivíduo como atópico, ou como alérgico, quando ele tem um teste com resultado positivo para um alérgeno. Testam-se ácaros, pêlos de cães e gatos, enfi m, faz-se uma bateria de testes e se um deles for positivo ele é considerado atópico. Quando colocamos o alérgeno na pele a IgE provoca uma rea-ção local. Aquela reação local é semelhan-te ao que veríamos nas vias aéreas, no intestino. Mas podemos fazer 500 testes em um indivíduo e o alérgeno ao qual ele é sensível pode ser uma substância não incluída na bateria de testes. Esse paciente seria classifi cado como não-atópico. Mais recentemente, na Finlândia, identifi caram

uma série de crianças que têm teste posi-tivo para ácaro. No entanto, elas não têm nenhum sintoma e são chamadas pelos pesquisadores de “crianças expostas com resposta positiva”. Não signifi ca que se-jam alérgicas, pois elas têm apenas aquele marcador, sem nenhum sintoma. Pode ser que no futuro venham a desenvolver alergia, mas naquele exato momento não têm. Dizem eles que chamar esses indiví-duos de alérgico é um pouco demais. Sabe qual é a defi nição de indivíduo normal? É aquele que não foi sufi cientemente in-vestigado. Porque, de resto, não sabemos o que é normal ou não é.

■ Nos últimos tempos houve mudanças no tratamento da asma e da rinite? — No Brasil, 90% da população brasi-leira é tratada pelo SUS, em hospitais totalmente falidos e desaparelhados. A asma, como toda doença crônica – úlcera, hipertensão –, exige o que chamamos de relacionamento médico-paciente. Esta-belecemos um vínculo, que deve cobrir necessidades emocionais. Meus pacientes não têm internação por asma há muitos anos. Combinamos que, assim que apare-cem os primeiros sinais, usaremos medi-cação precoce, impediremos de chegar à hospitalização. Mas na maioria dos casos isso não acontece. Cada vez que a criança ou o adolescente vai ao SUS, após fi car na fi la, encontra um médico diferente que, se estiver bem disposto, dará a ela cin-co minutos de atenção. Depois ela volta sempre em crise e encontra outro médico que dá outra orientação. Enquanto essas crianças não forem tratadas em uma rela-ção médico-paciente consistente, não há como resolver o problema no Brasil.

■ Não há um modelo, uma alternativa dentro do sistema de saúde? — Nas clínicas que atendem pacientes par-ticulares, sim. No SUS, não. A maioria dos médicos que têm consultórios atende aos convênios, que pagam, os melhores deles, em torno de R$ 20 ou R$ 30 por consulta; o médico precisa então atender um núme-ro grande de pacientes, o que não permite um tratamento adequado.

■ Essa situação tem conseqüência para a qualidade de vida das pessoas e afeta os gastos na área da saúde.— No mundo todo há 300 milhões de pessoas com asma. Nos Estados Unidos, mais de 16 milhões de adultos e 7 mi-lhões de crianças têm asma e ocasionam 1,8 milhão de visitas ao pronto-socorro e meio milhão de hospitalizações por ano.

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Mais de 10 milhões de dias de trabalho e 3 milhões de dias de escola são perdidos em decorrência da asma. Os custos di-retos envolvem médicos, medicamentos etc. Os custos indiretos são os dias de trabalho perdidos e os dias de escola. Somando-se os dois custos, gastam-se US$ 20 bilhões por ano com asma nos Estados Unidos. A prevalência varia en-tre as subpopulações. Por exemplo, entre os porto-riquenhos é de 20%, para as crianças norte-americanas é de 8%, para os afro-americanos é de 13%. O risco de uma criança afro-americana ou hispâni-ca desenvolver asma é seis vezes maior do que a de uma criança branca.

■ O senhor é conhecido por já ter publi-cado muito. — Nossa disciplina tem três setores: alergia, imunologia e reumatologia. Co-meçamos com alergia e adicionamos as áreas afi ns, como a imunologia clínica e a reumatologia. Os três setores, até o momento, têm 450 trabalhos publicados. Eu participei em 162.

■ Recentemente um deles foi especialmente citado nos Estados Unidos. — Esse eu fi z quando estagiei na Uni-versidade McGill, em Montreal, Canadá, de 1965 a 1967, e trabalhei muito, feito um condenado, com uma bolsa de US$ 5 mil por ano, que não dava para nada. Fui com minha mulher e dois fi lhos, aos 30 anos. Publiquei 17 artigos nesses dois anos. Quarenta anos depois, em março de 2007, recebi uma carta da Academia Americana de Alergia, Asma e Imunolo-gia, a AAAAI, que dizia terem selecionado um dos meus trabalhos e o consideraram um dos mais importantes apresentados naquela época. Em seguida me convida-vam para escrever um comentário expli-cando onde meus achados se encaixam nos dias de hoje para que fosse exposto num grande painel durante o congresso anual. O artigo em questão foi publicado no Journal of Allergy em 1968, que pos-teriormente se transformou no Journal of Allergy and Clinical Immunology, o mais respeitado na área, com um fator de impacto acima de 8.

■ Qual é a importância desse trabalho para a imunologia?— Quando cheguei a Montreal, o chefe da divisão, professor Bram Rose, disse para eu fi car três meses rodando por lá, esco-lher alguém para trabalhar e o tema a ser estudado. Escolhi um pesquisador, Max-well Richter, que trabalhava com uma substância chamada fi to-hemaglutinina, que, quando se junta in vitro aos linfóci-tos do sangue periférico, os transforma em células blásticas. Isto é, os linfócitos se desdiferenciam, tornam-se uma célula muito mais primitiva. Teoricamente, essa célula primitiva poderia ser comparada a uma célula-tronco, que por sua vez daria origem a várias outras células. Es-tudando crianças com imunodefi ciências celulares, verifi camos que seus linfócitos não respondiam à fi to-hemaglutinina. Até hoje esse teste é usado como forma de diagnosticar imunodefi ciências. Ele é chamado de transformação blástica com fi to-hemaglutinina.

■ Ele serve para identifi car qual doença imunológica?— Nenhuma, porque a fi to-hemagluti-nina transforma o linfócito de qualquer pessoa, exceto o das que têm alguma imunodefi ciência. Mas essa era só uma conseqüência do trabalho básico com a fi to-hemaglutinina. Naquele tempo não se sabia que existiam linfócitos T ou B. Dizia-se linfócito apenas. Achávamos que, como os linfócitos haviam se des-diferenciado, poderiam se diferenciar no-vamente. Fizemos centenas de culturas e dominamos bem a técnica. Tínhamos um marcador radioativo e o laboratório tinha um contador de radiação. Deixávamos os tubinhos na máquina à noite e, na manhã seguinte, os resultados estavam impres-sos. A Guerra Fria estava no auge naquela época. Mandamos, então o projeto para o governo americano, para o Ministério da Aeronáutica, propondo tirar células do sangue dos soldados, fazer a cultura, transformá-las em blastos e guardá-las no congelador. Se explodisse uma bomba atômica e houvesse a destruição da me-dula óssea desses soldados, essa cultura de células primitivas seria reinjetada no indivíduo e essas células se diferenciariam em células sangüíneas mais uma vez. Na-quela época queríamos apenas que elas se diferenciassem em células do sangue periférico, para que o indivíduo pudesse sobreviver. O projeto passou pelo Pentá-gono e eles mandaram um coronel para nos entrevistar em Montreal. Conversa-mos e ele disse gostar do projeto. Entre-

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tanto, cada um de nós deveria ser checa-do. Perguntou meu nome, onde nasci, onde morava. Quis saber quem estaria envolvido no projeto. Um dia ele voltou e contou que o projeto estava praticamente aprovado, mas que no terceiro ano pri-mário eu tive uma professora comunista. Meu chefe disse: “Se não recebermos o dinheiro por causa disso eu te mato”.

■ O projeto foi aprovado?— Quando tudo estava pronto para ser assinado aconteceram mudanças impor-tantes no governo americano e todos os au-xílios a outros países foram cancelados.

■ E vocês fi zeram o quê? — Continuamos a trabalhar. Surgiu a idéia de que se juntássemos o alérgeno (antíge-no) ao sangue de indivíduos que fossem sensíveis a este alérgeno e não somente a própria fi to-hemaglutinina, poderíamos obter a transformação blástica, isto é, fazer os linfócitos regredirem ao estado primiti-vo de uma célula blástica, que é uma célula primordial. Estudamos a febre do feno, que ocorre quando determinada planta prolifera e produz o fungo anemófi lo, que se espalha no ar levado pelo vento, é aspirado pelas pessoas e causa problemas alérgicos respiratórios. Ao sangue desses indivíduos que apresentavam hay fever [febre do feno], juntamos o antígeno e houve a transformação blástica.

■ A alergia também regredia?— Não. Era apenas um trabalho “in vi-tro”. Pensávamos que as doenças alér-gicas eram somente doenças imediatas, isto é, o alérgeno entra no organismo e dispara a produção de IgE, que libera de mastocitos várias substâncias induzindo a uma ação alérgica. Aí se mostrou que não, a célula tinha um comportamento semelhante ao da fi to-hemaglutinina. Existia uma imunidade mediada tam-bém por células.

■ Houve uma abertura na imunologia com esse trabalho?— Em 1966, quando escrevemos o artigo, sabia-se muito pouco sobre os linfócitos T e B. Não se conhecia a IgE como an-ticorpo contra o alérgeno. O trabalho levou a todo um detalhamento do que é a resposta imunitária. Contribuiu para mostrar que a resposta alérgica não tinha somente um componente imediato, mas também havia um componente tardio, que era celular. Naquela época isso era muita coisa. Talvez o mérito do trabalho tenha sido o pioneirismo.

amostras de soro de crianças alérgicas, já me preparando para quando chegasse o equipamento necessário. Até que em uma segunda-feira pela manhã cheguei à universidade e descobri que a faxineira tinha desligado a tomada da geladeira para passar a enceradeira no fi nal de se-mana e esquecido de religar. Tudo que estava guardado se perdeu. Minha sorte é que a janela estava fechada, porque qua-se me atirei do nono andar. Foi um dos maiores choques que tive na vida.

■ Mesmo assim o senhor continuou lá?— Fiquei mais alguns meses. Havia uma cadeira de imunologia na Escola Paulista de Medicina (atual Universidade Federal de São Paulo), cujo professor era Otto Bier, um dos fundadores da escola. Ele se aposentou em 1967 e, na minha volta pa-ra o Brasil, fi quei regendo a imunologia até abertura de um concurso. Era para ser algo provisório, mas fi quei interino lá quase dez anos. Não tive interesse em me tornar regente defi nitivamente porque exigiam dedicação em tempo integral e o salário era muito baixo. A solução era atender no consultório. O meu último salário da Escola Paulista de Medicina, como professor pleno, com todos os qüinqüênios, dava R$ 3 mil, depois de 40 anos. Agora, estou aposentado e recebo esse mesmo valor por mês.

■ Quando o senhor criou o setor de alergia na Unifesp? — Organizei o Setor de Alergia, Imu-nologia Clínica e Reumatologia em 1978. Depois, em 1985, a congregação o transformou em disciplina de Alergia, Imunologia Clínica e Reumatologia, e passou a fazer parte do currículo dos alunos. Levou quase 20 anos para que eles reconhecessem o valor da disciplina. Cada vez que ia à congregação pedir, di-ziam que era coisa de feiticeiro, de quem faz testezinho, vacininha. Isso acontecia porque o conhecimento que se tinha no Brasil sobre alergia era muito baixo.

■ Como foi engrenar novamente na pes-quisa na volta para o Brasil?— Foi como uma paulada na cabeça. Em Montreal, em dois anos, publiquei 17 ar-tigos. Aqui demoramos mais de dez anos para publicar alguma coisa. Mas, aos pou-cos, com a ajuda da FAPESP, conseguimos estruturar a pesquisa no setor e fomos trazendo mais gente para trabalhar. Os nossos projetos eram aprovados, recebe-mos dinheiro, compramos equipamento. Foi difícil, mas conseguimos avançar. ■

■ Houve alguma mudança na forma de tratar essas alergias nos últimos anos? Por exemplo, a asma e a rinite são vistas hoje como doenças relacionadas. — Provavelmente são uma afecção das vias aéreas unidas, ou seja, nariz e pulmão. Hoje tratamos os sintomas. Por exemplo, a causa mais comum de problemas respi-ratórios no Brasil são os ácaros da poeira domiciliar. Para tratar, usamos basicamen-te broncodilatadores e antiinfl amatórios nasais e pulmonares, além da imunotera-pia específi ca. Muitas crianças apresentam asma induzida por exercício. Na Olimpía-da de 2004, 20% dos atletas americanos eram asmáticos. A maioria começou a praticar esportes para se superar e supe-rar a própria doença. O mais famoso deles foi o Mark Spitz, um asmático. Mesmo assim, ganhou as sete medalhas de ouro em Munique, em 1972, superado agora em Pequim pelo Michael Phelps.

■ A asma não tem um componente psico-lógico também?— Como causa primária não, mas como um agravante sim.

■ Como foi quando voltou ao Brasil?— Ganhei uma salinha onde fi quei so-zinho por quatro ou cinco anos fazendo minhas coisas. Atendia pacientes, testava minhas vacinas, varria o chão, fazia tudo. Durante aqueles anos coletei umas 400

Muitas crianças têm asma induzida pelo exercício. Na Olimpíada de 2004, 20% da delegação americana era de asmáticos

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Caapiranga, no Amazonas, em outubro de 2005: o lago virou sertão

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FAPESP lança programa e convoca pesquisadores

de várias áreas, das ciências naturais

às humanidades, para amplifi car a contribuição

brasileira no estudo das mudanças globais

Fabrício Marques

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O maior e mais articulado es-forço multidisciplinar já fei-to no Brasil para ampliar o conhecimento a respeito das mudanças climáticas globais foi defl agrado no fi nal do mês passado. Cientistas do estado

de São Paulo de múltiplas áreas – das ciências físicas e naturais às humanida-des – estão sendo convocados a parti-cipar do Programa FAPESP de Pesquisa sobre Mudanças Climáticas Globais, lançado oficialmente na manhã de 28 de agosto. Serão investidos R$ 100 milhões nos próximos dez anos – ou cerca de R$ 10 milhões anuais – na articulação de estudos básicos e apli-cados sobre as causas do aquecimento global e de seus impactos sobre a vida das pessoas. “O objetivo é intensifi car em quantidade e qualidade a contri-buição dos pesquisadores de São Paulo no avanço do conhecimento sobre este tema complexo e temos expectativa de que o programa propicie a produção de mais estudos em assuntos nos quais o Brasil tenha interesse específi co”, afi rma o diretor científi co da FAPESP, Carlos Henrique de Brito Cruz. “Esperamos que o aumento da produção científi ca

brasileira nesse tema garanta ao país um espaço maior no debate mundial sobre as mudanças climáticas”, disse.

Foram lançadas duas chamadas de propostas, no valor total de R$ 16 mi-lhões, divididos em partes iguais entre a FAPESP e o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científi co e Tecno-lógico (CNPq), por meio do Progra-ma de Apoio a Núcleos de Excelência (Pronex). Uma das chamadas, com um montante de R$ 13,4 milhões, abran-ge projetos em seis temas distintos. O primeiro é o funcionamento de ecos-sistemas, com ênfase na biodiversidade e nos ciclos de carbono e de nitrogênio. O segundo é o balanço da radiação at-mosférica, em especial estudos sobre os aerossóis; os chamados gases-traço (monóxido de carbono, ozônio, óxidos de nitrogênio e compostos orgânicos voláteis, entre outros); e a mudança no uso da terra. O terceiro trata dos efeitos das mudanças climáticas sobre a agricultura e a pecuária. O quarto, da energia e do ciclo de gases de efeito estufa. O quinto aborda os impactos na saúde e o sexto, as dimensões hu-manas da mudança ambiental global. Como o objetivo do programa em sua

fase inicial é formar e articular redes de pesquisadores, a FAPESP optou por oferecer recursos para projetos temáti-cos, mas futuras chamadas de propostas poderão dispor de outras modalidades de fi nanciamento, como Apoio a Jovens Pesquisadores. Convênios com funda-ções de amparo à pesquisa de três esta-dos, Amazonas, Pará e Rio de Janeiro, serão contemplados em editais a serem lançados nas próximas semanas.

A justifi cativa para o lançamento do programa vai além da premente neces-sidade de fazer avançar o conhecimen-to no Brasil nesse tema num momento em que há uma mobilização mundial de cientistas para compreender as mu-danças climáticas e tomar atitudes para enfrentar suas conseqüências. Como há uma série de impactos e aspectos relacio-nados ao aquecimento global que afetam ou afetarão o Brasil de forma peculiar, cabe aos pesquisadores nacionais investi-gá-los e encontrar respostas sobre como enfrentá-los. “Os países desenvolvidos querem envolver todos os países em de-senvolvimento na mesma grande batalha mundial para reduzir as emissões de ga-ses estufa. Eles estão preocupados com a adaptação às mudanças climáticas, mas

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não com a nossa adaptação”, afi rmou Carlos Nobre, coordenador do Progra-ma FAPESP de Pesquisa sobre Mudanças Climáticas Globais e do recém-criado Centro de Ciência do Sistema Terrestre (CCST) do Instituto Nacional de Pes-quisas Espaciais (Inpe).

C omo é consenso entre a grande maioria dos cientistas, a ação hu-mana está contribuindo decisiva-

mente para as mudanças climáticas em razão da emissão de gases e aerossóis que provocam o efeito estufa. As contí-nuas alterações no padrão de cobertura vegetal do Brasil, por exemplo, são um importante fator regional do fenôme-no. A queima de fl orestas, além de com-prometer a qualidade do ar, é uma fonte relevante de aerossóis e gases-traço. A mudança no regime de chuvas, a que se atribui uma freqüência maior de eventos extremos como inundações e secas, promete ter efeitos econômicos na geração das hidrelétricas, na erosão do solo ou na oferta de água. A eleva-ção da temperatura deverá ter impacto na biodiversidade, especialmente em áreas em que a vegetação original já se fragmentou, ou na agricultura, com a possibilidade de eclosão de novas pragas e a inviabilidade de manter em suas regiões atuais culturas agrícolas dependentes de temperaturas amenas. A provável elevação do nível do mar traz riscos tanto para os milhões de brasileiros que vivem no litoral quanto para os ecossistemas costeiros. No cam-po da saúde, prevê-se um aumento da incidência de doenças como a dengue e a malária em regiões mais atingidas pelas chuvas e de moléstias cardíacas e respiratórias agravadas pela poluição atmosférica. Essa perspectiva sombria coloca uma infi nidade de perguntas ao escrutínio dos pesquisadores.

Carlos Nobre enumera algumas ambições desse esforço de investigação. Uma delas é reduzir as incertezas acer-ca das causas das mudanças climáticas no Brasil. “Nós observamos as mudan-ças, mas temos difi culda-de em defi nir se são efeito do aquecimento global ou do desmatamento. No Brasil há uma alteração da vegetação signifi cati-va que ocorre em paralelo aos fenômenos climáticos

e às vezes os sinais se confundem”, afi r-ma Nobre. “Como políticas públicas precisam de conhecimentos científi cos sólidos, é necessário investir em estu-dos capazes de atribuir as causas”, diz. Um foco adicional será o mapeamento das vulnerabilidades do país às mudan-ças climáticas em campos como a saú-de, a agricultura, os recursos hídricos e as energias renováveis. “Temos pouco conhecimento dos impactos futuros na vida das pessoas e na sociedade. Ao levantarmos nossas vulnerabilidades, conseguiremos também traçar políti-cas para a necessária adaptação.”

O estreitamento de colaborações internacionais, a fi m de colocar os pes-quisadores brasileiros em contato com os melhores centros em estudos de mu-danças climáticas do planeta, é outro objetivo do programa. A cooperação é fundamental – o Programa Interna-cional da Geosfera-Biosfera (IGBP) ou o Painel Intergovernamental das Mu-danças Climáticas (IPCC), entre outros, estão na mira do programa lançado pela FAPESP. Outra meta consiste em conhe-

cer e desenvolver novas tecnologias capazes de amenizar os efeitos das emissões de gases estufa, no campo, por exemplo, das energias renováveis, e tornar possível a adapta-ção da sociedade às mu-

danças incluindo o estabelecimento de parcerias com o setor privado. Na área da agricultura existe uma série de desafi os tecnológicos no horizonte, como, por exemplo, adaptar culturas a temperaturas mais elevadas. “Há boas idéias que merecem ser alvo de esforços de pesquisa, como os sistemas agrossil-vopastoris, que conjugam pecuária de alta produtividade, culturas agrícolas e plantio de árvores, ou técnicas como a arborização de cafezais”, disse Eduardo Assad, pesquisador da Empresa Brasilei-ra de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), que também participa da coordenação do programa da FAPESP. “Também pre-cisamos aperfeiçoar as medições sobre a capacidade da agricultura de seqüestrar carbono”, afi rma.

Uma segunda chamada de propos-tas, com R$ 2,6 milhões, tem o pro-pósito específi co de escolher um

grupo de pesquisadores incumbido de criar o primeiro modelo climático bra-sileiro, um software capaz de fazer si-mulações sofi sticadas sobre fenômenos do clima. A necessidade de desenvolver competência nacional nesse campo se explica: hoje, para projetar os efeitos das mudanças climáticas, utilizam-se ferramentas computacionais inespe-cífi cas que são, na verdade, recortes da previsão para o mundo inteiro. “Con-quistar essa autonomia é estratégico pa-

Seca em Manaus e tornado em Florianópolis: eventos extremos

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ra o país”, diz Carlos Nobre. “O Brasil é grande, diverso e dispõe de uma grande variedade de climas em seu território. A exploração econômica é muito ligada a recursos naturais, dependente em gran-de parte do clima. A capacidade de fazer simulações de maior interesse para Bra-sil e América do Sul nos dará garantias de que as projeções serão de boa quali-dade.” De acordo com ele, o Brasil vai entrar no grupo seleto de países, como Estados Unidos, Japão e Inglaterra, que têm um modelo climático. Com isso, a comunidade científi ca dessa área vai crescer em importância.

O pesquisador explica que para desenvolver e refi nar o modelo climá-tico o Brasil não irá começar do zero. “Faremos parcerias com dois ou três centros do melhor nível mundial e poderemos escolher alguns módulos dos modelos deles para agregar ao nos-so. Mas pretendemos desenvolver um modelo competitivo e adequado para entender o que acontece num país de dimensões continentais como o nosso”, afi rma Nobre, que vê um prazo de pelo menos quatro anos para alcançar esse

objetivo. Brito Cruz, diretor científi co da FAPESP, expõe a expectativa da Fun-dação em relação ao modelo. “Gosta-ríamos que, em algum momento, um cenário climático gerado pelos pesqui-sadores de São Paulo fosse usado como base para as análises do IPCC”, diz ele, referindo-se ao colegiado de cientistas reunido pelas Nações Unidas, que a ca-da cinco anos atualiza o conhecimento sobre as mudanças globais. “Uma coisa boa da chamada de propostas é que se-rão contempladas bolsas de mestrado, doutorado e pós-doutorado. Com isso, poderemos planejar formação de dou-tores em áreas de grande complexida-de”, disse Nobre.

A criação do modelo climático bra -sileiro será possível graças a um investimento no valor de R$ 48 mi-

lhões, anunciado há cerca de dois meses. O Inpe vai abrigar um dos mais pode-rosos supercomputadores do mundo, com capacidade de processamento de 15 trilhões de operações matemáticas por segundo, para pesquisa de mudan-ças climáticas. Do total de R$ 48 mi-

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lhões, R$ 35 milhões vêm do Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT) e R$ 13 milhões da FAPESP. O investimento conjuga a prioridade ao estudo das mu-danças climáticas defi nido pelo MCT com o programa da FAPESP. “Com esse tipo de instrumento computacional al-tamente potente será possível coordenar o clima como ninguém imaginou há 60 anos”, afi rmou o ministro da Ciência e Tecnologia, Sérgio Rezende.

O Inpe se ofereceu para abrigar a secretaria executiva do novo programa e já começa a se preparar para receber o supercomputador, que deverá operar a partir de 2009. A máquina será insta-lada no Centro de Previsão de Tempo e Estudos Climáticos (CPTEC) no muni-cípio de Cachoeira Paulista, no Vale do Paraíba. Trinta por cento do tempo do supercomputador será reservado para as redes de pesquisadores de todas as áreas vinculados ao programa, para que possam simular os efeitos do clima na saúde humana, na biodiversidade, na agricultura e pecuária e assim por diante. O diretor científi co da FAPESP chama a atenção para o apoio que o Inpe dispôs-se a oferecer ao programa: além de abrigar o supercomputador, o instituto disponibilizará pessoal espe-cializado para dar suporte ao uso da máquina. Cinco pesquisadores serão contratados para essa tarefa, coordena-dos por um cientista-chefe. “Trata-se de um grau de apoio institucional especial que poucas vezes obtivemos em nossos programas”, afi rma Brito Cruz.

O caráter multidisciplinar do pro-grama impõe outros desafi os. Uma das metas é garantir a articulação e a comunicação entre todos os pesquisa-dores envolvidos. “É necessário que os resultados de uns ajudem os resultados de outros”, diz Brito Cruz. Essa estraté-gia repete a experiência do Programa Biota-FAPESP, responsável pela descri-ção de mais de 500 espécies de plantas e animais espalhados pelos 250 mil quilômetros quadrados do território paulista, que lançou mão de protocolos de integração de projetos para permitir que pesqui-sadores de diferentes áreas produzissem e comparti-lhassem o acesso aos da-dos coletados da biodiver-sidade paulista. “Um dos nossos grandes desafi os é

criar competência em modelagem de biodiversidade”, diz Carlos Alfredo Joly, professor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) que coordenou o Biota-FAPESP e participa da coor-denação do Programa de Mudanças Climáticas no capítulo relacionado à biodiversidade. “Temos competência para fazer inventários e para caracte-rizar as paisagens e a perda de hábi-tats. Agora precisamos integrar esses dados em modelos capazes de simular o impacto das mudanças climáticas nos ecossistemas e nas espécies”, afi rma.

Joly dá exemplos práticos de como a modelagem pode alavancar a com-preensão sobre os efeitos das mudan-ças climáticas. “As mudanças climáticas podem mudar o período de fl oração ou de frutifi cação de uma determinada espécie. A modelagem matemática per-mitirá fazer uma previsão detalhada dos impactos da mudança: se o inseto ou o pássaro polinizador estará presente no novo momento de fl oração, se haverá redução na produção de frutos e que efeito isso terá na sobrevivência de espé-cies que dependem dos frutos como ali-mento”, explica. Outros alvos prováveis para simulações são insetos ou plantas invasoras, que podem se benefi ciar de alterações nos ecossistemas provocadas pelas mudanças climáticas.

No Brasil, a biodiversidade tem uma interação aguda e complexa com as mu-danças climáticas: tanto afeta como é afetada pelo fenômeno. “A biodiversi-dade certamente sofre as conseqüências das mudanças climáticas, que provo-cam alterações nos hábitats e podem levar à perda de espécies em paisagens fragmentadas”, diz Joly. “Por outro la-do, a biodiversidade também funciona como um amortecedor dos efeitos das mudanças. As fl orestas e o plâncton ma-rinho, por exemplo, representam um grande estoque de carbono. Se a fl ores-ta desaparecer, as conseqüências serão grandes. A umidade do Centro-Oeste e do Sudeste vem da Amazônia. Se a fl oresta desaparecer, isso vai afetar toda

a área agrícola dessas re-giões”, diz o pesquisador. Entre os temas relaciona-dos à biodiversidade que o programa irá estudar, destacam-se questões como a reconstrução dos padrões de ocorrência de

vegetação e da fauna no passado e suas ligações com eventos de mudanças cli-máticas; os efeitos da elevação da quan-tidade de CO

2 na fi siologia das plantas

nativas; o impacto do desmatamento em sistemas econômicos e ambientais; e um aumento da densidade dos estudos sobre sistemas aquáticos, entre outros.

A idéia de lançar um programa capaz de integrar aspectos múltiplos re-lacionados às mudanças climáticas

surgiu da constatação de que a com-plexidade dos problemas envolvidos é incompatível com o recorte estanque e convencional das disciplinas. E, além disso, a adesão das ciências humanas ao esforço liderado pelas ciências físicas e naturais é vista como essencial para compreender causas e conseqüências de fenômenos que, afi nal, são provo-cados pelo homem. “Nas discussões sobre o formato do programa trou-xemos pessoas de várias áreas, como a economia, a saúde, a biologia ou a engenharia para garantir que ele fosse articulado, inclusivo e transversal”, diz Pedro Leite da Silva Dias, professor do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas da Universidade de São Paulo (USP) e diretor do La-boratório Nacional de Computação Científi ca, que também participou da coordenação do programa.

Outro diagnóstico levantado indi-ca que o Brasil, embora disponha de massa crítica envolvida com o tema no campo das ciências naturais, carece de um esforço coordenado capaz de reu-nir seus cientistas e produzir resulta-dos mais abrangentes. “O Brasil não faz pesquisa pequena nessa área. É um dos líderes, embora falte mais articulação entre os pesquisadores”, diz Paulo Ar-taxo, professor do Instituto de Física da Universidade de São Paulo (USP), coordenador do programa no capítulo que trata sobre o balanço da radiação atmosférica e o papel dos aerossóis. Artaxo se refere, por exemplo, à parti-cipação ativa de diversos pesquisadores brasileiros no IPCC – ele e Carlos No-bre são exemplos disso. A relevância da pesquisa brasileira também é ressaltada por Nobre. “Nas 20 principais revistas internacionais, 1,5% dos artigos sobre ciência do clima ou temas interdisci-plinares ligados a ela são de brasilei-ros e dois terços deles foram feitos em

Cheia do rio Tocantins invade Marabá: impacto provável no regime de chuvas

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São Paulo. Esse índice fi ca um pouco aquém da média da produção acadê-mica brasileira em revistas indexadas internacionalmente, responsável por 2% do total, mas é signifi cativo”, disse Nobre. Entre as raras exceções à regra da descoordenação, é possível apontar o Biota-FAPESP, que integrou pesqui-sadores de áreas diversas, e o Projeto de Grande Escala da Biosfera-Atmosfera da Amazônia (LBA), que gerou uma enorme quantidade de informação sobre as interações entre a Amazônia e o sistema climático global. “Teremos a chance de usar dados colhidos pelo LBA e outros programas para usá-los em simulações computacionais que nos permitam realizar estudos sobre, por exemplo, a interação entre a Floresta Amazônica, o Pantanal e o clima”, diz Pedro Leite da Silva Dias.

Uma das inovações do programa é convocar pesquisadores das ciên-cias humanas a se integrar ao es-

forço. “Estamos muito curiosos para ver as propostas que serão apresentadas”, diz o demógrafo Daniel Joseph Hogan, professor da Unicamp que trabalha no Núcleo de Estudos de População e de Estudos e Pesquisas Ambientais da universidade e coordena o capítulo das dimensões humanas das mudanças climáticas. Ele vaticina alguns temas que poderiam surgir. “Seria interessan-te termos, por exemplo, pesquisadores da área de relações internacionais apre-sentando projetos sobre os tratados e os organismos supranacionais envolvidos com as mudanças climáticas e como eles desafi am o conceito estabelecido de soberania nacional”, afi rma. As questões da segurança alimentar, da urbanização e da transformação tecnológica da in-dústria em busca da sustentabilidade são outros assuntos emergentes.

Hogan lembra que os cientistas so-ciais demoraram a se interessar pelos efeitos do aquecimento global e foram despertados pelo chamado dos colegas das ciências naturais. “Sociólogos e an-tropólogos têm difi culdade em abordar, com uma perspectiva de longo prazo, fenômenos que ainda vão acontecer. Eles estão mais habituados a fazer isso com fenômenos do passado”, afi rma. Uma das referências do Programa de Pesqui-sa em Mudanças Climáticas Globais é o International Human Dimensions

Program (IHDP), criado em 1990 pa-ra desenvolver programas de pesquisa em tópicos críticos para a compreensão da infl uência do homem na mudança global e as implicações das mudanças globais para a sociedade humana.

Embora outros países estejam bem à frente do Brasil no estudo das dimen-sões humanas, Hogan observa que o grau de sofi sticação dessas pesquisas não está no mesmo patamar do de áreas como a física ou a meteorolo-gia, por exemplo. “Basta comparar os quatro relatórios lançados pelo IPCC no ano passado. O primeiro texto, que trata da base científica acumulada sobre o tema, foi o que mais repercutiu, pois conseguiu defi nir as causas e efeitos futuros das mudanças climáti-cas com elevado grau de certeza. Os outros textos,

que tratavam de dimensões humanas, eram menos contundentes”, afi rma. Se-gundo ele, há generalizações calcadas pelo senso comum, como a idéia de que os mais pobres sofrerão mais com as mudanças climáticas, que precisam ser investigadas. “Picos de calor afetam principalmente as crianças pequenas e os idosos. É preciso criar estratégias, no campo das políticas públicas, para enfrentar esses eventos extremos. Isso implica uma preparação para agir antes e depois do evento. O Brasil ainda está engatinhando nisso”, diz o professor.

