Naomar Paraninfo BI Humanidades 2012

download Naomar Paraninfo BI Humanidades 2012

of 4

Transcript of Naomar Paraninfo BI Humanidades 2012

  • 8/3/2019 Naomar Paraninfo BI Humanidades 2012

    1/4

    SAUDAOAOSFORMANDOSNOBACHARELADOINTERDISCIPLINAREMHUMANIDADESDAUNIVERSIDADEFEDERALDABAHIA

    Queridosalunosealunas

    uma grande honra ter sido eleito como Paraninfo da primeira turma do BachareladoInterdisciplinaremHumanidadesdaUniversidadeFederaldaBahia!

    AfunodeParaninfo,quemecabeporcontingncia,umpapelpblicopordefinio.GostariadereafirmarminhacondiodeParaninfocoletivoourepresentativo,enocomopessoa homenageada, ao compartilhar este privilgio com todo o corpo docente doInstituto Milton Santos de Humanidades, Artes e Cincias, formado por intelectuaistalentosos que, sob a liderana de gestores acadmicos dedicados, como o ex-DiretorAlbinoRubim,oDiretorSrgioFarias,oCoordenadorJosSacchetta,avice-Coordenadorangela Franco, com a ajuda de consultores comprometidos, como o ex Vice-Reitor

    Francisco Mesquita e o ex Pr-Reitor Maerbal Marinho, tm enfrentado e vencidoobstculos e resistncias implantao de um novo modelo de ensino numa das maistradicionais universidades brasileiras. Registro aqui a contribuio valiosa dos colegaslamoPimentel, Joo Augusto RochaeAna Fernandes, e especialmenteAndrMattedi,para enriquecer a discusso dos principais pontos desta aula, tornando-a de fato umtrabalhoamuitasmos,obradeumParaninfocoletivo.

    ParabemdesempenharahonrosafunodeParaninfo,emconfrontoeemprotestocontraa subtrao do espao universitrio pelo cerimonialismo terceirizado, busqueicompreender e recuperar tradies das solenidades de colao de grau assimiladas daritualsticadaUniversidadedeCoimbra,nossaalmamater,sobretudoaquelasportadorasdesentidoacadmico-pedaggico.

    Achei clara e precisa explicao do papel de Paraninfo na brilhante Aula do ProfessorBriquetdeLemos,comoParaninfonumaformaturadaUnB,em1998:

    naGrciaantiga,nmpheeraamoa,geralmentebela(lembremosdosentidoatualdeninfeta),eraanoiva,eraaqueestcobertacomumvu,eserparanmpheeraestaraoladodela(par,emgrego),e porextensoao ladoou conduzindoos nubentes. Para os romanos, queherdaramdosgregosomesmosentido,haviaaparanympha(madrinhadanoiva)eoparanymphus(padrinhodonoivo).Oconceitooriginalomesmodopadrinho,dolatim patrinus,queodiminutivodepater.Aquelequesubstituiopai,queprotege.(http://www.briquetdelemos.com.br/artigo04)

    Em diferentes edies da Wikipdia, encontrei informaes intrigantes: Na antiqssimaUniversidadedeParis,paranymphesconduziamchancelaria(ouReitoria)oscandidatosaosgrausacadmicos;omesmotermodesignavaodiscursodefelicitaoaosaprovadosnaarguio.NaHolanda,aindahojeosparanimfenparticipamdadefesadetese,dadoqueo doutoramento era considerado como um matrimnio com a universidade. Nasuniversidadesibero-americanas,apalavraparaninfodesignaosalonobreondeocorremeventosimportantes,especialmenteascerimniasdeposse,mastambmoutros,comooatodeaberturadocurso,conferncias,palestras,aulasmagnas.Otermooriginalmenteseaplicavaaobedelqueanunciavaaentradadasturmasnosalodeatos.Umdadocurioso:omais revolucionrioe transgressordospoetas franceses, CharlesBaudelaire, sub-intitulaumdospoemasdoclssicoFleursduMal,publicadoem1851,comoleParanymphed'unenymphemacabre.

  • 8/3/2019 Naomar Paraninfo BI Humanidades 2012

    2/4

    2

    Sobre o tema de rituais acadmicos, faz dois anos escrevi um artigo intitulado "Becas,borlasejabs",publicadonaFolhadeSoPaulo.Dele,selecioneioseguintefragmento:

    No Brasil, quando faculdades e escolas politcnicas foram fundadas no sculo 19, a influnciafrancesapredominoucomohorizonteintelectualeesttico.Asprimeirasinstituiespromovidasaoregime de universidade foram formadas pela unificao de faculdades.Hoje, nas instituies

    universitriasbrasileiras,abecanegraelisa,comumtipopadrodecasquetequadradocomborlaejab de renda bordada, predomina como veste talar para graduaes, simulacro da tradiofrancesa.

