n° 5 / junho 2018 Rare avança rumo ao lançamento das ... · Rare organizou ainda oficinas de...

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Informativo da Rare Brasil n° 5 / junho 2018 Rare avança rumo ao lançamento das campanhas de seu segundo ciclo de atuação no Brasil Crianças brincando na Resex Mãe Grande de Curuça, Pará. Crédito: Enrico Marone História de sucesso do Ciclo 1: protagonismo feminino nos manguezais de Maragogipe (BA)...................pág. 5 Entrevista com Ricardo Soavinski, ex-presidente do ICMBio ..................................................................... pág. 10 Fique por dentro: oportunidades de trabalho, conselho consultivo, proposta para edital do Fundo Amazônia, parceria pela proteção dos mangues no norte do país.................................................. pág. 17 Entrevistas com Coordenadores de Campanha........................................................................................ pág. 19 Homenagem ao amigo e irmão Waldemar Vergara.................................................................................. pág. 25

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Informativo da Rare Brasil n° 5 / junho 2018

Rare avança rumo ao lançamento das campanhas de seu segundo ciclo de atuação no Brasil

Crianças brincando na Resex Mãe Grande de Curuça, Pará. Crédito: Enrico Marone

• História de sucesso do Ciclo 1: protagonismo feminino nos manguezais de Maragogipe (BA)...................pág. 5

• Entrevista com Ricardo Soavinski, ex-presidente do ICMBio ..................................................................... pág. 10

• Fique por dentro: oportunidades de trabalho, conselho consultivo, proposta para edital do Fundo Amazônia, parceria pela proteção dos mangues no norte do país.................................................. pág. 17

• Entrevistas com Coordenadores de Campanha........................................................................................ pág. 19

• Homenagem ao amigo e irmão Waldemar Vergara.................................................................................. pág. 25

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Capacitação técnica e avaliação socioambiental compõem

esforços da Rare para o fomento do manejo pesqueiro

sustentável e participativo em áreas marinhas protegidas

nos Estados do Pará e Pernambuco

O segundo ciclo de trabalho da Rare no Brasil teve início em março do ano passado, quando foi realizada uma reunião de três dias em Belém, na qual os principais parceiros de sua agenda para o período 2017-2019 puderam discutir e alinhar informações. Nesse novo ciclo, com duração de dois anos, a Rare e sua rede de apoiadores estão empreendendo esforços para a promoção da gestão sustentável da pesca artesanal em áreas marinhas protegidas nos Estados do Pará e Pernambuco, por meio da implementação do programa Pesca para Sempre. A iniciativa visa a proteção dos recursos naturais costeiro-marinhos e a melhoria de vida de famílias que têm no pescado a base para sua sobrevivência, atuando em um total de 10 unidades de conservação que incluem Reservas Extrativistas (Resex) Marinhas e Áreas de Proteção Ambiental (APAs). Dessas áreas, cinco estão situadas no litoral paraense, duas no litoral pernambucano, duas áreas de replicação no Maranhão e uma no Piauí.

As áreas-foco selecionadas pela Rare para sua atuação nesse biênio são as Resex Caeté-Taperaçu, Gurupi-Piriá, Soure, Mãe Grande de Curuçá e São João da Ponta que integram, junto com outras sete áreas, o conjunto intitulado Salgado Paraense, e a APA Estadual de Guadalupe e a APA Federal Costa dos Corais, sendo esta última a terceira maior unidade de conservação (UC) marinha do país, atrás apenas das recém-criadas APA São Pedro e São Paulo e APA Trindade e Martim Vaz. Juntas, as sete UCs deste ciclo cobrem uma área de cerca de 630 mil hectares, dos quais parte dos habitats críticos como zonas de desova e berçários estão na mira da Rare para o fomento do manejo pesqueiro sustentável e participativo. Líderes locais, selecionados pela Rare em cada área, estão à frente

desse trabalho como coordenadores de campanha e vêm sendo treinados para executar as ações na ponta.

Diferentemente da abordagem utilizada pela Rare no primeiro ciclo de trabalho no país – quando atuou em áreas litorâneas distribuídas por cinco Estados com o objetivo de avaliar a potencialidade de sua metodologia em diferentes realidades regionais –, neste segundo momento, a Rare decidiu concentrar a maior parte dos seus esforços em um mesmo território. “O intuito agora é impulsionar o novo modelo de gestão e ganhar escala, demonstrando resultados efetivos no contexto regional e na dimensão sistêmica”, informa Luís Lima, diretor executivo da Rare no Brasil.

Por que o Pará? – O nome do segundo maior Estado brasileiro e o maior da Amazônia significa, em tupi, ‘mar’. Com 200 mil hectares de manguezais exuberantes, o litoral do Pará abriga uma das maiores áreas contínuas desse ecossistema no mundo, que sequestra quatro vezes mais carbono do que qualquer outra floresta tropical. O Estado tem a maior produção oriunda da pesca artesanal no país e ocupa a segunda posição nacional em produção de pescado. O Pará detém a maior quantidade de pescadores artesanais do país – suas Reservas Extrativistas têm mais de 100 mil usuários – e possui uma estratégia de desenvolvimento estadual até 2030 (Programa Pará 2030), que tem a pesca como prioridade. A Rare conta com uma aliança estratégica com o governo do Estado que tem sido fundamental para a construção do programa estadual de Agentes Comunitários da Pesca, que visa capacitar moradores e lideranças locais para atuarem junto aos pescadores

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promovendo a construção de processos participativos de gestão da pesca, o uso sustentável dos recursos pesqueiros e a melhoria da qualidade de vida das comunidades. Por que Pernambuco? – A APA Costa dos Corais, juntamente com a APA de Guadalupe, compõe uma das mais importantes áreas de recifes de coral do país, considerada área prioritária para o governo brasileiro. Ali estão uma das poucas áreas sem pesca em recife de coral no Brasil com série temporal de dados longa e robusta. Além disso, a região é marcada por forte governança e trabalho comunitário e abriga o Centro Nacional de Pesquisa e Conservação da Biodiversidade Marinha do Nordeste (Cepene/ICMBio). O Estado conta com a presença de respeitados cientistas locais atuantes em áreas marinhas protegidas e pesca há mais de 20 anos, que podem ajudar a adaptar e disseminar o modelo de gestão da pesca do camarão para toda a costa, contribuindo para chamar a atenção nacional e para a obtenção do ganho de escala no programa.

Treinamento, espécies-alvo e oficinas - Até o momento já foram realizados três treinamentos dirigidos aos Coordenadores de Campanha, os quais abordaram detalhes sobre o escopo do Programa Pesca para Sempre e a implementação das Campanhas por Orgulho. “A campanha é uma das ferramentas principais utilizadas pelo programa para atingir seus objetivos nas comunidades. Ela combina elementos de marketing social e ciência da conservação para a resolução de problemas socioambientais locais”, esclarece Enrico Marone, gerente da Rare. Em cada área, a campanha identifica as espécies-alvo da ação e, neste novo ciclo, foram selecionadas a tainha, o caranguejo-uçá e espécies de camarão (regionais - amazônico, piticaia, branco e piré - e rosa, branco e sete-barbas). Natali Piccolo, gerente da Rare, conta que a ideia é fazer o monitoramento e o manejo dessas espécies, implementando medidas reguladoras que estabelecem o tamanho mínimo, o tipo de artefato adequado para a pescaria de cada espécie, dentre outras normas. Evitando a sobrepesca, a meta é estabilizar ou incrementar as populações de espécies-alvo a longo prazo.

Coordenadores de Campanha e equipe da Rare durante 2º treinamento, realizado em Belém, Pará.

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Durante os treinamentos, os coordenadores também definiram as metas das campanhas em suas respectivas áreas e aprenderam sobre como conduzir pesquisas quantitativas e qualitativas. A Rare organizou ainda oficinas de treinamento financeiro, nas quais 56 representantes de 10

organizações locais parceiras tiveram informações sobre técnicas, métodos e processos para melhorar suas operações e a gerência financeira, bem como acerca das obrigações legais das instituições.

