MUNDO CONTEMPORÂNEO: NOVA ORDEM...
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SUMÁRIO
UNIDADE 1 - OS BLOCOS ECONÔMICOS E OS MERCADOS COMUNS ......................................... 3
UNIDADE 2 - CONFLITOS ECONÔMICOS: ETNIAS, RELIGIÕES, RECURSOS NATURAIS E
TECNOLÓGICOS NA DISPUTA DO PODER POLÍTICO E ECONÔMICO ...................................... 10
UNIDADE 3 - A GEOGRAFIA POLÍTICA E A GEOPOLÍTICA .......................................................... 12
UNIDADE 4 - GEOGRAFIA, COLONIZAÇÃO E GEOPOLÍTICA DO CONTINENTE
AMERICANO ............................................................................................................................................... 26
UNIDADE 5 - AS GEOPOLÍTICAS CLÁSSICAS E A SUA CRISE! ..................................................... 39
UNIDADE 6 - TENSÕES E CONFLITOS NO CÁUCASO ...................................................................... 67
UNIDADE 7 - OS REGIMES MILITARES, AS LUTAS POR EMANCIPAÇÃO E A NOVA
INTEGRAÇÃO ECONÔMICA ................................................................................................................... 79
UNIDADE 8 - AS METRÓPOLIS MUNDIAIS ....................................................................................... 105
UNIDADE 9 - O FUTURO DAS CIDADES NA NOVA ORDEM GLOBAL ........................................ 168
UNIDADE 10 - REDES MUNDIAIS DE INFORMAÇÃO EMERGÊNCIA E ORGANIZAÇÃO ..... 175
REFERÊNCIAS .......................................................................................................................................... 193
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UNIDADE 1 - OS BLOCOS ECONÔMICOS E OS
MERCADOS COMUNS
Blocos Econômicos
Tipos de blocos econômicos, O que são blocos econômicos, União
Européia, APEC, Mercosul, Nafta, Pacto Andino, globalização
Comércio Exterior: transporte marítimo
Com a economia mundial globalizada, a tendência comercial é a formação
de blocos econômicos. Estes são criados com a finalidade de facilitar o comércio
entre os países membros. Adotam redução ou isenção de impostos ou de tarifas
alfandegárias e buscam soluções em comum para problemas comerciais. Em
tese, o comércio entre os países constituintes de um bloco econômico aumenta e
gera crescimento econômico para os países. Geralmente estes blocos são
formados por países vizinhos ou que possuam afinidades culturais ou comerciais.
Esta é a nova tendência mundial, pois cada vez mais o comércio entre blocos
econômicos cresce. Economistas afirmam que ficar de fora de um bloco
econômico é viver isolado do mundo comercial.
Veremos abaixo uma relação dos principais blocos econômicos da
atualidade e suas características.
União Européia
A União Européia (UE ) foi oficializada no ano de 1992, através do Tratado
de Maastricht. Este bloco é formado pelos seguintes países: Alemanha, França,
Reino Unido, Irlanda, Holanda (Países Baixos), Bélgica, Dinamarca, Itália,
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Espanha, Portugal, Luxemburgo, Grécia, Áustria, Finlândia e Suécia. Este bloco
possui uma moeda única que é o EURO, um sistema financeiro e bancário
comum. Os cidadãos dos países membros são também cidadãos da União
Européia e, portanto, podem circular e estabelecer residência livremente pelos
países da União Européia.
A União Européia também possui políticas trabalhistas, de defesa, de
combate ao crime e de imigração em comum. A UE possui os seguintes órgãos:
Comissão Européia, Parlamento Europeu e Conselho de Ministros.
Nafta
Fazem parte do Nafta ( Acordo de Livre Comércio do Norte ) os seguintes
países : Estados Unidos, México e Canadá. Começou a funcionar no início de
1994 e oferece aos países membros vantagens no acesso aos mercados dos
países. Estabeleceu o fim das barreiras alfandegárias, regras comerciais em
comum, proteção comercial e padrões e leis financeiras. Não é uma zona livre de
comércio, porém reduziu tarifas de aproximadamente 20 mil produtos.
Mercosul
O Mercosul (Mercado Comum do Sul) foi oficialmente estabelecido em
março de 1991. É formado pelos seguintes países da América do Sul: Brasil,
Paraguai, Uruguai e Argentina. Futuramente, estudam-se a entrada de novos
membros, como o Chile e a Bolívia. O objetivo principal do Mercosul é eliminar as
barreiras comerciais entre os países, aumentando o comércio entre eles. Outro
objetivo é estabelecer tarifa zero entre os países e num futuro próximo, uma
moeda única.
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Pacto andino
Outro bloco econômico da América do Sul é formado por: Bolívia,
Colômbia, Equador, Peru e Venezuela. Foi criado no ano de 1969 para integrar
economicamente os países membros. As relações comerciais entre os países
membros chegam a valores importantes, embora os Estados Unidos sejam o
principal parceiro econômico do bloco.
Apec
A APEC ( Cooperação Econômica da Ásia e do Pacífico ) foi criada em 1993
na Conferência de Seattle ( Estados Unidos ). Integram este bloco econômico os
seguintes países: EUA, Japão, China, Formosa (Taiwan), Coréia do Sul, Hong
Kong, Cingapura, Malásia, Tailândia, Indonésia, Brunei, Filipinas, Austrália, Nova
Zelândia, Papua Nova Guiné, Canadá, México e Chile. Somadas a produção
industrial de todos os países, chega-se a metade de toda produção mundial.
Quando estiver em pleno funcionamento, será o maior bloco econômico do
mundo.
Acordo de livre comércio da América do Norte - NAFTA
Constitue-se em um instrumento de integração das economias dos EUA,
do Canadá e do México.
O NAFTA (North America Free Trade Agreement) foi iniciado em 1988,
entre norte-americanos e canadenses, e por meio do Acordo de Liberalização
Econômica, assinado em 1991, formalizou-se o relacionamento comercial entre
os Estados Unidos e o Canadá. Em 13 de agosto de 1992, o bloco recebeu a
adesão dos mexicanos.
O NAFTA entrou em vigor em 1º de janeiro de 1994, com um prazo de 15
anos para a total eliminação das barreiras alfandegárias entre os três países,
estando aberto a todos os Estados da América Central e do Sul.
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O NAFTA consolidou o intenso comércio regional no hemisfério norte do
Continente Americano, beneficiando grandemente à economia mexicana, e
aparece como resposta à formação da Comunidade Européia, ajudando a
enfrentar a concorrência representada pela economia japonesa e por este bloco
econômico europeu.
O bloco econômico do NAFTA abriga uma população de 417,6 milhões de
habitantes, produzindo um PIB de US$ 11.405,2 trilhões, que gera US$ 1.510,1
trilhão de exportações e US$ 1.837,1 trilhão de importações.
São Países-Membros do NAFTA: Estados Unidos, Canadá e México.
Mercosul Economia do Mercosul, blocos econômicos, dificuldades do Mercosul,
comércio internacional, globalização, o Brasil e o Mercosul, países do
Mercosul, Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai
Mapa do Mercosul
O Mercado Comum do Sul (Mercosul) foi criado em 26/03/1991 com a
assinatura do Tratado de Assunção no Paraguai. Fazem parte deste importante
bloco econômico do América do Sul os seguintes países: Argentina, Brasil,
Paraguai e Uruguai. Embora tenha sido criado apenas em 1991, os esboços
deste acordo datam da década de 1980, quando Brasil e Argentina assinaram
vários acordos comerciais com o objetivo de integração. Chile e Bolívia poderão
entrar neste bloco econômico, pois assinam tratados comerciais e já estão
organizando suas economias para tanto.
No ano de 1995, foi instalada a zona de livre comércio entre os países
membros. A partir deste ano, cerca de 90% das mercadorias produzidas nos
países membros podem ser comercializadas sem tarifas comerciais. Alguns
produtos não entraram neste acordo e possuem tarifação especial por serem
considerados estratégicos ou por aguardarem legislação comercial específica.
Em julho de 1999, um importante passo foi dado no sentido de integração
econômica entre os países membros. Estabelece-se um plano de uniformização
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de taxas de juros, índice de déficit e taxas de inflação. Futuramente, há planos
para a adoção de uma moeda única, a exemplo do fez o Mercado Comum
Europeu.
Atualmente, os países do Mercosul juntos concentram uma população
estimada em 220 milhões de habitantes e um PIB ( Produto Interno Bruto ) de
aproximadamente 1,3 trilhões de dólares.
Os conflitos comerciais entre Brasil e Argentina
As duas maiores economias do Mercosul enfrentam algumas dificuldades
nas relações comerciais. A Argentina está impondo algumas barreiras no setor
automobilístico e da linha branca ( geladeiras, micro-ondas, fogões ), pois a livre
entrada dos produtos brasileiros está dificultando o crescimento destes setores
na Argentina.
Na área agrícola também ocorrem dificuldades de integração, pois os
argentinos alegam que o governo brasileiro oferece subsídios aos produtores de
açúcar. Desta forma, o produto chegaria ao mercado argentino a um preço muito
competitivo, prejudicando o produtor e o comércio argentino.
Em 1999, o Brasil recorreu à OMC ( Organização Mundial do Comércio ),
pois a Argentina estabeleceu barreiras aos tecidos de algodão e lã produzidos no
Brasil. No mesmo ano, a Argentina começa a exigir selo de qualidade nos
calçados vindos do Brasil. Esta medida visava prejudicar a entrada de calçados
brasileiros no mercado argentino.
Estas dificuldades estão sendo discutidas e os governos estão
caminhando e negociando no sentido de superar barreiras e fazer com que o
bloco econômico funcione plenamente.
Espera-se que o Mercosul supere suas dificuldades e comece a funcionar
plenamente e possibilite a entrada de novos parceiros da América do Sul. Esta
integração econômica, bem sucedida, aumentaria o desenvolvimento econômico
nos países membros, além de facilitar as relações comerciais entre o Mercosul e
outros blocos econômicos, como o Nafta e a União Européia. Economistas
renomados afirmam que, muito em breve, dentro desta economia globalizada as
relações comerciais não mais acontecerão entre países, mas sim entre blocos
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econômicos. Participar de um bloco econômico forte será de extrema importância
para o Brasil.
ALCA
O que é a ALCA?
A Área de Livre Comércio das Américas (ALCA) pretende ser o maior
bloco econômico do planeta, reunindo os 34 países do continente americano –
que somam um Produto Interno Bruto de quase US$ 11 trilhões e mais de 808
milhões de habitantes. Só para se ter uma idéia da dimensão deste acordo, a
União Européia, que demorou quase 30 anos para entrar em vigor, conta com
metade da população e cerca de US$ 2 trilhões a menos de PIB. Somente Cuba,
por rejeição dos EUA e também por sua corajosa defesa da integridade nacional,
está de fora das negociações deste tratado.
Embora a sigla trate apenas do fantasioso “livre comércio”, o alcance da
ALCA será bem maior. Na prática, ela visa avançar na total desregulamentação
das economias latino-americanas e na anulação completa do papel dos estados
nacionais. “Trata-se de um projeto estratégico dos Estados Unidos de
consolidação de sua dominação sobre a América Latina, por meio da criação de
um espaço privilegiado de ampliação de suas fronteiras econômicas”, explica o
deputado federal Aloizio Mercadante (PT/SP). “A ALCA faz parte da estratégica
neocolonialista do imperialismo norte-americano, é uma medida para a anexação
das economias latino-americanas”, afirma a resolução do Partido Comunista do
Brasil (PCdoB).
Através da ALCA, os EUA pretendem impor ao hemisfério todas as regras
em negociação na OMC (Organização Mundial do Comércio). Ela também seria
uma extensão, para pior, do Nafta – o tratado em vigor desde 1994 que inclui os
Estados Unidos, o Canadá e o México. Com base nestes dois projetos, nas
políticas de “ajuste estrutural” dos organismos internacionais (FMI e Banco
Mundial) e também nos relatórios confidenciais dos negociadores da ALCA que
já vazaram pela mídia, fica evidente que os povos latino-americanos nada têm a
ganhar com esta nova ofensiva do imperialismo.
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Para os defensores deste projeto, a ALCA criaria o paraíso do consumo,
com o fim de qualquer restrição à circulação de mercadorias, serviços e capitais.
Com esta falsa propaganda, procuram seduzir os incautos. Mas como adverte o
embaixador Samuel Pinheiro, “o livre comércio para o cidadão, como
consumidor, pode ser a possibilidade de comprarem importados mais baratos e,
por vezes, de melhor qualidade. Mas o consumidor, agora na condição de
trabalhador, poderá perder o seu emprego. Os produtos importados mais baratos
acarretam dificuldades para a fábrica ou empresa onde ele trabalha”. A abertura
comercial iniciada por Collor e acelerada por FHC é prova disto, com os recordes
de desemprego na última década.
Outra falsidade dos apologistas da ALCA é de que ela incentivaria o “livre
comércio” entre as nações. Mas conforme demonstram vários estudos, é
impossível existir comércio justo entre países com diferenças tão gritantes. Os
EUA sozinhos, como potência hegemônica mundial, controlam quase 80% do
PIB do continente. Brasil e Canadá detêm, cada um, cerca de 5%. México e
Argentina aparecem em seguida, num patamar em torno de 3%. A partir daí,
todos os demais países da região respondem individualmente por 1% ou menos
do PIB continental. Diante de tamanha assimetria, a tendência natural é de que
os EUA engulam de vez a economia latino-americana, causando falências de
empresas e demissões em massa.
Além disso, torna-se piada de mal gosto falar em “livre comércio” num
momento que os EUA reforçam a sua política protecionista. Na maior potência
imperialista do mundo, predomina até hoje o discurso do “faça o que eu mando,
não faça o que eu faço”. Ao mesmo tempo em que impõem aos governos
fantoches que abandonem qualquer proteção às suas economias, os EUA
utilizam verdadeira artilharia pesada para proteger o seu mercado. Só nas
últimas semanas, o presidente George Bush aprovou um subsídio de US$ 70
bilhões para a agricultura norte-americana e impôs novas barreiras à importação
do aço brasileiro.
Diante destes fatos, soam precisas as conclusões de Osvaldo Martínez,
diretor do Centro de Investigações da Economia Mundial e Prêmio Nacional de
Economia em Cuba: “A ALCA não é mais do que um projeto norte-americano
para criar um acordo de livre comércio entre a economia dos Estados Unidos, a
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mais rica e poderosa do planeta, e as economias latino-americanas e caribenhas,
subdesenvolvidas, endividadas, dispersas e cujo Produto Interno Bruto, somado,
é quase dez vezes inferior ao dos EUA. Podemos dizer, numa primeira
aproximação, que não é, nem mais nem menos, do que um projeto de integração
entre o tubarão e as sardinhas”.
Abaixo, relacionamos outros blocos econômicos que existem pelo mundo
e que não serão aqui abordados mais profundamente, devido ao nosso
espaço/tempo. Por isso, relacionamos também, os sites onde os mesmos
poderão ser encontrados e pesquisados e ou estudados se assim for desejado.
ALADI - Associação Latino-Americana de Integração
www.aladi.org
APEC - Cooperação Econômica da Ásia e do Pacífico
www.apecsec.org.sg
ASEAN - Associação das Nações do Sudeste Asiático
www.aseansec.org/1024x768.html
CARICOM - Comunidade do Caribe e Mercado Comum
www.caricom.org
CEI - Comunidade dos Estados Americanos
www.cis.minsk.by
COMUNIDADE ANDINA
www.comunidadandina.org
SADC - Comunidade da África Meridional para o Desenvolvimento
www.sadc.int
UE - União Européia - http://europa.eu.int
UNIDADE 2 - CONFLITOS ECONÔMICOS: ETNIAS,
RELIGIÕES, RECURSOS NATURAIS E TECNOLÓGICOS
NA DISPUTA DO PODER POLÍTICO E ECONÔMICO
Os novos rumos da disputa
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Até os atentados do dia 11 de setembro, o movimento nascente contra a
globalização capitalista havia eclipsado o discurso hegemônico. Uma onda
impressionante de mobilizações percorreu o mundo: Seattle, Melbourne,
Washington, Praga, Gotemburgo, Quebec, Gênova... Os formuladores e
principais interessados nas políticas neoliberais realizavam suas reuniões
escondidos em fortalezas cercadas por muros e guarnecidas por grandes contin-
gentes policiais -- ou em países distantes do centro do sistema, governados por
regimes despóticos.
A tragédia do dia 11 de setembro mudou radicalmente o cenário mundial.
Revelou atores até então considerados coadjuvantes. E, mais importante, foi
pretexto para que a grande potência militar e econômica iniciasse uma
impressionante articulação de forças em torno de si mesma, que traz enormes
riscos: censura à imprensa, violação dos direitos humanos (em especial dos
imigrantes), substituição da Justiça por comissões militares autorizadas a
decretar pena de morte e tentativa de radicalizar (na OMC e na ALCA) um
modelo que concentra riquezas e multiplica exclusões. Não faltaram os
comentaristas prontos a malabarismos retóricos, interessados em juntar num
mesmo saco, ativistas antiglobalização com os fundamentalistas islâmicos, já que
ambos lutam contra os Estados Unidos...
O mundo mudou e o século XXI começou de um modo que preferíamos já
ter sido enterrado pela História. Não sabemos ainda a extensão deste cataclisma
nem a face do mundo que surgirá a partir dele. Mas podemos e devemos
participar deste processo. Nossos alvos continuam os mesmos. Agimos movidos
por uma ética que valoriza os direitos ao invés do lucro; e a solidariedade em vez
do egoísmo. Estamos respaldados, além disso, pelo fato de que a globalização
atual facilitou o surgimento de monstros, cujos tentáculos invisíveis, se
propagaram no vazio deixado pelo Estado e nas brechas abertas pela
desregulamentação.
Na nova disputa de idéias que surgiram após a guerra, deixaremos claro -
como defende Isabel Loureiro - que tanto o fundamentalismo religioso como o
fanatismo dos mercados são duas faces da mesma moeda; e que uma efetiva
democratização do mundo passa pela mudança radical de prioridades
econômicas, sociais e políticas.
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UNIDADE 3 - A GEOGRAFIA POLÍTICA E A GEOPOLÍTICA
É comum a utilização dos termos Geografia Política e Geopolítica como
se fossem sinônimos, mas, na verdade, eles não o são. Enquanto Geografia
Política preocupa-se com a “observação, o registro e a análise dos processos
políticos no espaço”, a Geopolítica “visa à manipulação real das questões
políticas e estratégicas”. Para melhor entendimento sobre essa questão,
podemos citar um dos conflitos mais divulgados pela imprensa nos últimos anos,
que foi a Guerra do Golfo, liderada pelos EUA contra o Iraque. Durante o conflito,
os geógrafos políticos passavam todas as informações geográficas, inclusive
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várias delas coletadas por satélites aos comandantes das Forças Armadas que
se encontravam no local da guerra, assim, na função de geopolíticos.
Diante dessa pequena introdução sobre a Geografia Política, percebemos
claramente que ela é um dos ramos da Geografia que está presente no nosso
cotidiano, sobretudo por meio da mídia, quando ela nos fornece informações
sobre as principais questões políticas. Entre os vários temas analisados pela
Geografia Política, podemos citar a Nova Ordem Mundial e os Focos de Tensão.
Uma síntese dos focos de tensão do mundo atual
Uma boa análise de um foco de tensão deve ter como base alguns
parâmetros fundamentais.
Veja abaixo seis desses parâmetros.
O estudo da posição geográfica da área; neste caso, devem-se utilizar os
recursos da Cartografia.
A análise das características geográficas da área em estudo.
A relação do conflito com a teoria Centro-Periferia (os países “centrais” são
as grandes potências mundiais interessadas em manter sua hegemonia
sobre os demais países, chamados de “periféricos”).
A análise do foco de tensão em si.
As forças presentes.
O levantamento de hipóteses, em termos de perspectivas, sobre o
prosseguimento ou não do conflito.
“Fale a verdade, presidente”
O Jornal eletrônico português, “Outra Banda” publicou recentemente a
íntegra de uma carta aberta que Bernard Law, cardeal arcebispo de Boston,
enviou ao presidente dos Estados Unidos, George W. Bush. Segundo o colunista
que traduziu o texto, é importante mencionar que essa carta constitui o
aproveitamento de um texto escrito pelo autor, em 1988, e publicado em The
National Catholic Reporter. Com os acontecimentos de 11 de setembro e a
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posterior retaliação dos EUA, Bernard Law sentiu-se motivado a atualizar o texto,
a transformá-lo em epístola, que endereçou a George W. Bush.
No documento, Law pede ao mandatário norte-americano que fale a
verdade ao povo dos Estados Unidos e explique a eles que o terrorismo se volta
contra o país “porque na maior parte do mundo o nosso governo defendeu a
ditadura, a escravidão e a exploração humana. Somos alvo dos terroristas
porque somos odiados, E somos odiados porque o nosso governo fez coisas
odiosas”.
Confira abaixo a íntegra da carta:
"Senhor presidente:
Conte a verdade ao povo, senhor presidente, sobre terrorismo, Se as
ilusões acerca do terrorismo não forem desfeitas, então a ameaça continuará até
nos destruir completamente. A verdade é que nenhuma das nossas muitas armas
nucleares pode proteger-nos dessas ameaças, Nenhum sistema 'Guerra das
Estrelas' (não importa quão tecnicamente avançado seja, nem quantos trilhões
de dólares sejam despejados nele) poderá proteger-nos de urna arma nucleal'
trazida num barco, avião ou carro alugado.
Nenhuma arma sequer do nosso vasto arsenal, nem um centavo sequer
dos US$ 270 bilhões gastos por ano no chamado "sistema de defesa”, pode
evitar uma bomba terrorista Isto ó um fato militar.
Como tenente-coronel reformado e freqüente conferencista em assuntos
de segurança nacional, sempre tenho citado o salmo 33: "Um rei não é salvo pelo
seu poderoso exército, assim como um guerreiro não ó salvo por sua enorme
força".
A reação óbvia é: 'Então o que podemos fazer? Não existe nada que
possamos fazer para garantir a segurança do nosso povo?’ Existe. Mas para
entender isso, precisamos saber a verdade sobre a ameaça. Senhor presidente,
o senhor não contou ao povo americano a verdade sobre o porquê de sermos
alvo do terrorismo, quando explicou porque bombardearíamos o Afeganistão e o
Sudão. O senhor disse que somos alvo do terrorismo porque defendemos a de-
mocracia, a liberdade e os direitos humanos no mundo...
Que absurdo, senhor presidente!
Somos alvo dos terroristas porque, na maior parte do mundo, o nosso
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governo defendeu a ditadura, a escravidão e a exploração humana. Somos alvo
dos terroristas porque somos odiados. E somos odiados porque o nosso governo
fez coisas odiosas.
Em quantos países agentes do nosso governo depuseram líderes eleitos
pelos seus povos, substituindo-os por militares ditadores, marionetes desejosas
de vender o seu próprio povo a corporações americanas multinacionais?
Fizemos isso no lrão, quando os marines e a CIA depuseram Mossadegh,
porque ele tinha a intenção de nacionalizar a indústria de petróleo. Nós
substituímo-lo pelo Xá Reza Pahlevi e armamos, treinamos e pagamos a sua
odiada guarda nacional, Savak, que escravizou e brutalizou o povo iraniano para
proteger o interesse financeiro das nossas companhias de petróleo. Depois
disso, será difícil imaginar que existam pessoas no Irão que nos odeiem?
Fizemos isso no Chile. Fizemos isso no Vietname. Mais recentemente,
tentamos fazê-lo no lraque. E, é claro, quantas vezes fizemos isso na Nicarágua
e outras repúblicas na América Latina?
Uma vez atrás da outra, temos destituído líderes populares que populares
que desejavam que as riquezas da sua terra fossem repartidas pelo povo que as
gerou. Nós substituimo-Ios por tiranos assassinos que venderiam o seu próprio
povo para que, mediante o pagamento de vultosas quantias para engordar as
suas contas particulares, a riqueza da sua própria terra pudesse ser tomada por
similares à Domino Sugar, à United Fruit Company, à Folgers e por aí adiante.
De país em país, o nosso governo obstruiu a democracia, sufocou a
liberdade e pisou os direitos humanos. É por isso que somos odiados ao redor do
mundo. E é por isso que somos alvo dos terroristas.
O povo no Canadá desfruta da democracia, da liberdade e dos direitos
humanos, assim como o povo da Noruega e da Suécia. O senhor já ouviu falar
de embaixadas canadenses, norueguesas ou suecas serem bombardeadas? Nós
somos odiados porque o nosso governo nega essas coisas aos povos dos países
do terceiro mundo, cujos recursos são cobiçados pelas nossas corporações
multinacionais.
Esse ódio que semeamos virou-se contra nós para nos assombrar na
forma de terrorismo e, no futuro, terrorismo nuclear. Uma vez dita a verdade
sobre o porquê da ameaça existir e ter sido entendida, a solução torna-se óbvia.
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Nós precisamos mudar as nossas práticas, Livrarmo-nos das nossas armas
nucleares (unilateralmente, se necessário) irá melhorar nossa segurança. Alterar
drasticamente a nossa política externa irá assegurá-la.
Em vez de enviar os nossos filhos e filhas ao redor do mundo para matar
árabes, para que possamos ter o petróleo que existe sob as suas areias,
deveríamos mandá-los para reconstruir as suas infra-estruturas, fornecer água
limpa e alimentar crianças famintas.
Em vez de continuar a matar milhares de crianças iraquianas todos os
dias, com as nossas sanções econômicas, deveríamos ajudar os iraquianos a
reconstruir suas estações elétricas, as suas estações de tratamento de água, os
seus hospitais e todas as outras coisas que destruímos e que os impedimos de
reconstruir com as nossas sanções econômicas.
Em vez de treinarem terroristas e esquadrões da morte, deveríamos fechar
a Escola das Américas. Em vez de sustentar a revolta, a desestabilização, o
assassínio e o terror em redor do mundo, deveríamos abolir a CIA e dar o
dinheiro gasto por ela a agências de assistência.
Resumindo, deveríamos ser bons em vez de maus. Quem iria tentar deter-
nos? Quem iria odiar-nos? Quem iria querer nos bombardear?
Essa é a verdade, senhora presidente.
“É isso que o povo americano precisa ouvir”.
Em nome do choque de civilizações
Em 1993, um assessor do governo norte-americano advertia que o
Ocidente (ou seja, os Estados Unidos) deveria preparar-se militarmente para
enfrentar civilizações como o Islã e o Confucionismo que, unidos, ameaçariam o
coração do mundo ocidental.
Da caixa de Pandora do império norte-americano, ainda escancarada,
escapam os monstros e os medos que se alastram em um mundo que ainda não
está completamente sob o controle dos Estados Unidos. Desde 11 de setembro
um deles pula de um estúdio de televisão para outro denunciando a ameaça
desses bárbaros para "a nossa civilização capitalista mundial".
Foi em 1993 que Samuel P. Huntigton, um ex-especialista em operações
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de contra-insurreição do governo Lyndon Johnson no Vietnã, depois diretor do
Instituto de Estudos Estratégicos de Harvard, publicou o seu, hoje célebre, The
Clash of Civilization, concebido como um panfleto contra um rival teórico do
Departamento de Estado: Francis Fukuyama e sua tese do "fim da História". Para
Samuel P. Huntigton, a derrota da União Soviética punha um ponto final em
todas as disputas ideológicas, mas não na História. A Cultura, e não a Política,
ou a Economia, dominaria o mundo.
A matança das crianças iraquianas
Ele enumerava oito culturas: ocidental, confucionista, japonesa, islâmica,
hindu, eslavo-ortodoxa, latinoamericana e, talvez, africana (ele não tinha certeza
de que a África fosse, de fato, civilizada). Cada uma delas encarnava diferentes
sistemas de valores simbolizados, cada um, por uma religião que "talvez fosse a
força central que motiva e mobiliza os povos".
O principal divisor de águas passava entre "o Ocidente e o resto”, pois
somente o Ocidente valoriza “o individualismo, o liberalismo, a constituição, os
direitos humanos, a igualdade, a liberdade, as leis, a democracia, os mercados
livres". Por isso, o Ocidente (ou seja, os Estados Unidos) devem se preparar
militarmente para enfrentar essas civilizações rivais, especialmente as mais
perigosas: o Islã e o Confucionismo - isto é, o petróleo e as exportações chinesas
que, unidas, ameaçariam o coração da civilização. E o autor concluía com uma
observação sinistra: 'O mundo não é uno. As civilizações unem e dividem a
humanidade... Os povos identificam-se com o sangue e a fé, pelos quais
combatem e morrem’. Osama bin Laden poderia assinar sem qualquer problema
essa declaração.
Simplista, porém "politicamente correta", esta análise forneceu subsídios
aos estrategistas políticos e ideólogos de Washington e de outros países. O Islã
foi considerado a principal ameaça, pois o Irã, o Iraque e a Arábia Saudita
produzem a maior parte do petróleo do mundo. Nessa época, a República
Islâmica do Irã existia há quatorze anos e combatia o "Grande Satã"; a guerra do
Golfo e suas conseqüências haviam golpeado o poder do Iraque; a Arábia
Saudita, contudo, permanecia um porto seguro, com sua monarquia defendida
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por tropas norte-americanas.
A "civilização ocidental", apoiada, na ocasião, por duas outras - a
confucionista e a eslavaortodoxa - organizava a morte lenta de dezenas de
milhares de crianças iraquianas, privadas de alimentos e medicamentos, devido
às sanções impostas pelas Nações Unidas.
O apoio às forças reacionárias
Essas teses exigem duas respostas fundamentais. A primeira é que o Islã,
há mais de mil anos, nunca foi monolítico. As diferenças entre muçulmanos
senegaleses, chineses, indonésios, árabes e asiáticos do sul são bem maiores
do que as que os distinguem de não-muçulmanos da mesma nacionalidade. Nos
últimos cem anos, o mundo muçulmano conheceu guerras e revoluções, como
todas as outras sociedades. O conflito de setenta anos entre os Estados Unidos
e a União Soviética afetou todas as "civilizações". Os partidos comunistas
cresceram e ganharam apoio das massas, não só na Alemanha luterana, mas na
China confucionista e na Indonésia muçulmana. Ao longo das décadas de 20 e
30 o apelo cosmopolita do Marxismo e o desafio populista de Mussolini e Hitler
dividiram intelectuais árabes e europeus. O liberalismo, tido como ideologia do
império britânico, era menos popular. Atualmente, os fundamentalistas podem ser
considerados uma versão muçulmana da Frente Nacional francesa ou dos neo-
fascistas do governo italiano. Um dos ideólogos ocidentais mais apreciados por
alguns pensadores que alimentam o Islã radical é Alexis Carrel, racista e
pétainista caro aos seguidores de Le Peno.
O segundo ponto: depois da Segunda Guerra Mundial os Estados Unidos
apoiaram os elementos mais reacionários, usando-os como obstáculo ao
comunismo e ao nacionalismo progressista. Muitas vezes recrutaram seus
aliados entre radicais fundamentalistas: os Irmãos Muçulmanos, contra Nasser,
no Egito; o Sarekat-i-islam, contra Sukarno, na Indonésia; o jamaat-I-Islam,
contra Bhutto, no Paquistão: e mais tarde, no Afeganistão, Osama bin Laden e
outros contra o laico, comunista Najibullah, escorraçado de seu refúgio pelo
Taleban antes de ser morto e seu cadáver pendurado em Cabul, com o pênis e
os testículos enfiados na boca. Nenhum líder ocidental manifestou qualquer
19
discordância.
A difusão do fundamentalismo islâmico
As únicas exceções foram Bagdá e Teerã. Não havia condições na década
de 60, para a criação de um grupo político confessional no Iraque. O Partido
Comunista era a forca mais popular, mas sua vitória era inaceitável. Os Estados
Unidos apoiaram então, a ala mafiosa do partido Baath, incitando-a a dizimar os
comunistas e, depois, os sindicatos de operários ligados ao petróleo.
Saddam Hussein encarregou-se do trabalho e obteve como recompensa,
armas e acordos comerciais - até seu fatal erro de avaliação, em agosto de 1991,
no Kuweit. No Irã, o Ocidente apoiava o Xá de segunda geração, que se com-
portava como um déspota: desrespeitava os direitos de seu povo e aniquilou, por
meio da tortura e do exílio, o partido Tudeh (comunista). Os religiosos ocuparam
o vazio político e dirigiram a revolta popular que derrubou a monarquia.
No Oriente Médio, o Ocidente apoiou sua estratégia sobre dois pilares. O
primeiro foi a Arábia Saudita, criada na década de 30 pelo gigante norte-
americano de petróleo Aramco, que precisava de um Estado local para defender
seus interesses. Na época, a tribo dos Al-Saud acabava de sair vitoriosa de uma
sangrenta guerra civil entre as tribos que habitavam Hedjaz. Triunfava, dessa for-
ma, uma tendência especialmente virulenta e ultra-puritana no Islã: o
wahhabismo, que deriva do nome de Ibn Abdul Wahhab, um fanático religioso
que pregava as vantagens de uma linad (guerra santa) permanente contra os
modernizadores islâmicos e os infiéis, e que se impôs graças a uma aliança, em
1744, com Mohamed Ibn Saud, que desejava explorar a fé fervorosa para facilitar
as conquistas militares. O wahhabismo, atual religião do Estado Saudita domina
toda a estrutura social e difunde-se, graças aos petrodólares financiando o
fundamentalismo em todo o mundo muçulmano, inclusive nas escolas religiosas
do Paquistão, de onde nasceu o Taleban.
A raiz da crise atual
20
O segundo pilar: Israel, o intermediário mais confiável dos Estados Unidos
na região. As relações entre muçulmanos e judeus foram, em outros tempos,
relativamente harmoniosas. Na Espanha muçulmana, os judeus eram protegidos
pelos governantes muçulmanos. Saladino agiu da mesma forma no Oriente
Médio, quando retomou Jerusalém, em posse dos Cruzados, e trouxe
muçulmanos e judeus de volta à cidade. Depois da vitória da Reconquista
católica na Espanha, os judeus receberam asilo e refúgio no Império Otomano.
Foi a nakba (catástrofe) de 1948 que demarcou a verdadeira ruptura entre judeus
e árabes. Os dirigentes sionistas, com um sentimento latente de culpa em
relação aos palestinos expulsos, tornaram-se mais agressivos, mais arrogantes e
mais fanáticos e desempenharam alegremente seu papel em 1956 (guerra do
Suez), em 1967 (Guerra dos Seis Dias), em 1982 (guerra do Líbano) e no
presente momento.
O medo de desestabilizar seu principal braço militar na região tornou o
Ocidente totalmente incapaz de garantir a criação de um Estado Palestino viável
e independente. Este fracasso levou ao descontentamento do mundo árabe-
muçulmano, especialmente no Egito e na Arábia Saudita, de onde se diz serem
originários alguns dos terroristas responsáveis pela tragédia de 11 de setembro.
Ou seja, a raiz da crise atual está na estratégia e na política econômica do
Ocidente - a dos "dois pesos e duas medidas" - que as inspiram. Uma nova
guerra só poderia provocar um trasbordamento das águas do ressentimento.
Um lugar para dois povos
Os povos, judeu e palestino, têm direito a existência, convivendo na
mesma região. Essa foi a base para os acordos de Oslo que, a partir de 1993,
constituíram a mais séria perspectiva de se alcançar uma solução pacifica para o
conflito no Oriente Médio, que se arrasta desde 1948.
A negação desse princípio dos acordos de Oslo esta na raiz do atual
estado de guerra quase aberta entre palestinos e israelenses. Recordando: o
fracasso do plano de paz do ex-primeiro-ministro trabalhista de Israel, Ehud
Barak conduziu à eleição do falcão direitista Ariel Sharon, antes mesmo de ser
eleito, Sharon deixou claro qual seria sua política e, num ato de provocação,
21
percorreu a esplanada das mesquitas, local sagrado para os muçulmanos, em
Jerusalém, cercado, é claro, por um batalhão de soldados.
Sharon beneficiou-se do cansaço do eleitorado israelense diante da
ausência de um acordo de paz definitivo e simplesmente, retomou a velha lógica
da ocupação dos territórios palestinos, como se o relógio da História voltasse à
guerra dos seis dias, em 1967.
Ao invadir cidades autônomas palestinas, Sharon jogou pôr terra os
acordos de Oslo, abandonando o único principio que pode alicerçar a paz: o do
direito do povo vizinho de organizar-se em um Estado.
A lógica da ocupação reforçou a pregação das facções de explosões
suicidas, muitas vezes contra o direito de existência de Israel, antípodas, o
governo de Israel e os homens e mulheres-bombas cumprem a mesma função,
entretanto o conceito básico de tolerância entre os dois povos e, com ele, o
processo de paz iniciado por Yasser Arafat, há quase uma década, enquanto os
dois lados choram seus mortos, começam sinais positivos e renasce o
movimento pacifista israelense, cuja ação foi decisiva, pos exemplo, para que
Israel pudesse fim na ocupação do Líbano, iniciada e 1982.
A proposta dos pacifistas israelenses é simples: abandonar
imediatamente, de forma unilateral, a Cisjordânia e Faixa de Gaza, passando a
discutir o estatuto de Jerusalém. Entre os palestinos, a violência da neo-
ocupação e o impacto das ações suicidas vêm travando o surgimento de
lideranças comprometidas com a convivência pacífica. Resta saber se o retorno a
Oslo terá de esperar pelo nascimento, nos dois lados, de uma nova geração de
líderes à custa, é claro, de uma infinidade de mortes.
O atentado de 11 de setembro produziu uma onda de medo no mundo. Se
um grupo qualquer é capaz de atingir dois dos mais importantes símbolos do
capitalismo - as torres do wqrld trade center e as instalações do pentágono -,
então nada mais parece estar a prova do terror.
Aproveitando a situação, o presidente George w. bush conseguiu que o
congresso americano aprovasse uma série de leis que, em nome da segurança
dos cidadãos, restringiram radicalmente as liberdades democráticas no país.
Hoje, qualquer pessoa pode ser submetida a “grampo” telefônico pelo FBI (polícia
federal), sem necessidade de autorização judicial; pode ser vigiada, detida e
22
submetida a interrogatório. Nunca houve tanta restrição às liberdades nos
Estados Unidos, nem mesmo durante o período macartista, nos anos 50.
Essas medidas produziram grande impacto em todo o mundo, ampliando
os poderes da polícia, dos serviços secretos, das redes de informação e
inteligência dos governos nacionais e também acenderam um debate tão antigo
quando o Estado Moderno: é ou não legítimo restringir as liberdades, em nome
da segurança?
Uma resposta aparentemente simples poderia ser: Bush representa a
extrema-direita americana; um presidente de vocação autoritária, que assumiu o
poder graças à fraude, e usa a "guerra ao terror" como pretexto para impor uma
mordaça à oposição, tudo bem. Só que essa resposta, conjuntural, apenas
"finge" resolver a complexa equação que tem em um de seus extremos a
liberdade, e no outro a segurança.
Thomas Hobbes, grande precursor do corpo de doutrinas sobre o Estado
Moderno, dizia que o governo só se justifica se for capaz: de garantir o bem-estar
e a segurança de seus cidadãos. O homem, segundo Hobbes, é o lobo do
homem: quando entregue ao "estado de natureza", promove a guerra contra os
seus semelhantes. Para assegurar a paz, o governante deve ter poderes
absolutos, incontrastáveis e inquestionáveis, capaz de disciplinar as paixões.
No extremo oposto, Jean-Jacques Rousseau, esse, apóstolo do
Iluminismo, dizia que o homem é um ser bom por natureza. Se a ele for
assegurada a oportunidade de decidir em liberdade sobre os rumos de sua vlda,
assim como a natureza e a forma das instituições políticas, estarão dadas as
condições para a sedimentação de um "contrato social" capaz de assegurar uma
democracia estável, livre e plena. A restrição à liberdade – e não a própria
liberdade – provoca a frustração e a fúria.
Nos três últimos séculos, foi produzida uma quantidade imensa de teorias
filosóficas e políticas que oscilam entre os dois extremos, para não falar de ro-
mances e obras de ficção. Obviamente, não é e nem poderia ser nosso objetivo,
aqui, resolver a questão, mas sim apontar a maneira extremamente aguda com
que ela se coloca no mundo contemporâneo.
É provável que nunca se encontre "a" grande solução, por ser esta, talvez,
a questão que constituiu e delimita o horizonte da aventura do homem como
23
animal político. Ainda assim, é dever de cada um dar uma resposta à equação
proposta pela esfinge-histórica e, como Édipo, pagar o preço que a vlda cobra.
Cartografia do esquecimento
Em 18 de julho de 1949, um grupo de nove conhecidos cartógrafos,
arqueólogos, geógrafos e historiadores reuniram-se no gabinete do primeiro-
ministro do recém-criado Estado de Israel. Eles receberam de David Ben-Gurion
a missão de dar nomes hebreus as montanhas, aos vales, riachos, estradas e
localidades situadas nas regiões do Negev e Arav. Essas regiões tinham sido
militarmente ocupadas pelos israelenses quatro meses antes, na guerra que
originou o Estado judeu.
O grupo entendeu a importância de sua missão: não se tratava de um
trabalho “técnico”, mas de criar legitimidade histórica e cultural para o aro de
anexação de um território ainda habitado por outro povo. Tarefa nada fácil entre
1872 e1878, uma pesquisa feita pelo Fundo de Exploração da Palestina, sob
controle do império britânico, indicou que de 9 mil nomes de localidades
coletados na região, só 10% eram judeus. Não havia como sustentar o mito
sionista de que a Palestina era uma “terra sem povo” destinada a um “povo sem
terra”. Um "novo mundo" deveria ser criado, à imagem e semelhança do mito.
Assim foi construída uma Geografia israelense da Palestina. O mapa, no
caso, precedeu à paisagem e deu legitimidade ao processo de destruição
sistemática dos registros históricos, culturais e sociais de toda uma civilização
que deveria ser erradicada. Como que por "encanto”, desapareceram os nomes
árabes e brotaram, no seu lugar, os hebreus, abrindo caminho para a destruição
física dos vilarejos, das casas, das plantações, da cultura árabe palestina.
Poucas vezes na História da Humanidade, a Cartografia terá revelado tão plena-
mente a sua natureza bélica.
Os novos habitantes da terra adoraram um “padrão ocidental”:
construíram-se avenidas e ruas asfaltadas, prédios modernos foram erguidos
sobre os escombros das antigas casas árabes. Algumas poucas foram
preservadas, para se tornarem locais “exóticos”, como “colônias de artistas”:
mesquitas em ruínas foram transformadas em bares e restaurantes. Construções
24
que extraídas de seus contextos originais, funcionam como exemplares de um
museu de antiguidades, sem qualquer eficácia cultural.
Benvenisti nota, com tristeza, a destruição das antigas formas de
agricultura, em especial dos olivais - plantas que representam o coração da
cultura árabe e que dão flores e frutas ao longo de centenas de anos: sua mera
existência, por isso mesmo, atesta a antiguidade das famílias que habitavam a
região quando os israelenses ali chegaram. Assim a destruição dos olivais em
ramo de Belém, pelo exército israelense, sob o pretexto de que serviam de abrigo
para guerrilheiros árabes, correspondia na verdade, à urgência de apagar o traço
da existência árabe na região: Crônico em relação à proverbial capacidade dos
agricultores israelenses de "fazer o deserto florescer”, Benvenisti nota que, na
realidade, os novos ocupantes apenas substituíram culturas.
O livro de Benvenisti deixa a sensação de que, na Palestina histórica, está
sendo cometido um crime contra toda a Humanidade. Não se trata apenas de
agressões contra o povo árabe palestino, mas contra o acervo dessa
enciclopédia universal que se chama Historia. Uma parte da cultura está sendo
suprimida. Todos pagam o preço.
Fórum Social Mundial
0 2º Fórum Social Mundial (FSM), que se realizou em fevereiro de 2005,
em Porto Alegre, é um sintoma de que "alguma coisa está fora da nova ordem
mundial" – como o “Mundo” assinalou na sua edição de março, daquele ano.
Noutra edição, voltou-se ao tema. Aqui, dois integrantes da equipe de Mundo
manifestam suas opiniões sobre o FSM. A idéia é estimular o debate, oferecendo
argumentos contraditórios sobre o significado político do evento.
Fragmentos de ideologias
O 2º Fórum Social Mundial tinha, em lugar de destaque da sua agenda, a
“luta pela paz no mundo”. Sob esse temário, os participantes abordaram diversos
conflitos internacionais. A campanha liderada pelos Estados Unidos no
25
Afeganistão, que então se encontrava na fase de pesados bombardeios aéreos
contra cidades e povoados, ficou fora da agenda do Fórum.
“Um outro mundo é possível”, o tema do 2º Fórum Social Mundial parece
ter incomodado muita gente. A grande imprensa, cada vez mais ocupada na
promoção dos reality-shows, tratou o encontro como uma festa de desocupados
inconseqüentes. Vários políticos acusaram o fórum de ser, no fundo, “um evento
político”. Articulistas bem e mal intencionados cobram dos participantes “teses
conclusivas” e “propostas viáveis”. Burocratas e tecnocratas desdenharam a
“falta de bom senso econômico” das mais de 4,9 mil Organizações Não-
Governamentais (ONGs) representadas em Porto Alegre, enquanto acadêmicos
ingênuos se esforçam em descobrir os “reais interesses” por trás do encontro,
denunciando a ingenuidade dos quase 80 mil participantes que teriam servido
como “massa de manobra” na mão de partidos nacionais e estrangeiros.
“Raio-X” do fim do fórum
Os quatro eixos de debate:
1. Produção de riquezas e reprodução social: comércio mundial,
corporações transnacionais, controle de capitais financeiros, dívida
externa, economia solidária.
2. O acesso às riquezas e a sustentabilidade: propriedade intelectual,
medicamentos, meio-ambiente, água, povos indígenas, populações
urbanas, segurança alimentar.
3. A afirmação da sociedade civil e dos espaços públicos: combate à
intolerância, democratização da mídia, produção indígena cultural –
identidade, violência doméstica, migrações, educação.
4. Poder político e ética: organismos internacionais e arquitetura do poder
mundial, democracia participativa, soberania, luta pela paz, direitos
humanos.
A abordagem deste tema logo após os debates anteriormente relatados,
26
dá conta de que, no mundo atual, algo novo está acontecendo. O mundo não
está de olhos fechados nem de braços cruzados, para os atos desumanos e
irresponsáveis, de países e líderes mundiais que se acham donos da verdade e
“do mundo”, por tabela.
UNIDADE 4 - GEOGRAFIA, COLONIZAÇÃO E
GEOPOLÍTICA DO CONTINENTE AMERICANO
O que é geopolítica
A expressão "geopolítica" há vários anos em desuso, depois de haver sido
muito empregada pelos alemães durante a Segunda Guerra Mundial, para
justificar a sua política expansionista baseada em princípios como o da
superioridade racial e do espaço vital, hoje se encontra muito em voga.
Na realidade, embora a expressão lenha sido usada pela primeira vez em
1916 por kjilen, na Suécia, o conhecimento geopolítico já vinha sendo
desenvolvido desde a Antigüidade por soberanos como Dario I, da Pérsia e por
Alexandre Magno, da Macedônia, ao estruturarem seus grandes impérios. O
saber político compreende uma tentativa de análise cientifica da importância dos
Estados em face da sua extensão, da sua população e da sua posição
geográfica, integradas em ideologias que procuraram estimular e provocar a
realização de objetivos de expansão territorial e de dominação de Estados
vizinhos que impedem ou dificultam a realização de aspirações da classe
dirigente. Assim, do ponto de vista da política externa, o saber geopolítico serve
aos interesses expansionistas dos Estados.
Do ponto de vista interno, justifica uma política de contenção das
aspirações populares e de reforço à da classe dominante, baseada em uma
27
ideologia ufanista e nacionalista de direita.
Embora os ensinamentos geopolíticos sejam encontrados em autores dos
vários períodos históricos, suas bases modernas se firmam no pensamento do
geógrafo alemão Friedrich Ratzel, que dava grande importância à integração do
Império Alemão e procurava justificar a sua expansão como uma necessidade e
uma fatalidade histórica. Para isso, utilizava como categorias de estudos, entre
outras, a extensão territorial, a população, tanto do ponto de vista qualitativo
como quantitativo, e a posição geográfica, classificando os Estados, de acordo
com esta, em centrais e marítimos. Admitia que os Estados centrais, mais
dinâmicos, tendiam a se expandir em direção ao mar, dominando ou anexando
vizinhos mais fracos, ao passo que os Estados marítimos tendiam a desenvolver
as suas esquadras e a criar colônias.
A Rússia e a Prússia - que dariam origem à Alemanha - seriam Estados
centrais típicos, em virtude da pequena extensão das suas costas, ao passo que
a Inglaterra, uma ilha, seria o exemplo típico do Estado marítimo. Daí a grande
preocupação dos seus seguidores com a caracterização de maritmidade e
continentalidade.
Kjilen, professor sueco da Universidade de Upsala e seu continuador,
procurou entrosar o conhecimento geográfico com a ciência política e com as
relações internacionais e o direito internacional, ao passo que, Mackinder,
pensador e militar inglês, formulou a teoria dos pontos nodak onde se situavam
os países com tendências à expansão. Na sua preocupação com a posição
geográfica, contrapôs a Rússia Imperial à Grã-Bretanha. O primeiro país que se
expandiu pelo continente asiático durante séculos, procurou obter portos em
mares abertos - livres do bloqueio dos gelos durante o inverno e da passagem de
estreitos controlados por outros países - e o segundo, possuindo a Marinha mais
forte na época, estabeleceu colônias em todos os continentes e controlou os
países da América Latina, que só obtiveram uma independência formal no início
do século XIX .
Na Alemanha hitlerista, o general e geógrafo Haushofen tornou-se famoso
por haver defendido, baseado no pensamento geopolítico, a superioridade dos
alemães e o "direito" de conquista dos territórios vizinhos, ocupados por eslavos
e latinos.
