Redalyc.Web Music: música, escuta e comunicação · Rede de Revistas Científicas da América...

15
Intercom - Revista Brasileira de Ciências da Comunicação ISSN: 1809-5844 [email protected] Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação Brasil Castro, Gisela G. S. Web Music: música, escuta e comunicação Intercom - Revista Brasileira de Ciências da Comunicação, vol. XXVIII, núm. 1, enero-junio, 2005, pp. 63-76 Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação São Paulo, Brasil Disponível em: http://www.redalyc.org/articulo.oa?id=69830957005 Como citar este artigo Número completo Mais artigos Home da revista no Redalyc Sistema de Informação Científica Rede de Revistas Científicas da América Latina, Caribe , Espanha e Portugal Projeto acadêmico sem fins lucrativos desenvolvido no âmbito da iniciativa Acesso Aberto

Transcript of Redalyc.Web Music: música, escuta e comunicação · Rede de Revistas Científicas da América...

Page 1: Redalyc.Web Music: música, escuta e comunicação · Rede de Revistas Científicas da América Latina, Caribe , Espanha e Portugal Projeto acadêmico sem fins lucrativos desenvolvido

Intercom - Revista Brasileira de Ciências da

Comunicação

ISSN: 1809-5844

[email protected]

Sociedade Brasileira de Estudos

Interdisciplinares da Comunicação

Brasil

Castro, Gisela G. S.

Web Music: música, escuta e comunicação

Intercom - Revista Brasileira de Ciências da Comunicação, vol. XXVIII, núm. 1, enero-junio, 2005, pp.

63-76

Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação

São Paulo, Brasil

Disponível em: http://www.redalyc.org/articulo.oa?id=69830957005

Como citar este artigo

Número completo

Mais artigos

Home da revista no Redalyc

Sistema de Informação Científica

Rede de Revistas Científicas da América Latina, Caribe , Espanha e Portugal

Projeto acadêmico sem fins lucrativos desenvolvido no âmbito da iniciativa Acesso Aberto

Page 2: Redalyc.Web Music: música, escuta e comunicação · Rede de Revistas Científicas da América Latina, Caribe , Espanha e Portugal Projeto acadêmico sem fins lucrativos desenvolvido

Web Music: música, escuta e comunica\=ao*Gisela G. S. Castro**

ResumoOpresentetrabalho destaca a gera~ao denovas posturas de escutano contexto cultural contemporáneo, Longe de ser "natural" ou"espontánea", a audicéo humana é um fen6meno altamente com­plexo que resulta da associacáo entre ouvido e cérebro. Mapeandoas transformacñes operadas na escuta a partir da eletrificacao dosom, destacam-se os notáveis impactos na sensibilidade humanapromovidos pelas mais diversas próteses sensoriais e meios decomunicacáo tais como o rádio, a TV, o telefone e o walkman, osfones de ouvido, etc. Observa-se hoje a onipresenca da música nosmais variados ambientes e situacües, quando as aparelhagens desom tornam-se cada vezmais potentes, portáteis e leves, constituin­do-se como parte integrante dovestuário urbano atual. Ressaltamoso caráter ativo do ouvinte no jogo comunicativo que este estabelececom a música em suasdiferentes manifestacñes, incluindo oformatofinal do produto entregue pela indústria fonográfica. "lo contexto daweb music, este formato final vem sendo consistentemente desafia­do pela possibilidade aberta pela confeccáo caseira de mixes pes­soais de alta qualidade, a partir do download de faixas musicaisdisponíveis nos sites de distribuicáo de música que proliferam narede.Palavras-chave: música, escuta, cornunicacño, tecnologia digital.

ResumenEl presente estudio destaca la concepción de nuevas actitudes deescucha en el contexto cultural contemporáneo. Lejos de ser "natu­ral" o "espontánea", la audición humana es un fenómeno muy com­plejo que resulta da la asociación entre oído y cerebro. Localizandolas transformaciones operadas en la escucha a partir de la eletrifi-

* Este trabalho foi originalmente apresentado no XI SIPEC - Sudeste, realizado no campusdaUERJ em dezembro de 2004.** Gisela Castro é doutora em Comunicacáo e Cultura (ECD/UFRJ) e professora da ESPM­Sao Paulo (Núcleo de Pesquisa em Comunicacño e Práticas de Consumo).