    Conclui aquela reflexo considerando que nosso vnculo com universidades de outraslinhagensqueconoscocompartilhamosvaloresdacivilizaononosobrigaaimitarsuastradiesnemacriar,apartirdelas,simulacros.Osqueescolhemfaz-loprecisamsaberaqueremontameosignificadoderituaisevestes,sobretudoporseuimpactonoimaginriosocial.Qualosignificadohistricoeacadmicodeumasolenidadedeformatura?Porquesechamacolaodegrauaoatoderecebimentodosdocumentosdeconclusodeumcurso superior? Ou qual o sentido da veste negra e longa que se chama beca? O que

    significa esse bon plataforma com borla, por que o guarda-pescoo rendado, qual agramticadecoresdasfaixasbrilhantes?Vocsfizeramperguntase,almdisso,fizeramescolhas?

    Como sabem, tambm tive a honra de ser Paraninfo da formatura do BI em Sade,realizadanasegunda-feirapassada.Naquelaoportunidade,ressalteiaimportnciadeumapedagogia questionadora, fundamental para a formao dos rebeldes competentes ecriativosdequenosfalaBoaventuraSantos,comprometidoscomasmudanasdomundo.Preparando esta Aula de hoje, dei-me conta de que poderia complementar o modelo

    pedaggico-crtico de formulao de perguntas com a questo poltico-prtica daautonomiadasescolhas.

    APedagogiadaAutonomiacompreendemaisdoquequestionamentoecrticaconstantes;defato,remeteaumacomplexaequao-processo:daArtedaPerguntavalorizaodaEscolha, num contexto de Liberdade, tendo axiomaticamente o postulado daResponsabilidadePolticacomovaloracadmicoprincipal.

    Autonomia no quer dizer soberania, isolamento ou permissividade. A conquista daautonomia implica conscincia crtica dos laos sociais e reconhecimento dos limites eresponsabilidadescoletivas.Significadiferentesnveisderesponsabilidade,pessoal,socialepoltica, em distintas esferas de participao. Isso ocorre inicialmente nos espaos

    pedaggicos,ondeaproduodoconhecimentoaproveitaricoefrtilcampodegeraodesentidosparaanossaexistncia,edepoisestende-seaosespaosdavidasocial.

    Essa abordagem nos leva a interrogar o carter pblico da Universidade que, no casobrasileiro, faz parte do Estado. Acho pertinente analisar a apropriao predatria oupatrimonialista, por uma classe social, de um patrimnio coletivamente financiado esustentadoportodaasociedade.Eisumaparenteparadoxo:aUniversidadebrasileira,majoritariamente,custeadapelosqueestoforadela;porm,infelizmente,nooperaemfavor da maioria da populao, excluda do acesso informao e dos benefcios daeducaoformal.Falodeumparadoxoemtermos,poissabemosquetudoissoserealizanumcontexto,contraditriopormorgnico,dedesvalorizaosocialdainstituio,comcrescente mercantilizao do espao/tempo universitrio, submisso de valores

  • 8/3/2019 Naomar Paraninfo BI Humanidades 2012

    3/4

    3

    acadmicos ao imaginrio social, reducionismo profissionalista da formao alienada,mimetismoconsumista,decadncianoplanodadistino,des-responsabilizaonoplanoda poltica etc. Com a expanso recente de cobertura e vagas, a educao superiorbrasileiraabertamentetemservidoparaareproduoampliadadosbeneficirios,antigosenovos,dasredesestabelecidasdepodereconmicoepoltico.

    Contudo, se a Universidade brasileira tem desempenhado uma misso institucionalcomprometidacomatradioconservadora,issonosignificaquenopodertransformar-se, incorporando um projeto poltico-pedaggico mais avanado e socialmentereferenciado. Estouconvencido deque aUniversidade capazdeassumir umpapeldeformao cultural e, ao mesmo tempo, educar sujeitos competentes para o mundo dotrabalho.Paraisso,terquesuperaressemodelodetreinamentoehabilitaodetcnicosde nvel superior em profisses, certificadas para ingresso em castas e corporaes. Apropsito, o termo profisso e derivados, como profissionais e profissionalizao,originalmente referem-seao juramento ouprofissode f nos rituaisde iniciao nasguildasoucorporaesdeofcio.

    Para melhor compreender o papel da Universidade brasileira na conjuntura brasileiracontempornea, considero pertinente recuperar categorias de anlise praticamenteesquecidas:osconceitosdeideologiaedepequena-burguesia.

    Ociclo recentededesenvolvimento econmico doBrasil easpolticassociais ampliadasinegavelmentetmproduzidoinclusosocialemescalamassiva.Cientistassociaisreferem-seaessefenmenocomoprodutordeumanovaclasse-mdia,definidaporpadresenveis de consumo. Porm, do ponto de vista da teoria social-histrica, tais segmentospodemsermaisbemcompreendidosnoapartirdasuainseronomercadoconsumidor,masnoscicloscomplexosedinmicosdeproduoeconmica,reproduosocial,processo

    poltico,mododevida,matrizesdepensamentoeredessimblicas.