Em fevereiro deste ano, foram realizadas as oficinas de remoção de barreiras nas sete áreas. No momento, a Rare está sistematizando e analisando as informações geradas para que, durante o quarto treinamento agendado para junho, possa ser concluído o planejamento das campanhas, cujo lançamento está previsto para julho e agosto. A Rare também acaba de fazer uma avaliação da situação socioambiental em todas as áreas. “Os resultados que obtivemos nessas análises irão balizar atividades necessárias para que as campanhas possam criar as devidas condições e os incentivos para a adoção de práticas mais sustentáveis pelos pescadores”, informa Marone.

Treinamento financeiro realizado em Bragança, Pará.

Facilitação gráfica fruto da Oficina de Remoção de Barreiras que ocorreu na APA Costa dos Corais, com pescadores, pesquisadores, ICMBio e lideranças comunitárias.

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História de sucesso - Ciclo 01

Protagonismo feminino nos manguezais de

Maragogipe (BA) resgata o orgulho do cultivo de

ostras na região

Elizabete Soares, como muitas das marisqueiras

de Maragogipe, no Recôncavo Baiano, aprendeu

cedo, com sua mãe, a coletar ostras no

manguezal. Aos 35 anos, ela ainda realiza a

mesma atividade. Todas as manhãs, de segunda a

sexta-feira, Bete, como é conhecida, vai para o

manguezal sozinha ou acompanhada de um

pequeno grupo de marisqueiras. Ela cobre os pés

com botas feitas a partir de pedaços de calças

jeans usadas e atravessa a lama na escuridão, à

procura de ostras. Embora os métodos

tradicionais de coleta não tenham mudado, a

saúde e a prevalência dos manguezais brancos,

pretos e vermelhos de Maragogipe diminuíram

substancialmente desde que Bete era criança,

assim como a quantidade de ostras.

Bete lembra que sua mãe costumava coletar cerca

de três quilos de ostras. "Hoje, há marés nas quais

eu não consigo coletar nem um quilo, e as ostras

são muito menores do que no tempo dela",

afirma. As marisqueiras, mulheres catadoras de

mariscos responsáveis pela maior parte da coleta

de ostras nativas em Maragogipe, vinculam a

queda das unidades populacionais de ostra ao

desenvolvimento de atividades impactantes e à

extração excessiva de recursos na área.

Seus problemas, entretanto, não param por aí:

durante anos, as mulheres também enfrentaram

condições de trabalho intensas e restrição de

acesso aos mercados locais.

No final de 2014, Daniel

Andrade, um

maragogipano que

trabalha na defesa

dos manguezais da

região desde seus 17

anos, tornou-se

Coordenador de

Campanha da Rare, estabelecendo uma parceria

bem-sucedida que ajudou as marisqueiras a

mudar seu status quo. Daniel implementou a

Campanha por Orgulho nas comunidades de

Capanema e Baixão do Guaí, situadas no

município de Maragogipe, para promover o

manejo sustentável de ostras e lambretas, além

da conservação dos manguezais que abrigam

estas espécies. Ele anteviu nas marisqueiras um

papel-chave para liderar a adoção da gestão Elizabete Soares, marisqueira de Maragogipe, BA. Crédito: Enrico Marone

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sustentável local, encorajando-as a se apropriar

de suas múltiplas identidades como coletoras de

mariscos, mulheres e quilombolas - e a canalizar

esses perfis de forma unificada. Três anos depois,

elas emergiram como lideranças locais, com um

forte sentimento de orgulho em relação à sua

profissão e conseguiram equilibrar a produção de

ostras com a conservação dos manguezais.

Maragogipe é um dos três municípios que

compõem a Reserva Extrativista (Resex) Marinha

Baía de Iguape, localizada no litoral da Bahia,

onde os estuários dos rios Guaí e Paraguaçu se

cruzam. Ao todo, 19 comunidades maragogipanas

obtêm seu sustento no manguezal, tendo a pesca

como modo de vida e fonte de alimento e a ostra

como o fruto do mar mais valioso da região. A

coleta dos mariscos de Capanema e Baixão do

Guaí é realizada por um grupo de cerca de 30

marisqueiras, que trabalham arduamente para

atender a alta demanda de ostras advinda do

consumo crescente do mercado baiano.

Marisqueira no mangue de Maragogipe.

Vânia Pereira, 28 anos, vem de uma família de

pescadores e catadores de mariscos de

Capanema. Ela coleta mariscos com a mãe e as

irmãs e, juntas, aprenderam com as gerações

passadas a realizar o extrativismo sem prejudicar

o meio ambiente marinho, escolhendo as ostras

que amadureceram o suficiente e cuidando para

não coletarem excessivamente. "Eu posso

escolher o tamanho e a quantidade de mariscos

que eu quero ou preciso para sobreviver, e deixar

o restante na natureza para que outras pessoas

também possam coletá-los", diz Vânia. Nem

todos na área compartilham desta filosofia,

sobretudo as pessoas de fora da comunidade que

vêm para pescar ou coletar mariscos e deixam um

rastro de degradação ambiental. Vânia já viu

pescadores entrarem com dinamite, destruindo

partes do ecossistema para conseguir uma

captura rápida. "Eles entram, colocam a bomba,

pegam os peixes que morrem no local e vão

embora", relata.

Grandes empresas localizadas no entorno da

Resex Baía do Iguape também comprometeram

os manguezais e outros ecossistemas marinhos

dos quais os maragogipanos dependem. Os

moradores locais citam exemplos desses

empreendimentos, incluindo o Estaleiro

Paraguaçu, da Enseada Indústria Naval, e a Usina

Hidrelétrica Pedra do Cavalo. Segundo Daniel, o

estaleiro destruiu 10 hectares de manguezais,

alterou o movimento das marés e a qualidade da

água, impactando a biota marinha, afetando os

crustáceos locais com a dragagem e acelerando a

erosão das margens dos rios. E, ainda de acordo

com Daniel, a usina hidrelétrica modificou a

hidrodinâmica do rio Paraguaçu, aumentando a

salinidade da água. Como resultado, diversas

espécies de peixes e mariscos desapareceram e a

usina continua a operar sem permissão das

agências ambientais brasileiras. Bete Soares tem

certeza de que existe uma conexão entre as

atividades das empresas e a deterioração dos

ecossistemas locais. "Eles apenas dizem que o

número de pescadores cresceu, mas depois que

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as empresas se estabeleceram aqui, os peixes e os

mariscos desapareceram", conta. "Estou na maré

todos os dias, eu vejo o que está acontecendo".

A presença do estaleiro, da usina hidrelétrica, da

pesca destrutiva e de outras atividades na baía

tornou irreconhecível algumas áreas do

manguezal. E, mesmo que essas forças

antagônicas venham a desaparecer, as

marisqueiras ainda enfrentarão uma série de

riscos ocupacionais. O trabalho de coleta de

ostras nativas traz problemas para a saúde dessas

mulheres. Expostas aos raios UV, elas atravessam

a água poluída pelo saneamento básico

impróprio, pela água de lastro dos navios e por

pesticidas utilizados em fazendas de eucalipto

próximas, o que pode causar lesões na pele.

Várias partes do corpo ficam marcadas por cortes

feitos pelas conchas que coletam e pelo lixo

deixado ao redor dos manguezais. Além disso,

convivem com dores diárias nas pernas, costas,

na cabeça e nos joelhos por terem que agachar

nos manguezais e atravessar trechos com raízes,

lama e água. De posse das ostras e dos mariscos

coletados, as marisqueiras geralmente têm que

repassá-los aos atravessadores, recebendo pouco

por seu árduo trabalho. "O atravessador chega na

nossa porta para pegar as ostras", informou Bete

em uma conversa com Daniel Andrade pouco

antes do início da campanha. "É muito trabalho, o

negociante compra na minha mão por 15 reais,

mas certamente vende por 20 a 25 reais".

Autonomia, identidade e liderança

Em dezembro de 2014, como membro da

Fundação Vovó do Mangue - instituição parceira

da Rare que ele ajudou a fundar em 1997 junto

com um grupo de amigos -, Daniel Andrade se

tornou o coordenador da Campanha por Orgulho,

aproveitando a metodologia de marketing social

da Rare para promover a missão da Fundação de

proteger os manguezais. Seu objetivo era

despertar nas marisqueiras uma liderança

comunitária que poderia inspirar a população de

Capanema e Baixão do Guaí a adotar o manejo

sustentável das ostras e a promover mudanças

sociais e profissionais positivas em suas próprias

vidas.

