NÃO DIGA UMA PALAVRA!

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Em uma agradável noite de verão em Vermont, Lisa, uma menina de 12 anos de idade, vai até o bosque atrás de sua casa e nunca mais volta de lá. Antes de desaparecer, ela conta ao seu irmão mais novo, Sam, sobre uma passagem que dá para um lugar mágico, onde irá encontrar com o Rei das Fadas e tornar-se a sua rainha.

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JENNIFER McMAHON

NÃO DIGA UMA PALAVRA!Você é um dos escolhidos?

Tradução:Jacqueline Damásio Valpasso

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Título do original: Don’t Breathe a Word.Copyright © 2011 Jennifer McMahon.Copyright da edição brasileira © 2013 Editora Pensamento-Cultrix Ltda.Texto de acordo com as novas regras ortográficas da língua portuguesa.1a edição 2013.Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou usada de qual-quer forma ou por qualquer meio, eletrônico ou mecânico, inclusive fotocópias, gravações ou sistema de armazenamento em banco de dados, sem permissão por escrito, exceto nos casos de trechos curtos citados em resenhas críticas ou artigos de revistas. A Editora Jangada não se responsabiliza por eventuais mudanças ocorridas nos endereços con-vencionais ou eletrônicos citados neste livro.Esta é uma obra de ficção. Todos os personagens, organizações e acontecimentos retratados neste romance, são também produtos da imaginação do autor e são usados de modo fictício.Editor: Adilson Silva RamachandraCoordenação editorial: Denise de C. Rocha Delela e Roseli de S. FerrazProdução editorial: Indiara Faria KayoAssistente de produção editorial: Estela A. MinasEditoração eletrônica: Fama Editoração EletrônicaRevisores: Liliane S. M. Cajado e Vivian Miwa Matsushita

Jangada é um selo editorial da Pensamento-Cultrix Ltda.Direitos de tradução para o Brasil adquiridos com exclusividade pelaEDITORA PENSAMENTO-CULTRIX LTDA que se reserva a propriedade literária desta tradução.Rua Dr. Mário Vicente, 368 - 04270-000 - São Paulo - SPFone: (11) 2066-9000 - Fax: (11) 2066-9008http://[email protected] feito o depósito legal.

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

McMahon, JenniferNão diga uma palavra / Jennifer McMahon ; tradução Jacqueline Damásio

Valpasso. — São Paulo : Jangada, 2013.

Título original: Don’t breathe a word.ISBN 978-85-64850-24-81. Ficção policial e de mistério (Literatura norte-americana) I. Título.

12-14010 CDD-813.0872

Índices para catálogo sistemático:1. Ficção policial e de mistério : Literatura norte-americana 813.0872

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Em memória de minha avó, dra. Laura Koon Howard, que tinha uma explicação racional para tudo.

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De O Livro das Fadas :

Se este livro está em seu poder, significa que você é um dos

escolhidos. É preciso que compreenda que este privilégio traz

uma grande responsabilidade. O conhecimento contido nestas

páginas irá mudar sua vida para sempre. Mas você deve ter

muito cuidado com quem irá compartilhar tal conhecimento.

O destino de nossa raça depende disso. De você.

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Prólogo

Phoebe

23 D E J U N H O , Q U I N Z E A N O S A N T E S

U m calor dos infernos, sem ar-condicionado, suando a cântaros,

a cama do motel Dedos Mágicos vibrando por baixo dela, o Senhor Sorvete fazendo a parte dele por cima. Sua aparência não é ruim: um pouco barrigudo, mas tem um rosto bonito. Olhos azuis que a fazem pensar em um riacho cristalino. Ou na canção “Crystal Blue Persua-sion”, que a mãe dela ouvia o tempo todo. É claro que ela tinha con-tado isso a ele e agora, de vez em quando, ele canta a música para ela, a ideia dele de preliminares. Preferia que raspasse o bigode, mas, sem chance, pois a esposa adora.

