Nº 204333/2016 – ASJCIV/SAJ/PGR · 3 – O acervo probatório apresentado não é suficiente...

22
204333/2016 – ASJCIV/SAJ/PGR Mandado de Segurança 34193 – DF Relator: Ministro Teori Zavascki Impetrante: Presidente da República Impetrado: Presidente da Câmara dos Deputados CONSTITUCIONAL. MANDADO DE SEGURANÇA. IMPEDI- MENTO (IMPEACHMENT) DA PRESIDENTE DA REPÚBLICA. DECURSO DO PRAZO DE IMPETRAÇÃO. CONHECIMENTO PARCIAL. ATOS. PRESIDENTE DA CÂMARA DOS DEPUTADOS DESVIO DE FINALIDADE. AUSÊNCIA DE SUBSTANCIALIDADE PROBATÓRIA. DENEGAÇÃO DA ORDEM. 1 – Não é cabível a intervenção de amicus curiæ em man- dado de segurança. Precedentes do Supremo Tribunal Fede- ral. 2 – Observada a existência de autonomia entre os atos pra- ticados por distintos agentes na condução da fase de admis- sibilidade da Denúncia por Crime de Responsabilidade 1/2015, pode-se aferir, de plano, a impossibilidade de retro- ação do exame da matéria versada a fatos que voltem no tempo mais de 120 dias da data da impetração. 3 – O acervo probatório apresentado não é suficiente para a comprovação da nulidade dos atos questionados na fase de admissão da denúncia por crime de responsabilidade. 4 – São empecilhos relevantes à concessão da ordem o fato de que o juízo emitido pela Câmara dos Deputados, na- quela circunstância, era eminentemente político e o de que é improvável falar em direito líquido e certo à nulificação de atos que sucederam-se dentro dos parâmetros da legali- dade, com a participação colegiada de diversos outros agen- Documento assinado via Token digitalmente por RODRIGO JANOT MONTEIRO DE BARROS, em 05/09/2016 17:51. Para verificar a assinatura acesse http://www.transparencia.mpf.mp.br/atuacao-funcional/consulta-judicial-e-extrajudicial informando o código 00DF6201.079BDD47.3A564C8F.DD8EE425

Transcript of Nº 204333/2016 – ASJCIV/SAJ/PGR · 3 – O acervo probatório apresentado não é suficiente...

Page 1: Nº 204333/2016 – ASJCIV/SAJ/PGR · 3 – O acervo probatório apresentado não é suficiente para a comprovação da nulidade dos atos questionados na fase de admissão da denúncia

Nº 204333/2016 – ASJCIV/SAJ/PGR

Mandado de Segurança 34193 – DF Relator: Ministro Teori ZavasckiImpetrante: Presidente da RepúblicaImpetrado: Presidente da Câmara dos Deputados

CONSTITUCIONAL. MANDADO DE SEGURANÇA. IMPEDI-MENTO (IMPEACHMENT) DA PRESIDENTE DAREPÚBLICA. DECURSO DO PRAZO DE IMPETRAÇÃO.CONHECIMENTO PARCIAL. ATOS. PRESIDENTE DACÂMARA DOS DEPUTADOS DESVIO DE FINALIDADE.AUSÊNCIA DE SUBSTANCIALIDADE PROBATÓRIA.DENEGAÇÃO DA ORDEM.

1 – Não é cabível a intervenção de amicus curiæ em man-dado de segurança. Precedentes do Supremo Tribunal Fede-ral.

2 – Observada a existência de autonomia entre os atos pra-ticados por distintos agentes na condução da fase de admis-sibilidade da Denúncia por Crime de Responsabilidade1/2015, pode-se aferir, de plano, a impossibilidade de retro-ação do exame da matéria versada a fatos que voltem notempo mais de 120 dias da data da impetração.

3 – O acervo probatório apresentado não é suficiente para acomprovação da nulidade dos atos questionados na fase deadmissão da denúncia por crime de responsabilidade.

4 – São empecilhos relevantes à concessão da ordem o fatode que o juízo emitido pela Câmara dos Deputados, na-quela circunstância, era eminentemente político e o de queé improvável falar em direito líquido e certo à nulificaçãode atos que sucederam-se dentro dos parâmetros da legali-dade, com a participação colegiada de diversos outros agen-

Documento assinado via Token digitalmente por RODRIGO JANOT MONTEIRO DE BARROS, em 05/09/2016 17:51. Para verificar a assinatura acesse

http://www.transparencia.mpf.mp.br/atuacao-funcional/consulta-judicial-e-extrajudicial informando o código 00DF6201.079BDD47.3A564C8F.DD8EE425

Page 2: Nº 204333/2016 – ASJCIV/SAJ/PGR · 3 – O acervo probatório apresentado não é suficiente para a comprovação da nulidade dos atos questionados na fase de admissão da denúncia

PGR Mandado de Segurança 34193 – DF

tes, até atingimento do quórum plenário qualificado queendossou o julgamento da denúncia pelo Senado Federal.

5 – Parecer pelo parcial conhecimento do mandado de se-gurança e, na parte conhecida, pela denegação da ordem.

Trata-se de mandado de segurança, com pedido de liminar,

impetrado pela ex-Presidente da República, Dilma Rousseff, em

10 de maio de 2016, contra a tramitação de denúncia, na Câmara

dos Deputados, sob a Presidência do Deputado Federal Eduardo

Cunha, para a instauração de processo de impedimento movido

em face da pessoa da impetrante em razão de alegada incursão em

crime de responsabilidade.

De acordo com a parte impetrante, o então Presidente da

Câmara dos Deputados atuou de forma viciada no processo entre

as datas de 17 de julho de 2015 e 17 de abril de 2016, que com-

preendem desde a expedição de ofícios para instar autores a adita-

rem suas denúncias contra a Presidente da República até a votação

do relatório da Comissão Especial no Plenário daquela Casa Le-

gislativa.