28
Contrapondo-se a essa doutrinação geopolítica formou-se, nos últimos
tempos, uma corrente de pensamento que defendia a libertação dos povos
oprimidos e empobrecidos pela colonização e pela exploração estrangeira e, no
plano interno, levantava o problema da dominação das "elites" sobre as classes
menos favorecidas. Até certo ponto essa corrente remonta aos trabalhos de
Elisée Reclus (1986), nos quais analisou os problemas provocados pela
expansão colonial. No Brasil, o grande reabilitador da geopolítica de vanguarda
foi Josué de Castro, em livro muito expressivo sobre a fome (1945). Vários
geógrafos, ligados a uma ideologia popular e libertária vem desenvolvendo
estudos geopolíticos que se contrapõem à orientação clássica, merecendo
referência especial a revista francesa Herodote.
Geopolítica e geografia política
Muitos autores vêm fazendo confusão entre geopolítica e geografia
política, o que é lamentável. A geopolítica é um saber engajado, comprometido
com um pensamento e com objetivos políticos; embora analisando o Estado
corno produtor de um espaço, ela não tem um rigoroso critério cientifico. A
geografia política, ao contrário, é um dos enfoques da ciência geográfica no qual
se estudam a distribuição dos Estados pela superfície da terra, o problema do
estabelecimento de fronteiras e os tipos de organização do território a que eles
dão origem. Ela não está marcada fortemente pelos preconceitos do
determinismo geográfico, que tenta explicar a expansão ou a necessidade de
expansão dos Estados, com base em condições naturais.
Há até quem admita que a geopolítica seja o saber dos políticos e dos
militares, ao passo que a geografia política é o saber dos acadêmicos, dos
cientistas. Não concordamos com. essas afirmações, uma vez que o acadêmico,
o cientista, antes de ser acadêmico ou cientista é cidadão e, como cidadão, tem
compromissos políticos e sociais com a sociedade e com o Estado onde vive e
trabalha.
Com o desenvolvimento do capitalismo monopolista vem sendo
caracterizados vários tipos de áreas de influência dos Estados, não havendo
coincidência entre a área político-administrativa, delimitada por fronteiras, e a
29
área de atuação das empresas ligadas a um Estado que se expande além de
fronteiras políticas. Daí admitir-se que, ao lado da geopolítica, desenvolve-se um
ramo do conhecimento que estudaria a projeção espacial das empresas e a
repercussão dessa expansão sobre os Estados de que são originárias e em que
atuam. Daí o surgimento do saber geoeconômico, ou, para ser mais preciso, da
disciplina Geoeconomia.
Os estudiosos dos problemas militares, da estratégia, procuram adaptar o
conhecimento geopolítico a uma política de guerra, ofensiva ou defensiva, dando
origem a um ramo do conhecimento que vem sendo denominado de
geoestratégia.
À proporção que a economia e a sociedade se tornam mais complexas, é
natural que se desenvolvam setores de conhecimento paralelos ou transversais
aos tradicionais ramos do conhecimento social, sem que se perca, sobretudo
para as pessoas com formação científica dialética, uma visão global, uma visão
da totalidade.
Estratégia, geoestratégia e geopolítica
Cabe aqui uma distinção, mesmo que relativa, entre estratégia,
geoestratégia e geopolítica. A estratégia, que surgiu no final do século XXVIII
como uma redefinição da antiga “Arte da Guerra”, preocupa-se essencialmente
com a gestão (administração) da guerra e com a segurança pública.
É lógico que a estratégia tem uma dimensão não espacial (quem e como
vai comandar uma tropa, por exemplo, ou como se dará a renovação tecnológica
dos armamentos) e uma parte ou dimensão espacial (aonde vai estacionada tal
ou qual tropa, para onde ela vai se deslocar, etc.). Essa dimensão espacial da
estratégia é a geoestratégia.
Já a geopolítica, surgida no inicio do século XX, tem como preocupação
fundamental a questão da correlação de forças – antes vista como militar, mas
hoje como econômico-tecnológica, cultural, social – no âmbito territorial, com
ênfase no espaço mundial.
Na prática, contudo, sempre foi extremamente difícil separar a
geoestratégia da geopolítica. E também existem outros complicadores, que
30
tomam toda essas noções difíceis de serem delimitadas. Um deles é a
popularização, nas ultimas décadas – provavelmente após e devido à Segunda
Guerra Mundial -, da palavra estratégia, que passou a significar qualquer tipo de
plano, técnica ou estratagema: fala-se, por exemplo, na “estratégia” do time de
futebol (ou de basquete), na “estratégia” do boxeador (ou do judoca), na
“estratégia” da empresa para ampliar o seu mercado etc. É evidente que esse
significado lato sensu quase nada tem a ver com o significado original, strito
sensu, da estratégia como disciplina, arte ou forma de conhecimento ligada aos
meios militares. Também com a geopolítica essa inflação terminológica vem
ocorrendo, embora mais recentemente.
A partir do final da década de 1980, devido às mudanças radicais no
mapa-múndi (vista pela mídia, com razão, como redefinições geopolíticas), a
palavra geopolítica tornou-se moda. Hoje ela é usada, em alguns meios, para se
referir a praticamente todas as discussões políticas e econômicas internacionais
– os encontros relativos ao meio ambiente global, as reuniões da OMC ou do FMI
e os protestos contra eles, a Alça ou a União Européia etc. –, algo que
evidentemente torna essa palavra desprovida de qualquer significado preciso.
A título de curiosidade, poderíamos lembrar que algumas escolas de
ensino médio no Brasil chegaram a incluir nos seus currículos a disciplina
“Geopolítica” e o seu conteúdo nada mais é que “atualidades”, com os
professores (graduados em História, Geografia ou Sociologia) discutindo com os
alunos tudo que sai na mídia e que eles consideram importante.
Um renomado economista confessou recentemente ter se inspirado na
geopolítica ao utilizar a palavra “globobagens” (globaloney) para se referir ao
amontoado de non-sense ou impropérios que freqüentemente são ditos,
principalmente nos meios jornalísticos (mas também em alguns artigos
acadêmicos e em congressos ou encontros científicos, que em certos casos
transformam-se em verdadeiros circos), quando o assunto em pauta refere-se à
globalização ou ao novo cenário geopolítico mundial. Mas isso não significa,
como ele próprio assinala, que esses temas sejam pouco importantes ou que
tudo o que é dito sobre eles seja pouco fundamentado ou vazio de conteúdo. Por
isso mesmo acreditamos que é possível falar em novas geopolíticas, mantendo
um significado relativamente preciso e delimitado para a palavra – isto é, como
31
um campo de estudos interdisciplinar que se refere à correlação de forças a
plano espacial, com ênfase na escala mundial –, discutindo suas idéias e suas
diferenças ante as geopolíticas clássicas.
Ao contrário do que proclamou Yves Lacoste, para quem “a geopolítica é a
verdadeira geografia, a geografia fundamental”, a recente revalorização dos
estudos políticos vê esse(s) objetivo(s) como uma problemática interdisciplinar.
Tal como a questão ambiental, estuda sob diversos prismas e na maior parte das
vezes de forma interdisciplinar, a problemática geopolítica não mais se identifica
com uma única disciplina (seja Ciência ou Arte; seja a Geografia, a Ciência
Política ou a Estratégia Militar) e sim como um campo de estudos.
As geopolíticas clássicas foram elaboradas primeiramente por militares
(Mahan, Haushofer e vários outros) e, em segundo lugar, por juristas (Kjellén) ou
geógrafos (Mackinder). Era difícil distinguir entre geopolítica e geoestratégia, pois
no cerne de suas teorias havia sempre o problema da guerra e da força militar.
As novas geopolíticas, em especial após o final da guerra fria e da ameaça de
um holocausto nuclear, relativizam (mas não omitem) a questão da guerra militar
e enfatizam outras "guerras" ou conflitos: econômicos, sociais, culturais e até
simbólicos (na mídia e na indústria cultural, por exemplo). Quase não existem
mais militares entre os seus principais teóricos. Eles são historiadores (Kissinger,
Kennedy), sociólogos (Huntington, Fukuyama) geógrafos (Taylor, Parker, Agnew)
cientistas políticos (Brzezinski, Luttwak), economistas (Thurow, Ohmae) e outros.
O objetivo deste texto é comentar as novas geopolíticas que surgiram a
partir do final da década de 1980 e que procuram explicar como se dará á disputa
pela hegemonia mundial no século XXI. Iniciamos, com um resumo do que foi a
geopolítica clássica e, principalmente, como e por que ela ingressou numa
profunda crise. Logo à frente, elaboramos uma apresentação critica das novas
idéias geopolíticas que surgiram no mundo pós-guerra fria. Como se poderá
deduzir embora o nome “geopolítica” continue a ser utilizado (com a ressalva de
que muitos autores mencionados não fazem a menor questão desse rotulo), o
approach – isto é, o enfoque, a abordagem – atualmente é outro. Além da
relativização da guerra militar, também o Estado deixou de ser o sujeito
epistemológico oculto: as geopolíticas clássicas não apenas estavam centradas
no Estado como o único ator ou agente, mas eram igualmente feitas por ele e
32
para ele. Eram antes de qualquer coisa propostas de ação no sentido de
fortalecer o “seu” Estado; daí elas terem sido construídas como “geopolíticas
nacionais”. As novas geopolíticas, não por coincidência, surgidas na “era da
globalização” e enfraquecimento (relativo) dos Estados Nacionais, normalmente
não são feitas “para o Estado” e tampouco o vêem como o único ator na política
mundial. Novos atores ou sujeitos são levados em consideração, desde as
civilizações ou grandes culturas até as ONG´s, passando pelas empresas multi
ou transnacionais, pelas organizações internacionais (ONU, OMC, FMI etc.) e
pelos “blocos” ou mercados regionais (União Européia, Nafta, Mercosul etc.). E
novos campos de luta são agora vistos como importantes para a compreensão
das relações de poder no espaço mundial, desde a questão ambiental (embates
sobre o uso dos oceanos ou do espaço cósmico ao redor do planeta, a emissão
de gases do efeito estufa, os desmatamentos e a perda de biodiversidade, o que
é desenvolvimento sustentável etc.) até as lutas pelos direitos das mulheres, de
minorias étinico-nacionais, de grupos com diferentes orientações sexuais, de
povos sem território reconhecido, de populações excluídas na sociedade global
ou em sociedades nacionais etc.
Nossa preocupação básica neste texto é encetar um diálogo crítico com as
principais representações geopolíticas do mundo pós-guerra fria. Almejamos com
isso apresentar ao Ieitor/estudante/pesquisador, uma discussão sobre como
serão os principais conflitos mundiais no século XXI - ou melhor, como eles estão
se dando e quais as suas perspectivas, pois o século XXI já se iniciou desde pelo
menos 1991. Entendemos que o século XX foi aquele da Segunda Revolução
Industrial (indústrias automobilística, petroquímica e mecânica, o petróleo como
fonte de energia essencial, os Estados Unidos como potência hegemônica no
plano econômico etc.), e de duas ordens mundiais sucessivas: uma
multipolaridade conflituosa, com ênfase no poderio militar, na sua primeira
metade (até 1945), e uma bipolaridade também conflituosa - expressa como
guerra fria e corrida armamentista, cujo sentido levava até a um exterminismo -
na sua segunda metade (até por volta de 1991, ocasião em que a União
Soviética se esfacelou e o conflito capitalismo versus socialismo deixou de existir
como parte fundamental do equilíbrio de poder em escala mundial). Já o século
XXI, pode ser visto, pelo menos provisoriamente, como aquele da Terceira
33
Revolução Industrial (informática, robótica, biotecnologia, sociedade em rede
etc.), da globalização capitalista e de uma multipolaridade complexa, na qual se
entrecruzam várias disputas ou tensões (econômicas, culturais, político-
territoriais, étnicas, ambientais etc.).
Assim, este texto é uma introdução ao estudo (geopolítico) do século XXI.
Um estudo feito pelo confronto de idéias e teorias (de Huntington, Thutow,
Kennedy, Brzezinski e tantos outros), a partir das quais - ou, em alguns casos,
contra as quais – nosso próprio pensamento é construído. Se no final o
leitor/estudante/pesquisador concordar que cada teoria vê a sua maneira algo
que efetivamente ocorre na realidade, que existem verdades (no plural) e não um
único pensamento correto, e que as idéias não apenas explicam o mundo, mas
também ajudam a redefinir-lo, então teremos atingido o principal objetivo deste
módulo.
O Brasil é um país que se formou a partir de uma colonização externa - a
portuguesa -, e a sua História, durante os três séculos de dominação colonial,
está profundamente vinculada à história de Portugal. Nasceu com dimensões
territoriais modestas – aproximadamente 2.8OO.OOO km² , segundo o Meridiano
de Tordesilhas - e teve esse território consideravelmente ampliado, graças à
anexação de porções que se encontravam sob domínio espanhol. Lendo-se os
textos de pensadores, de políticos e de militares, observa-se uma forte idéia de
expansão territorial ou de simples expansão de área de influência pela América
do Sul e África, o que leva a concluir que a geopolítica foi cultivada por suas
elites desde o período colonial.
Nesse período pode ser destacada, entre outras, a figura de Alexandre de
Gusmão que, como diplomata, defendeu a aplicação do princípio do Uri
possidetis na delimitação das fronteiras entre as colônias portuguesas e
espanholas, conseguindo que o território da então América portuguesa se
expandisse extraordinariamente para o oeste, em áreas pertencentes à América
Espanhola.
Por ocasião da independência, o cientista e político José Bonifácio de
Andrada e Silva dirigiu a política do novo Estado a fim de manter as estruturas
coloniais conservadoras como a forma monárquica de governo; para manter a
credibilidade do seu projeto, programou a transferência da capital do Império
34
para o Planalto Central e defendeu uma política de libertação gradativa da
escravidão.
Compreendia ele que, no século XIX, os Estados não podiam se
consolidar apenas em torno dos interesses dinásticos, mas que deveriam se
formar em torno das nações.
No período imperial, os estadistas mais proeminentes procuraram manter
fechada à navegação estrangeira a bacia Amazônica, na mesma ocasião em que
defendiam a abertura da navegação no rio da Prata. Essa política levou o Brasil a
intervir no Prata, muitas vezes, como durante a incorporação do Uruguai - 1816-
1828 -, período da tentativa de Rosas de realizar a unificação da Argentina em
tomo dos limites do antigo Vice-Rei nado do Rio da Prata (1851- 1 852) e,
finalmente, de 1864 a 1870, quando, aliado à Argentina e ao Uruguai, destruiu o
Estado autárquico que se formava no Paraguai, mediante a ditadura de Lopez.
A República herdaria uma série de questões fronteiriças com a França, a
Inglaterra, a Bolívia e com a Argentina, tendo provocado estudos de profundidade
e de grande interesse, tanto geográfico como geopolítico, de homens públicos,
como o barão do Rio Branco e Joaquim Nabuco.
Na primeira metade do século XX, numerosos pensadores partidários ele
um governo centralizado e de Executivo forte, assim como de uma política
expansionista no Prata e na Amazônia, formularam estudos geopolíticos
baseados nos ensinamentos de Ratzel e de seus discípulos. Dentre outros,
destacam-se Everardo Rackhauser (1952). Teixeira de Freitas (1941) e Lysias
Rodrigues (1947), que defendiam uma melhor ocupação dos territórios ocidentais
do Brasil, uma redivisão territorial, anulando a existência dos estados, e a
transferência da capital federal para o Oeste. Esses pensadores se baseavam
também em ensaístas brasileiros, como Alberto Torres e Oliveira Viana, que
preconizavam um sistema autoritário de governo para o Brasil.
Foi grande a influência desses pensadores no período que se seguiu à
Revolução de 1930, quando o governo federal desenvolveu a política em favor da
Marcha para o Oeste e da criação de territórios federais, desmembrados de
estados de grande extensão territorial e fraco povoamento. Com o Estado Novo,
o governo Vargas retirou a autonomia dos estados, transformando-os em
verdadeiras províncias, no modelo do Império, e organizou o Instituto Brasileiro
35
de Geografia e Estatística IBGE -, que deveria formular uma política de
racionalização da utilização do território nacional.
No mesmo período haveria uma reação de pensadores com preocupações
de conservação do espírito regional, achando, naturalmente, que o particular
deveria ser preservado dentro do geral - o regional e até o estadual, no federal -,
como Gilberto Freyre, com o seu Manifesto Regionalista de 1926, como Caio
Prado Júnior, com a sua interpretação marxista, mas não ortodoxa, da realidade
e da evolução política do Brasil, e muitos outros escritores e ensaístas. Houve
até quem defendesse maior descentralização política, com a evolução da
federação para uma confederação, como Alfredo Ellis Júnior e M. Osório de
Almeida, ou que exagerasse a ponto de defender como caminho natural o
separatismo, o fracionamento do território nacional, como Wanderlei em 1935.
O Brasil, porém, vem caminhando, nos últimos anos, para uma maior
centralização - a federação consagrada na Constituição é mais formal que real -
e para uma política de alinhamento com os Estados Unidos. Ele engajou-se
inteiramente, durante guerra fria, no bloco ocidental, liderado pelos norte-
americanos, e até participou de forças internacionais de repressão a movimentos
populares. Formou-se, então, a Ideologia da segurança nacional (cf. Comblin
1978), estruturando um sistema autoritário de governo, no âmbito interno, e uma
política externa visando classificar o país como uma potência emergente. Política
que levou o país, naturalmente, para uma posição de satelitização, de subpo-
tência imperialista, para execução dos interesses das grandes potências
internacionais, em sua área de influência. Nessa fase, destacam-se como
pensadores geopolíticos, entre outros, os geniais Golbery do Couto e Silva e
Meira Matos.
A geopolítica e o espaço brasileiro
Analisando-se a História do Brasil, pode-se admitir que em uma primeira
fase, baseada nos interesses imperiais de Portugal, fez-se a delimitação de um
espaço - Tratado de Tordesilhas - e a ampliação deste – Tratado de Madri -,
deixando-se no espaço delimitado grandes porções de território ainda ocupadas
por indígenas ou mesmo desabitadas.
36
Em uma segunda fase, que se estendeu de meados do século X VIII até
início do século XX, o Brasil procurou precisar melhor as suas fronteiras,
resolvendo, por arbitragem internacional ou por tratados diretos, questões de
limites com os países vizinhos. Tivemos assim período de tensões em nossas
fronteiras.
Na primeira metade do século XX, sobretudo como desenvolvimento da
expansão ferroviária na Argentina, houve um período de grande rivalidade entre
os dois maiores países sul-americanos e uma disputa por áreas de influência no
Uruguai, no Paraguai e na Bolívia. Essa tensão se materializava como salienta
Mário Travassos (1947), na expansão e modernização das vias de transporte.
Após a Segunda Guerra Mundial, o Brasil apresentou maior dinamismo
econômico e um desenvolvimento industrial mais rápido que a Argentina, e
tomou a ofensiva na expansão de sua influência nos países platinos; ao mesmo
tempo desenvolveu urna política de expansão interna no Centro-Oeste e na
Amazônia, procurando ter uma presença mais constante nos países da bacia
Amazônica e das Guianas. Vislumbrava-se, até, uma preocupação com a
presença brasileira no Caribe, materializada com a participação de forças
brasileiras na intervenção na República Dominicana, em 1965, e uma
preocupação mais ativa com a ação do grupo de Contadora, na Nicarágua. Mais
recentemente, após a Nova República, vem sendo feita uma reaproximação com
Cuba, após vinte anos de relações diplomáticas interrompidas. É sensível
também uma preocupação africana na política internacional brasileira, que levou
o país a condenar o racismo na África do Sul e a ser o primeiro país americano a
reconhecer o governo de simpatias socialistas de Angola, ao ser proclamada a
independência dessa antiga colônia portuguesa.
A projeção geopolítica do Brasil
Sendo o Brasil um país de grande extensão territorial, de alto índice
populacional e com o oitavo PIB do mundo, em 1996, não é de estranhar que ele
tenha uma tendência a expandir a sua influência sobre os países vizinhos e/ou
próximos. Como se pode observar em vários estudos e teses a respeito do tema,
ele tem uma tendência natural de expansão geopolítica para o Prata, para o sul,
37
estendendo-se até a Antártida - onde mantém urna base permanente de
pesquisas -, e ainda uma tendência expansionista em direção à Amazônia, aos
Andes, passando pelos países amazônicos vizinhos, e uma outra em direção ao
Caribe, voltada para a Venezuela, as Guianas e as Antilhas, restando ainda uma
quarta tendência expansionista voltada para o Atlântico, sobretudo em sua
porção sul.
A tendência ao expansionismo meridional originou-se com a política
expansionista no Prata, quando Portugal e em seguida o Brasil impediram a
manutenção desse Vice-Rei- nado, apoiando seu desmembramento e
conquistando terras que foram colonizadas pelos espanhóis. As intervenções na
Argentina e no Uruguai e o esmagamento do Paraguai, no século XIX, foram
concretizados com os tratados de limites realizados no início do século XX. Hoje,
com a região pacificada, a ação brasileira se concretiza com a consolidação do
Mercado Comum e com a garantia de estabilidade para a sua base de pesquisas
na Antártida.
Na segunda frente de expansão geopolítica, temos a pressão exercida
pelo Brasil sobre a Bolívia o Peru e a Colômbia; com a Bolívia o Brasil fortalece a
sua presença, na porção meridional, com a ferrovia que liga São Paulo a Santa
Cruz de Ia Sierra, e na bacia do rio Madeira, com a influência que exerce sobre o
departamento de Pando, onde grande percentual da população é de origem
brasileira. Repete-se aí o que ocorreu no período áureo da borracha, quando os
brasileiros subiram os rios da bacia amazônica e se estabeleceram como
seringueiros em terras bolivianas e peruanas. Depois, após lutas locais, o Brasil,
com o Tratado de Petrópolis, incorporou grande parte do território boliviano. Hoje,
os habitantes do Acre, os chamados “homens da floresta”, vêm sendo
beneficiados de subsídios governamentais, fazendo com que atravessem as
fronteiras bolivianas e que lá se estabeleçam.
Quanto ao Peru, o Brasil não só tem influência através da navegação no
Solimões, onde a cidade de Tabatinga é um importante centro comercial, como
também, mais ao sul, projeta construir a estrada de rodagem que ligará Cruzeiro
do Sul e, indiretamente, Santos, ao porto de Callao, no Pacífico, dinamizando o
nosso comércio com o mercado asiático. A política americana procura dificultar a
construção dessa estrada, a fim de impedir a concorrência brasileira nos
38
mercados japonês e chinês,
Com a Colômbia há problemas mais sérios, uma vez que na fronteira
colombiana existem áreas controladas pelos produtores de cocaína, que utilizam
a Amazônia como rota para o narcotráfico, e de guerrilheiros de tendências
políticas de esquerda que, naturalmente, tem a simpatia do atual governo
brasileiro, porém são conflitantes em si. Esse fato vem levando o Exército
brasileiro a implantar um projeto, o Calha Norte, de povoamento das fronteiras na
Amazônia e que, entre outras metas, visa à criação de dois territórios federais, o
do Alto Rio Negro, com capital em São Gabriel da Cachoeira, e o de Solimões,
com capital em Tabatinga.
Para o norte, o Brasil tem interesse em exercer a sua influência até as
Antilhas, e em resguardar as suas fronteiras com a Venezuela, fornecedora de
energia a Roraima, e com as Guianas, por considerar os dois países aí situados
como pouco estáveis - a Guiana, que tem metade do seu território reivindicado
pela Venezuela, e o Suriname - e um terceiro, a Guiana Francesa, onde houve,
no passado, grandes disputas fronteiriças, é uma área de atração para
trabalhadores brasileiros em razão da diferença entre o salário mínimo francês e
o nacional.
No Atlântico Sul, o Brasil apresenta grandes lições em razão do fato de aí
se situarem países que, como ele, foram colonizados pelos portugueses. Um
deles, de forte expressão territorial e populacional e muito rico em petróleo e em
diamantes, Angola, se encontra em uma situação política muito instável desde a
independência (1975); a luta armada, que inicialmente se apresentava como de
motivações ideológicas, hoje apresenta fortes conotações tribais, ou nacionais
(Andrade 2000). Alias relações entre os dois países foram muito grandes no
período colonial, não só por causa do tráfico negreiro como do comércio de
produtos, como a cachaça, a farinha de mandioca etc., e também administrativos,
uma vez que diversos governadores de Angola foram políticos do Brasil, nos
séculos XVII e XVIII; por ocasião da independência de Angola o Brasil foi o país
que, mesmo contrariando a tendência norte-americana, primeiro reconheceu o
novo governo.
Ainda são fortes às ligações com Portugal, que o colonizou, de 1500 a
1822, e com o qual hoje mantém grandes ligações por meio da Comunidade dos
39
Países de Língua Portuguesa, que congrega a antiga metrópole e países da
África - Guiné-Bissau, Cabo Verde, São Tomé e Príncipe e Moçambique -, da
América - Brasil -, do Oriente – Timor Leste. Essa comunidade visa estreitar
laços econômicos e sociais entre os vários países que a compõem e desenvolver
ao máximo as atividades culturais. A maior integração entre os países da
comunidade tem grande importância para o Brasil, já que ele, dentre os
associados, é o mais populoso e o mais rico. Tal integração, naturalmente, será
mais forte conforme as distâncias e os acordos que se realizarem, sendo
provável que as relações políticas e econômicas se acentuem mais estreitamente
com Angola, quando pacificada, e com Cabo Verde, urna vez que a Guiné-Bissau
é ainda muito pouco povoada e São Tomé e Príncipe é pouco extensa e pouco
povoada. Moçambique, voltado para o índico, tem ligações com a África do Sul, e
o Timor, só agora (1999), ao se libertar da tutela da Indonésia, começa a se
integrar ao mundo de fala lusitana.
O grande problema de um país como o Brasil é conseguir se desvencilhar
da dominação dos grandes grupos econômicos e políticos internacionais,
consolidar a sua identidade e conduzir uma política de fraternidade com os seus
vizinhos e sócios. Ser-lhe-ia necessário fugir de uma globalização neoliberal,
imposta do exterior, para se adaptar a uma globalização atenuada e que consulte
aos seus interesses como nação e como Estado.
UNIDADE 5 - AS GEOPOLÍTICAS CLÁSSICAS E A SUA
CRISE!
40
O advento da geopolítica
A geopolítica nasceu - pelo menos oficialmente, como rótulo – com o
jurista sueco Rudolf Kjellén, que pela primeira vez empregou esse termo num
ensaio intitulado "As grandes potências", publicado em 1905 numa revista do seu
país. Onze anos mais tarde "Kjellén reafirma as bases dessa “nova disciplina” no
seu livro O Estado como forma de vida, editado em 1916 na Suécia. Formado em
Direito e tendo sido parlamentar, Kjellén lecionava Ciência Política e História nas
universidades de Uppsala e de Göteborg. Sua preocupação fundamental nessas
obras era com o poderio mundial e ele definiu a geopolítica como “a ciência que
estuda o Estado como organismo geográfico”. Como se tratava de um objeto
semelhante ao da geografia política, sistematizada/redefinida em 1897 por F.
Ratzel (do qual Kjellén foi um leitor atento), ele procurou estabelecer diferenças
entre essas duas formas de conhecimento. Essas diferenças estariam
principalmente na abordagem, que seria geográfica no caso da geografia política
(ou seja, uma ênfase nas "relações homem/natureza") e política no caso da
geopolítica (isto é, "a perspectiva do Estado perante a dimensão espacial da sua
atuação”). Ele também procurou enfatizar o lugar da geopolítica como
intersecção entre a ciência política, a geografia política, a estratégia militar e a
teoria jurídica do Estado. O conceito de interdisciplina não era familiar nem a
Kjellén nem à sua época, razão pela qual ele encarava a geopolítica como "uma
ciência".
Essa distinção operada por Kjellén entre geopolítica e geografia política foi
bastante questionada; muitos geógrafos no passado e no presente (Thorndike Jr.
Lacoste, Claval e vários outros) viram na geopolítica tão-somente a geografia
política "aplicada". Entretanto, os “grandes nomes” da geopolítica, com a notável
exceção de Mackinder, não foram de geógrafos e sim de estrategistas militares.
E a preocupação básica da geopolítica clássica nunca foi a de um conhecimento
(geográfico e/ou científico) sobre um aspecto da realidade (a dimensão espacial
da política) e sim a de estabelecer bases para que o "seu" Estado se fortalecesse
no cenário internacional.
A geopolítica logo se expandiu, tendo encontrado no cenário mundial da
primeira metade do século XX um solo fértil para crescer. A ordem mundial
41
multipolar que vigorou desde o final do século XIX até a Segunda Guerra Mundial
propiciava um clima de pré-guerra entre as grandes potências do período, com
acirradas disputas por territórios, mercados e recursos na África, na Ásia e até na
Europa. Com o declínio relativo da Inglaterra, grande potência mundial na ordem
monopolar da segunda metade do século XVIII e de quase todo o XIX, os
embates pela hegemonia militar se multiplicavam. Nesse contexto, inúmeros
pensadores se engajaram na tarefa, apelidada de geopolítica por Kjellén, de
compreender o equilíbrio de forças no espaço mundial e as condições pelas
quais um determinado Estado pode se tornar uma grande potência. Na visão
desses pensadores, de forma inclusive coerente com a sua época o fundamental
era a quantidade de recursos/mercados, povos (mão-de-obra, soldados), solos
agriculturáveis, minérios, espaço geográfico enfim. Daí as geopolíticas clássicas
terem sido em geral explicações a respeito da importância estratégica de
determinados territórios, da necessidade de expansão territorial - ou controle de
espaços (rotas marítimas ou áreas geoestratégicas) - como forma de
fortalecimento do Estado e de adquirir hegemonia.
Mahan e o poderio naval
Apesar de ser considerado um dos "clássicos da geopolítica" juntamente
com Kjellén. Mackinder e Haushofer -, o almirante norte-americano Alfred T.
Mahan na realidade nunca fez uso desse rótulo em seus escritos, que em grande
parte foram publicados antes mesmo de Kjellén ter proposto essa nova forma de
conhecimento, Sua obra mais conhecida, A influência do poder marinho sobre a
história, foi publicada em 1890. Ele foi sem dúvida o nome mais conhecido da
estratégia naval, tendo lecionado no recém-criado Naval War College e discutido
amplamente o que ele denominou "poder marítimo" (Sea Power). Assim como os
demais geopolíticos clássicos, Mahan acreditava no "fardo do homem branco" (a
visão segundo a qual o Ocidente deveria comandar ou "civilizar" o mundo, sendo
que o colonialismo ou o neocolonialismo seria algo Positivo para os demais
povos) e entendia que as guerras eram inevitáveis na História.
A chave para a hegemonia mundial, segundo Mahan, estaria no controle
das rotas marítimas, essas "veias por onde circulam os fluxos do comércio
42
internacional". A posse de grande poder marinho, dessa forma, seria
indispensável para um Estado que almejasse tomar-se importante potência
mundial. Obviamente que Mahan pensava essencialmente no fortalecimento dos
Estados Unidos, que na época estavam vivenciando mudanças na sua política
externa e se consolidando com uma das grandes potências mundiais da ordem
multipolar conflituosa que nasceu a partir do enfraquecimento relativo da
Inglaterra. Pela própria posição geográfica (e traços históricos) dos Estados
Unidos - algo que Mahan enfatizou -, pela ausência de inimigos potenciais
significativos por terra, e pela importância do comércio marítimo nas trocas
econômicas internacionais, ampliar o controle dos mares seria o grande objetivo
da estratégia norte-americana.
Toda geopolítica, e a de Mahan não foge à regra, implica uma filosofia da
História. A leitura mahaniana da História, de forma distorcida, via o poder
marítimo como o centro das mudanças, algo que provavelmente decorreu da sua
própria atividade corno professor na Escola Naval e na incumbência a que se
propôs, de pensar as condições para o fortalecimento do seu Estado no cenário
mundial. Se como teórico Mahan não foi muito profundo, como "conselheiro do
príncipe' ele parece ter sido muito! ouvido. Não apenas os Estados Unidos
tornaram-se, desde os primórdios do século XX, a grande potência marítima do
planeta – a "baleia", nos dizeres de Raymond Aron –, como uma importante idéia
de Mahan tornou-se realidade: a construção ou canal do Panamá, unindo os
oceanos Atlântico e Pacífico, concluída coincidentemente no ano de sua morte,
1914.
A visão geoestratégica de Mackinder
Halford J. Mackinder, apesar de também não ter feito uso do rótulo,
geopolítica, é considerado o grande teórico da geopolítica clássica. Kjellén foi o
criador do nome, mas um pensador limitado, que não deixou importantes idéias
ou teorias. E aquele que se tornou no nome mais famoso da geopolítica, o
general Haushofer, é normalmente visto apenas como um aplicador e adaptador,
para o Estado alemão, de idéias mahanianas e, principalmente, mackinderianas.
Alicerçado na idéia de que a geografia é o pivot (base, sustentáculo) da
43
história, Mackinder construiu toda uma teoria que tem na geoestratégia a chave
para a hegemonia mundial. Tido como "o propugnador do poder terrestre" - em
oposição a Mahan, visto como "o evangelista do poder marítimo" –, Mackinder
criou conceitos que foram reproduzidos por, praticamente todos os demais
geopolíticos e se tornaram clássicos: world island, anel insular, anel interior ou
marginal e, principalmente, heartland. Suas obras principais foram a conferência
O pivot geográfico da História e Democracia, ideais e realidade, livro editado em
1919.
Como os oceanos e mares cobrem cerca de três quartos da superfície
terrestre e, nas terras emersas (onde logicamente vivem os povos e existem os
Estados) destaca-se um conjunto ou "continente", o Velho Mundo (África c
Eurásia), que abrange cerca de 58% do total, (64% se excluirmos a Antártida),
Mackinder hierarquizou esses espaços como se eles tivessem um valor
intrínseco e permanente para o poderio mundial. Ele chamou de “ilha mundial”
(world island) esse grande bloco de terras (o Velho Mundo), no qual, de acordo
com o seus estudos (algo que provavelmente seja verdadeiro na medida em que
aí vive a maior parte da população mundial), teria ocorrido a imensa maioria das
guerras da história da humanidade. E dentro dessa “ilha mundial” haveria uma
área central básica, a pivot area, que seria uma imensa região central localizada
em parte na Europa e em parte na Ásia. No coração dessa pivot area existiria a
região geoestratégica do planeta, a heartland (“terra-coração”) – que corresponde
aproximadamente ao que chamamos hoje de Europa Ocidental –, cuja posse
seria a condição básica para a hegemonia mundial. A importância dessa região
estaria na combinação de três características: a presença de uma porção
importante da maior planície do mundo, os Países Baixos e o norte da França, e
que seria coberta de guerreiros; a presença de alguns dos maiores rios do
mundo (sic); e a sua natureza mais ou menos fechada em relação às incursões
marinhas. Nas célebres palavras do autor, “Quem controla a heartland (“terra-
coração”) domina a pivot area e quem domina a pivot area controla a “ilha
mundial”, e quem controla a “ilha mundial” domina o mundo.
Esse raciocínio fundamenta-se no que Aron chamou de "esquematização
geográfica", que consiste em tentar compreender a história, notadamente as
guerras e os conflitos entre os povos, a partir de características territoriais. Essas
44
idéias, que afinal de contas foram levadas a sério até pelo menos a Segunda
Guerra Mundial, talvez tenham tido uma boa base de sustentação (o que não
significa que sejam ou tenham sido totalmente verdadeiras) na época em que
Mackinder viveu, aquela do Estado territorial militarizado (o Estado pós-
napoleônico), com a guerra sendo ainda desenvolvida, na terra ou no mar (mas
não ainda no ar e muito menos com apoio no espaço cósmico) com base não na
tecnologia de precisão, como nos dias de hoje, e sim no número de soldados,
navios e armamentos.
Haushofer e a expansão da Geopolitik
Pode-se dizer, sem nenhum exagero, que foram Karl Haushofer e a
Zeitschrift für Geopolilik [Revista de Geopolítica], publicada na Alemanha de 1924
até 1944 e por ele chefiada, que tornaram a geopolítica famosa e, inclusive,
definiram os seus "clássicos". Sem esses personagens, que logicamente foram
impulsionados por determinados aspectos do clima intelectual da República de
Weimar e da Alemanha nazista (Berlim como a “nova Paris” nos anos 20 e 30,
ressentimento alemão contra os tratados de pós-Primeira Guerra Mundial,
misticismo, radicalização nacionalista, ênfase na raça e na busca do seu "espaço
justo" etc.), a geopolítica provavelmente teria conhecido um destino diferente,
seria tão-somente mais uma das inúmeras propostas malogradas para "uma
nova ciência" (tais como a "ciência do Estado", a "ciência ambiental", a
polemologia, a espaciologia, a dromologia e tantas outras).
Mas essa revista - que, além de Haushofer, contou com a colaboração de
vários intelectuais: militares, geógrafos, cientistas políticos, historiadores e
economistas, sendo que alguns eram renomados professores universitários -
alcançou um enorme sucesso: passou de uma tiragem inicial de mil exemplares
por mês, em 1924, para mais de cinco mil nos anos 30, sendo que por volta de
um quarto dos feitores era constituído por assinantes do exterior. Cabe Iembrar
que até aqui na América do Sul certos pensadores, notadamente militares,
reproduziam ou adaptavam inúmeras idéias divulgadas por essa revista. Fazendo
eco à ideologia nacional/socialista - em especial a partir de 1931, quando essa
linha editorial foi explicitamente afirmada e alguns dos colaboradores originais,
45
mais preocupados com a imagem acadêmica ou científica, se recusaram a
continuar participando -, a Revista de Geopolítica abordava ternas corno o
"espaço vital" para a Alemanha (isto é, a "necessidade de novos territórios" para
a nação alemã, especialmente na "Europa central" - conceito importante na
Geopolitik – e também na África), a nova ordem européia ou mundial ideais, a
superioridade da raça ariana e o seu destino etc.
Haushofer fez largo uso das idéias de Mackinder, adaptando-as para um
prisma alemão. Se o geógrafo inglês pensava na perspectiva do poderio
britânico, o militar alemão, que classificou o texto de Mackinder de 1904 como
"uma obra-prima geopolítica", fez uma leitura às avessas e teorizou sobre as
condições para se fortalecer o Estado germânico. Mackinder era defensor do
império britânico e até mesmo antigermânico anti-russo: a seu ver o maior perigo
para a Inglaterra seria uma eventual aliança Alemanha/Rússia, as duas potências
européias que juntas poderiam facilmente controlar a heartland. Haushofer,
citando a frase "É preciso aprender com o inimigo", minimizava as diferenças
ideológicas entre o nazismo alemão e o comunismo russo e enfatizava a
necessidade dessa "aliança natural" entre os dois Estados para se contrapor ao
então poderoso império britânico.
Haushofer esboçou uma "ordem mundial ideal", resultado de uma
desejável aliança entre Alemanha, Rússia e Japão (evidentemente contra a
Inglaterra, a França c a China; e sem mexer com os Estados Unidos e a sua pax
americana no novo continente), que consistiria na divisão do mundo em quatro
"blocos" ou zonas continentais: a zona de influência alemã, que abarcaria a
Europa (menos Rússia), a África e o Oriente Médio; a zona de influência dos
Estados Unidos (o continente americano); a zona de influência da Rússia (a
imensa Rússia mais o sul da Ásia, ou seja, uma saída para o oceano Índico); e a
zona de influência do Japão (Extremo Oriente, Sudeste asiático e Oceania).
Discutiu-se muito a respeito das ligações - reais ou imaginárias - das
idéias de Haushofer com a política expansionista da Alemanha nazista. O próprio
geopolítico, que se suicidou em 1946 após ter sofrido um duro julgamento no
pós-guerra e estar arruinado, deixou uma espécie de carta-testamento intitulada
"Uma apologia da geopolítica", na qual isenta a Geopolitik de qualquer
responsabilidade nesse expansionismo e afirma que estava somente "fazendo
46
ciência", como um "método americano" (sic) e que até teve um atrito com Hitler.
E de fato Haushofer era casado com uma judia e amigo íntimo de Rudolf Hess,
que por sinal o apresentou a Hitler em 1922 (só que Hess fugiu da Alemanha em
1941, a partir do que alguns de seus amigos inclusive Haushofer – ficaram
malvistos pelo regime). Haushofer teve um filho assassinado pela gestapo em I
944, sob a acusação de ter participado, junto com alguns militares e intelectuais,
de urna tentativa de assassinar Hitler e acabar com a guerra, que praticamente já
estava perdida. Mas isso tudo não apaga o teor expansionista da Geopolitik, que
na realidade era muito mais do que apenas um ideal de grande potência mundial
para a Alemanha. Era uma divulgação de idéias que basicamente afirmavam o
seguinte: existiam inúmeros territórios que eram "naturalmente" germânicos,
embora não ainda oficialmente – aqueles perdidos na guerra de 1914 -1918 e
também outros, onde havia a presença de povos de origem alemã; alguns mapas
da Revista de Geopolítica mostravam mais de metade da Europa nessa situação
e até mesmo áreas ultra-continentais, como Santa Catarina e partes do Rio
Grande do Sul, no Brasil, nas quais nem sequer os limites políticos entre os
estados eram representados; e que a ordem mundial era injusta devido à pouca
presença da Alemanha, um candidato "natural" (pela engenhosidade da raça,
que seria intelectualmente superior e destinada a comandar) a ser uma grande
potência mundial. Essas idéias e a "cartografia geopolítica" com os seus mapas
elaborados ad hoc (eles normalmente usavam projeções cartográficas que
ampliavam o território dos países vizinhos, além de símbolos de aviões e tropas
ao redor da Alemanha, o que dava a impressão do país cercado por inimigos
prestes a invadir o solo pátria) eram na década de 1930 constantemente
reproduzidas até nas escolas fundamentais e médias, pois a Revista de
Geopolítica costumava ser lida por professores – e alguns autores de manuais
didáticos foram colaboradores dela -, que muitas vezes utilizavam esse material
nas suas aulas. Se Haushofer não influenciou a política expansionista do III
Reich, mesmo porque ele discordou da invasão da Rússia e da abertura de uma
nova frente na guerra, por outro lado ele e a sua revista repercutiram com
veemência a, ideologia da "raça superior" e, mais do que isso, acrescentaram a
"necessidade de espaço vital" para o futuro da Alemanha. Um intelectual, demão
da década de 1930, dissidente do nacional-socialismo de Hitler, afirmou que "Sua
47
escola de geopolítica [de Haushofer] ajudou amplamente a fixaras intenções do
regime em política estrangeira e pode até dizer-se que lhe permitiu tomar
plenamente consciência de si mesmo nesse terreno”.
A crise da Geopolítica Clássica
A partir do final da Segunda Guerra Mundial, a geopolítica ingressou numa
crise, ou seja, numa fase de questionamentos e inclusive de esgotamento de
seus pressupostos fundamentais. Primeiramente, até meados da década de
1970, ela viveu numa espécie de ostracismo, pois os vencedores a identificavam
com os vencidos (o fascismo italiano, a política expansionista do Japão de antes
da guerra e especialmente o nazismo alemão) e praticá-la ou mesmo escrever
sobre ela (a não ser que fosse para criticar veementemente) passou a ser algo
não recomendável ou mesmo banido do mundo acadêmico e científico. É lógico
que determinadas "escolas geopolíticas", como no Brasil, no Chile ou na
Argentina, continuaram a produzir a todo o vapor - e muitas vezes até suas idéias
serviam de base para políticas territoriais de seus Estados. Mas elas eram
periféricas, existiam à margem das universidades e foram praticamente
ignoradas no centro do mundo capitalista e mesmo na antiga superpotência
socialista. Nos Estados centrais os pensadores que teorizavam sobre o equilíbrio
mundial ou regional de forças, algo importante naquele período de guerra fria e
corrida armamentista, eram considerados (e consideravam-se) como
estrategistas militares, principalmente, ou às vezes cientistas políticos, geógrafos
ou sociólogos, mas nunca geopolíticos; eles muito raramente mencionavam a
geopolítica clássica, a não ser para mostrar a sua falácia ou obsolência.
A partir de meados da década de 1970, todavia, a geopolítica volta à
ordem do dia, só que agora renovada: não mais idéias pragmáticas sobre o
poder marítimo versus o poder terrestre, ou sobre a heartland, ou mesmo sobre
as condições para um determinado Estado tornar-se potência mundial (algo que
parecia já "resolvido" naquele período das duas superpotências), e sim teorias a
respeito do embate entre capitalismo e socialismo, da guerra fria e a sua lógica,
das perspectivas de urna terceira guerra mundial.
Provavelmente o pontapé inicial nessa “retomada da geopolítica foi dado
48
por Yves Lacoste e seu grupo, reunido em torno da revista Hérodote, cujo
primeiro número foi editado em 1976, mesmo ano do mencionado livro A
geografia – isso serve, em primeiro lugar, para fazer a guerra”. O subtítulo da
Hérodote passou a ser “Revista de geografia e de geopolítica” e logo ela se
transformou no mais importante periódico geográfico acadêmico da França (pela
tiragem de trinta mil exemplares a cada número). Também nos Estados Unidos
essa proposta de fazer uma “geopolítica crítica” foi adotada em alguns meios
acadêmicos e originou várias pesquisas, ensaios e livros.
A bem da verdade foi, sobretudo a conjuntura internacional dos anos 70 e
80 - e não apenas a iniciativa isolada de tal ou qual pessoa ou grupo - que
impulsionou essa retomada dos estudos geopolíticos. Era uma época em que se
pensava seriamente no holocausto nuclear, na terceira guerra mundial. A corrida
armamentista atingia cifras astronômicas no período - os gastos mundiais com
armamentos alcançavam por volta de oitocentos bilhões até um trilhão de dólares
por ano nessas décadas. Logo, pensar a guerra (ou opor-se) tomou-se uma
necessidade imperiosa para os movimentos sociais, as instituições de pesquisas
e os intelectuais em geral. Naquele período não era possível refletir sobre o
futuro da humanidade - ou mesmo sobre os ideais socialistas, por exemplo - sem
se defrontar com a questão da guerra. Além disso, passadas três décadas do
final da Segunda Guerra Mundial, as feridas já estavam em grande parte
cicatrizadas – ou seja, aquela geração que vivenciou a guerra e que tinha, com
motivos pertinentes, sérios ressentimentos contra a geopolitik alemã, já não se
encontrava mais em posições de mando na vida política ou no mundo acadêmico
–, o que significa que, em meados dos anos 70, retomar a geopolítica não era
mais algo considerado impróprio ou até perigoso, tal como tinha sido nos anos
50. E logo a seguir, com as mudanças radicais ocorridas entre 1989 a 199 I – a
crise do "mundo socialista", o final da União Soviética e as redefinições no mapa-
múndi –, indagar a respeito da nova ordem mundial – e, conseqüentemente, a
respeito de quem vai dominar o século XXI, qual é ou quais são ou serão as
novas grandes potências, como ocorre o exercido do poder no planeta etc. -
impôs-se como um novo e importante objeto de pesquisas e reflexões.
Mas se o rótulo, geopolítica foi retomado, pelo menos por alguns, os
métodos e os pressupostos fundamentais dos geopolíticos considerados
49
clássicos foram deixados de lado. Isso porque a realidade mudou e não é mais
possível explicá-la, se é que alguma vez foi, pelo approach clássico. Na época da
globalização e progressivo enfraquecimento dos Estados nacionais, de revolução
técnico-científica e seus efeitos sobre o poderio (inclusive militar) de cada
Estado, aqueles pressupostos fundamentais caducaram. Veja-se, por exemplo, a
questão do que seria hoje uma "grande potência mundial", juntamente o tema
privilegiado do pensamento geopolítico. De acordo com os autores clássicos e
seus seguidores, inclusive a “escola geopolítica brasileira”, que teve grande
importância no país durante décadas, uma grande potência seria um Estado com
uma população e principalmente um território enormes e uma ótima capacidade
militar (o que incluiria soldados, armamentos e estratégia). Mas os países que
seguiram essa via nas ultimas décadas apenas despediram inutilmente recursos,
e isso por vários motivos.
Em primeiro lugar, a corrida armamentista do pós-guerra até a década de
1980 – que, no limite, implicava a posse de armamentos nucleares – chegou um
beco sem saída na medida em que o excesso de gastos militares
comprovadamente atrapalha o desenvolvimento da economia civil e, além disso,
as armas mais caras e pesadas, as bombas nucleares e termonucleares,
constituem quase que um elefante branco: calcula-se que o uso de apenas 10%
delas (levando em conta a quantidade que existia em 1980) ocasionaria uma tal
modificação na biosfera que tornaria inviável a vida humana no planeta. Além
disso, a enorme destruição física e demográfica que esses armamentos
ocasionam geraria uma espécie de “vitória de Pirro”, pois o objetivo da guerra é
fortalecer-se usufruindo dos recursos conquistados e não exterminar o inimigo e
contaminar a biosfera. Foi basicamente por esse motivo que os Estados Unidos
retiraram suas tropas do Vietnã em 1974, preferindo admitir a derrota a fazer uso
desse tipo de armamentos; e o mesmo ocorreu com os soviéticos em 1989, que
abandonaram o Afeganistão sem tentar essa “ultima cartada”, ou seja, o uso de
bombas nucleares. E é exatamente por isso que atualmente as economias
desenvolvidas, a partir do exemplo pioneiro dos Estados Unidos, preocupam-se
mais com a tecnologia de ponta a armamentos de precisão em vez de se
preocupar com aqueles de destruição em massa.
Em segundo lugar, a recente Terceira Revolução Industrial, ou revolução
50
técnico-científica, vem diminuindo gradativamente a importância dos recursos
naturais (minérios, solos, espaço físico enfim) ao utilizar técnicas de
biotecnologia para produzir mais alimentos com bem menos espaço, inclusive em
locais antes considerados impróprios para a criação ou o cultivo, ao economizar
fontes de energia ou matérias-primas (por meio da reciclagem e do uso de
tecnologias que produzem menores desperdícios) e ao substituir certos materiais
escassos por outros mais abundantes. Ela também, com os avanços da
informática e da robótica, vem desvalorizando a mão-de-obra barata e mesmo os
soldados pouco qualificados (ou seja, uma população tão-somente numerosa,
sem boa escolaridade ou elevado poder aquisitivo).