63

Page 3: Redalyc.Web Music: música, escuta e comunicação · Rede de Revistas Científicas da América Latina, Caribe , Espanha e Portugal Projeto acadêmico sem fins lucrativos desenvolvido

REVISTA BRASILEIRA DE CIENCIAS DA CDMUNICAlfAO

cación del sonido, se destacan losnotables impactos en lasensibili­dad humana promovidos por las más diversas prótesis sensoriales ymedios de comunicación tales como la radio, la Tele, el teléfono y elegoísta, los audiculares, etc. Hoy seobserva la omnipresencia delamúsica en los más variados ambientes y situaciones, cuándo losaparatos de música son cada vez más potentes, portátiles y livianos,constituyendose como haciendo parte de la indumentaria urbanaactual. Se resalta el caracter activo del oyente en el juego de comu­nicación que él establece con la música en sus distintas manifesta­ciones, incluyendo el formato final del producto que es dado anosotros por laindustria fonográfica. En el contexto de la web music,este formato final está siendo consistentemente desafiado por laposibilidad abierta por la confección casera de mixes personales dealta calidad, apartir del download de fajas musicales disponibles enlos sitesde distribución demúsica quese multiplican en la red.Palabras-clave: música, escucha, comunicación, tecnología digital.

AbstractThe present article highlights the generation of new modes of listen­ing withinthe current cultural contexto Farfrom being naturalor epon­taneous, human audition is a highly complex phenomenon whichresults from the brain-ear association. Bymapping the transforma­tions in listening since the electrification of sound, one comes acrosswith several means of communication and sensorial prosthetics suchas radio, N, telephone, walkman, earphones, etc. Nowadays theomnipresence ofmusic can be observed indiverse environments andsituations, when sound systems become more and more potent,portable and Iight, as part of urban wear. Within the communicativeinterplay whichtakes place between Iistener and music, thelistener'sactive role is most relevant. This includes thefinalformat delivered bythe music industry. In the context of web music, this final format isbeing consistently challenged by high quality home-made personalmixes, resultinq from download of available music in several distribu­tion sites that sprout throughout the web.Keywords: rnusic, listening, communication, digital technology.

64

Page 4: Redalyc.Web Music: música, escuta e comunicação · Rede de Revistas Científicas da América Latina, Caribe , Espanha e Portugal Projeto acadêmico sem fins lucrativos desenvolvido

SaoPaulo- Volume XXVIII,n"l, janeiro/junho de 2005

Web Music: música, escuta e comunica~ao

" SÓ privilegiados tém ouvido igualaoseu, eu possuo apenas oque Deus me deu..."l

Fui enanca da época do sarnba-cancáo e do surgimento daBossa Nova. Como tantosoutros brasileiros de minha gera~ao, cresciao som de Beatles & Rolling Stones, da Tropicália, Os Mutantes,Chico Buarque, Noel Rosa, Pixinguinha, Paulinho da Viola, LuizGonzaga e demais grandes talentos da MPB, além de Bob Dylan, LedZeppelin, Pink Floyd, Frank Zappa e outras {eras do rock.Ouvinte privilegiada tive também a fortuna poder de conhecer e apre­ciar a obra de Bach, Beethoven, Brahms, Mozart, Haendel, Vivaldi, onosso Villa Lobos e tantos outros magníficos criadores, desde muitojovem.

A diversidade musical que pude desfrutar devido ariqueza danossa própria música e também da música internacional aqual tivefácil acesso, tornou-me uma ouvinte eclética, misturando generos eestilos - jazz, samba, sinfonias e rock-and-roll - perfazendo urnaalegre anarquia antropofágico-musical.Da escuta casual e corriqueira, minha relacño com a música foi seintensificando eaprofundando. Descobrindo novas versñes para min­has músicas preferidas, escutando prazerosamente a performancegenial de meus intérpretes favoritos, conhecendo o som de novosmúsicos em outros estilos, prestando atencao na sutileza das letras,arranjos e melodias, fui me tornando urna ouvinte cada vez mais aten­ta- e também bastante exigente.

Felizmente, além das rodas de violño, dos concertos e showsque freqüentava regularmente e ainda dos programas musicais derádio eTVdas quais eraouvinte cativa, apesar deminha juventude terse dado há muito tempoatrás, já contávamos com as qravacñes paraalimentar nossa sede de música. Colecionávamos música em LPs ecompactos, bem como em fitas cassette.