    Modosdevida,matrizesdepensamentoeredessimblicascompreendemcategoriasquetmsidoarticuladas numconceitoprpriodesignadocomoideologia. Nesse referencial,podemosentendermelhornosomenteomodocomonovosatoressociaisproduzemeconsomem, mas o que representam poltica e ideologicamente, que valores e sentidosdefendem e difundem, que signos e imagens mobilizam e distinguem. Numa dimensoanaltica mais precisa, preciso avaliar rigorosamente os nveis de conservadorismo efundamentalismo que podem estar implicados na mobilidade social e crescente papelpolticodessessegmentosrecm-incorporadosaomain-streamdasociedadebrasileira.Issosignifica compreender a inserodesses novosprotagonistas numa estrutura de classessociais, ressaltando a classe burguesa (hoje redefinida num cenrio globalizado ecosmopolita)eseumulo,apequeno-burguesia.Maisnopossoavanar,dadososlimitesdeste espao/tempo, porm concluo este argumento com uma pergunta: ser que achamadanovaclasse-mdiabrasileiraumaneo-pequeno-burguesia?

    EoquetemaUniversidadeavercomisso? Parajustificaressaquesto,devemosiralmdos aspectos pedaggicos do processo formativo e metodolgicos da produo doconhecimento,nauniversidadeconsignadosnaequaoartedapergunta+valorizaodaescolha+responsabilidadepoltica.precisotambmconsideraraspectoseconmicosepoltico-institucionais a centralidade do conhecimento tecno-cientfico no mundo

    contemporneo particularmente no contexto da universidade brasileira atual, comovimos,maisestataldoquepblica.Essaquestocrucial,namedidaemquesereferea

  • 8/3/2019 Naomar Paraninfo BI Humanidades 2012

    4/4

    4

    umacontradiobsicaqueenvolveasinstituiesuniversitriasemtodoomundo.Porumlado,autopiahumanistadaemancipaopelaeducaoexpressanapedagogiadaperguntaedaescolha;poroutro,aapropriaodoconhecimentocomoamaisvalorizadamercadoria do sistema capitalista de produo e acumulao, impondo umreposicionamentodasuniversidadesnaestrutura capitalistadeproduoe consequente

    proletarizaodosintelectuais,formadoresecriadores.

    A adoo de um posicionamento crtico com base nesse referencial terico implicanecessariamente uma reviso do conceito de incluso social. Uma universidadeefetivamente renovada dever ser capaz de formar sujeitos crticos e criativos com oobjetivo de romper os crculosda elite e no ater-se a treinar quadros eficientes para,mediante polticas de incorporao de segmentos includos na sociedade como umasuposta nova classe mdia, penetrar nesses crculos (em servil cooptao), semquestionarvaloresalienanteseprojetosindividualistasquedefinemamatrizideolgicadaburguesia. Este dilema ou contradio constitui o principal desafio ao projeto poltico-pedaggicodosBacharelados Interdisciplinares.Senoreafirmarumaconscincia crticadestacontradiofundamental,aconstruopolticadoIHACcorreo riscode,quasesemsentir,alinhar-setradioliberal,nombitoinstitucional,eutopiailuministafreireana,nombitodapedagogia,omitindoideologicamenteaexplorao,apropriaoealienaocaractersticosdosistemaatualdeproduodeconhecimento,oque,lembrandoGramsci,configuraumaadesopolticaimplcitaaoprojetoorgnicodahegemoniacapitalistaparaauniversidade,agorareforadopelaideologianeo-pequeno-burguesa.

    Finalmente, agradecemos a vocs, queridos alunos e alunas, o quanto nos ensinaramdurante esse tempo em que convivemos. Muito aprendemos inclusive com o que

    aparentementenosdecepciona,comoocasodaadesogeraldasturmasdeformandosaosvalorespequeno-burguesesdosucessoindividualista,expressosemsignosdepompaacriticamenteincorporadosarituaispseudo-acadmicos,semperguntasnemescolhas.Issosignifica que nossa equipe docente tem que trabalhar mais e melhor, com maiorefetividade,princpios, eixos, conceitosemtodosdonosso projetopoltico-pedaggico.Estanossaresponsabilidadehistrica,ticaepoltica,comoeducadores.

    Conta Luiza Iiguez que, em 1994, Milton Santos abriu um Seminrio na Facultad deGeografadaUniversidaddelaHabanaafirmando:Mimisinesprovocar.MiltonvoltouaCuba, nos anos seguintes, onde ministrou aulas e palestras. Em 1995, concluiu suaConferncianoEncontrodeGegrafosdaAmricaLatinacomumafrasequecompletasuaafirmaoinicial: sinunasola concesin! Tomadonumsentidoradical,fazpartedaticadocentee daresponsabilidade dequem aceita osencargos, preocupaes e alegriasdoofciodeprofessorirfundonasanliseseserimpiedosonascrticasformuladas,semprequepossvel,semconcesses.Afinal,oqueestemquestoaintegridadeintelectualdetodos ns, estudantes, docentes e graduados, comprometidos com a transformaoprofundaeampladeinstituiespblicas,visandoconstruosustentadaeparticipativadeumasociedademaisjusta,solidriaehumana.

    NaomardeAlmeidaFilho,ProfessorTitular,InstitutodeSadeColetiva/UFBA