No capítulo da saúde humana, o de-safi o de construir as redes de pesquisadores será complexo, como prevê o coordenador dessa área, Paulo Saldiva, professor da Faculdade de Medici-na da USP. “A abordagem é bem diferente das pes-

Poluição em São Paulo: risco de doenças respiratórias pode aumentar

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quisas tradicionais em saúde. Não esta-mos só interessados em levantar dados epidemiológicos ou avaliar riscos, mas também em integrar especialistas em antropologia, gestão de saúde ou urba-nização”, diz Saldiva. “Estamos falando de fenômenos complexos. O aumento da temperatura terá impactos na saú-de também por mudar a dinâmica das cidades. É possível que habitantes das áreas rurais tenham de se transferir para as cidades, com impacto na favelização e no custo da saúde. Comparo o desafi o ao de enfrentar as doenças provocadas pela poluição em São Paulo. A medicina oferece ferramentas incompletas para lidar com o problema, que se tornou uma questão de planejamento urbano”, afi rma. O professor espera que surjam projetos sobre vários desses tópicos. “Se forem propostas isoladas, trataremos de integrá-las e fazer os pesquisadores trabalhar em redes”, diz.

O coordenador do programa, Carlos Nobre, acredita que o projeto des-lanchará com mais velocidade caso

a maioria das propostas apresentadas já incorpore o espírito da interdisciplina-ridade que permeia o programa. “Não há limites para as propostas. Elas po-dem se debruçar sobre pesquisa básica ou aplicada, sem restrições. O desafi o é fazer os grupos conversarem. Quan-to mais interinstitucionais forem os projetos, maior a chance de dar certo”, afi rmou Nobre.

No lançamento do programa, o secretário do Meio Ambiente de São Paulo, Xico Graziano, anunciou que o governo estadual vai enviar à Assem-bléia Legislativa um projeto de lei sobre mudanças climáticas que proporá ações de redução da emissão de gases no es-tado. Presente à cerimônia, o ex-presi-dente da República Fernando Henrique Cardoso lembrou que o esforço dos

cientistas também deve ser direcionado a informar e envolver a sociedade, a fi m de que o conhecimento gerado se transforme em ações concretas. “Sem a pressão da sociedade, não há cobrança e as coisas acontecem com mais difi cul-dade. Mesmo nos Estados Unidos, que têm uma postura reacionária, estados, municípios e empresas tomaram deci-sões para controlar as emissões de gases estufa na contramão de Washington, porque a base da sociedade participa do processo de compreensão dos efei-tos do aquecimento global”, afi rmou o ex-presidente. Fernando Henrique entregou uma cópia do programa da FAPESP ao ex-presidente chile-no Ricardo Lagos, que atualmente é o representante da Organização das Nações Unidas (ONU) na questão de mudanças climáticas, com o objetivo de divulgar a iniciativa e estimular par-cerias internacionais. ■

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As faces do tempoA prioridade agora é evitar que os desastres naturais piorem a vida de milhões de pessoas

Maria Neira corre contra o tempo. À frente da equipe de saúde pública e ambien-te da Organização Mundial da Saúde (OMS) em Gene-bra, ela terá de concluir até o início do próximo ano o

plano de ação solicitado por 193 minis-tros da Saúde para prevenir e conter os desastres naturais que devem se tornar mais intensos e mais freqüentes com as mudanças climáticas. Em junho, dian-te de representantes de 37 países, Ale-xandrer Bedritsky apresentou as pro-postas da Organização Meteorológica Mundial (OMM), que ele preside, para tornar as previsões do tempo mais pre-cisas, rápidas e úteis para evitar as tra-gédias sociais causadas pelos cada vez mais prováveis e iminentes episódios climáticos extremos como secas, inun-dações e desertifi cações. Pouco antes, o ex-secretário-geral das Nações Unidas Kofi Annan, como presidente do Fó-rum Humanitário Global, havia reuni-do cerca de 300 líderes de instituições fi nanceiras, governos e organizações internacionais, a quem apresentou a Aliança Global pela Justiça Climática, um plano para proteger especialmente os países mais pobres, que são também os mais vulneráveis aos impactos das mudanças climáticas.

A prioridade dessas e outras insti-tuições agora é o que chamam de fa-ce humana das mudanças climáticas,

Carlos Fioravanti, de Genebra*

expressa pela perspectiva de furacões, secas e tempestades romperem as es-truturas sociais e econômicas de cida-des ou de países, agravar a fome e a vio-lência no mundo, ampliar epidemias de doenças infecciosas como malária e dengue, aumentar a marginalização social e motivar migrações de milhões de pessoas. “As mudanças climáticas representam um risco adicional para 600 milhões de pessoas em estado de subnutrição crônica, podem aumentar em 400 milhões os casos de malária e forçar o deslocamento de 332 milhões de pessoas que vivem em áreas costei-ras”, comentou Cecilia Ugaz, diretora do Programa de Desenvolvimento das Nações Unidas (UNDP) e coordena-dora do relatório de desenvolvimento humano lançado no fi nal do ano pas-sado, que detalha a vulnerabilidade das populações humanas diante das trans-formações do clima. A onda de calor que matou 70 mil pessoas na Europa em 2003, o Catarina, o primeiro fura-cão registrado no Atlântico Sul que em 2004 chegou de surpresa ao Sul do Bra-sil, e o Katrina, que destruiu a cidade de Nova Orleans e cau-sou quase 2 mil mortos em 2005, tendo sido ou não causados pelo tempo em mutação, agora repre-sentam exemplos do que pode acontecer com mais assiduidade no futuro.

Mostram também o que fazer – ou o que deveria ter sido feito – para evitar e administrar os estragos deixados pelos desastres naturais.

“Precisamos aprender com os de-sastres”, sugere Maryam Golnaraghi, chefe da divisão de redução de riscos de desastres da OMM. “Por que os mo-radores de Nova Orleans não estavam preparados? Poderíamos ter tido uma boa previsão do tempo, as informações deveriam ter ido para a comunidade e a área deveria ter recebido investimentos em infra-estrutura.” Todos os países agora são vulneráveis, em maior ou menor escala. “Nova Orleans sofreu os mesmos problemas de Bangladesh”, observa Suren Erkman, professor da Universidade de Lausanne, na Suíça. Cercado por montanhas ao norte e pelo mar ao sul, Bangladesh tem sido acossado pelas longas cheias dos rios que cortam o país de 150 milhões ha-bitantes, alagam casas, cobrem cidades e destroem plantações.

“Temos de nos adaptar desde já às mudanças de curto prazo do clima, que podem trazer impacto social muito

grande e já nos prepa-rar para as variações de longo prazo”, propõe Antonio Divino Moura, diretor do Instituto Na-cional de Meteorologia (Inmet) e terceiro vice-presidente da OMM. “A

* Colaboraram Lina Sagaral Reyes, Naftali K. Mungai e Samuel Rodríguez (fotos), de Cotonu, Benin. Os autores desta reportagem viajaram a convite do Media21 Global Journalism Network.

Benin: pobreza, planos atrasados e vulnerabilidade

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seca da Amazônia em 2005 foi previs-ta, mas ninguém tomou uma atitude. Os rios secaram e faltou comida para a população. Temos de ser criativos e usar as informações para tomar deci-sões.” Como exemplo de ação contra as variações do clima, Moura cita o traba-lho de meteorologistas, antropólogos e sociólogos que conversaram com agri-cultores e em conjunto encontraram formas de reduzir os efeitos da seca no Ceará. Como resultado, desde 1992 o governo estadual acelera a construção civil, promovendo obras que empre-gam trabalhadores desalojados da agri-cultura, da qual depende quase metade da população, diante da iminência de uma seca intensa.

Celebrados nos últimos anos, os modelos matemáticos que indicam as tendências do clima nos próximos anos continuam importantes, mas as preocupações se ampliaram. Hoje a expressão mudanças climáticas não inspira apenas cenas comoventes de ur-sos-polares isolados sobre geleiras aos pedaços. Motiva também planos urgen-tes, que consideram os limites e as necessidades de cada cidade ou região e atribuem papéis claros às instituições e às pes-soas. Segundo Maryam, a prevenção e a detecção de desastres naturais – e

depois a resposta e a recuperação – exigem articulação institucional, do governo nacional ao local, e ação coor-denada dos serviços de meteorologia, hidrologia, geologia, marinha e saúde, além da conscientização, participação e cooperação da sociedade civil, com base em um planejamento e uma le-gislação que funcione antes, durante e depois das tragédias.

W alter Fust, diretor-geral do Fórum Humanitário Global, organiza-ção não-governamental em fun-

cionamento há um ano, sabe que não será fácil ajudar os países pobres, que possivelmente serão os mais atingidos, a se precaverem contra as intempéries. Segundo ele, os formuladores de políti-cas públicas não se sentem responsáveis pelas tragédias econômicas e sociais, como a perda de moradia e de empre-gos, que acompanham os sobreviven-tes dos desastres naturais. Argumentos que poderiam convencer os políticos a agirem é que não faltam. Alguns paí-ses como a Rússia podem ganhar áreas

para a agricultura, mas os efeitos negativos devem predominar. “A produção agrícola deve cair mesmo com um pequeno au-mento, de 1 ou 2 graus, na temperatura média anual”, afi rma Mannava

Sivakumar, chefe da divisão de meteo-rologia agrícola da OMM. Com varia-ções maiores, de até 5º Celsius (C), a produção de arroz e de trigo poderia cair à metade na Índia.

“O que falta é organização social para lidar com esses problemas”, diz Wolfgang Grabs, chefe da divisão de recursos hídricos da OMM. A noção de perigo pode escapar não só entre os formuladores de políticas públicas co-mo também entre agricultores de países pobres como Índia, Nepal e Bangladesh, que não querem deixar as terras que cultivam mesmo quando cobertas de água. Por não terem a propriedade le-gal, temem perder as terras para outros, caso saiam, e preferem acreditar que as previsões meteorológicas podem estar erradas. O Banco Mundial enfatiza a necessidade de ações locais e de coope-ração internacional entre instituições públicas e privadas e grupos da socie-dade civil em um documento que abriu para consulta pública e deverá votar este mês, propondo mecanismos inovadores para pôr em prática ações de adaptação às mudanças do clima. “Evitar o pior”, diz Cecilia Ugaz, “implica modelos de Estado e de desenvolvimento social e econômico mais descentralizados, com engajamento da sociedade civil”.

Em Genebra não há sinais da cruel-dade do tempo a não ser um verão que começou de modo intenso e repentino e alguns dias depois chegaria aos 37º C. Mesmo assim os moradores se mobili-zam – e não só para se banhar ou velejar no vasto lago de água fria que chega dos Alpes. “Todos podem participar”, diz Alexandre Epalle, coordenador do serviço de desenvolvimento sustentável da cidade. O guia de vida sustentável que ele ajudou a criar motivou os 180 mil residentes a mudarem os hábitos e a preferirem alimentos produzidos localmente, a comerem menos carne e a observarem o modo de produção do que consomem. Orientados por fo-lhetos, livretos e manuais, dão também bastante atenção à reciclagem: do total de 600 mil toneladas de dejetos produ-zidos anualmente pela cidade, 350 mil (63%) são reciclados (no Brasil, apenas 12%) e 160 mil são incinerados e aju-dam a produzir energia. “Todo mundo usa papel reciclado, incluindo o presi-dente da República”, comenta Martial Honsberger, responsável em gestão e

Planícies do oeste da África: sob a ameaça de erosão e de inundações

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reciclagem de dejetos de uma das usinas de reciclagem, que funciona nos fi nais de semana até as 21 horas e atende 25 mil pessoas. A Suíça conquistou o pri-meiro lugar no Índice de Desempenho Ambiental (EPI) das universidades de Yale e Colúmbia, dos Estados Unidos; entre os 149 países, o Brasil ganhou a 35ª posição, benefi ciado pelo pionei-rismo na produção de energia limpa, principalmente álcool combustível, mas prejudicado pela poluição das indústrias e pelos altos índices de des-truição das fl orestas nativas.

Para Maria Neira, da OMS, andar mais de ônibus ou de trem e menos de carro, outra recomendação adota-da pelos moradores de Genebra, não ajuda só a adiar a fúria do tempo, já que o transporte responde por 25% do consumo de energia e das emissões de gases que contribuem para o aque-cimento global, uma das causas das mudanças do clima. É também uma forma de benefi ciar a saúde comba-tendo a obesidade e o sedentarismo e, com menos veículos nas ruas e menos poluição no ar, de reduzir a incidência de asma e de câncer. “Se a população souber dos benefícios para a saúde, vai fazer pressão para melhorar o ambiente urbano”, diz ela. As recomendações da OMS, voltadas principalmente a países pobres, incluem reforços nas equipes e na infra-estrutura de saúde para deter as epidemias que devem se intensifi car. “Temos de nos mobilizar para fazer o que em qualquer caso teria de ser feito para evitar o agravamento de situações que já não estão muito boas.”

Michel Jarraud, secretário-geral da Organização Meteorológica Mundial, enfatiza: “Devemos reduzir os impac-tos e ao mesmo tempo nos adaptar às mudanças climáticas”. A recomendação talvez seja mais bem recebida e implan-tada entre suíços do que entre os mora-dores de países pobres como Benin, no oeste da África. Antigo porto de onde partiram cerca de 2 milhões de negros para viverem como escravos no Brasil, Benin ocupa a 163ª posição entre os 177 países do Índice de Desenvolvi-mento Humano 2007-2008 das Nações Unidas: é um dos 40 países mais pobres do mundo. Juliette Koudenoukpo, mi-nistra do Meio Ambiente, reconhece que o governo está atrasado no plano que poderia reduzir a vulnerabilidade

do país aos impactos das mudanças climáticas, já que a maioria dos 9 mi-lhões de habitantes vive da agricultura de subsistência nas planícies costeiras, sujeitas à erosão e à elevação do nível do mar. A maioria dos agricultores já per-cebeu que o comportamento do tempo ao longo das estações do ano mudou e as chuvas diminuíram: onde antes colhiam duas safras de milho, hoje com sorte colhem apenas uma. Muitos agora preferem plantar pinhão-manso (Jatropha curcas), que ainda é colhido duas vezes por ano e serve para produ-zir biodiesel que abastece as casas. As mulheres plantam árvores para conter as transformações do clima, mas esco-lheram uma espécie pouco estimada entre os ecólogos por absorver muita água: o eucalipto.

C otonu, cidade portuária e centro fi nanceiro do país, com 800 mil habitantes, é uma das cidades

mais poluídas do mundo, envolta pelo clima quente e úmido e pela fumaça de milhares de mototáxis em perma-nente movimento (não há ônibus). Os motoqueiros usam camisas amarelas, nem pensam em usar capacetes, dis-

pensáveis também nos passageiros, e compram gasolina de baixa qualidade contrabandeada da vizinha Nigéria e vendida em garrafas em bancas impro-visadas nas ruas. “Dirigir mototáxi é só um emprego temporário, enquanto não consigo algo melhor”, comenta Sebas-tien Djossa, de 32 anos, diante da falta de empregos mesmo para quem passou pela universidade. “Não é um trabalho vergonhoso e é melhor do que passar fome.” Um dos raros a falar inglês em um país de língua francesa, Djossa con-ta que toda noite sente dores nos ossos e reza para não sofrer acidentes no dia seguinte.

Hamsah Fatay, de 52 anos, reven-de motos chinesas que compra de um distribuidor na Nigéria e ainda não sabia que o presidente de Benin havia conseguido um empréstimo do Fundo Monetário Internacional (FMI) para subsidiar a agricultura e conter a alta do preço dos alimentos. “Espero que esse dinheiro seja usado também na educa-ção de adultos, assim eu poderia voltar à escola e a aprender inglês”, comentou. Seu sonho era obter um visto e encon-trar um emprego melhor em outro país. “Não há futuro para mim aqui.” ■

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Fogo limpo

Famílias de países pobres da Ásia e

África adotam fogões que

poluem menos

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Em janeiro deste ano, ao percorrer pela primeira vez a periferia de Daca, capital de Bangladesh, o biólogo Eduardo Ferreira conheceu comunidades muito mais pobres, amplas e quentes que as favelas da cidade de São Paulo que havia visitado 15 anos antes, como voluntário do Colégio Santa Cruz, para ensinar a ler, a escrever e a evitar Aids. Dessa vez seu propósito era convencer os

moradores de Bangladesh a trocar fogões rudimentares, cons-tituídos de pedras arrumadas em um canto da cozinha, por modelos mais efi cientes, que queimam metade da madeira e produzem menos fumaça prejudicial à saúde. Se as negociações com produtores locais de fogões derem certo, nos próximos anos talvez sejam instalados 1 milhão de fogões em Bangladesh e mais 400 mil em comunidades igualmente pobres de um país vizinho, o Camboja, onde a ClimateCare, uma unidade do banco de investimento americano JPMorgan na qual Ferreira é gerente de projetos, já fi nanciou a instalação de 230 mil fogões.

Mais do que simplesmente vender fogões subsidiados pa-ra pobres, o biólogo formado pelo Mackenzie com mestrado em Oxford ajuda a implantar uma nova abordagem – com a participação de famílias e comunidades de países pobres – do Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL), que promove investimentos em projetos capazes de redução de emissão de gases que contribuem para o aquecimento global. Por falta de

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que fi nancia fabricantes locais para que vendam fogões a preços mais baixos, ganhará um ou dois anos depois da instalação negociando os créditos de carbono. As perspectivas de ganhos são claras – em 2007 o comércio interna-cional de carbono dobrou e chegou a U$ 60 bilhões, e até 2012 as empresas européias devem comprar o equivalente a U$ 25 bilhões em créditos de carbono –, mas o impacto real desse mecanismo para reduzir emissões ainda é incerto. Em um artigo de Fred Pierce publicado em abril na New Scientist, Ian Rodgers, diretor da UK Steel, comentou que os negócios com carbono não irão reduzir as emissões, mas apenas movê-las para outro lugar. Pierce ressaltou: a polui-ção poderia ser contida mesmo sem o MDL se as indústrias tivessem tomado cuidados ambientais prévios.

Ferreira argumenta que os benefí-cios do MDL comunitário poderiam ser mais amplos que os MDL industriais, já que fogões mais efi cientes reduzem

o desmatamen-to, permitem às famílias gastar menos com ma-deira ou carvão e reduzem a quan-tidade de fuma-ça negra dentro

da casa. De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), o excesso de fumaça pode causar asma, bronquite e outros problemas respiratórios graves a ponto de matar 1,5 milhão de pessoas,principalmente mulheres e crianças. Nos países mais pobres da Ásia e da África, 2,4 bilhões de pessoas utili-zam fogões de pedra abastecidos com combustível sólido – madeira, restos de alimentos, resíduos agrícolas ou es-trume animal –, cozinhando por horas seguidas todos os dias.

Desenvolver esses fogões implica, primeiramente, respeito aos hábitos culturais. “Em Bangladesh e na Índia as mulheres estão acostumadas a co-zinhar agachadas, em vez de sentadas ou em pé”, diz Ferreira. “O fogão deve ser desenvolvido de forma a que elas não precisem alterar esse costume.” Também na Boiling Point, Lisa Feld-mann e Verena Brinkmann, da GTZ, uma agência de cooperação internana-cional, lembram que um fogão novo, para ser aceito, tem também de ser efi -

ciente, permitindo uma economia de pelo menos 40% de combustível, além de ser moderno e de preço acessível. Os 200 mil fogões instalados desde 2003 em Uganda com apoio da GTZ evitaram o corte de 200 mil toneladas de madeira por ano e geraram uma economia de €140 mil à rede de saú-de pública, com a redução de doenças causadas pela fumaça preta, além de €1,7 milhão (R$ 4 milhões) em cré-ditos de carbono.

Ferreira integrou a equipe da Cli-mateCare que encontrou na China fa-bricantes de fogões que incluem uma serpentina que esquenta água, segue para radiadores e, desse modo, ajuda a esquentar a cama em que dorme toda a família, “pais, fi lhos e netos, de três a dez pessoas, todos juntos”, conta ele. “Os fogões que escolhemos para tra-balhar na China são altamente efi cien-tes e muito interessantes do ponto de vista ambiental, porque os moradores da área rural podem usar palha, baga-ço e resíduos das plantações de milho como fonte de energia, em vez de car-vão.” Os moradores rurais levam cau-le, folhas secas e espigas de milho para uma fábrica do governo que prensa os resíduos em blocos, usados para man-ter os fogões acesos. Há, porém, uma defi ciência energética: os resíduos de milho queimam mais rapidamente e produzem metade da energia resultante da mesma quantidade de carvão.

Outra possibilidade de cozinhar e aquecer a casa com menos fumaça e me-nos desmatamento são os biodigestores, tanques fechados cavados no jardim, revestidos de plástico e abastecidos com esterco animal ou humano. Da tampa sai um cano com gases, principalmen-te metano e CO2, produzidos com a fermentação dos resíduos, que servem como combustível para cozinhar sem fumaça e para gerar eletricidade pa-ra aquecer a casa – o resto do mate-rial orgânico pode ser utilizado como adubo. “Um biodigestor de três metros de diâmetro poderia abastecer até uma família que antes tinha de comprar gás ou madeira para cozinhar e aquecer a casa”, diz ele. Cada um dos cerca de 150 mil biodigestores já em funcionamento em Bangladesh e no Nepal abastece de uma a cinco famílias. ■

capacidade institucional e da escassez de oportunidades, países pobres, peque-nos ou essencialmente agrícolas quase não têm acesso aos benefícios do MDL, que benefi ciam essencialmente empre-sas dos setores industriais e energéticos, observou Teodoro Sanchez, consultor da organização não-governamental inglesa Practical Action, em um arti-go recente da revista Boiling Point, que apresenta alternativas energéticas para países pobres.

Respeito aos hábitos - “Quando um fogão deixa de queimar 50% do com-bustível necessário para cozinhar a mesma quantidade de alimento, deixa de emitir até 50% dos gases que eram liberados antes”, conta Ferreira. “Ge-ralmente, um fogão mais efi ciente gera de meia a duas toneladas de crédito de carbono, que corresponde à quanti-dade equivalente de gás carbônico que deixou de emitir.” A ClimateCare,

Carlos Fioravanti

Uma dona-de-casa em Bangladesh: menos madeira e menos fumaça

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ESTRATÉGIAS MUNDO>>

> Alemães exorcizam a burocracia

O governo da Alemanha anunciou a adoção de um conjunto de regras fl exíveis que promete tornar mais simples a rotina dos pesquisadores dos laboratórios e universidades públicas, que hoje são submetidos às mesmas regras da burocracia estatal. Entre outras novidades, a ministra da Pesquisa Annette Schavan autorizou as instituições a oferecer suplementos salariais variáveis para atrair ou manter cientistas de primeira linha. O novo esquema começa a funcionar a partir de janeiro de 2009. A Alemanha ressente-se de perder pessoal qualifi cado para outros países europeus

missões como as dassondas Soho, rumo ao Sol, e Huygens, que pousou em Titã, a lua gigante de Saturno; Cuidando da Terra, com imagens do nosso planeta e informações sobre satélites da ESA;

Vida no Espaço, com um kit educacional sobre a Estação Espacial Internacional; e Exploração e Robótica, sobre os planos de ir a Marte e os robôs que auxiliam os homens na aventura espacial.

> A vida imita a fi cção

Há tempos a Agência Espacial Européia (ESA) começou a desenvolver robôs semi-inteligentes com vocação para auxiliar astronautas no espaço. Esse projeto, que deve demorar alguns anos para render protótipos, estimulou a agência a adotar WALL-E, o curioso e irrequieto robozinho da fi cção científi ca infantil dos estúdios Disney Pixar, como mascote de seu novo site para professores e crianças (www.esa.int/walle). O portal reúne recursos educativos, DVDs, quebra-cabeças e diversões on-line. Seu conteúdo (em inglês) é organizado em quatro temas: Nosso Lugar no Universo, que descreve

Um estudo clínico para avaliar a

efi ciência de uma terapia de células-

tronco contra a incontinência uriná-

ria, realizado na Universidade Médica

de Innsbruck, na Áustria, foi publicamente desqualifi cado porque

os autores cometeram erros primários e falhas éticas em sua

execução. De acordo com a revista Nature, a Agência para Saúde

e Segurança de Alimentos da Áustria descobriu que o estudo,

coordenado pelo urologista Hannes Strasser, nem sequer passara

pelo crivo de um comitê de ética, assim como falhou ao não in-

formar os pacientes sobre a natureza dos procedimentos. Foram

encontrados erros metodológicos envolvendo impropriedades

na seleção dos pacientes. Como se fosse pouco, os responsá-

veis pelo estudo forjaram e-mails supostamente trocados com

editores da revista The Lancet para escamotear a fraude dos

inspetores. Strasser está proibido de atender pacientes, mas

o documento isentou Georg Bartsch, chefe do Departamento

de Urologia e co-autor dos artigos. Já o reitor da instituição,

Clemens Sorg, está ameaçado de demissão pelo conselho uni-

versitário, ainda que fosse um defensor de punições a falhas de

conduta acadêmica. Ele, aliás, pediu à Academia de Ciências da

Áustria para investigar o caso.

FALHAS GROSSEIRAS

WALL-E: mascotede site educacional

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novos fundos para projetos de pesquisa, equipamentos e laboratórios. O Ministério da Educação vietmanita planeja investir US$ 8 milhões na fase inicial do programa, mas a previsão é que sejam aplicados US$ 40 milhões na iniciativa nos próximos oito anos. O dinheiro será direcionado para as 20 principais universidades e institutos de pesquisa do país, concentrados nas cidades de Hanói e Ho Chi Minh. O governo do Vietnã estima que cerca de 300 mil cidadãos com formação acadêmica trabalhem no exterior, com experiência em setores que vão da microeletrônica à aviação. Nguyen Quoc Binh, diretor do Centro de Tecnologia Biológica em Ho Chi Minh City, disse à agência SciDev.Net que, para o programa dar certo, é necessário que o salário oferecido aos expatriados seja de pelo menos US$ 1 mil mensais, o equivalente ao pago por países vizinhos como a Malásia e a Tailândia para atrair de volta pesquisadores radicados no exterior.

por conta, entre outros fatores, do engessamento dos salários nas universidades. A construção de novos laboratórios e de outras obras de infra-estrutura acadêmica também poderá ser feita dispensando o crivo de uma seqüência de instâncias burocráticas. Os chefes dos laboratórios terão liberdade de executar as obras de que precisarem, bastando que se comprometam a respeitar as normas estabelecidas pelas autoridades.

> Mais mulheres na ciência

Dos 381 pesquisadores vinculados a comitês científi cos da Organização da Conferência Islâmica (OIC, na sigla em inglês), que reúne 56 países muçulmanos, menos de 5% são mulheres. Num esforço para ampliar a participação feminina, a OIC acaba de criar uma rede voltada para conectar as mulheres à base acadêmica do mundo islâmico, estimular a sua participação em programas de treinamento e prêmios internacionais, além de

disseminar informações sobre como obter recursos para projetos de pesquisa. A Rede Islâmica de Mulheres Cientistas também vai criar um banco de dados com suas participantes e pretende cooperar com programas regionais bem-sucedidos,

como a Rede Árabe de Ciência e Tecnologia para Mulheres, sediada em Bahrein. “As mulheres representam a metade da capacidade intelectual das nações, mas poucos países muçulmanos encorajam-nas a seguir carreira científi ca”, disse à agência SciDev.Net Syeda Tanvir Naim, membro do comitê das Nações Unidas para mulheres e ciência.

> Vietnã contra a fuga de cérebros

O Vietnã está preparando um plano para atrair cientistas que deixaram o país a fi m de reforçar a capacidade científi ca do país. O esquema deverá ser baseado na oferta de pacotes salariais vantajosos, além de

Um congresso da Socieda-

de Internacional de Prima-

tologia, realizado no mês

passado em Edimburgo, na

Escócia, atualizou o pano-

rama mundial dos primatas

ameaçados de extinção. A

metade das 634 espécies

ou subespécies vive o risco

de desaparecer na próxima

década, sendo que 70% de-

las habitam a Ásia. Segundo

a revista Nature, o Cambo-

ja, o Vietnã e a Indonésia

são os países em situação

mais dramática, com mais

de 70% dos primatas amea-

çados. A melhor notícia do

congresso veio de um país

africano, o Congo, onde uma subespécie do gorila-do-oci-

dente classifi cada como ameaçada teve sua população

reestimada em 225 mil animais, diante de menos de 100

mil de um censo anterior. A reavaliação desmanchou uma

especulação de que a subespécie estaria ainda mais redu-

zida devido a um surto do vírus Ebola na região em que

vivem. A boa situação dos gorilas do Congo foi atribuída

ao sucesso no gerenciamento de áreas protegidas, que têm

fartura de alimentos e estão em lugares de acesso difícil.

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Muçulmanas admitidas em universidade australiana

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Gorilas no Congo: mais animais do que se imaginava

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ESTRATÉGIAS MUNDO>>

sede administrativa e uma casa de fazenda construída há mais de 150 anos. O complexo é situado em Richmond Hill, província de Ontário. A universidade planeja usar o dinheiro para criar um novo instituto de astronomia e astrofísica. “O telescópio perdeu a serventia para o tipo de pesquisa que fazemos hoje”, disse à revista Nature

> Telescópio vendido

O Observatório David Dunlap, que pertencia à Universidade de Toronto desde 1935, foi vendido para uma empresa privada por US$ 68 milhões. O valor inclui um parque de 77 hectares que abriga um dos maiores telescópios canadenses, além de uma

> Politicamente incorreto

Um estudo publicado no jornal Trends in Ecology & Evolution propôs uma idéia polêmica e politicamente incorreta: a exploração de fl orestas feita por indústrias madeireiras ou grandes corporações agrícolas e mineradoras oferece melhores oportunidades de conservação do que a exploração feita por pequenos agricultores. Ambos os tipos causam impactos deletérios à fl oresta, dizem os autores Rhett Butler, do site conservacionista Mogabay-com, e William Laurance, do Instituto de Pesquisa Tropical Smithsonian, no Panamá. Mas é bem mais fácil para entidades ecológicas pressionar e obter concessões de um punhado de grandes grupos econômicos do que de milhões de camponeses pobres. “Os grupos ambientalistas estão aprendendo a usar recursos como boicotes e protestos para atingir a imagem de corporações que se comportam mal”, disse Butler. Segundo ele, a mudança de comportamento de setores como a indústria madeireira e a de óleo de palmito mostra como a pressão funciona bem. “Até mesmo grupos fi nanceiros, como o JP Morgan e o Citigroup, mudaram suas práticas depois que se tornaram alvo de ambientalistas”, afi rma.

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Robert Steiner, vice-presidente da universidade. Nos últimos anos, apenas dois pesquisadores seguiam usando as instalações. A Metrus Development, empresa que adquiriu o observatório, promete preservar as instalações históricas e procura um parceiro interessado em explorar o telescópio.

Garimpo na Amazônia peruana: pressão sobre empresas funciona

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PESQUISA FAPESP 151 ■ SETEMBRO DE 2008 ■ 33

ESTRATÉGIAS BRASIL>>

em cada instituição, além de índices institucionais e individuais de produtividade acadêmica.

do ranking leva em conta o número de ganhadores do Nobel e vencedores de outros prêmios que se formaram

de Minas Gerais (UFMG) e a Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), cotadas entre as 301ª e 400ª melhores. Na faixa seguinte, entre as 401ª e 500ª melhores, aparecem a Universidade Estadual Paulista (Unesp) e a Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). A instituição gaúcha foi a surpresa do levantamento, pois não constava da lista em 2007. Os Estados Unidos seguem campeões do ranking. As três primeiras posições são ocupadas, pela ordem, pelas universidades Harvard, Stanford e Califórnia, Berkeley. A britânica Cambridge é a quarta colocada. A metodologia

A Fundação Oswaldo Cruz

(Fiocruz) vai criar uma

unidade em Curitiba pa-

ra trabalhar em pesquisa,

desenvolvimento e produ-

ção de vacinas, em parce-

ria com o Instituto de Tec-

nologia do Paraná (Tec-

par). O centro regional,

batizado de Instituto Car-

los Chagas, será instalado

na Cidade Industrial, bair-

ro da capital paranaen se,

e aproveitará a infra-es-

trutura do Instituto de

Biologia Molecular do Pa-

raná (IBMP). Criado em

1999 por meio de uma as-

sociação entre a Fiocruz

e o Tecpar, o IBMP se tornou referência em desenvolvimen to

de antígenos recombinantes como reagentes para diagnós-

tico e de vacinas contra a raiva e a brucelose. “Já existe um

patrimônio grande aqui no Paraná e a Fiocruz vem se somar ao

Instituto de Tecnologia do Paraná e às universidades do esta-

do”, disse o presidente da Fiocruz, Paulo Buss. A instituição

também planeja montar um programa de pós-graduação em

parceria com o Tecpar, para formar mestres e doutores que

possam contribuir com a pesquisa da nova unidade. Há 108

anos a Fiocruz tem sua base no bairro de Manguinhos, zona

Norte carioca, mas ao longo do tempo montou centros re-

gionais em Belo Horizonte, Salvador, Recife e Manaus, além

de uma fi lial na própria cidade do Rio. A sucursal de Curitiba

será a primeira no Sul do país. Até o ano que vem, a fundação

deverá abrir um outro centro regional em Campo Grande

(MS), a Fiocruz Pantanal.

