Narrativas de Envelhecimento a partir dos Sentidos ... · A Duda, Graças, Vilma, pela força,...
Transcript of Narrativas de Envelhecimento a partir dos Sentidos ... · A Duda, Graças, Vilma, pela força,...
Narrativas de Envelhecimento a partir dos Sentidos
Atribuídos por Atletas Olímpicos
Maria do Socorro Meneses Dantas Bandeira
2012
Narrativas de Envelhecimento a partir dos Sentidos
Atribuídos por Atletas Olímpicos
Dissertação apresentada ao Programa Doutoral em
Ciências do Desporto (Decreto-Lei nº 74/2006, de 24
de Março), com vista ao grau de Doutor em Ciências
do Desporto, sob a orientação da Professora Doutora
Ana Luísa Pereira e co-orientação da Professora
Doutora Leonéa Vitória Santiago.
Maria do Socorro Meneses Dantas Bandeira
Porto, Fevereiro de 2012
Ficha de Catalogação
Socorro Dantas
FICHA DE CATALOGAÇÃO
Bandeira, M.S.M.D. (2012). Narrativas de Envelhecimento a partir dos
Sentidos Atribuídos por Atletas Olímpicos. Porto: Dissertação de
Doutoramento Apresentada à Faculdade de Desporto da Universidade do
Porto.
Palavras-chave: envelhecimento; atletas olímpicos; tempo; narrativa.
Dedicatória
Socorro Dantas
i
Para Maurício, meu filho amado.
Agradecimentos
Socorro Dantas
iii
AGRADECIMENTOS
Agradeço a Deus por ter me dado a possibilidade de concluir esta etapa da
minha vida.
A realização deste estudo foi possível com a ajuda e o estímulo de pessoas
muito especiais. Agradeço:
As minhas queridas orientadoras
Professora Doutora Ana Luísa Pereira – obrigada pelo carinho, disponibilidade,
acolhimento e paciência para entender as minhas ansiedades, e pela sua
competência acadêmica que me incentiva sempre ir mais adiante.
Professora Doutora Leonéa Vitória Santiago – obrigada pelas orientações, pelo
o apoio, carinho, confiança, e estímulo para trilhar por novos caminhos.
Aos meus pais Martina e Moura, exemplos de força e coragem.
A Violeta e Analice pelo apoio de sempre, estímulo e carinho.
A Duda, Graças, Vilma, pela força, apoio, estímulo e carinho.
Ao Cliver por ter me ajudado e apoiado em grande parte desta jornada.
À Faculdade de Desporto da Universidade do Porto, em especial aos
professores do gabinete de Sociologia do Desporto, pelo acolhimento e
estímulo.
Aos professores e funcionários da Faculdade de Desporto da Universidade do
Porto, em especial aos funcionários da biblioteca e da secretaria.
À Universidade Federal de Alagoas, particularmente ao Curso de Educação
Física, aos meus colegas, funcionários e alunos, pela oportunidade que me
concederam de desenvolvimento acadêmico, pessoal e cultural.
Agradecimentos
Socorro Dantas
iv
Aos ex- atletas olímpicos que fizeram parte deste estudo: Armando Marques,
Carlos Lopes, Magic Paula, Manoel Quina, Montanaro, Regalo, Zequinha
Barboza, obrigada pela atenção e disponibilidade em colaborar com o nosso
trabalho.
Ao Professor Doutor Rui Manuel Proença Garcia, pelo acolhimento e carinho. À Professora Doutora Paula Batista, pela consideração e amizade. À Professora Doutora Joana Carvalho, pelo carinho. À minha querida amiga Mestre Marta de Moura Costa, obrigada pelo carinho e apoio desde o mestrado. Ao Professor Doutor Alberto Albuquerque pelo apoio e amizade. À Professora Doutora Cláudia Pinheiro pela ajuda inicial e pela amizade. À Professora Doutora Margarida Alves por ter disponibilizado a sua biblioteca. À Professora Mestre Ana Souza, pelo apoio e carinho. À Professora Mestre Teresa Marinho pelo carinho e consideração. À Professora Mestre Thayse Natacha, pelo apoio, carinho, e grande ajuda. À Professora Mestre Fernanda Santos pelo carinho e amizade. Aos meus amigos Professor Mestre Nórton Oliveira e a Mestre Ana Mariante, obrigada pelo carinho e amizade. À Professora Doutora Flávia Canuto obrigada pela amizade e carinho. À Leidinha, obrigada pelo grande apoio.
Agradecimentos
Socorro Dantas
v
Agradecimentos
Socorro Dantas
vi
Agradecimentos
Socorro Dantas
vii
Agradecimentos
Socorro Dantas
viii
Agradecimentos
Socorro Dantas
ix
Agradecimentos
Socorro Dantas
x
Índice Geral
Socorro Dantas
1
ÍNDICE GERAL
Dedicatórias.…………………………………………………………………….. i
Agradecimentos…………………………………………………………............ iii
Índice Geral……………………………………………………………………… 1
Índice de Quadros……………………………………………………………… 3
Índice de Anexos………………………………………………………………... 5
Resumo…………………………………………………………………............. 7
Abstract………………………………………………………………................. 9
Lista de Abreviaturas e Siglas…….………………………………………....... 11
Introdução.......................................................................... 13
Capítulo 1 Revisão de Literatura........................................................ 23
1.1 Enquadramentos Conceituais................................... 25
2.1.1 O panorama do processo de envelhecimento humano na contemporaneidade.........................................
25
1.1.2 Sobre o tempo...................................................... 62
1.2 O Estado da Arte......................................................... 74
Sobre o esporte e o atleta contemporâneo em Portugal e Brasil..................................................................
74
Capítulo 2 Percurso Metodológico.................................................... 87
2.1 Aspectos Gerais.......................................................... 89
2.1.1 A condução do estudo segundo a abordagem fenomenológica...................................................................
92
2.1.2 A narrativa............................................................ 101
2.2 Procedimentos para a Formação do Grupo e Recolha dos Dados...........................................................
107
2.2.1 A formação do grupo estudado............................ 107
2.2.2 A recolha dos dados............................................ 110
Índice Geral
Socorro Dantas
2
2.2.3 Entrevistas biográficas – da construção à aplicação.............................................................................
110
2.2.4 O diário de campo................................................ 114
2.3 O Processo de Tematização...................................... 116
Capítulo 3 Apresentação e Interpretação das Narrativas................ 119
3.1 As Narrativas dos ex-Atletas..................................... 121
3.1.1 A narrativa de Regalo.......................................... 122
3.1.2 A narrativa de Paula............................................. 154
3.1.3 A narrativa de José Luiz Barbosa (Zequinha Barboza)..............................................................................
180
3.1.4 A narrativa de Montanaro..................................... 207
3.1.5 A narrativa de Carlos Lopes................................. 244
3.1.6 A narrativa de Esbela da Fonseca....................... 265
3.1.7 A narrativa de Armando Marques........................ 288
3.1.8 A narrativa de José Manuel Quina....................... 313
3.2 Interpretação das Narrativas...................................... 333
Considerações Finais….............................……………………………….. 367
Bibliografia............................................................................................... 375
Anexos…………..........……………………………………………………….. 391
Índice de Quadros
Socorro Dantas
3
ÍNDICE DE QUADROS
Capítulo 1
Quadro 1 – Classificação etária considerando a idade cronológica.......... 28
Capítulo 2
Quadro 2 – Grupo de atletas informantes.....................………….……….... 109
Índice de Anexos
Socorro Dantas
5
ÍNDICE DE ANEXOS
Anexo 1 – Carta de contato com atletas, apresentação do estudo..........…….. i
Anexo 2 – Termo de Consentimento (I)...………………………………………… ii
Anexo 3 – Termo de Consentimento (II)..........…………………………………... v
Anexo 4 – Guião da entrevista....………………………………………………… vii
Anexo 5 – Currículo esportivo de José Regalo.................................................. xi
Anexo 6 - Currículo esportivo de Maria Paula Gonçalves da Silva.................... xv
Anexo 7 - Currículo esportivo de José Luiz Barbosa............................……….. xvii
Anexo 8 - Currículo esportivo de José Montanaro Júnior......…...……………… xix
Anexo 9 - Currículo esportivo de Carlos Lopes........................………………… xxi
Anexo 10 - Currículo esportivo de Esbela da Fonseca..……………………... xxiii
Anexo 11 – Temas emergentes das narrativas...………………………………... xxv
Resumo
Socorro Dantas
7
RESUMO
Este estudo procurou associar dois fenômenos da contemporaneidade, o
envelhecimento e o mundo do esporte de alto nível. Com a passagem do tempo,
acontecem mudanças corporais inerentes ao envelhecimento, provocando uma
diminuição do rendimento físico. No caso do atleta de alta competição, esta
diminuição de rendimento conduz a uma aposentação, por vezes mais cedo do
que o resto das pessoas. Nesse contexto, foi nosso objetivo compreender os
sentidos do processo de envelhecimento nas suas diferentes dimensões, para
ex-atletas olímpicos. Para isso, suas narrativas de vida foram estudadas para a
compreensão desta realidade. Trata-se de uma pesquisa qualitativa norteada
pela ótica fenomenológica. O grupo estudado foi composto por oito ex-atletas
olímpicos e mundiais na faixa etária de 47 a 74 anos, portugueses e brasileiros.
Foram utilizadas entrevistas do tipo biográfico, com destaque para a narrativa
pessoal. Após a exposição do discurso, os temas emergentes das narrativas
foram submetidos a uma análise compreensiva, com o suporte de um quadro
teórico emergente e adequado à singularidade dos dados. Após a interpretação
concluímos de forma geral que os indivíduos deste estudo consideram o tempo
disponível proporcionado pelo afastamento do esporte como algo positivo, o que
proporciona a construção de um tempo mais pessoal para si e para as relações
sociais; demonstram dificuldades em aceitar os efeitos do tempo sobre o corpo,
principalmente em relação à diminuição da autonomia física; percebem o tempo
cronológico e seus efeitos deletérios para o desempenho de atleta como um
processo natural e linear, no entanto, deixam transparecer uma certa angústia
em aceitá-lo. De maneiras diversas, todos os entrevistados se prepararam para
assumir novos papéis na vida após o afastamento das competições. As
experiências no esporte foram vivenciadas intensamente pelos entrevistados ao
longo da carreira. As reflexões dessas experiências vividas acompanham suas
vidas e permitem que esses indivíduos valorizem o passado no modo como
tomam suas decisões no presente.
Palavras-chave: envelhecimento; atletas olímpicos; tempo; narrativa.
Abstract
Socorro Dantas
9
ABSTRACT
This study tried to associate two phenomena from contemporaneity, the aging
and the elite sport. With the time, many changes occur in the body related to the
aging process, leading to a decrease in the physical performance. With
decreasing the performance, the athlete is part of a group of people who retire
early. In this context, our purpose was to understand the meaning of aging
process for ex-Olympic athletes. For this, their life narratives were studied for
understand their reality. This is a qualitative study guided through
phenomenology. The group of the shedy comprised 8 ex-olympic athletes aged
47 to 74 years old, form Portugal and Brazil. Biographical interviews, focused on
personal narratives were used. After speech analysis, emerging themes of the
narrative were submitted for a comprehensive analysis, supported by a
theoretical emerging board appropriate to the uniqueness of the data. After
analysis, we concluded that, in general, subjects think that the time available
since they were away from sport was positive, which provides more time for
personal and social relationships; they demonstrated difficulties in accept the
time effects in their body, in special in relation to decreasing of physical
autonomy; they see the chronological time and their deleterious effects for the
athlete development as a natural and linear process, however they reveal an
aguish in accept it. From different ways, all subjects prepared themselves to
assume new roles in their life after retirement. The sport experiences were
intensively experienced by the subjects. Reflection of these experiences allows
them valuing the past to make decision in the present.
Key-word: aging; olympic athlete; time; narrative.
Lista de Abreviaturas e Siglas
Socorro Dantas
11
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
FADEUP Faculdade de Desporto da Universidade do Porto IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística INE Instituto Nacional de Estatística ONG Organização Não Governamental
Introdução
Introdução
Socorro Dantas
15
INTRODUÇÃO
Contextualização do estudo
O envelhecimento da população mundial é um fenômeno que no
passado era típico de alguns poucos, passando a ser uma realidade de um
número crescente de pessoas em todo o mundo. Diante do panorama do
envelhecimento populacional, estudos dos processos de envelhecimento
ganham atualmente grande relevância e prioridade. Com efeito, estudos sobre
o envelhecimento têm fornecido informações acerca do declínio das
capacidades intelectuais e da saúde física (American College of Sports
Medicine, 2007; Mota e Carvalho, 2006; Sallis e Owen, 1999; Spirduso, 2005),
isolamento social e inatividade, insegurança econômica e social, e social
dependência, nas representações sociais sobre a saúde, o corpo (Pereira,
2004), a morte e a velhice (Santiago, 2006). Dentre os vários estudos
produzidos, a atividade física e esportiva e o envelhecimento vêm ocupando
um lugar de destaque, sendo a prática do exercício físico vista como uma
forma de minimizar os efeitos deletérios do envelhecimento e de tentar reter as
potencialidades da juventude. Para além dos estudos referidos, verifica-se o
interesse de diversas áreas, sob diferentes perspectivas, da relação esporte e
envelhecimento.
De fato, o cenário esportivo configura-se como um palco da
corporalidade e do domínio do ser humano sobre o corpo, no qual se
estabelecem os limites e as potencialidades (Bento, 2007). Em tal cenário, os
seus atores, isto é, os atletas olímpicos, são reconhecidos e destacados entre
os mais fortes, os mais habilidosos, que superam todos os obstáculos para
chegar à vitória, o que contribui para reforçar o mito do herói no imaginário
esportivo da atualidade (Elias e Dunning, 1992; Rúbio, 2001). Nesse palco da
corporalidade, os heróis não deveriam envelhecer e, consequentemente,
perder a sua força e a sua potência. Entretanto, é fato que, com o
envelhecimento das populações em todo o mundo desenvolvido, o número de
atletas mais velhos também cresce (Dionigi & O'Flynn, 2007).
Introdução
Socorro Dantas
16
Esses atletas adultos mais velhos de hoje fazem parte de uma geração
que experiencia viver uma idade adulta prolongada e, consequentemente,
sente todas as mudanças e perdas corporais inerentes ao envelhecimento
humano. Com a aposentadoria chegando mais cedo, esses indivíduos têm
necessidade de assumir novos papéis na sociedade.
Considerando a mudança na imagem, o afastamento do palco
competitivo, a tensão e o conflito gerados pela idade, a forma da gestão dos
papéis no tempo e a própria gestão do tempo apresentam-se como dados
novos (Debert, 2004). Efetivamente, à medida que se tem estudado, descrito e
documentado o processo de envelhecimento em diferentes culturas e com
diferentes grupos sociais (Fonseca, 2006), tem-se vindo a constatar que é
muito grande a diversidade dos modos de envelhecer.
As representações sobre a velhice e o envelhecimento passaram, pois, a
ser encaradas não apenas como fatos naturais, mas como fenômenos
profundamente influenciados pelo contexto social e pela cultura. Com efeito,
todo fenômeno social deve ser analisado tendo em conta o contexto social em
que emerge, circula e se transforma. Sabe-se que as representações sociais
são elementos simbólicos que os indivíduos expressam mediante o uso de
palavras e de gestos (Critelli, 1996). Essas mensagens, mediadas pela
linguagem, são construídas socialmente e estão, necessariamente, ancoradas
no âmbito da situação real e concreta dos indivíduos que as emitem.
O esporte moderno pode ser considerado uma representação simbólica
da sociedade industrial, que funciona na lógica da concorrência, da produção e
da maior eficácia (Costa, 1992). Nesse sentido, o esporte moderno consiste
numa forma da sociedade industrial, centrado sobre o rendimento, utilizando,
como uma das formas de expressão, os exercícios físicos competitivos
(Pereira, 2010).
Daí ter sido crescente o interesse das sociedades pelas práticas
esportivas, transformando o esporte em um fenômeno social, em especial o
esporte de alto rendimento. Como observa Pereira (2010), não se pode
Introdução
Socorro Dantas
17
compreender um fenômeno social sem estudar o papel dos seus atores. Nessa
perspectiva, o interesse deste estudo é o ex-atleta do esporte de alto
rendimento, mais precisamente as suas experiências como atleta e o seu
processo de envelhecimento.
No esporte de alto rendimento, são observadas com expectativa a força,
a potência, a precisão dos gestos, bem como o modo como os atletas testam
seus limites corporais. Assim sendo, estudar as representações dos atletas
olímpicos a respeito do seu próprio envelhecimento pode ser considerado
indispensável para a melhor compreensão desse grupo social.
Nas sociedades contemporâneas, a juventude e seus valores se
tornaram um campo bastante valorizado e lucrativo. Entretanto, por diversos
fatores, o envelhecimento populacional está se generalizando, e envelhecer
nessa sociedade de maneira positiva tornou-se uma questão existencial. O
processo de envelhecimento tem sido alvo de inúmeras investigações.
Identificar as virtudes do envelhecimento é o desafio de diversas áreas de
estudo.
Buscamos, portanto, compreender os sentidos do processo de
envelhecimento para os protagonistas do espetáculo do esporte,
nomeadamente de ex-atletas de elite1 de Portugal e Brasil.
Procurando compreender o processo de envelhecimento para os atletas
nas suas diferentes dimensões, tomamos por base, para este estudo, os
discursos deles para a compreensão desta realidade, reconhecendo, como
aponta Fonseca (2006), que neste processo cruzam-se forças que podem ter
origem no indivíduo, no contexto em que o indivíduo se encontra inserido ou
num cruzamento dos dois.
A pertinência deste estudo sob o ponto de vista profissional decorre de
trabalhos anteriores da pesquisadora, assim como das discussões cultivadas
durante as aulas da disciplina Atividades Físicas para a Terceira Idade na
1 Consideramos aqui atleta de elite ou de alto rendimento aqueles que participaram e que foram
medalhados em Olimpíadas e/ou competições mundiais em seus respectivos esportes.
Introdução
Socorro Dantas
18
Universidade Federal de Alagoas. Atuando em uma área que lida diretamente
com o esporte, com o corpo e, consequentemente, com o envelhecimento
humano, e por participar da formação profissional dos que terão o ser humano
como foco das suas intervenções, faz-se relevante entender como é
envelhecer a partir do ponto de vista do próprio indivíduo. Em segundo, por ser
o esporte um fenômeno tão ligado à origem, e às estruturas da sociedade,
como fato social, capaz de atrair diversos investimentos humanos e sociais
(Costa, 1993). E também, por entendermos que para o desenvolvimento de
futuras intervenções adequadas às características sociais e culturais da
população que envelhece, é necessário estudar sobre as diversas maneiras de
envelhecer, sobretudo na perspectiva dos próprio indivíduos e de como esses
indivíduos atribuem significados a este período de sua vida ou como o integram
à sua experiência. De maneira particular, procurando entender, através das
experiências vividas por essas pessoas, que percepção elas têm do seu
próprio envelhecimento.
Trata-se de indivíduos que, favorecidos por suas habilidades individuais
e por uma série de circunstâncias, trabalharam e chegaram ao topo do Olimpo,
ao lado dos deuses (Rubio, 2001). Indivíduos considerados expoentes do
esporte nacional em seus países, e que por vários anos tiveram uma rotina de
competições e treinamentos, mas por questões relacionadas às perdas que
caracterizam o processo de envelhecimento e que já não permitem uma rotina
e as exigências próprias dos competidores olímpicos, encontram-se atualmente
afastados das competições, aposentados como atletas de alto nível.
Objetivos e Configuração do Estudo
Os objetivos que nos propusemos alcançar, no caminho desta pesquisa,
foram:
Geral: Identificar e interpretar, a partir das narrativas, os sentidos que o
ex-atleta olímpico possui do seu processo de envelhecimento.
Introdução
Socorro Dantas
19
Específicos: a) Levantar o conjunto de crenças e valores articulados nos
discursos e a negociação de papéis sociais ao longo da vida; b) Verificar se
existem semelhanças e diferenças nos discursos dos ex-atletas, brasileiros e
portugueses, acerca do processo de envelhecimento.
A configuração está apresentada da seguinte forma: introdução, revisão
(enquadramento conceitual, revisão do estado da arte), percurso metodológico,
apresentação e interpretação das narrativas, considerações finais, referências
bibliográficas, anexos.
A introdução consta da contextualização do problema e da justificativa
do estudo, onde procuramos demonstrar a relevância do tema nas suas
repercussões esportivas e sociais.
No primeiro momento, nossa intenção foi dar uma ideia geral, referente
ao esporte de alto nível e ao atleta, e ao processo de envelhecimento. Trata-se
de apresentar dois fenômenos da atualidade: o esporte e o envelhecimento
humano. Buscou-se compreender, através das narrativas, como o atleta de alto
nível percebe o seu processo de envelhecimento.
O segundo momento é formado pelos objetivos, os quais compõem as
linhas orientadoras desta investigação.
O enquadramento conceitual está dividido em dois tópicos: o primeiro
trata sobre as transformações socioculturais do processo de envelhecimento
humano; o segundo trata sobre as representações do tempo.
No primeiro tópico há um texto apresentando o modo como a
longevidade populacional tem movido pesquisadores de diversas áreas a
investigar questões relacionadas ao envelhecimento. O objetivo é oferecer uma
visão panorâmica das transformações socioculturais para a compreensão do
processo de envelhecimento humano na contemporaneidade.
O segundo tópico foi elaborado com o propósito de apresentar as
representações de tempo passado, presente e futuro, numa linha de
compreensão que as circunscreve, relacionadas à cultura e à época das
Introdução
Socorro Dantas
20
sociedades. Sendo a existência humana temporal, é nosso objetivo, portanto,
compreender como o tempo contribui para expor os diversos modos de ser do
indivíduo, que carrega consigo o passado, e quais as suas perspectivas para o
futuro.
No estado da arte procuramos apresentar diversas produções
publicadas nos últimos anos, sobre questões relacionadas ao atleta de elite, e
que guardam relação com os objetivos deste estudo.
Para elaborar essa parte da tese, seguimos as seguintes etapas
metodológicas: inicialmente, buscamos na literatura os conteúdos referentes ao
envelhecimento humano, especialmente os que analisam o envelhecimento do
ponto de vista social; realizamos leituras dos autores que tratam das questões
referentes às transformações sociais das sociedades, principalmente da
sociedade contemporânea; realizamos leituras dos autores que tratam sobre o
tempo, em especial os que tratam do tempo sob o ponto de vista
fenomenológico. Paralelamente, realizamos leituras sobre o esporte e a
sociedade.
No percurso metodológico, há a apresentação de como o estudo foi
conduzido. Para tal, construímos um texto sobre a Fenomenologia e
investigação científica segundo a abordagem fenomenológica.
O segundo tópico desse capítulo trata da narrativa; a narrativa é útil em
estudos que tratam das histórias das vidas das pessoas. Aqui a narrativa é
pensada não apenas como história contada, história apenas pessoal, mas
também como algo social e culturalmente construído.
Além disso, há a descrição do nosso universo de estudo (ex-atletas
olímpicos/mundiais de Portugal e Brasil) e da metodologia que seguimos para
alcançar as metas do estudo. Tendo em conta os objetivos descritos,
apresentamos seguidamente as narrativas construídas dos ex-atletas do nosso
estudo, a partir das quais das desenvolve, posteriormente, a respectiva
interpretação sobre os seguintes temas emergentes: Início da vida esportiva;
Apoios e referências; Características e valores pessoais; Prioridades e
Introdução
Socorro Dantas
21
renúncias; Competições; Dificuldades na carreira de atletas; Sucessos e
recompensas; Relações sociais; Escolha do esporte e permanência no alto
rendimento; Processo de envelhecimento. E por fim, apresentamos as
considerações finais sobre o estudo.
Do estudo aqui presente, é nossa intenção fornecer um contributo para a
investigação nessa área, porquanto é imprescindível compreender essa
população, para assim poder criar apoios para o afastamento e a reinserção
social (caso necessário) dos que se aposentam da carreira de atleta.
Capítulo 1
Revisão de Literatura
Revisão de Literatura
Socorro Dantas
25
1. REVISÃO DE LITERATURA
1.1 ENQUADRAMENTOS CONCEITUAIS
1.1.1 O panorama do processo de envelhecimento humano na
contemporaneidade
O processo de envelhecimento, como questão, vem, cada vez mais,
adquirindo representatividade com o prolongamento da expectativa de vida e
com o consequente aumento do número de idosos. Na realidade, como aponta
Giddens (2004), a sociedade em que vivemos está envelhecendo e a proporção
de pessoas com idade superior a 65 anos está a aumentar.
Envelhecer já não é uma façanha reservada a uma pequena parcela da
população. Pelo contrário, o envelhecimento da população mundial é um
fenômeno que no passado era característico de alguns poucos indivíduos, mas
passou a ser uma realidade de um número crescente de pessoas em todo o
mundo. No Brasil e em Portugal, países onde este estudo se desenvolve, o
envelhecimento demográfico tem aumentado.
No Brasil, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística2
(IBGE), em 2008, o contingente de pessoas com mais de 60 anos somava cerca
de 21 milhões.
Em Portugal, segundo dados fornecidos pelo Instituto Nacional de
Estatística3 (INE), em dezembro de 2009, o número de idosos era de 17,9%
(pessoas com idade igual ou superior a 65 anos).
2 No conjunto do País, a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios - PNAD 2008, do IBGE.
Segundo o documento citado, o crescimento relativo da população idosa por grupos de idade foi muito
expressivo no período de 1998 a 2008. No grupo etário de 80 anos ou mais, o crescimento superou os
demais, chegando a quase 70,0%. Em números absolutos, estima-se que este segmento, em 2008,
alcançava cerca três milhões de pessoas. Estes dados mostram como o processo da longevidade está
presente na sociedade brasileira, indicando a necessidade de providências urgentes para garantir uma
infraestrutura de atendimento a esses idosos. Dados retirados do documento “Estudos & Pesquisas –
Informação Demográfica e Socioeconômica”, disponível em:
http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/condicaodevida/indicadoresminimos/sinteseindicsociais
2009/indic_sociais2009.pdf. Acessado em 6 de dezembro de 2010.
Revisão de Literatura
Socorro Dantas
26
Com essas mudanças demográficas, as oportunidades e os encargos
relativos à terceira idade estão mudando, provocando mudanças significativas
na sociedade (Anthony Giddens, 1995). De fato, o envelhecimento mundial
deixou de ser um tema discutido apenas pela geriatria e gerontologia; esse
fenômeno hoje exige e provoca novas posturas da sociedade contemporânea.
Esse panorama, se considerada a urgência e pertinência do tema, legitima os
estudos dessa realidade social. Com efeito, é tal a importância social do
envelhecimento que este se torna uma questão de grande alcance. É, por isso,
natural que as discussões sobre a temática tenham sido ampliadas para
diversas áreas do conhecimento.
A realidade é que uma das faces do processo de envelhecimento na
contemporaneidade é ter-se tornado objeto de interesse de um crescente
número de práticas de saber e de poder. O cenário da longevidade populacional
tem alertado e instigado pesquisadores de diversas áreas, que têm inserido,
cada vez com mais frequência, questões relacionadas ao envelhecimento e à
velhice no mapa de seus interesses de estudo. Partindo da premissa de que o
passar dos anos é inevitável, buscam-se dados para compreender e intervir
nessa nova realidade social, no intento de obter informações e elementos que
proporcionem mais qualidade aos anos de vida.
No entanto, como chama atenção Agra (2008), pelo menos no Brasil, a
tendência de estudos no âmbito do envelhecimento não tem ocorrido de forma
homogênea; há espaços mais sensíveis à problematização da velhice, ao lado
de alguns silenciamentos. Assim, é mais comum encontrar estudos nas áreas
de nutrição, psicologia, saúde pública e coletiva, enfermagem, geriatria e
gerontologia. No âmbito das ciências sociais há um sensível predomínio de
estudos nas áreas de sociologia e de antropologia.
Na Faculdade de Desporto da Universidade do Porto (FADEUP), onde
este trabalho se desenvolve, têm sido produzidos trabalhos que abordam o
3 De acordo com o documento do INE, a relação entre o número de idosos e de jovens traduziu-se num
índice de envelhecimento de 118 idosos por cada 100 jovens (115 em 2008). Dados retirados do documento do INE “Destaque – informação à comunicação social”, disponível em: http://www.ine.pt/xportal/xmain?xpid=INE&xpgid=ine_destaques&DESTAQUESdest_boui=83385202&DESTAQUESmodo=2. Acessado em 6 de dezembro de 2010.
Revisão de Literatura
Socorro Dantas
27
tema envelhecimento. Exemplo disso é o espólio existente na FADEUP,
nomeadamente no Gabinete de Sociologia do Desporto. Neste universo de
estudos podem-se contemplar trabalhos como as dissertações de doutoramento
de Leonéa Santiago (1999) 4; Margarida Alves (2004); Paulo Antonelli (2007);
Paula Portugal Cardoso (2010), entre outras.
Para a fundamentação deste estudo buscou-se um quadro de referência
que possa apresentar diversas abordagens sobre o processo de
envelhecimento. O principal objetivo deste capítulo é proporcionar uma visão
abrangente e compreensiva do processo de envelhecimento.
Caracterizar, delimitar e conceituar a velhice é algo complexo, e tem sido
objeto de várias tentativas nesse sentido. Porém, não há um padrão
universalmente aceito. A Organização Mundial de Saúde (OMS), por exemplo,
considera idoso o indivíduo com idade igual ou superior a 65 anos, residentes
em países desenvolvidos, e com 60 anos ou mais para países em
desenvolvimento5.
As distinções feitas na conceituação do que é ser idoso parecem levar em
conta fatores que atuam diretamente na qualidade de vida dos indivíduos, por
exemplo, as diferenças entre os países no que tange aos aspectos econômicos,
políticos, culturais, sociais e ambientais (Mazo, Lopes, & Benedeti, 2001).
Incluem-se também os avanços e tratamentos médicos (Shephard, 2003).
Alguns autores entendem o envelhecimento a partir das mudanças e das
perdas. Por exemplo, para Spirduso (2005), o envelhecimento é apresentado
como um processo de diminuição ou perda da funcionalidade. Ainda assim, são
diversos os pesquisadores que têm adotado classificações baseadas na idade
(em anos vividos). A classificação sugerida por Spirduso (2005), como mostra o
Quadro 1, a seguir, é uma das utilizadas.
4 As teses de Santiago e Alves estão disponíveis em artigos. Ver: Pereira, A. L; Costa, A.; Garcia, R. P.
(Org.). O DESPORTO ENTRE LUGARES: O lugar das Ciências Humanas para compreensão do Desporto.
Porto: Universidade do Porto, Faculdade de Desporto. 5 Em Portugal considera-se idoso o indivíduo com idade a partir de 65 anos; no Brasil é considerado idoso
aquele sujeito com faixa etária a partir dos 60 anos.
Revisão de Literatura
Socorro Dantas
28
Quadro 1 - Classificações etárias considerando a idade cronológica
Idade cronológica Classificação
45 – 64 anos Adulto da meia-idade
65 – 74 anos Idoso-jovem
75 – 84 anos Idosos
85 – 99 anos Idoso-idoso
Acima de 100 anos Idoso-velho
Adaptado de Spirduso (2005)
Neri (1995) vai mais além e aponta que o envelhecimento é um processo
de mudanças universais, pautado geneticamente para a espécie e para cada
indivíduo, e que estas são dependentes de eventos de natureza múltipla,
incluindo perdas psicológicas, afastamento social, restrição em papéis sociais.
Desse modo, pode-se inferir que o envelhecimento é também um
processo individual. Entretanto, não se deve esquecer que o contexto sócio-
histórico do indivíduo tem influências nesse processo individual. Com efeito,
essa nova maneira de se perceber, entender e viver a velhice é fruto das
mudanças sofridas pela sociedade ao longo das épocas, principalmente na
contemporaneidade.
Na realidade, importa ter em conta que o contexto sócio-histórico
contemporâneo é resultado das transformações que se fizeram sentir, em
particular, nos últimos dois séculos. Sem dúvida que com a modernidade surgiu
uma racionalização que parecia relacionada a uma libertação, a partir do
domínio dos conhecimentos, que provocaram transformações e alteraram
profundamente as práticas sociais e os comportamentos.
Também a hierarquia axiológica se alterou, e a importância de
determinados valores mudou, surgindo uma nova ordem axiológica distinta da
que predominava em outros períodos da história. Entretanto, não significa que a
Revisão de Literatura
Socorro Dantas
29
tradição tenha sido completamente destruída; os valores de hoje são outros
valores, diferentes. Como refere Cardoso (2002), essas mudanças, em face dos
valores, conduziram a uma sociedade heterogênea, o que a torna complexa. É
uma época de surgimento de projetos para dominar a natureza tecnicamente,
de soberania do povo, de preponderância dos deveres éticos, o que ilustra o
nascimento da era individualista no mundo (Lipovetsky, 1994). A promessa de
liberdade, intrínseca ao projeto de modernidade, alimentou o projeto de
individualização, a exaltação do “eu”, exigindo uma adaptação ou mudança na
forma de pensar e de agir, instigando à (re) construção contínua do indivíduo.
O dinamismo da sociedade atual e a busca pelo bem-estar e felicidade
parecem ter provocado no ser humano um vazio. O estímulo aos valores do
bem-estar individual, através do qual a felicidade se impõe ao mandamento
moral, desqualificou as formas de rigor e de disciplina da moral. O cumprimento
do dever parece inadequado a uma cultura hedonista e materialista onde o “eu”
é mais importante (Lipovetsky, 1994). Essa transformação nos valores da
sociedade e na sua hierarquia é, por vezes, pensada como “uma crise de
valores” 6, à qual se atribui o vazio. Silva (2002) refere que para alguns
estudiosos essa crise de valores é uma fase de transição, ou o que alguns
chamam de pós-modernidade. Não sendo esta uma discussão que importe
neste trabalho, valerá a pena referir apenas que esta denominação não é
consensual. Para Giddens, por exemplo, já foi modernidade tardia (1995) e
modernidade reflexiva (2005). Neste contexto, opta-se pela designação de
sociedades contemporâneas ocidentais (já que é neste contexto que se situa
este trabalho) ou contemporaneidade, incluindo nesta denominação todas as
transformações societais.
Com a dimensão dessas transformações sociais, o ajustamento é uma
condição indispensável para a sobrevivência em grupo, considerando a
heterogeneidade de valores individuais. Porém, uma das características do ser
humano é a capacidade de adaptação, o que se torna fundamental numa era de
rápidas e profundas mudanças.
6 Grifo nosso.
Revisão de Literatura
Socorro Dantas
30
Porém, nem todos têm a mesma capacidade de adaptação a todas as
mudanças, na mesma velocidade de ajustamento. Uma classe social que
apresenta essa dificuldade, por diversos fatores7, é a classe dos idosos. Numa
sociedade onde a tradição tem pouco valor, onde o hedonismo e o
individualismo são supervalorizados, e a juventude é um passaporte social, ser
velho significa quase sempre ser excluído.
Sobre os valores contemporâneos, Garcia (1999, p. 75) afirma que
“vivemos numa sociedade orientada por valores juvenis, onde a velocidade de
mudança, e consequentemente a capacidade de adaptação a essas
transformações, são o princípio estruturante da nossa forma de viver”. Talvez
por dificuldade de adaptação, muitos idosos se isolam e se tornam sujeitos
inativos, se excluem e são excluídos.
A modernidade teve aspectos positivos e negativos para a velhice e para
o processo de envelhecimento. Por um lado, trouxe ganhos à medida que
documentou o processo de envelhecimento, em diferentes culturas, e se
constatou que existem diversos modos de envelhecer. Nessa perspectiva, o
processo de envelhecimento e a velhice deixaram de ser vistos apenas como um
fator natural, mas percebidos como um fenômeno intensamente influenciado
pelo meio, pela cultura. Entretanto, por outra via, estudos mostram o impacto
negativo da modernização sobre o status8 dos idosos nessas sociedades
(Cowgill & Holmes, 1974 ).
De acordo com Linton (1981), para a sobrevivência da sociedade são
necessários a organização e o ajustamento mútuo do comportamento e das
atitudes dos indivíduos que dela fazem parte. Através da capacidade de
ajustamento a esse sistema se obtém um status. O autor ainda acrescenta que a
atribuição do status ao indivíduo é controlada por várias referências (como a
idade, o gênero, as relações familiares, classe social e fatores biológicos), como
também a profissão. Nessa perspectiva, as expectativas que cada sociedade
7 Fatores como apego ao passado e às tradições, poucos ou nenhum projetos futuros, afastamento social,
podem contribuir para dificultar o ajustamento às mudanças. 8 Definido como o lugar que o indivíduo ocupa em determinado sistema num dado momento; também
pode ser considerado como um conjunto de deveres e direitos (Cazeneuve & Victoroff, 1982).
Revisão de Literatura
Socorro Dantas
31
tem dos indivíduos difere de época para época e de sociedade para sociedade,
podendo-se afirmar que o envelhecimento também é construído socialmente.
O envelhecimento como uma construção social
O lugar dos mais velhos em determinado contexto social deve ser
percebido à luz dos valores encontrados nessa mesma sociedade, num
determinado momento, e que estão sempre em condições de reconstrução das
representações vigentes (Debert, 2004).
Como já referido, o processo de envelhecimento humano é naturalmente
um processo individual com as suas dimensões biológica e psicológica, mas é
obviamente um processo cultural e social. Nessa perspectiva, Fonseca (2006)
aponta que o envelhecer deve ser percebido como um conceito referido à forma
como cada sociedade conceitualiza esta fase da vida, visto como uma
construção social inscrita em um determinado contexto histórico. O
envelhecimento não pode ser medido apenas pelo número de anos vividos e
nem, consequentemente, pelo aumento do número de idosos em todo o mundo.
Buscar esclarecimentos sobre o assunto apenas levando em consideração as
razões demográficas é muito pouco producente, e isto seria, como afirma Debert
(2004, p. 12), “... perder a oportunidade de descrever os processos por meio dos
quais o envelhecimento se transforma em um problema que ganha expressão e
legitimidade, no campo das preocupações sociais do momento”.
São muitos os temas associados ao envelhecimento sob o ponto de vista
social que fazem emergir questões sociológicas muito pertinentes. Por ora,
sabendo que a temática do envelhecimento é, com efeito, muito vasta, restringe-
se o desenvolvimento conceitual ao que está subjacente à questão de partida e
aos objetivos propostos. Neste trabalho, não obstante, ressalta-se que
posteriormente outros conceitos e questões sociológicas se poderão colocar. Ou
seja, por ora se avança teoricamente com o que naturalmente emerge, sabendo
Revisão de Literatura
Socorro Dantas
32
que após o tratamento das entrevistas biográficas, outros conceitos serão
necessários para progredir na compreensão das narrativas construídas.
O alongamento dos anos de vida e, consequentemente, o aumento do
número de idosos, representa uma conquista da sociedade contemporânea,
fenômeno que tem sido acompanhado com interesse pelas ciências sociais e
humanas. De fato, nos últimos anos, o processo de envelhecimento foi
transformado em tema privilegiado, ganhou visibilidade, virou pauta de
discussão e de interesse das mais diversas áreas. No entanto, a caracterização
de “pessoa idosa” tem sido um desafio para todas as áreas. Com as
transformações demográficas das últimas décadas, e com o aumento da
expectativa de vida, o envelhecimento humano adquiriu uma dimensão social.
Adicionalmente, como já referido, o modo como a velhice é vista e vivida
tem mudado ao longo das épocas e das diferentes sociedades. Nas sociedades
contemporâneas, o estatuto do idoso é inferior e com menos poder de decisão
do que em culturas pré-modernas (Giddens, 2005). Em algumas sociedades
antigas, por exemplo, com uma tendência maior à gerontocracia, o idoso
desempenhava um papel mais importante, tinha um maior poder de decisão, era
respeitado, e a experiência acumulada ao longo da vida tinha valor
inquestionável. O que difere das nossas sociedades, nas quais a busca da
eterna juventude é extremamente incentivada e valorizada, muitas vezes em
detrimento da experiência.
Nesse contexto, os idosos são submetidos às dificuldades de um papel
sem significados, ou a uma subcultura, como apontam estudos citados por
Debert (2004), nos quais não são levados em consideração aspectos individuais
como etnia, sexo, ocupação, religião, para citar alguns dos aspectos relevantes.
A minimização dessas diferenças leva a uma visão da velhice como uma
experiência homogeneizada, desconsiderando a experiência e as
particularidades de cada indivíduo.
Note-se que a velhice, vista como algo negativo, foi fundamental para o
movimento de legitimação de direitos sociais dessa parcela da sociedade. Mas
Revisão de Literatura
Socorro Dantas
33
também mostrou outra face, a de que a velhice é de responsabilidade individual,
ou seja, cada indivíduo é responsável pela sua forma de envelhecer. Desse
modo, a velhice sairia do conjunto de preocupações sociais.
No panorama de desvalorização da velhice, permanecer ou parecer
sempre jovem se transformou nas sociedades contemporâneas ocidentais em
valor espiritual, material, simbólico e individual (Dias, 2005). A busca pela
juventude tem sido tenaz, e a indústria da beleza nunca esteve tão atuante, seja
nas cirurgias estéticas, na alimentação, na ginástica e na moda; o objetivo é
procurar meios que compensem e minimizem as marcas da passagem do tempo
no corpo. Assim, algumas dessas intervenções que poderiam servir ao propósito
de melhorar a qualidade de vida e proporcionar bem-estar, transformaram-se, na
maioria das vezes, numa forma de tentar prevenir a declínio do corpo. Como
também parece que deixou de ser um direito de escolha de cada indivíduo, para
se transformar num dever, numa obrigação, e algumas vezes numa questão
moral.
A imensa gama de tecnologias e estratégias utilizadas para medir e
controlar o tempo são testemunhos da preocupação com a nossa finitude e com
o nosso sentimento de impotência em face da inexorável passagem de tempo
(Seymour, 2002). A valorização da juventude está conectada à aparência física,
com o desempenho, com as funções exercidas na sociedade e na família, e com
a saúde. Desse modo, o homem busca incansavelmente a fórmula da juventude,
procura camuflar as marcas do envelhecer numa tentativa de vencer o tempo,
que passa impiedosamente.
A ideia de que a velhice pode ser eternamente adiada transformou-se em
uma abertura extrema de espaços de intervenções, onde parece não haver
limites para o sucesso de investimento cultural/tecnológico sobre o corpo. São
parafernálias de receitas a indicar que a eterna juventude é um bem e um valor a
ser conquistado por todos (Debert, 2004). Observa-se que nesse mercado de
consumo cada sujeito é responsável pela sua própria aparência, e a velhice
parece ser um descuido, um desleixo pessoal. Algumas vezes, as intervenções,
a dedicação e a adoção de um estilo de vida em que a aparência é a
Revisão de Literatura
Socorro Dantas
34
preocupação principal se legitimam com o argumento moral de que a
preocupação é com a saúde (Dantas, 1998).
A respeito da procura desenfreada para “ludibriar” 9 os efeitos do tempo
sobre o corpo, Dias (2005) adverte que isso pode ser uma atitude perigosa, quer
pela recusa explícita do envelhecimento como experiência vital, quer pelo fato de
as novas gerações começarem a pôr em causa os papéis tradicionalmente
atribuídos às diferentes faixas etárias.
Nesse contexto de valorização e do culto à juventude, há diversas
designações referentes à pessoa mais velha, como por exemplo: velho, idoso,
pessoa de idade, aposentado, terceira idade10, ou ainda, melhor idade11, para
citar algumas dessas designações. Claro que cada uma dessas designações
surgiu com conotações e objetivos diferentes, seja do ponto de vista
socioeconômico, seja do ponto de vista funcional. Essas formas de agir e de
pensar são típicas da nossa época. A modernidade e seus valores conseguiram
marcar indelevelmente as representações do envelhecimento, e foram
propagadas pelos meios de comunicação de massa. Concorda-se com Dias
(2005), quando diz que, de qualquer modo, o estatuto de velhice (ou de qualquer
outra designação para essa fase da vida) nunca é conquistado pelo idoso; é
sempre outorgado pela sociedade a partir dos seus vários interesses. Por outro
lado, Minayo e Coimbra Jr. (2002) assinalam que no imaginário social a velhice
sempre foi pensada como um peso, tanto para a família quanto para a
sociedade, e como uma ameaça às possíveis mudanças. Esta noção tem levado
a sociedade a negar a seus idosos o direito de decidir o próprio destino.
As transformações sempre aconteceram em todas as épocas, porém, de
acordo com Giddens (2005), as transformações sofridas na modernidade12
9 Grifo nosso.
10 A terceira idade é a expressão quase hegemônica para designar essa fase da vida.
11 No Brasil, a velhice também recebe a denominação de “melhor idade”.
12 Para definir o termo modernidade, Giddens (2005) faz uma associação temporal e uma localização
geográfica inicial. Para o autor a modernidade refere-se a modos de vida e de organização social que surgiram na Europa do século XVII, e que depois adquiriram uma influência mais ou menos universal. Também Silva (2002) se refere a essa época e estabelece períodos distintos no seu desenvolvimento. O primeiro momento foi quando as mudanças começaram a ocorrer, entre os séculos XV e XVIII. Neste período sucederam grandes transformações na Europa pós-feudal, onde surgiram novas formas de organização e de projetos sociais. As transformações aconteceram designadamente nos domínios do
Revisão de Literatura
Socorro Dantas
35
diferem de outras épocas de maneira extensiva e intensiva. No plano da
extensividade, serviram para estabelecer formas de interligação social de forma
global; em termos de intensividade, vieram mudar algumas das características
íntimas e pessoais da existência cotidiana. A modernidade marcada como uma
ordem, de certo modo, contrária ao que é tradicional e preestabelecido, ressalta
o desenvolvimento das capacidades individuais, apresentando ao indivíduo a
possibilidade de uma identidade mutável. Desse modo, diminui a referência da
tradição, sendo apresentado ao indivíduo um mundo de escolhas, de
diversidades e de possibilidades de mudanças constantes. Nesse contexto, o
sujeito torna-se responsável por si mesmo, e os planejamentos para a vida
tornam-se relevantes.
Na sociedade ocidental, atualmente regulada pelo novo, pelo volátil, é a
era do efêmero, regida por um conjunto de fatores que a dotam de
características distintas de outras. Na perspectiva de Giddens (2005), esse
dinamismo é resultado de três fatores predominantes, nomeadamente, a
separação do tempo e do espaço13, a descontextualização14 e a reflexividade15.
Como refere Pereira (2006), é necessário um destaque sobre a reflexividade,
pois esta muda conceitos e valores. O conhecimento aplicado reflexivamente na
sociedade é transformador, transcendendo o caráter individual; essa informação
é interpretada e se traduz na vida cotidiana, alterando as circunstâncias a que
originalmente se reportava (Giddens, 2005). A modernidade desenvolveu um
alto grau de caráter reflexivo, sendo constante a revisão de objetivos e
estratégias de ação em função de novas informações e novos conhecimentos
adquiridos (Silva, 2002). Isso significa que o conhecimento orienta e redireciona
as ações de instituições e também dos indivíduos. Assim, cada sociedade, de
conhecimento e tecnologia, na religião, na política, na economia e na composição social das populações. O segundo momento foi no final do século XVIII, quando a modernidade ganha novos traços, com a revolução industrial e o desenvolvimento do capitalismo. Entretanto, esses processos não se deram de forma universal, variando de país para país. O terceiro momento foi o século XX, marcado pela modernidade em todo o sistema mundial. 13
“Esta é a condição de um distanciamento espacio-temporal de alcance indeterminado fornecendo meios para um exacto zonamento temporal e espacial” (Anthony Giddens, 2005, p. 37). 14
Para Giddens (2005, p. 37), o desenvolvimento de mecanismos de descontextualização “retira a actividade social de contextos localizados, reorganizando as relações sociais através de grandes distâncias de espaço-tempo”. 15
“A produção de conhecimento, ou a apropriação reflexiva do conhecimento, influencia as mudanças de valores e padrões sociais” (Anthony Giddens, 2005).
Revisão de Literatura
Socorro Dantas
36
acordo com as suas características, e com determinado momento histórico,
adota determinado quadro de normas e valores que orientam as nossas vidas.
Nessa sociedade contemporânea de mudanças rápidas, de valores
difusos, o terreno é fértil para diferenças e contradições. Como por exemplo, a
forma de encarar a velhice. Podem-se observar atitudes contraditórias em
relação ao trato do envelhecimento e da velhice. Se, por um lado, a sociedade
ocidental atual desvaloriza, discrimina, exclui, por outro lado, apresenta a
necessidade de conhecer e compreender essa faixa da população. Assim, a
sociedade contemporânea, confrontada e preocupada, com diferentes motivos e
interesses, com o seu próprio envelhecimento, tem implantado diversas políticas
sociais no sentido de promover o bem-estar da população que envelhece.
Entretanto, essas políticas, sejam de emprego, de saúde, de lazer, de educação
ou de segurança social, têm vindo a contribuir para a definição da pessoa idosa
como uma categoria social economicamente dependente e tratada como um
problema social. Por conseguinte, a velhice não só é imbuída do estado
sociocultural de uma determinada época e de uma sociedade, como esta difunde
representações legitimadoras de certas formas de tratamento dos que
envelhecem.
Pelo exposto, o alongamento dos anos de vida, podendo ser interpretado
como uma conquista das sociedades contemporâneas, suscita inúmeras
interpretações. Desse modo, o envelhecimento tornou-se objeto de caráter
multidisciplinar. São inúmeras as teorias que tentam explicar o envelhecimento,
assim como são vários e distintos os seus critérios de classificação.
Interessa, aqui, apresentar algumas das teorias que contribuem para o
entendimento das principais representações relativas ao envelhecimento e à
velhice, na perspectiva sociológica, e que são pertinentes ao estudo em causa.
Revisão de Literatura
Socorro Dantas
37
Teorias do envelhecimento: um contributo da Sociologia
São diversas as disciplinas que conceitualizam o processo de
envelhecimento e a velhice, como por exemplo, a biologia, a psicologia, a
sociologia, dentre algumas. Porém, sendo o tema envelhecimento de caráter
multidimensional, nenhuma delas, sozinha, consegue dar conta da complexidade
que é o passar dos anos para a condição humana.
No âmbito das Ciências Sociais, principalmente na psicologia e na
sociologia, tem havido esforços para gerar teorias do envelhecimento. Com
efeito, na Sociologia existem grupos distintos de conceituações sobre o
envelhecimento. Essas teorias tratam de explicar como o indivíduo se ajusta à
sociedade ao longo dos anos vividos e como a estrutura social pode determinar
o processo de envelhecimento.
A primeira geração dessas teorias, nos anos de 1949 a 1969,
caracterizou a Gerontologia Social, e os precursores foram Cavan, Burgess,
Havinghurst e Goldhammer com a obra “Personal Adjustment in old Age”, em
1949, e “Older People” de Havinghurst e Albrecht, em 1953 (Caldas, 2006).
As teorias desenvolvidas por essa geração realçam o indivíduo como
uma unidade de análise, no seu empenho de explicar os padrões ótimos e os
padrões não funcionais de ajuste em face do suposto declínio entre os idosos.
As abordagens dessas teorias baseavam-se em fatores de nível micro, como
papéis, normas e grupos de referência. Alguns exemplos das teorias
sociológicas da primeira geração são: Teoria da desvinculação proposta por
Cumming e Henry em 1961; Teoria da atividade proposta por Havighurst em
1968 e posteriormente sistematizada a partir de estudos desenvolvidos por
Lemon, Bengtson e Peterson em 1972; Teoria da modernização por Cowgill e
Holmes, em 1972; Teoria da subcultura - proposta por Rose em 1965 (Caldas,
2006; Dias, 2005; Siqueira, 2007).
A teoria da desvinculação assinala a desvinculação do indivíduo da
sociedade ao longo do seu processo de envelhecimento. Trata-se de uma
desvinculação funcional, ou seja, o indivíduo paulatinamente, à medida que
Revisão de Literatura
Socorro Dantas
38
envelhece, vai-se afastando dos papéis sociais que antes representava. De
acordo com Cumming e Henry (1961), essa teoria é desenvolvida a partir do
senso comum de que ao ficar velho, o sujeito está menos envolvido com as
coisas e com as atividades ao seu redor do que em outras fases anteriores da
vida. Isto mostra uma visão deficitária do envelhecimento, e essa desvinculação
implica perdas na competitividade social e econômica, bem como na diminuição
das relações sociais. Como observa Dias (2005), esta teoria teve importantes
repercussões ao nível da definição de políticas sociais, influenciando fortemente
as representações sociais sobre a velhice.
A teoria da atividade, proposta por Havighurst em 1968, foi posteriormente
sistematizada por Lemon, Bengtson e Peterson em 1972. Essa teoria enfatiza a
necessidade de atividades para que se tenha um envelhecimento saudável. Tal
proposta provocou mudanças e influenciou comportamentos de pessoas mais
velhas, incentivou políticas públicas no que diz respeito aos movimentos sociais,
construções de centros de lazer e de educação não-formal para adultos mais
velhos e idosos. Embora defenda o bem-estar dos indivíduos, esta teoria possui
algumas limitações, como por exemplo: defende um único estilo de vida como
ideal para as pessoas, o estilo ativo; o uso indiscriminado do conceito atividade;
não leva em consideração a relação entre atividade e satisfação, ou seja, a
escolha individual de envelhecer com a adoção de um estilo de vida menos ativo
(e que essa escolha pode decorrer de vários fatores, como estado de saúde,
situação financeira, bem-estar, entre outros); o enfoque dessa teoria à
necessidade de atividade acaba, por vezes, por criar uma perspectiva de
antienvelhecimento (Dias, 2005; Siqueira, 2007).
Na teoria da subcultura, proposta por Arnold M. Rose (1962 ), os idosos
possuem traços de qualquer um grupo isolado, ou seja, possuem normas
próprias de conduta, crenças, atitudes, expectativas e comportamentos, com
características exclusivas que os separam das outras faixas etárias De acordo
com esta teoria, essas normas e crenças se estabelecem acima dos status
distintivos como gênero, raça e classe social. A leitura que se faz desses grupos
isolados é que as pessoas que os integram são consideradas pessoas
Revisão de Literatura
Socorro Dantas
39
segregadas, ou seja, fazer parte de uma subcultura é, geralmente, viver à
margem. Assim, alguns fatores contribuem para o aumento do número de
indivíduos pertencentes à subcultura dos idosos: as mudanças demográficas,
ecológicas e sociais que contribuem para aumento significativo do número de
pessoas mais velhas; a segregação de idosos nas zonas rurais, provocada pela
migração dos jovens para a zona urbana; a diminuição da oferta de empregos
para idosos; o aumento da oferta de prestações de serviços para essa
população (Damasceno, 2007). Entretanto, para essa teoria, nem todos os
comportamentos que diferenciam os idosos de outras gerações podem ser
atribuídos à subcultura, todavia reconhece que mudanças biológicas,
expectativas sociais, diferenças geracionais podem contribuir para tornar os
idosos mais segregados que outras categorias. Porém, para essa teoria, a
subcultura, apesar de influenciar na representação negativa do idoso, pode
estimular o desenvolvimento de uma consciência de grupo (Siqueira, 2007). Ou
seja, essa consciência de grupo estimula nos idosos a necessidade de lutar por
melhorias sociais para esse grupo.
Por sua vez, a teoria da modernização trabalha com a imagem, com o
status social dos idosos e com as representações que influenciam essa imagem.
Tem como proposta explicar a mudança de estatuto de papéis do idoso em
decorrência do grau de industrialização da sociedade.
Nas sociedades marcadas pelas transformações, que acontecem de
formas aceleradas, o idoso passa a ter a conotação de obsoleto, ultrapassado.
Como consequência, as pessoas mais velhas perdem status social em razão de
outras pessoas ou grupos que estão situados em faixas etárias mais jovens.
Essa teoria apoia-se no grau de industrialização da sociedade e nas normas
decorrentes desta realidade para explicar o declínio do estatuto social e do
prestígio do idoso nas sociedades modernas. São sociedades que valorizam
fortemente o individualismo, a produção, e o culto à juventude. Para Cowgill, o
status de pessoas idosas pode modificar-se durante o processo de
modernização no que diz respeito às mudanças demográficas, os valores, às
Revisão de Literatura
Socorro Dantas
40
estruturas familiares e política, aos sistemas políticos, educacionais e
econômicos (Cowgill & Holmes, 1974 ).
A segunda geração das teorias sociológicas do envelhecimento (1970 a
1985) adotou uma abordagem estrutural em nível macro, incluindo a
estratificação por idade e teorias de modernização. Centrou-se nas formas pelas
quais as condições estruturais ditam os parâmetros do processo de
envelhecimento. Ao contrário dos teóricos da primeira geração, os teóricos da
segunda geração entendem o idoso como uma categoria coletiva. Nesta
abordagem, os indivíduos envelhecem de acordo como a sociedade se organiza,
de acordo com a agenda política e com o posicionamento na hierarquia social.
As teorias sociológicas da segunda geração foram: a teoria da continuidade,
proposta por Atchley, em 1989; a teoria do colapso de competência, proposta
por Kuypers e Bengtson, em 1973; teoria da troca, por Dowd, em 1975; teoria da
estratificação por idade, proposta por Riley, Johnson e Foner, em 1972; e a
teoria político-econômica do envelhecimento, por Walker e Minkler, na década
de 80 (Caldas, 2006).
A teoria da continuidade, proposta por Atchley (1989), sustenta que na
meia-idade e na velhice as mudanças sofridas pelos adultos têm por finalidade a
adaptação, a preservação e a manutenção de estruturas externas e internas,
sendo, para isso, utilizadas estratégias ampliadas, desenvolvidas e adaptadas
às novas situações. Os adultos utilizam-se das experiências passadas para
definir as questões do presente, numa forma de continuidade e adaptação.
Eventos variados podem modificar a direção e o contexto de vida, o que não
significa romper com o passado. A continuidade é, portanto, uma grande
estratégia adaptativa, que é promovida pelas preferências individuais e pela
aprovação social.
A teoria do colapso de competência, proposta por Kuypers e Bengtson
(1973), apresenta um modelo enfatizando as interações entre a reorganização
dos sistemas sociais e competências individuais, em idade avançada. Essa
teoria ajuda a compreender a competência social do idoso em lidar com as
crises que acontecem a partir das perdas (pessoas, emprego, saúde etc.). O
Revisão de Literatura
Socorro Dantas
41
colapso da competência pode trazer implicações negativas ao envelhecimento,
fazendo o idoso ficar vulnerável e dependente, comprometendo ainda mais a
sua condição social e psicológica. Para os formuladores dessa teoria, isso pode
ser revertido com o auxílio da terapia de reconstrução social, ou seja, é oferecido
ao idoso um ambiente que auxilie no resgate dessas competências.
A teoria da troca indica que os problemas relacionados ao
envelhecimento são basicamente relativos ao decréscimo dos recursos em
termos de poder (Dowd, 1975). Nesta perspectiva, os idosos têm pouco para
trocar; sejam quais forem as habilidades que uma vez eles tiveram, elas estão
frequentemente desatualizadas ou afetadas por problemas de saúde. Para o
autor dessa teoria, a quantidade de recursos, de poder possuído pelo estrato
dos idosos, é inversamente relacionada com o grau de modernização social.
Essa teoria foi frequentemente aplicada nos estudos da família e, por seu turno,
do envelhecimento. Diz respeito às trocas de recursos (financeiro, emocional,
instrumental) entre as gerações16 (Dias, 2005).
A teoria da estratificação por idade foi proposta por Riley, Johnson e
Foner (Riley & Foner, 1972), e tem como ponto de partida a estratificação por
idade, classe social e suas diversidades. De acordo com essa teoria, as pessoas
que fazem parte de uma determinada faixa etária (criança, adolescente, adulto,
velho) exibem conduta, desempenham papéis e ocupam os lugares que lhes
correspondem na estrutura social.
A teoria político-econômica do envelhecimento, proposta por Walker e
Minkler na década de 80, observa estruturas institucionais reforçadas pela
economia e como essas influenciam o status no envelhecimento. Relaciona esta
experiência com o papel do Estado, do trabalho e do capital e considera as
divisões de classe, etnia, gênero e idade (Caldas, 2006; Dias, 2005). Essa teoria
é criticada por excluir a possibilidade de construção de experiências individuais
de envelhecer, não considerando a interpretação pessoal de envelhecer
16
No caso do idoso, as doenças que levam à dependência e à diminuição dos recursos financeiros dificultam a capacidade de retribuir, limitando essa relação de troca.
Revisão de Literatura
Socorro Dantas
42
(Siqueira, 2007). Para essa teoria, o idoso é um sujeito passivo e dependente da
estrutura do Estado.
Para a terceira geração das teorias sociológicas do envelhecimento, na
década de 1990, existiu uma tentativa de busca de uma posição intermediária;
essa geração procurou estabelecer uma articulação entre as teorias. Na
perspectiva dessa geração, os idosos são vistos como contribuintes ativos para
o seu próprio mundo. A terceira geração buscou incorporar a preocupação
estruturalista com os aspectos econômicos e os rumos da economia, mas
enfatiza que os idosos criam significados e que a estrutura tem nuances
distintas. Talvez a transição mais importante tenha sido o reconhecimento de
que envelhecer é um processo baseado em experiências e influenciado pelo
meio (Caldas, 2006). Exemplos de teorias da terceira geração são: Teoria do
construcionismo, que se apoia no interacionismo simbólico, na fenomenologia e
na etnometodologia; Teoria crítica: possui várias influências e procura focalizar
as diversas dimensões estruturais e humanistas presentes na Gerontologia
atual; Perspectiva do curso de vida: de acordo com essa teoria, o
desenvolvimento é um processo multidirecional e multifuncional, influenciado
pelo contexto histórico, abrangendo todo o curso de vida, com constante
equilíbrio entre perdas e ganhos (Caldas, 2006; Debert, 2004; Neri, 1995).
Conforme refere Debert (2004), as pesquisas das últimas décadas
fundamentaram as discussões sobre o tema. Entretanto, o que marca essas
discussões na atualidade são duas formas opostas de se pensar o
envelhecimento e a velhice. Uma como um sujeito dependente e outra como um
sujeito ativo. Na primeira, trata-se de construir um quadro apontando a situação
de pobreza e abandono a que o velho é relegado, sendo a família a assumir o
fardo dessa situação. Esse modelo é criticado, porque estaria de certa forma
alimentando o estereótipo da velhice como uma fase de dependência,
legitimando as políticas públicas baseadas na visão do idoso como um doente,
dependente, abandonado pela família e que deve ser dependente do Estado. O
segundo modelo de pensar o envelhecimento e o idoso refere-se a este como
indivíduo ativo, respondendo bem aos desafios que surgem no cotidiano,
Revisão de Literatura
Socorro Dantas
43
redefinindo sua experiência de forma a contestar os estereótipos ligados à
velhice. O extremo dessa forma de pensar tal fase da vida é a rejeição à ideia de
velhice, ao considerar que a idade não é um marcador pertinente na definição
das experiências vividas.
Conforme exposto, são diversas as teorias que procuram explicar do
ponto de vista sociológico o processo de envelhecimento humano. De qualquer
modo, observa-se que o envelhecimento parece ser um período de
encruzilhadas, em que, por vezes, as escolhas dependem da maneira como se
levou a vida. Desse modo, o resultado dessa experiência de viver pode conduzir,
na velhice, à reorientação de identidade, papéis e relações, a partir dos limites e
das possibilidades do contexto social no qual o indivíduo esteja inserido.
Assim, na medida em que o envelhecimento possa ser considerado uma
construção social, no sentido de que os indivíduos podem se construir a partir
dos limites e das possibilidades da sociedade, se faz necessário refletir sobre
algumas percepções hegemônicas circulantes que fundamentam as
representações sobre o envelhecimento e a velhice.
Cada sociedade atribui aos seus grupos diferentes papéis, esperando que
determinados comportamentos idealizados sejam acatados pelos membros
desses grupos. Esses comportamentos e modos de ação esperados estão pre-
definidos socialmente diante de cada situação. No entanto, com as
transformações sociais é esperado que também mudem os comportamentos de
acordo com o momento histórico. Essas transformações também modificam os
status. Em relação aos idosos, como refere Linton (1981), em alguns casos eles
são dispensados dos trabalhos pesados e passam a viver dependentes dos
filhos; em outros casos os idosos cuidam dos netos para que os filhos fiquem
mais livres; em outros, os velhos são tratados com respeito e consideração; em
outros, como inúteis.
Pensando a velhice como um processo que acontece naturalmente na
vida das pessoas, é preciso reconhecer que a convivência social dos idosos fica
reduzida nessa fase da vida, seja em consequência do afastamento do mundo
Revisão de Literatura
Socorro Dantas
44
do trabalho, seja por afastamento e morte de parentes e amigos. Em decorrência
desses fatos, ocorre a diminuição de suas interações sociais. Isso se deve ao
fato de a pessoa idosa geralmente diminuir sua participação na sociedade,
abandonando também seu papel social principal, o que retrai sua vida em
sociedade. Consequentemente, existe uma tendência para a diminuição no seu
status social, o que contribui ainda mais para uma representação negativa do
envelhecimento e da velhice.
Assim sendo, faz sentido compreender quais as principais representações
sociais sobre o envelhecimento. Outro conceito importante está, naturalmente,
relacionado com o término de uma carreira e a entrada na aposentadoria. Essa é
uma fase de perdas de papéis significativos e de aprendizagem de novos
papéis, como seja o de aposentado.
As representações sociais do envelhecimento e da velhice
Nas sociedades contemporâneas, é-se diariamente confrontado com uma
grande gama de informações. As questões provenientes dessas informações e
de cada evento social que surge justifica a necessidade de compreendê-las.
Dessa forma, as representações sociais surgem da inerente necessidade do ser
humano de conhecer, entender e conceituar o contexto que o rodeia. A
necessidade de respostas a respeito dos elementos funcionais e materiais do dia
a dia fazem com que as pessoas desenvolvam a cada momento ideias e
conceitos acerca dos diversos aspectos da vida cotidiana. Essas ideias, crenças
ou conceitos são formados consoante as suas convicções e percepções, por
isso podem diferir de indivíduo para indivíduo, mas também na interação, nas
conversas diárias com outros indivíduos.
No nível social, essas interações desenvolvem “consensos” no âmbito
dos quais as novas representações vão sendo produzidas e comunicadas,
transformando-se em “teorias” do senso comum. Essas “teorias” contribuem
para construir uma identidade grupal e o sentimento de pertencimento do
indivíduo ao grupo.
Revisão de Literatura
Socorro Dantas
45
É de salientar que existem diversas maneiras de conceber e de abordar
as representações sociais, relacionando-as ou não ao imaginário. As
representações são associadas ao imaginário quando a ênfase é o caráter
simbólico da atividade representativa de sujeitos que partilham uma mesma
condição ou experiência social. Assim sendo, os sujeitos demonstram em suas
representações o sentido que dão a sua experiência no mundo social, usando
os sistemas de códigos e interpretações fornecidos pela sociedade e
projetando valores e aspirações sociais (Alves-Mazzotti, 2008).
Nas últimas décadas, a ideia de representação social tem sido
mencionada em muitos trabalhos de diversas áreas do conhecimento, como
por exemplo, a psicologia, a antropologia, a sociologia, a história. Criada por
Serge Moscovici em 1961 para ocupar uma posição de ligação entre a
psicologia e a sociologia, a representação social é hoje uma das noções
centrais da psicologia social.
Moscovici prefere falar de representação social e não de representação
coletiva, trata-se de não colocar o conceito no campo exclusivamente
sociológico. Havia sido Durkheim a propor o termo de representação coletiva, e
com ela a ideia de que a condição de existência de todo pensamento
organizado é a vida social. Desse modo, as formas de agir e pensar, bem como
os comportamentos, seriam impostos aos indivíduos, mesmo que eles não
tivessem consciência delas (Castro, 2002).
Porém, como refere Santiago (2006), é difícil analisar as
representações, seja no nível consciente ou inconsciente, pois estas não
possuem linhas limítrofes. Assim, qualquer tentativa de separá-las ou unificá-las
terá um resultado infrutífero.
As representações sociais são formas de conhecimento socialmente
elaboradas, construídas pelos grupos de indivíduos para poderem comunicar-se
e entender aquilo que não lhes é familiar. Nesse sentido, as representações
abrangem as experiências e informações que recebemos e que transmitimos
diariamente.
Revisão de Literatura
Socorro Dantas
46
A representação social é, para Moscovici (2003), um conjunto de
conceitos, afirmações e explicações originadas no decurso do cotidiano de uma
sociedade móvel onde as pessoas e os grupos interagem, produzindo e
transmitindo conhecimento. Essas pessoas estão organizadas de formas
diversas, segundo as classes, as culturas ou grupos de interesse, constituindo
vários universos de opiniões (Castro, 2002).
Para Moscovici, há três modos pelos quais uma representação pode
tornar-se representação social. As representações podem ser compartilhadas
por todos os membros de um grupo bem estruturado (um partido, uma nação
etc.) sem terem sido produzidas pelo grupo. Estas representações hegemônicas
prevalecem de maneira implícita em todas as práticas simbólicas e parecem ser
uniformes e coercivas (Cabecinhas, 2004).
Outras representações são o fruto das ideias e dos conhecimentos que
circulam em grupos que convivem com certa proximidade. Cada grupo refletindo
sobre seus projetos, sobre seus problemas e estratégias, cunha as suas próprias
versões e partilha-as entre os pares. Estas são representações que possuem um
certo grau de autonomia, tendo uma função complementar, uma vez que
resultam da partilha de um conjunto de interpretações e de símbolos. De acordo
com Vala (2006), este modo põe em evidência os fenômenos de constituição
social das representações, entendidas como resultado da atividade cognitiva e
simbólica de um grupo social.
Por último, existem as representações que são produzidas numa situação
de conflito social, mas não são partilhadas pela sociedade como um todo. Elas
oferecem programas para a comunicação e a ação relativos aos conflitos, aos
objetos de interrogações (Vala, 2006). Estas representações controversas
devem ser consideradas no contexto de uma oposição ou luta entre grupos
(Cabecinhas, 2004).
A construção das representações passa por processos intimamente
ligados: são os processos de objetivação e de ancoragem que são modelados
pelos acontecimentos sociais. O processo de objetivação esclarece como se
Revisão de Literatura
Socorro Dantas
47
estrutura o conhecimento; já a ancoragem transforma o que é estranho em
familiar, integrando-o no sistema de categorias e imagens conhecidas. A
ancoragem refere-se ao fato de que qualquer tratamento de uma informação
exige pontos de referências, ou, como diz Vala (2006), que o universo mental do
indivíduo não é uma tábua rasa, pelo contrário, é por referência às experiências
ou pensamentos anteriores que o objeto novo pode ser pensado. A objetivação
trata de como estão organizados os elementos que constituem a representação
e do percurso através do qual tais elementos adquirem materialidade, isto é, se
tornam expressões de uma realidade vista como natural. Esse processo envolve
três fases. Na primeira fase, as informações e as crenças acerca do objeto da
representação sofrem um processo de seleção e descontextualização,
permitindo a formação de um todo relativamente coerente, em que apenas uma
parte da informação disponível é arquivada. Esta seleção está intrinsecamente
ligada às normas e aos valores do grupo. A segunda etapa da objetivação
corresponde à organização dos elementos. A última etapa da objetivação é a
naturalização, isto é, os conceitos tornam-se equivalentes à realidade e o
abstrato torna-se concreto através da sua expressão em imagens e metáforas
(Cabecinhas, 2004; Castro, 2002).
As representações sociais são socialmente construídas e partilhadas, e
essa partilha é diferenciada porque as representações provêm de e circulam em
grupos sociais distintos. Essas representações refletem a situação dos
indivíduos no que se refere aos assuntos que são objetos do seu cotidiano.
Nesse sentido, como refere Jodelet (1989 ), a representação é um saber prático
que valoriza o conhecimento do senso comum, que o positivismo considerou
ingênuo, existindo uma interação entre o senso comum e o conhecimento
(Santos, 1987). As representações são equivalentes, em nossa sociedade, aos
mitos e sistemas de crenças das sociedades tradicionais, numa espécie de
versão contemporânea do senso comum (Nascimento & Cruz, 2007). O
indivíduo a partir do seu lugar apresenta (ou re-apresenta) o mundo conforme o
percebe.
Revisão de Literatura
Socorro Dantas
48
As representações não param no tempo, são construídas a partir das
articulações entre transformações sociais, culturais, econômicas, entre várias
outras, e das convicções individuais. Entretanto, não existe uma hierarquia ou
uma homogeneidade na qual uma pessoa ou um grupo possa aderir às ideias
circulantes. As representações refletem a posição dos indivíduos no que diz
respeito aos assuntos que são objetos do seu cotidiano. Assim sendo, para que
se consiga viver nessa realidade e se consiga desenvolver a capacidade de ser
e estar no mundo, é necessário que cada indivíduo construa na sua imaginação
imagens que representem essa realidade. E, nessa realidade, esse saber é
também partilhado com outros, cada um comungando a sua experiência do
vivido, do percebido, ou, como dizem Berger e Luckmann (2004, p. 40): “Na
situação frente a frente o outro é apreendido por mim num vívido presente,
partilhado por nós dois”. Nessa constante interação com o outro e com o
contexto as mudanças são frequentes.
As relações de trocas advindas dessas influências mútuas conduzem a
uma consciência coletiva fundamentada em crenças comuns, formando um
conjunto de valores e conceitos defendido por grande parte dos indivíduos que
compõem uma sociedade. Por vezes, a construção dos conceitos, carecendo de
uma base reflexiva, conduz à criação de estereótipos prejudiciais ao
desenvolvimento saudável da sociedade. Essas ideias e conceitos são
disseminados nas interações dos indivíduos, expandindo-se à sociedade como
um todo. Desse modo, são construídas as representações sociais.
É nessa sociedade de grandes transformações que o envelhecimento e
a velhice têm-se tornado um tema relevante. O envelhecimento faz parte da
evolução humana, estando as suas várias representações presentes e
associadas às diversas épocas e lugares. Entretanto, as atribuições socialmente
estabelecidas acerca da velhice sofreram alterações ao longo da evolução e das
transformações ocorridas na sociedade. As representações do envelhecimento e
do idoso também se têm modificado ao longo da história da humanidade. A
velhice às vezes foi prestigiada, às vezes desvalorizada; às vezes ocupando o
lugar de status elevado, às vezes sendo excluída e menosprezada.
Revisão de Literatura
Socorro Dantas
49
Exemplo disso é que em algumas civilizações mais antigas a
valorização pessoal parecia ter relação com o corpo como capacidade física,
força, vitalidade, beleza, ou seja, a juventude; já em países orientais a velhice
era objeto de adoração, significava conhecimentos e experiências (Araújo &
Carvalho, 2004). Na obra “Da Velhice”, Cícero (1998)17 mostra pessimismo em
relação ao envelhecimento corporal, mas contrário a essa ideia diz que o
importante é não envelhecer o espírito, e que a sabedoria pode tornar os velhos
mais úteis. Sobre o tema, Beauvoir (1990) menciona que nas sociedades grega
e romana as pessoas velhas eram consideradas conselheiras distintas. Em
Roma, os idosos tinham uma importância na vida cultural, social e política da
sociedade daquela época.
Nas sociedades contemporâneas, com a industrialização e valorização
da produção, do trabalho e da força da juventude, houve uma desvalorização do
idoso, diminuiu seu status e ele foi posto à margem da sociedade. Perdeu,
então, cada vez mais a sua autonomia e foi colocado aos cuidados da família ou
do Estado. No plano familiar, acontece, geralmente, o distanciamento
intergeracional, quando os valores e os conhecimentos dos mais velhos deixam
de ser transmitidos aos mais jovens.
Para Agra (2008), essa teria sido a forma pela qual a sociedade
moderna estabeleceu a sua relação consigo e com a prática da individualização:
os afetos foram controlados, os instintos subjugados à cultura, a felicidade foi
relacionada intimamente à satisfação e ao gozo eterno do indivíduo. Aos velhos
coube a culpa por sua própria decadência e a alternativa do isolamento, sob os
cuidados de instituições e especialistas, que os retiram do convívio social,
apaziguando a sensibilidade dos mais jovens. Desse modo, como assegura
Cardoso (2002), o envelhecimento pode se tornar difícil à medida que transporta
uma carga de negativismo, juntando-se isso a um conjunto de ideias
preconcebidas a respeito da solidão, angústia, tristeza, dentre outros
sentimentos.
17
A obra Catão O Velho ou Da Velhice foi escrita no ano 44 a.C. por Marco Túlio Cícero (106-43 a.C.). Foi traduzida do latim por Carlos Humberto Gomes. A obra consultada foi: Cícero, M.T. (1998).
Revisão de Literatura
Socorro Dantas
50
Como já anteriormente exposto, por norma, a velhice é uma fase de
perdas, o que pode causar instabilidade emocional. É uma fase de
transformações nas diversas dimensões da vida, parte delas consideradas como
naturais, integrando uma etapa da vida humana. Porém, a imagem que
prevalece é a de que esta é uma fase de isolamento, fraqueza, inutilidade, entre
outras percepções negativas.
A representação social que a sociedade atual construiu da velhice
produziu um estigma de que o idoso é um problema social. Ora, como se sabe e
como bem argumentou Goffman, o estigma é algo que tende à segregação
social de pessoas ou grupos, como as pessoas idosas. De acordo com Goffman
(1988), a identidade social ou status social são aspectos observados a priori
quando se conhece alguém. Desse modo, o indivíduo (idoso) é estigmatizado
por ser um aposentado, ou, em outras palavras, aquele que já não produz; por
sua aparência; pelos seus valores. Ainda para Goffman, a discriminação reduz
as chances de vida do indivíduo estigmatizado. É construída uma teoria do
estigma; uma ideologia para explicar a sua inferioridade e dar conta do “perigo”
que representa, racionalizando algumas vezes uma antipatia baseada em outras
diferenças, tais como as de classe social, idade, sexo, raça.