Os vícios estariam, nessa esteira, associados ao interesse pes-

soal do referido Deputado Federal na tramitação do processo de

impedimento, aferível pela soma de três fatores: (i) ter-se declarado

oposição ao governo em julho de 2015; (ii) estar sob investigação

2

Documento assinado via Token digitalmente por RODRIGO JANOT MONTEIRO DE BARROS, em 05/09/2016 17:51. Para verificar a assinatura acesse

http://www.transparencia.mpf.mp.br/atuacao-funcional/consulta-judicial-e-extrajudicial informando o código 00DF6201.079BDD47.3A564C8F.DD8EE425

Page 3: Nº 204333/2016 – ASJCIV/SAJ/PGR · 3 – O acervo probatório apresentado não é suficiente para a comprovação da nulidade dos atos questionados na fase de admissão da denúncia

PGR Mandado de Segurança 34193 – DF

na denominada “Operação Lava Jato”; (iii) ter interesse em obsta-

culizar processo contra ele instaurado no Conselho de Ética da

Câmara dos Deputados, situação em que barganhou politicamente

seus interesses em troca ora do avanço, ora da obstaculização, do

processo de impedimento da Chefe do Poder Executivo Federal.

A materialização do desvio de poder na condução da fase de

admissibilidade do impeachment poderia ser observada nos

[…] 11 (onze) ofícios enviados a autores populares de den-úncias de crime de responsabilidade contra a Presidenta daRepública, instando-os a aditarem suas denúncias para quefossem preenchidos os requisitos legais.

Seria igualmente identificável na formalização de procedi-

mento ad hoc pelo Deputado Eduardo Cunha, veiculado na forma

de respostas à Questão de Ordem 105/2015, com o nítido escopo

de destituir a Presidente da República de seu cargo. Estaria, ainda,

comprovada pela suspensão do exercício do mandato político do

aludido Deputado, por decisão proferida nos autos da Ação Caute-

lar 4070, para prevenir a utilização das competências do cargo em

favor de conveniências particulares de índole suspeita.

Para a impetrante, há três momentos da fase de admissão da

denúncia de crime de responsabilidade nitidamente maculados

pelo desvio de finalidade do Deputado Eduardo Cunha: (1) o re-

cebimento parcial da denúncia , em retaliação à abertura do pro-

3

Documento assinado via Token digitalmente por RODRIGO JANOT MONTEIRO DE BARROS, em 05/09/2016 17:51. Para verificar a assinatura acesse

http://www.transparencia.mpf.mp.br/atuacao-funcional/consulta-judicial-e-extrajudicial informando o código 00DF6201.079BDD47.3A564C8F.DD8EE425

Page 4: Nº 204333/2016 – ASJCIV/SAJ/PGR · 3 – O acervo probatório apresentado não é suficiente para a comprovação da nulidade dos atos questionados na fase de admissão da denúncia

PGR Mandado de Segurança 34193 – DF

cesso de cassação do mandado do Parlamentar no Conselho de

Ética e Decoro Parlamentar da Câmara dos Deputados; (2) a tra-

mitação do processo – que foi acompanhada de (I) articulação es-

púria para a escolha do presidente e do relator da Comissão

Especial, (II) convocação absolutamente inusual de sessões delibera-

tivas da Casa parlamentar às segundas e sextas-feiras e (III) juntada

de documentos estranhos ao objeto da acusação (relativos à dela-

ção premiada do ex-senador Delcídio do Amaral) –; (3) a votação

plenária do relatório aprovado pela Comissão Especial do impeach -

ment, em que manipulado o resultado final, em virtude da deter-

minação de votação nominal por ordem diferente da estabelecida

no Regimento Interno da Casa e da compactuação do então Pre-

sidente da Câmara com a orientação de votos pelos Partidos Polí-

ticos.

Diante disso, pede a suspensão

[d]a validade da autorização concedida pela Câmara dosDeputados para instauração de processo de crime de respon-sabilidade contra a impetrante e a consequente suspensão detodos os atos relacionados à Denúncia nº 1, de 2016, no Se-nado Federal, até o julgamento do mérito do presente man-dado de segurança.

Em definitivo, pugna pelo reconhecimento de nulidade insa-

nável dos atos praticados durante a tramitação, na Câmara dos De-

4

Documento assinado via Token digitalmente por RODRIGO JANOT MONTEIRO DE BARROS, em 05/09/2016 17:51. Para verificar a assinatura acesse

http://www.transparencia.mpf.mp.br/atuacao-funcional/consulta-judicial-e-extrajudicial informando o código 00DF6201.079BDD47.3A564C8F.DD8EE425

Page 5: Nº 204333/2016 – ASJCIV/SAJ/PGR · 3 – O acervo probatório apresentado não é suficiente para a comprovação da nulidade dos atos questionados na fase de admissão da denúncia

PGR Mandado de Segurança 34193 – DF

putados, do processo desencadeado pela Denúncia 1/2015 com a

concessão da ordem

para que sejam anulados todos os atos praticados pelo Presi-dente da Câmara dos Deputados, desde o recebimento dadenúncia até a autorização final do Plenário da Câmara dosDeputados.

ou, subsidiariamente,

que a nulidade do procedimento seja decretada a partir domomento em que o Deputado Eduardo Cunha se tornouréu perante esse STF e passou a não ostentar condições deexercer com imparcialidade a Presidência da Câmara dosDeputados […].

Paulo Goyaz Alves da Silva e outros requereram ingresso no

writ como amici curiae.

Na sequência, o Ministro Relator apreciou liminarmente o

feito, lançando as seguintes ponderações:

3. […]Vários desses atos atacados na impetração como potencial-mente lesivos à higidez do processo de impeachment – taiscomo a elaboração de um rito ad hoc na questão de ordem105/2015, a juntada aos autos da colaboração premiada deautoria do senador Delcídio Amaral e a ordem de votaçãono Plenário da Câmara dos Deputados – já foram suscitadosem outros processos ajuizados neste Supremo Tribunal Fede-ral.Quanto à citada questão de ordem, ela foi atacada no Man-dado de Segurança 33.837, em que proferi liminar (DJe de14/10/2015), mas que nem chegou a ter seu mérito julgado,

5

Documento assinado via Token digitalmente por RODRIGO JANOT MONTEIRO DE BARROS, em 05/09/2016 17:51. Para verificar a assinatura acesse

http://www.transparencia.mpf.mp.br/atuacao-funcional/consulta-judicial-e-extrajudicial informando o código 00DF6201.079BDD47.3A564C8F.DD8EE425

Page 6: Nº 204333/2016 – ASJCIV/SAJ/PGR · 3 – O acervo probatório apresentado não é suficiente para a comprovação da nulidade dos atos questionados na fase de admissão da denúncia