As marisqueiras já coletavam as ostras nativas há

muito tempo e a campanha buscou ajudá-las a

melhorar a prática por meio de medidas como o

cumprimento do Acordo de Gestão da Resex, que

estipula que os coletores de marisco devem evitar

coletar e vender ostras menores que cinco

centímetros para proteger o ciclo de reprodução

da espécie. Ao mesmo tempo, Daniel olhou para

além do escopo usual da produção de ostra em

Capanema e Baixão do Guaí e incentivou o cultivo

de ostra nas duas comunidades. A adoção do

cultivo de forma sustentável poderia contribuir

para evitar a sobre-exploração de ostras nativas.

Ao longo da implementação das atividades, Daniel

se concentrou em dar autonomia às marisqueiras,

criando uma campanha "com elas" e não apenas

"para elas". Ele tinha consciência de todas as

facetas da identidade marisqueira, incluindo sua

ancestralidade quilombola. "É uma característica

das comunidades quilombolas serem muito

fechadas e desconfiadas de quem vem de fora,

porque é muito comum ver pessoas e projetos que

prometem mil coisas, usam as comunidades e

depois vão embora", diz Daniel. "Então, a

campanha começou literalmente batendo nas

portas dos líderes comunitários, realizando

encontros e comparecendo às reuniões dos

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Conselhos da Resex e Quilombola. Havia todo um

processo de construção de confiança e,

gradualmente, eles perceberam que era uma

proposta diferente". O slogan da campanha

trouxe à tona as raízes das marisqueiras

quilombolas: "Marisqueira com orgulho,

quilombola para sempre”.

As marisqueiras desenvolveram toda a

campanha, do início ao fim, com o apoio de

Daniel e "nada foi escrito ou colocado em prática

sem suas opiniões e decisões", comenta ele.

Dentre as principais ações, destacam-se um

curso de nove meses ministrado pela Secretaria

de Políticas da Mulher do Estado da Bahia, no

qual todas as mulheres de ambas as

comunidades participaram. Elas também

puderam aprender sobre o cultivo de ostra em

viagens às comunidades de Kaonge e Dendê,

onde o cultivo já ocorre há mais de 15 anos. A

campanha contemplou ainda visitas técnicas de

representantes do Bahia Pesca (agência

estadual) e de pesquisadores e estudantes

universitários que acompanhavam as

marisqueiras mensalmente aos manguezais para

saber mais sobre suas condições.

As marisqueiras decidiram construir uma

associação local para impulsionar ainda mais a

gestão sustentável em Maragogipe. "Estamos

criando a Associação de Marisqueiras e

Quilombolas - Mariquilombo - para que a gestão

do cultivo e novos projetos possa ser monitorada

e gerenciada por elas, que ocupam 100% do

quadro", explica Daniel. Caberá à Associação

cuidar da Fazenda de Ostra implementada

durante a campanha, que desde então tem

gerado frutos além das expectativas de Daniel e

das marisqueiras.

A campanha conseguiu atrair novos parceiros

para agregar recursos financeiros

complementares, necessários para a aquisição

do equipamento de aquicultura de ostra e a

instalação de duas unidades de cultivo de ostra,

uma em Capanema e outra no Baixão do Guaí.

Hoje, 30 famílias de marisqueiras - escolhidas por

critérios definidos por elas próprias - gerenciam

as fazendas de ostra. A estrutura é feita de

bambu, os coletores de sementes são produzidos

com garrafas PET e o gerenciamento é

compartilhado. O empreendimento promove a

autonomia dos produtores de mariscos

enquanto assegura a sustentabilidade: o método

pode ser utilizado por todos os pescadores e o

uso de garrafas no cultivo reduz o impacto dos

resíduos plásticos na comunidade. Em 2017, a

fazenda de ostra foi agraciada com o Prêmio do

Consulado da Mulher, da empresa Cônsul,

ganhando R$ 10 mil que serão utilizados para a

aquisição de uma sede da Associação

Mariquilombo. As marisqueiras ainda esperam

encontrar outros recursos para construir uma

cozinha semi-industrial na sede, onde possam

fazer pães, biscoitos e outros produtos de

mandioca.

À medida que as ostras cultivadas crescem, as

marisqueiras usam seus anos de experiência para

coletá-las. "Elas me chamam e enviam vídeos

felizes de cada nova conquista, como quando

juntaram mais de mil sementes de ostras", conta

Daniel. "Elas já sabem como lidar com o cultivo,

sabem quando e como limpar as ostras, trocar os

travesseiros e remover as sementes. Elas já

dominam todas as etapas e fazem tudo por si

mesmas". Combinados, os cultivos de Capanema

e Baixão do Guaí produziram cerca de 1.400

conjuntos de ostras em dúzia prontas para o

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mercado, e as marisqueiras estão se preparando

para realizar sua primeira comercialização de

ostras cultivadas.

Hoje, quando as marisqueiras se dirigem aos

bancos de manguezais, elas usam bonés, luvas,

óculos, botas de neoprene e camisas de mangas

compridas com proteção UV, itens que

compõem um kit de EPIs (Equipamentos de

Proteção Individual) doados pela campanha para

melhorar as condições de trabalho. Elas

mudaram a forma como negociam suas ostras,

passando a vender a dúzia e não mais a unidade,

lidando agora diretamente com clientes finais ao

invés de atravessadores. E, quando falam

perante a comunidade, elas se expressam como

líderes. "Elas se sentem mais confiantes e

orgulhosas do que fazem", observa Daniel.

"Muitas não têm mais medo ou vergonha de

falar em público ou expor suas opiniões". Se

depender de Daniel, elas vão seguir assim.

"Pretendo continuar a aconselhá-las, mesmo

após a conclusão do projeto de parceria entre a

Rare e a Fundação Vovó do Mangue, até que

possam caminhar sozinhas", revela ele. "Esta é a

minha responsabilidade".

Prêmio Consulado da Mulher

Marisqueiras em ação, com os EPIs

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Entrevista com Ricardo Soavinski

O parananese Ricardo Soavinski é graduado em

oceanografia pela Universidade Federal do Rio

Grande (FURG), no Rio Grande do Sul. Em mais de

30 anos de carreira, trabalhou em várias regiões do

Brasil em projetos de pesquisa, monitoramento e

conservação da natureza. Sempre atuando na área

pública, Soavinski já coordenou setores e

programas no Ibama, no Ministério do Meio

Ambiente (MMA) e no Instituto Chico Mendes de

Conservação da Biodiversidade (ICMBio), tendo

ocupado diversos cargos de direção nessas

instituições. Em 2016, deixou a posição de

Secretário de Meio Ambiente do Paraná para

assumir a presidência* do ICMBio, onde é servidor

público da carreira de analista ambiental.

O jovem estudante e o profissional bem-sucedido

guardam em comum o olhar atento para as

espécies e seus habitats, a vontade de trabalhar

pela proteção dos biomas, a preocupação com o

bem-estar das comunidades que residem próximo a

áreas naturais e o respeito à cultura local. Quando

ainda cursava oceanografia, Soavinski participou de

projetos de monitoramento costeiro em Rio Grande

(RS), onde animais como pinguins e lobos marinhos

apareciam mortos ao longo da praia. Ele e seus

colegas salvavam os animais que chegavam cheios

de óleo, eventualmente até levando-os para casa,

caso fosse necessário para sua recuperação.

Fundaram o Núcleo de Educação e Monitoramento

Ambiental (Nema), onde desenvolveram o projeto

“Mentalidade Marítima”, com foco em ações de

educação ambiental na região costeira do Estado. O

intuito era reforçar nas crianças, filhas de

pescadores, o resgate e a importância da questão

marítima e da pesca. Começava ali um forte

interesse por projetos de conservação da

biodiversidade, que o acompanharia em toda sua

trajetória.

