Mulheres Malqueridas no A notícia III

1
MALTRATA QUE ROBERTA BENZATI [email protected] O que leva mulheres extraordinárias a se transformarem em pessoas submis- sas, assustadas e dependentes quando o assunto é amor? Por que mulheres modernas, que são admiradas, fortes e brilhantes em outros aspectos da vi- da pessoal e profissional, envolvem-se em relacionamentos sem futuro, com homens infiéis, que as amam mal e, mesmo assim, elas insistem em levar essa situação adiante, apesar de todo sofrimento que isso lhes causa? Todos esses temas são abordados no best-seller “Mulheres Malqueridas”, da psicana- lista e escritora venezuelana Mariela Michelena, lançado neste ano no Brasil pela Edito- ra Saberes. A obra conta casos e dilemas enfrentados pelas mulheres que Mariela atendeu em seu consultório ao longo dos anos. Além disso, ela faz análises baseadas em conceitos da psicanálise para estabelecer um diagnóstico, dar respostas e permitir que as leitoras façam uma reflexão sobre o comportamento adotado por elas. Em entrevista exclusiva para o “Anexo D”, a psicanalista analisa os motivos que fazem algumas mulheres ficarem presas a relações impossíveis, que as consomem emocional- mente, e explica por que elas se tornam malqueridas. Anexo D – Por que algumas mulheres insistem em levar adiante um relacionamento destrutivo? Mariela Michelena – A mulher malquerida sente-se capaz de qualquer sacrifício para manter o homem amado a seu lado. Ela está disposta a querer pelos dois, indepen- dentemente de como ele a trata. A mulher malquerida, como o nome indica, pode se sentir muito querida, mas não como necessita. Um homem ciumento, por exem- plo, pode adorar sua mulher e, mesmo assim, fazer a vida dela impossível. Anexo D – Poderia afirmar que nenhuma mu- lher está vacinada contra a entrega incondicional e os estragos da paixão? No livro, a senhora cita uma disposição tipicamente feminina para o amor incondicional e o sacrifício. Por que isso acontece conosco? Mariela – É preciso levar em consideração que não há uma só causa, cada caso é um caso, mas se buscarmos uma explicação universal, tenho a impressão de que as mulheres estão mais dis- postas a sacrificar tudo por amor. Me parece que a disposição para a maternidade, que su- põe que a mulher atravesse as dores do parto e seja capaz de se esquecer de si mesma para cuidar do ser mais dependente da Terra, nos faz mais capazes de suportar o insuportável e a perdoar o outro vez ou outra. Às vezes, tratamos um senhor de 40 anos como se fosse um bebê de dois meses, nos ocupa- mos dele, perdoamos tudo, disfarçamos sua indiferença e sempre estamos ali, fortes e capazes de qualquer sacrifício para ter por perto o ser amado. Anexo D – Quais são as caracte- rísticas das mulheres malqueridas? Elas têm traços em comum? Mariela – Não existe um único perfil, mas pode haver algumas coincidências entre essas mu- lheres... Certa disposição ao sa- crifício. Mulheres que “podem tudo”, que se encarregam de tudo e de todos, da família, do trabalho e inclusive do parceiro. Mulheres solícitas, mais dispostas a agradar e a mimar do que serem agradadas e mimadas. Anexo D – As mulheres adquiriram a in- dependência econômica, mas o que fazer para serem independentes também no amor e so- frer menos? Mariela – Existem muitas mulheres que se sentem satisfeitas com sua vida amorosa, sem crises. Os casos que costumo receber em meu con- sultório são de mulheres muito a seu tempo, autô- nomas, independentes economicamente, mulheres de sucesso que, em alguns casos, chegam a ganhar mais que seus parceiros, mas que se comportam co- mo damas assustadas do século 19 esperando uma ligação, uma carta ou SMS como se fosse o oxigênio que vai permiti-las respirar o resto do dia. Infelizmente, todas as conquistas de igualdade que nós, mulheres, alcançamos se perdem quando falamos de amor. Somos mulheres do século 19 em tudo, exceto para dizer “Não, assim não estou disposta a continuar com você”. E no fun- do, nos sentimos muito poderosas, capazes de transformar o outro, apesar de perder muito tempo presas a uma relação infeliz. Parece que esperamos um milagre. Anexo D – Elas não são capazes de perceber que estão so- frendo? E por que o homem pode lhe parecer espetacular, quan- do na verdade não é nada daquilo? Mariela – A mulher que se dedica a transformar seu homem em um deus tem o poder de usar a varinha mágica de seu amor para lhe assinalar atributos levianos: “Será inteligente, frágil, sen- sível, forte, mas, sobretudo, muito vulnerável, e não poderá viver sem mim. Será um deus todo-poderoso, mas incapaz”. Há homens que se sentem contemplados com essa imagem divina e se ofe- recem, entusiasmados, para jogar o jogo de ser deus. Este tipo de homem se encaixa perfeitamente com o disfarce que uma mulher apaixonada confeccionou para ele. Anexo D – Por que algumas saem de um relação desastrosa e embarcam em outra exatamente igual? Mariela – Porque parece-me que muitas confundem sentirem- se necessárias com sentirem-se queridas. O aspecto “bebê” desses deuses que ela criou necessita dela; em troca, o aspecto onipotente do mesmo ser a ama mal. 4 e 5 ANEXO D 16/9/2012 SEGUE

description

Terceira parte da matéria

Transcript of Mulheres Malqueridas no A notícia III

Page 1: Mulheres Malqueridas no A notícia III

MALTRATAQUEROBERTA BENZATI

[email protected]

