N 214.146/2016-AsJConst/SAJ/PGR · habeas corpus 82.424/RS, o conceito de racismo não estaria...
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No 214.146/2016-AsJConst/SAJ/PGR
Mandado de injunção 4.733/DFRelator: Ministro Edson FachinRequerentes: Associação Brasileira de Gays, Lésbicas e Transgêneros
(ABGLT)Interessado: Congresso Nacional
CONSTITUCIONAL. ART. 5º, XLI e XLII, DA CONSTI-TUIÇÃO DA REPÚBLICA. CRIMINALIZAÇÃO DA HO-MOFOBIA E DA TRANSFOBIA. PEDIDO DEINDENIZAÇÃO DE VÍTIMAS DE HOMOFOBIA. NÃOCONHECIMENTO. MANDADO DE CRIMINALIZA-ÇÃO. CONFIGURAÇÃO DE RACISMO. LEI 7.716/1989.CONCEITO DE RAÇA. INTERPRETAÇÃO CON-FORME A CONSTITUIÇÃO. MORA LEGISLATIVA. FI-XAÇÃO DE PRAZO PARA O CONGRESSONACIONAL LEGISLAR.
1. Não se coaduna com o objeto e o rito de mandado de injun-ção pedido de condenação do estado a indenizar vítimas de ho-mofobia e transfobia, em virtude de descumprimento do deverde legislar.
2. Deve conferir-se interpretação conforme a Constituição aoconceito de raça previsto na Lei 7.716, de 5 de janeiro de 1989,a fim de que se reconheçam como crimes tipificados nessa leicomportamentos discriminatórios e preconceituosos contra apopulação LGBT (lésbicas, gays, bissexuais, travestis, transexuais etransgêneros). Não se trata de analogia in malam partem.
3. O mandado de criminalização contido no art. 5o, XLII, daConstituição da República, abrange a criminalização de condu-tas homofóbicas e transfóbicas.
4. Caso não se entenda que a Lei 7.716/1989 tipifica práticashomofóbicas, está em mora inconstitucional o Congresso Naci-onal, por inobservância do art. 5o, XLI e XLII, da CR. Cabe fi-xação de prazo para o Legislativo sanar a omissão.
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5. Existência de projetos de lei em curso no Congresso Nacio-nal não afasta configuração de mora legislativa, ante período ex-cessivamente longo de tramitação, a frustrar a força normativa daConstituição e a consubstanciar inertia deliberandi.
6. A ausência de tutela judicial concernente à criminalização dahomofobia e da transfobia mantém o estado atual de proteçãoinsuficiente ao bem jurídico tutelado e de desrespeito ao sistemaconstitucional.
7. Parecer pelo conhecimento parcial do mandado de injunçãoe, no mérito, pela procedência do pedido na parte conhecida.
1. RELATÓRIO
Trata-se de mandado de injunção coletivo, com pedido de
medida cautelar, para “obter a criminalização específica de todas as
formas de homofobia e transfobia, especialmente (mas não exclusi-
vamente) das ofensas (individuais e coletivas), dos homicídios, das
agressões e discriminações motivadas pela orientação sexual e/ou
identidade de gênero, real ou suposta, da vítima”, em face de injus-
tificada omissão do Congresso Nacional em editar a legislação
pertinente.
Segundo a requerente, o mandado de criminalização de todas
as formas de racismo, expresso no art. 5o, XLII, da Constituição da
República, abrangeria as condutas de discriminação de cunho ho-
mofóbico e transfóbico, pois seriam espécies do gênero racismo.
Consoante definiu o Supremo Tribunal Federal no julgamento do
habeas corpus 82.424/RS, o conceito de racismo não estaria adstrito
à discriminação por cor de pele, mas abrangeria aquela causada por
etnia, procedência nacional, religião etc. Subsidiariamente, sustenta
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que a criminalização da homofobia encontra suporte no art. 5o,
XLI, da CR, segundo o qual “a lei punirá qualquer discriminação
atentatória dos direitos e liberdades fundamentais”. Aduz ser ine-
gável que toda forma de homofobia e transfobia, “especialmente
(mas não exclusivamente) das ofensas (individuais e coletivas), dos
homicídios, das agressões, ameaças e discriminações motivadas pela
orientação sexual e/ou identidade de gênero, real ou suposta, da
vítima constitui discriminação atentatória a direitos e liberdades
fundamentais, pois: (i) viola o direito fundamental à liberdade, uma
vez que implica negação à população LGBT1 de realizar atos que
não prejudicam terceiros e que não são proibidos pela lei; (ii) viola
o direito fundamental à igualdade, pois não há fundamento ló-
gico-racional que justifique a discriminação [negativa] da popula-
ção LGBT relativamente a heterossexuais não-transgêneros”.
A terceira linha argumentativa é de inconstitucionalidade da
mora legislativa por afronta ao princípio da proporcionalidade, na
vertente da vedação de proteção deficiente, e ao direito funda-
mental à segurança da população LGBT (art. 5o, caput, da CR).
Requer: (i) reconhecimento de que o conceito de racismo
abrange homofobia e transfobia, para enquadrar tais condutas na
ordem de criminalização do racismo; (ii) declaração de mora in-
constitucional do Congresso Nacional em criminalizar especifica-
mente a homofobia e a transfobia; (iii) fixação de prazo razoável
para o Congresso Nacional aprovar legislação naquele sentido; e
1 LGBT ou LGBTTT é o acrônimo que designa lésbicas, gays, bissexuais,travestis, transexuais e transgêneros.
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(iv) caso o Legislativo não respeite o prazo estipulado: (iv.1) inclu-
são das práticas discriminatórias fundadas em orientação sexual na
Lei do Racismo (Lei 7.716, de 5 de janeiro de 1989); (iv.2) tipifi-
cação das condutas de homofobia e transfobia, nos moldes que o
Supremo Tribunal Federal entender mais adequados, e (iv. 3) res-
ponsabilização civil do Estado brasileiro, com indenização das víti-
mas de todas as formas de homofobia e transfobia.
O relator solicitou informações aos interessados e parecer da
Procuradoria-Geral da República (peça 6).
O Senado Federal defendeu não conhecimento da ação e
improcedência dos pedidos (peça 3).
A Câmara dos Deputados entendeu ausente omissão incons-
titucional acerca da garantia do exercício de direitos de liberdade e
igualdade dos cidadãos e cidadãs LGBT (peça 14).
A União solicitou ingresso no processo, nos termos do art. 7o,
II, da Lei 12.016, de 7 de agosto de 2009, e manifestou-se por não
cabimento do mandado de injunção (peça 15).
A Procuradoria-Geral da República posicionou-se pelo não
conhecimento do pedido, com extinção do processo sem resolu-
ção do mérito (peça 18).
Em 23 de outubro de 2013, o Ministro RICARDO
LEWANDOWSKI, então relator, não conheceu o mandado de injunção,
sob o fundamento de que “não há em jogo direito subjetivo espe-
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cificamente consagrado na Carta Magna cuja fruição esteja sendo
obstada pela ausência de regulamentação legal” (peça 19).
Dessa decisão, a requerente interpôs agravo regimental, em
que reiterou seus fundamentos e pedidos (peça 21).
