Mufete e Um dia sem mexicanos

download Mufete e Um dia sem mexicanos

of 8

description

Conceitos de transculturação.

Transcript of Mufete e Um dia sem mexicanos

Transculturao:

Um dia sem mexicanos, filme; Mufete, rapVanessa Borella da Ross Universidade Estadual de Maring

RESUMO: Buscar-se- neste artigo, apontar, no filme, Um dia sem mexicanos, 2004 de Srgio Sarau elementos de transculturao presentes. Para isto, um histrico sobre o conceito de transculturao vlido. Desde Fernando Ortiz que em 1940, em Cuba, cunhou o termo transculturao, assente aos cultivos de maior importncia econmica para Cuba: o acar e o tabaco. Outrossim, Angel Rama em Literatura e Cultura na Amrica Latina, recupera este conceito, utilizando-o como base para interpretar algumas obras literrias oriundas da Amrica Latina. A arte em movimento, o cinema, com o filme j citado, far parte do corpus para anlise. A obra flmica dirigida por um mexicano. E como remate, msica, a arte sonora, do estilo rap, Mufete, de Emicida, rapper brasileiro contemporneo, ser apresentada para evidenciar alguns elementos de transculturao que carrega em si.PALAVRAS-CHAVE: Transculturao; cinema; rap.

INTRODUO Transculturao: um histrico

Fernando Ortiz, pesquisador e ensasta, cubano, estudioso das humanidades e questes sociais, em 1940, publicou: Contrapunteo cubano del tabaco y el azcar, obra que pode ser lida e interpretada por diversos vieses tericos, visto, a multiplicidade de temas, assuntos e problemas abordados.

Neste livro, que pode ser considerado um clssico das cincias humanas, o autor, procura explicar e ou evidenciar os porqus e possveis causas de inmeros fenmenos sociais que haviam colaborado na formao da sociedade e populao cubana. Ortiz, expe:

Y aun para la historia universal de los fenmenos econmicos y de sus reflejos sociales, pocas lecciones habr ms fecundas que las del azcar y del tabaco en Cuba. Por la claridad con que a travs de ellas se pueden apreciar las causas econmicas y los efectos sociales, y porque en pocos pueblos se habr dado como en el nuestro esa maravillosa e infrecuente coordinacin de vicisitudes histricas, y ese contraste radical, ese paralelismo constante entre dos rdenes simultneos de fenmenos econmicos, los cuales manifiestan a lo largo de su desarrollo caracteres y efectos muy antitticos, como si por un profesor sobrenatural de Cuba para dar las ms patentes demostraciones de la trascendencia de la economa bsica de un pueblo en su incesante devenir (p. 9, 1983).

Observa-se, no fragmento acima, a importncia e relevncia que os produtos: tabaco e o acar, tiveram para a formao de Cuba. Tanto no aspecto econmico, quanto no social, e, principalmente no aspecto cultural da formao da ilha.

O prprio Ortiz, em carta a Melville Herskovits, antroplogo, dos Estados Unidos, afirma: Por este correo ha salido, en paquete certificado, un ejemplar de mi reciente libro CONTRAPUNTEO CUBANO DEL TABACO Y EL AZCAR. Es un juguete que sirve para explicar a nuestra gente varios fenmenos sociales de este pas.

Na obra de Fernando Ortiz, em destaque nesse artigo, o termo contrapunteo corresponde ao alicerce ou princpio que estrutura o livro. Segundo, o diccionario: Real Academia espaola, contrapunteo significa: esaccin y efecto de contrapuntearse.Contrapunteoes tambinconfrontacin de pareceres.. (2015, s.p.)O termo contrapunteo pode ser observado inicialmente, na utilizao dos produtos de origem vegetal cultivados em Cuba: tabaco e acar, para explicar como se deu a formao do povo cubano: El contraste entre el tabaco y el azcar se da desde que ambos se juntan en la mente de os los descubridores de Cuba. Cuando, a comienzos del siglo XVI, ocurri la conquista del pas por los castellanos que trajeron al Nuevo Mundo la civilizacin europea, ya la mente de estos invasores era impresionada fuertemente por dos yerbas gigantes. (p. 2, 1983). Jorge Castellanos, investigou o processo de estudos e teorizao em que Ortiz, percorreu, at cunhar o termo transculturao:

