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    MUITO MAIS DO QUEISOLAMENTO EM QUESTO:CINCIA PODER EINTERESSES EM UMAANLISE DAS DUASPRIMEIRASCONFERNCIASINTERNACIONAIS DE

    LEPRA BERLIM 1897 EBERGEN 1909

    Reinaldo Guilherme BechlerInstitut fr Geschichte der Medizin derUniversitt Wrzburg

    [email protected]

    Resumo

    Este artigo pretende analisar a transformao doisolamento dos leprosos em um polmico edivergente Paradigma Cientfico.1 Nascido nasduas primeiras conferncias internacionais de

    lepra em Berlim 1897 e em Bergen na Noruegaem 1909, ele se formou sob uma efervecente ecompetitiva atmosfera acadmica, ondeestavam em jogo muitos outros interessespolticos, nacionais e pessoais. O retorno da lepra Europa aps um perodo relativamente longode desaparecimento, aliado aos riscos eincovenientes comerciais que instigava s suaspretenes imperialistas, transformavam estadoena no apenas em um problema social quesempre fora, mas agora tambm em umproblema cientfico e poltico que clamava

    solues urgentes de uma recm-formadaclasse de mdicos. Seres humanos que seroaqui reconhecidos e valorizados. Critica-los outentar encontrar entre eles vencedores e vencidosno constitui a inteno deste trabalho, mas simtentar contextualiza-los individual, temporal esocialmente, instigando novas perspectivas deanlise para a historiografia da cincia.

    Palavras-chave: Histria da Lepra, Isolamento,Histria das Doenas, ConfernciasInternacionais de Lepra, Instituio.

    Abstract

    This article intends to analyze the transformationof the isolation of lepers into to a polemic anddivergent scientific paradigm. Originated on thefirst two International Conferences of Leprosy inBerlin 1897 and Bergen, Norway 1909, itbecame an effervescent and competitiveacademic atmosphere, where many political,national and personal interests were at stake. Theleprosys return to Europe after a relatively longperiod of its disappearance, along with the risksand inconvenient commercials that instigatedimperialist ambitions, turn this disease into notonly a social problem that has always been butalso a scientific and political problem that criedout for urgent solutions from a out-of-collegedoctors class. Human beings will be recognizedand esteemed here. Criticize them or aim to findwinners and defeated ones among them is notthe purpose of this article. Instead, it is an attemptto contextualize them individually, temporally and

    socially, instigating new perspectives of analyzesfor the historiography of science.

    Keywords: History of Leprosy, Isolation, History ofDiseases, International Conferences of Leprosy,Institution.

    mailto:[email protected]:[email protected]:[email protected]
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    Muito mais do que Isolamento em questo: Cincia, poder e interesses em uma anlise das duas primeirasConferncias Internacionais de Lepra Berlim 1897 e Bergen 1909

    Reinaldo Guilherme Bechler

    Temporalidades Revista Discente do Programa de Ps-graduao em Histria da UFMG, vol. 1, n. 2, ago./dez. 2009.www.fafich.ufmg.br/temporalidades

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    Este trabalho1 pretende abordar os meandros da discusso cientfica acerca da melhor

    maneira de se isolar os doentes de lepra no final do sculo XIX e incio do XX, que teve seus

    primeiros episdios nas duas primeiras conferncias de lepra em Berlim e Bergen, e que ainda

    carece de uma abordagem um pouco mais detalhada por parte da historiografia latino-americana que

    trata do assunto.2Alguns dos principais trabalhos historiogrficos no continente sobre o tema, como

    de Diana Obregn Torres3e de Yara Monteiro,4embora citem estas conferncias, apenas resvalam

    em suas discusses cientficas e no as tm como fonte primria, o que pretende-se fazer aqui.

    Compreende-se que em funo das especificidades terico-metodolgicas e dos objetivos de cada

    temtica esses trabalhos se ocupam mais com o resultado desse processo, ou seja, o isolamento

    compulsrio enquanto um paradigma formado, que o mdico ingls Ernest Muir chamou j no

    incio do sculo XX de o maior erro da medicina moderna.5

    O processo de produo dos primeiros conhecimentos cientficamente abalizados sobre a

    lepra ser aqui compreendido como algo intrncecamente vinculado fatores e representaes

    sociais. Nesse sentido, trabalhos como os de Charles Rosenberg abriram novas e profcuasperspectivas historiogrficas nas ltimas dcadas,

    Aqui as conferncias sero analisadasem suas publicaes originais em alemo, sendo por mim mesmo traduzidas para o portugus,

    assim como demais literaturas paralelas que lidam com o assunto nesse perodo. A grande maioria

    dessas obras e dessas fontes assim, sero aqui apresentadas e trabalhadas de maneira indita na

    Amrica Latina.

    6

    1Este artigo faz parte do projeto de doutoramento que desenvolvo no Instituto de Histria da Medicina da JuliusMaximilians Universitt Wrzburg na cidade de Wrzburg na Alemanha, sob orientao do Professor MichaelStolberg, atravs de uma bolsa de estudos do Katolischer Akamemischer Auslnder Dienst Servio Catlico deIntercmbio Acadmico (KAAD).2Para o conceito de Paradigma Cientfico, ver: KUHN, Thomas. Estrutura das revolues cientificas. So Paulo:Perspectiva, 2003.3 OBREGN-TORRES, Diana. Batallas contra la lepra: Estado cincia y medicina en Colombia. Medelin:Banco de la Repblica, Fondo Editorial Univerdidad EAFIT, 2002.4MONTEIRO, Yara.Da maldio divina a excluso social: um estudo da hansenase em So Paulo.DoctoralDissertation, Faculdade de Filosofia, Letras e Cincias Humanas da Universidade de So Paulo. So Paulo(manuscrito). 1995.5

    MUIR, Ernest & ROGERS, Leonard.Leprosy.Second Edition.Baltmore: Williams & Wilkins Co., 1940. p.14.6ROSENBERG, Charles. Explaining epidemics and the other studies in the history of medicine.Cambridge:Cambridge University Press, 1992.

    por passar a conceber a doena como uma

    entidade imprecisa e inacabada. Esta deixava de ser o fato biolgico em s para se transformar em

    uma entidade produtora de discursos, que acabavam por conceber e legitimar polticas pblicas.

    Para este autor, enfim, as doenas no poderiam mais ser analisadas distante de suas representaes

    sociais. Ao amalgam-las aos fenmenos sociais e culturais, lega-se novos significados aos eventos

    biolgicos, abrindo por fim novas perspectivas de anlise e interpretao histrica.

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    Outro elemento terico fundamental da presente anlise consiste em perceber que a idia de

    conhecimento e de poder esto ntimamente relacionadas. Pierre Bourdieu7

    O sculo XIX foi marcado pelo retorno da lepra s terras europias, depois de ser dada

    como extinta, ainda que misteriosamente, desde o sculo XVII.

    desenvolve neste campo

    o conceito deAutoridade Cientfica, e define duas caractersticas fundamentais para sua observao:

    habilidade tcnica e poder social. A competncia cientfica de um indivduo seria definida, de

    acordo com esse pensamento, pela sua capacidade socialmente reconhecida de atuar legitimamente,

    de maneira autorizada e autoritria, sobre um tema cientfico qualquer. Tenciono com tal idia

    ressaltar que a produo do referido paradigma do isolamento compulsrio para os leprosos se deu

    de forma valorizar algumas personalidades e idias em detrimento de outras, e que tais fatos se

    devem estas influncias subjetivas da noo de poder.

    O retorno da lepra Europa: estigma x cincia

    8

    Em termos sociolgicos, a discusso sobre esse conceito tem sido motivo de importantescontrovrsias nas ltimas dcadas. Segundo anlise de Michael STOLBERG, ele foi pela primeira

    vez utilizado relativamente em um mesmo perodo histrico em sentidos distintos,

    A natural e justificvel

    preocupao com a salubridade e o bem-estar da populao tinha o respaldo de uma classe de

    cientistas cada vez mais especializada, e cada vez com maiores conhecimentos sobre a natureza em

    todas as suas manifestaes, e pode muito bem ser discutida luz de um abrangente conceito

    sociolgico bastante difundido nas ltimas dcadas em estudos sobre a Histria da Medicina no

    sculo XIX: o de medicalizao.

    E por medicalizao entendedo aqui a expanso do discurso ou da prtica mdica sobre o

    campo social, vivido especialmente partir do sculo XVIII, traduzindo os fenmenos sociais em

    conceitos de um determinado campo de saber. Em outras palavras, a atitude de tentar compreender

    um nmero cada vez maior de aspectos do comportamento humano, antes classificados

    simplesmente como normais ou anormais pelo pblico em geral, agora como sinais de sade e

    doena, estritamente definidos pela classe mdica.

    9

    7BOURDIEU, Pierre. The specificity of the scientific field and the social conditions of the reason. In: SocialScience Information: 14 (6), 1975. p.19-47.8HANSEN, Armauer & LIE, H. P. Die Geschichte der Lepra in Norwegen. II INTERNATIONALE LEPRA-CONFERENZ, Bergen, 2: p.314-340, 1909.9

    STOLBERG, Michael. Professionalisierung und Medikalisierung. In: PAUL, Norbert & SCHLICH, Thomas(Org.)Medizingeschichte: Aufgaben, Probleme, Perspektiven.Frankfurt/New York: Campus Verlag, 1998. p.69-86.

    e se constitui at

    certo ponto um equvoco a nomeao de Michel FOUCAULT como seu autor, especialmente na

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    obra O nascimento da clnica,10embora de fato tenha ganhado com ele maior circulao acadmica.

    Jacques LONARD11tambm o utilizara como sendo um aumento oficial da atuao de questes

    relacionadas sade no cotidiano de uma populao.12Ainda anteriormente, Thomas S. SZAZS13

    Enquanto problema clnico, a lepra passou ser objeto de estudo de vrios mdicos partir

    da segunda metade do sculo XIX, se destacando figuras como Daniel Danielsen, Armauer Hansen,

    Robert Koch, Rudolf Virchow. Nesse perodo, graas um representativo avano tcnicoresponsvel pelo desenvolvimento de instrumentos como o microscpio, por exemplo, vrias

    doenas passaram a ser objeto de estudo especfico e sistemtico de uma recm-formada classe de

    mdicos convencionalmente chamada de Bacteriologistas, que comprovaram serem as bactrias

    responsveis por uma srie de doenas que partir de agora podiam ser melhor compreendidas.