Com isso, desde pelo menos a década de 1980 - e mais ainda nos anos
1990, após o final do "mundo socialista" e da guerra fria – ficou claro que uma
grande potência mundial é antes de tudo um Estado (ou uma confederação,
como no caso da União Européia) que possui tecnologia moderna, com uma
força de trabalho qualificada (o que pressupõe um elevado nível de
escolaridade), e não aquele que possui basicamente um grande território, nume-
rosa população, boa estratégia militar e armamentos pesados. O Japão foi o país
que melhor simbolizou essa mudança de enfoque. Podemos contrapor esse
exemplo ao de outros países, como a Índia ou principalmente o Paquistão, que
seguiram caminhos opostos ao nipônico.
De país arrasado pela guerra de 1939-45, considerado até
subdesenvolvido nos anos 1950, o Japão deixou de lado o militarismo e a
expansão territorial e enfatizou a pesquisa tecnológica, a educação pública de
boa qualidade para todos e o esforço no sentido de uma industrialização com
progressivo controle de qualidade dos produtos, chegando a ser considerado, já
nos anos 80, uma grande potência em ascensão, em condições de participar da
disputa pela hegemonia mundial no século XX. Já a Índia e o Paquistão, com
territórios e populações bem maiores que os do Japão, deixaram de lado (algo
que parece estar mudando na Índia atual) todos aqueles setores priorizados pelo
Japão e adotaram estratégias mais coerentes com a geopolítica clássica,
chegando inclusive a fabricar bombas atômicas. Mas nem a Índia e tampouco o
Paquistão foram ou são considerados grande potências mundiais nem são tidos
como sérios candidatos a esse status.
51
A Geopolítica Americana no Pós Guerra-Fria
O presente texto pretende demonstrar e debater as contradições que têm
marcado a política externa dos Estados Unidos da América após o término da
Guerra-Fria. Tal fato tem apontado para mudanças de paradigmas no controle
político e nas relações internacionais, agora marcados por um mundo
crescentemente partido e unificado a um só tempo. A potência imperial
americana, tradicionalmente ligada aos temas clássicos da estratégia e das
relações de poder, é vista, aqui, do ponto de vista da influência que os aspectos
econômicos (hoje mais importantes), políticos e culturais têm na sua estabilidade
hegemônica.
Ao se fazer uma análise da geopolítica dos Estados Unidos parece pos-
sível identificar, a grosso modo, três períodos marcados alternadamente pela
predominância das dimensões militar, política ou econômica na estratégia das
relações internacionais desse país. As três dimensões sempre se fizeram sentir,
mesmo com a predominância de uma sobre as demais, na estratégia
intervencionista (com maior ou menor ênfase) da potência americana, desde as
suas origens, como Estado-nação.
Até a Segunda Guerra Mundial, predominou a dimensão militar ao
sustentar o expansionismo econômico e político, mesmo que houvesse alguns
curtos períodos de maior visibilidade da dimensão política. Durante a Guerra-Fria
foi a dimensão política marcada pela concepção realista, alavancada pela militar
e econômica, que ganhou ênfase. Atualmente, no período pós Guerra-Fria, é a
dimensão econômica, enfatizada pela concepção globalista, que domina as
dimensões política e militar, na estratégia das relações internacionais dos
Estados Unidos.
O objetivo central deste estudo é examinar as ações geopolíticas do
estado norte-americano no período posterior ao término da Guerra-Fria, em fins
do século XX, fortemente marca das pelas concepções (neo)-realista e globalista,
alternadamente ou, até mesmo, combinadas. A fusão da concepção realista (ou
neo-realista) com a internacionalista-globalista tem sido dominante a partir dos
anos oitenta, tornando-se mais importante durante o governo Clinton, quando o
52
discurso globalista foi tingido com doses de realismo (a política do
intervencionismo seletivo). Ao que parece, o atual governo de George W Bush
amplia a importância dessa concepção realista (retomada da política bélica) sem
abandonar o globalismo (base da ação econômica) ao manter o intervencionismo
seletivo (ação externa somente quando os interesses norte-americanos forem
atingidos) e ao praticar um unilateralismo no não cumprimento de diversos
acordos internacionais, sem levar em consideração a posição de parceiros e
aliados.
Algumas indagações balizarão esta reflexão e acabarão por definir as
distintas partes do estudo apresentado, que se voltará apenas para a dimensão
externa da problemática internacional da geopolítica americana sem, aqui, levar
em consideração os rebatimentos da relação sociedade-Estado em sua
expressão interna. Como se mantém a expansão planetária dos Estados Unidos
e que prioridades têm sido estabelecidas? Como se apresentam os dilemas,
contradições, dubiedades e incertezas da política externa norte-americana neste
início de milênio?
Temos plena ciência de como fica incompleta esta análise por ficarem
pouco destacadas importantes contribuições, de diversos autores, como as de
Wallerstein com suas influências braudelianas, Paul Kennedy (e seu declinismo
dos impérios), Huntington e seu paradigma civilizacional, que Chiappin (1994, p.
39) qualifica de "neo-realista", além de outros que contribuíram para a
compreensão de tão complexa problemática, como a das relações internacionais
e da geopolítica, na última década. Importante discussão a respeito das "Novas
Geopolíticas" foi desenvolvida por Vesentini (2000) quando analisa as idéias dos
principais autores que influenciam, atualmente, esse campo do conhecimento. O
caráter resumido deste artigo nos obriga a referências esporádicas. Entretanto,
mesmo sem aprofundar o pensamento desses autores, tentaremos dialogar com
suas idéias ao longo do trabalho.
Kennedy (1989 e 1923) além de prevenir para o declínio dos Estados
Unidos como potência planetária, adverte para os crescentes conflitos, fruto das
disparidades, entre Norte e Sul ao analisar os desafios que se apresentam para o
século XXI, destacando os problemas decorrentes das migrações em massa para
os países centrais e do "excessivo crescimento demográfico nos países
53
periféricos" (Rua, 1998, p. 57). Em síntese, critica os países ricos pela forma
como exercem a hegemonia mundial e alerta para os riscos que correm ao
menosprezar as relações Norte-sul.
Huntington (1994) ao advertir para o inevitável declínio do Ocidente em
relação ao resto do mundo, chama atenção para a importância dos laços
civilizacionais, superando, inclusive, os econômicos e políticos, nas relações
internacionais. Defende posições realistas ao propor atuação seletiva
(diferenciada) dos Estados Unidos em cada situação e para cada país, nos
conflitos internacionais que deixariam de ser de ordem político-militar ou
econômica e passariam a ser de ordem civilizacional. Demonstra sua preocu-
pação com as idéias de multiculturalismo que poderiam conduzir a um Choque
de Civilizações dentro dos Estados Unidos, caso ocorra uma
"desamericanização" provocada pela crescente importância dos imigrantes na
sociedade americana.
A impossibilidade de trabalhar com muitos autores, por mais significativos
que sejam (Thurow, Naisbitt, Fukuyama, Lacoste dentre outros), explicita os
limites deste trabalho. Entretanto, mesmo de maneira incompleta, procurou-se
abranger as principais concepções que têm balizado a atuação dos Estados
Unidos como potência planetária. Como não faremos estudos comparativos, fica
pouco contemplada a abordagem relacionada às relações de poder que examina
o caráter hierárquico dos estados dentro de ordem mundial e a capacidade deles
influírem na mudança de comportamento de outros estados, tão importante para
se entender um mundo simultaneamente uni e multi-polar como o atual. Da
mesma maneira, o paradigma civilizacional de Huntington, que pretende substi-
tuir o paradigma realista e a estratégia da contenção nas relações internacionais,
e que, para Chiappin (1994), apenas troca o “inimigo” substituindo os soviéticos
pelas civilizações não-ocidentais, fica pouco enfatizado (e criticado).
Faltaria incluir, ainda, num estudo mais completo, a visão originária da
economia política (como a análise da organização política da economia-mundo
de Wallerstrin), segundo a qual não se pode compreender a geopolítica sem
considerar a dinâmica da economia global. Na abordagem wallersteniana,
considera-se as ligações entre os processos de acumulação de capital, com-
petição por recursos e política externa como parte de um singular e
54
interdependente sistema global no qual o capitalismo determina o caráter e a
configuração dos estados.
Vesentini (2000, p. 40) critica Wallerstein ao afirmar:
Mas o grande problema dessa construção teórica é pretender deduzir as partes do todo - a lógica do sistema-mundo precede as ações dos atores (Estados, empresas, associações internacionais) - e, com isso, perde-se a contingência das ações humanas, perde-se enfim a política entendida como o entrecruzamento conflituoso de ações/projetos de grupos com vistas ao exercício do poder.
Concordando com Vesentini quanto ao caráter quase-determinista da
relação todo/partes que, num estudo dos Estados Unidos nesta perspectiva,
seríamos induzidos a considerar esse país como equivalente ao sistema/mundo,
mesmo assim, esta abordagem será uma das bases da análise que faremos
sem, entretanto, enfatizar exageradamente os aspectos econômicos, como é
comum entre os autores que utilizam esta linha de interpretação das relações
internacionais.
Wallerstein (1998), ao analisar o papel dos Estados Unidos, por vezes
aproxima-se de Kennedy e seu declinismo e de Huntington e o choque das
civilizações, como se percebe em Wallerstein (1998, p. 19) quando escreve que:
Parece senso comum que, dado o declínio relativo da força econômica dos
Estados Unidos, o sistema mundial tornou-se uma tríade, o que significa que há
agora três loci ou núcleos centrais, em torno dos quais, a economia está
organizada, e que estes três são suficientemente competitivos uns com os outros
para que nenhum dos três, agora ou no futuro imediato, possa com facilidade se
distanciar dos demais.
Alega em seguida que esta distribuição em tríade foi, inicialmente, percebida
apenas como fenômeno econômico, mas que não pode deixar de ter implicações
geopolíticas. Na mesma página, adiante, afirma que:
Os Estados Unidos permanecem sendo, nos anos noventa, de
longe, o maior poder militar do mundo, o que é ainda mais verdadeiro se
considerado o colapso da URSS. Mas esse é um poder que tende a se esvaecer,
em decorrência do declínio de sua base de sustentação e de sua legitimidade
55
internas (Wallerteuin, 1998, p.19).
A seguir, apresenta uma interessante contribuição à geopolítica, ao se
preocupar com o domínio do espaço mundial, quando faz uma análise das
relações entre os três núcleos da tríade mundial e a possibilidade de se tornarem
uma díade. Escreve Wallerstein (1998, p. 21) que os três núcleos da tríade vêm
reunindo forças ao construírem "redutos protecionistas" ("networks" regionais),
para futuras expansões, e que neste quadro, o resultado da batalha para reduzir
a tríade a uma díade será mais provavelmente a aliança do Japão e dos Estados
Unidos do que a associação de qualquer um deles com a Europa. Os motivos
não são principalmente econômicos, por que economicamente qualquer uma das
três combinações poderia ter bons resultados. As razões são políticas e culturais
(Wallerstein, 1998, p.22).
Para ele, o cenário provável é uma díade formada, de um lado, pela Europa
e a Rússia e, do outro, pela aliança tripartite: Estados Unidos, Japão e China.
Como veremos no final deste texto/estudo, há muitas controvérsias com
relação ao papel dos Estados Unidos no mundo atual. O mais provável é que os
principais autores, cada um com sua própria abordagem, tenham parcelas de
razão. O mundo tornou-se tão complexo que, simultaneamente, pode se
perceber declínios, expansões, choques culturais, ameaças e defensismos nas
relações Norte-Sul, uni, multi e a-polaridades. As duas últimas décadas têm
desmentido as previsões e demonstrado como há espaço para a contingência e
para novos atores no cenário global. Se for inconteste, até o momento atual, a
supremacia norte-americana e se o papel deste país é dominante na tríade, tam-
bém é preciso observar que novos fatos surgem a todo o momento (basta
lembrar a devastadora ação terrorista de 11 de setembro de 2001 contra os EUA
para se perceber como se torna quimérico o projeto isolacionista do governo
George W. Bush) e influem no desenrolar dos acontecimentos. Como se verá ao
longo do trabalho, iremos valorizar os Estados Unidos, nosso objeto de estudo,
como potência dominante nos campos político, econômico e cultural. Entretanto,
afastamos qualquer idéia de determinismos ou teleologias e, temos ciência, que
se hoje esse país é dominante, existem, no momento, movimentos em marcha
que podem criar fatos novos e alterar o quadro geral. Referimo-nos a iniciativas
de organização da sociedade civil em nível supranacional e à ação das ONGs,
56
numa outra leitura da concepção globalista/internacionalista. Torna-se difícil
escolher uma única abordagem (concepção) e nela permanecer, sob pena de se
perder a riqueza que a pluralidade de análises pode oferecer na análise da
complexidade do mundo atual.
Uma década após o fim da Guerra-Fria, os EUA pareciam estar à procura
de uma nova doutrina (que substitua o Destino Manifesto - crença do cidadão
comum, pouco informado) e de uma nova leitura que lhe permita redefinir suas
relações com o resto do mundo. Quais são os termos de referências e de
comparações históricas mais apropriados para compreender os desafios com os
quais os EUA se confrontam nos dias atuais?
É necessário comparar a fase isolacionista dos anos 1920-1941 com aquela
de intervencionismo total dos anos 1941-1991 para concluir que os EUA parecem
inventar um terceiro modo (a que alguns chamam de globalista ou globalista/
internacionalista, como já visto) de engajamento, que ultrapassa os dois
primeiros. Será que está definido que haverá somente as duas formas de
intervencionismo encarnadas pelos presidentes americanos Woodrow Wilson e
Theodore Roosevelt, retomadas recentemente (anos 70-80) no debate entre os
realistas Henry Kissinger e Brezínski sobre a missão dos EUA perante o mundo?
Este debate está em aberto e muda sempre de acordo com os acontecimentos
mundiais e as perspectivas e resultados das eleições americanas, naturalmente.
Baseados em Jacquet e Moisi (1996, p. 262), lembramos que os Estados
Unidos desejaram engajar-se nas relações internacionais para transformá-Ias,
impor a vitória da moral sobre o mal e celebrar o "triunfo universal do bem" para
usar expressões de Wilson. Um tal mundo seria governado pelo direito
internacional e tais princípios só poderiam ser aplicados, em seu universalismo, à
humanidade inteira.
Visão moral ou visão estratégica? Para os internacionalistas realistas,
segundo a visão de Roosevelt, as idéias de Wilson são generosas e belas, mas
impraticáveis e foram rejeitadas pela maioria dos americanos quando este
presidente não conseguiu apoio para a "Liga das Nações", no pós-Primeira
Guerra. Para complicar mais ainda esse quadro e não ficar tão marcada a dife-
rença entre o bem e o mal, encarnada na figura dos dois presidentes referidos
acima, é preciso lembrar que se Roosevelt foi claramente intervencionista, com a
57
sua política do “Big Stick”, Wilson, apesar de seu discurso idealista, foi
responsável por algumas intervenções na América Latina. O México que diga...
O comportamento dos Estados Unidos frente ao mundo guarda, ainda,
traços de suas origens como estado-nação. Ao se proclamar independentes, a
América, em nome da liberdade religiosa e da filosofia do Iluminismo, se ergueu
como uma anti-Europa. Face à Europa da intolerância e da guerra, a nascente
nação opunha a vontade de criar um mundo radicalmente novo. Ocupados em
expandir seu território de leste para oeste e para sul e em forjar uma identidade
nacional graças à Guerra Civil (1860 – 66), os EUA muito lentamente (e com
reticências) tomaram (tomam) consciência de sua nova potência.
Será Theodore Roosevelt quem fará os Estados Unidos entrarem como ator
protagonista na cena internacional. Quando chegou ao poder em 1901, a
América já era, economicamente, um dos grandes. Sua produção industrial já
representava entre 20% e 25% da produção mundial e já atuava em numerosos
conflitos internacionais como mediador. Para Roosevelt, que, antes de se tornar
presidente, fazia parte do mesmo grupo de Mahan, as relações internacionais
eram relações de força. Era necessário “speak softly and carry a big stick”.
Acreditava que a missão internacional da América era, a partir de sua posição
geográfica de equilíbrio de forças que a Grã-Bretanha havia desempenhado ao
longo do século XIX. A potência industrial, que se apresentava ao mundo, exigia
a fusão da economia com a política e a estratégia, que Mahan tão bem
explicitava.
Foi muito gradativamente e a contragosto que a América tornou-se uma
potência imperial.
Isso foi resultante de três fatores:
1. A Segunda Guerra Mundial e a Guerra-Fria colocam a América no centro
do sistema internacional, impondo-lhe responsabilidades que só ela
poderia assumir face à ameaça soviética, depois da derrocada da Europa;
2. A percepção da vulnerabilidade dos Estados Unidos (depois de
3. Pearl Harbor e da nuclearização do mundo) demonstrou que o pais não
podia se desinteressar do resto do mundo, pois o mundo poderia se"
interessar" pela América.
58
4. A guerra do Vietnã que fez com que a América descobrisse a “tragédia’
(fartamente explorada pela mídia) e a complexidade do mundo “exterior”“.
Num Mundo marcado por tal complexidade, a América não se sente à
vontade para traçar políticas e prioridades e encontrar um novo modo de
funcionamento com seus aliados já que tem alternado posições de parceria com
atitudes unilaterais de líder inconteste, principalmente em termos militares.
Ainda, com os mesmos autores (1996, p. 265), em termos econômicos,
entretanto, é com seus aliados que surgem os maiores problemas nas rodadas
internacionais.
Por quê ser "Xerife" do mundo
ou os dilemas continuam
A América gostaria de continuar a ser a potência número um, mas ao
menor custo possível e com o menor risco para seus soldados. O que pode ser
entendido como intervenções rápidas e retiradas o mais rápidas possível, antes
que a opinião pública se mobilize contra tais intervenções.
Vista no contexto internacional, a política externa americana parece
definida apenas, com relação aos contatos comerciais, num mundo
desigualmente globalizado, onde a agressividade é absoluta. A prioridade
geoeconômica ultrapassa aquela puramente geo-estratégica e se traduziu nos
anos Clinton, por uma agressividade quase guerreira no comércio exterior. Para
ganhar mercados e reforçar sua competitividade internacional, a América tem
utilizado todos os meios, inclusive pressões políticas sobre os compradores e
vendedores. Utiliza-se, cada vez mais, das atividades de espionagem industrial
desenvolvidas pela ClA, para as quais são dirigidas as maiores energias
liberadas com o fim da Guerra-Fria. Isto ficou bastante evidente na recente crise
(junho de 2000) em que a União Européia denunciou a espionagem industrial
americana (com a cumplicidade da Grã-Bretanha), no setor aeronáutico, nas
duas últimas décadas.
A mesma América "generosa" com seus aliados nos anos 50-70 (no
contexto da Guerra-Fria) torna-se "brutal" na defesa das firmas americanas e do
livre-mercado, o que vem desagradando a europeus e japoneses e cria novas
59
tensões entre "aliados”. O que se pode observar é que, em início do século XXI,
a América não tem os meios (nem vontade) de dominar o mundo, mas também
não tem a possibilidade de se retirar do papel de protagonista nas relações
internacionais.
Assim, o que se percebe, é que as crises que abalaram a economia
mundial, desde os anos 70, foram ultrapassadas pelos Estados Unidos com base
em dois movimentos de reafirmação da hegemonia americana: no plano
geoeconômico, a chamada diplomacia do dólar, ao transformar a moeda
americana em dólar financeiro (e não apenas dólar monetário, como é então)
capaz de acelerar o processo de globalização financeira, que tem sustentado a
supremacia econômica dos Estados Unidos; no plano geopolítico, a chamada
diplomacia de armas (Tavares e Melin, 1998, p.55) que marcaram,
profundamente, o funcionamento e a hierarquia das relações internacionais a
partir do começo dos anos 80 e cujos efeitos ainda se fazem sentir ao
inaugurarem uma nova divisão internacional do trabalho.
Dizem os mesmos autores (p.56) que:
Do ponto de vista geopolítico, a partir da derrota da ex-URSS e do desmonte da velha “ordem bipolar”, criou-se uma situação de instabilidade estrutural em que a tendência a uma hierarquização do poder político internacional centralizada na potência hegemônica - apesar de não haver consolidado um domínio (“imperium”) que garantisse a supressão dos conflitos inter-nacionais pelo exercício de uma "gendarmerie" global permanente -limita, decisivamente, a eficácia dos Estados Nacionais como agentes de poder soberano, comprometendo, inclusive, sua capacidade de regulação econômica e proteção social.
Essa ênfase no geopolítico marcado, fortemente, pelo geoeconômico
demonstra como a concepção globalista/internacionalista vai ultrapassando a
concepção realista/neo-realista. Entretanto, os Estados Unidos não são o único
ator na cena contemporânea e mesmo sendo pressionado internamente para
abandonar a política intervencionista, diversas situações internacionais impedem
que tal intento seja levado a cabo, até mesmo por que o poderoso "lobby" da
indústria armamentista não cessa de agir...
Moisi (1998, p. 61) nos relata que em um discurso pronunciado em 5 de
junho de 1997, na Universidade de Harvard, para celebrar o 50° aniversário de
60
lançamento, nesse mesmo local, do Plano Marshall, Madeleine Albright (então
Secretária de Estado do governo Clinton) apresentou a nova filosofia
internacional dos Estados Unidos: a celebração de que os Estados Unidos eram
o líder mundial e que a América não desejava ser o único responsável pelo
mundo.
Aí foram definidas algumas prioridades da política externa americana,
mostrando uma nova geografia estratégica marcada por interesses políticos e
econômicos, e apresentadas algumas ações que a implementariam.
1. Estabelecer uma nova arquitetura de segurança para o continente europeu
estável, unificado e democrático, ao mesmo tempo em que se assina um
novo pacto de segurança com a Rússia;
2. As relações com a China, que, recentemente, tomou o primeiro lugar nas
atenções dos americanos ao encontrar no nacionalismo uma ideologia de
substituição do comunismo. A possibilidade de um realinhamento do Japão
com os Estados Unidos, com a China sendo pressionada para dele
participar, parece dar razão às formulações de Wallerstein, antes referidas.
3. Favorecer o fortalecimento de um sistema econômico internacional ainda
mais aberto, incentivando a participação de todos os países (inclusive da
China) nos organismos reguladores.
4. Controlar as problemáticas "novas", não relacionadas, diretamente, às
relações entre estados: a luta contra o tráfico de drogas; o terrorismo; os
riscos de proliferação de armas nucleares; a proliferação internacional do
crime.
Diversos acordos têm sido assinados com os países do Caribe e alguns da
América do Sul sobre o combate ao tráfico de drogas. Desde que a ameaça
subversiva diminuiu, o combate ao tráfico de drogas aparece como uma
legitimação presença dos EUA no Caribe e na América Latina, mesmo da
presença militar. É claro que não se pode minimizar o interesse americano no
Caribe, seu tradicional "quintal" de atuação. Basta lembrar a importância que o
canal do Panamá ainda desempenha nas ligações leste-oeste dos EUA e no
fluxo de importação de petróleo bruto.
61
Uma estratégia particular para integrar as Américas, de tal forma que se
neutralizem as investidas econômicas das outras potências.
A respeito desta prioridade dos Estados Unidos, tentaremos lançar um
olhar mais aprofundado.
Um relançamento das relações interamericanas, iniciado pelo presidente
Bush em sua "iniciativa para as Américas", desembocou, em 1994, na primeira
"Cúpula das Américas" que aprovou a criação da ALCA que irá integrar todo o
continente americano, tendo como horizonte o ano de 2005.
Os EUA tentam, com esse projeto, contrabalançar a importância dos
europeus e japoneses no comércio com os países da América. A título de
exemplo, pode-se ver que o comércio do Mercosul com os Estados Unidos é
equivalente àquele que se realiza com a Europa e com o Japão, reunidos. Por
outro lado, há alguns acordos de parceria entre o Mercosul e a Europa que
demonstram, pelo menos na intenção, um não atrelamento exclusivo às relações
comerciais com os Estados Unidos.
Para se entender as perspectivas de sucesso dessa integração das
Américas, é preciso levar em consideração as políticas desenvolvidas por alguns
países latino-americanos que, por mais contraditório que pareça, sugerem que há
resistência a uma integração passiva à ALCA. O governo George W. Bush
retoma as discussões e "dociliza" as divergências, como ficou patente na "Cúpula
das Américas", realizada no Canadá em 2001.
Uma análise precisa é apresentada por Costa (1999, p. 28) quando chama
atenção para algumas questões relacionadas à integração sul-americana no
Mercosul e as previsíveis dificuldades antepostas pelos Estados Unidos a essa
integração, na busca do fortalecimento do projeto ALCA.
Afirma o autor que enquanto bloco comercial (os países do Mercosul) tem
enfrentado a competição nos mercados mundiais em posição mais vantajosa que
se isolados, como no passado. Isto inclui certa agressividade seletiva (questões
de tarifas externas e demandas junto à OMC) em face de determinados
concorrentes, combinada a políticas (também seletivas) de parcerias
estratégicas, caso de alguns acordos multilaterais, de comércio, como o firmado
62
recentemente com a União Européia.
Demonstra, mais adiante, as pressões norte-americanas sobre os atuais e
potenciais integrantes do Mercosul com vistas à aceleração da constituição da
ALCA e quão acertada é a posição brasileira de "dar um tempo" para período de
estudos sobre o assunto, enquanto ressalta o autor, que seja inevitável a
discussão futura dessa temática, para a qual é preciso acumular forças.
Costa (1999, p. 29) aponta para as intenções claras de integração da infra-
estrutura de todo o continente sul-americano, em termos de rodovias, ferrovias e
hidrovias, além da acalentada integração econômica Mercosul e Pacto Andino.
Apresenta o referido autor, uma rearticulação territorial em nosso
continente, com base na interação de diversos vetores, e que pode conduzir para
novos arranjos territoriais, que são: articulações meridionais, formadas pelos
países do Mercosul; articulações orientais, centradas em São Paulo e que
constituem um subsistema das articulações meridionais; articulações ocidentais,
formadas, grosso-modo, pelo Centro-Oeste brasileiro, pela Amazônia Ocidental,
pela Bolívia e pelo Peru; articulações setentrionais, formadas pela Amazônia do
Norte-Oriental e Colômbia, Venezuela e as Guianas, onde se desenvolvem
diversas iniciativas brasileiras de integração regional.
Este movimento integrador demonstra a intenção de fortalecer o
continente nas futuras negociações com a ALCA.
Há obstáculos situados em países como a Colômbia, tão pressionada pelo
governo norte-americano, e que deseja uma integração imediata com a NAFTA
(o que será um passo a mais na direção da ALCA), além de rejeitar a proposta de
acordos bilaterais de livre-comércio, apresentadas pelo Brasil (Leo, 2000, p. A5).
Entretanto, a extroversão planejada/induzida das economias da região
prossegue juntamente com as suas estratégias de enlaces preferenciais nas
escalas regional e global, como volta a nos mostrar Costa (1999, p. 28-29).
Tudo isto ocorre simultaneamente à crise Argentina, de 2000-2001, que
põe em risco a integração econômica do Mercosul e amplia a possibilidade de
intervenção dos Estados Unidos nesse bloco.
Concluindo... com muita dificuldade...
63
Ao se estudar um país como os Estados Unidos, percebe-se quão
complexo se torna compreender as múltiplas realidades que se apresentam. De
um lado, os grandes dilemas que, desde a fundação da nação, marcam a
sociedade americana: federalismo ou localismo; agrarismo ou industrialismo;
utopismo humanitário ou pragmatismo; liberalismo ou intervenção do Estado;
homogeneização cultural ou multiculturalismo; isolacionismo ou
internacionalismo/intervencionismo relacionados aos diversos tipos de
realismo/globalismo etc. Na verdade, esses e outros dilemas, que não são
exclusivos da sociedade americana, têm tido uma leitura própria que tem
provocado seguidos paradoxos e intensas polaridades diante dos quais a
"gangorra política" tem se apresentado quase sempre oscilante, como bem o tem
ilustrado a atuação dos Estados Unidos como potência planetária.
Ramonet (1996, p. 7), ao analisar o "século americano", enfatiza a
recuperação política e econômica dos EUA, nas últimas décadas (acordos do
GATT/OMC, NAFTA), no plano mundial, ao mesmo tempo em que aponta para o
novo modelo americano baseado no Estado reduzido, na precariedade social e
na expansão das comunicações em todas as suas formas.
Diz o referido autor que a partir da intervenção americana na Primeira
Guerra Mundial começa a se falar, na Europa, de "modelo americano", que seduz
a partir das imagens mostradas por seus filmes; modelo de vida "à americana"
que vai marcar, culturalmente, gerações de jovens no mundo inteiro. A América,
definitivamente, para o melhor e o pior, passa a ser sinônimo de modernidade.
Os anos 60 (com os assassinatos dos Kennedys, de Malcolm X, Luther King,
com a explosão dos guetos urbanos, dentre outros fatos importantes) marcam o
despertar do sonho e o despertar é brutal. A crise de Cuba, as intervenções
militares (sempre antidemocráticas) na América Latina, as ações no Oriente
Médio, sempre ao lado de Israel, e, sobretudo, a guerra do Vietnã e suas
atrocidades, que duraram até 1975, tornam-se pesadelos para o cidadão comum.
A queda de Saigon marca o fim de um tempo - o fim de uma América
branca, segura dela mesma e dominadora. Os problemas internos explodem com
a questão das minorias negras (sobretudo) e a febre libertária dos anos 60. A vio-
lência e as drogas devastam as grandes cidades onde o equilíbrio demográfico
se modifica. Os brancos partem para os subúrbios distantes, confortáveis e
64
seguros, enquanto os negros e os hispânicos ocupam as áreas centrais
abandonadas.
Nos anos 70 e 80, embora dominando militarmente e economicamente, a
América deixa de ser, para muitos, o modelo desejado de sociedade. O Japão e
a Alemanha aparecem como rivais no bloco ocidental. Quanto à URSS...
A queda do muro de Berlim muda completamente o quadro. A implosão da
URSS, em 1991, vem quase junto com a vitória americana na Guerra do Golfo.
Pela primeira vez sem rival, os EUA dominam enfim o mundo. E, no entanto, sua
sociedade está mais doente do que nunca. Bush ganhou a Guerra do Golfo, mas
perdeu a guerra (e as eleições) interna para o desemprego, a discriminação, em
suas diversas faces, as cidades deterioradas, a insegurança e as marcantes
desigualdades que se acentuam.
Ao escolher Clinton, os americanos sinalizaram as prioridades: o retorno
aos problemas internos e ao progresso social que acabaram por conseguir, sem,
entretanto sanar muitos daqueles problemas. A diplomacia americana domina na
política internacional, onde fIxa prioridades (negociações de paz – Oriente Médio,
Bósnia – e intervenções militares), principalmente no campo das negociações
comerciais do GATT/OMC, que consagra o triunfo do livre-comércio, criação do
NAFTA, dominada pelos EUA. O resto fica em segundo plano. A desconfiança
nas organizações internacionais, como a ONU, da qual é o principal devedor, a
diminuição das contribuições financeiras (a ajuda à África foi reduzida em 35%)
têm marcado a política americana que, embora sem discurso armamentista,
continua a ser o maior produtor e comerciante de armamentos do mundo.
Ao se mudar os rumos deste trabalho, quando se tratou de uma nova
geopolítica, muito mais próxima da geografia política, tentou-se, além de
enriquecer a análise, demonstrar como, na fase atual das relações internacionais,
os marcos são outros. Não são as posições físico-geográficas que interessam e
sim as posições político-econômico-cultural-geográficas, numa enorme
complexidade, em uma espécie de fusão entre as idéias de Wallerstein,
Huntington, Aron e outros, mas sem esquecer Mackinder e Spykman
(redescobertos neste final de século), para só falar de alguns.
Os anos 90 demonstraram que, ao mesmo tempo em que se apresentam
novos alinhamentos, em grandes blocos econômicos (onde o território e o estado
65
nacional parecem estar enfraquecidos), pode perceber-se o aprofundamento dos
"localismos" em níveis, além do econômico, nos espaços existentes, quando se
volta a valorizar o território em suas diferentes escalas. O nascimento de novos
estados e a reivindicação por fronteiras definidas registra a afirmação de
identidades coletivas, como se voltássemos ao final do século XIX, com a
acelerada balcanização e com as lutas de cunho regional-nacionalista.
Esse movimento contraditório de "valorização" e "desvalorização" do
território é visto por Badie (1229, p.7) quando diz que “os territórios parecem ser
mais do que nunca objetos de paixão" e que cada minoria procura traduzir numa
reivindicação territorial a vontade de se afirmar e se distinguir, num processo de
arrumação e rearrumação dos frágeis mapas do mundo.
Entretanto, é o próprio autor supracitado, que demonstra que "embora se
reafirme, em determinados sítios, a solenidade do princípio territorial, contribui-
se, noutros, para estender as lógicas das redes de relações que retêm uma
parcela crescente, essencial, da atualidade da cena mundial" (1999, p. 7).
Chama atenção, ainda, para a banalização das relações internacionais
com a conseqüente desvalorização do papel político, econômico e social dos
territórios, provocada, principalmente, pelos circuitos financeiros, pelas trocas
comerciais, pela difusão de ondas e de imagens, pelas migrações ou pelas
solidariedades religiosas, culturais e lingüísticas.
Nos últimos anos (final da década de 1990 e início do século XXI), tem
havido um ressurgimento do interesse em estudos sobre o poder e sobre as
relações de poder. Isto trouxe as novas espacialidades do poder para o centro da
discussão, como bem nos mostram Massey et al (1999, p. 171). Para esses
autores, trata-se de se interrogar sobre as maneiras pelas quais o espaço afeta a
operação e a realização do poder; de como o espaço das nações e das fronteiras
pode atuar como diferenciador ou interromper as operações e a influência de
algumas instituições. Assim, o espaço, como território, está presente e atua como
"pano de fundo" nas relações internacionais, continuando a ser importante fator
para a geopolítica.
Esse intrincado jogo de influências dá à geopolítica atual (agora “libertada”
da concepção naturalista de território, que tanto tem marcado a análise realista)
uma carga de referenciais teóricos indispensáveis que, juntando a Geografia, a
66
História e a Ciência Política, permitem uma melhor reflexão sobre este
conturbado mundo, balizado por "ordens e desordens", globalização e
fragmentação onde as relações internacionais estão, ainda, à busca de
regulações e, nelas, de um novo papel para os Estados Unidos que consiga
definir, para esse país, uma nova política planetária, menos marcada pela "razão
cínica" (um discurso não sustentado por ações) que, acoplada ao realismo, tem
predomina o até aqui, mesmo subsumido a outras concepções geopolíticas,
como a globalista, por exemplo.
Sem o confronto que marcou a Guerra-Fria e sem antagonistas de igual
porte, a política externa dos Estados Unidos deixa a retórica de salvador da
humanidade e se baseia em princípios que tornem o mundo mais seguro para os
interesses americanos, extensivos às empresas norte-americanas. Estas não se
desligam de seu país de origem, constituindo para os Estados Unidos uma
questão de política internacional ao lhe fornecer garantias para as atividades que
desenvolvem. A opção pela concepção globalista/internacionalista nas relações
internacionais (com a ênfase nas questões geoeconômicas) se inscreve nesses
princípios gerais que vêm se estruturando na última década do século XX e
parecem prosseguir neste início de século.
A renovada discussão sobre a defesa da auto-suficiência energética
(abertura de reservas naturais no Alaska a empresas petrolíferas e consolidação
da posição americana no Oriente Médio, são exemplos disso) e da supremacia
militar americana (ao ressuscitar a Guerra nas Estrelas, agora com base no
programa de proteção antimísseis) é evidência de preocupação que tempera com
marcas realistas a concepção globalista/internacionalista.
É preciso estar ciente que não existe uma concepção, seja ela de qualquer
matriz teórica, que, sozinha, consiga explicar, coerentemente e de maneira
universal, este complexo jogo planetário que compõe as relações internacionais e
que caracteriza as geopolíticas (ou as geografias políticas?) contemporâneas
que, até agora, têm sido marcadas pela atuação dos Estados Unidos como
potência planetária. O que as novas contingências políticas e econômicas podem
apresentar, fica como desafio para outros estudos.
67
UNIDADE 6 - TENSÕES E CONFLITOS NO CÁUCASO
O Cáucaso é uma das áreas montanhosas do mundo que apresenta
grande complexidade étnica, religiosa e lingüística. De forma bastante ampla, o
Cáucaso designa uma vasta área que envolve conjuntos montanhosos, planaltos,
bacias e vales fluviais, que se estendem desde o Mar Negro até o Cáspio. A
cadeia do Cáucaso propriamente dita corresponde à parte mais importante e
acidentada desse amplo conjunto, estendendo-se por mais de 1.200 quilômetros
no sentido leste-oeste a cerca de 200 quilômetros de largura. Por conta de sua
formação geológica recente, em alguns setores são encontradas altitudes
superiores a 5 mil metros, como é o caso do Monte Elbrus (5,642 metros), ponto
culminante de todo o conjunto.
Em relação aos Estados localizados nessa região, temos o seguinte
quadro: a parte sul, que os russos chamam de Transcaucasia, compreende a
Geórgia, a Armênia e o Azerbaijão, conhecidas como republicas do Cáucaso.
Todas as três fizeram parte da ex-URSS até 1991 e, com a desintegração,
tornaram-se independentes e hoje são filiadas à Comunidade de Estados
Independentes (CEI); na porção setentrional do Cáucaso, região denominada
Ciscaucásia, encontram-se oito repúblicas e regiões autônomas que fazem parte
da Federação Russa.
Os quase 25 milhões de pessoas que vivem na região situam-se numa
zona de contato e confronto de duas civilizações: de um lado a ortodoxa, cujos
maiores representantes são os elementos de origem russa, e de outro a islâmica,
que corresponde a mais de 20 povos. Com destaque para os azeris ou
azerbaijanos, os chechenhos, os ingusbes etc. Na verdade, o Cáucaso
corresponde a uma área de transição entre o “mundo russo” de um lado e o turo-
iraniano de outro.
Do ponto de vista lingüístico, a região é uma verdadeira Babel. Lá soa
encontradas línguas oriundas da própria região, chamadas caucásias, que por
sua vez se subdividem em pelo menos quatro grupos. O grupo mais numeroso
das línguas caucásias é o georgiano. Além disso, existem as línguas de origem
68
indo-européia, como a usada na Armênia, e outras classificadas como do ramo
turco, cujo melhor exemplo é aquela falada no Azerbaijão. No mosaico lingüístico
do Cáucaso são encontradas mais de 40 línguas diferentes, sem contar o russo,
o idioma do grupo civilizacional que se impôs na região nos últimos dois séculos.
A presença Russa
A conquista russa sobre o Cáucaso verificou-se em várias etapas. A
primeira delas aconteceu no reinado de Catarina II (1765 – 1796), quando foram
estabelecidas linhas de defesa russas nos contrafortes da porção setentrional da
região. A parir daí, a conquista seguiu dois itinerários: na parte central,
atravessando os desfiladeiros que permitem cruzar a grande cadeia montanhosa
no sentido norte-sul, e a leste, margeando o litoral do Mar Cáspio.
A segunda fase incluiu-se em 1801, quando da anexação russa da
Geórgia, no ponto a partir do qual se processou a conquista de toda a
Transcaucásia. Por fim, a terceira fase a conquista das regiões ocupadas pelos
aguerridos povos montanheses e que só terminou por volta de 1870. Contudo,
apesar de derrotados, esses povos nunca deixaram de opor resistência ao
domínio russo, como foi demonstrado recentemente no caso do secessionismo
checheno. O desaparecimento do Império Russo e o advento da União Soviética
não mudaram no essencial a situação preexistente.
A tradicional animosidade entre russos e povos do Cáucaso levou alguns
grupos a se aliarem aos nazistas durante a Segunda Guerra, quando os alemães
conseguiram ocupar expressivas arcas da região. A retirada alemã, após a
derrota em Stalingrado (atual Volgogrado) em 1943. fez com que o governo
soviético ordenasse a deportação em massa dos povos que haviam se aliado aos
germânicos em sua curta ocupação.
Assim, entre o final de 1943 e os primeiros meses de 1944, centenas de
milhares de pessoas foram deportadas e colocadas em "lonas de povoamento
especiais· em áreas da Ásia Central, isoladas do contato com outros grupos
humanos, proibidas de usar sua língua materna e vivendo em condições muito
precárias”.
69
E interessante notar que o governo de Stalin não puniu apenas os que se
aliaram aos nazistas, [nas todos os indivíduos componentes do grupo nacional
Passaram por essa situação os karatchais, os baLkars, os chechenos, os
ingushes, entre outros.
Mais tarde, em 1956, três anos após a morte de Stalin, seu sucessor Nikita
Kruchov, reabilitou todos os povos punidos e decretou O retomo aos seus locais
de origem, que em alguns casos já estavam ocupados por outros grupos,
gerando novos problemas que se arrastam até hoje A última tentativa (por
enquanto) de desafio à hegemonia russa no norte do Cáucaso aconteceu na
República da Chechênia, a partir de 1991.
Antes da desintegração da União Soviética, no interior da República Russa
(uma das 15 que formavam a União Soviética) havia uma república autônoma a
da Chechênia-Ingúshia, que reunia os dois povos que lhes davam o nome.
Em setembro de 1991, nos momentos conturbados que antecederam o fim
da União Soviética um militar de origem chechena, o general Djokar Dudaiev,
chegou ao poder. Alguns meses mais tarde. Quando a URSS não mais existia,
Dudaiev se recusou a assinar o tratado de adesão à Federação Russa e
imediatamente, proclamou a independência da Chechênia. Ao mesmo tempo, os
ingushes formaram sua própria república, mas aderiram à Rússia O governo de
Moscou não reconheceu a independência da Chechênia, mas só em dezembro
de 1994 ordenou uma intervenção militar. A desorganização das forças russas e
a encarniçada resistência dos chechenos fizeram o conflito se prolongar por
quase três anos, com um saldo trágico que, segundo algumas fontes,
aproximaram-se de 100 mil vítimas. O ponto central do acordo entre o governo
russo e os rebeldes previa a gradativa retirada das tropas de Moscou da
Chechênia e jogava a discussão do futuro status da república par depois do ano
2000.
Água e petróleo
A configuração do relevo desempenha um importante papel na separação
dás áreas que compõem o conjunto montanhoso do Cáucaso. Assim, tanto nas
áreas mais elevadas como nos planaltos, os vales definem pequenas unidades
70
morfológicas, onde, ao longo da história diferentes grupos se estabeleceram
buscando refúgio. Esse espaço extremamente fragmentado física e politicamente
é local de enfrentamentos entre comunidades diferentes, algumas delas
possuindo rivalidades muito antigas.
A compartimentação do relevo induziu a disposição da rede hidrográfica,
impôs passagens ou contornos as vias de comunicação, separaram diferentes
povos e chegou a influir até no formato dos territórios nacionais. Assim, no flanco
norte da cadeia, o formato dos países é, de forma geral, alongado no sentido
norte-sul, seguindo grosso modo as linhas de penetração que cortam os blocos
montanhosos. Já na Transcaucásia, o formato dos países tende a ser um pouco
mais alongado no sentido leste-oeste, seguindo parcialmente os dois principais
eixos fluviais (rios Koura e Araxe), que cortam a Geórgia, a Alemanha e o
Azerbaijão.
No Cáucaso, além dos conflitos, superpõem-se inquietações permanentes
a respeito do controle dos vales, das águas, das vias de comunicação e também
de oleodutos que atravessam a área a ligações históricas, de sua importância
estratégica e econômica é que a Rússia sempre se interessou por tudo o que
acontece nessa acidentada e conturbada região do planeta.
Voltemos ao Oriente Médio
O colapso das negociações de paz
A violência e a tensão presentes hoje nas relações entre israelenses e
palestinos vêm sendo caracterizadas pela imprensa e literatura especializadas
como o colapso das negociações iniciadas em 1993 em Oslo (Noruega). O
conflito que sustenta o uso de violência a que assistimos diariamente há mais de
um ano é complexo e não pode sequer ser descrito em poucas páginas, o que
dirá ser explicado.
Vamos, então, examinar o diálogo iniciado na década passada, que se
depara agora com seu próprio silêncio. Para Isso, serão considerados três
aspectos que rim contribuindo para o atual insucesso: a estrutura do processo de
negociação, a relação entre política e identidade na região e o papel das
instituições internacionais.
71
Os esforços de negociação
As condições para que israelenses e palestinos considerassem a
necessidade de um acordo negociado foram criadas no começo dos anos 90,
com o fim da ajuda militar e financeira soviética a um conjunto de Estados Árabes
(ao final da chamada Guerra Fria), a inauguração de uma nova rede de alianças
no Oriente Médio durante a Guelra do Golfo e o fracasso das políticas
israelenses diante dos conflitos de baixa intensidade na região (terrorismo,
insurgência e guerrilha).
O processo começou quando diplomatas noruegueses - em particular o
ministro das Relações Exteriores, Johan J. Holst – inauguraram uma versão
original da prática de mediação internacional, promovendo em 1993 encontros
informais, nãooficiais, nos arredores de Oslo. A proposta era dar caráter e alento
novos às negociações, que tinham como referência a Conferência de Madri
(1991) e haviam atingido um ponto crítico. Os encontros de Oslo levaram a dois
acordos: a Declaração de Princípios, de setembro de 1993, e o Acordo Interl· no
sobre a Cisjordânia e Gaza, de setembro de 1995 (também conhecidos como
Oslo lI).
Naquele ambiente mais relaxado, chegou-se a uma a uma concordância a
respeito de três pontos centrais: o reconhecimento, por Israel, da Organização
para a Libertação da Palestina (OLP) como representante do povo Palestino; o
reconhecimento, pela OLP, do direito de existência do Estado de Israel,
acompanhado da denúncia do uso da violência; e a aceitação de ambas as
partes, de um plano de cinco anos, que culminaria com a criação em 1998, de
uma entidade autônoma palestina nas áreas da Cisjordânia e de Gaza.
O assassinato do primeiro-ministro israelense, Itzhak Rabin, em outubro
de 1995, e a subseqüente eleição de um governo que não compartilhava do
princípio da troca de terra por paz congelaram as negociações.
O processo de paz só seria reativado após a assinatura de novos acordos
promovidos pelo presidente dos Estados Unidos. Bill Clinton, em outubro de 1998
(os Acordos de Wye River).
A lógica do processo de mediação e negociação de Oslo calcou-se no
72
pressuposto, largamente discutido durante os anos 90 na bibliografia sobre,
resolução de conflitos, de que é preciso construir confiança entre as partes e de
que isso deve ocorrer de modo gradual, permitindo a lenta adaptação de
percepções e expectativa dos atores principais. Por isso. a idéia de
implementação gradual de acordos parciais foi acrescentada ao processo em
questão. Acertou-se, assim, um descolamento entre a conclusão de um acordo
final e a de acordos interinos, permitindo a quebra da paralisia diplomática.
Ao longo dos últimos oito anos, confirmando Declaração de Princípios,
acordos de caráter interno foram assinados e implementados. Assim, a
autoridade sobre a gestão dos territórios palestinos foi gradualmente transferida
para a OLP (em maio de 1994 isso foi feito com partes de Gaza e Jerico, e em
setembro de 1995 o acordo de Oslo Il estabeleceu a transferência de mais seis
cidades palestinas) e foram criadas as instituições de um futuro Estado palestino,
incluindo determinados aspectos do monopólio legalizado da violência que
caracteriza OS Estados soberanos.
À medida que as negociações para um acordo definitivo não avançam, a
legitimidade de processo de negociação em si perdeu sustentação, tanto a para a
população palestina quanto para a israelense. Quando as negociações de status
final começaram, em 1999 (ainda tendo como referência os acordos de Oslo),
seis anos haviam se passado e as transformações no cenário político, social e
estratégico na região eram imensas. Essas mudanças resultavam da nova
configuração de forças na região do golfo Pérsico, do acordo de 1994 entre Israel
e Jordânia e de mudanças geracionais na liderança dos paises árabes, entre
outros fatores. O próprio contexto internacional havia mudado, com a transição
do período da Guerra Fria para um sistema unipolar dominado pelos Estados
Unidos.
É particularmente relevante verificarmos o quanto as relações ente
israelenses e palestinos se alteram de forma significativa, em função do próprio
processo de negociação. Um quase-Estado palestino havia se formado em Gaza
e na Cisjordânia e a população palestina já não percebia a autonomia limitada
obtida como uma historia relevante, desejando uma transformação mais rápida
da realidade da ocupação. Por outro lado, a continua execução da política
israelense da colonização em Gaza e na Cisjordânia, contrariando a legislação
73
internacional e os acordos específicos assinados entre palestinos e israelenses,
minava o argumento da troca de terra por paz.
Além disso, as relações econômicas entre as duas sociedades não
mudaram, refletindo o acordo (o Protocolo Econômico de 1994) que as definia.
Esse Protocolo não alterou as bases dessas relações, preservando as estruturas
de integração, que perpetuavam a dependência e a subordinação dos palestinos
às políticas israelenses nesse campo. As possibilidades de desenvolvimento
econômico e de melhoria das condições sociais da população palestina mantêm-
se extremamente restritas, por conta da autonomia limitada quanto ao
planejamento da economia e quanto ao acesso ao mercado israelense e aos
recursos hídricos.
O princípio do reconhecimento mútuo esgotou-se como uma realização a
ser apresentada às populações de ambos os lados, assim como a perspectiva de
garantir a segurança de Estados, identidades e indivíduos, em um contexto de
soberanias sobrepostas, também se provou falsa. Enfrentar as questões de um
acordo definitivo (o status final de Jerusalém. A demarcação das fronteiras de um
Estado palestino, o direito de retorno de refugiados palestinos, o futuro das
colônias judaicas nos territórios ocupados) tornou-se mais difícil nesse contexto,
com as posições de ambas as partes entrincheiradas.