Com efeito, o preconceito para com a velhice aparece na vida cotidiana,
utilizando-se, para tal, expressões específicas de estigma que categorizam o
velho como ineficiente, inútil. Na realidade, pode-se afirmar que o olhar do outro
em relação à velhice, em várias sociedades, na contemporaneidade,
frequentemente tem sido um olhar estigmatizante e negativizado.
Estas representações sociais acerca do envelhecimento e da velhice
podem influenciar o modo como a sociedade se relaciona com os idosos e
também podem influenciar a maneira como os idosos se avaliam e como
percebem e lidam com o seu próprio envelhecimento. É neste contexto que se
percebe uma certa tendência atual para refletir sobre os estereótipos associados
ao envelhecimento. De fato, a ideia de um processo de perdas tem sido
substituída por uma consideração de que as fases mais avançadas da vida são
momentos para novas conquistas. Os saberes acumulados e a experiência são
Revisão de Literatura
Socorro Dantas
51
o lastro que ajuda a realizar projetos novos ou abandonados em etapas
anteriores da vida, como também ajuda a estabelecer e fortalecer laços entre os
jovens e os velhos (Debert, 2004). A autora considera que o movimento que
marcou as sociedades modernas, caracterizando a velhice como uma fase
negativa da vida de perda de papéis, aliado ao crescente número de idosos, foi
fundamental para a legitimação de direitos sociais, como a universalização da
aposentadoria.
Como já referido neste texto, a visão depreciativa que a sociedade tem do
idoso tem sido amparada pelo sistema de ideias produtivistas que sustentaram a
sociedade capitalista industrial, entre as quais prevalece a ideia de utilidade, ou
seja, o indivíduo vale pelo que produz (Minayo & Coimbra Jr, 2002). Percebe-se
que o discurso dominante sobre/da velhice na sociedade contemporânea
(capitalista) é intimamente articulado ao trabalho, não levando em consideração
a totalidade do ser social (Sobrinho, 2007).
Nessa linha de pensamento, a velhice tem sido vista na dimensão da
construção social da sociedade, associada ao problema da inclusão social pelo
trabalho. Com efeito, uma das grandes problemáticas associadas ao processo
de envelhecimento está diretamente relacionada com a perda de papéis no
âmbito da vida produtiva ativa. Assim, a velhice passa a ser delimitada não
apenas pelas transformações fisiológicas, mas por um advento social, a
aposentadoria, em que o indivíduo passa da categoria de trabalhador18, pessoa
produtiva, para a de ex-trabalhador19, improdutivo; ou seja, a perda de papel
enquanto trabalhador contribui para reforçar o estigma do envelhecimento
associado à inutilidade.
O afastamento da vida de trabalho (aposentadoria ou reforma)
Do ponto de vista sociológico, a saída da vida de trabalho,
aposentadoria ou reforma foi acolhida desde o início do século passado e foi
18
No caso deste estudo o trabalhador é o atleta. 19
Ex-atleta.
Revisão de Literatura
Socorro Dantas
52
recebida com satisfação. Era um evento que permitia substituir os trabalhadores
em trabalhos que exigiam maiores esforços físicos, devido à falta de ferramentas
que minimizassem esses esforços, libertando, assim, as pessoas da obrigação
de trabalhar até à incapacidade de produzir (Osório, 2007). Entretanto, na
realidade das sociedades modernas, onde o trabalho é uma fonte de identidade,
valorização social e participação econômica, a aposentadoria tornou-se um
campo de representações e discussões divergentes.
A palavra aposentadoria está atrelada a duas ideias centrais: a de
retirar-se aos aposentos, de recolher-se ao espaço privado de não trabalho –
contribuindo, desse modo, para reforçar o status depreciativo que envolve o
abandono e a inatividade; e a de jubilamento, acarretando uma perspectiva
otimista, em que há uma conotação de prêmio ou recompensa (Carlos et al,
1998).
Na maioria das legislações trabalhistas, a aposentadoria é concedida por
idade, aspecto este que implica não dividir o binômio idade-trabalho, o que
relaciona diretamente a aposentadoria ao processo de envelhecimento
(Rodrigues, 2000). Sobre a “substituição”20 no trabalho, o estudo desenvolvido
por Viegas e Gomes (2007) aponta que o significado da aposentadoria inscreve-
se num paradoxo social, na qual, se por um lado, a aposentadoria é um direito
adquirido, por outro, os idosos têm necessidade de mostrar aos outros algo que
era presumido, o fato de que trabalharam antes de se aposentar, de que foram
úteis.
A aposentadoria pode significar, para muitos, a exclusão do mundo
produtivo que é base da sociedade contemporânea. Nisso, há dois pontos a
considerar: a inatividade e a exclusão podem ter o significado de inutilidade, e a
remuneração por essa inatividade pode ser vista, numa sociedade capitalista,
como um peso econômico a carregar. A perda do espaço profissional também se
associa à perda do status social proporcionado pelo tempo de serviço, pela
experiência, pela idade. No trabalho, o indivíduo encontra as hipóteses de vida.
Com a aposentadoria, o indivíduo é obrigado a estabelecer novos valores que
20
Grifo do autor.
Revisão de Literatura
Socorro Dantas
53
irão pautar a sua vida, reordenando, assim, a sua auto-identidade (Santiago,
Dantas, Brito, & Santos Júnior, 2009). Nesse sentido, Rodrigues (2000) diz que a
aposentadoria requer um condicionamento mental e social que a maioria das
pessoas não possui.
De fato, a aposentadoria conduz a uma mudança brusca de papéis,
determinando o fim de uma fase, e muitas vezes considerada o fim da vida. Com
a mudança de papéis, gera-se um processo de adaptação que, para alguns, não
é inteiramente bem-sucedido, resultando muitas vezes em insatisfação que pode
desencadear outros problemas psicológicos. Para outros indivíduos, entretanto,
como observado no estudo realizado por Alves (2006), a aposentadoria poderá
ter o significado de um período de processo de reconstrução social de sentidos
que dão forma a uma nova realidade social.
Nas sociedades contemporâneas, os indivíduos vivem em diversos planos
simultaneamente. Ao mesmo tempo que se têm instâncias da vida social onde
figuram significados e valores compartilhados, como nas relações familiares,
vizinhança, grupos, gerações e grupo de trabalho, entre outros exemplos, pode-
se observar também a circulação dos indivíduos entre esses diferentes mundos.
O afastamento do mundo do trabalho provoca mudanças na circulação entre
esses planos de relações. Se, por um lado, no contexto social, a aposentadoria
promove um maior tempo livre, em contrapartida, o afastamento do mundo do
trabalho diminui o status social e provoca perdas na rede de relações
sociolaborais.
Na realidade, esta perda da rede de relações está associada a um certo
isolamento social, que se tornou um dos problemas gerados com o
envelhecimento para muitos indivíduos. O fato é que com tempo, e numa fase
avançada da vida, os outros vão desaparecendo – os amigos morrem e a família
muitas vezes está ausente. Adicionalmente, as incapacidades que levam à
perda de autonomia e à dependência, cada vez mais se fazem presentes,
aumentando esse isolamento, afastando esses indivíduos das suas redes de
relacionamentos por onde circulam. Com o isolamento social e para que os
idosos não se tornem um fardo aos filhos, aos netos, colegas e amigos, é
Revisão de Literatura
Socorro Dantas
54
imprescindível o empenho para novos relacionamentos e para o aprendizado de
um novo estilo de vida que minimize essas perdas. Assim, possuir um projeto é
fundamental para a reconstrução da “nova” identidade, sem tornar-se excluído
em relação aos seus contextos sociais.
Essa passagem para a aposentadoria, tal como já referido, decorre da
perda de papéis21, e naturalmente da perda de algumas capacidades individuais
ao nível do organismo. De fato, conforme já dito, sendo o envelhecimento uma
construção social, também é um processo individual por todas as alterações
orgânicas e psicológicas, associadas à degeneração física pelo tempo
incorporado, provocando o desgaste do organismo. Interessa, pois, também
compreender de forma lata essas alterações de caráter biológico.
Processo de envelhecimento e alterações biofisiológicas
Embora não seja o intuito expor aqui todas as alterações provocadas pela
passagem do tempo no organismo do ser humano, e entendendo que o ser
humano tem as suas dimensões indissociáveis, faz-se pertinente apresentar
aquelas que, de alguma forma, estão mais relacionadas com a alteração na
aptidão física, no desempenho e, por vezes, no afastamento de atletas das
competições. Dada a importância e a repercussão desses aspectos para os
sujeitos que fizeram parte deste estudo22, parece adequado abordar algumas
dessas alterações no aspecto biológico, mesmo que de forma sucinta.
Sabe-se que o envelhecimento é um processo individual, progressivo e
inevitável. Especialistas afirmam que esse processo pode ser geneticamente
pré-programado (Farinatti, 2002; Hayflick, 1996), mas outros fatores podem
influenciá-lo, como a nutrição a herança genética, a ocorrência de doenças e a
prática de atividade física, assim como outras atitudes relacionadas ao estilo de
vida; além de grupo étnico, cultura, educação, e a condição socioeconômica
(Spirduso, 2005). Nesse sentido, envelhecer é um fenômeno individual.
21
No caso de atletas de alto nível não é diferente, ocorre, com efeito, a perdas de papéis. 22
Para os atletas de elite, as alterações ocorridas no organismo parecem ser um problema maior do que para a maioria das pessoas, levando-se em consideração que o seu corpo é o seu “instrumento” de trabalho e qualquer alteração fisiológica ou psicológica poderá alterar o seu desempenho.
Revisão de Literatura
Socorro Dantas
55
Assim sendo, a dimensão do declínio fisiológico pode variar muito,
fazendo com que os indivíduos, à medida que envelheçam, se tornem mais
heterogêneos, dificultando ainda mais as possíveis classificações. É importante
salientar o fato de que idade cronológica e idade funcional não são
necessariamente equivalentes, por isso, pessoas de mesma idade podem
aparentar características físicas e fisiológicas bastante diferentes. Ou seja, as
alterações provocadas pela passagem do tempo, nas diversas dimensões da
vida humana, diferem de indivíduo para indivíduo. E isso, dependendo das
experiências de vida de cada um, não é igual no envelhecimento do homem e da
mulher, não sendo igual envelhecer sozinho ou no seio da família, com um
companheiro ou sozinho, na zona urbana ou rural, ou em países diferentes.
Por todas essas razões, é difícil dizer precisamente a idade biológica ou
funcional dos indivíduos.
Com o processo de envelhecimento, são várias as alterações dos
diversos sistemas do organismo, induzindo a um declínio progressivo das
capacidades físicas e cognitivas dos indivíduos. Uma das mais evidentes
alterações que acontecem com o aumento da idade cronológica é a mudança
nas dimensões corporais. Com o processo de envelhecimento, existem
mudanças principalmente na estatura, no peso e na composição corporal. Com o
envelhecimento, a massa muscular diminui e a tendência é o aumento do
percentual de gordura. Apesar do alto componente genético no peso e na
estatura dos indivíduos, outros fatores, como a dieta, a atividade física, fatores
psicossociais e doenças, dentre outros, estão envolvidos nas alterações desses
dois componentes, durante o envelhecimento (Daley & Spinks, 2000; Matsudo,
Matsudo, & Neto, 2002).
Assim, no aspecto morfológico as alterações são percebidas, não
havendo ainda intervenções definitivas que eliminem as consequências da
passagem do tempo sobre o corpo.
Com o envelhecimento ocorre também um declínio progressivo da
vascularização, comprometendo o funcionamento do sistema nervoso. Nos
Revisão de Literatura
Socorro Dantas
56
aspectos neuromotores, o aumento da idade cronológica é acompanhado por
uma perda da área dos músculos esqueléticos, explicada pela diminuição do
número e tamanho das fibras musculares, ocorrendo uma perda gradativa da
força muscular e, portanto, do desempenho neuromotor (Farinatti, 2002;
Hayflick, 1996; Matsudo, et al., 2002; Spirduso, 2005).
Ao nível osteoarticular, ocorre diminuição da absorção do cálcio pelos
ossos e consequente perda da massa óssea, o que pode levar ao aparecimento
da osteoporose, aumentando a probabilidade de ocorrência de fraturas por
sobreuso ou por quedas (Frontera & Larson, 2001; Matsudo, et al., 2002).
Nas variáveis metabólicas, os principais efeitos, na aptidão física, ocorrem
na redução da potência aeróbica (consumo máximo de oxigênio), em torno de
1% por ano, mesmo em indivíduos ativos. Ao nível de sistema respiratório ocorre
declínio da função pulmonar devido à redução da elasticidade do tecido
pulmonar. Há também perdas dos alvéolos funcionais e de capilares, o que
contribui para a diminuição da eficiência respiratória (Matsudo, et al., 2002).
Também se verificam alterações no sistema digestivo, no sistema sensorial,
endócrino e no sistema imunológico, o que deixa o indivíduo idoso vulnerável às
doenças.
Essas alterações que acontecem nos diversos sistemas do corpo
humano, decorrentes do processo natural de envelhecer, vão associar-se à
progressiva diminuição das capacidades fisiológicas e funcionais: capacidade
aeróbia, resistência e força muscular, flexibilidade, equilíbrio e coordenação. A
diminuição dessas capacidades interfere na funcionalidade do idoso,
comprometendo, assim, a sua qualidade de vida.
Especialistas apontam as várias alterações nas diversas dimensões, no
entanto é sabido que essas alterações, por diversos fatores, são sentidas de
formas diferentes por cada indivíduo (Farinatti, 2002; Hayflick, 1996; Spirduso,
2005). Isso significa que ninguém envelhece igualmente; assim sendo, não se
deve utilizar uma medida única para demarcar o envelhecimento.
Revisão de Literatura
Socorro Dantas
57
É sabido que a medida mais frequentemente usada para demarcar o
envelhecimento é a idade cronológica, ou seja, o número de anos vividos a partir
do nascimento (Spirduso, 2005). Reconhecidamente, a idade cronológica tem
sido útil para as classificações, como estudos epidemiológicos, levantamentos
estatísticos e organização para prestação de serviços. No entanto, a idade
cronológica, por si só, não é adequada para dar suporte suficiente a fim de
retratar o quadro verdadeiro das capacidades físicas ou de saúde de uma
pessoa.
Percebe-se que as caracterizações de ordem biológica e fisiológica são
baseadas na visão que pode ser entendida como a deterioração do ser humano.
Caracterizar o indivíduo, indo além do número de anos vividos, é complexo, e
essa complexidade reside na esperança de traçar um perfil levando em
consideração as peculiaridades de cada sujeito. Durante muito tempo, o
envelhecimento humano e a velhice foram, quase exclusivamente, objetos de
estudo da medicina. Porém, a partir de meados do séc. XX, outros
questionamentos começaram a emergir a respeito da temática. As alterações
demográficas verificadas durante o passado, produzidas no contexto de grandes
transformações sociais e econômicas que atravessam as nossas sociedades,
têm levantado novas questões e suscitado discussões nos diversos campos da
ciência. As inúmeras discussões e a produção de diversos estudos têm
fornecido dados e informações que ajudam a subsidiar a implantação e
desenvolvimento de políticas e programas adequados para essa parcela da
população.
Nesse sentido, consta-se em vários estudos que as questões emergentes
mais recorrentes são a procura do saber sobre as interdependências entre o
envelhecimento humano e social, nomeadamente quanto ao impacto dos
fenômenos do envelhecimento na autonomia do idoso (Mota & Carvalho, 2006;
Shephard, 2003; Spirduso, 2005); na estrutura da família (Leite, 2004); no tempo
de aposentadoria23 (Alves, 2006); nas práticas culturais e desportivas, na
relação com o tempo, nas representações sociais sobre a saúde, o corpo, e o
23
No Brasil utiliza-se o termo aposentadoria com o mesmo sentido de reforma em Portugal.
Revisão de Literatura
Socorro Dantas
58
corpo contemporâneo (Antonelli, 2007; Pereira, 2006; Ribeiro, 2004); nas
diferenças de envelhecimento entre gêneros, violência e insegurança social
(Minayo & Coimbra Jr, 2002); na morte e na velhice (Santiago, 2006). São
estudos que trazem valiosas contribuições para a compreensão das várias
dimensões do processo de envelhecimento em diversos contextos.
Este, aliás, é um dos objetivos do nosso trabalho: compreender o
processo de envelhecimento dentro do contexto do desporto de elite, ou seja,
como o ex-atleta de alta competição percebeu, sentiu, percepcionou essas
alterações ao longo do tempo, e a sua repercussão nos resultados da sua
carreira desportiva. Por serem consideradas pessoas privilegiadas no tocante à
superação dos limites físico, mental e emocional é relevante entender como
esses indivíduos vivenciam um período da vida que, muitas vezes é visto como
um período de limitações em vários aspectos seja no aspecto físico, emocional
ou social.
Felizmente, hoje, podem-se perceber mudanças que justificam as
reflexões sobre o tema em questão, em particular no sentido de um novo
modelo, talvez mais esperançoso para o envelhecimento e a velhice.
Algumas perspectivas futuras para a realidade do envelhecimento
Nas mesmas sociedades contemporâneas por onde ainda circulam
preconceitos e representações negativas da velhice, as mudanças que se
entreveem apontam para representações progressivamente mais positivas do
envelhecimento e da velhice. Essas mudanças são percebidas na realidade
social de muitos indivíduos de gerações mais velhas. A ideia é que o idoso seja
participativo e não uma audiência passiva (Viegas & Gomes, 2007). Essa nova
maneira de viver o envelhecimento tem contribuído para mudanças no
panorama das representações do envelhecimento e da velhice. Essa
reorientação foi reforçada politicamente pela ONU, na comemoração do ano de
Revisão de Literatura
Socorro Dantas
59
1999 como o Ano Internacional das Pessoas Idosas24, o que norteava para a
instauração de uma Sociedade para Todas as Idades.
Assim, no campo dessas orientações, foram definidos vários princípios.
São princípios que reforçam a necessidade de se ver e de viver o processo de
envelhecimento e a velhice de forma mais humana, mais digna e mais
participativa. O primeiro foi o princípio da dignidade, que atentava para a
garantia de condições dignas de vida, de segurança e justiça. Em segundo
lugar, a definição do princípio da autonomia, que teve como objetivo reforçar a
autonomia das pessoas mais velhas, os idosos, e proporcionar rendimento
digno, acesso à formação pessoal e uma participação mais ativa na família e na
comunidade. Outro princípio de grande relevância foi o princípio do
desenvolvimento pessoal, que se destinava a (re) descrever a terceira idade
como fase do desenvolvimento a ser promovida ao nível da educação, da
cultura, dos tempos livres etc. O princípio de acesso aos cuidados básicos
focalizava a dimensão da saúde, condição essencial para o desenvolvimento do
discurso do envelhecimento ativo e participativo. E, ainda, o princípio da
participação ativa na sociedade, visando concretizar as ideias já implícitas nos
enunciados anteriores, principalmente no que diz respeito à participação dos
idosos na definição e aplicação de políticas que interferem de algum modo na
qualidade de vida dos que envelhecem25.
Sobre essas novas transformações, Cribier apud Alves (2006) reflete
sobre três delas, que acredita serem as principais: um progresso da esperança
de vida; um progresso do produto nacional bruto (derivado do desenvolvimento
e dos progressos científico e técnico, da organização social e do maior grau de
instrução), que permitiu o desenvolvimento de um sistema de solidariedade;
uma mudança cultural que proporciona às sucessivas gerações de aposentados
24
Consultar em Direitos Humanos e Pessoas.
www.unric.org/html/portuguese/ecosoc/ageing/D_H_Pessoas_Idosas.pdf. Acessado em 22 de dezembro
de 2010. 25
Consultar sobre o tema: Viegas & Gomes (2007); como também o documento Direitos Humanos e Pessoas. www.unric.org/html/portuguese/ecosoc/ageing/D_H_Pessoas_Idosas.pdf. Acessado em 22 de
dezembro de 2010.
Revisão de Literatura
Socorro Dantas
60
uma imagem mais positiva desta fase da vida e o anseio de vivê-la como uma
etapa natural da vida adulta.
Estudos desenvolvidos na Faculdade de Desporto da Universidade do
Porto, particularmente do Gabinete de Sociologia do Desporto (Alves, 2006;
Santiago et al., 2009; Cardoso, 2010; Dantas & Pereira, 2010), para citar alguns,
apontam que a população de aposentados de hoje26, ou pelo menos parte dela,
é mais instruída, mais saudável e consciente da possibilidade do prolongamento
dos anos de vida. Para os indivíduos que participaram desses estudos, a
aposentadoria é vista como um período de liberdade e de investimento na sua
vida privada. Esses indivíduos demonstraram não se sentir vítimas da perda dos
papéis sociais, pois organizaram as suas rotinas de modo a adaptarem-se a
essa nova fase da vida, inclusive aderindo à prática de novas atividades, como
a prática de exercício físico, por exemplo.
Para Velho (2004), nas sociedades contemporâneas, são as construções
de projetos que dão sentido à trajetória de um indivíduo, pois colocam a sua
trajetória no curso do tempo. De acordo com o autor, o indivíduo que faz
projetos, conecta o passado, o presente e o futuro, construindo assim a sua
biografia. Essa conexão depende em primeiro plano da memória, daquilo que foi
significativo no seu passado. Esse significado é sempre informado pelo tempo
presente, consequentemente, é uma visão retrospectiva. Esse retrospecto
conecta-se com o futuro na forma de um projeto, ou seja, uma antecipação no
futuro dessa trajetória biográfica. Desse modo, projetos e memória são
articulados para a constituição da identidade social do indivíduo, pois são os
fundamentos que proporcionam sentido à trajetória do indivíduo.
Esses pressupostos expostos são fundamentais para se refletir sobre o
processo de envelhecimento e a velhice na época contemporânea, quando por
vezes constata-se que o controle se baseia na idade cronológica; outras vezes,
observa-se uma caminhada em direção a uma situação em que a velhice deve
26
Enfatiza-se que nem todos os idosos têm acesso a esse estilo de vida. Aqui se faz referência a uma população de países mais desenvolvidos ou em desenvolvimento. Em alguns países existe em nossos dias um grande investimento social na velhice, que garante além de um merecido bem-estar, o exercício de uma elementar cidadania. Entendemos que vivemos num tempo em que o papel dos que envelhecem está a ser redefinido e reconfigurado.
Revisão de Literatura
Socorro Dantas
61
ser apagada através do autoconvencimento. De qualquer modo, é necessário
um olhar cuidadoso em torno de cada contexto, levando em conta a história de
cada indivíduo.
Diante disso, importa desenvolver meios para melhor atender às
dificuldades da crescente população idosa. Parece que a obtenção de mais
dados sobre o processo de envelhecimento, sobre os significados desse
envelhecimento e sobre a caracterização da qualidade de vida e bem estar do
sujeito que envelhece, do ponto de vista deles, pode ser fundamental para
adotar medidas adequadas a essa população que permitam o alcançar de um
envelhecimento bemsucedido. É no sentido de ouvir e entender esses
indivíduos que este estudo buscou as narrativas sobre as vidas e os
envelhecimentos de ex-atletas. Sendo o esporte considerado um fenômeno
social mundial de grande relevância para a sociedade contemporânea, tem se
estabelecido como um campo de estudos e de intervenção. Reconhecido, como
refere Rúbio (2001b), desde uma forma de socialização até uma variedade
profissional, refletindo os valores sociais vigentes, como força e superações de
limites, justificam-se estudos desenvolvidos nesse âmbito.
Como já referido, as sociedades contemporâneas têm sido um campo
fértil de valorização à ascensão, à vitória; deve-se ser sempre o melhor, o
primeiro. No esporte, principalmente para aqueles que são vencedores em
competições de nível mundial e/ou olímpico em suas modalidades, esses
indivíduos são considerados heróis, alguns se tornam mitos (Rubio, 2001b). No
estudo em tela, o principal objetivo é compreender como esses indivíduos,
protagonistas do desporto, percebem e vivenciam o seu processo de
envelhecimento e o seu afastamento das competições, e as consequentes
mudanças de papéis sociais decorrentes dessa “aposentadoria”27. Os
narradores deste estudo foram sujeitos que tiveram os seus trabalhos
reconhecidos pelo público e pela mídia, foram heróis nacionais e internacionais
do esporte, medalhados e venerados.
27
Grifo nosso. O atleta de elite não tem uma idade cronológica definida para a aposentadoria, isso depende de vários fatores, como será visto neste estudo.
Revisão de Literatura
Socorro Dantas
62
É sabido que o envelhecimento social suscita mudanças no status, assim
como no relacionamento do indivíduo com os outros. A falta de papel social
conduz à perda de autoestima (a maior mudança que se verifica é devido ao
abandono da sua atividade produtiva). Uma maior disponibilidade de tempo
acarreta a necessidade de se adaptar a novos papéis impostos pela sociedade.
Entendendo que o envelhecimento é uma experiência diversificada,
buscam-se as contribuições de diferentes relatos sobre as vidas de sujeitos (ex-
atletas) em contextos sociais, culturais e históricos diferentes.
A transição e o afastamento da carreira esportiva são o resultado de
inúmeros fatores, e mais frequentemente uma combinação de fatores individuais
e influências sociais. A idade, aliada à produtividade, pode ser um dos fatores
determinantes para o afastamento de atletas olímpicos e mundiais das
competições. Por tudo isto, revela-se pertinente estudar o processo de
envelhecimento de ex-atletas de elite.
No contexto do processo de envelhecimento humano a passagem do
tempo é crucial, e mais ainda quando se trata de indivíduos que, por exigências
e características inerentes ao seu trabalho, têm de se aposentar com uma idade
inferior à que é demarcada socialmente para o afastamento do trabalho. Por
isso a pertinência de uma aproximação com os pressupostos teóricos sobre a
dimensão tempo, que será tratada no capítulo a seguir.
1.1.2 Sobre o Tempo
A construção social do tempo
A discussão teórica sobre o processo do envelhecimento humano exige
um olhar acurado sobre as dimensões que envolvem o objeto em questão.
Sendo o tempo uma dimensão central na vida humana, seria impossível
entender o envelhecimento e a velhice sem considerar o contexto de tempo. De
tal forma que nos parece imprescindível estabelecer um foco ou uma
aproximação dos pressupostos teóricos que sustentam os paradigmas de
Revisão de Literatura
Socorro Dantas
63
análise sobre o tempo, haja vista estarmos tratando de um fenômeno que afeta a
todos e que, justamente por sermos sujeitos temporais, somos sujeitos que
estabelecemos a todo instante uma estreita relação com o tempo. Se, de um
lado, esse tema sugere uma familiaridade e, por isso mesmo, até por vezes uma
simplificação, e daí um provável esvaziamento do seu conteúdo, não há dúvida,
por outro lado, que esse suposto conhecimento, se não for além da discussão
que se coloca na superfície, poderá certamente inviabilizar ou, pelo menos,
dificultar a compreensão sobre o conceito de tempo na profundidade em que
deve ser tratado quando num estudo de natureza acadêmica.
Sendo assim, é mister considerar as representações de tempo passado,
presente e futuro numa linha de compreensão que as circunscrevem
relacionadas à cultura e à época das sociedades. É nosso objetivo, portanto,
compreender e analisar, na contemporaneidade, alguns dos efeitos das
representações dos sujeitos sobre seu próprio processo de envelhecimento.
Quando refletimos sobre o tempo, evocamos diversos símbolos e
vocábulos temporais, como por exemplo: quando, condições atmosféricas,
movimentos da natureza, tempo reversível, variações sazonais, calendários,
períodos, duração, tempo cronológico, tempo irreversível, tempo presente,
tempo dos relógios, transformações, futuro, passado e permanências. Eles
constituem elementos díspares, uns contemplados, outros negados, alguns
dialeticamente relacionados ou contrapostos pelos especialistas das diversas
áreas do conhecimento, nomeadamente, Astronomia, Física, Filosofia, Geologia,
Biologia, Psicologia, História etc., que se dedicam ou se dedicaram ao estudo do
tempo. Estas investigações que tratam do estatuto do tempo muitas vezes
legitimam certas questões e eliminam outras. No entanto, como aponta Poiman
(1993), às vezes sem o saber, estudiosos que escrevem sobre diferentes áreas
falam frequentemente de diversos estratos da mesma arquitetura temporal, de
tal modo que os intuitos de uns nem sempre são incompatíveis com os dos
outros. Ou seja, o conteúdo e o entendimento do que é o tempo se aproxima nas
mais diversas percepções. Percebe-se a existência de algo comum entre os
diversos discursos sobre o tempo, visto que todos partem de questões
Revisão de Literatura
Socorro Dantas
64
semelhantes para chegar às respostas mais diversas, umas complementares,
outras excludentes. Os diversos contributos dados sobre o tempo ao comprido
da história, com diferentes interpretações e representações, foram de grande
alcance epistemológico e filosófico.
Nessa longa discussão sobre a natureza do tempo, encontram-se pelo
menos duas claras posições opostas. Na Antiguidade, por exemplo, predominou
a teoria realista ou objetivista do tempo. A natureza norteava a contagem do
tempo, e o modo mais antigo de contar os dias apoiava-se em fenômenos
reconhecidos, como as auroras. Foram utilizados também o relógio de sol e o
relógio de fluxo da água. O Sol, a Lua, as estações, constam na grande
variedade de convenções usadas para medir o tempo. A evolução das medidas
prosseguiu com a invenção na Idade Média da ampulheta, e ainda na Idade
Média, entre os séculos VIII e XII, foi concebido o mecanismo de medição do
tempo, que tinha por base a oscilação mecânica (Whittrow, 1993).
As tentativas de medições mostram que o tempo era uma entidade como
outra qualquer no mundo exterior e deveria ser tratado da mesma forma e com
as mesmas categorias com que se tratavam as coisas e os objetos28. Essa
concepção apresenta o tempo como um dado objetivo e que não se distingue
dos demais objetos da natureza, exceto pelo fato de não ser visível.
Porém, contrários a essa visão de passado, presente e futuro, vista de
forma longitudinal e hierarquizada, pensadores como Santo Agostinho (354–
430)29, Immanuel Kant (1724–1808) 30 e Martin Heidegger (1889–1976) 31 foram
concorrentes conceituais. Esses filósofos concebiam o tempo como um dado
subjetivo, enraizado na natureza humana; o tempo seria uma maneira de captar
em conjunto os acontecimentos que assentam na consciência humana.
28
Whitrow (1993), no livro “O Tempo na História”, apresenta as diferentes percepções do tempo nas diversas civilizações ao longo da história. 29
Cf.: Agostinho, Santo Confissões. Tradução: Oliveira Santos. São Paulo: Nova Cultural. A edição
utilizada foi a de1999 (Agostinho, 1999). 30
Cf.: Kant, Immanuel. Crítica da Razão Pura. Tradução: de Valério Rohden. São Paulo: Nova Cultural. A
edição utilizada foi a de1999 (Kant, 1999). 31
Cf.: Heidegger, Martin. O conceito de Tempo. Tradução: Irene Borges-Duarte. 2ª ed. Lisboa: Fim de
Século. A edição utilizada foi a de 2008 (Heidegger, 2008).
Revisão de Literatura
Socorro Dantas
65
São diversos os discursos que apresentam reflexões sobre um tempo
visível32 e sobre um tempo invisível33. Ao fazermos um percurso histórico,
percebemos que desde a Antiguidade o tempo foi alvo de reflexões e
ponderações por parte de inúmeros filósofos. No entanto, deve-se levar em
consideração que alguns desses pensadores viveram em uma época em que os
relógios mecânicos não existiam e em que toda a essência era fundamentada na
separação do que era visível e do que era invisível, de tal modo que, ao que
tudo indica, essas abordagens referiam-se às “mudanças vividas” pela
consciência, por um tempo interior, irreversível, incomensurável e qualitativo,
portanto, um tempo invisível. Essa noção de tempo relacionada à existência
pessoal pode ser notada em Kant (1999, p. 81)34. Para este pensador:
O tempo nada mais é que a forma da nossa intuição interna. Se a condição particular da nossa sensibilidade lhe for suprimida, desaparece também o conceito do tempo, que não adere aos próprios objetos, mas apenas ao sujeito que os intui.
Dentre os filósofos, que deram seus contributos para as reflexões sobre o
tempo, Santo Agostinho35 parece ter sido o primeiro pensador a investigar com
esmero as possíveis consequências do confinamento da experiência real de
tempo ao instante presente. É um dos pensadores que ocupa lugar de destaque
na tarefa de se debruçar sobre o pensamento na busca de um sentido para a
compreensão da temporalidade. Santo Agostinho observou que definir “tempo”
fora de um contexto é difícil, e se questionou: O que é, por conseguinte, o
tempo? Se ninguém me perguntar, eu sei; se o quiser explicar a quem me fizer à
pergunta, já não sei. Na reflexão do filósofo, o tempo torna-se algo passível de
ser compreendido, porém impossível de ser explicado. O tempo aqui é posto
32
O tempo visível refere-se a um tempo quantitativo, mensurável, objetivo, o tempo dos relógios. 33
O tempo considerado subjetivo é um tempo interno, próprio das consciências. 34
Immanuel Kant (1724 – 1808). Cf. Immanuel Kant (1999) Crítica da Razão Pura. Tradução: de Valério
Rohden. São Paulo: Nova Cultural. 35
Santo Agostinho (354 – 430), considerado um dos grandes pensadores sobre o tempo, e pioneiro do
estudo do tempo psicológico. Cf.: Agostinho, Santo Confissões. Tradução: Oliveira Santos. São Paulo:
Nova Cultural. A edição utilizada foi a de 1999.
Revisão de Literatura
Socorro Dantas
66
como algo que não se pode mensurar nem tocar ou mesmo apreender sem
antes lhe conferir sentidos. Assim, podemos aferir que o tempo em Santo
Agostinho só pode ser compreendido dentro de um contexto e, para defini-lo, se
faz necessário relacioná-lo a algo que lhe dê significado, caso contrário torna-se
inexprimível. Porém, essa relação e esse significado acontecem na consciência.
O conceito de tempo para o bispo de Hipona passa pela “alma individual”. Para
Santo Agostinho o tempo não é um “ente” independente do homem, existe
dentro de nossas mentes, existe por causa de nossas consciências, e é na
consciência que subsiste a divisão entre passado, presente e futuro.
Outro pensador que observou que o tempo é algo interno ao ser foi
Immanuel Kant. O filósofo revela sua percepção sobre o tempo com uma
subjetividade que se assenta numa teia de sensibilidade, que pode ser
entendida no campo da consciência, pois, ao contrário de Santo Agostinho, que
enfatizava o aspecto teológico em suas formulações, os filósofos racionalistas
vão substituir o termo “alma” por “consciência”, dando ênfase aos aspectos
filosóficos e psicológicos do homem. Kant acreditava que o conceito de tempo é
uma condição a priori de nossas mentes que afeta nossa existência no mundo.
Talvez por isso é que diferentes sociedades tiveram diferentes conceitos e
percepções do tempo. Na contemporaneidade, percebe-se que o conceito de
tempo deve ser considerado não como uma condição a priori, mas uma
consequência de nossa experiência do mundo, o resultado de uma longa
evolução (Whittrow, 1993). O tempo, nessa perspectiva, é visto como um enigma
do pensamento filosófico que desperta fascínio, e os antigos escritos sobre o
tempo, em certa medida, guardam alguma validade. Na realidade, a tentativa de
descrever o tempo visível à percepção e aos sentidos é, de certo modo, um
retorno às reflexões de Santo Agostinho. Assim, as recentes ponderações sobre
o tempo, vistas através dos paradigmas contemporâneos, não invalidam as
ponderações do passado.
Revisão de Literatura
Socorro Dantas
67
Mais recentemente, outros estudiosos deram suas contribuições para as
reflexões sobre o tempo, dentre eles, Edmund Husserl (1983)36 e Martin
Heidegger (2008)37.
Edmund Husserl (1983), ao fazer uma descrição fenomenológica do
tempo, apresenta a exclusão da interpretação objetiva do tempo; antes o tempo
deve ser tomado como um fenômeno. Porém, aqui se faz necessário uma
atenção para a proposição do filósofo. Na verdade, Husserl não despreza por
completo a abordagem científica da questão temporal. Todavia, julga que por
meio desta jamais será possível apoderarmo-nos de uma compreensão
fenomenológica do tempo (Bilibio, 2005).
Heidegger, por sua vez, seguindo outra via do pensamento filosófico,
deu um sentido existencial ao tempo quando afirmou que para a existência ser
inteligível é necessária uma estrutura temporal. Para o filósofo:
Os conceitos de ‘futuro’, ‘passado’ e ‘presente’, nascem, imediatamente, da compreensão imprópria do tempo. A delimitação terminológica dos fenômenos originários e próprios correspondentes lutam com a mesma dificuldade inerente a toda terminologia ontológica (Heidegger, 1998, p. 121).
O ser humano percebe-se diretamente relacionado com as três
dimensões da temporalidade: aquilo que fomos (passado), aquilo que estamos
sendo (presente) e, sobretudo, aquilo que queremos ser ou que projetamos ser
(futuro). Para Heidegger (1998), a afetividade, a fala e a compreensão são
fenômenos relacionados aos conceitos de “passado”, ”presente” e “futuro”, que
estruturam a vida e dão sentido à existência.
Ainda neste sentido, buscando um melhor entendimento sobre as três
dimensões da temporalidade, verificamos em Elias (1998) que nenhum dos
36
Edmund Husserl (1859 - 1938). Cf. Edmund Husserl. Fenomenologia de La conciencia del tiempo
inmanente. Trad.: Langfelder, O. E. Buenos Aires: Editorial Nova. A edição utilizada foi a de 1983. 37
Cf. Martin Heidegger (2008). O conceito de Tempo. Trad.: Irene Borges-Duarte. 2ª ed. Lisboa: Fim de
Século.
Revisão de Literatura
Socorro Dantas
68
conceitos sobre “passado”, “presente” e “futuro” se reveste de uma significação
clara, a menos que todos estejam conjuntamente presentes na consciência
humana. Nobert Elias considera, ainda, que estes se transformam
individualmente, no percurso que conduz do nascimento à morte, e
coletivamente, através da sucessão das gerações.
O tempo vivido também foi visto enquanto prática social que se expressa
nas diversas dimensões da vida humana (Carmo, 2006). No âmbito das ciências
sociais, a ideia que sedimenta as reflexões sobre a temática do tempo baseia-se
no entendimento de que este é considerado uma construção social. Com efeito,
para os cientistas sociais este é um tempo cultural e não astronômico; é,
sobretudo, uma construção subjetiva, a imposição do tempo da consciência
sobre o tempo cósmico. Assim, no contexto das ciências sociais, a ideia de
tempo tem como base a convicção de que este é uma construção social e a sua
compreensão condiz com a singularidade de como um grupo produz o seu
próprio “tempo”, resultado dos ritmos impostos pelas diferentes atividades
sociais. Giddens (2003), por exemplo, desenvolve o seu conceito sobre o tempo
tendo por base o modo como as pessoas organizam a vida cotidiana. Desta
forma, o tempo é analisado como uma prática social e possibilidade de
interação, em que se faz necessária a presença dos atores para que possam
interagir. A presença se torna, portanto, fundamental para surgir o evento. O
tempo social assim percebido é descontínuo, múltiplo, heterogêneo.
A duração do tempo social é simbólica, e os diferentes sistemas
temporais dependem da função desempenhada por um indivíduo ou por um
grupo. Mesmo quando os fenômenos naturais são usados para fixar limites de
tempo, a escolha dos fenômenos depende do interesse e da utilidade que eles
têm para o grupo. O tempo social também tem aspectos quantitativos, no
entanto, somente medidas quantitativas não dariam conta de explicar esse
tempo que é a vida social do grupo refletida nas expressões temporais (Carmo,
2006).
As ciências sociais possibilitam outra concepção de tempo social, sem
se referir ao calendário; o conceito de estrutura social, conceito que incorpora o
Revisão de Literatura
Socorro Dantas
69
tempo da Física e da Matemática, aplicando-os à sociedade. Esse tempo social
tende à simultaneidade, se desfaz da sucessão de eventos, enfatiza menos as
mudanças qualitativas e valoriza as transformações estruturais, que são como
“movimentos naturais” na sociedade (Carmo, 2006). O tempo social é então
contrário à sucessão, é da ordem da simultaneidade, e tem uma
interdependência dos eventos humanos; é também um tempo pluridirecionado e
múltiplo, segundo o pensamento de Pomian (1993).
A assimilação da história a uma ciência social trouxe ainda outra
relevante consequência para a discussão do tempo histórico: a discussão da
ideia de desenvolvimento cumulativo e da designação de progresso, que
pressupõe a existência de um tempo evolutivo e global. O tempo histórico, ou
cultural, de acordo com Spink (1996), é o locus do imaginário cultural,
socialmente construído durante certo período. É a escala de tempo das
formações discursivas e ideológicas. Estas formações compõem a rede coletiva
de significações disponíveis para dar sentido aos vários fenômenos de nosso
mundo. Atribuir sentidos às coisas é uma necessidade do ser humano. O ser
humano, antes do agir concreto, busca atribuir sentido ao que faz ou ao que
padece. Isso ocorre no plano intencional: valores, ideias ou interesses que
fundamentam e orientam a ação. No plano interpretativo, existe a mesma
preocupação com o estabelecimento de um sentido plausível para a memória
enraizada e para a memória criticada. Em ambos os casos, dá-se o esforço por
construir um tempo histórico em que a existência e a ação tenham sentido e
produzam sentido. Esse sentido atribuído à memória histórica ou construído para
ela desempenha um papel decisivo para a identidade de cada um, do grupo a
que pertence e da sociedade que forma, e para os processos de mudanças na
sociedade.
Também Elias (1998) aborda o tempo como um processo e uma
evolução. Para o autor, no que tange ao tempo, esta evolução tem raízes
atreladas à capacidade de síntese e representação simbólica dos seres
humanos. Na sociedade contemporânea, o tempo é visto como um mecanismo
de autocontrole, sendo isto considerado um traço próprio do processo civilizador,
Revisão de Literatura
Socorro Dantas
70
e um símbolo social resultante de um longo processo de aprendizagem. Elias
refuta a concepção de tempo como um dado enraizado, transcendental, anterior
e exterior à experiência humana, enraizado quer na natureza (objetivo
newtoniano), quer nas teses kantianas e cartesianas, que veem no tempo um
dado não alterável da natureza humana. Para o autor, o tempo é visto como um
produto das mudanças estruturais de nossa sociedade, um, dentre os muitos
elementos que acompanham esta evolução e que, no caso do tempo, está
enraizada no desenvolvimento da capacidade humana de síntese e
representação simbólica. E ainda, estas mudanças podem significar progresso,
mas podem ser também retrocesso. Elias procurou não reduzir seus
pressupostos ao estado de coisas estanques e imutáveis, mas sim compreendê-
las como um processo. A sua tese é que o tempo é um fenômeno socialmente
construído através das redes de relações sociais desenvolvidas pela civilização.
É o Estado, através das suas diversas instituições, que regulamenta regras que
coordenam diversas atividades na sociedade.
Desse modo, percebe-se uma correlação entre o tempo e as atividades,
porque medir o tempo permite ao ser humano uma certa regularidade e
previsibilidade de movimentos e atividades. Uma provável previsibilidade diante
da vida que é por si só já bastante imprevisível. Este tempo objetivo (…) “é
público e verificável; podemos usar o relógio para medir exatamente quanto dura
um processo, e todos concordaremos com a medição. O tempo sendo medido é
localizado no mundo, no espaço comum em que nós habitamos” (Sokolowski,
2004, p. 141).
Nesse sentido, o tempo social pode ser considerado como uma
referência específica ou um qualificativo, ou seja, como um recorte da aplicação
do tempo à realidade social, ou pode ainda ser tomado como uma concepção.
Nesta perspectiva, o tempo não é uma categoria invariável, mas produto
historicamente variável das funções de coordenação a ele (o tempo) atribuídas e
dos instrumentos de medidas criados (Heinich, 2001).
Sendo o homem um ser temporal, pode-se aferir, sem receio de errar,
que falar de tempo, seja ele o tempo social, subjetivo ou mecânico, nos leva,
Revisão de Literatura
Socorro Dantas
71
invariavelmente, a pensar no processo de envelhecimento e na finitude dos
sujeitos humanos, pensamento este que nos põe a tentar deslindar o
emaranhado de sentimentos e elaborações cognitivas que esse fenômeno
provoca.
Contudo, embora essa demanda de apreensão do significado do tempo
exista em todos, de modo contundente, não se constitui num objeto de fácil
entendimento. Impossível, nos parece, apropriarmo-nos desse processo de
envelhecimento e da finitude humana sem darmos conta das limitações de
relógios e calendários, instrumentos que, queiramos ou não, facilitam, de certa
forma um entendimento imediato e pragmático do tempo. Esses instrumentos de
medidas promovem certa compreensão sobre as tarefas rotineiras da vida diária,
bem como criam uma aparência de ordem e de continuidade ao longo da
existência. Adicionalmente, o tempo, ao longo de uma vida humana, pode
apresentar diversas faces, apresentando-se com uma face bastante positiva (o
tempo cura tudo) 38, em que se percebe um valor seja como incentivo, conforto,
aceitação do inevitável, entre tantos. Em outras circunstâncias, sua face se
revela de modo negativo (o tempo rói a vida),39 causando desenganos,
desesperanças, perdas de perspectivas futuras e a pujante sensação de finitude.
Discorrer sobre a finitude humana nos reporta à Fenomenologia, e mais
precisamente a Heidegger (2008), que vê no indivíduo um caráter temporal. O
filósofo busca a compreensão da experiência do tempo de modo fenomenológico
a partir da existência e da finitude dos sujeitos. Esta questão traz consigo o
sentido da procura da compreensão de como o tempo é para o ser e de qual
papel este ser desempenha nesta compreensão. Trata-se aqui do tempo
manifestado na capacidade e na necessidade humana de transcender fronteiras.
Uma visão fenomenológica do tempo ajuda-nos, pois, a falar do tempo, da
existência e da finitude humana, apresentando diversos modos de ser do ser
humano, que carrega consigo a experiência do passado e as expectativas do
futuro, sendo uma experiência de ser e de tempo.
38
Provérbio popular 39
Dito popular.
Revisão de Literatura
Socorro Dantas
72
Ainda nessa perspectiva de busca incessante de apreensão desse objeto
de estudo, encontramos os autores abaixo citados, que em muito contribuíram
para aprofundar o entendimento sobre o conceito de presente, passado e futuro.
Em Mead (1980)40, por exemplo, o tempo é abordado procurando separar
a visão sequencial que se tem de passado, presente e futuro. Para o autor,
esses três modos devem ser concebidos como uma construção determinada a
partir do presente. Assim, toda ação acontece no presente, nada pode acontecer
fora deste.
Adam (1995), por sua vez, demonstra que a existência humana é
temporal na medida em que se projeta no passado e no futuro; transcende o
presente. A autora acredita na capacidade humana de se transcender e se
expandir para além das fronteiras pessoais, em direção aos outros. E, nesse
sentido, deixa evidente a necessidade de uma atitude fenomenológica na
compreensão do que é tempo. Uma visão fenomenológica do tempo contribui
para expor os vários modos de ser do homem, que carrega consigo o passado e
as expectativas das possibilidades futuras.
As acepções de Mead e Adam nos levam a perceber que o tempo
pode ser analisado como uma interpretação ou representação social, ou seja, o
sentido em sua acepção subjetiva, definida por cada um de acordo com suas
próprias demandas, sentimentos e/ou necessidades. É o tempo analisado como
prática social, na qual os indivíduos interpretam os diferentes passados e futuros
com o objetivo de resolver questões presentes (Carmo, 2006).
Sendo a existência humana fundamentalmente temporal, as
discussões sobre o tempo possuem papel de destaque nos estudos que tratam
do envelhecimento, a exemplo de estudos feitos por Baars (1997) e por Santiago
(2006). Quando se trata sobre mudanças ocorridas ao longo de uma vida, o foco
é o período vivido, a idade cronológica, que é limitada pelo tempo médio de
esperança de vida de uma população. Pode ser relevante pensar e refletir sobre
os conceitos de tempo e do envelhecimento que estão implícitos nas
40
A obra foi publicada em 1932; utilizamos a edição de 1980.
Revisão de Literatura
Socorro Dantas
73
generalizações sobre envelhecer, envelhecimento e velhice. Porém, não se pode
perder de vista a perspectiva de que o envelhecimento acontece para o ser
humano com presente, passado e futuro; deve-se, assim, salientar o envelhecer
de maneira relativa, observando outros aspectos temporais do envelhecimento.
Neste sentido, poderemos compreender o processo de envelhecimento humano
sob diversos ângulos, desde a compreensão dos seus limites, que o leva a
cuidar da sua existência e orientar-se para o futuro, até a consciência da finitude
(Heidegger, 1998). Também em Arendt (1994), a questão da finitude e da morte
foi tratada, e esta autora reconhece que a certeza da finitude propicia a busca de
alguma forma pela imortalidade, através da adoção de um estilo de vida ativo e
produtivo.
No âmbito deste estudo, objetivamos compreender o processo de
envelhecimento do ponto de vista do próprio sujeito, neste caso, o ex-atleta
olímpico/mundial que por efeitos da passagem do tempo já não se encontra sob
os holofotes do palco olímpico.
O tempo e a sua passagem estão diretamente ligados à vida do atleta.
Os atletas, independentemente da idade, são constantemente chamados a
lembrar da efemeridade do corpo atlético. O treinamento consiste em
constantemente desenvolver os recursos corporais para combater a fragilidade e
instabilidade desse corpo no tempo (Tulle, 2008). O foco do estudo é a sua vida
pessoal, onde se evoca o tempo pessoal, vivido, percebido, sentido, enfim,
busca-se explorar como o sujeito vive o tempo, a sua experiência pessoal e
temporal. Os atletas de alto rendimento, nas sociedades contemporâneas, são
considerados mitos de natureza heroica41. É o olhar sobre a trajetória deste mito
e sua história de vida, através das suas narrativas, que lançamos neste estudo
sobre o atleta que passou pela aprendizagem, pelo processo de treinamento e
pelo ciclo das participações e das conquistas, e vive o final da jornada, o
recolhimento.
41
O herói enquanto figura mítica vem representar o mortal, que transcendendo essa sua condição, aproxima-se dos deuses em razão de um grande feito. Ver Rúbio (2001).
Revisão de Literatura
Socorro Dantas
74
Neste sentido, é imprescindível a abordagem da dimensão temporal da
existência humana, já que, como nos diz Adam (1995), o homem é possuidor de
uma identidade em cujo passado ficaram as suas marcas, com o poder de
revisitar esses mesmos eventos passados, reinventá-los, criar versões
alternativas e planejar múltiplos futuros, ou seja, uma multiplicidade de como
viver o tempo.
No próximo capítulo apresentamos o “estado da arte” referente ao nosso
objeto de estudo. É evidente que não pretendemos, aqui, esgotar os temas
referentes ao assunto. Procuramos abordar os temas frequentemente publicados
na última década em Portugal e no Brasil e que estão relacionados com o nosso
objeto de estudo.
1.2 O ESTADO DA ARTE
Sobre o esporte e o atleta contemporâneo em Portugal e Brasil
O esporte assume-se nos dias de hoje como um dos fenômenos mais
importantes da sociedade contemporânea. É indiscutível que tem crescido a
relevância social do esporte. Para Elias & Dunning (1995), este fato pode ser
conferido, por exemplo, levando-se em consideração os seguintes itens:
Por ser uma das principais fontes de emoção aprazível;
Por ser um dos principais meios de identificação coletiva;
Por se constituir em um dos pontos que dão sentido às vidas de muitas
pessoas.
Sobre a relevância do esporte para as pessoas poderíamos, ainda,
acrescentar o que refere Bento (2004); que o esporte é uma atividade que
proporciona sentimentos de alegria, prazer, felicidade no rendimento,
enriquecendo as competências motoras, estéticas, sociais, morais, cognitivas e
afetivas.
Como fenômeno social, de natureza e funcionamento simbólicos,
interligado à realidade social real, o esporte é capaz de agregar os mais
diversos investimentos sociais e de representar simbolicamente a sociedade,
Revisão de Literatura
Socorro Dantas
75
tanto no seu funcionamento global como nas suas diversas vertentes (Costa,
1997).
Neste sentido, o esporte, hoje, enquadra-se numa grande rede de
interesses de âmbito político, econômico e social. A prática do esporte
institucionalizado evoluiu, e desde há muitas décadas vem se tornando
relevante em vários aspectos: formação de técnicos especializados, instituições
e empresas que cuidam da organização, assim como as áreas médica e
jurídica, que também têm se desenvolvido e têm sido valorizadas na área
esportiva. Adicionalmente, e tomando-se como referência toda essa evolução,
também se percebe desde há muito tempo o aumento da produção científica
sobre a temática em diversos campos de investigação.
A sociologia do esporte, assim como a psicologia, a antropologia, a
gerontologia, entre outros campos de estudo, tem atravessado um campo de
expansão do seu corpo de conhecimentos. Surgiram novas possibilidades de
investigações e interesses em áreas que até então tinham sido pouco
exploradas. Atualmente, vários são os estudos desenvolvidos na área do
esporte de alta competição, e não somente no que se refere à parte fisiológica.
Outros aspectos ou faces do esporte e do atleta contemporâneo têm
despertado o interesse e investimento em pesquisas. Com efeito, a área de
Sociologia do Esporte tem sido um terreno fértil para o desenvolvimento de
investigações que tratam da referida temática.
Neste âmbito, o nosso estudo é dedicado a compreender como o ex-
atleta de alta competição (níveis olímpico e mundial) percebe suas
experiências e vivencia o seu processo de envelhecimento e o afastamento das
competições.
Para uma melhor contextualização da investigação em foco, procuramos
pesquisar o que tem sido feito em termos de produção acadêmica nos últimos
tempos, em Portugal e no Brasil, países que fazem parte deste estudo. Para
isto, utilizamos o intervalo de tempo de 2000 a 2011. Entretanto, não
apresentamos essas produções por ordem cronológica, pois o texto foi
Revisão de Literatura
Socorro Dantas
76
construído procurando compor um encadeamento dos temas encontrados. No
percurso desse levantamento de produções acadêmicas, foram encontradas
dissertações de mestrado, de doutorado, livros e artigos publicados em revistas
científicas. Durante a execução deste trabalho foram consultadas várias bases
de dados e catálogos de bibliotecas. A procura centrou-se nas palavras-chave
que dizem respeito ao nosso estudo, a saber: atleta olímpico; atleta mundial;
desporto de alta competição; processo de envelhecimento de atletas; término
da carreira esportiva/desportiva42; transição da carreira desportiva/esportiva;
narrativa; história de vida.
São diversos os temas abordados nos estudos encontrados pela nossa
pesquisa, publicados por investigadores dos dois países (Portugal e Brasil),
porém, poucas referências foram encontradas de estudos desenvolvidos na
temática que trata do processo de envelhecimento de atletas de alto nível, sob
o ponto de vista social.
A apresentação dos trabalhos encontrados terá em conta os temas que
surgiram com maior frequência no levantamento feito, assim como as
abordagens metodológicas utilizadas e as conclusões gerais.
Entre as várias temáticas publicadas em Portugal e no Brasil, no período
compreendido entre os anos de 2000 e 2011, encontramos estudos:
Que procuraram compreender a relação entre o atleta e a figura do
herói. É o exemplo do estudo apresentado por Rubio em 2001, no Brasil, no
livro intitulado “O atleta e o mito do herói: o imaginário esportivo
contemporâneo”. Nesta publicação, a autora, utilizando as histórias de vida de
atletas olímpicos brasileiros, verificou que a relação entre o atleta e a figura do
herói vem ocorrendo há muito tempo, e que a ideia foi sendo incorporada ao
imaginário de cada época, transformada conforme os valores culturais de cada
grupo social. Rubio (2001a) detectou ainda como a vivência do arquétipo de
herói pelo atleta é experimentada em toda a sua abrangência, seja pela
42
Utilizamos os dois termos para as pesquisas nas bases de dados, levando em consideração que em Portugal utiliza-se o termo Desporto, e no Brasil, Esporte.
Revisão de Literatura
Socorro Dantas
77
demonstração de força e coragem, seja pela capacidade de realizar feitos
destinados a poucos indivíduos.
Sobre a idolatria de atletas, no Brasil, Helal (2003) fez uma análise
documental das biografias de dois atletas ídolos do futebol brasileiro. No artigo
“A construção de narrativas de idolatria no futebol brasileiro”, o autor refere que
esses atletas, que sempre mostraram na mídia comportamentos diferentes,
apresentam modelos diferentes de herói. Um apresenta o modelo clássico de
herói, o outro apresenta um comportamento idealizado pela cultura brasileira,
que é o herói “irreverente”, “moleque”, “malandro”. Para o autor supracitado, a
mídia pode ser um fator influenciador na construção desses heróis, pois
dimensiona aspectos que considera relevantes, construindo assim, um
personagem.
Sobre o papel da mídia na construção de sentimentos identitários, no
artigo “Esporte e diálogos culturais expressões da globalização olímpica?”,
Soares & Bartholo (2007) buscaram compreender, através de uma análise
documental em jornais brasileiros, como a imprensa articula narrativas sobre o
local e o global a partir do esporte e de atletas globalizados. Para tal, utilizaram
a trajetória vitoriosa do tenista Gustavo Kuerten no Circuito Mundial de Tênis.
Os resultados dessa investigação apontaram que esses sentimentos nacionais
em relação ao esporte e seus heróis representam um bom tema para as
notícias e para os negócios que giram em torno do mundo esportivo.
Ainda sobre os discursos produzidos pela mídia, em um ensaio intitulado
“Narrativas da Nação proporcionadas pelas vitórias desportivas e seus heróis”,
Santos (2000) verificou em Portugal como os contextos social e político-
econômico de diferentes épocas apresentavam os seus discursos acerca das
vitórias esportivas. Foram analisados discursos produzidos pela imprensa
escrita, relacionados às grandes competições internacionais. Na primeira parte,
a análise trata da participação de Portugal nas Olimpíadas e, de acordo com a
autora, os Jogos Olímpicos emprestam um cunho nacionalista ao esporte,
sendo, nesse contexto, também um reduto de afirmação e virilidade masculina.
A segunda parte da análise aborda as vitórias do Futebol português na época
Revisão de Literatura
Socorro Dantas
78
salazarista. Na década de 60, o projeto colonial é a grande aposta de Salazar,
e as vitórias do Futebol reforçam o seu ideário de suporte: uma equipe com
jogadores africanos negros e brancos. A autora relata ainda que era com
desconfiança que a imprensa tratava da participação das mulheres nas provas
desportivas. Porém, na terceira parte da análise revela que nos anos 80, quer
as vitórias de Carlos Lopes, quer as das mulheres atletas Rosa Mota ou Aurora
Cunha, serviram ao propósito de exaltar a identidade nacional. Segundo a
autora, não era raro que os textos dedicados ao comentário esportivo, daquela
época, tratassem a Nação como um indivíduo coletivo, com uma psicologia
própria, ressaltando que as derrotas faziam parte de uma patologia histórica,
de traumas não resolvidos, sendo as vitórias vistas como o ensejo de luta para
resolver complexos de inferioridade.
Em um artigo de opinião sobre o percurso histórico da participação das
mulheres em competições esportivas, publicado no Brasil, Oliveira, Cherem &
Tubino (2008) apresentam suas percepções em “A inserção histórica da mulher
no esporte”. Os autores referem que a prática de atividades físicas e de
esportes em geral sempre foi contemplada pelos humanos de ambos os sexos.
No entanto, em dado período da história, houve um afastamento das mulheres
da prática esportiva e da prática de atividades físicas em geral; afastamento
este justificado sob inúmeros discursos. De destacar como na Grécia antiga se
alegava que a prática esportiva tornava as mulheres masculinizadas, ou ainda,
que elas não teriam condições físico-fisiológicas para tal. Eram poucas e raras
as aparições das mulheres nas competições ou nos ambientes da prática de
atividades físicas, o que perdurou até o final do século XIX e início do século
XX. Segundo os autores supracitados, algumas mulheres foram fundamentais
para a inclusão feminina nas competições esportivas e, em especial, nas
Olimpíadas. Uma das figuras mais importantes para a inclusão das mulheres
nas Olimpíadas foi a francesa Alice Melliat que, através da Federação
Esportiva Feminina Internacional, reivindicou, junto ao Comitê Olímpico
Internacional, principalmente, a entrada efetiva das mulheres nas competições
de Atletismo e de outras modalidades nos Jogos Olímpicos. Os autores relatam
que, no Brasil, o processo de exclusão das mulheres na prática dos esportes e
Revisão de Literatura
Socorro Dantas
79
de outras atividades físicas seguiu o mesmo modelo internacional, inclusive
com os mesmos discursos. Teve em Maria Lenk (nadadora brasileira) um ícone
na representação feminina nos esportes e nas atividades físicas do país.
Ainda sobre a participação das mulheres brasileiras nos Jogos
Olímpicos, Valporto (2006) destaca no livro “Atleta, substantivo feminino: as
mulheres brasileiras nos jogos olímpicos” as pioneiras de diversas
modalidades, tanto nas modalidades individuais como nas coletivas. O livro
apresenta os relatos das carreiras esportivas, ressaltando as dificuldades que
cada uma das atletas entrevistadas teve de superar.
Observa-se que a superação, seja ela social ou individual, é uma
constante na vida de atletas. Sobre esse tema, Silva & Rubio (2003) fazem
uma reflexão e publicaram, no Brasil, o artigo “Superação no esporte: limites
individuais ou sociais?”. As autoras refletem sobre a superação de limites na
vida de atletas de alto nível. Mostram que os atletas, em grande parte de seus
discursos, relatam a importância de terem persistido, perseverado e buscado
caminhos alternativos às dificuldades impostas ao longo da carreira para
construir uma trajetória vitoriosa. E que ao resultado da solução de um
problema é dado o nome de superação. Para as autoras, o que faz um atleta
romper barreiras, alcançando o que às vezes parece ser impossível, é um
conjunto de fatores técnicos, físicos, materiais e psicológicos que, quando bem
trabalhados, ampliam muito os seus limites.
Como referido, a superação é uma constante na vida dos atletas, assim
como a transcendência; estas são palavras perenes no vocabulário do mundo
esportivo. Exemplo disto pode ser observado no artigo “The narrative of João
Garcia: climbing to transcendence”, apresentado por Pereira & Liston, onde as
investigadoras procuraram mostrar, através de toda a simbologia da montanha,
por que João Garcia (alpinista português) é considerado um herói do esporte a
que se dedica, cuja capacidade de superação levou-o a alcançar todos os
cumes das montanhas com mais de 8000 m. Para as autoras, as expedições
ao Everest e outros picos elevados, façanhas deste atleta, configuram-se como
Revisão de Literatura
Socorro Dantas
80
símbolos de esforços supremos, de tentativas dos homens ultrapassarem os
seus limites e atingirem objetivos transcendentes (Pereira & Liston, 2012).
Por vezes, para ultrapassar os seus limites, o atleta acaba adotando
uma conduta considerada de risco. Como exemplo citamos o caso do estudo
publicado em Portugal e intitulado “O risco do desporto de alta competição na
pessoa com deficiência”, apresentado por Silva (2005), sobre a história de vida
de uma atleta com deficiência que reluta em admitir que o esporte de alta
competição que pratica não é aconselhável para a sua condição física. Para
essa atleta o esporte apresenta duas faces opostas: se, por um lado, agrega
valores à sua personalidade, como a superação, por exemplo, por outra via
agrava a sua condição física, já que essa atleta sofre de uma doença onde
atividades que provoquem a fadiga muscular são contraindicadas.
Por seu turno, Sousa (2009), na sua dissertação de mestrado “A
experiência vivida da pessoa com amputação através do corpo: influência da
prática de actividade física”, através de entrevistas do tipo biográfico, procurou
compreender o valor da prática de atividade física e esportiva para indivíduos
com amputações, e entre estes, atletas de alta competição. Buscou
compreender, também, de que modo acontecem as experiências vividas por
eles no esporte através do corpo e pelo corpo. Os resultados do estudo de
Sousa (2009) apontam que a prática esportiva parece influenciar positivamente
e de forma determinante a experiência corporal da pessoa com amputação.
Adicionalmente, as experiências vividas por estes atletas proporcionam a
exploração das potencialidades do seu corpo esportivo, permitindo-lhes, não só
alcançar vivências de sucesso, como obter reconhecimento social por parte
dos outros, através das vitórias.
A superação também faz parte dos atletas lesionados, significando,
neste contexto, conseguir suportar uma fase de dificuldade apoiados em uma
forte determinação que os levará à reabilitação final. Para Rubio & Moreira
(2007), que entrevistaram atletas brasileiros ganhadores de medalhas e cujos
resultados foram divulgados no artigo “A representação de dor em atletas
Revisão de Literatura
Socorro Dantas
81
olímpicos brasileiros”, é necessário e decisivo, para o tratamento do atleta, o
apoio da equipe técnica e médica, bem como o apoio familiar.
Os estudos encontrados nas nossas consultas mostram que uma rede
de apoio é de grande relevância para um atleta, não só no caso de lesões,
como também no seu desenvolvimento. Por exemplo, Massa, Ueze & Bohme
(2010) analisaram os fatores de apoio psicossocial presentes no
desenvolvimento de judocas brasileiros que participaram de olimpíada. No
artigo “Judocas olímpicos brasileiros: fatores de apoio psicossocial para o
desenvolvimento do talento esportivo”, os autores apresentaram os resultados
dessa investigação. Esses resultados indicam que, de acordo com os relatos
dos entrevistados, além do prazer pela prática e da determinação de cada
indivíduo, o apoio familiar é fundamental.
Também Valente Filho (2006), na sua dissertação de doutorado cujo
título é “Mário Jorge Lobo Zagalo: entre o sagrado e o profano - uma história de
vida”, verificou, através da história de vida de Zagalo, ex-atleta de Futebol, ex-
técnico da seleção brasileira, que o apoio familiar é importante para o êxito da
carreira de um atleta. Os resultados do estudo indicam que o elo familiar e a
certeza de que a religiosidade do entrevistado protege suas convicções foram
fundamentais na construção de uma trajetória profissional vencedora.
Desse modo, a carreira esportiva de sucesso de um atleta, além do
talento, demanda vários outros elementos que são fundamentais para alcançar
patamares mais altos.
De acordo com uma das investigações de Rubio (2002), cujos
resultados foram publicados no artigo “O trabalho do atleta e a produção do
espetáculo esportivo”, depois de iniciada a trajetória, outros elementos poderão
ser somados a esses fatores, principalmente para aqueles atletas que
conseguem avançar na carreira e que adquirem fama e status. Também as
expectativas criadas em torno de determinado esporte podem levar a
determinados padrões de comportamento que podem influenciar a conduta
daqueles que escolheram o esporte como profissão. A autora chama a atenção
Revisão de Literatura
Socorro Dantas
82
para o fato de que em torno de uma modalidade esportiva específica,
desenvolve-se um conjunto de práticas coletivas e comportamentos individuais
que o senso comum chama de cultura esportiva. Essas condutas conduzem,
reforçam e multiplicam o imaginário esportivo, pautado principalmente nas
histórias de vida de atletas que fizeram grandes feitos e obtiveram relevantes
conquistas, registrando seus nomes na história do esporte para a posteridade.
Sendo o mundo esportivo capaz de representar simbolicamente a
sociedade nas suas diversas vertentes, na sociedade contemporânea imperam
a cobrança e a necessidade de cada indivíduo ser o melhor no que faz. Assim,
para tornar-se um herói, um mito no esporte, já não basta competir; o
importante é ser o primeiro e ultrapassar marcas, recordes já estabelecidos. O
esporte de rendimento, bem como as suas demais manifestações, é
considerado uma atividade de excelência. Nesse sentido, independentemente
da categoria etária, para se conseguir altos resultados esportivos, é necessário
empenho, dedicação, disciplina, determinação, perseverança, superação, a fim
de conformar, livre e espontaneamente, um projeto de vida esportiva.
Segundo Rubio (2006), no artigo “O imaginário da derrota no esporte
contemporâneo”, no século XXI prevalece a vitória a qualquer custo, pois
somente os louros da vitória têm o poder de encobrir o fantasma do esporte do
alto rendimento chamado derrota. Ser atleta é ser herói, vencedor, capaz de
suportar as adversidades. Assim, é difícil para esse indivíduo aceitar um
desempenho, um resultado que não seja a excelência, o melhor. Nesse
sentido, para ser, ou para continuar vencedor, muitas vezes, os valores morais
são deixados de lado, a ética é esquecida e são utilizados mecanismos que
ajudem a vencer, como o doping, a corrupção, as trapaças, passando isso a
fazer parte da realidade do atleta43.
Sendo os atletas heróis adorados e exemplos a ser seguidos por muitos,
principalmente por crianças e jovens, é necessário resgatar os bons valores e a
43
Igualmente, é relevante chamar a atenção que o herói esportivo é ídolo, e transforma-se em exemplo para crianças e jovens. Isso os torna responsáveis por um comportamento ético. Aliás, responsabilidade e ética são uma das principais formas de educação, desde os tempos de Homero. Cf. em Werner Jaeger (2003). Paidéia: a formação do homem grego.
Revisão de Literatura
Socorro Dantas
83
ética, como refere Monteiro (2007), na sua dissertação de doutorado, produzida
em Portugal, cujo título é “Da Excelência a Virtude: um caminho de vida, para
crianças, jovens e adultos”. Este estudo foi desenvolvido com atletas de alto
nível e crianças. Nos discursos dos seus entrevistados, tanto nas falas dos
jovens como nas dos adultos, foi percebida uma vasta configuração de valores
associada aos seus exemplos esportivos. O autor concluiu apontando para a
necessidade de a educação procurar resgatar os valores da aretê44, revelados
pelo esporte (rendimento, superação, transcendência e outras virtudes
inerentes), a fim de possibilitar (a todos) uma jornada – esportiva e de vida – de
autoaperfeiçoamento, de autoconhecimento e do conhecimento do bem.
Outro obstáculo a ser superado por atletas profissionais é o momento de
parar de competir, o afastamento das competições, deixar de ser o
protagonista. Como em outras profissões, no esporte também ocorrem fases
de transição que culminam com a fase de afastamento
(aposentadoria/reforma).
Por transição na carreira esportiva compreendemos desde a transição
entre as várias fases de desenvolvimento do atleta no esporte, até quando
encerra a sua carreira como atleta. Agresta, Brandão & Neto (2008)
investigaram ex-atletas brasileiros de alto nível de Basquetebol e Futebol
profissional que experienciaram a aposentadoria da carreira esportiva, suas
causas e consequências físicas e emocionais. Os autores concluíram que,
apesar de os atletas terem experienciados carreiras esportivas longas, o
momento de se aposentar no esporte trouxe sentimentos de tristeza. Por outro
lado, a idade é um limitador para a carreira esportiva, e reconhecer isso, de
certo modo, levou-os ao conformismo.
A diminuição do desempenho do atleta com o processo de
envelhecimento é uma realidade, e para muitos atletas é difícil decidir o
momento de parar. Talvez, por isso, reconhecer que o corpo já não responde
da mesma forma que antes, que os resultados nas competições não são os
44
Aretê é uma palavra de origem grega que pode ser traduzida como: virtudes, excelência; qualidades morais e espirituais (Jaeger, 2003).
Revisão de Literatura
Socorro Dantas
84
esperados, torna-se algo difícil de aceitar para alguém considerado herói pelos
seus feitos. Perceber que se está envelhecendo e qual o momento adequado
para deixar o palco das competições, nem sempre é fácil de decidir. Através da
história de vida de ex-atletas olímpicos, Gomes (2005) procurou compreender
as percepções que estes tinham das suas experiências e a sua evocação ao
longo da vida. A autora concluiu que as reflexões dessas experiências
acompanham suas trajetórias de vida, interagindo em suas decisões, como
também o significado das suas trajetórias levou-os a conservar vivas as suas
memórias gloriosas do passado.
Sobre da relevância do resgate das memórias relativas ao mundo
esportivo, e a importância entre memória e história, Goellner (2005) publicou no
Brasil o artigo “Locais da memória: história do esporte moderno”. A autora
chama a atenção para a necessidade de incentivos à pesquisa sobre a
memória esportiva de uma região ou comunidade, assim como a reconstrução
de histórias particulares e específicas. O estudo refere ainda a importância da
organização de acervos de depoimentos com pessoas que tiveram importância
na construção e consolidação da história esportiva, como, por exemplo, os
atletas.
Observamos que a maioria dos estudos aqui apresentados utilizou a voz
do sujeito para captar as suas experiências. O método biográfico, sob a forma
de narrativa, tem sido utilizado como uma alternativa metodológica em estudos
onde o foco é a singularidade e a experiência humana. Sendo o centro do
nosso interesse os estudos que buscam captar e compreender as experiências
vividas por atletas, fazemos referência, para além do que já foi exposto, a
alguns desses estudos que foram e estão sendo desenvolvidos em Portugal e
no Brasil e que se valeram do uso dessa ferramenta metodológica. Dentre
esses estudos, podemos citar as investigações realizadas por Cachada (2006);
Gomes (2005); Massa et al.(2010); Romariz, Devide & Votre (2007); Rubio
(2001a); Rubio (2002); Rubio & Moreira (2007); Silva (2005); Sousa (2009);
Valente Filho (Valente Filho, 2006).
Revisão de Literatura
Socorro Dantas
85
Esses estudos tiveram como principal objetivo buscar a compreensão
dos sujeitos sobre as suas experiências e/ou sobre determinados eventos.
Percebemos, na pesquisa realizada sobre a produção relativa aos temas
“esporte” e “atleta”, um uso mais frequente da narrativa na segunda parte da
década. Essa ferramenta mostra-se útil nesses estudos que procuram
compreender as experiências dos indivíduos. Para Brockmeier & Harré (2003),
o crescente interesse no estudo da narrativa e seu contexto social sugere a
emergência de outro caminho ao paradigma pós-positivista e um maior
refinamento da metodologia interpretativa nas ciências humanas.
A narrativa pode ser utilizada para relatar o mundo particular e também
o mundo de ações e acontecimentos que podem ser observados. De acordo
com Denzin (1989), quando as pessoas falam das suas experiências, utilizam a
memória autobiográfica, entretanto não estão apenas apresentando uma
reconstrução do passado, mas sim a reconstrução desse passado de acordo
com a sua compreensão atual.
Capítulo 2
Percurso Metodológico
Percurso Metodológico
Socorro Dantas
89
2. PERCURSO METODOLÓGICO
2.1 ASPECTOS GERAIS
O caminho metodológico de uma investigação é uma via a ser percorrida no
sentido de alcançar os objetivos propostos, através de ferramentas e
procedimentos que possam garantir a operacionalização dos resultados. Sendo
a pesquisa uma necessidade de compreender o mundo, a metodologia
adequada para uma pesquisa científica deve surgir de uma reflexão
metodológica sobre a realidade e os problemas específicos de cada estudo. Em
sentido lato, a metodologia pode ser definida como um conjunto de diretrizes que
orientam uma investigação científica. Desse modo, não existe uma metodologia
universal para a investigação; se assim fosse, a investigação científica seria
reduzida, de forma simplista, apenas a um conjunto de procedimentos lineares,
um somatório de técnicas que seriam aplicadas através de procedimentos
inflexíveis.
A trajetória metodológica de um estudo vai sendo construída e definida à
medida que se avança pelos caminhos deste, cabendo ao investigador gerar e
pôr em prática os procedimentos adequados para cada situação ou problema
que se apresente em cada estudo. Concordamos com o pensamento de
Santiago (2003), quando nos diz que o modo de pensar cientificamente é
imaginativo e disciplinado ao mesmo tempo, provocando a busca de um
equilíbrio entre a ordenação de novas ideias e o examinar crítico das coisas.
É relevante que todos os procedimentos adotados em uma investigação
científica devam ser apresentados de maneira integral para que possam ser
reconfigurados a cada trabalho proposto, já que cada investigação é singular e
tem um caminho próprio a ser percorrido. No entanto, é de salientar que, para se
construir um procedimento científico, se faz necessário romper com as falsas
evidências que apenas nos dão a ilusão de compreender as raízes do problema
estudado (Quivy & Campenhoudt, 2005). Esse rompimento só pode acontecer a
partir da estruturação de um quadro conceitual, que sustente a lógica que o
pesquisador pressupõe estar na base do fenómeno que deseja estudar.
Percurso Metodológico
Socorro Dantas
90
Geralmente, grande parte das nossas ideias é inspirada nas aparências
imediatas e superficiais ou em posições parciais; na maioria das vezes, essas
ideias são ilusões e preconceitos. E construir um procedimento sobre esse tipo
de apoio pode ser um esforço improdutivo.
Assim, para a construção do quadro conceitual deste estudo, que tem
como intuito desvelar os sentidos do processo de envelhecimento para ex-
atletas de elite, ou seja a experiência de envelhecer para cada um desses
indivíduos, buscamos explorar conceitos e teorias pertinentes ao tema aqui
abordado, o que nos ajudou a construir o caminho e os procedimentos
metodológicos concernentes ao objeto a ser investigado.
As etapas de um procedimento científico não são independentes e
acontecem através de incertezas, desvios e encruzilhadas durante a sucessão
do trabalho45. Desse modo, partimos de uma questão inicial que nos conduziu à
exploração do tema através de leituras e entrevistas exploratórias, e em seguida
a definição do problema.
Desse modo, conforme o objeto selecionado, por pretendermos mostrar
as experiências de vidas de pessoas, as questões relativas ao Ser, a narrativa
se tornou a abordagem que consideramos apropriada à essa investigação de
inspiração fenomenológica. De fato, a partir do momento em que temos acesso
às histórias individuais contadas (e até interpretadas) pelas pessoas, esta é com
certeza a opção correta. A adoção da narrativa nas ciências sociais tem sido
indicada por vários autores, como exemplos, Brockmeier & Harré, (2003);
Denzin, (1989); Sparkes & Devís, (2003). Podemos observar que são vários os
estudos que têm utilizado este tipo de metodologia, como por exemplo, as
investigações de Sparkes (2004); Phoenix e Sparkes (2006); Sparkes e Smith
(2011).