    Essa revoluo microbiana

    emprega o termo em uma crtica ao sistema psiquitrico europeu do perodo, que para ele seria a

    expresso de uma medicalizao dos problemas sociais. No caso do processo aqui abordado, este

    conceito ser compreendido como um motor ideolgico que transformou a lepra, como dito

    anteriormente, em um problema social, cientfico e poltico dos mais graves nessa virada dos

    sculos XIX e XX.

    14

    A lepra neste espectro de doenas bacteriolgicas entretanto, se transformou em um desafio

    cientfico para esses mdicos uma vez que sua cura clnica era um objetivo sabidamente distante.

    Sequer se conhecia seus meios de transmisso, ou mesmo se ela era transmitida ou hereditria.

    modificou comportamentos mdicos, ampliou horizontes

    investigativos e, partindo do pressuposto terico anteriormente mencionado de que o conhecimento

    cientfico intrincecamente vinculado estruturas e matizes sociais, acabou por criar umaatmosfera de competio acadmica por prestgio e poder entre esses profissionais.

    15

    O fenmeno que Eric Hobsbawn chamou deA era dos imprios,

    16

    10FOUCAULT, Michel. O nascimento da clnica.6. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitria, 2006.11LONARD, Jacques.Les mdecins de lOuest au XIXme sicle.Paris, 1978.12STOLBERG, Michael. Professionalisierung und Medikalisierung.p.75.13 STOLBERG, Michael. Professionalisierung und Medikalisierung. p.75. Apud: SZAZS, Thomas S. Themanufacture of madness. A comparative study of the inquisition and the mental health movement.London, 1971.14 CUNNINGHAM, Andrew & WILLIAMS, Perry. The Laboratory Revolution in Medicine. Cambridge:Cambridge University Press, 1992. p.209.15

    Sobre isso ver: MONTEIRO, Yara.Da maldio divina a excluso social: um estudo da hansenase em SoPaulo; e OBREGN-TORRES, Diana.Batallas contra la lepra: Estado cincia y medicina en Colombia.16HOBSBAWN, Eric.A Era dos Imprios.So Paulo: Paz e Terra, 1988.

    oferece subsdios para

    que se interprete esse momento cientfico do estudo leprolgico como momento imperial, ou

    colonial da lepra. As principais naes europias no final do sculo XIX, incio do XX sepreocupavam sobremaneira com a expanso comercial e econmica de suas divisas, e

    coincidentemente em quase todas as regies que foram objeto desse Imperialismo, a lepra era um

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    srio problema endmico.17

    Wolfgang Eckart pesquisou fundo essa experincia.

    A maneira porm, com que cada pas europeu lidaria com o problema

    se distinguiria consideravelmente.

    Por isso alguns autores como Diana Obregn Torres, tendem considerar esse momento da

    histria da lepra como um momento colonial ou tropical da doena. Ou seja, o olhar cientfico

    etnocntrico europeu associou o retorno da preocupao com a doena expanso comercial

    imperialista, transformando as colnias em disseminadores em potencial da doena; e

    transformando o clima quente desses pases em uma caracterstica inconteste da enfermidade.

    Interessante observar todavia que, como tambm aponta a autora, a lepra nunca foi definitivamente

    extinta em pases europeus de clima frio como a Noruega por exemplo. Fato que foi ignorado por

    esses cientistas.

    O problema cientfico a ser resolvido estava apresentado: a lepra, uma doena toestigmatizadora e que instigava um temor muito alm de clnico, era no sculo XIX novamente

    encontrada em nmeros consideravalmente alarmantes, tambm na Europa. Alternativas cientficas

    seguras de tratamento era algo distante. Restava apenas uma antiga sada: isolar os doentes para no

    alastrar o mal. Alemanha e Noruega foram foras cientficas hegemnicas desse processo, e

    apresentariam suas propostas para a resoluo do problema, suas maneiras de isolar os leprosos.

    Antecipadamente, necessria se faz a constatao histrica de que a alternativa germnica conta de

    maneira geral com maior respaldo documental, por ter sido realizada e descrita em diferentesmomentos, em diferentes contextos e por diferentes personagens. A noruegusa, por sua vez, se

    mostra at os dias atuais bastante vinculada figura acadmica de seu principal personagem,

    Armauer Hansen, que produziu quase que sozinho seus discursos histricos, que se constituem at

    os dias atuais no principal substrato argumentativo no qual se baseiam todas as tentativas histricas

    em descrev-la.

    O Modelo alemo

    A experincia alem com a lepra foi adquirida inicialmente em suas colnias africanas nas

    duas ltimas dcadas do sculo XIX, especialmente Togo e Camares.18

    17EDMOND, Rod. Leprosy and Empire A Medical and Cultural History. New York: Cambridge UniversityPress, 2006.18

    ECKART, Wolfgang U.Medizin und Kolonialimperialismus. Deutschland 1884-1945.Paderborn: FerdinandSchningh, 2000; ECKART, Wolfgang U.Leprabekmpfung und Ausstzigenfrsorge in den afrikanischen"Schutzgebieten" des Zweiten Deutschen Kaiserreichs, 1884-1914.Leverkusen: Verlag Heggendruck, 1990.

    Seus trabalhos so de grande

    relevncia para a compreensso do assunto, por se caracterizar num dos mais importantes trabalhos

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    histricos relacionados ao tema atualmente na Alemanha, mas sero aqui discutidos juntamente com

    a anlise de fontes primrias como relatrios sobre a construo e sobre o funcionamento dos

    leprosrios construdos pelo pas na frica especialmente o de Bagida e o de Bagamoyo em Togo

    conseguidos no Arquivo Nacional (Bundesarchiv) de Berlim.

    bem verdade que esse problema colonial da lepra no era exclusividade da Alemanha

    no perodo. Wolfgang Eckart narra as experincias inglsas e francsas em suas colnias no

    continente africano, e as compara com a alem. Essa comparao resulta na constatao de que a

    forma com que a Alemanha lidou com o problema se mostrou bastante diversa da de seus vizinhos

    colonizadores, especialmente nos primeiros momentos. Alm dele, outros autores tambm

    corroboram com essa opinio como Rod Edmond, que mostra que Inglaterra e Frana tiveram uma

    postura com relao doena em suas colnias que se aproximou muito mais do temor do que dequalquer outro sentimento.19

    O caso colonial ingls especificamente abordado por Jane Buckingham, onde transparece

    a interpretao de que a lepra era muito mais uma questo de polcia do que de medicina. As

    instituies construdas eram baseadas inclusive no modelo do Panptico de Bentham, mostrando

    que a preocupao com o doente era exclusivamente para que ele no fugisse. Era um prisioneiro,

    enfim, no um doente.

    Assim a lepra seria antes de tudo um entrave s intenes comerciais

    desses pases.

    20

    Nas colnias alems, em contrapartida, a questo foi tratada de maneira diferente. Na

    segunda metade do sculo XIX j era grande a preocupao com a quantidade de casos e de novos

    casos de lepra encontrados nos pases africanos sob sua influncia, e especialmente com a

    impotncia clnica e cientfica no que tange uma cura ou mesmo um tratamento para o mal.

    21A

    ao do governo no tardaria. No incio da dcada de 1890 foi enviada ao continente uma comitiva

    mdica, chefiada pelo Dr. Robert Koch,22

    Heinrich Hermann Robert Koch essa altura possua um cargo de conselheiro no

    Gesundheitsamt (Ministrio da Sade), e era tambm Assistente Extraordinrio do Gabinete

    no apenas para fornecer um detalhado relatrio da real

    exteno da doena na regio, como tambm para propr solues, e especialmente construirinstituies que atendessem tanto s necessidades clnicas e sociais das colnias quanto s

    necessidades econmicas da metrpole.

    19EDMOND, Rod.Leprosy and Empire A Medical and Cultural History.20BUCKINGHAM, Jane.Leprosy in Colonial South India Medicine and Confinement.New York: Palgrave,2002. p.36.21

    ECKART, Wolfgang U.Medizin und Kolonialimperialismus. Deutschland 1884-1945.22 Sobre isso ver: ECKART, Wolfgang U. Medizin und Kolonialimperialismus. Deutschland 1884-1945; eKOCH, Robert.Die Lepra-Erkrankungen im Kreise Memel.Klinisches Jahrbuch, 6: 239-253. 1897.

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    Imperial de Sade desde 1880. J era portanto considerado uma das maiores autoridades da cincia

    mdica mundial, devido sua respeitvel experincia clnica, e s identificaes dos

    microorganismos causadores da tuberculose e da Clera, feitas na dcada de 1880. Gozava assim,

    de grande legitimidade para propr qualquer soluo com relao lepra na frica. Nessa

    conjuntura permaneceu por quase dois anos no continente, quase todo o tempo em Togo, onde

    auxiliou diretamente na construo de 4 leprosrios, alm de outros 2 em Camares. 23

    Os internos eram separados, por exemplo, por sexo como era de praxe, mas tambm poretnia, respeitando costumes, lnguas, e demais estruturas sociais. Sobre a alimentao, houve a

    preocupao de explicitar nesse relatrio que ela era feita de maneira adaptar o quanto fosse

    possvel a realidade contingencial s necessidades e gostos dos internos.

    Bsicamente, esse Modelo Alemo, proposto por Robert Koch e seus assistentes, era

    composto por leprosrios que possuam dois princpios: respeitar ao mximo as diversidades e as

    individualidades de seus internos, e ser ao mximo auto-sustentvel financeiramente. No caso

    especfico dos leprosrios construdos nas colnias africanas, houve uma preocupao sria quanto

    diversidade tnica e cultural dos doentes, e um considervel respeito essa diversidade em todas assuas manifestaes.