PGR Mandado de Segurança 34193 – DF

ante a revogação do ato impugnado, cujas disposições vierama ser suplantadas pela orientação firmada pelo Plenário desteSupremo Tribunal Federal no julgamento da ADPF 378.Trata-se, portanto, de questão superada.Da mesma forma, a juntada aos autos das declarações presta-das pelo senador Delcídio Amaral e a ordem de votação noPlenário da Câmara dos Deputados foram objeto das delibe-rações dessa Suprema Corte na sessão extraordinária de14/4/16, que desacolheu as alegações de “extrapolação” doconteúdo original da representação e de direcionamento nacondução da votação na Câmara (ADI 5498 MC; red. p/acórdão Min. Teori Zavascki, nos MSs 34127 e 34128 MC,red. p/ acórdão Min. Teori Zavascki; e no MS 34.130, Rel.Min. Edson Fachin)[...].4. O ato que, na verdade, constitui a essência e a basefundamental da impetração, e do qual derivariam to-dos os demais, segundo a própria impetração, é o atode recebimento parcial da denúncia, que estaria mo-tivado por vício insanável de desvio de finalidade, jáque motivado por espírito de vingança pessoal doPresidente da Câmara dos Deputados. Relativamentea ele, seu exame nesta via mandamental encontra di-versos óbices importantes. O primeiro é o da tempestivi-dade da impetração. Trata-se, com efeito, de ato praticado em2 de dezembro de 2015, portanto, há mais de cento e vintedias, o que, em princípio, atrai o decurso do prazo estabele-cido no art. 23 da Lei do Mandado de Segurança (Lei12.016/09). Poder-se-ia objetar que, em se tratando de atointegrante de um processo, o prazo decadencial somente se-ria desencadeado quando da deliberação final. Todavia, é pre-ciso considerar que, no processo de natureza complexa que éo de impeachment, há atos de competência exclusiva de atoresdiferentes, com eficácia autônoma, a significar que, uma vezpraticados, assumem executividade própria, submetendo-se,por isso, desde logo, a controle por mandado de segurança, sefor o caso. Aliás, é por isso mesmo que, conforme noticiado,vários dos atos praticados nesse mesmo processo já haviamsido objeto de ataque individualizado pela via mandamental.

6

Documento assinado via Token digitalmente por RODRIGO JANOT MONTEIRO DE BARROS, em 05/09/2016 17:51. Para verificar a assinatura acesse

http://www.transparencia.mpf.mp.br/atuacao-funcional/consulta-judicial-e-extrajudicial informando o código 00DF6201.079BDD47.3A564C8F.DD8EE425

Page 7: Nº 204333/2016 – ASJCIV/SAJ/PGR · 3 – O acervo probatório apresentado não é suficiente para a comprovação da nulidade dos atos questionados na fase de admissão da denúncia

PGR Mandado de Segurança 34193 – DF

Ora, o ato aqui em exame, de competência exclusivae individual do Presidente da Câmara, porque reves-tido de autonomia em relação aos demais atos subse-quentes e com executividade imediata, estava desdelogo sujeito a controle por via de mandado de segu-rança, no prazo de 120 dias.5. Ainda que assim não fosse, seria preciso considerar outroóbice importante: o de, em mandado de segurança, fazer juí-zos categóricos a respeito da configuração ou não de desviode finalidade ou abuso de poder. É que, conforme já tiveoportunidade de enfatizar em outros julgados neste SupremoTribunal Federal, tais vícios, diretamente relacionados aoprincípio da moralidade administrativa, exsurgem de causasinerentes a impulsos subjetivos do agente que pratica o ato,de difícil demonstração probatória, ainda mais quando setrata de ato também revestido de natureza política.[…]Logicamente, essa análise, da fidedignidade do ato às aspira-ções públicas a que ele deveria corresponder, pode se revelarcognitivamente desafiadora. Isso porque, para captar a verda-deira finalidade que ensejou a prática do ato deverá o juizproceder a uma segura exumação da realidade a ele subja-cente. Em geral, essa anamnese haverá de recair sobre ele-mentos que terão sido dissimulados pela autoridadepraticante, o que torna altamente provável o surgimento decontrovérsias quanto à sua interpretação, ainda mais em situ-ações em que, como já anotado, há um inafastável conteúdopolítico na deliberação. 6. Tem-se, por isso mesmo, esse sério obstáculo ao conheci-mento da alegação relacionada ao ato de recebimento parcialda denúncia e de quase todas as demais alegações vertidas nainicial. Isso porque elas estão arrimadas em registros jornalís-ticos da crônica política nacional que, como efemérides quesão, ficam sujeitas a uma grande margem de contestação. Oque elas revelam, sem qualquer dúvida, é que, desde sua elei-ção – motivada, aliás, pela sua posição de franca rebeldia aogoverno –, o então Presidente da Câmara dos Deputados

7

Documento assinado via Token digitalmente por RODRIGO JANOT MONTEIRO DE BARROS, em 05/09/2016 17:51. Para verificar a assinatura acesse

http://www.transparencia.mpf.mp.br/atuacao-funcional/consulta-judicial-e-extrajudicial informando o código 00DF6201.079BDD47.3A564C8F.DD8EE425

Page 8: Nº 204333/2016 – ASJCIV/SAJ/PGR · 3 – O acervo probatório apresentado não é suficiente para a comprovação da nulidade dos atos questionados na fase de admissão da denúncia

PGR Mandado de Segurança 34193 – DF

notabilizou-se por uma sistemática oposição ao projeto polí-tico do Palácio do Planalto, exercendo diferentes frentes depressão contra interesses do Governo. Mas não há comoidentificar, na miríade de manchetes instruídas coma inicial, um conjunto probatório capaz de demons-trar, de forma juridicamente incontestável, que aque-las iniciativas tenham ultrapassado os limites daoposição política, que é legítima, como o reconhecea própria impetração, para, de modo evidente, macu-lar a validade do processo de impeachment. Conformeenfatizado, algumas de suas investidas possivelmente questio-náveis já foram neutralizadas por deliberações deste SupremoTribunal Federal, que, nas vezes em que instado a atuar, ga-rantiu fosse observada a cláusula constitucional do devidoprocesso legal. Por outro lado, e por absolutamente relevante,é preciso considerar que os atos do Presidente daCâmara, inclusive o de recebimento da denúnciacontra a Presidente da República, foram subsequen-temente referendados em diversas instâncias da Câ-mara dos Deputados, com votações de acolhimentonumericamente expressivas, o que qualifica – emuito – a presunção de legitimidade do ato final deautorização de instauração do processo de impeach-ment, que não é de competência solitária do Presi-dente daquela Casa Legislativa, mas do seu Plenário.Como já dito, a invocação do desvio de poder como causade pedir reclama imersão no plano subjetivo do agente pú-blico responsável pelo ato, atividade que é praticamente – se-não de todo – inviável quando o ato sob contestaçãorepresenta a vontade conjugada de quase 370 parlamentares,que aprovaram um relatório circunstanciado produzido porComissão Especial, com fundamentação autônoma em rela-ção ao ato presidencial que admitiu originalmente a repre-sentação. Generalizar vício de vontade que se alega presentenas manifestações de um parlamentar para o universo doPlenário é o mesmo que nulificar o princípio de presunçãode legitimidade que é correntio em direito público. Ademais,e na esteira do que inúmeras vezes ressaltado quando o Su-