> Posições no ranking

As universidades brasileiras defenderam suas posições no mais recente ranking internacional de instituições de ensino superior, divulgado desde 2003 pela chinesa Shanghai Jiao Tong University. A Universidade de São Paulo (USP) aparece entre a 101ª e a 151ª posições da lista – a organização optou por divulgar faixas em vez de posições exatas. A Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) fi cou cotada entre as 201ª e 301ª melhores instituições do mundo, seguida pela Federal

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34 ■ SETEMBRO DE 2008 ■ PESQUISA FAPESP 151

ESTRATÉGIAS BRASIL>>

da universidade. Criada em 2005, a UFABC tem 100% dos professores com doutorado e se diferencia de outras universidades públicas pelo foco em ciência e tecnologia e pelo projeto pedagógico peculiar. Todo aluno faz um módulo básico com as disciplinas de

Recife, e Rafael Carvina, do Colégio Objetivo, de São Paulo, receberam menções honrosas. A equipe brasileira foi chefi ada pelo professor Euclydes Marega Júnior, do Instituto de Física de São Carlos da Universidade de São Paulo (USP).

> Novo reitor da UFABC

Adalberto Fazzio, professor titular do Instituto de Física da USP (Universidade de São Paulo), tomou posse no dia 13 de agosto como novo reitor da Universidade Federal do ABC (UFABC), em substituição ao engenheiro Luiz Bevilacqua, no cargo desde dezembro de 2006. De acordo com Fazzio, suas metas são a conclusão do processo que resultará no estatuto defi nitivo da UFABC, a elaboração de um Programa de Desenvolvimento Institucional e a consolidação do projeto pedagógico

> Desempenho olímpico Guilherme Victal Alves da Costa, de 16 anos, aluno do 3º ano do ensino médio no Colégio Objetivo, em São Paulo, conseguiu um feito inédito na Olimpíada Internacional de Física (IPhO, na sigla em inglês). Ganhou a primeira medalha de prata de um estudante brasileiro na competição. A 39ª edição da IPhO ocorreu em Hanói, Vietnã, no fi nal de julho. Até então, o melhor desempenho de estudantes brasileiros havia sido um bronze em 2007. O Brasil participa da competição desde 2000 por iniciativa da Sociedade Brasileira de Física. Outros estudantes brasileiros também tiveram êxito em 2008. O paranaense Alex Atsushi Takeda, do Colégio Universitário, de Londrina, ganhou medalha de bronze, enquanto André Agostinho, do Colégio Gênese, no

sociologia, ética, fi losofi a e história da ciência. As engenharias são voltadas para a inovação, com ênfase em especialidades como engenharia aeroespacial, de automação e robótica e em bioenergia. A universidade tem hoje 2 mil alunos fazendo o módulo básico.

O Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe)

disponibilizou gratuitamente na internet uma coleção

de fotos em alta resolução registradas pelos três Sa-

télites Sino-brasileiros de Recursos Terrestres (Cbers),

que exibem panoramas vistos do espaço de todas as

capitais de estados brasileiros. Também são oferecidas

fotos de capitais latino-americanas, como Buenos Aires,

Santiago, Lima e Montevidéu. A intenção da Divisão de

Geração de Imagens do Inpe, responsável pela iniciativa,

é fornecer material de apoio para meios de comunica-

ção, professores e estudantes de ensino fundamental

e médio, entre outros interessados. Em 2004 o insti-

tuto deixou de cobrar pelo fornecimento de imagens

dos Cbers, intensifi cando a distribuição gratuita para

empresas públicas, universidades, pesquisadores de

diversas áreas e agricultores. O objetivo agora é es-

tender também para o público leigo o alcance às fotos

dos satélites. A galeria de imagens das capitais pode ser

baixada no endereço www3.dgi.inpe.br/pesquisa2007/

galeria/linux_E_galeria/galeriaCD.html.

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OBrasília, Belém e Rio de Janeiro em imagens dos satélites Cbers

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PESQUISA FAPESP 151 ■ SETEMBRO DE 2008 ■ 35

O Conselho Nacional de Desenvol-

vimento Científi co e Tecnológico

(CNPq) vai investir R$ 30 milhões

no estímulo a parcerias entre gru-

pos de pesquisa e programas de

mestrado e doutorado ainda em

consolidação (com conceitos 3

e 4 na avaliação da Capes) com

grupos já consolidados (conceitos

6 e 7). Podem apresentar proje-

tos pesquisadores vinculados a

programas de pós-graduação de

universidades ou de institutos de

pesquisa das regiões Norte, Nor-

deste ou Centro-Oeste, e do estado

do Espírito Santo. A colaboração

pode envolver como contrapar-

te grupos consolidados localiza-

dos em qualquer região do país.

O programa, apelidado de Casadi-

nho, conta com recursos dos fundos se-

toriais de Infra-estrutura (CT-Infra) e de

Petróleo e Gás (CT-Petro) e tem como obje-

tivo aperfeiçoar a distribuição regional dos

núcleos de pesquisa no país. Cada curso

pode apresentar uma única proposta. A no-

vidade da edição deste ano do edital é que

cursos já benefi ciados anteriormente po-

derão apresentar pedidos de suplementa-

ção. As propostas devem ser apresentadas

até 9 de outubro. O edital está disponível

no site www.cnpq.br

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> Pesquisa FAPESP entre os premiados

A reportagem “Semeadores de fl orestas”, publicada em fevereiro deste ano na revista Pesquisa FAPESP, conquistou o segundo lugar na categoria mídia impressa do 8º Prêmio de Reportagem sobre a Biodiversidade da Mata Atlântica, organizado pela Aliança para a Conservação da Mata Atlântica (parceria entre as ONGs Conservação Internacional e Fundação SOS Mata Atlântica). Assinada pelo editor especial Carlos Fioravanti, a reportagem expôs iniciativas de recuperação de trechos perdidos da Mata Atlântica. É a quarta vez que a revista ganha um dos três principais prêmios do concurso. Mauri König, da Gazeta do Povo, de Curitiba (PR), conquistou o primeiro lugar com a reportagem “A última testemunha: cem anos de resistência”. Herton Escobar, do jornal O Estado de S. Paulo, com “A caminho da praia, serra do Mar guarda riqueza em fl ora e fauna”, fi cou em terceiro lugar. Na categoria televisão os vencedores foram: Bianca Vasconcellos e equipe do SBT Brasil, com a reportagem “Mata Atlântica: reserva sem lei” (primeiro lugar); Aline Resende de Carvalho e equipe da Rede Minas de Televisão, com a reportagem “Riquezas da serra do Brigadeiro” (segundo lugar); Beatriz Castro e equipe do programa Nordeste, Viver e Preservar, com “Assentamentos versus Mata” (terceiro lugar). O vencedor do primeiro lugar em cada categoria vai participar do Congresso

Mundial de Conservação (IUCN World Conservation Congress), em Barcelona, na Espanha, em outubro deste ano, junto com os ganhadores dos outros países onde o prêmio é realizado. Os segundos e terceiros colocados receberam R$ 5 mil e R$ 2.500, respectivamente.

> Propostas qualifi cadas

O Programa de Subvenção Econômica da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep) pré-qualifi cou 801 empresas para a próxima fase do processo de seleção – 232 a mais do que em 2007 – depois de analisar um total de 2.612 propostas de companhias interessadas em investir em produtos e processos inovadores. As empresas selecionadas irão encaminhar à Finep um projeto detalhado e aguardar a divulgação da lista de contempladas, no dia 17 de outubro. Ao todo são disponibilizados R$ 450

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milhões em recursos não- reembolsáveis para apoio a projetos em todo o país. Esse é o terceiro ano consecutivo que o governo oferece essa linha de investimentos. Antes da Lei de Inovação, sancionada em 2004, a aplicação de recursos públicos não-reembolsáveis em empresas não era permitida. O valor mínimo de cada projeto será de R$ 1 milhão. Haverá uma contrapartida entre 5% e 20% do valor total no caso de empresas menores e entre 100% e 200% para empresas de médio e grande porte. De acordo com o edital, 40% dos recursos vão apoiar pequenas empresas.

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FOMENTO

A evolução

Governo relança programa de redes temáticas virtuais, agora com mais recursos e articulação com os estados

Fabrício Marques | ilustrações Braz

>POLÍTICA CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA

de uma idéia

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PESQUISA FAPESP 151 ■ SETEMBRO DE 2008 ■ 37

programas semelhantes lançados no Chile, na China e na Índia, que buscavam, de um lado, articular grupos de pesquisa potencializando a base de laboratórios já instalada e, de outro, produzir conhecimento que contribuísse para o aumento da competitividade da economia brasileira ou para a solução de grandes pro-blemas nacionais. O Banco Mundial foi decisivo para o lançamento ao emprestar R$ 90 milhões ao Brasil para estabelecer seus projetos. Os projetos contem-plados foram submetidos a uma avaliação em 2003, já no governo Lula, que recomendou a continuidade do programa. Uma nova chamada de propostas foi lançada em 2004.

Num indicador que dá a medida do desempenho dos contemplados na primeira chamada, dez dos 17 Institutos do Milênio aprovados em 2001 foram re-novados em 2004, ligados a temas como pesquisa básica em nanociência e desenvolvimento de vacinas e testes de diagnóstico de tuberculose. Foram distri-buídos R$ 90 milhões em cada um dos dois editais, mas o dinheiro acabou diluído na chamada de 2004, quando foram contempladas 34 propostas, o dobro do total da chamada anterior. “Os atuais Institutos do Milênio ainda vão funcionar até o final do ano e passarão por uma avaliação, mas a sensação que temos é de que, com a fragmentação dos recursos, o impacto ficou aquém daqueles do primeiro edital”,

Uma abrangente parceria entre o gover-no federal e cinco fundações estaduais de amparo à pesquisa (FAPs) vai destinar R$ 475 milhões nos próximos três anos para a criação dos Institutos Nacionais de Ciên cia e Tecnologia, redes temáticas de excelência in-cumbidas de fazer avançar o conhecimento

em áreas consideradas vitais para o desenvolvimento do país ou em temas de fronteira nos quais a pesquisa nacional tem alto desempenho. Do total de recursos, que constituem o maior valor já concedido a uma chamada pública de apoio à pesquisa no país, a metade será vinculada a 19 áreas defi nidas como estratégicas no Plano de Ação de Ciência, Tecnologia e Inovação do governo federal, tais como biotecnologia, nano-tecnologia, biocombustíveis, agronegócio, Amazônia, programa espacial e mudanças climáticas. A outra metade apoiará as melhores propostas apresentadas por pesquisadores de quaisquer áreas. O número exato de institutos dependerá da qualidade das propostas apresentadas e da decisão do comitê científi co incum-bido de selecioná-las, mas a previsão é de que sejam contemplados até 65 projetos.

Os Institutos Nacionais de Ciência e Tecnologia vão substituir os Institutos do Milênio, um programa ambicioso lançado em 2001, no final do governo Fer-nando Henrique Cardoso. O modelo inspirava-se em

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38 ■ SETEMBRO DE 2008 ■ PESQUISA FAPESP 151

diz Marco Antonio Zago, presidente do Conselho Nacional de Desenvolvimen-to Científico e Tecnológico (CNPq).

O aprendizado com erros e acer-tos dos Institutos do Milênio ajudou o CNPq, responsável pelos programas, a moldar o edital dos Institutos Nacio-nais de Ciência e Tecnologia. A idéia original mantém-se: busca-se alavancar a fronteira do conhecimento em áreas vitais e estimular a formação de redes de pesquisadores, liderados por um coordenador com reconhecida com-petência na área. Mas há mudanças nas exigências e na operacionalização do programa. A principal delas tem a ver com a ampliação dos recursos ofereci-dos e com a articulação com os estados. O MCT destinará R$ 270 milhões, três vezes mais do que o disponibilizado pa-ra os Institutos do Milênio. Cada proje-to poderá receber de R$ 3 milhões a R$ 9 milhões por um período de três anos, diante de R$ 500 mil a R$ 2 milhões nas versões anteriores.

O investimento será de responsa-bilidade do CNPq, com R$ 110 milhões, e da Financiadora de Es-

tudos e Projetos (Finep), com R$ 160 milhões oriundos do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tec-nológico (FNDCT). Além do esforço do ministério, outros R$ 175 milhões virão de cinco fundações estaduais de amparo à pesquisa, para aplicação nos projetos contemplados em seus estados, sendo R$ 75 milhões da FAPESP, R$ 30 milhões da Fapemig (Minas Gerais), R$ 30 milhões da Faperj (Rio de Janei-ro), R$ 30 milhões da Fapespa (Pará) e R$ 10 milhões da Fapeam (Amazonas). A Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), vinculada ao Ministério da Educação, colaborará com mais R$ 30 milhões, na forma de bolsas em diferentes mo-dalidades. “Os Institutos do Milênio conseguiram excelentes resultados, mas têm recursos muito limitados. Os Institutos Nacionais vão substituí-los com mais sustentabilidade”, afirmou o

ministro da Ciência e Tecnologia, Sér-gio Rezende, ao anunciar o programa em julho.

Marco Antonio Zago destaca outras mudanças, como a proibição de que um mesmo pesquisador esteja vinculado a mais do que uma rede. “Um cientista pode até colaborar com mais de um instituto, mas só poderá estar vincu-lado a um deles. Isso vai impedir que dessa vez se criem redes com a parti-cipação de um número exagerado de pesquisadores nas quais muitos têm um papel apenas honorário”, disse. A distribuição de responsabilidade e de recursos entre os associados será defini-da de forma mais clara, segundo Zago. Cada laboratório associado deverá ter um pesquisador responsável. “A idéia é que as instituições participem das redes porque o financiamento fará di-ferença para elas. Por isso precisa ficar claro qual é a meta dos participantes e de quanto dinheiro cada um disporá para que possamos cobrar resultados depois”, afirma o presidente do CNPq. “A disponibilidade de mais recursos nos permitiu ser mais ambiciosos e exigentes em relação aos institutos.

Queremos impacto maior”, diz Zago. Nos Institutos do Milênio, ele observa, era possível contemplar projetos que não promovessem intensa articulação de pesquisadores. “Agora a necessidade de criar redes é mais valorizada”, diz. A inclusão entre os laboratórios associa-dos de grupos de pesquisa localizados em novos campi universitários ou em regiões com baixa densidade de douto-res é considerada vantagem no processo seletivo. Para garantir o caráter nacio-nal dos institutos, os recursos serão dis-tribuídos de forma a aproveitar a massa crítica concentrada nas regiões Sudeste e Sul sem prejudicar os demais estados. A distribuição de recursos determina que o Sudeste fique com 50% do bolo, o Sul, com 15%, e os estados do Norte, Nordeste, Centro-Oeste, além do estado do Espírito Santo, com 35% das verbas. Tal distribuição tem sido criticada por violar o princípio do mérito científico, visto que os três maiores estados da Re-gião Sudeste (São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais) são responsáveis por 80% da produção científica nacional, medida em artigos publicados em re-vistas indexadas internacionalmente.

O APRENDIZADO COM LIMITAÇÕES E ÊXITOS DOS INSTITUTOS DO MILÊNIO AJUDOU

O CNPq A MOLDAR O EDITAL DOS INSTITUTOS NACIONAIS DE CIÊNCIA E TECNOLOGIA

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A articulação com as fundações esta duais de amparo à pesquisa, diz Zago, será importante não apenas pa-ra ampliar o volume de recursos, mas também para adicionar ao programa a expertise que as FAPs dispõem na sele-ção e avaliação de propostas.

O s Institutos Nacionais, conforme estabelecido no edital lançado em agosto, terão de se preocupar em

produzir não apenas pesquisa de ponta mas também na formação de recursos humanos e na transferência de conhe-cimento para o setor produtivo e para a sociedade. Para os projetos com aplica-ções tecnológicas ou de inovação, deve ser atendida uma quarta missão, que é a transferência de conhecimentos para o setor empresarial ou para o governo. Os centros também deverão ter progra-mas de educação em ciência e difusão de conhecimento, conduzidos por seus pesquisadores e pelos bolsistas, focaliza-dos no fortalecimento do ensino médio e na educação científica da população em geral. Zago observa que esse cará-ter mais abrangente, cujos componentes apareciam de forma tênue nos Institutos do Milênio, inspirou-se no sucesso do modelo dos Centros de Pesquisa, Ino-vação e Difusão (Cepids), criados pela FAPESP em 2000 – um deles, o Centro de Terapia Celular (CTC), é comanda-do pelo próprio Zago, professor titular da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo. “Fui muito influenciado pela experiência dos Cepids, que garantem recursos vulto-sos e de longo prazo para alguns grupos concedendo um grau de liberdade que não é comum. Somos oito pesquisado-res principais no centro e não precisa-mos ficar elaborando projetos o tempo todo para garantir recursos – o canal para pedir e receber recursos é bem mais simples”, afirmou. O trabalho de difusão praticado pelos Cepids inclui a oferta de cursos para estudantes e professores do ensino médio e o estímulo à formação de pequenas empresas que incorporem os resultados das pesquisas.

O programa dos Institutos Nacio-nais de Ciência e Tecnologia terá cinco anos de duração. Ao final dos primeiros três anos, período coberto pela atual chamada de propostas, os institutos de-verão ser avaliados e os que estiverem funcionando bem poderão ganhar re-cursos para mais dois anos de operação. “O ideal seria dar um fôlego mais longo aos institutos, mas não podemos nos comprometer com um período mais longo do que três anos. Além do mais, outros gestores estarão encarregados de cuidar da política de ciência e tecnolo-gia dentro de três anos”, afirma Zago.

Na avaliação de Hernan Chaimo-vich, professor do Instituto de Quími-ca da USP que participou do Comitê Científico Internacional incumbido de selecionar as propostas vencedoras dos Institutos do Milênio, os Institutos Nacionais de Ciência e Tecnologia têm potencial para cumprir os objetivos ambiciosos traçados em 2001 que não se concretizaram com o vigor esperado. “Os Institutos do Milênio integravam um novo paradigma para o sistema de financiamento de ciência e tecnologia, baseado também na ampliação dos re-cursos por meio dos fundos setoriais, mas o governo mudou e a idéia não seguiu o caminho original”, explica. Ele lembra que o comitê científico do pri-meiro edital chegou a ser recebido pelo presidente da República, tal era a aposta no programa. “No segundo edital isso não aconteceu.” Chaimovich avalia,

contudo, que a importância e a responsabilidade atribuídas aos Institutos Nacionais superam as metas dos Institutos do Milênio. “O documento que justifica a criação dos institutos descreve um sistema de ciência e tecno-logia inédito, sofisticado e com metas claras, como não aconte-cia em 2001. E o papel dos ins-titutos nesse sistema ocupa uma posição alta de uma pirâmide em cuja base estão os grupos de pesquisa e os núcleos de ex-celência. Se vai dar certo, só com

bola de cristal, mas as chances de êxito são maiores até mesmo porque apren-demos muito com a experiência dos Institutos do Milênio e dos Cepids da FAPESP”, diz Chaimovich, que é coor-denador do programa dos Cepids.

Essa expectativa é compartilhada por grupos de pesquisa que estiveram vinculados aos programas dos Insti-tutos do Milênio. O pesquisador Mar-cos Antônio Machado, do Centro de Citricultura do Instituto Agronômico (IAC), coordenou entre 2001 e 2004 o Instituto do Milênio de Integração de Melhoramento Genético, Genoma Funcional e Comparativo de Citrus. Para ele, o lançamento dos Institutos Nacionais de Tecnologia consolida um modelo essencial para ampliar o impac-to da pesquisa feita no Brasil. “No nosso caso, a participação no programa per-mitiu um enorme salto de qualidade e uma abertura de novas frentes de traba-lho. Deixamos de ser um grupo de que fazia pesquisa aplicada na área agrícola para nos integrarmos a uma rede que produziu contribuições em ciência bá-sica. O grande impacto foi termos, pela primeira vez, uma produção conhecida internacionalmente”, afirma ele. A rede contou com 48 pesquisadores de seis instituições envolvidas no trabalho de mapear frutas cítricas, identificando os genes resistentes a doenças. O CNPq re-cebe propostas de grupos interessados até 18 de setembro. A seleção deve ser concluída em novembro. ■

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CIÊNCIA DA COMPUTAÇÃO

Diálogo possívelDissertação premiada de aluna da Unicamp permite a biólogos manipular dados colhidos com metodologias diversas

A capixaba Jaudete Daltio, de 25 anos, conquistou o primeiro lugar, na categoria dissertação, de um concurso anual promovido pela Sociedade Brasileira de Computação (SBC) que premia os melhores trabalhos brasileiros de iniciação científi ca, mestrado e doutorado nessa área do conhecimento. Trata-se de uma competição bas-

tante disputada, na qual centenas de candidatos submetem artigos resumindo suas contribuições e os dez melhores de cada categoria vão defender seu trabalho para uma banca de cinco professores. Bolsista da FAPESP, Jaudete concor-reu com 70 dissertações, num universo de cerca de 800 de-fesas de mestrado em 2007. Sua premiação, anunciada no 28º Congresso da SBC, realizado em Belém (PA) em julho, chamou atenção por duas circunstâncias. A primeira foi, naturalmente, a qualidade da dissertação. Orientada por Claudia Bauzer Medeiros, do Instituto de Computação da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Jaudete propôs e implementou um conjunto de algoritmos que resultaram em uma ferramenta capaz de ajudar biólogos a manipular bancos de dados sobre biodiversidade.

Existe uma difi culdade natural em usar tais informa-ções, porque elas são fornecidas por grupos de pesquisa distintos, que as coletam usando diferentes vocabulários e metodologias. Para ampliar a capacidade de fazer cor-relações entre informações de fontes diferentes, Jaudete vinculou os dados a ontologias, que, numa perspectiva computacional, representam conjuntos de conceitos de um domínio e seus relacionamentos. O sistema, batiza-do de Aondê (“coruja”, em tupi, uma referência à lingua-gem de representação de ontologias OWL, “coruja” em inglês), é um serviço web que oferece operações para armazenamento, gerenciamento, busca, ranking, análise e integração de ontologias. Suponha-se que um biólogo

>

queira saber as interações entre o inseto A e a planta B. Pois o sistema rastreia as informações e interações exis-tentes levando em conta não apenas os termos A e B, mas também o conjunto de conceitos pertinentes àque-les assuntos. “O trabalho de Jaudete permite que se des-cubram novas noções, correlacionando o trabalho de vários grupos de pesquisa, mesmo que usem vocabulá-rios diferentes”, diz Claudia Bauzer Medeiros. Antes de desenvolver o servidor de ontologias, Jaudete foi pesqui-sar algoritmos e sistemas existentes para entender por que não satisfaziam os biólogos. “Num trabalho de fô-lego, ela mostrou todos os defeitos que encontrou, em geral relacionados com promessas que as ferramentas não conseguiam cumprir”, diz Claudia.

A premiação de Jaudete também se destacou por um mérito involuntário. Ela foi a única mulher entre os 28 fi nalistas nas três categorias do concurso da SBC, em mais um sintoma do crescente e preocupante desinteresse das mulheres pela computação. “Não consigo compreender por que isso acontece, pois, para mim, a área é extrema-mente atraente”, diz Jaudete. “O intrigante é que o desin-teresse vem aumentando nos últimos anos. Atualmente estou trabalhando numa empresa, entre profi ssionais mais experientes, e a proporção de mulheres é maior do que a que eu encontrei na graduação”, afi rma.

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PESQUISA FAPESP 151 ■ SETEMBRO DE 2008 ■ 41

Fabrício Marques

O fenômeno é mundial e não tem explicações simples. Segundo dados compilados pela SBC, a participação das mulheres na pós-graduação em ciên-cia da computação atinge cerca de 30% do total de alunos, um índice razoável quando comparado ao padrão mundial. Já na graduação estima-se que a par-ticipação das mulheres tenha baixado de 30% há 15 anos para menos de 10% atualmente. Segundo Claudia Medeiros, umas das hipóteses mais corriqueiras é que as meninas sejam direcionadas pelos pais para outras carreiras. “A computação, na visão de muitos pais, não seria uma área muito interessante”, diz. Outra hipótese é que a mulher se interessa menos por atividades que não envolvem pessoas. “Se ela acha que tra-balhar com computação é mexer ape-nas com computador ou desenvolver programas, surge o desinteresse”, crê a pesquisadora. “Ocorre que essa imagem é falsa. A computação permeia todas as nossas atividades e é reconhecida co-mo o ‘terceiro pilar’ de sustentação da pesquisa científi ca, junto com os pilares da teoria e da experimentação. Daí a

co-coordenado por Thomas Lewinsohn, do Instituto de Biologia da Unicamp, fi -nanciado a partir de 2005 pela Microsoft. Após a defesa da dissertação, em agosto de 2007, Jaudete começou a fazer algu-mas disciplinas do doutorado e ainda está envolvida com a produção científi ca vinculada a sua pesquisa – que já lhe rendeu dois artigos em congressos e um artigo em um periódico internacional importante. Mas tem dúvidas se seguirá carreira acadêmica. Recentemente acei-tou uma oferta de emprego na fundação Centro de Pesquisa e Desenvolvimento em Telecomunicações (CPqD) e está entusiasmada com o trabalho. “É inte-ressante trabalhar com grandes equipes e acompanhar o ciclo de vida completo dos produtos que desenvolvemos”, afi r-ma. A orientadora lamenta, mas admite que a escolha da aluna faz sentido. “O mercado está aquecido, pagando mais a quem tem uma experiência profi ssio-nal do que a quem fez doutorado mas nunca trabalhou numa empresa”, diz Claudia Medeiros. ■

necessidade de mostrar para os jovens o que é a carreira”, afi rma. Empresas como a Intel, a Microsoft e a HP consideram fundamental garantir a diversidade de gêneros na pesquisa em alta tecnologia para se manterem competitivas global-mente. “Estatísticas norte-americanas indicam que patentes propostas por equipes mistas têm geralmente maior impacto”, diz Claudia Medeiros.

Bolsa - Natural de Cachoeiro do Itape-mirim (ES), Jaudete Daltio graduou-se em ciência da computação na Univer-sidade Federal de Viçosa, em 2005, e, infl uenciada por seus professores, ins-creveu-se para o mestrado da Unicamp. Com difi culdades para se manter em Campinas, procurou defi nir seu tema de pesquisa para concorrer a uma bolsa da FAPESP, que foi concedida. O servi-dor de ontologias já era previsto num projeto de sistemas de biodiversidade, capitaneado pela professora Claudia e

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LABORATÓRIO MUNDO>>

os genes dos machos mais fortes persistem ao longo do tempo: apenas em cinco comunidades foram encontradas poucas linhagens masculinas que se mostraram prevalentes por inúmeras gerações, nos últimos 3 mil anos. Nas demais esse padrão não foi detectado. “A evolução é um sistema de oportunidades iguais”, diz Michael Hammer, outro autor do estudo. “Nenhum grupo vai ser o dominante por muito tempo.”

Universidade do Arizona, em Tucson, Estados Unidos, que publicou artigo sobre o tema na revista científi ca PNAS de 19 de agosto. Com a ajuda de geneticistas e antropólogos, o pesquisador analisou o cromossomo Y – parte do genoma que apenas os homens passam para os fi lhos e que sofre poucas mutações de geração em geração – de 1.269 homens de 41 comunidades da Indonésia. Sua conclusão não bate com o mito de que

Os prótons – partículas

que compõem o núcleo

atômico – começaram

a fl uir pelos túneis do

Large Hadron Collider

(LHC), laboratório in-

ternacional de física

coordenado pelo Cen-

tro Europeu de Pesqui-

sas Nucleares (Cern).

Nos dias 9 e 10 de

agosto, físicos e enge-

nheiros dispararam um

feixe de prótons para

sincronizar os equipa-

mentos de transferên-

cia no sentido horário

de partículas para os

túneis principais com

os outros aparelhos do

LHC. Nos dias 23 e 24,

em outro teste, ava-

liaram os equipamentos de

transferência de prótons no

sentido anti-horário. Os dois

testes deram certo. Os físicos

esperam que, em breve, os

prótons começarão a colidir

e a mostrar características

inusitadas do comportamento

da matéria.

> Diamantes no fundo do mar

Diamantes brasileiros – de Juína, em Mato Grosso – ajudaram a mostrar o que se passa a 700 quilômetros abaixo da camada superfi cial de rochas (a crosta) que ampara os oceanos. A crosta oceânica pode absorver minerais, como os carbonatos. Caso a crosta afunde e chegue a regiões mais profundas e mais quentes, po deriam surgir outros minerais e mesmo diamantes. Para demonstrar essa teoria, um grupo liderado pela Universidade de Bristol, com a participação da Rio Tinto Desenvolvimentos Minerais, de Brasília, observou os diamantes de Juína, que contêm quantidades ínfi mas de minerais, e tentaram produzir outros iguais – ao menos, por enquanto, um deles, a perovsquita, que se forma em grandes profundidades (Nature de 31 de julho). Em laboratório, raios X ajudaram a criar a perovsquita e a entender melhor fenômenos que se passam no interior da Terra.

> Chances iguais de perpetuar os genes

Homens poderosos e ricos não têm mais chances de perpetuar sua linhagem

genética por muitas gerações do que seus contemporâneos com menor proeminência social. A conclusão é do matemático Joseph Watkins, da

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LHC: expectativa de boas colisões entre partículas

Perovsquita: agora também em laboratório

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PESQUISA FAPESP 151 ■ SETEMBRO DE 2008 ■ 43

> O cheiro do perigo

Cientistas suíços da Universidade de Lausanne decifraram um mistério que já durava 35 anos. Identifi caram uma região no nariz dos mamíferos que desempenha uma função vital para a sobrevivência de certos animais: sentir, literalmente, o cheiro de perigo. Esse papel é desempenhado pelos gânglios de Grueneberg, uma estrutura descoberta em 1973 em roedores que permaneceu esquecida por décadas, à qual ainda não se tinha atribuído nenhuma

chegar a essa conclusão, os pesquisadores retiraram a estrutura de roedores e os colocaram em um ambiente cheio de feromônios de alarme. Nesses casos era de esperar que os animais se mantivessem paralisados ou tentassem fugir do lugar, em resposta ao cheiro do perigo. Mas, por não terem os gânglios, os bichos simplesmente ignoraram os sinais de ameaça no ar e se comportaram de forma normal. Aparentemente, a estrutura só é responsável por detectar os feromônios de alarme, visto que as demais funções olfativas se mantiveram intactas nos roedores sem os gânglios (Science).

> Vírus são seres vivos?

Jean-Michel Claverie, virologista de um laboratório público francês, não tem mais dúvidas: os vírus são realmente seres vivos. O fato de que eles podem adquirir doenças causadas por outros vírus é um de seus argumentos para contestar a antiga afi rmação de que os vírus eram inanimados. Em estudo publicado na Nature de 7 de agosto, precedido por um artigo que inclui o comentário de Claverie, equipes de quatro centros de pesquisa francês e de um norte-americano mostraram, por meio de microscopia eletrônica, como vírus gigantes que infectam bactérias, conhecidos como mimivírus, podem ser, eles próprios, infectados por outros vírus chamados Sputinik, de apenas 21 genes.

Estrelas podem nascer em am-

bientes hostis como os arredores

de buracos negros, que engolem

tudo o que estiver por perto. A

conclusão nasceu de simulações feitas em computador e ajuda

a explicar a origem das populações de estrelas jovens ao redor

do centro da Via Láctea, onde deve haver um desses buracos

com uma massa 3,6 milhões de vezes maior que a do Sol. Nu-

vens de gás em rota de colisão com um buraco negro poderiam

sobreviver à intensa força gravitacional que transformaria as

nuvens em discos achatados como panquecas, dos quais as

estrelas se formariam. No início, porém, esse processo inibiria

a formação de estrelas, porque o buraco negro aqueceria e ras-

garia as panquecas de futuras estrelas, segundo estudo da Uni-

versidade de Saint Andrews, Reino Unido. Depois, as pequenas

porções de gás atrairiam mais gás, em quantidade sufi ciente

para iniciar a formação de novas estrelas (Science).