    No relatrio de 1904, Sobre o leprosrio de Bagamoyo em Togo, observa-se de maneira

    clara as intenes do governo germnico com tais instituies. Dados sobre o plano de construo,

    sobre alimentao, e at mesmo sobre vigilncia so seguramente importantes objetos de anlise.

    Em 1904 o leprosrio j tinha sete anos de funcionamento, um tempo considervelmente interesante

    para observaes dos mdicos e governantes do pas.

    24Sobre a vigilncia, foi

    adotada por exemplo a prtica de eleger um doente, que geralmente era escolhido entre aqueles com

    mais tempo de internao, para ser um auxiliar do guarda responsvel pela ordem da instituio.

    Interessante observar que o prprio texto relata que a figura do guarda era at certo ponto

    desnecessria, pois os doentes eram relativamente satisfeitos com sua alimentao e com ascondies de vida que tinham em Bagamoyo, no sendo at hoje registradas ocorrncias de fugas.25

    A presena de mes e esposas/maridos de doentes era permitida, como mostra o Relatrio

    da Casa dos Leprosos de Bagida, em Togo de 1902, com o intuito de melhorar a vida e a

    23ECKART, Wolfgang U.Medizin und Kolonialimperialismus. Deutschland 1884-1945.p.341.24FA 1/4 . Einrichtung eines Lepraheimes bei Bogamoyo.6397.Bericht ber das Lepraheim in Bogamoyo 1904.

    Bundesarchiv Berlim. p.2.25FA 1/4 . Einrichtung eines Lepraheimes bei Bogamoyo.6397.Bericht ber das Lepraheim in Bogamoyo 1904.Bundesarchiv Berlim. p.2.

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    permanncia dos internos na instituio.26

    Ao mesmo tempo esses leprosrios possuam a preocupao de serem auto-sustentveis o

    mximo quanto possvel. Atividades como agricultura e pecuria foram implementadas tanto com o

    objetivo de manter os internos ativos fisicamente, quanto para baratear seus custos operacionais.

    Todos os doentes que eram capazes de trabalhar, eram aconselhados a produzir o suficiente para

    seu sustento durante um ano.

    O relatrio regulamenta porm as condies dessa

    permanncia e deixa claro que essas pessoas deveriam cuidar de sua prpria subsistncia. Mas de

    todas as maneiras tais exemplos representam indcios de uma forma mais humana de lidar com o

    problema, de um respeito condio humana dos doentes internados nesses leprosrios.

    27

    Fato que essa experincia colonial africana, aliada a figura proeminente e cientficamente

    legitimadora de Robert Koch apresentavam subsdios que tinham tudo para legar aos alemes uma

    condio de vanguarda no assunto. E um outro acontecimento poderia trazer ainda maislegitimidade esse modelo: a doena tambm voltava a ser encontrada na prpria Alemanha, na

    cidade de Memel na Prssia

    O relatrio no explica porm como era feito esse clculo, apenas

    diz que o interno teria que produzir apenas um tipo de alimento, prviamente estabelecido pela

    administrao, em uma pequena poro de terra de propriedade da instituio.Os leprosos africanos sob responsabilidade alem eram, assim, tratados de uma maneira

    bem diferente, se comparados com os da Inglaterra e Frana, por exemplo, que no eram sequer

    reconhecidos como doentes. Era clara alm disso a preocupao com os custos e com a realizao

    de uma proposta vivel financeiramente ao governo.

    28

    O foco de lepra na cidade porturia de Memel, na Prssia, foi observado inicialmente no

    incio da dcada de 1890, atravs do trabalho do Dr. Pindikowsky,

    na dcada de 1890. O Modelo Alemode isolamento de leprosos

    teria assim, uma oportunidade singular de ser implementado dentro das divisas territoriais do pas, e

    no mais apenas em suas colnias comerciais.

    29sendo relatados 9 casos vivos e

    4 mortos. Mas apenas em 1896 o mdico prussiano pde juntamente com Blaschko fazer umtrabalho de mais flego chamadoA lepra na regio de Memel,30

    26FA 3.Lepraheim Bagida. 3098.Lepraheim Bagida 1906 1911. p.3.27FA 3.Lepraheim Bagida. 3098.Lepraheim Bagida 1906 1911. p.4.28Atualmente a cidade de Memel se chama Klaipeda, e pertence ao territrio lituano.29

    PINDIKOWSKY: Mitteilungen ber eine in Deutschland bestehende Lepraepidemie. Dtsch. Med. Wschr.1893.30BLASCHKO, A.Die Lepra im Kreise Memel.Berl. Klein. Wschr. p.433-448. 1896.

    onde se viu a seriedade do assunto,

    e que a lepra se transformava em um problema que realmente mereceria a ateno do Reich. O

    retorno de uma doenca estigmatizante como a lepra era tudo que no se desejava num perodo

    poltico importante para a recm-formada nao alem.

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    183

    Repetindo o que havia acontecido na frica alguns anos antes, ainda em 1896 Robert Koch

    foi enviado ao local, juntamente com seu assistente Martin Kirchner, para averiguar a seriedade do

    problema, propr solues plausveis, e especialmente orientar a construo de uma instituio que,

    se acreditava, serviria de modelo no tratamento da enfermidade. Ele desembarcou em Memel em

    setembro de 1896 com esse intuito. E em menos de 3 anos, em 20 de julho de 1899 seria inaugurado

    o Lar dos Leprosos de Memel. A instituio idealizada por Koch possua aposentos para 16 leprosos

    que, como disse Kurt Schneider, mdico do leprosrio por mais de 30 anos, eram tratados com o

    mximo respeito e humanidade.31

    Talvez um dos principais interlocutores capazes de dizer um pouco mais detalhadamente o

    que foi o Lar dos Leprosos de Memel seja Kurt Schneider. Ele trabalhou como mdico no local de1911 at o fim da instituio em 1944, e escreveu dois artigos sobre o local e seu cotidiano: o

    primeiro intituladoDie Geschichte der Lepra im Kreise Memel und das Lepraheim im Memel(A

    Histria da Lepra na regio de Memel e o Lar dos Leprosos de Memel), de 1942. E o segundo

    chamado Das Vorkommen von Lepra im Kreise Memel und das deutsche Lepraheim bei Memel

    1899 bis 1945,

    Em 1909 a insituio sofreria uma expanso, ampliando sua

    capaciadade para 22 internos.

    32

    No primeiro, narra de maneira detalhada os primeiros momentos da estada de Robert Kochna regio para averiguar o real estado da doena, alm de sua inteno em construir ali uma

    instituio que representasse realmente uma soluo alem para o problema do isolamento dos

    leprosos. Contamos aqui com as idias de um dos maiores personagens da histria da medicina

    mundial para apresentar uma soluo alem para o povo alemo, contra o mal da lepra.

    (O retorno da lepra na regio de Memel e o Lar dos leprosos alemo em Memel de

    1899 at 1945) escrito em 1953.

    33

    O leprosrio, que tinha o nome amenizador de Lar dos leprosos, contava com instalaes

    como descreve o prprio autor: simples porm confortveis.

    34

    31 SCHNEIDER, Kurt. Die Geschichte der Lepra im Kreise Memel und das Lepraheim in Memel. Berlin:Verlagsbuchhandlung von Richard Schoetz, 1942. p.421.32SCHNEIDER, Kurt. Das Vorkommen von Lepra im Kreise Memel und das deutsche Lepraheim bei Memel1899 bis 1945.Der ffentliche Gesundheitsdienst: Monatsschrift fr Gesundheitsverwaltung und Sozialhygiene,

    Berlin, v.12, p.465-469. 1953.33SCHNEIDER, Kurt.Die Geschichte der Lepra im Kreise Memel und das Lepraheim in Memel.p.414.34SCHNEIDER, Kurt.Die Geschichte der Lepra im Kreise Memel und das Lepraheim in Memel.p.411.

    Robert Koch tinha bem arraigada

    em sua mente a idia de que a instituio deveria se adequar s condies econmicas alems doperodo. Com isso, todas as estruturas da instituio foram justificadas minuciosamente. Ele narra

    uma interessante passagem sobre isso em seu artigo de 1897 dizendo: Cheguei a questionar a

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    Muito mais do que Isolamento em questo: Cincia, poder e interesses em uma anlise das duas primeirasConferncias Internacionais de Lepra Berlim 1897 e Bergen 1909

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    construo de um jardim, que custaria 1.250 Marcos, mas fui convencido por Kirchner de que seria

    interessante.35

    Em seu segundo artigo de 1953, j depois do final da segunda guerra mundial, e da

    consequente extino do leprosrio ocorrida em 1944 Kurt Schneider conta que o ambienteentre funcionrios e pacientes era formidvel, ponto de se esquecer s vezes que aquilo era um

    leprosrio.

    Alm disso, Robert Koch ainda utilizou mais uma alternativa para tentar baratear os custos

    estatais da instituio: uma espcie de terceirizao profissional do leprosrio. O governo seria o

    responsvel pela construo da instituio, pela manuteno dos mdicos que eram apenas dois

    e pelos demais gastos operacionais que no fossem cobertos pela produo interna de alimentos.

    Todos os outros gastos e responsabilidades foram divididos com a Knigsberger Diakonie, uma

    congregao evanglica, que assumiu compromissos como a manuteno fsica da instituio, o

    cuidado pessoal com os doentes atravs de irms de caridade, e seu controle administrativo geral.

    36

    A Noruega contava j em meados do sculo XIX com respeitvel experincia no combate

    doena no seu prprio territrio diferentemente dos outros pases anteriormente citados, que

    O lar dos leprosos de Memel representava assim uma soluo relativamente econmica para

    o isolamento dos leprosos nica alternativa cientfica em questo no final do sculo XIX ao

    mesmo tempo em que conseguia instigar um sentimento positivo e de pertencimento de seus

    internos para com a instituio. Fato alis, que tambm seria observado nos leprosrios construdos

    na frica. Robert Koch seria assim um dos principais idealizadores do que este trabalho conceituarcomo Modelo Alemode isolamento de leprosos. Em suma, a Alemanha desenvolvia no decorrer

    da dcada de 1890 sua poltica-pblica contra a lepra, seja atravs de sua experincia colonial na

    frica, seja por sua experincia caseira em Memel. Em ambos os casos observa-se uma postura

    bastante preocupada com a condio do doente, ao mesmo tempo em que se tentava gastar o

    mnimo de recuros estatais possveis. Estruturas que transformavam esse modelo alemo em uma

    significativa opo no conjunto de propostas polticas sugeridas contra a lepra, na disputa cientfica

    travada nesse perodo para legitimar um modelo de isolamento de leprosos. Mas no a nica, muitomenos a mais legitimada.