A Procuradoria-Geral da República manifestou-se por co-
nhecimento e provimento do agravo, pois a tutela judicial concer-
nente à criminalização da homofobia mantém o estado de
proteção insuficiente ao bem jurídico tutelado e de desrespeito ao
sistema constitucional (peça 40).
Solicitaram ingresso na qualidade de amici curiæ: a Associação
Eduardo Banks (peça 23), o Grupo Dignidade – Pela Cidadania de
Gays, Lésbicas e Transgêneros (peça 42) e o Conselho Federal de
Psicologia (peça 46).
O Min. EDSON FACHIN reconsiderou a decisão monocrática de
não conhecimento da impetração, julgou prejudicado o agravo e
determinou intimação das partes, da Advocacia-Geral da União, da
Procuradoria-Geral da República e dos demais interessados, para
manifestação sobre o mérito (peça 51).
A requerente reiterou as razões da petição inicial e destacou
que os “pedidos mais ambiciosos desta ação restam referendados e
expressamente legitimados pela interpretação sistemática dos arts.
8o, II, e 9o § 1o, da Lei 13.300/2016” (peça 59).
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2. PRELIMINAR
A despeito de o despacho do Min. EDSON FACHIN solicitar
manifestação apenas sobre o mérito da impetração, reitera-se a
inviabilidade do pedido de responsabilização estatal, a fim de in-
denizar as vítimas de todas as formas de homofobia e transfobia.
Objetivo de mandado de injunção (MI) é assegurar exercí-
cio de direitos e liberdades constitucionais, dificultado por au-
sência total ou parcial de norma regulamentadora. “Trata-se, em
suma, de direito-garantia e ação constitucional típica com a fi-
nalidade de, mediante provimento jurisdicional, assegurar a tu-
tela de direitos e garantias constitucionais cuja efetiva fruição
esteja sendo inviabilizada pela falta de atuação, no plano norma-
tivo, do poder público”.2
O rito específico do MI não se coaduna com responsabili-
zação civil do estado brasileiro por mora legislativa. Condenação
do estado por danos causados em decorrência de omissão legis-
lativa deve ser pleiteada por ação própria.
2 SARLET, Ingo Wolfgang; STRECK, Lenio Luiz. Comentário ao art. 5o,LXXI. In: CANOTILHO, J. J. Gomes; MENDES, Gilmar F.; ______ (co-ords.). Comentários à Constituição do Brasil. São Paulo: Saraiva/Almedina,2013, p. 482.
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3. MÉRITO
3.1. HOMOFOBIA COMO CRIME RESULTANTE
DE DISCRIMINAÇÃO OU PRECONCEITO DE RAÇA
O constituinte originário, fundado na metanorma da digni-
dade do ser humano, dedicou-se especificamente à erradicação de
práticas discriminatórias. São exemplos de normas voltadas a essa
finalidade o princípio da igualdade, inscrito no art. 5o, caput, da
Constituição da República, e a promoção do bem de todos, sem
preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras
formas de discriminação, como objetivo fundamental da Repú-
blica, inscrito no art. 3o, IV, da CR. Além disso, conferiu à lei a
função de punir discriminação atentatória de direitos e liberdades
fundamentais (art. 5o, XLI, da CR) e definiu o racismo como
crime inafiançável e imprescritível.
Condutas contrárias à liberdade de orientação sexual pos-
suem nítido caráter discriminatório e violador da dignidade do ser
humano, em patente confronto com esse conjunto de normas
constitucionais. A homofobia decorre da mesma intolerância que
suscitou outros tipos de discriminação, como aqueles em razão de
cor, procedência nacional, religião, etnia, classe e gênero. Conso-
ante explica DANIEL BORRILLO, a lógica perpetrada é a mesma, de
inferiorização de certos grupos e indivíduos:
Enquanto violência global caracterizada pela supervaloriza-ção de uns e pelo menosprezo de outros, a homofobia ba-seia-se na mesma lógica utilizada por outras formas de
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inferiorização: tratando-se de ideologia racista, classista ouantissemita, o objetivo perseguido consiste sempre em desu-manizar o outro, em torná-lo inexoravelmente diferente. Àsemelhança de qualquer outra forma de intolerância, a ho-mofobia articula-se em torno de emoções (crenças, precon-ceitos, convicções, fantasmas...), de condutas (atos, práticas,procedimentos, leis...) e de um dispositivo ideológico (teo-rias, mitos, doutrinas, argumentos de autoridade...).O profundo conservadorismo do conjunto das manifesta-ções de exclusão evocadas reside no fato de que todas elas,por um lado, se inspiram no fundo irracional comum deuma opinião particularmente orientada para a desconfiançaem relação aos outros e, por outro, elas transformam tal pre-conceito corriqueiro em doutrina elaborada.3
Mais à frente, destaca:
[...] O problema da homofobia supera a questão gay, inscre-vendo-se na mesma lógica de intolerância que, em diferentesmomentos da História, produziu a exclusão tanto dos escra-vos e dos judeus quanto dos protestantes; até mesmo os co-mediantes haviam sido, outrora, excluídos do direito aocasamento.À semelhança do que ocorre em relação à diferença culturalentre nacional e estrangeiro (espécie de eufemismo do ra-cismo), a diferença sexual entre heterossexual e homossexual,é apresentada como um indicador objetivo do sistema desi-gual de atribuição e de acesso aos bens culturais, a saber, di-reitos, capacidades, prerrogativas, alocações, dinheiro, cultura,prestígio etc. E, embora o princípio da igualdade seja for-malmente proclamado, é efetivamente em nome das diferen-ças e ao dissimular precavidamente qualquer intençãodiscriminatória, que os dominantes entendem reservar umtratamento desfavorável aos dominados. A construção da di-ferença homossexual é um mecanismo jurídico bem rodadoque permite excluir gays e lésbicas do direito comum (uni-
3 BORRILLO, Daniel. Homofobia: história e crítica de um preconceito. BeloHorizonte: Autêntica, 2010, p. 34-35.
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versal), inscrevendo-os(as) em um regime de exceção (parti-cular). [...]4
A prática de racismo destacada no art. 5o, XLII, da CR,
abrange atos homofóbicos e transfóbicos. De acordo com UADI
LAMMÊGO BULOS, racismo é “todo e qualquer tratamento discrimi-
nador da condição humana em que o agente dilacera a autoestima
e o patrimônio moral de uma pessoa ou de um grupo de pessoas,
tomando como critérios raça ou cor da pele, sexo, condição eco-
nômica, origem etc.”.5
Conforme destacou o Ministro MAURÍCIO CORRÊA, no julga-
mento do habeas corpus 82.424/RS, “limitar o racismo a simples
discriminação de raças, considerado apenas o sentido léxico ou co-
mum do termo, implica a própria negação do princípio da igual-
dade, abrindo-se a possibilidade de discussão sobre a limitação de
direitos a determinada parcela da sociedade, o que põe em xeque a
própria natureza e prevalência dos direitos humanos”.