8

Documento assinado via Token digitalmente por RODRIGO JANOT MONTEIRO DE BARROS, em 05/09/2016 17:51. Para verificar a assinatura acesse

http://www.transparencia.mpf.mp.br/atuacao-funcional/consulta-judicial-e-extrajudicial informando o código 00DF6201.079BDD47.3A564C8F.DD8EE425

Page 9: Nº 204333/2016 – ASJCIV/SAJ/PGR · 3 – O acervo probatório apresentado não é suficiente para a comprovação da nulidade dos atos questionados na fase de admissão da denúncia

PGR Mandado de Segurança 34193 – DF

premo Tribunal Federal se reuniu para tratar de aspectos pro-cedimentais do impeachment, é indispensável considerar que aatuação de parlamentares no julgamento não está dissociadade coeficiente político. Pelo contrário, está naturalmenteimantada por esse elemento típico da atuação parlamentar,que se estende, também, ao Presidente da Câmara dos Depu-tados, responsável pela deflagração do processo.7. Portanto, considerados os limites de cognição judicial damatéria no âmbito de mandado de segurança, não há comoatestar plausibilidade suficiente nas alegações de que o im-pulso conferido ao processo de impeachment pelo Presidenteda Câmara dos Deputados tenha o condão de contaminartodos os demais crivos realizados no curso do processo peloscolegiados daquela instância. Concluir nesse sentido, além demenosprezar o princípio da presunção de legitimidade dasdeliberações tomadas em colegiado, minimiza brutalmente apresunção, que se deve considerar presente, da aptidão parase posicionar de modo independente que assiste a cada umdos parlamentares. Mais do que isso. A mesma lógica quesustenta a narrativa descrita na inicial – e do resultado dasvotações até agora realizadas no Legislativo – ensejaria, emraciocínio extremado, uma conclusão diametralmente opostaàquela sublinhada pela Presidente da República: a de que oempenho político dos integrantes do Governo e dos parla-mentares que o apoiam – que inegavelmente também existiu- poderia ter levado o Presidente da Câmara dos Deputadosa procrastinar indevidamente o recebimento das denúnciasque estavam sob sua apreciação enquanto esperava acenos fa-voráveis aos seus próprios interesses pessoais. Essas conjectu-ras são desenvolvidas para ilustrar como é grave o obstáculoque se põe ao controle jurisdicional, ainda mais no âmbitode uma ação de mandado de segurança, da alegação de nuli-dade por desvio de finalidade em atos naturalmente imanta-dos de conteúdo político, como é o caso.8. Por fim, também não tem suficiente plausibilidade, pelomenos nessa etapa de cognição, a tese de que o Presidente daCâmara dos Deputados, na sua sanha por retaliação política,

9

Documento assinado via Token digitalmente por RODRIGO JANOT MONTEIRO DE BARROS, em 05/09/2016 17:51. Para verificar a assinatura acesse

http://www.transparencia.mpf.mp.br/atuacao-funcional/consulta-judicial-e-extrajudicial informando o código 00DF6201.079BDD47.3A564C8F.DD8EE425

Page 10: Nº 204333/2016 – ASJCIV/SAJ/PGR · 3 – O acervo probatório apresentado não é suficiente para a comprovação da nulidade dos atos questionados na fase de admissão da denúncia

PGR Mandado de Segurança 34193 – DF

omitiu-se, por ocasião da sessão plenária da Casa, diante deum ilegal “fechamento de questão”, orquestrado por líderespartidários em detrimento da independência dos parlamen-tares. Não tem relevância, a princípio, porque como admi-tido pela impetrante, o próprio Presidente da Câmara sepronunciou pelo descabimento da orientação, a quem, con-sequentemente, não se pode atribuir a responsabilidade pormanifestações de outros parlamentares. Afinal, mesmo que seenxergue alguma indevida tolerância na coibição de discur-sos de encaminhamento durante a votação no Plenário, nãodeteria o seu Presidente poder suficiente para inibir porcompleto qualquer articulação dos partidos que se fizesse in-formalmente a esse respeito. Eventuais punições poderão serquestionadas, quanto à sua legitimidade, no foro judiciáriopróprio, se efetivamente levadas a cabo.Ademais, e isso é o mais importante, seria difícil su-por que, nas circunstâncias em que se deu a votação,a indicação da orientação dos partidos tenha sido fa-tor decisivo no resultado favorável à autorização deabertura do processo de impeachment. Os própriosexemplos ilustrativos trazidos com a inicial indicamo contrário: os parlamentares que invocaram, expres-samente, a orientação partidária, acabaram profe-rindo votos de “abstenção”, que, além de não tersido compatível com aquela orientação, acabarampor concorrer, não para a decisão de autorizar, e,sim, para a de desautorizar a abertura do processo.9. Ante o exposto, e sob a consideração desses elementos, quedenotam a ausência de plausibilidade jurídica do pedido, in-defiro a liminar pleiteada.(grifos aditados, DJe 12 maio 2016)

Em 1º de junho de 2016, foram prestadas informações pela

Câmara dos Deputados.