As próprias referências conceituais do processo inicial tornaram-se uma
barreira para o sucesso das negociações, apesar das inegáveis conquistas
alcançadas. A implementação parcial de acordos, em vez de construir confiança,
como se esperava, gerou novas expectativas e revelou as perspectivas distintas
sobre o próprio processo de Oslo. A interpretação diferenciada da natureza dos
acordos veio à luz. Para os palestinos, tratava-se do primeiro passo para uma
transformação radical das relações entre as duas nações; para os israelenses,
era um contrato legal. Para os palestinos, as resoluções da Organização das
Nações Unidas (ONU) sobre o direito à existência de um Estado palestino eram o
ponto de partida e serviam como referência para a avaliação do processo de
Oslo; para os Israelenses; essas resoluções constituíam um empecilho para a
resolução do conflito. Para os palestinos, tomar como base para as negociações
os territórios ocupados em 1967 era em si uma concessão; para os israelenses,
cogitar da existência de um Estado soberano palestino era uma mudança de
74
paradigma.
Além disso, a reconciliação - em termos de uma visão mais próxima da
história e das relações atuais da correção de injustiças e da transformação de
estereótipos negativos - torna-se mais penosa em um contexto de convivência
intensa, no qual não está claramente definido um quadro normativo aceitável
para ambas as partes. O processo de Oslo a despeito dos mecanismos de
cooperação criados não enfrentou esse problema, agravado pela presença das
colônias judaicas nas terras ocupadas. Nesse contexto, a população israelense
questionava crescentemente se os palestinos de fato apoiavam a idéia de dois
Estados convivendo de maneira pacífica e estes questionavam cada vez mais os
limites impostos à soberania do futuro Estado palestino (tamanho do novo país,
controle de fronteiras e barreiras a uma política externa independente e à
formação de um exército palestino).
As mudanças e pressões em cada campo também tornaram as
negociações extremamente difíceis. Fatores como as pressões de movimentos
como o Hamas e o Jihad islâmico e de palestinos fora da Cisjordânia e de Gaza,
a precária institucionalidade do quase-Estado palestino, as mudanças eleitorais
(em particular a eleição de BenJamim Netanyahu em 1996) e a própria natureza
do regime democrático parlamentar de Israel (o número de partidos e a natureza
das coalizões formadas) conferiam baixa chance de continuidade ao processo de
negociação. Os atores desse processo também, muitas vezes, movimentaram-se
de forma inconsistente.
Durante o encontro de Camp David. nos Estados Unidos, em julho de
2000, as diferentes concepções sobre a paz possível e sobre a própria natureza
do processo de negociação chegaram a um momento critico. Ehud Barak
buscava ali um acordo final e estava disposto a fazer concessões extremamente
ousadas para um líder israelense, particularmente sobre o território do futuro
Estado palestino e sobre Jerusalém. Yasser Arafat, por sua vez, ainda dentro da
lógica de Oslo, buscava acertar as etapas da construção do Estado e expressava
a frustração palestina quanto ao desrespeito, por parte de Israel, dos acordos
firmados até então, Barak, enquanto se dispunha a fazer amplas concessões,
paradoxalmente recusava-se a mostrar uma atitude conciliatória (mantendo as
construções em território disputado e recusando-se a transferir mais três vilas ao
75
controle palestino).
Em um contexto de enormes disparidades de poder, os negociadores
palestinos precisavam apoiar-se na realização de acordos interinos e mudanças
graduais reais para ganhar confiança e avançar rumo a um acordo global. Já
Barak buscava um acordo que pudesse ser vendido ao público israelense de
forma consolidada. As negociações continuaram nos meses seguintes, tendo
culminado no encontro de Taba (Egito), quando o quadro de um acordo sem
precedentes se delineou, incluindo um esquema que respeitava o direito de
retorno de refugiados palestinos, mantendo ao mesmo tempo o caráter judaico
do Estado de Israel e a divisão da soberania sobre Jerusalém. Mas já era tarde:
Ehud Barak e Bill Clinton estavam a caminho de casa. O colapso das
negociações em Camp David tornou-se, então, um dos motores das
manifestações palestinas e da violência que marcou os últimos 12 meses.
A questão das identidades
Para compreender melhor o conflito palestino-israelense e a crise por que
passam hoje, é necessário discutir a relação entre política e identidade coletiva.
A proposta de que a análise de identidades coletivas é fundamental para a
compreensão da política internacional tem sido difundida com sucesso nas
últimas décadas.
No Oriente Médio, em particular, as ameaças à identidade coletiva
constituem uma dificuldade a mais dentro do processo de negociação. A
presença de uma vasta população árabe em Israel é percebida como uma
ameaça pela sociedade israelense, já que essa nação foi construída sobre o
fundamento de uma identidade étnica e, até certo ponto, religiosa. Nesse
contexto, o direito de retomo dos refugiados palestinos é traduzido como a
diluição da identidade coletiva, impedindo um avanço em termos do
reconhecimento, por Israel, de sua responsabilidade histórica na desestruturação
da sociedade palestina em 1948 e 1967. A diferença entre a taxa de natalidade
das duas populações (a dos palestinos é muito superior) faz, por si só, com que
se acirrem as preocupações israelenses nesse sentido.
Após a expansão territorial de 1967, emergiu uma nova vertente de
76
nacionalismo étnico, que retoma uma identidade 'bíblica', fundindo a noção de
um moderno Estado de Israel e a idéia de uma 'terra de Israel' no sentido bíblico.
A constituição de colônias judaicas na Cisjordânia e em Gaza expressa essa
tendência. Esse novo ingrediente, além de gerar uma situação política e
geoestratégica insustentável, reforça uma concepção de cidadania excludente.
Aumenta, portanto, o custo do enfrentamento do problema dos refugiados e da
inserção de árabes/israelenses.
Embora a idéia de ameaça ao Estado tenha sido revista após o conflito de
1967, a presença no Oriente Médio de uma sociedade não-árabe e não-islâmica,
em conflito constante com vizinhos hostis, gerou nessa sociedade um sentimento
de isolamento e a valorização extrema da lógica da auto-ajuda. A insegurança
individual vivenciada pela população israelense e a nova ameaça contida na
proliferação de mísseis balísticas (possivelmente com capacidade química e/ou
biológica) nos anos 80 e 90 reforçam esse aspecto da identidade coletiva.
A sociedade palestina, por sua vez, convive com a necessidade de
estabelecer um Estado que dê expressão política à identidade nacional,
construída ao longo da desestruturação dos impérios coloniais, O território
adquiriu assim o valor simbólico característico da constituição das nações
modernas, embora haja uma incongruência entre a Palestina histórica e a
proposta de um Estado em Gaza e na Cisjordânia. O problema dos refugiados
também tem uma ligação direta com a questão do território. A relação dos
palestinos com o mundo árabe/islâmico outro aspecto importante da identidade
coletiva ganha expressão, no caso das negociações com Israel, no debate sobre
o futuro status de Jerusalém, cidade sagrada para as duas populações.
A omissão dos organismos internacionais
Todos os que se preocupam com a universalidade das normas
internacionais perceberam, nos últimos anos, a contradição entre as intervenções
internacionais na ex-Iugoslávia ou no golfo Pérsico e a omissão da ONU e de
outras instituições internacionais em crise como a da Chechênia ou a israelense-
palestina. Esperava-se que as violações do direito internacional e de direitos
humanos, no Oriente Médio, levassem a um posicionamento claro dessas
instituições.
77
A repercussão internacional desse conflito, em uma região estratégica e
economicamente sensível, justificaria uma atenção maior de instâncias multi-
laterais. Evidentemente, essa opção é obstruída pela aliança especial entre Israel
e os Estados Unidos e, de forma geral, pela relação entre Israel e as potências
ocidentais, ou com a Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN), em
particular através dos acordos que envolvem a Turquia. E verdade, porém, que
desde as negociações de Madri, em 1991, o processo de paz entre árabes e
israelenses tem sido composto por discussões bilaterais entre Israel e seus
vizinhos e por discussões multilaterais, envolvendo os Estados Unidos e os
países europeus.
A ONU também exerceu papel relevante em relação ao conflito. A
resolução 181 da Assembléia Geral, de 29 de novembro de 1947, referente à
partilha da Palestina e ao estabelecimento de dois Estados, e as resoluções 242
(1967) e 338 (1973) do Conselho de Segurança, que determinam a retirada de
Israel dos territórios ocupados em 1967, tornaram-se referências para as
negociações e o argumento legal mais poderoso dos palestinos. As relações
tensas entre essa organização e Israel, em função do grande numero de
resoluções criticando as políticas israelenses, em várias instâncias, dificultam
sobremaneira a participação da ONU no processo de paz.
Em um conflito no qual é imensa a assimetria entre as partes, quanto a
acesso e controle de recursos de natureza material e política, é crucial o papel de
instituições internacionais. Esse já era um pressuposto dos arranjos multilaterais
no século XIX, quando o então concerto europeu visava garantir a sobrevivência
dos pequenos Estados do continente, Hoje – sabendo-se que, desde os anos 90,
a ONU aumentou o número e os alvos de suas operações de paz - são notáveis
sua ausência no cenário israelense-palestino. No entanto, é verdade que a,
violência do conflito nos últimos meses, que já tem a dimensão de uma crise
humanitária nos territórios ocupados, fez o Conselho de Segurança da ONU
retomar a discussão dessa questão. Até agora, porém, no campo das
negociações a contribuição internacional tem sido significativa sempre tendo
diferentes paises como mediadores.
78
O renascimento da violência
Assim, o colapso do processo de negociação expresso no caráter violento
das ações mais recentes de ambos os lados, pode ser compreendido em termos
das deficiências do quadro de referência produzido em 1993, da ausência de um
processo de construção da paz que envolvesse instituições Internacionais como
a ONU e das dificuldades geradas pelas tensões decorrentes da definição de
identidades coletivas.
A eleição de Ariel Sharon, a despeito da inclusão de Shimon Perez no
governo, representou desenvolvimento do processo de negociação e o
acirramento do conflito. A política de seu governo cumpre o papel de destruir os
atores com os quais é possível negociar a coexistência pacífica na região,
deixando aos palestinos a opção por diferentes estratégias de resistência.
Testemunhamos hoje uma crescente escalada do conflito, em que os parâmetros
de Oslo parecem totalmente abandonados. Os mecanismos para administração
do conflito criados no último ano não foram eficazes e o governo norte-americano
optou por um processo de desinvestimento significativo.
Entretanto, uma nota otimista faz-se necessária, como não se cansam de
reafirmar os adeptos do processo de negociação: as duas nações estão
destinadas a conviver e resolver conjuntamente uma série de problemas. As
negociações - que completam 10 anos - lapidaram novas relações entre as duas
sociedades e uma nova dinâmica política na região, baseadas no
reconhecimento da inevitabilidade da existência de dois Estados e em alguns
avanços em termos de humanização mútua.
A partir de agora, as perspectivas de um processo de negociação
alternativo dependerão da disputa entre interesses e idéias no âmbito de cada
uma das sociedades envolvidas e das condições criadas pelos principais atores
internacionais. Enfrentar as disputas centrais entre as duas sociedades é
essencial diante da violência vivenciada pelas duas populações das condições
inaceitáveis em que se encontram as comunidades palestinas e da possibilidade
cada vez mais real de estalada do conflito na região.
79
UNIDADE 7 - OS REGIMES MILITARES, AS LUTAS POR
EMANCIPAÇÃO E A NOVA INTEGRAÇÃO ECONÔMICA
Focos de tensão: um mundo em conflito
África: A colonização – Séculos XV a XIX
Durante o século XV a ocupação dos europeus neste continente era mais
de caráter mercantilista.
80
No século XIX, os europeus exercem um caráter imperialista, que consistia
na ocupação plena e efetiva do continente africano.
A partilha da África foi oficializada na Conferência de Berlim (1884-1885)
onde prevaleceu o interesse do colonizador na exploração de recursos naturais,
agrícolas e humanos.
A descolonização
Com o enfraquecimento econômico e político das potências européias no
pós-guerra, seu poder sobre as colônias também se tomou frágil.
As rebeliões pela independência multiplicaram-se por todo o continente
africano, e a maioria das colônias atingiu emancipação política nas décadas de
50, 60, 70.
O processo de independência, longe de trazer a paz à África, transformou-
a num barril de pólvora.
Os novos paises foram criados em espaços físicos decididos e delimitados
segundo critério dos colonizadores, portanto já nasciam desprovidos de
identidade nacional e étnica.
Esta ausência de identidade nacional foi responsável pela eclosão de
inúmeros e sangrentos conflitos, em geral envolvendo diferentes grupos étnicos
em disputa pelo poder no país.
Esse quadro de instabilidade agravou-se em razão da Guerra Fria, que
levava EUA e União Soviética a interferirem no processo.
Cada um fornecia armas e dinheiro a seus aliados, o que acabou
transformando o continente num estranho e confuso campo de batalha.
Em troca do apoio que recebiam, as partes em conflito deveriam ao tomar
o poder alinhar-se a uma das superpotências, da qual recebiam ajuda de toda
ordem.
Ásia: Oriente Médio ou Ásia Ocidental
Urna das mais conflituosas regiões do planeta encontra-se estra-
tegicamente situada na zona de contato entre a Ásia, a África e Europa.
81
Nesta região vivem cerca de 210 milhões de habitantes, a maioria de
religião muçulmana.
Em 1918, com a ruína do império Otomano, a região tomou-se de domínio
britânico e francês.
A pós a II Guerra Mundial a região passa por uma série de trans-
formações, como por exemplo:
A partilha da Palestina
Em 1917 a ONU aprovou um plano de partilha da Palestina, que previa a
criação de um Estado Judeu e de um Estado Árabe.
No ano seguinte (1918), quando se completou a retirada das tropas
britânicas da região, eclodiu a guerra entre Israel e os Palestinos. Os judeus
rechaçaram as forças árabes e fixaram novas fronteiras para a Palestina. Israel
aumentou seu território.
Neste episódio, Israel lançou um ataque relâmpago contra o Egito, a
Jordânia e a Síria. Em 6 (seis) dias o exército de Israel conquistou a Faixa de
Gaza, a Península do Sinai, a Cisjordânia e as Colinas de Gola.
A ocupação de Jerusalém por Israel provocou grande reação do mundo
árabe, pois a cidade é sagrada para os Judeus, Mulçumanos, e cristãos e foi
proclamada por Israel sua capital (isto é mexer em vespeiro). Até hoje, a situação
de Jerusalém é um dos pontos mais polêmicos de tentativas de estabelecer a
paz entre judeus e árabes.
Em 1973, na tentativa de recuperar os territórios tomados por Israel na
Guerra dos Seis Dias, os árabes de forma conjunta atacaram as forças
israelenses na batalha denominada Yom Kippur.
Os árabes derrotados, a partir deste momento, passam a utilizar o petróleo
(sua maior riqueza) como arma estratégica, elevando o preço do barril e
diminuindo as cotas.
Isso provoca pânico no mundo desenvolvido e industrializado,
principalmente EUA e Japão (dependentes do petróleo importado) cujos alicerces
econômicos ficam abalados - Crise Mundial Energética.
O exato instante dá para sentir que do outro lado do muro a União
82
Soviética não era atingida por esta crise e isso era satisfatório para manter
alicerçado o Império Comunista.
Para aliviar as tensões estrategicamente Israel em 1979 devolve ao Egito
a Península do Sinai, através do Acordo Camp David, assinado entre Egito e
Israel patrocinado pelos EUA.
A luta dos palestinos para construir um Estado autônomo estendeu-se por
todo o período da Guerra Fria e chega até os dias atuais.
A questão do Líbano
Líbano, antiga colônia francesa no Oriente Médio, viveu um clima de
tensão permanente durante toda Guerra Fria.
Esse clima, entre outros fatores, foi provocado pela divisão do país em
dois grupos distintos: a minoria cristã e a maioria muçulmana, que representava a
camada mais pobre da população.
Com a saída dos franceses em 1946, os dois grupos passaram a disputar
o poder, como se fossem duas nacionalidades vivendo num mesmo território
Essa situação se agravou a partir de 1970.
Até o início dos anos 70 o Líbano viveu uma relativa calma política e um
expressivo crescimento econômico, a ponto de ficar conhecido como a Suíça do
Oriente Médio.
Para se ter uma idéia, as principais agências bancárias internacionais do
Oriente Médio estavam sediadas em Beirute, que funcionava corno uma espécie
de capital financeira da região.
No entanto, esta relativa calma e prosperidade seriam abaladas por uma
série de eventos locais, regionais, e internacionais. Dentre eles podem ser
citados:
A tomada de consciência pela população mulçumana de sua dominância
numérica.
A entrada no país de um grande contingente de Palestinos que haviam
sido expulsos da Jordânia em 1970.
83
Os desdobramentos dos conflitos entre árabes e israelenses, que
aumentaram as tensões regionais e tiveram repercussões no âmbito do
jogo das alianças internas no Líbano.
O interesse de Israel e Síria em tirar proveito das contradições internas do
Líbano a seu favor.
A situação foi se tomando insustentável. A gota d'água aconteceu em abril
de 75, quando um ônibus transportando mulçumanos Libaneses e Palestinos
sofreu um atentado, atribuído à Falange Cristã Maronita. A partir desse momento
teve início a guerra civil, que provocou a quase total desintegração da vida
política e econômica do país.
Os conflitos internos no Líbano tiveram uma complicação adicional devido
à interferência direta e indireta da Síria e Israel.
Em 80, Israel intensificou ataque ao sul do Líbano, justificando suas ações
através de seu governo que o bombardeio tinha a intenção de conter os
movimentos terroristas palestinos ali sediados. (Hezbollah ou guerreiros de
Deus). “Por quase vinte anos Israel manteve uma “área de segurança” no sul do
Líbano, até desocupá-la em maio de 2000”.
A Guerra Irã x Iraque
O apoio norte-americano ao Irã estendeu-se desde o término da II Guerra
Mundial até 1979.
A partir dos anos 60, o Xá Reza Pahlevi tentou transformar o Irã numa
potência regional. Para isso ele tinha, além de muito dinheiro adivindo da venda
do petróleo, também o apoio político e militar dos EUA.
No entanto esse processo de modernização da sociedade esbarrava nos
valores profundamente arraigados, especialmente no aspecto moral.
A burguesia iraniana, basicamente sunita, aceitava com mais facilidade os
modelos vigentes no mundo ocidental.
Contudo, a maioria da população representada pelos Xiitas achava que a
rápida ocidentalização dos costumes estava pondo em risco os seus mais
importantes valores.
84
A política posta em prática pelo Xá passou então a sofrer ferrenha
oposição do clero Xiita.
A partir da segunda metade da década de 70, as insatisfações populares
geravam movimentos de repúdio ao governo do Xá, que não resistindo às
pressões foi ficando cada vez mais isolado.
No final de 1978 e início de 79, o Xá percebendo-se cada vez mais acuado
tentou acordos com a parcela mais moderada da oposição, a fim de aplacar a ira
popular. Mas era tarde demais, e em 16 de janeiro de 1979, ele, sua família e
seus principais colaboradores tiveram que fugir do país.
No mesmo ano, quase um mês depois de fuga do Xá, assume o poder no
Irã o Aiatolá Khomeini (líder da revolução que provocou a queda do Xá e da
monarquia mesmo vivendo em Paris).
Vale ainda frisar que a revolução islâmica havia posto no poder um
governo que desde o início se mostrou hostil aos Estados Unidos.
Aparentemente esta postura do governo iraniano seria vantajosa para a União
Soviética. Contudo, Khomeini, mostrando sua desconfiança em relação a
superpotências, declarou que o Irã, governado por Alá, era contra os satânicos
Estados Unidos da América e a demoníaca União Soviética.
Enquanto o novo governo iraniano arrumava a casa, o Iraque seu vizinho,
através de Saddan Hussein, declarava guerra ao Irã.
A causa foi uma disputa de fronteiras, mais especificamente o controle do
chatt-el-arab, estuário do Tigre e Eufrates no Golfo Pérsico, situado entre os dois
países e que representava a única saída marítima do Iraque.
A guerra terminou em 1988 com um acordo de cessar fogo, deixando os
dois países exauridos e com dívidas.
Durante o período da Guerra Fria, o Oriente Médio foi uma das áreas de
maiores conflitos. Os Estados Unidos e União Soviética estiveram indiretamente
presentes nesses conflitos. As duas potências foram fornecedoras de materiais
bélicos para seus respectivos aliados.
Com isso o Oriente Médio foi transformado no maior mercado mundial de
material bélico trocado por petróleo.
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O Afeganistão – Sempre no meio do caminho
Situado no coração da Ásia, e sem litoral, este país sempre teve uma
posição estratégica significativa, pois faz fronteira com cinco importantes países
do continente: Ex-União Soviética, Paquistão, Irã, Índia, e China.
País de grande complexidade étnica e lingüística, a partir do século XlX,
foi alvo do choque de interesses de dois imperialismos: o russo e o britânico,
ambos empenhados em ampliar suas influencias sobre o país; mas foram os
britânicos que exerceram maior influência, pelo menos até o término da II Guerra
Mundial, quando a influencia britânica sobre este pais diminuía e aumentava a
influencia dos Estados Unidos.
A preocupação dos Estados Unidos com a estratégia regional levou o país
a diversas tentativas de envolver o Afeganistão em pactos de caráter nitidamente
anticomunistas, Contudo o Afeganistão possui uma extensa fronteira com a
União Soviética e isso talvez tenha influenciado sua decisão de não se alinhar
diretamente com os Estados Unidos e manter uma convivência amigável com a
União Soviética.
Na década de 70, o Afeganistão passou por modificações políticas
importantes:
Queda da monarquia em 1973.
Golpe militar que levou os comunistas ao poder em 1978.
Influência da revolução iraniana que incitava os Xiitas afegãos contra o
poder recentemente instalado.
Foi neste clima que os soviéticos, no final de 79, invadiram o Afeganistão
sob a alegação de que o governo Afegão havia solicitado ajuda.
A reação do Governo americano à ação dos soviéticos foi tímida; isto
porque o governo Carter estava no final de sua gestão, e a imagem do mesmo
desgastada com os problemas enfrentados no relacionamento com o governo
Iraniano, Com isso, a intervenção soviética converteu-se em fato consumado.
Mas, em 80, com a vitória de Reagan para a presidência dos Estados
Unidos da América, o cenário no Afeganistão mudou, pois Reagan deu todo
86
apoio à guerrilha, e os guerrilheiros afegãos passaram a receber importante
ajuda material americana, que Ihes chegava através do Paquistão.
Em abril de 88, em Genebra (Suíça); os Estados Unidos e União Soviética,
Afeganistão e Paquistão assinaram um acordo que previa a lenta retirada das
tropas soviéticas do território afegão.
A Iugoslávia
A República Popular da Iugoslávia foi criada em 1945, abrangendo as
seguintes repúblicas: Sérvia, Croácia. Eslovênia, Bósnia Hezergovina, Macedô-
nia e Montenegro. Além dessas repúblicas integravam o território iugoslavo duas
províncias autônomas: Kosovo e Voivodina – encravadas em território sérvio.
A união dessas unidades em um só país deveu-se principalmente à
liderança exerci da em toda a região pelo croata Josip Braz Tito, que comandou a
resistência aos nazistas durante a II Guerra Mundial.
Sob o governo de Tito a Iugoslávia manteve-se como um país unificado
por 35 anos.
Durante esse tempo projetou-se internacionalmente e alcançou grande
prosperidade industrial, bem como uma certa autonomia em relação à União
Soviética.
Alguém poderia estar questionando: como foi possível ao Marechal Tito
manter a Iugoslávia unida por 35 anos, já que o país apresentava grande
diversidade étnica e religiosa?
A unidade da Iugoslávia foi, em grande parte, obra da engenharia política
de Tito. Ele se apoiou no sistema de presidência colegiada e rotativa, que
escondia o crescimento dos nacionalismos.
Após a morte de Tito (1980) e a desagregação dos regimes comunistas do
leste europeu (1989) a crise que já estava instalada ateou fogo no separatismo.
Em 1991 o conflito começou na Eslovênia, após a declaração de
Independência. Logo em seguida foi a vez da Croácia e da Bósnia (1992).
Na Croácia, a presença de minorias sérias deu base para a instalação de
uma guerra prolongada.
Na Bósnia, república criada por Tito como espaço tampão entre a Sérvia e
87
a Croácia, a presença de uma maioria relativa de muçulmanos e de numerosa
minoria de croatas e sérvios conferiu ao conflito o caráter de guerra popular ge-
neralizada. Nas áreas conquistadas pelas tropas sérvias, iniciaram-se processos
de genocídio e transferência massiva da população visando a "faxina étnica". Os
três grupos em luta recorreram ao uso dos campos de concentração e ao terror
contra civis desarmados.
Em 1995 a ONU passou a intervir na Bósnia com uma "força de paz" que
se mostrou incapaz de conter as agressões dos sérvios.
A OTAN também enviou tropas, mas sem alua efetiva limitou-se à
realização de alguns bombardeios na Bósnia.
O fator decisivo para pôr fim ao conflito foi o embargo comercial imposto
pela Assembléia Geral da ONU à Iugoslávia desde 1992. O agravamento da crise
econômica fez com que o presidente lugoslavo Slobodan Milosevic
interrompesse o fornecimento aos sérvios da Bósnia. Estes, sentindo-se
enfraquecidos, aceitaram negociações intermediadas pelo presidente norte-
americano, Bill Clinton.
Finalmente em dezembro de 1995, um acordo de paz assinado em
Dayton, nos Estados Unidos, transformou a Bósnia-Herzegovina em um Estado
dividido; 51 % do território formam uma federação Muçulmano-Croata e os 49%
restantes constituem a República Sérvia da Bósnia,
Por que a Séria e tão-somente a Sérvia discordava dos movimentos de
emancipação das Repúblicas da Eslovênia, Croácia, e Bósnia embora não
interferisse na emancipação da Macedônia?
Em primeiro lugar não podemos esquecer do Projeto da "Grande Sérvia"
que era sonho desde o século XVIII quando o Império Otomano entrou em
decadência e a região ficou sob influência dos Impérios da Rússia e da Áustria e
Hungria.
O reino da Sérvia, cujo governo e povo se apegavam profundamente a seu
passado histórico de antiga potência regional, adotou um projeto expansionista:
formar a grande Sérvia-Estado que englobaria todos os Bálcãs Ocidentais,
anexando os territórios austro-húngaros da Bósnia, Croácia e Eslovênia, bem
como Montenegro, Kosovo e a Macedônia, (as duas últimas eram possessões
otomanas, que os Sérvios tomaram em 1912/13). As pretensões da Sérvia
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contavam com o respaldo do Império Russo, desejoso de ampliar sua influência
no sudeste da Europa.
Atualmente, o Estado de Monte-negro separou-se da Sérvia, tornando-se
a mais nova república da ex-Iugoslávia.
A maioria dos bósnios sendo muçulmana encarava com desconfiança sua
possível anexação pelos Sérvios ortodoxos, de quem haviam se separado no
passado.
Durante a I Guerra Mundial a Sérvia combateu ao lado dos aliados contra
os Impérios Centrais. E, graças à derrota e desintegração do Império austro-
húngaro, pôde incorporar os territórios que cobiçava, com o consentimento das
potências vencedoras (Estados Unidos, Grã-Bretanha e França), Surgiu assim o
Reino dos Sérvios, Croatas e Eslovenos que em 1929 passaria a se chamar
Iugoslávia (País dos Eslavos do Sul, em língua Sérvia).
Em segundo lugar, quanto á não intervenção na independência da
Macedônia, é que esta república é a mais pobre de todas, e em meio ao turbilhão
de crises pela qual passava a Sérvia, esta situação não mereceu tanta atenção,
talvez porque se a Sérvia conseguisse trazer de volta a Eslovênia. Croácia e
Bósnia a Macedônia voltaria automaticamente.
Angola e Moçambique
As guerras de independência de Angola e Moçambique tiveram início nos
anos 60 e só terminaram em 75 com a saída dos portugueses.
No entanto, a emancipação política não trouxe para estes países a paz tão
esperada. A luta contra os portugueses foi substituída pela Guerra Civil entre as
várias facções que haviam combatido as tropas coloniais e, agora disputavam o
poder.
Em Angola, lutavam o MPLA (Movimento Popular de Libertação de
Angola) que ocupava o governo e era apoiado pela então União Soviética e por
Cuba, e a UNITA (União Nacional pela Independência Total de Angola) apoiada
pelos EUA e África do Sul.
Em 1994 as lideranças da UNITA e do MPLA assinaram um acordo de paz
cujo cumprimento foi supervisionado por tropas da ONU.
89
Em 1997, a UNITA passou a integrar um governo de reconciliação
nacional cujo maior desafio é a miséria.
Em Moçambique, a Guerra Civil envolvia a FRELIMO (Frente de
Libertação de Moçambique) que governava o país e recebia ajuda da União
Soviética, e a RENA MO (Resistência Nacional Moçambicana) ajudada pela
África do Sul.
No início dos anos 90, já no contexto da passagem para a nova ordem
mundial, a FRELIMO abandonou sua proposta de instalação do Socialismo e
promoveu a abertura econômica e política do país. Reconheceu os partidos de
oposição e abriu negociações com a RENAMO, tentando alcançar a paz.
Esse processo, no entanto, tem avançado de forma relativamente lenta,
principalmente em razão da extrema miséria, que funciona como fator de
desestabilização crônica dos acordos entre as forças rivais.
Em resumo, o fim da Guerra Fria foi mais um fator de instabilidade para os
dois países, principalmente pelo corte de ajuda financeira enviada pelas
superpotências.
Ruanda e Burundi
Ruanda e Burundi tomaram-se independentes da Bélgica em 1962. Desde
então têm vivido conflitos internos de enormes proporções, envolvendo os Hutus
e os Tutsi, grupos étnicos secularmente rivais.
Estima-se que em Ruanda desde a saída dos belgas a guerra entre a
maioria hutu e a minoria tutsi tenha provocado a morte de mais de um milhão de
pessoas.
Em 1994 centenas de milhares de hutus fugiram desesperadamente de
Ruanda para o Zaire, hoje República do Congo.
A ajuda humanitária de países como a França e USA não pôde evitar a
morte de milhares de pessoas.
Reflexões sobre a fome na África
90
Pense bem! Enquanto durou a Guerra Fria os investimentos das
superpotências não paravam de chegar ao Continente africano, envolvendo uma
disputa ideológica que ateava fogo entre os grupos antagônicos cuja
conseqüência era milhares de mortes.
Mas em compensação, a facção vitoriosa aliava-se a uma das super-
potências e com isso tinha respaldo financeiro e militar.
Essas lutas eram puro divertimento para as grandes potências que tinham
chance de avaliar o poder destrutivo de suas novas armas, sem se preocupar é
lógico com o destino daquelas nações.
Após o término da Guerra Fria a ajuda financeira foi cortada e estas
nações ficaram órfãs; isso provocou um aprofundamento ainda maior na crise
política e econômica destes países, trazendo para o mundo observar o tipo de
morte mais terrível. A morte pelo espectro da fome, rastro deixado pelas
superpotências no continente africano após a Guerra Fria.
Imagine só que cerca de 200 milhões de pessoas na África vão dormir
todas as noites sem ter consumido os alimentos de que necessitam para manter
a saúde de seu organismo. Outros milhões de crianças com menos de cinco
anos morrem anualmente de fome ou de doenças dela decorrentes.
Apesar do extraordinário avanço cientifico e tecnológico, as condições de
vida da maioria da população dos países subdesenvolvidos se deterioraram nos
últimos anos.
A produção internacional de grãos já bastaria para assegurar à população
mundial as 3000 calorias e os 65 gramas de proteínas necessárias diariamente.
Mas, pelo menos 40% da produção mundial de cereais destinam-se à
alimentação animal, principalmente do gado nos países desenvolvidos.
Empresas transnacionais que operam nos países subdesenvolvidos
canalizam recursos para a produção de ração para gatos e cães, principalmente
dos países ricos. Apenas nos EUA, o volume dos negócios com ração animal
supera os dois bilhões de dólares anuais. Susan George, em seu livro O Mercado
da Fome assinala que "qualquer vira-lata rico ou gato mimado é melhor cliente
para a agroindústria do que um ser humano pobre".
91
A Ásia após a Guerra Fria: Oriente Médio
Acordo de paz entre israelenses e palestinos - 13 de setembro de 1993.
Nesse dia, o mais importante do ano para a política internacional, todos os
jornais, revistas e televisões do mundo estampavam o fato do aperto de mãos
entre o primeiro ministro de Israel (Rabin) e o líder da OLP (Arafat). Nos jardins
da Casa Branca, em Washington, sob o olhar sorridente do presidente dos EUA,
Bill Clinton, duas mãos que pareciam destinadas ao ódio eterno tocavam-se para
a surpresa de muitos.
Este resultado inusitado é fruto de encontros entre os dois lideres em Oslo,
patrocinado pelos EUA e ONU, bem antes do acordo ser assinado.
No acordo, Israel aceitou devolver ao controle palestino a Faixa de Gaza e
a cidade de Jericó situada na Cisjordânia.
Ninguém acreditava que esse seria um encontro fácil.
Os discursos entre os lideres não eram um discurso de amor recíproco,
mas de quem reconhece as diferenças e achava necessário conviver com elas.
O próprio Arafat havia lembrado antes do encontro que a "paz não se faz
com amigos, mas com inimigos". Já o discurso de R3bin lembrou como era difícil
explicar às famílias das vítimas do terror o acordo que estava sendo firmado.
No final, apenas por uma delicada pressão do presidente dos USA é que
os dois líderes trocaram um aperto de mãos.
As negociações sofreram a partir de então sérios entraves, incluindo ações
terroristas praticadas por radicais de ambas as partes; uma delas foi o assassino
de Rabin por um extremista judeu.
Em 1996, em Israel, foi eleito Benjamim Netanyahu com o apoio das mais
conservadoras do país. Com isso o processo de paz sofreu um grave recuo.
As negociações, contudo, continuaram a se realizar sob pressão dos EUA.
Em 1997, Netanyahu e Arafat chegam a um consenso sobre a retirada de
Hebron, mas as tropas israelenses ficam em 20% da cidade. Em 1998 Arafat
ameaça abandonar as negociações e fundar unilateralmente o Estado Palestino
em maio de 99, data que expira o prazo do acordo de Oslo.
Em julho de 99, Barak vitorioso nas eleições de Israel retoma o processo
de paz com os palestinos, Neste mesmo ano, israelenses e palestinos iniciações
92
as negociações para estabelecimento das fronteiras definitivas. As últimas
negociações ocorreram em Camp David (USA) em julho/2000, apesar do
fracasso, a tendência é rela criação de um Estado Palestino na faixa de Gaza e
parte da Cisjordânia e, portanto politicamente frágil por ser descontinuo e
fragmentado.
A Guerra do Golfo
Como vimos anteriormente, o Iraque iniciou uma guerra contra o Irã.
Porém, ao invés de retomar o crescimento, o Iraque afundou em problemas no
pós-guerra. Além da dívida e da inflação, a massa de soldados desmobilizada
engrossa\a o grupo de desempregados e descontentes com o regime. Era
necessária uma nova atitude.
Em 1990, foram freqüentes as acusações contra um novo personagem
que entrava em cena: o Kuwait.
País minúsculo (17.818 km²) quase inteiramente desértico repousa toda a
sua vida sobre o petróleo.
A abundância de petróleo deu ao Kuwait posição privilegiada entre os
países do Golfo Pérsico; o dinheiro abundante do pequeno país exercia um certo
fascínio no mundo muçulmano.
Neste mesmo ano, começavam vários ataques da imprensa de Bagdá ao
Kuwait, parecia mais uma das intermináveis tensões do Oriente Médio.
Saddam Hussein exigia mudanças na fronteira entre os dois países e
ainda acusava o Kuwait de vender petróleo a preços mais baixos que os
determinados pela OPEP. Havia ainda o fato de o Kuwait ter se negado a
perdoar urna dívida de aproximadamente 10 bilhões de dólares, contraída pelo
Iraque durante a Guerra contra o Irã.
Diante dessa situação o Iraque invadiu o Kuwait em 2 de agosto de 1991,
sem resistência do exército kuwaitiano e com a fuga da maioria das pessoas.
O Kuwait foi incorporado pelo Iraque como a 19º província do país. A
primeira reação concreta veio da ONU, que promoveu um embargo econômico
contra o Iraque. Entretanto nem a própria ONU acreditava que o embargo seria
suficiente para tirar as tropas iraquianas do Kuwait. Foi estabelecido então um
93
prazo, até 15 de janeiro, para a retirada das tropas. Caso isso não se
confirmasse o Iraque seria bombardeado. Por trás dos bastidores, os EUA já
preparavam um contra-ataque.
A 16 de janeiro, um dia após o prazo estabelecido iniciava-se o
bombardeio ao lraque. Através de reportagem da CNN, rede de televisão norte-
americana, pela primeira vez na história, o resto do globo podia acompanhar
quase ao mesmo tempo o início de um conflito bélico. A televisão foi um fator
original da Guerra do Golfo. Os ataques eram filmados, as vítimas eram
entrevistadas e o próprio Saddan dava depoimentos aos repórteres. A guerra
invadia Bagdá e os lares do mundo inteiro.
Fica notório neste episódio o efeito da globalização encurtando distâncias
e trazendo a notícia no mesmo instante do acontecimento.
Outro fenômeno interessante foi o alto nível tecnológico do conflito. Os
primeiros ataques chamados de "cirúrgicos" dada a sua precisão.
Pouco mais de um mês após o início da guerra, o Iraque, submetido a
pesados bombardeios e a um avanço rápido das tropas terrestres da aliança,
anunciavam a devolução do Kuwait pela rádio de Bagdá.
Nesta guerra, Saddan Houssein cometeu dois erros básicos: ele não
esperava tal reação do ocidente diante da invasão e contava com um maciço
apoio árabe na guerra. Em segundo lugar, Saddan não levou em conta que o
mundo vivia uma situação pós-guerra fria.
Em outras palavras os USA estavam livres para agir na área sem pressão
soviética. Os ganhadores foram muitos, mas o principal vencedor foi os EUA que
passou a assumir seu papel de única potência mundial e "Polícia do Mundo".
O Iraque até hoje sofre com embargos e fiscalização imposta por uma
comissão da ONU em seu arsenal bélico, o que levou à realização de relatórios
de origem e veracidade duvidosas que provocaram, a pouco tempo, uma das
guerras mais sangrentas e terríveis que a Humanidade já presenciou via satélite,
on line, ao vivo e a cores. Essa guerra, até hoje, tem ceifado a vida de milhares
de iraquianos e americanos, além de outras nacionalidades, envolvidos direta ou
indiretamente no confronto que, literalmente e oficialmente já acabou, mas que
na prática mostra ter vida longa.
94
Os Curdos
Um dos povos mais antigos do Oriente Médio (muçulmanos há séculos) foi
vitimas das divisões territoriais do século XX. O território Curdo foi dividido entre
a Turquia, Irã, Iraque e Síria.
Perseguidos em quase todos estes paises, foram reconhecidos apenas
pelo fraque que, entretanto, acabou sendo um dos governos mais repressores
contra eles.
À medida que a ditadura iraquiana ia endurecendo, houve também endure-
cimento contra os Curdos. Durante a guerra contra o Irã, eles prejudicaram de
várias formas os iraquianos. A represália iraquiana foi terrível: usaram as
proibidas armas químicas coura a região Curda do norte iraquiano.
Em 1991, mais uma vez os curdos foram contrariados ao esforço de
guerra do Iraque diante das tropas da ONU e dos EUA. Na fronteira da Turquia
forneciam auxilio tático aos bombardeios sobre o lraque.
Terminada a Guerra do Golfo, Sadan Hussein jogou contra este povo toda
a força de sua vingança.
O primeiro semestre de 1991 assistia a um grande êxodo dos Curdos para
Turquia, Irã e Síria.
A situação dos curdos hoje é trágica. Indesejados nas áreas que habitam,
vêem com poucas perspectivas a formação do Curdistão com governo próprio.
Infelizmente, a causa não entusiasma as grandes potências e nada é feito
para constituir um Curdistão soberano.
As mudanças na China
As mudanças da República Popular da China ocorreram bem antes do fim
da Guerra Fria e não podemos dizer que foram influenciadas pela Glasnost e
Perestroika como ocorreu em outros países de regime socialista pois foi anterior
a estes planos.
As mudanças na China têm início após a morte de Mao-Tsé-Tung (1976) e
com a liderança de Deng Xiaoping que iniciou um processo de profundas
reformas:
95
O país adota a política das quatro grandes modernizações (da indústria, da
agricultura, da ciência e tecnologia e das forças armadas).
São criadas as Zonas Econômicas Especiais (ZEEs), aberta a
investimentos estrangeiros, e é incentivada a propriedade privada no
campo.
As reformas chamadas de economia socialista de mercado, por introduzir a
abertura sem abandonar o regime de partido único, propiciaram à China
uma vigorosa recuperação econômica, com crescimento médio superior a
10% ao ano a partir de 1978 até hoje.
Massacre da Praça da Paz Celestial: - A abertura na economia estimula
rei, indicações por mais democracia.
Uma onda de manifestações estudantis em 1986 é reprimida pelo regime.
Em abril de 1989 ocorrem novos protestos estudantis; em maio, centenas
de milhares de estudantes fazem quase que diariamente manifestos contra
a corrupção no alto escalão do regime e exigem a abertura política,
inspirados no modelo soviético.
O movimento tem como centro a Praça da Paz Celestial, onde estão
instalados os principais órgãos do poder em Pequim.
A cúpula do Partido Comunista exige o fim dos protestos e decreta Lei
Marcial. Em junho, o exército abre fogo contra os estudantes.
O massacre da Praça da Paz é seguido de uma onda de repressão.
Milhares de pessoas são presas em todo o país.
O endurecimento político não afeta a abertura econômica, que prossegue
em ritmo vertiginoso. O crescimento rápido e desordenado, porém, logo
provoca efeitos desestabilizadores com o aparecimento de grandes
desigualdades sociais e o agravamento das disparidades regionais.
Em fevereiro de 1997 morre, aos 92 anos, Deng Xiaoping, o idealizador da
economia-socialista de mercado. Jiang Zemim passa a ser o novo homem
forte do regime.
Jiang tinha que dar continuidade ao processo de abertura econômica
imposta pelo seu antecessor. E tinha pela frente uma China desestruturada
sob o ponto de vista das disparidades regionais e ainda conforme ficou
96
decidido no 15º Congresso do Partido Comunista Chinês era necessário
tirar dos ombros do Estado as empresas oficiais.
Em outras palavras, Zemim precisava iniciar o processo de privatizações.
O congresso anuncia um gigantesco programa de privatização, que incluirá a
maioria das 370 mil estatais chinesas. Elas empregavam mais de 70 milhões de
pessoas e estão completamente endividadas.
Em outubro de 1997, Jiang visita os EUA e negocia com Clinton a
ampliação da abertura econômica de seu país em troca do apoio norte-
americano à entrada da China na Organização Mundial do Comércio (OMC).
Em 2006, a China continua sua ascensão rumo ao topo da economia
mundial, com um crescimento do seu PIB, em torno de 10% ao ano, sendo a
economia que mais cresce no mundo e, a partir de estudos e análises, vem
provando que esse crescimento ainda tem muito fôlego.
A questão Irlandesa
A Irlanda, a Oeste da Grã-Bretanha, é uma ilha relativamente extensa para
os padrões europeus (84.200 Km2).
Seus antigos habitantes eram de etnia celta, cristianizados a partir do
século V, os irlandeses jamais conseguiram alcançar a unidade política.
Em 1534 o rei Henrique VIII deu início à Reforma Anglicana, que
estabeleceu na Inglaterra e em Gales uma religião protestante oficial. Os
irlandeses não aderiram à reforma e permaneceram inteiramente católicos até
mesmo como forma de preservar sua identidade nacional perante os
dominadores ingleses.
Em 1642 começou na Inglaterra a Revolução Puritana que produziu em
1649 a queda da monarquia e a proclamação de uma República dirigida por
Oliver Cromwell – um calvinista fanático e implacável, muito mais anti-católico do
que os anteriores reis anglicanos. As medidas por ele adotadas contra os
irlandeses suscitam em rebelião, que Cromwell esmagou pessoalmente à frente
de suas tropas. Milhares de irlandeses foram massacrados durante a repressão e
vastas extensões de terras, confiscadas dos católicos, passaram para as mãos
97
de proprietários protestantes recém-chegados.
Após a morte de Cromwell, a monarquia foi restaurada na Inglaterra, com
a volta da dinastia Stuart, que fora deposta em 1649. Mas em 1688, o rei Jaime II
Stuart, católico e com tendências absolutistas foi deposto pela Revolução
Gloriosa, apoiado por Luis XIV da França, Jaime II desembarcou na Irlanda em
1690 e liderou uma revolta dos irlandeses, contra a dominação inglesa. No ano
seguinte, porém, suas forças foram inapelavelmente batidas pelo novo rei inglês,
Guilherme III de Orange. Ainda hoje para comemorar a data daquela vitória, os
protestantes da Irlanda do Norte provocam os católicos desfilando diante deles
com bandeiras e insígnias de cor alaranjada.
Em 1905, os nacionalistas irlandeses fundaram o Sinn Fein (“Nós
sozinhos”), partido político que lutaria legalmente pela independência do país.
Os protestantes reagiram organizando a Força de Voluntários do Ulster
formação paramilitar destinada a apoiar as tropas britânicas na Irlanda.
Nas eleições de 1918, o Sinn Fein elegeu a maioria dos deputados
irlandeses ao Parlamento inglês e, no ano seguinte, proclamou unilateralmente a
independência da Irlanda. As tropas britânicas e os voluntários do Ulster
reagiram com violência, e o país conheceu dois anos de selvagens ações
territoriais e de guerrilha. A essa altura o Ulster já era uma região industrializada
onde os protestantes haviam se tornado maioria, graças à forte imigração de
operários ingleses, escoceses etc.
Mas o Ulster (oficialmente denominado Irlanda do Norte) permaneceu
vinculado ao Reino Unido da Grã-Bretanha. O Estado da Irlanda foi integrado na
Commonwealth (Comunidade Britânica das Nações), com o mesmo status do
Canadá, África do Sul, Austrália e Nova Zelândia.
Mas, ao contrário desses outros países os sentimentos dos irlandeses
para com a Inglaterra sempre foram amargos. Por isso, durante a II Guerra
Mundial, enquanto canadenses e sul-africanos, australianos e neozelandeses
participaram ativamente do conflito, como, aliás, da Grã-Bretanha, a Irlanda
permaneceu neutra. E, em 1949 desligou-se da Commonwealth e proclamou sua
independência total, com o nome de República da Irlanda ou Eire (seu nome
céltico original).
Mas o Eire é um país agrário, com possibilidades econômicas limitadas e
98
uma taxa de crescimento demográfico elevada para os padrões europeus.
Por essa razão, muitos católicos do sul acabaram migrando para a Irlanda
do Norte, em busca de trabalhos e atualmente constituem aproximadamente 40%
da população local, mas sofrem forte discriminação por parte da maioria
protestante.
Em 1956, surgiu na Irlanda do Norte o I.R.A. (Exército Republicano
Irlandês) organização terrorista irlandesa cujo objetivo é promover a anexação da
Irlanda do Norte ao Eire.
Oficialmente, o governo do Eire repudia a ação do I.R.A... Mas este conta
com grande simpatia entre a população do sul e tem o apoio de praticamente
toda comunidade católica do Norte.
Além disso, o I.R.A. utiliza o partido Sinn Fein como seu porta-voz e repre-
sentante político.
Em 1997 o primeiro ministro trabalhista Tony Blair "costurou" um acordo
multilateral, no qual participaram, ele próprio, o primeiro ministro do Eire, repre-
sentantes do Sinn Fein e dos Unionistas (protestantes da Irlanda do Norte),
houve até a intervenção do presidente dos Estados Unidos, Bill Clinton.
O acordo prevê eleições livres para um Parlamento a ser instalado na
Irlanda do Norte, o qual indicara um primeiro ministro para governar a região.
Esta permanecerá ligada ao Reino Unido, no entanto, recupera a autonomia
perdida em 1972 depois do episódio conhecido como "Domingo Sangrento"
quando soldados ingleses mataram 14 civis católicos em Belfast; nesta ocasião
autoridades de Londres assumiram diretamente o governo local.
A diferença agora é que os católicos terão direito de voto, que antes Ihes
era negado. Mas os extremistas dos dois lados ainda apostam em ações
violentas, cujo impacto pode ameaçar o processo de paz.
Em dezembro de 99, reúne-se pela primeira vez o gabinete do governo
autônomo da Irlanda do Norte, pondo fim a 27 anos de total controle britânico. A
presidência do novo governo é ocupada pelo protestante David Trimble e a vice-
presidência pelo católico Seamus Mellon. A autonomia estava prevista no acordo
de sexta-feira santa de 1998.
Em 2006, o I.R.A depõe suas armas e promete não mais agir de forma
violenta, sendo apenas um partido político e portanto, concorrendo às eleições
99
democráticas naquele país. Resta esperar pra ver se realmente a promessa se
cumprirá.
Fundamentalismo religioso
O fortalecimento dos grupos fundamentalistas, que buscam no fundamento
da religião a base para a organização da vida social e política é visto como
resposta à incapacidade dos governos de solucionar o problema do aumento da
miséria e do desemprego e da concentração de renda.
Em regiões de forte tradição religiosa, facções fundamentalistas assumem
a vanguarda do combate ao modelo econômico vigente. É o caso do mundo
árabe, onde o fundamentalismo se torna o maior desafio aos dirigentes alinhados
ao Ocidente. Exemplos:
Argélia
País situado ao norte da África, antiga colônia francesa, que conquistou
sua independência em 1962. Seu principal produto de exportação é o petróleo e
o gás. Em 1987 - a queda nos preços internacionais do petróleo leva o governo
argelino a cortar drasticamente os gastos públicos, sobretudo nas áreas sociais.
Esta medida reforça a Frente Islâmica de Salvação (FIS) cuja proposta de
criação de um Estado Islâmico ganha popularidade.
Uma reforma constitucional em 1989 põe fim ao regime de partido único, e
nas eleições locais de 1990 a FIS sai vitoriosa.
A partir daí a FIS lança campanha contra a influência ocidental e aprova
uma lei que torna o árabe a língua oficial a partir de 1997.
