MUSEU DO CARAMULO lIPÁG - clipquick.com · Mas a fundição ou construção de peças a partir de...

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MUSEU DO CARAMULO lIPÁG.SO Fundado em 1970, este é o museu de automóveis antigos mais importante do país, com 70 automóveis de 36 marcas, que necessitam de manutenção regular e muito especializada

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MUSEU DO CARAMULOlIPÁG.SOFundado em 1970, este é o

museu de automóveis antigos

mais importante do país, com 70

automóveis de 36 marcas, quenecessitam de manutenção

regular e muito especializada

MUDANÇA DE GERAÇÃO

NA OFICINA1 1 Com a saída do seu mecânico de sempre, o Museu do Caramulo atravessa uma fase crucial da sua história.

Cada carro é um caso e isso torna a formação do mecânico um processo moroso e muito arriscado

Quando

chegou ao Museu do

Caramulo, em 1965, o Peugeot Type19 de 1899, que se veio a tornar um

dos automóveis mais importantes, vinha

incompleto. Várias peças tiveram que ser

feitas à mão. Uma delas, em concreto, foi

um desafio especial. Alguns anos mais

tarde, Antero Marques Paiva começava a

ajudar na manutenção destes carros. E

recorda esse como um dos maiores

desafios que teve enquanto mecânico do

Museu do Caramulo.

Como muitos automóveis dessa altura, a

transmissão era feita por correntes e

carretos. Apesar de outras peças do carro

serem difíceis de reparar, esta constituía

um desafio especial. A corrente era

diferente das que existem hoje. Tinha uma

medida própria. Um número e formato dos

dentes específico. Um encaixe que tinha

que ser respeitado.

Embora já nessa altura o mecânico tivesse

acesso a tornos mecânicos e mesmo

fundições, que poderiam fazer a peça a

partir de um molde, o novo carreto teria

que ser bem executado à primeira. Isto não

garantia apenas que a peça ficasse mais

barata. Mais importante era fazer o mínimo

de experiências possíveis até se ter a

certeza de que era a peça correcta. Uma

peça que não coincide pode danificar as

outras que lhe estão ligadas. Para os

ensaios, Antero teve que fazer, na própria

oficina do Museu, algumas rodas em

madeira. Até chegar ao modelo final quelevou depois para fazer em aço.

Este trabalho artesanal de reparação do

Peugeot de 1899, o mais antigo automóvel

ainda em funcionamento em Portugal, é o

espelho do que é a manutenção dos

clássicos no Museu do Caramulo. O tempomanda tudo.

Fundado em 1970, este é o museu de

automóveis antigos mais importante do

país, com 70 automóveis de 36 marcas.

Para ser exposto, um automóvel tem queestar restaurado e com a mecânica

impecável. Tem que respeitar a sua

construção original, para que possa circular

normalmente em desfiles ou até mesmo

participar em provas.

Peças únicas

Para Antero Marques Paiva, que está no

Museu desde 1973, não existe um segredo

para a reparação destes carros. "Cada um

deles é uma peça única", diz. A capacidade

de improviso é fundamental. "Lembro-me

de uma vez ter estado no London-

Brighton [uma das provas de clássicos

mais importantes para modelos anteriores

a 1905] e de ter feito um casquilho para a

bomba de água com um bocado de lata

que apanhei do chão", recorda.

A manutenção destes clássicos é

programada sempre em períodos de

tempos e nunca de quilómetros, dado queestes carros ficam por muito tempo

parados dentro do museu.

Os carros mais antigos - até à década de

70 - trabalham uma vez por ano. Mas os

que têm cilindros de camisas deslizantes,

uma tecnologia em voga no início do

século, têm que andar de seis em seis

meses para que estas lamelas não fiquem

agarradas aos cilindros.

A partir de 1970, os carros têm que andar

mais por causa das tecnologias que

apareceram. Os vedantes, os bombitos,

bem como os sensores, são tudo peças

que exigem com que se ande de três em

três meses. A volta que é dada resume-se

a subir e descer a rampa do museu até ao

Cabeço da Neve. O que é necessário é queo carro aqueça a água, o óleo e que se

consigam mover os elementos dos

travões.

Cuidado: material frágilOs problemas mais comuns deste tipo de

carros relacionam-se com o desgaste dos

materiais. Os lubrificantes e os

combustíveis utilizados agora são

demasiado agressivos para estes

automóveis. "Há alguns problemas com as

gasolinas que entopem as bóias e as

agulhas", refere o veterano mecânico. E,

por vezes, os compostos têm o efeito

inverso do que se pretende. É o caso dos

líquidos de refrigeração. O pretendido é

que estes limpem os resíduos de cálcio.

Mas, nos veículos mais antigos, esses

depósitos vivem há demasiado tempo no

interior dos circuitos e são eles próprios

que tapam alguma fuga que exista.

Quando o líquido de refrigeração começa a

circular, limpa os resíduos e destapa a fuga.Outro problema que surge com frequência

tem a ver com os depósitos que estão

dentro dos circuitos de fluídos dos carros.

Devido aos detergentes que são agoraadicionados aos combustíveis, os resíduos

podem vir a descolar e entupir alguns

componentes do motor. Por outro lado, as

performances e a própria construção dos

motores fazem com que seja preciso

considerar os lubrificantes. Em geral, osbronzes dos carros antigos não aguentamos lubrificantes actuais, aquecendodemasiado. Isso acontece mesmo num

carro com prestações que ainda hoje não

envergonham. O Bugatti 358, que em 1931,

superou os 200 km/h, utiliza um

lubrificante industrial, de referência C3O,

em vez de um lubrificante para automóveis

desportivos.