Em observância ao princípio da igualdade, os crimes previstos
pela Lei 7.716, de 5 de janeiro de 1989, abarcam as condutas ho-
mofóbicas, isto é, atos de discriminação devidos a orientação se-
xual, motivo por que o reconhecimento de sua inclusão naqueles
tipos não ofende o princípio da legalidade em matéria penal. Con-
ceito de raça sob ótica exclusivamente biológica é obsoleto e até
equivocado. Deve sua interpretação ser conferida de acordo com o
princípio da dignidade humana e o estado democrático de direito.
4 BORRILLO, obra citada na nota 3, p. 38-39.5 BULOS, Uadi Lammêgo. Constituição Federal anotada. 10. ed. São Paulo: Sa-
raiva, 2012, p. 253.
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No julgamento paradigmático do HC 82.424/RS, o Min.
MAURÍCIO CORRÊA ponderou:
[...] 85. Como afirmei quando do pedido de vista, revela-seessencial, na espécie, que se proceda a uma interpretação te-leológica e sistêmica da Carta Federal, a fim de conjugá-lacom circunstâncias históricas, políticas e sociológicas, paraque se localize o sentido da lei para aplicá-la. Os vocábulosraça e racismo não são suficientes, por si sós, para se deter-minar o alcance da norma. Cumpre ao juiz, como elementar,nesses casos, suprir a vaguidade da regra jurídica, buscando osignificado das palavras nos valores sociais, éticos, morais edos costumes da sociedade, observado o contexto e o mo-mento histórico de sua incidência. [...]6
Destacou o Min. CELSO DE MELLO que “a noção de racismo –
ao contrário do que equivocadamente sustentado na presente im-
petração – não se resume a um conceito de ordem estritamente
antropológico ou biológica, projetando-se, ao contrário, numa di-
mensão abertamente cultural e sociológica, além de caracterizar,
em sua abrangência conceitual, um indisfarçável instrumento de
controle ideológico, de dominação política e de subjugação
social”.7
A definição de raça e de racismo desenvolve-se de acordo
com o contexto histórico e varia conforme tempo e local; não de-
pende necessariamente de similaridade física entre as pessoas que
compõem o grupo racializado. Em outras palavras, o conceito de
raça é fluido, de maneira que se tornam possíveis o surgimento de
6 Supremo Tribunal Federal. Habeas corpus 82.424/RS. Relator: MinistroMOREIRA ALVES. Redator para acórdão: Min. MAURÍCIO CORRÊA.17/9/2003, maioria. Diário da Justiça, 19 mar. 2004.
7 STF. HC 82.424/RS, cit. na nota 6.
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novos grupamentos considerados raças e o desaparecimento de
outros grupos racializados.
Sobre o conceito histórico de raça, FABIANO SILVEIRA destaca
que a determinação de um grupamento como tal prescinde de
identidade biológica e, por outro lado, depende de “discurso racia-
lizante que permeia as relações intergrupais”.8 Segundo ele, “esse
discurso é construído historicamente por quem recebe o qualifica-
tivo racial, ou por quem o manipula exteriormente (ainda que
manipulação sutil e constantemente negada, como no caso brasi-
leiro), ou por ambos. Como quer que seja, o discurso racializante
não se prende às dessemelhanças físicas entre grupos contrastados,
podendo, inclusive, inventá-las artificialmente. Assim, as diferenças
físicas e/ou culturais entre determinados grupos não criam, elas
mesmas, a ideia de raça. Podem ser capturadas, no entanto, por um
discurso cujo propósito é o de agudizar ao máximo tais diferenças
e de fazer acreditar que elas existem em termos raciais – a tônica
discursiva, com efeito, poderá recair ora sobre o elemento bioló-
gico, ora sobre o elemento cultural, mas, em maior ou menor in-
tensidade, ambos tendem a combinar-se”.9
Considerando o conceito histórico de raça e, por consequên-
cia, de racismo, a homofobia e a transfobia, como comportamentos
discriminatórios voltados à inferiorização do ser humano simples-
mente pela orientação sexual, podem perfeitamente incluir-se en-
8 SILVEIRA, Fabiano Augusto Martins. Da criminalização do racismo: aspectosjurídicos e sociocriminológicos. Belo Horizonte: Del Rey, 2007, p. 82.
9 SILVEIRA, Da criminalização do racismo... , ob. cit. na nota 8, p. 82-83.
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tre os crimes resultantes de discriminação ou preconceito de raça.
É esse, por exemplo, o correto entendimento de GUILHERME DE
SOUZA NUCCI:
[...] Portanto, raça é termo infeliz e ambíguo, pois quer dizertanto um conjunto de pessoas com os mesmos caracteres so-máticos como também um grupo de indivíduos de mesmaorigem étnica, linguística ou social. Raça, enfim, um gru-po de pessoas que comunga de ideais ou comporta-mentos comuns, ajuntando-se para defendê-los, semque, necessariamente, constituam um homogêneoconjunto de pessoas fisicamente parecidas. Aliás, as-sim pensando, homossexuais discriminados podemser, para os fins de aplicação desta Lei, consideradoscomo grupo racial. [...] Ora, se o STF considerou racis-mo, para efeito de considerar imprescritível o art. 20 destaLei, atitudes de anti-semitismo são imprescritíveis, mesmo seconsiderando que o judeu é o adepto da religião denomina-da judaísmo, podendo ser qualquer pessoa, inclusive o quenasceu e se formou católico, mas, posteriormente, conver-teu-se. Dessa forma, parece-nos possível, igualmente, consi-derar racismo a busca da exclusão de outros grupos sociaishomogêneos, exteriormente identificados por qualquer ra-zão. [...] Parece-nos que é racismo, desde que na esteira dainterpretação dada pelo STF, qualquer forma de fobia, dirigi-da ao ser humano, pode ser manifestação racista. Daí porque, inclui-se no contexto da Lei 7.716/89. Nem se fale emutilização de analogia in malam partem. Não se está buscando,em um processo de equiparação por semelhança, consideraro ateu ou o homossexual alguém parecido com o integrantede determinada raça. Ao contrário, está-se negandoexistir um conceito de raça, válido para definir qual-quer agrupamento humano, de forma que racismoou, se for preferível, a discriminação ou o preconcei-to de raça é somente uma manifestação de pensa-mento segregacionista, voltado a dividir os seres hu-manos, conforme qualquer critério leviano e arbitra-riamente eleito, em castas, privilegiando umas emdetrimento de outras. [...] Logo, ser ateu, homossexual,pobre, entre outros fatores, também pode ser elemento de
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valoração razoável para evidenciar a busca de um grupo he-gemônico qualquer de extirpar da convivência social indiví-duos indesejáveis. Não se pode considerar racismo atacar ju-deus, unicamente por conta de lamentáveis fatos históricos,como o holocausto, mas, sobretudo, porque todos são sereshumanos e raça é conceito enigmático e ambíguo, merece-dor, pois, de uma interpretação segundo os preceitos daigualdade, apregoada pela Constituição Federal, em funçãodo Estado Democrático de Direito.10
Portanto, não se trata de defender tipificação por meio de
analogia in malam partem, mas de interpretar conforme a Consti-
tuição o conceito de raça, para adequá-lo à realidade brasileira, em
processo de mutação de conceitos jurídicos – o que é plenamente
compatível com o conteúdo histórico da noção de “racismo”.