Diante da diversidade de métodos utilizados nas investigações de
caráter qualitativo, optamos, neste estudo, apoiado-nos em autores como Denzin
45
Investigar é por definição procurar. É um caminhar para um melhor conhecimento e deve ser aceito como tal, com todas as hesitações, os desvios e as incertezas que isto implica (Quivy & Campenhoudt, 2005).
Percurso Metodológico
Socorro Dantas
91
(1998), pela utilização da entrevista do tipo biográfico para a construção das
narrativas. Adicionalmente, com o objetivo de obter mais informações e
enriquecer as narrativas, utilizamos como complemento às entrevistas, as
nossas anotações em um diário de campo. Consultamos também algumas
reportagens em revistas e jornais (alguns desses jornais faziam parte do acervo
pessoal dos entrevistados). As visitas aos sites das Federações Desportivas
também foram relevantes, para se obter informações sobre fatos referentes aos
ex-atletas entrevistados. A inclusão de consultas às outras fontes de
informações não teve o intuito de confirmar a autenticidade dos fatos narrados,
pois o importante é o ponto de vista dos sujeitos, sendo antes uma forma de
procurar mais elementos para agregar às histórias de quem as vivenciou. Às
vezes, enquadrar as histórias contadas no contexto que elas se desenvolveram
ajuda a perceber o conjunto de significações que formam a vida de uma pessoa.
A interpretação das informações recolhidas foi outra etapa,
possibilitando as nossas conclusões. Pelas características desse estudo,
procuramos, ao longo da trajetória investigativa, adotar uma postura
fenomenológica, no sentido de colocar em “suspensão” as explicações
apriorísticas. A busca pela apreensão do fenómeno, como já foi explicitado,
aconteceu por meio das falas, interrogando os sujeitos. Procuramos entender o
“ser” no processo de envelhecimento, como se inscreve o seu presente, o seu
aqui e agora, numa reflexão com movimento em direção ao passado (história
contada) e ao futuro.
Importa dizer que as etapas desse estudo não aconteceram de forma
separada, independente. Pela própria característica desta investigação todas as
etapas são interdependentes, o que nos obriga, enquanto investigadores, a um
constante ir e vir durante todo o processo investigativo.
Para uma melhor percepção do desenvolvimento do campo
metodológico, parece-nos relevante dividir o mesmo em tópicos. Primeiro,
procurando justificar a nossa escolha, apresentamos como conduzimos este
estudo apoiado na fenomenologia e também procuramos fundamentar a nossa
opção pela narrativa. A segunda parte trata-se do campo de aplicação, como foi
Percurso Metodológico
Socorro Dantas
92
formado o grupo estudado e como foi desenvolvido e aplicado o instrumento de
estudo construído.
2.1.1 A Condução do Estudo Segundo a Abordagem Fenomenológica
Nas pesquisas de abordagem qualitativa, o termo “pesquisa” ganha novo
significado, não pensamos na trajetória linear, dados – informação -
conhecimento (Ilharco, 2005), mas sim, a pesquisa torna-se algo pensado como
uma trajetória em espiral, em torno do que se deseja compreender. Nesses tipos
de pesquisas, onde a preocupação com o processo é maior do que com o
produto, o investigador não se preocupa aprioristicamente com leis, princípios e
generalizações, ele faz parte do contexto que constrói e o seu olhar vai estar
direcionado na qualidade e nos elementos que sejam significativos para ele
enquanto investigador. Desse modo, é contínua a reflexividade em todo o
processo.
As investigações qualitativas que hoje recobrem um campo
transdisciplinar abrangendo as ciências humanas e sociais, têm adotado
variados modos de investigação para o estudo de um fenômeno46, procurando
tanto encontrar o sentido desse fenómeno, quanto interpretar os significados à
ele atribuídos. Para isso, múltiplos paradigmas de análise têm sido
desenvolvidos, como por exemplo da hermenêutica, do marxismo, da teoria
crítica, do construtivismo e da fenomenologia (Chizzotti, 2003).
No presente estudo, face à natureza, características e peculiaridades do
mesmo, nomeadamente a necessidade de explicar o sentido para além da
evidência do fenômeno, e da diversidade de métodos de investigação utilizados
nas pesquisas qualitativas, optamos por adotar uma postura fenomenológica.
A Fenomenologia, enquanto postura investigativa dentro das pesquisas
qualitativas, pode ser encontrada em estudos onde se inquire e procura
descrever os fenômenos que são experienciados conscientemente, sem teorias
46
O significado de “fenómeno” vem da expressão grega fainomenon e deriva-se do verbo fainestai que significa dizer, mostrar-se a si mesmo (Martins & Bicudo, 1989).
Percurso Metodológico
Socorro Dantas
93
sobre a sua explicação causal e o mais livre possível de preconceitos e
pressupostos. A fenomenologia, portanto, se propõe estudar a experiência
humana e os modos como as coisas se apresentam elas mesmas para nós por
meio dessa experiência.
Para uma melhor contextualização, antes de nos determos no nosso
processo/percurso metodológico propriamente dito, pensamos ser importante
nos reportarmos à origem da Fenomenologia.
O termo Fenomenologia tem sua história recente, a partir do matemático e
filósofo Edmund Husserl (1859-1938) 47. E a esse filósofo é atribuído o mérito
que lhe cabe: ter começado. Como precursor da fenomenologia, Husserl teve
um importante papel na filosofia, influenciando outros filósofos com as suas
idéias e ideais. A fenomenologia ou o questionamento do ser surgiu e se
integrou em um amplo e frutífero movimento de idéias, com divergências leves
ou acentuadas, as quais assumiram consistência teórica em obras de grandes
filósofos, a exemplo de Husserl, Merleau-Ponty, Heidegger, Arendt, entre outros.
Frente à crise das ciências e da filosofia provocada pelo positivismo,
Husserl (1990) 48 provocou profundas mudanças no fazer filosófico do século
XX, quando de certa forma combate o pragmatismo e restaura a atitude
transcendental49 como “retorno às coisas mesmas,” e não o que se diz delas,
que quer dizer voltar ao mundo anterior do qual o conhecimento sempre fala,
buscando as essências, como por exemplo: a essência da consciência, a
essência da percepção.
Considerada, então, como a ciência das essências, dos modos típicos e
peculiares em que se manifestam os fenômenos, a fenomenologia pode se
apresentar, de certa forma, a partir da perspectiva que se queira dar ao objeto.
Dentro da fenomenologia podem-se adotar posturas a partir das linhas mestras.
Desse modo, é pertinente distinguir três grandes linhas: a transcendental, cujas
47
Como movimento filosófico e com os sentidos e ramificações que apresenta até o presente, nasceu no início do séc. XX com a obra Investigações Lógicas de Edmund Husserl. 48
Husserl, E. A Idéia da Fenomenologia. Textos Filosóficos. Lisboa: Edições 70. A edição que utilizamos foi a de 1990. 49
A atitude fenomenológica é também algumas vezes chamada de atitude transcendental.
Percurso Metodológico
Socorro Dantas
94
linhas são definidas e articuladas por Husserl; a existencial que tem como
precursores os filósofos Jean-Paul Sartre, Maurice Merleau-Ponty e Martin
Heidegger; e a hermenêutica que tem em Hans George Gadamer sua grande
expressão.
Apesar de ser importante a referência às diversas linhas e aos vários
estudiosos da Fenomenologia, convém aqui registrar que não existe neste
estudo a intencionalidade de nos aprofundarmos no pensamento desses
filósofos, haja vista o recorte e o alcance que este trabalho se dispõe a atingir.
No entanto, é necessária uma referência a Husserl e principalmente a
Heiddeger, por se tratar, nesse estudo, de experiências humanas e das
questões relativas ao Ser, das suas vivências, do mundo vivido. Sendo nas
linhas de pensamento desses dois estudiosos que nos apoiaremos para o
desenvolvimento desta investigação, faz sentido descrever as idéias desses
filósofos, sobre a fenomenologia, mesmo que de forma sucinta.
Husserl desejou que a filosofia tivesse as bases e as condições de uma
ciência rigorosa. Sabe-se que o êxito do método científico está naquilo em que
ele pode estabelecer como uma "verdade provisória" útil, que será verdade até
que um fato novo mostre outra realidade. Para evitar que a verdade filosófica
também fosse provisória, Husserl acreditou que ela deveria referir-se às coisas
como elas se apresentam na experiência da consciência, e que essas coisas
deveriam ser estudadas em suas essências, em seus verdadeiros significados,
de um modo livre de teorias e pressuposições do mundo real, do mundo
empírico, objeto da ciência (Husserl, 1990).
Para a Husserl (1990), o interesse da fenomenologia transcendental é
dirigir-se para a consciência, enquanto a consciência vai para os fenômenos no
sentido da aparência e da objetividade. O filósofo objetivava que a
fenomenologia não fosse uma ciência do mundo físico, mas que utilizasse a
observação e a sistematização, no estudo de seus objetos ideais. Nessa
perspectiva, o fenomenólogo não maneja dados de efeitos e sim essências; não
estuda feitos particulares e sim idéias universais; não se interessa pela conduta
moral das pessoas, mas sim pela essência da moralidade. Para o filósofo, a
Percurso Metodológico
Socorro Dantas
95
fenomenologia é compreendida como método da crítica do conhecimento
universal, e o fenomenólogo é um eterno aprendiz, na medida em que o método
só pode progredir ao ser permanentemente aplicado a si mesmo.
Desse modo, não se pode considerar a Fenomenologia Transcendental
um sistema de pensamento acabado com respostas imediatas definitivas e
imutáveis, o que difere do tradicional discurso da metafísica, onde a verdade é
imutável, absoluta, bem como a via de acesso a ela. Tentando colocar luz sobre
o tema, Critelli (1996) refere que, na metafísica, o conhecimento é o resultado de
uma superação do existir, e que para a fenomenologia é a aceitação dessa
insegurança que permite o conhecimento.
Aqui, contudo, cabe um questionamento: que método é esse que
problematiza o conhecimento e, no entanto, utiliza cada conhecimento escolhido
como ponto de partida? De acordo com pensamento de Husserl (1990), o
conhecimento não se nega nem se declara em todo o sentido como algo
duvidoso pelo fato de se “pôr em questão” 50. Portanto, o que se faz é questionar
certos atributos que são dados a este conhecimento, ficando, contudo, em
aberto as dificuldades que concernem a todos os tipos possíveis do processo de
conhecer. Refletir sobre estes questionamentos nos leva a reformular o
entendimento a respeito das coisas mais básicas, tais como nossa compreensão
de homem, de sociedade e de mundo.
Preocupado com as questões relacionadas com existência humana no
sentido mais profundo, o filósofo Martin Heidegger51, discípulo de Husserl,
debruçou-se sobre a procura do ser no sentido original. Nessa procura,
Heidegger constrói uma nova terminologia filosófica que possa dar conta do que
propõe. Assim, toda a filosofia heideggeriana tem como característica uma
hermenêutica do ser, pois é na linguagem que a apreensão do ser se dá. Na
50
Grifo nosso. 51
Considerado um dos pensadores fundamentais do século XX, Martin Heidegger (1889-1976) manifestou
uma preferência clara pela filosofia da vida, pois parece que essa preferência respondia melhor a profunda
crise espiritual que abalou a sua época, cuja manifestação mais evidente é a I Guerra Mundial (La Maza,
2005). Heidegger tomou uma direção contrária à metafísica, voltando-se para o ser (ontologia), em uma
época onde os valores relacionados à metafísica e a religião estavam abalados, tomou seu caminho próprio,
preocupado que a fenomenologia se dedicasse ao que está escondido na experiência do dia-a-dia.
Percurso Metodológico
Socorro Dantas
96
perspectiva hermenêutica de Heiddeger, é necessário, para a apreensão do ser,
depurar os significados das palavras, pois o ser o humano é convívio,
comunicação e compreensão.
Na obra Ser e Tempo52, Heidegger coloca em questão um conceito
fundamental em ciência: o sentido do ser (conceito no qual todas as teorias se
baseiam). O filósofo alemão procurou descrever o que chamou de estrutura do
cotidiano, ou "o estar no mundo", com tudo que isto implica quanto a projetos
pessoais, relacionamentos e papéis sociais. Heidegger não se refere
explicitamente ao homem, e sim ao "Dasein", termo alemão que, embora
signifique simplesmente "existência", é geralmente traduzido como "Ser-aí",
porque isso facilita a posterior compreensão dos conceitos de Heidegger sobre o
"da" (aí) e o "sein" (ser). Nesse sentido, o Ser-aí é, segundo Heidegger, aquele
ente capaz de se perguntar sobre o ser, aquele ente que se põe como intérprete
do ser dos outros entes.
Ao discutir a questão do sentido do ser, Heidegger demonstra que a
Fenomenologia compreende a verdade como algo provisório, mutável e relativo,
o que difere do entendimento da metafísica que pressupõe a verdade una,
estável e absoluta. Por isso, a Fenomenologia é uma postura ou atitude (uma
maneira de compreender o mundo) e não uma teoria (modo de explicar). Ainda
de acordo com o pensamento de Heidegger, o fenomenólogo deveria apropriar-
se, para uso filosófico, das pressuposições essenciais das nossas experiências
do dia-a-dia, questionando-as e mostrando que certos princípios que
aparentemente são confiáveis deveriam ser examinados e esclarecidos.
Partindo do principio que a Fenomenologia é o estudo das estruturas da
consciência, o que compreende uma correlação entre os atos da consciência e
seu objeto e os mais diversos estilos de modalidades de presença, demonstrado
pela consciência, Giorgi (2010, p. 387) aponta que ao analisarmos “essas
estruturas sob seus aspectos concretos e materiais (social e culturalmente
fundamentados) torna a fazer da fenomenologia, científica; analisá-los sob seus
52
Heidegger, Martin (1927). Ser e Tempo. A edição utilizada foi de 2002. A obra Ser e Tempo foi considerada profunda e importante para o movimento fenomenológico.
Percurso Metodológico
Socorro Dantas
97
aspectos mais fundamentais e tentar atingir seu sentido último, universal, torna a
fazer da fenomenologia, filosófica”.
Nessa perspectiva, sendo a abordagem fenomenológica, de acordo com
Critelli (1996), um enfoque nos fenômenos subjetivos, na crença de que
verdades essenciais acerca da realidade são fundamentadas na experiência
vivida, optamos por essa abordagem científica para o desenvolvimento dessa
investigação. Essa opção se deu por ser o objeto de estudo da nossa
investigação, os sentidos dados às experiências vividas, e contadas pelos
sujeitos que fazem parte do grupo estudado.
A experiência humana é o cerne do movimento fenomenológico, que
considera a experiência a forma original pela qual os sujeitos vivenciam o seu
mundo. Ou seja, a experiência diz respeito ao modo de ser do indivíduo no
mundo. É o meio pelo qual o mundo se coloca face a nós e dentro de nós e,
como tal, está sempre localizada no tempo e no espaço. Nesse aspecto, os
estudos desenvolvidos por esse referencial insistem no resgate do sensível, é a
preocupação com o ser.
No intento do desvelar dessas experiências, a fenomenologia como
postura investigativa tem sido amplamente utilizada nas pesquisas qualitativas
de diversas áreas e de formas variantes. Nesta variedade de aplicações,
podemos identificar dois tipos de pesquisa: uma que representa o pensamento
de Husserl - a eidética ou descritiva - e outra, que apoiada no pensamento de
Heidegger vai além de descrever e busca interpretar, a hermenêutica ou
interpretativa.
A fenomenologia descritiva é fundamentada nas concepções filosóficas
de Husserl e na ideia de buscar nas experiências humanas os significados e
sentidos apreendidos pela consciência. Husserl (1990) projetou para a Filosofia
a possibilidade de desfazer-se dos “tormentos da obscuridade”, algo que seria
através da suspensão da atitude natural e na mudança para a atitude
fenomenológica, isto é, para a atitude cujo foco é a reflexão sobre a atitude
natural e todas as intencionalidades que ocorrem dentro dela, ou a chamada
Percurso Metodológico
Socorro Dantas
98
redução fenomenológica. Nisso, a redução é um procedimento que tem um
importante papel, pois nos tira do naturalismo e nos liga a um ponto de vista
transcendental. Seria pela atitude fenomenológica ou redução que os objetos se
revelariam na sua constituição. A mudança para a atitude fenomenológica é um
movimento que se desprende da atitude natural e se concentra de modo
reflexivo em todos os aspectos da atitude natural, incluindo a crença no mundo
(Sokolowski, 2004).
A atitude fenomenológica levaria o pesquisador à origem, à essência dos
sentidos do fenómeno investigado. Na pesquisa, o possível valor da redução
está em facilitar as operações de intuir, analisar e descrever o fenómeno; essa
redução nos prepararia para a exploração das essências53, dos dados sem
preconceitos ou juízos prévios.
Em uma investigação que opta pelo caminho metodológico apoiado nas
ideias de Heidegger, o ponto central é a compreensão do sentido do ser. Nessa
busca incessante pela compreensão do ser, o filósofo interligou a ontologia à
hermenêutica. Como para Heidegger viver é interpretar, a proposta da
fenomenologia hermenêutica é dirigir a atenção e trazer à luz o que está oculto
naquilo mesmo que se mostra, ou seja, o sentido do ser. Assim, o trabalho
hermenêutico heideggeriano visa interpretar o que se mostra, ou seja, o que se
manifesta aí, mas que no início e na maioria das vezes, não se deixa ver
(Heidegger, 1998). O que se mostra e se manifesta é uma verdade que se
realiza numa estrutura existencial na experiência vivida, nos pensamentos de
todos os dias.
Para um estudo que adota os passos do caminho fenomenológico este
seria o último passo, pois a interpretação, em pesquisa, encerra geralmente
qualquer análise. A fenomenologia interpretativa busca a essência na
compreensão da experiência vivida, cujo contexto é a rotina diária, o mundo
cotidiano, indo além da simples análise dos dados.
53
Embora a redução não seja necessária de forma imperiosa, e nem sempre utilizada em todos os estudos que se propõem ser fenomenológicos, é valiosa na pesquisa pois auxilia o pesquisador a focar-se no fenómeno no modo “como aparece”, em vez de preocupar-se com “o que” aparece. Cf: Moreira (2004).
Percurso Metodológico
Socorro Dantas
99
Uma postura fenomenológica numa investigação exige, para a
interpretação, uma exaustiva e contínua reflexão a respeito das respostas
dadas, e da experiência do outro, continuando aberto a outras reflexões e
interpretações numa via dialética. Ou, nas palavras de Courtine-Dénamy (1994,
p. 383), escrevendo sobre o pensamento de Hannah Arendt, “aqueles que se
comprometem nos caminhos do pensamento passam do mundo da aparência
para o mundo invisível das idéias, que abalam todas as nossas certezas (...)”.
A “atitude fenomenológica” pode ter o significado do exercício crítico do
próprio conhecimento. E aqui poderíamos dizer que essa atitude de reflexão
constante se volta para os próprios atos e os próprios pensamentos do
pesquisador que adota a postura fenomenológica. E para isso é necessário,
como afirmou Husserl (1990), que sejam postas entre parênteses nossas
convicções filosóficas, os resultados das ciências e as persuasões arraigadas
que nos fazem crer na existência de um mundo de coisas.
Desse modo, a fenomenologia interpretativa (hermenêutica), proposta
por Heidegger, vai além da fenomenologia descritiva (eidética) fundamentada
nas concepções de Husserl. No entanto, enquanto métodos utilizados nas
investigações qualitativas de caráter fenomenológico, a depender do objetivo da
investigação, as duas concepções podem se complementar. No caso do nosso
estudo para a compreensão das narrativas dos sujeitos, foi necessário ir além da
descrição, pois a redução, a interpretação nesse tipo de estudo é essencial para
chegarmos aos sentidos das experiências contadas. Para que se tenha essa
compreensão, a hermenêutica é fundamental, surge como método interpretativo
que permite ao pesquisador chegar à compreensão do ser. Não apenas
descrever o fenômeno, mas ir além, buscando também no oculto, no que não foi
revelado, os sentidos e significados. De acordo com Giorgi (2010), aos olhos da
fenomenologia científica há para o investigador inúmeras possibilidades de
redução do fenômeno.
Ao colocar o fenômeno em suspensão, procuramos, através das
narrativas, uma aproximação com o universo e as experiências de ex-atletas de
elite (olímpicos e mundiais). O nosso intento foi procurar compreender em cada
Percurso Metodológico
Socorro Dantas
100
um, o seu vivido, o seu cotidiano, o seu conviver com os outros e o partilhar, ou
como diria Santiago (2003), o seu habitar no mundo. O estudo buscou um
desenho a partir das reflexões que sustentam os sentidos, as percepções
desses ex-atletas. Com o fenômeno em suspensão, e tendo estabelecido o que
dele se desejava compreender, o passo seguinte foi buscar a sua essência que
se manifesta nos discursos dos sujeitos.
É pelo discurso que o pesquisador busca apreender aspectos do
fenômeno por meio do que dizem os outros sujeitos. Quando os outros
descrevem aspectos de um fenômeno, eles os descrevem como os percebem,
no desejo de comunicar as suas percepções. A descrição dessas percepções
pressupõe uma audiência que não conhece o descrito mesmo quando já exista
entre pesquisador e pesquisado uma primeira aproximação. Na pesquisa
fenomenológica, para se estabelecer uma relação fenomenológica e adentrar no
mundo das experiências particulares do outro, se faz necessário primeiramente
perceber a outra pessoa como pessoa. Tal aproximação e percepção mínima do
outro é fundamental para que se possa compreender e interpretar a experiência
de outra pessoa (Critelli, 1996; Giorgi, 2010; Sokolowski, 2004).
Como já referido, foi através da realização de entrevistas do tipo
biográfico que tentamos captar com sentimentos e palavras as histórias das
experiências dos indivíduos que compõem o grupo estudado. Como refere Dutra
(2002), se percebe que entre as palavras e a experiência existe uma relação
direta. Desse modo, a linguagem ocupa um lugar de destaque dentro da
pesquisa fenomenológica, pois é através da palavra que tentamos chegar ao
“ser-aí”. Nessa direção, buscamos desvelar no depoimento de cada
entrevistado, tanto quanto possível, os sentidos que este atribui ao seu processo
de envelhecimento e ao seu afastamento das competições e ao seu cotidiano.
O fio condutor desta investigação são as narrativas das experiências de
vidas de pessoas, tal como elas recordam e descrevem o seu vivido, e hoje
vivem ao recordar (Denzin, 1989). Por isso, tal como se pressupõe numa atitude
fenomenológica, atentamos para um caminho onde existiu abertura para olhares
em diversas perspectivas, para a diversidade de pontos de vista. Adotar essa
Percurso Metodológico
Socorro Dantas
101
postura nos permitiu elaborar e organizar a metodologia à medida que os
desafios surgiram, mas sem fugir do rigor e da coerência interna dos
fundamentos teóricos e metodológicos que deve guiar a qualidade de uma
investigação científica. O estudo buscou compreender os sentidos dados às
experiências de cada entrevistado, nesse processo de trabalho, para a produção
dos dados empíricos elegemos a narrativa como meio de obter as informações
sobre a história de vida de cada um deles.
2.1.2 Narrativa
Narrar é uma capacidade inerente ao ser humano e para alguns
estudiosos configura-se como o próprio fator de humanização da nossa
espécie. Embora existam diversas maneiras de compreender as vidas
humanas, a história é imprescindível para dar forma, indícios a respeito de uma
pessoa. Para Bruner (1991), as histórias são das primeiras formas de discurso
que aprendemos e utilizamos vida afora em diferentes situações, ou seja, a
experiência humana é sempre narrada.
A narrativa funde-se com a história da humanidade, está presente em
todos os tempos e espaços, é através da narrativa que o ser humano apreende
e expõe suas impressões sobre ele, é através da narrativa que o ser humano
organiza e apresenta suas representações sobre o mundo e sobre os
acontecimentos e suas experiências nesse mundo. Para narrar essas
experiências, o homem organiza de forma temporal esses eventos na sua vida.
Na realidade, o tempo, juntamente com o espaço, é uma das coordenadas
antropológicas fundamentais para que o indivíduo organize suas experiências
as suas memórias. Conforme salienta Ricoeur (1994), existe uma estreita
relação entre experiência humana do tempo e a universalidade da narrativa.
Para Denzin (1989), a narrativa é uma história que fala de um
encadeamento de acontecimentos que possuem um significado para o narrador
e sua audiência. Uma narrativa, sendo uma história, tem uma estrutura, um
começo, um meio e um fim. Possui também uma seqüência lógica que faz
Percurso Metodológico
Socorro Dantas
102
sentido para o narrador. Uma narrativa relata os eventos numa seqüência
temporal e causal, descrevendo assim uma seqüência de eventos, fatos que
aconteceram, mas também é organizar os acontecimentos de maneira
temporalmente significativa.
A temporalidade está contida no relato individual, que remete a um
tempo histórico; dinâmico, pois apreende as estruturas de relações sociais e os
processos de mudanças (Brioschi & Trigo, 1987). Neste sentido, a narrativa
pensada como história pessoal é também algo socialmente e culturalmente
construído, oferecendo uma visão singular sobre a passagem do tempo para a
vida humana e as implicações nas várias dimensões (psicológica, física e
social). Nessa linha de pensamento e conforme defendem Garcia e Portugal
(2009), o homem é um ser que o é no tempo e num espaço, e as suas ações
deverão ser julgadas de acordo com esta premissa, ou seja, avaliadas em
consonância com o contexto e as circunstâncias onde ocorreram essas ações.
As narrativas além de serem um forte meio de dar significado às
experiências, não são limitadas apenas à reconstrução do passado, mas
principalmente, para expressar a compreensão atual desse passado e do
momento atual da vida de alguém, como também antecipar o que se pensa, o
que se deseja do futuro. Assim, a experiência de viver o tempo, no passado,
presente e futuro é que dará o sentido às experiências. E no âmbito desse
trabalho se trata das experiências individuais de atletas que por suas façanhas
no esporte se tornaram ícones.
De fato, as experiências são individuais, mas o tempo cronológico
aparece a priori na estrutura narrativa. Como refere Baars (1997), as narrativas
estão atreladas a um tempo cultural, a um tempo cronológico, não há narrativa
sem a idéia cronológica do tempo. Também para Sparkes (2003), o tempo está
incorporado nas narrativas, assim o homem pode não ter o controle do tempo,
mas ele temporaliza as suas experiências, organizando-as cronologicamente. E
de modo, ao contar uma história, ou a sua história, essa temporalidade aparece
marcadamente.
Percurso Metodológico
Socorro Dantas
103
Para Denzin (1989), a temporalidade é básica nas narrativas de vidas e
aponta duas formas de temporalidade. O tempo mundano que diz respeito ao
presente, passado e futuro como horizonte temporal contínuo e o tempo
fenomenológico que é o tempo interior, contínuo e circular. O autor refere ainda
que uma vida pode ser mapeada em termos de episódios marcantes a que o
indivíduo atribui significados.
Para autores como Heidegger (1998), o tempo de vida expressa a
essência do ser-no-mundo. O tempo concebido fenomenologicamente
antecede a qualquer subjetividade e objetividade. Para o filósofo supracitado, é
indissociável a realidade humana e o tempo, é na fluidez do tempo que o
homem busca a sua essência.
Desse modo, a temporalidade é indissociável das narrativas sobre as
experiências vividas, os fatos de uma vida não podem ser interpretados
dissociados do tempo, do momento em que aconteceram.
Neste estudo, como em outros que se utiliza a narrativa, o tempo
encontra a sua clara representação, já que a narrativa revela-se como caráter
temporal da experiência humana. Nas narrativas, a temporalidade, no entanto,
não deve ser entendida como seqüencialidade do discurso ou da escrita, nem a
estrutura da mesma deve implicar em um ordenamento seqüencial de eventos.
Sobre a narrativa como representação do tempo, Ricoeur (1994) diz que o
tempo torna-se humano na medida em que está articulado de modo narrativo, e
que a narrativa torna-se significativa na medida em que esboça os traços da
experiência temporal. Assim, a representação temporal dos fatos prossegue
como um componente distintivo da narrativa, embora tal representação não
necessite mais ser expressa em termos de uma ordem seqüencial rigorosa. O
fato de os eventos estarem representados desordenadamente não destrói a
narrativa. E isso depende da forma como o narrador produz as suas
concepções, pois a narrativa é fruto de uma elaboração do recordar e refletir, é
a reconstrução do vivido, do que foi marcante.
Percurso Metodológico
Socorro Dantas
104
Ao contar sua história, o indivíduo reflete sobre a sua trajetória e
articula as dimensões dos significados a essa trajetória. As histórias e
narrativas de pessoas são recursos culturais que, em grande medida, dão
sentido à vida das pessoas.
Conforme afirma Pereira & Liston (in press), uma história pessoal além
de ser marcadamente individual é também social e cultural. O indivíduo
entrevistado vai além da sua própria vida, ele conta mais que a sua história de
vida, na sua narrativa está intrínseca a vida de uma época, de um grupo, de um
povo. A narrativa possui sempre um caráter social explicativo de algo pessoal
ou característico de uma época (Galvão, 2005). Nesse sentido, estudar as
narrativas é indispensável, pois as mesmas possuem também um papel
fundamental na transmissão das culturas, e podem abrir um largo horizonte de
experiências e apresentar desafios de reinterpretar os significados, que
poderão funcionar como re-configuração da vida (Baars, 1997).
Face à relevância exposta da narrativa, o seu interesse ultrapassou a
literatura e a lingüística, sendo adotada também em estudos no âmbito das
ciências humanas e sociais. Nos últimos anos tem sido crescente a produção
de trabalhos que utilizam as narrativas no âmbito das ciências sociais. Entre
outros interesses e questões, como aponta Sparkes (2003), a narrativa se
apresenta como uma condição ontológica da vida social, e simultaneamente,
um método ou uma forma de conhecimento.
A valorização da forma de história, tanto oral quanto escrita, possui um
parâmetro lingüístico, psicológico, cultural e filosófico fundamental para a
tentativa de explicar a natureza e as condições da existência humana. Através
da narrativa compreendemos os contextos mais amplos e diferenciados da
nossa existência (Brockmeier & Harré, 2003). Por isso, estudar o relato de vida
das pessoas contribui para entendermos como se constroem as identidades, os
valores, os sentidos que essas pessoas dão as suas vidas. Por esse motivo,
Denzin (apud Sparkes & Devís, 2003, p. 44) sugere que:
Percurso Metodológico
Socorro Dantas
105
Vivimos en el momento de la narración. Está produciéndose el giro narrativo en las ciencias sociales... Todo lo que estudiamos está dentro de una representación narrativa o relato. De hecho, como académicos somos narradores, relatores de historias sobre las historias de otra gente. Llamamos teorías a esas historias.
A narrativa assume várias perspectivas quando é utilizada no âmbito da
investigação, desde a análise de biografias e de autobiografias, histórias de
vida, narrativas pessoais, entrevistas narrativas, etnobiografias, etnografias e
memórias populares, até acontecimentos singulares, integrados num
determinado contexto.
Na área do esporte, vários estudos têm utilizado as histórias de vida,
as narrativas, para compreender as experiências vividas de ídolos do desporto
ou de pessoas comuns, a exemplo dos estudos de Antonino Pereira (2001)54,
Kátia Rúbio (2001b)55; Jayme Valente Filho (2006)56, Cardoso (2010)57.
Na investigação em tela, em virtude do objeto de estudo selecionado
estar imerso em um universo de significados, crenças e valores, surgiu
naturalmente o caminho que possibilitaria um melhor aprofundamento nas
particularidades que o tema permite e determina.
Desse modo, por entendermos que a narrativa é um significante
instrumento de produção do conhecimento, consideramos, para este estudo,
ser esta a opção mais produtiva, face ao que se propõe esta investigação, ou
seja, compreender os sentidos que os ex-atletas atribuem às suas
experiências e ao seu próprio processo de envelhecimento. Assim, para a
nossa pesquisa obtivemos, através desse recurso metodológico, informações
sobre a trajetória de vida no esporte e das relações de um grupo de atletas.
Mas, também, percepções sobre essas mesmas trajetórias, pois no modo
como se relatam e contam as experiências, é possível desvelar modos de
54
Antonino Pereira, com a intenção de compreender o significado de ser um bom professor, na sua Tese de Doutoramento, apresenta a história de sete professores. 55
Kátia Rúbio procurou através da história de vida entender atletas de elite do Brasil. 56
Jayme Valente escreveu sobre a vida de Zagallo, considerado uma das estrelas consagradas do Futebol mundial. 57
Paula Portugal Cardoso estudou os sentidos da vida e da atividade física para idosos do meio rural e do meio urbano.
Percurso Metodológico
Socorro Dantas
106
vivência das mesmas, porque narrar é um mergulho nas próprias lembranças,
sejam essas recentes ou antigas. Na realidade, nesse tipo de estudo, a
experiência pessoal é uma fonte de autenticidade, a única forma de
compreender verdadeiramente a experiência do processo de envelhecimento é
através do “ter estado lá” (Phoenix & Sparkes, 2006).
Como já referido, o processo de narrar a própria experiência possibilita
ao sujeito reconstruir sua trajetória e lhe oferecer novos sentidos,
estabelecendo uma relação dialética entre experiência e narrativa, mediada
pelos processos reflexivos (Cunha, 1997). Como refere Bosi (1994), a narrativa
é importante para contar a vida de alguém, e sobre a maneira como essa
pessoa reconstrói a narrativa da sua vida. Ou seja, através dos relatos, o
indivíduo se preenche a si mesmo, se obrigando a organizar de modo coerente
as lembranças desorganizadas e suas percepções imediatas: esta reflexão do
si faz emergir em sua narração todos os micros eventos que pontuam a vida
cotidiana. Também para o investigador, o processo de análise da narrativa
exige uma reflexão sobre os “dados”, exige uma empatia e ao adotar uma
empatia, em vez de uma posição simpática, o investigador também reflete
sobre a sua vida (Sparkes & Smith, 2011).
Haguette (2003) acredita na relevância das experiências e das
interpretações do entrevistado sobre o seu mundo, sobre o curso da sua vida.
No entanto, no âmbito das representações e dos sentidos, a intersubjetividade
é latente, portanto não podemos perder de vista que nos encontros, no
processo da entrevista, existe um pluralismo reflexivo em que entrevistado e
entrevistador são parceiros na produção desse conhecimento. A fenomenologia
fica evidente nessa atitude reflexiva e a hermenêutica é ferramenta
imprescindível para uma compreensão densa da história de vida contada pelo
próprio indivíduo ou por outra pessoa (Garcia & Portugal, 2009).
A utilização da narrativa é particularmente útil para estudos sobre o
processo de envelhecimento, no caso do nosso estudo o envelhecimento de
atletas. Nesse tipo de estudo, o narrador assume o status de informador
privilegiado e é ele que dá forma a narrativa, num discurso pessoal que ele
Percurso Metodológico
Socorro Dantas
107
próprio estrutura (Guerra, 2006). Através da voz de um indivíduo, na entrevista,
podem-se obter informações na essência subjetiva da vida de uma pessoa.
Nessa técnica, é dada ao entrevistado a liberdade para dissertar livremente
sobre sua trajetória pessoal e sua experiência em relação ao que está sendo
indagado pelo investigador (entrevistador).
O estudo da narrativa nos conduz, ou nos convida a pensar sobre a
natureza humana de forma maleável e em constante mudança, em constante
reconstrução. Isso inclui, como referem Brockmeier e Harré (2003), a
preferência de dar ordem e coerência às experiências da condição humana
essencialmente instável e, por essa condição, a ordem pode ser alterada à
medida que nossa experiência (ou os seus significados) se transforma. As
experiências contadas pelos participantes deste estudo podem ser (re)
contadas em outro momento de outra forma, com outros significados, a
depender da época e da condição de vida do autor da narrativa.
Após o exposto, passamos à descrição de todas as etapas do processo
de construção das narrativas, começando pelo grupo em estudo, bem como a
sua formação e constituição.
2.2 - PROCEDIMENTOS PARA A FORMAÇÃO DO GRUPO E A RECOLHA
DOS DADOS
2.2.1 A formação do grupo estudado
A transição nas etapas de uma carreira, assim como o seu
encerramento, ocorre de maneiras diferentes nas mais diversas profissões.
Neste estudo, buscamos compreender como o atleta de alto rendimento
percebe o seu envelhecimento e o encerramento da sua carreira esportiva. E,
também, como esses atletas percebem as etapas de transições nas suas
carreiras como atletas olímpicos e ou mundiais. Por transição na carreira
esportiva compreendemos desde a transição entre as fases de
Percurso Metodológico
Socorro Dantas
108
desenvolvimento do atleta no esporte, até ao encerramento da carreira
esportiva.
O grupo investigado foi composto por ex-atletas de elite (olímpicos e/ou
mundiais), portugueses e brasileiros, que por seu percurso de conquistas, são
destaques mundiais nos respectivos esportes. Para fazer parte do grupo era
necessário ser ex-atleta de elite (olímpico e/ou mundiais) e aceitar participar do
estudo. Optamos que apenas ex-atletas participassem do grupo por
acreditarmos que o distanciamento das competições de alto nível daria a esses
indivíduos uma melhor perspectiva do seu próprio envelhecimento.
O caminho percorrido para chegarmos a esses atletas foi um trabalho
árduo e demorado. Primeiro, fizemos uma pesquisa nos sites das
Confederações dos diversos esportes de Brasil e Portugal, onde foi feito um
levantamento dos atletas medalhados que haviam participado de olimpíadas e
campeonatos mundiais, e que já não participavam mais de competições.
Alguns nomes de atletas que poderiam ser contactados foram sugeridos e
indicados por pessoas da área de Educação Física e Esporte.
Fizemos uma lista com os nomes dos atletas e em seguida entramos
em contato com as Federações dos respectivos esportes (através de correio
eletrônico e via telefônica), solicitando os possíveis contatos dessas pessoas.
Algumas Federações não tinham o contato desses indivíduos atualizados, e as
que os tinham forneceram o endereço eletrônico e/ou número de telefone;
outras encaminharam a nossa correspondência para o atleta solicitado. Dos
atletas que contatamos, uns responderam outros não, dos que responderam
apenas um não aceitou participar do estudo. Assim, após a resposta afirmativa,
enviamos para cada um deles a carta de apresentação (Anexo 1), na qual
também é apresentada a intenção do estudo. Logo após foram agendadas as
entrevistas de acordo com a disponibilidade de cada participante.
O grupo para o estudo foi formado por oito ex-atletas (três brasileiros e
cinco portugueses), de ambos os sexos e de modalidades esportivas variadas.
A saber: Atletismo; Basquetebol; Ginástica Olímpica; Tiro; Voleibol; Vela. No
Percurso Metodológico
Socorro Dantas
109
período em que as entrevistas foram realizadas, a faixa etária do grupo
entrevistado, era compreendida entre 48 e 74 anos.
Os participantes deste estudo assinaram dois Termos de
Consentimento, o primeiro onde aceitam participar do estudo (Anexo 2), e o
segundo, após terem acesso às transcrições das entrevistas (Anexo 3),
liberando para publicação os seus nomes e a utilização das suas entrevistas.
No capítulo onde serão apresentadas as narrativas, faremos uma descrição
aprofundada de cada um desses participantes.
Abaixo apresentamos, por ordem alfabética, a identificação do grupo e
os esportes com o qual representaram os seus países e onde obtiveram
notoriedade.
Quadro 2 - Grupo de atletas informantes
Nome
Esporte
País
Armando Marques Tiro Portugal
Carlos Lopes Atletismo Portugal
Esbela da Fonseca Ginástica Artística Portugal
José Luiz Barbosa58 Atletismo Brasil
José Manuel Gentil
Quina
Vela Portugal
José Montanaro Voleibol Brasil
José Regalo Atletismo Portugal
Maria Paula Gonçalves
da Silva59
Basquetebol Brasil
58
Conhecido no espaço esportivo brasileiro como Zequinha Barbosa.
Percurso Metodológico
Socorro Dantas
110
2.2.2 - A recolha dos dados
Considerando o que foi dito anteriormente sobre a singularidade
metodológica de cada investigação, o estudo aqui desenvolvido, que teve como
objetivo compreender os sentidos do processo de envelhecimento, na
subjetividade e complexidade inerente ao ser humano, não podia conceber o
desenho metodológico como um processo fechado com o risco de desprender
a metodologia do trabalho investigativo. Para que se possam atingir os
objetivos propostos em um estudo com esse perfil, é fundamental, como
aponta Cellard (2010), a preocupação com a qualidade da informação, a
variedade das fontes utilizadas das corroborações e das intersecções; algo que
contribui para a riqueza e refinamento de uma análise.
Nesse sentido da construção, além da entrevista, com o intuito de
enriquecer, e por vezes, contextualizar às narrativas, recorremos a um diário de
campo. Com esse objetivo também foram feitas consultas a sites, revistas e
jornais, no sentido de se obter mais informações sobre as carreiras esportivas
dos entrevistados.
2.2.3 - Entrevistas biográficas – da construção à aplicação
Uma dos modos de se estudar a experiência de alguém é através de
entrevistas. Este tipo de instrumento tem se mostrado útil para este fim. As
entrevistas foram realizadas orientadas pelo método biográfico descrito por
Denzin (1989), o qual propõe uma estratégia para a recolha de histórias e
narrativas que abordam um momento na vida da pessoa. São acontecimentos
lembrados e narrados da maneira como o indivíduo experienciou. Trata-se de
conceder relevância à fala individual (discurso), sobre as formas como as
pessoas vivenciam e dão significado as suas experiências através da
linguagem. Portanto, o método biográfico mostra-se como uma opção
metodológica capaz de reabilitar a singularidade da experiência humana, ao
59
Conhecida no espaço esportivo brasileiro como Paula ou Magic Paula.
Percurso Metodológico
Socorro Dantas
111
permitir-nos o acesso ao conhecimento e organizar essas experiências em
eventos temporalmente significativos (Smith, 1998).
Para Denzin (1989), experiências biográficas significantes são contadas
e re-contadas sob a forma de narrativa. Nessa perspectiva, a entrevista
biográfica, para alcançar o objetivo, é aplicada de forma aprofundada, longa e
com poucas intervenções, deixando o entrevistado ir ao encontro de si mesmo.
Esse tipo de entrevista além de captar a experiência do entrevistado também
pode nos indicar os passos reflexivos para estudar o material recolhido.
Antes da realização das entrevistas para esta investigação, passamos
por uma fase de exploração e experimentação, que teve o objetivo de nos
testar enquanto entrevistadores, e contribuir para nortear a elaboração de
algumas perguntas do guião. A postura fenomenológica do investigador se
reflete nessa etapa do estudo, pois essa também é uma fase, para o
investigador, de ruptura com preconceitos, e com a ilusão de transparência do
fenômeno estudado. Adicionalmente, o entrevistador deve favorecer a
colaboração do entrevistado e se adaptar às diversas imposições e ao caráter
instável da situação de entrevista (Poupart, 2010). Esses foram momentos,
para nós, de férteis reflexões, muitas vezes sobre questões que não havíamos
pensado. Essa fase de exploração nos ajudou a refletir sobre a construção do
estudo, contribuiu para o direcionamento de leituras sobre o tema estudado, e
sobre a nossa postura de investigador e de entrevistador.
As leituras e as entrevistas piloto nos auxiliaram a compor tanto a
problemática deste estudo, como contribuíram nas nossas reflexões para a
elaboração do guião a ser utilizado. O guião (Anexo 4) foi composto por poucas
perguntas abertas, que orientaram a entrevista de maneira informal. Essas
perguntas de “lembrança” foram elaboradas em função dos objetivos, do
âmbito do estudo e do referencial teórico utilizado. Esse “roteiro” é utilizado
para orientar e “lembrar”, quando necessário, o pesquisador na colocação de
temas estimulantes do relato, constituindo apoio ao trabalho da reflexão.
Percurso Metodológico
Socorro Dantas
112
Neste tipo de entrevista, as perguntas não devem servir para comandar
a entrevista, mas sim para orientar sobre assuntos importantes a serem
tratados, e que são relevantes para o estudo. Para Atkinson (1998), as
entrevistas do tipo biográfico têm como característica o emprego de questões
abertas onde o entrevistado é convidado a falar sobre determinadas questões
de tipologia aberta que atendam ao tema estudado. Se necessário for, o
entrevistador deve ser flexível e modificar ou adaptar as perguntas do roteiro
no momento da entrevista, de acordo com o relato do entrevistado.
Assim sendo, esse tipo de entrevista se presta a uma exploração em
profundidade do contexto da vida e do meio de pertencimento do entrevistado,
resultando em um material que permite circunscrever sua experiência e o seu
ponto de vista de forma mais adequada (Poupart, 2010).
Nessa fase de exploração, num primeiro momento, entrevistamos
idosos (acima de 65 anos e de ambos os sexos), participantes de um programa
de atividades físicas oferecidos pela Faculdade de Desporto da Universidade
do Porto. Em um segundo momento, entrevistamos ex-atletas de elite das
modalidades Ginástica Olímpica e Atletismo60. Assim, após a fase da
exploração, as questões do guião foram elaboradas em função do objetivo do
estudo, e a partir dos temas que surgiram espontaneamente nas entrevistas
preliminares (piloto), sugerindo ser relevantes. Posto isto, constam nas
perguntas de “lembrança” do guião temas como: iniciação na prática esportiva;
desenvolvimento da carreira e as diferentes fases; apoios de terceiros;
medalhas; sucesso; dificuldades encontradas; lesões; o afastamento da
carreira de atleta; sonhos e perspectivas para o futuro.
O passo seguinte, após a resposta afirmativa de cada ex-atleta em
relação à sua participação no estudo, foi a marcação das entrevistas de acordo
com a disponibilidade de cada um deles. Por conveniência e escolha dos
60
Os resultados preliminares dessa fase do estudo foram apresentados e publicados no European Association for Sociology of Sport, em 2009, 2010: (Dantas & Santiago, 2009). Meanings about aging in older people who to physical exercise. In: 6th Eass Conference. Rome – Italy. (Dantas & Pereira, 2010). The perception of time in elite athletes - preliminary results of one study. In: 7th Eass Conference. Porto – Portugal.
Percurso Metodológico
Socorro Dantas
113
participantes, as entrevistas foram realizadas nas cidades onde os indivíduos
residiam ou trabalhavam. Com os atletas de Portugal, os encontros foram nas
cidades de Lisboa e Torres Vedras; com os atletas do Brasil em São Paulo e
São Bernardo do Campo - SP, no período compreendido entre Maio de 2009 a
Fevereiro de 2011. Falaremos de modo mais detalhado sobre cada um desses
encontros no capítulo que tratará da apresentação dos dados. O local onde se
realiza a entrevista, nesse tipo de estudo, é muito importante. De fato, como
sugerem Sparkes e Phoenix (2006), acreditamos que um local que seja
escolhido pelo próprio entrevistado vai deixá-lo mais à vontade para falar sobre
a sua vida.
Para além deste cuidado, tomamos outras precauções inerentes à
realização deste tipo de entrevista, até porque essa modalidade de
investigação exige uma aproximação do pesquisador com o entrevistado, para
que se estabeleça uma relação de confiança. Entendendo que o ambiente
contribui de modo fundamental nas relações interpessoais, para que
acontecesse essa interação entre entrevistado e entrevistador, as entrevistas
ocorreram em locais calmos e silenciosos, adequados a esse tipo de
procedimento.
Antes das entrevistas houve sempre um tempo dedicado a conversas
sobre assuntos gerais, o que proporcionou ao entrevistado e entrevistador um
ambiente descontraído e confortável para o desenvolvimento da entrevista.
Procuramos assumir uma posição empática com os entrevistados, com a
temática em pauta e com o ambiente, e a cada entrevistado foi dado total
liberdade para falar sobre o tema abordado.
As entrevistas, realizadas de forma individual, foram gravadas em
áudio que, além de captar todas as expressões orais, permitiu à entrevistadora
a possibilidade de concentrar-se nas expressões não verbais, que foram
anotadas no diário de campo. Cada entrevista foi iniciada com uma pergunta
sobre a iniciação do indivíduo no esporte, deixando-o à vontade para falar,
disponibilizando a atenção e o tempo necessário. O tempo médio dedicado a
cada entrevista foi de duas horas e meia a quatro horas, algumas vezes as
Percurso Metodológico
Socorro Dantas
114
entrevistas foram interrompidas, a pedido do entrevistado, para um café, água
ou para falarmos de outros assuntos; nesses momentos o gravador era
desligado.
Durante as entrevistas, algumas vezes foi necessário fazer perguntas,
que nem sempre constavam no guião, para recondução ou esclarecimento de
algum fato. Essas intervenções foram no intuito de rastrear o mais
profundamente possível as recordações dos indivíduos, as trajetórias de vidas,
e seus envolvimentos com o esporte em diferentes momentos cronológicos,
que, de acordo com Rubio (2001b), seriam a iniciação, ingresso no esporte,
fase profissional, o afastamento e recolhimento do palco olímpico (processo de
envelhecimento). Sobre as intervenções do entrevistador, Poirier, Clapier-
Valladon e Raybaut (1999, p. 51) referem que estas são importantes no sentido
de fazer “progredir a narrativa e escapar à redundância estéril, deve não
somente fazer precisar cada uma das informações e reflexões fornecidas pelo
sujeito, mas igualmente orientá-lo para temas que não foram espontaneamente
abordados”.
Somando-se às entrevistas, recorremos ao diário de campo onde foram
registradas nossas impressões sobre cada entrevistado e sobre a entrevista, o
que nos ajudou na construção da narrativa. Para Burgess (2001), as
estratégias múltiplas, na recolha dos dados, dão apoio à análise da informação
obtida, e ainda podem ser uma forma de validar a informação. Trata-se de uma
perspectiva múltipla mas com o mesmo objetivo.
2.2.4 - O diário de campo
De todos os apoios utilizados na investigação, consideramos o diário
de campo o mais pessoal. Com o intuito de enriquecer o material obtido nas
entrevistas, foi no diário que colocamos as nossas impressões e emoções
relativas a cada momento da investigação (no nosso caso, particularmente, os
encontros com os entrevistados), e as observações do não verbal (gestos
bruscos ou suaves que enfatizam uma fala; sorrisos; choro; pausas) do
Percurso Metodológico
Socorro Dantas
115
entrevistado. De fato, o gesto é importante e, de acordo com Poirier et al.
(1999, pp. 60-61), os gestos estão agrupados em duas rubricas: os gestos
lingüísticos, que acompanham o raciocínio ou duplicam as palavras
acentuando o conteúdo do discurso, a tradução corporal do processo do
pensamento ou os gestos que substituem ou completam uma palavra; os
gestos interativos, que são os gestos de familiaridade (tocar o outro), por
exemplo, e ainda nesta rubrica a proxemia, que diz respeito à distância íntima e
pessoal e a pública entre entrevistado e entrevistador, assim como, salienta o
autor supracitado, os pormenores físicos do local da entrevista.
As anotações às vezes foram breves, localizadas e descritivas, outras
vezes foram anotações reflexivas onde colocamos nossas percepções, idéias e
preocupações e questionamentos levantados a partir do que foi observado.
Anotamos nesse diário os diversos elementos não verbais dos
entrevistados, tais como: comportamento global, mudanças na postura
corporal, gesticulações, risos, choro, entre outros, mudanças no volume e
intensidade da voz. Na realidade, a comunicação não verbal traz informações
adicionais e relevantes para a interpretação do entrevistador, que serve para
contradizer ou confirmar ou que foi falado a respeito de um tema.
Com o intuito do que foi observado não se diluir com o tempo,
imediatamente após cada entrevista, anotamos as nossas impressões e
observações sobre o entrevistado e sobre a entrevista.
Os atletas que participaram deste estudo, após terem acesso às
transcrições das entrevistas61, assinaram o Termo de Consentimento Livre e
Esclarecido (Anexo 2), liberando para publicação os seus nomes e a utilização
das suas narrativas. A leitura das entrevistas pelos entrevistados é relevante,
pois além de contribuir para preenchimento de alguma lacuna nas frases que
por ventura tenha ficado inaudível na gravação, também é um momento de rica
reflexão sobre o que foi narrado.
61
A leitura das entrevistas foi um momento importante. Ao fazer a leitura houve a reflexão sobre o que foi dito e, em alguns momentos, outras informações foram acrescentadas pelos próprios entrevistados. Como também foram preenchidas lacunas que não ficaram claras na gravação.
Percurso Metodológico
Socorro Dantas
116
2.3 – O PROCESSO DE TEMATIZAÇÃO
Atendendo à postura fenomenológica adotada por nós para este estudo,
as entrevistas foram gravadas, transcritas e estudadas seguindo os três passos
reflexivos, propostos pela fenomenologia filosófica e adaptados para fins de
análise científica, a saber: descrição, redução e interpretação (Giorgi, 2010).
Após a realização das transcrições, procedeu-se a análise temática.
Inicialmente, foi feita uma leitura flutuante, que permitiu o primeiro contacto
com o corpus de estudo (Poirier, et al., 1999). Para Bardin (2009), a leitura
flutuante consiste em estabelecer contato com os documentos a analisar e ficar
a conhecer o texto, deixando-se invadir por impressões, significações e
orientações. Após várias leituras de cada uma das transcrições, procuramos os
temas relevantes que emergiram do discurso. Desse modo, essa tarefa tornou-
se fundamental para a decisão sobre a organização da apresentação e
interpretação das narrativas. A análise interpretativa das mensagens
agrupadas em temas teve como propósito compreender o seu conteúdo e os
seus significados (Patton, 2002). Importa explicitar que a tematização foi
ratificada pelas orientadoras, essa ratificação foi essencial no que diz respeito à
fiabilidade e validade dos resultados dessa investigação.
Para que os excertos considerados significativos por nós para o estudo,
pudessem ser recortados da transcrição, as leituras dos depoimentos foram
feitas à luz da interrogação do estudo. Desse modo, além da Revisão,
Enquadramento Teórico com o “Tempo” e o “Processo de Envelhecimento”, a
leitura das narrativas permitiu-nos chegar a alguns temas comuns que se
destacaram entre as experiências vividas e contadas pelos os ex-atletas que
fizeram parte do nosso grupo de estudo.
Assim, ficaram evidenciados os seguintes temas que se destacaram nos
discursos: início da vida esportiva, apoios e referências; características e
valores pessoais; prioridades e renúncias; as competições; experiências
marcantes; dificuldades na carreira de atleta; motivação e desmotivação;
sucesso e recompensas; escolha do esporte e permanência no esporte de alto
Percurso Metodológico
Socorro Dantas
117
rendimento; as relações sociais; afastamento da carreira; processo de
envelhecimento; planos para o futuro (ver anexo 11).
Para perceber e resgatar o modo de construção das narrativas, o
processo de tematização foi organizado sob o ponto de vista temporal, tal como
no capítulo que trata sobre o Tempo ficou demonstrado que é o tempo uma das
coordenadas antropológicas. É no tempo e pelo tempo que nos percebemos e
nos organizamos em termos de rotinas de vidas, e as próprias narrativas são
histórias com princípio, meio e fim descritas no tempo. Por isso, faz sentido que
organizemos as narrativas sob o ponto de vista temporal, ou seja, passado,
presente e futuro.
Para a interpretação, buscamos compor relações críticas entre as ideias
das entrevistas e o contexto científico, representado por vários textos e
autores. É a relação entre os dados obtidos e a fundamentação teórica que
dará sentido à interpretação. Há de ser dito, entretanto, que o processo de
interpretação dos dados começa quando se reflete na elaboração do guião e
na forma como o pesquisador conduz e intervêm na entrevista, estes são claro
já são momentos reflexivos sendo já uma forma de interpretação (Pereira &
Liston, 2012).
O discurso do entrevistado, ao ser transcrito, vai indicando como o sujeito
entrevistado percebe o fenômeno. Isso vai se revelando à medida que as
descrições são analisadas pelo investigador. O que se quer compreender no
fenômeno fica tanto mais claro, quanto maior for o esforço de interpretá-lo.
Essa é a trajetória pela busca “às coisas mesmas”, iniciado pela “epoche”, na
qual o fenômeno é posto em suspensão, ou seja, o pesquisador coloca entre
parênteses suas crenças e referenciais teóricos prévios em relação àquele
fenômeno. No entanto, devem-se levar em conta as experiências vividas, pois
tanto o investigado quanto o investigador possuem uma pré-compreensão
daquilo que se vai interpretar, visto que o ser humano não consegue abstrair-se
totalmente das suas crenças. Pois, como refere Heiddeger (2002), a
compreensão acontece dentro de um conjunto de relações dentro de um
círculo hermenêutico, inseparável do ser-aí. Assim, a interpretação de um dado
Percurso Metodológico
Socorro Dantas
118
nunca é totalmente isenta de pressuposições. Além disso, como alerta Denzin
(1989), as narrativas sobre experiências vividas podem ser diferenciadas ou ter
a sua forma modificada dependendo de quem as escreve, do local em que são
escritas e do momento histórico.
Capítulo 3
Apresentação e Interpretação das Narrativas
Apresentação e Interpretação das Narrativas
Socorro Dantas
121
3. APRESENTAÇÃO E INTERPRETAÇÃO DAS NARRATIVAS
3.1 AS NARRATIVAS DOS EX-ATLETAS
Consideramos a organização e a apresentação dos dados uma
fase/tarefa especial nesse tipo de estudo, pois o formato da organização e da
apresentação dos mesmos é uma tarefa complexa para o investigador, sendo
já uma primeira interpretação dos dados obtidos através das entrevistas. De
fato, na organização da tematização, já está implícita uma forma de
interpretação das narrativas.
Essa tarefa se torna complexa pelo próprio objetivo do estudo; chegar
às questões subjetivas do indivíduo entrevistado, ou seja, como ele sentiu e
sente as experiências vividas e contadas. As narrativas, entretanto, vão além
da reconstrução do passado, podendo ser usadas para expressar a
compreensão que o indivíduo possui, naquele momento, do seu presente, do
seu passado, como também a antecipação do seu futuro. É uma forte
ferramenta para dar significados às experiências. No caso desta investigação,
nas experiências dos ex-atletas de elite interessa-nos explorar a temporalidade
(passado, presente, futuro), centrando principalmente nos “comos” e nos “quês”
sentidos e explicitados na narrativa do indivíduo entrevistado, através do
tempo. Não esquecendo que a experiência contada pode ser influenciada pelo
momento do sujeito e por aquilo que considera que o entrevistador espera ouvir
(Bruner, 1991).
Apresentamos individualmente as narrativas na medida em que
consideramos a relevância e a singularidade das experiências contadas por
cada indivíduo entrevistado.
Antes da história de cada entrevistado, fazemos um breve perfil
biográfico de cada um deles, procurando reter as informações cronológicas
fornecidas nas entrevistas. São categorias descritivas que têm o objetivo de
Apresentação e Interpretação das Narrativas
Socorro Dantas
122
fazer uma breve apresentação de cada atleta62. Como toda história com início,
meio e fim, procuramos expor as narrativas levando em conta a temporalidade,
ou seja, o que cada indivíduo percebe e revela sobre o seu passado, o seu
presente e o seu futuro. A opção da sequência de apresentação das narrativas
foi pela ordem cronológica de idade, ou seja, do indivíduo com menor idade
para o com mais idade.
3.1.1 A narrativa de Regalo
O atleta
José Alberto Teixeira Regalo, conhecido no âmbito desportivo como
Regalo, nasceu em Mateus, Vila Real – Portugal, no dia 22 de Novembro de
1963 (à data da entrevista tinha 45 anos) 63. Regalo foi atleta da modalidade
Atletismo, na especialidade de meio-fundo e fundo. Fez parte da Seleção
Portuguesa de Atletismo, participou de diversos Campeonatos
Portugal/Nacional, Taça Ibérica, Taças da Europa, Campeonatos do Mundo, e
dos Jogos Olímpicos de Seoul em 1988. Conquistou a medalha de Prata no
Campeonato Europeu de Corta-Mato em 1995 (por equipe), e as medalhas de
Ouro no Final Grand Prix - IAAF em 1988 (individual), e nos Campeonatos
Europeus de Corta-Mato de 1996 (por equipe) e 1997 (por equipe) 64.
As experiências no esporte
- O início
Como todas as outras entrevistas para este estudo, iniciamos a
entrevista com Regalo solicitando que ele nos falasse a respeito do início da
62
A apresentação das narrativas foi organizada em ordem crescente de acordo com as idades dos entrevistados. O currículo desportivo dos entrevistados, com maiores informações, encontra-se nos anexos (5-12). 63
A entrevista com Regalo aconteceu em dois momentos: no dia 12/05/2009 e no dia19/05/2009, na cidade do Porto – Portugal. 64
Mais informações sobre o currículo esportivo do Regalo ver anexo 5.
Apresentação e Interpretação das Narrativas
Socorro Dantas
123
sua carreira como atleta, da sua iniciação no mundo do esporte, como
começou, onde, e as influências65.
Comecei com cerca de doze anos. Dois ou três fatores que contribuíram para eu
adotar o atletismo como modalidade, e na área de meio fundo e fundo, uma delas
foram os jogos de Montreal em 76, quando o Carlos Lopes foi medalha de prata nos
dez mil metros e aquela imagem ficou-me sempre gravada na memória e isto me deu
uma vontade de tornar-me um atleta como Carlos Lopes. Portanto foi o “clix” para
avançar, evidentemente que não foi de imediato, porque havia uma modalidade, que
penso que é comum aos brasileiros e aos portugueses, que é o gosto pelo futebol e
isto para mim também sobrepunha a essa ambição. O meu pai gostava muito de
Futebol e um dia tentou levar-me a F. C. Penafiel, mas encontrou alguns entraves
porque havia uma certa influência nos clubes, uns senhores que tinham alguma
capacidade financeira e punham os filhos lá a jogar e contribuíam para o clube. Havia
ali uma série de entraves e meu pai não entrou nesse jogo, e acabou por o Futebol
ficar um bocado para trás. Depois, comecei a freqüentar a escola e um professor de
Educação Física, na altura, fazia equivalente ao teste de Cooper e eu me sobressaia a
todos os demais, e na altura, perguntou-me se eu não gostaria de ir para o Atletismo
porque via em mim a recuperação, à forma de correr, o à vontade com que eu o fazia,
e então tentou puxar-me para a modalidade. No início, não mostrei-me muito
disponível, o meu pai também começou a saber das minhas façanhas lá na escola e
no atletismo, e via também que eu gostava era de ver futebol na televisão. Então, um
dia ele levou-me à União de Paredes que é um clube próximo de Penafiel onde eu
estudava, tinha lá uma secção de Atletismo, levou-me, mas levou-me contrariado e as
palavras dele foram estas textualmente: “Acho que não deves eliminar esta hipótese,
vais à secção de atletismo, levo-te lá, tens uma semana de experiência se gostares
tudo bem, se não gostares dizes que não”. Contrariado lá foi... Entrei no primeiro dia e
nunca mais saí. Portanto foi aí...
Nesse excerto observa-se a vontade de uma criança praticar um
determinado esporte, mas que nem sempre é possível, por diversas razões.
Entretanto, como nesse caso, outros caminhos e possibilidades apresentaram-
se. Além disso, Carlos Lopes destacava-se na época como uma figura, um
65
Todos os recortes (excertos) são transcritos do discurso oral, por conseguinte é natural que as falas sejam de oralidade, do discurso corrente e coloquial. Assim sendo, respeitamos o modo da falar dos entrevistados e mantivemos a transcrição tal o discurso. Nesse sentido, é natural que as construções das frases nem sempre sejam as mais corretas de acordo com o discurso escrito.
Apresentação e Interpretação das Narrativas
Socorro Dantas
124
ídolo do esporte, influenciando Regalo por outros caminhos, motivando-o de
certa forma a tornar-se campeão. A vontade que tinha para praticar e o gosto
pelo esporte desde a infância ficam claros na fala de Regalo, assim como a
relevância do apoio de terceiros para sua entrada e desenvolvimento no
esporte, como a referência ao atleta Carlos Lopes, o apoio do pai, e o incentivo
do professor de Educação Física na escola.
- As referências, o ídolo, os apoios
No caso de Regalo, como visto no excerto anterior, ter como referência
um ídolo do esporte, o incentivo do professor de Educação Física, assim como,
o apoio e preocupação da família, como veremos a seguir, foram fundamentais
para a sua iniciação no esporte.
O meu pai, a televisão na imagem da questão da medalha, dos Jogos Olímpicos, do
Carlos Lopes... Um pouco o professor de Educação Física. Mas, a marca do Carlos
Lopes, a influência do meu pai nesta perspectiva, e o professor de Educação Física,
este triângulo foi fundamental para minha escolha (…) o meu pai me levar, mesmo
contrariado, a secção de Atletismo, o fato daquela imagem do Lopes nunca me ter
deixado, apesar de não ter sido um clix totalmente imediato. (…) e depois os meus
familiares sempre preocupados (…), a mãe sempre preocupada porque eu tinha que
fazer um percurso a pé. Isto é giro (…), e eu fazia um percurso de 3 a 4 km de casa ao
para o clube e do clube para casa mais 3 a 4 km, a pé, chegava tarde a casa (…), e isto
era motivo de preocupação.
O suporte familiar, a motivação através da imagem do ídolo, um
professor que descobre e incentiva um aluno talentoso, essa rede de apoio em
torno de Regalo foi vital no seu desenvolvimento inicial e para que ele atingisse
o sucesso na carreira desportiva.
Apresentação e Interpretação das Narrativas
Socorro Dantas
125
Características individuais e valores
Embora tenha deixado claro a relevância do apoio de outras pessoas no
início da sua vida de atleta, Regalo alegou que descobrir e desenvolver outros
valores foram fundamentais para o seu desenvolvimento como atleta:
Depois fui descobrindo outras coisas em mim, (...) aprendi a não depender dos outros,
isto é, encontrei no Atletismo digamos aquele egoísmo (…).
Regalo se referiu ao egoísmo no sentido de que os resultados iriam
depender fundamentalmente dele:
(…) não depende dos outros, portanto o êxito da corrida dependerá de mim,
obviamente terão outras questões (...) em outros momentos. Mas foi
fundamentalmente isto que levou-me ao gosto pela corrida. Mas, quando eu faço
referência ao individualismo ou ao egoísmo, poderá ser uma característica minha,
mas, não foi tanto nesta vertente em dizer que o sucesso é só meu, mas
fundamentalmente a minha superação que eu acho que é possível nos desportos
individuais principalmente aqueles que são mais quantificáveis (…). Mas, é a questão
da superação que há uma marca para ultrapassar, portanto isto sempre me esteve na
alma, o individualismo também sempre me puxou. Eu aparentemente pareço ser
pessoa sociável, e sou conversadora, com as pessoas e com meus filhos, mas
realmente conviver com muita gente ao mesmo tempo, nunca foi meu ponto forte,
talvez isto, me tenha influenciado e me tenha levado a esta trajetória.
Regalo citou como as suas principais características, o individualismo, o
egoísmo (como o refere), e a independência e necessidade de se superar
sempre. Para o atleta, possuir essas características o ajudou na superação, na
vontade de ultrapassar as marcas, no êxito no esporte.
Regalo, que se denominou, no recorte anterior, ser uma pessoa pouco
sociável, que não gosta de conviver com muita gente, acredita que isto tem um
Apresentação e Interpretação das Narrativas
Socorro Dantas
126
lado positivo, e o ajudou a uma melhor adaptação à disciplina e as exigências
do Atletismo:
(…) apesar de ser solitário também nos torna mais fortes em algumas situações. Eu
recordo-me que às vezes treinava sozinho, tinha autodisciplina, ou seja, não precisava
do treinador presente, sabia que às nove, às dez, sei que tenho de fazer uma sessão
de treino.
Para o ex-atleta a autodisciplina parece ser uma característica dos
atletas de Atletismo:
(…) temos uma autodisciplina uma auto-responsabilidade de saber que tem que
treinar a “x horas” sem ter o treinador, nós somos auto-suficientes nestas situações.
Mas reconhece a necessidade e a importância de ter o treinador
presente em certos momentos:
(…) há coisas que sozinhos não conseguimos corrigir, e às vezes uma palavra é
importante, às vezes basta uma palavra. O treinador pode estar o treino inteiro
conosco, embora seja um treino que não seja importante o fato de estar presente, e o
fato de na sessão toda, ele dá uma palavra é o suficiente para o treino ser diferente,
mais motivante (…). Nesta perspectiva, o treinador é sempre importante, mas
disciplina-nos neste aspecto no sentido da responsabilidade do trabalho de
cumprirmos a nossa tarefa e de atingirmos o objetivo.
Percebeu-se que para Regalo o desenvolvimento de uma postura e de
uma personalidade individualista e auto-disciplinada foram relevantes no
sentido de levá-lo sempre a querer se superar, e não depender de uma equipe
Apresentação e Interpretação das Narrativas
Socorro Dantas
127
para a obtenção de resultados. Também reconhece que, apesar da auto-
suficiência, o papel do treinador é essencial para orientar essa independência
do atleta de forma produtiva.
As prioridades e renúncias
Para crescer na carreira, Regalo diz que teve que tomar algumas
decisões que foram difíceis, ou seja, teve que priorizar algo em detrimento de
outro. Regalo diz-nos que uma dessas difíceis decisões que teve que tomar foi
quando teve que mudar de clube.
Na altura, a mudança de clube, aqui é um país pequeno vivem-se muito norte e sul,
vivem-se muito Porto e Benfica. E eu fui apanhado na altura, no momento alto da
minha carreira, fui apanhado numa guerra entre clubes. A grande dificuldade, a grande
decisão foi abandonar aquilo que eu considerava o meu clube do coração onde eu me
sentia bem. O Futebol Clube do Porto. (…) foi uma grande decisão para mim, ter que
tomar, porque não só eu estava a deixar para trás não só aquilo com que eu me
identificava, mas porque sabia que dentro de uma esfera de amigos (…) eu iria não é
desiludir. Fui para o Benfica. Mas eu sabia por outro lado que na minha vida
profissional eu teria que rentabilizar o momento, portanto foi uma decisão (…) foi
realmente uma experiência muito positiva, mas foi difícil.
Por conta das rotinas de treinos, calendários de competições, cuidados
com a condição física, os atletas de elite renunciam às atividades que seriam
típicas da juventude. No seu entendimento sobre o que deixou passar ao lado,
em detrimento da sua escolha como atleta, Regalo afirmou:
Talvez aquela faixa etária em que divertíamos imenso, que qualquer adolescente
passa, eu passei ao lado. Mas passei de forma racional e consciente, porque eu tinha
um determinado objetivo era o esporte. Em vez de divertir-me cem vezes ao ano,
divertia-me duas, três ou quatro. Essa adolescência que qualquer jovem, de uma
forma geral passa, eu não passei. Algumas coisas que eu poderia ter conhecido (…).
Apresentação e Interpretação das Narrativas
Socorro Dantas
128
Apesar de reconhecer que deixou de vivenciar algumas coisas típicas da
fase jovem, Regalo não pareceu demonstrar sofrimento por ter feito a opção
pelo esporte.
A rotina como atleta profissional
A rotina de treinamento de um atleta de alto nível é exigente e exaustiva,
Regalo nos revelou que treinava:
Uma média de nove a doze sessões por semana. Havia dias que treinava duas vezes
e dias que fazia só um treino.
O ex-atleta falou sobre o sacrifício e sofrimento dos treinamentos. Sobre
o quanto é agressivo e difícil o treinamento, mas gostava, e aquela atividade
lhe dava prazer:
O que me custava mais no treino foi na segunda fase da minha carreira, quando eu
comecei a ter problemas com tendões. Porque o sofrimento do treino em si, pode
parecer uma contradição, mas é uma dor que nos dar prazer. Aquilo que não dava
prazer era treinar limitado, doía-me o tendão. Isso era que me deixava mais
amargurado. Agora em relação à rotina do treino, o esforço, isso eu adorava, era o
que eu gostava e me sentia bem. Portanto não era por aí que eu gostava de deixar de
fazer.
Regalo afirma que é importante treinar bem para competir bem, mesmo
que isso seja um sacrifício, e passa essa experiência adiante, para outras
gerações de atletas e futuros professores de Educação Física e Esportes:
Digo aos meus alunos, e especialmente aos meus atletas, que “o treino não é mais do
que uma forma de tornar a competição mais fácil”. Isto é quase uma definição. E as
Apresentação e Interpretação das Narrativas
Socorro Dantas
129
pessoas poderão pensar assim: “o que ele quer dizer com isto?” Não sei se já tiveste
contato com outros atletas desta área, mas julgo se conseguires colocar uma questão
neste sentido “se gosta mais de competir do que treinar” o atleta normalmente vai
dizer que gosta mais de competir. Só que para competir tem que treinar muito. Vou me
reportar à maratona, realmente aí é importante, a maratona é uma prova difícil e a
parte mental é muito importante. Mas, mais difícil é treinar para a maratona é muito
agressão, muito agressão. Um atleta de maratona para estar no topo constantemente
não pode competir mais que uma maratona por ano. Porque realmente é muito
agressivo, são três meses, é muito agressivo.
Regalo traz para o seu presente, para seu trabalho e profissão atual, de
professor e treinador, as suas experiências do seu passado de atleta.
O corpo é o “instrumento” de trabalho de um atleta, devendo ser bem
cuidado para atuar da melhor forma possível. Sobre os cuidados com o corpo,
Regalo reconhece que não era muito rígido, nem com a alimentação nem com
os horários fixos para os treinos:
(…) os cuidados mínimos tinha, mas não me abstinha, por exemplo, de na refeição,
beber um copo de vinho uma cerveja, portanto comer uma pizza comer um assado,
qualquer coisa. (…) Nesse sentido não era rígido, não era rígido nem no cumprimento
do horário dos treinos, mas sabia que tinha que treinar e treinava nem que fosse às
nove horas ou fosse às dez. Eu geria o tempo (…) cumpria meu papel, às vezes
seguindo o que o corpo me dizia.
Percebeu-se que Regalo apesar de ter citado como uma de suas
características a disciplina, regulava o seu tempo de acordo com a sua
condição física, não sendo rígido com os horários, mas sim com as tarefas a
cumprir como atleta.
Regalo fala-nos sobre como conciliava a rotina de atleta com a sua vida
familiar e amigos. Enquanto não era atleta profissional ele relata que:
Apresentação e Interpretação das Narrativas
Socorro Dantas
130
(…) conciliar as duas coisas foi um bocado complicado, porque era bastante
desgastante. Não tanto por fazer as duas coisas ao mesmo tempo, mas por questão
de horário, na época do Inverno, no sítio onde eu habitava, principalmente no Inverno
não era muito propício, porque eu só podia treinar ao final do dia ou então eu tinha que
levantar muito cedo. Portanto, nessa perspectiva foi muito difícil conciliar.
Entretanto, nos disse que quando se tornou profissional do esporte, ficou
mais fácil organizar a sua rotina de vida e aprendeu a valorizar essas duas
fases da sua vida de atleta:
A partir do momento que tive a possibilidade de fazer só o Atletismo ficou
relativamente fácil conciliar a minha vida pessoal com a vida desportiva. (…) podia
fazer o queria, ia ao cinema, via sempre o tempo de outra maneira.
Quando o atleta se torna profissional da modalidade que pratica, e
consegue viver do que ganha com isto fica mais fácil organizar a sua rotina de
vida.
Regalo vivenciou as duas experiências, e aprendeu valorizar essas duas
fases da sua vida de atleta.
Experiências marcantes na carreira
Regalo revelou-nos, também, algumas das suas experiências que
considera mais marcantes no início da sua carreira esportiva, mas considera
que são coisas comuns que acontecem no Atletismo:
A minha estréia poderá não ter muita piada, mas foi a primeira competição oficial, era
um corta-mato, era inexperiente, não tinha muito contatos assim a esse nível em
termos tático e técnico, recordo-me que estava meu pai e o treinador. Eu tinha poucos
Apresentação e Interpretação das Narrativas
Socorro Dantas
131
meses de treino, eu era um dos primeiros, aí no meio da prova houve um atleta que
deu-me uma rasteira. Nestas provas acontece às vezes o contato, e eu caí. O normal
é levantar e voltar a correr, fiquei lá no chão, tinha que me levantar, e eu só ouvia meu
pai e o treinador: “levanta-te e corre”. Eu tinha 14 anos.
O ex-atleta recordou-se que um fato parecido ocorreu em uma prova, no
final da sua carreira no Atletismo:
Houve no final da minha carreira em França, numa corrida de estrada, que eu exaltei-
me com um adversário queniano. Ele vinha a minha frente e eu entrei nos 400m a
500m, eu vinha com muito mais velocidade, pois estava a ultrapassar, e ele a ouvir
todo publico a puxar, apercebeu-se que alguém estava por perto, olhou para trás, e
conforme olha para trás altera a trajetória de corrida. Não foi intencional, obviamente,
mas foi no momento que eu estava a ultrapassar e foi um choque, estatelei-me no
chão, perdi a hipótese de ganhar a competição. Fiquei chateado, exaltado, mas depois
pedi desculpas pela atitude, percebi que ele não fez aquilo intencionalmente, e a
organização simpaticamente atribuiu a vitória a mim e ao queniano.
Observa-se que aqui o ex-atleta, mesmo com sentimentos, inicialmente,
de raiva, tanto ele como a organização do evento tiveram uma atitude “fair
play”, o problema foi resolvido levando em consideração o espírito esportivo.
Para Regalo, um dos momentos mais marcantes da sua carreira foi no
início da sua carreira, quando realmente sentiu o seu potencial como atleta:
O primeiro momento que foi importante para mim, enquanto atleta foi um título regional
de corta-mato aqui no Porto. E essa aí marcou-me, senti-me realizado, levando em
conta o contexto, senti que tinha algum potencial para continuar a evoluir, e que o
trabalho de 3 anos tinha começado a dar frutos. Foi esse momento que marcou a
viragem na minha carreira.