Os mecânicos que trabalham neste tipo de

carros têm então de olhar para eles como

casos únicos. O fornecimento de peçasvem na mesma linha. "Cada peça é

procurada isoladamente porque, pelomenos no nosso país, não existem lojas

especializadas em peças clássicas paramodelos mais raros", diz Tiago Patrício

Gouveia, director do Museu, que faz,

juntamente com o mecânico actual, a

procura destas peças por internet.

Mas a fundição ou construção de peças a

partir de torno mecânico é também uma

hipótese em cima da mesa. A experiência e

capacidade técnica do mecânico são

fundamentais. Neste momento, Antero

Marques Paiva continua a ir ao Museu do

Caramulo, mas é Tiago Filipe Ribeiro,

conhecido por Tito, que está à frente da

oficina. Tiago Patrício Gouveia está

bastante confiante na escolha, uma pessoade uma geração bem diferente do

mecânico que estivera desde sempre com

o Museu.

1 1 A secretária onde se faz, pela internet, a pesquisa de

peças para as viaturas do Museu do Caramulo

1 1 Cada peça é um caso único. Neste caso, umraríssimo motor nacional ALBA

1 1 "Tive que fazer vários moldes em madeira até acertar com um", diz AnteroMarques Paiva junto ao Peugeot de 1 899

Afinar de ouvido"Tivemos sorte com o Tito, porque não é

mecânico de formação", explica o director.

Os mecânicos que tenham sido formados

há pouco tempo estão pouco treinados na

capacidade de afinar de ouvido, de

detectar qual o ponto ideal para as folgasdas válvulas e dos platinados. E são esses

sentidos que permitem ajustar carros paraos quais já não existe informação. O actual

responsável pela manutenção e reparaçãodos automóveis do Museu do Caramulo

esteve na Marinha, como mecânico,

durante algum tempo. Depois também

esteve ligado à área de informática, que lhe

acrescenta bastante traquejo na língua

inglesa e na utilização de computadores,duas qualidades fulcrais para a procura de

peças. O interesse dele pelos clássicos é

uma paixão. Já há alguns meses que tem

vindo a trabalhar com Antero numa base

de um para um, onde tem oportunidadede conhecer as manhas de cada carro do

museu.

A formação de um mecânico demora

muito tempo, porque nem sempre se trata

apenas de trocar uma peça. "Trocar a peça

pode demorar muito, não é uma

substituição como num carro novo. É

preciso sempre abrir roscas nas peças para

ajustar às que já lá estavam ou fazer uma

rectificação de novas para usadas, entre

outros trabalhos", explica Tiago Patrício

Gouveia.

E com a nova geração chegam também

novos processos. O Museu está a instalar

um software de CRM que vem substituir as

fichas que cada carro tem. Muitos dos

visitantes não notam, mas cada um deles

tem uma capa com umas folhas em cima

de um dos bancos ou em qualquer lado

onde não se veja. São as fichas de

manutenção e intervenção de cada uma

das viaturas, mas também o certificado de

inspecção que o museu tem direito a

passar (até 31 de Dezembro de 1959, os

carros ficam isentos do IPO).

Tratamento pessoal

Há um contraste entre o CRM que estão

agora a instalar, mesmo o próprio modelo

de gestão do museu, e a forma como os

carros estão a ser tratados. Se um CRM é

para gerir as relações com os clientes,

então os carros do Caramulo são tratados

como pessoas. 0 software emite um aviso

sempre que é necessário voltar ao carro. E

Tito dirige-se ao clássico, dá uma volta com

ele, e escreve no sistema todas as

ocorrências fora do normal.

Mas este tratamento pessoal pode ter os

dias contados. 0 Museu não vive à custa do

Estado, não tem subsídio de exploração e

vive à conta dos eventos que produz, como

o Motorclássico e a Rampa do Caramulo. O

banco BPI, que era um dos grandesmecenas do museu, deixou de apoiar a

partir de 2012.

Do orçamento anual do museu, de 170 mil

euros, 50 mil são para a reparação e

compra de peças. Além dos eventos, a

Museu está já a procurar outras soluções

que se possam acrescentar às entradas

pagas pelos visitantes - cada vez menos

desde 1999. Um dos modelos é o

apadrinhamento de carros. Por um valor

mensal, qualquer instituição pode ser

padrinho de determinado automóvel. As

prioridades de Tiago Patrício Gouveia têm

ido para as marcas. A Renault e Ford já têmafilhados.

Outra forma de rentabilizar o Museu é

aproveitar o potencial e o conhecimento

da oficina. Apesar de já ir fazendo algumas

reparações, a oficina do Caramulo ainda

não faz serviços para fora. É um dos

projectos que será desenvolvido daqui

para a frente, até porque a renovação dos

profissionais do Museu o exige. O director

da instituição explica que precisa de ter

mais do que uma pessoa a tomar conta dos

carros, para garantir que existirá sempre

alguém com conhecimento suficiente parafazer a manutenção do parque. E esse

trabalho de mãos, é preciso não esquecer,demora muito tempo a aprender.Para já, Antero vai voltando ao Museu. Tito

está cada vez mais familiarizado com os

carros que estão no Caramulo. Encontrar

outra pessoa não é fácil. O Museu tem quelhe pagar e só o pode fazer se tiver serviços

externos na oficina. Já recorreu a

estagiários, mas a experiência diz-lhe que é

tudo muito incerto. De 20 a 22 de Abril, em

Lisboa, decorre o Motorclássico, um evento

onde o Museu do Caramulo aposta muito.

Tal como para os 70 clássicos debaixo

daquele pavilhão no alto da serra, o tempoditará tudo.