Dados do Relatório sobre Violência Homofóbica no Brasil: ano de
2012, elaborado pela Secretaria de Direitos Humanos da Presidên-
cia da República, que abrangem apenas violações relatadas (deixa
de fora, portanto, a chamada “cifra oculta” dessa criminalidade), re-
velam a gravidade e a amplitude dos atos discriminatórios pratica-
dos contra a população LGBT:11
2011 2012Percentual de
aumento
Denúncias 1.159 3.084 166,09%
Violações 6.809 9.982 46,60%
Vítimas 1.713 4.851 183,19%
Suspeitos 2.275 4.784 110,29%
10 NUCCI, Guilherme de Souza. Leis penais e processuais penais comentadas. 2.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 272-273. Sem destaque nooriginal.
11 Disponível em: < http://bit.ly/violhomo2012 > ou< http://www.sdh.gov.br/assuntos/lgbt/pdf/relatorio-violencia-homofobica-ano-2012 >; acesso em 13 set. 2016.
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2011 2012Percentual de
aumento
Média violação/ vítima
3,97 3,23
O relatório ressalta que, a despeito da subnotificação de dados
dessa modalidade de agravo, “os números apontam para um grave
quadro de violências homofóbicas no Brasil: no ano de 2012, fo-
ram reportadas 27,34 violações de direitos humanos de caráter ho-
mofóbico por dia. A cada dia, durante o ano de 2012, 13,29
pessoas foram vítimas de violência homofóbica reportada no
país”.12
Informações do Relatório sobre Violência Homofóbica no Brasil:
ano de 2013 revelam que houve redução no número de casos re-
portados ao Disque Direitos Humanos, o que não significa efetiva
diminuição de atos homofóbicos:
Tais números, no entanto, corroboram a análise feita em2012 sobre o padrão de sobreposição de violências cometi-das contra essa população. É possível perceber que o númerode suspeitos excede o número de vítimas, em uma média de1,29 suspeitos por vítima. Além disso, os dados revelam umamédia de 1,78 violações sofridas por cada uma das vítimas.Esse cenário se torna ainda mais preocupante ao se levar emconta a subnotificação de dados relacionados a violências emgeral e a este tipo de violência em particular. Muitas vezes,ocorre a naturalização da violência como único tratamentopossível, ou a autoculpabilização. Cabe reiterar que as estatísti-cas analisadas ao longo dessa seção referem‐se às violações re-portadas ao Disque Direitos Humanos (Disque 100), nãocorrespondendo à totalidade das violências ocorridas cotidia-namente contra os LGBT, infelizmente muito mais numerosas
12 Idem, ibidem.
14
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do que aquelas que chegam ao conhecimento do poder pú-blico. Salienta-se que a falta de um marco legal queregulamente a punição de atos discriminatórios con-tra a população LGBT aprofunda a dificuldade de re-alização de diagnósticos estatísticos desta natureza.Apesar da subnotificação, os números apontam para umgrave quadro de violências homofóbicas no Brasil: no ano de2013, foram reportadas 9,31 violações de direitos humanosde caráter homofóbico do total de violações no dia. A cadadia, durante o ano de 2013, 5,22 pessoas foram vítimas deviolência homofóbica do total de casos reportados no país.Na tabela a seguir, tem-se o quadro comparativo entre 2012e 2013, onde percebe-se que houve uma diminuição geraldo registro das denúncias junto ao Disque Direitos Huma-nos (Disque 100), com exceção do estado do Piauí, que teveum aumento de 56,7% de denúncias. No entanto, não po-demos inferir que a violência está diminuindo, pois aredução pode estar ligada ao número denúncias efe-tuadas, a problemas técnicos de registro dos dados,entre outros.13
Interpretação atualizada da Constituição da República, calcada
nos princípios da igualdade e da dignidade do ser humano, eviden-
cia que a Lei 7.716/1989 abrange atos discriminatórios e precon-
ceituosos praticados motivados por orientação sexual ou identidade
de gênero.
3.2. OMISSÃO INCONSTITUCIONAL
Omissão legislativa ocorre quando se verifica inércia do le-
gislador em elaborar lei regulamentadora necessária à concretiza-
ção de norma constitucional. “Verifica-se nos casos em que não
sejam praticados atos legislativos ou administrativos requeridos
13 Peça 62 do processo eletrônico.
15
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para tornar plenamente aplicáveis normas constitucionais (art. 103,
§ 2o). Muitas destas, de fato, requerem uma lei ou uma providência
administrativa ulterior para que os direitos ou situações nelas pre-
vistos efetivem-se na prática. Se esses direitos não se realizam por-
que o legislador não produziu a lei, ou o administrador não criou
o ato, dá-se uma omissão inconstitucional”.14
Ao analisar a inércia legislativa, ANNA CÂNDIDA DA CUNHA
FERRAZ caracteriza-a como um dos processos informais de muta-
ção da Constituição:
A inércia provoca mutação inconstitucional na Constituiçãoquando a omissão dos poderes constituídos é intencional,provisória mas prolongada, de tal sorte que paralisa a aplica-ção da norma constitucional, evidentemente não desejadapelo constituinte. Configura, na verdade, uma inconstitucio-nalidade por omissão, figura hoje consagrada inclusive naConstituição Brasileira de 1988. Como modalidade de pro-cesso de mutação da constituição a inércia é processo perni-cioso, que acarreta consequências desastrosas à vidaconstitucional dos Estados. De um lado porque, ao contráriodos demais processos de mutação, raramente busca adaptar aConstituição à realidade. De outro, porque arrasta consigo,quase que invariavelmente, a descrença na Constituição.15
GILMAR MENDES e PAULO GONET BRANCO alertam para a re-
levância do tema da omissão inconstitucional, a qual “é fundamen-
tal sobretudo para a concretização da Constituição como um todo,
isto é, para a realização do próprio Estado de Direito democrático,
14 SILVA, José Afonso da. Comentário contextual à Constituição. 7. ed. São Paulo:Malheiros, 2010, p. 569.
15 FERRAZ, Anna Cândida da Cunha. Mutação, reforma e revisão das nor-mas constitucionais. In: CLÈVE, Clèmerson Merlin; BARROSO, LuísRoberto (org.). Direito Constitucional: teoria geral da constituição. SãoPaulo: Revista dos Tribunais, 2011, p. 791.
16
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fundado na soberania, na cidadania, na dignidade da pessoa hu-
mana, nos valores sociais do trabalho, da iniciativa privada, e no
pluralismo político, tal como estabelecido no art. 1o da Carta
Magna. Assinale-se, outrossim, que o estudo da omissão inconstitu-
cional é indissociável do estudo sobre a força normativa da Consti-
tuição”.16
A necessária criminalização da homofobia e da transfobia não
foi deixada à discricionariedade política do legislador pela Consti-
tuição da República de 1988, a qual dispôs expressamente a res-
peito da punição de qualquer discriminação atentatória a direitos e
liberdades fundamentais, no art. 5º, XLI, e, logo em seguida, deter-
minou tratamento penal específico para a prática do racismo como
crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão (art.