PANQUECAS DE ESTRELAS

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função. Os gânglios, que formam um amontoado de células nervosas, são especializados em reconhecer feromônios de alarme, moléculas odoríferas emitidas por animais diante de uma situação ameaçadora. Para

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Estrelas nascem também perto de buracos negros

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LABORATÓRIO BRASIL>>

> Livre do barbeiro, não de Chagas

Em 2006 o Brasil foi considerado pela Organização Pan-americana da Saúde o primeiro país da América Latina a eliminar o transmissor da doença de Chagas, o inseto Triatoma infestans, mais conhecido como barbeiro por picar no rosto de quem dorme. Foi um passo importante e digno de reconhecimento rumo

dos demais participantes da equipe. Essa é a principal conclusão de um estudo feito por pesquisadores da Universidade Federal do Rio Grande do Norte e da Universidade de São Paulo, que analisaram o comportamento de 232 estudantes de cinco escolas públicas de Natal. Com idade entre 5 e 11 anos, as crianças foram divididas em grandes e pequenos grupos e participaram de um jogo em que eram estimuladas a doar,

anonimamente, doces que seriam posteriormente partilhados com os demais integrantes da equipe. Entre as variáveis analisadas no trabalho, publicado em janeiro deste ano na Evolution and Human Behavior, apenas o tamanho do grupo produziu resultados estatisticamente signifi cativos no grau de altruísmo das crianças. Meninas e meninos exibiram o mesmo grau de cooperação no experimento.

> Grupos pequenos e cooperativos

Crianças em idade escolar tendem a ser mais altruístas e cooperativas quando colocadas em grupos pequenos, de no máximo 7 colegas, do que em equipes grandes, compostas de pelo menos 13 membros. Em grupos menores os alunos têm maior controle sobre o comportamento de seus pares e podem retaliar mais facilmente ações negativas

Psiquiatras do mundo todo enfren-

tam um dilema quando têm de tratar

uma grávida com depressão, um dos

problemas mais freqüentes de saúde

mental, que atinge as mulheres principalmente no auge da idade reprodutiva,

entre os 25 e os 44 anos. É que não se conhecem ao certo os danos que os

medicamentos antidepressivos podem provocar nos fi lhos – seja durante a

gestação, seja depois de adultos. A fi m de identifi car esses efeitos, Daniela

Ceccatto Gerardin, da Universidade Estadual de Londrina, e colaboradores

trataram camundongas prenhes com fl uoxetina, um dos antidepressivos

mais usados no mundo. No experimento, as roedoras receberam o medi-

camento durante a gestação e a amamentação da prole. Os pesquisadores

constataram que não houve mudanças nos órgãos sexuais dos fi lhotes

machos na vida adulta, sugerindo que a exposição à fl uoxetina no útero não

afetaria o funcionamento dos hormônios sexuais masculinos. No entanto

verifi cou-se que fi lhotes machos de camundongas tratadas com fl uoxetina

apresentavam alterações na motivação sexual. Guardadas as diferenças

entre os roedores e os seres humanos, esses resultados sugerem que an-

tidepressivos como a fl uoxetina podem afetar de modo duradouro a libido

(Pharmacology, Biochemistry and Behavior).

OS ANTIDEPRESSIVOS E A GRAVIDEZ

Depressão: problema comum na gestaçãoM

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PESQUISA FAPESP 151 ■ SETEMBRO DE 2008 ■ 45

à erradicação da doença de Chagas no país, mas apenas um primeiro passo. Apesar da eliminação do barbeiro, pelo uso de inseticidas, hoje, quase um século após Carlos Chagas ter identifi cado o ciclo completo da doença que leva seu nome, o país ainda não está livre da enfermidade. Tomando por base os 3,5 milhões de portadores da doença atualmente e considerando que não ocorrerá mais transmissão da enfermidade, o médico Eduardo Massad, da Universidade de São Paulo, calculou quanto tempo será necessário para erradicar o mal de Chagas. Resultado: ainda se passarão décadas até que o país esteja livre da doença (Epidemiology and Infection). Massad chama a atenção para o maior desafi o que há pela frente: o próprio sucesso. Os resultados já alcançados podem reduzir o interesse político e o orçamento para combater o problema. Não se deve brincar. Existe no país uma centena de espécies de animais que abrigam o parasita e a negligência das autoridades de saúde pode ser sufi ciente para a doença reaparecer em níveis elevados.

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Macho de Paratrechalea: pronto para a corte

> Presente de núpcias

Uma presa – geralmente um inseto – envolvida em fi os de seda é um ótimo presente para compor a corte nupcial de aranhas do gênero Paratrechalea. Um macho carrega a presa até encontrar uma fêmea e oferecer o presente. Encantada, ela aceita a ambos. Começa então a cópula. É ela que geralmente decide quando começar e quando terminar, quase sempre segurando o presente nupcial. Luiz Ernesto Costa-Schmidt e Aldo Mellender de Araújo, do Núcleo de Aracnologia

da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, e James Edwin Carico, do Lynchburg College, Estados Unidos, observaram durante um total de 180 horas os encontros sexuais de machos e fêmeas de Paratrechalea azul e Paratrechalea ornata. Eles descreveram em detalhes em um estudo recém-publicado na Naturwissenschaften o que acontece pouco antes e depois do presente. Esses observadores de aranhas acreditam que esse seja o primeiro registro de presentes nupciais oferecidos por espécies neotropicais.

> Fauna emplumada

Quando choca, o macho da ema acaba quebrando alguns ovos. Não é desastrado: o ovo derramado atrai insetos que serão a primeira fonte de alimento dos fi lhotes ao saírem do ovo. Os pequenos mergulhões navegam nas costas dos pais e assim não molham sua delicada penugem. Essas e outras curiosidades recheiam o livro Aves de Goiás, de José Hidasi. O livro, editado por Horieste Gomes e publicado pelas editoras da Universidade Católica de Goiás e Kelps, traz fotografi as de cerca de 500 espécies de aves, identifi cadas pelos nomes científi co e popular (em português e inglês), por seu tamanho e acompanhadas por um mapa com a distribuição no estado. É um registro do acervo de aves empalhadas que o ornitólogo húngaro Hidasi recolheu e produziu ao longo dos mais de 50 anos radicado em Goiânia e que se torna uma referência preciosa para quem se interessa pela fauna emplumada da região.

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Tucano: livro traz cerca de 500 espécies de aves

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Ameaça às metrópoles: cidades como São Paulo podem viver epidemia nos próximos anos

>CIÊNCIA

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Uma doença anunciadaInfecção letal causada por parasita de uma só célula, a leishmaniose visceral avança sobre as cidades brasileiras

Está chegando às grandes cidades brasileiras uma doença altamente letal, que atinge cerca de 3.100 pessoas por ano no país e mata em mais de 90% dos casos se não tratada de modo adequado: a leishmaniose visceral. Causada por um parasita de uma só célula – o protozoário Leishmania chagasi, que se aloja no interior das células de defesa do organismo e danifi ca o baço, o fígado e a medula dos ossos –, a leishmaniose visceral foi considerada por muito tempo um problema

exclusivamente silvestre ou restrito às áreas rurais do Brasil. Não é mais.Nas últimas três décadas as autoridades da saúde começaram a identifi car

os primeiros casos contraídos nas próprias cidades, inicialmente no Nordeste. De lá para cá, por razões ainda não bem compreendidas, a leishmaniose visceral urbanizou-se e se nacionalizou: atingiu cidades do Norte, do Centro-Oeste e do Sudeste. Já se espalhou por 20 dos 26 estados brasileiros – só a Região Sul parece livre do problema – e bate à porta das cidades de médio e grande porte. Pode chegar a metrópoles como Rio de Janeiro e São Paulo, que à semelhança das cidades medievais fortifi cadas podem não conter o avanço da leishmaniose com suas muralhas de casas e prédios.

Pouco mais de sete décadas depois de ter sido descrito pelo médico Evandro Chagas em um artigo na Science como o causador de uma nova forma de leishmaniose visceral, distinta da observada na Europa e na Índia, o parasita Leishmania chagasi e o inseto que o transmite aos seres humanos no Brasil continuam a desafi ar pesquisadores e autoridades públicas da saúde. Nesse período a população brasileira, que até o início do século passado era eminentemente rural, tornou-se urbana – hoje oito de cada dez brasileiros vivem na cidade – e migrou de uma região a outra atrás de trabalho. Para que as cidades surgissem foram consumidas 30% das matas do país, ambiente natural do parasita da leishmaniose, encontrado em animais como o cachorro-do-mato (Cerdocyon thous) e a raposa-do-campo (Lycalopex vetulus), e de seu transmissor, o inseto Lutzomyia longipalpis.

Ricardo Zorzetto

SAÚDE PÚBLICA

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Como resultado, a doen ça se es pa lhou e o nú-mero de casos aumentou. Em 1985 o parasitologista paraense Leônidas Deane, que integrou a comissão chefi ada por Chagas, con-tabilizou 8.959 registros de leishmaniose visceral no Brasil desde os primei-ros casos identifi cados por Henrique Penna em 1932. Esse quadro se agravou. O Ministério da Saúde regis-trou 53.480 casos de 1990 a 2007 – e 1.750 mortes. A leishmaniose visceral tam-bém está mais agressiva. Matava três de cada cem pessoas que a contraíam em 2000. Hoje morrem sete.

“Nos próximos cinco anos pode haver uma epi-demia na cidade de São Paulo”, alerta o médico sa-nitarista Carlos Henrique Nery Costa, da Universida-de Federal do Piauí (UFPI). Costa fala com a experiência de quem estuda a transmissão da leishmaniose visceral há quase 20 anos e investigou a fundo as causas da epidemia que marcou a urbanização recente da doença: os mil casos registrados em Teresina entre 1981 e 1985 – essa epidemia foi seguida de outra quase dez anos depois, com mais 1.200 casos.

Ao mesmo tempo que a capital piauiense tratava seus doentes e buscava entender as causas do problema, cidades a centenas de quilômetros dali – como São Luís, no Maranhão, Santarém, no Pará, Montes Claros, em Minas Gerais, e Corumbá, no Mato Grosso do Sul – assistiam à emergência da leishmaniose visceral. “A enfermidade surgiu nesses lugares como se brotasse do chão, sem um padrão defi nido”, diz Costa.

N o Centro-Sul do país foi diferen-te. Pouco depois de aumentarem os casos urbanos de leishmanio-

se visceral em Corumbá, no oeste do Pantanal sul-mato-grossense, fronteira com a Bolívia, a doença atravessou ra-pidamente o estado em direção a leste. No fi nal dos anos 1990 já havia atingido a capital, Campo Grande, e chegado a Três Lagoas, na divisa com São Paulo.

Em seu avanço, acompanhou o cami-nho do gasoduto Brasil-Bolívia, que segue o traçado do rio Tietê rumo à capital paulista, e da rodovia BR-262, que liga Corumbá ao Espírito Santo, constatou a equipe da epidemiologis-ta Suely Antonialli, da Escola de Saúde Pública Jorge David Nasser, em Campo Grande, em artigo publicado em 2007 no Journal of Infection.

De Três Lagoas, não demorou para que cruzasse o rio Paraná e se espalhas-se pelo noroeste paulista rumo à capi-tal. Desde a identifi cação da presença do inseto em 1997, da doença em cães em 1998 e do primeiro caso humano em Araçatuba em 1999, a leishmaniose visceral se estabeleceu no estado e vem se alastrando silenciosamente, seguindo o trajeto da rodovia Marechal Rondon (SP-300), a principal via de conexão entre o Mato Grosso do Sul e a capital paulista. Em quase dez anos o Centro de Vigilância Epidemiológica (CVE) de São Paulo registrou 1.258 casos em 79 municípios paulistas – e 112 mortes.

“No estado de São Paulo a doença vem descendo da região oeste para a leste e pode chegar à capital”, comen-ta a epidemiologista Vera Lucia Ca-margo-Neves, pesquisadora do CVE.

Analisando a dispersão da leishmaniose visceral, Vera Camargo constatou que a cada ano o parasita migra 30 quilômetros em direção a São Paulo, transportado por um inseto de apenas três milímetros e pernas e asas peludas: o Lutzomyia longipalpis, conhecido co-mo mosquito-palha, biri-güi, cangalha ou tatuquira.

Diante desses dados, a previsão de que cedo ou tar-de a doença alcance a maior metrópole da América do Sul, onde vivem 19 milhões de pessoas, não é tão absurda quanto pode parecer. Há dois anos o sistema de vigilância identifi cou uma criança com leishmaniose visceral na Vi-la Prudente, bairro da zona paulistana. Pouco divulgado pela Secretaria de Estado da Saúde, o caso permanece sob investigação, pois ainda não se sabe como surgiu.

Não foi o primeiro. Outros dois foram detectados 30 anos atrás por Lygia Iversson, na época pesquisado-ra da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (USP). Em 1979 Lygia identifi cou um portador de leishmaniose visceral em Diadema, na Grande São Paulo. Dois anos antes ela havia registrado outra infecção, dessa vez em um menino de 2 anos que jamais tinha deixado a capital.

Até o momento, os três casos per-manecem sem explicação, uma vez que nos 39 municípios da Região Metropo-litana de São Paulo não foi encontrado o inseto transmissor, embora em 2002 tenha sido registrada a transmissão de Leishmania chagasi entre cães nos mu-nicípios de Cotia e Embu. Nesses casos foram capturadas outras espécies de insetos do gênero Lutzomyia, portado-res do parasita Leishmania braziliensis, causador da forma mais comum e menos grave da doença: a leishmaniose cutâ-nea, que deixa lesões e úlceras de aspecto desagradável na pele. “Existe a suspeita de que o inseto capturado na Grande São Paulo seja de uma espécie que só transmite a leishmaniose entre cães”, diz o epidemiologista Luiz Jacintho da Silva, superintendente da Sucen à época em

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que foram detectados os primeiros casos no estado e que desde então acompanha o problema. “Não há certeza de que a leishmaniose visceral chegará à cidade de São Paulo”, diz.

Ainda que não alcance a capital, a dis-seminação da enfermidade em cidades de médio e grande porte, como Bauru, no interior de São Paulo, e Belo Horizonte, em Minas, preocupa as autoridades da saúde. É que quanto maior o número de pessoas na região em que há o parasita e seu transmissor, maior o risco de contrair a doença. E as três principais medidas de controle adotadas há meio século – uso de inseticidas, eliminação de cães doentes ou suspeitos de estarem infectados e tra-tamento dos casos humanos – não têm se mostrado capazes de conter a expan-são da doença. “A leishmaniose visceral mata cerca de 200 pessoas por ano, mais do que a malária e a dengue juntas, e é mais difícil controlá-la do que havíamos imaginado”, diz Costa, da UFPI.

S uspeita-se de que as migrações in-ternas – em especial do Nordeste para o Sudeste – tenham favorecido

o espalhamento da leishmaniose visce-ral no país. Mas outros fatores podem ter colaborado. O parasitologista inglês Jeffrey Jon Shaw, que há 43 anos mora no Brasil e estuda o ciclo de vida dos protozoários do gênero Leishmania e de seus transmissores, acredita que o inse-to transmissor da leishmaniose visce-ral se adaptou muito bem às cidades. “Estamos criando ambientes propícios à proliferação do vetor, como umidade e muita comida”, afi rma Shaw, professor aposentado da USP e hoje pesquisador da Fundação Tropical de Pesquisas e Tec-nologia André Tosello, em Campinas.

Ainda não é possível identifi car um pa-drão de disseminação para todas as áreasdo país. Não se sabe se as populações de insetos que hoje estão na periferia de mui-tas cidades já existiam nessas áreas ou se migraram de regiões com vegetação mais bem preservada. Shaw acredita em ambas as possibilidades. “Em Belo Horizonte é quase certo que houve uma invasão de mosquitos na periferia, mas em outros estados pode ter ocorrido a expansão de populações que viviam nas matas que margeiam os rios”, comenta o parasi-tologista, que investiga a dinâmica das populações de Lutzomyia em São Paulo, Mato Grosso do Sul e Pernambuco.

Lax resinannn especial utilizada en la fabricación de hilos y fi brnn de colchonesAo lado do perigo: população elevada de cães aumenta risco de transmissão

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Costa, da UFPI, tem um palpite diferente. Para ele, a disseminação do inseto trans-missor da doença está associa-da ao uso de árvores exóticas como as acácias, de folhas miúdas e fl ores amarelas, nos projetos de urbanização das cidades. Há motivos para a suspeita. Teresina havia sido arborizada com acácias na época da primeira epidemia, nos anos 1980. Nessa época outra epidemia arrasadora, que deixou 100 mil mortos no Sudão, afetou principalmente as famílias que moravam em bosques de acácias, possível fonte de néctar para os insetos. Também há indícios de que o néctar de certas plantas favore-ça a proliferação dos parasitas no intestino dos insetos.

Ainda é preciso provar se de fato isso ocorre no Brasil, mas é certo que, com a redu-ção das áreas de vegetação na-tural, os insetos se adaptaram aos parques e aos quintais de casas, comuns no interior. Di-ferentemente do mosquito da dengue (Aedes aegypti), que precisa de água para se repro-duzir, a fêmea do Lutzomyia longipalpis põe seus ovos em superfícies úmidas, como pedras e folhas em contato com a terra. Depois que os ovos eclodem, as larvas se alimentam de matéria orgânica encontrada no solo até se transforma-rem em insetos adultos. Já com asas e o resto do corpo formados, os adultos se alimentam do néctar das plantas e pousam, sempre com as asas levanta-das, em áreas úmidas e sombreadas. Ao entardecer as fêmeas saem em busca do sangue necessário para colocarem seus ovos. Fazem vôos curtos, aos saltos, e picam as partes descobertas do corpo.

Na dolorosa picada, a fêmea faz um pequeno corte na pele e injeta saliva e substâncias que aumentam o calibre dos vasos sangüíneos e impedem a coagulação do sangue. Durante a refeição, regurgita formas do parasita que só se reproduzem em seu aparelho digestivo. Uma vez no sangue, o parasita se aproveita do próprio mecanismo de ação do sistema de defesa e se oculta antes de invadir outras células e se reproduzir, segundo descoberta recente.

A equipe de David Sacks, dos Institu-tos Nacionais de Saúde dos Estados Uni-dos, colocou fêmeas do inseto Phleboto-mus duboscqi portadoras de Leishmania major, capaz de infectar animais de labo-ratório, para se alimentarem na orelha de camundongos. Com o um microscópio que permite fazer imagens dos tecidos de animais vivos, acompanharam o com-bate aos parasitas. Tão logo o sistema imunológico dos roedores identifi cou a invasão, células de defesa chamadas neutrófi los se deslocaram até a região da picada. Em pouco mais de meia hora os neutrófi los já haviam engolfado a maior parte dos parasitas e tentavam destruí-los com um banho de enzimas digestivas. Como vivem por apenas umas poucas horas, os neutrófi los são depois digeri-dos por uma segunda leva de células de defesa, os macrófagos, uma espécie de turma da limpeza.

Os pesquisadores observaram que, após a morte dos neutrófi los, parasitas vivos se aproximavam dos macrófagos, células nas quais se alojam e se reprodu-

zem. Em artigo publicado em 15 de agosto na Science, a equipe de Sacks chamou a estratégia de cavalo-de-tróia, em referência à tática usada pelos gregos para transpor as muralhas de Tróia, na guerra narrada por Homero. É provável que esse mesmo disfarce permita ao Leish-mania chagasi penetrar nos macrófagos do ser humano e de outros mamíferos e gerar danos no fígado, no baço e na medula óssea, de-bilitando o sistema de defesa e provocando os sinais típi-cos da leishmaniose visce-ral – febre intermitente que dura semanas, inchaço do baço e do fígado, perda de apetite e fraqueza. “Em todo o país, os médicos têm de es-tar atentos a esses sintomas”, afi rma Costa. “Se o paciente apresenta febre prolongada sem razão aparente, palidez e baço aumentado, deve-se pedir um exame de medula óssea para eliminar a suspei-ta de leishmaniose.”

Do ponto de vista da saúde pública, a saída é

tentar controlar a população do mos-quito-palha por meio da aplicação do inseticida deltametrina nos focos de leishmaniose. Mas nem sempre essa me-dida, hoje a cargo dos municípios, é efi -caz. Com ação de três meses, o inseticida tem de ser aplicado parede por parede das casas e nem sempre os insetos mor-rem. Às vezes, só tombam no chão para mais tarde levantarem vôo novamente. “Não se conhece uma forma de aplicar o inseticida que atinja maior número de insetos”, conta Vera Lúcia, do CVE.

A chegada do mosquito-palha às ci-dades foi acompanhada de um compli-cador. Com a sombra e a terra fresca dos quintais, o inseto encontrou uma for-midável fonte de sangue que as pessoas gostam de manter ao seu lado: o cão, que contrai a infecção facilmente e se torna tão debilitado quanto seus donos.

Para controlar o avanço da leishma-niose, o Ministério da Saúde determina a eliminação dos cães infectados. É uma medida polêmica que, isolada, não é su-fi ciente. Em vários estados a população

Leishmania chagasi: forma encontrada no inseto (no alto); acima forma (pontos escuros) que se aloja nos macrófagos

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de cães é alta – em São Paulo há um para cada quatro pessoas, enquanto a Orga-nização Mundial da Saúde sugere que a relação ideal é de um para dez – e a taxa de infecção chega a 20% dos animais em alguns municípios. Há ainda a resistência dos donos a entregar o amigo fi el para o sacrifício. “As pessoas só dão os cães quan-do descobrem que alguém na vizinhança morreu com leishmaniose visceral”, conta a veterinária Maria Cecília Luvizotto, da Universidade Estadual Paulista (Unesp) em Araçatuba, que identifi cou o primeiro cão infectado em 1998.

E studos feitos em diferentes cidades indicam que cerca da metade dos cães identifi cados com leishmanio-

se é eliminada. Veterinários e grupos protetores dos animais criticam a es-tratégia porque os testes diagnósticos podem falhar em algumas situações. “O teste não permite distinguir leish-maniose visceral de cutânea ou se o cão foi vacinado contra a doença”, diz a parasitologista Célia Gontijo, da Fun-dação Oswaldo Cruz (Fiocruz) em Belo Horizonte. “O teste ainda pode sugerir que o animal está com leishmaniose quando, na realidade, pode ter doenças curáveis, como a babesiose.”

Na tentativa de reduzir os enganos, Olindo Martins Filho e Renata Andrada, da Fiocruz mineira, desenvolveram um teste que permite diferenciar o resulta-do positivo provocado pela infecção do causado pela vacina, descrito em 2007 na Veterinary Imunology and Immunopatho-logy. Atualmente eles tentam usá-lo para distinguir a forma visceral da cutânea. A própria Célia obteve resultados mais precisos que os de testes tradicionais, usando a técnica de reação em cadeia da polimerase (PCR), que identifi ca o DNA do parasita.

Outros grupos testam o uso de co-leiras com deltametrina, que manteriam os insetos longe dos cães por meses. A coleira custa cerca de R$ 60 e precisa ser trocada de tempos em tempos. Em 2004, Richard Reithinger, da Fiocruz em Mi-nas, comparou o uso da coleira com a eutanásia. Mostrou que a coleira é uma alternativa viável, se as pessoas a usarem corretamente.

Na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), a equipe de Clarisa Pa-latnik de Sousa desenvolveu uma vacina com base em antígenos do parasita que

vem sendo usada apenas em clínicas particulares. Em 2003 a vacina recebeu liberação do Ministério da Agricultura – o Ministério da Saúde, responsável pelo controle da leishmaniose, ainda não autorizou seu uso como medida de proteção em massa. A principal crítica à vacina era ter sido testada apenas em pequenos grupos de animais. A decisão das autoridades da saúde pode mudar agora com a publicação dos testes mais recentes na Vaccine de agosto. Clarisa acompanhou por dois anos dois grupos de cães (550 vacinados e 588 não-vaci-nados) em Andradina, cidade no inte-rior de São Paulo onde a leishmaniose visceral é endêmica. A vacina protegeu os animais em 99% dos casos.

Alguns especialistas vêem na vacina preventiva uma saída para proteger os cães, uma vez que o Ministério da Saúde proibiu em julho o uso de medicamen-tos humanos para tratar a leishmaniose canina. Há motivos para a precaução. Embora melhorem clinicamente, os cães não são curados e podem continuar a transmitir o parasita para os insetos que o picam. Também há o risco de o trata-mento promover a seleção de cepas do Leishmania chagasi resistentes aos medi-camentos humanos – antimonial penta-valente, anfotericina B e pentamidina.

Após décadas sem novos compostos para tratar seres humanos, um estudo publicado em junho na Plos Neglected Tropical Diseases mostra um avanço importante. Na USP, os parasitolo-

> Artigos científicos

1. CHAGAS, E. Visceral leishmaniasis in Brazil. Science. v. 84 (2183), p. 397-398. 30 out. 1936.2. PETERS, N.C. et al. In vivo imaging reveals an essential role for neutrophils in leishmaniasis transmited by sand flies. Science. v. 321. p. 970-974. 15 ago. 2008.

Evandro Chagas: investigação de casos em 1936, no Pará

gistas Silvia Uliana e Danilo Miguel comprovaram que o tamoxifeno, usa-do na terapia e na prevenção do cân-cer de mama, é efi caz no combate à infecção por Leishmania amazonensis em camundongos. Agora eles se pre-param para repetir os testes contra a Leishmania chagasi em hâmsters, antes de avaliar os efeitos em um pequeno número de pacientes. A vantagem do tamoxifeno sobre drogas novas é que seu mecanismo de ação já é conhecido e sua segurança já foi demonstrada. “Ain-da assim”, afi rma Silvia, “são necessários três anos de estudos”.

Entre os compostos em teste contra a leishmaniose, pelo menos um foi de-senvolvido inteiramente no Brasil pe-la rede de pesquisas Farmabrasilis. É o P-MAPA, sigla de anidrido polimérico de fosfolinoleato de magnésio e amô-nio protéico, que em testes no Brasil e nos Estados Unidos mostrou ser efi caz contra a bactéria Listeria monocytoges, cujo mecanismo de sobrevivência no organismo é semelhante ao dos proto-zoários do gênero Leishmania. ■

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Mata Atlântica: árvores absorvem pelas folhas a umidade da neblina

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Equipes de Brasília e Campinas identifi cam estratégias de árvores para garantir o suprimento de água | Reinaldo José Lopes

Em dias de neblina intensa ou umidade do ar muito elevada, certas árvores usam um me-canismo diferente para extrair do ambiente a água de que necessitam para se manterem vivas, crescerem e se reproduzirem. Em vez de absorverem apenas pelas raízes a água dispo-nível no solo, também retiram vapor d’água

da atmosfera por meio de suas folhas. “Esse recurso pode permitir às plantas sobreviver a períodos em que a água disponível é pouca”, explica o biólogo Rafael Silva Oliveira, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Recentemente ele identifi -cou essa capacidade de sorver água pelas folhas em árvores da Floresta Amazônica e da Mata Atlântica que fl orescem a mais de mil metros acima do nível do mar no litoral de São Paulo.

Até então desconhecido entre espécies da fl ora brasileira, esse fenômeno não é novo. Em 2004 o bió-logo Todd Dawson, da Universidade da Califórnia em Berkeley, Estados Unidos, havia descrito essa estraté-gia de hidratação em uma das árvores mais altas do mundo: a sequóia (Sequoia sempervirens), que alcança até 115 metros de altura e vive mais de 2 mil anos. Embora ainda não se saiba ao certo como ocorre a absorção pelas folhas – que não são impermeáveis como se imaginava –, Dawson demonstrou que elas captam até 30% da água que as sequóias consomem ao longo do ano. Na Califórnia as fl orestas formadas por essas árvores possivelmente nem existiriam caso as folhas das sequóias não fossem capazes de extrair da neblina parte da água de que precisam. “Lá chove pouco, num nível parecido com o da Caatinga no Bra-sil”, afi rma Oliveira, especialista em ecologia vegetal da Unicamp que há quase uma década trabalha em parceria com Dawson.

Folhas que funcionam como esponjas não são o único recurso que permitiram às plantas se adaptarem

>

ao longo de milhares de anos aos diferentes ambientes do planeta. Em estudos em paralelo desenvolvidos nos últimos anos, Oliveira e o biólogo Augusto Cesar Fran-co, da Universidade de Brasília (UnB), identifi caram em árvores do Cerrado, da Floresta Amazônica e da Mata Atlântica outras estratégias que lhes permitem lidar com a escassez ou a abundância de água. “O Cerrado, por exemplo, é um ecossistema com grande biodiversi-dade. Há de 60 a 70 espécies de árvore em uns poucos hectares”, diz Franco. “Cada espécie pode ter desenvol-vido estratégias diferentes para captar água.”

Nos ambientes com escassez de chuva durante alguns meses do ano a estratégia aparentemente mais interessante desenvolvida pelas árvores é a redistribui-ção hidráulica: as raízes extraem água das camadas mais úmidas do solo e a depositam nas mais secas. Descrito por Martyn Caldwell e James Richards no fi nal dos anos 1980 em plantas de regiões desérticas, esse fenômeno foi observado recentemente por Olivei-ra e Franco em árvores de ecossistemas brasileiros.

Na estação seca algumas espécies de árvore do Cerrado e da Floresta Amazônica sorvem água das camadas mais profundas – e também mais úmidas – do solo e a depositam perto da superfície. Além das próprias árvores que fazem esse transporte de água, outras plantas com raízes mais curtas também são benefi ciadas por terem acesso à umidade que não conseguiriam alcançar. “Na estação seca, os primeiros 50 centímetros de solo se tornam quase muito secos após um mês sem chuva, enquanto as áreas mais fundas permanecem relativamente mais úmidas”, afi rma Franco, cujo trabalho de campo envolve prin-cipalmente o Cerrado do Distrito Federal, em áreas como a Reserva Ecológica do Instituto Brasileiro de Geografi a e Estatística (IBGE).

Franco explica que, no Cerrado, onde são comuns solos profundos e pouco pedregosos, nos quais a plan-

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ta consegue penetrar mais facilmente, as raízes de certas árvores podem descer cerca de 10 metros em busca da água que sobrou da estação chuvosa mais recente. A essa profundidade, a dife-rença de umidade entre a raiz e o solo é tal que o líquido naturalmente passa para a planta como uma esponja seca mergulhada em uma bacia de água. No solo raso a situação se inverte e são as raízes que perdem água para a terra.

Funcionando como uma bomba-d’água natural, esse mecanismo de distribuição de água depende de dois tipos de raiz, que desempenham tarefas complementares. A raiz principal – em geral mais espessa, com diâmetro se-melhante ao do caule – pode crescer vários metros abaixo da terra na ver-tical em busca da água depositada nas camadas profundas do solo. Já as raízes superfi ciais se espalham como os bra-ços de um polvo a poucos centímetros de profundidade.

Sol e chuva - Durante o período mais seco a raiz principal de árvores do Cer-rado e da Amazônia mergulha fundo em busca da água que sobrou da chuva mais recente e a leva até as raízes su-perfi ciais, que, por sua vez, a depositam nas camadas menos profundas do solo. Com a chegada da estação chuvosa a situação se inverte: as raízes superfi -

ciais absorvem a água das chuvas e a transferem para a raiz principal, que a armazena vários metros abaixo da su-perfície. “As raízes das árvores são con-dutos passivos”, comenta Oliveira. “Elas exercem um controle no transporte de água e nutrientes que varia de acordo com as condições do ambiente.”

É relativamente fácil determinar de onde a água da seiva da planta vem por meio da medição das proporções de duas formas do hidrogênio encontrado na água: o deutério, que apresenta no núcleo uma partícula de carga elétrica

positiva (próton) e outra sem carga (nêutron), e o hidrogênio comum, o elemento químico mais abundante no Universo, formado por apenas um próton. Se a planta sorve preferencial-mente água do solo profundo, pobre em deutério, sua seiva conterá teores mais baixos desse elemento.

Também é possível determinar se o fl uxo de água se dá do solo para as raízes ou das raízes para o solo usando uma técnica que mede a dispersão do calor por meio de sensores instalados nas raízes das árvores. “Chegávamos a cavar até 50 centímetros em volta das raízes laterais ou da raiz principal para instalar um aquecedor alguns milíme-tros abaixo da casca”, conta Oliveira. O aquecedor é colocado entre dois sensores de calor, um deles disposto um pouco acima e o outro um pouco abaixo das raízes verticais. A maneira como o pulso de calor se propaga pela raiz (aquecendo mais o sensor de cima ou o de baixo) permite estabelecer a di-reção predominante do fl uxo de seiva. A repetição desse procedimento a cada meia hora revela um retrato da redistri-buição hidráulica ao longo do ano.

Embora a redistribuição hidráulica tenha sido elucidada há mais de uma década, a vantagem adaptativa que ela proporciona às plantas que têm esses dois sistemas de raízes permanece um

Cerrado: umidade acumulada em solos profundos ajuda a sobreviver à seca

Ação integrada: raiz principal coleta água e distribui para as superfi ciais

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tanto nebulosa. “Ainda estamos testando hipóteses”, afi rma Franco, cujo trabalho mais recente sobre o tema foi publicado em janeiro deste ano na revista Tree Phy-siology. A principal delas é que, embora o transporte de água das regiões mais profundas para a superfície faça a planta perder alguma umidade, ele ajuda a man-ter vivas e funcionais as raízes que estão poucos centímetros abaixo do chão.