A esposa, no entanto, não gosta de andar de moto. Mas Phoebe, sim. Ele tem uma Harley e a leva para sair todo sábado e, ocasional-mente, à noite, depois de fechar a loja. Vento nos cabelos, insetos nos dentes, a moto rugindo como algo profano debaixo dela. Ele gosta de estacionar no fim de uma estradinha rural escondida no mato, e fazer sexo com ela em cima da moto. Às vezes, Phoebe tem certeza de que é com a moto que ele está transando, não com ela. Mas não se importa. Afinal, é difícil competir com toda aquela pintura lustrosa e o cromado tão reluzente que dá até para ver nele o reflexo dos dois. E isso dá de dez a zero nos garotos do ensino médio, que não levam mais do que cinco minutos no banco traseiro dos carros.

Phoebe não se importa, não. Acabou de fazer 20 anos. Três meses antes, ela se mudara para Brattleboro com as amigas Nan e Sasha. Queria ir mais longe, talvez até mesmo para a Califórnia, para colocar

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a maior distância possível entre ela e a mãe. Mas Sasha tinha um namo-rado em Brattleboro, e Vermont era melhor do que a velha cidadezinha industrial em que havia crescido, em Massachusetts. E quando a mãe dela telefona, caindo de bêbada, para o apartamento em que mora com as amigas, Nan e Sasha atendem com sotaques exagerados, dizendo que é do restaurante Estrela da China. A mãe dela diz: “Phoebe está?” e Nan responde: “Pato à Pequim? Ok. Vai querer empanado chinês? É o especial de hoje”. Então, todas caem na gargalhada.

Moram em um pardieiro alugado baratinho, um apartamento de paredes ensebadas e teto falso com ninhos de esquilos (um até caiu pelo forro quando Sasha estava preparando um macarrão instantâ-neo — ótima história para contar em festas), mas, como raramente paravam em casa, tudo bem. Phoebe servia sorvetes no Casquinha Maluca, um trabalho que pagava a sua parte do aluguel e também a divertia. A maioria das crianças ia ao Casquinha Maluca pelas má-quinas de fliperama, deixando seus níqueis na Garra, na esperança de pescarem um poodle de pelúcia cor-de-rosa e óculos escuros “de grife” fajutos.

Seu chefe, o Senhor Sorvete, é vinte anos mais velho do que ela. Toma medicação para pressão alta e usa sapatos ortopédicos. Tem as costas peludas. Ela tenta não tocar naqueles pelos; contudo, sempre acaba correndo os dedos por eles. Sentindo repulsa, mas, ao mesmo tempo, um impulso irresistível de continuar. Phoebe é assim.

Ela está no colchão encalombado do motel tentando não pensar nos pelos das costas dele, ou que seu hálito está particularmente ruim naquele dia. Rançoso, como carne passada. Talvez o Senhor Sorvete seja, na verdade, um lobisomem. Phoebe imagina-o coberto de pelos, caninos crescendo com a luz da Lua cheia. Já chega. Ela limpa a men-te, tenta relaxar, para deixar os Dedos Mágicos trabalharem por baixo enquanto ele faz a coisa toda por cima. Ela olha para o Senhor Sorvete, que tem os olhos firmemente fechados, o rosto suado, lábios inchados sob o bigode que mais parece uma lagarta (suas amigas acham bem legal ela estar saindo com um cara mais velho e rico), mas o que chama sua atenção é o que está acontecendo na parede atrás dele.

A TV pisca e brilha com a débil claridade azulada do noticiário do começo da noite. Há uma matéria sobre a menina que desapareceu

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em Harmony. Três noites antes, ela fora ao bosque atrás de sua casa e nunca mais voltou. Ela havia dito que existia uma passagem naqueles bosques, em algum lugar nas ruínas de uma antiga cidade havia muito abandonada. Também dissera a seu irmão mais novo que havia conhe-cido o Rei das Fadas e ele iria levá-la para casa, para ser sua rainha.