5º, XLII). É verdade que, em ambos os dispositivos, atribui à lei sua
disciplina, mas não é menos verdade que estabeleceu dever espe-
cífico de legislar para proteger tal valor constitucional. A esse pro-
pósito, calha a afirmação de LUIZ CARLOS DOS SANTOS GONÇALVES:
O reconhecimento dos deveres de proteção penal aos direi-tos fundamentais faz o bem jurídico funcionar como limitemínimo, aquém do qual não se podem situar as sanções pe-nais, sob o risco de proteger insuficientemente aqueles di-reitos.17
16 MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso deDireito Constitucional. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 1.285.
17 GONÇALVES, Luiz Carlos dos Santos. Mandados expressos de criminalizaçãoe a proteção de direitos fundamentais na Constituição brasileira de 1988. BeloHorizonte: Fórum, 2007, p. 67.
17
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O texto constitucional, que se refere claramente à punição e
ao tratamento penal, não se satisfaz com “legislação não criminal
punitiva [que] não tem se mostrado apta a coibir a homofobia e a
transfobia”, como aduz a requerente. O art. 5o, XLII, consubstancia
mandado de criminalização, ao qual o Legislativo se encontra vin-
culado, de maneira que não está sob sua discricionariedade crimi-
nalizar ou não práticas racistas. O bem jurídico a ser protegido foi
determinado pela Constituição da República e deve ser protegido
pela atuação legislativa.18
Razões de equivalência constitucional, ancoradas no princí-
pio da igualdade, impõem criminalizar a discriminação e o pre-
conceito contra cidadãos e cidadãs lésbicas, gays, bissexuais, travestis
e transexuais, pois a repressão penal da discriminação e do precon-
ceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional já é pre-
vista pela legislação criminal brasileira (Lei 7.716/1989) e não há
justificativa para tratamento jurídico diverso, sob pena de intolerá-
vel hierarquização de opressões. No elegante dizer do Ministro
ROBERTO BARROSO: “É preciso avançar no processo civilizatório”.19
18 LUCIANO FELDENS, ao comentar essa norma, consigna que o “mandado decriminalização veicula, portanto, uma relação de natureza impositiva quetem como destinatário o legislador, a este competindo a criação de umabrigo normativo, de caráter jurídico-penal, estabelecendo os termos e oslimites dessa tutela, a qual, se por um lado não pode situar-se além doconstitucionalmente permitido (proibição do excesso), tampouco se podeestabelecer aquém do constitucionalmente exigido (proibição de proteçãodeficiente). FELDENS, Luciano. Comentário ao art. 5o, XLII. In: CANO-TILHO, J. J. Gomes; MENDES, Gilmar F.; SARLET, Ingo W.; STRECK,Lenio L. (Coord.). Comentários à Constituição do Brasil. São Paulo: Saraiva;Almedina, 2013,
19 O direito de amar e de ser feliz. In: FERRAZ, Carolina Valença et alii (co-ords.). Manual do direito homoafetivo. São Paulo: Saraiva; IDP, 2013, p. 28.
18
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A determinação de editar normas penais para combater ho-
mofobia e transfobia é, ademais, compromisso internacional da
República. Citem-se alguns documentos pertinentes:
• Resolução 17/19 da Organização das Nações Unidas(ONU) sobre “Direitos humanos, orientação sexual eidentidade de gênero” (14 de junho de 2011), que prevê,no item 2, estabelecimento de “diálogo construtivo, fun-damentado e transparente sobre a questão das leis e prá-ticas discriminatórias e atos de violência contra aspessoas por motivo de sua orientação sexual e identi-dade de gênero”.
• Resolução AG/RES-2435 (XXXVIII-0/08) da Orga-nização dos Estados Americanos (OEA) sobre “Direitoshumanos, orientação sexual e identidade de gênero” (3 dejunho de 2008), semelhante à anterior.
• Recomendação CM/Rec(2010)5 do Comitê de Mi-nistros aos Estados-Membros da União Europeia sobremedidas para combate à discriminação devido a orienta-ção sexual ou de identidade de gênero (31 de março de2010), que exorta os governos a assegurar “que as vítimasde discriminação estejam cientes da existência e tenhamacesso aos meios jurídicos eficazes disponibilizados pelasautoridades nacionais competentes e que as medidas ado-tadas para o combate à discriminação prevejam, se for caso,sanções para as infrações, assim como a atribuição decompensação adequada às vítimas de discriminação”.
• Resolução do Parlamento Europeu sobre homofobiana Europa (Estrasburgo, 16 de janeiro de 2006), cujoitem 9 exorta urgentemente a Comissão a considerar orecurso a sanções penais em caso de violação das direti-vas fundadas no artigo 13 do tratado (que versa sobre ocombate a toda discriminação, inclusive por orientaçãosexual).20
20 LANG, Jack; BORRILLO, Daniel. Homossexuels: quels droits? Paris: Dalloz,2007, p. 81-89.
19
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• Princípios de Yogyakarta (Indonésia, 2006), enuncia-dos pelo painel internacional de especialistas em legisla-ção internacional de direitos humanos, orientação sexuale identidade de gênero – expressamente referidos peloMin. CELSO DE MELLO na ADI 4.277/DF –, entre osquais figura o direito à segurança pessoal, independente-mente de orientação sexual ou identidade de gênero,com o dever de os estados tomarem “todas as medidaslegislativas necessárias para impor penalidades criminaisadequadas a violência, ameaças de violência, incitação àviolência e assédio associado, por motivo de orientaçãosexual ou identidade de gênero de qualquer pessoa ougrupo de pessoas em todas as esferas da vida, inclusive afamiliar”.
Indica a requerente diversos países que já possuem leis de in-
criminação da homofobia e da transfobia ou que a consideram
como fator de agravamento de delitos: Andorra, Bélgica, Canadá,
Croácia, Dinamarca, Espanha, Estados Unidos, França, Grécia, Ho-
landa, Lituânia, Luxemburgo, Portugal, Reino Unido, Romênia e
Suécia.
No plano interno, existe compromisso oficial do governo
brasileiro, exteriorizado no Plano Nacional de Direitos Humanos
(PNDH), desde sua segunda versão (Decreto 4.229, de 13 de maio
de 2002 – anexo, item 116: “Propor o aperfeiçoamento da legisla-
ção penal no que se refere à discriminação e à violência motivadas
por orientação sexual”) até a atual 3a versão (PNDH-3 – Decreto
7.037, de 21 de dezembro de 2009, atualizado pelo Decreto 7.177,
de 12 de maio de 2010).
As normas criminais existentes, que punem de forma genérica
homicídio, lesões corporais e injúria, são notoriamente insuficientes
20
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para prevenir e reprimir atos de homofobia e transfobia, os quais se
qualificam pelo desprezo oriundo de preconceito. Segundo afirma a
petição inicial, “crimes de ódio são socialmente mais graves do que
crimes praticados sem motivação de ódio contra as vítimas por conta
do alto grau de intolerância”. A Constituição (art. 5º, XLI e XLII) e a
legislação criminal (na Lei 7.716/1989) reconhecem explicitamente
que preconceito e discriminação são fundamentos para resposta penal
específica.