10

Documento assinado via Token digitalmente por RODRIGO JANOT MONTEIRO DE BARROS, em 05/09/2016 17:51. Para verificar a assinatura acesse

http://www.transparencia.mpf.mp.br/atuacao-funcional/consulta-judicial-e-extrajudicial informando o código 00DF6201.079BDD47.3A564C8F.DD8EE425

Page 11: Nº 204333/2016 – ASJCIV/SAJ/PGR · 3 – O acervo probatório apresentado não é suficiente para a comprovação da nulidade dos atos questionados na fase de admissão da denúncia

PGR Mandado de Segurança 34193 – DF

Entre as alegações versadas no documento, constam (I) a au-

sência de prova pré-constituída da violação narrada, pois “a prova

apresentada é unicamente matérias jornalísticas, insuficientes para compro-

vação do alegado desvio de poder”; (II) a fluência do prazo decadencial

de impetração do writ; (III) a impossibilidade de reapreciação, pelo

Supremo, de questões como a ordem de votação dos Deputados

no plenário da Câmara, a fixação do rito do impeachment em res-

posta à Questão de Ordem 105/2015 e a juntada da delação pre-

miada do ex-senador Delcídio do Amaral ao processo; (IV) a

impossibilidade de incidência do controle Judiciário sobre decisões

político-jurídicas tomadas no processo de impeachment; (V) a não

autorização de revisão das decisões do Presidente da Câmara dos

Deputados em situação que não evidencie patente ilegalidade e

abuso de poder, “aferível a partir de fatos certos e inequívocos”; (VI) a

inexistência de abuso de poder e desvio de finalidade na recepção

da Denúncia 1/2015, juízo precário e não vinculante emitido pelo

Presidente da Câmara dos Deputados; (VII) o recebimento da den-

úncia por mais de dois terços dos membros do Plenário da Câ-

mara dos Deputados e pelo Senado Federal, o que afasta alegação

de nulidade no ato primeiro de sua admissão; (VIII) a ausência de

nulidade na votação do parecer da Comissão Especial da Câmara

dos Deputados, em que houve afirmação expressa da não admissão

11

Documento assinado via Token digitalmente por RODRIGO JANOT MONTEIRO DE BARROS, em 05/09/2016 17:51. Para verificar a assinatura acesse

http://www.transparencia.mpf.mp.br/atuacao-funcional/consulta-judicial-e-extrajudicial informando o código 00DF6201.079BDD47.3A564C8F.DD8EE425

Page 12: Nº 204333/2016 – ASJCIV/SAJ/PGR · 3 – O acervo probatório apresentado não é suficiente para a comprovação da nulidade dos atos questionados na fase de admissão da denúncia

PGR Mandado de Segurança 34193 – DF

do encaminhamento de votação e não se concedeu palavra aos lí-

deres partidários para orientação de suas bancadas.

A não interposição de recurso da decisão do Ministro Rela-

tor foi certificada em 12 de agosto de 2016.

Vieram os autos, na sequência, com vista à Procura-

doria-Geral da República para emissão de parecer.

Esses, em síntese, são os fatos de interesse.

Em caráter prefacial, cumpre consignar que a jurisprudência

da Suprema Corte tem reafirmado não ser cabível intervenção de

amicus curiæ em mandado de segurança. Nesse sentido: MS 33802,

Relator Ministro DIAS TOFFOLI, DJe 5 abr. 2016; MS 29192, Pri-

meira Turma, Relator Ministro DIAS TOFFOLI, DJe 9 out. 2014; SS

3273 AgR-segundo, Tribunal Pleno, Relator Ministra ELLEN

GRACIE (Presidente), DJe 16 abr. 2008; MS 29129, Relator Minis-

tro TEORI ZAVASCKI, DJe 10 abr. 2012.

A própria descrição do verbete amicus curiæ apresentada no

Glossário Jurídico1 do Supremo Tribunal Federal define-o como

modalidade de intervenção assistencial, cabível em processos de

controle de constitucionalidade, reforçando-se, assim, o entendi-

mento perfilhado pela Corte. Confira-se:

1 Disponível em: http://www.stf.jus.br/portal/glossario/verVerbete.asp?letra=A&id=533. Acesso em: 14 jun. 2016.

12

Documento assinado via Token digitalmente por RODRIGO JANOT MONTEIRO DE BARROS, em 05/09/2016 17:51. Para verificar a assinatura acesse

http://www.transparencia.mpf.mp.br/atuacao-funcional/consulta-judicial-e-extrajudicial informando o código 00DF6201.079BDD47.3A564C8F.DD8EE425

Page 13: Nº 204333/2016 – ASJCIV/SAJ/PGR · 3 – O acervo probatório apresentado não é suficiente para a comprovação da nulidade dos atos questionados na fase de admissão da denúncia

PGR Mandado de Segurança 34193 – DF

Amicus Curiæ Descrição do Verbete: “Amigo da Corte”. Intervençãoassistencial em processos de controle de constitucionali-dade por parte de entidades que tenham representativi-dade adequada para se manifestar nos autos sobrequestão de direito pertinente à controvérsia constitucio-nal. Não são partes dos processos; atuam apenas comointeressados na causa. Plural: amici curiæ (amigos daCorte).

Para apreciação, em caráter preambular, da tempestividade do

mandado de segurança, convém perquirir se a sucessão de atos

descritos na inicial pode ser tomada como unidade complexa, que

somente tomou sua conformação final com a votação do parecer

pela admissibilidade da denúncia, o que permitiria o questiona-

mento, ainda na via mandamental, de atos que recuam no tempo

além dos 120 dias autorizados pela Lei do Mandado de Segurança.

Esse não parece ser o melhor entendimento. No processo

complexo de apuração do crime de responsabilidade imputado à

então Presidente da República, como bem menciona o Ministro

Relator,

há atos de competência exclusiva de atores diferentes, comeficácia autônoma, a significar que, uma vez praticados, assu-mem executividade própria, submetendo-se, por isso, desdelogo, a controle por mandado de segurança.

A assertiva é confirmada pela realidade, com a materialização

de sucessivas investidas judiciais, na Suprema Corte, para objetar

13

Documento assinado via Token digitalmente por RODRIGO JANOT MONTEIRO DE BARROS, em 05/09/2016 17:51. Para verificar a assinatura acesse

http://www.transparencia.mpf.mp.br/atuacao-funcional/consulta-judicial-e-extrajudicial informando o código 00DF6201.079BDD47.3A564C8F.DD8EE425

Page 14: Nº 204333/2016 – ASJCIV/SAJ/PGR · 3 – O acervo probatório apresentado não é suficiente para a comprovação da nulidade dos atos questionados na fase de admissão da denúncia

PGR Mandado de Segurança 34193 – DF

atos realizados em distintos momentos do processo de impeachment,

dos quais são exemplos a Reclamação 22124, a ADPF 378, a ADI

5498 e os Mandados de Segurança 33837, 34127, 34128, 34130,

34133 e 34142. Por isso, assiste razão ao Ministro Relator quando

afirma que o ato de recebimento parcial da denúncia, do qual de-

rivam os demais, é o fundamento essencial da impetração, mas,

quanto ao questionamento de sua legitimidade já operou o prazo

decadencial para a impetração do mandado de segurança.