A distancia entre o Brasil e o resto domundo parecia ser maiornaquela época. tanearnentos internacionais demoravam muito maistempo para chegar até nós. Discos importados, também por seremcaros, tornavam-se objetos de cobrea por vezes ínalcancáveis.Fazíamos nossas próprias qravacñes em cassette, especialmente de

65

Page 5: Redalyc.Web Music: música, escuta e comunicação · Rede de Revistas Científicas da América Latina, Caribe , Espanha e Portugal Projeto acadêmico sem fins lucrativos desenvolvido

REVISTA BRASILEIRA DE CIENCIAS DA CDMUNICA!,:AD

discos mais raros que alguns amigos de sorte vez por outraconseguiam obter, ou daquele programa de rádio que tocou comexclusividade oálbum que ainda nao tinha sido lancado no Brasil.Gravavam-se fitas também para presentear amigos, para alimentar otoca-fitas do carro, para a festa dancante que se queria darem casa(coisa maischata ter quetrocartoda hora odisconavitrola!). A qual­idade do somnao eradas melhores e a durabilidade dasfitas K7 tam­bém nao, mas nós gastávamos horas confeccionando fitase ouvindonossas músicas preferidas, aprendendo ainda sobre gravadores etoca-discos, agulhas, limpa-discos, caixas de sorn, etc. A escutamusical descortinava-se assim em seu langa e frutífero casamentocom astecnologias do somo Os modos de ouvir derivavam, cada vezmais, do agenciamento homem-máquina. Para nossa gera~ao, ter oouvido "que Deus deu" já nao seria o suficiente.

Alguns anos mais tarde, tendo penetrado no seleto mundo damúsica experimental de concerto, constatei, intrigada, que sechamava música muito mais do que supunham meus ouvidos váos.Como decorréncia desse encontro, transformei a música em objetode pesquisa, tornando a Comunicacáo como campo privilegiado deinvestiqacño das relacñes entre arte,cultura etecnologia. Mapeandocertas reconñquracñes operadas na Iinguagem musical contern­poránea e contextualizando-as em termos de desenvolvimentos emoutras áreas, pude descobrirtensñes palpitantes entre som, silencioe ruído; entre ouvir e escutar. 2

Enquanto trabalhava em minhas pesquisas sobre música,acompanhei achegada dos CDs e cd-players, o desenvolvimento daInternet e todo processo de desmeterializacao da música, quecontinua até hoje. Participamos, por exemplo, da instauraeáo de urnanova topologia - o ciberespaco - da consolidacso deum novo regimede realidade - a realidade virtual- e do crescimento exponencial darede mundial decomputadores, estabelecendo uma forte preqnánciada cornunicacso mediada por computador ICMC), propiciando novasmodalidades de lnteracáo intere ultra subjetivas - diversos tipos dejogos comunicacionais on fine e coletivos virtuais inteligentes.

Atenta ao importante papel desempenhado pelas novastecnologias de lntorrnacáo e de comunícacáo, percebi quedesenvolvimentos recentes estavam transformando radicalmente a

66

Page 6: Redalyc.Web Music: música, escuta e comunicação · Rede de Revistas Científicas da América Latina, Caribe , Espanha e Portugal Projeto acadêmico sem fins lucrativos desenvolvido

SaoPaulo- Volume XXVIII,n"l, janeiro/junho de 2005

escuta. Convencida de que a tecnocultura atual estimula e propicianovas formas de eseuta, compreendi ser necessário interrogá-Ias noboja das investiqacñes acerca dos desdobramentos psicossociaiscolocados pelas transtormacñes em curso na culturacontemporánea. Naquela altura} muitos estudiosos se dedicavam aexaminar as rnudancas no estatuto da imagem e da visibilidade emnossa cultura. Poucos ainda se debrucavarn ern mapear asmodíficacñes operadas nos modos de escuta.

Durante séculos, nossa percepcñn do mundo foi em grandeparte limitada pelos aportes naturais de nossos sentidos. Odesenvolvimento de próteses sensoriais nos permite, cada vezmais,expandir o alcance destes sentidos, reconfigurando nossapercepcáo do mundo e redimensionando também nossos próprioslimites. Com avisao, por exemplo, após a invencño dotelescópio e domicroscópio, cujos níveis de sofisticacáo crescem exponencial­mente, penetramos no infinitamente grande e no infinitamentepequeno, em escalas ultra-humanas da natureza. Desta forma,podemos reorganizar tanto a nossa cosrnovisáo quanto o nossoentendimento do mundo subatürnico e das estruturas celulares,redefinindo, talvez, os papéis que desempenhamos como atoresnesta totalidade complexa em que vivemos.

Com a audicao ocorreum processo semelhante de redimensio­namento. Longe deser "natural" ou "espontánea", aaudicño humanaéumfenómeno altamente complexo queresulta da associacao entreouvido e cérebro. Sabemos ainda que a audicáo participa de formamareante nosistema perceptivo, o qualéfortemente influenciado porfatores afetivos e culturais.