Depois de formado, Soavinski mudou-se para a

Paraíba para trabalhar com espécies ameaçadas e

participou da implementação do projeto Peixe-Boi

Marinho no Nordeste, que resultou na criação do

Centro Nacional de Pesquisa e Conservação de

Mamíferos Aquáticos (CMA), hoje vinculado ao

ICMBio. O plano de ação dessa iniciativa

contemplava, além de esforços específicos voltados

para o peixe boi, estratégias para a conservação do

Ricardo Soavinski Crédito: Bruno Bimbato/ICMBio

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habitat, a criação de unidades de conservação e um

trabalho amplo com as populações que viviam

naquela região costeira. Ficava cada vez mais claro

para o oceanógrafo o entendimento sobre a

importância de uma visão abrangente para que se

possa obter resultados efetivos no campo em que

decidira atuar.

Integrante de uma geração que mudou a

perspectiva e jogou luz sobre a necessidade de se

atentar para a importância da conservação

costeiro-marinha no Brasil, Soavinski liderou a

estratégia mais bem-sucedida que o país já teve nos

últimos 30 anos para a criação de áreas marinhas

protegidas. Em dois anos, sob sua gestão no

Instituto Chico Mendes, 10 novas unidades de

conservação terrestres e costeiro-marinhas foram

criadas e 03 foram ampliadas. Ainda que seja

consciente dos enormes desafios e das ameaças a

serem enfrentadas, ele, que se declara um eterno

otimista, tem de fato muito o que comemorar.

* Ricardo Soavinski concedeu esta entrevista à Rare

em 19/04/2018, como presidente do ICMBio, cargo

que ocupava desde novembro de 2016. Poucos dias

depois, ele deixou a direção do órgão e assumiu a

presidência da Companhia de Saneamento do

Paraná.

Qual tem sido a estratégia e o principal desafio do

ICMBio no esforço pela consolidação das Unidades

de Conservação no país?

Principalmente nas últimas duas décadas, tivemos

um quadro bastante forte no que se refere às áreas

protegidas, tanto em quantidade quanto em

território, nas diferentes categorias e nos diferentes

biomas. Na Amazônia isso predominou, com muito

apoio externo inclusive, criando o próprio Arpa

(Programa Áreas Protegidas da Amazônia). Mas

houve um esforço muito grande para a criação de

unidades de conservação. Nós do ICMBio

buscamos fortalecer e ampliar a equipe através de

concursos, aumentar a rede de parceiros, ter

recursos de longo prazo e sempre pensar em

estratégias para que a gente continue ampliando,

como aconteceu recentemente na área marinha.

Qualquer recurso e apoio para as unidades é muito

bem-vindo, mas temos como diretriz a busca de

recurso de longo prazo, que ajude a implementar as

unidades e que ajude também a mantê-las . Nesses

últimos meses, conseguimos criar algumas UCs já

na área oceânica e mais três na costa do Maranhão.

Há outras para serem criadas também, na área

costeiro-marinha, que era um bioma onde

tínhamos menor representação, embora na área de

manguezal grande parte já seja unidade de

conservação. Tem muito esforço nisso, muita

dedicação, o trabalho com quem vive nestas áreas

– os extrativistas, no caso da costa, os pescadores,

os catadores – é de extrema importância para a

consolidação da unidade, principalmente nas zonas

mais conservadas. Lógico que passa por plano de

manejo, por proteção e tal, mas o trabalho vai

muito mais longe, organizando e ajudando a sua

própria formação comunitária e depois

fortalecendo-os e trabalhando nas cadeias

produtivas, que envolve vários setores, como na

área de turismo também. No Brasil, a gente tem um

potencial que é enorme, é fantástico, de paisagens,

de costumes, de experiências incríveis nessas áreas,

mas ainda há poucas UCs abertas à visitação. Temos

que fazer um esforço muito grande para estruturá-

las e, no nosso entendimento, nem sempre é

estrutura física. Em muitos casos temos que

capacitar pessoas, efetivamente ‘criar’ o destino,

colocar no mercado, passando também por um

turismo de base comunitária. Hoje temos 332 UCs

terrestres e costeiros marinhas. Ampliamos

fortemente nesses últimos dois anos, 10 UCs foram

criadas, três ampliadas. Foi um ganho significativo.

Temos que estar sempre revendo procedimentos

de gestão, fortalecendo-os, em alguns casos

simplificando, como os planos de manejo, buscando

novas tecnologias.

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Está em votação na Câmara dos Deputados uma

proposta de lei que cria um fundo privado com os

recursos da compensação ambiental. São recursos

muito significativos, passa de R$ 1 bilhão. Isso está

previsto desde que foi sancionada e aprovada a lei

do SNUC, mas esse recurso foi sendo represado

pela falta de um instrumento de operacionalização

mais ágil e essa medida propõe a criação desse

fundo com um agente financeiro que vai nos ajudar

a operacionalizá-lo. Outra medida que está prevista

nessa proposta de lei é uma flexibilização da

contratação de brigadistas. Durante muitos anos

temos tido uma prática de contratar pessoas locais

nas unidades para nos ajudar na prevenção e no

combate de incêndios florestais, isso é previsto por

lei. Todo ano a

gente contrata

cerca de 1.000 a

1.500 pessoas,

só que a lei

prevê um tempo

máximo de até

três meses e

apenas para essa atividade. Então nós fizemos uma

proposta de estender o tempo para até dois anos e

ampliar o escopo de atuação deles para que possam

trabalhar não só na questão dos incêndios, mas

também na pesquisa, no apoio às ações

socioambientais das unidades, dando um apoio

geral a todo o processo de gestão dessas UCs. A

Medida Provisória foi aprovada na comissão mista

por unanimidade, e isso é raro no nosso

parlamento. Depois da votação na Câmara dos

Deputados vai pro Senado**. Estamos com uma

expectativa muito grande pela sua aprovação,

porque isso vai dar uma dinamizada fantástica nos

processos do ICMBio, principalmente na questão da

regularização fundiária, para a indenizações aos

proprietários de terras privadas dentro de UCs

públicas.

Um desafio enorme que a gente tem é a

comunicação ampla com a população nos nossos

processos, não só de criação de unidades, mas de

participação seja como visitante, voluntário,

pesquisador. Trazer a população para dentro das

UCs e fazer com que ela entenda claramente seus

objetivos. Fazer com que saibam da existência, das

oportunidades que elas trazem, dos serviços que

prestam à sociedade, seja diretamente gerando

renda, emprego, seja indiretamente, por meio da

água que produz, da água que protege, da proteção

da costa contra os efeitos do clima, contra a própria

mudança do clima. Nesse sentido, nós repaginamos

o programa de voluntariado que já tínhamos no

ICMBio há um tempo e nesses últimos três anos o

programa

ganhou

um pulso

muito forte dentro

do país, não só nas

unidades de

conservação, mas

também nos projetos

e nos centros de pesquisa do ICMBio e hoje é um

sucesso. Mais de 100 unidades aderiram ao

programa de voluntariado e só no ano passado

foram mais de 1.500 voluntários participando de

nossas atividades. E isso é muito bacana, não só

porque nos ajuda, ajuda nas respectivas formações,

mas também faz com que essas pessoas – e suas

respectivas redes de relacionamento – passem a

conhecer o dia-a-dia do trabalho nessas unidades.

Isso nos deixa muito feliz. Tem uma série de frentes

de trabalho abertas, com várias instituições, com a

própria Rare e eu creio fortemente – eu

pessoalmente sou sempre otimista ,minha

característica – eu creio que vamos avançar

fortemente na gestão das áreas, não só na criação,

como já estamos criando, mas na gestão e na

disponibilização de todos os serviços que essas

unidades têm a prestar para o país e o planeta.

13

**No dia 08 de maio o senado aprovou a MP que

prevê a criação do fundo com recursos de

compensação ambiental.

Como você vê a questão da pesca no interior de

Unidades de Conservação de Uso Sustentável? O

que pode ser feito para uma gestão mais eficaz e

sustentável destas áreas?

Nosso entendimento é que, ao avançarmos no

processo de gestão e valorização da pesca e

daqueles que pescam nessas unidades, o

ecossistema como um todo tem muito a ganhar.