Benefício duplo - A saúde dessas raí-zes é importante porque são elas que fazem a maior parte do trabalho de absorção de nutrientes, em especial num solo relativamente pobre, como o do Cerrado – quando mais fundo, há menos nutrientes disponíveis. “Mesmo na seca essas raízes teriam acesso à água e à atividade de microorganismos do solo, indispensáveis para a fi xação de nutrientes”, diz o pesquisador da UnB. Uma possível desvantagem é que, ao umedecer o solo superfi cial, as árvo-res também podem favorecer espécies competidoras. “Temos evidências de que algumas plantas sem o sistema du-plo de raízes usam a umidade trazida para o solo superfi cial pela redistribui-ção hidráulica. Mas ainda não se pode dizer se a sobrevivência delas depende dessa água”, diz Oliveira.

Estratégias mais efi cientes de busca por água se justifi cam não apenas no Cerrado, caracterizado por uma esta-ção seca que vai de maio a setembro na qual é comum não chover durante três meses. Também são necessárias na Amazônia. “Na Amazônia quase me-tade das fl orestas cresce sob um clima com estação seca bem defi nida”, afi rma o biólogo da Unicamp.

Cinco anos atrás Oliveira analisou na Floresta Nacional do Tapajós, no Pa-rá, região que recebe 2 mil milímetros de precipitação anual (500 milímetros a mais que o Cerrado do Distrito Fe-deral), o transporte de água em três espécies de árvore representantes da estrutura da Floresta Amazônica: a ca-ferana (Coussarea racemosa), que cresce à sombra das árvores mais altas; o breu (Protium robustum), que chega a 20 metros de altura e integra a parte média do dossel, onde as copas das árvores se encontram; e a maçaranduba (Mani-lkara huberi), que alcança mais de 40 metros e pode ultrapassar o dossel. As três espécies realizavam redistribuição

hídrica como as árvores do Cerrado – das zonas profundas para a superfície na estação seca e da superfície para o fundo na chuvosa –, segundo estudo publicado em 2005 na Oecologia.

Na Amazônia a redistribuição hí-drica permite que as árvores eliminem água pelas folhas – ou transpirem, co-mo dizem os botânicos – a uma taxa tão elevada que infl uencia até mesmo o clima da região. “Na estação seca, a redistribuição hídrica leva a transpi-ração a aumentar cerca de 30%. Isso faz com que a temperatura do ar na Amazônia seja bem mais baixa que a es-perada para essa época do ano”, afi rma Oliveira, que descreveu esses resultados em 2005 em um artigo dos Proceedings of the National Academy of Sciences.

Franco e Oliveira também estão aju-dando a desfazer o mito de que as plan-tas não realizam trocas de gases à noite. Eles encontraram evidências de que, na estação seca, árvores do Cerrado, da Amazônia e da Mata Atlântica mantêm parcialmente abertas durante à noite os estômatos, estruturas microscópicas das folhas responsáveis pela absorção de gás carbônico do ambiente e pela liberação de oxigênio para a atmosfe-ra. É uma observação inesperada, uma vez que os estômatos abertos deixam escapar água e o gás carbônico absor-vido só é utilizado para a fotossíntese na presença de luz. “Por estarem com os estômatos abertos, podem iniciar a fotossíntese mais rapidamente quan-do o dia começa”, diz Franco. Como a abertura dos estômatos controla o fl uxo de água na planta, outra possível expli-cação é que mantê-los abertos à noite favoreça a obtenção de nutrientes em regiões onde o solo é pobre. ■

> Artigos científicos

1. OLIVEIRA, R. S. et al. Hydraulic redistri-bution in three Amazonian trees. Oecologia. v. 145, n. 3, p. 354-363. set 2005. 2. SCHOLS, F. G. et al. Hydraulic redistribu-tion of soil water by neotropical savanna trees. Tree Physiology. v. 22, p. 603-612. 2002.

Amazônia: vapor d’água liberado pela fl oresta infl uencia o

clima regional

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Nononoon de Nonononon

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Pesquisadores que estudam os recifes de corais do Parque Nacional Marinho dos Abrolhos, a mais antiga reserva natural dos mares brasileiros, acreditavam co-nhecer bem a área, até que em 2000 pes-cadores locais avisaram que havia recifes profundos fora dos mapas. Foram ver e

encontraram novas terras submarinas: a área de recifes conhecida em Abrolhos dobrou e vem per-mitindo conhecer como aquele trecho do litoral se formou ao longo dos últimos milênios. “Essa descoberta casual gerou um projeto ambicioso”, conta o biólogo Rodrigo Moura, coordenador do programa Marine Management Area Science da Conservação Internacional (CI) do Brasil.

Formado por cinco ilhotas de origem vulcâ-nica a 70 quilômetros da costa no sul da Bahia, o parque abriga mais do que as baleias-jubarte, que atraem turistas entre julho e novembro. Ali estão os chapeirões, estruturas em forma de cogumelo cujos topos às vezes se unem e formam colunatas por onde circulam barracudas, garoupas, moréias e pequenos peixes coloridos. Das 16 espécies de coral de Abrolhos, metade é exclusiva do Brasil, como o coral-cérebro (Mussismilia braziliensis), principal construtor de recifes na região. O banco dos Abro-lhos, maior conjunto de recifes do Atlântico Sul, é maior que os 900 quilômetros quadrados preser-vados. No total são 40 mil quilômetros quadrados, área semelhante à do Espírito Santo, que só agora começa a ser investigada a fundo.

O grupo de Moura explorou o fundo do mar ao longo de 100 quilômetros da costa – entre a foz do rio Jequitinhonha, sul da Bahia, e a do rio Do-ce, norte do Espírito Santo –, em 19 linhas que partiam do litoral mar adentro, até a queda da plataforma continental, onde a profundidade au-menta subitamente. “Percorrer cada uma dessas linhas demorava dois dias”, lembra o geólogo Alex Bastos, da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), que participou de algumas expedições no barco equipado com um sonar que produzia ima-gens tridimensionais do fundo do oceano.

ECOLOGIA

Novas terrasÁrea de recifes de coraisem Abrolhos é duas vezes maior do que se pensava

Maria Guimarães

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arinas

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O geólogo da Ufes se surpreendeu por encontrar, a profundidades de até 50 metros, paleocanais formados há cerca de 15 mil anos, quando o que hoje é coberto por mar era terra. “Esses canais indicam por onde os rios passavam naquela época”, explica. Como estão preservados, sugerem que o nível do mar subiu rapidamente na região.

O grupo selecionou pontos de destaque nas imagens do sonar e retornou com um robô capaz de fi lmar locais a que um mergulhador teria difi culdade de descer. As imagens do robô mostraram corais-negros, típicos de águas profundas, pela primeira vez registrados na região, e algas calcáreas, com um esqueleto de carbonato de cálcio que lembra seixo. Em setembro os pesquisadores pretendem usar o robô para investigar outras áreas dos recifes e mergulhar a 90 metros, a fi m de verifi car se há corais por ali. Paulo Sumida, ocea-nógrafo da Universidade de São Paulo (USP) que coordena a análise dos dados biológicos, deve instalar nos recifes câmeras que automaticamente registram uma imagem por hora, a fi m de estudar a dinâmica da vida marinha ali.

Embora o levantamento ecológico esteja no início, Ro-drigo Moura e o biólogo Ronaldo Francini-Filho, da Universidade Estadual da Paraíba (UEPB), já consta-

taram que os recifes profundos abrigam uma biomassa de peixes com valor comercial 30 vezes maior do que os rasos. Em artigo a ser publicado na Aquatic Conservation: Marine and Freshwater Ecosystems, eles compararam a população de peixes de recifes profundos e rasos – alguns protegidos e outros com acesso livre para pescadores. Viram que áreas com restrição à pesca são mais ricas em peixes carnívoros de grande porte, como a garoupa, em geral os primeiros a de-saparecer das áreas de pesca, que demoram até 40 anos para chegar à idade adulta. Com o escasseamento dos grandes carnívoros , os pescadores passam a capturar os herbívoros, como os budiões. O problema é que, sem budiões, as algas cobrem os recifes e os corais morrem.

Hoje menos de 1% da área de Abrolhos está protegida. E não há planos de preservação dos recifes profundos. Se-gundo Francini-Filho, seria preciso preservar 20% de cada zona para manter a biodiversidade. As reservas marinhas benefi ciam todos. Como os limites só valem para as pessoas, a população de peixes aumenta rapidamente e muitos mi-gram até 1.200 metros fora das reservas, de acordo com publicado on-line na Fisheries Research.

Mesmo em áreas protegidas, parte dos corais de Abro-lhos se encontra ameaçada. Francini-Filho constatou que uma bactéria – provavelmente do gênero Vibrio, que chegou a Abrolhos em 2005 – está matando sobretudo o coral-cérebro. Os pesquisadores estimam que, se nada for feito, em cem anos só restarão 40% dos corais dessa espécie em Abrolhos. É uma estimativa otimista. Se a temperatura da água subir 1° Celsius por causa do aquecimento global, bas-tarão de 50 a 70 anos para extinguir os corais de Abrolhos. Com mais calor as bactérias proliferam mais depressa e surgem outros problemas como o branqueamento, decor-rente da morte de microalgas que vivem no interior dos corais. Conter o aquecimento global requer ação de todos os países, mas é possível reduzir o nível de bactérias com a coleta e o tratamento do esgoto das cidades costeiras. ■

Florestas submersas: recifes abrigam grande variedade de peixes, como o budião (à esquerda), hoje comercializado por pescadores

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QUÍMICA

Mais sabor no chocolate

Uma receita criada no interior paulista pode melhorar a qualidade fi nal do cacau nacional destinado à fabricação de chocolate. Uma equipe de pesquisadores da Univer-sidade de São Paulo (USP) em Piracicaba acredita ter encontrado uma forma de reduzir um dos traços menos atraentes das sementes desse fruto plantado em solo brasileiro: sua elevada acidez. A característica indese-

jada deriva da fermentação incompleta das amêndoas de cacau, processo que normalmente ocorre de maneira espontânea nas próprias fazendas produtoras, desencadeado por fungos natu-ralmente presentes nos frutos. Para contornar esse problema, os cientistas criaram um kit de fermentação, do qual faz parte uma levedura híbrida da espécie Kluyveromyces marxianus. Dessa forma obtiveram um maior controle dessa etapa produtiva e diminuíram em cerca de 25% a acidez da massa de cacau.

“O kit é simples, mas funciona bem”, diz o engenheiro agrô-nomo Flavio Tavares, da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq), especialista em genética de microorganismos e criador da nova levedura. O kit foi testado em pequena escala em duas fazendas da região de Ilhéus, no sul da Bahia, tradicional zona cacaueira, e a qualidade do chocolate obtido a partir do cacau fermentado com a cepa K. marxianus foi, segundo tes-tes feitos pelos cientistas com 30 consumidores, superior ao do chocolate produzido com cacau fermentado de forma natural. Os resultados do trabalho estão relatados na edição de agosto da revista científi ca FEMS Yeast Research. Para proteger seu método de fermentação, os pesquisadores pediram uma patente no Ins-tituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI).

Etapa que antecede a conhecida secagem das amêndoas de cacau, a fermentação é responsável por gerar precursores dos aromas, sabores e até da cor associados ao chocolate. Sem uma fermentação adequada, não se obtém uma boa massa de cacau, ingrediente indispensável num chocolate de nível superior. Ca-cau não plenamente fermentado costuma resultar em chocolates com sabor mais verde, mais ácido, pouco apreciado pelo consumidor. A nova levedura parece ser benéfi ca porque ataca a causa que faz as sementes não fermentarem em sua plenitude: reduz o excesso de polpa que reveste os grãos do fruto. Essa mucilagem, que pode responder por cerca de 40% do peso fresco das sementes, impede a plena aeração das amêndoas

Marcos Pivetta

Cacau: sementes fermentadas produzem aroma e sabor associados ao chocolate

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de cacau, difi cultando assim o processo de fermentação. Em tese, contornar o empecilho é fácil. Basta remover meca-nicamente ou com o auxílio de agentes químicos, como certas enzimas, a quan-tidade extra de polpa das sementes. “O problema é que fazer isso em larga escala custa caro para os produtores de cacau”, explica Antonio Figueira, do Centro de Energia Nuclear na Agricultura (Cena-

USP), de Piracicaba, outro autor do trabalho. A saída foi procurar por uma alternativa efi ciente, mas de custo reduzido.

Originalmente desenvolvida na Esalq para clarear sucos e xaropes de frutose feitos de tubérculos, a variedade híbrida da le-vedura K. marxianus revelou-se útil no processo de fermentação das sementes de cacau devido à sua alta atividade pectinolítica. Em bom português, isso quer dizer que o fermento é capaz de degradar de forma efi caz a pectina, um polissacarídeo abundan-te na parede celular da polpa. A levedura transforma a pectina em açúcares menores, mais fáceis de serem fermentados. “Com a levedura, tentamos degradar rapidamente a polpa, para aerar a massa de cacau, e favorecer a fermentação”, afi rma Tavares. Nos experimentos que fi zeram numa fazenda de cacau na Bahia, os pesquisadores observaram uma evidência bastante palpável da ação da levedura híbrida: houve um aumento de um terço na produção do chamado mel de cacau, um líquido rico em açúcares derivado da polpa, nas fermentações induzidas pela K. marxianus quando comparadas às fermentações naturais. Outro indício foi a maior presença de amêndoas marrons no fi nal das fermentações estimuladas pela levedura híbrida do que nas naturais. A cor mais escura é uma prova informal de que a fermentação ocorreu nas sementes. Quimicamente, os pesquisadores obtiveram outro dado que comprova os efeitos benéfi cos da K. marxianus: mediram a menor presença de ácidos (sobretudo o lático e o acético) nas amêndoas fermentadas.

Não é qualquer levedura que atua na fermentação do cacau. É preciso ter em mãos um microorganismo capaz de se manter ativo nas condições em que se dá esse processo. Empírica e com-plexa, a fermentação costuma durar de cinco a sete dias, envolve várias reações químicas (algumas só ocorrem na presença de oxi-gênio enquanto outras dispensam sua companhia) e pode elevar a temperatura da massa de cacau a 50°C. Para complicar mais a situação, uma série de microorganismos naturalmente presentes no ambiente da fermentação – leveduras de várias espécies, outros tipos de fungos e bactérias láticas e acéticas – costuma iniciar espontaneamente o processo. Portanto, para se mostrar efetiva, uma levedura introduzida pelo homem na fermentação precisa lidar com essas variáveis e ainda manter o controle do processo. A nova cepa da K. marxianus parece dar conta dessas tarefas. “Agora queremos testá-la numa escala maior, em grandes fazen-das, para ver se os resultados se mantêm”, diz Figueira. ■

> Artigo científico

LEAL JR., G. A., et al. Fermentation of cacao (Theobroma cacao L.) seeds with a hybrid Kluyveromyces marxianus strain improved product quality attributes. FEMS Yeast Research. v. 8, p. 788-798. ago. 2008.E

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Nova levedura reduz a acidez do cacaufermentado e melhora a qualidade damatéria-prima nacional

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Biblioteca de Revistas Científicas disponível na internetwww.scielo.org

Notícias

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se pacientes idosos e diabéticos pelas suas características individuais, assim como adotado para crianças, talvez me-recessem protocolos mais apropriados; c) questionar a reação infl amatória sistêmica causada pela exposição do sangue à superfície não endotelizada do circuito de CEC diante da importância crescente do contato do sangue com a ferida cirúrgica; d) em relação ao tratamento da síndrome vasoplégica, o azul de metileno continua sendo a melhor opção terapêutica, embora muitas vezes não seja efi ciente pela existência de uma “janela terapêutica” embasada na dinâmica da ação da guanilato ciclase (saturação e síntese “de novo”); e) razão da escolha do título, ressaltando que, em seus moldes atuais, a CEC seria conseqüência do em-pirismo, da arte ou da ciência? Os autores acreditam que tanto o empirismo, a arte e a ciência são muito fortes em se tratando da CEC.

Revista Brasileira de Cirurgia Cardiovascular – v. 23 – nº 1 – São José do Rio Preto – jan./mar. 2008

■ Zoologia

Brincadeira de aves

Brincadeira é um comportamento conhecido principal-mente em mamíferos, embora aves também brinquem. Ivan Sazima, da Universidade Estadual de Campinas, registra no artigo “Aves brincalhonas: biguás e garças brincam com objetos e treinam suas habilidades” a atividade lúdica em

duas espécies de aves, o biguá (Phalacrocorax brasilianus) e o socozinho (Butorides striata), no Sudeste do Brasil. Biguás jovens e adultos foram regis-trados manipulando gravetos, raízes, folhas e fragmentos ve-getais quando em terra. Tam-bém brincavam com gravetos, folhas e fragmentos vegetais, além de peixes, quando na água. Durante o nado, as aves

apanhavam e afundavam o objeto repetidamente. Quando o objeto era um peixe, também o jogavam para cima. Socozi-nhos jovens brincavam com pequenos pedaços de madeira, frutos e objetos fl utuantes, que apanhavam e largavam na água repetidamente. Os comportamentos registrados para os biguás e os socozinhos são classifi cados como brincadeira com objetos, isto é, entretenimento com um objeto inani-

■ Pneumologia

Tratamento da tuberculose

Apesar da existência de tratamentos efetivos o percentual de cura da tuberculose no Brasil gira em torno de 72% e a taxa de mortalidade atinge 3,5 óbitos por 100 mil habi-tantes. Taxas elevadas de abandono do tratamento para tuberculose são um problema global. Em uma estratégia proposta para enfrentar a questão, denominada Directly Observed Treatment (DOT), um supervisor observa o paciente ingerir todas as doses das medicações, ao longo de todo o curso do tratamento. A implantação do DOT enfrenta barreiras, tais como incompatibilidades entre o horário de trabalho dos pacientes e o das unidades e agentes comunitários de saúde, número inadequado de funcionários, carência de veículos ofi ciais, entre outros. No estudo “Tratamento supervisionado em pacientes porta-dores de tuberculose utilizando supervisores domiciliares em Vitória, Brasil”, de Ethel Leonor Noia Maciel, Ana Paula Silva, Waleska Meireles, Karina Fiorotti, David Jamil Hadad, do Hospital Universitário, Cassiano Antônio de Moraes e Reynaldo Dietze, da Universidade Federal do Espírito Santo, investigaram a efetividade do emprego de um fa-miliar como supervisor, no tratamento de 94 pacientes com tuberculose pulmonar. Essa nova estratégia cursou com percentual de cura de 99%, revelando-se altamente efi caz e de baixo custo.

Jornal Brasileiro de Pneumologia – v. 34 – nº 7 – São Paulo – julho 2008

■ Cirurgia cardiovascular

Circulação extracorpórea

A revisão “Circulação extracorpórea em adultos no sécu-lo XXI: ciência, arte ou empirismo?”, de André Lupp Mota, Alfredo José Rodrigues e Paulo Roberto Barbosa Évora, da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo, tem por objetivo ressaltar alguns aspectos pouco discutidos da circulação extracorpórea (CEC), levando-se em consideração fi siologia, fi siopatologia e algumas novas tecnologias de perfusão. Assim, alguns as-pectos, até certo ponto fi losófi cos, motivaram a elaboração desta revisão: a) preservar e atualizar os conhecimentos do cirurgião sobre a CEC, pelo simples fato de manter a sua liderança pedagógica sobre a sua equipe; b) questionar

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mado, incluindo manipulação exploratória. Este compor-tamento é considerado como tendo função importante no desenvolvimento motor e prática de habilidades específi cas, principalmente alimentação e reprodução.

Biota Neotropica – v. 8 – nº 2 – Campinas – abr./jun. 2008

■ Metodologia

Estudos qualifi cados

A busca do conhecimento científi co cada vez mais tem si-do norteada por orientações metodológicas que têm por ob-jetivo fornecer diretrizes para a execução e posterior análise dos resultados obtidos. A padronização desta metodologia está sendo cada vez mais discutida e avaliada, contribuindo para a melhora da qualidade dos estudos publicados. O artigo “A importância da qualidade dos estudos para a busca da melhor evidência”, de Fernando Baldy dos Reis, Andréa Diniz Lopes, Flávio Faloppa e Rozana Mesquita Ciconelli, da Universidade Federal de São Paulo, tem por objetivo apre-sentar essas diretrizes, sugeridas por grupos internacionais para autores e editores que orientam a avaliação crítica de ensaios clínicos controlados e randomizados.

Revista Brasileira de Ortopedia – v. 43 – nº 6 – São Paulo – jun. 2008

■ Enfermagem

Morte de jovens

O trabalho “A morte de um fi lho jovem em circuns-tância violenta: compreendendo a vivência da mãe”, de Ana Carolina Jacinto Alarcão, Maria Dalva de Barros Car-valho e Sandra Marisa Pelloso, da Universidade Estadual de Maringá, teve como objetivo compreender a vivência da mãe na perda de um fi lho jovem em circunstâncias violentas. O procedimento metodológico foi apoiado na fenomenologia. A população de estudo foi constituída por cinco mães que perderam seus fi lhos jovens por homicídio. Esses homicídios aconteceram em épocas distintas, com intervalo de tempo entre 50 dias e 10 anos. Utilizou-se como instrumento de coleta de dados a entrevista aberta do método fenomenológico, norteado por uma questão orientadora. A análise fenomenológica dos discursos des-velou a compreensão das signifi cações essenciais sistema-tizadas nas categorias: mumifi cação do fi lho na memória; dois caminhos trilhados pela publicidade frente à morte; apego à espiritualidade para suportar a dor da morte de um fi lho; cumplicidade materna e impunidade dos assas-sinos. Os resultados deste estudo podem contribuir para a elaboração de propostas de intervenção junto às mães no sentido de ajudá-las na reorganização de suas vidas após a morte de um fi lho.

Revista Latino-Americana de Enfermagem – v. 16 – nº 3 – Ribeirão Preto – maio/jun. 2008

■ Engenharia agrícola

Sincronismo no campo

Um dos problemas encontrados na colheita mecanizada da cana-de-açúcar é a falta de sincronismo entre a colhe-dora e o transbordo, ocasionando perdas tanto de material como de capacidade operacional. A pesquisa “Sistema de sincronismo entre a colhedora de cana-de-açúcar e o ve-ículo de transbordo”, de Paulo S. G. Magalhães, Rodrigo F. G. Baldo e Domingos G. P. Cerri, da Universidade Estadual de Campinas, teve como objetivo desenvolver um sistema capaz de auxiliar esse sincronismo por meio de comuni-cação sem fi o. Dois sensores de ultra-som acoplados ao elevador e um microprocessador gerenciam tais infor-mações, gerando correta sincronia entre as máquinas. O sistema foi testado em laboratório e em campo, cumprindo corretamente a função, indicando e alertando aos opera-dores as suas posições relativas. O sistema desenvolvido reduziu as perdas.

Engenharia Agrícola – v. 28 – nº 2 – Jaboticabal – abr./jun. 2008

■ Ciências sociais

Antonio Candido

O texto “A sociologia clan-destina de Antonio Candido”, de Rodrigo Martins Ramas-sote, do Instituto do Patri-mônio Histórico Nacional, procura discutir as relações entre crítica literária e ciên-cias sociais em alguns dos principais ensaios de An-tonio Candido. Por meio da análise de “Dialética da malandragem” (1970) e “De cortiço a cortiço” (1993), pretende-se identifi car e de-monstrar a procedência e a inspiração de certos modelos sociológicos subjacentes a esses ensaios, buscando por essa via articulá-los, respectivamente, com preocupações derivadas da produção sociológica do próprio autor e com certos núcleos temáticos desenvolvidos pela chama-da Escola Paulista de Sociologia. Na parte fi nal, o autor sugere a possibilidade de apreender parte substantiva da produção crítica de Antonio Candido a partir de um diá-logo estreito e criativo com questões relacionadas com o temário do pensamento social brasileiro, remetendo a uma dupla inserção de tradições disciplinares, responsáveis pela composição de um projeto autoral cujas principais coordenadas articulam ensaísmo social e crítica literária, ciências sociais e análise estética.

Tempo Social – v. 20 – nº 1 – São Paulo – 2008

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> O link para a íntegra dos artigos citados nestas páginas estão dis-poníveis no site de Pesquisa FAPESP, www.revistapesquisa.fapesp.br

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LINHA DE PRODUÇÃO MUNDO>>

decidiu estender seu programa por mais dois anos em razão dos bons resultados atingidos. Esse equipamento, no lugar do motor a combustão, produz eletricidade com hidrogênio no próprio veículo e não emite gases poluentes. Segundo a empresa, a frota composta por 30 unidades do modelo Focus acumulou, desde o lançamento, em 2005, mais de 1,5 milhão de quilômetros rodados sem apresentar problemas signifi cativos de manutenção e quase nenhuma perda em termos de desempenho. O programa da Ford inclui, ainda, 20 ônibus com

Conhecida pela sigla FSB (do inglês Fruit and Shoot Borer), a praga provoca perdas de produtividade e redução do número de frutos comercializáveis. A Mahyco espera que o plantio transgênico reduza a quantidade de pesticida usada pelos agricultores para controle da praga. A liberação, concedida pelo Comitê de Aprovação de Engenharia Genética (Geac), é o penúltimo passo para a regulamentação da comercialização de cultivos geneticamente modifi cados no país. As novas variedades Bt – são sete,no total – contam com

A fotografi a sempre persegue a

perfeição do olho humano, e inova-

ções, como o lançamento das câma-

ras digitais, promoveram revoluções

tecnológicas recentes nesse setor.

Mas um novo dispositivo criado nos

Estados Unidos pode trazer novida-

des. Desenvolvida por um grupo de

engenheiros das universidades de

Illinois e de Northwestern, a tec-

nologia consiste em usar no lugar

dos sensores ópticos planos, que

têm um campo de visão estreito,

um sensor digital curvo, inspirado

no olho humano, que consegue cap-

turar imagens em grandes ângulos

sem apresentar qualquer distorção.

O avanço, divulgado na revista Na-

ture (7 de agosto), só se tornou pos-

sível em função do desenvolvimento da eletrônica fl exível, um

conjunto de técnicas que permite a construção de circuitos

eletrônicos tradicionais, feitos de silício, sobre substratos

fl exíveis. Esse primeiro sensor possui apenas 256 pixels,

mas, como sua tecnologia é baseada em materiais e proces-

sos já conhecidos, os pesquisadores acreditam que poderão

construir em pouco tempo sensores mais sofi sticados e com

maior densidade de pixels.

o gene cry1Ac e já foram avaliadas quanto à sua efi ciência agronômica, segurança e efi cácia no controle da FSB. A produção experimental será supervisionada pelo Diretório de Pesquisa em Horticultura da Universidade Estadual de Agricultura.

> Frota de carros a hidrogênio

Uma das primeiras montadoras de automóveis a lançar veículos movidos a célula a combustível, a norte-americana Ford

> Berinjela transgênica

Agora é a vez da berinjela. Os indianos estão perto de produzir em grande escala esse vegetal na sua forma transgênica. No início de agosto, o governo da Índia deu aval à empresa Maharastra Hybrid Seed Company (Mahyco) para produzir experimentalmente sementes híbridas da berinjela Bt, que é resistente à lagarta da mariposa Leucinodes orbonalis.

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PESQUISA FAPESP 151 ■ SETEMBRO DE 2008 ■ 65

> Robô usa o cérebro

Um pequeno robô poderá ajudar, no futuro, os cientistas a entender melhor como nosso cérebro funciona. A particularidade do artefato, criado por pesquisadores da Universidade de Reading, na Inglaterra, é que ele possui um cérebro biológico artifi cial. No lugar do tradicional “cérebro eletrônico”, formado por um programa rodado em um microprocessador, a engenhoca possui um conjunto de neurônios de rato cultivados em laboratório e colocados sobre uma rede de eletrodos. No formato de um disco, o robô tem 60 eletrodos que coletam os sinais gerados pelos neurônios. Toda vez que o robô se aproxima de um objeto, sensores enviam sinais por meio dos eletrodos aos neurônios.Em resposta, cérebro artifi cial comanda as rodas da máquina, fazendo-as girar para esquerda ou direita para evitar a colisão.

motores de combustão interna a hidrogênio, além de outros veículos, como um modelo Fusion e um Explorer. Graças ao sucesso da experiência, o Departamento de Energia dos Estados Unidos, que fi nancia parte do programa, concordou em continuar com o apoio até que a próxima geração de veículos da Ford movidos a célula a combustível seja lançada, o que deve ocorrer em 2010. O programa também conta com apoio de agências governamentais de países como Canadá, Alemanha e Islândia.

> Energia solar do asfalto

Depois de apresentadas, algumas idéias até parecem óbvias, como o uso do asfalto das estradas e estacionamentos para gerar eletricidade e aquecer água com a luz solar. A tecnologia que torna essa idéia possível foi apresentada em agosto no Simpósio Anual da Sociedade Internacional para Pavimentos Asfálticos, realizado na Suíça, por pesquisadores do Instituto Politécnico Worcester, dos Estados Unidos,

Para conhecer os efeitos do aquecimen-

to global sobre a vida marinha, entender

em que medida tensões no solo oceânico

provocam terremotos e tsunamis e saber

qual a capacidade dos oceanos de absorver os gases do efeito estufa,

oceanógrafos norte-americanos planejam construir uma rede de labora-

tórios submarinos na costa dos estados de Washington e Oregon, na costa

do Pacífi co. A fi m de encontrar os melhores lugares para as instalações,

eles contam agora com a ajuda do robô Sentry (sentinela, em inglês), o

mais novo integrante de um grupo de elite de submersíveis não-tripulados

desenvolvido pelo Woods Hole, um centro de pesquisas oceanográfi cas

dos Estados Unidos. Capaz de desviar de obstáculos de forma autônoma,

mergulhar automaticamente, sem estar ligado a cabos, em depressões

de até 5 mil metros de profundidade e fazer levantamentos cartográfi cos

com precisão de um metro, ele já mapeou 53 quilômetros quadrados

do solo oceânico. Projetados para coleta de dados que hoje são apenas

inferidos estatisticamente, os laboratórios submarinos serão conectados

a estações terrestres por meio de cabos.

DETALHES DOFUNDO DO MAR

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Sentry: autônomo até 5 mil metros de profundidade

coordenados pelo professor Rajib Mallick. Por meio de condutores termoelétricos misturados ao asfalto, o calor é captado e conduzido até tubulações de cobre com água para uso em edifícios, residências e também em usinas termoelétricas. Entre as vantagens estão o fato de o asfalto continuar quente após o pôr-do-sol, o que não acontece com os atuais sistemas de energia solar, e a retirada do calor esfriar o ambiente das áreas urbanas. O projeto é uma parceria com a empresa norte-americana Novotech, que já requisitou a patente.

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66 ■ SETEMBRO DE 2008 ■ PESQUISA FAPESP 151

LINHA DE PRODUÇÃO BRASIL>>

Wanderley, de São José dos Campos, no interior paulista, que ensina gratuitamente alunos vindos da escola pública. Na Faculdade de Economia e Administração da Universidade de São Paulo (USP) ele falou da generalizada pouca valorização dos inventores em todo o mundo. Fundamental para ele é dar maior visibilidade para esses inventores. Uma das formas é por meio de premiações. Schuler contou

Estabelecer padrões interna-

cionais de garantia de qua-

lidade para o etanol da cana-

de-açúcar (etanol anidro e

hi dratado) e o biodiesel produ-

zido a partir de óleo de soja e

de sebo bovino é o objetivo do

acordo de cooperação fi rmado

em 2005 entre o Instituto Na-

cional de Metrologia, Norma-

lização e Qualidade Industrial

(Inmetro) e o Instituto Nacio-

nal de Padrões e Tecnologia

dos Estados Unidos (Nist, da

sigla em inglês). Para isso, os

dois parceiros estão elaboran-

do materiais de referência

com parâmetros físico-quími-

cos, que serão distribuídos

para laboratórios do setor in-

dustrial. “Os laboratórios vão

calibrar os equipamentos com

base nesses materiais de referência”, explica Romeu Daroda,

coordenador do projeto Biocombustíveis do Inmetro. Além do

Brasil e dos Estados Unidos, a Comunidade Européia também

vai ter acesso a esses padrões de qualidade. Um outro acordo

fi rmado entre as três partes prevê a distribuição desse mate-

rial para 35 laboratórios, para que seja testada a capacidade

de analisar biocombustíveis. A estimativa é que os padrões

de referência do etanol estejam prontos em dezembro deste

ano e os de biodiesel até o fi nal de janeiro de 2009.

