Não doe para o Haiti - Demétrio Magnoli

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  • 8/9/2019 No doe para o Haiti - Demtrio Magnoli

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    NodoeparaoHaiti

    Estarrecido, comotodos ns, pelatragdia humanado Haiti ps-ter-remoto, um ami-goconverteuace-

    lebrao de seu aniversrio emevento de captao de doaesparaoshaitianos.Odinheiroar-recadado no chegar nunca spessoas que perderam o quasenadaquetinham.Serdesviadopara financiar os intermedi-riosentreomundoeodevasta-do pas caribenho: as ONGs in-ternacionais, s vezes associa-

    dasdiminuta,cleptocrticaeli-tehaitiana.Jeraassimantesdoterremoto.Piorou depois.

    Estadodespidodesoberania,o Haiti um protetorado daONU governado pelas ONGs.Obviamente, existem ONGsbem-intencionadas, mas no esseoponto.Oexperimentoul-traliberaldeaboliodasobera-niaedoautogovernoequivaleanulao da cidadania dos hai-tianos.Aspessoasnotmdirei-tos, a no ser o de aguardar nafila at que o funcionrio deuma ONG lhes estendam umprato de comida. assim h

    anos, bemantes do terremoto.A soberania haitiana acaboujuntocomsuarecente,turbulen-ta democracia, em fevereiro de2004, quando foras america-nas e francesas sequestraram opresidenteJean-BertrandAristi-deeodepositaramnaRepblica

    Centro-Africana. Naquele mo-mento, a pedido de George W.Bush,o Brasilassumiu a lideran-a da Misso dasNaes Unidas

    deEstabilizaodoHaiti(Minus-tah).AONUnorestaurouade-mocracia,masforneceucobertu-ra poltica e sustentao militarparaainstalaodeumarremedode governo emanadode eleiessemliberdade.Emseisanos,reali-zaram-se uma eleio presiden-cialeduasparlamentares.Nenhu-ma teve a participao de Aristi-de, compulsoriamente exilado,nemdesuaorganizao,aFanmiLavalas,omaiorpartidohaitiano,impedidodeconcorrerporchica-nasburocrticasdocomiteleito-ral.comoseoPTfosseproibidodedisputareleiesnoBrasil.

    Politicamente, o Haiti atual fruto do protetorado da ONU.Operam no pas 9 mil ONGs,uma taxa per capita inigualada

    emqualqueroutrolugar.Nare-pblica das ONGs, mesmo an-tesdoterremoto, noexistiana-da parecido com um Estado equase nenhum sinal de serviospblicos.Pertode85%dascrian-

    as estudam em escolas priva-das.Otransportepblicopriva-do,assimcomoadistribuiodegua. Contam-se 6 mil policiaisem todo o territrio, mas 15 milagentesdeempresasdeseguran-a. Os servios de sade so, nasuamaioria,operadosporempre-sasprivadas.OHospitalGeraldePortoPrncipe, um dosraros es-tabelecimentospblicos,encon-tra-se circundado por clnicas efarmciasprivadas,deproprieda-de dosmdicosdo hospital.Ne-nhuma das empresas dedicadasa fornecerservios pblicosestsubmetidaa agnciasestataisde

    vigilncia. Mas virtualmente to-dasatuamcomotentculosdire-tos ouindiretos dasONGs.

    Aquilo que se faz passar porum governo nacional no passadeumacoleodedespachantesdas entidades privadas interna-cionais. Todos os ministroshai-tianostmconexescomoscon-selhos locais das ONGs. Muitosdelesexercemfunesdeconse-lheiros de diversas ONGs. At oViva Rio, uma ONG brasileiramuitomenospoderosaqueabri-tnicaOxfamouaamericanaCa-re, conta com os prstimos deum ministro. A nao sem Esta-

    do,semgovernoesemdemocra-cia transformou-se em reservadecaadessasorganizaes,quefuncionamcomolagoasdecapta-odosfinanciamentosdeinsti-tuies multilaterais e das doa-esinternacionais.Ningumco-nhecedefatoosoramentosdosentes estrangeiros engajados naobra humanitria de salvao

    dos haitianos.Umaltooficialdasforasbrasi-

    leiras da Minustah narrou, numencontro acadmico, um revela-

    dorepisdiosingular.Anosatrs,umaONGdecidiulimparumca-naldeguaspluviaisacuabertodePortoPrncipe queestava en-tupidoporlixoresidencial.Oofi-cialmilitarargumentouqueaini-ciativa seria intil, pois inexistiaserviodecoletadelixoeosresi-dentes, encapsulados em mora-diasde13metrosquadrados,notinham alternativa para se livrardo lixo. Os responsveisonguei-rosretrucaramque,apsalimpe-za,acomunidadeseencarregariade conservar o canal desimpedi-do. A teoria subjacente que oHaiti noprecisade Estado,mas

    dacooperaoentreasONGseopovo.Mesesdepois,ocanalesta-va novamente entupido.

    O Haiti das imagens da TV umamassahomogneademise-rveis salpicadaporgangues cri-minosas.OHaitideverdadedi-ferente.O pas tem intelectuais,escritores e uma imprensa semdinheiro, mas com ideias. Entreoshaitianoshprofissionaisqua-lificados em quase todas asreas, da medicina engenharia,passando pela educao e pelasletras.Elesstmtrabalhoquan-do conseguem ingressar na rededasONGs.

    Existe diferenciao social noHaiti. De um lado, em enclavespatrulhadosporforas privadas,reside uma elite muito rica, quenoparticipadiretamente da vi-dapoltica,masexercepoderpormeiodefigurasinterpostasebe-neficia-se da pervasiva, assom-brosa corrupo oficial. De ou-tro, nos EUA existe uma classemdiaformadoporexiladoshai-tianos que partiram como rea-o absoluta ausncia de segu-rana jurdica na sua ptria. Oscercade 600mil imigrantes hai-tianosnosEUAnoinvestemnoHaiti, pois temem perder seus

    modestos patrimnios, mas en-viamdinheiroaos familiares. Osmiserveis das paisagens exibi-das na TV subsistem, essencial-mente, com as rendas transferi-daspelosexilados,querepresen-tamalgocomoumquartodoPIBecircundamosistemadedesvioderecursosdasONGs.

    Nosimprioseuropeusdos-culo 19, as administraes colo-niaisdedicavam-seasubjugarosnativos,masaomenosimplan-tavamserviospblicosbsicos,em geral de baixa qualidade.NoHaiti sob protetorado da ONU,nem isso se faz. O povo deve

    mendigar s ONGs cujas sedesficamemWashington,Paris,Ot-tawa ou no Rio de Janeiro. Nodoe para o Haiti. Voc estardoandoparaasONGs.

    SOCILOGO E DOUTOREMGEOGRA-

    FIA HUMANA PELA USP. E-MAIL: DE-

    [email protected]

    DEMTRIOMAGNOLI

    u z ar os esqu a 1 5 -1 7

    Voc estar doando paraas ONGs cujas sedesficam em Washington,Paris, Ottawa ou no Rio

    LOREDANO