A urbanizacáo, a rnecanizacño, a industrializacáo, a eletrifica­~ao e a eletrónica sao alguns dos processos que vérn gerandointensas transíormacñes em nossa ambiéncia sonora. Em seu bojo, odesenvolvimento de tecnologias que expandern e modificamradicalmente o alcance e a confiquracáo da nossa escuta.

Mapeando as transformaeñes operadas na escuta a partir daeletriñcacán do som, destacamos os notáveis impactos nasensibilidade humana promovidos pelas mais diversas prótesessensoriais emeios de cornunicacáo tais como o rádio,aTV, otelefonee o walkman, osfones de ouvido, etc. Observa-se hojea onipresenca

67

Page 7: Redalyc.Web Music: música, escuta e comunicação · Rede de Revistas Científicas da América Latina, Caribe , Espanha e Portugal Projeto acadêmico sem fins lucrativos desenvolvido

REVISTA BRA51LElRA DE CIENCIAS DA COMUNICACAO

da música nos mais variados ambientes e situacñes. quando asaparelhagens de som tornam-se cada vez mais potentes, portáteis eleves, constituindo-se como parte integrante do vestuário urbanoatual.

Na música, a expansáo do vocabulário com a redeñnicño dosom musicaltambérn aponta para o ouvinte novas formas de escuta.O rack torna emblemático o som eletrificado das guitarras e, umpouco maistarde, também dos sintetizadores eletrñnicos desorn," Ouso de diversas novas tecnologias enriqueceu a música com todaurna outra gama de sons híbridos, nao naturais, além de propiciarinúmeros modos de ínteracao entre instrumentos musicaisconsagrados e inovacñes tais como computadores, sintetizadores,samplers e qravacñes digitalizadas, manipuladas ou nao ao vivodurante um concerto.

D processo de edicáo de urna grava~ao, que se sofistica deforma crescente, vem por sua vez transformando de forma radical osparadigmas da música - e da escuta. Oregistro "espontáneo" do som"original" deixa deter primazia e o som gravado em estúdio passa aser corrigido e modificado até atingir um estado de "perfeicao"técnica.' Dparadigma tecnológico deslocando a escuta "natural"."Além de sua utilizacáo técnica para corrigir imperfeicñes e realcarsonoridades pouco discerníveis ao ouvido humano, há ainda todo uminvestimento criativo naspotencialidades estéticas desons sintéticoseda rnanipulacáo digitalde recortes sampleados de somo Aolado daexpansáo na Iinguagem musical promovida pela música eletroacústi­ca de concerto, a utilizacño expressiva das tecnologias de som deuorigem outros generos de música eletrñníca, a maior parte delas decunho dancante e popular.

Para o ouvinte de hoje, sons eletrónicos já nao causam tantaestranheza. A extraordinária maleabilidade do som digitalizadopermite rnanipulacñes antes laboriosamente levadas a cabo pelospioneiros da música de vanguarda a partir dos anos 50. Além disso,deve-se ressaltar o caráterativo do ouvinte no jogocomunicativo queeste estabelece com a música ern suas diferentes manitestacñes,incluindo o formato final do produto entregue pela indústriafonográfica.

A possibilidade aberta para a conteccáo caseira deCDs de altaqualidade técnica contendo o mix pessoal de faixas rnusicais

68

Page 8: Redalyc.Web Music: música, escuta e comunicação · Rede de Revistas Científicas da América Latina, Caribe , Espanha e Portugal Projeto acadêmico sem fins lucrativos desenvolvido

SaoPaulo - Volume XXVIII, 0"1, janeiro/junho de2005

preferidas, também disponíveis nos sites de distrlbuicán de músicaque proliferam naweb, vem porsuavezdescortinando para o ouvintede hoje arnbiéncias musicais diversificadas e personalizadas.

Em termos de suporte, ao contrário das especulacñesapressadas de que os compact discs ou COs iriam tornarobsoletosos discos de vinil, verifica-se que aquele formato nao só continuasendo consumido.' como também nao deixou de ser produzido," Urnavalorizacáo do "somdovinil"vem senda amalgamada, mesmo dentrejovens músicos ou simples apreciadores de música. Segundoalegam, trata-se de um som "mais quente" e "autentico", ondenuances tímbricas e melódico-harmónicas podem ser mais bemapreciadas do que no Iimpo e "frio" som digital.9

Minhapesquisa atual concentra-se na crescente preqnáncia dadistribuicáo de música via Internet, especialmente a partir dodesenvolvirnento do sistema mp3 de compressáo de arquivos deáudio, do aumento da largura da banda de transmissao e desoftwares peerto peer, como o pioneiro Napster.Neste contexto, denomino web music aqueta música distribuída pormeio da redemundial de computadores, em sitesde distribuicño gra­tuita combatidos pela indústria fonográfica, ou em sites comerciaisassociados agrandes gravadoras, onde se pode fazero download defaixas musicais selecionadas, urna a urna.

