Nabuco e a Governabilidade

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  • 8/14/2019 Nabuco e a Governabilidade

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    O ESTADO DE S. PAULO

    Joaquim Nabuco, cujo centen-rio de falecimento ocorreu em

    janeiro, umadas grandes figu-ras do Brasil. A sua ao polti-ca em prol da abolio e a suareflexo sobre o papel constitu-tivo da escravido na Histrianacional e a importncia de re-construir o Pas, desconstruin-do o seu legado, dele fazem nosum paradigmade homemp-

    blico, mas um intrprete maiordo Brasil. Um Estadistado Imp-rio, a admirvel biografiaque es-creveu sobre seu pai, o senadorNabucode Arajo, ,pelocuida-do documental,pelo apuro anal-tico e pela incomparvel quali-dade da escrita, o livro que con-tinuasendo, na bibliografia bra-sileira, o que oferece o melhoracesso ao entendimento das ins-tituies polticas do Brasil dedom Pedro II. Minha Formao, nas letras brasileiras, um dospontos mais altos da narrativaautobiogrfica.

    Joaquim Nabucofoi o qualifi-cado advogadodo Brasilno con-tencioso territorial com a Ingla-terra a propsito dos limites daGuiana Inglesa, submetido ar-

    bitragemdo rei da Itlia, e o seu

    memorial um exemplo deexpo-sio, com clareza e abrangn-cia, de fatos complicados. Foium grande diplomata, que, co-mo nosso primeiro embaixadorem Washington na poca da as-censo inicial dos EUA no mun-do,mostroucomoum agentedi-plomtico pode abrir caminhosparaseu pasmesclando capaci-dade de formulao, competn-ciapoltica,presena social,irra-diao intelectual e sagaz tratocom a imprensa. Nabuco tam-

    bm foi um importante parceirodeMachadode Assisna consoli-dao da Academia Brasileirade Letras, que, como instituioculturalvoltada paravalorizar opapel dos intelectuais na socie-dade brasileira, precisou, paraisso, reunir, no seu momentoinaugural, monarquistas e repu-

    blicanos num espao comum decortesiae civilidade.

    A esses tantos mritos cabeacrescentar que Joaquim Nabu-co foi, at no calor dos embates,um grande e superior analistadapoltica, capaz,com suapala-

    vra,de associarmovimentoe or-

    dem na sua reflexo. Antecipa,comargcia,no seulivroBalma-ceda (1895), o tema da governa-

    bilidade democrtica, ao exami-nar a crise, no Chile, da confliti-

    va Presidncia Balmaceda, quelevoua umaguerracivile culmi-nouno suicdio do presidente.

    O pano de fundo de Balmace-da republicado em 2008 pelaCosac Naify, com um prefciodo estudioso chileno Jorge

    Edwards e um posfcio de JosAlmino de Alencar insere-seno mbito da crtica poltica deNabuco aos anos iniciais da Re-pblica brasileira. Em 1890, es-crevendo sobre Porque continuoa ser monarquista, dizia: A Re-pblica dos pases latinos daAmrica um governo no qual essencial desistir da liberdadepara obter a ordem. E vatici-

    nou que a Repblica no Brasilh de ser fatalmente uma for-ma inferior de despotismo des-de que no pode ser uma formasuperior de anarquia.

    Floriano Peixoto, na Presi-dncia, confirmou os temoresde Nabuco. Qualificou a gestodo Marechal de Ferro de tirania

    jacobina,fruto de uma combina-o entre Robespierre e o dr.Francia, do Paraguai, que, comdio ao modo do caudilho Ro-sas, da Argentina, instigou a de-gola na Revoluo Federalistado Rio Grande do Sul e, paraconter a Revolta da Armada ese manter no poder, teve de re-correr, paradoxalmente paraum nacionalista, intervenode esquadras estrangeiras.

    Em Balmaceda, Nabuco, pa-ra discutir a capacidade de go-

    vernare a qualidadedo juzopo-ltico, contrapeo espritode re-forma ao esprito sistemtico,cientfico e radical, que gera aintransigncia da convictainfali-

    bilidade. Aponta que Balmace-da fazia parte da famlia dos ra-dicais, agravado pelo fato de serum teorista cru. Por isso em-preendeua ditadurae fezirrom-per no Chile o germe do milita-rismo poltico. Em nossos pa-ses, dizia Nabuco, a nao semantm em menoridadeperma-nente. Da, como aponta Fer-nando HenriqueCardosono elu-cidativo prefcio edio chile-na de 2000 de Balmaceda, a re-correnteatualidadedos fenme-nos de instabilidade polticaana-lisados por Nabuco: populismodo Executivo,inao do Legisla-tivo, fragmentao do sistemapartidrio, estrutura oligrqui-ca do poder, militarismo.

    Nabuco, no tecer reflexivoda narrativade umagrande cri-se poltica, vai alm da crtica aBalmaceda, naqual subjaza cr-tica a Floriano. Antecipa o que

    veio a sero debatereformax re-voluo, para o qual a Histriado sculo20 deuas suas respos-tas. Esclarece, como reformis-ta, o desafio da governabilidadedemocrtica, que o de levaradiante polticas pblicas con-sistentes, que permitam avaliaros governantes pelo resultado

    da sua administrao, compa-rando o estado em que recebe-ram o pas e o estado em que odeixaram. Ilumina os riscos dohiato entre aspiraes e conse-quncias, muito relevante paraa anlise dos refundacionistaslatino-americanos, que veemem Balmaceda um antecipadordas suas propostas.

    Nabuco reala, no post-scrip-tum do seu livro, que o Brasil,

    com a Repblica, comeou afazer parte de um sistemapol-ticomais vasto: o latino-ameri-cano, pois deixou de ser, coma derrocada da monarquia,em cuja evoluo democrticaele acreditava, o institucional-mente diferente na regio um Imprio unitrio de falaportuguesa em meio a mlti-plas Repblicas hispnicas.

    Por isso o observador brasi-leiropara terideia exatada di-reo que levamos obrigadoa estudar a marcha do Conti-nente, a auscultar o murm-rio, a pulsao continental.Neste auscultar destaca, almdosriscosdo desgoverno,a fal-ta de conscincia do Direito,da Liberdade e da Lei. umregistro sobre nuestra Amri-ca queno perdeuatualidadee relevante na identificaodo interesse nacional no con-texto diplomtico da nossafundamental insero regio-nal. No custa lembrar, a pro-psito dos direitos humanos eda clusula democrtica, que,como pontua Nabuco, os des-potismos defendem-se nastrevas, com o dinheiro, com oterror, com o silncio.

    Celso Lafer, professor titularda Faculdade de Direito daUSP, membro da AcademiaBrasileira de Cincias e daAcademia Brasileira de Letras,foi ministro das RelaesExteriores no governo FHC

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    Paradigmadehomempblico, foiumsuperioranalistadapoltica

    A2 ESPAO ABERTO DOMINGO, 21 DE FEVEREIRO DE 2010O ESTADO DE S.PAULO