Apresentação e Interpretação das Narrativas
Socorro Dantas
132
Regalo falou sobre os seus sentimentos em relação a esse episódio:
Lembro-me que vibrei muito, os colegas da equipa também e o treinador (…), achei
que era importante. No outro dia fui ver os jornais se tinha lá meu nome e o destaque.
No outro dia fui para o parque, que era lá próximo para ver se as pessoas reparavam,
e cheguei a conclusão que ninguém reparou, e foi uma frustração tremenda (risos),
estava a espera e não foi bem assim. Mas é um sentimento de importância, é o centro
das atenções.
Regalo fez uma relação entre o que sentiu na primeira competição e os
sentimentos em competir, tempos depois, em um evento importante no mundo
esportivo, como as Olimpíadas:
São sentimentos muito próximos, no tempo, poderia considerar como sentimentos
muito idênticos, o alcançar de objetivos e sonhos. No início da carreira eu ambicionava
ser campeão regional; é ambição na primeira etapa da carreira de qualquer atleta,
consegui, fiquei realizado. Vamos subir outros degraus. Os Jogos Olímpicos também
foi o máximo, já tinha atingido os Campeonatos da Europa, os Campeonatos do
Mundo, para mim o que restava era ir aos Jogos Olímpicos, que para mim é a
competição, é o evento que marca a carreira de qualquer atleta. É o topo da pirâmide.
Só faltou a “cereja do topo”, que era ser medalhado, infelizmente não foi possível.
Apesar de considerar que o que sentiu são sentimentos muito
parecidos, e que a competição olímpica é mais um degrau que se deseja
atingir, deixa claro, que participar dos Jogos Olímpicos era o seu sonho como
atleta. Regalo foi a essa olimpíada como favorito à medalha. Por isso, deixou
transparecer que, embora tenha chegado à final da prova, referiu-se à
frustração de não ter obtido uma medalha:
Apresentação e Interpretação das Narrativas
Socorro Dantas
133
Cheguei à final, depois de uma série de circunstâncias, na altura era muito “badalado”
porque eu era um dos candidatos a uma medalha. Perdi a sapatilha, quase no início
da meia-final, fiquei com o pé todo machucado. Foi tema de imprensa, na altura das
realizações dos jogos eu tinha a melhor marca do mundo, portanto era um dos
candidatos entre alguns. Tinha ganhado até aí todas as provas mais importantes: a
final do Grand Prix, os meetings da AIF mais importantes, enfim tinha feito um
percurso quase perfeito, só faltou… a “cereja” 66.
Regalo falou sobre os seus sentimentos em relação a esses episódios
na sua vida de atleta:
(…) o mundo todo desabou sobre mim mesmo. (...) recordo-me desta imagem, que
uma das minhas preocupações, por exemplo, na meia-final, uma das minhas
preocupações, quando perdi a sapatilha acabei e senti que qualquer coisa fugiu de
mim, senti que aquilo me debilitou um bocado, e a minha preocupação foi procurar a
sapatilha, fui para trás, procurar a que eu tinha deixado ficar na pista. E a outra
imagem, essa foi uma delas, e depois de passado menos… tinha que fazer a final,
mas mesmo assim fiquei apurado, fiz um bom tempo. Sem a sapatilha. E uma das
imagens mais marcantes que eu tenho na final e depois de desistido e ter
abandonado, até ali era o centro das atenções, imprensa, treinador, representante do
Comitê Olímpico, enfim, não falo dos meus colegas, que meus colegas tinham mais
com o que se preocupar. Tudo que era staff a minha volta (…), eu desisti e senti-me
abandonado. Eu fui para o balneário pensar no que aconteceu, “eu não acredito que
isto está a me acontecer”. Eu desisti durante a prova. Saí, mas pronto, desisti… Mas
senti que perdi ali um momento importante da minha carreira, da minha vida, e uma
oportunidade. (…) Já nessa altura questionava-me se eu conseguiria repetir aquele
momento, porque é um ciclo de quatro anos muita coisa pode acontecer. “Será que eu
perdi a oportunidade da minha vida?” Mas senti logo ali nos momentos imediatos à
minha saída: “Perdi uma oportunidade da minha vida, como é que vai ser?” Acabou. E,
portanto eu deixei de ser o centro das atenções, era o principal favorito, com aquela
saída deixei de ser. Fiquei sozinho (…).
66
Regalo usa a metáfora da “cereja do bolo” quando se refere à medalha olímpica, ganhar, nesse sentido, seria uma coroação para o atleta.
Apresentação e Interpretação das Narrativas
Socorro Dantas
134
Percebemos durante a entrevista a emoção do Regalo, mesmo passado
vários anos, o sentimento de tristeza continua presente quando ele fala no
episódio, talvez de forma mais amena, mas ainda presente. Fica claro na fala
a frustração de ter abandonado a prova e perdido a oportunidade de lutar por
uma medalha olímpica. Regalo também referiu, sobre o fato de que nesse
momento difícil da sua carreira, não ter o apoio que esperava:
Nem do próprio treinador, que depois tive o cuidado de dar-lhe um sermão, fiz-lhe ver
que as coisas não são assim. Ninguém do Comitê Olímpico, ninguém do
Departamento Médico, ninguém de nenhum setor de staff, fosse o que fosse (…),
completamente abandonado. Cheguei à conclusão. “afinal não sou ninguém”, cheguei
à conclusão.
Regalo falou sobre o que o levou a desistir dessa prova, que para ele
considerava tão relevante para sua vida de competidor:
Olha, esta foi a história que contei à imprensa, quando depois eu tive a oportunidade
de falar…a cerca da desistência, os porquês, se tinha sido a sapatilha, nunca
argumentei isso. Dei uma explicação sincera, não foi a sapatilha, apesar de ter
contribuído um bocadinho, mas não foi esse o principal fator. Eu comecei a minha
época desportiva com um único objetivo, que era tentar alcançar os mínimos e estar
nas Olimpíadas. Bom, eu não preparei época para medalhas, eu preparei época em
função de está nas olimpíadas e tentar fazer o melhor possível. O que acontece é que
eu comecei a época em Setembro, e os Jogos Olímpicos foram em Setembro do ano
seguinte. Praticamente eu não tive férias, ou seja, ao longo dessa época de 87 a 88,
eu praticamente perdi duas ou três corridas importantes, aquelas que são mais
importantes. Fui, portanto, um atleta dominador na minha área. Não só ao nível
nacional (…) eu tive uma época completamente desgastado, quer ao nível físico, quer
ao nível psicológico. Foi uma época muito extensa, muita desgastante, três corridas
num espaço de três dias (…). Obviamente se a corrida fosse disputada numa corrida
só, eu até poderia dizer, se calhar teria coragem de dizer assim: “ok, eu sou favorito
Apresentação e Interpretação das Narrativas
Socorro Dantas
135
número um e quase ganho a medalha e ponto final”. O problema é que tinha que fazer
uma corrida e terminar na média dos atletas, no dia seguinte fazer novamente a
mesma distância. Eram tempos relativamente fáceis, mas deixam marcas não é? Não
somos super homens. E tudo isso foi a justificação que eu dei, ou seja, uma época
extremamente longa, alto nível, o fato de correr em horas impróprias por causa da
televisão, o fato de eu estar muito cansado já fisicamente, naquele momento, já era
um ano de muitas exigências, cansado não só psicológico como físico. Portanto,
nunca me desculpei, nunca arranjei a desculpa que aquela situação da sapatilha tenha
sido o motivo principal.
Para o ex-atleta, o principal motivo da desistência deu-se ao seu
desgaste físico, levando em conta o número de competições que havia
participado naquele último ano. Acrescentou, que se talvez não tivesse
abandonado a prova teria sido possível lutar pela medalha prata ou de bronze.
Mas que, de qualquer modo, superou as próprias expectativas:
(…) levando em conta que era eliminatória, meia-final e final, julgo que não, poderia
quando muito lutar pela prata ou pelo bronze. É… mas visto as coisas e aquilo que eu
disse que foi sincero e é a realidade, é a realidade, eu fiz uma época muito, muito
longa, obviamente isto tinha que quebrar por algum lado. Tinha atletas ali que só
apareceram dois ou três meses antes dos jogos, se preparam com esse objetivo. Ora,
se eu defini em Setembro com meu treinador, “olha nós temos hipótese, até porque eu
já tinha mínimos do ano anterior, da época passada”. O meu objetivo era ir as
Olimpíadas, a época vai decorrendo, nós estamos melhores, então, ok e atenção, o
objetivo não é ir só as Olimpíadas, é chegar à final. Entretanto, eu chego à altura dos
jogos com a melhor marca do mundo. Ora, os objetivos alteram-se completamente, de
uma simples presença para um candidato à medalha. Exatamente, eu superei em
dado momento essas expectativas, fraudei as mesmas expectativas.
Apresentação e Interpretação das Narrativas
Socorro Dantas
136
Regalo fala-nos sobre como se sentiu no dia seguinte a essa desistência
de uma competição que era seu sonho. Para o ex-atleta, também foi um
momento para definir quem eram seus verdadeiros amigos:
Terrível. Eu não sei bem quais foram as sensações, tal o desânimo. Nunca pensei em
desistir, é preciso reforçar isto. Mas que foi um desânimo total… uma perda... Eu
nunca tive a perda de um filho… mas “se calhar”… por dentro (…). Durante um tempo
não quis ouvir falar… realmente custou-me. E depois o regresso, a fama, o respeito
que se alcança com a nossa posição (…) e tem as coisas boas também, dar para
depois fazer uma triagem e verificar aqueles que realmente estão contigo, nos bons e
nos maus momentos.
Regalo reconhece que esse momento complicado da sua vida permitiu
que ele soubesse quem realmente era seus verdadeiros amigos. Frustrar às
expectativas, suas e dos outros, o custo de não ter correspondido à fama já
conquistada, são considerados momentos difíceis da sua carreira de atleta.
As competições relevantes e as medalhas extraordinárias
Regalo fala-nos que dentre as competições que participou algumas
foram relevantes para sua carreira. Foram as do Grand Prix de Atletismo
(competição ao nível mundial). Para ele, exceto as Olimpíadas, são as provas
mais importantes no Atletismo:
Final do Grand Prix. São vários meetings e depois envolve uma fase final. Embora a
maior parte dos meetings esteja concentrada na Europa por uma questão de tradição
e de capacidade financeira, havia um ou dois nos Estados Unidos e o restante na
Europa. Portanto, há jogos, um em Oslo, por exemplo, Estocolmo, Bélgica, estes são
os principais. Eu, na altura, participei em vários desses, como te disse, ganhei. E
depois todas elas variavam em termos de prova, mas no meu ano eram cinco mil e
Apresentação e Interpretação das Narrativas
Socorro Dantas
137
três mil metros planos que contavam, e depois atletas que participavam desses
meetings obtinham determinada pontuação pela classificação. E essa pontuação
servia para determinar os doze melhores em termos de pontos, e depois iam disputar
a final do Grand Prix, que foi disputada em Berlim. E na qual eu também ganhei. No
ano de 1988, no tal ano67… faltavam cerca de três semanas a para as Olimpíadas, e
ganhei de todos os candidatos, e depois dos Jogos Olímpicos os que vieram atrás de
mim foram quase todos campeões olímpicos de dez mil e cinco mil, e os outros
medalhados. Portanto, depois no tempo isso valorizou ainda mais a minha
participação nessa prova. Todas as provas de meetings que me referi são as mais
importantes, são as que têm mais impacto.
Para Regalo, a medalha de maior relevância foi a que ele ganhou no
Grand Prix. Porém, segundo o atleta, os sentimentos no momento em que se
ganha uma medalha parecem não mudar com o passar do tempo. Pois, o que
sentiu ao ganhar a primeira medalha, e anos depois ganhar uma medalha no
Grand Prix, são sensações muito próximas. Para o ex-atleta, talvez o que
modifique com o passar do tempo e à medida que se avança na carreira
esportiva sejam as expectativas em relação a cada prova:
(…) a sensação de importância é próxima, aquele sentimento… ganhei uma medalha
e, portanto (…) não muda muito, se tu conseguires separar no tempo (…) no meu
pequeno mundo na altura era aquela representatividade. Passados os anos, a
maturidade, o crescimento, o percurso, criamos aquelas expectativas, mas as
sensações não fogem muito (...). É mais importante, obviamente, aquela competição
não tem nada a ver com a regional. Medindo no tempo, naquele contexto, as
sensações que vivi internamente são muito parecidas. Obviamente que com a
maturidade quando tu tens catorze, dezesseis anos não é a mesma coisa que quando
tens vinte e cinco ou vinte e seis. Mas, digamos, a vontade, aquela pressão de ganhar
e depois de teres concretizado aquilo é uma alegria interna que é muito idêntica nas
várias fases. Agora, a importância, obviamente, e o que vem daí, é completamente
distinto. Mas no contexto, 16 anos ou 14 anos, para mim aquela competição era
67
Aqui ele se refere ao ano em que participou das Olimpíadas.
Apresentação e Interpretação das Narrativas
Socorro Dantas
138
referência, era o mais importante. Mas no tempo, nas etapas, no subir das escadarias,
a ambição. Eu posso dizer, e isso pode parecer ridículo, porque normalmente quando
dizemos que estamos nos Jogos Olímpicos (…) ser campeão olímpico é o mais
importante. Para mim, era importante ser campeão olímpico, mas quando eu me vi
sendo contemplado, estar na final com o estádio cheio, aquilo para mim foi um
concretizar de um sonho. Eu senti um fluxo elétrico quando chamaram o meu nome
para dar um passo à frente para me apresentar como finalista olímpico; foi um
concretizar de todos os sonhos, independentemente se eu iria ganhar ou não. Estar na
final, ser um dos eleitos, não é fácil.
Observa-se que para Regalo, mesmo sem ganhar uma medalha e tendo
sofrido por desistir da competição, chegar à final de uma prova nos Jogos
Olímpicos é uma grande emoção e notadamente um grande feito para um
atleta. Até porque ser atleta é algo que está restrito a muito poucos. Aqueles
que se destacam são considerados seres especiais, que mobilizaram todas as
suas forças na realização dos objetivos traçados e na busca do sucesso.
O sucesso e as recompensas
Regalo acredita que o principal fator que contribuiu para o seu sucesso
como atleta de elite foi o seu gosto inato pela competição:
(…) a vontade de competir, gostava de competição. Acho que encontrei no desporto, e
na prática desportiva também, uma forma de me promover na sociedade enquanto
indivíduo.
Para o ex-atleta, o reconhecimento social era importante. Confessou que
se sentia vaidoso quando os seus feitos eram divulgados pela mídia, ou
quando era reconhecido por alguém:
Apresentação e Interpretação das Narrativas
Socorro Dantas
139
(…) ficava contente quando lia uma notícia sobre os meus feitos, os meus resultados.
Isso também é um fator de motivação, e é um fator que nos catapulta para atingir
determinados objetivos. Também a questão do sucesso, a questão de ser visado por
toda gente: “olha ali vai o fulano”… Tudo isso, também há um misto de vaidade.
Isso mostra a dificuldade que é para um atleta que conseguiu
reconhecimento social e o sucesso, não permanecer no topo e ser esquecido.
Regalo reconhece o valor do esporte profissional na sua vida, em termos
ganhos financeiro, intelectual e cultural, na melhoria da sua qualidade de vida
de maneira geral:
Obviamente que o que eu hoje em dia sou devo ao desporto. A condição
financeira proporcionou-me muita estabilidade, permitiu que eu voltasse aos estudos,
por exemplo. Fiz a tropa, fui tomar conta da minha família, que coincidiu com a morte
do meu pai, abandonei os estudos temporariamente. Entretanto, o Atletismo deu-me a
volta, veio essa tal de segunda etapa da minha carreira, deu-me condições de maior
estabilidade financeira. Tudo isso veio na segunda parte da minha carreira. Não tanto
por prazer, como eu disse (…), não era tanto por prazer, e mais por obrigação, mas
não vou negar que o desporto me deu muito, tudo que eu sou em termos acadêmicos,
pois permitiu que eu voltasse a estudar, permitiu-me que ajudasse os meus irmãos
também a acabarem os estudos (…). Também não sou ingrato com a modalidade,
permitiu-me viajar muito, apesar de nessas viagens não poder passear muito, mas
convivi… integrou-me melhor na sociedade, porque eu estava numa zona no interior
com pouco acesso a tudo, na altura. Enfim, com poucas oportunidades (…).
O ex-atleta é grato ao esporte por lhe ter proporcionado condições para
realizar alguns dos seus sonhos. Com efeito, sabemos que a prática esportiva
e as suas competições são espaços que permitem o crescimento pessoal,
social e cultural. O esporte pode contribuir para a construção interna e externa
do ser humano.
Apresentação e Interpretação das Narrativas
Socorro Dantas
140
A competição considerada mais difícil
Para Regalo a competição mais difícil foi a Olimpíada, pelo significado
histórico que tem para os atletas:
(…) o culminar de muitas sensações, o simbolismo que ela traz, pelos Jogos
Olímpicos, que para mim é o evento mais importante, que eu até poderia ter ganhado.
Aliás, tem atletas com carreiras diferentes da minha que ganharam tudo e mais
alguma coisa, os europeus e mundiais, mas faltou-lhes a medalha olímpica. Sentem-
se frustrados, não se sentem realizados, por esse motivo. Portanto, no meu caso…
A medalha olímpica tem uma especial importância no currículo de
qualquer atleta de alto nível. Não conseguir conquistá-la é uma lacuna na vida
de um atleta, pois nenhum outro prêmio possibilita superar a frustração de não
conseguir “Aquela” 68 tão sonhada e cobiçada medalha.
Dificuldades na carreira esportiva
- As derrotas
Quando Regalo falou sobre derrota, se reportou imediatamente à
desistência da prova nas Olimpíadas. Notadamente, esse foi um acontecimento
que marcou profundamente a sua vida. Observamos isso nas suas palavras,
durante seu depoimento; a emoção ao falar de evento ficou clara na sua voz e
na sua postura:
Eu só tinha um objetivo, ganhar; quando foi num determinado momento, aí, digamos
foi nesse ano o momento que me senti fraco, fraco não, onde mostrei que fragilidade
sobre a pressão do momento ou sobre o saber ou aceitar a derrota. Foi no momento
68
Grifo nosso.
Apresentação e Interpretação das Narrativas
Socorro Dantas
141
em que eu perdi o controle da corrida, isto é, perdi a possibilidade de lutar pelo
primeiro lugar. Aí sim, aí é que foi fatal, aí é que considero que foi o meu ponto fraco.
Para um atleta aceitar a derrota torna-se difícil, principalmente quando
se faz parte de um grupo dos melhores do mundo naquela modalidade. Como
nos mostra o recorte a seguir:
(…) eu não estaria preparado para aceitar, isto é, estaria preparado para aceitar a
derrota, mas se eu tivesse lutado até o final. E quando eu vi, relativamente cedo, que
não estava a ter capacidade para enfrentar a derrota, aí deitou-me completamente
abaixo, perdi as energias todas, a vontade toda e (…), foi quase um momento
irrefletido, desisti quando vi que a corrida estava fora de controle, e que eu muito
dificilmente iria lutar por qualquer medalha e... Aí sim, nessa perspectiva eu não
estava preparado, não estava preparado para aquele momento. (…) esse momento
que te falei é crucial na minha carreira, prepara-te melhor para aguentares melhor
estes momentos. “Ok, não vou ganhar, mas vou continuar a lutar”, que era uma das
minhas características principais, a não ser ali naquele momento (…), cansaço
psicológico, cansaço físico. Não é desculpa, é um constatar dos fatos. Não somos
super-homens, muita gente está a lutar pelo mesmo, e a engrenagem da máquina tem
que funcionar na plenitude, não é? E naquele momento não funcionou, não funcionou
muito por essas razões. O Atletismo estava comigo, e eu também sonhava em ganhar
a medalha de ouro ou uma delas. E houve aquele momento em que tu sentiste que
não vais ganhar nada.
Apesar dessa “derrota”, desse reconhecimento da fragilidade, percebe-
se que com a passagem do tempo, Regalo possui outro olhar, outra
perspectiva do passado. O ex-atleta reconhece que o tempo foi um fator
fundamental para o seu amadurecimento. A passagem do tempo lhe
proporcionou experiência, aceitação, e a percepção de que ele poderia “brilhar”
de outra forma, ou seja, desempenhar outros papéis como atleta:
Apresentação e Interpretação das Narrativas
Socorro Dantas
142
Mas o tempo, o tempo torna as pessoas mais maduras; depois eu senti isso, ao longo
da minha carreira senti isto. Não logo… depois do brilhantismo. Mas acabei por ser um
atleta importante em outras circunstâncias, passei a ser um atleta importante para a
equipe; muitas vezes, sem ser o melhor, era o líder. Motivava os companheiros. Na
prova, quando um ficava mais para trás, eu que “empurrava” os atletas, empurrava no
sentido figurado, estímulo do tipo “vamos embora pá, é possível”. Nessa perspectiva
acho que se melhora, ganha-se experiência. Toma-se mais consciência das fases da
corrida, e não desistir, porque o adversário pode estar a fazer blefe. Até posso estar
no máximo fisicamente e psicologicamente e fazer uma competição fantástica e não
ser o vencedor. Mas o ganhador é mesmo isso.
- As lesões
Tal como descrito, uma das fases mais difíceis da carreira de Regalo
como atleta foi após a sua desistência da prova nas Olimpíadas. Outro
momento que considerou difícil foi o afastamento dos treinamentos e
competições por causa das lesões:
(…) uma lesão extremamente complicada, o que me limitou a minha recuperação e a
minha continuidade, digamos, no topo da modalidade, em termos desportivos. Esta foi
a parte mais complicada depois daqueles.. Todos aqueles anos áureos em que tudo
parecia fácil, eis que tropecei com essa situação.
Regalo se refere à lesão que dificultou a continuidade da sua carreira de
atleta de topo e da falta de suporte na sua recuperação:
(…) ao nível do tendão de Aquiles mesmo. Aliás, que é uma lesão típica de corredor
(…), foi-me bastante difícil. Não havia muitos apoios ao atleta, não só em termos
psicológicos em termos de clube, ou seja, havia realmente uma dimensão de apoio ao
atleta em termos financeiros, portanto aí sim, havia um suporte ótimo para o atleta,
mas depois não era acompanhado com outras estruturas. Nomeadamente até a
Apresentação e Interpretação das Narrativas
Socorro Dantas
143
própria Federação, que não tinha mais de, por exemplo, nessa situação dar-me uma
saída de acompanhar os atletas; portanto, não havia assim um acompanhamento para
estes casos particulares. Foi uma fase complicada da minha vida… foi bastante.
Percebe-se a necessidade de uma equipe interdisciplinar de
profissionais que cuidem do atleta. Principalmente numa fase em que ele se
encontra parado por causa de lesões. Regalo refere que, no seu caso, sentiu
falta, também, de um apoio na parte psicológica:
Parecendo que não, acho que o que mais custa é a parte psicológica, de não se poder
treinar, de não saber se vai resolver, se não vai; e depois a insegurança (…), quer
dizer, a esse nível não existia e, portanto, foi a fase mais difícil, que se prolongou
durante muitos anos.
Regalo conta-nos que por causa da falta de estrutura, a lesão nem
sempre era curada, e o atleta continuava com o problema:
É mais uma pastilhinha, mais uma massagenzinha, mais uma paragenzinha para dar
descanso, mas o problema continuava lá porque não era revelado na origem.
Portanto, é desse tipo de estrutura que eu falava.
As lesões podem ser consideradas um dos fatores de afastamento de
atletas de sua modalidade esportiva. Esse afastamento é prejudicial, pois
influencia diretamente no seu desempenho físico e técnico, além dos possíveis
prejuízos psicológicos, já que a recuperação pode ser demorada, exigindo dele
muita paciência e prudência para voltar à atividade. As lesões, muitas vezes,
acabam acontecendo em momentos importantes de suas carreiras, afastando-
os de competições, tirando-os de seleções e, em alguns casos, provocando o
abandono precoce da carreira.
Apresentação e Interpretação das Narrativas
Socorro Dantas
144
Percebe-se que, de certo modo, a depender do caso, os tratamentos
eram paliativos, como no caso do Regalo, o que compromete a vida útil do
atleta.
As relações com os amigos, treinadores, federação e mídia
As amizades terminam por acontecer e fortalecer no meio onde se vive
ou trabalha, não sendo muito diferente no esporte, como é o caso do Regalo:
Minhas amizades eram mais ligadas ao desporto, da escola também. Portanto, o meu
círculo de amigos sempre foi ligado ao desporto. São muitos anos…
Com relação aos treinadores, Regalo diz que sempre manteve uma boa
convivência. Entretanto, acredita e revela que a sua entrada no esporte
profissional abalou a relação entre ele e o seu treinador:
Sempre foi boa. Embora que com o treinador que eu consegui os maiores êxitos, na
fase final, a relação degradou-se um bocado. Em parte por culpa dele e minha; talvez
não estivéssemos tão preparados para tudo isso, para o sucesso. Para lidar com outro
nível da modalidade, e isso, enfim, também criou algum mal-estar entre os dois. Até
que eu dei o primeiro passo, e disse: “Não estou a ser justo contigo, não estou a ser
correto em algumas situações, o melhor realmente é seguir cada um o seu caminho”.
Nós continuamos a ser amigos, de vez em quando falamos, já fizemos uma festa de
homenagem aos atletas que treinavam com ele. Mas realmente naquele momento
(…).
Regalo também nos contou que a sua relação com a mídia sempre foi
boa, uma relação de respeito, e proveitosa para ambos os lados:
Apresentação e Interpretação das Narrativas
Socorro Dantas
145
Com a imprensa foi sempre muito boa e continua a ser muito boa. Não que
trabalhasse isso, porque pode transparecer. Como na altura transparecia que eu fazia
as coisas um bocado preparadas, mas não. Para aparecer, mas não, eu era assim e
sempre tive o maior respeito com a imprensa. E só tirei proveito com isso (…), a
imprensa sempre me tratou bem, e foi sempre respeitadora em relação as minhas
competições, em relação aos meus resultados menos conseguidos. Mesmo a minha
vida particular, foi sempre extremamente correta, portanto sempre tive um bom
relacionamento, não posso me queixar. Ainda hoje, quando se lembram, me elogiam
bastante.
Pelo que se observa, a sua relação com a Federação de Atletismo foi
apenas profissional, como ele mesmo afirmou:
Olha, em relação à Federação foi sempre institucional (...) com isto não quero dizer
que me desse mal com eles ou que me desse muitíssimo bem. Foi relativamente
institucional; problemas sempre que colocavam foram sempre esclarecidos, mas muito
pouco, institucional mesmo... Não foi nada do outro mundo.
Motivação e desmotivação na carreira esportiva
Regalo nos falou que apesar das dificuldades, muitas delas inerentes ao
esporte de alto nível, o que o motivou a continuar foi a vontade de atingir os
objetivos traçados e ter sucesso:
No meu percurso como desportista sempre foi concretizar ou conseguir sucesso em
termos desportivos nas grandes competições (…), me dedicar à modalidade (…),
conseguir sucesso e atingir meus objetivos.
Para o ex-atleta, o gosto e o prazer foram, inicialmente, as principais
motivações para querer e se dedicar a uma carreira no esporte. Porém, ao
Apresentação e Interpretação das Narrativas
Socorro Dantas
146
chegar a um patamar mais alto, ao nível profissional, parece que, de certo
modo, esses sentimentos se transformam, como se percebe no excerto a
seguir:
(…) ao atingir o patamar Jogos Olímpicos, outras coisas se puseram aí é que vem o
mal da fita. A partir daí comecei a ser solicitado por tudo e mais alguma coisa, marcas
desportivas, clubes com condições financeiras muito mais tentadoras. Aí sim, veio o
fazer desporto com muito mais responsabilidade, isto é, com responsabilidade de
cumprir com uma entidade. (…) Aí é que veio estragar tudo aquilo que eu gostava no
desporto, que era eu fazer as coisas sem estar pressionado por essas questões. Aí
sim é que há um desvio da minha trajetória, dos meus sentimentos. (…) perdi
completamente (o prazer), passou a ser uma obrigação (…). Mais simples do que isso
eu não poderia definir a questão da minha carreira desportiva. A segunda parte da
minha carreira desportiva é um pouco desmotivante por isso (…).
O seu processo de envelhecimento
Pelas características e objetivos do esporte, os efeitos provocados pela
passagem do tempo sobre o corpo podem ser algo difícil para um atleta lidar.
Sobre a sua percepção em relação ao seu próprio processo de
envelhecimento, Regalo relatou que:
No treino que eu fazia ao longo de anos, com algumas variações, fui notando que a
recuperação não era a mesma, portanto fui sentindo o envelhecimento. Agora, em
termos psicológicos aquilo que senti é que nós tentamos de uma forma inconsciente
também enganar esse envelhecimento, porque julgamos que estamos sempre com a
mesma energia, mas isso é impossível, e essa tomada de consciência é que é
fundamental para a maturidade na formação do atleta. Aí sim, vai-se aprendendo a
gerir também isso, vai-se sentindo que vai perdendo velocidade. Portanto, há um
adaptar a essa situação; aí em termos psicológicos sente-se o envelhecimento, sente-
se que vamos perdendo essas capacidades e esse dom. (…) Nós sentimos que o
tempo passa, e tudo aquilo que nós tentamos conseguir é mais difícil, ou seja, aquela
Apresentação e Interpretação das Narrativas
Socorro Dantas
147
fase inicial de 20, 21, 22 anos, os resultados surgem quase por acaso. Mas à medida
que tu tens mais responsabilidade, e os anos vão passando, e para teres o mesmo
resultado tens que ser mais dedicado, tu tens que ser mais responsável, (…) trabalhar
mais, (…) competir menos, para que o teu potencial esteja próximo daquilo que
conseguiste alguns anos antes. Nessa perspectiva, acho que cresci e amadureci com
isso e adaptei-me às circunstâncias dessa situação, (…) obviamente fui sentindo em
termos psicológicos.
Percebe-se pelo excerto acima que, com o passar do tempo, para
conseguir os bons resultados do início da carreira, é necessária uma
adaptação e um esforço maior por parte do atleta. Essa mudança, segundo
Regalo, não ocorreu apenas no aspecto físico, mas também na dimensão
psicológica. É essa, de fato, uma fase que o atleta também tem que aceitar e
se adaptar para continuar sua carreira no esporte.
O processo de envelhecimento parece ter trazido para Regalo não só a
experiência e a maturidade, mas também a capacidade de rir de si mesmo.
Talvez se tenha tornado uma pessoa mais leve, como se percebe no excerto
abaixo:
Não só a experiência de vida que tive, o fato de algumas coisas, hoje em dia às vezes
vou às minhas memórias, às entrevistas, s vezes desato-me a rir, e digo “eh pá, não
pode ser, como é que fui por isto nesta entrevista”. E eu na altura nem sequer me
apercebi. (…), realmente, à luz do tempo ganhei bastante maturidade em lidar com
algumas coisas, (…) enquanto atleta, em algumas situações poderia reagir de alguma
forma; agora, diante das mesmas situações, já não reajo da mesma maneira, portanto
nesse aspecto ganhei alguma maturidade. Em termos psicológicos, pra já, eu não
atingi totalmente essa fase do envelhecimento, continuo a manter como os vinte anos.
Onde eu mais noto é no aspecto físico, isso eu vou notando que vou perdendo
capacidade. E há também outro aspecto, o nosso corpo também sofre alterações em
termos de pele, cabelo. Agora, em termos de interior, ainda não senti esse tipo de
envelhecimento de forma tão evidente.
Apresentação e Interpretação das Narrativas
Socorro Dantas
148
Regalo afirmou que percebe o seu envelhecimento principalmente no
aspecto físico. Sente que o envelhecimento proporcionou o amadurecimento, e
que continua a ter uma cabeça de quando tinha vinte anos, continuando a ser a
mesma pessoa descontraída.
O ex-atleta tem a noção clara das perdas biológicas; a percepção do seu
próprio envelhecimento foi crucial para sua decisão de parar de competir. Com
o cansaço físico percebeu que já não era o jovem de antes, como relatou:
Foi quando eu comecei a trabalhar na escola, eu fiquei colocado a 40, 50 km, então eu
tinha que fazer aquele percurso. Também foi num momento que tinha operado os
tendões de Aquiles, tinha sido um ano muito ausente das competições, e o treino
muito devagar. (…) Portanto já estava a treinar, tentava conciliar, era muito
complicado, era muito longe, viagem, escola, treinar nas horas mais esquisitas (…) foi
uma fase muito complicada. O retomar da minha atividade coincidindo com o ingresso
da minha vida profissional, a docência. E eu recordo-me perfeitamente, vinha um dia
para treinar, era noite, inverno estava a chover, frio. O carro ligado, quentinho, uma
boa música para despertar, e estava em obras, o trânsito parado, portanto eu parei,
estava na fila, e eu apaguei-me completo, estava o carro parado e adormeci
completamente. (…) Foi esse momento que eu disse não, não vou, não dá mais. Já
não sou assim tão jovem, acho que o que fiz pelo desporto é mais que suficiente. (…)
foi o “clix” que chamou-me para a realidade. Tudo isso levou-me a pensar “chega, não
vou querer fazer agora com estas limitações”. E com 35 anos, já não fazia muita
diferença entre aquilo que iria lucrar e aquilo que iria perder; “se calhar”, teria mais
perdas que ganhos. Então, pus um ponto final e custou-me imenso (…). Se eu não
estivesse a trabalhar, tivesse disponibilidade, provavelmente não teria sido aí que teria
terminado a minha carreira, mas o fato de ter que acumular uma vida profissional com
algumas dificuldades em termos de tempo, ter que dobrar os esforços. Na altura
também, eu e minha esposa na tentativa de vir o primeiro filho. Portanto comecei
pensar no que me aconteceu, “não posso me arriscar, cansado sempre, um dia
desses em vez de estar parado estou a circular e tem um acidente”. Era hora de tomar
a decisão.
Apresentação e Interpretação das Narrativas
Socorro Dantas
149
Ficou evidente na sua fala que a decisão de parar com os treinos e as
competições aconteceu com o seu ingresso em outra fase da vida, quando
Regalo começou a desempenhar outros papéis, como o de professor, a
vontade de ser pai, e já não era apenas atleta. Decerto que a necessidade de
desempenhar novos papéis contribuiu para a sua decisão de parar de competir:
(…) se eu não estivesse a trabalhar, se eu tivesse condições de só treinar, eu com
certeza prolongaria a minha carreira por mais algum tempo (…). É o dobrar de uma
nova etapa, pelo menos comigo aconteceu assim.
Entretanto, o ex-atleta revelou que a decisão de parar foi muito difícil,
pois não estava preparado para esse rompimento:
(…) no dia que disse “vou abandonar a competição”, custou-me imenso. Eu pensava
que estava preparado, (…) eu tinha 35 anos, então mais dias menos dias (…) era
pressão minha mesmo. Ou seja, eu fui me preparando para isso, mas quando chegou
o momento de dizer assim: “stop”, eu vi que não estava preparado.
Regalo reconhece que o corpo já não tinha a mesma capacidade de
antes, embora diga sempre que psicologicamente estava bem:
(…) temos que aceitar; é como eu te disse, apesar de eu indo pensando no assunto,
de ir perdendo capacidade, o fato, não psicologicamente, de sentir-me envelhecido,
(…) obviamente fisicamente, não iria poder acompanhar. Eu posso esta na minha
plenitude psíquica até aos cem anos, mas a outra parte, o que fez de mim uma pessoa
conhecida e famosa, não pôde acompanhar, portanto eu estava mal preparado.
Apresentação e Interpretação das Narrativas
Socorro Dantas
150
Regalo refletiu sobre essa decisão como uma fase da sua vida que teria
de ultrapassar. O fato de ter se preparado para outros papéis, como ser pai,
por exemplo, ajudou nessa transição. Afirmou que procurou aproveitar o lado
bom dessa decisão que lhe custou tanto:
Custaram-me os primeiros tempos, mas a partir daí ganhamos outras coisas na vida.
Ganhamos mais tempo, não tenho a obrigação de treinar, a minha carreira sofreu
várias etapas (…) foram várias fases.
Porém, Regalo afirmou que não se afastou totalmente do mundo do
esporte, continuou a treinar porque lhe dava gosto, e não mais por obrigação:
Não foi o corte total, não. Quando digo que me afastei em termos de carreira, foi
porque deixei de ter obrigação, ter que treinar para estar em determinados momentos
em condição de dar meu contributo a minha entidade. Portanto, eu nessa perspectiva,
acabei; continuei de alguma forma a treinar, mas quando me apetecia; já não era
aquela obrigação sistematizada de ter que treinar quarta, quinta, sexta… Deixei de ter
essa rotina, portanto era outra coisa mais lúdica.
Quanto aos apoios que recebeu na sua decisão sobre o seu
afastamento das competições, Regalo fez referência a algumas pessoas, mas
revelou que não recebeu apoio da Federação de Atletismo:
(…) da esposa, família, treinador. (…) É assim, as pessoas enquanto rendem, têm
sumo pra dar, vai-se espremendo. Quando não tem, joga-se para lá e esquece. Neste
caso, não foi só comigo;, se fosse só comigo, eu estranharia, mas o que acontece é
que os atletas que mais se destacaram ao longo de anos e deram seu contributo a
uma causa, neste caso, a Federação, e a Seleção, realmente sente-se a certa altura
que a pessoa não foi reconhecida, não foi dado o mérito.
Apresentação e Interpretação das Narrativas
Socorro Dantas
151
Regalo não sente o seu trabalho reconhecido pela Federação, mas
justificou que talvez o fato de continuar próximo da Federação tenha
contribuído para essa ausência de homenagens:
(…) eles nunca fizeram um reconhecimento de carreira ou coisa do gênero. Não houve
assim esse tipo de trato, no entanto as pessoas estão sempre lembrando. E também
isso não aconteceu tanto por uma razão muito simples: quando eu acabei a carreira de
atleta, continuei ligado à modalidade, portanto não senti muito esse afastamento.
Passei a treinar atletas, e a Federação muito gentilmente, nisso eles foram
impecáveis, no sentido de me motivar, permitiram que acompanhasse um atleta em
competição, já enquanto treinador. Fui a duas ou três iniciativas dessas. Nessa
perspectiva não fui totalmente esquecido.
Regalo se queixou da falta de apoio e de orientação para o atleta que vai
parar de competir:
(…) nem a Federação nem outras entidades procuram saber quais são outras
possibilidades do atleta quando acabar a carreira, o que ela vai fazer, o que ele
precisa. Quase que não existem entidades oficiais, como, por exemplo, o centro de
emprego para conduzir ou para nos dar a pista em termos da vida de um cidadão
normal ser mais facilmente integrado.
O ex-atleta revelou, que, no seu caso, até por causa das lesões, tinha
começado desde há muito tempo, a pensar como seria o seu futuro depois que
parasse de competir, e de certo modo se preparou para essa fase da vida
estudando e refletindo sobre a possibilidade de ter outra profissão no futuro.
Eu me preparei, por acaso, me preparei antecipadamente. O que me marcou também
foi quando eu comecei a ter problemas no tendão de Aquiles, (…) Isso permitiu-me
Apresentação e Interpretação das Narrativas
Socorro Dantas
152
que eu pensasse, em termos pessoais, o que eu queria além do desporto de forma
antecipada, não foi quando eu terminei. Eu estava no meu auge, com problemas, e
comecei a refletir nessas coisas. Aquilo que foi um fator limitativo em termos da minha
carreira desportiva (…) me permitiu pensar que o desporto ia acabar daí a cinco, seis
anos. E essa fase da minha carreira, muito difícil, permitiu-me refletir o que iria fazer
no futuro. Então, qual foi a minha opção: eu tenho que estudar. Incentivado também
por alguns colegas de treino, a minha esposa etc., acabei os estudos, terminei o
secundário à noite, portanto, continuei a treinar e estudar à noite. Ingressei na
faculdade.
Regalo afirmou não ter pensado como seria o seu envelhecimento como
atleta. Os fatos foram acontecendo:
Não pensei demasiado à frente, só a questão de retomar os estudos para quando eu
terminasse a carreira. Aí sim, houve um planeamento motivado por um percalço na
carreira, mas não o fiz de uma forma muito rígida. Não coloquei temporalmente
prazos, deixei que as coisas acontecessem pouco a pouco, agora não imaginei como
seria o final da carreira, isso nunca fiz.
Regalo terminou a sua carreira de competição em 2001, com 37 anos de
idade. Cursou Educação Física e Desporto no Instituto Superior da Maia.
O PRESENTE
Trabalho e esporte
À data da entrevista, Regalo era docente no Instituto Superior da Maia –
Maia/Portugal; Vice-Presidente da Comissão de Atletas de Alta Competição e
Presidente da Direção do Maia Atlético Clube.
Apresentação e Interpretação das Narrativas
Socorro Dantas
153
Quando nos concedeu a entrevista para este estudo, Regalo continuava
praticando esporte como lazer e algumas vezes competindo, mas, segundo ele,
com outros objetivos:
Faço BTT (Bicicleta Todo Terreno). Sinto a necessidade depois de tantos anos (…),
não digo de uma forma diária, mas algumas vezes por semana. Não só para a forma
física, mas para ficar muito mais tranqüilo, ter mais paciência para outras coisas. Mas
também manter o cuidado com o aspecto físico. São competições populares, não têm
nada de federado, não têm nada da perspectiva das competições como fazia no
Atletismo. Também gosto de competir comigo. Eu saí do desporto competitivo e
ingressei no desporto lúdico, e aquilo que me apaixona são os desportos individuais, a
resistência não só com os outros, mas fundamentalmente comigo.
Mesmo desempenhando outros papéis atualmente, em sua fala,
observa-se que a sua característica de competidor continua presente naquilo
que faz mesmo como lazer, ou no Atletismo, como treinador.
SOBRE O FUTURO
Os planos
Regalo afirmou não se preocupar em fazer planos para longo prazo, e
falou como gostaria que sua vida continuasse:
A trabalhar, francamente, sei lá, (…) a tratar os netos talvez |risos|. É o que eu te digo:
a minha vida é deixar andar aí nas ondas. Nunca faço grandes previsões. Não penso.
Não sei se será errado ou não, costumo fazer planos sempre para curto prazo. Acho
que devemos aproveitar o máximo o momento. Sem deixar de pensar que as nossas
atitudes vão ter reflexo no futuro. (…) amanhã é outro dia, vamos ter calma. Não vou
estar a pensar, não vou entrar em paranoia porque a reforma ou a Segurança Social
Apresentação e Interpretação das Narrativas
Socorro Dantas
154
não vai ter capacidade de me dar ajuda financeira quando eu tiver os 65 anos. Não
vou sofrer por antecipação, por alguma coisa que será daqui a vinte anos.
Para o ex-atleta a vida deve ser vivida aproveitando-se o máximo o
presente. Regalo afirmou não pensar muito sobre o seu futuro; vive o hoje, não
faz planejamentos para o futuro.
3.1.2 A narrativa de Paula
A atleta
Maria Paula Gonçalves da Silva, conhecida no âmbito esportivo como
Magic Paula69, nasceu no dia 11 de março de 1962 (à data da entrevista ele
tinha 47 anos) 70, na cidade de Osvaldo Cruz – São Paulo – Brasil. Paula foi
uma atleta da modalidade Basquetebol. Fez parte da Seleção Brasileira de
Basquetebol, participou de seis Campeonatos Mundiais; quatro Campeonatos
Pré – Olímpicos; quatro Campeonatos Pan – Americanos; e duas Olimpíadas71.
Características individuais e valores
Durante a entrevista, observamos que a ex-atleta é uma pessoa de fala
suave, uma aparência tranqüila, e que deixa transparecer uma forte
personalidade. A Paula se auto-avalia como uma pessoa competitiva e
disciplinada, características essenciais para o esporte de alto nível onde as
rotinas de treino são exigentes.
69
Pelo seu excelente desempenho em quadra, Paula recebeu no Brasil a alcunha de “Magic Paula”, uma referência ao famoso jogador americano de Basquetebol, o Magic Johnson. 70
A entrevista com a Paula aconteceu no dia 07 de Julho de 2009 na cidade de São Paulo - Brasil. 71
Mais informações sobre o currículo esportivo da atleta Paula ver anexo 6.
Apresentação e Interpretação das Narrativas
Socorro Dantas
155
PASSADO
As experiências no esporte
- O início – apoios e referências
Quando solicitamos a Paula que falasse sobre o início da sua vida no
esporte, começou falando dos seus principais incentivadores para a prática
esportiva, relatando que o seu interesse pelo Basquetebol aconteceu na
escola, através da professora de Educação Física:
Eu comecei a ficar encantada com o Basquete com uma professora de Educação
Física (…). Um dia eu estava lá na escola e vi ela arremessando a bola lá na quadra, e
eu achei aquilo o máximo, o despertar pro (sic) esporte mesmo, começou dentro da
escola.
Quando iniciou os primeiros contatos com o Basquetebol, Paula estava
com dez anos de idade, e esse início terá acontecido de forma lúdica,
recreativa, sendo a família o seu primeiro apoio. O apoio dos pais foi relevante
naquele contexto, porque segundo Paula:
“ (…) Existia muito preconceito com a mulher que fizesse esporte, e isso eu não
enfrentei em casa, os meus pais sempre apoiaram”.
A família da Paula gosta e apóia a prática esportiva. Ela tem três irmãs,
e todas experienciaram a prática esportiva; uma delas também jogou
Basquetebol pela Seleção Brasileira, chegando a participar de uma Olimpíada.
Paula relata que ela e essa irmã tinham muita disciplina em relação aos treinos
e competições, renunciando muitas vezes ao lazer:
Foi a família, foram os meus pais os meus maiores incentivadores, eu era uma garota
que gostava de esporte, que gostava de brincadeira de rua, porque na verdade o
Apresentação e Interpretação das Narrativas
Socorro Dantas
156
esporte na minha vida começou como brincadeira, jamais pensei que fosse me tornar
um dia profissional do esporte, então, a brincadeira, o esporte foi associado a
brincadeira de rua e a brincadeira no clube (…).
Percebe-se, pela fala da Paula, que a experiência positiva com as
atividades corporais na infância foi um estímulo para a prática do esporte no
futuro.
Além dos pais, Paula recebeu, no início da sua vida esportiva, o apoio
do técnico para o seu desenvolvimento como atleta. Paula, que via o
Basquetebol como uma brincadeira, teve dificuldade inicial de adaptação a uma
nova realidade fora do seu contexto familiar. Na realidade, de acordo com o
seu relato, esta foi uma das suas primeiras dificuldades na sua vida de atleta
em busca do sucesso:
(…) nós éramos sócios de um clube da cidade, então um período eu estava na escola
e o outro período eu ia para o clube, eu chegava lá e tudo que tinha: natação,
atletismo, eu estava eu lá, e eles [os seus pais] foram os que mais me incentivaram.
Eles foram, na época, taxados de loucos, porque eu com 12 anos de idade saí para
morar fora sozinha pra jogar Basquete. Se você pensar isso há 30 e tantos anos
atrás… né. Eu comecei a treinar Basquete, aí o time da cidade, o masculino, foi jogar
numa cidade lá próximo de 100km de onde eu morava e o técnico falou: “tem uma
menina assim, assim, lá em Osvaldo Cruz, tem talento”. E o técnico pediu para eu ir lá
fazer um treino e me convidaram pra ir jogar lá, aí sai de casa aos 12 anos fui morar
na casa do técnico com a esposa dele, ele tinha duas filhas que jogavam também. Foi
muito difícil a adaptação, eu queria, mas não entendia muito bem porque que eu tinha
que sair da minha casa pra brincar de jogar Basquete, mas aí depois o dia, a escola,
os jogos, as competições, viagens, aí foi preenchendo meu tempo. Meus pais foram os
que mais me incentivaram e que me apoiaram nesse início de carreira.
Apresentação e Interpretação das Narrativas
Socorro Dantas
157
A rotina como atleta profissional
Paula considera o início da sua vida no Basquetebol a melhor fase da
sua carreira. Afirmou que o prazer que sentia era diferente de outras fases de
sua carreira como atleta, que exigiam maior responsabilidade.
(…) É o começo, porque no começo (…) não tem aquela pressão, você está ali porque
aquilo é uma brincadeira, é festa. É diferente, sem essa cobrança de você mesmo com
você.
E sobre a fase de maiores responsabilidades, de mais exigências, Paula
descreveu a sua rotina de atleta:
(…) era acordar de manhã, tomar café e ir pro treino. Chegava às 11h30min, quase
meio-dia em casa; tomar banho, almoçar, descansar, e às 4 horas da tarde eu estava
treinando de novo. Quando eu tinha jogo, treinava de manhã e jogava à noite; quando
tinha jogo fora da cidade, era treinar de manhã e viajar pra jogar no dia seguinte em
outra cidade. Então era cinco/seis horas de treinamento diário focado no objetivo.
Paula falou da dificuldade de conciliar a sua rotina no esporte, as
relações com os amigos e as atividades sociais:
(…) quando você às vezes encontra os amigos à noite e tal, é aquela coisa, eles vão
pra balada, você vai dormir, porque no outro dia tem treino, tem jogo, e você depende
do seu físico (…). Fazer noitada não dá, tem que estar inteira.
Quando um atleta chega ao alto nível do esporte que pratica, ter tempo
para outras atividades é complicado, como explicitou Paula sobre a sua
exigente rotina de vida quando era atleta:
Apresentação e Interpretação das Narrativas
Socorro Dantas
158
Não era fácil; você acaba vivendo só o lado de atleta, porque eu acho quanto mais
você se expõe, mais aparece, mais você é cobrada, mais você é exigida, você se
cobra mais. (…) Tudo pelo Basquete, tudo pelo que você está fazendo; aí chega um
momento que você começa a dividir um pouco isso, mas não muito. Eu acho que o
equilíbrio mesmo, para mim, veio depois de ter encerrado a carreira (…) o tempo do
trabalho, o tempo do amor, das férias, das viagens, da família, eu acho que você tem
aí um pouco mais do controle, porque como o esporte é algo muito rápido, que acaba
se encerrando como todo mundo em qualquer profissão (…) você tem que viver aquilo
intensamente, porque não dá pra você esperar.
O tempo de trabalho de um atleta difere do de outras profissões; de
maneira geral, é uma carreira curta. Assim, para o atleta é necessário render o
seu máximo durante aquele curto período. A dedicação deverá ser intensa para
se conseguir bons resultados. Observa-se, segundo a fala da Paula, que ela só
conseguiu ter uma vida própria, ser dona do seu próprio tempo e ter um
equilíbrio nas atividades, após o seu afastamento das quadras.
As prioridades e renúncias
Pelo exposto anteriormente, percebe-se que Paula terá sentido que nem
sempre podia fazer aquilo que realmente tinha vontade, tendo, portanto, de
escolher entre o esporte e outras atividades, isto é, Paula constatou que houve
renúncias em prol do esporte que praticou:
(…) claro que você tem uma ausência da sua infância. Comecei muito novinha; tem
ausência da sua adolescência, é do convívio até familiar às vezes, mas nada disso me
levou a consequências mais graves.
Para a ex-atleta, uma das difíceis decisões que teve de tomar na sua
vida de atleta foi a transferência para jogar na Espanha:
Apresentação e Interpretação das Narrativas
Socorro Dantas
159
(…) quando eu fui para Espanha. Eu faria de novo, faria, mas foi difícil. É uma
insegurança, você não sabe o que você vai encontrar lá, é nascer de novo (…).
Paula mencionou que uma decisão que se arrepende de não ter tomado:
a de não ter ido estudar nos Estados Unidos, pois teria sido um investimento
para a sua vida pessoal e profissional, e seria relevante ter domínio da língua
inglesa:
Quando eu tinha uns 15 ou 16 anos, fui convidada a ir estudar nos EUA e jogar lá na
escola, e eu não fui; e eu me arrependo, porque o inglês é uma língua sofrida para eu
desenrolar. E aí se eu tivesse morado lá, talvez eu tivesse esse inglês fluente. Então
eu me arrependo de não ter ido, de ter passado um ano lá.
Porém, confessou que o que a motivava a renunciar a muitas coisas e
continuar no esporte, principalmente na fase de alto nível, em que a exigência
é ainda maior, foi o gosto que ela sempre teve pelo Basquetebol, além do
orgulho de representar a nação:
(…) Quando você gosta do que faz fica tudo muito mais fácil. É claro que, como em
qualquer profissão, a gente às vezes tem vontade de desistir, a gente acha que não dá
para aquilo, que não é aquilo que você quer fazer, não é aquele seu perfil, não é
aquilo que você veio pra fazer no mundo. Só que nada melhor que dormir e acordar no
outro dia e falar: “Não, é isso mesmo que eu quero”. Então eu acho que às vezes
quando você está meio em dúvida, pensa assim: “ Vivo em um país de mais de 150
milhões, e eu estou aqui entre 12 jogadoras, e quantas meninas da minha idade não
gostariam de estar aqui (…), a defender o Brasil”. Eu acho que não existe nada melhor
que o esporte pra resgatar essa coisa do patriotismo, então, então, eu acho que é
gostar do que faz mesmo, é sentir prazer naquilo que você está fazendo.
Apresentação e Interpretação das Narrativas
Socorro Dantas
160
Experiências e episódios marcantes na carreira
Paula revelou alguns dos episódios que considera marcantes na sua
carreira de atleta, e relembrou a fase de criança, no início da sua vida
esportiva:
(…) Teve um dia que eu estava voltando da escola, e tinha uma casa sendo
reformada, e eu vi que tinha um monte de entulho, coisas que eles iam jogando fora.
Eu vi que tinha uma tampa de vaso sanitário de madeira e achei aquela tampa muito
parecida com a cesta de basquete; pus em baixo do braço e fui embora pra casa. Nós
tínhamos uma parreira no quintal que tinha umas madeiras segurando; aí eu preguei
aquela tampa de vaso sanitário. Como eu tinha uma bola de borracha, comecei a
brincar. Um dia os meus pais chegaram do trabalho, e como estava escurecendo e eu
não estava enxergando nem a bola nem a cesta, eu peguei e coloquei um monte de
velas em volta assim para enxergar. Aí minha mãe chegou e disse que falou com o
meu pai: “O quê que está acontecendo aí dentro? Será que tão fazendo macumba no
quintal?”. E era eu jogando bola.
Paula relatou de forma feliz essa improvisação da tabela de
Basquetebol, o que já mostrava a sua grande vontade de praticar esporte.
Desse modo, nesse fato relatado, ela associou o desejo à improvisação e à
brincadeira.
Outra experiência considerada marcante e relatada pela ex-atleta foi a
sua primeira participação em uma Olimpíada, ocorrida nos Jogos Olímpicos de
Barcelona. Paula reflete e fala sobre os seus sentimentos referentes à sua
participação nesse grande evento, e também da emoção de participar do desfile
de abertura:
Quando você entra naquele ônibus e vai para o desfile de abertura, aquilo já começa
um flashback de tudo (…), como você começou, o que vivenciou. Assim, um sacrifício
danado, não é? As pessoas veem, às vezes lá no produto final. Ou ganhando ou
Apresentação e Interpretação das Narrativas
Socorro Dantas
161
perdendo títulos, mas é uma ausência total da sua vida, da sua família. Ficar
concentrada muito tempo (…), viajando demais; muita renúncia, e toda renúncia tem
sua recompensa, mas é dolorosa. Eu acho que é de se passar um filme mesmo, aquela
hora de entrar no estádio ali te dá uma sensação de dever cumprido e de sonho
realizado, que acho que o sonho de toda criança que começa no esporte é chegar a
uma Olimpíada. Eu acho que é bem marcante.
Para Paula, ter ido a uma Olimpíada, além de ter sido um momento de
grande emoção, foi um momento de reflexão sobre a sua vida como atleta, as
renúncias e os sacrifícios feitos até ali. Para a ex-atleta, essas renúncias
valeram a pena por culminar na realização de um sonho.
Paula referiu que a Olimpíada de Barcelona foi especialmente
importante e marcante porque:
(…) Esse era o terceiro pré-olímpico que nós tentávamos. Foram quase 12 anos
tentando, e chegamos lá.
Paula revelou ainda que de certa forma existia um sentimento de alívio,
por ter conseguido o seu intento, pois após várias tentativas frustradas a
Selecção Feminina de Basquete do Brasil ia a uma Olimpíada.
As competições relevantes e as medalhas extraordinárias
Paula falou sobre o contexto e os sentimentos em relação ao troféu e à
medalha mais importante na sua vida no esporte. Relembrou o seu primeiro
troféu, mencionando que terá sido o mais importante para si. Mesmo estando
com uma parte quebrada, ainda guarda esse troféu e relembrou com carinho
esse episódio:
Apresentação e Interpretação das Narrativas
Socorro Dantas
162
Foi o meu primeiro troféu na verdade, eu lembro, eu estava em Osvaldo Cruz ainda.
Teve um campeonato de lance livre, e as meninas todas tinham 16, 17 anos, e eu
tinha 11anos. Íamos ver quantos lances livres conseguíamos acertar, e eu acabei
ficando em segundo lugar. Tenho uma foto até hoje, o meu pai me entregando esse
trofeuzinho, um troféu pequenininho.
Paula reflete sobre os seus sentimentos em relação ao esporte, à
competição e à vontade de ganhar as disputas desde criança. Também
podemos perceber que naquele momento, naquela competição, o segundo
lugar para Paula foi tão importante quanto se tivesse ganhado o primeiro. Era
competir pelo prazer de competir, como se percebe na sua narrativa:
Acho que desde criança eu tinha o espírito da competição (…), mas eu acho que a
sensação do primeiro troféu assim era, não sei, era uma cobiça totalmente diferente
das de depois de alguns anos. Acho que era uma coisa assim: “Nossa, eu fui melhor
nessa brincadeira” (…). A sensação era de uma menina que ganhou um brinquedo
que estava desejando.
A outra medalha que Paula refere como relevante e de destaque na sua
carreira de atleta foi a medalha conquistada pela Seleção Brasileira Feminina
de Basquete nos Jogos Olímpicos de Atlanta em 1996:
A minha última importantíssima, foi na Olimpíada de Atlanta, onde jogávamos uma
final contra os EUA, e ali eu acho que foi um marco de uma geração (…), porque a
gente demorou quase 16 anos para ganhar uma medalha, que tinha sido no Pan-
Americano em Cuba. Atlanta era a segunda Olimpíada que a gente estava indo. Na de
Barcelona tinha oito equipes e nós ficamos em sétimo, e ali, eu acho que era um
resumo assim: a gente não pode desistir nunca.
Apresentação e Interpretação das Narrativas
Socorro Dantas
163
Paula relembrou aqueles momentos e mostrando a sua forte
personalidade, quando afirmou que se deve viver um dia de cada vez e não
desistir nunca. O seu lema é :
(…) [Viver] Um dia atrás do outro; hoje você está chateada porque não conquistou,
não conseguiu, mas tem o dia seguinte para você se aprimorar, para melhorar. Então,
acho que a sensação daquela medalha foi “ainda bem que não desistimos, a gente
acreditou”. Porque foi uma geração que merecia um dia ter uma medalha olímpica, e
talvez aquela fosse a nossa última oportunidade.
A ex-atleta discorreu sobre os seus sentimentos, no dia seguinte, após
ter conquistado a medalha olímpica, um misto de incredulidade e euforia:
(…) Demorou um pouco pra cair a ficha, eu acho que é aquela coisa: “me belisca pra
ver se eu tô acordada”. (…). Eu acho que você fica meio na dúvida se aquilo
aconteceu mesmo (…), até cair a ficha mesmo e passar toda aquela euforia.
O sucesso e as recompensas
Paula considera que atingir o sucesso é algo que não se consegue
sozinho; para a ex-atleta, alguns fatores foram relevantes para que alcançasse
o sucesso como atleta, como mostra o excerto a seguir:
(…) são vários. Eu acho que é o amor pelo que você faz; o comprometimento; a
seriedade; o empenho; a renúncia. (…) O grande detalhe mesmo, são as relações
pessoais. Claro que cada um no seu trabalho às vezes tem mais afinidade com um do
que o outro, mas a gente tem que entender que todo mundo está ali com um objetivo
só, que é de remar por um lado só e chegar à linha final. Então eu acho que o grande
sucesso, de qualquer trabalho, e demoramos a aprender isso, é você entender o outro,
Apresentação e Interpretação das Narrativas
Socorro Dantas
164
você respeitar o outro, não querer que o outro seja como você. (…) O sucesso é muito
trabalho, você entrar de cabeça naquilo que está fazendo, sempre querer ser melhor,
se aperfeiçoar.
Para Paula, o sucesso é o resultado de um esforço conjunto em busca
de um só objetivo, e para que isso aconteça é necessário o entendimento e o
respeito mútuo entre as pessoas de uma equipe. Acrescenta que considera
fundamental para o sucesso de um atleta, a perseverança de querer sempre
mais, a busca da excelência no que faz:
(…) não desistir nunca; saber perder e ganhar; usar as derrotas como algo que te
acrescente. Que você perceba os erros com as derrotas; quando você ganha e está
tudo bem, não aparecem os erros (…). Tem uma frase que eu gosto de usar, que diz
assim: “O sucesso não é só uma estação na qual chegamos, o sucesso é uma
maneira de viajar”. Então acho que a gente tem que estar sempre buscando viajar;
não é chegar agora, parei, não faço mais nada.
Paula acredita que controlar as emoções é fundamental. Só assim se
alcança e se permanece no topo no esporte de alto nível. Assegurou que com
o seu amadurecimento aprendeu a controlar melhor as emoções e a conviver
melhor com as exigências e as pressões:
(…) acho que são duas fases, a fase do início, a sua infância, e os momentos que
você está amadurecida, em que você consegue controlar emoções que você não
controlava esse meio, até chegar ao amadurecimento (…), acho que são as duas
pontas, uma que você não tinha compromisso de nada, aquilo ali pra você era algo
prazeroso de brincadeira e não tinha a conotação da pressão de resultado, e a outra
ponta, que você já consegue conviver melhor com as sensações, com as emoções.
Apresentação e Interpretação das Narrativas
Socorro Dantas
165
Paula sente gratidão pelo esporte, que lhe proporcionou títulos, dinheiro
e fama. E que, além disso, agregou valores à sua vida. As experiências vividas
no seu passado esportivo foram relevantes para o planejamento e a efetivação
dos seus projetos, levando-a a assumir novos papéis após a sua aposentadoria
como atleta:
(…) quando eu pensei em montar a minha instituição, a minha ONG72, foi baseado um
pouquinho nessa experiência com o esporte, porque eu não queria que a minha ONG
fosse mais uma escolinha de esporte. Parei pra pensar que o esporte na minha vida,
além de títulos, ficar conhecida, ganhar dinheiro, ter um bom salário, conseguiu
agregar valores na minha vida de uma forma tão natural, sem eu perceber. Então
acho que essa é a missão, esse é o foco do Instituto hoje: é da gente não ser
excludente, porque o esporte de alto nível é excludente, só quem é bom vai. No
projeto, não, você quer fazer, você gosta, então participa.
A competição considerada mais difícil
Paula considera que o Mundial de Basquetebol na Austrália em 1994,
onde o Brasil foi campeão, foi a competição mais difícil, e explica, com orgulho,
como aconteceu o crescimento da equipe dentro daquela competição:
(…) pelos históricos dos mundiais anteriores, que nós participávamos (…), ficávamos
em nono, décimo, décimo primeiro; o mais próximo foi aqui no Brasil, que
conseguimos ficar em quinto lugar (…) quando vimos, estávamos chegando a uma
semifinal e disputando a final do mundial. Então eu acho que essa foi a competição
mais difícil, o caminhar assim até chegar a medalha (…). Eu acho que pela primeira
fase ter sido muito ruim (…), a equipe foi crescendo durante a competição, tivemos
jogos difíceis, um jogo contra a Espanha que estávamos atrás do placar no jogo
inteiro, só passamos pra frente no placar no último minuto de jogo, quer dizer, aquele
jogo nos credenciava a disputar uma semifinal. Então foi uma competição bem difícil.
72
Organização Não Governamental.
Apresentação e Interpretação das Narrativas
Socorro Dantas
166
Paula referiu que a Olimpíada foi muito importante pelo marketing, mas o
Mundial de Basquetebol foi muito mais difícil, pelas dificuldades por que
passaram:
(…) Chegar a ser campeã do mundo com 16 equipes (…), então é algo assim (…) mas
ambas eram um desejo que a gente tinha. Foi uma competição bem suada, não que
as outras não tenham sido, mas pelo que eu já disse, pela forma que a gente começou
a competição.
Dificuldades na carreira esportiva
- As lesões
Paula considera que as fases mais difíceis da sua carreira esportiva
foram os períodos em que se encontrava com alguma lesão que a impedia de
treinar e de competir:
(…) a contusão é algo que incomoda (…), você trabalha o ano inteiro, aí vem a
contusão e você fica fora de uma competição que você trabalhou tanto pra chegar.
(…) Então eu acho que dificuldade mesmo é ser um atleta que não tá 100% das suas
condições físicas e não pode realizar aquilo que você gosta e ajudar a equipe e
contribuir pra o trabalho do grupo.
Paula conta que a contusão mais complicada que ela sofreu deixou-a
fora de quadra por vários meses:
(…) uma contusão no joelho, foi aqui no Brasil ainda, eu estava com problema no
ligamento, só que só operaram o menisco, então, teve entorse. Foi quando eu fui
contratada por um time espanhol; com dois meses que eu estava lá, torci o joelho, tive
Apresentação e Interpretação das Narrativas
Socorro Dantas
167
que fazer uma cirurgia e fiquei seis meses em recuperação, fazendo fisioterapia.
Depois de um ano é que voltei a jogar com confiança.
As lesões são uma das grandes dificuldades e problemas que os atletas
têm de superar para continuar a carreira.
- As decisões difíceis
Paula avalia que o esporte lhe proporcionou mais ganhos do que perdas,
como se observa no excerto a seguir:
(…) se eu colocar na “balançinha” tem mais coisa positiva do que negativa, (…) eu não
posso reclamar da minha vida; o que o esporte proporcionou pra mim, hoje eu devo
muita coisa ao esporte. Acho que nem tudo são flores no esporte, mas que é pegar as
coisas ruins, que você acaba convivendo como aprendizado. Infelizmente, o ser
humano aprende no amor ou na dor, mais na dor que no amor, então acho que se eu
colocar na balança, terei muito mais coisas boas do que negativas.
Paula acredita que se deve tirar dos momentos negativos lições positivas
para a vida. Para a ex-atleta, no esporte o sacrifício, as dificuldades são uma
constante, e se cresce muito também com essas dificuldades, muitas vezes até
entendidas como desafios que devem ser enfrentados e vencidos.
As relações com amigos, treinadores, federação e mídia
Paula falou sobre como é conviver e trabalhar em grupo, e como se
estabelecem essas relações e as dificuldades. Acrescenta, entretanto, que a
maturidade pode trazer uma nova percepção dos valores, da forma de pensar e
de conviver com outras pessoas:
Apresentação e Interpretação das Narrativas
Socorro Dantas
168
(…) imagine doze, quinze pessoas, cada um vem de uma família (…), a gente erra
muito convivendo em grupo, coisa do ego, da vaidade, da falta de diálogo, de às vezes
apontar sempre um pro outro e não olhar para dentro de você. Mas, se você tiver
interesse e quiser, você pode reverter tudo isso, e o tempo vai te dando uma
maturidade, e você vai percebendo que essas coisas não te levam a nada.
Para Paula, as maneiras de se relacionar com seus técnicos ao longo da
sua vida esportiva foram diferentes, a depender da fase em que se encontrava
no esporte. Ou seja, essas mudanças ocorreram de acordo com o seu
envelhecimento e amadurecimento como atleta, como indica o excerto a seguir:
Sempre vi os meus técnicos como alguém que veio pra me educar, porque eu
considero o esporte algo educacional. (…) Eu aprendi desde cedinho como era
conviver em grupo, respeitar a hierarquia, saber ganhar e perder. Então, os meus
técnicos, em primeiro momento, foram aqueles que vieram para educar mesmo,
aqueles que vieram para agregar, me ensinar a fazer algumas coisas. Depois você vai
ficando adolescente, achando que sabe tudo e que seus técnicos pegam no pé, que
são uns chatos. Eu associo a um chefe, um chefe nunca agrada a todo mundo. Mas
eu tive várias fases: a fase da admiração, de ser o meu educador; depois veio a fase
da adolescência, que você acha que tá tudo errado e que você está contra todos;
depois o amadurecimento que você começa entender um pouco mais de que forma as
coisas têm que caminhar pra ter sucesso. Então eu vejo que cada um deles teve muita
importância de alguma forma na minha vida. Aprendi um pouquinho com cada um,
acho que isso que é o mais legal.
Ao refletir sobre os seus treinadores, Paula afirmou que todos eles
trouxeram algo bom e agregador para a sua vida, contribuindo para o
desenvolvimento do seu caráter e de seus valores.
Também se mostra como uma atleta que lutava pela evolução do
esporte no Brasil e por melhores condições para o atleta. Nesse sentido,
sempre procurava dialogar com os dirigentes esportivos:
Apresentação e Interpretação das Narrativas
Socorro Dantas
169
Eu acho que não existe nada melhor que você ter um diálogo com quem está te
comandando (…), em relação aos dirigentes, eu sempre fui muito crítica, (…) o
esporte vinha evoluindo, em equipamentos esportivos, em treinamentos, e a gente
continuava aqui no Brasil com aquele texto de “somos amadores, fazemos porque
gostamos”, e a gente sabia que não era bem isso, e eu entendo que pra gente chegar
a ser um país, uma potência olímpica, temos que trabalhar profissionalmente e quem
tá trabalhando como dirigente, tem que ser qualificado, tem que ser remunerado.
Então eu sempre bati muito de frente com os dirigentes. Eles acham que o atleta não
precisa de coisas, não precisa de atenção (…). Eu sempre bati de frente, eles queriam
levar a gente, às vezes, em viagens 40 dias na Europa sem as condições mínimas que
a gente teria que ter.
Paula acredita que provavelmente a sua postura crítica e questionadora
incomodava os dirigentes, porque:
(…) para eles, interessam as pessoas que aceitam tudo, que não têm a visão das
coisas, não questionam. E eu sempre fui diferente, eu sempre achei que quem faz o
espetáculo é o atleta. É quem tá ali no dia a dia suando e tudo, por que ele não é
ouvido? Por que as questões dele não podem vir à tona e serem discutidas? Isso é
algo que foi de muito aprendizado pra mim.
Entretanto, reconhece que fez parte de uma geração em que todos
estavam de certa forma aprendendo e trilhando novos caminhos no esporte:
Foi uma época que o esporte não tinha essa conotação muito profissional, então a
gente foi cobaia de muita coisa, que hoje tá sendo bom para a geração atual.
Apresentação e Interpretação das Narrativas
Socorro Dantas
170
Paula revela que trouxe para seu trabalho atual73, como dirigente, a
experiência do seu passado e a sua luta por melhores condições para o atleta:
(…) hoje, com essa experiência que eu tive no esporte, aqui no centro olímpico é bem
diferente, porque a gente já faz tudo pelos atletas, pela criançada que trabalha aqui
(…). A filosofia dos próprios técnicos que a gente tem aqui, dos treinadores, é de focar
no que é melhor pra criança, pro atleta.
Desmotivação na carreira desportiva
Paula relata que o prazer que sentia em treinar, jogar, competir, no
início da sua carreira, já não estava presente no final, e esse foi o principal
motivo para sua tomada decisão de abandonar as quadras. Paula sente que
essa decisão foi de certa forma tranquila para ela, o que não aconteceu em
relação às pessoas com as quais convivia, como se percebe a seguir:
Eu acho que é muito melhor você voltar pra casa e dormir tranquila do que continuar
numa coisa que não estava te dando mais prazer. Foi um pouco difícil para as
pessoas que conviviam comigo digerir isso e entender por que eu tava tomando
aquela decisão, mas pra mim não, pra mim foi muito tranquilo.
O seu processo de envelhecimento e a desmotivação para jogar
Paula voltou a falar sobre a rotina de um atleta, afirmando que a
necessidade e vontade de viver intensamente cada momento da carreira deve-
se ao fato de que a carreira esportiva pode ser um período relativamente curto
ou de alguma instabilidade, pois o atleta pode ser repentinamente afastado de
treinos e competições devido a uma lesão. Também relata que envelhecer é
um processo difícil para um atleta de alto nível:
73
À época da entrevista, Paula era dirigente do Centro Olímpico de São Paulo.
Apresentação e Interpretação das Narrativas
Socorro Dantas
171
(…) você não sabe, pode ser uma contusão que te tire da sua profissão, pode ser que
você não esteja rendendo mais o que você rendia. Com trinta e poucos anos um atleta
já é tachado como velho. (…). É um período muito curto, você vive intensamente (…) o
esporte é ingrato, a gente tem que parar cedo.
Paula avalia que ainda foi muito longe no tempo em que jogou.
Considerava-se que fisicamente ainda estava bem, mas outras coisas a
fizeram encerrar a carreira de atleta:
(…) foram várias causas que me fizeram deixar as quadras, eu acho que ainda tinha
técnica, tinha físico, mas eu não tinha cabeça pra conviver com as gerações mais
novas, (…) elas queriam viver algumas coisas que eu já tinha vivido, e dizia “não vá
por esse caminho porque esse caminho não dá certo, vamos pro outro”, mas quando a
gente joga a gente acha que…, então eu comecei a conviver com cabeças de faixas
etárias diferentes da minha (…) então comecei a perder um pouco a paciência.
Percebe-se, pelo excerto acima, a dificuldade de convivência que Paula
teve com outras gerações de atletas, por ser mais experiente e mais velha.
Com a sua experiência de atleta, foi difícil conviver com outras pessoas que
ainda teriam um longo percurso a percorrer e muito a aprender no esporte.
Essa foi uma das causas da desmotivação de Paula, que contribuíram para a
sua decisão de parar de jogar.
A ex-atleta afirmou que procurou não se diferenciar na parte do
treinamento físico, talvez por isso não tenha se sentido segregada por ser mais
velha:
(…) Eu nunca senti, mas talvez (…), mesmo porque eu fazia o treinamento que uma
de 19 anos fazia, que uma de 18 fazia. (…) Fazia o treino todo, não tinha um
treinamento específico, então nunca senti isso, não.
Apresentação e Interpretação das Narrativas
Socorro Dantas
172
Paula afirmou que não percebeu os efeitos deletérios do processo de
envelhecimento na dimensão física. Porém sentia que nem sempre suas
experiências de atleta mais velha eram aceites pelo grupo:
Eu não sentia isso na parte física não; comecei a sentir essa diferença mesmo de
conviver com gerações mais novas que eu, e como o mais novo a gente sempre vai
bater cabeça para aprender, talvez a gente não precisasse bater a cabeça se a gente
escutasse os mais velhos, mas isso é do ser humano.
Para Paula, a dimensão mais afetada do seu envelhecimento foi a
psicológica, o que dificultou a sua convivência como atleta com as gerações
mais novas no esporte:
Acho que foi a parte psicológica que me pegou mesmo, de não ter mais paciência para
conviver com algumas coisas. Eu achava tão mais simples do que era e não podia; a
minha opinião não era tão válida para aquela geração.
Sobre as perdas físicas decorrentes do processo de envelhecimento,
Paula afirma não se incomodar, e não compartilha a exacerbação atual de culto
ao corpo:
Eu não sou encanada com isso não, eu acho que tem tantas coisas mais importantes
que isso, seu interior, sua cabeça, eu acho que tem mais coisas que isso. Eu acho que
a gente vive hoje num mundo da exploração do físico (…), eu acho que tem tantas
coisas mais importantes do que isso. Claro que hoje eu digo: eu fiz um esporte em alta
performance, além do meu limite, hoje eu quero qualidade de vida.
Paula descreveu como percebe o seu processo de envelhecimento:
Apresentação e Interpretação das Narrativas
Socorro Dantas
173
(…) quando a gente tem vinte anos acha que quem tem quarenta, cinquenta anos é
velho. Hoje, eu estou com 47, e sou uma menina (…). Acho que é você enxergar de
uma maneira diferente, não envelhecer como algo que seja um fardo que você tem
que carregar. Então é a maneira que você enxerga a velhice, o que ela te traz de bom
(…), as rugas vão existir, vai cair aqui, vai cair lá, mas eu acho que o que te traz de
coisas boas é muito melhor, muito melhor.
A ex-atleta afirmou que lida bem com o seu processo de
envelhecimento, não sente a idade que tem, e envelhecer é um processo
natural que proporciona maturidade.
As benesses do envelhecimento
Paula fala sobre os ganhos com o processo de envelhecimento. Refere
que mesmo tendo passado trinta anos jogando, procurou encontrar novas
habilidades para desenvolver após o seu afastamento das quadras. Reflete que
envelhecer também é aprender novas coisas e agregar valores à vida:
(…) a gente às vezes tem qualidades que desconhecia mesmo fazendo por trinta anos
uma coisa só. Depois você percebe que tem qualidades que jamais imaginaria. Então
eu acho que envelhecer é saber conviver com o envelhecimento. Que o
envelhecimento seja algo que esteja agregando na sua vida de algo mais sereno, de
algo mais tranquilo, de sabedoria (…). Eu só ganhei com o envelhecimento. Eu não
sinto ter perdas, muito pelo contrário, acho que cada dia é um aprendizado novo, cada
dia você se desperta para alguma (...). E a gente precisa ter saúde para fazer isso,
então assim, eu acordo todo dia e peço pra ter saúde, porque você tendo saúde vai
conseguir fazer o que você quer no seu tempo, no seu momento, na sua intensidade.