Pela garantia de proteção a longo prazo, com uma

boa gestão e um bom uso, já que essas áreas são

usadas há muito tempo. Mas há muito a ser feito. A

maioria das unidades que tinham que ser criadas,

eu entendo que foram criadas, isso já é um passo

significativo. Alguns instrumentos de gestão para

boa parte delas já foram feitos também, que são as

chamadas CDRUS (concessão de direito real de uso)

para as associações, para as populações. Os

cadastros das famílias beneficiadas, em sua

maioria, também já foram feitos. Alguns planos de

manejo estão sendo feitos, mas o processo da pesca

em si precisa ser aprimorado, precisa avançar, além

da valorização de toda a cadeia produtiva. Neste

sentido, ainda tem bastante trabalho a fazer. A

legislação mais recente coloca o ICMBio como

responsável por toda a regulamentação da pesca,

inclusive as autorizações da pesca dentro dos

limites das unidades de conservação. Claro que isso

traz um volume de serviço muito maior para a

instituição, mas por outro lado é muito positivo,

porque é o Instituto que tem a gestão, que tem a

relação com as comunidades, com os outros

instrumentos, então isso está correto. O que nós

precisamos fazer é avançar no monitoramento,

ordenamento e também na geração de

conhecimento, numa ótima articulação entre os

usuários. Isso em benefício dos recursos, para o

equilíbrio daquele ecossistema e pela

sustentabilidade das famílias beneficiárias. Cada

linha de ação é um desafio enorme para nós,

considerando a dimensão de cada área, o tamanho

do país e a quantidade de unidades de conservação

e de famílias beneficiárias, mas temos vários

parceiros importantes que estão nos ajudando, e eu

entendo que a gente pode avançar bastante nessa

área. Além das cadeias produtivas, pois é

extremamente importante que elas se

desenvolvam bem para valorizar melhor o produto

e ter uma remuneração mais justa para aqueles que

estão ali e que são os principais beneficiários dessas

unidades.

Fale um pouco da Iniciativa Azul e sobre o impacto

das grandes áreas marinhas protegidas criadas em

março deste ano. Como elas podem ajudar no

processo de consolidação das áreas marinhas

protegidas de forma geral, tanto de uso

sustentável, como de proteção integral no Brasil?

Quando nós começamos esse processo de ampliar

as unidades marinhas, nós fizemos uma proposta

inicialmente denominada Fundo Azul e que agora é

a Iniciativa azul. Já foi objeto de muita reunião, com

várias ONGs, dentro do país, fora do país, dentro do

governo também. Está em via de ser publicado um

documento-base, similar ao que foi feito quando o

país, há uns 20 anos, se comprometeu a ampliar as

áreas protegidas na Amazônia e criou o Arpa. É mais

ou menos parecido, mas agora com outra

modelagem de gestão dos recursos. Ou seja, vamos

buscar ampliar fortemente essas áreas, mas nós

temos que ter os meios, garantidos por longo prazo,

para implantar aquelas que já existem e as novas

que estão sendo criadas. São estratégias de longo

prazo, já que as unidades são criadas com base no

princípio de que são para sempre, então a gente

tem que ter garantias de longo prazo para essas

áreas.

Quanto ao desenho das áreas marinhas que

criamos, nossa estratégia era ter parte como

14

proteção integral – que são os Monumentos

Naturais – nas duas grandes áreas, mais próximo

das áreas emersas e dos montes submarinos, com

uma mega APA (Área de Proteção Ambiental) em

volta – que é de uso sustentável –, voltada mais

para ordenamento da pesca. Nesse caso a gente

colocou a pesca industrial, até pela região em que

elas se encontram. O objetivo foi esse, ter parte

protegido integralmente e parte com ordenamento

do uso. Então é um desafio bastante interessante

também, pois são áreas que, embora a nossa costa

já esteja relativamente bem representada em

termos de unidades de conservação, na parte

oceânica ou de mar aberto, realmente estávamos

bem abaixo do previsto nas metas. Ainda há novas

unidades para serem criadas na costa, em mar

aberto, que estão em estudo.

Sobre o também recente reconhecimento do Sítio

Ramsar nos Manguezais da Amazônia, entre o

Amapá e o Maranhão. Qual a estratégia do ICMBio

para trabalhar na consolidação dessa importante

área?

O objetivo é ter uma valorização maior dessas

áreas, pelo reconhecimento mundial como sítio

Ramsar. Isso dá mais garantias para a conservação

e os usos dessas áreas, até para facilitar a busca de

recursos e o apoio para pesquisa, monitoramento,

para ajudar nas propostas de conectividade entre

essas grandes áreas, os chamados corredores

ecológicos. Para atingir isso precisaremos de uma

estrutura que represente a região como um sítio

Ramsar, então provavelmente faremos nos

próximos meses algumas reuniões na região. A ideia

é ter três comitês estaduais, com população

tradicional e chefes das unidades de conservação e

um comitê ‘nacional’, incluindo a região do Amapá

até o Piauí para podermos fortalecer justamente

esse aspecto de gestão integrada para

conectividade, uso sustentável e busca de recursos.

Do ponto de vista da estratégia, a questão agora é

como nos estruturamos para que haja uma

governança que não se sobreponha à gestão das

UCs. Mas a ideia é falar em nome do Sítio Ramsar e

há três a quatro projetos sendo pensados, inclusive

o da Rare, para essa região.

Quais os próximos passos em relação ao anúncio feito pelo governo do Pará, Rare, ICMBio e Ministério do Meio Ambiente na COP 23, em Bonn, sobre a proteção de uma área de 625 mil ha de mangues no Pará e no Maranhão? Está prevista a criação de novas Resex no Pará? Sim, a gente já tinha feito até a audiência pública no ano passado, antes ainda dessas recém-criadas no Maranhão e tinha um questionamento sobre os limites propostos. Recentemente nós recebemos uma contraproposta do governo do Pará, na qual ele propôs e avaliou os limites. Esse novo desenho, pelo que a gente sabe, foi bastante discutido na região, com as prefeituras. Agora vamos avaliar essa nova proposta e dar andamento ao processo para realmente efetivar a criação dessas unidades. A área diminui um pouco de tamanho, mas é numa região onde já existem várias outras reservas extrativistas e possivelmente será complementada por criações no nível local, tanto pelo Estado ou pelas prefeituras. Isso sai este ano ainda? Aqui no ICMBio, onde nós temos governança,

temos condições de fazer isso andar rápido. Claro

que depois ainda tem um processo de consultas a

vários órgãos, e não é tão simples, até chegar o dia

da assinatura do decreto. Mas vamos nos

empenhar não só nesta como em outras para que a

gente continue o processo de criação. Tomara que

a gente seja bem-sucedido como fomos nessas 11

novas áreas, inclusive ampliando algumas, nestes

últimos dois anos. Espero que continuemos na

mesma toada. Nós vamos continuar empenhados

aqui para isso!

15

Como você vê a parceria com a Rare hoje e quais

são as perspectivas para o futuro?

As parcerias são fundamentais. Temos desde

parcerias para projetos com recursos pontuais até

aquelas maiores, envolvendo mais recursos, às

vezes em área grande, às vezes em temas. E a

parceria com a Rare eu vejo com muito bons olhos,

tanto é que a gente tem se empenhado fortemente.

É uma instituição que tem uma ‘pegada’ muito

interessante, nesse trabalho com a pesca nas

comunidades. O projeto da Rare que busca o apoio

do BNDES, até onde eu tenho acompanhado, está

andando bem, tomara que dê tudo certo! É

importante, muito interessante o arranjo do

projeto. O que está sendo proposto é necessário e

está na linha de toda nossa estratégia institucional

de avançar na implementação das unidades de

conservação. Nesse caso é exatamente o que

precisa ser feito. É um território grande, envolve

muitas famílias e a expectativa é a melhor possível.

A relação entre as instituições é ótima.

Há algo que queira complementar?