    O Modelo Noruegus

    35

    KOCH, Robert.Die Lepra-Erkrankungen im Kreise Memel.p.251.36SCHNEIDER, Kurt.Das Vorkommen von Lepra im Kreise Memel und das deutsche Lepraheim bei Memel1899 bis 1945.p.463.

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    desenvolveram suas polticas de combate lepra em funo de suas necessidades imperialistas

    tornando-se a primeira potncia cientfica no estudo leprolgico. Eleito nas primeiras dcadas deste

    sculo como o principal problema social do oficialmente recm-formado Estado noruegus, a lepra

    passou pela primeira vez a ser objeto de ao governamental. Um rigoroso sistema de medidas

    polticas e sanitrias foi implementado partir da dcada de 1830 para diminuir a incidncia da

    enfermidade que, segundo a anlise aqui realizada, deve ser diferenciada em dois aspectos

    histricos, saber:primeiro, como e sob quais condies foram implementadas e, segundo, como e

    sob quais condies foram divulgadas e aclamadas como soluo para o problema.

    A premissa argumentativa na qual este trabalho se baseia , assim, a de que existiram dois

    modelos norueguses de combate lepra. O Prtico, que foi efetivamente desenvolvido na Noruega

    partir de meados do sculo XIX ; e o Terico, que foi oficialmente apresentado nas duas primeirasconferncias internacionais de lepra de Berlin 1987 e a de Bergen 1909. Histricamente, do

    primeiro conhece-se relativamente pouco, uma vez que o segundo assumiu partir desses encontros

    acadmicos um carter discursivamente hegemnico, que terminou ocultando-o.

    Em uma rpida anlise da produo histrica sobre o tema, observa-se que ainda existem

    dificuldades considerveis na compreenso dessas medidas, e na definio de suas atribuies no

    contexto scio-cientfico de combate lepra partir de meados do sculo XIX. O prprio conceito

    deModelo Noruegus, por exemplo, foi utilizado por vrios autores que se dedicaram esse temaem diferentes momentos, nota-se porm que a compreenso que se faz dele distinta e

    incongruente, merecendo ser aqui ressaltada.

    Zachary Gussow37e Diana Obregn Torres o entendem como sendo o que aqui delimitei de

    Modelo Noruegus Prtico, ou seja, o que foi prticamente realizado na Noruega partir do meio

    do sculo XIX. Ao descrever a forma com que Gussow entendia o referido conceito, concordando

    com ele, Obregn Torres afirma que: Segn este autor, el modelo noruego era democrtico,

    racional y ilustrado. [] Fue promovido por los noruegos mismos bajo condiciones culturalesespeciales.38

    Yara Monteiro, por sua vez, compreende oModelo Norueguscomo sendo o que previa o

    isolamento compulsrio obrigatrio e irrestrito, proposto nas duas primeiras conferncias

    internacionais de lepra, o que neste trabalho chamei de Terico. Segundo a autora, os norueguses

    se contradisseram posteriormente, ao apresentar comunidade cientfica um sistema de medidas

    contra a lepra diferente do que foi realizado realmente no pas nas dcadas anteriores. E que: Esta

    37

    GUSSOW, Zachary.Leprosy, Racism and Public Health: Social Policy in Chronic Disease Control.Boulder:Westview Press, 1989.38OBREGN-TORRES, Diana.Batallas contra la lepra: Estado cincia y medicina en Colombia.p.121.

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    Muito mais do que Isolamento em questo: Cincia, poder e interesses em uma anlise das duas primeirasConferncias Internacionais de Lepra Berlim 1897 e Bergen 1909

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    distoro influenciou boa parte dos hansenlogos da poca, fazendo com que o Modelo

    Noruegus , ou seja, o isolamento compulsrio, fosse adotado em muitas regies endmicas do

    mundo.39

    Compreende-se este Modelo Noruegus Prtico aqui como resultado de uma tentativa

    nacionalista de acabar com a lepra, eleito o principal problema social vivido pelo pas no princpio

    do sculo XIX.

    Com isso, segundo a interpretao historiogrfica atualmente vigente, tem-se delimitado o

    seguinte panorama histrico: esseModelo Noruegus Prticoteria sido desenvolvido com base em

    estruturadas e educativas medidas sanitrias, e em um isolamento voluntrio que contava com a

    participao de vrios setores da sociedade, e se transformaram em um positivo exemplo de como

    lidar com o problema; o Terico, em contrapartida, teria sido apresentado nas referidas conferncias

    internacionais, de maneira totalmente impositiva e contraditria com relao ao primeiro, tendo num

    isolamento compulsrio e punitivo a nica alternativa apresentada, que gerou, por fim, um

    incontestvel equvoco na atuao profiltica contra a doenca no sculo XX, em vrias partes domundo.

    40

    Para alcanar este objetivo o governo escandinvo se disps a formar e financiar a primeira

    classe de mdicos especialistas nesta enfermidade partir da dcada de 1830.

    A doena foi concebida pela primeira vez por um Estado como um problema

    cientfico. Entretanto, a conotao dessa cientificidade ultrapassou seus limites clinicamente

    especficos e foi desembocar nos matemticos. A lepra enfim, era concebida em termos prticos

    como um nmero ser eliminado ou pelo menos reduzido, transformando o doente apenas numdado. Alm disso ela passava ser uma responsabilidade exclusiva do Estado que deveria por fim se

    esforar por desvincula-la do carter caritativo e religioso que sempre se viu vinculada.

    41Neles foi depositada

    a esperana de todo o pas na construo dos primeiros conhecimentos essencialmente tcnicos

    sobre a enfermidade. Fruto desta empresa, surge no final da dcada de 1840 o primeiro trabalho

    reconhecidamente cientfico sobre a doena, intitulado Om Spedalskhed

    42

    39MONTEIRO, Yara.Da maldio divina a excluso social: um estudo da hansenase em So Paulop.124.40Sobre isso ver: KOCH, Robert.Die Lepra-Erkrankungen im Kreise Memel; HANSEN, Armauer & LIE, H. P.

    Die Geschichte der Lepra in Norwegen;GUSSOW, Zachary.Leprosy, Racism and Public Health: Social Policyin Chronic Disease Control.41Sobre isso ver: HANSEN, Armauer & LIE, H. P.Die Geschichte der Lepra in Norwegen; VOGELSANG, Th.M. The Termination of Leprosy in Norway: An Important Chapter in Norwegian Medical History; Together witha Portrait of Armauer Hansen circa 1873. In: International Journal of Leprosy. 25 (4): p.345-51, 1957;LORENTZ, M. & IRGENS, M.D. Leprosy in Norway: An Interplay of Research and Public Heath Work. In:

    International Journal of Leprosy: 41 (2): p.189-198, 1973.42DANIELSEN, Daniel C. & BOECK, Carl W. Trait de la Spdalsked ou Elphantiasis des Grecs.Paris : J. B.Ballire, 1848.

    (Sobre a Lepra) deDaniel Danielsen e Carl Boeck personificaes dessa esperana escandinva que deixou claro

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    que o caminho cientfico at a cura seria rduo e longo. Concomitante este passo cientfico, o

    governo patrocinou um grande censo da lepra, que durou mais de uma dcada,43e tentou tornar

    palpvel o tamanho do problema ser solucionado: Era necessrio nesse primeiro momento

    compreender a extenso numrica da enfermidade. 44 Mdicos foram contratados para viajar e

    catalogar todos os doentes do pas, o que tornou pblico as difceis condies sanitrias e de vida em

    geral da populao. Consciente disso o governo noruegus tratou de agir contra a lepra tambm no

    mbito social, criando um requintado sistema hierrquico de poderes entre a sociedade com relao

    doena, que foi interpretado por vrios autores como democrticos e positivos,45

    Na prtica, porm, essa propensa atitude descentralizadora serviu to somente para que o

    governo pudesse controlar melhor a realizao das atitudes propostas por ele de maneira

    centralizada e impositiva. partir da dcada de 1850 o governo re-utilizou a fora de trabalho dos

    mdicos contratados para a realizao do grande censo sobre a doena nas dcadas de 1830 e 1840,

    e criou para eles o cargo de Distriktarzt, Mdico Distrital (HANSEN, 1909), que deveria

    oficialmente ser responsvel por cuidar da sade e do bem-estar de uma determinada regio, mas

    que conforme aponta o prprio Hansen: sua tarefa principal era controlar mais de perto o fluxoepidemiolgico da lepra.

    pois alm de

    tericamente legarem ao doente a deciso de se isolar em seu domiclio segundo normas tcnicas

    estabalecidas ou de ser levado aos assim se acredita modernos leprosrios que construiria partir

    desse momento, gerava uma atmosfera participativa na sociedade quanto ao assunto.

    46

    43 Sobre esse senso ver: HANSEN, Armauer & LIE, H. P. Die Geschichte der Lepra in Norwegen;VOGELSANG, Th. M. The Termination of Leprosy in Norway: An Important Chapter in Norwegian Medical

    History; Together with a Portrait of Armauer Hansen circa 1873; LORENTZ, M. & IRGENS, M.D. Leprosy inNorway: An Interplay of Research and Public Heath Work.44HANSEN, Armauer & LIE, H. P.Die Geschichte der Lepra in Norwegen.p.326.45VOGELSANG, Th. M. The Termination of Leprosy in Norway: An Important Chapter in Norwegian Medical

    History; Together with a Portrait of Armauer Hansen circa 1873;LORENTZ, M. & IRGENS, M.D. Leprosy inNorway: An Interplay of Research and Public Heath Work;MONTEIRO, Yara.Da maldio divina a excluso

    social: um estudo da hansenase em So Paulo;OBREGN-TORRES, Diana.Batallas contra la lepra: Estadocincia y medicina en Colombia.46HANSEN, Armauer & LIE, H. P.Die Geschichte der Lepra in Norwegen.p.327.