Apresentação e Interpretação das Narrativas
Socorro Dantas
174
Paula se preocupa em envelhecer com saúde para envelhecer bem e
conseguir fazer as coisas que deseja. E cita a sua mãe como exemplo de
alguém que envelhece bem:
São aprendizados em momentos diferentes, distintos. Eu vejo minha mãe uma mulher
muito ativa, tem 73 anos, e é preciso pedir para ela parar de fazer as coisas. Ela faz
trabalho voluntário, pega o carro dela, mora sozinha. Eu quero ser parecida com a
minha mãe em muitas coisas, sim.
Paula foi ainda mais longe, na entrevista, e nos deu algumas
sugestões sobre coisas que podemos aproveitar e valorizar com o passar dos
anos, procurando aproveitar o tempo individual e crescer como ser humano:
O pessoal mais velho hoje começa a ler mais. Provar um bom vinho; não se aborrecer
por coisas muito pequenas; valorizar a sua saúde, que ela começa a ser
imprescindível quando o tempo vem chegando; qualidade de vida; você ter o seu
tempo de sono, seu tempo de descanso; fazer algo que te agrade. Então eu acho que
o tempo vem trazendo tudo isso. Quantas vezes a gente não acorda mal-humorada e
vai mal-humorada para os lugares. Quanto tempo perdido com esse mau humor, com
essa falta de compreensão com as coisas, da compaixão com as coisas.
A decisão de parar
Ainda no que concerne ao término da sua carreira esportiva, na
perspectiva de Paula, cada atleta deve saber qual a hora de parar a sua
carreira, ouvindo seu próprio corpo:
Eu acho que para cada um há um momento. Tem aqueles que não sabem a hora de
parar e ficam ridículos. Então, é muito complicado, porque quem está ao seu redor
Apresentação e Interpretação das Narrativas
Socorro Dantas
175
sempre fala: “Vai, que dá mais”, e você vai na onda, só que não está dando mais. Já
não tem a mesma performance que tinha (…).
Paula parou de jogar aos 38 anos de idade, e revelou como se preparou
para essa decisão:
(…) uns dois anos antes, quando eu estava com uns 36 anos, comecei a fazer terapia.
Porque eu sempre gostei de ter os ex-atletas como algo que eu olhasse e falasse
assim: “Isso quero fazer, isso não quero fazer”, e percebi que tinha muito ex-atleta que
quando parava gastava tudo que tinha ganhado, que ia beber, ou ia se drogar. E falei:
“Eu não quero, eu quero me preparar para que esse day after não seja tão agressivo”.
Aí comecei a fazer terapia. Um dia eu tava uma sessão de terapia e falei para a minha
terapeuta - eu tinha acabado o campeonato estadual e ia começar o nacional tinha
mais seis meses de contrato - eu falei: “Eu acho que não quero jogar mais”. Falei pra
ela: “Vou lá falar com os dirigentes do meu time que eu não quero começar esse
campeonato que vai iniciar”. Estava totalmente digerido isso na minha cabeça.
Paula, de certa forma, procurou se preparar para parar de jogar. No caso
da ex-atleta, a terapia foi um suporte na sua decisão de parar. Outro fato que
chama a atenção é que Paula decidiu parar quando ainda poderia ir mais além
na sua carreira; parou ainda estando no auge da sua vida esportiva.
(…) quando você fala que “Vou parar”, resolve e comunica, no dia seguinte você fala:
“E agora? Quem sou eu? O quê que vou fazer?” Porque eu vivi 28 anos fazendo isso,
22 jogando pelo Brasil, e assim falei: “E agora? Será que sou boa pra fazer outra
coisa? Será que eu vou fazer tão bem outra coisa que escolher?” A primeira sensação
que vinha era assim: “Eu quero aposentar, eu quero não fazer mais nada”. Então, você
não consegue, com 38 anos você está no auge de ser útil, e você não consegue. Mas
pra mim foi super bem digerido, porque fui eu que escolhi esse momento. Acho que
muito mais difícil quando você tá contundida e fala: “Será que conseguiria jogar
mais?”. Ou que alguém encerra a carreira por você e fala: “Oh, tá despedida do time,
Apresentação e Interpretação das Narrativas
Socorro Dantas
176
não quero mais, você não tem mercado, acabou”. Como fui eu que escolhi, foi muito
mais fácil, foi muito mais digerido isso.
Pelos excertos anteriores, percebe-se que Paula tem noção da
preparação que fez e da importância dessa preparação. No seu entender, o
processo talvez tivesse sido mais difícil se ela não tivesse se preparado para
isso, como também a decisão pessoal de parar foi fundamental para esse
equilíbrio no processo de afastamento.
Sobre o apoio aos atletas que deixam de competir, Paula sabe da
existência de outros atletas que, por falta de um apoio e de uma preparação,
não ficaram bem:
A maioria dos atletas da minha geração que eu convivi, não só do meu esporte, de
vários outros, tem muita gente mal, mal de grana, mal por esse momento, mal. Não
tem essa preparação para o depois, entendeu?
Assim, constata-se, que para muitos atletas a necessidade da
preparação e de uma orientação é essencial a fim de que tenham equilíbrio
para terminar a carreira.
O PRESENTE
Paula parou de competir profissionalmente aos 38 anos de idade.
Relativamente a essa fase da sua vida, a ex-atleta afirmou que consegue viver
bem longe dos holofotes, e que o fato de nem sempre ser reconhecida pelas
gerações mais novas não a preocupa:
Eu convivo hoje com uma situação que é um aprendizado maravilhoso, porque
conforme o tempo vai passando, menos pessoas te reconhecem, então assim, a
Apresentação e Interpretação das Narrativas
Socorro Dantas
177
molecada de 10, 12 e 15 anos já estão mais distantes… Então é a mãe que gosta, é o
avô que gosta. Eu tô na fase do avô: “Ah meu avô é teu fã” |risos|. Então é, mas é legal
isso, porque é um processo que você tem que ir trabalhando dentro de você, de falar
assim: “Olha o que eu fiz como eu fui”, eu digo que, pros meus amigos assim: “Se vocês
me virem falando assim: “Ah sabem que eu sou?”, podem me internar, que eu estou
louca. Eu agora estou tentando me realizar no que eu faço hoje, como gestora esportiva
pública e tal. Foi legal, ficou marcado, a gente não pode ficar vivendo do passado.
Paula contou que consegue viver bem longe dos holofotes, não sente a
necessidade de ser reconhecida e procura viver bem o presente, sem se apegar
a um passado de glória:
Eu sempre fui uma pessoa muito “bicho do mato”, nunca fui de estar na mídia, de ter
esse interesse de aparecer. Assim, a gente convive muito melhor dessa forma. Você
não está na rua preocupada com quantas pessoas vão te reconhecer.
Uma das coisas que parece ter conquistado, após o seu afastamento
das competições e treinos, foi a liberdade para gerir o seu próprio tempo, com
espaço inclusive para o lazer, como ilustra o excerto seguinte:
(…) hoje eu digo, que hoje eu mando no meu nariz. Quem mandava no meu nariz
antes era o clube. “Hoje nós vamos treinar tal hora, de manhã e à tarde; amanhã nós
vamos viajar tal hora, vamos jogar em tal lugar tal hora”. A gente teve torneios que foi
natal e réveillon, então, assim, não tem data, está treinando (…). Não tem uma vida.
Hoje, se eu quiser na segunda-feira falar: “sábado eu tô indo pra praia”, eu vou pra
praia (…). No esporte você não consegue fazer isso.
Apresentação e Interpretação das Narrativas
Socorro Dantas
178
Lazer e exercícios físicos
Paula declarou, durante a entrevista, que como lazer costuma ir à praia
e ao seu sítio (em Piracicaba – SP), nos finais de semana. E sobre os exercícios
físicos diz que sente necessidade dessa prática, acredita que é importante
continuar fazendo uma atividade, mas tem de ser por prazer, e sem o cunho da
obrigatoriedade:
Eu faço corrida, jogo Basquete às vezes às quartas-feiras aqui, já fiz pilates até o ano
passado, faço natação (…). O corpo pede, a gente se sente melhor, dorme melhor, tem
vontade de se alimentar adequadamente. Agora, nunca ninguém vai me pegar: “Ah eu
vou correr 10 km, porque não sei o quê”. Eu vou correr o tanto que me dê prazer, a hora
que tiver cansada e falar “Eu não quero mais”, vou parar, porque minha vida inteira foi
isso: “Tem que correr 30 minutos, tem que fazer 12 km, tem que…”. Eu não quero mais
isso pra mim; sei que eu preciso fazer uma atividade física para a vida, agora essa coisa
exagerada, além do que eu posso, eu não faço mais.
Sobre as sequelas físicas decorrentes da sua vida de atleta, Paula sente
que é o preço que se paga por excessos de treinamentos e competições:
Estou com uma artrose no joelho, eu tenho que conviver com ela, por isso a natação
melhora a vida. A corrida já tá me custando um pouco, então eu estou tendo que fazer
algumas coisas que supram a corrida (…). Virão mais sequelas, daqui a pouco vão ser
as costas, a coluna, mas é isso, é o preço, né?
As sequelas decorrentes de um passado de grandes esforços físicos
revelam-se no presente da ex-atleta, dificultando ou limitando algumas das
suas atividades físicas atuais. Nesse sentido, afirma sentir os efeitos do
excesso de esforço do passado e da passagem do tempo na dimensão física:
Apresentação e Interpretação das Narrativas
Socorro Dantas
179
(…) antes ia fazer uma “noitada”, ou ia à casa de um amigo, e ficava até duas horas
da manhã; no outro dia acordava linda, agora (…). Sol? A gente pegava sol que nem
louca; hoje você não se expõe mais da forma como era antes. Então acho que é mais
o físico mesmo que você vai sentindo as reações.
O trabalho atual e a rotina
Quando se referiu ao seu trabalho no presente, Paula falou novamente
sobre o que aprendeu no seu passado de atleta, ou seja, a importância de
trabalhar em equipe, e afirmou que não se vê trabalhando de outra forma:
(…) se tiver que fazer qualquer trabalho que esteja sozinha, que não tenha uma
equipe, com mais pessoas agregando e somando àquilo que eu proponho a fazer, eu
acho que não seria feliz.
Observa-se que Paula trouxe para o seu trabalho atual o mesmo
pensamento de atleta, no que diz respeito à importância do trabalho em grupo,
da força de uma equipe. À data da entrevista, Paula era diretora do Centro
Olímpico de São Paulo e tinha fundado uma ONG (Organização Não
Governamental), e também fazia palestras em empresas. Ela fala sobre essas
suas atividades:
O Centro Olímpico recebe jovens de sete a 17 anos que a gente trabalha em 10
modalidades. Nós temos 850 jovens aqui treinando, e são talentos; então são jovens,
não são sócios de um clube grande que tenha equipes. Eles vêm pra cá e passam por
testes, e acabam competindo pelo centro olímpico. Então eles disputam campeonatos
estaduais, nacional.
A ONG é um foco mais social, é lúdico. A gente tem seis grupos hoje; entre interiores
e a capital, nós atendemos 600 crianças nesse instituto.
Apresentação e Interpretação das Narrativas
Socorro Dantas
180
(…) tenho as minhas palestras em empresas. Eu faço uma analogia entre uma equipe
de esporte e o comportamento de trabalho dentro de uma empresa, chama “Minha
Empresa Meu Time”. Tem semanas que eu tenho que viajar pra uma palestra, mas o
meu dia a dia é aqui, no Centro Olímpico.
SOBRE O FUTURO
Paula não mencionou planos para o futuro, mas percebe-se em alguns
momentos da entrevista que seu desejo é ter saúde para continuar fazer as suas
atividades. Ou seja, envelhecer com qualidade.
3.1.3 A narrativa de José Luiz Barbosa (Zequinha Barbosa)
O atleta
José Luiz Barbosa, conhecido no âmbito esportivo como Zequinha
Barbosa, nasceu numa família de seis irmãos, sendo ele o quinto, na cidade de
Três Lagoas – Mato Grosso do Sul/Brasil, no dia 27 de maio de 1961 (à data
da entrevista tinha 48 anos) 74. Zequinha Barbosa – optamos por usar a
alcunha pela qual é conhecido - foi atleta da modalidade Atletismo, na
especialidade de meio-fundo.
Zequinha fez parte de um período frutífero do meio-fundo brasileiro. Fez
parte da Seleção Brasileira de Atletismo, participou de diversos Campeonatos
Nacionais (Brasil); quatro Jogos Olímpicos; nove Campeonatos Mundiais; três
Jogos Pan-Americanos. Tornou-se um dos maiores meio-fundistas no mundo,
ficando entre os dez melhores atletas do mundo por nove anos consecutivos.
Foi ranqueado como número 1 do mundo em 199175.
74
A entrevista com Zequinha Barbosa aconteceu no dia 8 de julho de 2009, na cidade de São Paulo. 75
Mais informações sobre o currículo esportivo do Zequinha, ver anexo 7.
Apresentação e Interpretação das Narrativas
Socorro Dantas
181
PASSADO
As experiências no esporte
O início da vida desportiva – incentivos, referências, apoios
Zequinha iniciou a entrevista falando do seu começo como atleta na
cidade onde nasceu. Relata que o Atletismo surgiu na vida como uma forma de
melhorar a sua condição de criança muito pobre. O ex-atleta é categórico
quando diz que essa sua condição social foi o principal incentivo para entrar no
mundo esportivo:
Na realidade não houve incentivo, na época, (…) Sabe qual foi o maior incentivador?
Foi a pobreza. Por ter sido uma pessoa pobre, eu sempre sonhei um dia: “E se eu
fosse um médico, um engenheiro, ou qualquer coisa desse gênero…”, ou qualquer
outra coisa que eu fizesse, a primeira pessoa que eu iria ajudar seria a minha mãe.Fiz
da pobreza um instrumento para vencer na vida. A fome me proporcionou muita coisa,
eu não via como algo ruim, eu via como algo positivo para eu poder vencer.
Na realidade social de algumas regiões do Brasil, é comum a muitas
pessoas o sonho de melhorar economicamente e ajudar a família. Como no
caso de Zequinha, que viu o esporte como uma forma de melhorar a sua
condição de vida e proporcionar uma vida melhor para os seus.
Ele acredita que a vontade de ser atleta foi uma bênção divina:
(…) eu jogava Handebol, jogava Beisebol e correr era um forte meu, (…) Esse
incentivo foi algo assim divino, foi algo meu mesmo, foi a minha vontade de querer ser
atleta, dada por Deus, que foi o meu maior incentivo (…).
Apresentação e Interpretação das Narrativas
Socorro Dantas
182
Zequinha relatou que a sua vontade e a grande perseverança o
conduziram, e reconhece que seu maior exemplo de determinação e
perseverança foi a sua mãe, em quem ele se espelhou:
(…) a minha mãe foi uma incentivadora sim, ela foi o meu maior exemplo no qual eu
me espelhei. (…) Quando eu vim para o esporte a minha mãe se tornou o meu maior
guia. Porque nela eu vi o exemplo de determinação de perseverança, ela me ensinou
como proceder. Então, ela foi o meu maior exemplo de valor importante para eu me
tornar um grande atleta. Porque além dela me dar o talento genético, ela me tornou
isso (…).
Além da sua mãe, que foi um exemplo na sua vida, Zequinha confessa
que no esporte as suas referências foram grandes estrelas do Atletismo:
(…) o maior exemplo pra mim na época foi quando o João do Pulo bateu o recorde do
mundo, no salto triplo em 1975. A gente se espelhou no João do Pulo. Como também
um cubano chamado Alberto Juantorena, que na época correu pra ganhar os 400, 800
metros. Foi uma coisa que me impressionou.
Além dos exemplos citados, o ex-atleta refere que a Educação Física,
disciplina obrigatória na fase em que ele frequentou a escola, também foi
relevante na sua carreira de esportista e contribuiu para descobrir e incentivar
grandes talentos esportivos brasileiros que surgiram na sua geração, tanto no
Atletismo como em outros esportes:
(…) despontou um monte de atletas, porque era obrigatório, porque a criança tinha
que ir para a escola e fazer um esporte (…). Com a Educação Física obrigatória, eu fiz
vários esportes, e o Atletismo era o meu melhor e, com isso, eu me destaquei. Então
eu acho que através desse processo… porque pode ver que uma grande geração de
Apresentação e Interpretação das Narrativas
Socorro Dantas
183
atletas olímpicos no Brasil veio desse período. Acho que o maior incentivo, hoje, pra
gente revelar atleta é tentar fazer algo em relação à Educação Física, para que ela
possa ser muito bem-feita na escola.
Zequinha reconhece a relevância do professor de Educação Física no
incentivo para desenvolver o gosto pelo esporte, assim como para descobrir e
contribuir para o desenvolvimento de novos talentos. E lembrou os professores
que o incentivaram no início da sua carreira de atleta:
(…) o Nilton José da Silva era um professor que incentivava o esporte na minha
cidade; o professor Marinho, na minha escola; e o professor Paulão. Esses três
grandes professores de Educação Física, pelo amor e pelo carinho que tinham pelo
esporte, nos motivaram, nos incentivaram, nos guiaram. (...). E José dos Santos
Primo, que foi a pessoa que idealizou o sonho olímpico em mim.
Quando Zequinha diz que foi o José dos Santos Primo quem alimentou o
sonho olímpico, é porque esse referido técnico acreditou e investiu no talento
daquele jovem atleta.
A primeira competição
Zequinha recorda a primeira competição de que participou, relembrando
a alegria de ganhar a medalha e como esse fato foi marcante na sua vida:
Aconteceu em 1972, eu corri oitocentos metros, o salto em altura, eu tinha 12 anos de
idade. Foi muito engraçado porque no final do ano fizeram uma homenagem e eu fui
um dos atletas que ganhou medalha, que teve destaque, eu corri bem e tudo, fui o
único que ganhou medalha na escola, isso foi muito bacana. E uma coisa que me
marcou muito foi que eu ganhei duas medalhas e cheguei muito contente para a minha
Apresentação e Interpretação das Narrativas
Socorro Dantas
184
mãe, feliz que tinha ganhado duas medalhas. Depois de muito tempo, ela foi a um baú
que tinha guardado essas medalhas e falou assim: “Olha, essas aqui foram as suas
primeiras medalhas, essas medalhas marcaram porque você chegou bastante feliz da
escola mostrando aquilo pra mim, no pescoço”.
Zequinha disse que já não se lembrava dessas medalhas quando a mãe
lhe mostrou. Nesse fato observa-se o orgulho da mãe pelo filho, pois guardou
as suas primeiras medalhas como algo precioso. O ex-atleta relata como se
sentiu quando viu novamente aquelas medalhas e percebeu o grande
significado que elas tiveram para sua mãe:
(…) mostrou ali o quanto uma alegria de um filho marca uma mãe. Aquela medalha
simbolizou para ela o significado da minha alegria, de ter feito ela feliz. Foi muito
interessante a forma como ela colocou, não foi só importante porque eu ganhei a
medalha, ela não olhou a cor da medalha; se era de prata, ouro ou bronze, não
importava; o que importou foi a felicidade que eu me encontrava, aquilo é que marcou.
O ex-atleta afirmou emocionado que esse foi um dos momentos mais
importantes, não só da sua carreira, mas da sua vida.
Características individuais e valores
Como já referido, Zequinha se descreve uma pessoa perseverante e
decidida, características relevantes em um atleta, como ele mesmo relata:
Perseverança. Querer sempre. Coragem, o que a coragem faz com você? Faz você
acreditar naquilo que todos pensam que é impossível.
Zequinha se diz uma pessoa individualista, no sentido de resolver o
problema quando depende dele; por isso acha que a modalidade que praticou
Apresentação e Interpretação das Narrativas
Socorro Dantas
185
no Atletismo, por ser individual, foi ideal. Esse pensamento fica claro na sua
fala:
Eu sou muito intenso; se vou jogar com você e você não fizer o gol, eu vou brigar com
você, porque eu acho que todo mundo tem que correr igual, dar o cacete igual, eu não
aceito. Eu acho assim: que a equipe, por mais que seja equipe, tem sempre os que…
Deus me botou no esporte certo. Que dependia de mim. Eu era um leão pra treinar.
Zequinha é uma pessoa que apresenta uma atitude determinada diante
da vida, como revela a sua história. Isso ficou evidente nos nossos contatos
iniciais como também durante a entrevista.
Experiências marcantes na carreira de atleta
Zequinha nos falou dos episódios relevantes da sua vida de atleta. Um
desses momentos aconteceu quando se consagrou campeão estadual do Mato
Grosso do Sul, e pelo seu desempenho foi convidado para competir em São
Paulo, o que significou um grande acontecimento para sua carreira. Também
relatou o sacrifício que teve de fazer para conseguir praticar o esporte que
mudou a sua vida:
Aconteceu em 1978, eu fui campeão estadual do Mato Grosso do Sul. Nessa
competição, eu fui tão bem que o professor José dos Santos Primo me convidou para
fazer uma competição em São Paulo. Naquela época, sair de Três Lagoas, no Mato
Grosso do Sul, e vir para São Paulo era algo extraordinário. Eu competi e não fui muito
bem, estava sem treinar, e eu achava que jamais essa pessoa ia me chamar, mas
aconteceu. E a maior dificuldade foi que quando ele falou: “No final do ano, quando
você terminar o colégio, você vem prá cá”. Assim, no final do ano, eu, com muita
vergonha, porque a minha mãe não tinha dinheiro e eu também não tinha, eu fui até a
Rede Ferroviária Federal, que tinha um trem de passageiro que saía da minha cidade
Apresentação e Interpretação das Narrativas
Socorro Dantas
186
para Bauru - São Paulo, conseqüentemente passava em Araçatuba. Eu fui lá ver quem
estava na escala - porque na cidade de Três Lagoas a gente sabia quem eram os
cobradores, numa cidade pequena a gente conhecia todo mundo - então, fui ver a
escala e saber quem era o cara que estava escalado naquele dia pra eu poder viajar;
se ele viesse me cobrar, ele já sabia quem eu era e não ia cobrar, e assim ocorreu. Eu
fui, e cheguei a Araçatuba; estava um pouco envergonhado, não queria falar com ele
(treinador), mas, finalmente, Primo disse: “Vamos lá à pista”. O Primo falou assim pra
mim: “Você está pronto pra vir?” Eu disse que estava. Eu não tinha falado a verdade
para a minha mãe, eu disse pra minha mãe que ia visitar uma prima da minha mãe.
Com um saco, a roupa dentro. Aí eu fui morar debaixo do ginásio e aí eu comecei a
minha caminhada olímpica.
No excerto a seguir, percebe-se na fala de Zequinha que a força movida
pela necessidade do que é básico para o ser humano o impulsionou a sair da
sua cidade e buscar uma melhor condição de vida. Essa perseverança levou-o
mais além, levou-o à revelação de um grande atleta:
O treinador me levou pelo meu talento pessoal, pelo meu talento genético, mas eu fui
para o esporte para comer, porque ele me deu condição de comer, eu fui para o
esporte porque era bom, eu fui para o esporte para ter a condição de me alimentar.
Dentro do atletismo eu vi que eu podia melhorar a minha condição do dia a dia, mas
primeiro eu fui comer. Eu falei para a minha mãe: “Mãe a senhora não se preocupe
não porque eu tenho um lugar para comer e para dormir”.
A fala do Zequinha revela as dificuldades de uma criança pobre para
iniciar uma carreira no esporte. Mas, revela também a sua capacidade de luta e
a sua força de vontade para vencer na vida. Desse modo, o esporte significou
para Zequinha a possibilidade de mobilidade social, uma porta de saída da
pobreza, mas que implicou, como tal, um empenho realmente muito grande
porque para nessa mobilidade é necessário ser o melhor.
Apresentação e Interpretação das Narrativas
Socorro Dantas
187
Zequinha tinha as características ideais para se tornar um atleta das
provas de meio-fundo, e relata que foi o treinador que percebeu essas suas
qualidades para determinadas provas do Atletismo. Zequinha descreve essas
suas características no excerto a seguir:
Esse meu primeiro treinador, José dos Santos Primo, que me levou para Araçatuba,
me levou no intuito, inclusive, de correr os 1.500 metros, chegando lá pra correr 800,
1.500. Ele viu a minha característica de velocidade e acabou mudando, eu acabei
entrando para os 800 metros. O meu perfil longilíneo, o físico, me levou para essa
especialidade. Pelas minhas características, eu não tinha a velocidade nata, e também
eu não tinha a velocidade de um corredor de 400 puro, forte; eu tinha a velocidade
ideal de 400, que para um corredor de 800 era excepcional.
Para um atleta se desenvolver bem e obter sucesso no esporte que
pratica, é relevante um treinador competente que perceba as qualidades desse
atleta e o direciona para uma modalidade adequada ao seu perfil e às suas
qualidades físicas.
De acordo com a fala de Zequinha, o seu treinador tinha convicção de
que ele seria um grande atleta e começou uma preparação a longo prazo com
o objetivo de participar de uma Olimpíada no futuro:
José dos Santos Primo chegou para mim, mostrou a foto de grandes atletas da época
e falou assim: “Esses atletas aqui são bons, mas se você treinar, você pode ser tão
bom, igual a eles. Eles chegaram nos Jogos Olímpicos, se você treinar, você também
vai chegar”… Ele falou isso com uma convicção tão grande! Ele me apresentou ao
prefeito, aos vereadores, às autoridades do esporte da cidade de Araçatuba como o
atleta olímpico de 1984.
Apresentação e Interpretação das Narrativas
Socorro Dantas
188
No momento em que o treinador vaticinou o futuro do corredor, faltavam
seis anos para as Olimpíadas de Los Angeles. E assim, durante esse tempo,
Zequinha se preparou para a sua primeira participação em Olimpíadas, que foi
no ano de 1984, na cidade de Los Angeles:
(…) eu tive seis anos para me preparar para a Olimpíada. Eu de alguma forma
alimentei aquilo e acreditei que com os resultados, com as competições juvenis, que
eu, de fato, poderia chegar ao sonho olímpico. Eu determinei que sim, eu poderia estar
ali sendo o melhor, e aí o que aconteceu foi muito rápido, porque num período de
cinco anos eu saí do resultado baixo, ruim, e fui para uma Olimpíada. Então é uma
progressão muito rápida para um atleta do nível de onde eu saí.
Zequinha acreditou no sonho olímpico e trabalhou com dedicação e
perseverança para alcançar o objetivo de fazer parte da equipe que
representou o Brasil nas Olimpíadas de 1984. Percebe-se a importância da
organização e disciplina para conquista de um sonho; no caso de Zequinha,
seu percurso foi idealizado e trabalhado durante um longo período de tempo,
com um objetivo de participar de uma Olimpíada.
As competições relevantes e as medalhas extraordinárias
O sonho de muitos atletas é chegar ao patamar olímpico, fazer parte da
elite de atletas. Zequinha conta-nos a realização desse sonho, da sua
participação em uma Olimpíada:
Foi na Olimpíada de 1984. Realizar aquele sonho olímpico, de estar ali representando
uma nação, um país todo, né? E eu que sonhei lá em Três Lagoas simplesmente usar
o esporte para estudar, fazer uma série de coisas, quando eu cheguei ali era um
sonho realizado. Você estar entre os melhores, dentro do maior evento esportivo que
tem no mundo. O Brasil tem 180 milhões de habitantes, e você naquela época, a
Apresentação e Interpretação das Narrativas
Socorro Dantas
189
delegação não chegou a cento e quarenta atletas do país todo, você tá aí, entre
aquela delegação. Um grupo seleto, específico, especial de atletas é escolhido para
representar o seu país e você faz parte de um grupo desses!! É algo inexplicável, sem
falar que você está ali diante dos melhores atletas do mundo; então é muito bacana.
Para o ex-atleta, o esporte proporcionou muito mais do que imaginava.
Além de uma melhor condição de vida, levou-o a ser um destaque no mundo
esportivo, e a realização de um sonho que é de muitos atletas, a participação
em uma Olimpíada. Nessas Olimpíadas, Zequinha chegou à semifinal nas
competições da sua modalidade.
Também falou sobre as importantes medalhas que conseguiu ganhar na
carreira de atleta, e confessou que uma das mais importantes foi a medalha de
ouro que ganhou no Pan-Americano de 1995. O ex-corredor relatou a emoção
daquele momento:
É uma emoção muito grande! Você imagina que vem de um país que é considerado
do Terceiro Mundo, você compete com os melhores do mundo e você lá é o primeiro!
Leva o seu país ao mais alto patamar do pódio! Tem como explicar? Sabe que é uma
coisa interessante, é uma coisa que você fica meio anestesiado. Você não sabe se
chora ou se ri. E ainda eu, que não era favorito, acabei chegando de surpresa e
ganhei a prova. Aí você para e pensa… rapaz! Toda aquela dedicação ao
treinamento…
Como outros ex-atletas entrevistados para este estudo, Zequinha nos
revelou o que sentiu naquele momento em que recebeu a medalha. Lembrou
que naquele momento passou na sua cabeça o filme da sua vida, os
sacrifícios, os treinamentos e as renúncias que teve de fazer para conseguir
chegar àquele lugar no pódio.
Apesar de considerar que a sua participação nas Olimpíadas tenha sido
a realização de um sonho e que foi uma grande felicidade ganhar a medalha de
Apresentação e Interpretação das Narrativas
Socorro Dantas
190
ouro no Pan-Americano, para Zequinha a competição mais importante foi o
Troféu Brasil de 1983, pois a partir daquela competição a sua vida mudou
completamente:
A competição mais importante para mim foi o Troféu Brasil de 1983, aqui no
Constância Vaz Guimarães, no Ibirapuera (São Paulo), quando eu ganhei e fiz a
melhor marca do mundo. Ali eu dei uma virada de 1800 na minha vida. Foi ali que eu
fui para os Estados Unidos, ganhei bolsa.
Zequinha ganhou uma bolsa para ir estudar e treinar nos Estados
Unidos, o que lhe proporcionou um grande salto na sua carreira e uma
mudança total na sua vida.
O ex-atleta também refere outro momento importante e emocionante na
sua vida de corredor, o momento da sua despedida das pistas de competições:
Bom, a última foi aqui no Brasil, quando eu corri a minha ultima competição no Troféu
Brasil. Em 2000, quando eu me despedi e tudo.
No Troféu Brasil no ano de 2000, Zequinha tentava se classificar para
sua quinta Olimpíada e não conseguiu índice olímpico, sendo eliminado na
semifinal daquela competição.
Neste momento da entrevista, observamos no semblante e na fala do
ex-atleta uma melancolia ao falar da sua despedida.
A competição mais difícil
Dentre todas as competições de que participou, Zequinha considera que
a Olimpíada foi a mais difícil e relata os motivos:
Apresentação e Interpretação das Narrativas
Socorro Dantas
191
A Olimpíada é difícil porque você está ali com os melhores, o grau de ansiedade, o
grau de pressão, o grau de responsabilidade, tudo é uma coisa muito intensificada, é
tudo muito rápido, uma coisa que você espera de quatro em quatro anos e você tem
menos de dois minutos para decidir a tua vida. Então é essa a mais difícil, sem dúvida
nenhuma.
No alto nível esportivo todas as grandes competições são consideradas
difíceis, mas para Zequinha a Olimpíada foi a competição que ele considerou
mais difícil pelo significado que esta tem para um atleta.
As prioridades e renúncias
Zequinha explicitou as renúncias que teve de fazer ao priorizar o esporte
como uma carreira, e o equilíbrio emocional necessário para gerir
determinadas situações e a exigente rotina. Ao falar sobre maturidade,
Zequinha comparou, por exemplo, a carreira de atleta com a de ator:
(…) tem que ter esse equilíbrio emocional, ele (o atleta), é ser humano. Aí é mulher
em cima dele e aí, como é que ele faz? Diferente do ator, o ator, ele amadurece com o
tempo; o ator, quanto mais velho, melhor fica. O atleta é o inverso, como é que você
vai ter? Se você não consegue ter uma maturidade de cinquenta anos pra jogar nos
vinte. Então eu acho que difícil mesmo, a fase mais difícil, é você ser atleta pós-treino.
Que é aquela questão disciplinar de você se cuidar no ambiente que você está; não
pode pegar ar-condicionado, não tem que beber gelado, tem que comer na hora certa,
não pode ir pra ali.
Entretanto, Zequinha se resignava, pois sabia que aquela era uma fase
da sua vida e que teria de tirar o melhor proveito dela:
Apresentação e Interpretação das Narrativas
Socorro Dantas
192
(…) eu sabia que aquilo ali, o esporte, era uma fantasia real, por certo período de
tempo. Eu tinha que entender que tinha uma fase na vida que eu não poderia fazer
outras coisas. Então eu tinha que aproveitar o momento de acordo com o que eu vivia.
Aproveitei? Aproveitei. Só que eu ia pras festas assim, né? Na hora que as coisas
começavam a ficar boas eu vinha embora; eram onze horas, eu voltava. Tinha que
dormir, porque eu treinava dia de domingo, só descansava uma segunda-feira no mês.
Só uma segunda-feira por mês. Sabe por quê? O treinador dava descanso no dia de
domingo, só que quando ele descobriu que nós descansávamos no domingo, mas
tínhamos ido pra festa no sábado, ele tirou e botou na segunda, porque não tem festa.
Zequinha falou sobre a importância do sono para a recuperação das
energias:
Porque a pior coisa do atleta não é cansaço físico, é você ficar uma noite sem dormir,
porque você ficar uma noite sem dormir direito, não se recupera sono, sono não se
recupera. E pra nós que não tinha o hábito, levantava cinco horas todo dia…
Zequinha ressaltou que para chegar e ocupar o lugar que ocupou no
mundo do Atletismo teve de abdicar de muitas outras coisas:
É renúncia, você jovem não pode estar curtindo como os outros jovens. É treinar no
frio, na chuva, no calor. Um trabalho árduo, de dedicação, que você se empenhou, e
foi realizado. E aí você fala: “Pôxa, chegar aqui vale a pena”. Valeu a pena a
dedicação… porque, às vezes, a pessoa não sabe se vale a pena. O alto rendimento é
muito difícil, é muito sofrido, porque as pessoas acham que é bacana, ver assim na
televisão e acha que é assim, uma coisa ahhh!
Para crescer no Atletismo foi importante para Zequinha a mudança de
país. Ter ido para os Estados Unidos lhe proporcionou melhores possibilidades
Apresentação e Interpretação das Narrativas
Socorro Dantas
193
na carreira de atleta, e ele revelou o que o levava a seguir em frente e a
ultrapassar as adversidades, e mais uma vez fez referência a perseverança
para ultrapassar os obstáculos:
Perseverança. Querer sempre. Coragem, o que a coragem faz com você? Faz você
acreditar naquilo que todos pensam que é impossível. Você tem que acreditar naquilo
que todos acham impossível. Eu saí daqui (Brasil) tava 420, quando cheguei lá
(Estados Unidos), estava 40 abaixo de zero. Um lugar que só chovia… muito frio. Eu
tive que superar uma cultura e uma língua diferente, que é a americana, o frio, dor de
treinamento, saudade de família, longe dos amigos, tudo pelo um ideal, o ideal
olímpico.
Na perspectiva do ex-atleta, as pessoas não imaginam o sacrifício que
um atleta faz para chegar a um pódio olímpico e/ou mundial. Zequinha acredita
que qualquer sacrifício vale a pena quando se consegue ficar entre os
melhores do mundo naquela modalidade esportiva que se pratica.
Para Zequinha, a fase mais difícil da carreira desportiva ocorre quando
se consegue chegar ao topo, pois a dificuldade maior é permanecer no nível
alcançado:
Por incrível que pareça, a fase mais difícil é quando você chega ao topo. Porque para
chegar muitos chegam, mas manter no topo, quando tem um monte de gente boa que
vem vindo, é a fase mais difícil, é aonde você tem que ter a maior preocupação.
Porque quando você vem galgando, você vem com vontade, porque você quer chegar
lá. Quando você chega lá, como é que você mantém aquela motivação, sabendo que
tem um monte de gente ali em cima? Essa é a parte mais difícil.
A competição no alto nível esportivo é acirrada, e permanecer entre os
melhores por longo período de tempo demanda muito esforço e equilíbrio.
Apresentação e Interpretação das Narrativas
Socorro Dantas
194
A rotina como atleta profissional
Zequinha descreveu como organizava a sua rotina, e como já planejava
o seu futuro:
Organizava para o que era importante; estudar, por exemplo, era importante, mas
naquele momento o Atletismo era quem dava o meu ganho, então eu estudava de
uma forma adequada porque sabia que depois dali eu precisava ter uma educação,
então eu me organizava.
Pela fala do ex-atleta, percebe-se que ele já se preparava para quando
parasse de competir, estudando e pensando em futuros papéis que poderia
assumir. Com esses planos organizava o seu dia em função do treinamento e
do estudo:
Tinha que treinar de manhã e tarde. Eu estudava na Universidade dos Estados
Unidos. Como eu tinha que estar oito e meia na Universidade, eu levantava as cinco e
fazia o meu treino pela manhã, ia pra Universidade, voltava, à tarde treinava, e aí à
noite fazia o trabalho de escola. Eu morei sozinho, eu cozinhava, eu que fazia tudo.
Zequinha descreve o rígido treinamento a que se submetia para conseguir
bons resultados nas competições:
É punk, punk, punk. É difícil, você tem que concentrar, é pauleira todo dia. Eu fazia
uma média de cento e quarenta, cento e sessenta quilômetros por semana, seiscentos
abdominais por dia.
Apresentação e Interpretação das Narrativas
Socorro Dantas
195
Como outros ex-atletas entrevistados para este estudo, Zequinha se
referiu ao alto nível de exigência nos treinamentos, quando se faz parte de um
seleto grupo de atletas. Relatou que teve uma fase do seu treinamento em que
só tinha um dia de folga por mês, mas naturalmente diz:
No alto nível é assim.
Para reforçar o que significava a exigente rotina de treino de um atleta
de elite como ele, Zequinha faz referência a outro grande nome do Atletismo
mundial:
Emil Zátopek foi um dos maiores corredores, um tcheco, que dizia assim: “É preciso
treinar forte para competir fácil”. Então eu treinava forte, que era para competir fácil.
Porque eu acho que competir era a hora do show time.
Para Zequinha, na hora da competição era o momento de mostrar
porque era considerado um dos melhores no que fazia, e por isso a competição
deveria ser só prazer, ou como ele mesmo disse aquele momento era a hora
do “show”. Zequinha foi mais além ao falar sobre o momento da competição e
descreveu como era a sua concentração antes e durante a corrida:
Eu, quarenta e oito horas antes não conversava, eu me concentrava. Você faz toda
uma filmagem da corrida, de ritmo. Porque a vida é um ritmo, quem não tem ritmo, não
consegue fazer nada na vida. Seu olho pisca em um ritmo, o seu coração bate em um
ritmo, o seu sangue flui em um ritmo, o cantor pra cantar tem que ter ritmo, o atleta pra
saltar ele tem que ter um ritmo. Se você não tem ritmo… Então eu me preocupava em
concentrar no quê? No ritmo, que era tudo para mim. Então, eu me tornei um
estudioso de ritmo. Porque isso foi uma coisa fundamental, o meu ritmo era tudo,
então não importava o que acontecesse dentro da corrida, eu estava focado no ritmo,
Apresentação e Interpretação das Narrativas
Socorro Dantas
196
eu não perdia isso, eu sabia onde tinha que aumentar, onde era que eu tinha que
diminuir, onde eu tinha que sair, isso é ritmo. E isso foi uma coisa benéfica para mim.
Zequinha também fez referência aos cuidados que tinha com a
alimentação e o repouso, itens fundamentais na rotina de um atleta. Enfatizou a
importância do aquecimento físico, que para ele minimizava o risco de
possíveis lesões tanto nos treinos como nas provas:
E outra coisa que foi muito importante pra mim é que eu fui um atleta que procurava se
alimentar muito bem, descansava muito bem e treinar muito bem. E eu alongava
muito, eu aquecia direitinho pra evitar lesão.
Sofrer lesões é um dos medos de muitos atletas, pois uma lesão pode
diminuir o rendimento, provocar um afastamento temporário ou definitivo da
carreira esportiva, resultando num forte abalo psicológico.
Dificuldades na carreira esportiva
Para o atleta que chega ao topo na modalidade que pratica, é difícil a
compreensão de que sempre haverá uma dualidade entre os momentos de
glória, prestígio, boa condição física, entre outras benesses, e outros
momentos difíceis, como quando acontecem as derrotas, as lesões, a fuga de
patrocínio e, consequentemente, a diminuição do prestígio.
- As lesões
Zequinha relata que sofreu poucas lesões na sua vida de atleta:
Apresentação e Interpretação das Narrativas
Socorro Dantas
197
Em 25 anos de carreira, praticamente tive quatro lesões só. No alto rendimento é
muito difícil. Eu fui considerado um atleta assim, eu sou considerado o 30 melhor atleta
de consistência de resultado na história dos 800 metros no mundo. Eu fui considerado
pela EAP (Europe Athlétisme Promotion), um dos vinte melhores do mundo no meio-
fundo, e isso pelo fato de que eu tive poucas lesões. Eu sou o único atleta que ficou
nove anos consecutivos entre os dez melhores do mundo.
Os atletas sempre querem buscar o máximo, e às vezes, pelo excesso
de treinamento ou mesmo um treinamento inadequado pode provocar lesões. E
um histórico de muitas lesões dificilmente permite que o atleta permaneça
saudável e no topo. Nesse sentido, Zequinha se considera um privilegiado, pois
sofreu poucas lesões na sua carreira esportiva.
- As derrotas
Zequinha foi um dos entrevistados que não fez referência direta as
derrotas nas competições. Entretanto, percebe-se que, no seu discurso, que
quando tratou da sua ultima participação no Troféu Brasil, do qual foi eliminado,
esse foi um momento difícil da sua carreira. Com aquela eliminação da
competição, Zequinha não pôde ir adiante e participar da Olimpíada seguinte.
O sucesso e as recompensas
Zequinha demonstra gratidão por o esporte ter lhe proporcionado muitas
oportunidades e tantas coisas boas, quando afirmou:
Viajei o mundo inteiro, na Europa eu só não fui para a Albânia e Bulgária, devo isso ao
esporte. Você está aqui me entrevistando, devo isso ao esporte; morei, estudei, formei
nos Estados Unidos, devo isso ao esporte; as minhas filhas são nascidas nos Estados
Unidos, devo isso ao esporte. Aprendi outras línguas, devo isso ao esporte. Ganhei
dinheiro, devo isso ao esporte. Se eu realizei muita coisa na minha vida, eu devo isso
Apresentação e Interpretação das Narrativas
Socorro Dantas
198
ao esporte. Quando eu terminei, eu fechei um ciclo, que eu falei: “Rapaz, eu sou uma
pessoa privilegiada”. Eu fico emocionado porque poucas pessoas conseguem, de fato,
ter esse privilégio de Deus. Eu acho que muitos gostariam de ter corrido da forma
como eu corri e da forma como eu representei o país. Sair de Três Lagoas para matar
a fome e chegar onde eu cheguei, então fui longe demais, né? O esporte me deixou
um legado muito importante. O de poder realizar algo que poucos poderiam realizar.
Dar para a minha mãe tudo aquilo que ela queria: a minha mãe foi cinco vezes para os
Estados Unidos, a minha mãe foi para a Europa. Então eu acho que devo isso ao
esporte; então, quando eu perdi a minha mãe, eu fiquei uma pessoa muito tranquila;
quando a minha mãe faleceu foi antes da Olimpíada de 1996. Quando fui ao túmulo
dela, eu não saí com aquela coisa: “Ah! Eu deveria ter feito, eu poderia ter feito...”.
Tudo o que eu dei para a minha mãe foi bom, um ser humano digno, que merecia, eu
agradeço isso ao esporte.
No relato de Zequinha, é explícita a sua gratidão ao Atletismo, por lhe ter
proporcionado mudança de vida e a possibilidade de ajudar a sua mãe. Dentre
tantos atletas pobres no Brasil, ele se considera um privilegiado por ter
conseguido mudar a sua vida através do esporte.
As relações com os amigos, treinadores, federação e mídia
Zequinha fez referências às boas relações que estabeleceu no meio
esportivo:
Eu sempre fui um cara tranquilo; gosto de contar piada; o meu treinador, ele não foi
treinador: ele foi pai, irmão, psicólogo, amigo - Luís Alberto de Oliveira. A gente vê a
situação de quando a gente era jovem, disputando com os melhores atletas dos outros
países, recordista mundial, e conseguir ir a uma final… Ele ficava mais nervoso do que
nós, quer dizer, nós fomos cobaias dele. Eu tenho um privilégio, junto com o Joaquim
e o Agberto76, de fazer parte de um sistema de trabalho, porque o meu treinador, o
76
Joaquim Cruz e Agberto Guimarães são ex-atletas renomados no Brasil e contemporâneos de Zequinha.
Apresentação e Interpretação das Narrativas
Socorro Dantas
199
Luís Alberto de Oliveira, ele não copiou do russo, ele não copiou do italiano, ele não
copiou do americano, ele criou o seu método de trabalho, e nós fomos as cobaias
dele. E hoje ele é um dos maiores treinadores do mundo e tem a nós como referência.
Então você fazer parte de um projeto deste, de um cara lançar três atletas jovens e lá
desafiar as grandes nações, como os Estados Unidos, que já estavam na frente, como
os britânicos, o Sebastian Coe, que já tinha corrido muito, e nós fomos lá. Ele botou
três “ratinhos” de laboratório para dar certo. Então… o relacionamento era
excepcional. Com a mídia nunca tive problema nenhum, graças a Deus, sempre tudo
tranquilo.
Zequinha admitiu que com a Federação de Atletismo sempre manteve
uma boa relação, porém ele foi uma pessoa que muitas vezes incomodava.
Pois era um atleta exigente no sentido de querer sempre melhores condições
para que o Atletismo se desenvolvesse no Brasil e que fosse um esporte
reconhecido e valorizado, pois é um dos esportes que muitas medalhas deu ao
país:
A relação sempre foi boa. Mas eu fui um cara muito contundente, eu sempre briguei
pelo melhor, para melhorar do atletismo. Hoje o Atletismo melhorou por- que muita
coisa alguém tem que falar. Usava a mídia e falava mesmo, eu não estava mentindo, a
verdade tem que ser dita. E tanto melhorou, que hoje a Confederação Brasileira de
Atletismo, os atletas da atualidade, que estão aí, desde as categorias menores até os
adultos, estão muito bem, são amparados. Eu acho que ainda falta muita coisa a ser
feita, mas pra realidade brasileira, acho que melhorou muita coisa dentro do Atletismo,
assim, na questão de infraestrutura. Eu já fui a uma competição em que nós tínhamos
que emprestar o uniforme, eu tinha que competir com uma cor de uniforme diferente,
porque não tinha.
A percepção de Zequinha sobre a forma como o Atletismo é visto no
Brasil em relação aos outros esportes é que, como ele, quem o pratica tem um
diferencial:
Apresentação e Interpretação das Narrativas
Socorro Dantas
200
Atletismo, ele é primo pobre do esporte. Ele não tem muita coisa, embora o esporte
que mais deu medalha Olímpica para o país, mas ele é um esporte difícil, até porque
quem faz Atletismo é pobre, né? Pra sofrer aquela dor ali tem que o cara ser meio
sofrido, senão não aguenta.
Motivação e desmotivação na carreira esportiva
Para Zequinha, a melhor fase e de maior motivação foi o início da
carreira, quando tudo era novidade:
A melhor é a fase que você está crescendo, fazendo resultado, tudo é alegria; você
faz resultado, é “ah!” Alegria. Essa é a melhor fase, porque você tá fazendo resultado
e você viaja e você muda de estágio, é uma festa.
Entretanto, o que o motivou a entrar e permanecer no sacrificado mundo
do esporte de alto nível foi, como já referido, a necessidade e a vontade de
melhorar a sua condição de vida:
Eu não tinha escolha. Eu me lembro, quando eu saí de casa a minha mãe falou assim:
“Meu filho, nunca olhe para baixo, sempre para cima, porque o mesmo Deus que é
dos outros é Deus seu também e um dia Ele vai olhar para você também. Se não der
certo, a sua casa é aqui”. Mas quando eu saí, eu falei que não ia voltar enquanto eu
não conseguisse... Porque eu sou um destinado ou sou um derrotado? E, a minha
mãe sempre me mostrou, nunca eu vi a minha mãe perder um desafio, o único desafio
que a minha mãe perdeu foi o dia que Deus chamou. Fiz da pobreza um instrumento
pra poder vencer na vida. A fome, ela me proporcionou muita coisa, eu não via como
algo ruim, eu via como algo positivo para eu poder vencer.
Zequinha mais uma vez demonstra sua fé e agradece a Deus por ter
conseguido tantas coisas:
Apresentação e Interpretação das Narrativas
Socorro Dantas
201
Nunca reclamei, fui à luta, fui treinar, nunca reclamei. Porque eu acho que Deus
coloca a gente aqui pra alguma razão. Eu tinha que passar por aquilo que eu tinha que
passar. Ele (Deus) me deu saúde, me deu o dom de correr, me deu uma mãe que me
deu amor, carinho, uma família unida e que me orientou pra chegar aonde cheguei. Eu
só tinha que fazer a minha parte, né?
A decisão de parar
A desmotivação foi o fator que impulsionou Zequinha a se afastar das
pistas de Atletismo como atleta, como deixa explícito no excerto a seguir:
Você sabia, nunca preocupei para parar, quando eu tava motivado, nunca passou pela
minha cabeça parar. A partir do momento que eu vi, acho que agora é a hora, aí eu
estava perdendo o foco, estava mais difícil.
A decisão de parar e saber qual é momento mais indicado é difícil para
um atleta de sucesso. Zequinha fala sobre essa marcante decisão na sua vida:
Parei porque era o momento certo; eu acho que a idade tá na tua cabeça, eu parei
porque era o momento. Um volume muito grande tem que ir, as minhas filhas
crescendo. Era a hora de parar, né? Tem que saber parar. De verdade, eu acho que
assim é o esporte, ele é motivação, ele é o amor. Então quando começa a entrar na
sua cabeça outros tipos de coisas pra te motivar, então aí você perde o foco, é a hora
de você sair.
Percebe-se no relato de Zequinha que a decisão de parar aconteceu
quando na sua vida surgiu a necessidade e a vontade de desempenhar novos
papéis; no seu caso, acompanhar de perto o crescimento das filhas parece ter
Apresentação e Interpretação das Narrativas
Socorro Dantas
202
sido um forte fator que contribuiu para a decisão de interromper a sua carreira
de atleta. O ex-atleta acredita que quando a motivação muda o foco para
outros objetivos, o atleta tem de refletir e saber a hora de parar. Zequinha
afirmou que estabeleceu um limite para isso:
Foi um limite que eu coloquei. No Troféu Brasil, quando eu não consegui ir, ali diante
da competição eu me despedi.
E acrescentou como se sentiu no outro dia, após ter tomado essa
decisão tão importante:
Foi normal, porque eu no outro dia ainda me considerava um atleta, né?
Fisiologicamente falando, só o cérebro que falou: agora você não treina mais, né? As
minhas pernas falaram assim: ai que alegria |risos|.
Zequinha relata que nos primeiros tempos, após a decisão de parar,
sentiu falta da rotina de treinamentos, e para manter a forma física continuou
treinando, mesmo sem competir:
Quando eu parei, até o final do ano eu continuei treinando. Aí, no ano seguinte, eu
finalmente larguei, sosseguei.
Para Zequinha, não foi o seu processo de envelhecimento que o levou a
querer parar. Na entrevista, ele disse se sentir tão bem fisicamente que tinha
vontade de competir novamente. Entretanto, a rotina a que um atleta tem de se
submeter é um fator desmotivante para ele pensar nessa possibilidade:
Apresentação e Interpretação das Narrativas
Socorro Dantas
203
Você tem que saber o seu limite. Eu me sinto tão jovem quando eu estou treinando
agora e dá até vontade de voltar a competir. Estou treinando bem. Eu não vou
competir porque eu não acho que aquela rotina...
Mesmo tendo programado a sua saída das competições, Zequinha
revelou que essa foi uma decisão difícil:
É o momento de parar, você ter essa consciência. Quando eu fui parar, agora acabou,
né? Acabou, é isso, foi difícil...
Quando Zequinha decidiu parar de competir tinha 38 anos de idade.
O seu processo de envelhecimento - perdas e benesses
O excerto a seguir mostra uma reflexão que ele faz sobre a questão do
tempo e de envelhecer no esporte, as perdas e os ganhos:
A diferença, eu acho que foi a seguinte: quando você é jovem, você se empolga com
algumas coisas fáceis e você desconcentra fácil. Quando é jovem: “Ah! eu tenho
tempo”. Tudo você fala que tem tempo, você joga pro tempo, você responsabiliza o
tempo, mas o tempo, ele é agora, ele passa rápido, ele não volta, então isso que a
gente não tem quando é jovem. Você, velho, dá valor ao tempo. Quando você tá
maduro, você tem que bater ali. Quando você tá jovem, você perde: “Eu tenho tempo,
na hora que eu tiver tempo, tiver motivado, eu vou”. Quando você tá maduro você tem
que bater ali.
Para o ex-atleta, o tempo é fator fundamental quando se percebe que a
vida útil como atleta ganhador diminui, e os momentos devem ser
potencializados, pois não há mais tempo a perder.
Apresentação e Interpretação das Narrativas
Socorro Dantas
204
Porém, para Zequinha, a percepção do envelhecimento não foi o fator
que o fez parar de competir:
Estava bem, parei porque era o momento certo. Eu acho que a idade tá na tua cabeça,
eu parei porque era o momento, pôxa! Um volume muito grande (de treinamento).
Tenho que ir, as minhas filhas estão crescendo. Era a hora de parar, né? Tem que
saber parar.
Embora o ex-atleta tenha explicitado que não foi o envelhecimento o
responsável pelo seu afastamento das competições, porém, como outros
entrevistados, com o amadurecimento Zequinha sentiu vontade de mudar o
rumo da sua vida e assumir novos papéis.
Ao continuar falando sobre o processo de envelhecimento, Zequinha
embora tenha dito que se sentia bem fisicamente quando parou, reconhece
que a passagem do tempo é inexorável para as qualidades físicas e que o
corpo sente os efeitos:
Você sente isso, é óbvio. Senti assim, lógico, é porque ele tá relacionado até com o
fator psicológico, porque o psicológico é tudo. E você começa a desfocar e aí você
começa a sentir, porque você não faz treinamento com qualidade, o corpo já tá muito
tempo malhando, então você sente a diferença, sim.
Zequinha relata que um atleta mais velho, ao competir com os mais
jovens, utiliza seu potencial de experiência, a maturidade e sua base como
atleta:
Você usa a experiência, você usa do próprio treinamento, você usa o lastro que você
tem, a tua base, para obter resultados. Você treina menos com qualidades bem
Apresentação e Interpretação das Narrativas
Socorro Dantas
205
maiores (…). Então eu tinha uma base melhor do que o moleque mais novo (atleta
jovem), então um pouco de treino surtia efeito. Eu já tinha um fator positivo do meu
lado, que era a experiência e o lado psicológico, isso é muito forte. O lado psicológico
é melhor, você não treme na hora que tem que tremer. A molecada quando me via: “O
cara ali, pô”. Isso foi até em nível de mundo, atletas de outros países quando me viam,
tá ali, tá na prova, os caras se preocupavam.
Percebe-se na fala do entrevistado o orgulho de ter sido um dos
melhores do mundo, e que isso proporcionava respeito, admiração e causava
preocupação em outros atletas mais jovens por competirem numa mesma
prova que ele.
O PRESENTE
Sobre a sua condição física na época da entrevista, Zequinha disse se
sentir bem e que fazia exercícios físicos apenas para manter a forma. Porém,
acredita que ainda é capaz de fazer uma prova de Atletismo em um bom
tempo:
Eu ainda treino, treino para manter a forma. Se você fala: “Zequinha, você vai correr,
eu quero que você faça 400 em um minuto”, eu entro naquela pista e eu sou capaz de
fazer em um minuto, um minuto e pouquinho, mas eu chego lá pertinho.
Após o afastamento das competições, Zequinha, que já havia cursado
Educação Física, continuava morando naquele país (Phoenix, Arizona), e não
se afastou do mundo esportivo. Na data da entrevista, Zequinha trabalhava na
preparação física de atletas da NBA77. Ele se iniciou nessa função treinando
um jogador de Basquetebol do Brasil que se encontrava nos Estados Unidos
jogando pela NBA. O jornal Diário de São Paulo, no dia 25 de janeiro de 2010,
77
National Basketball Association
Apresentação e Interpretação das Narrativas
Socorro Dantas
206
publicou: “O ex-corredor Zequinha Barbosa prepara jogadores da NBA para
ganhar força e velocidade”. A nova função do ex-atleta tem proporcionado o
sucesso a que ele se acostumou quando da época de atleta.
SOBRE O FUTURO
No final da nossa entrevista, em São Paulo, Zequinha deixou sua
opinião sobre os sonhos e o envelhecimento:
Quem não sonha não consegue. É através do sonho que a gente chega a
algum lugar. Eu acho que a idade tá na cabeça. Acho que este negócio do
envelhecimento teria que ser tratado melhor.
Alguns dias após a entrevista, Zequinha, muito gentilmente, enviou para
a entrevistadora um e-mail que dizia que o seu futuro já estava acontecendo,
como mostra o texto a seguir:
Meu futuro já esta acontecendo, aqui vai um folder da minha empresa aqui nos
Estados Unidos. Eu e dois amigos criamos a AES uma empresa de gerenciamento
esportivo, a AES Sports Agency. Trabalho com condicionamento físico para atletas de
alto nível, atleta de nível olímpico, e pessoas que querem ficar em forma e ter
qualidade de vida.
Grande abraço,
Zequinha.
Apresentação e Interpretação das Narrativas
Socorro Dantas
207
3.1.4 A narrativa de Montanaro
O atleta
José Montanaro Júnior, conhecido no âmbito esportivo como Montanaro,
nasceu em São Paulo – Brasil, no dia 29 de junho de 1958 (à data da
entrevista, tinha 51 anos) 78. Ex-jogador de Voleibol fez parte, no Brasil, da
famosa “geração medalha de prata”, membro do grupo de jogadores de
Voleibol que ganhou a medalha de prata nas Olimpíadas de Los Angeles em
1984. Montanaro jogou pela Seleção Brasileira de Voleibol, em 304 jogos;
ganhou 13 campeonatos do estadual de São Paulo; 11 campeonatos
brasileiros; 12 campeonatos sul-americanos e um campeonato mundial. No
Brasil, jogou pelo Clube Atlético Paulistano, Clube Atlético Pirelli e pelo Esporte
Clube Banespa. No exterior, jogou pelo G. S. Edileuoghi da Itália. Montanaro foi
também o criador do saque chamado viagem ao fundo do mar79.
As experiências no esporte
- O início
Montanaro iniciou a entrevista revelando como aconteceu a sua
iniciação no esporte, as suas primeiras experiências ainda na infância, na rua,
com os amigos:
Eu comecei a vida esportiva na escola, mas na minha época nós íamos para a escola
somente aos sete anos. Mas até os sete anos eu já fazia esporte de uma maneira
informal, ou seja, eu morava na periferia de São Paulo. Nós tínhamos muitos campos
de futebol de várzea80, tínhamos lagoas, tínhamos rio. Tinha muito espaço para você
poder fazer atividade, então, a gente participava de várias competições assim
informais, principalmente de futebol que foi onde eu comecei. Eu sempre gostei de
78
A entrevista com Montanaro aconteceu no dia 7 de julho de 2009, na cidade de São Bernardo do Campo – São Paulo. 79
Para mais informações sobre o currículo esportivo do Montanaro, ver anexo 9. 80
Várzea – é uma planície cultivável, geralmente perto de um rio (Ferreira, 1999).
Apresentação e Interpretação das Narrativas
Socorro Dantas
208
correr, apostávamos corridas, é, uma vila contra a outra vila, valendo flâmula, esse
tipo de coisa.
Na sua narrativa, Montanaro se referiu a um cenário que hoje é quase
inexistente nas grandes cidades brasileiras, os espaços naturais para as
crianças brincarem, principalmente os “campinhos de futebol”. Algum tempo
atrás existia espaço para se jogar futebol nas cidades. Jogava-se a bola nos
campos de várzea, nas calçadas, nas ruas de chão batido. Onde existia espaço
livre, havia crianças brincando e naturalmente os jogos de Futebol ocorriam.
Grandes craques do Futebol brasileiro iniciaram suas vidas esportivas nesse
cenário. Com o crescimento urbano, esses espaços foram desaparecendo e,
consequentemente, as brincadeiras e os jogos de rua.
Montanaro relembrou que depois de entrar na escola é que teve contato com o
esporte estruturado, e falou das suas sensações sobre essa prática:
(…) depois na escola, logicamente, através da Educação Física, foi quando tive o
primeiro contato formal com o esporte, através do professor de Educação Física, mas
eu sempre fui apaixonado, sempre gostei muito da competição, do esporte; sentia-me
muito seguro, sentia vigor físico.
Relatou que o incentivo para a prática esportiva sempre existiu na sua
família, desde a infância, o que contribuiu para desenvolver o seu gosto pelo
esporte:
Meu pai sempre foi muito para o mar, para a praia, onde aí você também tem contato
com mergulho. Então sempre fui um esportista nato, vamos dizer assim; depois da
escola, eu fui aprimorando.
Apresentação e Interpretação das Narrativas
Socorro Dantas
209
Montanaro falou sobre a relevância do contato com diversos esportes na
infância, para o desenvolvimento motor da criança:
O ideal é que você conheça o Basquete, o Handebol, a Natação, o Atletismo e
principalmente algumas modalidades como a Natação, como o Atletismo e a
Ginástica, são fundamentais para o desenvolvimento da habilidade motora pra
enriquecer o repertório motor da criança, do adolescente.
O ex-atleta revelou que o Voleibol, o esporte em que brilhou, foi uma das
últimas modalidades em que teve contato na escola, e que antes disso praticou
vários esportes:
A última modalidade que eu tive contato foi o Vôlei, eu fazia praticamente de tudo, eu
fazia muito, eu gostava demais de Atletismo, eu fazia prova de velocidade, salto a
distância, salto triplo, salto em altura, arremessos, fazia Basquete e Futebol e o que eu
mais gostava era o Handebol. Na minha adolescência eu me identificava muito com o
Handebol, gostava muito do Basquete também, mas o Handebol, por ter o gol, e eu
me identificar, comecei a treinar essa modalidade. Conseguia ter um destaque na
esfera escolar, nos campeonatos escolares me destacava.
E contou como aconteceu o seu contato com o Voleibol e do preconceito
que teve de enfrentar:
E quando eu estava saindo do Handebol da escola para o do clube, foi quando um
professor me obrigou a compor um time de Vôlei da escola. E aí a importância de um
professor de Educação Física, porque o Vôlei daquela época, isso foi em 1974, eu
tinha de 16 para 17 anos, e existia um tabu que o Vôlei era esporte das meninas, era
afeminado, que homem que era homem, menino macho, não joga Vôlei. Tanto que o
professor obrigou. Ele foi ao time de Basquete, de Handebol e pinçou alguns
Apresentação e Interpretação das Narrativas
Socorro Dantas
210
jogadores para compor um time de vôlei masculino da escola, e eu fui um dos
escolhidos. E aí me apaixonei pelo Vôlei, adorei, comecei a jogar, a me dedicar, aí não
parei mais.
Note-se que até a década de 80, o Voleibol era um esporte pouco
valorizado no Brasil, além de carregar a conotação de que se tratava de um
esporte “para meninas”, enquanto o Futebol seria a prática “dos
meninos”. Montanaro foi de encontro a essa forma de pensar, e gostando do
esporte, procurou ultrapassar esse preconceito.
- As referências, os apoios
Montanaro relata que no seu início de vida no esporte, a referência da
sua família foi fundamental, tanto no desenvolvimento do gosto pelo esporte,
como já referido, como no apoio para seguir em frente e do orgulho que eles
sentiam:
Adoravam, adoravam! Eu não era um destaque na sala de aula, porque eu terminava
a aula e ia pra rua, pra jogar, pra brincar e tal, mas eu era um destaque no esporte,
então já era um esportista. Meu pai fez Remo, Boxe, e eles me incentivaram muito, e
como eu ia bem, eles se sentiam ainda mais honrados de ver o filho e tal. Então me
incentivaram muito, sempre me incentivaram, meu irmão também, eu tenho um irmão
[mais novo dois anos que Montanaro], ele sempre também foi esportista, gostava de
jogar Handebol, depois Vôlei. Então eu sempre tive incentivo muito grande da família.
Os tios também começavam a acompanhar os jogos. Ah! meu sobrinho! E aquela
coisa toda. Então eu gostei muito, sempre gostei muito, e aí só fui fazer crescer.
Com esse discurso fica bem evidente a importância do apoio familiar para a
prática de uma modalidade esportiva. No caso do Montanaro o fato de o pai,
como também de o irmão praticarem esportes, mostra que existia no ambiente
familiar um clima propício para o desenvolvimento do gosto pelo esporte.
Apresentação e Interpretação das Narrativas
Socorro Dantas
211
Características e valores individuais
Montanaro revela pela sua trajetória ser uma pessoa obstinada, que
lutou muito pelo que queria. Com talento, empenho e espírito de equipe, ele se
transformou numa das estrelas da história do Voleibol no Brasil:
Eu sempre fui muito disciplinado e focado, então quando eu quero uma coisa eu jogo
minhas energias naquilo ali, eu só vou atrás daquilo.
Montanaro acredita que essa sua forma de ser foi lapidada com as
experiências que teve e, sendo que no caminho que percorreu para crescer no
Voleibol foi fundamental para essa perseverança.
Teve outro lado muito importante no Voleibol e na minha vida, que embora não tenha
servido o Exército, como nós não tínhamos recursos, sempre quem nos acolhia eram
as Forças Armadas, ou o Exército ou Marinha ou Aeronáutica. Já na seleção juvenil, o
técnico era um major do Exército, o assistente era da Marinha e o preparador físico da
Aeronáutica. Então, nós tínhamos uma rigidez militar muito forte, isso era muito
patente na gente… Nós dormíamos nos quartéis, a alimentação era dos soldados,
fazíamos ordem unida, hastear a bandeira, aquela coisa de valorizar muito a pátria, os
símbolos nacionais, essas coisas todas; então me sinto muito regrado com relação a
isso. Você aprende a respeitar todos os seus adversários, você aprende a respeitar, a
se respeitar, a respeitar os companheiros, a respeitar, a respeitar a diversidade, a
respeitar a opinião diversa da turma.
Fica patente na fala do Montanaro que muitos dos seus valores que
vieram da sua formação na família, como cumprimento de regras,
perseverança, coragem, o esporte ajudou a aprimorá-los. De fato, a descrição
efetuada no excerto anterior demonstra que o ambiente em que ocorriam os
treinos e as pessoas envolvidas foram elementos fundamentais para ressaltar a
Apresentação e Interpretação das Narrativas
Socorro Dantas
212
importância do respeito pelos outros e, nomeadamente, pelo adversário, bem
como a relevância da disciplina para alcançar os objetivos propostos pelo
esporte e pelo atleta.
As prioridades e renúncias
Nesta parte da narrativa, destaca-se aquilo que Montanaro conta sobre o
que teve de abdicar, não sendo, no entanto, sentido como perdas:
Eu poderia ter tido uma adolescência mais adolescente, sem tanta responsabilidade;
eu acredito que eu não tenha deixado de fazer muita coisa. Talvez não com a
intensidade que se faz. Eu sempre fui muito feliz com relação a isso, eu fui formatado,
educado, dentro do esporte do alto rendimento.
A saudade foi um sentimento com o qual ele teve de conviver. Por ter
escolhido jogar em outro país, Montanaro disse que sentiu muito a falta da
família:
Eu sofri em relação à saudade, eu sempre fui muito apegado, a família, sempre fui
muito próximo. Eu lembro na Itália quando eu fiquei lá dois anos, passava períodos
assim de três, quatro, até seis meses sem ver a família, eu varava às vezes a noite,
pra matar o tempo, escrevendo, não tinha e-mail. Então eu ficava escrevendo cartas,
escrevia trechos, cochilava, escrevia mais um pouco, terminava no outro dia, era um
sofrimento. Então, isso pra mim foi doloroso, essa parte foi muito dolorosa, eu
estivesse onde estivesse ou no paraíso, o sentimento era o mesmo.
Não raro, por exigência própria da carreira esportiva, no tocante às
horas de treinamento, às viagens constantes, às concentrações, o atleta se
distancia da família e dos amigos. Assim, solidão e a saudade são sentimentos
Apresentação e Interpretação das Narrativas
Socorro Dantas
213
constantes em atletas de elite. Para crescer na carreira, os atletas têm de
aprender a conviver com esses sentimentos, e de modo que não afete seu
rendimento.
A rotina como atleta profissional
Além dos sentimentos expressos no ponto anterior, Montanaro descreve
como procurava conciliar a sua exigente rotina de atleta com outras dimensões
da sua vida:
Eu resumia da seguinte maneira: “eu tenho uma vida profissional que me toma muito
tempo, que depois virou uma profissão, e eu me dedico integralmente a ela; então a
programação que for feita no ano, então se esse ano a gente vai ter campeonato
paulista, brasileiro, sul-americano, mundial de seleção, treinamento e tal,
concentrações, isso aqui eu não abro mão de nada, não abro mão”. Aí o resto eu
encaixava, encaixava a escola, a família, o lazer. Chegou uma época que eu era tão
tomado por tudo, os compromissos, as viagens etc. Eu não tinha carro, adolescente,
um garoto que sonhava em ter carro, pobre, não sabia se ia conseguir comprar um
carro, chegou um momento que eu podia ter um carro do ano, zero, o melhor que
tivesse na época, mas eu viajava tanto, que eu não parava em casa. Pra quê eu ter
carro?
Descreveu, ainda, como era a sua rotina de treinamento e as
dificuldades que tinha que superar:
Era uma loucura: treinava em média de seis a oito horas por dia na quadra. Treinava
na parte da manhã, almoçava, dormia à tarde, tomava um lanche e ia treinar o
segundo período; depois, comer e dormir. Era basicamente essa rotina. Tanto que
quando a gente estava naquele frenesi de viagem, muitas vezes eu não sabia em que
hotel, em que cidade que eu estava. Chegava do aeroporto, às vezes ia direto para o
Apresentação e Interpretação das Narrativas
Socorro Dantas
214
ginásio, do ginásio ia para o hotel, comia, dormia, era o jogo, jogava, viajava no dia
seguinte. Era essa a rotina, então, raramente tinha um meio dia livre. A pior parte sabe
qual era? Era a do aquecimento, porque você saía do estado, vamos dizer tranquilo,
para começar aquecer, e aí a fase mais difícil é o aquecimento, que começa a doer
tudo, e as dores vêm; às vezes tá frio… Nossa! Aquecer no frio começa com dor,
depois que o metabolismo ele acelera, você tem ali adrenalina, aí você vai.
Episódios e experiências marcantes
Montanaro contou que daquela época, o início da sua vida esportiva, ele
guarda a lembrança de alguns episódios que marcaram o seu início como
jogador:
Quando eu estava no ensino elementar, no primário, eu me lembro que nessa época
eu jogava Handebol, eu já era um destaque do time da escola, só que existia meio que
uma guerrinha, da Educação Física com a sala de aula. E a sala de aula tinha na porta
de entrada um visor de vidro, e a professora ministrando a aula, e tinha um jogo. Um
dia que tinha um jogo, e eu sabia que a professora não ia me liberar, eu combinei com
o professor de Educação Física que quando fosse o momento de sair pro jogo, ele iria
lá à sala, ele sabia onde eu sentava, e faria um sinal, que era o momento de eu sair
pro jogo. Ele fez o sinal, eu disfarcei, pedi para ir ao banheiro e não voltei mais pra lá.
E fui jogar, e depois eu levei uma advertência da professora, da diretora; no fim,
terminamos eu e o professor de Educação Física na sala da diretora, para justificar a
minha ausência, mas pelo menos não perdemos o jogo. Outro episódio foi quando o
professor Osvaldão foi ao treino de Handebol e pediu permissão pro professor de
Handebol, dizendo que ele estava fazendo a seleção de Vôlei, e que ele iria escolher
alguns atletas ali do Handebol, e todos nós ficamos ali, não querendo ser escolhido, e
eu me lembro que ele fez alguns testes físicos ali com a gente, e eu fui um dos
escolhidos, então esse dia também pra mim marcou muito porque os que não foram
depois ficaram fazendo aquela palhaçada, gestinhos, por conta do preconceito. Então
esses dois fatos marcaram muito.
Apresentação e Interpretação das Narrativas
Socorro Dantas
215
Montanaro, por formação, estava habituado a respeitar as regras, pela
vontade de jogar transgrediu as regras da escola e teve coragem suficiente
para enfrentar o preconceito de amigos e colegas em relação ao esporte que
agora praticava. Para o ex-atleta esses episódios marcaram a oportunidade de
entrada no esporte em que brilhou.
Montanaro, por gostar muito de exercícios físicos e esporte, referiu que
na sua época, e na escola onde ele estudou, a Educação Física não tinha
relevância como disciplina curricular, mas seus pais incentivavam essa prática,
embora percebendo que o jogo estava tomando o lugar do estudo. Ficaram
preocupados com o futuro do filho:
A Educação Física não era uma coisa importante. Meus próprios pais que me
incentivavam, mas quando o esporte começou a ocupar um espaço muito grande da
minha vida, do meu tempo, da minha atenção, ficando difícil conciliar por ter essa
resistência da educação formal que praticamente excluía a Educação Física, esse
conflito todo eu tive ali um pouco de dificuldade. Eu me lembro até uma frase dos
meus pais, que diziam assim: “Ou você vai estudar ou vai carregar pedra pela vida
inteira, jogando bola você não chega a lugar nenhum”. E eles falavam pra mim e para
meu irmão.
Apesar de os pais apoiarem e incentivarem a prática esportiva, quando
perceberam que a dedicação do ex-atleta ao esporte estava tirando o seu foco
do estudo, começaram a querer limitar essa atividade dos filhos. Essa atitude
dos pais de Montanaro pode ser justificada pelo fato que no Brasil, na época
em que Montanaro começou a jogar, fazer do esporte uma profissão era algo
em que poucos acreditavam. Ter uma profissão reconhecida era o sonho e a
preocupação dos pais em relação ao futuro dos filhos.
Na fala do Montanaro ficou explícita essa preocupação que era a sua
realidade:
Apresentação e Interpretação das Narrativas
Socorro Dantas
216
Era por aí, exatamente, tanto que eu sonhava, eu jogava por paixão, por gosto, prazer,
mas profissionalmente eu imaginava ser engenheiro, que eu também gosto muito de
mecânica, e eu estava me preparando pra fazer um curso de engenharia na faculdade.
Montanaro chegou a cursar dois anos do curso de Engenharia, em São
Paulo, mas teve de parar de estudar porque:
Veio a proposta maravilhosa da Itália, pra eu jogar no Voleibol italiano, e aí a minha
carreira tomou outro rumo. Tranquei a faculdade e fiz um contrato longo lá, na Itália.
Montanaro não chegou a terminar o curso de Engenharia, pois resolveu
ir para outra área de estudo e cursar Educação Física:
Ia fazer o curso de Educação Física de Bolonha, mas aí, depois eu voltei pro Brasil. Aí
eu fiz Educação Física aqui no Brasil.
O ex-atleta e professor de Educação Física fez referências às suas
experiências como técnico de Voleibol e como professor de Natação:
Quando eu estava na faculdade, ainda em Santo André, eu dava aula de natação.
Porque a Pirelli era patrocinador da equipe e era uma parceria; como nós temos hoje
aqui Santander e São Bernardo, lá era Pirelli e Santander. Então eu fazia faculdade de
manhã, treinava no final da manhã, era logo após a aula. Depois almoçava, e eu ia dar
aula de Natação no Centro de Educação, que eram unidades da prefeitura e que tinha
uma piscina para crianças, e eu fazia iniciação da Natação com as crianças. Então eu
fiquei lá, uns dois ou três anos dando aula de Natação. E fui técnico de Vôlei em
Módena, na Itália, quando eu jogava.
Apresentação e Interpretação das Narrativas
Socorro Dantas
217
Porém, outra proposta de trabalho considerada mais interessante o
levou a assumir outra função no âmbito esportivo:
Então essa foi uma experiência, porque assim que terminei a minha carreira como
jogador, eu me imaginava sendo um técnico. Eu me preparei para isso, mas aí veio o
convite do Banespa, que agora foi incorporado pelo Santander. Foi um convite da
diretoria pra eu exercer uma função administrativa justamente na parte da gestão, e eu
me apaixonei, porque no Brasil não existia essa função em nenhuma equipe esportiva.
Montanaro explicou que antes, por não haver uma equipe
multidisciplinar, tudo ficava nas mãos do técnico da equipe:
O técnico resolvia tudo, então ele resolvia desde a técnica adequada, como
contratação de jogadores, planejamento de marketing, a coisa era tudo muito
misturada, fazia preparação física. Aí o banco Banespa me convidou, eu me
identifiquei, e a partir daí eu não parei mais.
Talvez o fato de ter feito o curso de Educação Física, aliado, claro, ao
fato Montanaro ter sido atleta do clube, haja contribuído para que o ex-atleta
tenha sido convidado a fazer parte da equipe de gestão do clube.
As competições relevantes e as medalhas extraordinárias
Montanaro volta no tempo e relembra a sua primeira competição no
Voleibol:
Ah! no Voleibol, eu lembro, foi justamente esse campeonato colegial. Fui pela escola,
obrigado, eu saí do Handebol e fui pro Vôlei, e o que eu mais gostei no vôlei, lógico, foi
Apresentação e Interpretação das Narrativas
Socorro Dantas
218
atacar. Como eu tinha o braço muito bem desenvolvido do Handebol, todos os gestos
do Handebol, eu levei isso para o Vôlei. Então, uma das maiores características que
eu tinha, enquanto atleta, desde o início da carreira era uma velocidade de braço
muito grande, que a bola de Handebol é mais pesada, né? Você faz movimentos mais
bruscos, mais fortes, então isso me ajudava bastante; só que nesse primeiro
campeonato eu não sabia nada de Vôlei, tivemos pouquíssimo tempo pra treinar.