Para fim dos anos Vinte e na dcada de Trinta a obra de Ortiz comea a operar as transformaes que iam se produzindo em seu olhar como pesquisador, no que diz respeito s concesses tericas. O processo poder-se-ia resumir numa breve frmula: o penlogo finalmente substitudo pelo antroplogo e etngrafo. Esse novo Ortiz, em vez de ver o cubano como atavismo positivista e selvagem, o contempla objetivamente como uma tradio cultural de raiz africana em histrica interao com a cultura de origem europia com que interatua. (2003, p. 128). As pesquisar, sobre os fenmenos da formao do pais de origem de quem cunhou o termo transculturao, constata-se que uma grande parte da histria da ilha foi permeada por inmeros e profundos fenmenos de transculturao. Nos mais diversos aspectos, que inclusive, so determinantes da cultura e identidade desse povo.

Anterior a dita colonizao das Amricas, realizada pelos europeus, fenmenos transculturais j existiam. Exemplo, o homem paleoltico ao transformar-se em neoltico. E posteriormente, sua desapario, em ocorrncia de outros fenmenos transculturais trazidos pelos europeus. As ocorrncia e episdios de transculturao prosseguem em Cuba. vlido, ressaltar o grande impacto que a imigrao ocasionou na ilha.

Esses imigrantes, sados da Europa, representantes de suas culturais, foram realocados em um lugar novo em vrios sentidos. Enquanto Cuba, era ainda praticamente intocada, a Europa lograva alguns progressos (ou ajustes) para o desenvolvimento capital dessas cidades.

Em Cuba houve tambm, fenmenos de transculturao que ocorreram com os africanos, desalojados de sua continente de origem, e respectivamente suas culturas e credos, para um novo habitat, onde sero escravizadas pelo europeu.

Concernente a evoluo de um povo, o transito entre as culturas um fato. Ocorre em alguns casos de forma mais lenta, em outros de forma mais rpida. Ortiz afirma que, o todo o transito cultural que ocorreu na Europa em quatrocentos anos, na ilha se deu em 40 anos. Deste modo, a identidade cubana foi surgindo. Os fenmenos transculturais nem sempre ocorrem de forma pacfica. Em muitos casos, como o de Cuba, o imigrante, causa um desajuste no meio em que foi inserido e sofre para entender a nova realidade cultural em que vive. Por isso, podem ocorrer violncias, confrontaes, brigas, desavenas, etc. O conceito de transculturao est presente at os dias atuais, por isso, faz-se necessrio, resgatar o que Ortiz afirmou sobre o mesmo:

Entendemos que el vocablo transculturacin expresa mejor las diferentes fases del proceso transitivo de una cultura a otra, porque ste no consiste solamente en adquirir una distinta cultura, que es lo que en rigor indica la voz angloamericana aculturation, sino que el proceso implica tambin necesariamente la prdida o desarraigo de una cultura precedente, lo que pudiera decirse una parcial desculturacin, y adems, significa la consiguiente creacin de nuevos fenmenos culturales que pudieran denominarse neoculturacin... En todo abrazo de culturas sucede lo que en la cpula gentica de los individuos: la criatura siempre tiene algo de ambos progenitores, pero tambin siempre es distinta de cada uno de los dos. En conjunto, el proceso es una transculturacin, y este vocablo comprende todas las fases de su parbola. (p. 87, 1983).

Consoante, com os conceitos j evidenciados: ser exposto uma anlise da transculturao, presente na obra flmica: Un da sin mexicanos, 2004 (A day without mexicans) e Srgio Arau.UN DA SIN MEXICANOS: E A TRANSCULTURAOA narrativa flmica, com direo de Srgio Arau, revela com fortes pinceladas de ironia, e humor negro, o que aconteceria com o estado da Califrnia EUA, se todos os habitantes de origem latino-americana desaparecessem. vlido, acrescentar que segundo o censo nacional 2014, dos Estados Unidos, os habitantes de origem latino-americana ou tambm denominados de hispnicos ultrapassam o total de: 14, 99 milhes.

O filme faz uso de dados estatsticos para evidenciar que: 90% da colheita na Califrnia realizada por mexicanos ilegais (MEXICANOS...., 2004). Ou seja, o estado da Califrnia, que possui como uma de suas bases econmicas a produo agrcola, utiliza 90 por cento, de trabalhadores de origem latino-americana ou hispnica, para realizar a colheita agrcola. A maioria desses trabalhadores, encontram-se ilegais nos Estados Unidos, dessa forma, muitos aceitam como pagamento pelo trabalho uma quantia menor de dinheiro, visto que, no querem ser denunciados a polcia migratria, sem o respaldo e as garantias sociais de um governo, no tem a quem recorrer para pleitear por direitos.