Inicialmente restrito aos geeks, estes iniciados nas linguagensinformacionais e aficionados por novidades na área,o download demúsica da Internet consolida-se como urna das práticas sociaisemblemáticas denosso tempo. Namaiorparte doscasos, trata-se deum passatempo bastante popular, sendo novas colecñes virtuais demúsica armazenadas em gigabytes, compartilhadas com outrosinternautas através de ferramentas peer to peer, as quais permitemacesso diretode um computador pessoal a outro.

O que está em jogo parece ser da ordem de urna grandereccnñquracác naproducáo, consumo e comercializacño demúsica.Oevido á escala massiva de penetracao da web, nichos minoritáriosde consumo ganham relevancia. Dessa forma, vemos a Internetsendo amplamente utilizada como canal direto entre músicos eouvintes. Isto coloca a indústria fonográfica em cheque. A perda desua exclusividade como mediadora entre artista e público fomenta anecessidade de novas idéias, formatos e solucñes,

69

Page 9: Redalyc.Web Music: música, escuta e comunicação · Rede de Revistas Científicas da América Latina, Caribe , Espanha e Portugal Projeto acadêmico sem fins lucrativos desenvolvido

REVISTA BRASILEIRA DE CIENCIAS DACOMUNICA(:AO

Segundo alega aindústria fonográfica, o download gratuito vem cau­sando enormes prejuízos. Juntas, as cinco principais gravadoraslutam judicialmente contra o que denominam pirataria diqital,"exigindo a criacño de leis e estatutos queregulamentem esta desma­terlalizacño da música. Urna outra forma de enfrentar o problema dapirataria tem sido unir-se a indústria de informática na criacao demecanismos de protecáo contra cópias nao autorizadas."

Entretanto, a questáo da pirataria nao é vista do mesmo modopor artistas, ouvintes e gravadoras. Sabe-se que devido aosaltíssimos custos envolvidos nos grandes lancamentos comerciais,as principaisgravadoras controlam e restringem a producáo de seusartistas contratados, hesitando em correr riscos com formatos eestilos considerados menos rentáveis e, sobretudo, abocanhando amaior parte dos lucroscomavenda dediscos. Para o artista, além docerceamento em sua autonomia criativa, sobra urna menor partedesse lucro com asvendas.

Acrescente popularizacño dos estúdios caseiros de altasoñsticaeáo tecnológica vem deslocando dos grandes estúdios aprimazia da producáo musical. Artistas consagrados criam selosindependentes, passando a cuidar mais pessoalmente da producáode seus trabalhos, embora muitas vezes associando-se as grandesgravadoras para garantir sua distrlbuicáo em grande escala,facilitando a comercializacño da producáo, Por sua vez, canaisalternativos de distnbuicño vérn sendo abertos, sobretudo na web.Inúmeras bandas e artistas, conhecidos ou nao, lancarn seustrabalhos diretamente na rede por meio de blogs, fotologs e outroscoletivos virtuais quetenham a música como elemento aglutinador.

A experiencia da gravadora brasileira Trama ao criar seu bracovirtual, vem demonstrando que novos caminhos podem serexplorados que diminua o fosso entre independentes e contratados.Neste caso, a plataforma TramaVirtual funciona como vitrine paranovos trabalhos autorais, que sao disponibilizados para downloadgratuito. A resposta do público a esta producáo é cuidadosamentemonitorada de modo a constituir-se em parámetro para que estesnovos músicos venham ou nao a ingressar no cast oficial dagravadora, caso seja de seu interesse.

O desenvolvimento de aparelhagens portáteis como os mp3­players, consoles de jogos eletr6nicos, jukeboxes virtuais etelefones

70

Page 10: Redalyc.Web Music: música, escuta e comunicação · Rede de Revistas Científicas da América Latina, Caribe , Espanha e Portugal Projeto acadêmico sem fins lucrativos desenvolvido

Sao Paulo - Volume XXVIII, nº1,janeiro/junho de 2005

celulares de nova gera¡;aO, vem impulsionando novas modalidadesde escuta e consumo de música. A telefonia móvel já acumulafuncñes de transmissso e recepeáo de dados digitais os maisvariados, podendo os mais novos aparelhos funcionar como ocomputador pessoal, com acesso aInternet. De olho nesse mercado,produtores musicais já passam adistribuir conteúdo diretamente aosusuários de celulares."