    Em cada um destes distritos tambm seria criado o cargo de

    Kommunalbehrde,Autoridade Comunitria, um cidado escolhido peloDistriktarzt, quase sempre

    com o auxlio da autoridade religiosa do local, que teria a funo oficial de ser uma voz de dentro da

    comunidade auxiliar esseDistriktarztem todas as decises que julgasse tcnicamente necessrias

    contra a lepra.Estes profissionais por sua vez estariam sob a responsabilidade do que foi chamado

    de Oberarzt der Lepra, Mdico Chefe da Lepra, reponsveis por recolher e estudar os dados

    colhidos por seus subordinados em termos estatsticos e por pensar solues em termosestruturalmente amplos, de acordo com ordens e regulamentaes administrativas diretas do

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    governo, atravs da figura central de Daniel Danielsen, o pilar de toda esta estrutura. Assim, ao

    contrrio dos autores anteriormente citados, considero tais medidas como centralizadoras e

    impositivas, uma vez que a atuao dos Kommunalbehrde e do Distriktarztno processo era na

    prtica cerceada e diminuta: [] com essas medidas Danielsen assumiu o controle geral da

    situao.47

    Bastante influenciados pelo resultado epidemiolgico dessas medidas apresentado no final

    do sculo XIX, onde os quase trs mil casos confirmados da enfermidade registrados em meados do

    sculo caram para algumas centenas,

    A historiogrficamente apregoada atmosfera democrtica dessas medidas no foi

    observada nas fontes pesquisadas por este trabalho. O prprio Armauer Hansen deixa bem claro

    tambm neste artigo que houve compulsoriedade e mesmo a ao policial no pas para garantir a

    realizao do isolamento, especialmente aps a sua entrada no processo, na dcada de 1870.

    48

    Assim apesar de na prtica partir do mesmo vis documental, ou seja, o discurso de

    Armauer Hansen, porm enquanto fonte primria, pude chegar aqui alguns outros

    questionamentos e observaes sobre essa poltica-pblica escandinva contra a lepra. Essa

    concepo historiogrfica atual das medidas noruegusas, ou doModelo Noruegus Prtico, partem

    do pressuposto que sob uma atmosfera democrtica bem regulamentada houve uma diminuio

    a historiografia contempornea sobre o tema acabacompreendendo tais medidas enfim, como bem fundamentadas e como um modelo ser seguido.

    Procurei neste trabalho me focar mais detalhadamente no discurso de Armauer Hansen

    sobre o processo, que em termos prticos se constitui de fato como a principal fonte histrica sobre

    o mesmo. A desejvel consulta de documentos oficiais do governo noruegus sobre o assunto se

    apresentou como um problema linguistico e temporal cuja soluo ainda no me foi possvel neste

    trabalho. Assumo desta maneira uma postura analtica at certo ponto reducionista, de me fazer

    valer bsicamente apenas do discurso de um personagem para compreender uma ao poltica destarelevncia. Justifico-a em funo da centralizao poltica e acadmica em torno da figura de

    Hansen que, em termos prticos, se transformou no porta-voz oficial e no estandarte dessas

    medidas, no deixando margem outros personagens que pudessem t-las descrito de outra

    maneira. Isto no apenas em funo de ter sido um responsvel direto pela implementao dessas

    medidas na Noruega partir da dcada de 1870, ou por ser aluno e genro de Daniel Danielsen que

    j havia falecido em 1879 , mas tambm e principalmente por ser quela altura aclamado como o

    pai do bacilo da doena, fato que abriria novos horizontes seu estudo.

    47HANSEN, Armauer & LIE, H. P.Die Geschichte der Lepra in Norwegen.p.328.48

    Sobre isso ver: HANSEN, Armauer a. Facultativ oder Obligatorische Isolation der Leprsen. I InternationaleLepra-Konferenz, 1: 1-5. 1897; KOCH, Robert.Die Lepra-Erkrankungen im Kreise Memel;HANSEN, Armauer& LIE, H. P.Die Geschichte der Lepra in Norwegen.

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    epidemiolgica dos casos da doena que no deixava dvidas de sua eficcia. Ao considerar tais

    medidas como exitosas, essa corrente d margens interpretao de que elas foram responsveis

    pela cura dos doentes, ou seja, que a impressionante curva decrescente do nmero de casos

    registrados teve como consequncia o retorno dos doentes seus lares e sua vida social. A lepra,

    porm, era uma enfermidade cuja cura clnica naquele momento representava uma utopia. Como

    explicar ento essa diminuio epidemiolgica? H.P. LIE, assistente de Armauer HANSEN por

    mais de uma dcada e seu sucessor poltico no pas aps seu falecimento em 1912, deixa claro em

    um artigo escrito j em 1933 com o objetivo de descrever essas medidas escandinvas que ele no

    tinha resposta esta pergunta, e ainda completa reticente: is the decline spontaneous? 49

    As medidas noruegusas contra a lepra no sculo XIX ou Modelo Noruegus Prticoforam assim implementadas sob uma atmosfera pragmtica e cientificista que centralizou o combate

    lepra sob a figura do Estado, que transformou a doena em um nmero. O doente por sua vez,

    segundo palavras do prprio Hansen seria: um mal-trabalhador, e por conseguinte uma perda

    econmica para sua sociedade.

    O prprio Armauer Hansen, como se ver, fornecer na I Conferncia Internacional de

    Lepra de Berlim em 1897 alguns indcios histricos capazes de responder pelo menos em parte este questionamento. Nesta ocasio, como ressaltado anteriormente, ele foi o principal responsvel

    por realizar a descrio do que denominei deModelo Noruegus Terico, isto , a sua interpretao

    feita mais de meio-sculo depois e sob olhares atentos de autoridades cientficas e polticas de

    todo o planeta sobre a poltica-pblica escandinva contra a lepra no sculo XIX que, graas

    uma relativa dificuldade documental sobre o tema e legitimao de sua figura acadmica, se

    transformou na descrio reproduzida historiogrficamente partir de ento.

    50

    O governo alemo organizaria com muito orgulho e pompa o primeiro encontro cientfico

    mundial para tratar especficamente do assunto lepra. O pas era um fundamental centro cientfico

    Porm, com mais de meio-sculo de histria, tendo como

    predicado o poderoso libe dos nmeros que comprovavam naquele momento prticamente a

    extino da doena no pas, e sob a regncia acadmica do principal personagem cientfico

    vinculado ao estudo tcnico da enfermidade, elas chegavam ao primeiro encontro internacional demdicos e polticos sobre a doena como principal proposta poltica contra o problema da lepra.

    I Conferncia Internacional de Berlim 1897

    49LIE, H.P. Why is leprosy decreasing in Norway.In: International Journal of Leprosy. (1): 1933. S. 210.50HANSEN, Armauer. Einleitung.I Internationale Lepra-Konferenz, 2: p.18. 1897.

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    Muito mais do que Isolamento em questo: Cincia, poder e interesses em uma anlise das duas primeirasConferncias Internacionais de Lepra Berlim 1897 e Bergen 1909

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    do perodo, levando autores como John Cornwell a chama-lo de Meca da Cincia.51 Os

    resultados cientficos dos germnicos eram realmente respeitveis. Em 1921, vinte anos depois da

    instituio dos prmios Nobel, alemes, ou pelo menos pessoas de lngua alem, haviam ganhado

    metade dos prmios concedidos s cincias naturais e medicina. 52

    Seguindo o pressuposto indicirio e investigativo de Carlo Ginzburg,

    Fazendo do idioma alemo,

    por consequncia, condio fundamental para divulgao e progresso cientficos. Nomes como

    Albert Einstein na fsica, Adolf von Bayer na qumica e Robert Koch na medicina eram exemplos

    incontestes dessa hegemonia.

    Nessa atmosfera foram convidadas as maiores autoridades mdicas de todo o mundo para a

    Conferncia de lepra, com a real e viva esperana de se compreender a exteno do problema que

    voltava tona, como tambm de apresentar solues plausveis para combater a doena. Era sabido,

    porm, que a cura ainda era uma utopia, e que as discusses deveriam ser por conta da melhormaneira de se realizar o isolamento dos doentes, nica alternativa vivel para o no alastramento do

    mal.

    Para entender essa querela, necessrio se faz explicar um pouco melhor em que consiste a

    publicao dessa Conferncia de lepra em Berlim, em 1897. Os anais da conferncia so divididos

    em dois tomos que totalizam 1392 pginas, originalmente publicados em alemo. No primeiro

    existem artigos prviamente escritos pelos participantes do encontro, como tambm os discursos

    literais proferidos na abertura e no encerramento do mesmo por alguns dos mais importantes dessesleprlogos. E no segundo tomo existe um resumo das discusses dirias dos quatro dias da

    conferncia.53

    Muito provavelmente na publicao de Robert Koch, chamada A lepra na regio de

    Memelestaria a explicao para essa ausncia. A inteno do artigo publicado trs meses antes da

    realizao da conferncia seria de relatar a extenso da doena na regio alem que, como mostrado

    relevantes

    atividade histrica no que tange observao de detalhes e mesmo de silncios nas fontes

    pesquisadas, pode-se observar importantes fatos nesse encontro acadmico. Por exemplo, o fato de

    um dos principais personagens da idealizao e da prtica do mencionado Modelo Alemo, Robert

    Koch, no ter sequer participado do evento, mesmo sendo um importante cone acadmico sobre oassunto, e um dos representantes mais respeitados, e inclusive conselheiro, do Gesundheitsamt

    (Ministrio de sade do Reich), que promoveu o encontro.

    51CORNWELL, John. Os cientistas de Hitler.Rio de Janeiro: Imago Editora, 2003. p.45.52

    CORNWELL, John. Os cientistas de Hitler.p.46.53GINZBURG, Carlo. O queijo e os vermes O cotidiano e as idias de um moleiro perseguido pela inquisio.So Paulo: Companhia das Letras, 1987.