Outro dado estatstico apresentado pelo filme, de que: 20 % dos professores dos primeiros anos so latinos. (MEXICANOS...., 2004). Os imigrantes que vivem legalmente no pais, no possuem os mesmos privilgios que um habitante considerado estadunidense (ou norte americano) tem ao buscar trabalho. Para comear, o prprio termo que denomina os imigrantes problemtico. Na Califrnia, h imigrantes latinos de inmeros pases americanos como: Argentina,Bolvia,Brasil,Chile,Colmbia,Costa Rica, Cuba, Equador, El Salvador, Guatemala, Haiti, Honduras, Mxico,Nicargua,Panam,Paraguai,Peru,Repblica Dominicana, UruguaieVenezuela. A maioria chamada, o de mexicanos, pelos norte-americanos, sem distino de seu respectivo pas de origem, demonstrando tanto o desconhecimento sobre a diversidade latino-americana, por parte de alguns norte-americanos, quanto a atitude ou olhar com uma certa supremacia do colonizador sobre o outros, que nesse caso, poderia ser considerado colonizado.

Na sequncia, cenas do filme e dilogos sero apresentados, para evidenciar os processos de transculturao que ocorrem.

Tranculturao em cenaEm uma das cenas do filme que ocorre aos: 50 m, 31s a 50 m, 43s, um dono de restaurante na Califrnia relata, que aps o desaparecimento dos mexicanos (dos hispnicos ou latino-americanos): ...o lugar era um desastre, tive que lavar os pratos. Terei que fechar meu restaurante se eles no regressarem. Preciso desses indivduos mexicanos. (MEXICANOS..., 2004). Observa-se, que o dono do restaurante, nomeia aos latino-americanos de mexicanos sem distinguir o seus pas de origem, como foi j mencionada acima. Aos 50 m e 40 s, mostrado no filme: Todos os hispnicos so presumidos latinos nessa rea. . A questo poltica, sobre a forma de tratamento dos latino-americanos no ser aprofundada aqui, porm vlido apresent-la. Como na cena de 06 m e 27 s, a 06 m 40 s em que o poltico afirma: Helen, como voc pode contratar aquelas pessoas? A esposa responde: Eles so mexicanos da estao. O poltico responde: Eles so de frente da estao e so mexicanos ilegais de Guatemala e Honduras. Em 06m e 42 s aparece na tela: Guatemaltecos e hondurenhos no so mexicanos. (MEXICANOS..., 2004).

Como Ortiz, denominou: En todos los pueblos la evolucin histrica significa siempre un trnsito vital de culturas o ritmo ms o menos reposado o veloz... (p. 87, 1983). Nessa cena, esse transito de culturas, ocorre de forma muito explcita. O restaurante possui como maioria de seus funcionrios, latino-americanos ou hispnicos. No preparo das refeies para os clientes, os ingredientes e pratos de origem latino-americana so introduzidos aos ingredientes e pratos norte-americanos, formando novos pratos, novos sabores, que so um processo resultante de transculturao. notrio que a arte da culinria faz parte da cultura dos povos, dessa forma, o transito entre essas artes, que gera outras formas ou tipos de culinria, acontece tambm devido ao processo de transculturao. Outra cena a evidenciar esse processo de transculturao que ocorre com a alimentao: aos 06 m e 50 s a 06 m e 53 s: Catalina, trabalhadora de origem latino-americana que trabalha na casa do poltico e sua famlia, entrega ao mesmo para seu caf da manh: aqui esto seu ovos rancheiros. . (MEXICANOS..., 2004). Ovos rancheiros um prato tpico do Mxico, que no filme consumido pelo cidado norte-americano, e incorporado em sua primeira refeio do dia.

No Mxico, esse prato consumido geralmente com tortilhas, arroz e ou feijo. J na cena do filme, observa-se o poltico, degustando o prato de ovos rancheiros e tomando caf. Estes exemplos de transculturao no mbito da cultura e a arte culinria, citados e analisados neste trabalho, so didticos, pois, este estudo sobre o tema introdutrio, e possui como objetivo, apontar processos de transculturao, em algumas cenas do j referido filme.