Nas eleições gerais de dezembro de 1991, a FIS conquista a maioria
Parlamento. Esta vitória deflagra um golpe de estado liderado pelo Exército, e o
poder passa para as Forças Armadas. O golpe tem apoio velado do Ocidente, em
especial da França, que teme um Estado Fundamentalista às margens do
Mediterrâneo. A decretação da ilegalidade do FIS e a prisão de militantes
desencadeiam onda de atentados.
100
Entre 1992 e 1995 a Argélia vive o clima de guerra civil. Em 94 surge o
Exército Islâmico de Salvação (EIS), vinculado à F1S que também mantém
relações com o Grupo Islâmico Armado (GIA).
Em janeiro de 1998 mais de mil pessoas são mortas durante o Ramadã
(mês sagrado para os muçulmanos). Os EUA e a UE enviam uma delegação
para investigar os massacres e negociar a paz entre os grupos.
Em 1999 - o novo governo inicia no país um processo de reconciliação
com a finalidade de atenuar o plano de austeridade lançado no mesmo ano; não
podemos esquecer que um plano econômico semelhante a este lançado em
1987 foi decisivo para o crescimento da FIS entre as camadas mais pobres da
população.
Afeganistão
Já vimos que este país em 1979 sofre intervenção soviética que só
terminou com a retirada das tropas russas em 1988 e 1989.
Após a salda das tropas soviéticas, intensificaram-se os combates entre a
oposição e o governo simpático a Moscou.
No inicio de 1995, entra em cena a milícia islâmica Taliban (estudante, em
persa), grupo fundamentalista da etnia patane financiado pelo Paquistão.
Muçulmanos da linha sunita, os integrantes do Taliban passam a conquistar os
territórios. Em setembro, no entanto, o Taliban conquista Cabul, adquirindo o
controle de 70% do território.
O Taliban impõe o comprimento estrito da Sharia, o código legal
muçulmano que prevê, entre outras medidas, a amputação dos pés e mãos em
casos de roubo e a exclusão total das mulheres da sociedade. Apesar do rígido
código moral, o governo dos EUA acusa o Taliban de sustentar-se com um
imposto de guerra cobrado dos traficantes de drogas. Dados da ONU indicam
que o país duplicou a produção de ópio sob o comando do Taliban.
Em agosto de 1998 o Taliban amplia seu domínio para 90% do país. No
mesmo mês os EUA dispararam mísseis sobre supostos campos de treinamento
de terrorista no país.
Em represália o Taliban provoca o assassinato de nove diplomatas,
101
massacra uma minoria Xiita da região de Mazar-e-Sharif, e mata um jornalista
iraniano. Essa situação leva o Afeganistão e o Irã à beira da guerra.
Atualmente o Afeganistão vive um isolamento internacional, que só não é
total devido ao respaldo dado pelo Paquistão. A Índia acusa o Taliban de enviar
combatentes para apoiar os rebeldes muçulmanos em Caxemira.
Em março de 1999 o governo afegão anuncia a formação de um gabinete
de coalizão com os grupos oposicionistas. Mas o acordo de paz não é
implementado e. em setembro, as forças do Taliban retomam os ataques.
Em setembro de 99 a Federação Russa acusa o governo do Afeganistão
de financiar o separatismo Islâmico na Chechênia e no Daguestão.
Após o 11 de setembro, os USA promovem ataques ao Afeganistão,
dizendo-se a procura de Bin Ladem, tido como idealizador e comandante desses
ataques. O país é destruído, porém o mesmo não é encontrado, permanecendo
em local incerto e não sabido.
Confronto nuclear Indo-Paquistanês
Com a aproximação da data da independência, as minorias hindus e
muçulmanas instaladas em territórios adversos, procuraram alcançar a
segurança dos futuros da Índia e do Paquistão.
Os príncipes indianos, pressionados a optar pela incorporação a um ou
outro estado, fizeram-no de acordo com sua orientação religiosa. Dois
principados muçulmanos situados dentro da Índia tentaram preservar sua
autonomia, mas foram invadidos pelo recém-criado Exército Indiano.
O governo da Índia independente de tendência fortemente centralista não
toleraria enclaves que pudessem estimular o separatismo das minorias.
E aí começou o problema da Caxemira. Essa vasta região montanhosa,
situada no extremo norte da índia britânica, tem uma importantíssima posição
estratégica entre o Afeganistão o Tibet (que a China conquistou em 1951), além
disso, ficava muito perto da fronteira com a União Soviética. Durante o domínio
inglês o estado de Jammu e Caxemira era governado por um marajá hindu, mas
80% de seus habitantes eram muçulmanos.
Ao chegar a independência, o marajá optou por unir seu estado à Índia,
102
embora a maioria da população desejasse ser incorporada ao Paquistão.
Estourou uma insurreição entre a comunidade islâmica, com apoio
paquistanês. As forças indianas reagiram e uma guerra não declarada entre os
dois países arrastou-se até julho de 1949, quando um acordo provisório foi
assinado sob a égide da ONU. Seguindo a linha do cessar fogo, as porções norte
e oeste da Caxemira couberam ao Paquistão.
Decidiu-se que futuramente haveria um plebiscito para definir o destino de
toda a região, mas a Índia jamais aceitou cumprir esta cláusula.
Em fevereiro de 1994, o Parlamento Indiano declarou solenemente que a
Caxemira (incluindo o território em poder do Paquistão) é parte inseparável da
União Indiana.
Atualmente, a questão entre a Índia e Paquistão ganhou importância
internacional, pois envolve dois países que possuem bomba atômica. O fato é
mais preocupante, segundo a visão ocidental do problema, diante da nova ordem
mundial, na qual as decisões sobre o que deve e o que pode ser feito no mundo
já não dependem exclusivamente de Moscou e Washington.
Mais uma vez a Chechênia
Você se lembra que em 1996 foi assinado um acordo de paz entre a
Rússia e a Chechênia e que a decisão sobre o Status político da república havia
sido adiada para 2001?
Pois muito bem! Em agosto de 1999 guerrilheiros muçulmanos vindos da
Chechênia invadem aldeias no Daguestão e anunciaram a criação de um estado
islâmico independente.
Em setembro as forças russas expulsam os rebeldes de volta para a
Chechênia. Nesse mês, uma série de explosões em edifícios residenciais, em
Moscou c outras cidades russas, mata mais de 300 pessoas e o governo federal
responsabiliza a Chechênia. Logo em seguida começam os bombardeios em
território checheno e no final de setembro tropas russas seguem para a região. O
exército russo conquista o norte da república, levando cerca de 200 mil
chechenos a refugiarem-se na vizinha Ingushetia e completa o cerco a Grozny
em dezembro. Apesar da pressão para cessar fogo, Moscou não aceita
103
mediação internacional.
Em meio a esta tormenta, e a perda de prestigio de leltsin, a Rússia via
crescer a energia de Vladimir Putin, indicado por leltsin para o cargo de 1º
Ministro.
Segundo o povo e os políticos Putin havia agido com inteligência e energia
no episódio da Chechênia e por isso sua popularidade estava em alta.
Percebendo essa situação, Boris leltsin acertou com Putin a segurança
para si e seus familiares através de acordo prometendo renunciar e passar o
governo a Putin, fato este ocorrido no dia 31 de dezembro de 1999.
Putin ao assumir prometia dar continuidade ao processo de
democratização da Rússia. Sem dúvida a chegada de Putin ao governo foi mais
uma estratégia do Velho Urso (leltsin), pois deixou os comunistas ansiosos do
poder sem forças para disputar o cargo, pois o prestígio de Putin junto ao povo é
incontestável.
Timor Leste
Ex-colônia portuguesa de maioria católica conquistou sua independência
em 1975. Antes mesmo que os timorenses tivessem tempo para desfrutar sua
independência foram anexados pela Indonésia.
A partir da invasão, o governo e exército indonésios instauraram um
tirânico e sangrento controle sobre a ex-colônia lusa. Com o apoio da maioria da
população local, foi organizado um movimento guerrilheiro separatista que,
apesar da dura repressão Indonésia, manteve acesa a chama da Liberdade.
Calcula-se que cerca de 200 mil Timorenses foram assassinados pelos
ocupantes. Desde 1992, o ensino da língua portuguesa foi proibido nas escolas
do Timor Leste.
Portugal, interessado em preservar a Iusofonia nas áreas pertencentes a
seu antigo império colonial, sempre defendeu a independência Timorense junto
aos organismos internacionais. Graças a esse esforço a Onu não reconheceu a
anexação realizada pela Indonésia e, em 1994, a Comissão do Prêmio Nobel da
Paz concedeu o galardão a dois lideres da resistência Timorense; o bispo
católico Carlos Ximenes Belo, e o jornalista José Ramos Horta. Outro país que
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passou a apoiar a causa de Timor Leste foi a Austrália, potência democrática
regional que recebeu milhares de refugiados Timorenses.
Em 1997 a Indonésia é atingida pela crise econômica asiática e o caos
econômico provoca o fim da ditadura imposta por Suharto.
Em março de 1999 quando o novo presidente Habibie toma posse, assina
um acordo com Portugal, que prevê a realização de um plebiscito dentro da
Federação da Indonésia.
O resultado do plebiscito sai em agosto de 99 no qual a Independência
recebe 78,5% dos votos. Oficialmente o governo aceita o resultado, mas suas
tropas armam paramilitares do comando de luta pró-integração, que destroem a
capital Dilli e massacram centenas de pessoas.
A ONU envia uma força de paz para a região, a INTERFET, sob direção
australiana. A maior parte das tropas indonésias sai do Timor e o líder da
FREHLIN, Xanana Gusmão, preso desde 1992 é libertado. O presidente da
Indonésia admite a independência da região e o secretário geral da ONU indica o
brasileiro Sérgio Vieira de Melo como chefe da Administração Provisória do
Timor.
Obs.: A Austrália forneceu o maior contingente de força de paz enviada
pela ONU (2 mil homens). O Brasil embora seja o maior país lusófono do mundo
limitou-se a enviar uma representação simbólica de 51 elementos da Policia do
Exército. Mais tarde este número foi consideravelmente acrescido.
Por que a Indonésia reprimiu a independência?
Porque o país (mais de 206 milhões de habitantes – 89% deles islâmicos)
teme a erupção do separatismo baseado na diferença de etnias (há cerca de 300
etnias na Indonésia) e de religiões.
105
UNIDADE 8 - AS METRÓPOLIS MUNDIAIS
A Definição de Cidades
Uma das questões complexas e também fascinantes da Geografia é a
análise do processo de formação e crescimento das cidades, pois, trata-se de um
dos fatos mais dinâmicos e que mais influenciaram as transformações ocorridas
no espaço geográfico mundial.
Segundo o geógrafo Milton Santos, “é muito grande o problema de definir
corretamente o que seja uma cidade”. Embora essa questão também seja
analisada por sociólogos e economistas, o ponto de vista que nos valerá é o do
geógrafo, uma vez que a “cidade constituiu uma forma particular de organização
do espaço, uma paisagem e, por outro lado, preside as relações de um espaço
maior, em seu derredor, que é a sua zona de influência”.
“O que é a cidade? – Um lugar de trocas. Trocas materiais antes de tudo:
o lugar mais favorável à distribuição dos produtos da Terra, à produção e
distribuição dos produtos manufaturados e industriais e, enfim, ao consumo dos
mais diversos bens e serviços. A essas trocas materiais ligam-se de maneira
inseparável, as trocas do espírito: a cidade é por excelência o lugar do poder
administrativo, ele mesmo representativo do sistema econômico, social e político,
e é, igualmente, o espaço privilegiado da função educadora e de um grande
número de lazeres: espetáculos e representações que implicam a presença de
um público bastante denso”.
Em outras palavras, a cidade é uma concentração de pessoas e de
atividades econômicas secundárias (indústria) e terciárias (comércio e serviços).
E, afinal das contas, por que as cidades atraem tanta gente? Na visão de
alguns especialistas, a motivação para o deslocamento é basicamente
econômica. As pessoas vão morar nas cidades porque nelas acreditam que
terão uma vida melhor. E a maioria realmente acaba tendo. Para os pobres, um
centro urbano continua a oferecer mais chances de empregos e de melhor
remuneração que o campo. A cidade dá oportunidade de ascensão social e
106
também de acesso às modernidades tecnológicas, como a luz elétrica, a rede de
transporte etc.
A Origem das Cidades
As cidades podem ter suas origens ligadas a diversos fatores, como: uma
fortificação, núcleos de colonização, área de atividades extrativas, culturais,
econômicas ou tecnológicas.
Independentemente do que levou ao seu aparecimento, elas têm apenas
duas classificações quanto à origem: espontâneas ou planejadas.
As espontâneas são aquelas que sugiram naturalmente, de um modo
geral em locais estratégicos, como entroncamentos de estradas, margens de
estradas, litoral etc.
As planejadas são construídas com uma finalidade especifica: serem
capitais de estados ou países, sedes de indústrias, complexos de mineração etc.,
por exemplo.
Embora as cidades planejadas passem uma idéia de terem menos número
de problemas urbanos, isso não acontece na prática. Com o passar do tempo as
mesmas contradições de outros centros urbanos de um país ou de uma região
também estarão reproduzidas nelas.
Brasília é um caso típico. No final dos anos de 1950, época em que
Brasília foi planejada pelos arquitetos Lucio Costa e Oscar Niemayer, previa-se
que no ano 2000 ela com 250 mil habitantes. Em 2001, a população de Brasília
estava próxima de 2 milhões de pessoas. Por causa disso, a reconhecida
qualidade de vida do Plano Piloto da capital brasileira encontra-se ameaçada: o
elevado crescimento populacional das cidades satélites tem provocado sérios
transtornos no abastecimento de água, na sobrecarga do transporte coletivo, no
saneamento básico e demais sistemas de infra-estrutura urbana.
Falando nisso...
Para melhor entender o processo de urbanização é preciso conhecer sua
termologia especifica.
107
Conceitos básicos de urbanização
Metrópole: a palavra metrópole vem do grego metrópoles e quer dizer
“cidade mãe”. Refere-se, assim, à grande cidade, de população numerosa.
Sítio urbano: “É o assento da cidade, é a localização exata do espaço
construído, em suas relações com a topografia local”. (Max Derruau).
“Defini-se o sítio pelo quadro topográfico no qual se enraizou a cidade, pelo
menos em suas origens”. (Pierre George).
Funções urbanas: serviços que a cidade proporciona, destinados não
somente a seus habitantes, como também aos das cidades vizinhas e suas
cercanias. Sabe-se que as cidades, principalmente as metrópoles,
possuem diversas atividades e serviços. Entretanto, cada uma tem uma
atividade básica, a qual se denomina “função da cidade”.
A seguir alguns exemplos de funções da cidade:
Industrial: Volta Redonda (RJ), Detroit (EUA).
Administrativa: Brasília, Palmas (TO), Washington (EUA).
Turística: Ouro Preto (MG), Porto Seguro (BA), Miami (EUA).
Religiosa: Aparecida do Norte (SP), Vaticano, Jerusalém (Israel).
A Expansão Urbana
Em 1800, cerca de 8% da população mundial vivia nas cidades, em 1900,
essa percentagem passou pra 15%; em meados do século XX atingiu 29% e, em
1993, ultrapassou os 45%. Na primeira década do terceiro milênio, estima-se que
55% dessa população viverá em cidades.
A urbanização apresenta-se como um fenômeno global. No entanto, a
forma pela qual se processou, nos diversos países apresenta notáveis
diferenças. Nos países desenvolvidos, aqueles que representam os maiores
índices de urbanização, ela ocorreu de forma integrada: a indústria empregou a
108
mão-de-obra do campo e forneceu, simultaneamente, máquinas para suprir a
liberação da mão-de-obra rural. O período de maior intensidade da urbanização
verificou-se do século XIX até meados do século XX.
No início do século XXI, a metropolização está cada vez mais identificada
com os países de Terceiro Mundo, pois a população urbana dos países
desenvolvidos cresce, em média, 0,8% ao ano. Em compensação, nas nações
pobres, esse índice é de 3,5% ao ano. Prevê-se que, até em 2015, o crescimento
populacional das cidades dos países pobres seja de 52% e de apenas 7% nas
nações desenvolvidas.
As projeções da ONU revelam que, em 2015, nove entre as dez maiores
cidades do mundo estarão nos países subdesenvolvidos. A explicação para esse
fenômeno está no próprio crescimento vegetativo das cidades e na forte corrente
migratória campo/cidade registrada nessas nações. Nessa data, acredita-se que
teremos 527 cidades com mais de um milhão de habitantes e três quartos delas
situadas em países pobres.
Noticias
Seis horas da tarde, vista de cima, a cidade parece uma árvore de natal.
Para quem está no chão é um inferno. Segundo o departamento de trânsito, há
pelo menos 100 quilômetros de congestionamentos. A velocidade média dos
carros é de 20 quilômetros por hora. O ar é irrespirável e o barulho,
ensurdecedor. O trânsito dos pedestres é atrapalhado por centenas de camelôs
que atravancam as calçadas. Nos pontos de ônibus e nas estações de metrô, as
pessoas se acotovelam por uma posição melhor a fim de conseguir condução
para casa. Entre o ponto de ônibus e o prato com jantar, pode levar duas, três
horas. Quem atravessa a rua tem de prestar muita atenção. Além dos carros e
caminhões parados no tráfego congestionado, há motocicletas que passam entre
as faixas e atropela quem estiver no caminho. Há também os carroceiros e os
ciclistas que andam na contramão. Onde? O leitor pode escolher: Cidade do
México, Bangcoc, Xangai, São Paulo. Os problemas que atormentam as pessoas
que vivem nas grandes cidades de todo o mundo são muito semelhantes:
trânsito, poluição, sujeira, violência (...).
109
(...).
Hoje, há quase 3 bilhões de pessoas vivendo em cidades. Dentro de 25
anos serão 5 bilhões – mais da metade da humanidade. A população urbana
está crescendo muito e criando problemas de difícil administração.
Pior: está crescendo mais, e mais rapidamente, em países pobres, sem
dinheiro para investir em melhoramentos essenciais. Se as coisas continuarem
como estão, este século terá uma História de gente infeliz, pobre e doente.
Geógrafos, arquitetos e economistas andam se debruçando sobre as cidades
para descobrir como reverter o estado de falência generalizada em que elas
mergulharam. Segundo projeções da Organização das Nações Unidas, ONU, em
2015 haverá no planeta 27 megalópoles com mais de 10 milhões de habitantes.
Elas são, na maioria, cidades que não tem tratamento de esgoto, coleta de lixo,
hospitais, escolas e transporte público suficiente para atender a sua população
atual. Jacarta, na lndonésia, já conta com 14 miIhões de habitantes - e o esgoto
corre a céu aberto na cidade. As projeções do Banco Mundial indicam que dentro
de 15 anos Bombaim, na Índia, terá 27 milhões de habitantes, a maior parte
deles miserável, e deverá sofrer epidemias de tifo e esquistossomose.
A questão é que as grandes cidades se tornaram caras e insalubres e para
concertá-las é preciso um investimento enorme, que a maior parte delas não vai
receber. Uma das principais indagações dos economistas, sociólogos e
arquitetos neste final de século o que lazer com esses favelões. Trata-se de um
problema demográfico que ninguém previu. A ONU, o Banco Mundial e outras
instituições internacionais estão investigando a questão. Em universidades de
todo o mundo há gente dedicada a estudar o assunto. (...) As cidades já estão
atingindo tamanho sem precedentes. Tóquio tem 27 milhões de habitantes, a
grande São Paulo passou de 17 milhões e Bombaim, na Índia, chega a quase 18
milhões. Tanta gente aglomerada produz um quadro de cores medievais.
Segundo pesquisas feitas pela ONU, pelo menos 220 milhões de pessoas que
vivem em cidades não têm acesso à água potável, mais de 420 milhões não
dispõem de uma simples latrina, dois terços do lixo sólidos gerados nos centros
urbanos não são coletados e mais de um biIhão de pessoas respira ar de má
qualidade. Adequação das cidades à nova realidade econômica tornou-se uma
necessidade urgente. (...)
110
As Aglomerações Urbanas
A expansão urbana pode resultar em várias formas de aglomeração
humana, pois “o poder de atração que uma cidade exerce em torno da área que
a cerca, conseqüente das transações comerciais que realiza com as áreas rurais,
provoca a formação de áreas de influencia e, em conseqüência, regiões
polarizadas”.
As aglomerações urbanas podem ser classificadas como: conturbações,
megalópoles, regiões metropolitanas, áreas metropolitanas, macrocefalias
urbanas e biocefalias urbanas.
Conturbação
Conjunto formado por duas ou mais cidades próximas, em que ocorre
interação física e fundamental entre elas, como São Paulo e Osasco.
Megalópole
Conjunto de metrópoles interligadas, abrangendo extensas áreas, como
BOSWASH (Boston, Nova Iorque, Filadélfia, Baltimore e Washington), CHIPITS
(Chicago, Cleveland e Pittsburgh), SANSAN (San Francisco, Los Angeles e San
Diego), Tóquio-Osaka etc.
Região metropolitana
São grandes espaços urbanizados integrados funcionalmente a uma
metrópole. No Brasil, em 2001 existiam, oficialmente, nove regiões
metropolitanas: Belém, Fortaleza, Recife, Salvador, Rio de Janeiro, Belo
111
Horizonte, São Paulo, Curitiba e Porto Alegre.
Áreas metropolitanas
Correspondem a grandes espaços urbanizados, integrados funcionalmente
e, em alguns casos, existem áreas conturbadas a uma megalópole e onde a
administração e o planejamento exigem uma ação conjunta, em termos de
abastecimento, circulação, educação, localização industrial etc.
Macrocefalia urbana
Corresponde a uma cidade, normalmente a capital de um país, com uma
elevada concentração humana em relação ao número total de habitantes,
superando duas ou mais vezes a população das duas cidades colocadas
imediatamente abaixo dela. Como exemplo cita-se Buenos Aires (Argentina) e
Lagos (Nigéria).
Bicefalia urbana
Corresponde aos países onde duas cidades comandam sua rede urbana.
Como exemplos citam-se o Brasil (São Paulo e Rio de Janeiro), a Alemanha
(Berlim e Bonn) a Rússia (Moscou e São Petersburgo) etc.
Os Contrastes da Urbanização no Terceiro Mundo
Nos países de Terceiro Mundo a urbanização agrava os problemas
socioeconômicos, devido à pressão demográfica sobre os centros urbanos, pois
o crescimento econômico não acompanha a expansão urbana, causando assim,
o inchaço urbano. Dessa forma, há um desequilíbrio entre a população e sua
absorção pelo mercado de trabalho, refletido no aumento da marginalização, do
desemprego e do subemprego e na pior das condições de vida, principalmente,
para os mais pobres.
Estudos apontam que a qualidade de vida para grande parte das
112
populações urbanas dos países pobres deve sofrer grande deterioração nos
próximos anos. Um dos aspectos mais graves é o aumento do número de
favelados nos países subdesenvolvidos, que deverá ser próximo a 1 bilhão de
pessoas.
Nos grandes centros urbanos dos países não desenvolvidos é mais
perceptível a exigência de duas paisagens antagônicas: a “legal”, aquela
construída segundo as normas urbanísticas vigentes, e a “ilegal”, que resulta da
ocupação de terrenos públicos e privados, pelos moradores pobres, ou resultado
dos loteamentos clandestinos realizados por empresários inescrupulosos.
A dinâmica urbana dessas cidades é muito mais acelerada que a dos
países ricos. Os bairros mudam de função, as indústrias se deslocam para a
periferia, bairros nobres centrais são ocupados pelas populações mais pobres
que transformam as casas em cortiços.
A cidade cresce tanto verticalmente quanto na superfície. O mesmo
fenômeno de deterioração da área central encontrado nos países de Primeiro
Mundo pode ser observado nas grandes metrópoles brasileiras, como é o caso
de São Paulo e do Rio de Janeiro, onde o antigo centro envelheceu e formaram-
se novas áreas que abrigam um setor terciário moderno (comércio e serviços).
Os contrastes sociais também são notáveis e se refletem na paisagem
urbana. Uma pequena parcela da população vive em imóveis protegidos,
modernos e confortáveis, enquanto a maior parte da população mora em bairros
que possuem casas precárias, sem serviços e instalações elementares: não
possuem rede de esgoto, água encanada, iluminação pública e equipamentos
públicos, como hospitais, escolas etc.
A indústria e o setor terciário não são suficientes desenvolvidos para
oferecer empregos aos novos migrantes e àqueles que nascem na própria
cidade. Dessa maneira, grande parte da população economicamente ativa se
volta para a economia informal, que proporciona baixos rendimentos,
amenizando muito pouco o significativo desemprego urbano.
Você sabia:
O termo economia informal corresponde a um aparte dos circuitos
113
econômicos que existem internamente nas cidades. A economia informal aloja-se
dentro do circuito inferior ou “invisível” da economia. O ingresso nas atividades
informais nas atividades informais é fácil e não depende de ida, sexo ou grau de
instrução das pessoas. Normalmente, a produção é realizada com tecnologias
adaptadas e em pequena escala, com a utilização intensiva do trabalho.
Esse setor agrega todas as atividades que possuem uma existência legal e que
não recolhem impostos. A economia informal movimenta bilhões todos os anos,
em especial, nos países pobres.
Falando nisso...
No Brasil existem diferenças significativas entre o nível de urbanização
das cidades. Ao longo dos problemas urbanos das grandes metrópoles
brasileiras, existem algumas cidades que apresentam boa qualidade de vida.
Elas são, normalmente, cidades médias, localizadas quase todas no
centro-sul do país e com uma população oscilante entre os 100 mil e os 500 mil
habitantes. Fazem parte dos acentuados contrastes de um país que tem um pé
na prosperidade (como uma Bélgica e uma Holanda) e o corpo imenso e carente
de uma Índia.
Essas cidades médias cresceram de dentro para fora, isto é, tornaram-se
pólos das zonas agrícolas dinâmicas e passaram a industrializar os produtos
da lavoura e/ou da pecuária da região que as circunda. Com o passar do tempo
receberam fábricas diversificadas e expandiram seus serviços, que, em algumas
delas, são bastante sofisticadas. Elas já se livraram das carências visíveis de
pequenas cidades, mas não apresentam a mesma intensidade dos problemas
das grandes metrópoles e estão sendo menos afetadas pelas crises econômicas
e sociais do país: o número de mendigos é baixo; a oferta de emprego, alta; o
número de favelados, pequeno; o transporte urbano, rápido e confortável. Os
sistemas de serviços públicos são eficientes e os níveis de segurança da
população, elevados. A oferta de ensino é, muitas vezes, surpreendentemente
boa e de bom nível. Caxias do Sul/RS, Blumenau/SC, Maringá/PR, Ribeirão
Preto/SP, Uberlândia/MG, Nova Friburgo/RJ, Campo Grande/MS, são, apesar de
suas diferenças, ótimos exemplos de cidades médias com boa qualidade de vida.
114
A Rede Urbana
A rede urbana é um complexo sistema circulatório entre cidades de
funções diferentes. Cidades pequenas e médias não apenas passam às
metrópoles o excedente da parte agrícola que captam como também Ihes
vendem serviços. Assim, entende-se como rede urbana a distribuição espacial
entre as cidades e as relações mantidas entre elas: as pequenas cidades são
atraídas pelos serviços prestados pelas cidades de médio porte, que, por sua
vez, sofrem a polarização das metrópoles.
Uma rede urbana é um espaço que surge do crescimento do número de ci-
dades e da população que nelas vive e que, com o tempo, vai se hierarquizando
a partir da influência econômica, política e cultural que as cidades maiores e mais
bem equipadas de serviços exercem sobre as outras e sobre o meio rural. Existe
uma regra geral para a hierarquizando das cidades: para milhares de pequenas
delas existem centenas de cidades médias e algumas poucas metrópoles,
A existência de uma rede urbana, completa, parte do princípio de que é
necessária uma intensa urbanização acompanhada por uma industrialização.
Os países pouco urbanizados e industrializados apresentam normalmente
redes urbanas fracas e incompletas, nos diversos níveis hierárquicos que se
formam, sendo, portanto, a rede urbana completa uma característica mais do
Primeiro que do Terceiro Mundo. Entretanto nos países emergentes, nota-se a
presença de redes urbanas mais hierarquizadas, pois apresentam maiores
índices de urbanização, como o Brasil, a Coréia do Sul, a Argentina, o México.
Assim, pode-se dizer que a rede não se restringe à distribuição espacial
das cidades; existem também relações estabelecidas entre elas. Há redes mais
ou menos organizadas, que dependem do estagio de evolução em que se
encontram as cidades.
As Cidades Globais
A partir dos anos 1990, começaram os estudos de cidades que têm
influência nacional e também internacionais, conhecidas como cidades globais
115
ou mundiais.
A classificação das cidades globais não apresenta uma relação direta com
o tamanho de sua população, critério tradicionalmente utilizado para medir o nível
hierárquico das cidades. Ela tem um conceito de caráter mais econômico do que
demográfico e, apesar de a maioria das cidades globais apresentar uma
população superior a milhões de habitantes, esse não é um fator preponderante.
Elas correspondem aos principais centros financeiros, de serviços modernos e
especializados (assessorias e pesquisas) e controle administrativo das grandes
empresas multinacionais ou das organizações econômicas internacionais.
Essas cidades constituem uma rede urbana por onde circula a maior parte
do capital financeiro mundial, estimado em 1,4 trilhão de dólares por ano.
Segundo a professora Saskia Sassen, da Universidade de Chicago, “é por meio
da rede de cidades globais que a economia global é administrada, coordenada,
planejada e servida”. (...) Algumas dessas cidades preenchem o que seria mais
bem descrito como funções de portal: elas administram o fluxo (de dinheiro,
serviços e pessoas) de entrada e saída do país.
O número de cidades globais varia em extensão e conteúdo dependendo
do critério adotado pelos pesquisadores. Um dos pioneiros nesse tema foi o
norte-americano John Friedman, que listou 31 dessas cidades. No final da
década de 1990, de acordo com um trabalho do Grupo de Pesquisa em
Globalização e Cidades Mundiais, da Universidade de Loughborouh (Inglaterra),
existem 55 cidades globais no mundo. Esse mesmo trabalho elaborou uma
classificação desses centros urbanos por categorias, em uma escala que varia de
1 a 12, sendo que Nova Iorque ficou no nível 1 (com doze pontos) e São Paulo
no nível 2 (com oito pontos). Logicamente, nota-se que no topo dessa hierarquia
urbana, encontram-se as principais cidades dos países desenvolvidos, como
Nova Iorque, Londres, Paris e Tóquio. Na lista de John Friedman, 25 das 31, ou
seja, 80% localizam-se nos países desenvolvidos.
As Megacidades
As cidades que mais crescem no mundo e que no futuro estarão entre as
maiores aglomerações não correspondem necessariamente às cidades globais.
116
São as denominadas megacidades, que, de acordo com a ONU, correspondem
aos centros urbanos cuja população é superior a 10 milhões de habitantes. Um
número expressivo dessas megacidades encontra-se nos países do Terceiro
Mundo, e, ao contrário da maior parte das cidades mundiais que concentram a
riqueza, elas concentram os mais diversos tipos de problemas, sobretudo de
infra-estrutura, pobreza e violência.
A Rurbanização
A rurbanização é um processo relativamente recente e correspondente à
crescente integração dos espaços urbanos e rurais.
Existe uma interpretação entre o meio urbano e o rural, embora haja, cada
vez mais, o nítido predomínio do urbano sobre o rural. Por isso o campo torna-se
mais dependente da cidade: produz para a cidade e é nela que vende sua
produção. Além disso, é nas cidades que se realizam os movimentos financeiros,
a compra de insumos agrícolas, sementes, máquinas etc.
Urbanização
Nas duas últimas décadas, o processo de urbanização no Brasil manteve-
se acelerado e apresentou situações de grande diversidade e heterogeneidade
no território nacional, destacando-se a interiorização do fenômeno urbano; a
acelerada urbanização das áreas de fronteira econômica; o crescimento das
cidades médias; a periferizaçao dos centros urbanos; e a formação e
consolidação de aglomerações urbanas metropolitanas e não-metropolitanas.
Esses fenômenos são resultantes do processo de reestruturação econômica em
curso no país.
A elaboração de um quadro de referência baseada na compreensão da
rede urbana brasileira, aqui entediada como “armadura” da estrutura
sócio/espacial contemporânea, constituiu importante subsídio à formulação de
políticas territoriais de âmbito nacional, regional e municipal.
Ciente da necessidade de se forma uma base analítica para a formação de
políticas urbanas, a Coordenação-geral de Política Urbana do Ipea propôs a
117
realização e coordenou o estudo Caracterização e Tendências da Rede Urbana
do Brasil, desenvolvido em rede nacional de instituições de pesquisa, em
parceria com o Departamento de Geografia (Degeo) do Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística (IBGE) e o Núcleo de Economia Social Urbana e Regional
(Nesur) do Instituto de Economia (IE) da Universidade de Campinas (Unicamp), e
com o apoio de diversas instituições.
O trabalho apresenta valiosa contribuição para o conhecimento da atual
rede urbana do país, uma vez que o último estudo abrangente sobre esse tema
data de 1984, tendo sido realizado, naquela ocasião, pelo Conselho Nacional de
Desenvolvimento Urbano (CNDU).
No estudo Caracterização e Tendências da Rede Urbana do Brasil,
buscou-se analisar a atual configuração e as tendências de evolução da rede
urbana do país, enfocando as transformações ocorridas no processo de
crescimento demográfico, funcional e espacial das cidades brasileiras, a fim de
contribuir para a definição de estratégias de apoio à formulação e à execução da
política urbana nacional, bem como substituir as políticas setoriais e territoriais.
A urbanização e o sistema urbano são considerados, no estudo, “síntese”
de um longo processo de mudança territorial do país, no qual a dinâmica e as
alternativas de localização das atividades econômicas têm importante papel
indutor, entendendo-se a urbanização como parte integrante dessas
determinações.
A hipótese central do estudo é a de que as tendências da urbanização
brasileira e o sistema urbano do país incorporam as transformações espaciais da
economia. Para tanto, procedeu-se à análise das transformações na dimensão
espacial do desenvolvimento brasileiro, explorando suas relações com a
urbanização e a dinâmica demográfica do período recente, qualificando, dessa
forma, os determinantes do processo de urbanização e do sistema urbano
brasileiro.
A caracterização da economia regional evidencia o impacto da trajetória
econômica regional sobre a estruturação da rede urbana e abrange a análise
econômica, explicitando os desdobramentos espaciais decorrentes, bem como as
razões desses desdobramentos, distinguindo áreas dinâmicas, áreas estagnadas
e mudanças na base produtiva das regiões. A caracterização da rede urbana
118
regional identifica as mudanças ocorridas na conformação do sistema urbano
regional no período recente (décadas de 80 e 90), articulando essas alterações
com as principais tendências do desenvolvimento econômico do arranjo.
Tratou-se, também, das características do arranjo espacial da industria e
da agropecuária, nas décadas de 80 e 90, uma vez que são essas as atividades
que, em grande parte, determinam as distintas trajetórias econômicas e urbanas
regionais recentes, bem como as alterações nas formas de articulação comercial
das regiões entre si e com o exterior. O argumento central desenvolvido é o do
que, na década de 80, no contexto da crise econômica, o maior grau de abertura
da economia brasileira estimulou uma forma distinta de articulação das
economias regionais, com rebatimentos importantes sobre a urbanização e o
sistema de cidades.
Além disso, as analises identificam as mudanças ocorridas na rede urbana
do país, em especial nas redes urbanas regionais, nas décadas de 80 e 90. Tais
análises incorporam os seguintes estudos do IBGE: Regiões de influência das
cidades (Regic); Tipologia dos municípios brasileiros; e Aglomerações urbanas
para fins estatísticos. As análises também se valeram do estudo A dinâmica
espacial dos sistemas urbano-regionais no Brasil, do consultor Cláudio Egler.
O estudo abrangeu três vertentes de análise. A primeira considera os
processos econômicos gerais que estão na base da estruturação e do
desenvolvimento da rede urbana do Brasil. A segunda leva em conta os
processos econômicos regionais e seus desdobramentos na configuração e nas
tendências da rede de cidades de cada uma das grandes regiões geográficas do
país. A terceira refere-se à manifestação de processos característicos da
tipologia da rede urbana – o tamanho, a função e a forma urbana –, enfocando
essas manifestações seja para o país como um todo, seja para cada uma das
grandes regiões geográficas.
Essas três vertentes de análise resultaram em quatro produtos referenciais
básicos, que configuram a rede urbana do Brasil:
As redes urbanas das grandes regiões;
A hierarquia da rede urbana;
Os sistemas urbano-regionais; e
119
O quadro de composição das aglomerações urbanas.
Realizando no período de dois anos e meio, o estudo foi desenvolvido em
cinco etapas: referencial conceitual e metodológico; estudos preliminares de ca-
racterização da rede urbana; estudos de caracterização da rede urbana; análise
das transformações e tendências na configuração atual e tendências da rede
urbana.
O Nesur encarregou-se do conjunto de estudos sobre as transformações
da rede urbana do Brasil, procedendo a uma análise atualizada das principais
mudanças espaciais ocorridas na economia do país e das mudanças decorrentes
na dinâmica das economias regionais, estudos esses que procuraram apreender
os impactos dessas transformações sobre a configuração e as tendências da
rede urbana brasileira.
O IBGE/Degeo desenvolveu o conjunto de estudos que inclui a atualização
do trabalho sobre hierarquia urbana, rede de influências das cidades,
aglomerações urbanas para fins estatísticos e tipologia dos municípios
brasileiros.
Tais estudos compõem os seguintes relatórios parciais da pesquisa:
Relatório I: Metodologias e enfoques do estudo da rede urbana;
Relatório III: Hierarquização dos sistemas urbanos e de categorização de
cidades;
Relatório V: Tipologia dos municípios brasileiros;
Relatório VII: Identificação dos sistemas urbano-regionais.
O consultor Cláudio Egler realizou os estudos referentes à configuração e
à dinâmica atual da rede urbana, os quais integram os seguintes relatórios:
Relatório I: Mudanças recentes e perspectivas da urbanização em nível
mundial e no Brasil;
Relatório II: Principais características de urbanização brasileira;
Relatório III: dinâmica espacial dos sistemas urbano regionais do Brasil.
120
O consultor Hamilton Tolosa, da Universidade Cândido Mendes, prestou
inestimável apoio técnico ao Ipea durante todo o desenvolvimento dos trabalhos
e elaborou, juntamente com Maria de Fátima Araújo, da Fundação Sistema
Estadual de Análise de Dados Estatísticos (Seade), os trabalhos sobre as
metrópoles globais.
Os estudos desenvolvidos pelo Nesur apoiaram-se a organização de seis
equipes de pesquisa, encarregadas da análise das economias regionais e da
configuração e dinâmica das redes das grandes regiões geográficas brasileiras.
Essas equipes mobilizaram especialistas em desenvolvimento urbano e regional,
e também contaram com a colaboração de órgãos governamentais,
universidades e instituições regionais de pesquisa. O conjunto de estudos
elaborados pelo Nesur compõe os seguintes relatórios:
Relatório II: Referencial conceitual e metodológico, e principais tendências
do desenvolvimento regional brasileiro e suas implicações no sistema
urbano do país;
Relatório IV: Evolução da rede urbana segundo metodologias e critérios
econômicos de agregação dos espaços regionais;
Relatório VI: Caracterização da rede urbana (estudos regionais);
Relatório VIII: Síntese sobre a caracterização das redes urbanas regionais.
Cabe mencionar, ainda, a valiosa colaboração de instituições como a
Seade, o Instituto Paranaense de Desenvolvimento Econômico e Social
(Ipardes), a Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste (Sudene), a
Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia (Sudam), dentre outras, na
realização deste trabalho.
Os resultados da pesquisa estão reunidos em seis volumes que integram a
série “Caracterização e Tendências da Rede Urbana do Brasil”.
O volume 1 – Configuração Atual e Tendências da Rede Urbana do Brasil
– apresenta os resultados finais dos estudos sobre a rede urbana brasileira. São
discutidas as transformações recentes na rede urbana nas décadas de 80 e 90,
enfocando, como ponto de partida, as principais transformações espaciais da
economia e seus impactos no processo de urbanização e na própria rede urbana.
121
São apresentados os resultados do trabalho, que consistem na classificação da
rede urbana do Brasil, na identificação das aglomerações urbanas brasileiras e
na configuração da dinâmica espacial dos sistemas urbano-regionais e, por fim,
uma discussão sumária sabre São Paulo e Rio de Janeiro como metrópoles
globais. É também apresentada uma síntese das tendências de desenvolvimento
regional e as implicações para a formulação de políticas públicas.
O volume 2 – Estudos Básicos para a Caracterização da Rede Urbana –
reúne os trabalhos desenvolvidos pelo IBGE sobre as regiões de influência das
cidades, as aglomerações urbanas e a tipologia dos municípios brasileiros, bem
como os estudos elaborados pelo consultor Cláudio Egler sobre a configuração e
a dinâmica atual da rede urbana brasileira, incluindo as mudanças recentes, as
perspectivas e as características da urbanização, e os sistemas urbano-
regionais.
O volume 3 – Desenvolvimento Regional e Estruturação da Rede Urbana –
, traz o referencial conceitual e metodológico do projeto. Nele são explicitadas as
hipóteses sobre as principais tendências do desenvolvimento regional brasileiro e
suas implicações para a estruturação do sistema urbano do país, com ênfase nas
transformações ocorridas nos anos 80 e início da década de 90. São
apresentados os termos de referências estabelecidos para o estudo das redes
urbanas regionais, abrangendo as cinco regiões geográficas brasileiras. Esses
estudos estiveram a cargo do Nesur/IF/Unicamp.
O volume 4 – Redes Urbanas: Norte, Nordeste e Centro oeste (estudos
parciais para a classificação da rede da rede urbana) – refere-se aos relatórios
que precederam e fundamentaram a classificação final da rede urbana do Brasil.
O volume é introduzido pelas bases teóricas dos estudos regionais e contempla a
seguinte orientação metodológica:
Caracterização da economia regional – análise das mudanças nas bases
produtivas regionais e dos impactos de suas trajetórias econômicas e de
suas mudanças espaciais sobre a estruturação da rede urbana, explicitado,
ainda, os desdobramentos decorrentes e apresentando as áreas
dinâmicas, as áreas estrangeiras e as tendências de evolução econômica e
espacial, com base nas intenções de investimento futuro;
122
Caracterização da rede urbana regional – identificação das mudanças
ocorridas na conformação urbana no período recente (décadas de 80 e
90), articulando essas transformações às primeiras tendências do
desenvolvimento econômico regional, e procedendo à classificação da rede
urbana regional, segundo categorias definidas com base na descrição do
perfil da rede, na caracterização das funções desempenhadas por seus
principais centros urbanos e na indicação, prioritariamente para os níveis
superiores, da qualificação da urbanização;
Mudanças econômicas e impactas sobre a rede urbana – identificação e
análise das principais tendências da dinâmica regional e dos
desdobramentos espaciais decorrentes do desempenho econômico
recente, com ênfase nas novas espacialidades/territorialidades do
processo de urbanização, considerando as tendências locacionais da
atividade produtiva; dos processos de desconcentração e aglomeração
induzidos pelas transformações espaciais da infra-estrutura e do balanço
dos novos investimentos privados; e dos traços contemporâneos da
urbanização.
O volume 4 - trata, ainda, das questões relativas às transformações das
redes urbanas regionais e aponta as principais implicações para as políticas de
desenvolvimento urbano.
O volume 5 – Redes Urbanas Regionais: Sudeste (estudos parciais para a
classificação da rede urbana) – refere-se, como o volume anterior, aos relatórios
da pesquisa, os quais precedem e fundamentam a classificação final da rede
urbana do Brasil, e contemplam as mesmas orientações metodológicas adotadas
para a rede urbana das regiões Norte, Nordeste e Centro-oeste.
O volume 6 – Redes Urbanas Regionais: Sul (estudos parciais para a
classificação da rede urbana) – refere-se ao relatório da pesquisa, que precedeu
e fundamentou a classificação da rede urbana do Brasil, obedecendo as mesmas
orientações metodológicas adotadas para a rede urbana das demais regiões
pesquisadas.
Vale ressaltar ainda que a classificação da rede urbana das grandes
regiões (volumes 4,5 e 6) diz respeito aos estudos que subsidiaram a
123
classificação da rede urbana do país. Na seqüência dos trabalhos, ao tomar as
redes urbanas de cada uma das grandes regiões, em seu conjunto, foram feitos
os ajustes pertinentes nessa classificação, alterando-se a denominação das
categorias urbanas. No entanto, os estudos sobre as redes urbanas das grandes
regiões e para os estudos, uma vez que mostram a configuração e as tendências
das redes urbanas regionais.
Acrescente-se que o estudo como um todo foi realizado no período 1997-
99 e que as informações estão atualizadas, sempre que possível, em nota de
rodapé, até a data desta publicação.
Este volume, elaborado em conjunto pelo Ipes, Degeo/IBGE e
Nesur/Unicamp, apresenta os resultados finais dos estudos realizados no
ambiente da pesquisa sobre a rede urbana brasileira e está organizando em
quatro capítulos e um Apêndice. Nesta primeira parte, o livro contém a
configuração da rede urbana do país com os referenciais básicos, que
compreendem a classificação da rede urbana, os sistemas urbano-regionais e as
aglomerações urbanas. No capítulo I são discutidas as transformações recentes
na rede urbana do Brasil, nas décadas de 80 e 90, enfocando as principais
transformações espaciais da economia e seus impactos no processo de
urbanização e na rede urbana. No capítulo II são apresentadas as orientações
metodológicas do estudo, detalhando se suas diretrizes e os critérios que
orientam a classificação da rede urbana do Brasil. O capítulo III reúne os
resultados do trabalho, que consistem na classificação da rede urbana do Brasil,
na identificação das aglomerações urbanas brasileiras e dos sistemas urbano-
regionais. Nessa parte se inclui, ainda, o estudo específico sobre a dinâmica
espacial dos sistemas urbano-regionais no Brasil e, por fim, uma discussão
sumária sobre o papel desempenhado por São Paulo e pelo Rio de Janeiro como
metrópoles globais. No capítulo IV é apresentada uma síntese das tendências de
desenvolvimento regional, que discute, a partir das principais conclusões do
estudo, algumas implicações para a formulação de políticas públicas.
No Apêndice são apresentados indicadores, tratamentos estatísticos e
estudos que funcionam os trabalhos da rede urbana brasileira. Quais sejam:
Critérios e indicadores de classificação da rede urbana;
124
Quadros e cartogramas das aglomerações urbanas;
Tratamentos estatísticos e tabulações especiais (incluindo a análise
discriminante utilizada para testar a classificação da rede urbana, a
tipologia ocupacional utilizada como proxy para a definição das funções
dos centros urbanos, e a análise de agrupamento de municípios segundo o
porte populacional, para o Brasil e para as grandes regiões geográficas);
Uma síntese da metodologia dos estudos elaborados pelo IBGE:
Aglomerações Urbanas para Fins Estatísticos, Regiões de Influência das
Cidades, e Topologia dos Municípios Brasileiros;
A síntese dos estudos sobre as redes urbanas regionais, ou seja, das
grandes regiões geográficas brasileiras – Norte, Nordeste, Centro-oeste,
Sudeste e Sul.
É preciso destacar ainda que os resultados do estudo sobre a rede urbana
do Brasil já vêm fundamentando a formulação e a implementação de políticas e
programas urbanos e regionais no país e têm fornecido valiosa contribuição a
trabalhos da agenda governamental e dos demais setores da sociedade. Este
estudo deverá continuar sendo útil para o setor público, na definição de políticas;
para as instituições de ensino, na ampliação do conhecimento sobre o processo
de urbanização do país; e para muitos outros setores da sociedade, na tomada
de decisões.
Transformações Recentes da Rede Urbana do Brasil
O estudo das transformações da rede urbana do Brasil, nas décadas de 80
e 90, objeto central desta pesquisa, abrangeu três vertentes principais. A primeira
delas leva em conta os processos econômicos gerais que estão na base da
estruturação e do desenvolvimento da rede urbana do Brasil. A segunda enfoca
os processos econômicos regionais e seus desdobramentos na configuração e
nas tendências de transformações da rede de cidades de cada uma das grandes
regiões geográficas do país. E, finalmente, a terceira refere-se à manifestação de
processos característicos da hierarquia da rede urbana, ligando-se às distintas
categorias que a compõem e enfocando essas manifestações para o país como
125
um todo, sejam para cada uma de suas distintas regiões.
Ressalta-se, de início, que um dos principais desafios metodológicos
enfrentados no desenvolvimento do trabalho dizia respeito à apreensão da
articulação entre os fenômenos do desenvolvimento econômico e da
urbanização, sem incorrer em determinismos que levassem à dedução das
tendências de transformação do sistema urbano diferente dos padrões de
distribuição da atividade econômica no espaço. Ou seja, tratava-se de superar os
limites do economicismo, realizando um esforço de apreensão da natureza das
determinações que a dinâmica econômica coloca para expansão e diferenciação
da rede urbana do Brasil.
Assim, a investigação realizada concebe a urbanização e o sistema
urbano como síntese de um longo processo de mudança territorial do país, no
qual a dinâmica e as alternativas de localização da atividade econômica têm
importante papel indutor, entendendo-se a urbanização, contudo, não como
resultado, mas, antes, como parte constitutiva dessas determinações.
Portanto, a análise do desenvolvimento econômico centra-se nos
desdobramentos espaciais do desenvolvimento recente, abrangendo
especialmente:
A identificação de áreas urbanas dinâmicas ou estagnadas, exigentes em
cada uma das grandes regiões geográficas brasileiras; e
As alterações significativas na estrutura econômica dessas áreas e
mudanças relevantes na base produtiva, com impactos relativos às
transformações na rede urbana.