No caso dos mais sofisticados celulares, o uso de truetones,faixas musicais em mp3 como toque de chamada, vem substituindoos toques sintéticos em formato MIDI,13 sendo responsáveis por umtipo dedemanda crescente no mercado musical atual epor urna fatiaconsiderável do faturamento da indústria fonográfica. Algunsmodelos detelefone celular permitem que se tenha um tipo detoquepara cada grupo de usuários, de modo que só pelo toque decampainha já se possa identificar quem está ligando. Dessa forma,um mesmo aparelho pode chegar a conter dezenas de toquespersonalizados.

Personalizar tem sido urna tendencia constante no consumo demúsica digital. Aparelhos como o iPod e outros, nao só armazenamenormes quantidades de arquivos de música, mas já podem tambémfuncionar com o estacñes de rádio, transmitindo em FM a selecñoprogramada de faixas musicais. Assim, o ouvinte nao fica restrito aoque oferecern as estacñss de rádio tradicionais. Isto é particular­mente mais relevante no caso de amantes de estilos musicais naoconvencionais, que dificilmente ocupam aproqrarnacao das rádios, anao ser em programas especiais em horários esparsos.

Comparando a experiencia dos jovens apreciadores de músicahoje com a dos jovens de minha geragao, percebe-se umextraordinário aumento nadiversidade do panorama musical atual. Apartir dos anos 60, asfronteiras entre clássico e popular se esqarcarn,gerando híbridos como o rock progressivo ingles, os trabalhos deBrian Eno, Lou Reed, do nosso Egberto Gismonti, da banda alernáKraftswerk, para citar apenas alguns. Hoje, com o caudaloso acervomusical dos últimos séculos virtualmente disponível na Internet, oacesso e a mistura entre diversos ganham ainda mais destaque.

Paradoxalmente, em tempos de qlobalizacéo económica ecultural, observa-se urna crescente valorizacño do local, regional,étnico. Generos e estilos musicais próprios a culturas regionais

71

Page 11: Redalyc.Web Music: música, escuta e comunicação · Rede de Revistas Científicas da América Latina, Caribe , Espanha e Portugal Projeto acadêmico sem fins lucrativos desenvolvido

REVISTA BRASILEIRA DE CIENCIAS DA COMUNICA!fAO

periféricas ouminoritárias, como pontos de umbanda, candomblé ecapoeira; cirandas; janga; modas de viola; xote; afoxé; cantos detrabalho; frevo; coco; repentes; emboladas emuitos outros que fazemparte da nossa memória musical, convivem com outros maisheqernñnicos, brasileiros ou estrangeiros.

No mundo todo, carreñas minoritárias que antes eramobliteradas ou escondidas no "ponto cego" da audicáo mainstream,já circulam viralmente, operando cantatas e contágios, osquais naocessam de ocorrer. Surgem novas topologias e cartografias nouniverso sonoro musical.

Por outro lado, convivemos com urna extraordináriamassiñcacño de estilos musicais que parecem criados com finsmeramente cornerciais." Na voracidade da lógica de consumo quenorteia boa parte dos grandes investimentos da indústria cultural,ídolos sao criados e esquecidos rapidamente. Fama e sucesso naosao atributos exclusivos dequalidade artística. Parecem mais e maisresultar, sobretudo, de elaboradas estratégias de marketing e intensaexposicáo amídia.

A Internet situa-se como alternativa nao só para agentesculturais nao interessados nessa linha de producáo. como paraaqueles músicos e apreciadores em busca de maiorautonomia paraescolher seu próprio repertório. Trabalhos autorais de cunho menospasteurizado ecomercial sao bastante valorizados por um certo tipode público, antes pouco atendido pela indústria cultural.

Seria ingenuo afirmar que a simples apropríacao do potencialda Internet como canal alternativo de distrlbuicáo garantiria aexcelencia nas relacñes entre músicos e ouvintes. Seria tambémingenuo afirmar que qracas adiversidade de estilos e generos emoferta, os novos ouvintes tornaram-se mais seletivos. Por fim, seriaigualmente ingenuo fazer urna correlacao direta entre qualidade ediversidade nas colecñes virtuais de música. Mesmo que sejammaiores do que as nossas velhas colecñes de discos, sempre sepodetermais do mesmo.