Outrossim, explicar que nas cenas analisadas, o processo de transculturao ocorreu de forma pacfica, por tratar-se de da culinria. No havia violncia ou imposio de uma cultura em relao a outra. Houve o encontro dessas culturas, o transito entre elas, e ambas, saram modificadas atravs do processo.

Porm, h processo de transculturao, que ocorrem de forma violenta, por vezes, imposta, ou utilizando-se da coao: os negros que foram levados a outros pases, com a condio de escravo. A eles foram impostos aceitao de novas regras culturais, das quais no faziam parte e tambm, para insero em uma cultura diferente. sabido, que parte dos negros africanos levados, para outros continentes e lugares, apenas de forma aparente, deixaram de lado seu respaldo cultural nativo, para sobreviver as novas condies sociais.

Ortiz, explica, de que forma se deu o translado dos negros africanos a Cuba, no entanto, o exemplo, cabe em certa medida, aos inmeros outros negros levados a outros pases: Los negros llegaron arrancados, heridos y trozados como las caas en el ingenio y como stas fueron molidos y estrujados para sacarle su jugo de trabajo. No hubo otro elemento humano en ms profunda y continua transmigracin de ambientes, de culturas, de clases y de conciencias [] En tales condiciones de desgarre y amputacin social, desde continentes ultraocenicos, ao tras ao y siglo tras siglo, miles de seres humanos fueron trados a Cuba. En mayor o menor grado de disociacin estuvieron en Cuba as los negros como los blancos. Todos conviviendo en un mismo ambiente de terror y de fuerza; terror del oprimido por el castigo, terror del opresor por la revancha; todos fuera de justicia, fuera de ajuste, fuera de s. Y todos en doloroso trance de transculturacin a un nuevo ambiente cultural (p. 259, 1983).O rap a transculturao

Partindo, do fato histrico: a escravido, e a imposio de uma nova cultura, queles que j possuam a sua, e foram arrancados de seu pais e continente nativos, ser utilizado como corpus para segunda anlise desse artigo, outra forma de arte. A arte da msica, especificamente o rap.

O termo rap, que em ingls abreviao de Rhythm and Poetry. Segundo, Dayrell, estudioso do rap: O rap fruto de um processo intenso de articulao e reelaborao de influncias mais diversas... (p. 67, 2005).

O rap surgiu nos idos de 1960, na Jamaica, nos bairros de periferia. Durante, festas e bailes na periferia eram dispostos sistemas de sons improvisados, para que houvesse diverso dos presentes. Enquanto o som tocava, alguns jovens cantavam de forma rpida como se estivessem discursando.

A rima e a abordagem de assuntos srios e por vezes, polmicos davam o tom das letras. A partir das dcadas de 1960 e 1970, houve crise econmica na Jamaica, levando muitos dos jovens que moravam nas periferias a imigrarem. O lugar escolhido foi Estados Unidos, Nova York, nos bairros das periferias. Assim, o rap comeou a ser conhecido e difundido. Atualmente, o rap um fenmeno mundial.

O rap chegou ao Brasil, durante a dcada de 1980, mais precisamente nas periferias de So Paulo. O Movimento hip hop que pesquisa sobre o surgimento do rap, afirma: No Brasil, o Hip-Hop chegou no incio da dcada de 80 por intermdio das equipes de baile, das revistas e dos discos vendidos na 24 de Maio (So Paulo). Os pioneiros do movimento, que inicialmente danavam o Break, foram Nelson Triunfo, depois Thade & DJ Hum, MC/DJ Jack, Os Metralhas, Racionais MC's, Os Jabaquara Breakers, Os Gmeos e muitos outros. Eles danavam na Rua 24 de Maio, mas foram perseguidos por lojistas e policiais; depois foram para a So Bento e l se fixaram. Houve um perodo de diviso entre os breakers e os rappers, os primeiros continuaram na So Bento, os outros foram para a Praa Roosevelt. O Rap, a princpio chamado de "tagarela", ascende e os breakers formam grupos de Rap. Em 1988 foi lanado o primeiro registro fonogrfico de Rap Nacional, a coletnea "Hip-Hop Cultura de Rua" pela gravadora Eldorado. Desta coletnea participaram Thade & DJ Hum, MC/DJ Jack, Cdigo 13 e outros grupos iniciantes. (MOVIMENTO HIP HOP, s. p.).