Nos estudos desenvolvidos sobre as tendências recentes das economias
regionais, que compõem a pesquisa, o objetivo era compreender as
características da urbanização e da conformação dos sistemas regionais de
cidades. E, apesar das limitações dos dados disponíveis, enfocaram-se
especialmente aspectos relacionados às tendências locacionais da atividade
produtiva, aos fenômenos da concentração e desconcentração da atividade
econômica, à diversificação do setor de serviços e a mudanças ocupacionais
relacionadas a essa diversificação (em especial para as aglomerações urbanas e
126
para os principais centros urbanos integrantes da rede urbana brasileira), às
transformações nas estruturas ocupacionais, segundo a hierarquia da rede
urbana e o tamanho dos centros urbanos e, finalmente, a aspectos ligados à
expansão da infra-estrutura urbana, quando a mesma conformou-se como um
vetor de expansão e/ou de remodelação do sistema de cidades, ou em fator de
indução da ocupação de novas áreas, ou mesmo enquanto elemento de
reestruturação nos tipos de relações interurbanas de regiões determinadas.
Trabalhou-se com esses fatores como mediação para o entendimento da
articulação entre as tendências recentes de desenvolvimento das economias
regionais, as características da urbanização e a configuração do sistema urbano,
procurando-se verificar em que medidas as transformações ocorridas resultaram
na conformação de espacialidades novas e na emergência de impactos
territoriais de natureza distinta daquelas que tradicionalmente se faziam
presentes no passado.
Os estudos pautaram-se pela hipótese de que o desempenho econômico
regional do período recente caracterizou-se por um aumento da heterogeneidade
econômica e social inter e intra-regional, com o surgimento de áreas e pólos
dinâmicos, as chamadas ilhas de produtividade, independentes do desempenho
agregado da economia regional e do grau de articulação das áreas dinâmicas
com a economia do resto do país.
Essa hipótese central desdobrou-se em quatro questões específicas,
consideradas pelo estudo:
A emergência de novos padrões de localização da atividade produtiva,
decorrentes, em parte, de elementos de desempenho econômico derivados
do comércio exterior (exportação e, nos anos 90, principalmente
importação), ou resultado de novos condicionantes da atividade produtiva;
A necessidade de adoção de novos critérios e de modos distintos de
apreensão dos fenômenos de homogeneidade, hierarquia e polarização.
Na realidade, os processos econômicos recentes fizeram com que se
estruturassem, nas distintas regiões brasileiras, novos espaços que, por
sua vez, contribuíram para redesenhar a configuração territorial do país.
Houve um aumento de heterogeneidade econômica e social intra-regional,
127
e o sistema de cidades modificou-se com o surgimento e/ou a consolidação
de aglomerações urbanas nas várias regiões do país. Assim, o exame da
rede urbana brasileira foi feito a partir da incorporação de critérios que
pudessem dar conta dessa complexidade;
O surgimento de novas espacialidades da economia brasileira, as quais
exigem a adoção de categorias analíticas distintas das tradicionalmente
conferidas às análises do território brasileiro, incluindo conceitos como:
aglomerações de fronteira territorial; fronteiras econômicas internacionais;
pólos dinâmicos; áreas estagnadas; novos espaços rurais; novas
centralidades; cidades globais etc;
A radical alteração nos padrões de mobilidade espacial da população, ou
no padrão migratório do país, com o aparecimento de fenômenos tais
como: maior migração intra-regional e de curta distancia; redução dos
fluxos em direção às fronteiras econômicas e às áreas metropolitanas do
Sudeste; maior seletividade nos fluxos migratórios, baseada em requisitos
de escolaridade, renda, idade etc; maior circularidade dos movimentos
migratórios, com migração de retorno e vários estágios migratórios; baixo
dinamismo dos mercados urbanos de trabalho, com o surgimento de novas
formas de marginalidade urbana.
Além disso, as análises feitas aqui buscam identificar as mudanças
ocorridas na rede do país, sobretudo nas redes urbanas regionais, nas décadas
de 80 e 90, incorporando dados e informações que derivam dos estudos de
hierarquia urbana – atualizados pela Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística (IBGE) pela pesquisa Regiões de influencia das cidades – bem como
elementos relativos aos estudos de Tipologia dos municípios brasileiros e de
composição das Aglomerações urbanas para pesquisas estatísticas. As análises
valeram-se, também, do estudo A Dinâmica espacial dos sistemas urbano-
regionais no Brasil, elaborado especialmente para a pesquisa. Foram utilizados
seus resultados em termos de forma, hierarquia e composição.
Por fim, convém ressaltar mais dois aspectos: o primeiro diz respeito à
periodização do projeto de pesquisa; e o segundo, às questões relativas à
hierarquia do sistema de cidades.
128
Neste estudo, o objetivo central era como já mencionado, analisar
processos estruturais de mudança da rede urbana brasileira nas décadas de 80 e
90. Contudo, havia uma grande dificuldade: como avaliar tendências estruturais
num quadro de instabilidade crônica da economia nesse período. Na realidade, a
despeito das orientações gerais adotadas como ponto de partida da pesquisa, os
estudos lidaram com realidades extremamente cambiantes e, por isso mesmo,
tiveram que incorporar essas transformações em seus quadros de análise.
Para tanto, adotou-se uma periodização que levou em conta as
características do conjunto do período 1980-90, mas que também procurou
incorporar as diversas conjunturas macroeconômicas, considerando recortes
temporais que distinguem os períodos econômicos que caracterizam os anos 80
e 90 (recuperação em virtude das exportações e do Plano Cruzado; inflação
crônica e tentativas de estabilização da economia; recessão e Plano Collor;
Plano Real).
Ademais, nesses estudos, também foram incorporados recortes temporais
que, a partir dessa periodização geral, contemplam especificidades das
dinâmicas econômicas e urbanas regionais. No que diz respeito à hierarquia do
sistema urbano, os estudos tratam das transformações da rede urbana do Brasil
e das regiões de cidades com base na análise do tamanho e das funções dos
centros urbanos.
Transformações Espaciais da Economia
Com base nessas orientações metodológicas, pressupôs-se que as
tendências da urbanização brasileira e o próprio desenho do sistema urbano do
país incorporam as transformações espaciais da economia. Para elucidar
algumas das articulações entre esses processos, nesta seção faz-se uma síntese
das transformações ocorridas na dimensão espacial do desenvolvimento
brasileiro, explorando suas relações com a urbanização e a dinâmica
demográfica do período recente, qualificado, dessa forma, os determinantes do
processo de urbanização e do sistema urbano brasileiro.
Pontuam-se, assim, algumas características do arranjo espacial da
indústria e da agropecuária, nas décadas de 80 e 90, já que são as atividades
129
que, em grande parte, determinam as distintas trajetórias econômicas e urbanas
regionais recentes, bem como as alterações nas formas de articulação comercial
das regiões entre si e com o exterior. Finaliza-se a seção com um balanço dos
impactos e conseqüências dessas alterações para a urbanização e a rede urbana
do país.
O argumento central desenvolvido é o de que, na década de 80, no
contexto da crise econômica e da paralisia do investimento industrial, o maior
grau de abertura da economia brasileira estimulou uma forma distinta de
articulação das economias regionais, com rebatimentos importantes sobre a
urbanização e o sistema de cidades.
Longe de um crescimento econômico articulado, centrado na integração do
mercado nacional, e comandado a partir de São Paulo, onde se concentra a
maior parte da indústria e também o maior mercado intra-industrial, tal como
ocorrera nos anos 70, houve nos anos 80 um relativo deslocamento das
economias regionais, com o surgimento de ilhas de produtividade, muitas
voltadas para o comercio exterior, o que estimulou maior heterogeneidade interna
da estrutura produtiva nacional, aprofundando as desigualdades inter e intra-
regionais do país.
O desempenho do comercio exterior ajuda a entender melhor o movimento
das economias regionais. O esforço exportador da década de 80 possibilitou
alternativas localizadas de dinamismo econômico, as quais, apesar de incapazes
de ancorar um novo padrão de crescimento para o conjunto da economia, foram
extremamente importantes para algumas regiões do país, a exemplo dos
investimentos em papel e celulose, extrativa mineral ou siderurgia, em que os
maiores beneficiários foram os estados do Espírito Santo, Pará e Maranhão.
O aumento das exportações no país no pós-80 foi um fenômeno
generalizado para as distintas atividades econômicas. Quase todas as regiões do
país apresentaram crescimento absoluto, com pequena queda relativa da
participação de São Paulo, sobretudo pelo aumento das exportações originárias
do Centro-oeste (produtos básicos), do Maranhão (semimanufaturados), da
Bahia (petroquímica), da região Norte (básicos e semimanufaturados) e de Minas
Gerais (produtos básicos, semimanufaturados e manufaturados).
A partir de 1985, os coeficientes de exportação de diversas regiões
130
brasileiras foram bastante distintos e, em geral, declinantes. Os estados da
região Sul, Minas Gerais, Espírito Santo, Pará e Maranhão, ao contrário,
apresentam crescimento das exportações acima da média brasileira. O esforço
exportador, de setores muitas vezes situados próximos às fontes de recursos
naturais, conviveu com o aprofundamento da tendência de novas atividades
industriais localizarem-se fora das áreas metropolitanas, fugindo das
deseconomias de aglomeração, dentre outros fatores. Com efeito, abriram-se
alternativas localizadas de dinamismo, mesmo no contexto da crise. Muitos
desses empreendimentos situam-se no próprio interior de São Paulo e outros
foram direcionados a regiões de fronteiras.
Os impactos da trajetória econômica da década de 80 foram, como se
sabe, extremamente negativos, sobretudo nas metrópoles mais industrializadas
do país, como São Paulo, onde foi abaixo o crescimento dos níveis de emprego
formal na indústria de transformação. Contudo, esses efeitos não foram menos
dramáticos nas áreas metropolitanas que já apresentavam problemas
econômicos crônicos, como Recife ou Rio de Janeiro.
Porém, o melhor desempenho da agricultura e dos grandes complexos
minerais – ou de produtos como papel e celulose – resultou no crescimento das
áreas de fronteira, ainda que incorporando menos terras que na década de 70,
das regiões voltadas para o processamento de recursos naturais para exportação
e daquelas áreas, como o interior de São Paulo, que ampliaram as exportações
de manufaturados. Diante dessas transformações, o quadro regional do início da
década de 90 é muito distinto daquele herdado doa anos 70, uma vez que o
crescimento da agroindústria, a urbanização na fronteira, a agricultura e os
empreendimentos voltados para a exploração de recursos naturais criaram
alternativas de dinamismo à crise das metrópoles industrializadas. Muitas
cidades de pequeno ou médio porte apresentaram melhor desempenho nesse
período.
Esses fatos parecem ter implicado intensificação da migração de curta
distância, ou de caráter intra-regional, e redução da migração em direção às
metrópoles do Sudeste, sobretudo São Paulo.
O próprio desempenho das atividades agrícolas no período 1980-90 pode
ter contribuído para maior retenção da população nas pequenas cidades. Isso é
131
especialmente válido para o Sudeste, onde, ao lado do menor crescimento das
aglomerações urbanas metropolitanas, e em particular de suas cidades centrais,
ocorreu um crescimento da população dos pequenos municípios bem superior ao
esperado. E ainda que essa tendência não possa ser generalizada para o país,
em virtude do ritmo elevado do incremento populacional das aglomerações
urbanas metropolitanas e das capitais estaduais do Nordeste, à exceção de
Recife, assim mesmo é válido concluir que se reforçou, ainda mais, a natureza
relativamente desconcentrada do sistema urbano brasileiro.
De acordo com a pesquisa, estruturou-se no país, em razão de suas
origens históricas, uma rede dispersa de cidades, em comparação com outras
experiências latino-americanas. Esse processo parece ter sido crescente
influenciado pelas tendências de desconcentração da atividade econômica do
país.
Ainda que os determinantes não possam ser imputados apenas à
desconcentração econômica recente, os novos rumos da Região Metropolitana
de São Paulo sintetizam com clareza essa questão. A metrópole, como se
demonstrou, perde importância em termos industriais e, paulatinamente,
desacelera-se seu crescimento demográfico. Trajetória semelhante verifica-se
também nas Regiões Metropolitanas de Porto Alegre e de Belo Horizonte,
embora nesta em menor grau, além do baixo crescimento do Rio de Janeiro, do
Recife e da Baixada Santista. Mesmo na Região Metropolitana de Salvador
parece ocorrer rápida inflexão do crescimento demográfico no período 1991-96.
Com efeito, a redução da migração rumo às metrópoles do Sudeste
conferiu mnaior importância ao conjunto da rede urbana brasileira, considerando
o próprio interior do estado de São Paulo, as capitais regionais, em especial as
do Norte, Nordeste e Centro-oeste, as cidades médias e as aglomerações
urbanas não-metropolitanas.
Em algumas regiões, localizadas em áreas de fronteira agrícola, ou no
próprio estado de São Paulo, também não foi desprezível o crescimento dos
pequenos municípios.
No que diz respeito especificamente ao desempenho regional da indústria,
vale chamar a atenção para aspectos espaciais que auxiliam na compreensão de
novas dimensões da urbanização das grandes regiões geográficas, bem como
132
para os que ajudam no entendimento da conformação atual dos seus sistemas
de cidades, aspecto que será enfocado mais adiante.
O desempenho regional da indústria de transformação mostra que a
desconcentração industrial a partir do Sudeste teve dois sentidos principais: de
um lado, as regiões Norte e Centro-oeste, e os estados da Bahia, Paraná e
Minas Gerais, de outro lado, o interior do estado de São Paulo. A contrapartida
da maior participação dessas regiões no total da indústria nacional foi a queda
ocorrida na participação da Região Metropolitana de São Paulo e no estado do
Rio de Janeiro.
Registra-se, também, que os investimentos do final da década de 70, com
significativo componente de desconcentração, repercutiram sobre as bases
regionais na indústria brasileira a partir do início dos anos 80. Esse fato é
especialmente válido para a indústria de bens intermediários, herdada do II PND,
incluindo-se uma série de segmentos voltados para a base de recursos naturais,
que atualmente respondem por grande parte das exportações de várias regiões
do país. Esse é o caso do ramo de papel e celulose, que avançou muito no
Espírito Santo e, também, no Paraná, Minas Gerais, Rio Grande do Sul e Bahia;
da indústria de plásticos, com crescimento expressivo da participação do Sul do
país, Nordeste e Minas Gerais; do ramo de couros, em que se destacam o Rio
Grande do Sul e o Nordeste; da transformação mineral, que cresceu em
praticamente todas as regiões brasileiras, inclusive no Centro-oeste e no
Nordeste; da química, em que o estado da Bahia lidera, no conjunto da produção
brasileira, sendo seguido pelo Paraná e por Minas Gerais; e da metalurgia, em
que o programa siderúrgico fez ampliar a participação dos estados de Minas
Gerais, Espírito Santo e Bahia.
Ressalta, ainda, que a tendência de novas atividades industriais
localizarem-se fora das áreas metropolitanas guarda forte sintonia com o perfil
setorial do investimento ocorrido na década de 80: investimentos de pequena
monta e alocado, na maioria das vezes, em setores intensivos em recursos
naturais. Por outro lado, é preciso notar que a tendência à desconcentração
evidencia-se tanto em certas especialidades regionais, como as acima
discriminadas, quanto numa dispersão acentuada da indústria de bens de
consumo leve.
133
De todo modo, continuam concentrados em São Paulo os segmentos mais
dinâmicos da indústria, que se encadeiam com toda estrutura industrial do estado
e com a maior parte das indústrias regionais. Além disso, há também outra
manifestação do fenômeno de desconcentração, de dimensão igual ou até
mesmo mais importante do que a descrita acima, configurada pelo rearranjo
espacial da indústria interno ao estado de São Paulo. De fato, simultaneamente à
redução do peso da indústria do Rio de Janeiro e de São Paulo em favor da
indústria do restante do país, no espaço paulista ocorreu acentuado processo de
desconcentração da indústria metropolitana, com a queda da participação da
Grande São Paulo no VTI estadual. O resultado foi o aumento da participação do
interior no VTI nacional, entre 1970 e 1985, transformando esse espaço
econômico no segundo maior aglomerado industrial do país, atrás apenas da
Grande São Paulo. Esse processo, conhecido como interiorização da indústria
paulista, São José dos Campos, Ribeirão Preto, Sorocaba e Santos, com
desdobramentos importantes no processo de urbanização e de conformação da
rede de cidades.
Registra-se, também, a importância de outro componente do processo de
desconcentração recente: o impacto diferenciado da crise sobre as estruturas
econômicas regionais, acentuando aspectos problemáticos exatamente nas
áreas de maior densidade industrial. De fato, nas regiões mais industrializadas, a
produção corrente tendeu a cair, em termos relativos, mais rapidamente, em
razão da dependência da demanda intra-industrial. As chamadas periferias, por
sua vez, sobretudo aquelas assentadas sobre a agroindústria e a indústria de
bens intermediários, situaram-se em melhor posição relativa ou porque a
produção primária detinha expressivo peso no produto total, ou por que a
indústria de bens intermediários, cuja implantação se deu no final da década de
70, conseguiu, por isso mesmo, ampliar as exportações regionais.
Esse efeito diferenciado da crise nas áreas mais industrializadas foi
reforçado pelo maior impacto da abertura comercial, já nos anos 90 nessas
regiões, notadamente São Paulo, levando a uma redução relativa da participação
do estado no produto industrial do país.
Assim, pode se concluir que o ajuste que vem ocorrendo na Grande São
Paulo traz, em termos de localização espacial da atividade econômica, inúmeras
134
conseqüências relevantes, em especial no caso da empresa que também contam
com unidades fabris fora da metrópole. De maneira geral, a tendência é manter
na Região Metropolitana de São Paulo exclusivamente as linhas de maior
conteúdo tecnológico, ou que, por diversas razões, demandem mão-de-obra de
maior qualificação. Além disso, a tentativa de reduzir custos e redefinir
atividades, componentes que integram os processos de reestruturação da grande
empresa, vem igualmente induzindo a relocação dos próprios centros
administrativos ou das atividades de pesquisa e controle de qualidade, as quais
tendem a ser deslocadas do município de São Paulo para o entorno
metropolitano.
À medida que os programas de investimento patrocinados pelo Estado
maturam e não são substituídos por políticas ativas e a privatização e a crise
fiscal reduzem o grau de intervenção pública, a desconcentração industrial perde
o fôlego e abrangência. Isso é particularmente visível no caso da economia
nordestina, que passa a ser cada vez menos beneficiada pela desconcentração
econômica seletiva, que tem efeitos maiores no Sul, no próprio Sudeste (Minas
Gerais e Espírito Santo) e no Centro-oeste.
Nos anos 90, há um impacto locacional nada desprezível, que tem origem
na maneira como as empresas empreendem seus programas de ajuste no plano
microeconômico, cujos efeitos nem sempre são captados pelas estatísticas da
produção corrente. Em especial, é preciso salientar o exemplo da automobilística,
com tendência a reforçar a relação entre fornecedores e montadoras, bem como
o rearranjo do mix de produto e linhas de produção nos seguimentos
multidisciplinares.
Por fim, é necessário ter em vista que os novos padrões locais tendem a
ser setorialmente distintos e não uniformes para o conjunto da indústria. Não se
identifica uma tendência geral de reaglomeração, nem de desconcentração. Por
outro lado, não se deve deixar de levar em conta certa tendência para a
localização no Nordeste brasileiro, de parte da indústria intensiva em mão-de-
obra, especialmente calçados, têxtil e vestuário. Os seguimentos mais complexos
da metalomecânica tendem a desconcentrar-se a partir de São Paulo,
provavelmente, sem extrapolar, contudo, o Sul e o Sudeste.
A evolução da agricultura também contribuiu para o quadro de
135
desconcentração da economia, quer por apresentar taxas de crescimento
superiores à medida da indústria, quer pelo seu menor crescimento em São
Paulo. De fato, em que a retração do crédito subsidiado, no contexto da crise
fiscal da década, a agricultura cresceu a taxas mais elevadas que a média do
PIB, atenuando os efeitos da crise industrial. Esse comportamento decorreu do
programa do álcool, mas foi resultado, sobretudo, da ampliação das lavouras de
exportação, fornecidas pelo aumento da participação dos produtos nacionais em
vários mercados internacionais.
O aumento da área cultivada das principais lavouras concentrou-se no
Centro-oeste, nos cerrados nordestinos da Bahia especialmente, do Maranhão e
do Piauí e na região Norte, sobretudo Rondônia. A expansão da área cultivada
em São Paulo foi devida quase exclusivamente ao Proálcool e ao cultivo da
laranja.
De acordo com o levantamento censitário de 1985, alterou-se a tendência
de evolução da situação agrária do país. Os censos agropecuários da década
anterior haviam evidenciado uma dinâmica de modernização do campo, com
concentração fundiária, incorporação de progresso técnico, maior intensidade do
trabalho, elevada migração rural-urbana e avanço da fronteira agrícola. Os dados
de 1985, por sua vez, apontam para uma aparente desconcentração da
propriedade, com uma incorporação reduzida de novas áreas, sobretudo de
lavouras, Sem dúvida, entre o primeiro qüinqüênio da década de 80 e os
períodos anteriores, ocorreram mudanças significativas. De início, cabe ressaltar
a redução do dinamismo agrícola, retratada, por exemplo, na menor variação das
áreas de lavouras, menor ritmo de mecanização, menor aumento dos rebanhos.
A evolução da área de lavouras reforça a tese de menor dinamismo da
agricultura. De 1970 a 1980, a área cultivada foi acrescida de 15 milhões de
hectares, enquanto no primeiro qüinqüênio da década de 80 o aumento foi de
apenas 3,2 milhões de hectares, sendo 1,5 milhão de hectares no Sudeste e 1,3
milhão no Centro-oeste. Dentre os estados nordestinos, destaca-se apenas a
Bahia, onde as áreas de lavoura aumentam no período em cerca de 800 mil
hectares.
Os indicadores de mecanização são coerentes com o desempenho menos
dinâmico da agricultura. O número de tratores incorporados caiu pela metade
136
entre o último qüinqüênio da década de 70 e o primeiro da década de 80. Em
termos regionais, a incorporação de novos tratores concentrou-se no Sul,
Sudeste e Centro-oeste, com reduções absolutas no número de tratores no Norte
e Nordeste, exceto no estado da Bahia.
Quanto à pecuária, o Censo revela que, embora tenha continuado a
substituição de pastagens naturais por plantadas, o aumento do rebanho de
bovinos foi sensivelmente menor. Em termos regionais, o efetivo ele bovinos
esteve concentrado no Centro-oeste e, secundariamente, na região Norte. O
mesmo ocorre na evolução das áreas de pastagens: os acréscimos significativos
de área ficam por conta do Centro-oeste e da região Norte. Na região Nordeste,
as alterações mais significativas decorrem do aumento de pastagens plantadas
na Bahia e no Maranhão.
A evolução da área global dos estabelecimentos serve para indicar,
regionalmente, o avanço da fronteira agrícola. Nos cinco anos iniciais da década
de 80, foram ocupados 11,4 milhões de hectares, localizados, fundamentalmente,
no Pará (3,1 milhões), Bahia (3,5 milhões), Mato Grosso (3,4 milhões) e,
secundariamente, em Rondônia (870 mil) e Paraná (1,1 milhão). Toma-se
evidente que a expansão da fronteira está circunscrita principalmente a um
trecho da região Norte e ao Mato Grosso, ao que se soma o cerrado baiano.
Uma leitura apressada do Censo Agropecuário de 1985 poderia indicar
uma ruptura no processo e tendências anteriores. No entanto, num exame mais
detalhado dos resultados do primeiro qüinqüênio da década de 80, verifica-se a
existência de um processo de minifundição, resultante de parcelamento dos
pequenos estabelecimentos, sem diminuição da desigualdade, e marcado pelo
agravamento das condições de pobreza. O que está em curso nesses anos é, na
verdade, um processo de deterioração da situação dos pequenos
estabelecimentos, mais do que uma aparente desconcentração da propriedade
rural. Embora presente em outras regiões, esse fenômeno centra-se no
Nordeste.
A aparente desaceleração do crescimento da agropecuária no primeiro
qüinqüênio dos anos 80 não corresponde a uma efetiva ruptura do padrão de
modernização do setor. A principal mudança estrutural ocorrida nesse período foi
a passagem de um padrão extensivo de crescimento para um padrão mais
137
intensivo, com relevantes ganhos de produtividade.
O desempenho regional da agropecuária após 1985 mostra uma
recuperação da produção, com início já em 1983, que iria expressar-se nas
super-safras dos anos seguintes, no contexto de uma política setorial distinta da
que havia prevalecido até então, e que foi substituída pela política cambial e por
ações setoriais compensatórias. À medida que a restrição do crédito ficava mais
severa, desenvolvia-se um padrão de autofinanciamento da atividade
agropecuária, tornando a produção cada vez mais sensível às decisões dos
grandes e médios produtores.
Contribuiu muito para esse melhor desempenho o boom agrícola na
segunda metade da década de 80, na vigência do Plano Cruzado, o que permitiu
aos produtores refazer seu capital fixo (máquinas e instalações) e, assim, crescer
no restante do período. A política de preços mínimos teve papel central, ao
substituir o crédito como principal instrumento de incentivo à agricultura. Com
isso, cresceram os cultivos para exportação, e o desempenho para o mercado
interno foi cada vez mais dinâmico.
Ainda que não se tenha verificado um retorno ao padrão de modernização
da década anterior, os indicadores disponíveis permitem inferir que o período de
maior estagnação da agricultura brasileira restringiu-se aos anos de 1981-1983.
O próprio produto agrícola retrata esse fato, invertendo a tendência dos anos 70
e crescendo acima do produto industrial.
Em termos gerais, de acordo com dados da produção agropecuária da
década de 80, houve aumentos significativos de produtividade, sem aumento
correspondente em áreas. Contudo, diferentemente do final da década de 70,
esse aumento, em termos médios, resultou mais do incremento da produção por
área do que de uma evolução da relação entre área e pessoal ocupado.
Problemática é, sobretudo, a forma desigual com que se distribui esse aumento
da produtividade e da ocupação: as regiões que seguem incorporando progresso
técnico tendem a fazê-lo sem ganhos em termos de emprego; o aumento da
ocupação, ao contrário, parece reproduzir relações de trabalho precárias, em
condições de baixa produtividade. De resto, é de grande relevância para a
presente pesquisa, há que se levar em conta que novas ocupações do campo
brasileiro, muito especialmente no estado de São Paulo, já não têm mais relação
138
com a atividade agropecuária, mas são ocupações tipicamente urbanas.
No que se refere às transformações regionais da agricultura, chama a
atenção, no período em análise, o crescimento da participação das culturas mais
dinâmicas no Centro-oeste e no conjunto dos cerrados (Bahia e Minas Gerais,
inclusive), com sua crescente integração ao, modo moderno de produção
agrícola, embora fique evidente a concentração do valor da produção em culturas
dinâmicas também na região Sudeste. No caso da soja, por exemplo, a
participação do Centro-oeste no total da produção nacional é muito expressiva,
uma vez que a região concentra, atualmente, quase 40% do total. Entre 1974 e
1976, essa participação atingia menos de 4% do total.
As condições de produção de soja nas áreas de cerrado, com a maior
produtividade física e menor umidade, condicionaram o próprio deslocamento
não apenas da lavoura rumo à região, mas também a alocação da agroindústria
processadora, sobretudo dos grandes grupos nacionais. A década de 80 foi,
assim, singularmente importante para a região, que teve, nesse período, a
oportunidade de afirmar sua vocação agroindustrial. O deslocamento de 40% da
capacidade de produção de soja do país para as terras agriculturáveis de Goiás,
Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, foi acompanhado, com defasagem de alguns
anos, por grandes grupos voltados para a atuação no mercado de commodities,
os quais investiram na implantação de uma base de armazenamento, logo
seguida por inversões em atividades de esmagamento (Castro e Fonseca, 1995,
p. 84).
No início de 1992, a capacidade de esmagamento de soja para produção
de óleo bruto do país girava em torno de 100 mil toneladas/dia, com mais de 100
plantas industriais, a maioria em São Paulo (18), Paraná (32) e Rio Grande do
Sul (26). Já naquele ano, como resultado de investimentos feitos no final dos
anos 80 e início dos 90, a capacidade de esmagamento do Centro-oeste,
incluindo a parte dos cerrados de Minas Gerais e Bahia, alcançava cerca de 19,5
mil toneladas/dia, quase 20% do total nacional.
De fato, o complexo soja foi o único que passou por significativa
reestruturação produtiva, envolvendo exatamente esse deslocamento
progressivo da produção de matéria-prima e de plantas esmagadoras do Centro-
sul para a região Centro-oeste. O deslocamento em direção ao Centro-oeste tem
139
outras implicações, derivadas da própria inserção do “complexo soja" brasileiro
em termos internacionais. Como o desempenho exportador do complexo tem
sido menos dinâmico, exatamente nos segmentos de farelo e óleo em relação a
grãos, as grandes empresas nacionais do setor têm avançado nas estratégias de
integração da cadeia de soja e de carnes, enquanto as empresas multinacionais
têm concentrado suas atividades na cadeia grãos-óleos-derivados. Com isso,
tende também a avançar a integração com o segmento de carnes no próprio
Centro-oeste, sendo este mais um vetor de crescimento de sua agroindústria.
Ainda assim, é conveniente ter em vista que o complexo avícola está
basicamente concentrado no Sul, responsável por mais de 70% da produção
nacional e pela quase totalidade das exportações. A concentração da produção
nos estados do Sul, combinada com novos investimentos nos cerrados, deverá,
provavelmente, gerar uma divisão regional da produção nacional: os frigoríficos
do Sul especializando-se nas exportações e no abastecimento dos principais
centros consumidores do Centro-sul e a região dos cerrados orientando-se para
o mercado local e, eventualmente, para ns regiões Nordeste e Norte.
Para finalizar esse quadro da evolução regional recente da agropecuária e
da agroindústria associada, é importante avaliar o impacto do crescimento da
atividade sucro-alcooeira e da indústria de sucos concentrados de laranja em
São Paulo, uma vez que estas foram duas das atividades mais dinâmicas da
década de 80, tendo dado grande contribuição para a sustentação da renda
agrícola do estado.
O Proálcool teve grande parte de seu impacto centrado em São Paulo, não
só por ser o estado o principal mercado consumidor de combustíveis, mas
também pela competitividade de sua produção. Embora a fabricação de açúcar
não tenha tido o mesmo dinamismo, dado que as exportações passam a crescer
apenas nos anos 90, em virtude da forte elevação dos preços internacionais, o
estado preservou sua liderança em termos nacionais, respondendo por cerca de
45% da produção brasileira no início dos anos 90. Mesmo assim, esse processo
convive com relativa desconcentração produtiva tanto da produção de açúcar,
como de álcool, comparativamente aos anos iniciais da implantação do Proálcool.
Outro segmento com excelente desempenho na agricultura paulista foi o
cultivo de cítricos, estimulado, pela produção de suco concentrado de laranja,
140
que apresentou volumes crescentes de exportação durante a década de 80. A
produção brasileira está basicamente localizada em São Paulo, que detém 90%
da capacidade de esmagamento. Mas, até pela quase exclusividade paulista, a
tendência recente é de desconcentração, com a implantação de novos projetos,
sobretudo no Paraná.
Apesar do bom desempenho da agricultura paulista na década de 80 e
mesmo nos anos 90, o movimento agregado do conjunto da atividade tendeu a
reforçar a desconcentração espacial que já se verificava nas décadas anteriores,
mantendo-se, como já ocorria, elevada participação da renda agrícola do estado
no total nacional.
Cabe, ainda, uma última observação sobre o desempenho da
agropecuária brasileira e o sentido de sua crescente inserção internacional.
Ainda que os impactos maiores desse processo tenham-se concentrado no Sul,
Sudeste e Centro-oeste, ele, gradativamente, disseminou-se pelo país, levando,
inclusive, à modernização de parte da agricultura do Nordeste. Neste caso, deve-
se registrar a existência dos grandes projetos de irrigação na região, implantados
a partir dos anos 70, os quais vêm apresentando elevados índices de
crescimento, Os exemplos principais são o pólo de fruticultura do Vale do Açu
(RN), assentado na produção de frutas para exportação, e o complexo
agroindustrial de Petrolina/Juazeiro (PE/BA), apoiado em culturas de irrigação e
apresentando plantas industriais diversificadas, como, por exemplo,
processamento de alimentos, bens de capital, embalagens, fertilizantes,
equipamentos para irrigação e material de construção.
Em ambos os casos, a principal fonte de dinamismo é a agricultura, que
vem tornando-se cada vez mais capitalizada e tecnologicamente atualizada. Esse
dinamismo deve-se a dois fatores fundamentais: o papel desempenhado pelo
setor público, que vem garantindo de forma subsidiada não apenas os
investimentos em infra-estrutura básica, mas também a infra-estrutura de
irrigação; e o clima favorável da região, que permite maior número de safras por
ano.
As principais transformações espaciais da economia decorrentes dos
novos padrões de localização da atividade produtiva analisada (desconcentração
industrial, agro-industrialização, modernização da agricultura, expansão as
141
fronteira agrícola) geraram áreas de dinamismo econômico, com novas
espacialidades, que configuram as modificações mais elevadas verificadas no
processo de urbanização.
A desconcentração industrial acabou fortalecendo as cidades médias,
sobretudo na região Sudeste, em especial no estado de São Paulo, e contribuiu
para consolidar as aglomerações urbanas, cujas articulações e espacialidades
concretizam-se segundo especificidades locais.
Com efeito, a localização da indústria no interior de São Paulo tendeu a
favorecer municípios de porte médio, dotados de infra-estrutura, próximos à
malha viária, e mais distantes dos problemas crônicos das grandes cidades. Na
verdade, muitos desses municípios de São Paulo já vinham crescendo em ritmo
superior ao da área metropolitana. Esse fenômeno intensificou-se na década, em
razão do saldo migratório negativo da Capital, tendência que também se
manifestou em outras regiões do país.
O impacto do desempenho da agropecuária e da agroindústria associada,
principalmente da atividade sucro-alcooeira e da indústria de sucos
concentrados, contribuiu para o fortalecimento das cidades médias do interior do
estado de São Paulo, como Ribeirão Preto, Araraquara, São Carlos, dentre
outras.
Por outro lado, o desenvolvimento da agroindústria, ao aumentar a
participação de culturas mais dinâmicas no Centro-oeste e nos estados da Bahia,
Maranhão, Piauí e de Minas Gerais, engendrou, quase sempre, um reforço da
espacialização que já existia, com fortalecimento do papel polarizador e aumento
da abrangência da área de influência dos principais centros urbanos
preexistentes. Cidades como Barreiras (BA), Balsas (MA) e Floriano (PI),
insignificantes até então, sofreram importantes transformações.
Em Minas Gerais, na mesorregião do Triângulo Mineiro/Alto Parnaíba, vê
se o aumento da importância do papel de Uberlândia enquanto principal centro
urbano regional, estendendo-se sua área de influência a municípios do estado de
Goiás e do Mato Grosso. Na região Centro-oeste, é também o caso das
aglomerações de Brasília e de Goiânia, que em 1996 compreendiam mais da
metade da população urbana da região, exercendo funções de maior
centrabilidade na rede urbana. A polarização desses centros extrapola os limites
142
regionais, abarcando o noroeste mineiro, incorporado pela expansão da fronteira
agrícola, e mesmo o sudoeste baiano, onde a estrada Belém-Brasília contribuiu
para aumentar o fluxo nessa direção.
Como já mencionado, a expansão mais clara da modernização da
agricultura no Nordeste está na agricultura irrigada, principalmente a fruticultura,
destinada ao mercado nacional e internacional, cujo dinamismo contribuiu para
consolidar a aglomeração urbana de Petrolina e Juazeiro, e para fortalecer o
papel de centros urbanos como Mossoró, no Vale do Açu.
Os impactos da expansão da fronteira agrícola foram sentidos, sobretudo
na região Norte, cuja estrutura da rede urbana modifica-se com o surgimento de
novos municípios, ocorrendo redução do papel de Belém e Manaus em benefício
de uma redistribuição da função de centro regional entre outras cidades,
principalmente as capitais estaduais.
A essas transformações espaciais da economia, como já salientado, estão
articuladas transformações no processo de urbanização e na rede urbana do
Brasil, nas décadas de 80 e 90, as quais se tornam parte constitutiva das
determinações do processo de mudança econômica, realimentando-o.
Processo de Urbanização noutra visão
A trajetória de desconcentração econômica acima explicitada aumenta a
heterogeneidade econômica e social no desenvolvimento das regiões e cidades
brasileiras, com as seguintes características:
Crescimento populacional mais elevado das antigas periferias econômicas
nacionais, provocando a intensificação do fenômeno da transformação de
aglomerações urbanas;
Padrões relativamente baixos de crescimento das regiões metropolitanas,
sobretudo de suas sedes; e
Peso crescente do conjunto das cidades de porte médio.
Com exceção do Nordeste, onde o crescimento de algumas áreas
metropolitanas ainda e elevado e as capitais estaduais estão entre as cidades
143
com maior crescimento, pode-se dizer que as cidades de porte médio brasileiras
apresentam taxas médias de crescimento mais elevadas que as metropolitanas.
A maior gravidade da crise nas áreas metropolitanas condicionou de
maneira significativa o fenômeno migratório na década. Talvez o colapso do
estilo de crescimento rápido, que caracterizou a economia brasileira por várias
décadas, seja a marca mais importante desses anos. Como se sabe, a
permanente revolução da estrutura ocupacional, movida por esse crescimento,
sustentou uma mobilidade social vertiginosa. A reprodução desse processo, pela
geração reiterada de volumes elevados de novas ocupações urbanas, absorvia
contingentes expressivos de novos trabalhadores, muitos dos quais migrantes, e
amparava um processo de mobilidade estrutural que fazia d alógica da
incorporação o traço fundamental do funcionamento do mercado de trabalho
brasileiro.
Essa Iógica rompe-se na década de 80, quando se estabelece um período
de mobilidade travada. Em termos dos mercados de trabalho metropolitanos,
esse processo refletiu-se numa intensa terceirização da estrutura ocupacional,
que foi acompanhada pela deterioração dos indicadores disponíveis: queda dos
rendimentos reais; redução relativa do assalariamento da abertura dos vínculos
jurídico-institucionais de trabalho; e tendência à deterioração das relações de
trabalho. Os exemplos mais emblemáticos desses processos são as
aglomerações de São Paulo, onde o movimento da década significou a regressão
da base industrial, e do Rio de Janeiro, que apresenta situação ainda mais grave.
O bloqueio à mobilidade, decorrente da redução do crescimento
econômico, pode ter incentivado menor migração rumo às principais metrópoles
e, também, ter favorecido a migração de retorno. Muito provavelmente, a mi-
gração de curta distância ganhou peso maior, dentro de Padrões de mobilidade
mais intra-regionais do que inter-regionais.
Nesse sentido, o conjunto da rede urbana brasileiro passou a ter papel
mais significativo do que as grandes metrópoles, servindo de amortecedor
desses movimentos, fato que reforçou a característica relativamente desconcen-
trada do sistema urbano brasileiro, como já se enfatizou aqui.
Esse processo parece crescentemente influenciado pelas tendências de
desconcentração da atividade econômica. Os novos rumos da aglomeração
144
urbana de São Paulo sintetizam com clareza essa questão. A metrópole perde
importância em termos industriais e, paulatinamente, reduz o ritmo de seu
crescimento demográfico. Trajetória semelhante ocorre nas aglomerações de
Porto Alegre e Belo Horizonte (em menor grau), além do baixo crescimento do
Rio de Janeiro, de Recife e da Baixada Santista, cujos determinantes não se
restringem à desconcentração recente.
Em síntese, são estes os impactos mais significativos dos processos de
alteração na dimensão espacial do desenvolvimento em termos da urbanização e
da conformação da conformação urbana do Brasil:
Resguardadas as especificidades da região Norte, onde Belém perde
primazia, nas demais regiões do país estão ocorrendo mudanças no
formato das redes urbanas regionais, com peso crescente das
aglomerações urbanas metropolitanas e dos centros urbanos médios, e
com espraiamento do fenômeno de consolidação de aglomerações
urbanas não-metropolitanas;
No conjunto do país, as aglomerações urbanas metropolitanas continuam
concentrando população e apresentando peso crescente, distinguindo-se a
especificidade da região Sudeste, onde as antigas metrópoles - São Paulo,
Rio de Janeiro e Belo Horizonte –,em que pese o fato de continuarem
concentrando volumes expressivos de população, perdem peso para
algumas aglomerações urbanas, como Campinas e Vitória, e também para
os centros urbanos com mais de 100 mil habitantes
As doze aglomerações urbanas metropolitanas identificadas na pesquisa
reúnem 201 municípios e o Distrito Federal e exibem percentuais
crescentes do conjunto da população brasileira (32,3% do total da
população brasileira em 1980; 33,0% em 1991 e 33,6% em 1996),
atingindo 52,7 milhões de habitantes em 1996;
As 37 aglomerações urbanas não-metropolitanas, que reúnem 178
municípios, vêm aumentando de forma expressiva sua participação no total
da população do país (11,1% em 1980; 12,7%, em 1991; e 13,1% em
1996), abarcando, em 1996, um total de 20,6 milhões de habitantes;
145
Em conjunto, as aglomerações urbanas concentram, de acordo com os
dados da Contagem Populacional de 1996, 47% do total da população do
país, atingindo a cifra de 74,3 milhões de habitantes em 19%;
No período 1991-96, os 62 centros urbanos de mais de 100 mil habitantes,
localizados fora das aglomerações urbanas, aumentaram sua participação
no total da população nacional de 7,2% em 1980 para 8,5% em 1996,
abrigando um total de 13,3 milhões de habitantes;
No período 1991-96, as aglomerações urbanas, bem como os centros
urbanos de mais de 100 mil habitantes que não constituem aglomeração
urbana, apresentaram taxas de crescimento da população total acima da
média nacional;
Dentre essas categorias que apresentam taxas de crescimento acima da
média nacional (1,36%), destacam-se: as aglomerações de Brasília (3,7%),
Curitiba (3,4%), (Goiânia (3,3%) e, num outro patamar, Belém (2,4%),
Fortaleza e Campinas (2,3%); as aglomerações de Cabo Frio (4,6%),
Petrolina/Juazeiro (4,3%) e, num segundo patamar, Joinville (2,9%), São
Luís e So José do Rio Preto (2,8%), e Aracaju (2,7%); e os centros urbanos
de Macapá (5,8%), Rio Branco (4,3%), Barreiras (4,2%). Foz de Iguaçu
(4,0%), com taxas de crescimento três a quatro vezes maiores que a
nacional;
Em praticamente todas as regiões brasileiras, as pequenas cidades
apresentam saldos migratórios negativos, retratados pelo crescimento
abaixo da medi nacional, e muito próximo do crescimento vegetativo do
país.
Caracterização da Rede Urbana
Impactos Espaciais da Transformação na Estrutura Produtiva
O estudo da rede urbana do Brasil partiu da identificação dos processos
econômicos ocorridos no país nas duas últimas décadas, procurando-se
entender o impacto desses processos sobre a estruturação e a dinâmica das
redes urbanas e regionais e sobre as funções desempenhadas pelos seus
146
centros urbanos mais importantes. Pressupões-se que a complexidade da
estrutura produtiva brasileira privilegiou algumas regiões e/ou centros urbanos, a
partir dos quais foi comandado o processo de criação, apropriação e circulação
do valor excedente, com desdobramentos importantes sobre sua dinâmica
urbana.
No que diz respeito a dicotomia histórica entre cidade e campo, ou entre
atividades rurais e atividades urbanas, considerou-se que a partir dos anos 70, a
divisão territorial do trabalho vem passando por fortes alterações nas diversas
regiões brasileiras. Essas alterações, contudo, são ainda restritas a algumas
frações da economia e da sociedade, ocorrendo, sobretudo, nas áreas
economicamente mais dinâmicas do país e atingindo, principalmente, as grandes
aglomerações urbanas e os centros urbanos mais importantes.
O processo de desconcentração da economia, iniciado na década de 70,
reforçou a integração da rede urbana nacional e engendrou uma nova articulação
entre as estruturas espaciais que a compõem. Os novos processos de integração
produtiva e de articulação funcional entre regiões e/ou centros urbanos
conformaram a existência de dois movimentos distintos, porém complementares.
Por um lado, ampliaram-se e diversificaram-se as funções
desempenhadas pelos centros urbanos, tornando mais complexas suas
atividades. Por outro lado, ampliaram-se os requerimentos de articulação e
integração entre eles. Esses movimentos configuram-se, simultaneamente, como
reflexo da e como suporte à desconcentração das atividades econômicas e da
interiorização do desenvolvimento, como um padrão de urbanização restrito até
então aos maiores centros urbanos nacionais. Assim, não só ocorre um
crescimento populacional mais elevado nas antigas periferias econômicas
nacionais e nos centros urbanos médios, ocasionando o espraiamento da
urbanização, especialmente em direção ao oeste, fenômeno esse contraposto à
tendência anterior de localização da urbanização na faixa litorânea do território
nacional, mas também surgiram e ampliaram seu papel na rede de cidades do
país diversas aglomerações urbanas, tornando mais complexa a configuração da
rede urbana nacional.
A crise econômica dos anos 80 não se abateu homogeneamente sobre
todas as regiões brasileiras, além do que a desconcentração produtiva criou
147
espaços dinâmicos em pontos localizados do território nacional, reforçando as
tendências à heterogeneidade inter-regional, num contexto de convergência da
renda per capita. Esse processo vem intensificando-se pela forma como o país
se insere no mundo globalizado, uma vez que essa inserção vem ocorrendo pela
integração de alguns setores de atividade e de localidades específicas, o que tem
contribuído para reforçar as desigualdades regionais e romper os nexos eco-
nômicos de complementaridade - que foram fundamentais no padrão de
crescimento das últimas décadas -, colocando riscos de maior fragmentação da
estrutura produtiva, com forte impacto sobre o desenvolvimento regional. Essa
inserção subordinada no mercado global, num contexto de crise do Estado
nacional, e de inexistência de políticas industriais e regionais estrutrurantes, pode
levar a um novo ciclo de reconcentração das atividades econômicas, ou de
especialização de espaços determinados, segundo fatores e vantagens já
construídos, ali presentes, conforme proposto por Pacheco (1996),
Por outro lado, as áreas rurais também têm mudado de feição, com o
surgimento; ou a ampliação, em regiões mais dinâmicas, especialmente no caso
de São Paulo e alguns estados do Sul e do Sudeste, de um conjunto de
atividades e ocupações não agrícolas, como pesqueiros, hotéis-fazenda, parques
aquáticos e temáticos, sítios de recreio etc. Isso coloca os espaços rurais em
outro patamar de articulação com os centros urbanos, em que o rural não mais
pode ser visto simplesmente como fornecedor de produtos primários para os
centros urbanos (Silva, 1999; Santos, 1996).
Encontra-se, assim, mesmo em pequenos núcleos urbanos, bem como no
meio rural, uma parcela da população residente totalmente integrada, através dos
circuitos de produção, de comunicações e transportes, ao mais avançado padrão
de consumo oferecido pelos grandes centros, ao mesmo tempo em que nos
grandes e médios centros, existem significativos contingentes populacionais
marginalizados do processo de modernização e geração de renda. Verifica-se,
dessa forma, uma expressão nova do atual ciclo da acumulação, que produz uma
face moderna e de alta renda e complexidade, e outra de características opostas.
Vale ainda mencionar a formação de espacialidades novas em todas as
regiões brasileiras, especialmente na região Nordeste, associadas ao
crescimento do setor de turismo, com localização principal no litoral. As novas
148
atividades proporcionadas pela expansão do turismo naquela região têm
substituído, ou proporcionando alternativas, antigas especializações econômicas,
o que se verifica, sobretudo no litoral sul da Bahia. Em vista dos requisitos de
urbanização exigidos pelas novas atividades, as cidades envolvidas com o
turismo tendem a apresentar altas taxas de crescimento, contribuindo para o
adensamento da rede urbana regional.
Além disso, a integração econômica ao Mercado Comum do Sul
(Mercosul), com a conseqüente intensificação das relações comerciais do Brasil
com países vizinhos, tem ampliado o papel de algumas cidades da fronteira, as
quais têm passado por forte crescimento urbano. Hoje, algumas delas já se
encontram conturbadas com cidades de países vizinhos, gerando aglomerações
urbanas de caráter internacional.
Embora bem distantes da configuração verificada na estrutura da rede
urbana do Sudeste e do Sul, pode-se afirmar que, em todas as regiões do país,
existem evidências de que as transformações econômicas recentes levaram a
rede urbana brasileira a perder lentamente sua forma essencial concentrada no
litoral.
No caso do Centro-oeste, a atual ocupação ainda mantém a estrutura
desigual da antiga ocupação, apesar da desconcentração econômica ocorrida,
com vastas extensões territoriais ainda não integradas ao processo de
desenvolvimento econômico, ao mesmo tempo que expressivos contingentes
populacionais continuam mantidos à margem do novo padrão de urbanização.
Refletem-se, portanto, na atual estrutura da rede urbana brasileira as
especificidades e diferenças de renda e produtividade características das regiões
e dos processos de desenvolvimento que caracteriza historicamente a sociedade
brasileira. Verifica-se uma rede urbana ainda desarticulada, tanto inter como
intra-regionalmente, encabeçada por um número significativo de aglomerações e
centros urbanos, dotados de equipamentos, infra-estruturas e serviços modernos
e complexos, porém com periferias extremamente pobres. Isso sem falar nas
áreas de concentração de pobreza, que vêm marcando o perfil de crescimento
especialmente das metrópoles nacionais, ao mesmo tempo em que nelas se
concentram agentes e atividades e atividades de alta qualificação, realçando,
assim, o grave desequilíbrio do processo de urbanização da sociedade brasileira.
149
A Rede Urbana do Brasil
A classificação da rede urbana do Brasil apresentada aqui foi desenvolvida
com base num conjunto de critérios e procedimentos articulados
fundamentalmente aos seguintes aspectos:
Tipologia de tamanho dos centros urbanos;
Tipologia ocupacional e dependência funcional dos centros urbanos;
Tipologia da forma urbana assumida pelos centros urbanos que constituem
aglomerações urbanas.