Então, quando eu ia atacar as bolas na rede, eu fazia a corrida, e o salto, e o gesto do
Handebol, eu corria, saltava num pé só e já tava no alto e enfiava a bola, só que eu
não sabia fazer o gesto do Vôlei que tinha que quebrar o punho, e a bola ia direto à
tabela! Sabia que tinha de atacar dentro, mas eu não conseguia finalizar o gesto. E,
além do mais, no Handebol eu tinha uma jogada que era justamente essa, que eu
fazia muito como o meu irmão. Nós éramos armadores, ele jogava, levava tudo junto
para um canto da quadra do Handebol; eu ia pela outra lateral e ele lançava a bola na
área do nada, lançava a bola e eu vinha sem bola, corria, saltava pra dentro da área e
eu batia na bola de Handebol como se fosse no Vôlei, sem rede, no gol, e dava muito
certo: era uma pancada, era legal e tal. Então eu tentei fazer isso no Vôlei.
Montanaro fala com saudosismo sobre a importância da sua primeira
medalha, conquistada ainda na escola:
Ah, na escola, sempre na escola. Ah! era orgulho, só alegria; foi com o Handebol, e
naquela fase você conta as medalhas. Então queria dormir na casa da vó, com a
medalha no peito. Levava a medalha no peito, com os amigos, na escola todo mundo
comentava, e depois você começa contar uma, duas, aí na segunda você já quer fazer
um quadro de medalhas (risos).
Outra medalha marcante para o ex-atleta e para o Brasil foi a medalha
que serviu de divisor de águas no Voleibol do brasileiro. Montanaro fez parte da
equipe brasileira de Voleibol a conquistar a primeira medalha de prata em uma
Olimpíada (Los Angeles, 1984). Foi uma época marcante para esse esporte no
Brasil, onde a unanimidade era o Futebol. A conquista da medalha pela
Apresentação e Interpretação das Narrativas
Socorro Dantas
219
geração de Montanaro foi o início da ascensão e modernização do Voleibol no
Brasil, como ele relata a seguir:
É a famosa geração de prata; eu acredito que o maior mérito nosso não foi a medalha,
e sim popularizar a modalidade, e abrir as portas para o público, para o povo
brasileiro, a mídia, os empresários, os investidores, enfim, o Brasil tomou
conhecimento do Voleibol e da sua capacidade para o Voleibol.
Montanaro fala sobre a valorização das medalhas, e os seus
sentimentos em relação a elas:
No início você valoriza muito a medalha, você conta as medalhas; aí você vai
crescendo, você vai se aprimorando, as medalhas vão se acumulando e elas vão
caindo no baú. E você não dá tanto valor a isso, você se torna um profissional, teus
objetivos são outros, as medalhas são só mais algumas que vão aparecer na tua
carreira; a tua carreira vai andando, vai passando, você vai ficando velho, você para
de jogar, e até hoje a gente ganha algumas medalhas. Comemorativas, alusivas de
homenagens. Eu com equipe às vezes ganho uma medalha, e você dá um significado,
você volta a dá aquele significado pra medalha lá do início da carreira, e quando você
tem um filho, isso fica mais evidente ainda. Porque um belo dia as minhas filhas, um
belo dia, elas estavam brincando no baú de medalhas, e elas fuçando ali, e elas foram
encontrando de tudo, porque na medalha lá consta a competição, a data, local, é a
colocação que você ficou, tal, tal. “Pai, de onde é essa medalha?” E aí você tem
história pra contar.
Para Montanaro, as medalhas contam a sua história, e ele acredita ser
importante mostrar para as filhas essa sua história, através de cada uma das
suas medalhas, pois cada medalha é o resultado do esforço e da superação.
Talvez devido a este simbolismo das medalhas, e das lembranças que as
medalhas permitem guardar, Montanaro procura na sua atividade presente,
Apresentação e Interpretação das Narrativas
Socorro Dantas
220
como gestor do clube, contribuir para uma cultura esportiva nas crianças com
quem trabalha. Assim, não é a favor da especialização precoce nas crianças;
para o ex-atleta a infância é época de participar da maior gama de atividades
esportivas possível, e, assim, estimular a prática do esporte para a vida, ou
mesmo para o esporte de alta competição, mas isso só deveria acontecer mais
tarde na vida da criança. O ex-atleta demonstra essa sua forma de pensar no
seu trabalho como gestor esportivo. O treinamento precoce é uma realidade
em várias instituições e escolas, e Montanaro como professor de Educação
Física e gestor de esporte, é contra essa especialização ainda na infância:
Então a simbologia da medalha é uma coisa fantástica, é uma coisa assim que eu
aprendi a valorizar muito, e como gestor eu sempre enfatizo isso. Eu estava
organizando agora um torneio de Futebol, também pra garotada, crianças de 12 a 13
anos, onde eu, o pessoal de Futebol, mas eu disse que pra reforço da competição nós
tínhamos que dar um caráter de festival, que todos teriam que sair dali com uma
lembrança muito boa. Teríamos que apurar um vencedor, uma equipe vencedora, mas
todos teriam que sair dali como vencedores. E que a medalha era uma coisa fantástica
que eles tinham que levar pra casa, todos, pra poder voltar pra casa e contar. É o que
a gente está fazendo, então quando a gente fala de Educação Física, de esporte de
alto rendimento, a gente nunca perdeu o foco da criança, do desenvolvimento pleno
daquela criança, daquele adolescente. E jamais ter a precocidade, ter objetivo de
buscar a precocidade de uma modalidade, e o pior, dentro da modalidade já ser ali um
especialista de uma determinada posição. Esse garoto de oito anos, ele é jogador de
Vôlei, ele é meio de rede e ele não precisa treinar iniciação e pronto. É um absurdo,
um crime!
O ex-atleta é um exemplo de quem passou pela experiência de participar
de várias modalidades esportivas na sua infância e só se especializar mais
tarde.
Apresentação e Interpretação das Narrativas
Socorro Dantas
221
Montanaro se entusiasma ao falar da suas experiências esportivas no
Voleibol de alto nível, mostrando que era um jogador obstinado quando o
assunto era competir.
Montanaro relata que a competição mais importante para ele foi o
Mundialito de 1982, e explica porquê:
Eu acredito que o Mundialito de 82, uma competição amistosa que foi criada pelo
pessoal do marketing. Em 82 nós teríamos o mundial da Argentina, então todos os
países do mundo teriam que vir pra Argentina e passar por uma escala no Brasil, Rio
de Janeiro e São Paulo. O Nuzman, presidente da Confederação de Voleibol na
época, hoje do Comitê Olímpico Brasileiro, juntamente com Luciano do Vale
|jornalista|, identificaram ali um potencial, já que todo mundo tinha que passar pelo
Brasil. “Por que a gente não organiza um torneio preparatório para adaptação do fuso
horário etc., um Mundialito?” Deram esse nome, Mundialito. Foi quando nós
conseguimos ter a televisão aberta, TV Record, pra transmitir o Vôlei brasileiro,
embora já tivéssemos uma medalha de bronze na copa do Japão em 81 por isso, que
o Luciano do Vale estava acreditando no Vôlei, já tinha o resultado, só que ninguém
sabia, o brasileiro não sabia. Ele organizou esse Mundialito e transmitiu, deu uma
cobertura jornalística fantástica ali nas transmissões. Conseguimos vencer o
Mundialito e bater na final a grande União Soviética, que era um time imbatível, o
Brasil nunca havia vencido nenhum set da União Soviética e nós ganhamos a União
Soviética ao vivo e a cores, e o Brasil viu e foi uma coisa fantástica. Outro jogo que
ficou e até hoje falam, justamente de novo, Nuzman e Luciano, foi enfrentar
novamente a União Soviética no ano seguinte, porque após o Mundialito nós fomos
pro Mundial na Argentina, e lá tivemos uma campanha muito boa, também com
transmissão da TV Record, fomos pra final de novo com a União Soviética, que já
tínhamos batido de três a quatro, semanas atrás no Mundialito no Rio, Maracanazinho
lotado, a final do Mundial, ali que era uma competição oficial. Só que ali perdemos de
três a zero, ali nós não tivemos gás para aguentar a União Soviética e perdemos. No
ano seguinte, eles fizeram uma revanche, um tira-teima, uma jogo no Maracanã; aí a
ousadia foi maior ainda no Maracanã: a céu aberto, montaram um tablado, e é recorde
de público até hoje, foram mais de 95.000 pagantes e, detalhe, com chuva. Jogamos
em baixo de chuva e ganhamos esse jogo por 3 x 1. Então, são competições que
Apresentação e Interpretação das Narrativas
Socorro Dantas
222
marcaram minha vida, minha carreira e do Vôlei brasileiro. A do Maracanã ficou até
hoje, nunca mais fizeram isso. E hoje, se quiserem fazer o Maracanã não é palco
porque não dá pra bater o recorde de público, não consegue. Hoje o Maracanã são 60
mil pessoas. Alguma coisa assim.
Ainda sobre as experiências marcantes, Montanaro volta no tempo à sua
primeira participação em uma Olimpíada e discorre sobre o evento e suas
emoções e dificuldades:
A minha primeira competição foi em 80, na Olimpíada de Moscou; eu tinha 22 anos.
Eu me achava menino, né? Embora eu já estivesse na seleção adulta há três anos,
era um garoto ainda, e não tínhamos um preparo adequado, tudo era muito empírico.
Eu me lembro que na época eu namorava, e eu fiquei muito incomodado com a
namorada longe, num país comunista que, na época, era a URSS. Fizemos uma
preparação muito longa fora do país, fora do Brasil, acho que ficamos mais de dois
meses no total, que a gente foi, quando não tinha recurso. A viagem tinha que ser
proveitosa, então a gente foi fazer uma preparação longa. A gente ficou rodando pela
Europa, Itália, competindo, jogando, treinando, dormia em alojamento, hotel, pousada.
Ficamos muito mal, muito tempo fora de casa, então eu senti que isso me atrapalhou
até na competição. Ali foi meio que uma transição também, porque os jogadores da
geração anterior à minha, Moreno, Bebeto, eles já estavam parando, eles estavam ali
se despedindo da seleção brasileira, e eu, garoto, levei trote porque era primeira vez
[em Olimpíada] e sem uma preparação adequada, então não tinha um preparo
emocional.
A competição mais difícil
Para Montanaro, como para outros entrevistados neste estudo, no alto
nível não existe competição fácil, pois aí estão os melhores; porém a Olimpíada
é, para ele, a competição mais difícil:
Apresentação e Interpretação das Narrativas
Socorro Dantas
223
Todas são muito difíceis. Todas. Dentro do nosso calendário, quando no auge da
carreira, a gente só tinha campeonatos fortíssimos, pesadíssimos, fosse Campeonato
Paulista ou Campeonato Brasileiro, Sul-Americano, Pan-Americano, Mundial,
Olimpíada. Então a cobrança era muito grande, o estresse enorme, os adversários
muito bem preparados. Eu pedia aos técnicos, “puxa vida gente, me deixa jogar os
jogos regionais, os jogos abertos, que o meu objetivo é confraternização”. Lógico que
tem a competição, mas é mais light. Você não ter aquele rigor, e eu tive pouco isso, eu
tive muito pouco. Então eu acredito que a mais difícil são os Jogos Olímpicos, porque
é a forma de disputa, um mata-mata, ali. Chega uma fase que se você perder você tá
fora. E são gerações de seleções. Então, por exemplo, a seleção brasileira masculina
agora, a feminina também, mas mais a masculina, ela está iniciando um novo ciclo
olímpico, então o Giba81 logo mais deve parar, o Gustavo vai parar, então você tem
toda uma geração nova se preparando por quatro anos para a próxima Olimpíada lá
em Londres 2012. Então imagine o que é isso, no mundo inteiro, todo o mundo como
esse mesmo planejamento… A pedreira que você deve pegar e a força que vai ter
essa competição, porque acontece de quatro em quatro anos. Então é a mais difícil,
sem dúvida alguma.
Observa-se na fala de Montanaro, quando afirma que pedia aos técnicos
para participar de campeonatos que tinham como objetivo maior a
confraternização, que ficou explícita a vontade de jogar algumas vezes pelo
prazer de jogar. Sem ter a necessidade de passar pelos longos períodos de
preparação, e sem a obrigatoriedade de ganhar. Parece que depois de chegar
ao topo, na elite do esporte, onde a pressão é muito grande, por alguns
momentos esses jogadores, a exemplo de Montanaro, desejam um período
apenas de lazer, ou jogar pelo prazer, sendo a confraternização o objetivo.
81
Giba e Gustavo a quem Montanaro faz referências, são jogadores da atual Seleção Brasileira de Voleibol.
Apresentação e Interpretação das Narrativas
Socorro Dantas
224
A motivação para ingressar e permanecer no esporte
Para o ex-atleta, a melhor época da sua vida foi a de atleta. As
conquistas, as novidades para um garoto pobre foram relevantes e marcaram a
sua vida:
A minha melhor fase de vida foi quando eu fui atleta. Hoje ela é muito boa também,
todas as fases são boas, mas como atleta você vive um momento assim, mágico, tudo
é descobrimento. Você roda o mundo inteiro, ainda mais para a minha realidade na
época, um garoto de periferia, que pra gente ir pra praia aqui no litoral de São Paulo
tinha que fazer um planejamento assim: “Precisa de gasolina, como é que você vai
pagar a gasolina? Se furar um pneu? Se levava toda comida?”. Então você imagine o
que era um garoto. Quando eu fui andar de avião, pela primeira vez, eu não tinha uma
calça adequada para ir para o aeroporto. Quando o técnico falou que eu ia pra
Seleção Paulista, para Manaus de avião, falei: “Mas de avião?” Aí quando falei que era
de avião para minha mãe: “Ai meu filho, você não tem uma roupa!” Meu pai foi na José
Paulino, que é uma rua popular, aqui em São Paulo, se endividou pra arrumar uma
calça e uma camisa pra mim. Então isso tudo foi muito descobrimento pra mim, e
então o momento mais mágico foi esse.
Para Montanaro, a paixão é o elemento motivador principal para
permanecer no esporte, principalmente para chegar ao alto nível:
A paixão, eu acredito nisso, o amor, a paixão, o prazer e você fazer aquilo que você
ama realmente. Então eu me lembro que por pressões outras e pela condição e até
pelo tabu que nós tínhamos, a gente ia largar o Voleibol. Quando eu passei no
vestibular pra engenharia, o diretor [da faculdade] gostava muito de Vôlei e ele falou
assim: “Montanaro, eu tenho uma proposta pra você, eu te dou uma bolsa integral,
com material didático de engenharia”, que na época custava uma fortuna, e eu garoto
da periferia, pobre mesmo. E ele falou só que: “É o seguinte, você vai ter que se
dedicar integralmente ao time de Vôlei aqui da escola. Eu quero que você organize, já
tem experiência, que organize, que você jogue, tome conta do negócio, que você viva
Apresentação e Interpretação das Narrativas
Socorro Dantas
225
a Universidade o dia inteiro aqui”. Eu falei: “Fechado, até o fim do curso”? Ele
respondeu: “Até o fim do curso”, fechado. Fui ao clube e falei: “Olha, Luciano, sinto
muito, agradeço, meu futuro tá aqui, como os meus pais dizem e todo mundo fala, a
bola não vai me dar futuro”. Com o coração “rachado”, por um lado, mas por outro, que
eu estava ali na faculdade, jogando, participando. Mas aí foi quando surgiu o convite
da seleção pra jogar na Itália. Aí apareceu essa oportunidade na Itália, que eu juntei a
paixão e a necessidade. O Bernardinho82 fala isso no livro dele “Transformando suor
em Ouro”, que o motivo para uma ação, o que motiva as pessoas ou é a paixão ou a
necessidade e eu complementei isso que ele falou, quando você junta a paixão e a
necessidade, sai de baixo. Foi o meu caso.
O gosto pelo esporte e a necessidade de ter uma vida melhor
conduziram Montanaro pelo difícil caminho do esporte de alto nível. Tal como o
excerto anterior expressa, a possibilidade de ganhar dinheiro fazendo o que
gostava motivou Montanaro ainda mais. Esta ideia é reforçada no ponto
seguinte, onde Montanaro narra o aparecimento de uma proposta irrecusável.
O sucesso e as recompensas
Montanaro ainda estava no Voleibol da faculdade onde cursava
Engenharia, quando surgiu uma proposta, que considerou irrecusável:
Quando eu percebi que poderia ganhar muito dinheiro com isso, e na época eram três
mil dólares por mês, era muito dinheiro, para você ter uma ideia do que significava
isso, com um ano de contrato eu comprei um apartamento. Então eu já tinha uma
casa, aos19, 20 anos. O meu pai sempre falava: tu tens que ter um chão, tem que ter
um teto sua vida começa por aí, não abra mão disso. ”Então quando eu vi a
possibilidade de eu ter a minha casa, eu parei a faculdade.
Montanaro afirma que o ingrediente principal para se atingir o sucesso é
a paixão pelo que se faz. Depois menciona outros fatores como a disciplina e a
dedicação para conseguir a excelência:
82
Bernardinho, atual técnico da Seleção Brasileira de Voleibol Masculino, e autor do livro “Transformando suor em ouro”, foi contemporâneo do Montanaro na Seleção Brasileira.
Apresentação e Interpretação das Narrativas
Socorro Dantas
226
A paixão. Sabe por quê? Se você não ama aquilo, se você não gosta você desiste,
você não aguenta, porque quantas pessoas você já ouviu falar: “Ah eu porque o meu
joelho doeu, porque torci o pé e rompi os ligamentos”, porque todo jogador tem os
ligamentos, tanto do joelho, do pé, do ombro tudo detonado, tudo. Então a primeira
coisa é a paixão, depois você tem que ter uma aptidão, sem dúvida alguma, você tem
que ter uma aptidão física, emocional, estrutural, pra poder estar dentro daquele
sistema ali. E o outro fator que é o foco, a disciplina, dedicação, perseverança. É você
realmente ser um profissional e buscar a excelência daquilo que você faz.
Além disso, Montanaro diz ainda que é necessário tempo, dedicação e
renúncias para chegar a ser um profissional valorizado, como foi o caso dele:
Para ser um profissional valorizado financeiramente demora muito anos. E outra
coisa, toda a tua vida, os teus relacionamentos, apontando: “Bola não dá futuro pra
ninguém, você tem que estudar”. Porque se você não for médico, advogado,
engenheiro, você tá na roça, né? Aí você suportando tudo isso, então o que é isso: é a
paixão, é o gosto e a hora que você tem oportunidade.
Dificuldades na carreira esportiva
Montanaro falou com emoção sobre as suas dificuldades na época em
que saiu do Brasil para ir jogar na Itália:
Eu sempre fui muito a família; eu sofri demais, sofri muito, sofri muito em todos os
sentidos. É muito frio na Europa; eu acho horrível o frio, lidar com aquecedor, que
você não tem o hábito, o ar fica seco, você fica enclausurado. É uma coisa que eu não
suporto, enfim, esse foi um aspecto. A alimentação, a ansiedade, a solidão; eu estava
sozinho, tanto que eu aprendi falar italiano num mês, não tinha ninguém, não tinha
nada, então, eu peguei livros e fui aprendendo e aí eu falei: eu vou um ano, e aí fui
muito bem. Foi um ano, aí quiseram minha renovação, e eu falei: “Não peraí, eu
também quero fazer minha faculdade, quero casar os dois”. Foi quando eu fiz um
Apresentação e Interpretação das Narrativas
Socorro Dantas
227
contrato por tres anos pra fazer Educação Física lá, “Cursar Engenharia aqui vai ser
muito difícil, jogando nesse nível vai ser muito difícil, então Educação Física eu
consigo. E me inscrevi, tenho a carteirinha até hoje, guardei de recordação. E aí fiquei
mais um ano lá; aí no segundo ano foi um contrato melhor, aí eu comprei outra casa,
dei um carro pro meu pai, carro pra minha mãe e comprei um carro pra mim. Você
imagina que era isso aos 20 anos. A realidade que eu vivi, humilde, ter tudo isso aí de
20 pra 21 anos foi uma coisa muito forte, muito grande pra eu deixar passar. Mas aí eu
não continuei lá porque no fim eu tinha uma namorada, briguei com a namorada, falei:
“A gente tem que casar, mas não vou ficar aqui, nesse lugar que é gelado”. Aí Bebeto
de Freitas assumiu a Seleção brasileira e ligou pra mim, me convidou, quando eu quis
renovar por três anos na Itália. O Nuzman ficou bravo comigo, não queria, me proibiu
de sair; aí não quis me dar a transferência, eu briguei com ele e me naturalizei italiano.
Eu sou de origem italiana, eu fui o primeiro atleta brasileiro a ter a dupla cidadania.
Nuzman falou “Tá bom, você vai, mas não volta nunca mais e está fora do Vôlei
brasileiro e etc. etc., e tchau”. Eu falei: “ Tudo bem, vou fazer minha vida, vou estudar
e jogar lá na Europa, não tem problema. Depois vou voltar pro Brasil com um diploma,
com uma língua [italiano],um patrimônio”. Mas aí no ano seguinte eu briguei com a
namorada, Bebeto assumiu a Seleção e ligou pra mim: “Monta você não quer voltar
pra seleção”? Eu falei: “Querer eu quero, mas Nuzman não me quer”. Ele falou: “Não,
eu já coloquei aqui como uma condição que eu quero os melhores jogadores, e você é
fundamental no meu time”. Ele falou: “Eu já mandei a passagem para você, para você
vir almoçar com a gente”. Eu falei: “É mesmo?” Ele disse:“Você topa”?” Falei: “Te ligo
amanhã,” e ele: “Liga amanhã nada, você tem que vir agora”. Me deu uma dura logo.
Eu falei: “Tá bom, vou conversar. Aí eu peguei a ponte aérea, fui de Milão, Rio, Rio,
Milão, em um dia fiz isso. Almocei e topei, e aí voltei pro Brasil. E não saí mais.
Para Montanaro a decisão de ir para a Itália, abdicando da Seleção
brasileira, foi uma das decisões mais difíceis que teve de tomar na sua carreira
de atleta:
Eu era muito jovem e tive que tomar uma decisão: ou eu vou cuidar do meu futuro ou
eu vou ficar escravo, que era essa a expressão que eu usei. Então como é que eu
jogo fora o meu futuro na Seleção brasileira, que eu gostava tanto de defender o
Apresentação e Interpretação das Narrativas
Socorro Dantas
228
Brasil, é, em busca daquilo que eu acredito, que eu acho, considero justo. Era garoto
muito novo, então eu tinha 21 anos, e aí foi bastante difícil.
O relato de Montanaro mostra a sua trajetória de ganhos, mas também
mostra as dificuldades e as renúncias que teve de fazer para crescer no
esporte.
- As derrotas
Montanaro fez poucas referências às derrotas sofridas por ele e seus
companheiros no Voleibol. O ex-atleta salientou que a derrota que ficou
marcada na sua carreira aconteceu no Brasil, numa final do Campeonato
Mundial:
Fomos para final com a União Soviética, que já tínhamos batido 3-4 semanas atrás no
Mundialito no Rio. No Maracanazinho lotado, a final do Mundial ali que era uma
competição oficial. Só que ali perdemos de três a zero, ali nós não tivemos gás para
agüentar a União Soviética e perdemos.
- As lesões
As lesões são momentos difíceis vividos pelos atletas. No processo de
recuperação, os atletas têm de descobrir um importante valor moral: a
superação. É isso que se pode observar na fala de Montanaro:
Os momentos mais difíceis talvez tenha sido justamente uma das lesões, porque
embora você saiba que a qualquer momento você pode se machucar e ficar fora,
quando acontece é terrível. Como eu sou baixo e como atacante eu tenho que saltar
muito; então eu precisava, eu sabia que precisava treinar muito, então eu vivia no
limiar ali da minha capacidade física, esse era um ponto, se não eu não conseguia
Apresentação e Interpretação das Narrativas
Socorro Dantas
229
jogar. Outro, nós não tínhamos embasamento científico no treinamento esportivo, que
era empírico. Então, eu achava que se eu me dedicasse ao máximo e fizesse até
mais, que eu ia conseguir estar melhor mesmo machucado. Eu machuquei muito,
muito, machuquei coluna, eu quebrei o pé, quebrei o dedo, quebrei a mão e o queixo,
operei os dois joelhos, lesões musculares, distensões ligamentares, na coluna
vertebral. Então os últimos quatro anos da minha carreira foram de um sofrimento
extremo, eu chegava uma hora antes do aquecimento, não é do jogo, uma hora antes
que todos pra começar a fazer um trabalho de aquecimento junto com fisioterapia, pra
poder entrar no aquecimento deles e depois jogar. E depois que acabava o jogo eu
ficava mais uma hora ali fazendo; foi muito sofrido. Eu joguei também muito tempo à
base de anti-inflamatórios, analgésicos.
Com o objetivo de superar suas próprias limitações para o esporte,
assim como na busca da perfeição técnica, o atleta se expõe mais ainda às
lesões, como foi o caso de Montanaro. Para acompanhar esse
desenvolvimento do atleta se faz necessário o apoio de estudos científicos,
assim como materiais e instalações adequadas. Na época do Montanaro, o
Brasil ainda estava muito distante das tecnologias de ponta:
Nós não tínhamos equipamento de segurança, a medicina esportiva não era..., então
eu me arrebentei muito, muito. Isso doía, doía demais, é; doía mais ficar fora do que a
dor física mesmo.
O ex-atleta se supera para continuar atuando, supera inclusive a dor
física, como fica claro no excerto anterior. Esse é um dos argumentos que
muitos atletas e treinadores usam para justificar o treinar com dor, o fato de
que as lesões fazem parte da vida de um atleta, e que este tem que aprender a
viver com elas, nem que isso coloque a integridade física presente e,
sobretudo, o futuro em causa.
Apresentação e Interpretação das Narrativas
Socorro Dantas
230
Montanaro disse que sempre se dedicou muito ao que praticava e
entendia que as lesões faziam parte daquele trabalho exigente:
Eu convivi muito com lesão, mas eu penso assim: “As tarefas são muito árduas, o
pessoal exige muito de você, você não pode errar, é o teu rendimento, cobrança né?”
Tem que ganhar o jogo, é o campeonato, tem que se concentrar, mas eu sempre
pensei assim: “Isso tudo não me importa, eu penso que eu tenho que fazer sempre o
meu melhor, me dedicar e sempre focado, o que eu vou conseguir, se eu vou atender
as expectativas, se eu não vou, se eu vou ser campeão ou não, se eu vou ganhar de
três a zero ou se eu vou perder de três a zero, é conseqüência, então eu vou fazer o
meu máximo”. Então eu nunca fiquei medindo as consequências.
No livro “Transformando suor em ouro”, Bernardinho83, amigo e
companheiro de equipe da chamada “geração medalha de prata”, faz
referência à dedicação e obstinação permanente de Montanaro na época em
que era atleta.
Montanaro falou sobre a importância da preparação, e deixou claro que
uma preparação cuidadosa é o caminho para a vitória. Para o ex-atleta, como
para outros entrevistados neste estudo, a competição deve ser o momento da
festa, e para isso o atleta deve estar bem preparado:
Competir, treinar, treinar, porque agora o melhor é você competir se estiver preparado,
porque você ganha o jogo na preparação. Então o ato não é jogar, o ato é se preparar;
competir é só alegria, é a festa, casa cheia, tem adversário, tem juiz, placar, vale
medalha é o palco armado, torcida toda, imprensa. Enfim, competir é muito melhor que
preparar; a preparação é mais difícil.
83
(Bernardinho, 2006).
Apresentação e Interpretação das Narrativas
Socorro Dantas
231
Observa-se que a descrição que Montanaro fez do cenário da
competição é o cenário de um verdadeiro show, onde eles, os jogadores, são
as estrelas. Não é raro, que por vaidade, algumas estrelas têm dificuldades de
se relacionar com outras pessoas. O ponto seguinte descreve como era a
relação do jogador Montanaro:
As relações com amigos, treinadores, federação e mídia
Montanaro descreveu como era a sua maneira de se relacionar com
aquela grande estrutura que os cercava, treinadores, mídia, Confederação e
Federação de Voleibol, e também os fãs. Com relação aos treinadores,
Montanaro diz o seguinte:
Eu sempre fui muito disciplinado e acatava tudo o que os treinadores falavam. Se
fosse o preparador físico, técnico, queria ser o melhor, queria fazer o melhor, o
máximo possível em tudo e repetia; não me importava em trabalhar dia e noite, não
queria saber.
A relação com a Federação e Confederação de Voleibol teve seus
momentos de crise, mas com o passar do tempo tudo foi resolvido:
Com relação a Federação e Confederação era muito disciplinado. Também, por outro
lado, eu sempre cobrei muita justiça, eu sempre exigi isso. Por exemplo, o treinador,
eu entendia que era autoridade máxima e tinha direito de escolher o time que ele
quisesse, de escalar o jogador que ele quisesse, mas não me tirava o direito de eu me
posicionar e dizer o que pensava. Então eu sempre falei com relação a isso, e nas
federações, como foi o caso com o Nuzman, que eu não aceitava essa situação de:
“Vou proibir você de sair do país”, embora vivesse numa ditadura na época dos
militares, eu falei assim: “Eu não admito, eu sou da periferia, sou de origem muito
humilde, o Voleibol aqui não tem um mercado; eu estou disputando pela Seleção
Apresentação e Interpretação das Narrativas
Socorro Dantas
232
brasileira, eu só quero ter o direito de também poder conhecer lá fora e ganhar um
dinheiro, montar um patrimônio e saber da minha vida, que minha carreira é muito
curta, eu não sei o que vai me acontecer amanhã. Se eu tiver uma lesão aqui, é tchau
e não vou ter nada, e é uma oportunidade que você não pode me cercear. Porque eu
não estou deixando de fazer nada pra você e pelo Brasil”. E ele me proibiu; foi quando
eu fui atrás onde eu achei uma brecha, onde eles não tiveram essa oportunidade,
coragem ou visão ou incentivo. Também, porque meu pai sempre foi muito assim: “Vai
meu filho, vai e você não tá fazendo, não tá fazendo nenhuma coisa errada, nenhum
crime, e vai embora”, e foi o que eu fiz. Então eu sempre tive muito essa postura,
paguei muito caro também muitas vezes, por causa dessa postura de querer agir
dessa maneira, mas não me arrependo e faço isso até hoje. Enfim, você vai ficando
mais maduro, você vai aprendendo os caminhos talvez mais adequados. Mas não
deixo de me posicionar de maneira alguma.
A mídia constrói heróis, divulgado seus feitos; assim, é necessário
equilíbrio ao atleta a fim de suportar a pressão do sucesso e o peso da
exigência de uma nação. Montanaro fez parte da primeira geração do Voleibol
no Brasil que teve seus feitos divulgados nas televisões abertas, e descreveu
como era sua postura:
Para nós foi assim uma novidade. Tudo foi muito novo, assim, como uma grande
novidade, do dia pra noite a gente tava com a televisão, os microfones, a televisão em
casa, filmando meus pais, minha rotina, o cotidiano, aquela coisa toda. Para resumir
essa história, eu nunca tirei os pés do chão, eu nunca esqueci minhas origens, eu
nunca me deslumbrei, eu sabia que era momentâneo. Eu sabia que era uma
oportunidade que eu tive, infelizmente outros não tiveram, que eu tinha que aproveitar,
valorizar e dar o retorno de alguma maneira, quando eu pudesse, sempre que eu
pudesse.
Montanaro e seus companheiros de equipe se transformaram em
estrelas nacionais, e como estrelas tinham milhares de fãs que os procuravam
Apresentação e Interpretação das Narrativas
Socorro Dantas
233
em cada cidade do Brasil onde iam jogar, nas portas dos hotéis em que
ficavam hospedados, nos locais de treinamento, aeroportos etc.. Esse
comportamento das pessoas acontecia antes apenas com a Seleção Brasileira
de Futebol; desse modo, era algo muito novo e diferente para aqueles
jogadores de Vôlei. Montanaro contou como era sua relação com os fãs:
No Brasil inteiro, eu fazia questão de atender todo mundo, sempre que podia. Eu
ficava no limite da hora de saída do ônibus, que tinha que cumprir os horários e tudo.
Quando vinha a segurança para isolar, eu falava: “Não pode deixar, só contenha aí se
tiver alguma coisa.” Então era muito tranquilo, nunca me deslumbrei não.
Pelo relato do Montanaro pode-se ver que ele sempre procurou conviver
da melhor forma possível com as exigências e o cenário do esporte de alto
nível, sem, todavia, abrir mão do que pensava e das coisas que queria.
Desmotivação na carreira desportiva
Montanaro não falou explicitamente sobre desmotivação na sua carreira
de jogador. Mas, talvez, o fato de treinar sentindo muitas dores, tenha sido de
certo modo, um dos motivos que contribuiu para que ao ser dispensado como
jogador não tentasse o contrato em outro clube. Montanaro, que continuava a
ter bons resultados esportivos, decidiu aceitar a proposta do mesmo clube do
qual era jogador, agora assumindo a função de gestor.
Este assunto será melhor esclarecido no tópico que trata sobre o seu
afastamento das quadras como jogador.
Apresentação e Interpretação das Narrativas
Socorro Dantas
234
A percepção do processo de envelhecimento
A dimensão fisiológica foi citada por Montanaro como a dimensão em
que ele mais sentiu os efeitos do processo de envelhecimento. Para o ex-
atleta, o processo de envelhecimento é um processo individual, pois cada atleta
tem uma percepção diferente a partir da exigência do esporte que pratica:
Fisiologicamente você vai perdendo, e isso tem muito a ver com a modalidade que
você pratica. Se você pratica, por exemplo, Iatismo, talvez, eu nunca fui iatista, mas eu
acredito que você vai sentir menos; se você faz um Atletismo, você vai sentir até mais
que um Voleibol; um Basquete você vai sentir menos; a Ginástica Olímpica você vai
sentir demais. Enfim, eu senti sim, não por perda do vigor físico, da força, da explosão,
mas por uma limitação até ortopédica, as dores, as contusões. Então, isso eu senti
muito, embora eu tivesse o vigor físico da explosão etc. Quando eu parei de jogar, eu
não queria parar de jogar, eu queria continuar jogando, mesmo com as dores eu
queria, mas aí surgiu a renovação, o Banco [Banespa] me convidou pra essa parte da
gestão, foi difícil, muito difícil, mas eu aceitei. Porque outra coisa que sempre ficou
claro pra mim é que quanto mais velho eu ia ficando como atleta, mais eu tinha que
treinar fisicamente, preparação física. Então a minha carga de trabalho ela era a
mesma, mas com ênfase maior na parte física do que na parte técnica/tática.
Observa-se como é difícil, para um atleta, a hora de parar de competir,
aceitar as limitações causadas pelo excesso de trabalho e pelos efeitos da
passagem do tempo no corpo. E, no caso de Montanaro, o corpo estava muito
marcado com as lesões, a ponto de ser necessário chegar antes dos colegas
ao treino coletivo, para fazer um aquecimento específico com o fisioterapeuta.
O afastamento das quadras
Na época em que parou de jogar, Montanaro era atleta contratado do
Clube Banespa. Ele relata como foi o seu afastamento das quadras:
Apresentação e Interpretação das Narrativas
Socorro Dantas
235
Não fiquei traumatizado, mas foi muito ruim. Não é o que eu esperava para o término
de carreira, porque eu parei com 35 anos, joguei bastante, mas eu ainda tinha Voleibol
pra dar pro time, ainda tinha conteúdo pra somar, pra ajudar o time, e eu queria. Aí o
treinador fez um relatório pra diretoria do Banco, propondo a minha renovação no time;
então ele quis me tirar, então ele fez um relatório, alegando que eu era um jogador
baixo pro Voleibol da época, um jogador já velho, 35 anos, com muitas contusões,
caro e com baixo rendimento. Então, foi muito marcante. Eu tinha um relacionamento
excelente com a diretoria do Banco, era um atleta renomado, participava de todos os
eventos do Banco, não me importava se estava no meu contrato ou não, eu
participava. Era a inauguração de um ginásio de uma escola que o Banco patrocinava,
eu ia, sempre participei. Eu tinha um relacionamento muito bom.
Na época da renovação dos contratos, o treinador fez um relatório que
mostrava que Montanaro já não era uma boa aquisição para o clube.
Montanaro recorda que se sentiu mal com a notícia do seu afastamento, pois
achava que o treinador estava cometendo uma injustiça. Montanaro disse que,
naquela época, ainda poderia continuar jogando e deveria renovar o seu
contrato para a próxima temporada:
Eu falei: “Meu Deus do céu, que país! O atleta, só porque tem uma idade X, ele não
pode. Eu estou produzindo, eu quero continuar produzindo, eu quero jogar, é, o
contrato”. Não, porque eles já tinham planos pra me trazer pra cá.
Montanaro relata que após aquela temporada saiu de férias e foi
aconselhado pela diretoria do Banco que ficasse tranquilo, o que para ele era
difícil depois da notícia de uma aposentadoria compulsória:
E fui pra praia, eu adoro praia e eu fiquei lá. Não deu uma semana, me liga a
secretária, a secretária do diretor: “Montanaro, eles estão querendo marcar uma
reunião com você pra amanhã”.
Apresentação e Interpretação das Narrativas
Socorro Dantas
236
Montanaro recorda que ficou com dúvidas:
“Não sei o que vou fazer da vida. Vou pensar aqui, se vou jogar em outro time e eu
tinha, tinha um amor muito grande pelo time. Joguei em poucos times na minha vida”.
Eu tinha ficado arrasado. Eu fui, aí eu cheguei na reunião, eles convidaram para
assumir, uma forma de pedir desculpa. Eles disseram: “Naquele momento a gente
não podia te falar ainda que a gente estava arquitetando aqui e queremos fazer um
convite pra você ser o gerente do time”, e eu falei assim: “Gerente? Que faz um
gerente?” Tanto que quando eu fui falar com meus pais sobre isso, eles falaram: “Meu
filho, gerente do Banespa, do banco. Que agência que você vai trabalhar?” [risos]. Aí,
quando eles me falaram o que eles queriam, porque não tinha uma referência no país,
você não tinha o gerente do futebol, do time do São Paulo, do Palmeiras, eu falei: “Ah
eu sei o que vocês querem”. Porque quando eu joguei na Itália eu tinha essa figura de
diretor esportivo, que é o cargo que ocupo, diretor esportivo. E eles falaram: “Agora a
gente quer que você faça um projeto, a gente tem dificuldade, a gente não sabe o que
o técnico vem aqui, fala uns negócios. Como é que você imagina um departamento de
Vôlei?” Aí eu pus num papel, fui organizando, fui aprendendo e então, até hoje.
Montanaro diz que pensava para quando parasse com a carreira de
atleta, assumir o papel de técnico ou de professor de Educação Física, pois
sabia que uma hora teria de se afastar. Pensando nas possibilidades futuras,
cursou Educação Física:
Eu estava me preparando pra ser técnico, professor de Educação Física, uma hora eu
ia parar. Não ali; eu queria parar quando não somasse mais pro time, então quando eu
chegasse a um ponto. A minha data era aquela, quando eu percebesse que eu: “Não
produzo mais, que eu estou no time porque me chamo Montanaro, eu vou embora.
Ninguém vai me mandar embora, eu vou embora”. Só que eu produzia pro time,
mesmo sem ter um esquema adequado, eu estava produzindo ainda.
A mágoa do ex-atleta é com a forma desrespeitosa como foi feito o seu
afastamento. Montanaro acredita na relevância de um jogador mais velho
Apresentação e Interpretação das Narrativas
Socorro Dantas
237
fazendo parte de uma equipe, para isso é necessário que o técnico saiba
aproveitar a experiência e o potencial desse atleta:
Você pode aproveitar o jogador, você tem que respeitar os jogadores, é o que a gente
faz aqui84, quando eu vou contratar um jogador mais velho. Você não pode tratar um
adolescente como um atleta de 35 anos. Tem que ter muita coisa em comum, respeito,
a disciplina etc., mas o treinamento ele é específico até pra posição. Imagina um
garoto de 18 anos, tem que ter preocupação pra namorar. O outro já tá no segundo
casamento, tem filhos, tem contusões, então você tem que tirar o melhor de cada um,
então o atleta mais velho, esse aqui não aguenta mais treinar, no ritmo que treina
aquele lá, e vai fazer parte física, não vai jogar a mesma quantidade de jogos, só vai
aos jogos importantes, nos momentos decisivos. E vai ser um professor pros mais
jovens.
Dando um exemplo do que estava dizendo, Montanaro enfatizou a
atitude do então técnico da Seleção Brasileira de Voleibol, Bernardinho:
Foi o que o Bernardinho fez com o Maurício, com o Giovane, na Olimpíada [os mais
velhos]. Foi a última Olimpíada deles, quando eles foram bicampeões olímpicos, na
reserva, mas com a experiência e dizendo acelera e o que fazer na hora ali, em
determinado momento. Entrar na quadra só pra dar uma instrução, só pra dar uma
tranquilidade, só pra fazer um gesto. E ganha o jogo, enfim…
Montanaro revelou que resolveu não deixar aquela oportunidade de
trabalho; era mais um desafio, e disse que refletiu:
Eu estou tendo uma oportunidade de carreira nova, então eu vou deixar essa
oportunidade? Não sei se eu vou ter amanhã, numa equipe como essa estruturada,
84
Montanaro se refere ao clube do qual ele era gerente na época da entrevista.
Apresentação e Interpretação das Narrativas
Socorro Dantas
238
com um patrocinador como esse, que eu tenho essa identidade…” Então eu me
transformei no chefe daquele cara que me mandou embora, porque foi montado um
novo organograma, que o treinador não era mais ele.
Montanaro, com sua postura e valores voltados para o trabalho de
equipe relata que disse para o técnico que havia contribuído para a sua saída:
Eu estou nessa nova função, eu sou mais jovem, e ao contrário da sua postura, eu vou
precisar da sua ajuda, eu vou precisar do seu palpite, eu vou precisar que você venha
as minhas reuniões, que você me auxilie e que conte comigo pro que eu puder ajudar.
É, e eu conto muito com você para a minha nova função.
Montanaro acredita no trabalho de equipe, no qual todos são
importantes para atingir um objetivo comum, a vitória.
O ex-atleta reporta-se aos sentimentos em relação a deixar o palco e os
holofotes da fama:
Nunca me abalou. Eu nunca me deslumbrei, eu sempre atendi à imprensa de forma
igual, fosse a rádio de Cotia, onde eu moro, que é periferia, até a Rede Globo, o
atendimento era igual, o respeito era igual. Agora, você sabe que eu não percebo
quando fala que o brasileiro não tem memória, esquece. Eu não me conformo como é
que se lembram de mim hoje, outras gerações, e mesmo as pessoas da minha época.
Porque você muda muito, pega uma foto quando eu era garoto, tinha cabelo, não tinha
ruga, era magrinho, todo mundo muda, e eu estou fora da mídia. Como é que se
lembram da pessoa? Eu estava um dia no pedágio na estrada, e o cara: “Montanaro?
Meu Deus do céu, não é possível”. Então quando se lembram, é muito legal. O que eu
tenho mais orgulho é quando estou com as minhas filhas, e vêm me cumprimentar, o
cara vem-te e agradecer: “Obrigado por tudo que você fez pelo nosso país, a forma
como você representou. Como um craque”. Nossa! Você ter reconhecimento das
pessoas, você ter marcado as pessoas com coisas boas, e você poder dar esse
Apresentação e Interpretação das Narrativas
Socorro Dantas
239
exemplo para as crianças, para os adolescentes, para o teu filho, é uma coisa
fantástica. Então isso foi uma conquista, um orgulho.
Montanaro se mostra orgulhoso por ser reconhecido pelo público, tanto
as pessoas da sua geração, quantos de gerações mais novas, lembrando o
grande sucesso que ele foi. E, talvez, o seu maior orgulho é que as suas filhas
vejam essas demonstrações de carinho dos fãs.
PRESENTE
O trabalho
Quando entrevistamos Montanaro ele continuava no cargo que havia
sido convidado a assumir após o seu afastamento das quadras. Para melhorar
a sua atuação naquela nova função, procurou se aperfeiçoar, fazendo cursos
na área de gestão:
Vai fazer 17 anos na gestão, aí eu fiz uma pós-graduação de Gestão Esportiva,
terminei outra pós agora, que é Administração e Marketing;, eu venho buscando
sempre um aprimoramento nessa área. Eu me identifico muito, me sinto muito
confortável nessa função, e, de certa forma, muito bem preparado. Também porque
esse projeto nosso existe há 25 anos, dos quais estou há 22, vou para os 23, porque
eu fiquei seis anos como jogador aqui, depois me convidaram para gestão e eu estou,
desde então até agora, me aprimorando. É sempre um crescimento, você não para,
nem deveria, parar de evoluir. Então todo o nosso processo é bastante interessante, e
modéstia à parte, é exemplo. A gente recebe várias delegações do exterior e tivemos
uma delegação japonesa da Panasonic, eu acho que há uns 20 dias atrás, e eles
querendo entender o que a gente faz. Porque o Brasil consegue tanto resultado no
Voleibol, que pra eles é um país subdesenvolvido. Os italianos também vêm para cá
ver como é que a gente trabalha a base, de onde surgem tantos jogadores do Brasil
na Liga Mundial.
Apresentação e Interpretação das Narrativas
Socorro Dantas
240
Montanaro demonstra que os valores concretizados no esporte
repercutem pela vida inteira, e utiliza a sua experiência no esporte para gerir o
seu trabalho atual:
Hoje, o que eu mais prego é o seguinte: nós temos uma hierarquia, a decisão final de
todo departamento é minha, porque a cobrança é minha, eu ganho pra isso, é minha
obrigação, mas eu jamais vou tomar uma decisão sozinho. Então tudo que a gente
decidir aqui, desde contratar um simples funcionário até um mais renomado jogador
etc., são decisões tomadas em conjunto, e muitas vezes o meu voto é vencido. Outra
coisa também é quando você fala em se respeitar, com relação, você se cuidar, você
ter uma vida saudável, você ter uma atividade física, lúdica, educacional, formal, você
buscar outros conhecimentos, então, eu sempre procuro isso. Isso está sempre
presente na minha vida, nas minhas atitudes.
Até a data da entrevista, Montanaro continuava exercendo a função de
gerente no Clube Santander. Este é um exemplo de que o clube aproveitou a
experiência do seu ex-atleta para exercer outras funções, mas na mesma área.
O esporte
Montanaro procura fazer exercícios físicos de forma regular, porém com
outros objetivos:
Eu faço corrida, faço musculação e mergulho, faço surf também, pesca submarina é o
que eu mais gosto. Você tem que estar bem fisicamente, então eu cuido da
alimentação, de descanso, dormir; eu tenho uma vida assim muito legal e então isso
eu faço, não com a intensidade também. Surfar eu surfo, muito ruim, então eu vou
naquele bodyboard, mas com a nadadeira, porque eu faço muito exercício, uma
diversão com atividade física. Pescar, eu gosto de pescar pra comer, eu gosto de
Apresentação e Interpretação das Narrativas
Socorro Dantas
241
pegar alguns peixes no mar, só no mar. E então o meu lazer é isso. Também gosto de
correr na areia fofa da praia.
Mesmo sendo o objetivo das atividades, no presente, a saúde, o lazer e
a diversão, percebe-se que o espírito de atleta disciplinado continua presente.
Como ele esclarece no excerto a seguir:
Às vezes encontro os meus amigos, quando a gente vai fazer uma atividade, como
mergulhar. Se marcávamos a saída para a gente pescar às 5 horas da manhã e eles
chegavam 5h15m, e eu já tava bravo com eles, porque eu estava ali desde as 4h30m,
esperando os caras. Ficava ansioso.
O envelhecimento
Montanaro reconhece que com o envelhecimento há perda das
qualidades físicas. Por não ter a performance de antes, ele se recusa a jogar
Voleibol, mesmo por lazer, se não tiver um tempo para se preparar. Para ele é
difícil não ter o mesmo potencial do atleta de antes:
Eu acho que é uma sensação de ridículo, quando não estou preparado. Quem jogou
nunca esquece, mas é ridículo, porque você |no jogo| sabe o que tem que ser feito,
mas você não consegue, e tem as coisas mais elementares, então quando uma, cai
uma bolinha ali do seu lado assim, dois metros de você, você vê, sabe que tem que ir
buscar a bola, você fica naquela agonia, o movimento limitado, lento, lerdo, chega na
bola, você estatelou no chão e não pega a bola, é ridículo. Eu me acho ridículo, e acho
ridículo ver os outros também que fazem isso. Eu sei que se eu treinar bastante hoje
eu vou conseguir ter uma performance boa pra minha idade de 51 anos; jamais eu
vou ter a performance de quando eu era um atleta, na fase boa, vamos falar assim,
mas acontece que hoje eu não estou treinando pra jogar, não estou preparado, então
certamente eu não estando preparado, eu vou fazer um papel muito feio. Eu não me
Apresentação e Interpretação das Narrativas
Socorro Dantas
242
aceito fazendo isso malfeito, se eu for fazer eu quero fazer bem-feito; preciso de
tempo para me preparar melhor.
Montanaro, porém, afirmou não sofrer com isso, pois sabe muito bem as
suas limitações, e que em um jogo, mesmo treinando, não jogaria mais com o
desempenho de antes:
Isso está muito claro, eu tenho o maior orgulho, tenho autoestima, eu considero
excelente. Eu não tenho problema nenhum com isso, e até aceitaria jogar, brincar,
mas se eu me preparar. Mas hoje eu não vou me preparar pra jogar, hoje o meu
objetivo na minha atividade física, não vou nem chamar de esporte, minha atividade
física é saúde, puramente saúde.
Montanaro também discorreu sobre as várias sequelas que ficaram da
sua extenuante vida de atleta:
Eu tenho tudo que tem de ruim nas costas, eu tenho duas hérnias de disco que eu não
sabia que eu tinha, eu tenho degeneração óssea. Eu tenho numa vértebra, que é o
que mais me dói, uma fratura por estresse na orelha de uma vértebra, que é
pouquíssimo irrigado e nunca vai consolidar, eu tenho deslizamento das L5-S1.
O ex-atleta relatou que todos os colegas ficaram com algum problema
em alguma parte do corpo, e reconhece que hoje a prática esportiva é mais
segura para os atletas:
Todos têm problemas crônicos em algum lugar do corpo, joelho, ombro, coluna. Hoje
você tem tudo, tudo; é incomparável a situação porque você tem a medicina esportiva,
aí você coloca a medicina esportiva, o ortopedista, os fisioterapeutas, a parte
Apresentação e Interpretação das Narrativas
Socorro Dantas
243
psicológica, emocional, o massagista. Todo o embasamento científico desse lado aí
cresceu demais. Tem os aparelhos, então você viu aquela máquina que o Corinthians
comprou agora? O cara passa na máquina, em um túnel, a máquina cobre, já dá o
percentual de massa gorda, massa magra, da parte óssea, das articulações,
angulações de joelho, quadril, fêmur. É fantástico! Sobre o tênis, o cara pisa na
máquina que te dá a planta do seu pé, os pontinhos de vermelho, onde você tem mais
apoio, tem que pôr mais amortecimento no tênis, é fundamental. Antes, na minha
época, o tênis era fininho. Também tinha a regra, que era uma diferente. Eu cheguei a
fazer jogos de quatro horas e meia, desgastante. Hoje a regra é diferente, a média de
jogos é de uma hora e vinte. No treinamento, os exercícios que você faz, todos eles,
de extrema proteção. Por exemplo, eles não correm mais hoje, não tem mais corrida, o
Voleibol não é aeróbico, é anaeróbico, nós fazíamos corridas longuíssimas, totalmente
desnecessário, então eles fazem um pouquinho da parte aeróbica. Eles têm um
colchão aqui no ginásio, um colchão macio. Um tapete com amortecedor para treinar
bloqueio, para não ter muito impacto. O piso do ginásio é muito melhor, já amortece,
tem o tênis que amortece, a carga de saltos é menor. Não dá pra falar, é
incomparável, tudo.
FUTURO
Montanaro conclui a entrevista desejando que mais estudos, a exemplo
deste, sejam desenvolvidos no âmbito do esporte de alto nível, e que as
experiências de atletas sirvam de alguma forma para auxiliar na educação de
jovens:
Eu só espero que tudo isso que a gente viveu, eu e tantos outros atletas, que tiveram
uma vida dedicada ao esporte, comprometida com os esportes e seus valores. Que
essas experiências, eu falo que todas são boas, tanto as que foram positivas quanto
as que foram negativas, que a gente consiga transformar isso em aprimoramento, em
exemplo pra garotada, pra juventude. Não só para o esporte, mas para a sociedade.
Então, por isso que eu vou fazer, eu vou colaborar sempre que eu puder com quem
tiver envolvido com situações como essa; então, que seu trabalho sabe, seja muito
Apresentação e Interpretação das Narrativas
Socorro Dantas
244
rico, que pelo que eu estou vendo vai ser, e que você consiga transformar todas essas
histórias, que são reais, em praticidade para o conhecimento das pessoas.
3.1.5 A narrativa de Carlos Lopes
O atleta
Carlos Lopes nasceu em Vildemoinhos - Viseu – Portugal, no dia 18 de
fevereiro de 1947(na data da entrevista estava com 63 anos de idade)85, sendo o
filho mais velho de uma família de oito irmãos. Carlos Lopes é uma referência
mundial no Atletismo, sendo considerado um dos melhores atletas da sua
geração, como especialista em corrida de longas distâncias. São inúmeros os
troféus e as medalhas conquistados pelo atleta: campeão e recordista olímpico
da maratona (Los Angeles em 1984); três vezes campeão mundial de corta-
mato; recordista Europeu de 10 000 metros; recordista mundial da maratona em
Roterdã. Em 2009, Carlos Lopes foi homenageado pelo Comitê Olímpico
Português com o troféu Atleta do Século86.
PASSADO
As experiências no esporte
- O início – apoios e referências
Quando nos contou como iniciou a sua vida esportiva, Carlos Lopes
afirmou que o gosto pelo esporte ao ar livre foi algo que aconteceu muito cedo
na sua vida:
Desde muito miúdo eu tenho uma tendência para fazer desporto. Nomeadamente
coisas ligadas à natureza, gostava imenso de subir montanha, descer montanha, agora
não faço muito. Se calhar é porque a minha região que é Viseu, é uma zona que está a
600 metros do nível do mar. Sempre fui muito liberto, individualista, e o desporto que eu
85 A entrevista com Carlos Lopes aconteceu no dia 22 de março de 2010, na cidade de Torres Vedras –
Portugal. 86
Mais informações sobre a carreira de Carlos Lopes ver Anexo 9.
Apresentação e Interpretação das Narrativas
Socorro Dantas
245
mais gostava de praticar como todo mundo sabe, é o futebol. Só que por ser uma
pessoa pequena, muito magrinha as pessoas não entendiam que eu tinha capacidade
para ser um grande desportista. Então, sem me dizerem que não, foram sempre me
encostando à porta da saída. Mas, eu intimamente era uma pessoa muito ativa, muito
persistente, de muita coragem, não me incomodava com aquilo que as pessoas
pensavam, era uma pessoa livre. Aos treze anos comecei a correr e não sendo o
melhor também não era o pior [risos]. E competia com outros miúdos mais velhos que
eu, três, quatro cinco anos mais velhos que eu. Ora, isso com 13 anos tem uma
influência muito grande, porque a idade nestas disciplinas tem uma influência muito
grande. Mas isso a mim não incomodava rigorosamente nada, eles ganharem, eu queria
era participar. E era ativo, era persistente. Fazia isto sem ser federado, era livre e de
espontânea vontade. E continuei, até chegar aos 16 anos.
Na fala de Carlos fica explícito o seu gosto e a sua vontade de praticar
um esporte, assim como suas características e valores. Na infância, geralmente
as crianças gostam de jogos com bola, e no Brasil e Portugal, o Futebol é
sempre o jogo mais praticado. No caso de Carlos Lopes o fato de não terem lhe
dado incentivo no Futebol, o conduziu a outro esporte, o Atletismo. Parece,
ainda, que o fato de ter vivido, quando criança, em uma região de grandes
espaços abertos (sem edificações), próximo à natureza, foi fundamental para
desenvolver o espírito de liberdade e o gosto pela prática esportiva.
Carlos recordou que na sua época de criança, era difícil praticar algum
esporte que não fosse o Futebol, pois os incentivos eram poucos.
Naquela época em Portugal era muito difícil alguém fazer desporto, tirando o futebol,
existiam poucos. Tinha na Universidade Portuguesa, que eu cheguei a participar no que
chamam hoje de desporto escolar. Fazia o desporto escolar «pros» jovens entre os 13 e
os 17, 18 anos. Depois cada um assumia a sua responsabilidade.
Apresentação e Interpretação das Narrativas
Socorro Dantas
246
Carlos tinha como sonho jogar Futebol, ser jogador no Lusitano de
Vildemoinhos, mas, a oposição do pai e da objeção de algumas pessoas ligadas
ao clube (que o consideravam muito franzino para o futebol), não lhe permitiram
concretizar esse sonho. Esse fato, de certo modo, o empurrou para o Atletismo.
Ele relatou como foi o seu começo no esporte que o tornou famoso:
Um dia, eu e um grupo de amigos saíamos de uma festa, que era fora da minha
povoação, ficava sete, oito km de distância. Então, o meu regresso era cerca de meia
noite, e nós tínhamos que atravessar por pinhais. Numa certa altura, cada um tocava a
fugir para ver quem chegava primeiro, e passava por uma zona que havia lobos e
raposas. Não havia bem o perigo, só algum susto. Começámos a fugir uns atrás dos
outros, curiosamente cheguei a minha aldeia em primeiro. Passado oito dias, reunimos
e começámos a conversar, decidimos então, organizar uma equipa de atletismo.
Portanto meu desporto começa aqui. Curiosamente, organizámos a equipa fomos ter
com o clube. Eles acharam aquilo uma ironia. Achavam que eu não tinha condições,
pela minha estatura e pesava na altura 38 quilos, realmente… Mas era uma pessoa
com muita força, com uma mentalidade extremamente forte. E curiosamente olharam
para nós e escreveram-nos na Associação de Atletismo de Viseu, isso em 1965, tinha
eu na altura quase 17 anos. E acontece que inscrevemo-nos, começámos a treinar,
cada um como queria, como sabia. Não havia treinador, não havia nada, pronto tudo
era ao sabor do acontecimento. O primeiro treino oficial foi de 20 km, foi de loucos,
passei oito dias a andar agarrado às paredes para ir trabalhar [risos] Aquilo foi a parte
traumatizante. Se isto é o Atletismo acabou aqui [risos]. Teimosamente eu continuei
mais moderado, mas acima de tudo querendo ser primeiro que os outros. Eu aprendia
com muita facilidade. Começámos a treinar um cross que eu não pude participar,
porque na véspera eu tive uma queimadura numa perna e não pude ir, foram meus
colegas e ficaram bem classificados. Como equipa ficaram em 2º ou 3º. Acho que aquilo
deu-me uma almazinha. A primeira prova que fiz oficialmente foi a São Silvestre de
Viseu, em 31 do 12 de 1965. Curiosamente eu fui o melhor do grupo, em segundo, e
ganhámos como equipa. Aquilo realmente foi uma coisa única para meu clube, depois
apareceram pessoas que já tinham alguma idéia do que era o Atletismo começaram a
treinar. Logo a seguir 15 dias depois eu fui campeão de cross. Quinze dias depois, a
seguir a esta, fui 3º no campeonato nacional de cross. Sei que ao fim de quatro meses
fui a um cross internacional e fui o melhor português. Nessa altura, o Sporting
Apresentação e Interpretação das Narrativas
Socorro Dantas
247
interessou-se por mim, e eu já era sportinguista. Mas, eu quero dizer que o primeiro
clube que queria que eu fosse para lá era a Acadêmica de Coimbra.
As provas de longas distâncias no Atletismo eram a especialidade de
Carlos Lopes. Em sua opinião, se tivesse optado por provas curtas não teria o
mesmo êxito:
Eu era um atleta muito lento, mas tinha uma resistência tremenda, e ganhava
velocidade em função da minha resistência. Porque eu fazia um trabalho específico,
eu aprendi com isso que dos 17 aos 24 ou se aprende tudo ou não chega lá. O
trabalho do treinador é isso. Nós temos que perceber que em função das nossas
características nós temos que aumentar ou diminuir e ganhar autonomia para poder
decidir no momento, era isso que eu fazia.
Carlos era um atleta que se conhecia muito bem, sabia os seus limites e
fragilidades e trabalhava para melhorar o que considerava deficiente. Relatou
que quando um atleta se conhece bem ele ganha autonomia, e nos disse que
ele foi um atleta assim.
Porém, no início, Carlos não teve o apoio da família para praticar o
esporte Atletismo. Não obstante, a sua força de vontade e sua perseverança o
fez ir adiante. O pai, que a princípio era contra, ao perceber que o filho
realmente queria ser um atleta, o ajudou. Carlos Lopes, no entanto, quis
mostrar mais uma vez a sua independência e decidiu que seria ele próprio a
gerir a sua carreira.
Meu pai me ajudou, mas ao fim de quatro meses passei eu a decidir o que eu queria.
Fui muito independente, mas a pessoa tem que ser inteligente para saber o que vai
fazer da vida, qual é a direção certa.
Apresentação e Interpretação das Narrativas
Socorro Dantas
248
Carlos salientou ainda a ideia de que ser atleta estaria nos genes da
sua família porque:
Tive uma prima que foi recordista dos 100, 200, 400, e 800 metros. Meu primo foi
campeão olímpico dos 100, 200, 400 metros. Meu filho mais velho esteve a 32
centésimos do mínimo dos 800 metros dos Jogos Olímpicos de Atlanta. E o irmão do
meu pai fazia os 30 km sem treinar sem nada e ficava sempre bem classificado.
Portanto, tem um bocado de genes nisso.
Características individuais e valores
Determinados valores e características, que são essenciais em alguém que
queira seguir uma carreira esportiva, já apareciam em Carlos desde a sua
infância, como se observa pela sua fala em alguns momentos desta narrativa.
No excerto a seguir ressalta-se isso:
Sempre fui muito liberto, individualista, era uma pessoa muito ativa, muito persistente de
muita coragem. Não me incomodava com aquilo que as pessoas pensavam, era uma
pessoa livre.
Para o ex-atleta o esporte individual como o Atletismo reforça essas
características e exige certa independência:
Aprende-se a ser individualista, principalmente nas disciplinas individuais aprendemos a
ser independentes. Ser amigo do amigo, mas ao mesmo tempo dentro da competição
nós não podemos ser amigos de ninguém. Quem tem que resolver sou eu. Eu, como
atleta, fui muito paciente, muito independente, altamente objetivo, aprendi a analisar as
coisas, era frio. E as pessoas olhavam «pra» mim não davam nada, e eu, por exemplo,
numa prova, com oito dias de antecedência já sabia o que ia fazer oito dias depois.
Tudo mecanizado, tudo mentalmente.
Apresentação e Interpretação das Narrativas
Socorro Dantas
249
As prioridades e renúncias
Carlos nos falou sobre episódios da sua vida de atleta, quando em
detrimento do seu crescimento profissional teve que abdicar de outras, foi uma
difícil decisão, que hoje de alguma maneira se arrepende:
Quando o Sporting se interessou por mim, eu era sportinguista já na altura. Mas eu
quero dizer que o primeiro clube que queria que eu fosse para lá era a Acadêmica de
Coimbra. Eu hoje sou muito arrependido de não ter ido para Acadêmica. Porque eu teria
uma formação acadêmica que hoje não tenho. Tinha essa vantagem, para todos os
atletas que iam para Acadêmica, e eu na altura tinha 17 anos, era muito jovem, embora
eu tivesse uma profissão muito boa que era torneiro mecânico, e eu gostava acima de
tudo, aí decidi. Em seguida veio o Benfica, e eu como sportinguista decidi ir para o
Sporting, que tinha a melhor escola de Atletismo de Portugal, tinha os melhores
técnicos, que deu-me uma maior estabilidade, e isso criou em mim uma visão diferente
daquilo que eu queria competir. O Sporting para mim era o melhor.
No esporte, como em qualquer dimensão da vida, as prioridades e
renúncias estão presentes nas escolhas. Para Carlos Lopes, naquele momento,
o melhor era ir para o Sporting, porém, hoje, ele pensa diferente, pois sente falta
de formação acadêmica, que provavelmente lhe abriria outras possibilidades de
trabalho na sua reforma como atleta. Aliás, este é um tema recorrente na fala
dos atletas entrevistados, a preocupação com os novos papéis quando chegam
ao fim a carreira esportiva.
Carlos foi para o Sporting e permaneceu no clube muito tempo, era um
local que sentia estabilidade:
Tinha uma estabilidade. Eu sempre fui equilibrado, independente sabia aquilo que
queria. Estava à vontade. E depois a minha vida particular era muito equilibrada, a
minha mulher foi atleta, sabia como era.
Apresentação e Interpretação das Narrativas
Socorro Dantas
250
Na narrativa de Carlos Lopes, como nas de outros entrevistados, se
percebe, para o desenvolvimento do atleta, a relevância do apoio e equilíbrio
tanto na parte financeira quanto na vida familiar.
A rotina como atleta profissional
Carlos se referiu sobre a necessidade do atleta ter perseverança,
coragem, e vontade de vencer para suportar ir adiante com os exigentes
treinamentos no alto nível:
Só com a tal perseverança, a tal coragem, o querer, e outra coisa que eu acho
extremamente importante, regressar a terra sem ter dado grandes resultados para mim,
incomodava-me imenso. Tinha que mostrar o sucesso? Tinha que mostrar. Treinava
todos os dias, só quando estava muito cansado é que eu não ia. Ia para casa
descansava, mas no outro dia estava como novo.
Carlos nos deu um exemplo sobre a sua paciência e objetividade para
treinar e como se preparava para uma prova:
Numa maratona eu tinha que conhecer muito bem as distâncias. Já fiquei dois anos e
meio a preparar uma maratona. Eu tinha que me conhecer, saber a minha postura,
saber como reagia nos 32 km, conhecer meus pontos fracos para poder treinar os
pontos fracos. E depois conhecer os adversários, aquilo tudo foi medido. E quando fui
para prova tinha uma grande vantagem, o meu peso de forma era 54 quilos, fui com 53
quilos. Porque eu sabia que ia encontrar 35 graus de calor e 76 de umidade. Ora se eu
levasse menos peso, o desgaste seria sempre menos. Perder um quilo no peso limite
não é fácil, e depois manter a força suficiente par os 53 quilos. O equilíbrio força-peso,
tudo isso foi pensado.
Apresentação e Interpretação das Narrativas
Socorro Dantas
251
Era importante para o ex-atleta conhecer seus próprios limites, como
também os limites dos seus adversários. Carlos falou sobre o seu
comportamento em uma competição:
Eu ia para as competições como se fosse para uma festa, pelo gosto de participar. Mas
depois durante a corrida eu era extremamente equilibrado. Estava sempre a observar se
aumentava se diminuía a distância. E era extremamente equilibrado na minha corrida,
sabia os meus limites e a minha capacidade. E eu aprendi isso muito cedo, por isso é
que eu digo: se um atleta entre os 17 e 24 anos não aprender isso, dificilmente
consegue ser equilibrado e dificilmente consegue ser campeão. Nós temos que ser
equilibrados, ter a sensibilidade de saber até onde temos que chegar e ter um
cronômetro na cabeça. Eu penso que é preciso saber muito matemática, a matemática
é extremamente importante nas corridas de meio-fundo e fundo, porque a gente tem
que jogar com o tempo e com as distâncias. Eu sabia os meus limites, sabia até onde
podia chegar, e sabia dosear o ritmo. Não é à toa que eu sempre fiz a segunda parte
das minhas provas mais rápido que as primeiras. Mantinha um equilíbrio e guardava
reservas para o final. Então eu sabia meus limites e sabia os limites dos adversários,
então jogava muito com isso.
Na narrativa do ex-atleta se percebe o quanto ele era focado no que
fazia, o excerto anterior mostra, também, que ele era um estrategista quando o
objetivo era competir e ganhar.
Experiências marcantes na carreira de atleta
Embora estivesse de certo modo “acostumado” a bater recordes em
competições nacionais, conseguir superar um índice em uma Olimpíada foi
especialmente marcante para Carlos87:
87 Na Olimpíada de Los Angeles em 1984, Carlos Lopes, ultrapassando o índice anterior nessa prova, deu
a primeira medalha de ouro a Portugal.
Apresentação e Interpretação das Narrativas
Socorro Dantas
252
Foi ganhar a maratona nos Jogos Olímpicos. Foi a primeira vez que Portugal ganhou, e
depois foi bater o recorde da maratona.
O primeiro lugar em uma competição de alto nível é algo muito cobiçado,
mais especial ainda é ganhar batendo o recorde, e isso aconteceu com Carlos
Lopes. Durante 24 anos o recorde continuou sendo dele, sendo batido novo
recorde na Olimpíada de Pequim88.
As competições relevantes e as medalhas extraordinárias
Sobre as inúmeras medalhas e troféus que ganhou, o ex-atleta inicia
falando da primeira que conquistou. Também se referiu à primeira medalha
internacional:
Falando da primeira medalha, foi em Viseu, aquela foi a primeira prova que eu fiz
oficialmente, isso foi uma estimulação para mim. Ninguém estava à espera. Os meus
pais nem sequer sabiam que eu corria, não disseram nada também, aliás eu inscrevi-
me na Associação de Atletismo de Viseu falsificando a assinatura de meu pai. Depois
dessa, quando meu pai me viu lá na linha de segundo, não acreditou naquilo que estava
a acontecer. A minha mãe nunca gostou. Ela dizia que era minha morte, naquela época
isso era extremamente complicado, era a mentalidade. Ao nível internacional foi nos
Jogos Luso-Brasileiros, fui segundo na prova de 5000 metros.
Carlos narrou-nos de maneira saudosa os seus sentimentos em relação
à primeira e última medalhas que ganhou como atleta:
O sentimento é o mesmo, eu sempre senti que a primeira é sempre a primeira e a
última é sempre a última. Mas a última… é um trabalho de 22 anos, e é sempre a
88
Na última prova do programa de atletismo, Samuel Kamau Wansiru,do Quénia, superou a marca de Carlos Lopes. (http://www.tsf.pt/PaginaInicial/Desporto/Interior.aspx?content_id=983786). Acessado em 31 de outubro de 2011.
Apresentação e Interpretação das Narrativas
Socorro Dantas
253
última. Foi meu final de carreira, ganhei e disse a partir daqui acabou o atletismo para
mim.
A primeira medalha para Carlos parece ter o sabor da chegada, do início
de um sonho. A última é o gosto da despedida, do afastamento, a chegada da
reforma como atleta de alto nível.
Carlos, como tantos outros entrevistados para este estudo, considera os
Jogos Olímpicos a competição mais importante na sua carreira:
Pessoalmente poderia até dizer que foi a maratona dos Jogos Olímpicos. Foi a
primeira vez que Portugal ganhou, fui um orgulho não só em Portugal, mas para os
portugueses que estão espalhados pelo mundo, não há nada que pague isso. Mas, o
que me deu mais gozo ganhar, foi no ano seguinte aqui em Lisboa o Campeonato do
Mundo de Cross, tinha 38 anos. Depois, ganhar em casa, porque normalmente isso
não acontece; normalmente o atleta da casa não ganha. E eu fiz tudo para ganhar. E
para as previsões que estavam a acontecer eu não era mesmo o favorito. Eu fiz um
programa, trabalhei, analisei e na véspera da prova eu peguei o plano e “por ali vou
passar assim, assim e quando chegar aos cinco, 6 km vou-me embora, vou ganhar a
prova”. Só que quando cheguei no dia no local da prova nada disso aconteceu;
primeiro porque o percurso tinha modificações, depois porque os africanos
apareceram mais cedo do que aquilo que eu estava a prever. E depois que viram que
era eu que ia atrás deles, recuaram também, e acabou ali a competição. Aí a
matemática a funcionar: “o que é que eu vou fazer? Se eu arriscar aqui, estou sujeito a
perder, tinha «gajos» atrás de mim, do meu lado, depois alguém a dar um esticão vai-
se embora, eles não puxam então a melhor forma de resolver é assim: na última volta
tem 2900 metros, eu vou arriscar na última volta”. Portanto, dentro da competição a
gente tem que decidir. Pronto! Foi por isso que ganhei, contra as previsões de toda
gente, e foi essa corrida que me deu um gozo muito grande. E depois foi bater o
recorde da maratona, pela primeira vez na história um homem baixou das duas horas
e oito minutos, fui eu.
Apresentação e Interpretação das Narrativas
Socorro Dantas
254
Carlos Lopes denota a importância do reconhecimento público, a
consagração ao vivo e no seu país. Conforme se depreende dos excertos
anteriores, o ex-atleta reconhece que a participação em uma Olimpíada foi
muito boa, e que os Jogos Olímpicos são importantes, mas a competição que
lhe proporcionou mais prazer foi a competição onde ele estava desacreditado e
conseguiu ganhar. E mais uma vez mostra a relevância de um treinamento bem
planejado. Carlos também é um orgulho para Portugal, porque conseguiu bater o
recorde da maratona, e ficar com esse título durante 24 anos.
O sucesso e as recompensas
Carlos relatou que na sua época de atleta, o que se ganhava em
prêmios eram valores muito diferentes dos de hoje. Os prêmios, os
patrocinadores, tudo era diferente, existiam limitações para que fosse diferente,
tanto no que dizia respeito à situação política de Portugal, na época uma
ditadura, quando aos limites estabelecidos pela Federação Internacional de
Atletismo:
Naquela altura era extremamente complicado, a gente não podia ganhar dinheiro, não
podia fazer publicidade. E também a Federação Internacional... Aqui em Portugal quem
abriu as portas fui eu, eu comecei a ganhar dinheiro. Mas, por exemplo, as maratonas
não têm nada haver o que se ganha hoje, nem de longe. Mas abri as portas para os
portugueses terem outra visão. Mesmo de alguns treinadores que tinham uma imensa
dificuldade em gerir dinheiro. Se os nossos treinadores aceitassem dinheiro era um
problema.
Pela fala do ex-atleta, ele foi um dos pioneiros na profissionalização do
esporte na sua terra, ou seja, ganhar dinheiro e viver do esporte como atleta.
Carlos nos disse que de maneira geral ganhou mais do que perdeu, mais que
poderia ter ganhado mais pelo que fez:
Apresentação e Interpretação das Narrativas
Socorro Dantas
255
No cômputo geral ganhei mais do que perdi. Mas poderia ter ganhado muito mais.
Porque pela primeira vez na história do Atletismo português eu ganhei uma medalha
olímpica, e isso marcou uma geração, e isso não se apaga de certeza. Mesmo que
quisesse eu não apago. Eu penso que marquei todas as gerações, e eu passei por
quatro gerações. Por isso é impossível não ter marcado.
Carlos Lopes foi o primeiro atleta português a ganhar uma medalha de
ouro em Olimpíadas. No ano de 2009, Carlos recebeu do Comitê Olímpico
Português (COP) a medalha de Atleta do Século, ou seja, o maior atleta da
história do olimpismo português.
No dia 24/10/2009, o Jornal de Notícias, em Portugal, colocou nas suas
páginas: “Centenário do COP: Carlos Lopes, o símbolo maior do olimpismo
português”. E ainda no Jornal de Notícias foi divulgado que na entrega do
prêmio Carlos Lopes foi ainda homenageado por Sebastian Coe, bicampeão
olímpico seu contemporâneo e atual presidente da comissão organizadora de
Londres'2012.
A competição considerada mais difícil
Para Carlos Lopes, no alto nível não há competição fácil, mas o
importante é treinar, treinar muito e treinar bem:
Eu penso que são todas difíceis, agora se a gente fizer o trabalho de casa as coisas
se tornam mais fáceis. Por exemplo, a primeira medalha de prata eu estava
convencido que ia ganhar, e fui segundo. Em Montreal89, se calhar não fiz bem o
trabalho de casa. Porque naquele ano eu ganhei todas as provas de dez mil metros,
só perdi aquela dos Jogos.
89
Carlos se refere aos Jogos Olímpicos de Montreal em 1976, onde ficou em segundo lugar.
Apresentação e Interpretação das Narrativas
Socorro Dantas
256
Para um atleta do nível de Carlos Lopes, ganhar uma importante
medalha de prata não o deixou satisfeito, pois seu objetivo era a medalha de
ouro.
Dificuldades na carreira esportiva
As dificuldades encontradas por um atleta que quer vencer e chegar ao
topo materializam-se num caminho espinhoso, em vários aspectos. Carlos
contou as suas dificuldades para ser o atleta reconhecido, uma das
dificuldades relatadas por ele foi a adaptação à outra cidade, quando foi para o
Sporting:
Isso levou-me a transitar de Viseu para Lisboa, no primeiro ano foi muito complicado.
Extremamente complicado, não complicado na dimensão da cidade, das pessoas, isso
a mim não me preocupou. A alimentação para mim foi complicado, estava habituado a
uma maneira de comida, que era completamente diferente, além do mais, a minha
mãe era uma cozinheira extraordinária. E eu sempre que podia fugia para Viseu para
comer [risos]. Era porque a minha mãe sempre cozinhou com bastante azeite e em
Lisboa era margarina, manteiga, isso pra mim foi um choque.
O ex-atleta reflete e diz que a dificuldade de adaptação à nova rotina de
vida, pode, eventualmente, ter interferido em seu rendimento:
Talvez tenha interferido, porque nessa época, em 1976 fiz uma travessia no deserto e
o resultado não foi bom. Em 1977 fiz em Lisboa. E nesse período não cresci como
atleta como eu queria. Nesse período, então tive essas dificuldades, mas fui me
adaptando, adaptando à comida, às pessoas, às exigências do treino. Embora eu
tivesse sempre muita dificuldade em acordar às seis e meia da manhã e ir trabalhar
das oito até as seis da tarde, e treinar das sete até as nove. Era um sacrifício
tremendo.