O rapper Leandro Roque de Oliveira (So Paulo, 17 de agosto de 1985), que adotou o nome artstico de Emicida (Enquanto Minha Imaginao Compor Insanidades Domino a Arte), segundo site oficial do prprio artista. Morador de So Paulo, no bairro Cachoeira, no extremo zona norte, periferia. Comeou sua carreira no rap, na dcada de 1990. Influenciado pelos rappers que difundiram o gnero no Brasil, e outros gneros musicais; Emicida destaque na cena do rap e hip hop contemporneo brasileiro. O seu cd recente: Sobre crianas, quadris, pesadelos e lies de casa (2015), est permeado de influncias, assim como mescla dos gneros musicais. A cano que ser analisada a seguir, est intitulada de Mufete.

O ttulo da cano: Mufete: remete a um prato tpico de Luanda (Angola) no continente africano. Esse prato chegou ao Brasil, atravs dos africanos que eram foradas a trabalharem como escravos durante a poca colonial. No Brasil, mais especificamente, na Bahia, essa receita, incorporou-se com ingredientes locais e o Mufete tornou-se parte integrante dessa nova cultura.

vlido, acrescentar que esse prato era consumido especialmente em ocasies como: casamentos, noivados, batizados, aniversrios, ou seja, em novo local, adquiriu status e grande aceitao entre os senhores e sinhazinhas, que eram os que detinham o poder aquisitivo durante esse perodo, de acordo com estudo de gastronomia sobre alimentao e costumes desse perodo.Esse prato servido at os dias atuais, na regio nordestina brasileira. O Mufete atual, servido no Brasil, se encontra um pouco diferente aquele servido aos senhores feudais. Visto que, os processos de transculturao continuam ocorrendo, e com o passar do tempo, novos ingredientes e elementos so adicionados ao prato.As heranas culturais (cultura no sentido amplo do termo), africanas formam parte do povo brasileiro. Como o rapper Emicida, relata na cano em anlise, Gente s feliz, quem realmente sabe que a frica no um pas. (MUFETE, 2015). frica um continente. Esse enorme continente (o terceiro em extenso na terra), formado por: ...54 pases independentes (...), 48 so continentais e 6 so insulares.... Segundo, pgina eletrnica de geografia do continente africano. Esses pases so: Angola, Arglia, Botsuana, Camares, Lesoto , Madagascar, Malawi, Maurcio, Moambique, Nambia, Suazilndia, Zmbia, Zimbbue, Repblica Centro-Africana, Repblica Democrtica do Congo, Chade, Congo, Benin, Burkina Faso, Cabo Verde, Camares, Costa do Marfim, Gabo, Gmbia, Gana, Guin, Guin-Bissau, Guin Equatorial, Libria, Mali, Mauritnia, Nger, Nigria, Senegal, Serra Leoa, So Tom e Prncipe, Togo, Egito, Lbia, Marrocos, Saara Ocidental, Sudo, Sudo do Sul, Tunsia, Burundi, Djibuti, Eritreia, Etipia, Qunia, Ruanda, Seychelles, Somlia, Tanznia, e Uganda.A transculturao ocorreu nesse episdio. O prato, a receita que era tpica de outro continente, foi trazida a um novo local, um novo continente e partir, da insero nesse lugar, foi preparada utilizando ingredientes desse local. O Mufete que veio da frica, adquiriu no Brasil, ingredientes novos, porm a receita continuava aquela vinda da frica. Um novo prato foi criado, uma espcie de Mufete com toques brasileiros.

Ortiz, relata a relao latente entre a escravido e a transculturao: Al mismo tiempo, la transculturacin de continua chorrera humana de negros africanos, de razas y culturas diversas, procedentes de todas las comarcas consteas de frica, desde el Senegal, por Guinea, Congo y Angola en el Atlntico, hasta el Mozambique en la contracosta orientar de aquel continente. Todos ellos arrancados de sus ncleos sociales (p. 86, 1983).

Na primeira parte da cano, o rapper, alude Rangel, Viana, Golfo, Cazenga pois Maral, Sambizanga, Calemba (MUFETE, 2015), que so distritos de Luanda, capital de Angola. Segundo a UNESCO esses distritos, so precrios, e necessitam de instalaes bsicas, assim como infraestruturas, sua populao possui renda baixa.