A utilização dos critérios definidos e dos indicadores selecionados para a
abordagem desses aspectos foi realizada em quatro etapas. Na primeira, os
critérios e indicadores foram utilizados para o desenvolvimento dos
procedimentos de classificação dos centros urbanos adotados no âmbito dos
Estudos regionais.
O passo seguinte foi a composição do Quadro de Classificação da Rede
do Brasil. Essa composição tomou por base a classificação dos centros urbanos
nas grandes regiões geográficas, bem como os resultados derivados do
aprofundamento dos estudos analíticos elaborados para o conjunto da rede
urbana do país. Além disso, foram incorporados novos critérios de discriminação
da posição hierárquica ocupada pelos centros urbanos na rede urbana nacional.
Na terceira etapa do trabalho, desenvolveu-se estudo que envolveu a
caracterização e a análise da dinâmica espacial da rede urbana nacional,
produzindo-se elementos sobre a conformação de estruturas urbanas que, com
base no fluxo de pessoas, mercadorias e informações, se articulam em sistemas
urbano-regionais, encabeçados pelas metrópoles e centros regionais
componentes da rede urbana do Brasil.
Os critérios e indicadores utilizados na classificação da rede urbana do
Brasil, nas diversas etapas do trabalho, estão apresentados a seguir:
Posição dos centros urbanos no Regie;
150
Porcentagem da PEA urbana;
Total da população em 1980, 1991 e 1996;
Taxa de crescimento da população no período 1991-96;
Porcentagem de acréscimo da população nos períodos 1980-91 e 1991-96;
Densidade demográfica dos centros urbanos em 1996; e
Analise de agrupamento dos centros urbanos das regiões brasileiras.
Fase II: Quadro de classificação da rede urbana do Brasil, incluindo os
seguintes critérios:
Posição dos centros das sedes das 500 maiores empresas do Brasil;
Localização de passageiros domésticos e internacionais, e volume de
carga dos aeroportos domésticos e internacionais de rede infraero;
Localização das agências bancárias e valor total dos depósitos bancários;
Taxa de urbanização de 1996;
Taxa de crescimento populacional do período 1991-96;
Densidade populacional do período 1991-96;
PEA urbana; e
Estrutura ocupacional.
Fase III: Estrutura urbana e sistema urbano-regional, incluindo:
Identificação dos espaços territoriais submetidos à influência dos centros
urbanos, segundo a classificação do IBGE;
Identificação dos sistemas urbano-regionais definidos com base em
critérios de contigüidade espacial e dependência funcional; e
Diferenciação das estruturas urbanas, segundo as seguintes
características espaciais: ritmo da urbanização; nível de adensamento da
rede de cidades; grau de complementaridade entre núcleos urbanos
componentes.
Fase IV: Tipologia da forma urbana, incluindo os seguintes critérios:
Identificação da presença de processo de conturbação entre centros
urbanos;
Identificação de espaços urbanos descontínuos com presença de centro
urbanos com articulação econômica e urbana;
Porte populacional dos centros urbanos em 1991 e 1996;
Densidade populacional de 1991;
151
Taxa de crescimento do núcleo nos períodos 1980-91 e 1991-96;
Taxa de crescimento da periferia nos períodos 1980-91 e 1991-96; e
Indicadores de peculiaridades regionais indicativas de articulação entre
centros urbanos.
A aplicação desses critérios permitiu a montagem dos quadros de
composição das aglomerações urbanas, que estão integrados nos Anexos ao
final deste trabalho. Esses quadros estão acompanhados de cartogramas
ilustrativos de tal composição.
Classificação da Rede Urbana
A seguir, apresentam-se os resultados da aplicação desse conjunto de
critérios e indicadores utilizados nos estudos, nas suas diversas fases.
A rede urbana do Brasil é composta de seis categorias espaciais, a saber:
Metrópoles globais, nacionais e regionais. Estes três estratos superiores da
rede são constituídos por treze centros urbanos, que, à exceção de
Manaus, estão localizados em aglomerações urbanas. A maioria deles se
desenvolveu a partir de um núcleo, uma capital de estado (exceto
Campinas).
Para esses estratos da rede urbana, identificaram-se, ainda, a ocorrência
de complementaridade funcional entre os centros e as periferias,
exercendo tais centros fortes funções polarizadoras. Além disso, as
aglomerações articulam-se espacialmente, sempre com algum grau de
contigüidade, muitas vezes ao longo de eixos viários.
Centros regionais. Este estrato intermediário da rede urbana abrange 16
centros urbanos, dos quais 13 são centros de aglomerações urbanas não-
metropolitanas e três não constituem aglomerações urbanas. Algumas
aglomerações urbanas são constituídas por centros que, em alguns casos,
dividem as funções polarizadoras com subcentros da própria aglomeração.
A maioria das aglomerações urbanas nucleadas por centros regionais
152
possui contigüidade espacial, formando um conjunto de cidades
articuladas.
Centros sub-regionais 1 e 2. Estes dois estratos da rede somam 82 centros
urbanos; os centros sub-regionais 1 representam 31 centros e os centros
sub-regionais 2, 51 centros. Estes centros sub-regionais polarizam apenas
os municípios de seu entorno, desempenhando o papel de centros locais.
Em especial nas regiões mais dinâmicas economicamente e com maior
número de centros urbanos, as relações socioeconômicas de subordinação, ou
de complementaridade, podem ocorrer segundo vários vetores, fazendo com que
as articulações funcionais não se resumam ás relações núcleo principal/periferia,
mas também ocorram entre centros de aglomerações distintas. O exemplo mais
evidente dessa situação é a relação da metrópole de São Paulo com as demais
metrópoles nacionais, bem como com centros urbanos situados num raio de 150
km de distância.
Com efeito, cada centro urbano participa de diferentes processos de
articulação ou redes, nacionais e mesmo internacionais, segundo os múltiplos
papeis que possuem. Esse fato faz com que a leitura e a análise dos processos
espaciais urbanos, presentes em cada região, devam ser realizadas de forma
cautelosa, considerando os fatores socioeconômicos que os estruturam.
Por outro lado, é importante ressaltar que a classificação da rede urbana
do Brasil, definida neste trabalho, não inclui os centros urbanos com menos de
100 mil habitantes, os quais, de todo modo, foram considerados nas análises dos
Estudos regionais.
Na classificação da rede urbana do Brasil, o conjunto das aglomerações
urbanas metropolitanas e não-metropolitanas (e os principais centros urbanos
brasileiros que não constituem aglomerações urbanas) compreende 111 centros
urbanos e 440 municípios e o Distrito Federal, e reúne mais da metade da
população brasileira (56%, de acordo com os dados da Contagem de 1996).
As duas metrópoles globais, Rio de Janeiro e São Paulo, abrangem
17,3% da população total do país, distribuída por sessenta municípios. Nas sete
metrópoles nacionais, residem 13% do total da população brasileira, em 113
municípios e o Distrito Federal. As quatro metrópoles regionais abrigam 4,7% da
153
população total do país em 28 municípios. Os dezesseis centros regionais
abarcam 7,7% da população total em 72 municípios. Nos 31 centros sub-
regionais 1, residem 7,2% da população brasileira em 85 municípios e,
finalmente, 5,7% do total da população reside nos 51 centros sub-regionais 2, em
82 municípios.
A distribuição espacial dos 111 principais centros urbanos brasileiros
mostra que existe uma concentração em duas das cinco grandes regiões
brasileiras (Sudeste, 39,6%; e Nordeste 23,4%). No Sul, estão concentrados
18,9% dos centros urbanos brasileiros; no Nordeste, 10,8%; e no Centro-oeste,
7,2%.
Boa parte das aglomerações urbanas situa-se no entorno da metrópole
paulista e ao longo de dois eixos viários principais, a partir da capital: o eixo
formado pelas rodovias Carvalho Pinto/Presidente Dutra, que liga São Paulo ao
vale do Paraíba e ao Rio de Janeiro, e o eixo Anhangüera/Bandeirantes, em
direção à Campinas, indo até Ribeirão Preto. A distribuição dos centros urbanos
segundo as macrorregiões é a seguinte: na macrorregião Sudeste, encontram-se
as metrópoles globais São Paulo e Rio de Janeiro. As sete metrópoles nacionais
estão assim distribuídas: duas na região Sul (Curitiba e Porto Alegre), uma na
região Sudeste (Belo Horizonte), três na região Nordeste (Fortaleza, Recife e
Salvador) e uma na região Centro-oeste (Brasília). As quatro metrópoles
regionais têm a seguinte distribuição: uma na região Sudeste (Campinas), uma
na região Cetro-oeste (Goiânia) e duas na região Norte (Manaus e Belém).
Os dezesseis centros regionais distribuem-se da seguinte forma: dois no
Norte (Rio Branco e Porto Velho), dois no Sul (Londrina e Florianópolis), dois no
Centro-oeste (Campo Grande e Cuiabá), quatro no Sudeste (Vitória, Ribeirão
Preto, São José dos Campos e Santos) e, finalmente, seis no Nordeste (Aracaju,
João Pessoa, Teresina, Maceió, Natal e São Luís).
Os demais centros sub-regionais (82) têm a seguinte distribuição: oito no
Norte, 17 no Nordeste, 36 no Sudeste, 17 no Sul e 4 no Centro-oeste.
Para substituir a classificação da rede urbana do Brasil, foram procedidas
análises estatísticas de correlação e discriminação de um conjunto de 17
indicadores. Para as aglomerações urbanas, trabalharam-se os dados agregados
do conjunto dos municípios considerados pela pesquisa como pertencentes a
154
essa espacialidade.
Para tanto, selecionou-se uma primeira cesta com 13 indicadores básicos
para os 111 centros urbanos, incluindo: população total de 1996; porcentagem da
PEA em atividades urbanas de 1991; renda média financeira; taxa de
crescimento populacional do período de 1991-96; porcentagem da população em
idade ativa ocupada na indústria de transformação, da construção civil, em
serviços de utilidade pública, bancos, serviços técnicos profissionais, serviços
públicos federais, estaduais e municipais, e em estabelecimentos de saúde e
ensino; índice de infra-estrutura urbana; e índice de consumo de bens. Na
seqüência, foi selecionada uma segunda cesta com quatro indicadores, somente
para 23 dos principais centros que compõem a rede urbana do Brasil,
abrangendo: número de empresas e valor do patrimônio das 500 maiores
empresas do país e movimentação de passageiros e cargas dos aeroportos.
No processo de classificação dos centros urbanos nas seis categorias que
compõem a rede urbana do Brasil, além dos indicadores quantitativos, também
foram consideradas as análises quantitativas realizadas regionalmente. Ao se
considerar quantitativos na análise discriminante, surgiram situações de centros
urbanos que deveriam estar classificados em categorias distintas daquela
proposta pelo estudo. Contudo, a inclusão (ou exclusão) de um centro urbano em
uma dada categoria da rede urbana passou também pelo crivo qualitativo, o qual
contribuiu para definir a classificação da rede urbana do Brasil apresentada neste
trabalho.
Aglomerações Urbanas
Nesta pesquisa foram identificadas 49 aglomerações urbanas, distribuídas
em doze aglomerações em nível metropolitano, doze centros regionais, quinze
centros sub-regionais de nível 1 e os demais centros sub-regionais de nível 2.
Essas 49 aglomerações urbanas abrigaram um total de 73.380.310
habitantes, concentrado 60,39% da população urbana e 47,32% da população
total do país. As aglomerações em nível metropolitano concentram 53.891.546
habitantes, correspondendo a 43,78% da população urbana e a 34,31% da
população total do país. No caso das metrópoles globais, São Paulo e Rio de
155
Janeiro, essa concentração é de 22,10% e 17,32% para a população urbana e
total do país, respectivamente. Esses índices traduzem o peso do processo de
metropolização que as aglomerações urbanas adquiriram no cenário nacional.
A análise da dimensão do núcleo e da periferia da aglomeração permite
identificar de quatro tipos:
Aglomerações urbanas cuja população do núcleo é superior à da periferia.
É o caso das aglomerações (31);
Aglomerações cuja população do núcleo é aproximadamente a da periferia
(oito);
Aglomerações cuja população da periferia é superior à do núcleo (seis);
Aglomerações constituídas por dois ou mais núcleos, porém sem periferia
(quatro);
A distribuição territorial desse conjunto de aglomerações está intimamente
relacionada ao processo de ocupação territorial do país, adensando-se no
Centro-sul e no Nordeste. Tal distribuição, de maneira geral, acompanha a faixa
litorânea, apresenta maior interiorização no Centro-sul e torna-se menos
compacta à medida que se avança para o Oeste do país, deixando de existir a
partir do mediterrâneo que corta a aglomeração de Cuiabá.
A análise do quadro evolutivo de aglomerações urbanas no país está
limitada à existência de estudos para a sua identificação. Esses estudos foram
iniciados na década de 60, contemplando apenas o nível metropolitano. Dessa
forma, constata-se, para essa categoria, que o grande salto no processo de
evolução metropolitana deu-se no período 1960-80, pois na década seguinte o
número de aglomerações nessa categoria passou de treze para doze, o que deve
ser atribuído não a uma perda de status metropolitano, por parte de uma das
metrópoles consideradas nos estudos realizados em meados da década de 70,
mas a diferentes processos classificatórios utilizados na identificação dessa
categoria nas décadas de 70 e 90.
O estudo sobre a evolução da formação de aglomerações urbanas em
nível não-metropolitano baseia-se em trabalhos realizados nas décadas de 70 e
90. Para este período, houve maior intensidade do processo nas regiões Sul e
156
Sudeste. Na região Nordeste, esse processo dá-se de forma menos acentuada; e
na região Centro-oeste, registra-se apenas a formação da aglomeração de
Cuiabá (identificada em estudos parciais realizados em fins da década 70), como
parte do processo de densificação da ocupação territorial rumo a oeste do país.
O ainda incipiente processo de urbanização da região Norte não ensejou a
formação de aglomeração de aglomerações desse nível.
A intensificação no processo de formação de aglomerações urbanas,
mesmo nas áreas de ocupação mais antiga no país, está estreitamente ligada ao
dinamismo econômico. Assim, São Paulo, como a metrópole mais dinâmica do
país, ensejou o aparecimento de um grande número de aglomerações na área do
seu entorno, ao longo de dois eixos rodoviários principais, constituídos pelas
rodoviárias, Carvalho Pinto/Presidente Dutra, rumo ao Vale do Paraíba e ao Rio
de Janeiro, e pelas rodovias Anhangüera/Bandeirantes, em direção a Campinas
e Ribeirão Preto. Em menor escala, o mesmo processo ocorreu no Rio de
Janeiro, nos eixos rodoviários rumo à região dos Lagos, em direção a São Paulo
e, também, a Santos.
Dinâmica Espacial dos Sistemas Urbano-regionais do Brasil
O processo de urbanização no Brasil
As cidades no Brasil desempenharam historicamente funções importantes
no processo de ocupação do território, servindo como sítios de suporte ao
povoamento, centros de controle político e de armazenamento da produção
agroextrativa, núcleos de conexão com os circuitos mercantis, pólos de
crescimento industrial e nós das redes financeira e informacional. Desde o século
XVI até os dias atuais, podem-se distinguir diversas formações territoriais, que
expressam as distintas relações entre cidade e campo e das cidades entre si no
processo de desenvolvimento brasileiro. Tais transformações podem ser
esquematicamente divididas em:
Formação territorial escravista atlântica. Estendia-se, groso modo, no
Continente americano do sul dos Estados Unidos até os limites da então
157
capitania de São Paulo e compreendia também as áreas de captura e
comercialização de escravos no Continente africano.
A lógica de funcionamento do comércio triangular atlântico já foi
longamente descrita em vários textos clássicos, cabendo explicitar um
pouco mais o papel desempenhado pelas relações entre cidade e campo
em uma economia submetida ao monopólio mercantil e ao controle
metropolitano, durante a fase colonial, ou de estruturas de poder
oligárquico e latifundiárias, durante o período de formação dos Estados
nacionais.
No caso do Brasil, essas duas fases são evidentes, correspondendo ao
período Colonial (de 1500-31 até 1808-22) e ao do Império nacional (1808-
22 até 1870-89). Na primeira fase, cidade e campo eram verso e reverso
do estabelecimento mercantil e, na verdade, não havia separação explícita
de funções entre duas áreas, as quais desempenhavam atividades que
operacionalizavam o funcionamento da exploração agrária ou mineradora
colonial. Na fase de formação e consolidação dos Estados nacionais, que
no caso brasileiro corresponde ao Império escravista-mercantil, as cidades
começaram a adquirir funções urbanas, dentre as quais se destaca a
capacidade de acumulação do capital mercantil, o que lhes confere
capacidade financeira, até certo ponto endógena, para alimentar o
processo de expansão da produção no campo. O exemplo das casas
comissárias no Rio de Janeiro é bem ilustrativo desse aspecto.
Entretanto, a base escravista do processo produtivo limitava, por dentro, as
possibilidades de expansão e acumulação ampliada na economia nacional,
limitando sua organização espacial à bacias urbanas comandadas pelos
princípios portos litorâneos, conformando o célebre arquipélago mercantil,
já descrito e analisado por vários autores.
Formação territorial agromercantil nacional. Compreende o período entre
1870-89 e 1930-45, em que as condições de controle do processo de
acumulação consolidam-se no território nacional, com o campo
constituindo-se na principal fonte de riqueza e a cidade seu lócus de
comercialização, seja para o mercado mundial, seja para o mercado
doméstico, que começa a expandir-se. O trabalho assalariado era
158
dominante nas áreas produtoras de complexo cafeeiro paulista, enquanto
no Nordeste predominavam relações de parceria e, no Sul, o trabalho
familiar, nas pequenas propriedades. Os interesses urbanos estavam,
predominantemente, representados pelos comerciantes e funcionários do
Estado.
Formação territorial urbano industrial nacional. Consolida-se a partir da
década de 30 e caracteriza-se pelo processo de industrialização que passa
a determinar a lógica da acumulação endógena. Na consolidação dessa
formação, podem-se distinguir três frases:
a) Fase da industrialização restringida (1930-45 a 1956-60), quando a lógica
da acumulação ainda dependia visceralmente da capacidade de exportar
bens agrícolas, em conseqüência da importação de bens de produção
mundial;
b) Fase da industrialização pesada (1956-60 a 1975-79). O Plano de Metas e
a industrialização pesada, comandada pelo Estado, que se estende até II
Plano de Desenvolvimento, foram responsáveis por expressiva aceleração
no ritmo de crescimento do mercado doméstico, que se expressa em novas
relações cidade/campo, iniciando o processo de constituição da rede
urbana integrada em nível nacional. Essa rede era a expressão do
dinamismo do mercado doméstico, que deu sustentação ao processo de
industrialização;
c) Fase de internacionalização financeira (1975-79 a 1991-96), caracterizada
por crise e esgotamento fiscal e financeiro do Estado nacional, cuja
capacidade de comandar o processo de industrialização foi seriamente
comprometida pelo endividamento interno e externo. A lógica do
investimento passou a ser diretamente comandada por empresas
transnacionais e pela presença do capital privado a elas associado. O
período caracteriza-se pela redução do ritmo de crescimento das grandes
metrópoles (São Paulo e Rio de Janeiro) e pela emergência de novos
centros dinâmicos fora do eixo consolidado (Fortaleza, Manaus, Brasília-
Goiânia, dentre outras). A partir de 1991-96, a orientação do processo de
industrialização passa a responder à dinâmica de uma estrutura de
159
mercado que não está mais restrita às dimensões do território nacional,
mas orienta-se para a consolidação de cadeias produtivas transfronteiras,
principalmente no Cone Sul da América, destinadas a ocupar o mercado
sul-americano e a competir e escala mundial. Nesse sentido, embora
prematuramente, seria possível definir a emergência de uma nova
formação territorial, cuja delimitação sugere dimensões transfronteiras e
cujo ritmo de acumulação está determinado pela capacidade de conquistar
fundos privados, seja no mercado doméstico, seja no mundial, viabilizada,
em grande parte, pelas políticas cambiais e monetárias do Estado-nação,
que passa a cooperar e/ou a competir com outros Estados nações pela
captura desses fundos privados. A titulo provisório, pode-se denominá-la
de “formação territorial urbano financeira supranacional”.
No estudo da História colonial brasileira e o processo de urbanização em
suas diversas fases, mostra que, no período colonial e durante o Império
escravista, as cidades, distribuíam-se na franja costeira, com adensamentos em
áreas selecionadas como o Saliente Nordeste e os Recôncavos das Baias de
Todos os Santos e da Guanabara, e em estuários e baixadas costeiras, como é o
exemplo da Santista. A mineração de metais e pedras preciosas foi responsável
pela interiorização do fato urbano nas Minas Gerais e Goiás, e a extração das
drogas do sertão pelo esporádico assentamento urbano na Bacia Amazônica e
no Golfo Maranhense. O Vale do Paraíba fluminense respondeu pela principal
atividade econômica do Império – a plantation escravista de café – e a
geopolítica foi responsável pelos avanços na fronteira meridional e na Bacia do
Prata, levando o assentamento urbano ao interior do estado de Mato Grosso, ao
longo da bacia do rio Paraguai.
É possível visualizar a avanço do complexo cafeeiro paulista como o
principal motor do processo de interiorização do crescimento urbano, que avança
pelo Planalto Paulista ao longo do traçado das ferrovias que abriram terras e
escoavam o café para o Porto de Santos. A conformação do leque de cidades a
partir da cidade da São Paulo guarda fortes semelhanças com o desenho da
bacia urbana que se conformou no Pampa Úmido, a partir de Buenos Aires, e
demonstra o dinamismo que possuem essas formações territoriais durante o
160
período agrário-mercantil com trabalho assalariado alimentado pela imigração.
Nesse mesmo estudo da História do Brasil, podem-se ver os impactos da
industrialização nacional sobre a configuração da rede urbana brasileira. Verifica-
se que o grande adensamento urbano deu-se entre as décadas de 30 e 60,
período que pode ser descrito como de avanço das frentes pioneiras e da
“Marcha para Oeste”, que formou grande arco entre o norte do Paraná e a porção
central de Goiás. Os centros urbanos implantados no período 1960-80 estão
bastante marcados pelo viés político e refletem, em grande parte, os
desmembramentos com vistas a aumentar as costas no Fundo de Participação
dos Municípios (FMP), o que é particularmente significativo no Sertão nordestino,
embora já sejam visíveis os novos assentamentos ao longo dos grandes eixos
que avançavam na Amazônia, em que pese a conformação de um padrão de
ocupação completamente diferente do que prevaleceu no final do século passado
em São Paulo, pois a densidade demográfica da Amazônia é muito menor devido
à alta “tecnificação” da agropecuária.
Por final, no período de 1980-93, consolidam-se novas áreas de
semeadura urbana nos estado de Rondônia, Mato Grosso e Tocantins, em um
arco de grandes dimensões e muito espaçado entre os principais adensamentos
urbanos, conformando um padrão de ocupação completamente distinto das
frentes pioneiras dos anos 30, quando o processo de criação de cidades dava-se
de modo muito mais adensado devido a importância que assumia o povoamento
rural.
Cumpre ressaltar, ainda, a importância do arco urbano que acompanha a
fronteira meridional, desde o Rio Grande do Sul até o Mato Grosso do Sul. Este
expressivo adensamento urbano ao longo da fronteira reflete antigas
preocupações geopolíticas e novas tendências geoeconômicas em virtude da
integração econômica no Cone Sul da Amazônia.
Os Sistemas Urbano-regionais
Os cartogramas e análises apresentados pela História, possibilitam uma
primeira aproximação aos sistemas urbano-regionais presentes na rede urbana
161
brasileira, vistos como circuitos dessa rede que possuem características
estruturais e dinâmicas próprias e diferenciadas entre si.
A caracterização e a análise da dinâmica espacial da rede urbana nacional
são os objetivos principais deste texto, uma vez que há mais de quinze anos não
se realizaram trabalhos dessa natureza. Nesse período, o processo de
urbanização no Brasil não apenas manteve-se acelerado, mas, principalmente,
passou a apresentar diversidade e heterogeneidade de situações que é singular
nos países em desenvolvimento. Tal diversidade obriga a realizar novos
procedimentos metodológicos que compreendem o mosaico de tempos e
espaços presentes neste final de século no território nacional. Para tratar dessa
situação complexa, foram utilizadas as seguintes categorias analíticas
fundamentais:
Regiões de influencia de cidades: porções do espaço submetidas à
influência de centros urbanos, cujos fluxos de pessoas, mercadorias e
informações permitem a conformação de estruturas territoriais
relativamente estáveis no decorrer do tempo. Segundo a classificação
adotada pelo IBGE, podem ser identificadas segundo as grandes regiões
adotadas pelo Instituto, a saber:
a) Região Norte (2): Manaus e Belém;
b) Região Nordeste (9): São Luís, Teresina, Fortaleza, João Pessoa,
Campina Grande, Recife, Caruaru, Salvador e Feira de Santana;
c) Região Sudeste (12): Belo Horizonte, Juiz de Fora, Uberlândia,
Vitória, Rio de Janeiro, São Paulo, Campinas, Bauru, Ribeirão Preto,
Mariana, São José do Rio Preto e Presidente Prudente;
d) Região Sul (8): Curitiba, Londrina, Maringá, Florianópolis, Porto
Alegre, Santa Maria, Pelotas e Passo Fundo;
e) Região Centro-oeste (2): Brasília e Goiânia.
Sistemas urbanos regionais: definidos com base na agregação das
regiões de influência das cidades, que foram grupadas segundo os critérios
de contigüidade espacial e de dependência funcional. Compreendem
162
sistemas territoriais organizados a partir de metrópoles (globais, nacionais
ou regionais) e centros regionais, que possuem encadeamento funcional
entre os diversos níveis de influência, seja recíproco, isto é, entre cidades
do mesmo nível, seja hierárquico, dos níveis superiores de polarização
para os inferiores. Foram identificados doze sistemas urbano-regionais no
Brasil, nomeados a partir das cidades que o encabeçam ou, quando esta
ainda não está claramente definida, a partir do território polarizado pelo
sistema. As regiões de influência das cidades que compõem tais sistemas
urbanos são as seguintes:
a) Cuiabá (1): área de influência de Cuiabá;
b) Norte (2): Belém e Manaus;
c) Meio Norte (2): São Luís e Teresina;
d) Fortaleza (1): Fortaleza;
e) Recife (4): Recife, João Pessoa, Campina Grande e
Caruaru;
f) Salvador (2): Salvador e Feira de Santana;
g) Belo Horizonte (1): Belo Horizonte;
h) Rio de Janeiro (3) Rio de Janeiro, Juiz de Fora e
Vitória;
i) São Paulo (8): São Paulo, Campinas, Bauru, Ribeirão
Preto. Marília, São José do Rio Preto, Presidente
Prudente e Uberlândia;
j) Curitiba (4): Curitiba, Londrina, Maringá e
Florianópolis;
k) Porto Alegre (4): Porto Alegre, Santa Maria, Pelotas e
Passo Fundo;
l) Brasília-Goiânia (2): Brasília e Goiânia.
São necessários, antes, alguns esclarecimentos sobre a nomenclatura
utilizada para os sistemas urbano-regionais. Como padrão, adotou-se o nome da
metrópole que encabeça o sistema. As exceções ocorreram em áreas onde a
hierarquia não esta definida claramente como no Norte (Belém e Manaus) e Meio
163
Norte (São Luís e Teresina), ou onde dois núcleos urbanos importantes,
relativamente próximos, excedem funções complementares e não devem ser
tratados separadamente, como é o caso de Brasília e Goiânia, onde existe uma
relação peculiar entre a massa populacional (Brasília e seu entorno) e a potência
de polarização (Goiânia). Essa particular forma espacial foi denominada de
Complexo Territorial de Brasília-Goiânia.
Estruturas urbanas: foram a armadura da rede urbana brasileira e refletem
os distintos tempos presentes no processo de urbanização nacional, isto é,
suas dinâmicas diferenciadas. A estrutura urbana não constitui uma região,
ou qualquer outra dimensão territorial em si, mas procura expressar a
coexistência de tempos diferenciados em um mesmo espaço territorial
integrado. As estruturas urbanas diferenciam se segundo três
características espaciais básicas:
O ritmo da urbanização;
O nível de adensamento da rede de cidades;
O grau de complementaridade entre centros urbanos que a compõem.
Outro aspecto fundamental que ajuda a diferenciar essas estruturas
urbanas são os níveis de desenvolvimento humano atingido pelos
habitantes das cidades que integram expressos nos indicadores de renda,
alfabetização e aceso aos serviços urbanos básicos.
Nesse sentido, foram definidas três grandes estruturas urbanas articuladas
e diferenciadas: o Centro-sul; o Nordeste e o Centro-norte; compostas pelos
seguintes sistemas urbanos:
a) Centro-sul (5): Porto Alegre, Curitiba, São Paulo, Rio de
Janeiro e Belo Horizonte;
b) Nordeste (4): Salvador, Recife, Fortaleza e Meio Norte;
c) Centro-norte (3): Norte, Cuiabá e Brasília-Goiânia.
Rede urbana nacional. Compreende o conjunto das cidades que polarizam
o território nacional e os fluxos de bens, pessoas e serviços que se
164
estabelecem entre elas e com as respectivas áreas rurais. Em uma visão
simplificada, é formada por centros urbanos de dimensões variadas, que
estabelecem relações dinâmicas entre si, como campos de forças de
diferentes magnitudes que interagem no decorrer do tempo. São essas
interações que respondem não apenas pela atual conformação espacial da
rede, mas também por sua evolução futura, cuja compreensão é
fundamental para o estabelecimento de metas de políticas públicas de
desenvolvimento.
A rede urbana nacional e suas estruturas urbanas
Em uma breve descrição, podemos analisar a configuração atual e as
perspectivas dinâmicas da rede de cidades no Brasil a partir das três estruturas
urbanas que a constituem.
O Centro-sul compreende os sistemas urbano-regionais de São Paulo, Rio
de Janeiro, Belo Horizonte, Curitiba e Porto Alegre, os quais se caracterizam pela
concentração de sua população em cidades, com elevados índices de urbani-
zação e de metropolização. A densa rede de cidades que recobre seu território é
responsável pela projeção de sua influência em nível nacional e supranacional,
avançando no processo de integração sul-americana.
O Centro-sul corresponde ao cinturão urbano-industrial do território
nacional e seus prolongamentos. É onde se situam as duas metrópoles globais
(São Paulo e Rio de Janeiro) e toda uma constelação de metrópoles con-
solidadas, como Porto Alegre, Curitiba e Belo Horizonte, e de metrópoles
emergentes, como Florianópolis, Maringá, Londrina, Baixada Santista, Campinas
e Vitória, que funcionam como centros de conexão do mercado doméstico aos
circuitos internacionais da economia mundial. Seu potencial de desenvolvimento
é elevado, devido a dois processos básicos: continuidade do processo de
metropolização nas metrópoles emergentes e crescimento urbano das cidades
de porte médio.
Embora estruturados a partir de metrópoles globais, os sistemas urbanos
de São Paulo e Rio de Janeiro possuem diferenças marcantes, no que se refere
tanto à sua configuração, como aos seus aspectos dinâmicos. A rede urbana
165
paulista é núcleo denso desse sistema, cujas ramificações estendem-se além
das fronteiras estaduais, incorporando o subsistema urbano-regional de Campo
Grande (MS) e projetando sua influência sobre o Triângulo Mineiro e sul de
Minas Gerais, onde disputa territ6rio com a área polarizada por Belo Horizonte.
São Paulo apresenta uma rede de cidades com alta densidade, topologia
diferencÍi1da e uma estrutura hierárquica consolidada.
O sistema urbano do Rio de Janeiro é, por sua vez, marcadamente litorâneo
e manifesta uma projeção espacial que reflete o dinamismo do passado e não
tendências expansivas atuais. Projetando sua influência, grosso modo, sobre a
sua antiga região mercantil, isto é, a Zona da Mata Mineira e o sul do estado do
Espírito Santo, o Rio de Janeiro não conseguiu consolidar uma rede
hierarquizada em sua área de influência, apresentando elevada macrocefalia
urbana que restringe a propagação das inovações sobre o território por ele
polarizado.
A segunda estrutura urbana diferenciada na rede brasileira é a do Nordeste,
formada pelos sistemas urbano-regionais de Salvador, Recife, Fortaleza e Meio
Norte, cujo processo de transição para uma economia urbano/industrial ainda
está completando-se, com verdadeiras bacias urbanas ainda em processo de
consolidação, a partir de suas relações com outros sistemas urbanos e com o
exterior.
Esse processo manifesta-se no expressivo contingente de população ainda
residindo em núcleos rurais de pequenas dimensões, elevadas taxas de
incremento da população urbana e, particularmente no caso de Fortaleza,
significativo indicador de primazia urbana.
Os quatro sistemas urbano-regionais que compõem essa estrutura
possuem características que os diferenciam. Nota-se que Recife possui a
configuração mais densa e consolidada do Nordeste, contando com as regiões
de influência de Recife, Caruaru, Campina Grande e João Pessoa, bem como
com os centros regionais de Natal e Maceió. Assim, a metrópole pernambucana
organiza o território 'de todo o Saliente nordestino.
Por outro lado, Salvador apresenta uma rede menos densa e
marcadamente orientada para o litoral. Além do centro regional de Aracaju,
destacam-se, por sua importância na estruturação do sistema urbano, os centros
166
sub-regionais de Feira de Santana e Vitória da Conquista; e, por seu papel no
Além São Francisco, Barreiras.
Fortaleza apresenta as mais altas taxas de crescimento urbano do
Nordeste, bem como mais elevada primazia urbana, evidenciando o caráter ainda
incompleto da urbanização desse sistema urbano do Nordeste Setentrional. Com
tendências semelhantes, no que diz respeito ao ritmo de crescimento urbano, o
sistema urbano do Meio Norte, formado pelos centros regionais de São Luís e
Teresina, ainda se encontra pouco diferenciado e muito instável, sujeito às
bruscas mudanças em virtude de suas relações com os demais sistemas
urbanos, tanto do Nordeste, como do Centro-norte.
Em resumo, o Nordeste apresenta crescimento dos pequenos núcleos
rurais, forte migração campo-cidade, elevada primazia e uma topologia pouco
estruturada. Essa situação é característica importante dessa estrutura urbana,
onde as marcas do passado ainda constituem lastros que dificultam o avanço de
relações de produção modernas. Tal situação é flagrante quando se consideram
os indicadores sociais de renda, alfabetizada e acesso aos serviços urbanos, que
se consideram os indicadores sociais de renda, alfabetização e acesso aos
serviços urbanos, que se apresentam como os mais críticos de toda a rede
urbana nacional.
A terceira estrutura urbana a ser destacada, denominada de Centro-norte,
que compreende os sistemas urbano-regionais de Brasília-Goiânia, de Cuiabá e
do Norte, onde o processo de urbanização está acelerando-se nas últimas
décadas e a cidade desempenha papel fundamental na abertura de novas áreas
à exploração econômica. Destaca-se pelo seu dinamismo e pela emergência de
novos centros em distintos níveis da hierarquia urbana.
Do ponto de vista da configuração espacial, integram os sistemas urbanos
do Centro-norte aquelas regiões de influência de cidades cujo nível mais elevado
da hierarquia é ocupado por São Paulo, como é o caso das regiões de influencia
das cidades de Manaus e Belém, que podem ser classificadas, bem como redes
emergentes e não consolidadas, bem como das regiões de influencia das
cidades distintas, onde está presente uma cidade do nível mais lato de
polarização, como é o caso de Goiânia, relativamente próxima a uma região
metropolitana, cujo nível de polarização pode ser considerada meio, como é o
167
caso de Brasília e seu entorno.
Dessa maneira, o Complexo Territorial Brasília-Goiânia constitui uma forma
espacial inovadora, que apresenta um deslocamento do centro de gradatividade
populacional do sistema (Brasília e seu entorno) em relação ao seu principal
núcleo de polarização (Goiânia). Aparentemente, essa forma espacial
potencializa o dinamismo espacial do sistema, embora apresente problemas
bastante complexos de gestão urbana.
168
UNIDADE 9 - O FUTURO DAS CIDADES NA NOVA ORDEM
GLOBAL
Tarso Genro
As cidades e as megalópoles constituem o centro de articulação política
e cultural da modernidade. O papel que elas ocuparão a partir do caos mutante,
gerado pela globalização neoliberal, ainda está por ser resolvido. "As cidades,
como os sonhos, são construídas por desejos e medos" - diz Ítalo Calvino, no
seu livro "Cidades Invisíveis". Os muros que as cercavam, na antiguidade, e os
condomínios fechados da cidade "pós-moderna" são reflexos do medo. O inimigo
está do outro lado do muro: sempre reinventado, para garantir os que podem
transformar o medo em necessidade e o desejo em separação.
As grandes cidades hoje se constituem como territórios que contém os
elos de uma relação comutativa com o mundo. Por elas transita uma socialização
novo tipo, baseada no tempo virtual e numa nova concepção de espaço, onde as
partes desintegradas são sempre novas e cada vez menos surpreendentes. Elas
são o lugar físico onde as partes do espaço fragmentado compõem mega-
espaços locais e globais ao mesmo tempo. Neste não-lugar fluem as formas
fantásticas do capital.
A construção da cidade reflete a construção ordenada da exclusão, tendo
como base a aceitação da exclusão e sua colocação dentro de uma "ordem"
urbana. Mike Davis relata, de forma emblemática, o seguinte retrato de Los
Angeles a partir de um episódio circunstancial: "Assim como o diretor da
comissão de planejamento da cidade explicou a linha oficial para repórteres
incrédulos, não é contra a lei dormir na rua per se, 'só quando se ergue alguma
espécie de abrigo'. (...) esta repressão cínica transformou a maioria dos sem-teto
em beduínos urbanos. Eles são visíveis em todos os lugares do Centro,
empurrando seus poucos e patéticos pertences em carrinhos de supermercado
roubados, sempre fugitivos em movimento, espremidos entre a política oficial de
contenção e o sadismo progressivo das ruas do Centro".
Para que a cidade possa ser objeto de uma nova subversão
169
democratizante, que tenha o mesmo potencial constitutivo da Ilustração, é
preciso enquadrá-la numa perspectiva de projeto político de sociedade, ou
melhor, de um novo projeto civilizatório, numa nova proposta de ordem. O rei da
Espanha, nas suas instruções de 1513, para a conquista da "Terra Firme", que
abre o violento processo colonial, fixa o sistema que desenhará o futuro das
cidades com base na sua visão de "ardem", que mescla medo e deseja: "vistas
as coisas que para as assentamentos dos lugares são necessárias, e escolhido o
lugar mais proveitoso e em que abundem as coisas que para o Povo são
necessárias, tereis de repartir as solares do lugar para fazer as casas, e deverão
ser repartidas conforme as qualidades das pessoas e serão inicialmente dadas
par ordem: de maneira que feitas as solares, o Povo pareça ordenado, tanta no
lugar que se deixe na praça, cama o lugar que tenha a igreja, cama na ardem
que tiveram as ruas; parque as lugares que, de novo se fazem, dando a ordem
no começo sem nenhum trabalho nem custo ficam ordenados e as outros jamais
se ordenam".
Para discutir o destino da cidade globalizada - portanto - é necessário,
antes, responder o que faremos do nosso destino social coletivo. Qual a "ardem"
que disporá, no tabuleiro da sociedade, a aceitação ou não da exclusão e as
hierarquias do medo? Nesta ordem vai vingar um desejo pela solidariedade que
subordina o medo, ou ele - medo - espontaneamente será "contenção" e
"sadismo".
A compreensão do destino desejado e humanizado abrirá o espaço
político necessário para um novo tipo de harmonia: ou a cidade é subjetivada
pela comunidade, que deseja assim "re-finalizar" o seu modo de vida, dar outra
finalidade para a sua existência (diversa dos processos semi-bárbaros da pós-
modemidade), ou a cidade será a ordem da desordem: uma cidade
hierarquizada pela força à beira de um caos sempre iminente.
O processo social urbano - a composição política do mundo urbano
- está hoje tragicamente retratada por cidades como Los Angeles, modelo
extremo da barbárie refrigerada. Lá o caos mutante, a cidade sempre outra, joga
os cidadãos vítimas da exclusão e do "fascismo societal" para "espaços que não
podem ser vistos”, para que uma outra parte da cidade possa fruir a paz: "Trata-
se da segregação social dos excluídos através de uma cartografia urbana
170
dividida em zonas selvagens e zonas civilizadas. As zonas selvagens são as
zonas do contrato social e vivem sob a constante ameaça das zonas selvagens.
Para se defenderem, transformam-se em castelos neofeudais, os enclaves
fortificados que caracterizam as novas formas de segregação urbana (cidades
privadas, condomínios fechadas, gated comunities). A divisão entre zonas
selvagens e zonas civilizadas está transformando-se num critério geral de
sociabilidade, um novo espaço-tempo hegemônico que atravessa todas as
relações sociais, econômicas, políticas e culturais e que por isso é comum à ação
estatal e à ação não estatal”.
Hoje as cidades deixaram de ser os espaços físicos de uma burguesia
estável, enraizada no passado, com o seu peso político e cultural moldado nas
revoluções industriais clássicas. Embora seja possível, ainda, encontrar os
vestígios da cidade burguesa sólida e confortável e assim registrá-los como
memória, no caldeirão desordenado, caótico ou frígido do mundo pós-moderno,
as mesmas classes dominantes já são outras. Elas escondem-se num "aquário
de formas flutuantes, evanescentes - os projetistas e gerentes, auditores e
zeladores, administradores e especuladores do capital contemporâneo: funções
de um universo monetário que não conhece rigidez social ou identidades fixas”.
Esta evanescência, que vem da nova fluidez mercantil e da provisoriedade
permanente do modo de vida sem raízes e cada vez mais apenas centrado no
presente (com as suas súbitas interrupções da estabilidade cotidiana), - esta
evanescência - cria uma articulação social que é tencionada, de forma
exacerbada, "de fora" do controle subjetivo da comunidade nacional. É
impossível - em conseqüência -, neste contexto, pensar o futuro das cidades sem
pensar naquilo que Altvater denominou de "autoridade política do mercado
mundial" e, também, na crise ecológica como elemento que implica em interferir
na "forma e substância da democracia”.
Tudo vem "de fora" porque mundialização do capital organiza-se e se faz a
partir dos "mega-espaços urbanos", diferenciados por sua localização física e sua
história. "Espaços que irradiam sua preponderância civilizatória, impelidos pela
ação, no seu interior, de grupos dinamizadores com tradições culturais
diversificadas e forte identidade. Esses espaços-cidades concentram e agregam
funções - financeiras, industriais, científicas, tecnológicas, culturais e políticas -
171
que se articulam e se inter-relacionam 'por sistemas de formação que fornecem
os quadros e os dirigentes das empresas e dos Estados'. Os espaços são
articulados, essencialmente, em torno das grandes megalópoles do eixo Norte-
Norte, os quais, por sua vez, se vinculam. de forma seletiva. com centros de
poder na megalópoles no eixo Sul-Sul".
Do ponto de vista ecológico, as exigências de depredação natural,
imprimidas pelas novas tecnologias, impossibilitam o exercício da cidadania
como cidadania puramente nacional, pois os efeitos desta depredação não
respeitam fronteiras. Do ponto de vista das novas relações mercantis,
instauradas pela "globalização", os próprios sistemas autoritários perderam a sua
capacidade de ordenamento porque a força normativa do Estado vem
diretamente do movimento do capital financeiro, tornando irrelevante a autoridade
interna.
Os "procedimentos democráticos que foram instaurados e "referendados"
pela nova ordem (também) são vistos como questionáveis, pois as extensões de
tempo (períodos múltiplos de 10 mil anos de meia-vida para o material nuclear) e
espaço (cruzando todo o planeta) tornaram-se muito grandes para a "dimensão
humana" que acompanha "a tomada de decisões racionais”.
A reação predatória é cada vez mais forte. O "Apelo de Heideberg",
assinado por 264 cientistas (vários Prêmios Nóbeis entre eles) que designa o
movimento ecológico como um novo tipo de irracionalismo (por confrontar com o
progresso científico e da indústria), condensa magnificamente a irrelevância que
o neoliberalismo outorga à depredação do estoque natural e deixa clara a sua
visão política de supremacia absoluta do mercado, como elemento fundante de
uma nova ordem mundial do capitalismo “globalitário”.
A aceleração da urbanização global, nos Últimos 30 anos, dá-se de forma
concomitante a um processo de concentração de renda e poder. Principalmente -
para usar a classificação de Arrighi - nos países da "periferia" (como Serra Leoa
e Panamá) e da "semiperiferia" (como o Brasil e a África do Sul).
A concentração de poder está determinada principalmente por dois
fatores:
172
a) a nova força "normativa" do capital financeiro, que controla a
economia global, sujeita os Estados nacionais, política e juridicamente, para
harmonizar o desenvolvimento econômico interno com o novo processo de
acumulação; para isso exige uma alta coesão das elites locais em tomo do
"caminho único" globalitário;
b) a incapacidade, da representação política do Estado Moderno, de
criar uma coesão social baseada em valores universais, que apontem a
solidariedade e a condição de menos desigualdade, como elementos
permanentes de uma ordem democrática; por isso a ordem atual está permeada
pela ideologia neoliberal, cujos agentes defendem a eficiência como valor que
subsume a solidariedade.
A redução da força decisória da política sobre o espaço nacional, assim
impelida pela força constitutiva do capital financeiro global, vem impulsionando
um retorno ao "localismo". Este, ora é apanhado como "ponto de partida"
contestatório do neoliberalismo, ora é apanhado (através de uma linguagem
supostamente de "esquerda") como política de adaptação. Neste caso o
localismo passa a ser um palco privilegiado dos sujeitos políticos
tradicionais e de uma crítica niilista do Estado, a partir de uma nebulosa
noção de "sociedade civil".
A sociedade civil - na hipótese - não é compreendida como um lugar para
a articulação de decisões políticas de controle sobre o Estado, para reforçar a
autoridade do Estado e processar a democratização das políticas públicas.
Ela é vista, apenas, como um "locus" de auto-organização da sobrevivência, de
"costas" para o Estado.
Por esta concepção, a cidade passa a ser o refúgio da "boa política" e do
"bom governo", sem que o país seja assumido como unidade macropolítica. A
cidade, como unidade política mínima, então abdica de ser um novo sujeito,
capaz de integrar uma disputa global e, conseqüentemente, de ser sujeito ativo
na construção de um projeto nacional, que confronte com os interesses
subjacentes à ordem globalitária.
A sociedade civil, deferida como espaço de pura "autonomia" sem Estado,
e a cidade, como "locus" particular, como se ela fosse uma nova unidade voltada
só para si mesma (capaz de humanizar-se sem vínculos com o mundo e o país),
173
são duas possibilidades de uma ideologia que compõe a fragmentação pós-
moderna: "Esta volta ao local é uma reação teórica contra as teorias centralistas
e um refúgio das identidades quando estas deixam de ter como referência o
Estado. Na época fordista o Estado se associava à Nação e tinha, portanto, um
importante papel, não só na produção, na prestação de serviços ou na
distribuição de recursos, mas também na produção de identidade, criava um
sentimento de pertencimento".
A mudança estrutural dos padrões de acumulação, via 3ª revolução, da
informática, microeletrônica, biogenética – revolução na informática,
comunicação e produção – aprofunda as diferenças entre os países capitalistas
desenvolvidos e os países sub ou não desenvolvidos. Ela também agrava as
diferenças internas nos próprios países centrais, concentra renda em escala
mundial e gera a possibilidade de desemprego estrutural de largo fôlego. As
modificações na geografia humana das cidades refletem tudo isso.
A instabilidade da oferta de trabalho gera populações migrantes,
destruindo laços históricos, tradições e culturas. Exporta culturas e conflitos, para
o espaço das grandes cidades, onde os fragmentos tornam-se unidades que
ordinalmente conflitam entre si.
Do ponto de vista da esquerda, o fim do período revolucionário aberto
com a revolução russa - o seu descambar para uma vertente anti-humanista
totalitária – faz emergir uma crise radical de paradigmas. A "melancolia"
detonada pelo presumido "fim das utopias" proporciona a busca de experiências
puramente individualistas (para solucionar o conflito com o mundo vivido) ou gera
práticas que buscam alternativas micro-revolucionárias.
Nas cidades este fenômeno ordinariamente apresenta-se como política
marginal e auto-referente. Nestes horizontes, agora, não se põem mais o
humanismo libertário, mas uma simples solução do conflito do indivíduo ou do
grupo, com o mundo vivido no presente. A afirmação das subculturas de tribos,
"gangs", grupos alternativos, são respostas pós-modernas à não efetividade da
razão. Aliás, "a completa e, agora, patente subordinação da política aos ditames
mais imediatos do determinismo econômico da produção do capital é um aspecto
vital dessa problemática. Esta é a razão porque o caminho para o
estabelecimento de novas instituições de controle social deve passar através de
174
uma radical emancipação da política do poder do capital”.
Trata-se de uma perda de autonomia que implica em submissão de toda a
ação política do Estado e das políticas urbanas dos grandes centros às
fatalidades do ajuste. Tais conseqüências ensinam à população "que o Estado
isolado não é mais suficientemente capaz, com suas próprias forças, de defender
seus cidadãos contra efeitos externos de decisões de outros atores ou contra os
efeitos em cadeia de tais processos, que têm origem fora de suas fronteiras.”
Futuro das cidades, portanto, e futuro do Estado nacional, são futuros que
ainda estão determinados um pelo outro, embora o Estado características e
papeis diversos, e a cidade, com outra potencialidade política nacional e
internacional.
Nas grandes concentrações urbanas já funcionam visivelmente duas
ordens. Uma ordem jurídico-formal que emana da Constituição e outra ordem
que vem da Constituição, mas é mediada pela força normativa dos poderes reais,
nas zonas pobres ou marginalizadas. Nelas a força do Estado - pela política -
atua segundo um código não escrito, no qual a sanção precede o conhecimento
do conflito e até mesmo o constrói.
A estabilidade é a instabilidade tensa, controlada pelo aparato estatal que
é freqüentemente licenciado informalmente do cumprimento da lei.