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> Parceria vantajosa

As vantagens do resveratrol, uma substância encontrada no vinho tinto e no suco de uva e apontada em estudos científi cos como auxiliar na prevenção de doenças cardiovasculares, neurológicas e endócrinas, poderão ser encontradas em medicamentos se for concluída com sucesso uma parceria entre a Eurofarma, indústria farmacêutica brasileira, e a Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS). A equipe liderada pelo professor André Souto, da Faculdade de Química, licenciou, por meio do Escritório de Transferência de Tecnologia da universidade, duas patentes para a empresa. Uma trata da descoberta do resveratrol

> Premiação para inventores

Incentivar alunos, desde o ensino médio, a tomar conhecimento do que é uma patente e como solicitá-la foi um dos temas do diretor executivo do Programa Lemelson do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), Joshua Schuler, em visita ao Brasil no mês de agosto. Ele veio a convite da Embraer para conhecer o colégio Engenheiro Juarez

que, desde 1995, o MIT promove três prêmios anuais: um de US$ 500 mil, para qualquer inventor dos Estados Unidos, e outros dois, de US$ 100 mil e US$ 30 mil, para pesquisadores e estudantes da universidade. Existe também um prêmio de US$ 10 mil para estudantes do ensino médio. O resultado desses programas é o mesmo dos novos negócios fi nanciados por empresas de capital de risco: de cada dez projetos premiados, três fracassam, três geram um pouco de dinheiro, três um pouco mais e só um se torna um estouro comercial.

Raiz de planta tem mais resveratrol que o vinho

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Etanol brasileiro terá garantia de qualidade

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PESQUISA FAPESP 151 ■ SETEMBRO DE 2008 ■ 67

> Investimento de peso

A empresa brasileira Spring Wireless, eleita a melhor empresa de software do Brasil em 2007 pela revista Exame, recebeu um aporte no valor de US$ 56 milhões da empresa brasileira Ideiasnet, do Banco Goldman Sachs e da empresa norte-americana de capital de risco New Enterprises Associates. A Spring Wireless foi criada em 2001 no Núcleo de Manufatura Avançada (Numa) da Universidade de São Paulo, de São Carlos, que deu origem ao Instituto Fábrica do Milênio (ver matéria na edição 133 da revista Pesquisa FAPESP).

na raiz de uma planta chamada de azeda, que possui maior quantidade da substância que o vinho e cujo nome científi co os pesquisadores preferem não revelar. A outra trata da tecnologia de retenção do resveratrol no organismo porque ele é facilmente eliminado. “O resveratrol atua no sistema das sirtuínas, enzimas que promovem o equilíbrio do sistema celular, e ele só atua quando a célula está com problemas”, diz Souto. Isso poderá reverter problemas de envelhecimento e diabetes, inicialmente. Com o medicamento, previsto para 2013, fi cará mais fácil absorver essa substância porque são necessárias várias taças de vinho ou de suco para se obter uma boa quantidade de resveratrol.

> Biodiesel de óleo de algas

As algas, que compreendem mais de 100 mil espécies conhecidas, são o novo foco de interesse do governo para obtenção de biocombustível. Em agosto, os ministérios da Ciência e Tecnologia e da Pesca e Aqüicultura lançaram o primeiro edital para seleção de projetos de pesquisa que contemplem a aqüicultura

e o uso de microalgas para a produção de biodiesel. As propostas, que receberão R$ 4,5 milhões no total, devem ser encaminhadas ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científi co e Tecnológico (CNPq) pela internet até 25 de setembro. Vários grupos na Europa e nos Estados Unidos pesquisam a viabilidade

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Imagens que mos-

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tente nas formas e

composições de ma-

teriais nanométricos,

captadas com equi-

pamentos especiais

no Centro Multidis-

ciplinar para o De-

senvolvimento de

Materiais Cerâmicos

(CMDMC), podem ser

vistas pela internet

no endereço eletrô-

nico www.cmdmc.

com.br/nanoarte e

em DVD. Alumina po-

rosa, óxido de ferro,

de estanho e de zin-

co são algumas das

substâncias presen-

tes nas imagens, coloridas com recursos computacionais

para ressaltar detalhes e diferenciar as estruturas, permi-

tindo uma melhor visualização do conjunto. Antes da versão

digital, as imagens foram ampliadas em papel fotográfi co

para compor a mostra Nanoarte: uma viagem pelo mundo da

tecnologia, apresentada em vários eventos. O DVD, chamado

Nanoarte – Da colméia às fl ores, faz parte de uma série sobre

nanotecnologia produzida pelo Centro Multidisciplinar, ligado

à Universidade Estadual Paulista (Unesp) e à Universidade

Federal de São Carlos (UFSCar).

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Composto de óxido de estanho em detalhes nanométricos

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de uso de espécies de algas para produção de biodiesel. Na Argentina, na região da Patagônia, a empresa Oil Fox fez um acordo com o governo local para cultivar algas marinhas em grandes piscinas. A matéria-prima é promissora: algumas espécies identifi cadas têm teor de óleo superior a 50%.

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ENGENHARIA BIOMÉDICA

Proteção em tempo real

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Ramifi cações da árvore

bronquial, que leva o ar da

traquéia aos alvéolos

pulmonares

TECNOLOGIA>

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PESQUISA FAPESP 151 ■ SETEMBRO DE 2008 ■ 69

Equipamento avalia continuamente como reagem os pulmões submetidos à ventilação artifi cial nas UTIs | Dinorah Ereno

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Um tomógrafo inovador, que monitora em tem-po real a condição dos pulmões, já está sendo usado por pacientes das unidades de terapia intensiva (UTIs) do Hospital das Clínicas e do Instituto do Coração (InCor) de São Paulo submetidos à respiração artifi cial. O equipa-mento ajuda o médico a calibrar e controlar

as três variáveis básicas utilizadas quando se injeta ar dentro do pulmão com o ventilador mecânico: volume, pressão e fl uxo. Esse controle ajuda a reduzir o número de mortes nas UTIs, porque permite visualizar a reação do órgão enquanto ele recebe o ar. “O pulmão tem vá-rios lobos e, em alguns casos, um está doente e o outro saudável. Isso faz com que, sem esse acompanhamento, haja uma distribuição desigual do ar dentro do órgão, extremamente prejudicial”, explica o professor Marcelo Amato, responsável pelo Laboratório de Pneumologia Experimental da Faculdade de Medicina da Universida-de de São Paulo (FMUSP) e coordenador da pesquisa. “Além de um desperdício da ventilação artifi cial, essa má distribuição do ar causa uma lesão extra, que começa literalmente a rasgar o pulmão.”

Como a criação de equipamentos e dispositivos na área de bioengenharia aplicada à medicina exige, além do conhecimento da mecânica dos materiais utiliza-dos, um entendimento profundo do complexo sistema biológico que rege o corpo humano, foram necessários dez anos de pesquisas para chegar ao tomógrafo de impedância elétrica, uma cinta com 32 eletrodos que, colocada no tórax do paciente e ligada a um monitor,

indica continuamente as reações do órgão por meio de imagens captadas pela emissão de pulsos elétricos de alta freqüência e baixa intensidade. Atual-mente não existe nenhum tomógrafo comercial para monitoramento de pul-mão em tempo real. “Existe um outro protótipo usando os mesmos princí-pios, desenvolvido por pesquisadores de uma universidade alemã, só que eles ainda estão usando 16 eletrodos em vez de 32”, diz Amato. O número de eletrodos faz a diferença na nitidez e na visualização das imagens.

“Isso signifi ca que eles estão cerca de três a cinco anos atrasados em re-lação ao nosso equipamento”, compa-ra. Entre os planos dos pesquisadores brasileiros consta a ampliação dos 32 eletrodos para 64 ou 128, mas apenas futuramente, porque essa modifi cação vai encarecer bastante o custo. O pes-quisador estima que ainda faltam pelo menos dois anos para os ajustes fi nais, necessários para deixar o equipamento pronto para ser usado por qualquer médico intensivista, sem grandes ins-truções prévias.

Desde 2006, dois tomógrafos estão sendo usados em pacientes no Hospital

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70 ■ SETEMBRO DE 2008 ■ PESQUISA FAPESP 151

das Clínicas e um no InCor. Em um dos estudos realizados, o aparelho possibili-tou a detecção de problemas que acon-tecem durante o transplante pulmonar. “Em casos de transplante unilateral de pulmão, vimos que o pulmão remanes-cente apresenta um comportamento paradoxal que atrapalha o processo de ventilação alveolar, diminuindo a efi ciên cia ventilatória e de trocas gaso-sas”, relata Amato. A descoberta pode ter implicações nos procedimentos ci-rúrgicos a serem adotados no futuro. É possível que um transplante unilate-ral de pulmão seja mais bem-sucedido quando acompanhado de uma remo-ção total dos pulmões doentes, em vez de deixar um dos pulmões dentro do tórax. “Da mesma forma que a resso-nância magnética funcional possibili-tou entender como o cérebro processa informações, a tomografi a de impedân-cia elétrica está permitindo observar a ventilação e perfusão pulmonar em tempo real, revelando fenômenos até então desconhecidos”, compara.

Implicações futuras - Foi durante uma visita ao laboratório do professor Bruchard Lachmann na Universidade Erasmus de Roterdã, na Holanda, em 1997, que Amato começou a planejar a construção de um tomógrafo desse tipo. Um estudante apareceu no laboratório com um protótipo da Universidade de Sheffi eld, na Inglaterra, que utilizava o mesmo princípio de injetar correntes elétricas e medir as voltagens. “Era um protótipo bem primitivo, que nunca tinha sido usado em doentes ou experi-mentos de ventilação artifi cial”, relembra Amato. “Mas quando eu vi os resulta-dos dos experimentos em porquinhos percebi que era justamente aquilo que eu estava procurando. Um monitor que conseguisse enxergar dentro do pulmão, capaz de observar fenômenos distintos e simultâneos acontecendo em diferentes regiões pulmonares, durante a ventilação artifi cial.”

As imagens não eram nítidas e nem dava para vê-las em tempo real, mas já era um começo bem animador para o pesquisador, que no início da década de 1990, ao tratar na UTI pacientes de leptospirose com hemorragia nos pul-mões, percebeu que dava para estan-car a hemorragia com alguns ajustes na pressão e no volume de ar do res-

pirador artifi cial. “Percebemos que a mortalidade dos pacientes submetidos à ventilação artifi cial poderia cair pela metade se conseguíssemos diminuir os problemas de heterogeneidades e estres-ses excessivos dentro do pulmão, com manobras especiais e um tratamento ventilatório mais gentil”, explica Ama-to, que na época era médico assistente na Pneumologia e trabalhava na UTI respiratória do Hospital das Clínicas. A técnica, sobre estratégias protetoras pulmonares, foi tema de um artigo publicado na revista The New England Journal of Medicine em 1998. “O artigo está com mais de mil citações e tornou-

se referência na área”, diz o pesquisador. A partir dos dados desse trabalho, que foram confi rmados por um estudo feito em 2000 por um grupo de pesquisado-res da rede ARDSnet (Acute Respiratory Distress Syndrome Network) patrocina-dos pelos Institutos Nacionais de Saúde (NIH) dos Estados Unidos, não se usam mais os mesmos volumes utilizados até então. “Era comum colocar 1 litro de ar dentro do pulmão a cada respirada do paciente, hoje em dia isso é impensável”, diz o pesquisador.

De volta ao Brasil após a visita à Ho-landa, Amato entrou em contato com a Universidade de Sheffi eld e conseguiu comprar o último protótipo disponível, que chegou aqui praticamente quebra-do. Foi quando decidiu começar a de-senvolver um equipamento que pudesse monitorar o paciente na beira do leito. O primeiro desafi o era conseguir pro-duzir uma imagem a partir de correntes elétricas passando pelo tórax. Enquan-to no tomógrafo de raios X o detector capta emissões lineares de raios X, me-didas seqüencialmente após mudanças no ângulo de emissão menores que um grau, no tomógrafo de impedância a corrente elétrica chega ao detector de forma difusa, com mudanças no ângulo de emissão a intervalos maiores. “Um problema difícil, mas não impossível de resolver”, diz Amato. Na Escola Po-litécnica da USP, Amato encontrou no professor Raul Gonzalez Lima um dos parceiros para a empreitada, que come-çava com a resolução de um problema

1. Novas estratégias em ventilação artificial: diagnóstico e prevenção do barotrauma/biotrauma através da tomografia de impedância elétrica (TIE)2. Inteligência clínica para tomografia por impedância elétrica

MODALIDADES

1. Projeto Temático2. Cooperação ICTS Empresas

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MARCELO BRITTO PASSOS AMATO – USP

INVESTIMENTO

1. R$ 4.947.662,98 (FAPESP)2. R$ 898.600,00 (Finep)

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Distribuição do ar nos pulmões submetidos a ventilação mecânica

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PESQUISA FAPESP 151 ■ SETEMBRO DE 2008 ■ 71

matemático. Algum tempo depois, juntou-se ao grupo a professora Joyce Bevilaqua, do Instituto de Matemática e Estatística, também da USP.

O tomógrafo ganhou impulso com a aprovação do projeto temático da FA-PESP em 2002. Aí teve início o desen-volvimento da parte eletrônica com o apoio do pesquisador Harki Tanaka, que estava terminando a graduação na Faculdade de Medicina da Universida-de de São Paulo, mais de duas décadas depois de se formar como engenheiro de eletrônica pelo Instituto Tecnológi-co de Aeronáutica. “Fazíamos reuniões duas a quatro vezes por semana com vários engenheiros, até conseguirmos montar um protótipo”, conta Amato. Bem diferente do tomógrafo atual, esse primeiro protótipo era meio desajei-tado, mas funcionou muito bem em um porquinho.

Como ainda faltavam várias etapas para aprimorar o equipamento, e uma delas dizia respeito à área médica, Ama-to apresentou em 2004 o projeto à em-presa brasileira Dixtal Biomédica, que se tornou inicialmente uma parceira sem vínculo ofi cial. Em 2007, quase na etapa fi nal do temático, a Financiadora de Estudos e Projetos (Finep) aprovou um projeto na mesma linha de pesqui-sa, uma parceria entre a universidade, representada pela Fundação Faculdade de Medicina, e a Dixtal, recentemente incorporada pela Philips.

Blindagem individual - Para que os ruídos e interferências eletromagnéticas de outros equipamentos da UTI não comprometessem a precisão da medida de voltagem de cada eletrodo, os pes-quisadores desenvolveram uma cinta de eletrodos em que os cabos são comple-tamente blindados. “Cada cabo tem um circuito eletrônico interno para anular o ruído eletromagnético individual”, diz Amato. O custo atual dos componentes utilizados no tomógrafo é de cerca de R$ 10 a R$ 15 mil. “A principal vantagem do equipamento é que ele não necessita de nenhum componente de hardware caro.” Duas patentes foram depositadas para o equipamento. Uma delas, em nome do médico e engenheiro Tanaka, sobre confi gurações eletrônicas. A outra, em nome da Dixtal, sobre confi gurações da cinta de eletrodos. “Existe um acordo de repasse de royalties fi rmado entre R

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72 ■ SETEMBRO DE 2008 ■ PESQUISA FAPESP 151

Na área de bioengenharia com fo co na cardiologia, o projeto de desen-volvimento de um marca-passo com tecnologia nacional reuniu

o Genius Instituto de Tecnologia e o Instituto do Coração (InCor) de São Paulo, com apoio da empresa Dixtal. O equipamento é indicado para pessoas com problemas de arritmia cardíaca, alteração na freqüência dos batimentos do coração que pode causar desde mal-estar até parada cardíaca. Na primeira etapa do projeto, iniciado em 2005, os pesquisadores desenvolveram o circuito integrado do equipamento, o primeiro chip comercial brasileiro para marca-passos cardíacos.

Pesquisadores de várias universi-dades participaram do desenvolvimen-to do chip. A Universidade Federal de Santa Catarina fi cou responsável pe-los circuitos de baixo consumo, a Uni-versidade Federal do Rio Grande do Sul pelo circuito de alta-tensão – até 7 volts, mas uma tensão considera-da alta para o universo da microele-trônica –, a Universidade Federal da Paraíba por parte da integração do chip e a Universidade Católica do Uru-

guai pela consultoria em marca-passo. O Ge nius coordenou o desenvolvi-mento do software, da parte eletrônica e dos circuitos integrados, enquanto o InCor fi cou responsável pela valida-ção funcional do dispositivo. “Fizemos testes em suínos como, por exemplo, o bloqueio atrioventricular, distúrbio da condução do estímulo elétrico no co-ração”, diz Idagene Cestari, diretora de pesquisa e desenvolvimento da Divisão de Bioengenharia do InCor. Essa etapa foi concluída com sucesso.

“A tecnologia do marca-passo é an-tiga, mas atualmente é dominada por poucas empresas”, diz Mario Ferreira Filho, gerente executivo de pesquisa e desenvolvimento do Genius. Atual-mente apenas cinco empresas, uma delas no Uruguai, atendem a toda a de-manda mundial do produto. Em 2006, somente com importação de marca-passos o Brasil gastou US$ 134 milhões. Na década de 1970, o InCor desenvol-veu os primeiros marca-passos brasilei-ros, encapsulados em epóxi. Uma em-presa foi criada para fabricá-los e 700 deles foram implantados em pacientes. A produção parou porque a empresa não conseguiu apoio fi nanceiro para dar continuidade ao desenvolvimento tecnológico. Desde então a tecnologia evoluiu com a microeletrônica, que consegue integrar várias outras funções em uma peça de tamanho reduzido.

Na primeira fase, o projeto recebeu R$ 800 mil da Dixtal e R$ 1,6 milhão da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep). “Na próxima etapa, que está sendo negociada, iremos trabalhar na miniaturização do atual protótipo até chegar a um protótipo pré-industrial e começar os testes clínicos para confi r-mação de sua efi cácia”, explica Ferreira Filho. A estimativa é que serão necessá-rios mais dois anos e meio para os pri-meiros marca-passos fi carem prontos, período necessário inclusive para regis-tro do produto na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). ■Chip para marca-passo: aprovado na primeira etapa

Marca-passo nacionalDesenvolvimento de circuito integradoteve participação de quatro universidades

a empresa e a Fundação Faculdade de Medicina”, ressalta Amato. “Ou seja, se a indústria vender o tomógrafo, teremos mais verbas para pesquisa.”

Antes do tomógrafo, Amato esteve à frente de outras pesquisas na área de ventilação artifi cial. Uma das tecnolo-gias desenvolvidas por ele e adotadas na prática médica é a ventilação com suporte pressórico e volume assegura-do (VAPSV), incorporada aos ventila-dores artifi ciais da Intermed, empresa paulista fabricante de produtos de ventilação mecânica para UTI e anes-tesia, e a três ventiladores de empresas internacionais. A técnica consiste em otimizar a oferta de fl uxo ao pulmão do paciente quando ele acorda da anes-tesia e começa a respirar. “Com essa tecnologia, o ventilador percebe o rit-mo de respiração do paciente e faz uma calibragem para trabalhar em sincro-nia, ajustando a oferta à demanda de fl uxo, ao mesmo tempo que assegura a manutenção de um volume mínimo de ventilação.” ■

> Artigos científicos

1. AMATO, M. B. P. et al. Effect of a protec-tive-ventilation strategy on mortality in the acute respiratory distress syndrome. The New England Journal of Medicine. v. 338, n. 6, p. 347-354. 5 fev. 1998.2. COSTA, E. L. V. et al. Real-time detection of pneumothorax using electrical impedan-ce tomography. Critical Care Medicine. v. 36, n. 4, p. 1230-1238. abr. 2008.

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PESQUISA FAPESP 151 ■ SETEMBRO DE 2008 ■ 73

ENGENHARIA MECÂNICA

Óleo mais limpoCriado processo que usa radiação ultravioleta para desinfetar fl uidos da indústria

Produtos indispensáveis em processos de usinagem e retifi cação de peças em in-dústrias de manufatura, os óleos lubrifi cantes de corte também representam um risco para a saúde humana

e o ambiente. Os fl uidos, respon-sáveis por lubrifi car e reduzir o desgaste das ferramentas de corte, como tornos, fresadoras e fura-deiras, implementam um melhor acabamento superfi cial na peça e, se não descartados adequada-mente, se tornam poluidores. Eles possuem em sua composição um material orgânico, chamado emul-gador, que os deixa suscetíveis ao ataque de fungos e bactérias. Es-ses microorganismos são fonte de contaminação para os operadores das fábricas e, ao mesmo tempo, reduzem a vida útil dos fl uidos, acelerando seu descarte. Um pro-blema que pode ser resolvido com um sistema de desinfecção dos fl uidos com radiação ultravioleta (UV) elabo-rado por pesquisadores do Laboratório de Usinagem por Abrasão da Faculdade de Engenharia da Universidade Esta-dual Paulista (Unesp) em Bauru, no interior paulista.

“Os raios UV penetram na parede celular dos microorganismos presentes no fl uido, atingindo o núcleo onde es-tão as informações genéticas. Essa ab-sorção provoca um rearranjo na cadeia de DNA, interferindo na capacidade de reprodução desses seres. Assim, os microorganismos atingidos pela radia-ção tornam-se inativos”, explica o en-genheiro Eduardo Carlos Bianchi, líder da pesquisa, que contou com a parceria do Laboratório de Imunopatologia Ex-perimental da Faculdade de Ciências da Unesp em Bauru e do Instituto Fábrica do Milênio (IFM), além dos pesquisa-dores Olavo de Arruda, Paulo de Aguiar e Francine Piubeli. Para combater esse problema as indústrias têm adicionado biocidas aos fl uidos, substâncias que exterminam ou inibem o crescimento de microorganismos. Segundo Bianchi, uma vantagem da desinfecção por UV é a sua atuação sobre bactérias e fungos, enquanto os biocidas atingem apenas as bactérias.

A tecnologia criada na Unesp pos-sui um reservatório de fl uido com um

tampo onde são acopladas lâmpadas ultravioleta de 20 watts cada uma. Du-rante o processo de usinagem, esse óleo é impulsionado por uma bomba até o local de corte, onde é lançado de encon-tro à peça e à ferramenta. Em seguida, o lubrifi cante volta ao reservatório por um sistema coletor.

A contaminação do produto ocorre de diferentes formas, sendo que a fonte primária pode ser o próprio operador de máquina por contato físico ou via gotículas de saliva ou suor. Além disso, fungos e bactérias atingem o lubrifi cante no momento em que é lançado contra a peça, no reservatório e no trajeto per-corrido sobre a superfície da máquina ou na tubulação de volta ao reservató-rio. “Quando é feita a substituição do fl uido contaminado por um novo este rapidamente se contamina com restos do anterior”, alerta Bianchi. “Embora grandes indústrias tenham tecnologias de tratamento prévio e façam o descarte correto, sabe-se que pequenas empresas seguem o caminho mais simples, jogan-do o fl uido na rede de esgotos.” Segundo Bianchi, a tecnologia está pronta para ser repassada à indústria, faltando al-guns detalhes que podem ser soluciona-dos com a parceria entre a universidade e o setor produtivo. ■

>

Utilização da radiação ultravioleta no controle da contaminação microbiana dos fluidos de corte

MODALIDADE

Auxílio Regular a Projeto de Pesquisa

CO OR DE NA DOR

EDUARDO CARLOS BIANCHI – Unesp

INVESTIMENTO

R$ 46.188,10 (FAPESP)

O PROJETO>

Torno em ação: fl uido lubrifi ca e evita o desgaste das peças

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Yuri Vasconcelos

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AGROINDÚSTRIA

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Novos projetos de usinas de açúcar e álcool eliminam o gasto de água na produção e geram até excedente

Muitas das usinas de açúcar e álcool produzem como sub-produto energia elétrica em caldeiras e geradores a partir da queima do bagaço de ca-na. Elas se tornam auto-su-fi cientes e ainda conseguem

vender parte da eletricidade produzida no campo para companhias distribui-doras de energia. Dentro em breve elas poderão não apenas fornecer luz, mas água também, conforme prevêem dois novos projetos de usinas concebidos pela empresa Dedini, tradicional fabri-cante de equipamentos e instaladora de unidades sucroalcooleiras e de outros setores fabris. As usinas que adotarem tais projetos não precisarão mais captar água dos mananciais ou de poços para o processo produtivo. A água que elas vão utilizar, segundo José Luiz Olivério, vice-presidente de tecnologia e desen-volvimento da empresa, está contida na própria cana. Em 1 tonelada (t) de cana é possível obter 700 litros de líquido.

São dois projetos, um de uma usi-na auto-sufi ciente em água e outro em que a unidade industrial, além de ter a mesma característica da anterior, vai disponibilizar água extra para a pró-pria usina, como na irrigação, ou para outras empresas, e assim se tornar uma exportadora. Na média do consumo do estado de São Paulo, as usinas conso-mem 1.830 quilos (kg) – equivalente a 1.830 litros (L) de água – por tonelada de cana, de acordo com dados de 2005 do Centro de Tecnologia Canavieira (CTC), uma associação mantida por usineiros e associações de produtores. “Além desse volume entram na pro-dução mais os 700 L de cada tonelada de cana que totalizam 2.530 L de água. Com a mudança de processos ao longo do sistema produtivo do álcool ou do açúcar nós conseguimos não só evitar o uso de água pura como também re-cuperar grande parte do líquido usado no processo. No caso da usina expor-tadora, aproveitamos apenas 400 L de água da cana, disponibilizando 300 L como excedente”, diz Olivério.

Para eliminar a captação de água por parte das usinas, um produto cada vez mais escasso e valorizado em todo o mundo, o grupo de pesquisa e desen-volvimento da empresa fez uma revi-são nos projetos atuais em setores onde existe a integração com a água para Marcos de Oliveira

tornar esses ambientes mais perto de uma total sustentabilidade. “Adotamos outros tipos de tecnologia como a tro-ca da tradicional lavagem da cana com água por um sistema a seco com tecno-logia já disponível”, diz Olivério. Para cada t de cana, gasta-se em média 694 L. A estratégia se estende para recuperar o vapor d’ água de vários equipamentos como os cozedores da cana. “O novo sistema recupera e condensa a água da evaporação. O trabalho de condensação é efi ciente nesse caso porque estamos trabalhando com conceitos mais avan-çados na fermentação que resultam em um mosto, o caldo de cana fermentado, em que é adicionada a levedura para produção de álcool, mais concentra-do, com menos água e mais sacarose”, explica o vice-presidente da empresa. Somente na evaporação as usinas tra-dicionais perdem, em média, 1.052 Lde água. “Não é possível recuperar tudo isso, sempre há perdas.” Mesmo assim, segundo cálculos da empresa, as perdas com evaporação diminuem drasticamente para 136 L no novo sis-tema. Olivério acredita que o sistema auto-sufi ciente, que levou dois anos de estudos na empresa, é inédito no mun-do, pelo menos em relação à cana-de-açúcar. “É difícil dizer o mesmo para outros ramos industriais.”

O novo sistema de usinas apre-sentado pela Dedini possui duas op-ções, uma para instalação de usinas auto-sufi cientes em água e outra para aquelas que também possam produzir esse líquido, chamadas de exportado-ras. A diferença das duas está no apro-veitamento da vinhaça, um resíduo da destilação do álcool na forma de um líquido malcheiroso e poluente, prin-cipalmente se lançado em rios e lagos, mas que é aproveitado pelas usinas para produção de fertilizantes, muitas vezes, para uso próprio, porque é rica em sais minerais, como o potássio. No sistema auto-sufi ciente o processo de evaporação consegue um teor de sóli-do da vinhaça de 8% a 9%, enquanto normalmente este índice chega a 3% ou 4% no sistema tradicional. No pro-cesso exportador a vinhaça chega ao teor de sólido de 65% por evaporação e gera mais água doce. Segundo Olivé-rio, numa usina capaz de processar 12 mil toneladas de cana por dia é possível produzir um excedente de 3,6 milhões

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de litros por dia de água não-potável, embora sistemas de purifi cação tam-bém possam ser acoplados à usina.

Com a vinhaça concentrada a 65% é possível produzir também um biofer-tilizante organomineral que a empre-sa deu o nome comercial de Biofom. Na preparação do fertilizante entram a vinhaça concentrada e mais outros resíduos da usina, como as cinzas das caldeiras onde é queimado o bagaço da cana, e ainda a torta dos fi ltros, que são os resíduos do tratamento do caldo. Para cada tonelada de cana é possível obter 4,66 kg de Biofom. A principal vantagem desse produto anunciada pe-la empresa está no aumento da produ-tividade agrícola, porque ele tem 90% de conteúdo fertilizante, enquanto a vinhaça líquida in natura ou mesmo concentrada possui apenas 10%. Ou-tros benefícios do Biofom são a possi-bilidade de usá-lo em outros tipos de cultura, a capacidade de perder menos

nutrientes pela chuva, penetrar no solo e atingir o lençol freático e substituir em parte o uso de fertilizantes mine-rais tradicionais, além de não possuir o odor desagradável da vinhaça. Uma análise agrícola do Biofom em relação ao aumento de produtividade da cana está sendo realizada pela Escola Supe-rior de Agricultura Luiz de Queiroz da Universidade de São Paulo (Esalq - USP) e deverá ser fi nalizado até o início do próximo mês de outubro.

Uma macromáquina - Os novos pro-jetos de usina que a Dedini apresentou poderão viabilizar mais rapidamente a instalação dessas unidades industriais no estado de São Paulo. “Para instalar e construir uma fábrica sucroalcooleira é preciso demonstrar a disponibilidade e como vai ser a captação de água na região”, diz Olivério. As usinas já existentes podem se transformar, mas o processo é mais difícil porque as instalações e os E

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Para ser auto-sufi cientes em água, as usinas devem recuperar o vapor e lavar a cana a seco

equipamentos são mais antigos. Uma usina nova, totalmente instalada, varia de R$ 300 milhões a R$ 360 milhões com os processos tradicionais, uma variação de preço que depende de ela produzir apenas etanol ou açúcar também. Segun-do Olivério, no sistema auto-sufi ciente os investimentos custarão 10% a mais e, no tipo exportadora de água, entre 15% e 20%. Lançados em julho deste ano no Simpósio e Mostra de Tecnologia da Agroindústria Sucroalcooleira (Simtec 2008), os novos projetos não tiveram uma planta piloto instalada porque, se-gundo Olivério, para concebê-los, fo ram usados conhecimentos de engenharia já comprovados e em uso. Até agosto ne-nhuma nova usina foi instalada ou foram fi rmados contratos de construção. Mas apenas a possibilidade de elas existirem já fortalece a idéia de que a usina sucro-alcooleira é uma macromáquina capaz de transformar a cana-de-açúcar, cada vez mais, em outros produtos. ■

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Resposta rápidaAparelho portátil mede hemoglobina e permite diagnóstico da anemia em tempo real

Um método simples e prático pa-ra avaliação de anemia, com-posto de um aparelho portátil que mede a concentração de hemoglobina no sangue e ins-tantaneamente dá o resultado, está em fase fi nal de validação.

A hemoglobina, proteína existente nas hemácias e no plasma, responsável pe-lo transporte de oxigênio, é o principal parâmetro utilizado para indicação da falta de ferro no organismo, chamada de anemia ferropriva. O aparelho foi desen-volvido para atender aos programas de saúde pública, mas também poderá ser usado em clínicas. Uma picada no dedo é sufi ciente para retirar o sangue com uma pipeta, que em seguida é transferido para uma ampola com reagente. Depois de o conteúdo líquido estar homogêneo, a ampola é encaixada em um espaço apropriado no equipamento. A leitura é feita por um fotômetro, composto por um diodo emissor de luz, ou LED (da sigla em inglês light emitting diode), na cor verde – comprimento de onda que a molécula de hemoglobina absorve – e de um detector de luz do outro lado.

“O feixe de luz mede a fração de energia luminosa absorvida pela amos-tra”, explica Paulo Alberto Paes Gomes, físico de formação e coordenador do projeto apoiado pela FAPESP por meio do Programa Pesquisa Inovativa na Pequena e Micro Empresa (Pipe). Pela quantidade de luz que é absorvida é possível dosar a quantidade de hemo-globina na amostra. Basta apertar um botão que o resultado aparece em um

mostrador. A leitura dos padrões de he-moglobina, que correspondem a valo-res normais ou baixos, é feita por um chip previamente programado. “A esti-mativa é que cerca de 17% das crianças brasileiras de 4 a 6 anos tenham anemia ferropriva, o que confi gura um grave problema de saúde pública, porque é a idade em que o sistema nervoso está se desenvolvendo e, com isso, o aprendi-zado fi ca prejudicado”, diz o professor Jair Ribeiro Chagas, do Departamento de Ciências da Saúde da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), que participa da pesquisa.

Um equipamento sueco portátil é atualmente a principal referência para medição de hemoglobina. Só que, em vez da ampola, uma pequena lâmina transporta a gota de sangue para dentro do aparelho que faz a leitura. O novo método de leitura e medição da proteí-na possibilitou um pedido de patente, depositado no Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI), com apoio da FAPESP. O preço do aparelho e o custo dos exames são citados pelos pesquisadores como pontos a favor do aparelho nacional. “O equipamen-to importado custa cerca de R$ 4 mil, enquanto o que desenvolvemos deverá fi car no máximo em R$ 2 mil, com im-postos inclusos”, diz Chagas. “O exame com a ampola e o reagente fi ca em cerca de R$ 1,50, mesmo em pequena escala, enquanto outros métodos custam entre R$ 5,00 e R$ 7,00”, ressalta Gomes.