Proteção insuficiente é notória hipótese caracterizadora de incons-
titucionalidade por omissão. Trata-se da versão “negativa” da propor-
cionalidade, conforme esclarece PAULO GILBERTO C. LEIVAS:
A proibição da não suficiência exige que o legislador [etambém o administrador], se está obrigado a uma ação, nãodeixe de alcançar limites mínimos. O Estado, portanto, é li-mitado de um lado, por meio dos limites superiores da proi-bição do excesso, e de outro, por meio de limites inferioresda proibição da não suficiência.21
O importante argumento da reserva absoluta de lei (princípio da
legalidade estrita) em matéria penal precisa ser interpretado à luz da
supremacia da Constituição, das determinações específicas de legislar
para proteger a dignidade, do controle de constitucionalidade, da pre-
visão de mecanismos processuais talhados para enfrentamento da
omissão inconstitucional (como o mandado de injunção e a ação di-
reta de inconstitucionalidade por omissão) e do papel do Supremo
Tribunal Federal na concretização constitucional.
21 Teoria dos direitos fundamentais sociais. Porto Alegre: Livraria do Advogado,2006, p. 76.
21
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Ausência de resposta jurídica eficaz ao comando constitucional
de combate à discriminação e ao preconceito contra lésbicas, gays, bis-
sexuais, travestis, transgêneros e transexuais é intolerável em quadro so-
cial no qual centenas de indivíduos são mortos a cada ano
primariamente por causa de sua orientação sexual.22
Caso se entenda que atos discriminatórios contra homossexuais
não estão criminalizados pela Lei 7.716/1989, deve-se reconhecer
ausência de norma regulamentadora que inviabiliza o exercício da li-
berdade constitucional de orientação sexual e de identidade de gê-
nero, bem como da liberdade de expressão, sem as quais fica
inapelavelmente comprometido o livre desenvolvimento da persona-
lidade, em atentado à dignidade do ser humano, que é fundamento
do estado democrático de direito em que se erige a República Fede-
rativa do Brasil (art. 1º, III, da Constituição).
A discriminação e o preconceito contra lésbicas, gays, bissexu-
ais, travestis, transgêneros e transexuais atingem especialmente de-
terminadas pessoas e grupos, o que macula o princípio da
igualdade e acarreta situação especial de grave vulnerabilidade fí-
sica, psíquica e social, em violação ao direito à segurança, impor-
tantes prerrogativas da cidadania. Aduza-se componente
22 Levantamento da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da Repú-blica para o ano de 2012 estimou a ocorrência de 310 homicídios ligados àintolerância em face da orientação sexual da vítima (Relatório sobre violênciahomofóbica no Brasil: ano de 2012, p. 39; disponível em< http://bit.ly/violhomo2012 > ou< http://www.sdh.gov.br/assuntos/lgbt/pdf/relatorio-violencia-homofobica-ano-2012 >; acesso em 13 set. 2016). Esse número é muitoprovavelmente subdimensionado, pelas dificuldades associadas à subnotifica-ção e à identificação da homofobia ou transfobia como móvel da infração.
22
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democrático, dado pelo paradigma do pluralismo, que, segundo
ÁLVARO RICARDO SOUZA CRUZ, “tem por pressuposto a admissão de
respeito e proteção a projetos de vida distintos daqueles considera-
dos como padrão pela maioria da sociedade”.23
Deve ser julgado procedente o pedido de reconhecimento de
mora do Congresso Nacional em editar diploma legal voltado à
criminalização específica de práticas homofóbicas e transfóbicas.
Após mais de treze anos de tramitação, o projeto de lei (PL)
5.003, de 7 de agosto de 2001, aprovado originariamente na Câ-
mara dos Deputados e que se convolou no projeto de lei 122, de
12 de dezembro de 2006, do Senado Federal, foi apensado ao PL
236, de 9 de julho de 2012 (novo Código Penal), também do Se-
nado, e arquivado em 26 de dezembro de 2015.24 Na versão origi-
nal do PL 236/2012, previa-se criminalização da homofobia em
capítulo destinado ao racismo e a crimes resultantes de precon-
ceito e discriminação (arts. 472 e seguintes).
É relevante que o Supremo Tribunal Federal intervenha para
acelerar o processo de produção normativa e conferir concretude
aos comandos constitucionais de punição de qualquer discrimina-
ção atentatória dos direitos e liberdades fundamentais (art. 5º, XLI)
e da prática do racismo como crime inafiançável e imprescritível,
23 O direito à diferença: as ações afirmativas como mecanismo de inclusão so-cial de mulheres, negros, homossexuais e pessoas portadoras de deficiência.2. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2005, p. 71.
24 Disponível em: < http://zip.net/bjrqVc > ou< http://www.senado.gov.br/atividade/materia/detalhes.asp?p_cod_mate=79604 >. Acesso em 13 set. 2016.
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sujeito a pena de reclusão (art. 5º, XLII), os quais geram clara-
mente dever específico de legislar.
Existência de proposta legislativa em discussão no Congresso
Nacional por si não descaracteriza a omissão. A inércia da institui-
ção deve ser avaliada não só quanto à inauguração do processo de
elaboração das leis, mas também no que tange a deliberar sobre
processo legislativo já instaurado (inertia deliberandi), “porquanto só
conferem exequibilidade a normas constitucionais medidas legisla-
tivas actuais e não futuras ou potenciais”.25
O próprio Supremo Tribunal já admitiu configurar-se inércia
do legislador – portanto, omissão inconstitucional – mesmo
quando já tenha atuado, ao propor projeto de lei ou dar início à
tramitação dele. No julgamento da ADI 3.682/MT, cujo objeto
consistiu na omissão do legislador em elaborar a lei complementar
prevista no art. 18, § 4o, da Constituição da República, reconheceu
como omissão antijurídica a demora na deliberação e aprovação da
norma legal:
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADEPOR OMISSÃO. INATIVIDADE DO LEGISLADORQUANTO AO DEVER DE ELABORAR A LEICOMPLEMENTAR A QUE SE REFERE O § 4º DOART. 18 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL, NAREDAÇÃO DADA PELA EMENDACONSTITUCIONAL Nº 15/1996. AÇÃO JULGADAPROCEDENTE.1. A Emenda Constitucional nº 15, que alterou a redação do§ 4º do art. 18 da Constituição, foi publicada no dia 13 de
25 MIRANDA, Jorge. Manual de Direito Constitucional. 3. ed. Coimbra: Coim-bra Editora, 1996. Tomo II (Constituição e inconstitucionalidade), p. 523.