Observada a existência de autonomia entre os atos praticados

por distintos agentes na condução da fase de admissibilidade da

Denúncia por Crime de Responsabilidade 1/2015, pode-se aferir,

de plano, a impossibilidade de retroação do exame da matéria ver-

sada a fatos que voltem no tempo mais de 120 dias da data da im-

petração, o que exclui, por si só, a apreciação, na via mandamental,

da suposta existência de desvio de poder no ato de recebimento

parcial da denúncia, pelo Presidente da Câmara dos Deputados, em

2 de dezembro de 2015 (Diário da Câmara dos Deputados de 3 de

dez. de 2015).

O mesmo ocorre com a alegada expedição de ofícios para

oportunizar que cidadãos, querendo, aditassem suas denúncias.

Aquela medida não pode ser aqui abordada como ponto de inda-

gação do mandado de segurança, por retomar fatos retroativos a

14

Documento assinado via Token digitalmente por RODRIGO JANOT MONTEIRO DE BARROS, em 05/09/2016 17:51. Para verificar a assinatura acesse

http://www.transparencia.mpf.mp.br/atuacao-funcional/consulta-judicial-e-extrajudicial informando o código 00DF6201.079BDD47.3A564C8F.DD8EE425

Page 15: Nº 204333/2016 – ASJCIV/SAJ/PGR · 3 – O acervo probatório apresentado não é suficiente para a comprovação da nulidade dos atos questionados na fase de admissão da denúncia

PGR Mandado de Segurança 34193 – DF

meados do ano passado, que sequer integram o processo de impea-

chment em si.

Ainda em sede preambular, verifica-se que as afirmações refe-

rentes às respostas apresentadas na Questão de Ordem 105/2015

tampouco atendem ao prazo do mandado de segurança. A essa

afirmação se soma o fato de haverem sido revogadas referidas res-

postas, por deliberação formalizada pela Presidência da Câmara dos

Deputados, em 29 de outubro de 2015.

A revogação redundou, inclusive, no esvaziamento do objeto

do Mandado de Segurança 33837 (Relator Ministro Teori Za-

vascki, DJe 4 mar. 2016) e da Reclamação 22124 (Relatora Mi-

nistra Rosa Weber, DJe 9 dez. 2015), ambos sobre o referido tema.

Por conseguinte, somente podem ser aqui recepcionadas as afirma-

ções da impetrante, nesse particular, como elementos meramente

retóricos, em reforço à tese basilar da impetração sobre o desvio

de finalidade dos atos do Deputado Eduardo Cunha.

Destacados os elementos insuscetíveis de conhecimento,

cumpre observar que o writ não reúne condições de êxito.

Esta ação objetiva a declaração de nulidade da fase de admis-

são da denúncia por crime de responsabilidade da Presidente, com

fundamento de que seus atos estariam substancialmente ancorados

no propósito de perseguir interesses pessoais do Presidente da Câ-

15

Documento assinado via Token digitalmente por RODRIGO JANOT MONTEIRO DE BARROS, em 05/09/2016 17:51. Para verificar a assinatura acesse

http://www.transparencia.mpf.mp.br/atuacao-funcional/consulta-judicial-e-extrajudicial informando o código 00DF6201.079BDD47.3A564C8F.DD8EE425

Page 16: Nº 204333/2016 – ASJCIV/SAJ/PGR · 3 – O acervo probatório apresentado não é suficiente para a comprovação da nulidade dos atos questionados na fase de admissão da denúncia

PGR Mandado de Segurança 34193 – DF

mara dos Deputados, originados em divergências políticas com a

Presidente e na ventilada necessidade de obstar ou refrear punição

por falta de decoro parlamentar.

Desvio de finalidade ou desvio de poder ocorre quando agente

público exerce competência atribuída por lei para atingir propósito

diverso daquele delimitado pelo ordenamento jurídico (Lei da Ação

Popular – Lei 4.717, de 29 de junho de 1965, art. 2o, parágrafo

único, e).2 Caracteriza-se como deturpação do dever-poder atribu-

ído a agente público que, apesar de exercê-lo nos limites aparentes

de sua atribuição, direciona-o a fim não buscado pela lei. Rela-

ciona-se, portanto, com a noção de legalidade positiva ou de vin-

culação positiva à legalidade (positive Bindung): exige-se do agente

mais do que não praticar atos vedados pela lei, mas atuar sempre e

quando autorizado e impelido a tanto por ela.

Na definição de CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO:

No desvio de poder o agente, ao manipular um plexo de po-deres, evade-se do escopo que lhe é próprio, ou seja, extra-via-se da finalidade cabível em face da regra em que se calça.Em suma: o ato maculado deste vício direciona-se a um resul-

2 “Art. 2º São nulos os atos lesivos ao patrimônio das entidades mencionadasno artigo anterior, nos casos de: [...]e) desvio de finalidade.Parágrafo único. Para a conceituação dos casos de nulidade observar-se-ãoas seguintes normas: [...]e) o desvio de finalidade se verifica quando o agente pratica o ato visandoa fim diverso daquele previsto, explícita ou implicitamente, na regra decompetência”.