A primeira idéia dos pesquisadores era trabalhar no desenvolvimento de

ANÁLISES CLÍNICAS>

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atende mães e crianças do bairro. O pro-jeto foi aprovado pela FAPESP e pelo comitê de ética da universidade.

“Na validação foram avaliadas mais de cem crianças entre 4 e 6 anos, com o nosso aparelho, o importado, comprado para a avaliação, e o equipamento nor-mal de laboratório que eles já usavam no ambulatório”, relata Chagas. Participa-ram dessa etapa agentes do Programa de Saúde da Família da Unifesp. Além do

exame de sangue, foram feitas medidas de peso e altura das crianças. “Elas apresentaram uma prevalência muito alta de anemia, entre 20% e 21%”, ressalta. Após a comprovação de que o equipamento efeti-vamente funcionava, foi feito um acordo com a prefeitura de Ilhabela, no litoral norte paulista, para avaliação de crianças também em idade pré-escolar. Nessa etapa fo-ram avaliadas 670 crianças. “Dessas, 18% apresentaram anemia”, relata Chagas. Todas

as famílias de crianças que apresenta-ram anemia receberam uma carta com recomendações alimentares e após 45 e 90 dias foram feitos novos exames para avaliação do nível de hemoglobina no sangue. Encerrada essa etapa, os pesqui-sadores propuseram ampliar o estudo para outras localidades, como Santa Lu-zia do Itanhi, cidade no litoral de Ser-gipe, foz do rio Amazonas e para outras periferias de São Paulo. “Nosso objetivo era avaliar a utilização do equipamento em cenários e condições ambientais e sociais diversos”, diz Oliveira.

Em julho deste ano uma equipe composta pela médica pediatra Juliana Teixeira e por pesquisadores do grupo passou dez dias no município sergi-pano, avaliando todas as crianças em idade pré-escolar. “Foram 230 exames, com diagnóstico de anemia em 22% das crianças”, relata Gomes. Na segun-da semana de agosto Bracco visitou de barco comunidades ribeirinhas na foz do rio Amazonas, no Amapá, para testar a efi cácia do equipamento. Nesse caso fo-ram avaliadas 370 pessoas, entre adultos e crianças, amostragem que apresentou mais de 40% de incidência de anemia.

Pelos resultados apresentados, o equipamento respondeu bem a todas as demandas em diferentes ambientes. “Embora seja um efeito colateral do projeto principal, este aparelho é mui-to interessante do ponto de vista da saúde pública”, diz Chagas. Quanto ao equipamento multifunção para medir potássio, sódio e outros parâmetros, está pronto um primeiro protótipo, mas ainda falta a validação, que en-globa dez diferentes exames. ■

um equipamento para medir a enzi-ma conversora de angiotensina, uma proteína importante no tratamento da hipertensão. “Queríamos um equipa-mento que facilitasse a medida dessa enzima no laboratório”, conta Chagas, que trabalha com enzimas proteolíticas. Nessa mesma época, em 2004, o pesqui-sador exercia o cargo de pró-reitor de pesquisa e graduação da Universidade de Mogi das Cruzes (UMC), após se licenciar na Unifesp. Foi na universi-dade que conheceu Gomes, que, após cursar física e concluir o doutorado em engenharia biomédica na Universida-de Estadual de Campinas (Unicamp), formou um grupo de pesquisa em engenharia biomédica na área de ele-trofi siologia do coração com apoio do Programa Jovens Pesquisadores da FA-PESP. Quando efetivamente decidiram dar início ao desenvolvimento, Gomes, que já estava afastado da universidade, fi cou responsável pelo projeto na em-presa Sépia, abrigada na Intec, incu-badora de base tecnológica de Mogi. O terceiro sócio na empresa, Maurício Marques de Oliveira, formado em vete-rinária pela Universidade de São Paulo e com mestrado em engenharia biomé-dica pela UMC, juntou-se ao grupo no início de 2006.

Avaliação tecnológica - A idéia inicial foi ampliada para medição de outros parâmetros, como hemoglobina, sódio, potássio, glicose e colesterol, todos em um único equipamento. No fi nal de 2006, durante o desenvolvimento do projeto, surgiu uma chamada de propostas para incorporação de novas tecnologias ao Sistema Único de Saúde (SUS), uma parceria entre o Ministério da Saúde, a Secretaria da Saúde do Estado de São Paulo e a FAPESP. Como as pesquisas estavam adiantadas e um primeiro protótipo para medição de hemoglo-bina já estava pronto, os pesquisadores apresentaram o equipamento para Mário Maia Bracco, médico respon-sável pelo Centro Assistencial Cruz de Malta, organização não-governamental que atua na região do Jabaquara, zona Sul de São Paulo, para que avaliasse a tecnologia empregada e a possibilida de de aplicação no SUS. A Cruz de Malta, conveniada com a Unifesp nas áreas de enfermagem, oftalmologia e pediatria, conta com um ambulatório clínico que Dinorah Ereno

1. Fluorímetro simplificado para medição da atividade da enzima conversora de angiotensina (ECA) em fluidos biológicos2. Solicitação de auxílio para registro de patente para o hemoglobinômetro portátil HB-010 e método associado3. Avaliação da tecnologia empregada no hemoglobinômetro HB-010 e possibilidade de aplicação pelo Sistema Único de Saúde convênio FAPESP-CNPq-SUS

MODALIDADES

1. Programa Pesquisa Inovativa na Pequena e Micro Empresa (Pipe) 2. Programa de Apoio à Propriedade Industrial3. Programa Pesquisa para o SUS - Políticas Públicas

CO OR DE NA DORES

1 e 2. PAULO PAES GOMES - Sépia3. MÁRIO BRACCO - Cruz de Malta

INVESTIMENTOS

1. R$ 326.778,35 (FAPESP)2. R$ R$ 6.000,00 (FAPESP)3. R$ 178.185,00 (FAPESP)

OS PROJETOS>

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Medidor portátil de hemoglobina

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Um grupo de pesquisa forma-do por quatro professores e 23 alunos de graduação e mestrado de três universida-des nacionais fez o projeto e montou com sucesso três circuitos integrados de alta

complexidade que já são amplamente difundidos no mundo da eletrônica como peças-chave na composição de vários sistemas utilizados na área de multimídia e TV digital. Os chips são um processador 8051, um decodifi ca-dor MP3 e um decodifi cador MPEG4. A eleboração de todos seguiu padrões internacionais de qualidade. Embora essas tecnologias não sejam novidade – a Intel, por exemplo, fabrica desde o início dos anos 1980 o processador 8051 –, o trabalho se reveste de im-portância porque contribui para a formação de recursos humanos que possam integrar futuras empresas de fabricação de chips no Brasil. Até o momento, apenas a norte-americana Freescale, com sede em Jaguariúna, interior paulista, desenvolve projetos de circuitos integrados com complexi-dade semelhante no país.

Um circuito integrado é tanto mais complexo quanto maior é o número de transistores que possui – quanto maior esse número, mais complexo ele é. O processador 8051, por exemplo, tem 187 mil transistores, enquanto o deco-difi cador MP3 tem 308 mil transistores e o MPEG4, 430 mil transistores. “Con-seguimos desenvolver esses circuitos numa parceria entre a Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), o Departamento de Engenharia Elétri-ca da Universidade Federal de Cam-

MICROELETRÔNICA

PADRÃO INTERNACIONAL

Projeto de circuitos integrados de alta complexidade é executado por um grupo de pesquisadores de três universidades

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pina Grande (UFCG) e o Instituto de Compu-tação da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp)”, conta a en-genheira Edna Barros, coordenadora do curso de engenharia da com-putação do Centro de Informática da UFPE.

Uma inovação im-portante do trabalho dos pesquisadores é a im plementação dos cir-cuitos em módulos que permitem a incor pora-ção a sistemas maiores, inclusive aque l es que possam ser integrados em um único chip. Co-mo eles usaram técnicas modernas de projeto, os módulos podem ser in-tegrados em um único chip. “Isso abre uma grande perspectiva para agregar valor aos módulos e viabilizar sua uti-lização no desenvolvimento de pro-dutos eletrônicos mais efi cientes, de menor custo e com maior qualidade”, diz a pesquisadora da universida de pernambucana.

Os circuitos projetados são usados hoje em vários equipamentos de ele-trônica de consumo e na área de au-tomação industrial em todo o mundo. O decodifi cador MP3 está presente em aparelhos celulares e na maioria dos tocadores de música com o for-mato de arquivo em MP3, enquanto o decodifi cador MPEG4 é largamente usado em máquinas fotográfi cas, câ-meras de vídeo e telefones celulares. Uma versão ampliada desse circuito faz parte de todo sintonizador de TV digital fabricado no Brasil. O proces-sador 8051, por sua vez, é um dos mais usados por empresas que fabricam má-quinas e equipamentos voltados para automação industrial.

Os circuitos do grupo funciona-ram na primeira vez em que foram testados. “A qualidade do projeto e também o nível da metodologia uti-lizada fi caram assim demonstrados. A obtenção da taxa de 100% de situa-ções em que os circuitos funcionaram bem na primeira vez é fundamental na área de microeletrônica, porque o custo de um erro é muito alto, tanto

fi nancei ramente como de credibili-dade e tempo”, conta Edna Barros.

O desenvolvimento dos três chips faz parte do projeto Brazil-IP, fi nan-ciado pelo Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT) e administrado pelo Centro de Informática da UFPE. O Brazil-IP foi iniciado em 2003 por Edna e mais os professores Guido Araújo (Unicamp) e Elmar Melcher (UFCG). A fi nalidade do programa, do qual participam 16 universidades, é, além de formar recursos humanos para projetar circuitos integrados, criar uma base para a área de design de módulos que possam atuar em outros chips e obtenham propriedade inte-lectual. As instituições participantes do Brazil-IP, atualmente orçado em R$ 3 milhões, recebem equipamen-tos, licenças de software e bolsas para alunos de graduação e pós-graduação. Os recursos também são empregados no treinamento de professores e alunos e em viagens de intercâmbio.

Licença universitária - O principal foco do projeto encabeçado pela UFPE, Unicamp e UFCG são os alunos de graduação dos cursos de engenharia eletrônica, engenharia da computação e ciência da computação. Embora tenham sido projetados no Brasil, eles foram fabricados na Áustria, porque nem as instituições de pesquisa envolvidas nem as empresas instaladas no país

contam com a estrutura neces sária para produ-ção desses chips. Segun-do Edna Barros, essa situação está com seus dias contados porque, provavelmente a partir de 2010, o país deverá, enfi m, ter infra-estrutura para produção de uma

classe de circuitos integrados no Centro de Excelência em Tecnologia Eletrônica Avançada (Ceitec), localizado em Porto Alegre, no Rio Grande do Sul (ver Pes-quisa FAPESP nº 137), e que, no fi nal de julho, foi transformado em Centro Nacional de Tecnologia Eletrônica Avançada (Ceitec S/A), uma empresa pública vinculada ao MCT. “A fase de projeto, no entanto, é a principal ativi-dade de desenvolvimento do chip. Em média, 60% de seu preço corresponde ao valor do projeto”, diz Edna, que também é a coordenadora do Brazil-IP. Ela explica, ainda, que os circuitos desenvolvidos foram projetados usan-do licenças universitárias. Por isso só podem ser usados para uso acadêmico em instituições brasileiras.

Planejado inicialmente para ter quatro anos de duração, o projeto co-meçou em 2003 e os chips foram envia-dos para fabricação em maio de 2006. Nos dois anos seguintes, os professores e alunos envolvidos na pesquisa fi ze-ram a implantação dos circuitos como chips. “Nosso próximo desafi o é repas-sar essa metodologia de projeto para outras instituições de ensino”, conta Edna Barros. “Temos um défi cit enor-me de profi ssionais na área e a expe-riência tem revelado que quanto mais cedo o aluno tiver contato com o setor de microeletrônica, mais facilmente ele terá interesse em atuar nessa área e será um profi ssional mais capacitado.” ■

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Layout do MP3, à esquerda, um circuito com o MPEG4, ao lado, e o 8051, abaixo

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EDUCAÇÃO

A elite do saberEstudo analisa perfi l intelectual da classe dirigente brasileira

Este é o século da elite do sa-ber, e não apenas da elite do berço e sobrenome”, disse, recentemente, o presiden-te Lula, anunciando planos futuros para a educação. A frase é de uma correção im-

pecável, mas não anuncia nenhuma novidade, pois há várias décadas o Estado brasileiro vem se esforçando para que o novo século ganhe esse status. “As análises de nosso traba-lho revelam que o campo do poder no Brasil se diversifi cou com os in-vestimentos intelectuais, os quais ganharam uma autonomia em relação aos recursos econômicos, sociais e políticos das famílias de origem dos estudantes. Há tempos o Estado cria oportunidades para que os universitários de origem mais modesta possam ascender ao mundo internacional do saber e ganhar instrumentos que permi-tam a eles rivalizar com as elites tradicionais”, afi rma a historiadora Letícia Bicalho Canêdo, professora da Faculdade de Educação da Uni-camp e diretora do Focus (Grupo de Estudos sobre Instituição Escolar e Organizações Familiares), onde coordena o projeto temático Circu-lação internacional e formação dos quadros dirigentes brasileiros, com apoio da FAPESP.

O projeto pretende conhecer quem são os formadores de polí-ticas públicas e como são alocados

Carlos Haag | ilustrações Hélio de Almeida

os recursos sociais e institucionais que capacitaram esses indivíduos a participar das práticas de negociação do mundo globalizado. “Sabemos que a maioria dos altos postos políticos de hoje são ocupados por pessoas que estudaram no exterior e em universidades de ponta. Bas-ta lembrar nomes como Fernando Henrique Cardoso, José Serra e Marta Suplicy, para citar alguns, e verifi car que boa parte da nossa elite dirigente passou por uma especialização internacional.”

A pesquisadora explica que o estudo pretende se juntar àqueles que desejam compreender o sentido do “projeto universalista”, ou “globalização”, em particular no estabelecimento de princípios de ação e modos de governo “universalistas”. “Queremos investigar os ‘tradu-tores desse universo’, os indivíduos e redes que operam para a concretização desse projeto universalizante nos organismos intergovernamentais, associações interna-cionais, ONGs, universidades e sociedades profi ssionais.” Assim, ao circular internacionalmente e trazer visões e princípios para o seu país de origem, esses quadros difundem esses valores universais e os adaptam aos sis-temas locais.

“A idéia é analisar tanto a elite que ascende pela ‘gran-de porta’ de um título internacional, e com isso reivindica para si cargos de autoridade, como todos que, com um diploma local, estariam sendo colocados, por essa razão, em carreiras de segunda classe”, analisa. A partir desse viés, será possível, acredita a pesquisadora, entender a participação das elites na construção e modernização do Estado brasileiro a partir de suas experiências individuais. “Estamos falando de uma competição baseada não em países, mas em pessoas de carne e osso. Isso é fundamental quando se vive um momento de globalização que visa estabelecer modos de governo com pretensões planetá-rias, um dispositivo hegemônico que vai ser o centro da reprodução das elites nacionais dos países periféricos.” Ou seja, será possível saber como títulos universitários, conhecimentos técnicos, contatos, recursos, prestígio e

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legitimidade adquirida no exterior para construir carreiras no país de origem reforçam, no campo nacional, a posição dominante dos que podem valorizar o seu pertencimento às redes interna-cionais do establishment (entenda-se: Banco Mundial, Fundo Monetário In-ternacional etc.).

Missão - Mas, a se acreditar na sabe-doria popular do “é de pequenino que se torce o pepino”, o início desse ma-croprocesso global se dá no mundo “micro” das escolas e das famílias. “A escola é investida de uma dupla missão: gerar a força de trabalho demandada pelo espaço de produção econômica e também os agentes socialmente inse-ridos, ou seja, inseridos numa cultura demandada pelos grupos familiares”, explica Ana Maria Fonseca de Almeida, pesquisadora do projeto. Dessa ma-neira, a escola tem um papel não ape-nas técnico, mas simbólico, pois será nesse ambiente que os jovens formam um círculo de amizades que será uma rede de apoio, bem como aprendem saberes outros que os escolares, ligados ao social: como gerenciar um grupo e liderá-lo. “Nossa preocupação não é ter a educação das elites como modelo, mas saber como ela é usada para man-ter as posições de poder na sociedade e estudá-la para observar as desigualda-des sociais. Afi nal, cada país ‘inventa’ a sua tradição de educação”, observa.

Daí, por exemplo, lembra a pesqui-sadora, a nova visão da competência em língua portuguesa, hoje menos ligada à gramática e mais à capacidade do alu-no de interpretar o mundo. O que não impede, é claro, o interesse sempre re-novado no inglês, idioma fundamental na circulação internacional. Mas qual é a novidade? As elites nacionais sempre deram valor ao aprendizado de línguas e às estadias no exterior para criação de uma educação cosmopolita. “A partir dos anos 1950, mais intensamente nos anos 1980, se desenvolveu uma política voluntarista de apoio aos intercâmbios com a concessão de bolsas por agências de fi nanciamento à pesquisa, que alte-rou de forma radical o recrutamento social dos efetivos que partem para o exterior. Viagens internacionais de estudo, hoje, não são apanágios ape-nas de elites familiares endinheiradas”, analisa Letícia.

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A educação cada vez mais foi se consolidando em “questão de Estado”. “A qualifi cação de professores e pes-quisadores num país como o Brasil, de formação colonial peculiar que não estimulou a formação autóctone de intelectuais, não pôde ser realizada plenamente com os meios internos”, observa Carlos Roberto Jamil Cury, também do Focus. “Portanto, a tradição de formação de elites intelectuais fora do país não é tão recente assim. O que vem sendo feito nos últimos 35 anos é, de certo modo, a ampliação consciente e programada de uma tradição anti-ga por meio da qual o poder público sempre buscou a qualifi cação de pro-fessores e pesquisadores no exterior.” Esse processo se consolida a partir de 1946, quando a Constituição estadual paulista torna gratuito todo o ensino público, inclusive o superior. “Assim, a partir dos anos 1950, verifi cou-se uma expansão das instituições e, acima de tudo, um papel mais forte do Estado na sua manutenção. É o período da federalização das escolas superiores e sua aglutinação em universidades.” É a quebra do poder familiar, cujos fi lhos, agora, são levados à escola para receber uma educação dada por especialistas certifi cados pelo Estado.

Dois movimentos externos se jun-tariam a esse impulso interno. O pri-meiro é o surgimento da teoria do capital humano, de 1960, que sugere que investimentos na educação geram benefícios para indivíduos e sociedades, o que transforma o ensino em fator de desenvolvimento econômico, o que eleva o interesse do saber pelo Estado, que, por essa razão, passa cada vez mais a colocar economistas como os novos gestores da educação. O outro, mais prosaico, foi a Guerra Fria, que, nota Letícia, “reforçou a concorrência entre as nações pelo monopólio dos avan-ços científi cos, o que hierarquizou os países que possuíam menos ou mais

inserções em cada domínio do saber na cena internacional”. O poder político nacional e internacional não era mais completo se não fosse fundamentado num sistema de produção e transmis-são de conhecimentos científicos e tecnológicos. “No Brasil, a criação, em 1951, das primeiras agências nacionais de apoio à pesquisa, o CNPq e a Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior), permite aos brasileiros participar do curso cientí-fi co induzido e acelerado pela Guerra Fria.” No caso do CNPq (Conselho Na-cional de Desenvolvimento Científi co e Tecnológico) , nota Letícia, sua criação ligou-se diretamente ao uso da ener-gia nuclear, o que explica por que seus primeiros dirigentes foram escolhidos dentre as Forças Armadas. Já a Capes deveu-se à iniciativa do educador Aní-sio Teixeira, pessoalmente um adepto das viagens de saber internacionais, que pretendeu com isso diminuir o atraso do sistema educativo nacional ante as grandes potências científi cas por meio da cooperação internacional. Na prá-tica escolar, nota a pesquisadora, isso signifi cou uma ruptura com o sistema brasileiro de formação tradicional, cal-cado em escolas católicas, para assumir, a partir de então, um caráter associado aos paradigmas externos.

“Além disso, a criação das institui-ções aumentou a possibilidade da for-mação no exterior, inaugurando uma política pública de atribuição de bolsas determinada a dotar o Brasil de recur-sos humanos de alto nível”, observa a pesquisadora. O Estado coloca sob sua responsabilidade a formação da nova elite científi ca, não mais apenas res-trita a elites familiares. “Isso também se consolida com a criação, em 1962, da FAPESP, um organismo estadual a se juntar aos esforços dos dois outros, federais, visando a possibilitar uma experiência direta dos pesquisadores com as práticas culturais e científi -

cas de vanguarda internacional.” Ao mesmo tempo, incentivou-se, nos anos 1950 e 1960, com a implantação de mestrados e doutorados, a criação de um corpo permanente de cientistas no país. “Os inícios da pós-graduação associavam o Estado, o progresso da ciência e a busca de referências inter-nacionais de conhecimento. O Estado vai-se impondo como garantia do de-senvolvimento científi co, visto como fundamental para a busca da autono-mia nacional”, nota Cury.

Autônomo - Esse movimento se man-tém, ou mesmo cresce, até durante períodos de exceção, como a ditadura militar, afi nal o “Brasil potência” deve-ria ser visto como tal por brasileiros e estrangeiros. A teoria do capital huma-no foi levada ao pé da letra. “A moder-nização conservadora pretendida exigia urgência por determinadas áreas que só poderiam se consolidar com doutores formados no exterior. A pós-gradução assume uma posição estratégica no âmbito educacional e também nos ter-mos do modelo de desenvolvimento do país”, nota Cury. “Nessa ação delibera-da do Estado, o envio de professores para o exterior constitui um patamar básico para a disseminação endógena de programas de mestrado e douto-rado no país e para sua consolidação qualifi cada. Assim, o papel da pós-gra-dução no exterior ganhou um papel importante: a de ser um momento for-mativo, a fi m de possibilitar o desen-volvimento autônomo da pós no país.” Hoje, continua o pesquisador, passada a necessidade do impulso inicial, há um recuo das agências em fi nanciar doutorados plenos no exterior, com preferência por pós-doutorados e por “bolsas-sanduíches”, mais curtas e, em geral, menos dispendiosas.

Ampliou-se igualmente o espectro de auxílios. “Como as agências pro-gressivamente incorporaram todas as

O Estado vai-se impondo como garantia do

desenvolvimento científico, visto como fundamental

para a busca da autonomia nacional

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disciplinas científi cas e culturais aos seus programas, para além das cha-madas ciências ‘duras’ ou exatas, a in-tervenção delas abriu a oportunidade de carreiras de substituição para no-vas gerações de pesquisadores, dentre os quais boa parte deles não tem um capital social equivalente àquele das elites tradicionais”, completa Letícia. Logo, a seleção dos candidatos a sair do país passa a fi car sob o controle dacomunidade científi ca, diminuindo o clientelismo político, fato de im-portância decisiva na mudança da composição social dos universitários em circulação internacional e no de-senvolvimento científi co e político do Brasil. “Foi graças a essa política que o Brasil teve a capacidade de assimilar quase instantaneamente uma tecnolo-gia relativamente nova, ao menos para o país, a saber, aquela do seqüencia-mento genético”, elogiou André Gof-feau, pesquisador do Instituto Curie e diretor do projeto de seqüenciamento do genoma da levedura.

“O Estado brasileiro, por meio desses mecanismos, vem sustentando, desde 1970, a reconversão das elites dirigentes”, afi rma Letícia. Que não se restringem apenas ao espaço acadêmi-co, mas saem dele para levar suas idéias à sociedade. “Basta ver como essa nova reserva de professores universitários vai contribuir, a partir do mesmo período, para o reforço de uma elite política in-teressada na construção de um novo espaço de poder. A intenção deles é determinar como deve ser a sociedade brasileira e, para tanto, escolheram re-presentantes ativos em diferentes seto-res sociais aptos a fornecer um projeto de sociedade”, analisa Ana Paula Hey, outra das pesquisadoras do temático. Segundo ela, o grupo se concentrou, inicialmente, em torno da USP e, den-tro da universidade, do Nupes (Núcleo de Pesquisas sobre Ensino Superior), que, em comum, têm o fato de serem altamente qualifi cados e terem passado

à ação no espaço político, benefi ciando-se das diversas formas de capital ad-quirido, reconvertido em benefício da produção e da concretização de suas idéias no mundo social. “É importante lembrar também o grupo do Cebrap (Centro Brasileiro de Análise e Plane-jamento), de onde saíram políticos de primeiro nível, como Fernando Henri-que Cardoso, José Serra, Paulo Renato Souza, Luis Carlos Bresser Pereira, entre outros, ligados ao PSDB.”

Intelectual - Esse grupo, em especial, vai participar, a partir dos anos 1980, período de abertura política, ativamente da vida política, seja abertamente, seja como ideólogos de uma nova visão da sociedade. “O Cebrap tinha uma visão diversa da carreira acadêmica, consi-derada como um ‘modo de vida’, em oposição ao intelectual que não sabia negociar suas opiniões e suas propostas”, nota Ana Paula. O ideal desse conjunto de intelectuais era elaborar um projeto de sociedade e seguir pela via eleitoral, tendo sempre em vista a divisão da polí-tica em um “baixo clero”, desqualifi cado, e o “alto clero”, composto por intelec-tuais e universitários que concebem o saber como um estilo de viver, dispondo de todos os meios necessários para a elaboração e consecução de um projeto social de mundo. “A idéia reforçava a produção de uma ideologia fundamen-tada sobre uma concepção da ciência, vista como a única habilitada a falar do mundo social, já que produzida pelo único grupo legitimado.”

Segundo a pesquisadora, tratava-se de colocar em prática algumas estraté-

gias. “Na medida em que muitos pesqui-sadores são convidados para postos do governo federal, uma estratégia efi caz consiste em introduzir uma concepção do sistema de ensino superior como se ele fosse expressão do universo acadê-mico; em outras palavras, tratava-se de traduzir esse programa efetivamente político como expressão da vontade acadêmica”, afi rma Ana Paula. “O pro-grama acadêmico de ensino superior foi elaborado, assim, no espaço político. A regra era pertencer a uma elite que se diferencia pela posse de um capital cul-tural específi co. Esse capital se constitui também em capital social, instituído ao longo de uma trajetória de formação acadêmica e profi ssional, a qual se reú-ne à circulação internacional.” Para a autora, o que se verifi ca é a construção de um novo espaço de poder, onde os experts pertencem a um mercado inter-nacional, impondo orientações políticas sobre o plano local, trabalhando ao lado de técnicos saídos do universo acadêmi-co e científi co nacional.

“O reconhecimento acadêmico tem um papel central nessa luta, já que ele confere uma legitimidade às ações po-líticas práticas.” Assim, o capital cosmo-polita das elites engajadas na luta pela construção de um espaço internacional de conhecimento de Estado propiciaria que elas se afi rmassem num papel-chave para a defi nição de modelos institucio-nais nacionais. “Investir no espaço in-ternacional para reforçar suas posições no campo de poder nacional e, simulta-neamente, fazer valer sua notoriedade nacional para se fazer entender na cena internacional. Isso porque as estratégias cosmopolitas nesses fenômenos têm se apresentado como servindo ao interesse nacional, enquanto, inversamente, as estratégias nacionais se reivindicam de valores universais. Afi nal, são as idéias que esses ex-bolsistas trouxeram de suas viagens que nos permitem apreender um novo posicionamento do Brasil no cenário mundial”, nota Letícia. ■

Seleção dos candidatos a sair do país passa para

a comunidade científica, diminuindo o clientelismo

Viagens que nos permitem apreender um novo

posicionamento do Brasil no cenário mundial

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HISTÓRIA

A terra

A contribuição nipônica para a pesquisa brasileira

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da ciência nascente

Plantação de chá em Registro: japoneses trouxeram sementes do Ceilão

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Educadores japoneses em 1940 (esquerda); médicos pesquisam mosquito da malária (centro); hospital japonês, de 1939 (direita)

Um antigo ditado japonês ensina: “Ouça uma palavra, entenda dez”. Não sem razão, a pala-vra que designa “ciência”, kagaku, é a união de dois ideogramas que signifi cam “estudo, aprendizado” e “categoria, distinção”. Se, por décadas após a sua chegada ao Brasil, em 1908, eles se mantiveram “presos” à terra e

à agricultura, no momento em que os nikkei (descen-dentes nascidos fora do Japão) descobriram que sua passagem tropical não era temporária, mas efetiva, muitos dentre eles deixaram o campo e foram para as cidades. “Os agricultores abandonaram as lavouras para que seus fi lhos estudassem, vendo nisso seu ca-minho para continuar o processo de ascensão social. Na cidade acentuou-se a valorização da escolarida-de, único canal de ascensão aberto aos japoneses”, escreveu Ruth Cardoso em seu doutorado Estrutura familiar e mobilidade social: estudos dos japoneses no estado de São Paulo. A ciência e o saber passaram a signifi car, num país que demorou a aceitá-los, uma forma de distinção.

“As famílias nikkeis valorizam mais a formação escolar do que a aquisição de bens materiais de os-tentação econômica e social. A educação é um valor perseguido por várias famílias de nikkeis, desde a era Meiji, quando o Japão já tinha resolvido o problema do analfabetismo antes da Europa e dos Estados Uni-dos”, explicou no livro O nikkei no Brasil o sociólogo Sedi Hirano. “Apesar disso, as pessoas diziam, em tom de piada: ‘Você já matou um japonês para po-der entrar na medicina ou na engenharia da USP?’ É

um sintoma claro de discriminação.” Que a notável sabedoria oriental soube desprezar. “Pela própria ca-racterística dos imigrantes nipônicos (68% no caso do Kasato-Maru), atividades culturais da chamada colônia japonesa iniciaram-se cedo e as investigações científi cas não fugiram à regra. Muita gente duvida, porém, quando se afi rma que os japoneses imigra-dos ocuparam-se das ciências exatas e naturais já na década de 30 do século passado, antes mesmo do surgimento da USP, como, por exemplo, o Instituto Kurihara de Ciência Natural Brasileira, fundado em 1931, auto-intitulado o ‘menor observatório astro-nômico do mundo’”, observa Ana Maria Kazue Miya-dahira, professora titular da Escola de Enfermagem da USP e coordenadora do projeto Encontros e memórias: a inserção nikkei na USP e na sociedade brasileira, a ser publicado em livro.

No início, o intercâmbio científi co entre os dois países era, naturalmente, pequeno. “Sendo um país primário-exportador, de parca industrialização, pra-ticava-se pouca ciência no Brasil e o Japão, por sua vez, não era ainda uma potência na área científi ca, já que seu desenvolvimento fora apressado e calcado na importação de know-how”, explica o historiador Shozo Motoyama, da USP. Pesquisadores brasilei-ros preferiam manter contatos com a comunidade científi ca européia, em particular a francesa. Para complicar, nas décadas de 1920 e 1930 recrudesceram as campanhas antinipônicas no Brasil, cuja comu-nidade científi ca, em boa parte, estava envolvida no ideal da eugenia. Daí o fenômeno notável do Instituto

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Kurihara, criado em Mirandópolis pelo lavrador Shihishi Kamiya e um grupo de amadores, que desenvolveu estudos não desprezíveis na área de astrono-mia, meteorologia, zoologia, botânica, arqueologia, antropologia e história. Kamyia e seus amigos transformaram um velho galinheiro em observatório astronômico enviando dados para o Ob-servatório de Kwazan, no Japão, e para o Observatório Nacional, no Brasil.

Ofi m do confl ito permitiu a retoma-da das atividades científi cas entre japoneses e brasileiros, em especial

no campo da física, área que teve um progresso notável graças ao investi-mento militarista do império nipôni-co, tendo como fi guras centrais Hideki Yukawa e Sin-Itiro Tomonaga, grupo interessado na física quântica, então vista com pouco interesse no Japão. “Em 1934, contrariando essa corrente majoritária, Yukawa propôs a existên-cia de uma partícula chamada méson, mas suas descobertas foram recebidas com frieza pela comunidade dos físicos”, conta Shozo. Em 1947, César Lattes foi um dos cientistas que observou empiri-camente a partícula atômica méson-pi, ajudando assim Yukawa a conquistar o reconhecimento de suas teorias. No Brasil, porém, a colônia nipônica passa-va por momentos delicados com a der-rota japonesa na guerra, que enterrou os sonhos dos imigrantes em retornar ao Japão. A comunidade dividia-se entre

os katigumis, que acreditavam na vitória imperial e queriam voltar para casa, e os makegumis, vistos como “derrotistas”, uma minoria (20%) que reconhecia a derrota para os aliados. Interessados em manter a verdade e, ao mesmo tempo, manter o moral dos conterrâneos, os makegumis decidiram trazer Yukawa, o primeiro Nobel japonês, em 1949, ao Brasil para que falasse do fi m do im-pério. Arrecadaram quase 1 milhão de ienes, mas o físico, adoentado, não pôde vir (vindo a fazê-lo posteriormente, em 1958). O dinheiro, então, foi doado à Universidade de Kioto, que passava por sérias difi culdades no pós-guerra.