Hoje, ao falar em mar, não tem como não abordar

a questão do plástico, do microplástico. Isso é muito

preocupante. A questão do plástico é uma

preocupação global para a qual temos que ficar

muito atentos. E isso envolve principalmente a

gestão ambiental urbana no país, tem muito a ver

com saneamento. Temos que falar de saneamento

de maneira mais ampla, incluindo não só a questão

do esgoto e dos resíduos domésticos, mas também

os resíduos sólidos, a questão da água, a drenagem

urbana, a questão do cuidado com os rios, as bacias,

que vão chegar nos estuários. Criar as unidades de

conservação é extremamente importante, e

implementá-las também. Todas as políticas e os

instrumentos são necessários, mas nós precisamos

de um olhar urgente pro país, e globalmente

falando, para as cidades, onde a maioria da

população reside. E os problemas que acontecem

na cidade vão chegar no meio rural, no meio

natural, via água. Então essas áreas marinhas

costeiras que nós estamos criando precisam de um

olhar para algo que às vezes está a milhares de

quilômetros de distância. É preciso um olhar muito

especial, principalmente para a questão do

saneamento. Temos que envolver mais a sociedade

como um todo, fazer um alerta sobre essas

questões.

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Treinamento Financeiro em Soure, PA

Treinamento Financeiro em Tamandar-e, PE

Treinamento financeiro para organizações locais

Em outubro do ano passado, a Rare organizou sessões de treinamento financeiro voltadas para instituições locais parceiras na implementação de seu segundo ciclo no país. E, graças a um acordo com a Confrem, as organizações de comunidades pesqueiras tradicionais baseadas no entorno das sete áreas protegidas onde a Rare está atuando também participaram da capacitação. No Estado do Pará, foram realizados treinamentos nas cidades de Bragança e Soure e, em Pernambuco, no município de Tamandaré, totalizando 56 participantes que representaram 10 organizações. Cada uma das três sessões realizadas, com duração de dois dias, contou com aulas teóricas ministradas por uma contadora e atividades práticas, tais como elaboração de orçamentos e prestação de contas.

“Na maioria dos casos, as organizações locais têm baixa capacidade administrativa e pouca experiência na gestão de recursos financeiros. Partindo de experiências prévias da Rare com as comunidades, e de sugestões da Confrem, detectamos a necessidade de ofertar um treinamento que visa o fortalecimento dessas instituições, por meio do incremento de suas habilidades gerenciais, de forma que possam gerir de maneira mais eficiente e eficaz os fundos concedidos para a implementação das campanhas”, explica Simone Madalosso, coordenadora executiva da Rare.

O programa contempla aspectos que vão da administração financeira à captação de recursos, passando por questões legais e pela gestão de projetos. Os participantes ficaram satisfeitos com a oportunidade e o aprendizado. “É de grande importância essa assessoria que vocês estão dando para as associações, que estavam querendo até parar, desestimuladas... Nós trabalhamos há 19 anos em um grupo coeso de mulheres, mas a gente não tinha a certeza de como dar o primeiro passo, e agora temos!”, afirmou Marly Lucia da Silva Sousa, da Reserva Extrativista Caeté Taperaçu, no Pará. “Eu sei que a partir de agora nós não vamos mais estar à mercê de políticos mal-intencionados, estaremos a nosso serviço, a serviço das comunidades, populações tradicionais, pescadores artesanais, coletores de caranguejos, mulheres e quilombolas”, comemora. Severino Santos, Coordenador de Campanha na APA Costa dos Corais, também avalia que o curso foi uma contribuição positiva para o desenvolvimento local de sua comunidade: “agora nós estamos aptos a gerenciar melhor a nossa organização”.

Treinamento Financeiro em Bragança, PA.

17

Fique por dentro

Oportunidade no edital do

BNDES/Fundo Amazônia

A Rare submeteu uma proposta para o edital “Consolidação e Fortalecimento de Cadeias de Valor Sustentáveis e Inclusivas”, do Fundo Amazônia. A elaboração do projeto proposto pela Rare – “Pesca Sustentável no Pará e Maranhão” – foi fruto de um esforço coletivo entre a organização e outras instituições envolvidas, representando as 14 Resex no Pará e no Maranhão que constituem as áreas-alvo da iniciativa.

A finalidade do projeto é assegurar a conservação dos manguezais, a melhoria da qualidade de vida, a cultura e o modo tradicional das comunidades locais por meio da promoção do manejo integrado e sustentável da pesca e da construção de cadeias de valor sustentáveis de duas das principais espécies-alvo pescadas na costa paraense e no litoral norte do Maranhão (caranguejo e pescada amarela). A área de abrangência da proposta se insere no maior cinturão contínuo e bem preservado de manguezais do mundo, com cerca de 680 km de

extensão costeira, do Amapá ao Maranhão, englobando cerca de 70% dos mangues brasileiros. Estima-se que as áreas dos manguezais amazônicos, proporcionalmente, estoquem duas vezes mais carbono que a mesma área na própria floresta amazônica se considerada a biomassa do solo, acima e abaixo dele. O projeto tem como área focal quase todo o litoral paraense e o norte do Maranhão, perfazendo 740 mil hectares protegidos (dos quais 218 mil ha são mangues).

Protocolo de intenções firmado com o governo do Estado do Pará

Em fevereiro deste ano, a Rare assinou o protocolo de intenções com o governo do Pará, por meio da Secretaria de Desenvolvimento Agropecuário e da Pesca (Sedap), estabelecendo uma parceria institucional que visa a execução de ações voltadas à mobilização social para conservação e uso dos recursos naturais (principalmente os pesqueiros) das áreas protegidas, situadas na zona costeira marinha do Estado.

Oficina participativa para construção da proposta do Fundo Amazônia, UFRA - Castanhal, PA.

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Parceria interinstitucional pela proteção de mangues no norte do país

Rare, governo do Pará, ICMBio, Ministério do Meio Ambiente e Confrem anunciaram uma parceria pela proteção de 625 mil hectares de mangues da costa norte do país. O comunicado foi feito durante a 23ª Conferência das Partes (COP 23) focada na implementação do histórico Acordo de Paris sobre Mudanças Climáticas, que aconteceu em Bonn, na Alemanha, em novembro passado. A ideia é proteger um cinturão pristino de mangues por meio das unidades de conservação (UCs) marinhas já existentes e da implementação de novas UCs de uso sustentável associadas a áreas de conservação e recuperação dos estoques pesqueiros. Além disso, a iniciativa visa a promoção do desenvolvimento de cadeias de valor sustentáveis para a pesca. Essas áreas de mangue ao norte do país são de extrema importância para prevenir catástrofes naturais, além de serem berçário de várias espécies de pescado.

Conselho Consultivo

Em outubro do ano passado, a Rare realizou uma reunião de seu Conselho Consultivo, à qual dois novos conselheiros se juntaram: Guilherme Azevedo e Roberto Moura. O conselho é hoje formado por seis conselheiros e pela presidente da

organização, Georgia Pessoa. A convite da presidente, a reunião se deu na sede de sua nova casa, o Instituto Humanize. Foram discutidos, entre outros assuntos, a parceria de seis anos entre a Humanize e a Rare; a iniciativa conjunta da Rare com o governo do Pará, o ICMBio, o Ministério do Meio Ambiente e a Confrem pela proteção de 625 mil hectares de mangues na costa do Pará e do Maranhão; os progressos e desafios do último ano de trabalho da Rare; a idéia de abertura de um pequeno escritório em Belém para estar à frente da execução dos trabalhos no Pará; o cenário difícil da pesca no país; o orçamento dos próximos anos; e novas oportunidades de captação como a do BNDES/Fundo Amazônia.

Oportunidades na Rare A Rare está buscando profissionais qualificados para a vaga de Gerente de Operações. Para informações sobre o perfil do profissional e para submeter candidaturas online, favor acessar https://www.rare.org/en-rare-careers#.Wo8vR4PwbIV. Somente serão considerados aplicações e CVs em inglês.

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Entrevistas com Coordenadores da

Campanha por Orgulho

Liderança do movimento de pescadores artesanais comprometida com

a sustentabilidade e a luta pela garantia dos direitos da categoria

Cícera Estevão Batista, Coordenadora da Campanha na Área de Proteção Ambiental (APA)

de Guadalupe

Natural de Rio Formoso (PE) e moradora da zona

rural, desde menina Cícera Batista trabalhou na

roça e na pescaria para ajudar a família, formada

pelo pai agricultor, a mãe pescadora local e seus

nove filhos. Estudou para tornar-se professora do

ensino fundamental e sempre sonhou em ingressar

na universidade para cursar Serviço Social. Em

2017, finalizou o curso pela Unopar, cujo trabalho

de conclusão foi sobre a sustentabilidade da

comunidade de pescadores de Rio Formoso.