16

Documento assinado via Token digitalmente por RODRIGO JANOT MONTEIRO DE BARROS, em 05/09/2016 17:51. Para verificar a assinatura acesse

http://www.transparencia.mpf.mp.br/atuacao-funcional/consulta-judicial-e-extrajudicial informando o código 00DF6201.079BDD47.3A564C8F.DD8EE425

Page 17: Nº 204333/2016 – ASJCIV/SAJ/PGR · 3 – O acervo probatório apresentado não é suficiente para a comprovação da nulidade dos atos questionados na fase de admissão da denúncia

PGR Mandado de Segurança 34193 – DF

tado diverso daquele ao qual teria de aportar ante o objetivoda norma habilitante. Há, então, um desvirtuamento de poder,pois o Poder Público, como de outra feita averbamos, falseia,deliberadamente ou não, com intuitos subalternos ou não,aquele seu dever de operar o estrito cumprimento do que seconfiguraria, ante o sentindo da norma aplicada, como o objeti-vo prezável e atingível pelo ato. Trata-se, pois, de um vício obje-tivo, pois o que importa não é se o agente pretendeu ou não dis-crepar da finalidade legal, mas se efetivamente dela discrepou.3

Tal extrapolação finalística acaba por traduzir também violação

da competência, como explica LUCAS ROCHA FURTADO:

O desvio de poder ou de finalidade ocorre quando o agentese afasta dos fins definidos em lei que justificam a outorga dacompetência ao agente. O desvio não requer, portanto, a viola-ção da moralidade ou de qualquer outro princípio ou pre-ceito legal. [...]Assim, sempre que o ato praticado se afastar da finalidade quejustificou a outorga da competência ao administrador público,ou seja, sempre que o ato praticado visar a fim incompatívelou excludente do interesse público, haverá abuso de poder soba modalidade desvio.4

Diante da pátina de legalidade dos atos do poder público em

geral, atestar ocorrência de desvio costuma revestir-se de dificul-

dade, como recorda HELY LOPES MEIRELLES:

3 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 29. ed.São Paulo: Malheiros, 2012, p.996.

4 FURTADO, Lucas Rocha. Curso de Direito Administrativo. 2. ed. Belo Hori-zonte: Fórum, 2010, p. 653-654.

17

Documento assinado via Token digitalmente por RODRIGO JANOT MONTEIRO DE BARROS, em 05/09/2016 17:51. Para verificar a assinatura acesse

http://www.transparencia.mpf.mp.br/atuacao-funcional/consulta-judicial-e-extrajudicial informando o código 00DF6201.079BDD47.3A564C8F.DD8EE425

Page 18: Nº 204333/2016 – ASJCIV/SAJ/PGR · 3 – O acervo probatório apresentado não é suficiente para a comprovação da nulidade dos atos questionados na fase de admissão da denúncia

PGR Mandado de Segurança 34193 – DF

O ato praticado com desvio de finalidade – como todo atoilícito ou imoral – ou é consumado às escondidas ou se apre-senta disfarçado de interesse público. Diante disso, há que sersurpreendido e identificado por indícios e circunstâncias querevelem a distorção do fim legal, substituído habilidosamentepor um fim ilegal ou imoral não desejado pelo legislador. Apropósito, já decidiu o STF que “indícios vários e concordan-tes são provas”. Dentre os elementos indiciários do desvio definalidade está a falta de motivo ou a discordância dos motivoscom o ato praticado. Tudo isto dificulta a prova do desvio depoder ou de finalidade, mas não a torna impossível se recor-rermos aos antecedentes do ato e à sua destinação presente efutura por quem o praticou.5

Isso não obsta o controle judicial da matéria, dado que desvio

de poder acarreta ilegalidade, a qual pode reputar-se comprovada

ante conjunto coerente de elementos. JOSÉ DOS SANTOS CARVALHO

FILHO observa, a esse respeito:

Em preciosa monografia sobre o tema, CRETELLA JÚNIOR,também reconhecendo a dificuldade de prova, oferece, entre-tanto, a noção dos sintomas denunciadores do desvio de po-der. Chama sintoma “qualquer traço, interno ou externo,direto, indireto ou circunstancial que revele a distorção davontade do agente público ao editar o ato, praticando-o nãopor motivo de interesse público, mas por motivo privado”.[...]Agindo com abuso de poder, por qualquer de suas formas, oagente submete sua conduta à revisão, judicial ou administra-tiva. O abuso de poder não pode compatibilizar-se com asregras da legalidade, de modo que, constatado abuso, cabe re-pará-lo.6

5 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo brasileiro. São Paulo:Malheiros, 2012, p. 11.

6 CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 27.

18

Documento assinado via Token digitalmente por RODRIGO JANOT MONTEIRO DE BARROS, em 05/09/2016 17:51. Para verificar a assinatura acesse

http://www.transparencia.mpf.mp.br/atuacao-funcional/consulta-judicial-e-extrajudicial informando o código 00DF6201.079BDD47.3A564C8F.DD8EE425

Page 19: Nº 204333/2016 – ASJCIV/SAJ/PGR · 3 – O acervo probatório apresentado não é suficiente para a comprovação da nulidade dos atos questionados na fase de admissão da denúncia

PGR Mandado de Segurança 34193 – DF

Colhem-se, portanto, os seguintes parâmetros para aferir des-

vio de poder: a) o agente busca atingir finalidade deturpada com o

ato administrativo; b) o vício é objetivo, satisfaz-se com descom-

passo entre a finalidade legal e a real; c) dada a artificiosidade que

o circunda, sua prova dá-se por meio de indícios que, revelando

coerência, sejam capazes de nulificar o ato; d) o desvio é passível

de controle judicial, na modalidade de controle de legalidade, até

na via do mandado de segurança.

A narrativa da impetrante está fundada na busca de finalidade

objetivamente deturpada pela autoridade coatora na condução da

fase de emissão de juízo político sobre a admissibilidade da denún-

cia por crime de responsabilidade.

Os indícios para nulificação dos atos perpetrados na Presi-

dência do Deputado Eduardo Cunha, porém, são basicamente re-

portagens jornalísticas correntes, incapazes de demonstrar como o

antagonismo político e o interesse da autoridade coatora em

eximir-se de responsabilização político-administrativa no Conse-

lho de Ética foram determinantes para a obtenção do sim da Câ-

mara como requisito para o prosseguimento do processo de

impeachment.

Ainda que se pudesse afirmar a contundência dos documen-

tos juntados, a pretensão da impetrante esbarraria em dois empeci-

ed. São Paulo: Atlas, 2014, p. 49.