O repórter dizia que tudo o que restava da aldeia na floresta eram chaminés e buracos de porões. Alguns arbustos de lilás e macieiras nos antigos fundos de quintal. O pequeno povoado chamava-se, iro-nicamente, Reliance*, e nunca constou de nenhum mapa. Desapareceu sem explicação. Talvez todos os habitantes tenham morrido de gripe espanhola, em 1918. Ou, talvez, segundo a lenda local, os cinquenta e tantos moradores simplesmente tenham evaporado no ar — ligeiro brilho no olhar do repórter neste trecho, porque todo mundo adora uma boa história de fantasma, não é mesmo?

— Alguns dos habitantes da cidade com quem conversei afirmam ter ouvido, ao longo dos anos, barulhos estranhos vindos dos bosques: gemidos fantasmagóricos, choro. Alguns dizem até que, se alguém passar por ali em determinada noite do ano, vai ouvir o diabo sussur-rar o seu nome. Outros dizem ter visto uma névoa verde que às vezes assume a forma humana.

A câmera mostra o close-up de uma mulher idosa com a face muito enrugada:

— A floresta não é lugar para crianças. Reliance é mal-assombrada e todo mundo sabe disso. Eu nem sequer deixo o meu cachorro solto por ali.

O repórter diz que não há vestígios da menina desaparecida, a não ser um único pé de tênis rosa e prata, encontrado em um buraco de porão. Um Nike tamanho 35.

Em seguida, a câmera se move para trás e mostra os bosques, que poderiam ser os bosques de qualquer lugar, de qualquer cidadezinha.

Phoebe desvia a atenção da TV, tenta se concentrar no aqui e ago-ra. Passa os dedos pelo pelame (há mais agora?) das costas do Senhor Sorvete.

* Confiança. (N. da T.)

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Mas, ainda assim, se pega pensando naqueles bosques de Har-mony, imaginando onde a passagem pode estar. Em um tronco de ár-vore grosso? Atrás de uma rocha?

A maioria das pessoas diria que tais passagens não existem. Ima-ginação.

Mas Phoebe conhece a verdade, não é mesmo?Não olhe debaixo da cama.Uma gota de suor do Senhor Sorvete pinga no peito de Phoebe,

dando-lhe um calafrio.É realmente uma idiotice. Loucura. O fato de que, em cada cama

em que ela dormira desde a infância, entulhara tudo que podia ali de-baixo: caixas pesadas de livros que ela nunca leria, sacos de lixo cheios de suéteres e sapatos.

— Você é tão organizada — Nan e Sasha se admiravam.Mas fazia aquilo por medo. Porque, quando era pequena, via o

alçapão debaixo da cama que só aparecia nas horas mais escuras da noite. Ouvia o esgaravatar, o ranger das dobradiças quando era aberto. E ela via o que saía de lá.

E ela sabe (não sabe?) que às vezes ele ainda está lá, não apenas de-baixo da cama, mas nas sombras no ponto de ônibus, espreitando com os gatos de rua por trás da caçamba de lixo de seu prédio. Está em toda parte e em lugar nenhum. Um borrão pego pelo canto do olho. Uma risada zombeteira, que ela diz para si mesma que foi só imaginação.

Phoebe estremece.O Senhor Sorvete termina com um rugido de lobisomem.— Como foi? — pergunta ele, quando recupera o fôlego.— Como tomar um sundae — responde ela, tentando banir todos

os pensamentos sobre passagens e as coisas que possam sair delas.— Com uma cereja em cima? — pergunta ele, sorrindo.— Hum — diz ela. — Impossível não adorar essa cereja...Ele ri e rola de cima dela.— Ei — diz ela —, nós tamo perto de Harmony?— “Estamos.” — Ele sempre corrige a gramática de Phoebe, mas,

na verdade, a gramática dela é muito boa; só fala assim, às vezes, para irritá-lo. — E, sim, acho que é a cidade vizinha.

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— Podemos passar por lá antes de voltarmos. Eu quero ver os bos-ques onde a garota desapareceu.