Embora não almejasse dar aulas, em 1998 aceitou o

convite para trabalhar com alfabetização de jovens

e adultos na Colônia de Pescadores Z-07, em Rio

Formoso, e seu envolvimento crescente com a

colônia a levou aos cargos de secretária e

presidente da instituição, sendo que ocupa este

último até hoje. As bandeiras de sua gestão são a

defesa da pesca artesanal, o combate aos impactos

ambientais e a luta pelas garantias dos direitos

previdenciários dos pescadores. O

comprometimento de Cícera com os movimentos

dos pescadores também fez dela a representante

das mulheres no Movimento de Pescadores e

Pescadoras (MPP). Ela participou ainda do

levantamento de dados estatísticos da pesca

realizado pelo Instituto Brasileiro do Meio

Ambiente e Recursos Naturais (Ibama), órgão para

o qual trabalhou no litoral sul de Pernambuco no

início dos anos 2000. Em 2017, iniciou o trabalho de

Coordenadora de Campanha da Rare, com o intuito

de fortalecer cada vez mais a vida dos pescadores

artesanais da Área de Proteção Ambiental (APA) de

Guadalupe (PE).

20

Qual a sua relação com a pesca e sua experiência profissional? Eu sou de uma família tradicional da pesca e agricultura familiar. Aos 9 anos iniciei a minha vida na pesca com meus pais, amigos e vizinhos. Meus pais são analfabetos, mas eu tive a oportunidade de estudar. Formei no ensino médio e fui habilitada a lecionar para o ensino fundamental. Porém, continuei pescando. Em 1998, fui chamada a ser professora do programa de alfabetização de jovens e adultos na Colônia de Pescadores de Rio Formoso. Após um período dando aulas, fui convidada para trabalhar como secretária da instituição. A partir deste momento, me envolvi cada vez mais nas causas pesqueiras, participei de reuniões, seminários, trabalhei com a questão de gênero, doenças e direitos dos pescadores. Participei e participo de diversas organizações do movimento pesqueiro, como o MPP (Movimento de Pescadores e Pescadoras), a ANP (Articulação Nacional das Pescadoras) e tantos outros. Na ANP, fui representante das mulheres pescadoras do Estado de Pernambuco por três anos. Em 2011, concorri à presidência da colônia e fui eleita. Sempre tive o sonho de obter graduação em Serviço Social e, como o tempo, esse sonho só aumentava por conta do meu envolvimento na luta dos direitos dos pescadores, especialmente os previdenciários. Anos depois, consegui realizar o meu grande sonho. Graduei e escrevi o meu trabalho final sobre a pesca. Apesar de ter estudado e ser a representante da colônia, nunca deixei de pescar. Hoje pesco porque gosto e não mais para sobreviver. O que é ser um bom líder comunitário? Um líder comunitário precisa ter força de vontade para trabalhar, estar sempre animado para motivar a comunidade, ter garra e, principalmente, entendimento das questões que envolvem a sua comunidade. É importante estar atualizado para se preparar para as discussões com outros atores. Como liderança, não posso desanimar, preciso estimular a minha comunidade, tenho que ser guerreira de verdade. Quando assumi a presidência da Colônia algumas pessoas não confiavam no meu

trabalho porque sou mulher. Existia um machismo muito forte. No entanto, fui ingressando e trazendo projetos para o coletivo, realizando ações comunitárias e mostrando resultados. Hoje muitas pessoas me conhecem pelo meu trabalho e pela minha liderança na comunidade pesqueira. O que você acha do trabalho que a Rare propõe? A Rare faz um trabalho bonito e diferente. Trabalha pelos direitos das comunidades pesqueiras e em favor da conservação do meio ambiente. Esse trabalho me interessa, pois é o mesmo que sempre realizei e em torno do qual busquei concentrar os meus objetivos de luta. A Rare tem muitas novidades dentro da metodologia da campanha. Os treinamentos dos coordenadores e os planejamentos são cansativos, porém o trabalho é muito satisfatório. Aprendemos muitas coisas, não somente sobre a campanha específica das nossas áreas, mas a teoria da mudança, as estratégias de marketing social, como preparar as atividades, entre outros detalhes que não conhecíamos antes. Além disso, existe todo o trabalho de pesquisa de biologia pesqueira, o relacionamento com as instituições governamentais e da sociedade civil. Tudo em paralelo à preparação da campanha. Quando eu compreendi o que era a campanha, me assustei. Contudo, estou conseguindo acompanhar e preparar as ações para o lançamento da campanha. Espero que, como coordenadora, eu possa alcançar os objetivos propostos e, com isso, proporcionar melhoras na qualidade de vida das comunidades pesqueiras. O que você sonha em deixar como legado da campanha para a APA de Guadalupe? Sonho em criar uma Reserva Extrativista (Resex) dentro da APA, combater a degradação dos recursos naturais, conservar o meio ambiente e implantar o ordenamento de pesca. Quero ver o estuário conservado e sem faltar peixes para as comunidades pesqueiras. Quando a campanha acabar, eu espero que as comunidades estejam inseridas nos processos de discussões da gestão compartilhada e na criação da Resex.

Havia, antes da Campanha, alguma mobilização social na comunidade da APA de Guadalupe em prol da sustentabilidade da pesca? Muitos pescadores das comunidades ribeirinhas não sabem que existe uma APA e nem sequer o que é uma. E não havia nenhuma mobilização social nesse sentido. Na sua opinião, qual é a mudança de comportamento mais difícil de ser alcançada? Por que? E o que tem feito para tentar reverter isso? A mudança do uso das malhas “miúdas” é o nosso maior desafio. Os pescadores já usam a técnica há anos, é uma tradição do local. Vai ser bem difícil. Eu acredito que somente a criação de regras poderia melhorar a pesca artesanal localmente, porque hoje a pesca é feita de forma aleatória com malha de diversos tamanhos, principalmente as bem pequenas e fininhas. Todas as vezes que visito as comunidades participantes da campanha converso sobre o uso desses petrechos e o modo de pesca, mostrando porque o uso de malha miúda é prejudicial e enfatizando os benefícios de mudar para um petrecho mais sustentável. Alguns pescadores devolvem para o mar os alevinos (peixes recém-saídos dos ovos), outros não. Esses não estão preocupados com o amanhã. Então, enquanto não tivermos regras, normas e fiscalização, a pesca insustentável continuará acontecendo. O nosso estuário é muito rico, tem muitos peixes, moluscos e crustáceos. Muitas famílias sobrevivem desses recursos naturais, mas se não cuidarmos a tendência é acabar. Mas é importante destacar que tem crescido a participação dos comunitários e das mulheres nas reuniões e ações da campanha, e isso já é uma mudança de comportamento nas comunidades.

Aprendizado, confiança e orgulho em benefício do fortalecimento das

comunidades

Danilson de Avelar Silva, Coordenador da Campanha na Reserva Extrativista (Resex)

Marinha de Soure

Órfão de pai e caçula de seis irmãos, o biólogo

Danilson de Avelar Silva nasceu em Belém (PA). Foi

criado pelos avós paternos em Soure, na Ilha do

Marajó, onde seu avô era pescador e trabalhava

com o transporte de búfalo. A avó, descendente de

indígenas, era benzedeira. Morador de um local

banhado por rio e mar, desde jovem Dan, como é

conhecido, mantém uma relação muito próxima

com a natureza. Suas brincadeiras na infância

sempre envolveram a pescaria e, curioso, buscava

saber sobre a atividade e acompanhava os

pescadores no desembarque pesqueiro. Ali, ouvia

histórias e ajudava. Em troca, ganhava peixes para

levar para casa. Fã de tecnologia e fotografia,

gostava de registrar os eventos e o cotidiano da ilha.

Em um desses momentos, foi convidado por um

gestor do ICMBio à época para participar como

voluntário em diversos projetos na Resex de Soure.