A questo sobre as condies sociais no continente africano, no sero aprofundadas nesse artigo. No entanto, oportuno, mencionar que esse continente que j foi explorado e massacrado durante muitos anos, segue com problemas graves, alguns tambm, possveis frutos de abusos, descasos e desmandos exercidos por outros pases e ou continentes.

ngel Rama, professor, ensasta, pesquisador e crtico literrio uruguaio, evidenciou em Literatura e Cultura na Amrica Latina, os processos de transculturao presente nas narrativas latino-americanas, a partir de 1930. Rama, ressaltou, que nessas narrativas haviam: ...reivindicao de seus prprios valores culturais. (RAMA, p. 236, 2001).

Esse processo de reivindicar os valores culturais e noes da prpria cultura, tambm pode ser encontrado nesse rap. Em Mufete, o rapper afirma: Mas temos duzentos e cinquenta e seis Odus, todos feitos de sombra e luz, bela sensveis como a luz das velas. (2015). No trecho, citado h reivindicao acerca da religio. Essa religio a ioruba, proveniente da Nigria, frica. Segundo o estudioso, Ricardo de Lalau:Ods (signos de If),so pressgios, destinos, predestinao.Os ods so intelignciasque participaram da criao do universo; cada pessoa traz um od de origem e cada orix governado por um ou mais ods. Cada od possui um nome e caractersticas prprias e dividem-se em"caminhos" denominados "ese"onde est atado a um sem-nmero de mitos conhecidos comoitn If.Existem dezesseisOdumaiores no"Od If literary corpus" ('livros').Quando combinados, existem um total de256 Odusacreditando referir-se todas as situaes, circunstncias, aes e consequncias na vida. (s.p. , 2012).

Presente no universo cultural de um povo, encontra-se est a religio. O estudioso dessa temtica, Calzadilla expe, pontos sobre esse tema:

A religio se vincula a um conjunto variado de fatores de distintas ordens que atuam numa relao causal. No entanto, as fontes concretas da religiosidade tm que se procurar nas: condies materiais de vida, relaes sociais, aspiraes, necessidades, frustraes, temores, ansiedades, ideais de vida, valores, modelos de conduta, processos cognitivos, tradies, costumes, na cultura herdada e naquela que se projeta. (2000. p. 22).Os processos de transculturao tambm ocorrem com ela, a religio. Na letra de rap observa-se, alm de haver reivindicao de uma religio, -

a ioruba - ela feita por um brasileiro, que possivelmente a conheceu atravs de seus ancestrais africanos. Que se encontravam no Brasil; a transculturao estava presente visto que, ele no conheceu a religio ioruba em seu local de origem, na Nigria. Tomou conhecimento dela, inserida em outro continente, outra poca, j com elementos incorporados do lugar atual, do Brasil.

Para a introduo do livro de Ortiz, o estudioso e antroplogo Bronislaw Malinowski, explica:

Todo cambio de cultura, o como diremos desde ahora en lo adelante, toda transculturacin, es un proceso en el cual siempre se da algo a cambio de lo que se recibe [...] Es un proceso en el cual ambas partes de la ecuacin resultan modificadas. Un proceso en el cual emerge una nueva realidad, compuesta y compleja; una realidad que no es una aglomeracin mecnica de caracteres, ni siquiera un mosaico, sino un fenmeno nuevo, original e independiente. Para describir tal proceso el vocablo de latinas races transculturacin proporciona un trmino que no contiene la implicacin de una cierta cultura hacia la cual tiene que tender la otra, sino una transicin entre dos culturas, ambas activas, ambas contribuyentes con sendos aportes, y ambas cooperantes al advenimiento de una nueva realidad de civilizacin. (s.p. , grifos do autor).

Fernando Ortiz na obra, Etnia y Sociedad, em que investiga a questo da religiosidade presente em Cuba, segundo as etnias. Assim como, os processos de transculturao que ocorrem na ilha no tocante religio:

As, pues, toda la fenomenologa mgico-religiosa del negro fue considerada por el blanco como brujera, tal como cada sacerdocio negro de frica califica de hechiceros malditos a los sacerdotes de la religin supeditada y forastera o rival; cuya magia, no siendo ortodoxa como Dios manda es artilugio del espritu del mal. De la misma manera que, poblacin de negros esclavos africanos, a causa del exotismo de todas sus costumbres y lenguajes, fue considerada por los blancos dominadores como incluidos ipso facto en la categora social de mala vida. Es decir, de la vida no aceptada como la buena, que era, naturalmente!, la del grupo social predominante, poltica y jurdicamente coactivo (1993, p. 197).

pertinente lembrar, que no Brasil, a religio ioruba, um pouco diferente da religio ioruba, oriundo do continente africano. Primeiro, porque necessrio reconhecer que essa religio praticada no Brasil, tornou-se uma espcie de produto novo fruto dos processos de transculturao j expostos nesse breve estudo.