24
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setembro de 1996. Passados mais de 10 ([...]) anos, não foieditada a lei complementar federal definidora do períododentro do qual poderão tramitar os procedimentos tendentesà criação, incorporação, desmembramento e fusão de muni-cípios. Existência de notório lapso temporal a demonstrar ainatividade do legislador em relação ao cumprimento deinequívoco dever constitucional de legislar, decorrente docomando do art. 18, § 4º, da Constituição.2. Apesar de existirem no Congresso Nacional diversos pro-jetos de lei apresentados visando à regulamentação do art.18, § 4º, da Constituição, é possível constatar a omissão in-constitucional quanto à efetiva deliberação e aprovação dalei complementar em referência. As peculiaridades da ativi-dade parlamentar que afetam, inexoravelmente, o processolegislativo não justificam uma conduta manifestamente ne-gligente ou desidiosa das Casas Legislativas, conduta esta quepode pôr em risco a própria ordem constitucional. A inertiadeliberandi das Casas Legislativas pode ser objeto da ação di-reta de inconstitucionalidade por omissão.3. A omissão legislativa em relação à regulamentação do art.18, § 4º, da Constituição acabou dando ensejo à conforma-ção e à consolidação de estados de inconstitucionalidade quenão podem ser ignorados pelo legislador na elaboração da leicomplementar federal.4. Ação julgada procedente para declarar o estado de moraem que se encontra o Congresso Nacional, a fim de que, emprazo razoável de 18 ([...]) meses, adote ele todas as provi-dências legislativas necessárias ao cumprimento do deverconstitucional imposto pelo art. 18, § 4º, da Constituição,devendo ser contempladas as situações imperfeitas decorren-tes do estado de inconstitucionalidade gerado pela omissão.Não se trata de impor um prazo para a atuação legislativa doCongresso Nacional, mas apenas da fixação de um parâme-tro temporal razoável, tendo em vista o prazo de 24 mesesdeterminado pelo Tribunal nas ADI nos 2.240, 3.316, 3.489 e3.689 para que as leis estaduais que criam municípios ou al-teram seus limites territoriais continuem vigendo, até que alei complementar federal seja promulgada contemplando asrealidades desses municípios.26
26 STF. Plenário. ADI 3.682/MT. Rel.: Min. GILMAR MENDES. 9/5/2007, mai-oria. DJe, 5 set. 2007.
25
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Tal ocorre em casos, como o destes autos, em que o processo
legislativo se procrastina há tanto tempo que o efeito prático é o
mesmo daqueles em que inexiste projeto de lei: ausência de regu-
lamentação legislativa para direito constitucionalmente assegurado
ou para outra matéria dela pendente.
Não há como mensurar objetivamente o tempo adequado
para duração do processo legislativo, dada a natureza política dessa
atividade e suas diversas nuanças e variáveis, que se intensificam di-
ante de certos temas a serem analisados e disciplinados. Não obs-
tante, mostra-se necessário juízo de razoabilidade acerca do lapso
para elaboração de normas legais, considerando a natureza da ma-
téria e a urgência da sua disciplina perante os anseios da socie-
dade – e, sobretudo, diante de comando constitucional que exige
interposição do legislador.
Portanto, além da existência de processo legislativo para regu-
lamentar o tema, faz-se necessário agregar critério para aferir a ca-
racterização de omissão inconstitucional do legislador: o da
razoabilidade no tempo de tramitação.
Neste caso, o projeto de lei sobre criminalização de condutas
atentatórias à liberdade de orientação sexual já ultrapassou todo
lapso aceitável de tramitação, de modo que se caracteriza mora le-
gislativa inconstitucional. A Constituição impôs o dever de regula-
mentar a matéria há mais de um quarto de século.
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3.3. PROVIDÊNCIAS DA MORA LEGISLATIVA
Apesar de confirmada mora legislativa e, portanto, omissão
inconstitucional, o Supremo Tribunal Federal não pode impor ao
Congresso Nacional prazo peremptório para finalizar as medidas
necessárias ao cumprimento integral da Constituição.
A partir da ADI 2.061/DF, a jurisprudência da Corte é de
que o prazo de 30 dias para adotar as providências necessárias, em
caso de omissão inconstitucional, previsto no art. 103, § 2o, da
Constituição, se aplica somente às atribuições administrativas do
chefe do Executivo.27
Também é certo que “a Constituição não pode se submeter à
vontade dos Poderes constituídos nem ao império dos fatos e das
circunstâncias. A supremacia de que ela se reveste – enquanto for
27 “AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE POR OMIS-SÃO. ART. 37, X, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL (REDAÇÃO DAEC Nº 19, DE 4 DE JUNHO DE 1998). Norma constitucional queimpõe ao Presidente da República o dever de desencadear o processo deelaboração da lei anual de revisão geral da remuneração dos servidores daUnião, prevista no dispositivo constitucional em destaque, na qualidade detitular exclusivo da competência para iniciativa da espécie, na forma pre-vista no art. 61, § 1º, II, a, da CF. Mora que, no caso, se tem por verificada,quanto à observância do preceito constitucional, desde junho/1999,quando transcorridos os primeiros doze meses da data da edição da refe-rida EC nº 19/98. Não se compreende, a providência, nas atribuições denatureza administrativa do Chefe do Poder Executivo, não havendo cogi-tar, por isso, da aplicação, no caso, da norma do art. 103, §2º, in fine, queprevê a fixação de prazo para o mister. Procedência parcial da ação.” STF.Plenário. ADI 2.061/DF. Rel.: Min. ILMAR GALVÃO. 25/4/2001, un. DJ, 29jun. 2001.
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respeitada – constituirá a garantia mais efetiva de que os direitos e
liberdades não serão jamais ofendidos”.28
Com base nessa compreensão, a jurisprudência recente da
Corte tem flexibilizado o entendimento de que a decisão, nessa
hipótese, deva limitar-se à constatação da omissão inconstitucional.
Tanto no controle abstrato29 quanto no concreto,30 vem admitindo
fixação de prazo para as providências necessárias ao cumprimento
dos deveres constitucionais. Nesse sentido é a decisão na ADI
3.682/MT, já mencionada:
[...] 3. A omissão legislativa em relação à regulamentação doart. 18, § 4º, da Constituição acabou dando ensejo à confor-mação e à consolidação de estados de inconstitucionalidadeque não podem ser ignorados pelo legislador na elaboraçãoda lei complementar federal.4. Ação julgada procedente para declarar o estado de moraem que se encontra o Congresso Nacional, a fim de que, emprazo razoável de 18 ([...]) meses, adote ele todas as provi-dências legislativas necessárias ao cumprimento do deverconstitucional imposto pelo art. 18, § 4º, da Constituição,devendo ser contempladas as situações imperfeitas decorren-tes do estado de inconstitucionalidade gerado pela omissão.
28 STF. Plenário. ADI-MC 293/DF. Rel.: Min. CELSO DE MELLO. 6/6/1990,un. DJ, 16 abr. 1993.
29 Veja-se a ADI 2.240/BA, na qual se declarou inconstitucionalidade sempronúncia de nulidade de lei estadual que criou município, diante de situa-ção fática consolidada, em 9 de maio de 2007. No mesmo sentido, as ADIs3.616 e 3.689/PA, DJ de 29 jun. 2007; e ADI 3.489/SC, DJ de 3 ago.2007, todas de relatoria do Min. EROS GRAU.
30 No MI 283/DF, rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE (DJ, 14 nov. 1991), o STF,pela primeira vez, estipulou prazo para que fosse preenchida lacuna relativaà mora legislativa, sob pena de assegurar ao prejudicado a satisfação de seusdireitos. No MI 232/RJ, rel. Min. MOREIRA ALVES (DJ, 27 mar. 1992), aCorte afirmou que, transcorridos seis meses sem que o Congresso Nacio-nal editasse a lei prevista no art. 195, § 7º, da Constituição, o requerentepassaria a gozar da imunidade pleiteada.