“O dinheiro vindo do Brasil es-timulou a formação de um grupo de pesquisas experimentais pioneiras com emulsão nuclear. Esse grupo, formado por Yukawa, Sin-Itiro Tomonaga e Ma-satoshi Koshiba (vencedores do Nobel de Física em 1949, 1965 e 2002, respec-tivamente), além de Mituo Taketani, mais tarde propôs ao cientista brasileiro César Lattes a colaboração entre físicos teóricos e experimentais de ambos os países”, explica o físico Edison Shibuya, da Unicamp, que trabalhou com Lattes. “O gesto da colônia, convidando Yukawa para auxiliar nos problemas enfrentados no Brasil, contribuiu diretamente para a criação da CBJ e, indiretamente, para a consolidação da física das partículas ele-mentares.” Em 1958, os físicos Roberto Salmeron e Paulo Leal Ferreira estavam em busca de um diretor para o Instituto

de Física Teórica (IFT), criado em 1952, em São Paulo, nos moldes do Instituto Max Planck, da Alemanha. “Lembrei-me de conversas com um amigo, Hiroo-mi Umezawa, jovem físico japonês, da Universidade de Tóquio, que havia me contado que, depois da Segunda Guerra Mundial, havia poucos empregos para físicos nas universidades japonesas. Pedi uma recomendação a ela e semanas de-pois tive a surpresa de saber do interesse de Taketani, um dos big four da física japonesa, em dirigir o IFT”, conta Sal-meron num artigo recente sobre o ins-tituto. “Ele afi rmou publicamente que viera ao Brasil como agradecimento à doação feita dez anos antes pela colônia japonesa ao Grupo de Partículas Ele-mentares”, explica Shibuya.

Se a física foi um campo importan-te para a colaboração entre os nikkeis e os brasileiros, não se pode negar a presença massiva de japoneses em con-quistas médicas. Em 1923, o Ministé-rio do Interior do Japão concedeu um subsídio de 23 mil ienes para a instala-ção de serviços de assistência médica. “A difi culdade de comunicação (por causa dos problemas da língua) entre os imigrantes e os serviços médicos da comunidade levou as autoridades a estabelecer um convênio entre os dois países para que médicos japone-ses pudessem atender no Brasil. Eram os chamados haken-i, facultativos que podiam atender apenas os japoneses”, conta o médico Renato Yamada, profes-sor da Faculdade de Medicina da USP. “A carência de médicos fez com que se formasse alta porcentagem de nisseis em medicina, pois muitos pais japone-ses queriam que pelo menos um de seus fi lhos fosse médico, prova da situação terrível vivida pelos imigrantes. Assim, a partir de 1939, se formam muitos nisseis na USP.” E, desde então, 20% dos alunos que ingressam nas melho-res faculdades de medicina do país são nikkeis. Além de ajudar seus compatrio-tas, muitos deles vitimados por malária, tuberculose e outras doenças tropicais e por doenças causadas pela mudança de hábitos alimentares, ser médico fazia parte do projeto de ascensão social que, nos anos 1950 e 1960, privilegiava pro-fi ssões como medicina e engenharia. Em 1926 é criada a Dojinkai, sociedade japonesa de benefi cência, que trouxe ao país médicos japoneses e teve, entre

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Físicos brasileiros recebem colegas nikkeis (Taketani ao centro, de capa)

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as suas conquistas: a detecção e trata-mento de tracoma e verminoses (par-ticularmente o amarelão), a pesquisa para controle da malária e a difusão de conhecimentos sobre a leishmaniose americana, tuberculose etc.

Mas a grande contribuição tecnoló-gica e técnica, da vinda dos imigrantes nipônicos até a Segunda Guerra Mun-dial, deu-se no campo da agricultura, onde os nikkeis revolucionaram a pro-dução agrícola brasileira, contando, de início, com a assistência técnica do governo japonês, que colocou à dis-posição dos imigrantes agrônomos, técnicos e maquinário. Digno de nota é que, nesse mesmo período, a agricul-tura era um dos domínios prioritários da nossa economia e os imigrantes fo-ram responsáveis pela introdução de tecnologia e melhoramento genético, bem como de novas espécies de frutas e vegetais (no Brasil, nos anos 1900, os produtos agrícolas cultivados não passavam de 20); novas técnicas de co-mercialização, aprimoramento de téc-nicas de cultivo, difusão e importação; e, mais importante, foram os respon-sáveis pela criação em terras brasilei-ras de uma cultura de “associativismo” por meio das cooperativas, a primeira delas criada em 1913, no Triângulo Mineiro, muito antes da existência da lei de cooperativismo. Mais tarde a experiên cia da Cooperativa de Cotia marcaria época na tentativa de desen-

volver a comercialização de produtos. “Os produtores sentiam que eram ex-plorados pelos atacadistas e vendedores de insumos e equipamentos e iniciaram um movimento para se organizarem de produtores e vendas de compras em co-mum”, analisa o engenheiro agrônomo Isidoro Yamanaka, assessor especial do Ministério da Agricultura.

Uma importante contribuição dos agricultores japoneses foi a diver-sifi cação de culturas, em especial

a partir da década de 1930, e são obra desses pioneiros, entre muitos outros, o abacaxi sem espinho, o caqui e o mamão-papaia. A sericultura iniciou-se, ainda que sem sucesso, em 1912 com Ikutaro Aouagui, fundador da colônia de Iguape e um passageiro do Kasato Maru, que tentou implementar a criação do bicho-da-seda. Após vários esforços, em 1938 surgiu a Bratac (Sociedade Colonizadora do Brasil), que deu o impulso necessário, em tecnologia, para a criação do bicho-da-seda. Até mesmo o desenvolvimento da matriz de ovos brancos deveu-se ao esforço de nikkeis, também os respon-sáveis, em 1926, pela comercialização de ovos, antes restrita à criação feita em quintais familiares. A modernização da avicultura nacional é fruto dos técni-cos formados pelo Instituto de Práticas Agrícolas, administrado pela KKKK, que recebeu do consulado do Japão de São Paulo as primeiras matrizes de aves.

Nas várias embaixadas e consulados espalhados pelo Brasil, adidos agrícolas, do quadro do Ministério da Agricultura do governo japonês, atendiam os imi-grantes na orientação técnica de suas lavouras, bem como no benefi ciamento e processamento de produtos agrope-cuários produzidos. Em 1927, o início da Sociedade Cooperativa de Respon-sabilidade Limitada dos Produtores de Batata em Cotia, a futura CAC, trouxe práticas inéditas no país de correção do solo para melhoria de qualidade e produtividade, com a utilização de adu-bos químicos e orgânicos. Nos seus 70 anos de existência, a CAC aprimorou a agricultura com seu corpo técnico, por meio de pesquisas internas e pela importação de conhecimento de ou-tros países. Devemos a eles a plantação de hortaliças em estufas, os enxertos para melhoria de qualidade, criação de novas variedades etc. A colabora-ção tecnológica e científi ca se manteve nos anos seguintes, gerando programas como o Cedaval (Centro de Desenvol-vimento do Vale do Ribeira), o Centro de Pesquisa do Cerrado (a partir de 1975, em parceria com a Embrapa), o Prodecer (Programa de Cooperação Nipo-Brasileira no Desenvolvimento da Agricultura dos Cerrados), a ins-talação do Laboratório de Hidrologia Florestal, em Cunha, entre outros.

Hoje o agronegócio é responsável por 33% do nosso PIB, 42% das nossas exportações e 37% dos empregos no país. “Parte desse sucesso é mérito de nossos imigrantes. Foi com a chega-da deles que Brasil e Japão acertaram convênios de cooperação agrícola e pudemos usufruir de alta tecnologia e experiências muito válidas, que têm grande importância para a agricultura brasileira ser o que é hoje”, afi rma Bo-nifácio Nakasu, ex-diretor executivo da Embrapa. “A lição deixada pelos imi-grantes japoneses de respeito à natu-reza e do sacrifício em prol dos jovens não pode ser esquecida. Atuando como intérpretes e elementos de ligação, eles facilitaram a execução de uma fi loso-fi a baseada no espírito japonês cujos frutos são inegáveis”, observa Ana Miyadahira. Afi nal, a palavra kagaku, “ciência” em japonês, também pode signifi car poesia. ■

Carlos Haag

O Nobel nipônico no Brasil: chegada do físico Hideki Yukawa em São Paulo

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ale-gria

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pres-Nas páginas das revistas Fon-Fon e Careta o Carnaval carioca consolidou a contestação democrática

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ARTES PLÁSTICAS

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da da população carioca. “O Carnaval e o humor eram importantes não apenas para a saúde fi nanceira das empresas jornalísticas e editoriais, pois a abor-dagem e o tema agradavam o público leitor, mas, em especial, na vida de es-critores e artistas que escreviam com irreverência e participavam ativamente de cordões. Portanto, eles mesmos eram também artífi ces dessa história.”

Um exemplo da utilização da folia como negócio para a imprensa era o Jornal do Brasil, que possuía um elenco talentoso de ilustradores como Julião Machado, Raul Pederneiras e Amaro Amaral. O diário, diz a pesquisadora, auxiliou na popularização e no consu-mo das charges, sendo o responsável pela divulgação de um determinado tipo de Carnaval entre a população de nível social mais baixo. “As tiragens nos dias de festa aumentavam extraordina-riamente.” A cobertura era completa

e entusiasmada. Os repórteres e redatores, conta Fabiana,

empenhavam-se ao máximo

para pegar informa-ções. Faziam a ronda

entre blocos e cordões, publicavam os nomes de

seus diretores e dos carna-valescos que os freqüenta-

vam, estampavam em suas páginas a gravura dos estandartes dessas

agremiações e, ainda, promoviam concursos para

premiar essas manifestações carnava-lescas mais populares.

Professora assistente doutora da Unesp-Ourinhos, Fabiana defendeu mestrado e doutorado na linha de his-tória social na Faculdade de Filosofi a, Letras e Ciências Humanas (FFLCH), da USP. Ela faz ressurgir com sua meti-culosa e reveladora pesquisa os nomes de literatos, jornalistas, caricaturistas e de alguns músicos como Olavo Bi-lac, Artur Azevedo, Calixto Cordeiro, J. Carlos, Raul e Mário Pederneiras, Mar-tins Fontes, Emílio de Menezes, José do Patrocínio Filho, Olegário Maria-no, João do Rio, Coelho Neto, Bastos Tigre, Lima Barreto, Luiz Edmundo, Luiz Peixoto, Eduardo das Neves e Xisto Bahia, dentre outros colaboradores de Fon-Fon e Careta. Outro ponto que a autora considera curioso foi o fato de que, apesar de ter lido em um livro re-cente onde se afi rmava que Bilac tinha aversão ao Carnaval, ela concluiu que o jornalista e poeta, ao menos durante certo período de sua vida, foi um folião ativo e um escritor freqüente de crôni-cas relacionadas à folia momesca.

Apesar das duas revistas terem sido em parte responsáveis pela propagação e inserção de novas formas de brincar e de “ver” o Carnaval carioca e em todo país, estimuladas pela importação de “estrangeirismos” e pelos modismos provenientes de países como a França ou a Itália, principalmente durante a belle époque, Fabiana percebeu que a realidade muitas vezes traduzida na ir-reverência da própria festa ou por meio de textos e caricaturas impressas nas re-

Gonçalo Junior

Ohumor é, sem dúvida, a maior das subversões. O riso sem-pre desconcertou e desafi ou regimes totalitários ou socie-dades mais conservadoras. Pela charge e pela caricatura na imprensa ou por meio

de programas de rádio e TV, muito se tem dito e criticado nos dois últi-mos séculos com mais efi ciência até do que um sisudo editorial de jornal ou revista. Muito menos que no pas-sado, o Carnaval ainda serve também para protestar com blocos de foliões que usam fantasias e carregam faixas. Caricaturas carnavalescas: Carnaval e humor no Rio de Janeiro através da ótica das revistas ilustradas Fon-Fon e Careta (1908-1921), tese de Fabiana Lopes da Cunha, volta aos primórdios do século XX para resgatar um dos períodos mais fascinantes e participativos da imprensa de humor e do Carnaval carioca.

A partir da análise de textos e ilus-trações elaborados por grandes nomes da caricatura e da literatura e de jorna-listas que fi caram no anonimato, expli-ca Fabiana, é possível perceber a impor-tância do Momo na vida desses homens de letras e pincéis e quão importante foi a contrapartida que eles forneceram não apenas ao público leitor. É possí-vel também, acrescenta ela, resgatar e reconstruir através dessas publicações não apenas a histó-ria da festa, mas compreender o contexto do período, os pro-blemas políticos, a moda, as inovações e as mudanças na vi-

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vistas se transformava em comédia. “O Carnaval e o humor difundidos através de seus carros de crítica ou nas fantasias de mascarados avulsos que insistiam em brincar pelas ruas da cidade tradu-zem uma identidade com a nação e com seu cotidiano e política muito peculia-res e que são muitas vezes traduzidas através do sarcasmo e da irreverência de críticas feitas em momentos de festa”, observa a pesquisadora.

Assim, ela mostrou como os carica-turistas e articulistas acabavam expres-sando, nas revistas ilustradas, não ape-nas suas opiniões, mas também aquilo que já era um consenso pelas ruas da cidade e, por conta disso, tornavam-se motivo para a confecção de fantasias e máscaras sobre o assunto. Tais sátiras estavam, portanto, associadas a uma forma carnavalesca de representar estes temas que faziam parte do cotidiano da população ou de parte da intelligentsia, que contribuía com textos humorís-ticos para as duas publicações. “Des-

to rico e revelador sobre a vida coti-diana e política da capital do Brasil. Em especial, quanto à postura que as duas revistas tomavam com relação à política e a certas práticas relacionadas ao Carnaval. Outra fonte documental importante para ela foram as próprias canções da época, que possuem mate-rial rico em humor e sátira, apesar de a pesquisadora não se propor a anali-sá-las em sua forma como fez em seu mestrado. “Sabemos que muitas dessas composições não eram feitas especifi -camente para o Carnaval, mas a sátira política e a de costumes faziam muito sucesso pelas ruas da cidade, princi-palmente nestes dias de festa em que a liberdade e os excessos possibilitavam e estimulavam a crítica e o riso.”

A documentação impressa foi uti-lizada por Fabiana para mostrar como os caricaturistas e articulis-

tas acabavam expressando nas revistas ilustradas tanto suas opiniões quan-to aquilo que já era um consenso na cidade. Por conta disso, tornavam-se motivos para a confecção de fantasias e máscaras sobre o assunto. “Tais sátiras estavam, portanto, associadas a uma forma carnavalesca de representar esses temas que faziam parte do cotidiano da população ou de parte da intelligent-sia que contribuía para estas edições.” Além de Fon-Fon e Careta, ela recorreu a algumas revistas ilustradas como O Mequetrefe, Revista Ilustrada e o diário Gazeta de Notícias, entre outros. “Atra-vés de uma charge em que K.lixto re-trata o Barão do Rio Branco como um cozinheiro que prepara uma omelete, cujo fogo é alimentado por sacos de dinheiro, é possível saber que além de

muito popular o ilustre ministro tam-bém era famoso por seus banquetes e pela grande quantidade de dinheiro despendida em tais recepções.”

Através desta caricatura, pros-segue Fabiana, associada a várias outras que tratam da personalidade política e de sua famosa política de diplomacia, juntamente com textos,

músicas e peças de teatro que são pu-blicados ou propagandeados, pode-se compreender a importância que o Ba-rão do Rio Branco e sua política pos-suíam para a população carioca. Tais documentos denotam também que es-sas referências humorísticas possuíam

sa forma, parece-nos que esse tipo de humor se manifestava principalmente em momentos de lazer, diversão e em tempos de festa. Talvez porque nesses a crítica feita de forma irreverente fos-se mais palatável, momentos em que certas posturas eram dilatadas e o riso fl uía mais facilmente.”

Em certas situações, ressalta Fabia-na, as brincadeiras momescas, aliadas a sentimentos de contrariedade e de insatisfação de parte da população, acabavam extravasando com o próxi-mo. No caso, com desafetos que faziam parte de um grupo carnavalesco rival e quando estes se encontravam pelas ruas. Então as grosserias verbais muitas vezes extrapolavam para a agressividade física. A pesquisadora afi rma, porém, que não quer com essas observações insinuar que o riso e a sátira fossem formas típicas de o brasileiro se mani-festar política e socialmente. “Mas o fa-

to é que, ao menos durante a belle époque, a representação hu-

morística foi extremamente usada e importante pa ra a co munidade e também para a elite intelectual expressar seus anseios de modernidade.”

No primeiro momen-to, observa Fabiana, sua

tarefa foi analisar os dois pe-riódicos até o

ano 1930. Deparou-

se com um material mui-

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um misto de indignação com os gastos e de admiração pelas sucessivas vitórias diplomáticas que teve o barão em sua vida pública. “É o que percebemos no fi nal do texto: ‘Ao frigir dos ovos, eu passo a perna fraternal nos povos’.”

O estudo de Fabiana identifi cou vá-rios outros exemplos de imagens e textos que revelam as diversas

facetas com que a sociedade carioca, durante a belle époque, via os festejos de Momo e como estes eram representados em duas das principais revistas sema-nais do período. “A ótica mostrada foi principalmente aquela elaborada pelos literatos e caricaturistas do período, que retratavam tais festejos com grande do-se de humor e crítica.” A pesquisadora trata de vários aspectos dessa sociedade que foram “carnavalizados” pelos co-laboradores das revistas. Foi possível para ela ver as mudanças ocorridas na cidade: as reformas, a introdução dos bondes elétricos, dos automóveis, dos cafés e seu deslocamento em freqüência para os salões literários, o teatro e sua popularização com a implementação das sessões, a moda, com seus chapéus, entravées e jupes-coulottes.

Foram identifi cadas também as mo-difi cações que aconteceram na política e no Carnaval. Fabiana estudou ainda como este último foi utilizado de forma pedagógica pelos literatos, através dos desfi les e dos temas dos carros de crí-tica que difundiam seus ideais. “Com a proclamação da República e a desilusão de grande parte dos literatos frente a ela, os mesmos car-ros que antes eram usados para imprimir uma ideolo-gia à população, objetivando a abolição e o fi m da monar-quia, seriam utilizados num primeiro momento para elogiar as reformas implementadas com uma rapidez e um autoritarismo sem precedentes.” No entanto, ob-serva a pesquisadora, tal sentimen-to de euforia duraria muito pouco. Logo o humor e a sátira passariam a se voltar novamente para as perso-nalidades políticas e para certos mo-dismos que então imperavam. Tudo dentro do espírito e da irreverência que fi zeram da folia momesca uma grande celebração das liberdades. ■

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RESENHA

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A necessidade é a mãe da inven-ção, reza o dito popular. E tan to necessidade quanto invenção

são constantes no sertão nordesti-no. Nesse caso, não é de estranhar que a “santidade” e o culto ao Pa-dre Cícero (1844-1934) possam ser igualmente fruto dessa confl uência de fatores. As secas do século XIX foram determinantes na história do Ceará, terra natal do “padim”, verdadeiros marcos na vida dos sertanejos. Mais do que me ros fe-nômenos climáticos se trans forma-ram em questões sociais. “Cícero emerge como líder religioso e po-lítico, já que, naquele momento, a maior parte da população mais pobre do Ceará e do Nordeste se via entregue à própria sorte, reti-rando-se em busca de esperança, socorro e solução para todo o so-frimento. Falava-se, então, numa cidade santa, Juazeiro, onde vivia um padre santo, disposto a acudir e proteger os mais pobres, como um verdadeiro padrinho cuida de seus afi lhados”, explica Antônio Men-des da Costa Braga em Padre Cícero: sociologia de um padre, antropolo-gia de um santo, tese de doutorado defendida na UFRGS que acaba de sair em livro pela Edusc. Nela é possível verifi car-se que, se não existisse, seria preciso inventar um “padim Cícero”.

O estudo de Braga trabalha com conceitos sociológicos e an-tropológicos a trajetória de Cí-cero Romão Batista, evitando se posicionar sobre a real dimensão do personagem, concentrando-se, com justeza, na sua simbologia. Em especial, é fascinante como desvela

as complexas relações entre Cícero e um novo projeto de Igreja para o Nordeste, baseado na romanização do clero, e sua tranformação de líder religioso em político, indo ao encontro das lideranças eclesiásticas a quem inicia sua carreira, submisso. “Nunca quis ser político”, escreveu em seu testamento. Difícil acreditar nas palavras de um líder do porte do “padim”, que foi prefeito de Juazeiro, deputado federal e vice-governador (responsável, aliás, pela deposição futura do governador). A grande questão é saber se o padre mudou seu curso por desejo de poder ou por realmente querer mudar a vida miserável de seu rebanho. Nisso o milagre de Juazeiro tem um papel determi-nante: durante uma novena para acabar com as secas, a hóstia dada por Cícero a uma lava-deira teria se transformado, na boca da moça, em sangue. A partir de então o “padim” inicia uma lida contra a Igreja, que não aceitava o suposto evento santo.

“A ocorrência do milagre se deu dentro de um ambiente, de um contexto e de um conjunto de crenças e práticas religiosas que favoreciam o acontecido de forma propícia, mais do que o seu descrédito, tanto para o padre como para os habitantes de Juazeiro”, escreve Braga. “Ele acreditava ser aquele um tempo de arrependimento; era preciso pedir perdão a Deus por tantas ofensas. Ele via no fl agelo que assolava o Cariri sinal de castigo divino para um mundo entregue ao pecado. Ao mesmo tempo, efetivamente se compadecia daquela gente sofredora.” Assim surge o mito milenarista do “padim”, que deixa de atuar como o valioso intermediário entre a Igreja “culta” e a religião popular, uma necessidade premente num Ceará que via com descon-fi ança a Igreja ofi cial. A grande novidade é a escolha feita pelo padre: usar, para o bem ou para o mal, a política para garantir seu espaço. A necessidade paria a invenção do mito do santo. A política atual aprendeu muito com o milagre do “padim”.

A fé não costuma falharA santidade antropológica do Padre Cícero

Padre Cícero: sociologia de um padre, antropologia de um santo

Antônio Mendes da Costa Braga

Edusc

362 páginasR$ 41,00

Carlos Haag

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LIVROS

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Ciência ambiental: questões e abordagensMarta Dora Grostein (org.)Annablume Editora/FAPESP456 páginas, R$ 56,00

Os artigos reunidos nesta coletânea con-tribuem para o avanço da construção de uma ciência ambiental. O livro alerta para o tratamento das questões ambientais, sua articulação e refl exão acadêmica, além da implementação de políticas defi nidas em diferentes instâncias do poder público, e aposta na conscientização da sociedade sobre a importância dessas questões para as condições de vida no planeta.

AnnaBlume (11) 3812-6764 www.annablume.com.br

Geografi a política da águaWagner Costa RibeiroAnnablume Editora162 páginas, R$ 32,00

Wagner Ribeiro propõe em seu livro ampliar o debate sobre a geopolítica da água. Cha-mando atenção para o cenário de crise dos recursos hídricos e sua lógica de governança, o autor discorre sobre a necessidade de uma nova ética para gestão e uso da água, reduzin-do o desperdício e estabelecendo mecanismos de controle quanto a sua mercantilização.

AnnaBlume (11) 3812-6764 www.annablume.com.br

O mundo e o homem: uma agenda do século XXI à luz da ciênciaJosé GoldembergEditora Perspectiva248 páginas, R$ 45,00

O livro reúne artigos que José Goldemberg escreveu para o jornal O Estado de S. Paulo sobre temas instigantes como ciência, meio ambiente, energia, Amazônia e universida-de em que o cientista expõe didaticamente suas posições. O mundo e o homem sinteti-za o acúmulo de experiência do professor de física nuclear, precursor no estudo de produção de energia, reitor, secretário de Estado e ministro.

Editora Perspectiva (11) 3885-8388 www.editoraperspectiva.com.brF

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ED

UA

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Sociedade de classes e subdesenvolvimentoFlorestan FernandesGlobal Editora256 páginas, R$ 39,00

Aqui temos o relançamento de ensaios es-critos entre 1965 e 1967 por um dos maiores clássicos da sociologia brasileira. A singula-ridade do nosso capitalismo é amplamente tematizada pelos olhos críticos deste grande pensador, o qual defendeu, até o fi m da vi-da, que a condição de dependência do país, em seus aspectos econômico e cultural, só poderia ser efetivamente superada com de-mocracia e socialismo.

Global Editora (11) 3277-7999 www.globaleditora.com.br

Os escritores da guerrilha urbana: literatura de testemunho, ambivalência e transição política (1977-1984) Mário Augusto Medeiros da SilvaAnnablume Editora296 páginas, R$ 35,00

O signifi cado político, social e literário das obras de Renato Tapajós, Fernando Gabeira, Alfredo Sirkis e Reinaldo Gua-rany é anali sado neste livro sob uma perspectiva que entrelaça estudos da me-mória, fi cção literária e sociologia. Má-rio Medeiros da Silva possibi li ta ao leitor traçar um resgate histórico do período ditatorial brasileiro em contraposição àtão naturalizada prática do esquecimento.

AnnaBlume (11) 3812-6764 www.annablume.com.br

Fotografi a de palco: 25 anosLenise PinheiroEditora Sesc/Editora Senac456 páginas, R$ 135,00

Nos últimos 25 anos a fotógrafa paulista Lenise Pinheiro acompanhou os principais espetáculos, nacionais e estrangeiros, e retra-tou instantâneos de ação e dos bastidores em suas lentes. O resultado é um belíssimo livro que, além da estética, faz um retrato histórico do que ocorreu nos palcos brasileiros.

Editora Senac (11) 2187-4450 www.editorasenacsp.com.br

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FICÇÃO...

Emulação

C onheci Péricles quando ingressamos na faculdade de letras. Eu namorava Samira, uma morena bonita e um tanto pueril. Para mim, a gente de Péricles parecia de

outro planeta: cultos e um tanto formais, tinham, no entanto, opiniões e hábitos próprios de bichos-grilo, o que não dei-xava de ser uma novidade atraente, um discreto charme.

Logo Péricles passou-me em um ano na faculdade. Fiz menos matérias que ele, para alcançar a excelência – mal sabia que isso valeria tanto! No mais, dividíamo-nos entre os nossos interesses comuns e a intimidade. Samira achava Pé-ricles divertido, e a presença dele arejava a vida de casal.

Em 1994 Péricles ingressou no mestrado. Um ano depois igualei-o. Essa diferença me incomodava, confesso, mas era inveja benigna, emulação entre amigos. Além disso, consegui um bom emprego numa universidade privada. Na mesma época, convidei Péricles a juntar-se a mim na cadeira de literatura brasileira, cujo titular era meu orientador, que havia me prometido a coordenadoria para breve.

Algum tempo depois, Péricles chamou-me em particular. Estava em sua sala, esbaforido e suarento, e desviava o olhar. Após algum prelúdio, foi ao ponto:

— Escuta, eu termino o mestrado no semestre que vem. Falei com o seu orientador, que disse que não consegue me manter aqui, a não ser que eu assuma a coordenadoria. Pois bem, você disserta daqui a um ano, por isso pensei em assumir o cargo, garantir você aqui e, depois do seu mestrado, colocar você de vice-coordenador. Em dois anos vou para a Europa e lhe passo o cargo. Assim, um segura a barra do outro. Que acha?

Eu estava meio chocado. Manifestei que eu já contava com o cargo.

— Olha, eu sei – retrucou Péricles –, mas as coisas se precipitaram e... Pense no caso, depois a gente conversa. Agora tenho de ir.

Mais tarde, soube que já estava tudo acertado. Seria a melhor solução. De que nos serviria a demissão de Péricles? Deveriam ter discutido a questão comigo, mas, paciência, isso não devia apoquentar-me. A perda era pouca. Se tudo corresse bem, assumiria a coordenação em um ano. Eu me tornara parte da equipe de Péricles.

Enquanto isso, Samira tornava-se cada vez mais inopor-tuna, e pouco depois do mestrado separamo-nos. Péricles foi para a França, de onde voltaria com a tese qualifi cada. Assumi a coordenação, e o salário era maior do que imagi-nava. Além disso, tinha liberdade. Péricles era impositivo, não fazíamos as coisas de forma partilhada.

Depois de um ano licenciei-me do cargo. Entrara pa-ra o doutorado e viajaria para o velho continente. Tive-mos bons momentos por lá. A amizade com Péricles se renovara. Quando ele voltou para o Brasil, senti-me só. Mas no fi m de minha residência estava não só com a tese pronta, como também apto para prestar concurso para a universidade pública.

Ao retornar, soube que Péricles concorreria à vaga de professor adjunto na nossa velha universidade pública. Surpreendi-me. Sabia que cedo ou tarde haveria um con-curso, porém não tão cedo. Pretendia concorrer ao cargo, mas naquele momento seria impossível. Todos apostaram em Péricles; ele fez jus às apostas. Senti-me traído, mas sob exame sereno o sentimento mostrou-se injustifi cado. Como ainda não defendera a tese, eu não poderia candidatar-me. Quem poderia? Melhor que fosse Péricles. Fazíamos parte de um mesmo projeto. Sim, fazíamos. E logo haveria nova oportunidade. Só estranhei que não fosse o próprio Péricles a me contar as novas. Mas ele era assim mesmo: nunca alar-deava seus planos mais ousados, e quando os atingia, pouco se gabava. Verdade que às vezes eu tendia irracionalmente a

Alexandre Amaral Rodrigues

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me irritar com essa modéstia. Por sorte, a irracionalidade, em mim, é passageira.

Um mês depois defendi minha tese. Um novo concurso só se abriu em um ano. No departamento queriam uma guinada para outra linha, que não a nossa. Arejar o pensa-mento, diziam. Chegou-se a um acordo: nem tanto ao céu, nem tanto à terra. Mas em conversa privada garantiram-me que eu teria grandes chances. O departamento era predomi-nantemente ortodoxo, e meu orientador presidiria a banca. Tudo era favorável.

O concurso foi difícil. Meu concorrente era forte. No fi m de quatro dias extenuantes, saíram os resultados: não fora reprovado, mas estava em segundo lugar. “Foi a nota da banca”, disse-me o orientador. Fiquei chateado. Todos sabiam que as notas eram infl uenciadas pela tendência do presidente da mesa. Como era possível que meu orientador e Péricles, que ciceroneara professores da banca, não hou-vessem conseguido assegurar-me melhor situação?

— Entenda, Jacinto – explicou-se Péricles –, o concurso não pode ser parcial. Seria um escândalo.

— Uma pinóia! Vocês asseguraram que eu passaria. E agora? Como virar essa página?

— Você é injusto. Dissemos que havia grandes chances, não que era garantido. Deu zebra. Eu tentei...

— Então por que paparicar os professores? — Olha, todos sabem que somos do mesmo grupo. In-

clusive mencionei você algumas vezes. Aparentemente, você se daria bem. Mas eu também preciso, se o senhor não achar ilegítimo, ganhar prestígio.

— Sabe o que eu acho? Acho que vocês quiseram apa-recer bem, mostrar que estão abertos às novas tendências. Acho que fui traído, usado.

— O quê? – Péricles estava vermelho. – Eu nem vou co-

mentar isso! Melhor parar por aqui. A banca achou o outro melhor e ponto. Sinto muito. – E virou as costas.

Conformei-me. Pelo menos tinha dinheiro bastante. Pro-curei Samira para chorar as mágoas. Ela não me estendeu o ombro. Fez-me ver que eu agira mal com Péricles. Examinan-do de perto, nada me certifi cava que houvesse manipulação do processo. E como suspeitar dele, que sempre se mostrara excelente amigo? Como eu, que sempre militara pela lisura nos concursos universitários, poderia reclamar por não ter sido benefi ciado? Não era de espantar que ele se irritasse.

Certa vez fui com uma aluna não brilhante, mas muito atraente, a um restaurante no largo do Arouche. Samira e Péricles estavam lá. Achei melhor ser discreto, e apenas ace-nei-lhes. Observei que gargalhavam às vezes. De que riam? Aquele jantar não me fez bem. E, francamente, a menina me aborreceu. Soube depois que Samira ingressara no mestrado e conseguira ser professora em uma universidade privada, bem melhor, diga-se, que aquela em que se graduara. Ad-mirável superação.

Uma semana mais tarde soube que Péricles assumiria a chefi a de todo o departamento na universidade em que eu lecionava. Agora sou seu subordinado. Não tenho como participar de um projeto comum. Sim, talvez seja uma feli-cidade ser subordinado de um amigo, e poder confi ar que, acima de tudo, nossos interesses comuns estão assegurados na universidade. É um modo de pensar. As aulas que sigo dando como autômato e o diagnóstico da depressão pus na conta dos contratempos acadêmicos. Grande amigo, o Péri-cles. Ele saiu na frente. Estou sereno. Confi o na ciência.

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Alexandre Amaral Rodrigues é mestre em fi losofi a pela Universidade de São Paulo e tradutor de obras fi losófi cas.

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