O que leva mulheres extraordinárias a se transformarem em pessoas submis-sas, assustadas e dependentes quando o assunto é amor? Por que mulheres modernas, que são admiradas, fortes e brilhantes em outros aspectos da vi-da pessoal e profissional, envolvem-se em relacionamentos sem futuro, com homens infiéis, que as amam mal e, mesmo assim, elas insistem em levar

essa situação adiante, apesar de todo sofrimento que isso lhes causa?Todos esses temas são abordados no best-seller “Mulheres Malqueridas”, da psicana-

lista e escritora venezuelana Mariela Michelena, lançado neste ano no Brasil pela Edito-ra Saberes. A obra conta casos e dilemas enfrentados pelas mulheres que Mariela atendeu em seu consultório ao longo dos anos. Além disso, ela faz análises baseadas em conceitos da psicanálise para estabelecer um diagnóstico, dar respostas e permitir que as leitoras façam uma reflexão sobre o comportamento adotado por elas.

Em entrevista exclusiva para o “Anexo D”, a psicanalista analisa os motivos que fazem algumas mulheres ficarem presas a relações impossíveis, que as consomem emocional-mente, e explica por que elas se tornam malqueridas.

Anexo D – Por que algumas mulheres insistem em levar adiante um relacionamento destrutivo?

Mariela Michelena – A mulher malquerida sente-se capaz de qualquer sacrifício para manter o homem amado a seu lado. Ela está disposta a querer pelos dois, indepen-dentemente de como ele a trata. A mulher malquerida, como o nome indica, pode se sentir muito querida, mas não como necessita. Um homem ciumento, por exem-plo, pode adorar sua mulher e, mesmo assim, fazer a vida dela impossível.

Anexo D – Poderia afirmar que nenhuma mu-lher está vacinada contra a entrega incondicional e os estragos da paixão? No livro, a senhora cita uma disposição tipicamente feminina para o amor incondicional e o sacrifício. Por que isso acontece conosco?

Mariela – É preciso levar em consideração que não há uma só causa, cada caso é um caso, mas se buscarmos uma explicação universal, tenho a impressão de que as mulheres estão mais dis-postas a sacrificar tudo por amor. Me parece que a disposição para a maternidade, que su-põe que a mulher atravesse as dores do parto e seja capaz de se esquecer de si mesma para cuidar do ser mais dependente da Terra, nos faz mais capazes de suportar o insuportável e a perdoar o outro vez ou outra. Às vezes, tratamos um senhor de 40 anos como se fosse um bebê de dois meses, nos ocupa-mos dele, perdoamos tudo, disfarçamos sua indiferença e sempre estamos ali, fortes e capazes de qualquer sacrifício para ter por perto o ser amado.

Anexo D – Quais são as caracte-rísticas das mulheres malqueridas? Elas têm traços em comum?

Mariela – Não existe um único perfil, mas pode haver algumas coincidências entre essas mu-lheres... Certa disposição ao sa-crifício. Mulheres que “podem tudo”, que se encarregam de tudo e de todos, da família,

do trabalho e inclusive do parceiro. Mulheres solícitas, mais dispostas a agradar e a mimar do que serem agradadas e mimadas.

Anexo D – As mulheres adquiriram a in-dependência econômica, mas o que fazer para serem independentes também no amor e so-frer menos?

Mariela – Existem muitas mulheres que se sentem satisfeitas com sua vida amorosa, sem crises. Os casos que costumo receber em meu con-sultório são de mulheres muito a seu tempo, autô-nomas, independentes economicamente, mulheres de sucesso que, em alguns casos, chegam a ganhar mais que seus parceiros, mas que se comportam co-mo damas assustadas do século 19 esperando uma ligação, uma carta ou SMS como se fosse o oxigênio que vai permiti-las respirar o resto do dia. Infelizmente, todas as conquistas de igualdade que nós, mulheres, alcançamos se perdem quando falamos de amor. Somos mulheres do século 19 em tudo, exceto para dizer “Não, assim não estou disposta a continuar com você”. E no fun-do, nos sentimos muito poderosas, capazes de transformar o outro, apesar de perder muito tempo presas a uma relação infeliz. Parece que esperamos um milagre.

Anexo D – Elas não são capazes de perceber que estão so-frendo? E por que o homem pode lhe parecer espetacular, quan-do na verdade não é nada daquilo?

Mariela – A mulher que se dedica a transformar seu homem em um deus tem o poder de usar a varinha mágica de seu amor para lhe assinalar atributos levianos: “Será inteligente, frágil, sen-sível, forte, mas, sobretudo, muito vulnerável, e não poderá viver sem mim. Será um deus todo-poderoso, mas incapaz”. Há homens que se sentem contemplados com essa imagem divina e se ofe-recem, entusiasmados, para jogar o jogo de ser deus. Este tipo de homem se encaixa perfeitamente com o disfarce que uma mulher apaixonada confeccionou para ele.

Anexo D – Por que algumas saem de um relação desastrosa e embarcam em outra exatamente igual?

Mariela – Porque parece-me que muitas confundem sentirem-se necessárias com sentirem-se queridas. O aspecto “bebê” desses deuses que ela criou necessita dela; em troca, o aspecto onipotente do mesmo ser a ama mal.

4 e 5ANEXO D16/9/2012SEGUE ➧