Na calada da noite, a jovem moça, com um cachimbo na mão, se aproxima do cadeirante.

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Na calada da noite, a jovem moça, com um cachimbo na mão, se aproxima do cadeirante.

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Na calada da noite, a jovem moça, com um cachimbo na mão, se aproxima do

cadeirante.

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No meio do caminho tinha uma pedra.Tinha uma pedra no meio do caminho.

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As mãos fatigadas deixam cair uns trocados e recebem algumas pedras.

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Ela chega em silêncio e parte calada.Palavras não se fazem necessárias.

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Após mais uma venda,

o cadeirante se cobre com um manto sujo, e acende seu

próprio cachimbo.

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A fumaça densa e branca,

de cheiro forte, se mistura com o odor de mofo do

manto sujo.

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O dia amanhece, e a procura pela pedra continua. As mãos

estendidas aguardam ansiosas sua vez na fila.

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A claridade da luz da manhã já não mais afugenta

os que vendeme os que compram.

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Se o plantio de coca no Brasil é irrelevante, como pode haver tanto

crack e tanta cocaína circulando nas ruas e cracolândias,

em todos os recantos do país?

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Um observador incauto poderá pensar que tal fato se deve ao amadorismo

da nossa agência de inteligência, ou à precariedade das nossas instituições

policiais.

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No entanto, quem entende minimamente de segurança pública sabe que

as fronteiras brasileiras são impossíveis de serem fiscalizadas.

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Vejamos o exemplo da fronteira entre o México

e os Estados Unidos – superpotência mundial.

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Mesmo com DEA, CIA, FBI, e o exército mais bem equipado e treinado do mundo,...

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...os E.U.A. não conseguem parar as remessas de

droga que atravessam a sua fronteira diuturnamente.

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Cabe lembrar que a cocaína que atravessa esta fronteira provém da América do Sul.

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O plantio de coca no México é irrelevante.

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Peru, Bolívia, Colômbia e Paraguai

respondem praticamente pela totalidade

da cocaína produzida no

mundo.

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E ao contrário da fronteira seca entre

México e E.U.A.,

a fronteira destes quatro

países com o Brasil é constituída por

densas florestas,

volumosos rios, e amplas

áreas desabitadas.

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O próprio Ministro da

Justiça reconheceu

recentemente que há um

“nível elevado de

vulnerabilidade”

nas nossas fronteiras.

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Por mais bem-

intencionados e esforçados que sejam os

militares brasileirosenquanto realizam

suas heroicas rondas e

patrulhas mata adentro,...

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...infelizmenteo crack e a cocaína

continuam abastecendo

fartamente, dia e noite,

as cracolândias brasileiras.

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Na prática, apresença do Estado

nas fronteiras é meramente

simbólica, longe de efetiva.

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A experiência das últimas décadas demonstrou que

a abordagem policial e

militar do tema redundou

em fracasso absoluto.

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O foco repressivonão só fracassou em reduzir o consumo e a oferta, mas resultou na superlotação dos nossos desumanos

presídios.

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Pequenos traficantes e usuários que

recorrem ao tráfico para

sustentar o vício empilhados

em jaulas feito bichos.

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Àqueles a quem o Estado negou ontem

a Educação, hoje sonega as

mínimas condições para

a ressocialização.

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Em sua maioria,quase totalidade, pretos e pobres, desde sempre

marginalizados, ignorados, excluídos.

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Já que o combate ao tráfico fracassou,talvez devêssemos focar a atenção nos

usuários.

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Quem são estes que povoam as cracolândias?

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Que misérias, sociais e existenciais, os empurraram ao fundo do poço do vício?

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Quem são eles, e que caminhos tortos os conduziram

a uma vida errante, centrada na pedra e no pó?

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Que sucessão de escolhas errôneas os conduziu

a tal flagelo, condenando-os à escravidão do vício?

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O médico e cientista Dráuzio Varella

e outros especialistas em saúde pública

relatam que as drogas se atraem mutuamente.

Em ambientes onde há consumo de bebida

alcoólica, o fumo se prolifera abundantemente

e vice-versa.

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O médico e cientista Dráuzio Varella

e outros especialistas em saúde pública

relatam que as drogas se atraem mutuamente.

Em ambientes onde há consumo de bebida

alcoólica, o fumo se prolifera abundantemente

e vice-versa.

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Tal atração mútua não se limita às drogas

lícitas,mas a toda

e qualquer droga.

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Ou seja, ambientes marcados pelo consumo de bebidas alcoólicas são um terreno fértil

para a proliferação de outras drogas.

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Ou seja, ambientes marcados pelo consumo de bebidas alcoólicas são um terreno fértil

para a proliferação de outras drogas.

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Uma droga chama outras.

Um vício conduz a outros.

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É fato notório que bebidas alcoólicas

constituem uma porta de entrada para outras

drogas, como a cocaína e o crack.

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Os sentidos e a capacidade de

julgamento entorpecidos pelo

álcool quão frequentemente

conduzem ao pó e à pedra.

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Não raro, a lata vazia faz as vezes de cachimbo.

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E o mais cruel é que o consumo do álcool é

absurdamente incentivado.

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As celebridades da hora,

o sorriso escancarado, o incremento das

vendas.

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Artistas com ampla influência sobre jovens, crianças e adolescentes; comerciais que são

verdadeiras superproduções: o consumo cada vez maior e mais precoce.

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Pesquisas apontam um padrão de consumo abusivo,

e cada vez mais precoce no Brasil,entre jovens e adolescentes.

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Como acabar com o tráfico de crack e cocaína quando a porta de entrada é tão suntuosa,

atrativa e escancaradamente insistente?

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Até quando o interesse de um punhado de empresários e donos de emissoras de TV vai prevalecer sobre o bem-estar das crianças,

adolescentes e jovens brasileiros?

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Até quando haveremos de permanecer refénsdos mercadores das drogas ditas lícitas?

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Comerciais bem humorados e recheados de sensualidade

passam a imagem de que beber só traz felicidade.

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Cada vez mais e mais crianças, adolescentes e

jovens são convencidos de que

sem bebida alcoólica não há diversão, nem

felicidade.

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O mergulho no mundo da cerveja acaba por convidar

também ao mergulho no pó

e na pedra.

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“Um governo que quer acabar com o crack Mas não tem moral para vetarComercial de cerveja.”

O multipremiado artista paulistano Criolo, na canção “Duas de Cinco”,

canta:

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“Um governo que quer acabar com o crack Mas não tem moral para vetarComercial de cerveja.”

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Até o dia em que banirmos os

comerciais de cerveja,

toda e qualquer alusão ao combate

às drogas não passa de uma hipócrita

e triste farsa.

“Um governo que quer acabar com o crack Mas não tem moral para vetarComercial de cerveja.”

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Aprecie com moderação.

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