E lá está ele novamente, no canto de trás do quarto, fora de seu campo de visão. A figura sombria aprova com a cabeça, sorri. Ela o pressente mais do que vê. Phoebe se vira e ele já não está lá.

E ntrando na cidade de Harmony, um pouco depois da fazenda lei-

teira com um silo em ruínas, eles passam por uma enorme pedra com o Pai-Nosso entalhado na frente. Phoebe memorizara aquelas pala-vras no ano em que frequentou a escola dominical, quando a mãe dela namorava o caminhoneiro cristão-renascido, que usava um brilhante adesivo de Jesus no painel do carro.

Phoebe aperta os braços em volta da cintura do Senhor Sorvete en-quanto recapitula as palavras mentalmente: E não nos deixeis cair em tentação, mas livrai-nos do mal.

Ela sente um calafrio apesar do calor e de sua grossa jaqueta de cou-ro com um milhão de bolsos e zíperes — que começara a exibir quando ainda estava tentando fazer com que o Senhor Sorvete a notasse.

A estrada fez uma curva para a esquerda, levando-os ao centro da cidade. À direita, a Igreja Metodista de Harmony, com um anún-cio no quadro de avisos diante dela prometendo um grande bazar no sábado. Abaixo do anúncio, em letras maiúsculas, lia-se: OREMOS PELO RETORNO DE LISA, SÃ E SALVA. Do outro lado da rua, uma mercearia, uma agência dos correios e uma pizzaria. Há um maldito circo da mídia armado no vilarejo, o que deixa o Senhor Sorvete ner-voso à beça: não quer que a mulher o flagre com sua nova garota no noticiário da noite.

— Vou esperar aqui, enquanto você dá uma olhada por aí — diz ele, estacionando a moto na frente da mercearia.

Não é difícil encontrar a casa da menina. Caminhando pela via principal, Phoebe vira na Spruce Street e vê um bangalô grande e anti-go com um gramado descuidado, pintura descascando e uma varanda precisando de uma balaustrada nova. Diante dela, vans de equipes de reportagem e carros de polícia. Uma multidão de pessoas está ali, ape-nas olhando, atraída pela desgraça como limalhas de ferro por um ímã.

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Phoebe para do outro lado da rua, suando dentro do casaco pesado enquanto estuda a casa que um dia devia ter sido bonita, acha ela. No andar de cima, na janela do canto superior esquerdo, um garoto abre a cortina e espia todo aquele movimento. Veste uma camiseta do Super--Homem. Seu cabelo escuro está desgrenhado, caindo nos olhos. Ele olha para a multidão, para Phoebe e, de repente, ela entende que não deveria estar ali. Ir até lá fora um erro. Mas era como tocar os pelos das costas do Senhor Sorvete.

— Você está aqui para ver as fadas? — pergunta-lhe uma menina.— Hein? — diz Phoebe, virando-se para ver quem falava.A menina tem cerca de 10 anos, vestida de cor-de-rosa da cabeça

aos pés. Traz presa à roupa uma bússola de plástico, pequena e barata como um brinde de caixa de cereal. Seus braços pálidos, saindo da blusa de manga curta de babados, estão marcados com vergões ver-melhos.

— Achei que talvez você fosse como os outros. Que tivesse vindo ver as fadas. Porque eu posso lhe mostrar algo realmente especial que pertence ao próprio Rei das Fadas. Por cinco dólares eu lhe mostro.

Phoebe olha novamente para a janela, vê que o garoto foi embora. Procura nos bolsos de seu jeans, puxa uma nota de cinco amarrotada e dá a ela.

— Vem comigo — diz a menina.Elas atravessam a multidão e as vans de reportagem, descendo a

rua até uma casa branca. Entram no quintal e vão para os fundos, pas-sando por um balanço e uma horta que precisa urgentemente ser rega-da. Em seguida, a menina entra na floresta e aconselha:

— Fique perto de mim.E Phoebe quer dizer a ela que esqueça, que não precisa ver. Que

droga, ela não tem certeza de quanto tempo o Senhor Sorvete vai espe-rar, já são quase cinco horas agora, a esposa espera que ele chegue em casa a tempo para o jantar. A menina se move rapidamente.