Profissionalmente, trabalhou no projeto Pesca

Sustentável da Unesco, no levantamento das

famílias da resex e no mapeamento das residências.

Na sua opinião, o que um bom líder tem que ter?

Eu gosto de uma frase de um livro que estou lendo:

“para cada esforço disciplinado há recompensas

múltiplas”. Um bom líder precisa se dedicar à sua

causa junto à comunidade, se preparar e trabalhar

para que a comunidade tenha voz, seja reconhecida

e vista. A liderança necessita estimular os

comunitários a conhecerem e reconhecerem a sua

importância. Precisa fomentar o intercâmbio entre

as pessoas e as comunidades vizinhas, auxiliar e

incentivar a discussão sobre diferentes assuntos

pertinentes à localidade. Também, acho importante

trabalhar no âmbito pessoal e fazer com que

as pessoas se admirem e se respeitem.

De que forma sua trajetória pessoal e profissional te preparou para a posição de coordenador de campanha?

As minhas experiências de vida e relações

interpessoais me auxiliam no trabalho. Sou tímido e

uso estratégias para me adaptar às atividades e ao

ambiente. Trabalhei durante um tempo em um

projeto no quartel da Polícia Militar onde aprendi

sobre organização e disciplina. Em meu trabalho

como camelô nas ruas aprendi a conversar com as

pessoas e a estabelecer laços de amizade e

confiança. Uma das minhas paixões – filmar e

fotografar – me fez conhecer as comunidades

intimamente, a vida dos pescadores, as histórias, as

experiências. A relação com a minha família me

23

tornou maduro e forte para enfrentar os desafios da

vida e do trabalho. Além disso, a relação que meus

avós tinham com a natureza e com a pesca também

contribuiu para os conhecimentos locais e

tradicionais que tenho hoje.

A comunidade da Resex de Soure já tinha um

entendimento e uma ação em prol da

sustentabilidade da pesca?

Os comunitários já tinham entendimento de

práticas sustentáveis. Por exemplo, o caranguejo é

pego à mão e as fêmeas não são coletadas. A prática

já está enraizada, essa relação de respeito à

natureza foi passando de geração em geração. A

Resex de Soure foi criada em 2009, mas

anteriormente já existia uma atuação da

associação-mãe com foco nas questões da

conservação e sustentabilidade. Hoje a nossa

campanha foca nos pescadores de camarão e

principalmente nos comunitários mais jovens para

reduzir a pesca predatória. Na época da safra do

camarão marinho vemos pescadores fazendo

arrasto de camarão com saca de cebola. Pega-se

camarão de todos os tamanhos, dos bem

pequeninos até o tamanho ideal. O uso do matapi

(armadilha) de garrafa PET fora do padrão também

é bem utilizado e é um dos nossos desafios na

campanha. Eu descobri uma experiência que deu

certo na Ilha das Cinzas, do outro lado da Ilha do

Marajó. Lá, estão sendo produzidos e utilizados

matapis mais sustentáveis. Deste modo, estamos

avaliando a possibilidade de realizar um

intercâmbio para observar e experimentar.

Como tem sido a receptividade dos pescadores e

comunidade em geral às ações da Campanha?

Qual é a principal expectativa e o maior temor

deles, após o término da campanha?

Estou sempre na comunidade conversando com os

camaroeiros, no entanto, hoje percebo que até

mesmo os pescadores de peixes estão se

organizando e se envolvendo nas diferentes ações.

A associação-mãe também está auxiliando e

estimulando a participação dos comunitários na

campanha. Estamos iniciando as nossas

mobilizações para o lançamento da Campanha e já

existe um “zum zum” na comunidade, todos estão

ansiosos para o lançamento. O maior temor dos

comunitários é em relação ao entendimento

coletivo das áreas de conservação e recuperação

dos estoques. Todos estão preocupados, querendo

saber como essas áreas serão mantidas após a

finalização da Campanha. Independentemente da

Rare, acho importante que continuemos discutindo

na comunidade sobre o assunto para regulamentar

as áreas. É importante buscarmos outros parceiros

para que possamos continuar esse trabalho de

mudança de comportamento das pessoas novas na

localidade e visitantes.

Como você avalia o potencial da Campanha para

resgatar o orgulho dos pescadores em relação à

profissão? Já vê algum sinal disso?

A campanha valoriza o conhecimento tradicional do

pescador e o empodera. O conhecimento

tradicional agrega e complementa o conhecimento

técnico trazido pelos especialistas da Rare. Os

pescadores participam de todo o processo, tudo é

construído com eles e para eles. Por isso, todos

estão se sentindo mais orgulhosos de serem

pescadores e de participarem da Campanha. Eu já

observo que os pescadores estão conversando cada

vez mais nas ruas sobre os objetivos da campanha e

mudanças de comportamento. No entanto,

acredito que ainda é preciso fortalecer mais as

comunidades, enraizar a discussão proposta na

campanha em toda a população.

O que mais tem aprendido ao longo desse

trabalho, de formatação e implementação da

campanha? Qual a principal lição aprendida até

agora?

Tenho aprendido muitas coisas. No início fiquei

assustado, sempre fui “peão”. Eu executava o

trabalho que alguém me solicitava. Eu chegava para

trabalhar e seguia ordens. Hoje, como coordenador

de campanha, tenho que planejar, elaborar e avaliar

as minhas ações e atividades referentes à

implementação da campanha. Isso é muito

importante para a minha formação pessoal e

profissional. Sempre quis escrever projetos, hoje me

sinto mais capacitado para organizar ideias, buscar

parceiros e desenvolver um projeto. Posso aplicar

tudo que aprendi e continuar trabalhando em prol

da comunidade. A principal lição que aprendi é a

confiança. Somos capazes de aprender coisas novas.

Agora, tenho confiança para desenvolver o trabalho

da melhor maneira possível. Me sinto orgulhoso por

poder me dedicar a assuntos que me propus a

estudar e que sempre fizeram parte da minha vida.

Além disso, sinto orgulho de poder manter

financeiramente a minha família, através de um

trabalho que tem um propósito.

25

NOS MANGUE

(Vergara Filho)

Nós somos metade gente,

outra de caranguejo,

seguindo na corrente de um desejo.

Nas nossas veias flui o sangue

das Santas Ceias vindas dos belos mangues.

Louvada seja a maré

que traz no ventre a flor da fé

da porção semente.

Só é pescador aquele que

traz nas mãos o ofício do pescar,

no coração, o sentido do compartilhar

e na sua cabeça, a razão do conservar.

Homenagem ao amigo e irmão Vergara

Por Luis Henrique de Lima - Diretor da Rare Brasil

Há pouco mais de quatro meses nosso parceiro, companheiro e amigo Waldemar

Londres Vergara Filho ou, simplesmente, Vergara, ou melhor ainda, o “Poeta das

Marés”, foi chamado à nova missão, seguindo assim as correntes do infinito que

sempre o guiaram e inspiraram… Uma vida inteira dedicada, e porque não dizer,

ofertada à conservação da vida marinha e à preservação do saber e do viver dos

povos do mangue brasileiro.

Caboclo arretado, paraibano guerreiro, paraense perspicaz, persistente e

sonhador, tornou sua a luta pelo direito mais que legítimo dos povos da maré de

todo o Brasil, de viver e cuidar do lugar que os acolhe, nutre e forja…

Por décadas abraçou, com força e fé, as dores, os amores e sabores do desafio de gestar, parir e cuidar das

Resexs do Salgado Paraense, um dos maiores paraísos e berçários de vida do planeta Terra. Missão cumprida

com simplicidade, cuidado, carinho, dedicação e singular competência, e que nos deixa, agora, a herança, e

principalmente, a responsabilidade de fazê-la vingar e dar frutos dignos da magnitude do seu empenho e

esforço.

O “Poeta das Marés” teve sempre as palavras como instrumento propulsor de sua embarcação na construção

e solidificação de sua rota e missão, e por isso, fechamos nossa singela homenagem republicando uma de suas

mais lindas pérolas sobre o mangue. Siga seu caminho amigo e irmão, e continue iluminando e inspirando o

universo com sua espontaneidade, alegria e poesia!!! Gratidão eterna!!!

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