Apresentação e Interpretação das Narrativas
Socorro Dantas
257
Nessa época Carlos reporta-se ao fato de que além de treinar tinha que
trabalhar, pois precisava do dinheiro para viver, e o esporte ainda não havia lhe
dado dividendos suficientes para que parasse de trabalhar e se dedicasse
apenas aos treinamentos e às competições. Mas ele nos disse com convicção
que qualquer sacrifício valeria a pena para ele ser um vencedor e orgulhar aos
seus conterrâneos, como se denota no excerto a seguir:
Voltar a terra com insucesso seria o maior fracasso da vida que eu podia ter. E se
calhar, não seria o que sou hoje, mostrar à minha terra do que eu era capaz.
Sobre as condições de treinamento de hoje e comparando com as
condições da sua época, inclusive sobre o material e as indumentárias usadas
pelos atletas, Carlos referenciou:
Os tempos são outros, o treinamento é outro, a configuração é outra. A motivação
material é enorme, e isso leva-nos a superar muitas coisas. Eu começaria justamente
por aí, eu penso quando o material é bom é meio caminho, influencia na maneira de
pisar, correr. Eu estreei os sapatos da Nike, nos Jogos, feitos para mim, cinco dias
antes pus os pés para fazê-los, e chegou-me na véspera da prova. Também só deu
para aquela prova, foi feito especificamente para aquela prova nada mais, depois
começou a descolar todo.
A evolução no esporte, no que diz respeito às novas pesquisas, tem
crescido muito, tanto em relação ao estudo das formas e condições de
treinamento, como na reavaliação de regras, como nos materiais utilizados para
confeccionar roupas e calçados dos atletas. Tudo é pensado com objetivo de
melhorar o desempenho dos atletas.
Apresentação e Interpretação das Narrativas
Socorro Dantas
258
- As perdas
Carlos acredita que não empregou a fama e o sucesso de maneira mais
proveitosa como refere no excerto a seguir:
As perdas, é que não soube tirar partido daquilo que eu fiz, acho que não
consegui, não consegui. Se calhar, porque não tive ninguém que me ajudasse. Era
muito individual, e isso marcou-me. Se calhar, era porque não tinha empresário. Ser
sozinho é extremamente complicado. Mas também hoje os empresários, as empresas
que trabalham com isso não dão margem para os atletas serem mais atletas. Estão
sempre moldados, e assim os atletas perdem um bocado como atleta. Estou me
reportando aos ganhos do futebol….O futebol é um jogo de equipe, os jogadores de
futebol não precisam treinar tanto como os desportos individuais. Podem até não jogar
nada, mas fez um gol, pronto.
Carlos Lopes fez uma comparação, tanto da sua situação de não ter tido
uma acessoria que o orientasse, como também, compara o esporte individual
com o coletivo, principalmente o Futebol, onde as negociações com
contratações, com utilização de marcas de produtos, alcançam valores de
milhões.
- As derrotas
Sobre as derrotas, Carlos Lopes relatou que ele, como alguns atletas,
sente muito. Nos Jogos Olímpicos de Montreal, Carlos ganhou a medalha de
prata, mas, para o ex-atleta, aquela prata teve o significado de uma derrota,
como se percebe no excerto a seguir:
Foi uma prova que ensinou-me imenso, saber onde é que eu falhei, fazer uma análise
uma retrospectiva. Eu costumo dizer que é com as derrotas que a gente aprende a
ganhar provas, quando a gente ganha tudo, tudo bem, tudo normal não há nada que
Apresentação e Interpretação das Narrativas
Socorro Dantas
259
mexer não é? Quando a gente perde tem que ter a consciência porque é que perdeu e
fazer uma análise, para trabalhar as partes mais complicadas.
Ao ganhar o segundo lugar na competição, o ex-atleta saiu da sua zona
de conforto, e isso serviu para que ele treinasse mais e melhor, procurando a
superação.
- As lesões
As lesões interromperam a carreira de Carlos Lopes por um longo
período de tempo. Ele revelou que um dos períodos mais difíceis da sua carreira
foi quando estava lesionado:
Entre 1977 e 1980, fiquei completamente parado, problema no tendão de Aquiles;
naquela altura era extremamente complicado a recuperação para aqueles de alta
competição. Aqueles que fizeram operações ficaram com sequelas para o resto das
suas vidas. E eu quando apanhei isso foi uma morte anunciada jornalisticamente, mas
dentro de mim sentia que ainda não era ali. Naquela altura tinha 28, 29 anos, era um
bocado cedo. E então nunca deixei ser operado, foi através da acupuntura com o
mestre Koboyashy. O mestre disse “tem cura, demora muito tempo, mas tem cura”. Fiz
o tratamento, ao fim de três anos comecei a recuperar. Comecei a voltar, embora
tivesse engordado um bocado, sem treinamento. Comecei a competir ainda com
bastante peso. Mas para perder peso fui treinar, a ouvir aquilo que não gostava. Aqui
em Portugal as pessoas gostam muito de incomodar.
Nesse período em que esteve lesionado, Carlos não foi à Olimpíada de
Moscou, o que o deixou muito triste. Referiu que foram anos de angústia e que
várias pessoas não acreditavam na sua volta ao esporte. Porém, a sua força de
vontade e a perseverança, fizeram com que ele superasse aquela fase difícil e
voltasse, aos poucos, a brilhar novamente no cenário esportivo.
Apresentação e Interpretação das Narrativas
Socorro Dantas
260
As relações com os amigos, treinadores, federação e mídia
Carlos diz que sempre teve uma boa relação com os seus treinadores,
mas foi sucinto ao falar sobre o assunto:
Muito boa. Mas também fiz parte de uma geração que aprendeu muito, se calhar
também dei muito para eles aprenderem comigo.
Também referiu que a sua relação com a mídia sempre foi tranqüila e
atenciosa:
Nunca tive problema, porque mesmo que faltasse um minuto para começar uma
prova, e me pedissem para falar eu falava normalmente. Embora hoje eu vezes peça
“pá não me chateias, vá” [risos].
Carlos relembra que a sua vida social era quase sempre em casa com a
família e alguns amigos:
Raramente saia. Convivíamos de maneira diferente, em casa. Mesmo na véspera da
prova convivíamos normal. Era a minha liberdade.
Ele referenciou que o fato de ter casado com uma atleta, ajudou muito
pois um entendia a rotina do outro.
Apresentação e Interpretação das Narrativas
Socorro Dantas
261
Motivação e desmotivação na carreira esportiva
A percepção do envelhecimento para Carlos se deu no aspecto físico,
especificamente na necessidade de um maior tempo de recuperação nos
treinamentos e nas provas:
Sentia mais dificuldade na recuperação. Tinha mais dificuldade, o período era mais
longo, tinha que ter outros cuidados, já não podia agir da mesma forma. E uma coisa
tinha que ter consciência, tinha jovens com 20 anos, e eu quase com quarenta anos era
normal que tivesse que abandonar. E, antes que tudo corresse mal, era melhor desistir.
Essa dificuldade no aspecto físico contribuiu para que Carlos decidisse
parar, mesmo que ainda tivesse condições para continuar mais tempo, ele
decidiu parar como um ganhador:
Então a melhor forma é abandonar no auge. Ainda hoje as pessoas recordam que
“esse gajo acabou a ganhar provas”. Não me deixei arrastar pela vaidade de querer
está ali, a vaidade não serve para isso. E como eu disse, eu nunca fui deus nenhum, e
não era por ganhar que era mais deus que os outros. Temos que ter essa consciência,
eu tinha. Sabia que não era eterno, tinha a capacidade de pensar por mim e não pensar
pelos outros, isso permite-me envelhecer sim, mas com dignidade.
Como o singular atleta que foi e que sabia os seus limites, Carlos Lopes
também soube seu limite de tempo para parar de competir.
O afastamento
Carlos relatou que já vinha a algum tempo preparando o seu
afastamento, mas uma lesão acelerou a tomada de decisão:
Apresentação e Interpretação das Narrativas
Socorro Dantas
262
Na altura eu já tinha muitos problemas e pensei: “Já ganhaste tudo que tinhas de
ganhar, tens que abandonar”. Então eu comecei a pensar naquilo: “Pá já fizeste tudo
que tinha para fazer”. Tinha 39 anos, e tinha acabado aquela prova senti que tinha
uma contratura. Então eu disse para mim, “é agora, acabou”. É assim, eu tinha ganho
aquela prova, mais uma contratura, “nem é tarde nem é cedo, acaba aqui”. Acabei a
ganhar.
Para o ex-atleta, aquele foi o tempo certo para parar de competir, para
se dedicar a outras coisas, e assumir novos papéis. No excerto a seguir, Carlos
relata o que aconteceu para que ele voltasse às corridas, mas, com outra
função, a de treinador, e também passou a assumir outras funções no cenário
esportivo português:
Voltei porque um jovem foi ter comigo e disse: “quero que sejas meu treinador”. Eu
tenho o curso de treinador de 3º grau, feito pela Federação de Atletismo. Mas, a
minha vontade, quando parei, era afastar-me por completo. Mas a pressão dos
amigos, jornalistas… Sou do Comitê Olímpico, tenha a Fundação90, ando pelas
escolas91.
O seu processo de envelhecimento
Para Carlos Lopes, envelhecer é percebido como um processo natural, e
que tudo na vida tem um término:
É uma coisa normal. Eu sempre pensei que na vida tudo tem um princípio e tem um
fim, eu sabia que mais cedo ou mais tarde tinha que abandonar. Nós não somos
eternos e estava preparado para abandonar. É a coisa mais natural em cima da terra.
90
A Fundação Carlos Lopes tem por fim divulgar a imagem do seu fundador, e dos atletas olímpicos em geral, tendo em vista conservar a memória dos feitos esportivos dos atletas portugueses, como patrimônio esportivo de Portugal. (http://www.pt-links.com/displaySite44.asp?id=23244&desc=fundacao_carlos_lopes). Acessado em 31 de outubro de 2011. 91
Carlos Lopes, sempre que é convidado, vai às escolas falar sobre os valores do esporte.
Apresentação e Interpretação das Narrativas
Socorro Dantas
263
Para o ex-atleta, a aposentadoria como atleta lhe proporcionou um
ganho de tempo que antes não tinha, e se percebe isso quando ele nos disse:
Eu faço praticamente tudo, agora tenho mais tempo para fazer. É assim, nós temos
que saber onde queremos chegar, e o tempo ensina isso.
Tem gente que diz assim, “se agora tivesse vinte anos”, eu já passei por eles, pronto,
e a vida não volta para trás. Nunca me preocupou o sucesso, portanto eu encaro o
envelhecimento com normalidade.
O PRESENTE
Trabalho e esporte
Carlos procura na sua função de treinador passar seus conhecimentos e
sua experiência de atleta de sucesso para os seus atletas:
Eu costumo dizer aos miúdos que treino, que o atletismo tem uma coisa diferente das
outras modalidades, tem que ser independente e acima de tudo tem que ter muita
paciência. E isto demora muito tempo, aprendendo, e tem que aprender tudo, entre os
17 e os 24 anos.
Perguntamos ao ex-atleta quais as suas impressões sobre a atual
conjuntura do Atletismo em Portugal, e ele nos falou:
O Atletismo é o que mais tem dado ao desporto português, tem dado medalhas, dado
resultados. Em minha opinião, acho que em termos de mundo, Portugal é meio-fundo
e fundo. O futebol não deu nada rigorosamente nada. Não tem dado coisa nenhuma e,
no entanto, arrasta milhões, empresas. E há escândalos sobre escândalos, e isso
vende jornais, é entrevista disso, entrevista daquilo. A mentalidade desportiva, e não
digo só dos portugueses, está muito fraquinha. Não se dá razão àqueles que
Apresentação e Interpretação das Narrativas
Socorro Dantas
264
realmente trabalham diariamente. E também acho que o futebol é fácil de relatar, é
mais fácil de comentar que os outros desportos, que são desportos mais técnicos, que
limitam muito os jornalistas.
Rotina
O ex-atleta referiu-se ainda à sua atual rotina de vida, mostrando o que
mudou, a diferença da sua rotina de época de atleta :
Sou Vice-presidente do Comitê Olímpico, tenho a minha Fundação. Na próxima quinta
ia ser a maratona mas já não vai ser por causa de patrocínios. Paciência. Ando pelas
escolas a falar com os miúdos. Para não estar parado tenho que fazer. Extremamente
desgastante também [risos]. Eu tenho dias que saio de casa de manhã só chego à
noite.
No final da nossa entrevista, Carlos nos disse que pretendia deixar o
papel de treinador e justificou:
Pelas tais questões burocráticas, eu decidi não me chatear com ninguém. O tal
problema da independência, do espírito da boa vontade e sem ter denegrido ninguém,
resolvi me afastar por uns tempos, e pensar se vale a pena fazer aquele trabalho que
eu gostava. Já começa a custar, já não tenho idade para aturar gente dessas.
O ex-atleta mostra que já não possui a paciência de antes, e não precisa
mais se aborrecer a essa altura da vida.
SOBRE O FUTURO
Sobre o futuro Carlos falou tranquilamente e risonho:
Apresentação e Interpretação das Narrativas
Socorro Dantas
265
Não penso nada, não sei o que vai acontecer [risos]. Eu vivo o dia a dia. Portanto, eu
penso que o dia a dia nos ensina. O que eu pensar para amanhã pode não acontecer.
Para uma pessoa que teve uma vida sempre marcada por horários,datas e
projetos, é possível perceber o que a passagem do tempo fez com que novos
valores fossem descobertos. Para Carlos, viver o hoje é o que importa.
3.1.6 A narrativa de Esbela da Fonseca
A atleta
Esbela da Fonseca nasceu em Lisboa – Portugal -, no dia 26 de julho de
1942; na data da entrevista92 a ex-atleta tinha 66 anos de idade. Esbela da
Fonseca foi representante da equipe portuguesa de Ginástica Olímpica nos
Jogos Olímpicos de Roma (1960), Tóquio (1964) e México (1968) 93.
PASSADO
As experiências no esporte
- O início – apoios e referências
Esbela da Fonseca relatou que desde tenra idade já se mostrava uma
pessoa inquieta, ativa, que gostava de movimento:
Quando eu comecei foi por puro prazer do movimento. Sem pensar o que é que iria dar
no futuro. Pra mim, era brincar, brincar no desporto, era o prazer, era uma coisa que eu
tinha a estar no ginásio.
Foi na escola que o talento de Esbela foi revelado, a professora de
Educação Física observou as características e talento de Esbela, e assim a
92
A entrevista com Esbela Fonseca aconteceu no dia 7 de Maio de 2009, na cidade de Lisboa - Portugal. 93
Mais informações sobre o currículo esportivo de Esbela ver no Anexo 10.
Apresentação e Interpretação das Narrativas
Socorro Dantas
266
conduziu para o esporte, nomeadamente o esporte que lhe deu notoriedade, a
Ginástica Olímpica:
O liceu era já a partir dos 10 anos, digamos hoje o 5º ano de escolaridade. No liceu, a
professora de Educação Física achou que eu tinha um certo jeito, talento. Eu era o que
se chamava “Maria rapaz” |risos|, andava sempre pendurada, etc. E ela |a professora|
simultaneamente ensinava num clube, ginástica, que na altura chamava-se Ginástica
Educativa, que era uma ginástica para senhoras, ainda um bocadinho “Ling”, baseada
na Escola Escandinava, que os exercícios eram com músicas e tinha uma parte de
movimentação de braços, pernas, abdominais, etc. Nesse mesmo clube, havia um
professor alemão que ensinava Ginástica de Aparelhos, depois chamou-se Ginástica
Aplicada, depois chamou-se Ginástica Desportiva e agora chama-se Ginástica
Artística94. Esse professor que era alemão tinha vindo precisamente ser professor,
ensinava nesse clube e achou que eu era pena demais para essas classezinhas e
perguntou-me se eu não queria experimentar. Daí eu experimentei, gostei, tinha 11
anos, e ele levou-me para outro clube, onde eu cresci e fiz-me maior como ginasta, e
onde eu comecei a treinar a sério já com objetivos.
No relato da ex-atleta observa-se a relevância da professora de
Educação Física na sua história de atleta. O que mostra a importância do
professor de Educação Física na escola no sentido de incentivar as crianças
para o esporte, e descobrir os talentos.
Além da professora, Esbela revelou que a família foi o seu apoio,
principalmente a mãe, que também gostava de esportes:
A família todo o tempo apoiou, mas é que a minha mãe tinha sido a primeira campeã
nacional de sprint. Gostava de desportos, portanto ficou muito entusiasmada. O meu
pai era médico, e pensou que era mais ou menos capricho meu, ele queria mesmo era
que eu fosse para a medicina.
94
A Ginástica Artística é também conhecida como Ginástica Olímpica. Neste estudo usamos a denominação Ginástica Olímpica.
Apresentação e Interpretação das Narrativas
Socorro Dantas
267
No excerto a seguir, Esbela conta que desenvolveu o gosto pelos
esportes desde cedo, principalmente por aqueles que apresentavam certo risco;
esportes que provocassem a sensação de medo e que lhe despertassem a
vontade de ultrapassar esse medo, tendo sido com esses sentimentos que ela
ingressou no cenário da Ginástica Olímpica:
Sempre gostei de desportos que oferecessem uma certa sensação, um certo perigo,
vencer o medo. Também gosto de Vólei ou Ping-pong, Basquete. Mas, sobretudo,
sempre gostei mais dos desportos individuais, eu ser responsável por mim mesma, e
não estar a prejudicar ou ajudar uma equipa, e estar dependente de outros. Gostava de
ser eu mesma a responsável. E a Ginástica Artística oferecia-me isto tudo: a ter medo,
vencer o medo, ter sensação, voar um bocadinho. E então comecei a minha carreira aí,
cada vez a treinar mais e depois começaram as competições internacionais, eu fui
campeã nacional quatro vezes, mudando sempre de categoria, até que cheguei à
primeira categoria, na altura.
Para a ex-atleta, a Ginástica Olímpica era um esporte que, além de
proporcionar a sensação de risco, também exigia outra qualidade da atleta, a
individualidade. Essa individualidade, para Esbela, podia ser traduzida na
responsabilidade dos resultados dependerem de si e não de uma equipe, como
acontece nos esportes coletivos.
Características individuais e valores
Esbela informou que desde criança era muito ativa, gostava de
movimento. A independência e a individualidade também são outras
características que a ex-atleta afirmou possuir. Aliás, a individualidade e a
independência são características citadas frequentemente, neste estudo, pelos
entrevistados que foram atletas de esportes individuais.
Apresentação e Interpretação das Narrativas
Socorro Dantas
268
Esbela acredita que os seus valores vieram da família, porém o esporte
ajudou a aprimorá-los, e afirma que na vida como no esporte a pessoa tem que
aprender a se superar:
A pessoa tem que lutar contra si próprio. Eu sou uma pessoa que tive que lutar contra o
medo, em situações que não tem nada haver com a ginástica. E que acho, que embora
seja congênito, a ginástica me ajudou muito no sentido do poder da decisão. Dizer sim
ou não, fazer ou não fazer.
Esbela nos disse que todo atleta de alta competição deve possuir uma
certa agressividade, no sentido de ir sempre além, lutar para obter melhores
resultados. A ex-atleta confessou ser uma pessoa agressiva, mas que mantém
essa agressividade controlada é uma agressividade que a faz lutar pelo que
quer:
Eu não sou mais agressiva por educação e por conveniência. Controlada,
evidentemente. Mas eu acho que não há um atleta de alta competição que não tenha
um componente de agressividade. Se não, chega uma altura que não dar mesmo.
A agressividade a qual a ex-atleta se refere é a agressividade que
impulsiona e que leva a ultrapassar os obstáculos da exaustiva vida de atleta de
alto nível.
As prioridades e renúncias
Apesar do apoio dos pais, havia a preocupação para que Esbela tivesse
uma profissão. Diante da pressão dos pais, e do difícil momento que
atravessava a Ginástica Olímpica, a ex- atleta passou por uma fase de crise,
Apresentação e Interpretação das Narrativas
Socorro Dantas
269
onde se questionou se deveria ou não continuar no esporte, como ela relatou
no excerto a seguir:
Chegou uma altura em que o estudo começou a ficar um bocadinho tremido por causa
dos treinos, portanto, estava na fase de refletir, e pensei: “não vale a pena fazer mais”.
Tinha acabado os Jogos Olímpicos de Roma, o treinador foi-se embora. Depois que
eu parei, o clube resolveu contratar um treinador japonês, que não era professor, mas
tinha sido um bom praticante, tinha estudado outra coisa, mas sabia como se treinava.
E disseram para eu recomeçar novamente, e eu estava lá, fui.
Porém, ao retomar a vida de atleta, a esperança e a perseverança
reapareceram. Naquele período, Esbela estava com 19 anos e achou que
valeria a pena o sacrifício de retomar os treinamentos:
Tinha 19, e comecei novamente a sentir que valia a pena, treinei muito, cheguei a
treinar 4 a 5 horas por dia. Treinava sozinha às vezes, sempre ao fim de semana no
clube, o clube estava fechado, davam-me uma chave, eu montava as paralelas
sozinha. Depois fazia a entrada no aparelho com o trampolim, fazia a entrada, mas
não tinha quem tirasse o trampolim. Então saltava para o chão tirava o trampolim para
fora subia e continuava. Mas, entretanto, a minha mãe começou a pensar no estudo,
“que é mais importante, não sei quê”, e tinha razão claro. Mas eu era muito teimosa,
sempre fui, e disse eu vou fazer as duas coisas e fiz, quando a pessoa quer uma coisa
consegue.
O relato de Esbela mostra uma realidade de falta de estrutura no esporte
que ela praticava, mas isto não contribuiu para esvanecer a sua vontade de
seguir adiante.
Como outros entrevistados deste estudo, Esbela também saiu da sua
terra para estudar e treinar em outro país, ela relatou em que condições isto
aconteceu:
Apresentação e Interpretação das Narrativas
Socorro Dantas
270
Em 1965, outra grande viragem na minha vida, é que meu pai tinha morrido, morreu
em 1962, a minha mãe tomou conta do consultório com outro médico responsável a
dirigir aquilo. Mas, entretanto, veio um alemão e ela resolveu casar novamente, mas
nessa altura eu já tinha decidido ir para a Alemanha, estudar na escola de Colônia.
Precisamente o marido da minha mãe era alemão e era de Colônia, coisas da vida.
Falava um bocadinho |de alemão| porque eu comecei a estudar línguas aqui, estudei
alemão, inglês. Inglês bastante bom, e alemão sabia mais ou menos. Fui daqui direto
para Colônia, e pensei: “vou mais ou menos acabar a carreira agora, tinha 23 anos é
altura”.
O pensamento e atitude de Esbela mudaram ao chegar à Alemanha, a
estrutura da faculdade que a recebeu aumentou a sua motivação:
Na altura, uma das melhores faculdades da Europa para ginástica de aparelhos,
ginástica de crianças, introdução à prática desportiva, tudo isso. Mas em ginástica de
alta competição a escola não tinha mulheres. Então eu acabei, um bocadinho, sendo
mais ou menos a estrela. Acabei por ser também assistente e dava aulas, ajudava os
outros e com muita energia.
A rotina como atleta profissional
Esbela falou como era a sua rotina de treinamento, sendo que às vezes
treinava sem um técnico:
Na primeira fase treinava só uma vez por dia, durante mais ou menos quatro horas no
início. Na fase de estágio treinava três horas pela manhã e quatro à tarde (quando
tinha treinador).
A ex-atleta declara que a fase mais difícil de conciliar a rotina de atleta
com outras dimensões da sua vida foi quando nasceu a sua filha:
Apresentação e Interpretação das Narrativas
Socorro Dantas
271
Fiquei 14 anos na Alemanha. Tive minha filha. Era difícil conciliar a minha vida como
atleta e mãe, mas não abdiquei. Levava a minha filha para os treinos comigo.
A rotina de um atleta é difícil, para a mulher atleta que não quer abdicar
de ser mãe, essa rotina se torna mais complicada. A maternidade exige um
período de pausa, para a gravidez, amamentação entre outras atividades e
situações. Nesse contexto, desempenhar dois papéis que exigem tanto é
complicado.
Como é do conhecimento geral, a Ginástica Olímpica exige disciplina,
sacrifícios e muita força de vontade do atleta. Esbela falou como eram os
treinamentos e o que sentia nas competições:
Em competição, o medo que eu tinha não era de magoar nem cair, era de falhar. Cair
do aparelho e não ter pontos mais altos porque perdeu o controle, isso era a parte
propriamente do controle psíquico, psicológico, isso custa a todo o ginasta. Mas isso
todos os desportos têm, quando o sprint começa, se estiver em ali brasas, ‘tá cheio de
adrenalina. E isso tudo.
Esbela considera que o medo que sentia do risco de cair é um fator
inerente ao esporte, mas que pode ser controlado com os treinamentos. A ex-
atleta faz uma comparação entre o medo na competição e o medo que sente em
esportes de aventura:
Mas não é propriamente o medo de cair, é um medo diferente. O medo da aventura,
tipo Tarzan, isso é o mais atraente.
Parece que o medo na competição surge do receio de não atingir as
expectativas (próprias, do treinador, do público). Por outro lado, o medo que
Esbela referiu sentir nos esportes de risco, está geralmente associado à busca
Apresentação e Interpretação das Narrativas
Socorro Dantas
272
pelo mesmo, algo que lhe proporciona prazer. Este aspecto será desenvolvido
posteriormente na interpretação das narrativas. Sobre o gosto pelo risco, Esbela
relembra que no início da sua vida de atleta, no ginásio onde treinava havia um
trapézio que ela experimentou e descreve o que sentiu:
Claro, era perigo, era a sensação e eu quis ir, quis experimentar. É uma
maravilha fazer trapézio, voar; a sensação é uma maravilha. Então para o trapézio e um
dia numa passagem, não me ensinaram bem, bati com o joelho na cara e fiquei toda
inchada e meu pai disse: “agora acabou, trapézio acabou”. Isso é que eu acho que
ainda hoje a ginástica atrai muitos jovens porque é meio radical.
Esbela gostava de treinar e se sentia bem no ambiente do ginásio. A ex-
atleta revelou um episódio que ela considera marcante na sua vida, o seu
comportamento diante da morte do seu pai. Ela diz ter “fugido” daquela situação
buscando o conforto na sua rotina de treinamento:
Quando o meu pai morreu, no dia em que meu pai morreu, eu fui treinar, foi o maior
alívio que eu tive, foi estar a fazer como uma rotina normal sem pensar no resto. A
minha vida não mudou nada.
Em um momento da entrevista a ex-atleta afirmou que gostava muito de
treinar, isso fica claro em uma frase sua:
O gozo é o treino, é melhor que a competição. Treina-se por nós.
Apresentação e Interpretação das Narrativas
Socorro Dantas
273
Experiências marcantes na carreira de atleta
Esbela relatou que um dos relevantes momentos da sua carreira de
atleta foi a sua participação nos Jogos Olímpicos de Roma, principalmente por
não se ter preparado para um evento daquele porte:
Um ponto decisivo na minha vida foi os Jogos Olímpicos de Roma. É que nós aqui
éramos ceguinhos, não sabíamos nada que se passava lá fora. Era o Brasil, que na
altura, era pior que nós (em 1960), a Espanha era um bocadinho melhor, mas, mais ou
menos do mesmo nível, e o resto não sabíamos nada, não havia comunicação, não
havia televisão. Falava-se, ouvia-se as vezes um documentariozinho, mais nada,
muito pouco. E sem preparação nenhuma fui com duas colegas minhas para os Jogos
Olímpicos de Roma, e aí foi o grande choque, claro. Esbela relata que naquela época,
os atletas que iam a uma Olimpíada eram indicados pelas informações das
federações, e o Comitê Olímpico decidia quem devia ir.
Esbela relembra que foi um grande choque ir a uma Olimpíada e se
deparar com uma estrutura totalmente diferente daquela a qual ela estava
habituada a treinar:
E claro que o choque foi muito grande, porque chegámos lá, porque para a ginástica de
solo há um praticável 12x12. E esse praticável nós não conhecíamos nenhum daquela
qualidade, só tínhamos uma lona esticada, mais nada! Claro que da primeira vez que
saltei lá enfiei de cabeça, porque o balanço foi tão grande que eu “ahhh”, o choque de
níveis foi muito diferente.
Na época em que Esbela era atleta, Portugal não possuía a estrutura de
outros países que estavam à frente na modalidade Ginástica, assim, as
dificuldades para treinar eram muito maiores, como revelou a fala da ex-atleta
no excerto anterior. No excerto a seguir, Esbela descreveu o que sentiu quando
viu outros atletas se apresentando:
Apresentação e Interpretação das Narrativas
Socorro Dantas
274
O que foi marcante decididamente foram aqueles ginastas, que vi pela primeira vez
nos Jogos Olímpicos de Roma. Há cenas que nunca mais esqueço como a da campeã
de solo, soviética, que depois ficou minha amiga. Tinha na altura um exercício de solo
com uma música que estava muito em voga, que era “Volare”. E tinha uma parte do
exercício que era um “avião” e que parecia que ia voar, e eu achei tão bonito porque
eu ligo o desporto à estética, e não gosto de desportos brutos. Quer dizer, eu gosto de
desportos que sejam estéticos, a Ginástica Artística, a Patinagem no gelo o Salto para
água. Tudo que seja do ponto de vista somático, e que possa transmitir alguma coisa
de arte. Mas por outro lado, o Judô como era feito dantes, acho que sim. O Judô que
era feito antes havia lançamentos, agora é só no chão, horrível.
O gosto pela estética, pela beleza, ficou explícito em vários momentos
da entrevista. De fato, Esbela é uma pessoa que se mostra culta e uma
apreciadora das artes e de outras culturas.
Outro momento relevante para a carreira de Esbela foi quando descobriu
outros métodos de treinamento. Isto aconteceu quando ela teve outras
experiências na Ginástica, o contato com atletas do Japão e quando foi
treinada por um técnico japonês:
Quando chegou o treinador japonês com técnicas diferentes, aí eu disse “’pera aí, a
Ginástica não é o que eu tenho estado a fazer até agora”, a Ginástica de competição
era outra coisa. E depois veio cá a equipa japonesa, que na altura era campeã do
mundo, e eu disse “é isso que eu quero, é isso que eu quero isto é que vai decidir se eu
vou para frente ou não vou para frente”.
Participar de uma Olimpíada é o sonho de qualquer atleta, Esbela nos
contou como foi a sua segunda participação:
Treinei muito, fui a campeonatos da Europa campeonatos do mundo, e chegou o ano de
Olimpíada de 64, em Tóquio. Aí, a Comitê Olímpico disse que não ia levar ninguém da
Apresentação e Interpretação das Narrativas
Socorro Dantas
275
ginástica. Nessa altura ainda havia exercícios obrigatórios, que agora já não há, desde
Atlanta, que era uma parte de cada competição, eram exercícios obrigatórios iguais
para todos nos aparelhos, a outra parte era facultativo, livres. E apesar de ouvir dizendo
que ninguém ia, continuei treinando os exercícios obrigatórios que eram válidos durante
um ciclo, que eram, nessa altura, de dois anos. Eram exercícios obrigatórios novos,
cada vez que havia campeonatos do mundo ou Jogos Olímpicos, até acabarem os
Jogos Olímpicos esses exercícios obrigatórios faziam parte desse ciclo. E eu continuei,
estavam realmente na ponta da língua, muito bem treinados. Mas era assim, eu
sozinha. Então o Comitê Olímpico não escolheu ninguém, eu continuei a treinar, os
Jogos Olímpicos foram no mês de setembro, outubro, e em julho disseram que: “afinal o
Comitê Olímpico também a vai levar a si”. Foi uma felicidade, estava pronta.
Simplesmente não havia mais nenhuma mulher, e então eu fui sozinha com a equipa
masculina dos desportos todos, sem treinador, sem juiz, sem ninguém, a única mulher
da delegação era eu. Então fui para Tóquio, a primeira vez na Ásia, que maravilha.
Como meu treinador era um japonês, já sabia algumas palavras em japonês, quase
servi de intérprete para a delegação |risos|. As aldeias olímpicas eram separadas,
homens e mulheres. Então eu fui para a aldeia das mulheres, sozinha. Tudo a falar
japonês: esse é o seu quarto, o meu quarto tinha seis camas, eu sozinha, cada dia
dormia numa cama diferente para me sentir mais acompanhada. Completamente
sozinha, era eu que via os horários de transporte para os treinos, pessoas
completamente novas, saber como era que voltava para a aldeia olímpica. Depois, às
vezes metia-me por aí afora e descia numa estação qualquer, “onde é que eu estou”?
Depois lá encontrei vários amigos japoneses que tinham estado em Portugal. Foi muito
bom, e nessa altura já não havia esse medo de falhar tanto, havia uma
responsabilidade, estava mais amadurecida, com mais experiência. E, sobretudo o fato
de estar sozinha deu-me uma força ainda maior. Não havia ninguém a quem eu possa
dar culpa nem treinador nem ninguém, era eu sozinha. E eu acho que para a situação
eu sai-me muito bem, mas não tinha nome95. Nessa altura a máfia era muito grande,
como é um desporto da avaliação subjetiva, ou se era da União Soviética ou Alemanha
Oriental, Tchecoslováquia, Bulgária para ter boa nota ou os juízes não contavam,
porque havia muitos ginastas da União Soviética que não eram boas num ou noutro
aparelho, mas tinha notas altíssimas. Eu era muito boa no cavalo e só me davam 9,10
ou 9,20 no máximo, quando às vezes os outros tinham 9,50, 9,60 sem fazer nada. Isso
95
Esbela se refere ao fato de seu nome ainda não ser conhecido no meio da Ginástica Olímpica.
Apresentação e Interpretação das Narrativas
Socorro Dantas
276
não havia nada a fazer, era política claro. ‘Tava tudo comprado, e depois o bloco
comunista era quem comandava tudo.
O depoimento de Esbela revela as dificuldades pelas quais passou para
ser uma atleta de elite a representar o seu país, que não tinha tradição no
esporte em que ela competia. Essas dificuldades na carreira, no caso da ex-
atleta, contribuíram para o seu amadurecimento como atleta, como também
reforçou a sua independência e individualidade.
As competições relevantes e as medalhas extraordinárias
Para Esbela, a medalha mais especial foi numa competição
internacional:
Foi nos Jogos Luso-Brasileiros, uma prova internacional, eu ganhar uma medalha já era
qualquer coisa, era de Portugal e do Brasil. Já era qualquer coisa subir ao pódio.
A ex-atleta não se mostrou muito entusiasmada em falar das medalhas,
declarando que sua mãe é que se preocupava em guardar as medalhas e as
notícias que saiam sobre a filha atleta. E justificou os seus sentimentos em
relação às medalhas e troféus:
Eu nunca fui vaidosa. Eu aprendi cedo que o grande adversário era eu própria, e
quando a pessoa se supera já ganhou isso em relação à vida. Quem guardava essas
coisas era minha mãe, eu não me incomodava. Eu apareci em revistas, jornais sobre a
minha vida, o que eu fazia. Mas eu não ligava, minha mãe era que comprava e
guardava.
Apresentação e Interpretação das Narrativas
Socorro Dantas
277
Esbela descreve os seus sentimentos em relação à última medalha:
Foi precisamente no fim da minha carreira, quando eu ganhei Portugal-México. De ouro.
Senti como a última medalha da minha carreira, ia depois para os Jogos Olímpicos, mas
sabia que lá não ganhava medalha nenhuma. De maneira que aquilo era como fosse
um presente de despedida. Nostalgia, nostalgia, mas logo em seguida vieram os Jogos
Olímpicos. Depois fui para ao Brasil, e no Brasil gostámos muito, depois voltei para
Alemanha, e nessa altura quando voltei é que comecei a sentir um vazio. Um vazio de
qualquer coisa que faltava na vida, mas como era treinadora e continuei a treinar e
continuei a fazer exibições.
O excerto anterior mostra a dificuldade que foi para Esbela o término da
sua carreira. Também se percebe, na entrevista, alguma tristeza por não ter
conseguido nenhuma medalha em Olimpíadas. O que é natural, um atleta de
alto nível que vai a uma Olimpíada, tem como sonho ganhar uma medalha.
O sucesso e as recompensas
Esbela é uma pessoa de renome internacional na Ginástica Olímpica,
mas mencionou que foi de uma época em que não se ganhava dinheiro com o
esporte. Que poderia ter ganhado algum dinheiro ministrando cursos, mas
mesmo assim não conseguiu e explica:
Era uma época que o desporto não dava dinheiro não é? Uma vez eu dei um curso na
Bélgica, me pediram para ir lá, em 1963, fiquei um mês lá, ensinei para toda gente, fiz
exercícios para toda gente. Uma equipe feminina inteira trabalhava de manhã à noite a
tarde também. E a única coisa que me deram foi pagarem-me o bilhete de comboio e
me davam comida. E tiveram que assinar um papel que não recebi nenhum dinheiro,
para poder ir aos Jogos Olímpicos depois.
Apresentação e Interpretação das Narrativas
Socorro Dantas
278
Na época em que Esbela competia o esporte ainda não era profissional.
Não existia a estrutura de hoje, patrocínio, mídia, etc. O reconhecimento era o
que eles tinham. Esbela relatou com pesar sobre o fato de algumas estrelas do
Japão não serem reconhecidas por outras gerações.
Dei curso no Japão e os japoneses não eram conhecidos. Dói a pessoa não ser
reconhecida, ficava triste por eles. As estrelas não eram reconhecidas por outras
gerações.
Outros ex-atletas entrevistados por nós relataram o mesmo sentimento
de pesar sobre o fato de já não serem reconhecidos pelas gerações mais jovens.
A competição considerada mais difícil
Para Esbela, a competição mais difícil que participou foi a Olimpíada de
Tóquio:
Foi Tóquio, porque eu fui sozinha, completamente sozinha. Sobretudo à noite, um
quarto com seis camas, sozinha, nem sequer os meus amigos portugueses. Nessa
altura não havia televisão, nada. Eu tinha que levantar às cinco horas da manhã
sozinha com despertador. Custou-me, custou-me muito. Fomos num avião militar,
sentados assim de lado. Sim. Foi a primeira vez que andei de avião. Andava sempre
de carro ou de comboio não é? Tudo era novidade.
A solidão é um sentimento que apareceu com freqüência nas narrativas
dos entrevistados para esse estudo, no caso de Esbela, esse sentimento se
tornou mais incômodo por ser a primeira vez que ela ia a uma competição do
porte da Olimpíada.
Apresentação e Interpretação das Narrativas
Socorro Dantas
279
Dificuldades na carreira esportiva
- As dificuldades nos treinamentos
Esbela relatou que as dificuldades para treinar eram perenes. A falta de
estrutura poderia ser desmotivante se não fosse pela força de vontade do
atleta. Essas dificuldades impediam o desenvolvimento da Ginástica Olímpica
no país. Esbela descreve como fazia para treinar e se preparar para um
campeonato:
Portugal começa a perguntar sobre o Campeonato do Mundo de 1966. Que era na
Alemanha. E lá estou eu a treinar outra vez sozinha, com novos obrigatórios, e na
altura não havia vídeos, não havia DVD, não havia nada. Havia descrição dos
exercícios em francês, então eu sozinha, já tinha feito isso, a parte coreográfica que
era a mais difícil, então era braço, |descreveu em francês os movimentos| 360º graus,
a mão ali a cabeça aqui, então eu aprendi os exercícios todos, a ler e a fazer sozinha.
Então quando chegou 1966, sim senhor, estou pronta para ir para o campeonato do
mundo. Entretanto vieram mais duas colegas de Portugal, e tornei a ser a melhor das
portuguesas e pensei agora é que vou acabar, mas não acabei. Em 1967, fui para o
Campeonato da Europa que era Roterdão, eu fui de carro até Roterdão, arranjei uma
equipa, tornei a vir de carro para trás. E chegaram os Jogos Olímpicos do México. Eu
tinha vindo a Portugal fazer Portugal e México, como preparação, ganhei. Contrataram
outro treinador, japonês também, para preparar as equipas masculina e feminina para
os Jogos Olímpicos do México. A equipa nunca chegou a ser equipa, era um rapaz, e
eram três mulheres depois apenas duas.
Em relação a esse momento da sua carreira, Esbela contou que já não
tinha a motivação de antes para treinar e competir:
Tinha eu 26 anos, e devo dizer que aí já fiz por amor a ginástica e não por mim,
porque quando havia treino de preparação física, subir escada, subir escada…, eu
pensava: “porque estou fazendo isto?” Não me interessa já nada, mas fiz tudo. Fiz e
fui outra vez sozinha aos Jogos Olímpicos porque a colega magoou-se, também sem
Apresentação e Interpretação das Narrativas
Socorro Dantas
280
treinador. A mesma situação anterior. Também havia outras mulheres, mas de outros
desportos, tinha a colega que se magoou no menisco e não pôde competir, mas
estava lá. Então nos treinos completamente sozinha, outra vez. Daí, fizemos uma
digressão para o Brasil. Comvidaram-nos lá para fazer saraus em Porto Alegre etc.
Eu tinha um grande amigo lá, que pertenceu à federação e a federação internacional,
e arranjou para nós fazermos estágios com as brasileiras, nessa altura queriam
aprender de mim. Bons tempos!
No excerto acima, a ex-atleta chama atenção para a sua idade, que já
não era jovem para o esporte que praticava. A Ginástica Olímpica possui um
diferencial em relação aos outros esportes. Com efeito, na ginástica, o atleta
começa cedo e termina cedo a sua carreira,o que, de certo modo, poderá causar
uma desmotivação por se achar “velho”. A desmotivação de Esbela aparece na
saturação que ela declarou sentir em relação aquela exigente rotina de treinos.
- As derrotas
Em relação às derrotas, Esbela procurou tirar daí lições pois embora
sejam momentos de sofrimento, as derrotas também são momentos de
aprendizado. A atleta descreve uma situação passada numa Olimpíada:
Naquela altura eu tinha muita confiança, pois sabia que era a melhor, sem dúvida
nenhuma. Agora houve uma coisa interessante que foi quando eu cheguei à primeira
categoria; a minha competidora mais importante era precisamente a mulher do treinador
alemão que foi comigo aos Jogos Olímpicos de Roma, e ela tinha mais experiência que
eu porque tinha feito os Jogos Olímpicos de Helsinquia e era mulher do treinador, já
mais velha e experiente. E então havia os quatro aparelhos, e meu último aparelho era
a trave. É onde se treme mais. E foi o meu último aparelho, o mais interessante é que
estávamos as duas a competir, e eu ganhei o primeiro aparelho, ganhei o segundo,
ganhei o terceiro ia à frente, e quando cheguei à trave e estava segura que iria ganhar,
caí quatro vezes e perdi. E aí eu pensei “isto é uma lição para ti”. Até estar tudo
acabado não se pode contar com coisa nenhuma. Isso para mim foi muito importante,
Apresentação e Interpretação das Narrativas
Socorro Dantas
281
para baixar o nariz, estava a avançar um bocadinho, ainda era muito novinha para isso.
Tinha 15, 16 anos, a outra tinha 20 e tal.
No caso da Esbela, a confiança falou mais alto na competição, mas ela
conseguiu detectar onde estava a sua falha. Para que as derrotas sirvam como
crescimento é necessário ter a capacidade de tentar entender os motivos das
mesmas, saber assumir o erro e seguir em frente tentando melhorar.
- As lesões
Esbela revelou que as lesões faziam parte do seu dia-a-dia de atleta; o
esforço aliado ao fato de muitas vezes treinar só provocaram séria lesões na
ex-atleta, como mostra a sua narrativa:
Tive lesões graves e treinava sozinha. Treinei várias vezes com lesões, tomava
injeções para treinar.
O excesso de treino, treinamento inadequado, e treinos sem apoio,
deixaram sequelas com as quais Esbela tem que conviver na atualidade:
Três vértebras coladas, nas fases agudas eu tomo injeções. Tento lutar contra a dor.
As relações com os amigos, treinadores, federação e mídia
Esbela revela que a sua vida social era muito restrita:
Tinha pouca vida social, só com amigos do Liceu. Não sentia falta, me sentia feliz no
ginásio, sentir que estar a melhorar.
Apresentação e Interpretação das Narrativas
Socorro Dantas
282
O prazer de treinar, o gosto pelo esporte, a dedicação para ser cada dia
melhor, preenchiam a vida de Esbela, como ficou claro no excerto anterior. Fica
clara a sua rede parca de relações extra ginástica. No que concerne às
relações com os treinadores, Esbela revelou que sempre foi rebelde em
relação às ordens:
Ah, eu sempre fui muito rebelde! Quando eu tinha a minha opinião não tinha nada que
mudasse, ouvia e digeria, o que era bom fazia o que não era tão bom... Eu é que
conheço meu corpo. Sabia as minhas limitações, e isso é muito importante. Quando
eu não sabia tive lesões estúpidas porque o meu treinador (também coitado não sabia
muito) dizia “és capaz de fazer isto” Faço! “pumba” braço em gesso. Depois disso eu
fui aprender: “atenção eu posso ir até aqui”. E depois existe outra coisa que se chama
metodologia, mas ele não sabia, fazia empiricamente. Eu tive um treinador japonês
que era bom relativamente, porque era bom executante, mas não tinha a metodologia.
Aquela metodologia do começar, avançar voltar atrás, descanso. Por exemplo, eu
fazia tantos abdominais que… chegava-me a doer o estômago. Disseram-me que era
bom saltar a corda e fazia cem, duzentos, depois dois mil seguidos, Depois eu
comecei a pensar “que estupidez”! Depois mandava-me correr, subir e descer
escadas. Tudo sem pensar; hoje não é assim, claro.
Mais do que dificuldade de relação com os treinadores, era mais uma
dificuldade quanto a forma de treinamento, pois à medida que o atleta passa a
se conhecer melhor, e não aceitar todas as ordens, essa relação pode ficar
estremecida, se desfazendo o ela de confiança entre atleta e treinador.
Igualmente, como em relação às medalhas, no que concerne à sua
relação com a mídia, este é um aspeto que não fazia parte das preocupações
de Esbela, não se importanto se aparecia ou não na mídia:
Quem guardava essas coisas |reportagens| era minha mãe, eu não me
incomodava. Eu apareci em revistas, jornais sobre a minha vida, o que eu fazia. Mas
eu não ligava, minha mãe era que comprava e guardava.
Apresentação e Interpretação das Narrativas
Socorro Dantas
283
Motivação e desmotivação na carreira esportiva
O sentimento que faz o atleta suportar a rotina exaustiva de
treinamentos e as pressões das competições é a paixão, como se pode
observar na fala da Esbela:
Força de vontade, o grande amor da minha vida. Está no meu coração, o
prazer, quase hedonismo.
O fato de ter casado com alguém do meio esportivo terá contribuído
para que permanecesse na Ginástica:
Primeiro porque eu estava no meio, o meu marido era ginasta. Eu e meu marido
escrevemos um livro |sobre ginástica|.
Esbela “confessou” que passou por alguns momentos de desmotivação
durante a sua vida de atleta, tendo momentos de dúvida e angústia quanto ao
prosseguir ou não com a carreira de ginasta. A atleta descreve algumas dessas
fases:
Depois o que mais marcou foram os Jogos Olímpicos de Roma, mas no sentido
negativo “eu não fui feita para isso, isto é demais para mim”. Depois houve novamente a
nova onda de eu começar a ver a ginástica de outro ponto de vista, entretanto depois
encontrei a minha própria filosofia. O que é que faço e o que é importante. E
compreender, principalmente, que no desporto se luta contra si mesmo.
Esbela revelou que sabia que não tinha condições para ser a melhor do
mundo no esporte que praticava:
Apresentação e Interpretação das Narrativas
Socorro Dantas
284
Quando a pessoa tem um objetivo, esse objetivo tem que ser com os pés no chão.
Porque o meu objetivo nunca poderia ser campeã olímpica; eu tenho um mínimo de
inteligência para saber que para isso eu deveria ter começado com cinco ou seis anos,
ter bons treinadores, treinar seis, sete horas por dia, não ligar aos estudos. Havia atletas
que vinham da União Soviética que mal sabiam escrever os nomes nessa altura, mas
com muito talento para a ginástica. Tem que ter a noção até onde pode ir.
Talvez o fato de ter a consciência das suas limitações para ser uma
campeã olímpica, tenha sido um fator desmotivante em alguns momentos da
carreira da ex-atleta. Para Esbela, a fase de maior desmotivação começou um
ano antes dos Jogos Olímpicos (tinha 26 anos).
Nos Jogos olímpicos do México, decidi que seria a minha última participação em
Olimpíadas. Tem tempo para tudo, tempo para amar e tempo para morrer.
Achava que não ia acabar. Não sabia que a vontade ia acabar. Acabou uma fase, pois
achei que bastava.
No item a seguir, Esbela relatou os seus sentimentos sobre o seu
afastamento das competições.
O afastamento
Esbela revelou que não foi fácil, mas tudo na vida tem início, meio e fim,
e é necessário aceitar:
Imaginava que seria uma tragédia, mas foi gradual, passou uma fase. É como
amamentar um filho. É aceitar o ciclo da vida.
Apresentação e Interpretação das Narrativas
Socorro Dantas
285
A ex-atleta descreveu o que sentia e o que sente até hoje:
Aumenta o vazio da vida desportiva a falta de sono, até hoje, mas não era a mesma
coisa. A falta das viagens… Eu lembro que fui dos Estados Unidos para o Japão.
Esbela como outros atletas, se preparou para exercer novas funções
quando se aposentasse como atleta, cursando Educação Física. Se afastou
das competições como atleta, mas continuou no meio esportivo, como
treinadora.
Chegou a 1968, e eu disse: agora é que acaba a minha carreira
definitivamente. Então continuei estudando o desporto e tive muitas ofertas para
treinadora, comecei logo a ser treinadora de vários clubes.
Esbela revelou que o gosto pela Ginástica e o prazer de ensinar a levou
a se tornar uma treinadora:
Treinei muito, tornei-me também treinadora, co-treinadora. E o interesse era formar
alguém que pudesse ir muito longe. Não era frustração minha, porque eu nunca fui
frustrada, mas era um sonho. Eu e meu marido formámos uma ginasta que foi finalista e
ganhou uma medalha numa prévia de Jogos Olímpicos. O resto da carreira não fomos
nós que fizemos, mas eu entreguei-lhe em boas mãos para ela não se perder.
Esbela, mostrando sua experiência e maturidade, nos disse que às
vezes é necessário que o treinador deixe de lado a vaidade e abra mão do atleta
para que o mesmo possa crescer:
Apresentação e Interpretação das Narrativas
Socorro Dantas
286
Eu fui atleta e sinto isso tudo, o importante não é a vaidade do treinador, o importante é
se o ginasta está melhor aqui ou ali, tem que deixar voar isso é muito importante.
O seu processo de envelhecimento
A ex-atleta revela como percebeu e percebe o seu envelhecimento, falou
sobre as perdas:
Na fase como treinadora, não conseguia mais fazer as mesmas coisas. Mudança no
ritmo biológico, e junta-se ao envelhecimento muitos anos de exigências. Grande
mutação do corpo: ganho de peso, mudança do metabolismo, o corpo precisa de
treino e não tem.
Entretanto, para Esbela, o envelhecimento também trouxe benesses:
Maturidade, tolerância, compreensão, conseguir se pôr no lugar dos outros, e mais
cansada.
O PRESENTE
Perguntamos a Esbela se guardava as medalhas e troféus, respondeu
de forma desinteressada que:
Alguma coisa, hoje já não me interessa mais. Eu tenho prá aí um caixote de medalhas,
um dia eu vou dar, diplomas são tantos.
Muitos desses diplomas e medalhas, Esbela recebeu pelo seu trabalho
após parar de competir, descrevendo no excerto seguinte essas novas funções e
papéis que assumiu.
Apresentação e Interpretação das Narrativas
Socorro Dantas
287
Trabalho e esporte
A ex-atleta fala das outras funções que assumiu:
É que eu continuei no mundo da ginástica depois; fui juiz internacional, fui para
Federação Internacional de Ginástica, para o Comitê Técnico, tive doze anos no Comitê
Técnico, depois tive no Comitê Executivo. De maneira que eu subi o máximo que
poderia subir. Nesse momento sou do Comitê de Honra da Federação Internacional de
Ginástica.
Esbela fala com orgulho da sua trajetória, de ter conseguido chegar
aonde chegou no mundo da Ginástica:
Eu fiz os passos todos, percebe? Eu quando treinava na Alemanha, quando não
podíamos treinar, treinávamos numa escola e a escola e o ginásio tinha que tinha que
está limpo para a escola no dia seguinte, e eu ajudava a limpar com esfregona como
faço na minha casa. Então eu fui desde mulher a dias até o Comitê Executivo, fiz tudo.
Arrumei ginásio, arrumei os aparelhos, sabia como os aparelhos funcionavam, treinava.
Fui amiga, ajudei a fazer os ginastas, fui treinadora. Fui juiz nacional, fui juiz
internacional, fui do Comitê Internacional. Tive contato com o Comitê Olímpico. Sei
como funciona tudo. Sei tudo, desde as coisas boas às coisas mafiosas, sei tudo! E se
fizesse um livro daquilo que sei ia fazer um best-seller, mas não sou fofoqueira.
Rotina
A rotina de vida da ex-atleta é muito diferente da sua exaustiva rotina de
atleta. A ex-atleta descreveu-nos, então, como é a sua atual rotina:
Passo imensas horas no jardim, apanho ervas, brinco com o gato e o cão, jogo ping-
pong.
Apresentação e Interpretação das Narrativas
Socorro Dantas
288
SOBRE O FUTURO
No final da entrevista, Esbela revelou o que deseja para seu futuro:
Tempo para ler, pensar, ver filmes. Aceito as diversas fases da vida, as mudanças. O
que se faz bem se faz aqui, não quero honras quando morrer, não quero homenagens
póstumas. Sou agnóstica
3.1.7 A narrativa de Armando Marques
O atleta
Armando da Silva Marques nasceu em Carnaxide - Portugal, no dia 1 de
maio de 193796. Considerado um dos melhores atiradores de Portugal, filho de
pai caçador, começou a atirar com 10 anos e a competir como atleta aos 25
anos. A sua especialidade é Tiro com Armas de Caça. Participou em três Jogos
Olímpicos: Tóquio - 1964, na especialidade de Fosso Olímpico, participação
que repetiu em Munique – 1972, e em 1976 nos Jogos de Montreal, no
Canadá, onde conquistou para Portugal a Medalha de Prata, ficando apenas a
um ponto do ouro. Essa foi a primeira medalha olímpica para Portugal na
modalidade Tiro. Armando Marques foi, ainda, vice-campeão mundial e
europeu97. O nome de Armando Marques é destaque no quadro de medalhas
do clube que defendeu: o Sporting Clube de Portugal98.
PASSADO
As experiências no esporte
- O início – apoios e referências
Armando Marques, filho de um apaixonado pela caça, desde muito cedo
desenvolveu o gosto pelo Tiro. Porém, a sua dedicação a esse esporte
96 Na data da entrevista, Armando Marques estava com 72 anos de idade. 97
Mais informações sobre o currículo esportivo de Armando Marques ver Anexo 11. 98
Verificar no site do clube citado - http://www.sporting.pt/index.asp (acesso em 14 de novembro de 2011).
Apresentação e Interpretação das Narrativas
Socorro Dantas
289
aconteceu bem mais tarde. Foi na época em que cumpria o serviço militar, que
Armando assistiu a um torneio de tiro e após experimentar iniciou-se nesse
esporte. A partir daí começou a ganhar as suas primeiras provas. O ex-atleta
relatou como foi o seu início na modalidade esportiva que lhe proporcionou um
lugar de destaque no panorama esportivo do seu país:
Minha vida esportiva iniciou porque meu pai era caçador. (…) Comecei a atirar na caça
com 10 anos, com meu pai. O acompanhava para a caça e, umavez por outra, eu
pegava na espingarda que ele dava para eu atirar na caça.
A família tem sido citada como base fundamental para o
desenvolvimento das carreiras dos atletas entrevistados para este estudo. No
caso do Armando, apesar ter descoberto o gosto pelo Tiro através do exemplo
do seu pai, o ex-atleta não demonstra ter necessitado da família como apoio
principal, no desenvolvimento da sua carreira de atleta:
Na minha família não tinha problema nenhum, porque eu praticamente a vida inteira,
eu ‘tava independente, vivia com meus pais, mas eu arranjei um emprego, já partia
com os meus 16, 17 anos. Vivi sempre com meus pais, só saí da casa dos meus pais
para casar quando tinha 29 anos e fui fazer minha vida.
O pai do Armando nunca foi ver o filho competir, e comenta o motivo
desse distanciamento:
Nunca assistiu. Pois, surgiu um problema familiar em minha casa, meu pai, como
muitos homens, deu uma cabeçada saiu de casa. Eu continuei a me relacionar com
ele, mas não tão bem porque eu tinha que olhar era pela minha mãe. Essa é que era
importante. Por isso ele nunca assistiu.
Apresentação e Interpretação das Narrativas
Socorro Dantas
290
O pai que foi o seu primeiro incentivador, que cedo percebeu em
Armando o gosto pela caça, jamais assistiu uma competição do filho. Armando
acredita que o seu pai acompanhava o seu percurso como atleta de Tiro,
através dos jornais e dos amigos.
O ex-atleta relatou que embora tenha começado a atirar quando criança,
pela necessidade de trabalhar, teve que parar durante anos. Desse modo, a
sua vida como esportista começou muito mais tarde, e sente por isso:
Desportivamente faz muita pena, porque comecei um bocadinho tarde, tenho pena dos
anos que perdi da parte desportiva porque comecei com 24 anos, meses antes de fazer
25 anos. Eu perdi desde os 10 anos até os 25 anos. Eu tenho muita pena de não ter
começado mais cedo.
Geralmente, a vida de um esportista que chega ao alto nível começa
cedo, é sobre esse “tempo perdido” 99 que Armando se refere. Para alguém que
teve tantos méritos no esporte, como o ex-atleta, o fato de ter iniciado tarde,
pode provocar uma sensação de perda, de que poderia ter conseguido obter
mais vitórias se sua iniciação em competições tivesse acontecido mais cedo.
Sendo o pai o seu exemplo, o que lhe permitiu um contato com o esporte
desde criança, somando-se ao fato de morar em uma região onde a caça era
permitida, foram condições que contribuíram de maneira singular para o
desenvolvimento de Armando como atirador de destaque.
Morava muito perto do sítio onde estamos100 numa quinta, que era do meu avô, a 3 a
4 km daqui. E praticava com facilidade, a partir dos meus 10 anos já tinha minha
espingarda pequena, já atirava sozinho.
99
Grifo nosso. 100
O Ex-atleta se refere à região onde fica situada a Federação Portuguesa de Tiro (Lisboa), local onde aconteceu a entrevista para este estudo.
Apresentação e Interpretação das Narrativas
Socorro Dantas
291
Armando Marques continuou relatando o caminho que inicialmente
percorreu para chegar a competir no alto nível do esporte:
Desportivamente, na parte de tiro aos pratos, comecei como disse anteriormente com
25 anos, porque não conhecia tiro aos pratos, não sabia nada daquilo. É engraçado
porque como em toda a vida eu gostava muito de dar tiros. Mas gostava muito de
caçar o que fosse. E um dia, eu ia para um sítio, que eu fazia parte de um grupo
cénico, recreativo, e nós íamos o grupinho, para uns bons banhos aqui por perto de
Lisboa, mas, ao passar perto do sítio para qual nós íamos, estavam a atirar aos pratos
que era uma coisa que eu nunca tinha visto. Eu já tinha nesta altura os meus 17 para
18 anos. (...) Estavam lá pessoas que eu conhecia donos de espingardearias.
Estavam a atirar e eu fiquei ali, e disse os meus amigos: “vocês vão e depois eu lá
vou”. Eu não fui, fiquei o resto da tarde toda vendo os que ainda estavam a atirar aos
pratos. E só fui praticar depois de 7 anos. Depois vi na tropa, na milícia como se
chama, e tive uma oportunidade e fui experimentar. Da maneira como eu vi o tiro eu
achei que era fácil para partir os pratos. Porque na minha ótica era ver o atirador com
a espingarda já posta na cara sabia como deveria ser, aquilo era só apontar e puxar o
gatilho. Era a maneira como eu via o tiro, com facilidade, e na realidade foi como
aconteceu. Quando fui experimentar a primeira vez, aqui no clube perto de Lisboa
também, era um campo difícil, mas eu não vi dificuldade nenhuma porque eu não
sentia dificuldade, por inocência, mais nada e dos 15 pratos que eu atirei, eu parti os
15 pratos. Já nessa altura, gostava muito daquilo e foi quando eu falei com meu pai
para comprar o material.
A partir do momento que viu pessoas atirando aos pratos, fato relatado
no excerto anterior, Armando começou a participar de várias provas de Tiro aos
Pratos, em Lisboa e em outras regiões de Portugal. Nessas primeiras
participações, o ex-atleta relembra que, quando não ganhava o primeiro lugar,
sempre terminava entre os primeiros competidores. Armando contou como foi a
sua primeira reação ao saber que numa dessas participações o prêmio era em
dinheiro:
Apresentação e Interpretação das Narrativas
Socorro Dantas
292
(...) Houve outra prova, de 20 pratos que eu parti 18, fiquei em segundo. Depois,
havia a prova principal que era também de 20 pratos e eu fui atirar e eu fiz 20 e
ganhei. A parte interessante é que a primeira prova que eu fiz era de 10 em 10, e
alguém me perguntou: “o que é que você vai fazer com o dinheiro que nós ganhámos
na primeira prova”? Passando um quarto de hora um senhor veio trazer, naquela
época 500 escudos, no conjunto 1500 escudos de maneira que era 500 escudos para
cada um. Eu fiquei entusiasmadíssimo porque trabalhava nessa altura e tinha um
ordenado mensal, independente das comissões, de 1500 escudos, 500 escudos assim
sem mais nem menos, sem esforço nenhum, era muito dinheiro. E assim começou a
minha vida desportiva.
E complementa:
Era modalidade que não me fazia perder tempo, que dava para trabalhar e aos finais
de semana atirava. Além de ser rentável, eu gostava muito de caçar, como ainda hoje
gosto. Só que a caça cá dura 3 meses e os outros 9 meses o que é que eu fazia? Por
sorte apareceu o Tiro, eu comecei a ganhar, comecei a ganhar e resolvi o meu
problema e tentando sempre subir mais um degrau.
Armando conseguiu, através das competições no Tiro, unir o que
gostava de fazer com a possibilidade de melhorar seus rendimentos
financeiros. O ex-atleta revela como foi aquele seu primeiro ano de
competições:
O que não há dúvida é que eu neste primeiro ano, eu atirei em 25 competições, ganhei
13 e o lugar mais baixo que eu fiquei nas outras foi o quinto lugar, porque quando não
ganhava ficava em segundo, terceiro lugar. Por ali no topo.
Apresentação e Interpretação das Narrativas
Socorro Dantas
293
A carreira do ex-atleta teve um início com sucesso, como se verifica pelo
excerto anterior, sendo esse foi um fator relevante para a motivação do
Armando. Entretanto, o ex-atleta se ressente da falta de apoio no início da sua
carreira esportiva:
Essa etapa talvez seja a minha grande vitória, porque infelizmente eu ainda continuo
exatamente a dizer o mesmo, a mesma coisa ao fim destes anos todos que estou com
quase 50 anos de carreira, e continuo a dizer a mesma. O nosso país, penso que é um
país “sui generis” de todos que eu conheço. É o único país que não tem um técnico no
Tiro, e eu queixava-me disso como é óbvio. Fui sempre estudioso, lia muito e
normalmente toda minha vida eu fui viver com um espírito de observação muito
grande, em tudo na vida. E aquilo que não sei, sou um curioso por natureza, quero
aprofundar, quero saber. Isso levou a fazer os estudos, todos necessários para
aperfeiçoar e para eu poder chegar mais além, porque eu entendia na minha óptica,
como ainda hoje entendo, que se os outros fazem, eu também posso fazer e vou
tentar fazer melhor. E foi exatamente o que aconteceu, porque consegui, pra’ mim é
muito mais gratificante e foi melhor. É fato que se eu tivesse aula desde criança,
estudado desde o princípio, isto eu reconheço desde que soubessem mais do que eu,
e ao princípio não era difícil achar alguém que soubesse mais do que eu, porque
andavam cá há muito mais anos. Só que as pessoas nunca se aproximaram, talvez
porque na primeira competição da minha vida já entrei a ganhar.
No relato do ex-atleta aparece a mágoa por não ter sido ajudado no
início da sua carreira, reflete que talvez o fato de ser sempre um ganhador nas
competições, tenha incomodado outros atiradores. Mas, por outro lado, deixa
transparecer o orgulho de ter conseguido aprender e superar as dificuldades
com seus próprios esforços.
Armando revela que havia uma pessoa que admirava e que era uma
referência para si:
Apresentação e Interpretação das Narrativas
Socorro Dantas
294
Alguém que eu admirava, na altura, já não está cá entre nós. Quando eu apareci e
conheci os atiradores de primeiro plano, naquela época, teve um que na realidade se
sobressaia por ganhar algumas provas a mais que outros. Faz muitos anos, eu me
emociono com isto, essa é minha parte sentimental101. Eu costumo dizer que sou um
sentimental. Mas, tem que passar, depois de todos esses anos não poderia ser assim,
já teria que ser mais, bem mais... Mas é difícil, não consigo. (…) Encontrei na altura,
esse tal atirador, como previ, eu teria que o considerar um ídolo na medida em que ele
era bom atirador e ganhava. E, não há duvida que no primeiro ano, de todas as provas
que eu fiz e ganhei, as que eu ganhei, e ganhei algumas já com ele taco a taco como
eu costumo dizer.
A pessoa a quem Armando se refere no excerto anterior, é outro notável
atirador português, Marquês de Valflor:
Durante quase 20 anos, no Tiro, o nosso país viveu exatamente de dois nomes, que
era o Marquês de Valflor e eu. Porque estávamos os dois no mesmo nível naquela
época, não havia diferença dos níveis do tiro entre nós e por isso acabámos ali,
praticamente 20 anos. Isto não quer dizer que um ou outro não ganhasse uma prova
de vez em quando. Apareceu um slogan durante muitos anos, que era engraçado: “ou
ganha Marques ou ganha o Marquês, se não ganha o Marquês ganha o Marques”.
Porquê? Porque ele era um Marquês de sangue azul e eu era Marques. Porque eu era
o 1º e ele era 2º ou ele 1º e eu o 2º. Trocámos assim durante muito tempo.
Percebe-se, pelo excerto anterior, que na época que Armando competia,
não havia em Portugal muitos atiradores de alto nível competitivo e técnico,
fazendo com que durante vários anos, apenas dois nomes eram destacados.
Como o ex-atleta relatou, na sua época era, patrocínio eram poucos,
igualmente a pouca visibilidade do Tiro. O que provavelmente contribuía para a
pouca visibilidade. Com todas as dificuldades, seguir em frente numa carreira
101 Neste momento da entrevista, Armando se emocionou e chorou ao falar do seu passado e de alguém
que marcou a sua trajetória.
Apresentação e Interpretação das Narrativas
Socorro Dantas
295
de atirador dependia, em muito, do próprio atleta, da perseverança e de outras
qualidades essências, como relata o próprio Armando no excerto a seguir.
Características individuais (como se via)
Armando listou algumas das suas características, que disse serem
essenciais ao atleta. O ex-atleta afirmou que para se obter o sucesso no esporte
é necessário que o atleta seja observador, competitivo, humilde, estudioso,
curioso:
O mais importante é o que chamamos de humildade, se o fulano não for humilde é
melhor não se meter nisto. Mas eu penso que para qualquer modalidade tem que se ser
humilde, é uma condição essencial em qualquer delas. Mas o tiro eu menciono sempre
como uma escola de humildade.
Procurando ilustrar o que estava falando, Armando contou um episódio
que havia ocorrido com ele pouco tempo antes da nossa entrevista. Se tratava
da lição de humildade que um atleta de Angola passou para o ex-atleta que tinha
lhe ensinado parte dos seus conhecimentos. Armando descreveu-nos o que
aconteceu:
Estive a dar formação à equipa da Angola e o atirador que veio era... era para virem
dois, mas só veio um, era um moço com 26 anos, simpático, humilde, que é uma boa
qualidade que ele tinha e que vai fazer dele um bom, um belíssimo atirador. Porque ele
entrou aqui em Portugal, a fazer uma média de 60%, mas com uma série de problemas
psicológico, muitos problemas que envolve muita coisa e as modificações que eu tive
que fazer, na arma, na forma de ele atirar e tudo mais, ele teve 18 dias aqui comigo e
saiu a fazer 94% em 18 dias. Deve-se, logicamente, à habilidade dele, mas comecei
logo por lhe dizer: “tem que se acompanhado” porque 15 ou 20 dias, não se pode
aprender tudo, dizer tudo.
Apresentação e Interpretação das Narrativas
Socorro Dantas
296
Armando relatou o que aquele atleta lhe falou:
Foi óptimo, o que aprendi e tenho pra’ voltar e se calhar ensinar para os meus amigos
a mesma coisa, na realidade, lá nós não temos as mesmas condições que aqui.
A lição de humildade e companheirismo, qualidades às quais Armando
se referia, foi demonstrada na preocupação daquele atleta com seus
companheiros que não tiveram a mesma possibilidade de ir a outro país, e de
participar de uma formação com um campeão da modalidade que praticava.
Armando revela que uma das suas qualidades é gostar de passar os
seus conhecimentos para outras pessoas:
Acima de tudo eu gosto de ensinar, gosto de estudar, e de ensinar. Não faço e nunca fiz
questão disso, porque gosto de transmitir aos outros e, tinha muita gente que dizia: “És
burro, estás a ensinar”. Mas eu gosto de ajudar.
Aqui cabe dizer que Armando Marques, foi generoso deixando a
entrevista ainda mais “rica”102, ao nos emprestar jornais onde havia reportagens
sobre as suas conquistas. Também nos mostrou com orgulho a Federação de
Tiro e ainda assistimos a um treinamento de uma atleta, ao mesmo tempo em
que nos explicava detalhes técnicos da modalidade.
As prioridades e as renúncias
Armando revela que uma das suas mágoas é não ter participado da
Olimpíada de Moscou:
102
Grifo nosso.
Apresentação e Interpretação das Narrativas
Socorro Dantas
297
Em 1980 eu era o único selecionado para ir a Moscovo, como houve o boicote aos
Jogos eu não fui. Hoje eu estou muito arrependido. Essa é uma das mágoas que eu
tenho porque o desporto não tem nada a ver com política. Alguns atletas do atletismo
foram, e da natação também.
O ex-atleta também fez referências às renúncias que um competidor tem
que fazer para conseguir bons resultados:
Ao longo dos anos eu fui aprendendo como as coisas funcionavam. Tinha que fazer
uma preparação treinando. Estudava para saber qual era a minha capacidade, sei que
não devia dar muitos tiros para não sentir saturação de tiros. Tudo quanto é excesso é
mau. Eu quando estou a dar formação, eu digo sempre: “Não saiam daquilo que é
habitual fazer. Todos os excessos são maus. Se tem uma competição amanhã ou
depois de amanhã, não vai ficar nos copos. Faça uma vida moderada porque sei o que
eu fiz”. Foi uma disciplina criada por mim ao longo do tempo, ao longo de tudo aquilo
que eu passei. (…) Tem que fazer muitos sacrifícios, seja em relação aos treinos, ou
abdicar de determinadas coisas. Eu, na altura das competições, quando havia caça eu
abdicava da caça, porque não consigo conciliar uma coisa com a outra. Por acaso
nessa modalidade, porque a caça são praticamente 3 meses, julho, agosto, setembro já
acabou. E em janeiro começam as competições. Mas há alguns atletas, eu sei, que são
bons atiradores e que mesmo atirando bem dizem que não abdicam da caça. Não
podem ir para frente, de certeza absoluta, aliás, já tive o cuidado de dizer isto a alguns.
No tópico a seguir, Armando relata como era sua rotina, a sua maneira
de treinar.
A rotina como atleta
O treinamento do Armando era diferente em volume de treino, se
comparado ao que foi dito sobre os treinamentos dos outros ex-atletas
Apresentação e Interpretação das Narrativas
Socorro Dantas
298
entrevistados para este estudo. Algumas vezes, por não ter tempo, treinava no
horário do almoço:
Tinha dias que eu sacrificava o almoço. Não almoçava, preferia atirar 25 pratos ou 50
pratos. Não tinha problema, com aquela idade, a gente passa com qualquer coisa. O
meu objetivo era a boa forma.
Armando afirmou que mesmo treinando pouco conseguia ficar em boa
forma. No excerto a seguir, o ex-atleta diz-nos que muitas vezes não podia
treinar, e só conseguia ir ao treino no final de semana:
Tiros eram feitos aos sábados e aos domingos. Só esses dois dias, mas eu aproveitava
a prova. Entrava logo de cara na competição, porque treinava e competia ao mesmo
tempo.
Na época em que Armando competia, o esporte não proporcionava os
ganhos significantes ao atleta, como é a realidade de muitos esportes na
atualidade. Naquele contexto de competir quase apenas pelo prazer, como no
caso do Armando, o atleta tinha que trabalhar para sobreviver. Para o ex-atleta,
o que ganhava nas competições era importante, pois complementava o seu
salário. Era difícil conseguir se dedicar a um esporte de alto nível, com toda a
exigência que lhe é peculiar, e a necessidade de trabalhar para sobreviver.
Armando percebe que o fato de ter tido sucesso no esporte, mesmo não
tendo uma rotina de treino diária, se deve à sua capacidade inata para aquele
esporte, como também ao seu gosto de praticar qualquer modalidade esportiva.
Em toda a minha vida eu gostei de competição. Eu também joguei Futebol, também
corri de bicicleta, tudo a nível amador. Fiz tudo que era possível fazer. Isso é o conceito
Apresentação e Interpretação das Narrativas
Socorro Dantas
299
natural para o desporto. Eu penso que isto é uma questão pessoal, que eu fui dotado
pela natureza como é normal, porque em qualquer coisa que eu não soubesse e que
tivesse que fazer, tinha que fazer igual, ou melhor, dos que lá estavam, fui sempre
levado a fazer isso. Ténis, também nunca tinha jogado Ténis. Quando tinha 50 anos
agarrei uma raquete, um mês depois eu já jogava. Eu penso que da mesma maneira
que Pelé nasceu para o Futebol, que poderia ser uma comparação, da mesma maneira
que o Euzébio aqui de Portugal nasceu para aquela modalidade, eu nasci para o tiro.
O ex-atleta revela que sua habilidade para o Tiro fez com que
dominasse a técnica e praticasse todas as modalidades do referido esporte:
Passei a praticar e a dominar as modalidades todas. O mais importante pra’ mim, para
quem tinha um ordenado baixo e aquilo era um extra. Era um complemento para dar
entrada para comprar os cartuchos, comprar o material. Foi a forma de arrancar para a
competição, a competição que sempre gostei.
A capacidade de competir em várias modalidades dentro do Tiro permitia
ao ex-atleta conseguir subsídios, quando ganhava, para comprar o material
necessário à sua prática esportiva.
Armando nos falou que sua rotina de atleta mudou a partir do momento
que no trabalho se tornou seu próprio patrão:
Minha vida profissional a partir do ano de 67 foi muito facilitada porque eu
deixei de ser empregado para passar a ser patrão. Então, já nessa altura, quando
passei a condicionar melhor a minha vida, como não dependia, não tinha que dar
satisfações a ninguém.
Apresentação e Interpretação das Narrativas
Socorro Dantas
300
Ainda falando sobre as mudanças na sua rotina de vida, relembrou o seu
casamento e chorou, emocionou-se ao relembrar e revelar que o seu
casamento tinha sido realizado ali, local onde estava acontecendo a entrevista
para este estudo, na Federação de Tiro de Portugal.
Eu casei aqui, nunca ninguém tinha pensado de fazer um casamento no clube. Este
clube foi inaugurado em 1963 e eu casei em 1967. Foi espetacular, nunca ninguém
tinha feito. A partir daí, passaram a fazer casamentos aqui no clube.
Experiências marcantes na carreira de atleta
Sobre os episódios que marcaram a sua carreira esportiva, Armando
disse que, para si, o fato de ter conseguido sucesso de maneira rápida é um
fato invulgar no cenário esportivo. E isto, o ex-atleta considera marcante na sua
vida:
Comecei a atirar a partir 1961 e em 1962 já era campeão nacional, quer dizer, foi tudo
rápido e foi marcante tudo isto. Claro que trouxe muitas complicações em termos de
episódios, porque eu penso que em todas as modalidades isso acontece. Se o fulano
se enaltece por si próprio e consegue ser bom em qualquer modalidade desportiva e
enquanto ele não chega ao topo, não incomoda. A partir do momento que comece a
incomodar já tem toda a gente a lhe morder, a inveja que é a pior coisa que pode
existir.
A carreira de Armando foi de sucesso; depois de representar vários
clubes, Armando Marques chegou ao Sporting, tendo conquistado títulos
nacionais com armas de caça, em fosso-olímpico, skett, fosso-universal,
percurso de taça, tiro ao vôo, trap e trap olímpico.
Apresentação e Interpretação das Narrativas
Socorro Dantas
301
As competições relevantes e as medalhas extraordinárias
Armando Marques teve uma carreira esportiva brilhante, conseguindo o
título máximo em todas as disciplinas. Participou nos Jogos Olímpicos de 1964,
em Tóquio (8.º lugar), em 1972, em Munique (12.º) e Montreal, em 1976 (2.º
lugar). Outras medalhas relevantes foram: a Medalha de Mérito Desportivo,
Medalha de Mérito do COP, Ordem de Cavaleiro do Infante e Medalha Nobre
Guedes. No excerto a seguir Armando Marques relembra seu percurso:
Fui considerado durante muitos anos, por toda imprensa internacional, o atirador mais
completo do mundo. Porque alguns que se especializam em determinadas
modalidades e eu terminei especializado em todas, na época. Estava novo, tinha tudo,
com 27 anos ia para os Jogos Olímpicos, em 64 e tinha começado a atirar há dois
anos. Nos Jogos Olímpicos que ganhei a medalha eram 80 atiradores, ou coisa por
volta disso. Fiquei em 2º, medalha de prata.