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Não se trata de impor um prazo para a atuação legislativa doCongresso Nacional, mas apenas da fixação de um parâme-tro temporal razoável, tendo em vista o prazo de 24 mesesdeterminado pelo Tribunal nas ADI nos 2.240, 3.316, 3.489 e3.689 para que as leis estaduais que criam municípios ou al-teram seus limites territoriais continuem vigendo, até que alei complementar federal seja promulgada contemplando asrealidades desses municípios.31
Dado o entendimento recente dessa Suprema Corte no que
se refere às omissões inconstitucionais, é cabível estabelecer prazo
razoável, à luz dos parâmetros acima, para que o Congresso Nacio-
nal conclua a deliberação acerca das leis apropriadas.
Na hipótese extrema de o prazo estipulado pelo Supremo
Tribunal Federal não ser observado, a omissão legislativa poderia
ser suprida normativamente pela própria Corte, consoante propôs
FLÁVIA PIOVESAN:
A título de proposição, sustenta-se que mais conveniente eeficaz seria se o Supremo Tribunal Federal declarasse incons-titucional a omissão e fixasse prazo para que o legisladoromisso suprisse a omissão inconstitucional, no sentido deconferir efetividade à norma constitucional. O prazo pode-ria corresponder ao prazo da apreciação em “regime de ur-gência” que, nos termos do art. 64, § 2º, do texto, é dequarenta e cinco dias. Pois bem, finalizado o prazo, semqualquer providência adotada, poderia o próprio Supremo, adepender do caso, dispor normativamente da matéria, a tí-tulo provisório, até que o legislador viesse a elaborar anorma faltante. Esta decisão normativa do Supremo TribunalFederal, de caráter temporário, viabilizaria, desde logo, aconcretização de preceito constitucional. Estariam entãoconciliados o princípio político da autonomia do legislador
31 STF. Plenário. ADI 3.682/MT. Rel.: Min. GILMAR MENDES. 9/5/2007, mai-oria. DJe, 5 set. 2007.
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e a exigência do efetivo cumprimento das normas constitu-cionais.32
Desse modo, será possível acolher o pedido de aplicação da
Lei 7.716/1989 para todas as formas de homofobia e transfobia,
especialmente (mas não exclusivamente), ofensas (individuais e co-
letivas), homicídios, agressões, ameaças e discriminações motivadas
por orientação sexual ou identidade de gênero, real ou suposta, da
vítima. Tal pedido repousa na técnica de interpretação conforme a
Constituição, em que o Supremo Tribunal Federal pode adotar de-
cisão de perfil moderadamente aditivo a partir da legislação exis-
tente. Ao tempo em que se respeita a vontade manifesta do
Legislativo, externada em lei vigente por ele criada, concede-se in-
terpretação extensiva sintonizada à realidade social.
A propósito, está expresso na redação do art. 10 da Lei 9.882,
de 3 de dezembro de 1999 (sobre a arguição de descumprimento
de preceito fundamental) que o Tribunal pode, no momento da
decisão, fixar “as condições e o modo de interpretação e aplicação
do preceito fundamental”, regime que é perfeitamente cabível aos
processos decisórios em questões de constitucionalidade de modo
geral. Essa Corte tem adotado decisões intermédias
(manipulativas), nas quais interpreta textos legislativos e confere
maior ou menor extensão à literalidade, de que são exemplos sig-
nificativos, no âmbito civil, a contemplação das uniões homoafeti-
vas no art. 1.723 do Código Civil (ADI 4.277/DF, relator Min.
32 PIOVESAN, Flávia. Proteção judicial contra omissões legislativas: ação direta deinconstitucionalidade por omissão e mandado de injunção. 2. ed. SãoPaulo: Revista dos Tribunais, 2003, p. 126.
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AYRES BRITTO, julgada em 5 de maio de 2011)33 e, na órbita crimi-
nal, a exclusão, do art. 287 do Código Penal (apologia de crime ou
criminoso), de “qualquer exegese que possa ensejar a criminaliza-
ção da defesa da legalização das drogas, ou de qualquer substância
entorpecente específica, inclusive através de manifestações e even-
tos públicos” (ADPF 187/DF, relator Min. CELSO DE MELLO, jul-
gada em 15 de junho de 2011).
Por fim, em situação extrema, poderia ser acolhido o pedido
maior do mandado de injunção. para que o próprio Supremo Tri-
bunal Federal proceda à regulamentação dos dispositivos constitu-
cionais invocados como carentes de interposição legislativa,
enquanto não sobrevier edição de lei específica pelo Congresso
Nacional. A possibilidade de construção normativa é reconhecida
no quadro atual da jurisdição constitucional e expressamente ofe-
recida na Constituição brasileira por meio do mandado de injun-
ção. Haverá a maior extensão possível aos efeitos do instituto, no
sentido do que se convencionou designar por posição concretista
geral.34
Importará então adotar parâmetros para atuação normativa
concretizadora da Corte. Seria o caso, por exemplo, de utilizar
desde logo o conteúdo do projeto de lei 122/2006 ou dos disposi-
tivos do projeto de Código Penal do Senado (que prevê, no art.
33 A ementa afirma que a interpretação conforme a Constituição destina-se a“excluir do dispositivo em causa qualquer significado que impeça o reco-nhecimento da união contínua, pública e duradoura entre pessoas domesmo sexo como família”.
34 STF. Plenário. MI 712/PA. Rel.: Min. Eros Grau. 25/10/2007, maioria.DJe 206, 30 out. 2008.
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487, o racismo e os crimes resultantes de preconceito e discrimi-
nação, “quando praticado por motivo de discriminação ou precon-
ceito de gênero, raça, cor, etnia, identidade ou orientação sexual,
religião, procedência regional ou nacional ou por outro motivo as-
semelhado, indicativo de ódio ou intolerância”, com pena de pri-
são de um a cinco anos).
Corrobora a jurisprudência desenvolvida pelo STF a Lei
13.300, de 23 de junho de 2016, que dispõe sobre o mandado de
injunção. De acordo com o art, 8o, I, reconhecida mora legislativa,
deve ser deferida injunção para “determinar prazo razoável para
que o impetrado promova a edição da norma regulamentadora”.
Não atendida a determinação pela autoridade impetrada, defere-se
o mandado para “estabelecer as condições em que se dará o exer-
cício dos direitos, das liberdades ou das prerrogativas reclamados
ou, se for o caso, as condições em que poderá o interessado pro-
mover ação própria visando a exercê-los, caso não seja suprida a
mora legislativa no prazo determinado” (art. 8o, II).
Ressalte-se, ainda uma vez, que nenhuma dessas soluções é a
mais apropriada e a mais compatível com o sistema tradicional, mas
todas se impõem como alternativas, diante do comportamento do
Congresso Nacional, que não deu concretização, há mais de duas
décadas e meia, a comando constitucional expresso.
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4. CONCLUSÃO
Ante o exposto, opina a Procuradoria-Geral da República
por conhecimento parcial da impetração e por procedência da
parte conhecida.
Brasília (DF), 13 de setembro de 2016.
Rodrigo Janot Monteiro de BarrosProcurador-Geral da República
RJMB/WCS/CCC-Par.PGR/WS/2.244/2016
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