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    anteriormente, voltava a contabilizar novos casos de lepra, assustando todos e exigindo medidas

    urgentes do governo alemo. Contudo, alm de realizar tal tarefa, ele tece crticas s medidas

    implementadas na Noruega nas dcadas anteriores, e especialmente ao fato de atribuir ao isolamento

    compulsrio em instituies estatais o desaparecimento da doena no pas.54Ele j afirma no artigo

    que essas medidas no eram confiveis, duvidando da relevncia dos dados epidemiolgicos para a

    discusso do assunto. E afirma por exemplo, que permanece apenas uma sada lgica para o

    problema, construir instituies que levem em conta tanto as mais modernas preocupaes tcnicasno combate doena quanto s necessidades e a realidade sociais de cada pas. 55Mostra tambm

    uma tabela epidemiolgica com o nmero de casos da doena na Noruega antes e depois da

    implantao dessas medidas no pas, concluindo que esses dados no seriam suficientes para dar a

    confiana necessria s medidas noruegusas, dizendo que nmeros no curam, so apenasnmeros.56

    A Alemanha porm contava no mesmo perodo com um outro renomado bacteriologista, e

    que tambm possua uma relevante experincia no estudo de vrias enfermidades, dentre elas alepra: o berlinense Rudolf Virchow, que foi inclusive escolhido para ser o presidente da conferncia

    de Berlim. Sua estreita relao profissional e pessoal com o noruegus Armauer Hansen acabou

    sendo uma fundamental vantagem para o escandinvo na disputa pela legitimao da melhor

    poltica-pblica contra a lepra. Artigos de Armauer Hansen no famoso Virchows Archiv que foi

    um dos mais importantes peridicos mdicos do sculo XIX eram comuns. O prprio Rudolf

    Virchow relata mais detalhadamente a amizade com Armauer Hansen, quem chamou de um

    Para ele, enfim, a proporo de doentes internados nos leprosrios estatais

    escandinvos nunca foi suficiente para atribuir o fim da enfermidade no pas ao isolamento

    compulsrio.

    Essa atitude de Robert Koch em criticar de maneira to explcita a postura noruegusa com

    relao lepra em um trabalho que teria uma finalidade completamente diferente, est arraigada nas

    diferenas profundas, anteriormente abordadas, com relao ao papel do doente e do Estado no

    desenvolvimento de suas polticas-pblicas contra a lepra observadas entre Alemanha e Noruega.Segundo oModelo Alemode atuao contra a lepra, era inconcebvel o Estado arcar com todas as

    despesas decorrentes desse combate. Robert Koch inicia assim a crtica que boa parte da

    historiografia no sculo XX faria figura de Armauer Hansen, uma vez que lega ao escandinavo a

    responsabilidade por fazer uma espcie de deturpao da realidade vivida durante todo o processo

    de implementao dessa poltica na Noruega.

    54

    KOCH, Robert.Die Lepra-Erkrankungen im Kreise Memel.55KOCH, Robert.Die Lepra-Erkrankungen im Kreise Memel.p.250.56KOCH, Robert.Die Lepra-Erkrankungen im Kreise Memel.p.249.

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    grande amigo57 num artigo publicado nesse peridico. O historiador Manfred Vasold tambm

    narra uma importante passagem da vida profissional de Rudolf Virchow no artigo Rudolf Virchow

    und die Lepra in Norwegen(Rudolf Virchow e a lepra na Noruega), onde conta com detalhes uma

    viagem feita pelo mdico alemo em 1859 Bergen na Noruega, onde toma conhecimento das

    medidas tomadas pelos norueguses com relao doena, alm de ter a oportunidade de estreitar

    os laos acadmicos com Daniel Danielsen e com o prprio Armauer Hansen, quela altura ainda

    assistente de Danielsen. Nesse artigo, de 1989, Manfred Vasold conta que Virchow compactuava

    da mesma viso de cincia de Hansen, e os dois se uniriam cada vez mais partir dessa viagem do

    berlinense capital noruegusa.58

    Se torna difcil crer, assim, que Armauer Hansen no tomou conhecimento das tais crticas

    de Robert Koch, trs meses antes da Conferncia, e que no quis se retaliar. E que essa retaliaono influenciou na no participao de Robert Koch no evento. Oficialmente, Robert Koch estava

    em mais uma de suas muitas Forschungsreise (Viagens Investigativas) ao continente africano,

    59

    57VIRCHOW, Rudolf. Zur Geschichte des Aussatzes, besonders in Deutschland, nebst Aufforderung an rzteund Geschichtsforscher.In: Virchows Archiv: v. 18. p.139 ,1860.58VASOLD, Manfred.Rudolf Virchow und die Lepra in Norwegen.In: Medizinhistorisches Journal, v. 24 p.135,

    1989.59Sobre a biografia de Robert Koch ver por exemplo: BOCHALLI, Richard. Robert Koch Der Schpfer dermodernen Bakteriologie.Stuttgart: Wissenschaftliche Verlagsgesellschaft M.B.H., 1954.

    porm sua presena no seria difcil de ser arranjada, se desejada, pelas autoridades reponsveis. A

    relevncia acadmica que gozava no campo da bacteriologia bem como sua experincia pessoal na

    idealizao e implementao das medidas de seu pas contra a lepra nas colnias africanas e no

    pequeno foco caseiro em Memel me levam crer que a ausncia de Robert Koch na conferncia de

    Berlim foi algo polticamente arranjado.Por todos os motivos aqui ressaltados, a voz de Armauer Hansen era sem dvida a mais

    aguardada. Na ocasio ele realizaria a descrio das medidas que conseguiram acabar com a lepra

    em seu pas, no que denomino neste trabalho de Modelo Noruegus Terico. Sua inteligncia e

    perspiccia histricas merecem ser ressaltadas, uma vez ter reconhecido o nvel de inseguranca

    tcnica que pairava sobre os conhecimentos acerca da lepra no perodo, e de ter escolhido a

    alternativa argumentativa do isolamento como soluo ser recomendada todos que quisessem

    chegar aos mesmos resultados norueguses. Alm disso, ele reconheceu desde o princpio suarelevncia histrica no processo, e se esforou para galgar at certo ponto sozinho o posto de cone

    moderno da lepra.

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    Shubhada Pandya,60

    The suppression and prevention of leprosy can only be accomplished by smothering itby means of [leper] isolation. We want to obtain enforced and complete isolation by theconsent of governments; we want the necessary measures to be taken, everywhere,rigorously, and that the principle of isolation may pass into practice, with all itsconsequences, all the duties and efforts it may entail.

    por exemplo, narra com interessantes fontes primrias a tentativa do

    mdico norte-americano Albert Ashmead que tambm esteve presente na conferncia de Belim

    de formar junto com Armauer Hansen e outros mdicos uma rede mundial de pesquisadores, um

    Comit, partir do final de 1896, e que teriam tambm a responsabilidade poltica de propr

    solues contra a enfermidade. De maneira sutil mas determinada, segundo o autor, o noruegus

    declina de todas as tentativas, numa atitude que interpreto aqui como intencionalmente pensada para

    ressalta-lo como o mais importante e relevante personagem cientfico e poltico da lepra no perodo.

    Albert Ashmead seria assim, um outro personagem que buscaria seu reconhecimento

    acadmico no processo. Tambm favorvel ao isolamento compulsrio, ele buscava maneiras de

    formar uma primeira classe de leprologistas, que teria a responsabilidade de convencer os

    governos de todo o mundo da necessidade do isolamento para se chegar ao fim da lepra:

    61

    Meus senhores! Temos aqui duas propostas feitas por Dr. Ashmead (New York) e porDr. Westberg sobre a formao de um Lepra-Comit. Eu j havia escrito anteriormente Dr. Ashmead que eu no posso compreender o que este Comit teria fazer, no serassinar papis e tecer belos discursos. Eu penso que a coisa bem simples. Nsconseguimos resultados realmente requintados na Noruega, mas se eles no foremsuficientes para convenc-los, ento faam como queiram. Se os senhores no queremseguir nosso exemplo so, como eu disse Dr. Ashmead, idiotas (sic), e pessoas idiotas

    no merecem ser ajudadas. Mas minha experincia mostra que as pessoas no so toidiotas como se diz comumente, e por isso eu acredito que os senhores faro como nsfizemos e eu posso garantir que em pouco tempo estaro livres da lepra.

    Mas, pelos motivos apontados anteriormente, tal atitude no seria bem-vista e no contaria

    com o apoio do mdico noruegus. Em uma das discusses da conferncia de Berlim que por fim

    no foi abordada por Shubhada Pandya o noruegus trata do assunto, e d mostras contundentes

    da maneira com que defenderia sua posio na ocasio, no que considero um de seus discursos mais

    sintomticos de toda a conferncia:

    62

    Estava claro, assim, que ele no aceitaria a insero de outros personagens no processo. A

    experincia e os resultados epidemiolgicos de seu pas, associada sua experincia pessoal no

    estudo cientfico da doena, somada providencial e fundamentada relao acadmica com Rudolf

    60PANDYA, Shubhada. The first international leprosy conferency, Berlin, 1897: the politics of segregation. In:Histria, Cincias, Sade Manguinhos: 10 (suplement 1). S. 161-177, 2003.61Ashmead, 22.1.1897. Apud: PANDYA, Shubhada. The first international leprosy conferency, Berlin, 1897:

    the politics of segregation.p.168.62 I INTERNATIONALE LEPRA-CONFERENZ. Die Isolierung der Ausstzigen und die dazu erforderlichenMaassregeln.Berlin, 1897: 2. p.165.

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    Muito mais do que Isolamento em questo: Cincia, poder e interesses em uma anlise das duas primeirasConferncias Internacionais de Lepra Berlim 1897 e Bergen 1909

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    Virchow eram predicados suficientes para legar sua figura a condio de legitimidade necessria

    para propr, sozinho, solues aos presentes. E sua soluo foi o isolamento compulsrio que, de

    fato, era a nica alternativa plausvel.