Esta instabilidade está, hoje, integrada na nova psicologia das massas
urbanas, onde a explosão de violência sucede os períodos de passividade tensa:
"as nossas sociedades atravessam um período de bifurcação, ou seja, uma
situação de instabilidade sistêmica em que uma mudança mínima pode
produzir, de modo imprevisível e caótico, transformações qualitativas. A
turbulência das escalas destrói seqüências e termos de comparação e, ao fazê-
lo, reduz alternativas e cria impotência ou promove passividade".
O programa para uma cidade democrática é opor-se a esta aparente
espontaneidade em curso, de maneira que a cidade transcenda-se além do local:
reposicionamento social, pela instauração de novos procedimentos democráticos
que combinem a democracia representativa, estável e previsível, com a
democracia direta de participação voluntária; controle público das frações do
Estado presentes na cidade - lugar onde a cotidianidade se realiza e a
globalização se localiza - impulsionamento à expressão das novas e antigas
175
identidades na cena pública, de maneira a valorizá-la e contratualizá-Ias: eis os
movimentos centrais de uma nova política local que não seja "Iocalista", pois
cada uma destas questões tem vínculos com a universalidade do Estado e com
as relações do próprio país (em que a cidade se situa) com o mundo globalizado.
Premissas para um novo Contrato Social da modernidade, estes
movimentos - como movimento da sociedade civil na esfera política e como
políticas públicas na esfera do Estado podem combater a fragmentação e
radicalizar a democracia tornando-se, inclusive, experimentos utópico-realistas
para um novo projeto de sociedade.
A construção da barbárie ou da utopia, de uma civilização de selvageria ou
de, pelo menos, uma vida mais sensata, dependerá muito do que fizermos nas
cidades e, decisivamente, do que faremos das cidades. John Cassavetes dizia
que o ideal de um casal deveria ser o mesmo de um bom filme: um processo
caótico, no qual não se mascara nenhuma crise, mas que acaba tirando
vantagem da sua instabilidade fundamental, para chegar à emoção verdadeira.
As cidades simbolizam, hoje, a instabilidade fundamental, por isso só nelas
podem ser provadas as emoções verdadeiras. É sobre estas que a humanidade
constrói as suas alternativas, o que implica em compreender, que tanto a
revolução como as reformas iniciarão e terminarão nas cidades: forma definitiva
de organização da civilização, pelo menos por um largo período, sobre cujo
desfecho não é possível dizer mais nada.
UNIDADE 10 - REDES MUNDIAIS DE INFORMAÇÃO
EMERGÊNCIA E ORGANIZAÇÃO
Leila Christina Dias
Toda a história das redes técnicas é a história de inovações que, umas
após as outras, surgiram em respostas a uma demanda social antes localizada
176
do que uniformemente distribuída Com a ferrovia, a rodovia, a telegrafia, a
telefonia e finalmente a teleinformática, a redução do lapso de tempo permitiu
instalar uma ponte entre lugares distantes: doravante eles serão virtualmente
aproximados.
Uma leitura da História das técnicas nos mostra o quanto às inovações
nos transportes e nas comunicações redesenharam o mapa do mundo no século
19. Tratava-se de um período caracterizado pela consolidação e sistematização
de inovações realizadas anteriormente. As trilhas e os caminhos foram
progressivamente substituídos pelas estradas de ferro no transporte de bens e
mercadorias; com o advento do telégrafo e em seguida do telefone, a circulação
das ordens e das novidades já dispensava a figura do mensageiro. Todas estas
inovações, fundamentais na história do capitalismo mundial, se inscreveram e
modificaram os espaços nacionais, doravante sulcados por linhas e redes técni-
cas que permitiram maior velocidade na circulação de bens, de pessoas e de
informações.
A habilidade das classes burguesas no século 19 em influenciar a
organização do espaço via investimentos em infra-estruturas era, na verdade,
mundial. No Brasil, a participação dos plantadores de café nas sociedades de
estradas de ferro demonstra o poder social conquistado pela burguesia paulista
que, decidindo sobre a configuração espacial da rede ferroviária e assim sobre a
circulação, comandava de lima forma quase completa o processo produtivo. O
título 'Regiões ou Redes' que P. MONBEIG (1952) deu ao último capítulo de sua
tese sobre os pioneiros e plantadores de São Paulo é revelador do papel que as
redes férreas cumpriram sobre a organização espacial.
Nossa época conhece uma aceleração do ritmo da inovação em vários
campos:
1) avanços na engenharia de sistemas elétricos já permitem a transmissão
de grandes blocos de energia a longas distâncias;
2) graças à associação das técnicas de telecomunicações às de
tratamento de dados, as redes de telecomunicações adquirem uma potência
muito maior - as distâncias se contraem e se anulam pelo fato da instantaneidade
das transmissões, e as informações produzidas a cada segundo são tratadas e
177
encaminhadas num tempo cada vez mais reduzido - tal é o sentido dos bits,
kilobits e megabits.
Desde a década de setenta, as inovações técnicas deram lugar a uma
vasta literatura sobre o papel das redes na organização territorial. É importante
ressaltar que esta temática está inscrita num debate mais amplo, sobre a técnica
e sua capacidade virtual de criar condições sociais inéditas, de modificar a ordem
econômica mundial e de transformar os territórios. Na tentativa de responder a
estas interrogações em toda a sua complexidade, muitos trabalhos resultaram
em discursos freqüentemente prospectivos, em especulações, sobre os
pretensos efeitos da inovação - segundo o pressuposto de uma causalidade
linear entre o desenvolvimento técnico e as transformações espaciais, sociais ou
econômicas. É neste contexto que se difundiu, em larga escala, a retórica do
"impacto", do "efeito" das redes técnicas na organização do território.
A pesquisa que vimos realizando, nos últimos anos, sobre as implicações
das redes de telecomunicações sobre a organização territorial brasileira, nos
permite, hoje, participar deste debate. Para tanto, partiremos do conceito de rede.
Pensamos que “o conteúdo do conceito é a sua história" (PINTO, 1979:91). Na
mesma direção, pensamos que a apreensão do conteúdo do conceito exige o
conhecimento de seu desenrolar no movimento mais recente do pensamento, e,
portanto da realidade. Por isso, a segunda parte do trabalho constitui uma análise
de relação entre os fluxos de informação e a dinâmica territorial brasileira. Na
última parte, passaremos à discussão de algumas teses, de erros mesmo de
interpretação no estudo das redes de telecomunicações e suas implicações
territoriais.
O conceito de rede
O termo rede não é recente, tampouco a preocupação em compreender
seus efeitos sobre a organização do território. Contudo, apresentar aqui as
primeiras contribuições sob a ótica do presente, a ótica de final do século XX e
início do século XXI, corresponderia ao uso de lentes profundamente
deformadoras. A pergunta central é: que relação ou quais as relações que
podemos encontrar entre as concepções dos diferentes autores daqueles
178
primeiros trabalhos consagrados a este tema na primeira metade do século 19?
Uma revisão da literatura mostra que o termo rede aparece como um
conceito-chave e privilegiado do pensamento de Saint-Simon. Na linha de um
socialismo planificador e tecnocrático, o filósofo e economista francês defendeu a
criação de um Estado organizado racionalmente por cientistas e industriais. Na
obra póstuma "Le nouveau Christianisme", ele formulou a moral desta nova
sociedade desenvolvendo temas que davam sustentação à escola socialista
fundada por seus discípulos (economistas, engenheiros, industriais e
banqueiros). Num artigo publicado em 1832, o economista e engenheiro Michel
CHEVALIER, adepto ativo do sansimonismo, utilizou o termo rede para evocar a
relação entre as comunicações e o crédito. Segundo ele:
"A indústria se compõe de centros de produção unidos entre eles por um
laço relativamente material, ou seja, pelas vias de transporte, e por um laço
relativamente espiritual, ou seja, pelos bancos... Existem relações tão estreitas
entre a rede de bancos e a rede de linhas de transportes, que um dos dois
estando traçado, com a figura mais conveniente à melhor exploração do globo, o
outro se encontra paralelamente determinado nos seus elementos essenciais”
(CHEVALIER apud RIIBEILL, 1988:52).
No mesmo ano, quatro engenheiros publicaram o trabalho "Vues politiques
et pratiques sur les travaux publics en France", indo de encontro às teses liberais
da época, que refutavam toda iniciativa estatal na concepção e execução de um
sistema de comunicações. Apontavam que:
"Os trabalhos públicos estão, na França, cada vez mais abandonados pelo
interesse privado, pelos capitais, pelo talento; nossos rios são pouco navegáveis,
nossos canais permanecem inacabados, as estradas de ferro são projetadas e
não são construídas" (LAMÉ et al. apud RIBEILL, 1988:53).
É assim que, progressivamente, toma forma um sistema geral de
comunicações, combinando estradas de ferro e canais, hierarquizado em dois
níveis de tráfego:
Redes de primeira ordem e
Redes secundárias.
179
Introduzindo a propriedade da conexidade à noção de rede, o projeto
compartilhado pela escola de Saint-Simon objetivava o estabelecimento de um
sistema geral de comunicações. Quando falamos em projeto comum não
estamos absolutamente falando em consenso. O projeto dava a unidade, mas as
formas de atingi-lo refletiam propostas, vias bastante diversas - se, por exemplo,
todos se referiam à importância das estradas de ferro, alguns insistiam sobre a
necessidade de articulá-la aos canais fluviais. Em 1863, um engenheiro
desenvolveu um esforço de teorização buscando encontrar as leis que presidiam
à configuração das redes de estradas de ferro. Leon Lallane apresentou na
Academia de Ciências um trabalho que, segundo os historiadores, constituiu o
primeiro ensaio teórico consagrado às redes (RIBEILL, 19S8).
Em suma, o projeto comum era um projeto de integração territorial,
integração de mercados regionais, pela quebra de barreiras físicas, obstáculos à
circulação de mercadorias, de matérias-primas, mas também de capitais. Os
capitais vão reaparecer, mais tarde, no século 20, anos cinqüenta, na tese
clássica do geógrafo Jean LABASSE (1955), intitulada "Os capitais e a região".
No seu trabalho, LABASSE mostra que pouco depois da febre ferroviária,
instalou-se na França uma febre bancária, mostra como ambas foram conduzidas
pelos mesmos meios sociais e constituíram os dois principais fatores de
unificação do mundo material daquele período.
Na mesma época, Pierre MONBEIG, na sua tese sobre os Pioneiros e
Plantadores de São Paulo, publicada em 1952, intitula seu último capítulo de
"Regiões ou Redes", revelando o papel das redes ferroviárias sobre a
organização espacial. Mostrava a participação dos capitais dos plantadores de
café na formação das Companhias de Estrada de Ferro e como a toponimia das
zonas de produção retomava os nomes das Companhias de Estrada de Ferro:
Alta Araraquara, Soro cabana.
Após os trabalhos de Monbeig e de Labasse, assistimos a um relativo
silêncio sobre o crescimento, sobre a multiplicação das redes, que vinham
aprisionando o mundo em tramas cada vez mais fechadas, exceção feita aos
inúmeros trabalhos sobre rede urbana. O que explica o silêncio de trinta anos e
ao mesmo tempo a retomada tão voraz, que faz com que para onde olhemos
hoje nos defrontemos com o termo rede, seja enquanto conceito teórico, utilizado
180
em diversos campos disciplinares, seja enquanto noção empregada pelos atores
sociais: redes estratégicas, redes de solidariedade, redes de ONGs, redes de
Universidades, redes de energia, redes de informação - BITNET, INTERNET -,
uma concepção de organização sob forma de redes.
G. DUPUY (1988: 12) sugere que a resposta estaria ligada aos
procedimentos de planejamento territorial em vigor nos últimos trinta anos e a
evolução da pesquisa neste campo. Aponta duas características fundamentais
deste período: "Um planejamento urbano principalmente fundiário e um
planejamento dos equipamentos coletivos essencialmente setorial, implicando
assim quadro pouco propício a uma reflexão transversal sobre as redes e sua
territorialidade".
Os estudos em andamento nos permitem avançar mais uma hipótese: as
qualidades de instantaneidade e de simultaneidade das redes de informação
emergiram mediante a produção de novas complexidades no processo histórico.
Muitas são as complexidades produzidas ao longo do século 20 que
redesenharam o mapa do mundo, dos países e das regiões. Processos de
múltiplas ordens: de integração produtiva, de integração de mercados, de
integração financeira, de integração da informação. Mas processos igualmente
de desintegração, de exclusão de vastas superfícies do globo - pensamos que o
exemplo mais perverso seja o do continente africano. Todos estes processos
para serem viabilizados implicaram estratégias, principalmente estratégias de
circulação e de comunicação, duas faces da mobilidade que pressupõem a
existência de redes, uma forma singular de organização. A densificação das
redes – internas a uma organização ou com: partilhadas entre diferentes
parceiros - regionais, nacionais ou internacionais, surge como condição que se
impõe à circulação crescente de tecnologia, de capitais e de matérias-primas. Em
outras palavras, a rede aparece como o instrumento que viabiliza exatamente
essas duas estratégias: circular e comunicar, C. RAFFESTNI mostra como as
redes se adaptam às variações do espaço e às mudanças que advêm no tempo,
como elas são móveis e inacabadas, num movimento que está longe de ser
concluído.
"A rede faz e desfaz as prisões do espaço tomado território: tanto libera
como aprisiona. É porque ele é „instrumento‟, por excelência, do poder"
181
(1980:185).
Esta noção é muito importante e podemos encontrá-la em outros autores:
1) H. LEFÉBVRE, por exemplo, aponta o mecanismo de passagem do
espaço ao território:
"A produção de um espaço, o território nacional, espaço físico, batizado,
modificado, transformado pelas sedes, circuitos e fluxos que aí se instalam:
rodovias, canais estradas de feno, circuitos comerciais e bancários, auto-
estradas e rotas aéreas, ele" (LEFÉBVRE apud RAFFESTIN, 1980:129);
2). P. CLAVAL ilustra o papel da rede como instrumento do poder:
"Os poderes centrais se dedicam, agora, mais à mobilidade das idéias e das
ordens do que àquela das pessoas. Quando Jaruselski pretendeu paralisar
Solidariedade, na Polônia, em 13 de dezembro de 1981, ele desconectou as
centrais telefônicas em todo o país...” (1989:14).
Os fluxos, de todo tipo - das mercadorias às informações pressupõem a
existência das redes. A primeira propriedade das redes é a conexidade -
qualidade de conexo -, que tem ou em que há conexão, ligação. Os nós das
redes são assim lugares de conexões lugares de poder e de referência, como
sugere RAFESSTIN.
É antes de tudo pela conexidade que a rede solidariza os elementos. Mas
ao mesmo tempo em que tem o potencial de solidarizar, de conectar, também
tem de excluir:
"Os organismos de gestão da rede, quer se trate de gestão técnica,
econômica ou jurídica não são neutros, eles colocam em jogo relações sociais
entre os elementos solidarizados e aqueles que permanecem marginalizados"
(DUPUY, 1984:241).
Em outras palavras, nunca lidamos com lima rede máxima, definida pela
totalidade de relações mais diretas, mas com a rede resultante da manifestação
das coações técnicas, econômicas, políticas e sociais.
O quadro teórico privilegiado por grande parte dos autores interessados no
estudo das redes integra a noção de sistema. Assim, “a teoria dos sistemas
182
permite especificar as interações entre subsistemas e postularia que a rede de
relações é também rede de organização" (DUPUY, 1984:233).
Rede de ligação e rede de organização constituiria uma espécie de 'par
perfeito' nestes estudos. O estudo dos sistemas vem, nas últimas duas décadas,
passando por importantes mudanças. A principal contribuição das novas
propostas para o estudo dos sistemas foi o rompimento com a noção tradicional
de considerar os sistemas dinâmicos corno um encadeamento determinista de
causa e efeito, rompimento possível pela introdução da idéia de bifurcação -
ponto de decisão onde surgiriam novas estruturas que se comportariam, durante
um tempo não previsível, novamente de maneira determinista (PRIGOGINE e
STENGERS, 1979). Em algumas fases, sugerem estes autores, os elementos do
sistema comportam-se de uma maneira determinista e em outras fases - próximo
das bifurcações -, de um modo não-determinista.
Um outro físico-matemático, D. RUELLE, sugere que os exemplos de caos
em Física ensinam-nos que "certas situações dinâmicas, em vez de levar a um
equilíbrio, provocam uma evolução temporal caótica e imprevisível". Decisões,
que supostamente produziriam um melhor equilíbrio, podem produzir "de fato
oscilações violentas e imprevisíveis, com efeitos talvez desastrosos" (1993:118).
Este percurso histórico constitui um bom exemplo de como uma questão
de uma disciplina passa para outra num novo contexto teórico. Esta idéia não é
nova, podemos encontrá-la nos estudos do físico-químico Ilyo PRIGOGINE e da
pesquisadora na área de filosofia e epistemologia Isabelle STENGERS. O que
parece importante é a perspectiva que ela integra, a perspectiva da comunicação
interdisciplinar e o reconhecimento de que nas interações entre as disciplinas, na
convergência entre vias de abordagem distintas reaparecem, sob uma forma
renovada, antigas questões; o reconhecimento, portanto, de que as descobertas
ou as novas questões não constituem revelações surgidas de repente de um
único campo disciplinar. Os múltiplos exemplos no campo da história das idéias,
das ciências, revelam na verdade lima história de tensões; de conflitos de ordem
social, política e cultural.
A questão das redes reapareceu de outra forma, renovada pelas grandes
mudanças deste final de século, renovada pelas descobertas e avanços em
outros campos disciplinares e na própria Geografia. Neste novo contexto teórico,
183
a análise das redes implica abordagem que, no lugar de tratá-la isoladamente,
procure suas relações com a urbanização, com a divisão territorial do trabalho e
com a diferenciação crescente que esta introduziu entre as cidades. Trata-se,
assim, de instrumento valioso para a compreensão da dinâmica territorial
brasileira.
Fluxos de informação e dinâmica territorial
A história da constituição da rede urbana brasileira é marcada pela
associação entre processo de urbanização e processo de integração do mercado
nacional. A eliminação de barreiras de todas as ordens constituía a condição
primordial para integrar o 'mercado interno, pois esta integração pressupunha a
elevação do grau de complementaridade econômica entre as diferentes regiões
brasileiras. À presença inicial das ferrovias e das rodovias, que irrigavam o país
em matérias-primas e mão-de-obra, se superpõem, na atualidade, os fluxos de
informação - eixos invisíveis e imateriais certo -, mas que se tornaram uma
condição necessária a todo movimento de elementos materiais entre as cidades
que eles solidarizam.
As qualidades de instantaneidade e de simultaneidade das quais são
dotadas as redes de telecomunicações deram livre curso a todo um jogo de
novas interações. Os bancos são doravante um elemento-chave de integração do
território e de articulação deste mesmo território à economia internacional. As
organizações não financeiras ganham em mobilidade enquanto introduzem novos
métodos de gestão, quer se trate de departamentos técnicos, financeiros ou de
pessoal. Ao contrário de uma posição muito divulgada, o espaço não se tornou
uma noção em desuso ou desprovida de sentido, tampouco qualquer coisa de
indiferenciado ou homogêneo. A comunicação entre parceiros econômicos - à
montante e à jusante -, graças às novas redes é acompanhada de seletividade
espacial. A importância estratégica da localização geográfica foi, de fato,
ampliada.
A pesquisa que vimos realizando revela que os fluxos de informação
comandados pela Região Metropolitana de São Paulo não tem equivalência no
Brasil: entre 1983 e 1088 a participação da metrópole na principal rede de
184
transmissão de dados do país cresceu de 30 para 45%. A RMSP vem se
impondo como o principal nó da rede, seguida pela Região Metropolitana do Rio
de Janeiro, cuja capacidade de produzir, coletar, armazenar e distribuir as
informações representa apenas um terço da metrópole paulista. A identificação
dos principais parceiros de São Paulo é também rica de significados: ela mostra
a complexidade de transformações na rede urbana. Assim, a grandeza do vetar
que liga São Paulo e Salvador revela urna diferenciação crescente, ao longo dos
últimos anos, entre esta última e Recife. As ligações com Campinas e São José
dos Campos - lugares eleitos pela indústria de alta tecnologia - testemunha o
surgimento de um novo poder fundado sobre o binômio ciência e tecnologia.
Os estudos em andamento apontam também para urna tendência que vai
de encontro a uma concepção de equilíbrio do território. De fato, a imagem
piramidal e hierárquica tradicionalmente associada ao território, na qual os efeitos
de proximidade têm supremacia sobre os efeitos de interdependência a longa
distância, é cada vez menos verdadeira.
Os processos em curso, próprios a uma economia globalizada, engendram
uma outra representação, na qual a posição da cidade/nó numa rede de relações
à grande escala, interage às economias locais e aos efeitos de proximidade
(VELTZ, 1994). No quadro de lima economia global, a utilização que os
diferentes setores econômicos fazem das redes não tem a mesma amplitude - o
setor financeiro é, de longe, o maior usuário.
Neste processo de valorização diferencial das cidades, o capital financeiro
vem tirando proveito de sua flexibilidade e de sua rapidez. De fato, o banco - de
atividade a princípio regional, a seguir nacional, e hoje mundial - opera no
mercado internacional de moedas, de crédito e de capitais. R. FOSSAERT (1991)
mostra que são cada vez mais raros os países que impõem limites número de
bancos admitidos, categorias de operações autorizadas ou regras de segurança -
à presença de bancos estrangeiros.
De fato, na década de noventa, o governo brasileiro vem tomando
medidas econômicas e jurídicas para atrair o capital estrangeiro:
Abandono de proteções alfandegárias,
Estabelecimento de um vasto programa de privatizações e
185
Eliminação de barreiras ao investimento estrangeiro sobre os mercados de
capitais.
Não há dúvida de que este período correspondeu à chegada de grandes
bancos estrangeiros:
Goldman Sachs,
Bear Stearns,
Morgan Stanley e
Nomura.
Tampouco há dúvida de que a localização destes bancos fortaleceu ainda
mais a concentração financeira em São Paulo - de um total de 187 bancos
estrangeiros que operavam no Brasil em 1994, 70% estavam localizados em São
Paulo, contra 52% em 1988. Da mesma forma, a participação da metrópole na
principal rede internacional de transmissão de dados representava, em 1994,
62% do volume total de ligações com o exterior.
Estes dados revelam o fortalecimento do papel nacional e internacional de
uma metrópole que conta, atualmente, mais de quinze milhões de habitantes.
Contudo, o fortalecimento do papel de São Paulo teve como paralelo, mudanças
igualmente importantes no conjunto da rede urbana brasileira.
O exemplo da Amazônia é, neste sentido, bastante impressionante. A
ligação direta e instantânea de certas localidades da Amazônia com os principais
centros econômicos do país tornou, em parte, desnecessária a mediação
anteriormente realizada pelos degraus inferiores da hierarquia urbana. Novas
redes em relação com novas formas organizacionais de produção margina-
lizaram centros urbanos que tiravam sua força dos laços de proximidade
geográfica.
Ao mesmo tempo, a implantação de grandes projetos de exploração
mineral, fortemente dotados de redes de transporte, de energia e de
telecomunicações, introduziu uma nova ordem econômico-social que, alterando a
ordem pré-existente, representou o crescimento e a extensão da desordem. A
pesquisa apontou ainda para um outro lado, que sugerimos como hipótese: as
186
redes de telecomunicações veiculam também a ordem da ilegalidade. Sem
dúvida, a Amazônia ocidental é bem conhecida como cenário de múltiplas
atividades ilegais: contrabando de materiais eletrônicos e de ouro, refinamento e
tráfico de drogas.
A análise da repartição dos fluxos de informação confirma a existência de
alguns centros urbanos – que servem como nós na rede – (por exemplo, Tefé e
Tabatinga), fortemente articulados por vias aérea e fluvial à Colômbia e ao Peru.
Contudo, essas cidades não comportam atividades econômicas legais que
justifiquem o aluguel de circuitos de transmissão de dados (que operam 24 horas
por dia). Estes elementos nos conduziram, assim, à hipótese da presença de
fluxos de informação, fruto de transações ilegais.
A metrópole passa também por grandes mudanças e designa, hoje em dia,
um campo mais vasto do que os setores organizados do capital e do trabalho.
Segundo L. MACHADO:
“A sociedade urbana... está constituída por uma população crescente não
produtora de mais-valia, ou seja, marginalizada dos circuitos de acumulação,
cada vez maior consumidora dos serviços sociais, e obrigada ao sobre/trabalho
para poder sobreviver” (1993:87).
Apesar da ausência de consenso sobre as estatísticas, as pesquisas vêm
assinalando que cerca de 40% das famílias metropolitanas apresentam rendas
inferiores a um salário mínimo. Não é excessivo afirmar que exclusão social e
modernização econômica com seus novos arranjos espaciais vêm caminhando
juntas; constituem as duas faces do modelo seguido pelo Brasil. Assim, os
investimentos maciços no setor de telecomunicações vieram satisfazer, antes de
tudo, às exigências das mais poderosas organizações nacionais e internacionais.
Mais do que nunca o Estado deve enfrentar múltiplos conflitos ampliados
pelo processo de desigualdade sócio-espacial. A tendência se afirma no sentido
de uma divisão territorial do trabalho acentuada e de uma diferenciação da
localização. Ambas são fundadas sobre a mobilidade crescente dos capitais, que
leva à reorganização do sistema urbano e favorece a concentração
espacialmente seletiva dos potenciais de crescimento. A transformação da
metrópole num centro financeiro competitivo no plano internacional, sede de
numerosas organizações econômicas, centro cultural e espaço de consumo para
187
as classes dominantes da sociedade capitalista moderna engendram uma
polarização do mercado de trabalho, um crescimento paralelo do número de
empregos qualificados ligados às atividades de direção, concepção e gestão e do
número de empregos mal remunerados e sua própria heterogeneização graças
aos processos de segregação.
Concluímos esta parte do trabalho com uma hipótese: a intensificação da
circulação interagindo com as novas formas de organização da produção imprime
simultaneamente ordem e desordem numa perspectiva essencialmente
geográfica. À escala planetária ou nacional, as redes são portadoras de ordem -
através delas as grandes corporações se articulam, reduzindo o tempo de
circulação em todas as escalas nas quais elas operan1; o ponto crucial é a busca
de um ritmo, mundial ou nacional, beneficiando-se de escalas gerais de
produtividade, de circulação e de trocas.
“Na escala local, estas mesmas redes são muitas vezes portadoras de
desordem - numa velocidade sem precedentes engendram processos de
exclusão social, marginalizam centros urbanos que tirava sua força dos laços de
proximidade geográfica e alteram mercados de trabalho." Numa espécie de visão
caleidoscópica modelos espaciais se sucedem de forma rápida e móvel.
Os limites das teses
É consenso o fato de que estamos, hoje, frente a um fenômeno de
espetacular redução das barreiras espaciais, denominado por D. HARVEY (1989)
de uma rodada na compressão tempo-espaço. Nova, sugere o autor, porque
outras rodadas já tiveram lugar em outros momentos da História. As novas redes
de telecomunicações - como no passado o telégrafo e o telefone - constituiriam,
assim, a resposta contemporânea à necessidade de acelerar a velocidade de
circulação dos dados e do saber.
A história recente do desenvolvimento das técnicas de informação e de
comunicação no interior das organizações econômicas ilustra o ritmo acelerado
das mudanças e pode ser dividida em três fases. A primeira fase começa nos
anos sessenta e se estende ao longo da década de setenta. Neste estágio, como
ressalta o relatório NORA-MINC (1978:19):
188
“... a informática tinha um estatuto particular no interior das grandes
organizações: isolada porque ela se apoiava em máquinas reunidas num mesmo
lugar; centralizada, pois ela trazia de volta todas as informações dos usuários;
traumatizante, enfim, pois ela fornecia um produto acabado após uma operação
que tinha todas as aparências da alquimia”.
A segunda fase tem início nos anos setenta e adquire sua especificidade
pela introdução elos microcomputadores e pela utilização das redes em tempo
real:
"A unidade central e os arquivos se situam no interior de um complexo
sistema cujos pontos de acesso se multiplicam e onde os terminais cada vez
mais numerosos dialogam entre si e com os computadores centrais" (idem: 19).
Como cada estágio tecnológico abre novas possibilidades para o acesso à
informação, bem como o seu controle, nossa pesquisa vem acompanhando o
surgimento de uma terceira fase, inaugurada nos anos oitenta e definida pelo
aumento na capacidade de análise instantânea dos dados. Isso significa que
cada vez mais dados são transformados em informações, tornando-se essenciais
à gestão de grandes organizações econômicas. É verdade que um fator
econômico deu origem a esta evolução, a saber a fortíssima redução dos custos
no setor da eletrônica em curso nos últimos anos. Ao mesmo tempo, os critérios
capitalistas de organização da produção, a busca da diminuição no tempo da
circulação está na origem de um duplo processo de seletividade: econômica e
espacial, que as novas técnicas de informação e de comunicação só farão
aumentar.
O encontro entre informática e telecomunicações encontra-se no centro de
debates pluri-disciplinares que deram lugar a difusão de algumas teses que giram
em tomo de sua capacidade virtual de anular o espaço e de transformar o
território (VIRILO, 1977; BRESSAND e DISTLER, 1985). Na contramão desta
tendência, outros autores mostram como um certo 'delírio analítico' impregnou a
reflexão sobre as incidências das redes sobre o espaço (CURIEN e
GENSOLLEN, 1985; HARVEY, 1989; BEGAG, CLAISSE e MOREAU, 1990;
DIAS, 1991).
Em primeiro lugar, consideramos importante contestar a tese de que "a
contração das distâncias se tornou uma realidade estratégica de conseqüências
189
econômicas incalculáveis, pois ela corresponde à negação do espaço... a
localização geográfica parece ter definitivamente perdido seu valor estratégico...”
(VIRILLO, 1977: 13 1 e 133).
É claro que a aceleração dos ritmos econômicos pela eliminação do
'tempo morto', graças às novas técnicas de informação, diminui as barreiras
espaciais. Contudo, associar contração das distâncias à negação do espaço
revela uma perspectiva analítica reducionista - uma redução do espaço à noção
de distância. A análise do caso brasileiro vai de encontro a esta visão de um
espaço indiferenciado, reduzido à única noção de distância. Observamos um
espaço que se ordena em função de uma nova diferenciação que poderíamos
caracterizar como a diferença entre o virtual e o real - a integração de todos os
pontos do território pelas novas redes de telecomunicações, sem consideração
de distância, só se materializa em função de decisões e de estratégias.
Ao contrário a visão 'Viriliana', a localização geográfica toma-se portadora
de um valor estratégico ainda mais seletivo. As vantagens locacionais são
fortalecidas e os lugares a ser cada vez mais diferenciados pelo seu conteúdo -
recursos naturais, mão-de-obra, redes de transporte, energia ou
telecomunicação. Neste sentido, concordamos com a tese defendida por D.
HARVEY (1989:293-294): "Quanto menos importante às barreiras espaciais,
tanto maior a sensibilidade do capital às variações do lugar dentro do espaço e
tanto maior o incentivo para que os lugares se diferenciem de maneiras atrativas
para o capital”.
Uma segunda redução analítica, presente nos debates, é relativa ao
tempo. "Desde o momento em que se reduz o tempo à noção de tempo real, os
efeitos das novas tecnologias sobre o espaço serão instantâneos, e essas
tecnologias se desenvolverão num espaço cuja história (o tempo passado) e a
organização atual (o tempo presente) serão escotomizados” (BEGAG, CLAISSE
e MORREAU, 1990: 190). Neste sentido, as redes não vêm arrancar territórios
"virgens" de sua letargia, mas se instalam sobre uma realidade complexa que
elas vão certamente transformar, mas onde elas vão igualmente receber a
marca.
A introdução da teleinformática põe em movimento todo um jogo de
interações a partir do qual não é fácil prever as conseqüências. A comunicação
190
através das novas redes de parceiros econômicos - à montante e à jusante - se
acompanha de uma seletividade espacial. Integrando os agentes mais
importantes, as redes integram desigualmente os territórios, seguindo o peso das
atividades econômicas preexistentes. No lugar de abrir os ferrolhos, ela pode
favorecer a rigidez e o peso de antigas solidariedades.
Roubaram a Amazônia
Alguém descobriu que em mapas de livros escolares americanos havia
sido retirado um pedaço enorme do Brasil, na verdade toda a Amazônia.
Os orgulhos verde-amarelos foram eriçados e os gigabytes da internet
mobilizados para a denúncia de um grave fato: alguns já consideram
internacionalizada a nossa Amazônia. O ministro-conselheiro Paulo Roberto de
Almeida deu-se ao trabalho de escarafunchar por trás da noticia e desenterrou
um entulho considerável (www.pralmeida.org). O livro não está listado entre os
100 milhões do acervo da Biblioteca do Congresso (americano). Não está à
venda nos livreiros conhecidos (Incluindo www.amazon.com).
Nenhuma busca revelou algo sobre o autor. Com seu nome, só um
cientista especializado em paleontologia e dinossauros. Não consta a editora do
livro na citação. Mas o golpe de misericórdia na farsa vem de um exame do
suposto texto, reproduzido na internet, pois contém erros grosseiros de inglês.
Mais ainda, inclui palavras e expressões que são meras traduções literais do
português. O trabalho de detetive conduz a um website brasileiro de extrema
direita, responsável no passado por outras travessuras do mesmo naipe.
Obviamente, tudo não passa de uma mentira deslavada. Nada ficamos
sabendo do tema da internacionalização da Amazônia. Se quisermos uma
Amazônia solidamente nacional, temos de Valorizar seu uso inteligente e as boas
instituições de pesquisa que ajudam na busca de soluções locais. Temos de
promover a troca de idéias com brasileiros e estrangeiros interessados - mas
trocar impropérios em nada avança no conhecimento.
O incidente lembra um boato de que a rainha Vitória mandou tirar a Bolívia
do mapa, pois um embaixador britânico foi expulso daquele país por não
cumprimentar a amante do presidente. Nem a Bolívia desapareceu nem a
191
Amazônia foi internacionalizada.
Mas há outras lições a tirar do incidente, ilustrando um tema central na
aquisição do conhecimento que confiança temos na informação recebida? A
formação científica nos ensina a duvidar de tudo e de todos, pois só é
provisoriamente aceito como verdadeiro aquilo que ninguém conseguiu
demonstrar como sendo falso. Onde estão as fontes? Que credibilidade
merecem? Como foi coletada a informação? A que procedimentos foi submetida?
O mais triste é que a disseminação da boataria na internet recebeu a ativa
colaboração de acadêmicos de boas universidades, totalmente despreocupados
com a evidente violação desses princípios, Esse incidente mostra uma banda
frágil de nosso mundo acadêmico. Confrontado com um e-mail do diplomata, um
professor afirma que só responderá à mensagem depois de saber qual a opinião
do autor acerca da lnternacionalização. Ou seja, o que importaria não é a
autenticidade do dado, mas as opiniões do interlocutor. O método científico
denuncia os argumentos ao homem. Isto é, descolados do mérito do assunto e
condicionados às pessoas envolvidas. Que exemplos de busca serena do
conhecimento estará dando esse professor a seus alunos?
Fora dos meios acadêmicos, a situação é pior, pois a grande Imprensa
ainda está mais longe dos critérios de rigor da ciência. Ainda assim, há uma certa
tradição de serenidade e os nomes dos redatores responsáveis estão impressos
nos jornais. Na televisão, é mais comum o dito pelo não dito. Mas a internet é
catastrófica desse ponto de vista. Não há responsáveis, não há autores, não há
reputações construídas por décadas de trabalho sério. É a informação
Instantânea impunidade eterna. Ou os freqüentadores da Internet aprendem a
questionar o que lêem ou aumentará cada vez mais a volatilidade das
informações e desinformações.
Vivemos em sociedades abarrotadas de informação e capengas em
controle de qualidade das notícias que circulam. Portanto, a boa cidadania inclui
a aquisição de hábitos como checar fontes e questionar o que nos é dito. Já vem
de Descartes o principio da dúvida sistemática de tudo que nos chega às mãos e
da necessidade de distinguir entre o verdadeiro e o falso usando a razão e o bom
senso.
As teses aqui discutidas apontam para um conjunto de interrogações que
192
formam, na atualidade, um campo pluri-disciplinar de pesquisa, no qual
pesquisadores de horizontes disciplinares diversos buscam desenvolver um
quadro conceitual capaz de melhor apreender a significação e o papel histórico
das redes.
Gostaríamos de insistir no fato de que o conceito de rede vem se
constituindo, nos anos recentes, numa agenda de pesquisa que reúne propostas,
significados e abordagens disciplinares diversas. Entre as várias contribuições, I.
SCHERER-WARREN trabalha a idéia de rede de interações entre diferentes
atores sociais e propõe que "a análise em termos de rede de movimentos implica
buscar as formas de articulação entre o local e o global, entre o particular e o
universal, entre o uno e o diverso, nas interconexões das identidades dos atores
com o pluralismo. Enfim, trata-se de buscar os significados dos movimentos
sociais num mundo que se apresenta cada vez mais como interdependente,
intercomunicativo, no qual surge um número cada vez maior de movimentos de
caráter transnacional, como os de direitos humanos, pela paz, ecologistas,
feministas; étnicos e outros" (1993: 10).
A relação entre as mudanças qualitativas na realidade sócio-econômica
mundial e as novas redes estratégicas entre as empresas vem sendo estudada
por R. RANDOLPH. Novas, afirma o autor, porque "rompem com sistemas
tradicionais; transcendem estruturas até então consolidadas e arrasam com a
convencional separação entre hierarquia (intraempresa) e mercado (entre
agentes sociais)" (1993:172). A temática da apropriação social das redes de
telecomunicações no Brasil é enfocada por T. BENAKOUCHE, para quem, “... se
houve um grande interesse e um investimento sustentado na expansão e na
modernização das redes, isto não se refletiu - pelo menos até agora - num
desenvolvimento equivalente de novos serviços e menos ainda na sua
apropriação pela sociedade brasileira" (1995:231).
O conjunto de contribuições apresentado ao longo deste trabalho aponta,
de fato, em direção a um programa de pesquisa interdisciplinar - o estudo das
redes passa obrigatoriamente por um trabalho que se desenvolve na fronteira
com as outras disciplinas, seja com a Engenharia, a Sociologia, a Física, a
Economia ou a História.
Trata-se de buscar o significado das redes; não numa perspectiva de
193
linearidade entre o desenvolvimento técnico e as transformações espaciais,
sociais ou econômicas, mas sim numa realidade pluridimensional, na qual
emergem as estratégias antagônicas de uma multiplicidade de atores. Neste
sentido, a história das redes técnicas é, sem dúvida, um processo complexo, no
qual coexistem eventos determinados por interações locais e projetos definidos
por concepções globais sobre o papel das técnicas de informação e de
comunicação.
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QUESTÃO 01
Com a economia mundial globalizada, a tendência comercial é a formação de blocos
econômicos. Estes são criados com a finalidade de facilitar o comércio entre os países
membros. Adotam redução ou isenção de impostos ou de tarifas alfandegárias e buscam
soluções em comum para problemas comerciais. Em tese, o comércio entre os países
constituintes de um bloco econômico aumenta e gera crescimento econômico para os
países.
São exemplos de blocos econômicos, EXCETO:
A) MERCOSUL
B) NAFTA
C) UE
D) OTAN
QUESTÃO 02
Geralmente estes blocos são formados por países vizinhos ou que possuam afinidades
culturais ou comerciais. Esta é a nova tendência mundial, pois cada vez mais o comércio
entre blocos econômicos cresce.
Ficar de fora de um bloco econômico é:
a) Viver isolado do mundo comercial;
b) Ser independente;
c) Ser o líder em sua região;
d) Demonstrar poderio e superioridade.
QUESTÃO 03
197
Foi oficializado como bloco econômico no ano de 1992, através do Tratado de Maastricht,
possui uma moeda única e um sistema financeiro e bancário comum. Os cidadãos dos
países membros podem circular e estabelecer residência livremente entre si. Também
possui políticas trabalhistas, de defesa, de combate ao crime e de imigração em comum.
O texto acima refere-se:
a) AO NAFTA
b) À UNIÃO EUROPÉIA
c) AO MERCOSUL
d) PACTO ANDINO
QUESTÃO 04
Começou a funcionar no início de 1994 e oferece aos países membros vantagens no acesso
aos mercados dos países. Estabeleceu o fim das barreiras alfandegárias, regras comerciais
em comum, proteção comercial e padrões e leis financeiras. Não é uma zona livre de
comércio, porém reduziu tarifas de aproximadamente 20 mil produtos.
O enunciado acima define o seguinte bloco econômico e seus respectivos países membros:
a) NAFTA (Estados Unidos, México e Canadá).
b) ALCA (Estados Unidos, México e Canadá).
c) MERCOSUL (Brasil, Argentina, Paraguai).
d) PACTO ANDINO (Bolívia, Equador e Chile).
QUESTÃO 05
O Mercosul (Mercado Comum do Sul) foi oficialmente estabelecido em março de 1991. É
formado pelos seguintes países da América do Sul: Brasil, Paraguai, Uruguai e Argentina.
Futuramente, estudam-se a entrada de novos membros, como o Chile e a Bolívia. O objetivo
principal do Mercosul é:
a) Eliminar as barreiras físicas entre os países membros;
b) Eliminar as barreiras comerciais entre os países, aumentando o comércio entre eles.
c) Estabelecer tarifa zero entre os países e uma moeda única;
d) Estabelecer uma moeda única.
QUESTÃO 06
198
O Pacto andino é outro bloco econômico da América do Sul. Foi criado no ano de 1969 para
integrar economicamente os países membros. As relações comerciais entre os países
membros chegam a valores importantes, embora os Estados Unidos sejam o principal
parceiro econômico do bloco.
São países membros do Bloco:
a) Bolívia, Colômbia, Equador, Peru e Venezuela;
b) Bolívia, Brasil, Equador e Peru;
c) Chile, Colômbia, Bolívia, Peru e Guatemala;
d) Chile, Guatemala, Venezuela e Equador.
QUESTÃO 07
Criado em 1993 na Conferência de Seattle (Estados Unidos ). Integram este bloco
econômico os seguintes países: EUA, Japão, China, Formosa (Taiwan), Coréia do Sul, Hong
Kong, Cingapura, Malásia, Tailândia, Indonésia, Brunei, Filipinas, Austrália, Nova Zelândia,
Papua Nova Guiné, Canadá, México e Chile. Somadas a produção industrial de todos os
países, chega-se a metade de toda produção mundial. Quando estiver em pleno
funcionamento, será o maior bloco econômico do mundo.
a) A APEC
b) O NAFTA
c) A CEAP
d) A UEPA
QUESTÃO 08
Acordo de livre comércio da América do Norte - NAFTA
Constitue-se em um instrumento de integração das economias dos EUA, do Canadá e do
México. O NAFTA (North America Free Trade Agreement) foi iniciado em 1988, entre norte-
americanos e canadenses, e por meio do Acordo de Liberalização Econômica, assinado em
1991, formalizou-se o relacionamento comercial entre os Estados Unidos e o Canadá. Em 13
de agosto de 1992, o bloco recebeu a adesão dos mexicanos. O NAFTA entrou em vigor em
1º de janeiro de 1994, com um prazo de 15 anos para a total eliminação das barreiras
alfandegárias entre os três países, estando aberto a todos os Estados da América Central e
do Sul. O NAFTA consolidou o intenso comércio regional no hemisfério norte do Continente
Americano, beneficiando grandemente à economia mexicana, e aparece como resposta:
a) À Formação do MERCOSUL e auxiliando no enfrentamento da concorrência chinesa;
199
b) À formação da Comunidade Européia, ajudando a enfrentar a concorrência representada
pela economia japonesa e por este bloco econômico europeu.
c) À entrada da China no mercado capitalista;
d) Ao avanço dos Tigres Asiáticos.
QUESTÃO 09
O Mercado Comum do Sul (Mercosul) foi criado em 26/03/1991 com a assinatura do Tratado
de Assunção no Paraguai. Fazem parte deste importante bloco econômico do América do
Sul os seguintes países: Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai. Embora tenha sido criado
apenas em 1991, os esboços deste acordo datam da década de 1980, quando Brasil e
Argentina assinaram vários acordos comerciais com o objetivo de integração. Chile e
Bolívia poderão entrar neste bloco econômico, pois assinam tratados comerciais e já estão
organizando suas economias para tanto.
No ano de 1995, foi instalada a zona de livre comércio entre os países membros que define:
a) A comercialização de quaisquer produtos e serviços entre os países membros, sem
tarifação;
b) As mercadorias produzidas nos países membros podem ser comercializadas sem tarifas
comerciais. Porém, alguns produtos não entraram neste acordo e possuem tarifação especial por
serem considerados estratégicos ou por aguardarem legislação comercial específica;
c) A comercialização de produtos com tarifas mínimas entre os países membros;
d) A possibilidade de instalação de fábricas e lojas de quaisquer países membros nos seus
parceiros de bloco, sem a necessidade de autorização local.
QUESTÃO 10
As duas maiores economias do Mercosul enfrentam algumas dificuldades nas relações
comerciais. A Argentina está impondo algumas barreiras no setor automobilístico e da linha
branca (geladeiras, micro-ondas, fogões), pois a livre entrada dos produtos brasileiros está
dificultando o crescimento destes setores na Argentina. Na área agrícola também ocorrem
dificuldades de integração, pois os argentinos alegam que o governo brasileiro oferece
subsídios aos produtores de açúcar. Desta forma:
a) O produto chegaria ao mercado argentino a um preço muito competitivo, prejudicando o
produtor e o comércio argentino.
b) O Brasil teria vantagens econômicas na América;
c) A Argentina em retaliação, não compra o açúcar brasileiro;
d) A Argentina faz o mesmo com o açúcar produzido por ela, para ter competitividade.
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QUESTÃO 11
A Área de Livre Comércio das Américas (ALCA) pretende ser o maior bloco econômico do
planeta, reunindo os 34 países do continente americano – que somam um Produto Interno
Bruto de quase US$ 11 trilhões e mais de 808 milhões de habitantes. Só para se ter uma
idéia da dimensão deste acordo, a União Européia, que demorou quase 30 anos para entrar
em vigor, conta com metade da população e cerca de US$ 2 trilhões a menos de PIB.
Somente Cuba, por rejeição dos EUA e também por sua corajosa defesa da integridade
nacional, está de fora das negociações deste tratado.
Embora a sigla trate apenas do fantasioso “livre comércio”, o alcance da ALCA será bem
maior. Na prática, ela visa:
a) Tornar a América no futuro, um Mercado Comum como o europeu.
b) Avançar na total desregulamentação das economias latino-americanas e na anulação
completa do papel dos estados nacionais. Trata-se de um projeto estratégico dos Estados Unidos
de consolidação de sua dominação sobre a América Latina, por meio da criação de um espaço
privilegiado de ampliação de suas fronteiras econômicas.
c) Fazer parte de uma estratégica neocolonialista do imperialismo norte-americano, e uma
medida para a anexação das economias latino-americanas e posterior anexação territorial.
d) Fortalecer todos os países americanos membros, adotando uma moeda única.
QUESTÃO 12
Até os atentados do dia 11 de setembro, o movimento nascente contra a globalização
capitalista havia eclipsado o discurso hegemônico. Uma onda impressionante de
mobilizações percorreu o mundo: Seattle, Melbourne, Washington, Praga, Gotemburgo,
Quebec, Gênova... Os formuladores e principais interessados nas políticas neoliberais
realizavam suas reuniões escondidos em fortalezas cercadas por muros e guarnecidas por
grandes contingentes policiais -- ou em países distantes do centro do sistema, governados
por regimes despóticos.
A tragédia do dia 11 de setembro mudou radicalmente o cenário mundial, no sentido de
que:
a) Revelou atores até então considerados coadjuvantes e foi pretexto para que a grande potência
militar e econômica iniciasse uma impressionante articulação de forças em torno de si mesma;
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b) Trouxe enormes riscos ao mundo: censura à imprensa, violação dos direitos humanos (em
especial dos imigrantes), substituição da Justiça por comissões militares autorizadas a decretar
pena de morte e tentativa de radicalizar (na OMC e na ALCA) um modelo que concentra riquezas
e multiplica exclusões.
c) Não faltaram os comentaristas prontos a malabarismos retóricos, interessados em juntar num
mesmo saco, ativistas antiglobalização com os fundamentalistas islâmicos, já que ambos lutam
contra os Estados Unidos...
d) Todas as alternativas anteriores.
QUESTÃO 13
É comum a utilização dos termos Geografia Política e Geopolítica como se fossem
sinônimos, mas, na verdade, eles não o são. Enquanto Geografia Política preocupa-se com
a “observação, o registro e a análise dos processos políticos no espaço”, a Geopolítica
visa:
a) Á Manipulação irreal das questões sociais;
b) Á manipulação real das questões políticas e estratégicas;
c) A observação, o registro e a análise dos processos políticos no tempo passado/histórico;
d) À observação geográfica da política em seu estado natural e uma análise geocientífica dos
mesmos.
QUESTÃO 14
Na Geopolítica, uma boa análise de um foco de tensão deve ter como base alguns
parâmetros fundamentais, exceto:
a) O estudo da posição geográfica da área; neste caso, devem-se utilizar os recursos da
Cartografia;
b) A análise das características geográficas da área em estudo;
c) A análise histórica e social dos acontecimentos;
d) A relação do conflito com a teoria Centro-Periferia (os países “centrais” são as grandes
potências mundiais interessadas em manter sua hegemonia sobre os demais países, chamados
de “periféricos”);
QUESTÃO 15
As relações entre muçulmanos e judeus foram, em outros tempos, relativamente
harmoniosas. Na Espanha muçulmana, os judeus eram protegidos pelos governantes
muçulmanos. Saladino agiu da mesma forma no Oriente Médio, quando retomou Jerusalém,
em posse dos Cruzados, e trouxe muçulmanos e judeus de volta à cidade. Depois da vitória
da Reconquista católica na Espanha, os judeus receberam asilo e refúgio no Império
Otomano. Foi a nakba (catástrofe) de 1948 que demarcou a verdadeira ruptura entre judeus
e árabes. Os dirigentes sionistas, com um sentimento latente de culpa em relação aos