19

Documento assinado via Token digitalmente por RODRIGO JANOT MONTEIRO DE BARROS, em 05/09/2016 17:51. Para verificar a assinatura acesse

http://www.transparencia.mpf.mp.br/atuacao-funcional/consulta-judicial-e-extrajudicial informando o código 00DF6201.079BDD47.3A564C8F.DD8EE425

Page 20: Nº 204333/2016 – ASJCIV/SAJ/PGR · 3 – O acervo probatório apresentado não é suficiente para a comprovação da nulidade dos atos questionados na fase de admissão da denúncia

PGR Mandado de Segurança 34193 – DF

lhos relevantes. Primeiro, o de que o juízo emitido pela Câmara

dos Deputados, naquela circunstância, era eminentemente político,

situação em que oposição política e desvio de finalidade se colo-

cam em zona fronteiriça de difícil distinção. Segundo, o de que é

improvável falar em direito líquido e certo à nulificação de atos

que, embora passíveis, em tese, de influência da autoridade coatora,

sucederam-se dentro dos parâmetros da legalidade, com a partici-

pação colegiada de diversos outros agentes, até atingimento do

quórum plenário qualificado que endossou o julgamento da den-

úncia pelo Senado Federal.

Essas conclusões são todas corolário do entendimento perfi-

lhado pela Suprema Corte na análise da Medida Cautelar na Ar-

guição de Descumprimento de Preceito Fundamental 378, de cuja

ementa extrai-se:

[…]1.1 Apresentada denúncia contra o Presidente da Repúblicapor crime de responsabilidade, compete à Câmara dos De-putados autorizar a instauração de processo (art. 51, I, daCF/1988). A Câmara exerce, assim, um juízo eminentementepolítico sobre os fatos narrados, que constitui condição parao prosseguimento da denúncia. Ao Senado compete, privati-vamente, processar e julgar o Presidente (art. 52, I), locuçãoque abrange a realização de um juízo inicial de instauraçãoou não do processo, isto é, de recebimento ou não da denún-cia autorizada pela Câmara. […]2.1. O rito do impeachment perante a Câmara, previsto na Leinº 1.079/1950, partia do pressuposto de que a tal Casa cabe-

20

Documento assinado via Token digitalmente por RODRIGO JANOT MONTEIRO DE BARROS, em 05/09/2016 17:51. Para verificar a assinatura acesse

http://www.transparencia.mpf.mp.br/atuacao-funcional/consulta-judicial-e-extrajudicial informando o código 00DF6201.079BDD47.3A564C8F.DD8EE425

Page 21: Nº 204333/2016 – ASJCIV/SAJ/PGR · 3 – O acervo probatório apresentado não é suficiente para a comprovação da nulidade dos atos questionados na fase de admissão da denúncia

PGR Mandado de Segurança 34193 – DF

ria, nos termos da CF/1946, pronunciar-se sobre o méritoda acusação. Em razão disso, estabeleciam-se duas delibera-ções pelo Plenário da Câmara: a primeira quanto à admissi-bilidade da denúncia e a segunda quanto à sua procedênciaou não. Havia, entre elas, exigência de dilação probatória.2.2. Essa sistemática foi, em parte, revogada pela Constituiçãode 1988, que, conforme indicado acima, alterou o papel ins-titucional da Câmara no impeachment do Presidente da Re-pública. Conforme indicado pelo STF e efetivamenteseguido no caso Collor, o Plenário da Câmara deve deliberaruma única vez, por maioria qualificada de seus integrantes,sem necessitar, porém, desincumbir-se de grande ônus pro-batório. Afinal, compete a esta Casa Legislativa apenas auto-rizar ou não a instauração do processo (condição deprocedibilidade).

[…]

III. MÉRITO: DELIBERAÇÕES UNÂNIMES 1. IMPOSSIBILIDADE DE

APLICAÇÃO SUBSIDIÁRIA DAS HIPÓTESES DE IMPEDIMENTO E

SUSPEIÇÃO AO PRESIDENTE DA CÂMARA (ITEM K DO PEDIDO

CAUTELAR): embora o art. 38 da lei nº 1.079/1950 preveja aaplicação subsidiária do código de processo penal no pro-cesso e julgamento do presidente da república por crime deresponsabilidade, o art. 36 dessa lei já cuida da matéria, con-ferindo tratamento especial, ainda que de maneira distinta doCPP. Portanto, não há lacuna legal acerca das hipóteses deimpedimento e suspeição dos julgadores, que pudesse justifi-car a incidência subsidiária do Código. A diferença de dis-ciplina se justifica, de todo modo, pela distinçãoentre magistrados, dos quais se deve exigir plena im-parcialidade, e parlamentares, que podem exercersuas funções, inclusive de fiscalização e julgamento,com base em suas convicções político-partidárias,devendo buscar realizar a vontade dos representados.Improcedência do pedido.(ADPF 378 MC, Relator Ministro EDSON FACHIN, Relator p/Acórdão Ministro ROBERTO BARROSO, Tribunal Pleno, DJe 7mar. 2016, grifos acrescidos)

21

Documento assinado via Token digitalmente por RODRIGO JANOT MONTEIRO DE BARROS, em 05/09/2016 17:51. Para verificar a assinatura acesse

http://www.transparencia.mpf.mp.br/atuacao-funcional/consulta-judicial-e-extrajudicial informando o código 00DF6201.079BDD47.3A564C8F.DD8EE425

Page 22: Nº 204333/2016 – ASJCIV/SAJ/PGR · 3 – O acervo probatório apresentado não é suficiente para a comprovação da nulidade dos atos questionados na fase de admissão da denúncia

PGR Mandado de Segurança 34193 – DF

Quanto à suposta omissão abusiva e à suscitada finalidade es-

púria em face do “fechamento da questão” e da orientação de vo-

tos pelos Partidos Políticos, na sessão de julgamento plenário da

Câmara, não há prova da omissão, que, inclusive, é combatida pela

determinação, da Presidência da Casa, de que tal procedimento

não seria admitido. Igualmente inviável concluir que a autoridade

coatora poderia interceptar, de forma definitiva, conchavos políti-

cos ocorrentes no curso do processo de votação, não havendo falar

em evidente ilegalidade ou abuso de poder quanto a essa fração

dos fatos impugnados.

Ante o exposto, o parecer é pelo parcial conhecimento do

mandado de segurança e, na parte conhecida, pela denegação da

ordem.

Brasília (DF), 05 de setembro de 2016.

Rodrigo Janot Monteiro de BarrosProcurador-Geral da República

JCCR/RNSL

22

Documento assinado via Token digitalmente por RODRIGO JANOT MONTEIRO DE BARROS, em 05/09/2016 17:51. Para verificar a assinatura acesse

http://www.transparencia.mpf.mp.br/atuacao-funcional/consulta-judicial-e-extrajudicial informando o código 00DF6201.079BDD47.3A564C8F.DD8EE425