    De qualquer forma, todas as tentativas teraputicas para a lepra foram at agora toclaramente mal-sucedidas,ou pelo menos to inseguras, que no nos resta outraalternativa. Ser o mais sensato e mais humano de nossa parte, se ns combatermos apropagao desta enfermidade atravs do isolamento dos doentes. 63

    Aconteceram tantas outras doenas, tantas outras infeces, que os doentes morriamnesses leprosrios muito antes do que se estivessem ficado em casa. Isso se trata deproblema exclusivamente sanitrio, nenhum acidente, mas bonito e humano no foi.

    A idia do mdico noruegus era clara. Atravs do isolamento compulsrio dos doentes, a

    doena iria naturalmente desaparecer. Este procedimento foi de fato, por fim, o adotado em seu pas.

    O governo reuniu a maior quantidade possvel de leprosos em leprosrios sob sua total

    responsabilidade, e partir deste momento passou no se preocupar demasiadamente com o que

    acontecia l dentro.

    64

    Este pequeno trecho do discurso de Armauer Hansen transcrito nos anais da primeira

    conferncia internacional de lepra de Berlim abre assim novas perspectivas de anlise do processo

    de implementao da poltica-pblica noruegusa contra a doena no sculo XIX. Ao l-lo

    compreende-se um pouco melhor os motivos pelos quais o pas conseguiu diminuir

    epidemiolgicamente o nmero de doentes de forma to impactante em pouco mais de meio-sculo

    sem que fosse possvel tcnicamente curar a doena. No se trata de dizer que o governo noruegus

    exterminou seus doentes de lepra, mas sim de dizer que ele no dispenderia recursos financeiros e

    mesmo energticos em cuidar da sade e do bem-estar de pessoas que se sabia no possurem futuro

    social. Era de seu conhecimento que os doentes que fossem internados nesses leprosrios no

    tinham chance de l sarem curados. O que acontecesse dentro dos muros dessas instituies, assim,

    no deveria mesmo ser objeto de tanta preocupao governamental, j que a eliminao desses

    doentes viria em ltimo caso de encontro com a perspectiva cientfica pragmtica e tecnicista deste

    governo que, como j ressaltado anteriormente, compreendia o doente apenas como um dado, um

    nmero ser reduzido ao mximo. No foi encontrada nenhuma meno sequer desse

    pronunciamento de Armauer Hansen em toda a bibliografia estudada sobre o tema, o que refora a

    idia de que essa poltica pblica noruegusa para a lepra no sculo XIX se apresenta ainda como

    um profcuo e frutfero campo de anlise e pesquisa histrica.

    63I INTERNATIONALE WISSENSCHAFTLICHE LEPRA-KONFERENZ. Zweite Sitzung: 2. p.48-49. Berlin,

    1897.64 I INTERNATIONALE LEPRA-CONFERENZ. Die Isolierung der Ausstzigen und die dazu erfolgreichenMaassregeln.p.162.

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    A ressonncia conseguida por seu discurso na ocasio foi bastante positiva. ponto de legar

    ele a coragem de opinar livremente, por exemplo, sobre o problema da lepra na Alemanha, que

    pelos motivos apresentados aqui, seria oficialmente o principal concorrente ideolgico de sua

    proposta. Em um dos encontros da conferncia vamos encontrar um singular acontecimento nesse

    sentido: Especialmente aqui na Alemanha, onde existem 36 casos em uma regio (grito:15!), se

    poderia em poucos anos acabar com a doena.65

    O legado oficial da conferncia para a histria da lepra, em outras palavras da descrio e

    aclamao do Modelo Noruegus Terico, seria assim como j afirmam vrios autores, o

    isolamento compulsrio todos os leprosos em instituies que haveriam de ser construdas pelo

    Em uma de suas inmeras intervenes, Armauer

    Hansen sugere que tambm os alemes deveriam seguir seus conselhos, recebendo a corrigenda

    imediata de algum da platia quanto ao nmero de casos citado por ele na regio de Memel.

    Acontecimento que por fim nos oferece uma idia do nvel de divergncias e competitividade com

    que foi criado o paradigma cientfico do isolamento compulsrio como soluo para o problema da

    lepra.A proposta alem por sua vez foi relegada um segundo plano. Ao contrrio do que se

    observava com os norueguses, que possuam j na conferncia de Berlim uma srie de dados e

    argumentos epidemiolgicos acumulados em mais de meio-sculo de histria de sua soluo para o

    problema, a poltica pblica contra a lepra implementada pela Alemanha estava em pleno processo

    de desenvolvimento, tanto em suas colnias africanas quanto no pequeno foco caseiro na regio de

    Memel, e ainda no possua resultados prticos apresentar, ou seja, no podia ainda comprovar a

    diminuio epidemiolgica da doena com tais medidas. Este foi, sem dvida, um dos fatoresdecisivos para a aclamao dessa maneira noruegusa de lidar com o problema na ocasio. No

    continente africano, as medidas alems comecaram a ser implementadas no princpio da dcada de

    1890, mas ainda estavam longe de apresentar resultados prticos em 1897. E no foco prussiano, tal

    poltica pblica teve inicio oficial, conforme tambm salientado neste trabalho, com a visita de

    Robert Koch regio para propr as solues polticas para o problema j no ano de 1896, um ano

    antes da conferncia na capital do Reich. Alia-se essa falta de resultados prticos, ou mesmo de

    experincia, ausncia de Robert Koch no encontro, a personalidade poltica e acadmica quepoderia interceder de maneira decisiva favor dessa alternativa. A maneira alem de lidar

    estatalmente com a lepra foi, desta maneira, desacreditada.

    65I INTERNATIONALE LEPRA-CONFERENZ.Die Isolierung der Ausstzigen und die dazu erfolgreichenMaassregeln.op. cit. S. 165.

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    Estado um custo alto e sem qualquer garantia quanto resultados,66como se isolar fosse suficiente

    para curar. partir de ento comeava uma disputa ainda maior por poderes entre os acadmicos

    envolvidos no assunto, que ressoaria em vrios contextos histricos e sociais no perodo. Alguns

    autores como Yara Monteiro, que estudou esse processo no Brasil, chegam a dividir a classe mdica

    envolvida no assunto em dois grupos: isolacionistas e partidrios de uma nova postura.67No

    mundo inteiro borbulhavam discusses sobre o tema. Diana Obregn, por exemplo, narra que na

    Colmbia as discusses percorreram congressos de medicina por mais de trs dcadas.68

    Mas na realidade, o poder de Armauer Hansen s fez aumentar na conferncia de Berlim,

    fazendo com que ele mesmo afirmasse em sua auto-biografia que se me senti famoso algum

    momento de minha vida, este momento foi em Berlim em 1897. Me senti feliz por perceber que as

    pessoas passaram a se interessar verdadeiramente pela lepra, e tinha contribudo para isso.

    69Eleitopresidente da Associao dos Leprlogos, criada na ocasio por sugesto de Rudolf Virchow,70

    Outro exemplo disso seria observvel tambm em seu mais importante passo cientfico. Elerecebeu os louros da descoberta do Mycobacterium Leprae, o microorganismo que seria o

    responsvel pela transmisso da doena. Entretanto, levando-se em conta algumas estruturas

    metodolgicas que consideram o pensamento e a produo cientfica como fenmenos coletiva e

    ele

    conseguiu por fim aprovar a realizao da prxima conferncia internacional sobre o assunto para a

    capital noruegusa: Bergen, que se realizaria 12 anos e muitas discusses depois.

    II Conferncia Intenacional de Lepra Bergen 1909

    Em realidade pode-se considerar a Conferncia de Bergen, aps sua leitura completa, e

    levando-se em conta todo o abordado contexto acadmico, como uma espcie de homenagem

    Armauer Hansen, que j quela altura apresentava sinais contundentes de sua idade avanada, vindo

    a falecer menos de trs anos mais tarde.

    Por meio de uma anlise desses pequenos trechos da trajetria acadmica e mesmo pessoal

    do mdico noruegus, neste trabalho tambm esboadas, pde-se identificar traos de um

    egocentrismo e uma necessidade de afirmao cientfica que trariam consequncias fundamentais

    para o processo aqui abordado.

    66MUIR, Ernest & ROGERS, Leonard.Leprosy; MONTEIRO, Yara.Da maldio divina a excluso social: umestudo da hansenase em So Paulo; OBREGN-TORRES, Diana. Batallas contra la lepra: Estado cincia ymedicina en Colombia.67MONTEIRO, Yara.Da maldio divina a excluso social: um estudo da hansenase em So Paulo.p.137.68OBREGN-TORRES, Diana.Batallas contra la lepra: Estado cincia y medicina en Colombia.p.181.69

    HANSEN, Armauer. The memories and reflections of Dr. Gerhard Armauer Hansen. Wrzburg: GermanLeprosy Relief Association, 1976. p.100.70I INTERNATIONALE WISSENSCHAFTLICHE LEPRA-KONFERENZ. Zweite Sitzung.

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    socialmente construdos, no permitindo por fim que se aceite uma nica e chapada Verdade

    Cientfica, ou mesmo uma descoberta cientfica,71a contempornea historiografia da cincia tm

    tentado re-interpretar esse descobrimento do mdico noruegus. Diana ObregnTorres,72afirma

    que ele apenas conjecturou ser o microorganismo realmente uma bactria no artigo Die Lepra

    Klinischen und Pathologisch-Anatomischen Standpunkte,73A lepra: atuais ponto-de-vistas clnico e

    anatmico-patolgico, sem nenhuma comprovao contundente, o que por sua vez seria feito

    efetivamente apenas cinco anos depois, pelo mdico alemo Albert Neisser, com a publicao do

    artigo:Zur Aetiologie der Lepra, 74

    Armauer Hansen conta porm sua verso para esse fato ainda indita nos trabalhos latino-

    americanos sobre o tema , em um artigo publicado nessa II Conferncia Internacional de Lepra de

    Bergen em 1909. Segundo ele, Albert Neisser havia estado em seu laboratrio em Bergen, neste

    mesmo ano de 1879, para tentar comprovar que o microorganismo era uma bactria, e que se

    encaixava na estrutura bacteriana de Robert Koch, principal paradigma cientfico do assunto no

    perodo. Para comprovar isso, eles precisavam cultivar o microorganismo in vitro, e este deveriamudar de cor, de acordo com as trs estruturas bacterianas propostas por Robert Koch. Os testes no

    deram resultado.