No meio do excesso que caracteriza a web, temos crescentenecessidade de filtros que auxiliem a localizar o conteúdo quedeseiamos." Neste sentido, assiste-se aconsolidacso de grandesportais que oferecem diversos tipos de conteúdo - inclusive muitasvezes o download de música - em troca da fugaz conexao com os

72

Page 12: Redalyc.Web Music: música, escuta e comunicação · Rede de Revistas Científicas da América Latina, Caribe , Espanha e Portugal Projeto acadêmico sem fins lucrativos desenvolvido

SaoPaulo - Volume XXVIII, n' 1,janeiro/junho de 2005

internautas. Isso nño impede que estes vagueiem em busca de sitesindependentes que oferecarn conteúdo mais específico para suasnecessidades e desejos enquanto, paralelamente, ensejam aconstituicño coletiva deredes dediscussáo etrocas asmais variadasno ciberespaco, Diversos desses coletivos térn a musica comoelemento aglutinador.

Como disse acima, embora a proliferacáo de canais digitais dedistribuicño nao garanta a massificacáo do consumo periférico, elapode contribuir para tornar comercialmente viáveis trabalhos antesrestritos a subculturas regionais minoritárias. A questao dounderground digital vem sendo objeto de pesquisa específico nocampo da comunlcacáo, 16

Nas ciencias sociais, estudiosos das práticas de consumo"ensinam que os perfis de consumo participam de forma decisiva naconstituicáo de nossas identidades sociais. A seqrnentacáo dasociedade em "tribos" identitárias está em curso. Penso que emtempos de rnasslñcacño eexcesso, consumo personalizado e formasde escuta rnais singulares parecem apontar para urna crescentenecessidade de constituicáo de Iinhas de fuga que nos possibilitemconstituir territórios de existencia que escapem aos processosdominantes de subjetlvacño. Esta forma de pensar encontra eco naideologia libertária que está na base dacibercultura."

Com suas múltiplas facetas, a web music revela-se um campofértil de estudos na Cornunicacáo. Para a ouvinte eclética e exigenteque eu me tornei, este campo nao podia ser mais apropriado - efascinante. Digo issoporque valorizo muito a interlocucáo com outrosestudiosos do assunto. Sempre quepossível, gosto de contribuir parafomentar essa discussao, Este breve artigo é urna iniciativa nestesentido. Afinal, embora pense serem válidos para o campoacadémico como umtodo, trocas e compartilhamento sao as pedrasde toque dotema desta pesquisa.

Notas

1. Da cancán Desafinado, deTom Jobim e Newton Mendon~a, 1958.2. Para mais detalhes desta pesquisa, ver: CASTRO, Gisela. A Canfáo de Ariana,dissertacéo de mestrado e As Canfóes Inumanas: música, tecnologia, escuta &comunícacño, tesede doutorado, ambas na ECO/UFRJ.

73

Page 13: Redalyc.Web Music: música, escuta e comunicação · Rede de Revistas Científicas da América Latina, Caribe , Espanha e Portugal Projeto acadêmico sem fins lucrativos desenvolvido

REVISTA BRASILEIRA DE CIENCIAS DA COMUNICACÁO

3. Apresentei meu projetode mestrado ao Programa dePós-Braduacáo da Escolade Comunlcacáo da UFRJ na primeira metade dos anos 90. Minha pesquisa dasposturas de escutasedesdobrou durante o doutorado, concluídoem2003. Emboratenha encontrado alguns pares aolongo do percurso,atéhoje as ciencias sociaisparecem considerarmenosa escuta emaisa visño.A esse respeito, ver a obra deJonathan Sterne, citada na bibliografía.4. Basta citar as exemplares experiencias eletroacústicas de Jimmi Hendrix naguitarra e som de Emerson, Lake & Palmer, caracterizado pelo sintetizador mini­moog.5. Neste sentido, é exemplar o casodo pianista erudito Glenn Gould, que no augeda carreira de solista abandonou ospalcospara se dedicara registrar exclusiva­mente em disco suas geniais performances, numa sempre crescente busca daperíeicño.6. Observa-se processo semelhante no tratamento e manipulacán de imagensveiculadas pela mídia.7. Bancas improvisadas dos vendedores de discos antigos nas ruas já sao umaconstante no cenário urbano atual. Também cresce o número de lojas e feirasespecializadas no comércio de LPs.8. Ilustrando este fato, em recente debate na PUC-Rio, o representante dagravadora Trama revelou que a empresa exporta por ano 100 mil LPs para o mer­cado internacional.9. Odisco de vinil é ainda utilizado por DJs que transformam o toca-discos eminstrumento. Originários da cena hip hop, estes turntablists sao responsáveis porlntervencñes que jáse consagraram na cena musicalatual.10. Por ser controverso o conceito de pirataria, esta vem sendo interpretada demaneira diversa pela indústria fonográfica e pela legiao de ouvintes da era pós­Napster.11. Há no mercado CDs protegidoseletronicamente contra números indiscrimina­dos decópias e cd-players que só leem qravacñesquecontenham estes selos deautenticidade. Paracada umdesses mecanismos, porém, surgemcontra-medidasque ostornam quase sem efeito.12. Atransmlssáoexclusiva deshow demúsicapelatelefonia celular já vem sendoexplorada com certosucesso de público, embora entrenóso número deusuáriosdetelefones de terceira gera~ao ainda seja reduzido, devido aos altoscustos.13. Sigla para Musicallnstrument Digital Interface, sistema de áudio quesintetizao som de instrumentos musicais.14. Como umcerto tipo demúsica axé, verseo pasteurizada da tradi~¡¡o baiana dossambas de roda.15. Ver artigo de Paulo Vaz (ECO/UFRJ) citado na bibliografia.16. Ver, por exemplo, na bibliografia ostrabalhosdeMessias Bandeira (UFBa) e deSimone Pereira (UFF).17.Como, entre nós,o do pioneiro Everardo Rocha (PUC-Rio).18.Ver, por exemplo, as obras de Castells, Lemos e Lévy citadas na bibliografia.