— Espere! — chama Phoebe, indo atrás dela.Ela se lembra da velha no noticiário: “A floresta não é lugar para

crianças”.Elas correm por entre as árvores, ao longo de um riacho, para onde

o bosque fica mais escuro. Phoebe quer voltar, mas é tarde demais.

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Ela nunca vai encontrar o caminho de volta sem ajuda. Não há trilha, nenhum marco. É o mesmo em todas as direções: árvores e pedras, pedras e árvores. Descem uma colina onde a floresta se abre em uma clareira. E, então, Phoebe vê que à distância, à esquerda, a fita amarela de “cena do crime” foi passada em volta das árvores.

— Por aqui — diz a menina, levando-a em outra direção.— O que é aquilo? — Phoebe pergunta. — O lugar em que Lisa

sumiu? Aquilo é Reliance? A menina sorri: — Tudo isso é Reliance, moça.Então, enquanto caminha, a menina começa a cantarolar uma can-

ção que Phoebe meio que reconhece. Enquanto ela prossegue, a melo-dia se transforma em “Crystal Blue Persuasion”, o que Phoebe sabe ser impossível, pois ninguém com menos de 40 anos escuta aquela música, mas é o que ela está ouvindo.

— O que é que você está cantarolando? — pergunta Phoebe.— Eu? Eu não estou cantarolando — a garota de rosa responde.

— Espere aqui um minuto. Eu já volto. — A menina corre na frente, parando para olhar por cima do ombro a fim de se certificar de que Phoebe permaneceu no lugar.

Phoebe consulta o relógio, ansiosa para voltar à Main Street, para o Senhor Sorvete, que a espera na mercearia. Ela o imagina dando uma olhada nos cartões-postais pegajosos, nas balas velhas, nos repelentes de inseto. Puxando conversa com o proprietário. Ele parece se sentir como se fizesse parte de um clube, junto com todos os pequenos co-merciantes: eles contra o mundo.

Está tudo quieto. Muito quieto. Phoebe não ouve um único pássa-ro ou mosquito. Pensa na oração do Pai-Nosso. Que coisa louca para gravar na pedra. Por que não “Bem-vindo a Harmony”? Ela começa a recitar a oração, depois se detém. Idiota.

Onde, afinal, estão todos os pássaros?Galhos estalam. Uma sombra se move por entre as árvores. Phoebe

prende a respiração, e então solta o ar quando avista a menina de rosa que passa por entre os arbustos logo adiante. Ela traz um saco de papel nas mãos. Phoebe a observa correr em sua direção, sorrindo, a pequena bússola sacolejando presa à blusa.

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— Olhe — diz ela, empurrando o saco aberto para Phoebe, que o segura e espia lá dentro. A primeira coisa que percebe é o odor: cheiro de terra, vagamente podre. Então, percebe que o que está vendo são dedos, inchados e curvos.

Phoebe grita, deixa cair o saco, dá uns passos para trás.A menina, desapontada, balança a cabeça negativamente para

Phoebe e, em seguida, pega o saco, abre-o, enfia a mão lá dentro. Phoe-be quer gritar, pedir que não toque naquilo, não lhe mostre mais nada. Mas quando a menina puxa a coisa para fora, Phoebe constata que é apenas uma luva. Couro cru, espesso, conservando o formato da mão que antes cobria.

— É dele — fala a menina.— De quem? — Phoebe pergunta, aproximando-se, querendo tocá-

-la, mas com medo. A luva é grande, coberta de manchas marrons e, de certo modo, toda esquisita. Há um dedo a mais costurado ao lado do dedo mindinho, pontos pretos e malfeitos, como suturas. Uma luva “Frankenstein”.

A menina sorri, acaricia suavemente o couro macio do dedo extra: — Do Rei das Fadas.

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