Geertz em seu livro, A interpretao das culturas, 1989, fruto de estudo e investigaes sobre os diversos elementos culturais e suas implicaes e ou papis diferenciados entre as culturas. O que a autor, denomina sobre o tema religiao, faz-se significativo, para esse artigo. Segundo esse autor, a religio ...denota um padro de significados transmitido historicamente, incorporado em smbolos, um sistema de concepes herdadas expressas em formas simblicas por meio das quais os homens comunicam, perpetuam e desenvolvem seu conhecimento e suas atividades em relao vida. (1973, p . 103).CONSIDERAES FINAISA proposta desse artigo, foi a de evidenciar determinados processos de transculturao presentes em uma obra flmica e uma letra de rap. Para isto, foi necessrio um histrico do prprio conceito de transculturao e de Ortiz que o cunhou. Outrossim, buscou-se em ngel Rama, que fez uso do conceito de transculturao para analisar obras literrias latino-americanas. E, o corpus, para anlise do trabalho foi exposto. No foram expostos o total de processos de transculturao presentes no corpus. Foram focados alguns processos e sobre estes foram feitas as anlises.

vlido acrescentar que o fenmeno da transculturao, est presente em nossa sociedade atual, em grande nmero. Por esse motivo, esses fenmenos se fazem interessantes para pesquisas e estudos.REFERNCIASAFRICA. Disponvel em: . Acesso em: 03 ago. 2015.

CALZADILLA, Jorge Ramrez. Religin y relaciones sociales: un estudio sobre la significacin sociopoltica de la religin en la sociedad cubana. La Habana: Editorial Academia, 2000.CASTELLANOS, Jorge. Pioneros de la etnografa afrocubana: Fernando Ortiz, Rmulo Lachateer y Lydia Cabrera. Miami: Ediciones Universal, 2003.CENSO NACIONAL DOS ESTADOS UNIDOS DA AMRICA. Disponvel em: . Acesso em: 02 ago. 2015.DAYRELL, Juarez. A msica entra em cena: o rap e o funk na socializao da juventude. Belo horizonte: Editora UFMG, 2005.DICIONRIO, academia real espaola: Disponvel em: Acesso em: 02 ago. 2015.EMICIDA; Levy Xuxa. Mufete. In.: Sobre crianas, quadris, pesadelos e lies de casa. Laboratrio Fantasma, 2015. Faixa 5 (4 min 15).EMICIDA. Disponvel em: < http://www.emicida.com>. Acesso: 03 ago. 2015.GEERTZ, Clifford. A Interpretao das Culturas. Rio de Janeiro: Zahar, 1989.

LALAU, Ricardo. Disponvel em: . Acesso: 03 ago. 2015.

MEXICANOS, Um dia sem. Direo: Sergio Arau. 1 DVD, (100 min), color. Ttulo original: One day without mexicans.MUFETE. Disponvel em: < http://www.gastronomias.com>. Acesso: 03 ago. 2015.Ortiz, Fernando. Contrapunteo cubano del tabaco y el azcar. La Habana: Editorial de Ciencias Sociales, 1983._____. Etnia y sociedad, Prlogo de Isaac Barreal. La Habana: Editorial de Ciencias Sociales, 1993.

Portal da msica. Disponvel em: Acesso em 13 de ago. 2015.RAMA, ngel. Literatura e Cultura na Amrica Latina. So Paulo: Edusp, 2001.UNITED NATIONS EDUCATIONAL, SCIENTIFIC, AND CULTURAL ORGANIZATION. Disponvel em: < http://www.unesco.org/>. Acesso em: 03. Ago. 2015.Mestranda em Literatura pela Universidade Estadual de Maring. O presente artigo foi entregue a disciplina Multiculturalismos e diferenas narrativas do sujeito, sob orientao da professora Dra. Alba Krishna Feldman.