74

Page 14: Redalyc.Web Music: música, escuta e comunicação · Rede de Revistas Científicas da América Latina, Caribe , Espanha e Portugal Projeto acadêmico sem fins lucrativos desenvolvido

SaoPaulo- Volume XXVIII,n' 1,janeiro/junho de 2005

Referencias Bibliográficas

BAUMAN, Z. Modernidade Líquida. Sao Paulo: JorgeZahar, 2001.

BANDEIRA, M. O underground na era digital. ANAIS daIntercom/2001.

BENJAMIN, W. Obras Escolhidas. Vol. 1. Magia e Técnica, Arte ePolítica. S. Paulo: Brasiliense, 1987.

BERRY, C. Music on the Internet Sao Francisco: Sybex, 1995.

CASTELS, M. A Galáxia da Internet reflexóes sobre a internet, osnegócios e asociedade. Rio deJaneiro: Jorge Zahar, 2003.

CASTRO, G. A Can9ao de Ariana. Dissertacao de mestrado. Rio deJaneiro: ECO/UFRJ.

As Cenciies Inumanas. música, tecnologia, escu­ta & cornunicacáo. Tese de doutorado. Rio de Janeiro: ECO/UFRJ.

Ocaso Napster in: Revista LaGOS. Ano 8, n? 15,2001.

DOMINGUES, D. Arte e tecnologia no século XXI: a humanlzacáo dastecnologias. Sao Paulo: UNESp, 1997.

KERCKHOVE, D. A Pele da Cultura: uma investiqacño sobre a novarealidade eletrónica. Lisboa: Relógio O'Água, 1997.

LEMaS, A. Cibercultura: tecnologia e vida social na cultura contem­poránea, Porto Alegre: Sulina, 2002.

LÉVY, P. Cibercultura. Rio de Janeiro: Editora 34, 1999.

L1NS, D. [orq.] Cultura e Subjetividade: saberes nómades. Campinas:Papirus, 1997.

MAZLlSH, B. The fourth discontinuity: the co-evolution ofhumans andmachines. New Haven: Yale University Press, 1993.

75

Page 15: Redalyc.Web Music: música, escuta e comunicação · Rede de Revistas Científicas da América Latina, Caribe , Espanha e Portugal Projeto acadêmico sem fins lucrativos desenvolvido

REVISTA BRASILEIRA DE CIENCIAS DA COMUNICA~AO

McLUHAN. M. Understanding media: the extensions of manoCambridge: MIT Press, 1992.

MENEZES, P. (org.) Signos Plurais: arte, mídia e cotidiano na globali­za~ao. Sao Paulo: Experimento, 1997.

PEREIRA, S. e MACHI, L. Nao basta ser Di. tem gue ser underground!ANAlS da Compás/2004.

ROCHA, E. A Sociedade doSonho. Rio de Janeiro: Mauad, 1995.

RÜOIGER, F. Elementos paraacrítica da cibercultura: sujeito, objeto einteracáo na era das novas tecnologias de comunicacáo. Sao Paulo:Hacker Editores, 2002.

SEVCENKD, N. Virando Séculos: corrida para o século XXI, no loop damontanha-russa. Sao Paulo: Cia das Letras, 2001.

SOORÉ, M. A antropológica do espelho: urna teoria da comunicacáolinear e em rede. Petrópolis: Vozes, 2002.

STERNE, J. The audible past cultural origins of sound reproduction.Durhan: Duke University Press, 2003.

VAl, P. Esperanca e excesso. AI\IAIS Compás/200l.

76