    Sobre a Etiologia da lepra. Mas como Armauer Hansen havia

    publicado seu artigo anteriormente, e como tinha o aval cientfico e legitimatrio de Daniel

    Danielsen, alm de sua prpria experincia j quela altura respeitvel no meio acadmico pelas

    atividades realizadas na Noruega, se consentiu haver sido ele o descobridor da bactria causadorada lepra.

    75 Depois disso, ele enviou pessoalmente uma carta Robert Koch pedindo

    conselhos sobre a melhor maneira de realizar a experincia. E recebeu como resposta que o

    preparado deveria permanecer por um perodo, at 24 horas, em repouso para chegar ao

    resultado.76

    71 FLECK, Ludwik. La gnesis y el desarollo de un hecho cientifico. Madrid: Alianza Universidad, 1986.Utilizei aqui esta traduo em espanhol, mas a verso original de 1935. FLECK, Ludwik. Genesis anddevelopment of a scientific fact.In: TREN, Thadeus & MERTON, Robert K. (ed.). Chicago: The Universit ofChicago Press, 1935/1979.72OBREGN-TORRES, Diana.Batallas contra la lepra: Estado cincia y medicina en Colombia.73 HANSEN, Armauer. Die Lepra Klinischen und Pathologisch-Anatomischen Standpunkte. Cassel: Verlagvon TH. G. Fischer & Co., 1874.74

    NEISSER, Albert.Zur tiologie der Lepra.In: Berslauer Artzl. Zeitschrift 1: p.200-215, 1879.75HANSEN, Armauer & LIE, H. P.Die Geschichte der Lepra in Norwegen.p.333.76HANSEN, Armauer & LIE, H. P.Die Geschichte der Lepra in Norwegen.p.335.

    Assim feito, Hansen acreditava ter conseguido provar que oMicobacterium Leprae

    era realmente uma bactria. Porm para sua surpresa, na mesma semana Albert Neisser publica o

    artigo com os mesmos resultados, o enervando profundamente. Ainda assim em seu artigo de 1909,Armauer Hansen se auto-nomeia descobridor da bactria dizendo que o ocorrido no seria nada

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    Muito mais do que Isolamento em questo: Cincia, poder e interesses em uma anlise das duas primeirasConferncias Internacionais de Lepra Berlim 1897 e Bergen 1909

    Reinaldo Guilherme Bechler

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    que tirasse o brilhantismo de Armauer Hansen como principal cone da histria da lepra, 77

    Diferentemente da primeira conferncia de Berlim, a conferncia de Bergen se deu em um

    ambiente de tranquilidade e troca de deferncias entre os participantes. Com o falecimento de

    Rudolf Virchow em 1902, a delegao alem agora seria chefiada por Martin Kirchner. Como

    assistente de Robert Koch tanto na frica quanto no foco caseiro da doena no pas em Memel,

    Martin Kirchner exerceu um papel interessante no processo cientfico apresentado, pois ao mesmo

    tempo em que confirma que [] a Alemanha no podia traar um panorama cientficamente

    convincente sobre a lepra no pas quando da conferncia de Berlim, devido ao pouco tempo de sua

    existncia, mas me comprometo realizar esta tarefa hoje aos senhores,

    e

    sequer cita o artigo e o nome de Albert Neisser alm desse comentrio.

    78 se mostra

    completamente favorvel Armauer Hansen, chamando-o de maior nome da histria da lepra.79

    Coube Martin Kirchner assim, a fundamental tarefa de explicar melhor as medidas

    tomadas nas colnias africanas em Memel, agora com dados absolutamente completos e

    estruturados, diferentemente do que ocorreu em Berlim doze anos antes, na primeira tentativa. Eled maiores detalhes sobre o leprosrio da cidade prussiana, que estava na ocasio completando

    quase dez anos de existncia, e contava com 22 doentes. Ressalta que os resultados desses dez anos

    tambm seriam relevantes em termos epidemiolgicos, tendo o nmero de novos casos na regio

    prussiana diminudo para apenas trs nesses dez anos.

    A astcia poltica de Kirchner nessa questo foi interessante. Ele sabia que quela altura a proposta

    noruegusa estava definitivamente aclamada como melhor alternativa. Ao mesmo tempo era

    necessrio apresentar os agora existentes resultados das medidas alems contra a lepra, colhidos

    nesses doze anos entre a conferncia de Berlim e a de Bergen.

    80Alm disso ele deixa claro que a alternativa

    institucional de Memel era consideravelmente menos dispendiosa ao Estado do que a proposta

    apresentada pelos norueguses em Berlim. O lar dos leprosos de Memel foi construdo levando em

    considerao as condies e a realidade social alems, j apresentando resultados incontestes.

    81

    77HANSEN, Armauer & LIE, H. P.Die Geschichte der Lepra in Norwegen.p.336.78 KIRCHNER, Martin. Die in Deutschland und den deutschen Schutzgebieten seit 1897 ergriffenSchutzmaregeln gegen die Lepra.II Internationale Lepra-Konferenz, Bergen: 2, 1909. p.15.79KIRCHNER, Martin.Die in Deutschland und den deutschen Schutzgebieten seit 1897 ergriffenSchutzmaregeln gegen die Lepra.p.17.80 KIRCHNER, Martin. Die in Deutschland und den deutschen Schutzgebieten seit 1897 ergriffen

    Schutzmaregeln gegen die Lepra.p.18.81 KIRCHNER, Martin. Die in Deutschland und den deutschen Schutzgebieten seit 1897 ergriffenSchutzmaregeln gegen die Lepra.p.23.

    Aatitude de Kirchner em expr essa experincia na conferncia de Bergen porm, foi quase que uma

    atitude para livrar sua conscincia, uma vez que ele prprio sabia que sua retrica e seus dados no

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    iriam modificar o panorama cientfico do momento, que enxergava apenas o modelo noruegus

    como adequado: Considero terminado meu dever de informar aos senhores sobre nossa

    experincia no combate lepra. Agradeo pela oportunidade.82

    Imperioso se torna por fim, constatar novamente a marginal mas agora pelo menos

    presente participao de Robert Koch na conferncia de Bergen. Suas idias foram observadas

    apenas no sucinto artigo de quatro pginas,

    83que pode ser considerado como uma espcie de tratado

    eugnico da lepra. Quase sem tocar no assunto do isolamento, ele versa apenas sobre o fato de se

    dever considerar a lepra como enfermidade tropical, propondo como soluo por exemplo, o envio

    de um maior nmero de mulheres europias para as colnias, com o objetivo de diminuir a

    mistura dos europeus com os povos contaminados pela doena,84mostrando como tambm suas

    idias se modificaram nesse intervalo de doze anos entre as duas conferncias. Mesmo estando emBergen, e mesmo com esta pequena participao, Robert Koch no perdeu a oportunidade de fazer

    crticas forma noruegusa de combater a lepra: Tambm na Noruega, bsicamente um povo de

    pobres pescadores, se observou que a doena mesmo transmissvel, e que o tratamento deve ser

    orientado todos, no apenas aos mais pobres.85Na nica frase em que versa sobre o isolamento

    afirma: O isolamento ainda , infelizmente, o nico meio pelo qual a enfermidade pode ser

    combatida cientficamente, enquanto no chega cura para a doena, prometida pelo Dr. Deycke.86

    Na ltima seo da conferncia, destinada a escolha dos prximos membros da sociedade

    dos leprlogos, tendo sido Armauer Hansen aclamado novamente presidente, exatamente no ltimo

    pargrafo da publicao l-se: noite foi oferecido pelo Comit Organizador um banquete aos

    participantes. Sua Excelncia Robert Koch declinou ao convite, afirmando necessitar viajar s

    pressas para a participao em um outro congresso, tendo deixado na oportunidade seus sinceroscumprimentos aos colegas. Sobre isso respondeu Sua Excelncia Dr. Armauer Hansen: A

    Conferncia de Lepra envia agradecimentos ao Dr. Robert Koch pelos cumprimentos deixados.

    ntida a inteno de Robert Koch nessa frase em atingir Armauer Hansen, pois era mais do queclaro para os cientistas presentes ao encontro que se a cura da enfermidade poderia chegar, seria

    evidentemente pelas mos do mdico noruegus.

    87

    82 KIRCHNER, Martin. Die in Deutschland und den deutschen Schutzgebieten seit 1897 ergriffenSchutzmaregeln gegen die Lepra.p.28.83KOCH, Robert.Zur Prophylaxe der tropischen Lepra.II Internationale Lepra-Konferenz, 2: 253-256. Bergen,1909.84KOCH, Robert.Zur Prophylaxe der tropischen Lepra.p.255.85

    KOCH, Robert.Zur Prophylaxe der tropischen Lepra.p.254-255.86KOCH, Robert.Zur Prophylaxe der tropischen Lepra.p.254.87II INTERNATIONALE WISSENSCHAFTLICHE LEPRA-KONFERENZ. Vol. III. Bergen, 1909. p.423.

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    Muito mais do que Isolamento em questo: Cincia, poder e interesses em uma anlise das duas primeirasConferncias Internacionais de Lepra Berlim 1897 e Bergen 1909

    Reinaldo Guilherme Bechler

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    Um sintomtico acontecimento que demonstra o grau de competitividade e divergncias

    entre os seres humanos envolvidos nessa querela acadmica. Ao se recusar participar do banquete

    oficial oferecido aos participantes na ltima noite do evento, Robert Koch deixa claro que no

    compactuava da maneira pela qual estava sendo formado o paradigma cientfico do isolamento

    compulsrio como soluo para o problema da lepra. Ao deixar a capital noruegusa, ele via sua

    luta pessoal por idealizar e implementar uma alternativa para o problema menos dispensiosa ao

    estado e mais preocupada com o doente oficialmente desacreditada e subjulgada, e observava a

    aclamao de Armauer Hansen como a eterna figura cientfica vinculada lepra.