Para Armando, a primeira Olimpíada que participou não foi
especialmente extraordinária, como relata a seguir:
Na minha primeira competição olímpica, em 1964, essa foi a minha primeira
competição. Não teve nada de extraordinário pra’ mim. Exatamente nessa competição
eu acabo por aparecer em 8º lugar.
Para o ex-atleta, que estava acostumado a subir ao pódio com
frequência, ter ficado em 8º lugar na Olimpíada, não foi o que esperava.
Armando procurou explicar o que pode ter contribuído para que ele não
obtivesse medalha:
Apresentação e Interpretação das Narrativas
Socorro Dantas
302
Não tivemos acompanhante, e a época era completamente diferente. Depois há vários
episódios, mesmo lá, em Tóquio e tudo mais. Fiquei em 8º lugar, mas fiquei com um
desejo porque gostei da abertura dos jogos. O que marcou foi aquele espectáculo,
visto de dentro para fora. Fiquei entusiasmadíssimo para os próximos jogos.
Armando explicou porque não consegui ficar entre os primeiros naquela
Olimpíada, e que afirmou que a sorte lhe faltou:
Não há campeão sem sorte. Eu não tive sorte, as coisas não aconteceram como eu
pensava, tive uma avaria na espingarda, mas isso faz parte.
Embora não tenha obtido a medalha olímpica, a participação naquela
Olimpíada motivou Armando a querer participar nas Olimpíadas seguintes.
Na Olimpíada de 1976 em Montreal, Armando Marques conseguiu a
medalha de prata para o seu país, a sua felicidade era clara quando falou desse
episódio:
Para mim foi um orgulho muito grande por ter sido a primeira medalha olímpica para o
meu país individual, porque tudo que vinha era só por equipas. A primeira |individual| fui
eu que ganhei.
Ao ser indagado sobre a última medalha, Armando respondeu que
continua na ativa, competindo em outras categorias, ou seja, ainda não tem a
última medalha:
Continuo na ativa. Olimpíadas não. Todas as competições sem ser Jogos Olímpicos, há
Campeonatos da Europa, há Campeonatos do Mundo e tudo mais.
Apresentação e Interpretação das Narrativas
Socorro Dantas
303
O Tiro é um esporte que diferentemente de outros onde o atleta tem vida
produtiva curta, no Tiro o atleta pode competir até mais tarde. Como é o caso
do Armando, que continua competindo em outras categorias do referido
esporte.
O ex-atleta salientou que guarda todas as medalhas e troféus que
ganhou ao longo da carreira:
Tudo guardado. Tudo em casa, uma sala não chega.
Armando levou para a entrevista duas das suas medalhas para nos mostrar.
Motivação na carreira esportiva
Sobre as motivações que levam um atleta a continuar no esporte de alto
nível, mesmo com todos os sacrifícios, Armando mencionou qual a sua
motivação para continuar competindo:
É o gostar da competição, essencialmente porque eu gosto muito de competir em
tudo, em tudo mesmo. Competição é sempre para ganhar.
O gosto inato pela competição e a vontade de se superar sempre foram
os principais motivos para o ex-atleta continuar no Tiro.
O sucesso e as recompensas
No excerto a seguir, Armando relata quais fases foram as melhores da
sua carreira de atirador:
Apresentação e Interpretação das Narrativas
Socorro Dantas
304
Eu tive uma carreira auspiciosa durante muitos anos: 60, 70 e 80. Já não falo nos anos
90, onde ganhei Campeonato do Mundo também. Mas consigo considerar 60,70 e 80 o
topo. Sempre lá em cima.
Como já referido, quando Armando afirma que sempre esteve no “topo”,
“lá em cima”, significa que na maioria das competições que participou, ficou
sempre entre os primeiros lugares. Para este sucesso, o atleta considera que foi
eseencial:
Disciplina, humildade. São duas coisas indispensáveis. Porque se não houver
disciplina, e for alguém a te mandar, nunca foi o meu caso, porque sempre fui pobre,
sempre tentei fazer o que devia.
Embora Armando Marques seja uma grande estrela do Tiro em Portugal,
afirma que este esporte não oferece grandes lucros ao competidor. No entanto,
diz que de algum modo conseguiu ganhar dinheiro:
Quem pensa vir para o tiro para ganhar dinheiro, esqueça. Eu continuo a dizer que
não tirem a mim como exemplo, porque quando eu comecei tirei dividendos, é uma
realidade. Principalmente nos tais torneios que se fazem nas aldeias, como seja uma
festa para igreja. O que é que elas dão como prémios? Libras, ouro ou dinheiro ou
coisa que valha. Isso era uma fonte de receita, desde que se andasse no topo. E havia
fins de semana que faziam 5 torneios em diversas localidades, numa área de por
exemplo, 50 km. E dava para se atirar nesse mesmo dia nas cinco.
A competição considerada mais difícil
Armando explica a sua maneira de pensar sobre o que considera e difícil
no Tiro, e que um campeão precisa de sorte:
Apresentação e Interpretação das Narrativas
Socorro Dantas
305
Eu pratiquei muito, pra não dizer todas as modalidades, tudo o que eu pratiquei, das
mais difíceis o tiro é mais difícil, contando sempre com o fator sorte, que não se há
campeão sem sorte.
O fator “sorte” não foi falado por outros atletas desse estudo. Armando
tinha as qualidades de um excelente atirador, mas mesmo assim, acreditava que
a sorte era necessária, talvez essa fosse a sua forma de motivação, ou modéstia
quanto aos seus resultados.
Armando nos disse que considera todas as competições fáceis, mas que
não pode ser visto como exemplo:
Mas é o que eu digo sempre nunca me ponham como exemplo. Eu reconheço pra mim
todas são fáceis porque fui campeão em todas.
O ex-atleta reconhece, entretanto, que a Olimpíada, por tudo que
representa, pode ser vista como uma difícil competição e desejada por todo
atleta:
Olimpicamente porque é de 4 em 4 anos. Há uma publicidade enorme em volta disso,
que eu acho muitíssimo bem. E é o máximo, o ponto alto de qualquer atleta. O difícil é
ficar entre os 3 primeiros lugares.
Dificuldades na carreira esportiva
- As derrotas
O ex-atleta fez poucas referências às derrotas, quando se referiu ao
tema foi de maneira tranquila:
Apresentação e Interpretação das Narrativas
Socorro Dantas
306
Dificuldades, sim, em não conseguir fazer os resultados que nós pretendemos. E ao
contrário do que muita gente pensa, eu nunca tive a pretensão de ganhar as provas
todas, não posso. Porque eu digo sempre, não há campeão sem sorte, a sorte tem
que me ajudar.
Armando mais uma vez se refere à sorte quando o assunto é ganhar.
Para o ex-atleta além do treinamento o atleta tem que ter sorte para conseguir
bons resultados.
- As lesões
O ex-atleta não fez nenhuma referência ao tema “lesões”.
As relações com os amigos, treinadores, federação e mídia
Apesar da boa relação que o ex-atleta afirmou ter com a Federação de
Tiro, aconteceram episódios que deixaram por um tempo essa relação
enfraquecida, como mostra o excerto seguinte:
Eu sempre tive boas relações com toda a gente. As pessoas às vezes é que
me criam problemas. Como estamos a falar em termos de Federação, para ir para o
México em 1968, me preparei do meu bolso, porque eu nessa altura já não dependia de
patrões, já era empresário. A Federação não estava bem organizada, tinha algumas
dificuldades e eu avançava com dinheiro e eles depois pagavam-me, não tinha
problema nenhum. E isto aconteceu 2 a 3 vezes. Em 68 eu fiz a minha preparação
exatamente com objetivo de ir de ao México quanto a Federação eu era o único
selecionado também, quase sempre assim. Mas eu vi a possibilidade de poder ir mais
outro atirador, então havia o estágio de altitude para engrenar na Espanha porque o
México é em grande altitude, antes de ter competição. E, como a Federação me devia
dinheiro, a única maneira de pressionar, quando eles disseram que tinha estágio, eu
disse que não ia, que não tinha dinheiro para pagar.
Apresentação e Interpretação das Narrativas
Socorro Dantas
307
Armando relata que a Federação tentou resolver o problema de última
hora, porém já não participou do treinamento de adaptação. Porém, diz não
guardar mágoas e que está pronto a ajudar quem precisar:
Eu estou aberto para toda gente, sempre estive, não só agora, foi sempre assim, desde
miúdo. É a minha forma de ser.
Motivação e desmotivação na carreira esportiva
Armando nos falou sobre a motivação na carreira de um atleta:
Essa motivação. É o gostar da competição, essencialmente porque eu gosto muito de
competir em tudo, em tudo mesmo. Competição é sempre para ganhar. Doa a quem
doer, especialmente no tiro, foi onde eu ganhei mais pela facilidade talvez eu tenha
encontrado independente de tudo, tudo mais.
O ex-atleta relatou que, para si, parar de competir em nível olímpico, foi
uma fase que chegou naturalmente:
Veio naturalmente. Não é um afastamento porque eu nunca deixei o tiro. O que eu fiz
foi optar por aquilo que era mais cómodo, continuar a ter o tiro sem ter que fazer
preparação, sem ter que fazer treinos que era o caso do tiro ao vôo, depois é o caso
das hélices. Que faço de vez em quando só por brincadeira.
Armando Marques fala de forma muito tranquila do seu afastamento
parcial; parcial porque continua a competir em outro patamar, e faz questão de
frisar isto. O que talvez tenha encarado de maneira tranquila essa reforma, já
que não houve uma ruptura total.
Apresentação e Interpretação das Narrativas
Socorro Dantas
308
O seu processo de envelhecimento
Armando afirmou que não se sentiu envelhecer e por isso continua
competindo:
Não, por isso é que hoje continuo a fazer competição, continuo a ganhar e pronto.
Apenas reclamou da visão, que já não era a mesma:
Neste momento estou com um problema, eu fui ontem ao Porto, ao oftalmologista, que
é companheiro de caça também, e eu fui lá ontem fazer uns exames.
O ex-atleta disse não ter percebido o seu processo de envelhecimento
interferindo na sua performance no esporte em outras dimensões, apenas na
visão:
Continuo a fazer bons resultados, e o problema da visão acabei resolvendo com
óculos. Só com uma condição passei a usar, normalmente todos nós temos um
bocadinho de astigmatismo, isso não é problema, ponho os óculos para ver de perto.
Nunca tive problemas até os 60 e tais, não estava como eu queria e automaticamente
fui fazer uma experiência com os óculos de graduação mínima. Eu resolvi o problema
com os óculos e continuo a ver tudo no mesmo ritmo.
Em relação à visão, Armando naturalmente reporta a sua importância
para um atirador:
É fundamental isso! Exatamente o olho direito que é o meu olho de comando.
Apresentação e Interpretação das Narrativas
Socorro Dantas
309
Embora seja uma perda considerada menor para o ex-atleta, a visão é
um dos sentidos afetados pelo envelhecimento, e para determinado esporte é
um sentido de extrema relevância, como no caso do Tiro.
Em seguida, Armando confessou outro efeito do envelhecimento para o
corpo, a vida sexual:
Há uma coisa que eu tenho que dizer com muita honestidade. Há uma coisa que a
gente perde com a idade que as pessoas talvez não queiram dizer que é a parte
sexual.
A sexualidade normalmente é um tema de difícil entendimento e de
amplas discussões nas diversas faixas etárias, o que se agrava no caso dos
idosos, dificultando-lhes a superação de seus problemas. Não obstante, para
Armando, o envelhecimento também pode proporcionar algo de bom, como em
outra fase qualquer da vida:
O envelhecimento traz sempre novidades. É normal, porque por exemplo
trouxe-me os netos formidáveis, independentemente dos filhos, porque os netos não
têm nada haver com os filhos, completamente distintos e eu tenho sorte. Tenho dois
filhos, dois rapazes, um que faz 38 agora em Novembro dia 30 e outro que faz 42, que é
meu mais velho. Bom, outras experiências trazem outra forma de encarar, de viver, e de
tentar aproveitar. Porque tudo aquilo que eu já fiz na vida, o que eu ganhei na vida, o
que eu passei e por onde eu andei, e tudo mais, isso ninguém me tira. Eu consegui
chegar nessa idade e já é uma glória, é uma glória! Nesses tempos sempre fui uma
pessoa feliz, essencialmente no desporto. É porque quando eu entro, daquela plaquinha
lá para dentro deixo de ser a pessoa que sou cá fora, o objetivo é só partir pratos, é
fazer qualquer coisa, consigo me identificar.
Apresentação e Interpretação das Narrativas
Socorro Dantas
310
Armando, com o envelhecimento assumiu novos papéis que lhe
proporcionam prazer, como ser avô, por exemplo. Deixou as exigências das
competições de grande porte, para se dedicar ao esporte apenas por prazer, que
o tornou um homem feliz, segundo o que podemos perceber na sua fala e na
maneira como falou sobre isto durante a entrevista.
O PRESENTE
Trabalho e esporte
Atualmente, Armando continua competindo, mas sem a exigência de
antes:
Continuo a fazer bons resultados, já em uma categoria diferente, é fato! Não
pude, nem posso; temos que dar lugar aos jovens para concorrerem os Jogos
Olímpicos.
Tal como mencionado anteriormente, o Tiro é um esporte que permite ao
atleta competir com idade mais avançada. Sobre essa possibilidade, Armando
diz-nos:
Eu fui a um campeonato na Europa, na França, já nessa altura tinha 55 anos. E na
minha categoria de veterano eu ganhei com o resultado de 188 pratos em duzentos.
Mas dizer “você está exatamente como quando tinha 30, 40 anos”, não posso, os
resultados aparecem.
Armando nos falou sobre a sua experiência de envelhecer, aceitando
como uma fase da vida, e disse o que pensava antes sobre as benesses da
idade para o esporte:
Apresentação e Interpretação das Narrativas
Socorro Dantas
311
“Quando chegar aos 65 anos já não pago inscrições quando for nas competições”.
Tudo isso se modificou, porque eu tenho que pagar como toda gente paga. E sempre
fui um fulano com muita atividade, muita. Sou frio e calmo na hora que é preciso. Não
percebo |o envelhecimento|, aceito. Aceito. Eu acredito muito em Deus. Aceito. Se
disser ‘tá preparado para morrer? Também digo, não estou. Se eu perguntar à minha
mulher se ela está preparada para morrer, ela é capaz de dizer que está. Mas eu
tenho consciência que não estou preparado, me sinto ainda com muita força para
fazer tudo. Mas se você disser: você corre 100m em 15 segundos? Não. Se calhar
corro em 20 ou 25, mas isso é outra coisa que nós vamos perdendo. Já não consigo
correr como corria, mas ainda sou capaz.
Embora Armando, em parte da entrevista, tenha afirmado que
praticamente não sentia os efeitos do envelhecimento, no excerto anterior
reconhece que fisicamente já não é como antes. E para reforçar o que havia
falado sobre a sua boa condição física, o ex-atleta revelou que no dia seguinte
a entrevista, iria participar de uma caçada:
É o que vai acontecer amanhã andar 4 ou 5 horas seguidas a subir e descer montes.
Rotina atual
Armando também se referiu sobre a sua atual rotina de vida, após a
reforma:
Olha minha rotina hoje é… tenho a impressão que tenho menos horas disponíveis do
que quando trabalhava. A uma série de relacionamentos com boa gente. Mas não
quero parar porque o reformado que pára é um passaporte para outro mundo e isso
não me interessa. Continuo a fazer mais ou menos o de antes, quando não tenho
nada a fazer vou visitar amigos, sempre almoço com um, com outro, vou á caça.
Amanhã, por exemplo, vou à caça. Um amigo meu vai-me buscar às 5 horas. Pronto, é
mais um dia que se passa. Depois é mais algum negócio que possa aparecer, eu
Apresentação e Interpretação das Narrativas
Socorro Dantas
312
sempre fui uma pessoa comercial de qualquer coisa em que eu esteja, se houver
algum negócio com possibilidade de ganhar dinheiro, claro que invisto. Agora,
estacionar, nunca.
A atual rotina do ex-atleta é repleta de atividades, reconhece que a vida
de alguém não pode ser um marasmo porque se aposentou. É uma fase sem
obrigações, para fazer atividades que proporcionam prazer.
SOBRE O FUTURO
Armando terminou a entrevista falando dos seus planos para o futuro:
Continuar a viver, desfrutar da vida o máximo possível e não perder oportunidades em
nada, porque aquelas que se perdem não voltam atrás. Não perder oportunidades,
viver a vida o máximo possível, fazer aquilo que eu gosto.
O ex-atleta nos falou que poderia atuar como técnico de Tiro, que teria
estatuto para a função, mas:
Como profissão, neste país, é complicado. Tive uma proposta inclusivamente, pela
Federação Alemã, mas aqui estávamos numa época difícil, foi o ano de 75, 76.
Convidaram-me de uma forma simpática. E depois lá eu poderia até abrir uma escola
de Tiro inclusive, e aqui é complicado. Começa porque é um desporto individualista,
depois é um desporto que mais técnico tem.
O desejo de Armando Marques é continuar praticando Tiro e mesmo não
desempenhando a função de técnico, não se recusa a ajudar e passar a sua
experiência no esporte para quem o procura.
Apresentação e Interpretação das Narrativas
Socorro Dantas
313
3.1.8 A narrativa de Manuel Quina
O atleta
José Manuel Gentil Quina, conhecido no âmbito esportivo como Manuel
Quina, nasceu em Lisboa – Portugal, no dia 13 de outubro de 1935103.
Descendente de velejadores é o mais novo de uma família de seis irmãos. Foi
atleta de destaque no esporte Vela. Manuel Quina em dupla com o seu irmão,
Mário Gentil Quina, foram os primeiros a conseguir uma medalha olímpica no
referido esporte para Portugal. Manuel Quina participou de três Jogos Olímpicos,
a saber: No ano de 1960, participou dos Jogos Olímpicos de Roma - Classe
Star104, conseguindo conquistar a Medalha de Prata; em 1968 participou dos
Jogos Olímpicos da Cidade do México, na Classe Star, ficando em 17º lugar; em
1972, competiu nos Jogos Olímpicos de Munique, na Classe FINN105, ficando
em 11º lugar106.
PASSADO
As experiências no esporte
- O início – apoios e referências
Manuel Quina nasceu em uma família de velejadores, o que pode
explicar o desenvolvimento gosto pela Vela desde cedo. O ex-atleta nos contou
como foi o início da sua trajetória no mundo esportivo:
Eu tinha um avô que era um entusiasta dos barcos à vela, chegou a entrar em
competições com o Rei Dom Carlos, o penúltimo Rei de Portugal. Gostava |o avô| muito
de competir e transmitiu isso no fundo pra o meu pai. Mas meu pai tinha uma vida muito
103
Manuel Quina tinha 74 anos de idade, quando o entrevistamos. A entrevista ocorreu no dia de 1 de
julho de 2009, em Lisboa. 104
O barco na Classe STAR, leva dois tripulantes. O ideal é que a dupla de velejadores pese cerca de 200 quilos juntos. (http://mundoestranho.abril.com.br/materia/qual-e-a-diferenca-entre-as-classes-do-iatismo - acesso em 28 de novembro de 2011). 105
O barco na Classe FINN, leva apenas um tripulante, tem apenas uma vela, e o atleta deve pesar cerca de até 100 Kg. (http://mundoestranho.abril.com.br/materia/qual-e-a-diferenca-entre-as-classes-do-iatismo - acesso em 28 de novembro de 2011). 106
Mais informações sobre a vida esportiva de Manuel Quina ver no Anexo 12.
Apresentação e Interpretação das Narrativas
Socorro Dantas
314
atarefada porque era pediatra, e no tempo em que os médicos iam às casas das
pessoas. Tinha seis filhos e todos nós começamos a andar a velas muito cedo… eu era
o mais novo. Eu acabei por começar com sete anos, que eles já estavam mais
adiantados e eu também queria, também queria e comecei a andar a vela com sete
anos. Comecei, fiz a minha trajectória de vela numa instituição que era a Mocidade
Portuguesa, que permitia que os jovens fizessem vela, fizessem equitação, fizessem
hipismo, fizessem esses desportos todos sem gastar um tostão. Mas depois, quando
veio a Revolução em 74 acabaram com isso tudo.
Manuel relatou que teve condições de continuar velejando até terminar o
curso de Engenharia Mecânica. E, que também paralelo à Vela, praticou
Natação:
Mas eu, até acabar o meu curso, que eu tirei o curso de Engenharia de Máquinas, fiz
sempre Vela. Pratiquei vários desportos, pelo meio, um deles foi a natação, aonde
cheguei a ser recordista de Portugal de “butterfly”. E nadei até os meus 17 anos, mas ia
também fazendo Vela.
Mas, por conta da especificidade de treinamentos dos dois esportes,
Manuel Quina acabou por abandonar a Natação, passando a se dedicar
exclusivamente à Vela, como relata no excerto a seguir:
Quem faz Vela não faz natação, porque como viu na Regata que fizemos hoje107, os
músculos são completamente diferentes. E, portanto, optei por ir pra Vela. Andei com
alguns dos meus irmãos, também fiz equipe com eles.
107 Manuel Quina é sócio de uma empresa que oferece atividades aquáticas, e no dia da entrevista nos
convidou a participar no seu barco de uma Regata que aconteceu no rio Tejo – Lisboa. Participar dessa atividade como observadora foi uma experiência rica que nos permitiu ver como acontece dinâmica dos velejadores numa situação de competição.
Apresentação e Interpretação das Narrativas
Socorro Dantas
315
No ano de 1975, Manuel Quina relatou, foi para o Brasil, (o ex-atleta não
deixou claro o motivo da sua saída de Portugal). Essa mudança de país fez com
que Manuel se afastasse, durante um período das competições, retomando a
atividade algum tempo depois:
Em 75, fui para o Brasil, tive uns anos sem praticar vela. Depois comprei um barco de
Vela ligeiro, depois fiz uns campeonatos, depois parei, parei durante 10 anos porque
minha vida profissional não me permitia, porque também saí a meu pai e tive cinco
filhos.
Embora tenha tentado retomar a sua vida de velejador, Manuel Quina
teve que mais uma vez deixar de lado a Vela, pela necessidade de assumir
novos papéis, no caso, o de pai e provedor de uma família numerosa.
Características individuais e valores
Durante o dia que passei ao lado de Manuel Quina, participando da
regata juntamente com a equipe do barco, foi possível observar o ex-atleta
olímpico em ação. Parte da regata conduzindo o barco, mas, principalmente em
dando instruções para os novos velejadores. Na nossa entrevista, também,
observamos a sua empolgação ao falar das competições, e do prazer que essa
atividade lhe proporcionava. O excerto a seguir mostra isso:
Eu gosto é de fazer regata, competir, se ganho ou não ganho… não importa. Porque o
que importa é a tripulação, é o prazer que me dá. Eu já não estou a fazer currículo.
Porém, em seguida, na sua fala o ex-atleta demonstra, como qualquer
atleta, que quando entra em uma competição o desejo é ganhar:
Apresentação e Interpretação das Narrativas
Socorro Dantas
316
Nós cá costumamos dizer assim “nem a feijões gosto de perder” “nem a feijões gosto
de perder”. Quando vou pra uma competição, é pra ganhar.
As prioridades e renúncias
As prioridades eram em relação a deixar de fazer comprar alguma coisa,
por que teria que comprar e manter um barco. Como também não sair de férias
porque tinha que treinar. Os excertos da fala do ex-atleta, que tratam sobre esse
assunto fooram inseridos em outros tópicos da narrativa.
A rotina como atleta profissional
Manuel Quina nos falou como se preparava para competições, de que
forma treinava:
Na nossa época não havia treinadores. Era o que se lia o que se falava e o que se
treinava. Era completamente diferente do que é hoje. Eu fazia exercício físico, e andava
no mar sempre que podia. Eram aos sábados, domingos, feriados e quando no verão,
ao fim da tarde, porque anoitece muito tarde, não é como no Brasil, aqui às 9 horas…
ainda é dia, portanto a gente aproveitava estes tempos todos e estes bocados todos pra
treinar.
Na época em que Manuel Quina competia em nível olímpico, os tempos
eram outros, e o esporte não possui o aporte de hoje. O ex-atleta não tinha um
treinador que o auxiliasse, nem técnica nem taticamente:
Não havia nada disto, éramos verdadeiramente amadores, não tínhamos pormenores.
Apresentação e Interpretação das Narrativas
Socorro Dantas
317
Manuel Quina fez uma comparação da realidade do seu tempo de atleta
com as facilidades da atualidade em termos de informações e apoio:
A partir de certa altura na minha vida, depois de 1975, minha vida de atleta não
era uma vida de atleta, era uma vida de desportista amador. Eu vivia todos os
bocadinhos que eu tinha, ia pra dentro do barco treinar, fazer isto ler isto. Hoje em dia
não. Hoje em dia eu leio, vejo a televisão que me dá possibilidades enormes, com a
internet, com tudo.
Experiências marcantes na carreira de atleta
Manuel falou sobre as suas experiências, principalmente àquelas que
marcaram o seu percurso como competidor. Confessa que foram os fatos e
não propriamente pessoas que marcaram a sua vida de atleta:
Não tenho assim propriamente pessoas que marcaram a minha vida náutica. Havia
pessoas mais velhas que eu, que eu apreciava que eu tinha muito respeito porque
eram bons velejadores.
O ex-atleta relembra um dos fatos que foi especialmente importante na
sua vida:
Eu iniciei com 15 anos fui a minha primeira prova internacional. Fui fazer com um dos
meus irmãos. Fomos à Inglaterra, que era o equivalente a um campeonato da Europa
hoje em dia, mas eram as regatas mais importantes que haviam naquela classe. E
chagamos lá e ganhamos as regatas todas. Isso pra mim foi uma coisa que marcou
extraordinariamente, porque tinha 15 anos, nunca tinha saído de Portugal, e
chegamos lá… eu tinha 15 anos, meu irmão tinha 20.
Apresentação e Interpretação das Narrativas
Socorro Dantas
318
Para um adolescente, era um mundo novo de emoções. Sair do país,
competir e ganhar, foram experiências marcantes na vida de Manuel Quina.
As competições relevantes e as medalhas extraordinárias
Manuel Quina relembra das competições que ganhou e das medalhas e
troféus que recebeu. Inicia falando de uma regata que foi realizada no rio Tejo:
É… lembro-me, foi um troféu que foi feito aqui no rio e que eu ganhei. Em “Lusito”, era
um barco com duas velas, com leme, mas só pra uma pessoa, pra um miúdo. Hoje
aquele barco seria um “optimist”, já só tem pra uma pessoa, mas naquele tempo nós
andávamos num barco com duas velas e leme. Eu lembro-me de ganharmos um
troféu que era o troféu “Nobre Guedes” que naquela altura pra nós era muito
importante, isso também me marcou, e passei a pensar que hoje é capaz de ter jeito
pra vela. E por isso, sempre que eu posso, ando de barco.
Falou com entusiasmo da medalha que conquistou competindo em dupla
com o irmão:
A primeira foi a medalha com o meu irmão mais velho e fui à Itália em 1960 e que
ficamos em 2º lugar. 1º foi a Rússia, 2º Portugal e 3º Estados Unidos. Ficamos a
ampará-los. E digo-lhe que foi uma sensação fabulosa. Não sou capaz de descrever,
mas o contentamento interior por ter conseguido. Porque toda gente estava com os
olhos em cima de nós. Nós não éramos favoritos, eram os russos, italianos, os
americanos. Nós tínhamos trabalhado muito aqui, porque não era muito costume como
hoje fazer-se tantas provas internacionais, percebe?! Tínhamos muito bons
velejadores cá. Portanto, nós tínhamos um núcleo de velejadores muito bons e
fazíamos regatas todos os fins-de-semana. Mas isso também nos deu uma grande
prática. Nós treinamos muito. Não éramos profissionais, éramos amadores, portanto
todo tempo que a gente podia ia treinar. Isso marcou-me muito. Pra dizer que nós,
Apresentação e Interpretação das Narrativas
Socorro Dantas
319
apesar de sermos um país pequeno também temos qualidades e potencial para fazer
isso.
Percebe-se na fala de Manuel Quina o prazer da conquista, e o orgulho
de representar o seu país de maneira vitoriosa. O ex-atleta nos falou de outra
medalha que foi relevante na sua carreira de atleta, porém não falou muito
sobre o tema:
Depois houve outro episódio na vela. Foi quando ganhamos uma medalha olímpica.
Perguntamos ao ex-atleta quais os fatores que contribuíram para a
conquista da medalha olímpica, o ex-atleta respondeu que além do treinamento
e vontade de ganhar, acredita que é necessário um dom e muita sorte:
Eu penso que treino, trabalho, vontade… eu acho que é, em parte, um dom que a
pessoa tem de conseguir sentir o que é velejar. Acho que é preciso sorte, também. O
fator sorte é sempre muito importante.
Sobre a sua última medalha, o ex-atleta tranquilamente respondeu que
ainda não tem a última porque:
Nós fazemos |regatas|, quase todos os fins de semana. Por isso não me lembro muito
bem. Nós temos, praticamente, durante o ano, uma quantidade enorme de troféus e…
eu já não ligo muito aos troféus.
Manuel Quina, como já referido, continua a participar de regatas
juntamente com seu filho.
Apresentação e Interpretação das Narrativas
Socorro Dantas
320
Ao falar sobre as medalhas, o ex-atleta chama atenção para uma lição
que aprendeu como atleta:
Há uma coisa que eu aprendi no desporto, “ganhar e perder é uma coisa comum”. E,
portanto, não… devemos ficar contentes quando ganhamos, mas também não devemos
ficar tristes quando perdemos. Temos é que procurar melhorar pra ganhar. E pronto.
O sucesso e as recompensas
Manuel Quina afirmou que não ganhou dinheiro com o esporte na época
que era atleta, que hoje em dia é diferente:
Não, eu gastei! |risos|. Pois ganham hoje em dia! Ganham, e ganham muito
dinheiro, mas eu não, eu gastei sempre.
O ex-atleta fez questão de frisar que, embora o esporte não lhe tenha
proporcionado ganhos financeiros, lhe ensinou algo muito importante para a
sua vida:
Proporcionou-me uma coisa muito importante: “saber perder e ganhar; saber
procurar vencer, sempre, mas não ir abaixo quando perde”. Eu acho que isso é
extremamente importante… Para vida, porque numa fase da minha vida, já tinha cinco
filhos, eu comecei do zero pra cima.
Manuel Quina se mostrou orgulhoso do filho que segue a carreira de
velejador e disse:
Apresentação e Interpretação das Narrativas
Socorro Dantas
321
Eu penso que consegui implementar isso no Rodrigo, porque ele começou
tarde e começou numa classe em que eu andei aos Jogos Olímpicos. Ele tem tido um
esforço “enormíssimo” para progredir. Eu acho que ele vai ter frutos.
O ex-atleta reforça que do seu ponto de vista teve muitos ganhos e
reflete:
Só tive ganhos, não materiais, mas de prazer. Há coisa melhor que a pessoa estar
num barco? Há coisa melhor? Esquece dos problemas. Acha que numa regata, uma
coisa com convívio, então a gente tá a pensar que tem problema amanhã, no
escritório? Quero que se lixe. Amanhã ou depois a gente vai tentar resolver, agora
deixa-me viver. Acho que neste desporto, na vela, eu acho que isso acontece, porque
é um contacto com a natureza tão grande… “porque hoje tá um dia bonito… mas
amanha tá a chover… está muito vento”, e toda a nossa mentalidade vai mudando
consoante o dia. Costumo dizer que o melhor, melhor, da vela é o antes e o depois,
porque quando se está na regata aquilo é uma guerra de nervos, não viu quando a
gente tava a largar?
Manuel Quina é uma pessoa que fala com entusiasmo do que faz. Ficou
patente que o prazer é a sua motivação para ter permanecido no esporte.
A competição considerada mais difícil
Como outros ex-atletas entrevistados, Manuel Quina considera dentre
todas as competições que participou que os Jogos a Olimpíada foi a competição
mais difícil:
Pra mim são os Jogos Olímpicos, porque é a competição para qual quais nós nos
preparamos melhor. Vão só os melhores, o melhor de cada país. Não quer dizer que um
campeonato do mundo ou da Europa não seja muito difícil, mas os Jogos Olímpicos
Apresentação e Interpretação das Narrativas
Socorro Dantas
322
encerra qualquer coisa de especial. É aquilo que todo o mundo olha para aquela
competição. Os campeonatos do mundo fazem-se, às vezes nem se sabe, hoje em dia.
Agora os Jogos Olímpicos as pessoas sabem. Mexe com o mundo inteiro, e as
pessoas, quando lá vão, estão a fazer por si e pelo seu país, também, que é muito
importante. É outro sentimento, completamente diferente de outra prova. Para mim
foram as mais importantes.
O orgulho e o sentimento de patriotismo e o sentimento de
pertencimento a um grupo dos melhores do mundo, faz dos Jogos Olímpicos
uma competição ímpar para qualquer atleta, como no exemplo do Manuel Quina.
Dificuldades na carreira esportiva
Manuel Quina relatou que a fase mais difícil da sua carreira de atleta foi
quando teve que se afastar dos treinos competições e ir embora de Portugal:
A minha fase mais difícil foi aquela em que eu não fiz desporto. Essa foi porque
eu sentia uma falta enorme. Houve um período em que eu realmente não tinha tempo,
nem tinha disposição quase pra isso. Esse foi o período mais difícil para mim. E há uma
coisa que pode reparar: é que eu, com 74 anos, aquilo que eu gosto é de andar de
barco. Deu pra perceber hoje na regata?
O ex-atleta mais uma vez comparou às dificuldades de ser atleta na sua
época, quando os recursos para o esporte eram poucos:
Hoje, os atletas de alta competição têm a vida muito facilitada. Na minha época
tínhamos que comprar o barco, tínhamos que comprar a vela. Não tínhamos ajuda
nesse sentido. Podíamos ter às vezes ajuda de nos darem algum dinheiro pra fazer a
viagem, pra ir a um campeonato, isto ou aquilo. Mas de resto, não havia dinheiro, nós
tínhamos de pagar do nosso bolso.
Apresentação e Interpretação das Narrativas
Socorro Dantas
323
Pelo discurso de Manuel, se percebe que o atleta de Vela, deveria ter
recursos próprios, pois velejar é uma atividade cara:
Até os 25 anos, quando fui a primeira vez à Inglaterra, não paguei nada, uma
organização pagou-me para eu ir lá, mas, nessa altura, os barcos não eram meus, só
depois de ter saído é que eu passei a ter o meu barco, o meu próprio barco; e lembro-
me que o meu primeiro barco foi pago a prestações porque eu, enfim, não tinha
dinheiro. Foi no princípio de vida e, portanto, em vez de fazer um certo número de
coisas que poderia fazer, ir viajar, ir isto, fazer aquilo, eu preferi ter um barco, pronto.
O ex-atleta nos falou como acontecem os ganhos financeiros no esporte
Vela atualmente:
Na vela internacional, dessas voltas ao mundo. Eles vão lá por dinheiro. Apesar de
gostar muito, vão lá por dinheiro. É o trabalho deles, profissionais. Porque há
profissionais… e profissionais. Há aquele profissional, por exemplo, eu vejo, pelo
menos, aqui em Portugal, que o Estado, o Comité Olímpico paga-lhes um “x” para eles
andarem, mas quando acaba aquilo, vão pra sua vida. Vão trabalhar na sua vida. E há
outros que continuam a ser profissionais da Vela, que vão correr aqui, vão fazer regatas
ali e não sei quantas. Esses são verdadeiramente profissionais. Eu acho que a vela
profissional não dá pra toda a gente, tem que chegar a um tal nível que as pessoas
desistem antes.
Pela fala de Manuel, se percebe que hoje a realidade de um atleta de
Vela também é difícil, por envolver questões como ganhos financeiros, e
também por isso, as competições se tornaram mais acirradas.
Apresentação e Interpretação das Narrativas
Socorro Dantas
324
Sobre o seu afastamento das competições
Durante um período, Manuel Quina se afastou do esporte para ir para o
Brasil, e relatou o que sentiu quando isso aconteceu:
Foi de um dia para o outro. Eu fui para Rio Largo108 há 38 anos, o aeroporto era uma
barraca de madeira, tinha lá umas 20 pessoas da família à espera, que eu nunca tinha
visto, e eu pensava assim “ora, vem ver os macaquinhos que estão a chegar”. Eu digo-
lhe uma coisa, eu só posso estar agradecido a todos eles, todos eles, porque foram
encantadores conosco, encantadores. A minha mulher já os conhecia, mas eu não, não
era da família, era família por afinidade. Digo-lhe hoje, ainda hoje, o pai dessa minha
prima já faleceu, mas eu, pela senhora que tem 87 anos, 88, tenho uma admiração e
uma consideração extraordinária, tal maneira quando ela fez 80 anos, eu e a minha
mulher metemo-nos no avião, sem dizer nada a ninguém, e fomos lá ao dia de anos, ao
aniversário. E depois ainda houve outra surpresa: é que a minha filha e o meu genro,
como sabiam, e a minha filha já lá tinha estado e gostava muito, também foi e fez outra
surpresa a nós, bateu-nos à porta do quarto “nós cá também”.
- As derrotas
Manuel Quina não falou especificamente sobre as derrotas, sobre o
tema generalizou e nos disse o que aprendeu sobre derrotas:
Acho que o desporto em si, quando é bem conduzido, quando não se pensa só “eu
tenho que ganhar, tenho que ganhar, tenho que ganhar, se não é uma vergonha”, daí
também não é bom, a gente tem que encarar a vitória e a derrota, para quando ter a
derrota saber levantar-se. Aí é que é extremamente importante, que eu vejo que
muitas pessoas que achavam que iam ganhar, desistem, vão a baixo. A pessoa tem
que continuar e esforçar-se.
108 Rio Largo é uma cidade no Estado de Alagoas – Brasil.
Apresentação e Interpretação das Narrativas
Socorro Dantas
325
- As lesões
O ex-atleta não fez nenhuma referência às lesões sofridas no esporte.
As relações com os amigos, treinadores, federação e mídia
Manuel Quina não fez referência à treinadores pois como já referido pelo
ex-atleta e não possuía treinador. Sobre a sua relação com a mídia, nos falou
como era na sua época:
Olha, o que eu vou lhe dizer, pra ver, a primeira Olimpíada aonde eu fui, foi em Itália,
nós ficamos em segundo, e a televisão portuguesa, que já havia, nessa altura, foi ao
estúdio da televisão italiana pra fazer uma reportagem para mandarem de avião para
Lisboa. Portanto, como vê, era mais tudo à volta dos jornais, tudo mais à volta dos
jornais. Hoje, com a televisão, a gente já não sabe quem é que conhece se é da
televisão, se é porque nos apresentaram. Aliás, já me aconteceu isso uma vez, tava a
falar com um senhor e… “eu conheço-o da onde, você conhece…” chegamos a
conclusão que era da televisão |risos|.
O ex-atleta nos falou como funcionava a Federação de Vela, na época
em que ele foi atleta olímpico:
A federação não era o que é hoje. A federação tinha um presidente, que era um
homem muito importante do governo português e a vela sempre teve pouco dinheiro.
Aliás, todos os desportos queixam-se que têm pouco dinheiro. E ele procurava
resolver os problemas, mas nós, muitas das viagens que fazíamos pra campeonatos,
grande parte era paga por nós próprios, e nós sacrificávamos para termos um bom
barco pra podermos ir a campeonatos. Hoje é completamente diferente. Hoje a coisa é
classificada como desporto, como atletas de alta competição, atletas de futuro, e a
federação, e o Comité Olímpico, principalmente para aqueles que já têm o estatuto,
facilita-lhes muito a vida. Eu compreendo que o desporto mudou radicalmente, hoje
em dia são profissionais, são profissionais.
Apresentação e Interpretação das Narrativas
Socorro Dantas
326
As condições para o atleta mudaram muito nas últimas décadas, hoje, a
depender da modalidade esportiva, pode-se viver muito bem como atleta de alto
rendimento. Na época em que Manuel Quina competia representando seu país,
não existia a profissionalização do esporte, como foi referido pelo ex-atleta no
excerto anterior. Desse modo, o atleta tinha que trabalhar para sobreviver, o que
comprometia o seu treinamento e seus resultados.
Motivação e desmotivação na carreira esportiva
Manuel Quina nos falou sobre motivação e desmotivação na sua carreira
de atleta:
Eu fui a três Olimpíadas, mas estava com idéia de ter ido a uma quarta. Mas como
houve aqui a revolução de 1974, eu fui pra o Brasil e, portanto, já não fui às outras
Olimpíadas. Eu tinha a convicção plena que iria aos outros Jogos Olímpicos. Na classe
onde eu andava, nessa altura, tinha grande superioridade sobre os meus concorrentes
aqui. Por isso, pra mim foi uma pena, mas, enfim, perdi uma oportunidade, mas primeiro
está a vida, nossa vida, dos filhos, da mulher, todos. E quando voltei pra Portugal, tinha
que trabalhar muito, e trabalhei muito, e hoje estou como dizem vocês, aposentado, e
por isso, hoje, a minha vida é dedicada aos barcos.
Manuel Quina continua motivado no esporte que lhe deu notoriedade,
assumindo outras funções no barco. A vela é um esporte, que de acordo com a
fala do ex-atleta, permite ao indivíduo competir até mais tarde:
Hoje há pessoas que com 80 anos… ainda hoje estava um senhor |na regata|, tinha
80 anos, e o neto é que ia ao leme, mas o senhor estava lá, se calhar ia como tático
ou qualquer coisa.
Apresentação e Interpretação das Narrativas
Socorro Dantas
327
O seu processo de envelhecimento
Quando falamos à respeito do processo de envelhecimento e
perguntamos como o ex-atleta percebia esse processo, pareceu surpreso e
retrucou: Que pergunta a sua! Mas, em seguida afirmou que um dos ganhos do
envelhecimento é conseguir ser mais paciente:
É uma coisa engraçada! Ter mais paciência, por exemplo, velhos que têm mais
paciência para os netos do que se calhar tinham para os filhos; velhos vêem as
crianças de uma forma diferente; vejo a vida por um prisma completamente diferente.
Acho que a maior riqueza que nós podemos ter é a saúde, coisa que quando a gente
tem 30 anos, 40, não é; mas hoje, eu costumo dizer “você é rico se tem saúde e tem
força pra trabalhar”, isso é que é nossa maior riqueza, porque se agente tem uma dor,
tem isto, tem aquilo. Eu costumo dizer que o homem tem três fases da vida: uma, aos
20 anos, diz pra o amigo “Ah! Hoje eu conheci uma moça linda, espectacular. Aquilo é
uma coisa divinal.”; aos 40, diz pra o amigo “Eu hoje fui comer uma feijoada ótima,
estava maravilhosa”; aos 60 diz “Mas ando aqui com uma dor nas costas, horrível,
horrível, não sei quê mais” |risos|.
Manuel Quina se refere ao envelhecimento como uma fase da vida,
natural. Mas acredita que é necessário nesse processo, que o espírito se
mantenha jovem:
Eu acho que há uma coisa que é extremamente importante pra nós: é conseguirmos
ter um espírito jovem. Isso, pra mim, é a coisa mais importante.
Ainda falando sobre o seu próprio envelhecimento, Manuel Quina revela
em que dimensão tem sido mais perceptível os efeitos do tempo:
Apresentação e Interpretação das Narrativas
Socorro Dantas
328
Nós julgamos que a nossa força mantém-se, pior é quando nós queremos ir executar
certas coisas. Eu costumo dizer, por graça “ai, eu tô ótimo, fisicamente”, o pior é
quando cai uma caixa de clipes ao chão e que eu tenho que ir apanhar os clipes todos.
Nessa altura percebo que o físico não é a mesma coisa, tem alterações. Mas eu acho
que o importante é a gente sentir-se bem e não tá doente.
Manuel Quina falou que outra atividade que o passar dos anos
compromete é a atividade sexual, mas que procura não se incomodar:
Naturalmente que a gente sente, até sexualmente, agora nós temos que aceitar, tem
que aceitar e pronto. Eu acho que a vida tá tão bem feita, tão bem feita, a natureza tá
tão bem feita que eu, pessoalmente, aceitei, mas, não estou a pensar nisso. Não
penso nisso e brinco, também, com essas coisas; e depois costumo dizer assim
“agora temos remédios” O sexo no homem, medicamente, está estabelecido até os 82
anos. É claro que não é como se fosse um jovem, mas pronto também tem o prazer, e
há muitas formas de ter prazer.
O ex-atleta relatou que o envelhecimento lhe tirou algo que gostava:
Há uma coisa que eu sinto tanto, gostava de umas noitadas boas, divertidas; hoje,
mais tardar às duas da manhã, apetece-me ir para cama. Eu sempre gostei de me
divertir quando me apetecia. Sem ter data marcada, uma coisa que surge. Por
exemplo, eu lembro-me que o último Campeonato do Mundo eu fui aos Estados
Unidos, resolvi ir com uma semana antes. Eu tinha sido selecionado para ir aos
Estados Unidos, mas já tinha havido aqui a Revolução e não sei que mais, tava tudo
complicado, mas eu lá consegui e disse à minha mulher, disse “olha, eu vou embarcar
amanhã, quando chegar lá eu vou tratar das coisas do barco, do automóvel pra
atravessar os Estados Unidos e tu, daqui a dois dias, vai lá ter”.
Apresentação e Interpretação das Narrativas
Socorro Dantas
329
O ex-atleta mostra ter um espírito livre, e sente falta de fazer coisas sem
planejar com muita antecedência. Mas, disse que outro ganho com o
envelhecimento é que agora utiliza o seu tempo como acha conveniente:
E eu vou lhe dizer, depois dos 60 anos, eu disse assim: “agora faço o que me apetece
e o que quero, não tenho que estar a preocupar-me com o que aquele diz ou que o
outro diz, é o que me apetece”.
O ex-atleta não aceita o rótulo de “velho” e entre risos diz:
Mas eu vou lhe dizer, eu não sou velho. Velhos são uns trapos (risos).
Porém, em seguida fica sério e fala como percebe o envelhecimento,
fazendo uma comparação com um medidor de tempo:
Mas eu sinto que ele vem chegando |o envelhecimento|. E a verdade é que cada ano
que sentimos mais rápido. É tal e qual como uma ampulheta quando a gente vira a
areia parece que não cai, e depois chega uma certa altura ela começa “vummmm”,
mas a velocidade é a mesma. O que já é o final. Tá a perceber? A gente vai
sentindo… vai sentido em certas coisas que quer fazer e que vê que já não pode
fazer. É só aí que a gente vê que tá |na cabeça|, aqui pode, totalmente, mas depois
fisicamente não pode. Digo assim: “eu gostava de fazer isso, mas já não consigo”.
Pronto, mas a gente aceita, eu aceito, pronto, não há nada a fazer.
O ex-atleta nos disse que procura aceitar o envelhecimento, entretanto,
tem muita dificuldade em lidar com a morte:
Apresentação e Interpretação das Narrativas
Socorro Dantas
330
Há coisas que eu não aceito, sabe?! Que é morrer uma criança pequenina num dos
assaltos na rua como morreu um neto, com 6 anos. O acreditar em Deus, a religião
tudo isso me causa uma confusão enorme. Por que uma criança que nunca fez nada a
ninguém, pá? Depois dizem “Deus escreve direito por linhas tortas”. E depois não
quero questionar-me porque senão… ou a gente tem fé ou não tem. Então é melhor
não por estas questões. Eu sei, passei por duas coisas dessas, uma foi a minha
primeira mulher, tinha 31 anos… Morreu com um câncer, em seis meses, depois foi
um neto que morreu. Isso a gente não percebe, nem aceita bem, percebe? Apesar de
eu saber que a vida continua e tenho dito a muitas pessoas “a vida continua, tem que
sair dessa crise, tem que sair disso”… mas são os momentos mais difíceis da vida de
uma pessoa. Ou uma doença ou uma coisa qualquer, em que a gente se vê…
impotente pra fazer qualquer coisa.
Como estávamos falando sobre finitude humana e fé, perguntamos ao
ex-atleta se o medo que sentia era em relação à morte:
Medo não. Tenho pavor. Sabe o quê que lhe vou dizer? Há alturas que eu digo assim,
“olha, se eu morrer, morri, vão ter uma data de trabalho comigo, para me por lá em
baixo da terra”. E depois penso assim “quem cá ficar”… eu tenho uma grande
preocupação com os que cá ficam. Porque eu acho que ainda faço alguma… e vi pela
morte do meu pai, apesar de ter noventa e… ia fazer 98 anos, passado três dias ou
quatro, eu senti que a família se afastou toda. Os irmãos acabaram… nós tínhamos
religiosamente datas de aniversários todos juntos, com nossos pais e isso tudo.
Quando o meu pai, o chefe da família, morreu, a família toda foi se afastando. E cada
um criou a sua família, ta a perceber? Cada um formou a sua ilha. E isso faz diferença,
é uma coisa que a gente sente. Quando morre o esteio da família. Pronto, eu já tenho
outro esteio, já tenho, já tenho filhos, genros, noras, netos, uma bisneta.
Percebemos que Manuel Quina valoriza muito a família unida, o seu
medo de morrer fica claro na sua fala que é, também, pelo fato de acreditar que
a família poderá se distanciar uns dos outros.
Apresentação e Interpretação das Narrativas
Socorro Dantas
331
O PRESENTE
Trabalho e esporte
Atualmente Manuel Quina é sócio da Tuba Náutica, uma empresa da
área de Lisboa, que oferece diversas atividades náuticas, o ex-atleta nos
explicou como montou esse negócio:
Foi o Rodrigo |filho|, que me entusiasmou a comprar um barco assim de vela, já que
usei, já era mais cómodo pra mim, comprei um mais pequeno de 32 pés, e depois, há
dois anos e meio, comprei este 40 pés. Rodrigo, como se dedica inteiramente… ele
tirou o curso de Direito, mas dedica-se totalmente à vela. Tem que ter uma forma de
ganhar dinheiro pra sustentá-lo, e então ele dá lições no barco e fazemos eventos. E
eu faço os treinos diários, pronto. Sempre que eu posso, ando de barco. E por isso
nós, hoje em dia, o que eu faço são regatas nestes barcos.
O ex-atleta falou de forma entusiasmada sobre o futuro do seu filho, lhe
perguntamos se de, algum modo, via no filho as suas características:
Em feitio, em feitio, não sei. A perseverança no mar. Acho que ele apostou em fazer
qualquer coisa. E isto de ter desistido da sua carreira de advogado e ir pra os barcos,
é porque ele apostou nos barcos, ele apostou em querer. O grande sonho dele é ir ao
Japão, não percebo bem isso, mas o grande sonho dele. Se eu fosse uma pessoa
rica, tinha-o aí num país estrangeiro para treinar. Só pra isso.
Manuel deixou claro de como gosta de ajudar os filhos, e ajudaria mais
se fosse possível, como no caso do seu filho Rodrigo que gostaria de ir às
Olimpíadas.
O ex-atleta também falou sobre o esporte na atualidade, o que pensava
e como via o esporte de alto nível nos dias atuais:
Apresentação e Interpretação das Narrativas
Socorro Dantas
332
Hoje eu acho que é uma mercadoria como outra qualquer. Tá bem, pronto, a gente
representa o país, mas é um negócio. Então se a pessoa for boa, tiver boas condições,
depois tem anúncios, tem isto, tem aquilo, tem aquilo outro. Ele está mais interessado
num bom resultado pelos proventos que pode vir a ter que propriamente pelo seu país,
por isto. Com certeza que é uma alegria muito grande que a pessoa pode ter, pessoal,
mas… eu já nem sei. Hoje em dia, com a globalização, Europa… já há quem diga que é
europeu, não é do seu país. Já não percebo nada. Para minha idade isso já me faz
muita confusão.
Rotina
Manuel Quina cuida do corpo, da saúde, e revelou como é a sua atual
rotina de exercícios físicos:
Acordo levanto-me, vou três, quatro vezes ao ginásio por semana. Faço uma série de
exercícios. Cardiovascular, bicicleta, remo. Depois faço uns exercícios lá com a
personal trainner, que diz pra fazer de pernas, de braços, destas coisas todas. Mas
essa parte só faço duas vezes por semana. Vou sempre à piscina nadar.
Quanto aos treinos no barco com os alunos da sua empresa o ex-atleta
nos disse:
O nosso treino aqui é andarmos todos os sábados e domingos e pronto,
Porque ninguém, nestes barcos, ninguém é profissional. Pelo menos aqui! Se for pra
fazer a volta ao mundo são pagos e outras provas. Aqui não. Normalmente há classes,
por exemplo, que fazem campeonatos do mundo, por exemplo ali em Cascais, eles
pagam para ter tripulantes, mas eu não.
Apresentação e Interpretação das Narrativas
Socorro Dantas
333
SOBRE O FUTURO
O ex-atleta não se referiu especificamente sobre planos para o futuro.
Na sua narrativa a preocupação era mais com o presente do que com o que
poderia acontecer futuramente.
3.2 - INTERPRETAÇÃO DAS NARRATIVAS
No item anterior, para a construção e apresentação das narrativas,
foram citados os excertos considerados relevantes das entrevistas transcritas
de cada um dos atletas entrevistados. Nesta apresentação, as narrativas foram
tematizadas acompanhando os grandes temas gerais pré-definidos, atendendo
ao objetivo da investigação. Desse modo, a compreensão dos sentidos
atribuídos pelos atletas de elite às suas carreiras no esporte, e aos seus
processos de envelhecimento, aparecem ao longo das suas narrativas
expostas. Salientando a riqueza dos discursos obtidos, pretendemos agora
interpretar, sobretudo, as questões que permitirão compreender os sentidos do
envelhecimento para o atleta de elite, assim como compreender as suas
experiências no esporte.
É relevante ressaltar a riqueza do instrumento de pesquisa utilizado para
este estudo. Com efeito, o uso da entrevista do tipo biográfico com as
perguntas abertas, e respectivos cuidados na sua realização, permitiu obter
respostas francas e profundas sobre os diversos temas propostos e outros que
surgiram no decorrer das próprias entrevistas, algo que terá permitido obter
elementos muito ricos e profundos para chegar às narrativas expostas. Na
verdade, as narrativas mostram-se cruciais para atingir os objetivos que foram
estabelecidos para este estudo, uma vez que através destas podemos nos
aproximar da experiência tal como ela é vivida e contada pelo narrador
(Sparkes 2003; Bruner 1991).
Concordando com essa forma de pensar, a experiência e a narrativa
como a expressão desse pensamento, optou-se pela narrativa como técnica
metodológica de inspiração fenomenológica, ou seja, as experiências vividas
Apresentação e Interpretação das Narrativas
Socorro Dantas
334
pelo ser. Procurando compreender os sentidos das experiências vividas pelos
ex-atletas, o passo seguinte, e necessário, é a interpretação. De acordo com o
pensamento de Heidegger (1999), compreensão e interpretação são
dimensões originárias do estar-no-mundo. Para o filósofo, a interpretação se
funda existencialmente na compreensão, caminhando juntas em direção a uma
abertura do ser.
Assim, na busca pela compreensão dos sentidos do ser, tentamos,
agora uma interpretação das narrativas dos ex-atletas entrevistados, dando
relevo aos temas que mais importa aprofundar neste estudo. Isto é, não
apenas os temas que emergem da necessidade de dar respostas aos objetivos
propostos, mas também aqueles que, apesar de não serem questionados na
entrevista, se tornaram deveras evidentes nos discursos obtidos.
Dos discursos emergiram diversos temas que optamos por agrupar e
organizar temporalmente em termos de passado, presente e futuro. Na nossa
perspectiva e pela leitura efetuada (que acarreta já uma interpretação), são
temas centrais que merecem destaque em se tratando de experiências vividas
e processo de envelhecimento de atletas. Foi objetivo deste estudo
compreender os sentidos atribuídos pelos atletas de elite ao seu processo de
envelhecimento, nas suas diferentes dimensões. Para isso, nos focamos nos
temas mais evidentes nas suas narrativas de vida para a compreensão desta
realidade. Os temas tratam, designadamente, das experiências vividas no
esporte (início da vida esportiva, experiências marcantes, dificuldades na
carreira, competições, medalhas, rotinas de treinamentos, sucesso,
afastamento, processo de envelhecimento); a vida atual (trabalho, esporte,
rotina); e planos para o futuro109.
O processo de envelhecimento de atletas é o aspecto principal que
vincula os indivíduos que fizeram parte do grupo de estudo desta investigação,
porém, sem dúvida, o envelhecimento é um processo individual e com
características particulares que distingue os indivíduos, nomeadamente porque
109
No anexo 13, apresentamos um quadro com os temas que emergiram nos discursos e que são relevantes para o estudo.
Apresentação e Interpretação das Narrativas
Socorro Dantas
335
o modo de envelhecer depende da história de vida de cada ser humano. Por
isso, a narrativa de cada uma dessas vidas, com suas diferenças e até
algumas similaridades, são essenciais para a compreensão dos modos como
cada entrevistado vive e percebe o seu próprio envelhecimento.
Experiências vividas no esporte
Início da vida esportiva
A temporalidade contida no relato de cada entrevistado remete a um
tempo histórico e dinâmico. Para Brioschi & Trigo (1987), esse tempo apreende
as estruturas de relações sociais e os processos de mudanças. Nesse sentido,
é necessário, desde já, considerar que o início da vida esportiva desses ex-
atletas é um momento marcado no tempo das histórias de vida de cada um.
Assim, é relevante compreender como os entrevistados iniciaram sua prática
esportiva, quem ou o quê os motivou para ingressar e permanecer no esporte.
Todos os ex-atletas que fizeram parte deste estudo têm em comum o
gosto e a vontade de praticar um esporte desde a infância. O que se observa é
que, por diversos motivos, para alguns deles os esportes que lhes
proporcionaram sucesso nem sempre foram os esportes que a princípio
gostariam de ter praticado quando criança. Por não conseguirem ingressar nas
modalidades esportivas que sonhavam, trilharam outros caminhos no esporte;
como no caso de Carlos Lopes, por exemplo, que foi recordista mundial de
maratona, tinha como sonho jogar Futebol:
(…) O desporto que eu mais gostava de praticar como todo mundo sabe, é o futebol110
. (Carlos
Lopes).
110
O excerto completo se encontra no capítulo da apresentação das narrativas. Alguns recortes desses excertos serão inseridos no capítulo da interpretação, com objetivo de ilustrar o tema alvo da discussão.
Apresentação e Interpretação das Narrativas
Socorro Dantas
336
Outros entrevistados tiveram contatos com vários esportes, antes de se
dedicarem integralmente àquele que lhes proporcionou notoriedade. Como
aconteceu com Montanaro:
A última modalidade que eu tive contato foi o Vôlei (…). Eu gostava demais de Atletismo (…),
fazia Basquete e Futebol e o que eu mais gostava era o Handebol. (…) Um professor de
Educação Física foi ao time de basquete, de handebol e pinçou alguns jogadores para compor
um time de vôlei masculino da escola, e eu fui um dos escolhidos. (Montanaro).
Para esses indivíduos, outras possibilidades apresentaram-se dentro do
esporte e a força de vontade os levou adiante, ou como afirma Bento (2004, p.
92) sobre ser atleta: “Ser desportista é ser e ter alma, força e vontade para
renovar a vida de objectivos e sonhos ainda e sempre por realizar”. A mudança
de modalidade esportiva acaba por se transformar em um novo desafio, para
aquele que se apaixona pelo esporte. Essa vontade de seguir em frente,
ingressando em novas “aventuras”, trilhando outras trajetórias, se apresenta,
segundo Rúbio (2001), como uma das vocações do indivíduo que deseja ser
atleta.
Além dessa força de vontade e perseverança, para seguir em frente,
Massa, Ueze & Bohme (2010) sugerem que o apoio psicossocial é fundamental
para o desenvolvimento do atleta. Com efeito, na perspectiva destes autores, a
mudança na rotina de vida necessita de uma reprogramação no estilo de vida
individual, e quase sempre alterações no seio familiar.
O mesmo é destacado por Marques & Samulski (2009) que, num estudo
sobre jogadores de Futebol no Brasil, perceberam que as famílias, tanto as de
classe sócio econômica média-baixa, quanto as famílias de classe média-alta,
procuram se ajustar e dar apoio à prática esportiva do filho.
Também todos os participantes do nosso estudo, independente da
classe social a que pertencem reconhecem que foi valoroso o apoio e o
incentivo da família para o desenvolvimento das suas carreiras. Zequinha
Barboza, jovem de classe social baixa, do interior do Brasil, foi um dos
Apresentação e Interpretação das Narrativas
Socorro Dantas
337
entrevistados que afirmou quanto o apoio familiar é relevante para impulsionar
uma carreira esportiva:
(…) a gente passava fome, então a minha tava preocupada em botar o prato da comida. (…) a
minha mãe foi uma incentivadora. (…) Nela eu vi o exemplo de determinação de perseverança,
ela me ensinou como proceder (Zequinha).
Esbela, classe média, morando na capital de Portugal, também
reconhece o valor do apoio familiar. Esse apoio poderá ser potencializado
quando o esporte faz parte do estilo de vida da família, como foi o caso da
Esbela:
O meu pai era médico (…). (…) A minha mãe tinha sido a primeira campeã nacional de sprint.
A família todo o tempo me apoiou (Esbela).
Como o exemplo de Esbela, a conformação de um estilo de vida
esportivo na família pode contribuir para o desenvolvimento do gosto para o
esporte, os pais ou irmãos podem orientar na experiência esportiva. Além de
Esbela, outros entrevistados falaram sobre a tradição de determinada
modalidade esportiva na família. Como no caso de Paula no Basquete, além
dela, as suas três irmãs também praticavam esporte. Paula e a irmã Branca
foram as que se destacaram no esporte de alto nível:
Todas jogaram basquete. (…) Branca também chegou a seleção, e disputou olimpíada (Paula).
A prática esportiva pode também vir de uma tradição cultural ou familiar
como foi o caso do entrevistado Manuel Quina:
Apresentação e Interpretação das Narrativas
Socorro Dantas
338
Eu tinha um avô que era um entusiasta dos barcos a vela, chegou a entrar em competições
com o Rei Dom Carlos (…). Gostava muito de competir e transmitiu isso para o meu pai
(Manuel Quina).
Por norma, os atletas de elite passam por diversas fases no percurso de
da sua vida esportiva. De acordo com Salmela (1994), estas fases são: o
desenvolvimento, nesta fase o atleta passa por períodos de transição dentro do
treinamento (iniciação, especialização, aperfeiçoamento); término e
aposentadoria. Em todas estas fases, e não apenas na fase inicial, o apoio é
fundamental para o atleta (Coté, 1999). Nesse sentido, a família é a principal
coadjuvante para o atleta no sentido de orientar a prática esportiva.
Embora, como verificaram Moraes, Rabelo & Salmela (2004), a quase
ausência ou a falta de envolvimento da família no processo de
desenvolvimento esportivo de futebolistas brasileiros, não foi um fator de
insucesso no aperfeiçoamento esportivo destes jogadores.
Na nossa investigação, os ex-atletas entrevistados falaram da relevância
do apoio familiar na motivação, recursos financeiros, e apoio emocional nos
momentos de dificuldades, como nos momentos que sofriam lesões, derrotas,
e na fase de afastamento definitivo das competições.
Outro aspecto a ser destacado nos discursos de alguns dos
entrevistados à respeito do início de suas vivências esportivas é a importância
que eles atribuem à a Educação Física esportivizada na escola. Os ex-atletas
que vivenciaram a experiência destacam que foi relevante praticar diversas
modalidades esportivas, e informar-se acerca desse elemento cultural,
identificado como importante pelas famílias e pelos próprios atletas. Pelo fato
de a iniciação esportiva da maioria dos ex-atletas entrevistados haver sido
propiciada no espaço escolar, o papel do professor de Educação Física foi
destaque na fase inicial da prática esportiva. Dentre os entrevistados citamos
como exemplos:
Apresentação e Interpretação das Narrativas
Socorro Dantas
339
O liceu tinha Educação Física, e a professora de Educação Física que eu tinha, achou que eu
tinha um certo jeito, talento (…). (Esbela).
(…) Lembro na verdade, que eu comecei a ficar encantada com o Basquete com uma
professora de Educação Física (…). (Paula).
Estas atletas tiveram os primeiros contatos com o esporte na escola e
depois fizeram a transição para os clubes na fase de aperfeiçoamento.
Assim, esse profissional, na escola, pode ter um importante papel na
rede de apoio, no que diz respeito à orientação e incentivo para a prática do
esporte. Bem como, na descoberta de talentos; e na transição do estágio de
iniciação para o de aperfeiçoamento (Peres & Lovisolo, 2006).
É necessário ressaltar que é também responsabilidade do professor de
Educação Física utilizar programas adequados à idade, para não correr o risco
da especialização precoce. Para Capitanio (2003), não é raro na prática
esportiva destinada às crianças, o uso de modelos não adequados, tanto nas
competições como nos programas de formação e treinamento, onde são
exigidos desempenhos não compatíveis com o processo de maturação dos
indivíduos.
Para alguns entrevistados o professor de Educação Física serviu de
exemplo e estímulo, como também, revelam que no início da suas carreiras
esportivas tiveram um ídolo, esse ídolo era alguém do esporte que se destacou
pelos seus feitos e foi reconhecido socialmente por isso. Esse “ídolo” servia de
exemplo a seguir e dar motivação para treinar e sonhar que um dia poderia
conseguir o mesmo status daquele que admira. Regalo e Zequinha foram uns
dos entrevistados que revelaram os seus ídolos:
(…) Quando o Carlos Lopes foi medalha de prata nos dez mil metros aquela imagem ficou-me
sempre gravada na memória e isto me deu uma vontade de tornar-me um atleta como Carlos
Lopes. (Regalo).
Apresentação e Interpretação das Narrativas
Socorro Dantas
340
(…) o maior exemplo pra mim na época foi quando o João do Pulo bateu o recorde do mundo,
no salto triplo em 1975. A gente se espelhou no João do Pulo. (Zequinha).
Os exemplos citados, pelos dois entrevistados, foram grandes atletas
mundiais. Percebe-se que os comportamentos e os feitos de outros atletas em
torno da prática esportiva podem influenciar as condutas daqueles que seguem
a mesma trilha, o esporte como profissão. Como refere Monteiro (2007), os
atletas transformam-se em heróis adorados e exemplos a ser seguidos por
muitos, principalmente por crianças e jovens, assim é necessário resgatar os
bons valores e a ética.
A existência de poucos ídolos, bem como a ausência de atletas de
destaque em muitos esportes não contribui para o surgimento de atletas e a
massificação dos esportes. Nesse sentido, acreditamos ser importante dar voz
a esses grandes esportistas para que passem para outras gerações as suas
experiências, e que os seus feitos não se diluam ao longo da história.
Características e valores pessoais
Para que um atleta consiga chegar e permanecer no esporte de alto
rendimento, é necessário possuir algumas características que ajudem a
suportar a pressão dos sacrifícios exigidos pela competição de alto nível.
A pressão pode ser derivada de vários fatores ao longo da carreira do
atleta: lesões, pressão por resultados, questões financeiras, relações
familiares, relações com dirigentes e treinadores (Silva, 2006), além das rotinas
de treinamentos e dos calendários de competições.
Entretanto, o desejo particular de um atleta que deseja progredir leva-o a
maximizar as capacidades física e psicológica ao extremo e a suportar as
pressões. Para um atleta de alto rendimento, o foco é direcionado ao seu corpo
e ao seu rendimento, e esta relação se desenvolve ao longo do tempo. Assim,
de acordo com Pereira & Liston (in press), o tempo é a coordenada
Apresentação e Interpretação das Narrativas
Socorro Dantas
341
fundamental para permitir uma maior compreensão do curso da vida das
pessoas, isto é, as pessoas entendem-se quer no passado, no presente ou no
futuro.
Também os participantes deste estudo enfatizam a coordenada tempo
no desenvolvimento das suas habilidades. Contam sobre as experiências e
sobre as fases de transição, quando buscam progredir e alcançar o alto nível. É
imprescindível que o atleta esteja preparado para enfrentar as pressões de
cada fase da carreira esportiva.
Assim, para um atleta progredir e alcançar o alto nível do esporte é
imperativo que, além da aptidão física e habilidades técnico-táticas, esteja bem
e num ótimo estado emocional. O tema é exposto na literatura, referindo-se
que depois de o atleta chegar próximo ao seu limite físico, orgânico e técnico
de desenvolvimento, os novos recordes passam a depender principalmente de
fatores psicológicos (Marques, 2003).
Sobre esse tema, após uma ampla revisão da literatura, Williams e
Krane (2001) identificaram diversas características psicológicas dos atletas de
grande sucesso, assim como as habilidades mentais utilizadas por esses
atletas para alcançar um ótimo estado psicológico. Essas capacidades incluem:
capacidade de concentração; resistência mental; objetividade; inteligência
esportiva; confiança; competitividade; controle emocional; motivação intrínseca;
otimismo.
Várias dessas características, entre outras, foram citadas pelos
entrevistados deste estudo. Para eles, constituem características relevantes
para um atleta de elite: superação; perseverança; coragem; humildade;
obstinação; equilíbrio; inteligência esportiva; ser competitivo. A seguir, alguns
excertos ilustrativos:
(…) Você tem que ter uma aptidão física, emocional, estrutural pra poder estar dentro daquele
sistema (…) o foco, a disciplina, dedicação, perseverança. É você realmente ser um
profissional e buscar a excelência daquilo que faz. (Montanaro).
Apresentação e Interpretação das Narrativas
Socorro Dantas
342
(…) Era extremamente equilibrado na minha corrida, sabia os meus limites e a minha
capacidade. (…) Se um atleta não aprender isso, dificilmente consegue ser campeão. (Carlos
Lopes).
Para os atletas, é necessário o conhecimento do corpo e das suas
limitações e potencialidades, como também contar com uma inteligência
aplicada ao movimento; humildade, para não se situar em patamares
superiores aos adversários (Monteiro, 2007). São essas características e
valores que os conduzem a um esforço continuado com vistas a um objetivo
definido. É um trabalho persistente para superar as dificuldades que surgem.
Tais dificuldades, segundo Silva (2006), envolvem aspectos cruciais da vida do
atleta, que se empenha em atender às esperanças nele depositadas por
técnicos, patrocinadores, dirigentes e torcedores. Além da preocupação com a
saúde, as relações familiares e sociais, a educação e o futuro depois do seu
afastamento do esporte. Para conseguir ultrapassar as dificuldades e seguir em
frente, faz-se necessário um controle de si sobre cada situação. E isso muitas
vezes significa escolhas, e a possibilidade de escolha implica prioridades e
renúncias.
Prioridades e Renúncias
O espetáculo esportivo não deixa transparecer as dificuldades por que o
atleta passa e as renúncias que tem de fazer para chegar ao pódio do esporte
de elite. No entanto, a trajetória de um atleta que chega ao alto nível do esporte
na condição de titular de uma grande equipe, ou até de uma Seleção Nacional,
não é uma trajetória fácil, conforme ilustram os excertos seguintes:
O alto rendimento é muito difícil, é muito sofrido, porque as pessoas acham que é bacana ver
assim na televisão e acham que é uma coisa ahhh! (Zequinha Barboza).
Apresentação e Interpretação das Narrativas
Socorro Dantas
343
Vou me reportar à maratona, a maratona é uma prova difícil, e a parte mental é muito
importante. (…) Treinar para a maratona é muito agressão, muito agressão. (Regalo).
A superação contínua é uma necessidade inerente ao homem. Se não
fosse pela necessidade de um progresso contínuo, talvez a ideia de
humanidade seria diferente (Pereira, 2009). Os sacrifícios, os esforços e o
sofrimento dos treinamentos são justificados pela necessidade de progredir
sempre, de se aperfeiçoar cada vez mais, de chegar às fronteiras do corpo. O
esporte é a prioridade; chegar e permanecer no topo são os objetivos; o atleta
deverá atingir a perfeição, ser o melhor entre os melhores. E, para isso, como
assinala Rúbio (2001), não se pode esquecer que a perfeição, mais que uma
característica heróica, é uma condição divina. Porém, o herói de hoje é
conhecido mais pelos seus feitos, e para conseguir esses feitos é necessário
submeter o corpo a esforços sem os quais a vida não teria sentido (Pereira,
2009).
As dificuldades próprias dos que procuram atingir a perfeição no esporte,
como as duras rotinas de treinos, viagens, concentrações e competições,
levam a um distanciamento da família. Assim, a vida pessoal e a família
acabam por ficar em segundo plano, gerando sentimentos de solidão, conforme
é descrito por vários entrevistados, entre os quais Montanaro:
Eu sofri em relação à saudade. Eu sempre fui muito apegado, à família, sempre fui muito
próximo (…). Então, isso pra mim foi doloroso, essa parte foi muito dolorosa, eu estivesse onde
estivesse ou no paraíso, o sentimento era o mesmo. (Montanaro).
A chegada ao alto nível do esporte exige alteração no curso de vida. A
rotina de atleta induz ao afastamento da família e dos amigos. Para muitos, as
relações sociais terminam por ficar restritas ao mundo esportivo, o que implica
retirar-se quase inteiramente dos acontecimentos sociais do mundo externo ao
esporte.
Apresentação e Interpretação das Narrativas
Socorro Dantas
344
A dedicação ao esporte é o preço a pagar na caminhada para conseguir
o sucesso e se tornar um herói.
Havia dias que treinava duas vezes e dias que fazia só um treino. Uma média de nove a doze
sessões por semana. (Regalo).
(…) era acordar de manhã, tomar café e ir pro treino; almoçar, descansar, e às quatro horas da
tarde eu estava treinando de novo. Quando eu tinha jogo, treinava de manhã e jogava à noite;
quando tinha jogo fora da cidade, era treinar de manhã e viajar pra jogar no dia seguinte em
outra cidade. Então eram cinco/seis horas de treinamento diário focado no objetivo. (Paula).
No esporte contemporâneo, o nível dos treinamentos tem sido tão eficaz
que os atletas estão se tornando cada vez maiores, mais fortes, mais rápidos e
mais velozes. Como no lema olímpico de Pierre Coubertin: “Citius, Altius,
Fortius”. A busca pela perfeição exige que o atleta se submeta a uma difícil e
longa rotina de treinos, para assim brilhar na competição. Um dos entrevistados
confessou que a hora da competição é a hora do “show”.
Contudo, diferentemente de muitos outros atletas, que valorizam o
momento da competição, Esbela, uma entrevistada deste estudo, diz que
sentia prazer e gostava mais do treinamento do que propriamente do palco da
competição. A ex-atleta se sentia bem treinando, com ou sem a presença do
técnico.
O gozo é o treino, é melhor que a competição. Treina-se por nós. (Esbela).
Treinar com a obstinação de ser o melhor, sem a preocupação da
pressão externa, sem o medo da derrota. Nos momentos dos treinos, a
execução dos movimentos e o tempo de execução não são avaliados por uma
comissão julgadora, pois o único adversário é o próprio atleta.
Apresentação e Interpretação das Narrativas
Socorro Dantas
345
As competições
As mais difíceis e as mais relevantes
No esporte de alto nível não existe uma competição fácil, todas são
competições muito acirradas, já que os atores são os melhores. São
competições que colocam o jogador no seu limite físico e emocional, cara a
cara com a possibilidade da derrota, ou com o medo de perder o espaço já
conquistado. É a luta contra o tempo.
Nas suas falas, os entrevistados salientaram as diferenças entre as
competições que eles consideram as mais relevantes e as mais difíceis das
suas carreiras esportivas.
A participação nos Jogos Olímpicos foi citada por todos os entrevistados
como a competição dos sonhos, sendo para alguns ex-atletas a mais difícil das
suas carreiras, e para outros a mais relevante. Ficou explícito que é o sonho, o
objeto de desejo de qualquer atleta que chega aos altos patamares do esporte,
representar o seu país em uma Olimpíada. Os Jogos Olímpicos, pela sua
grandiosidade e por proporcionarem o encontro dos melhores atletas do
mundo, acabam reforçando sentimentos de patriotismo.
Competições como os Jogos Olímpicos modernos foram idealizadas
como um espaço de encontro pacífico de atletas de distintos Estados-nação.
Os rituais existentes nos Jogos, como a cerimônia de abertura ou a entrega de
medalhas, enfatizam a presença de símbolos dos Estados-nação. Esses
símbolos reforçam as identidades nacionais, dando a ideia de que não são os
atletas, senão as nações que se confrontam, ainda que não seja essa a
filosofia olímpica (Soares & Bartholo, 2007). O sentimento de orgulho e de
amor à pátria fica claro na fala dos entrevistados.
Foi a primeira vez que Portugal ganhou. Fui um orgulho não só em Portugal, mas para os
portugueses que estão espalhados pelo mundo. Não há nada que pague isso. (Carlos Lopes).
Apresentação e Interpretação das Narrativas
Socorro Dantas
346
Um grupo seleto, específico, especial de atletas é escolhido para representar o seu país, e
você faz parte de um grupo desses! (Zequinha Barboza).
Na gênese do movimento olímpico contemporâneo, a participação em
uma Olimpíada já é por si só uma coroação (Rúbio, 2002). Percebe-se, nas
falas de alguns entrevistados, que ainda resiste algo do “ideal olímpico” no seu
comportamento pessoal e nos valores morais. Essa postura foi constatada
principalmente nos ex-atletas mais velhos, pois na época em que competiam o
esporte ainda era amador.
Vale ressaltar que, para alguns dos entrevistados, as competições que
consideram mais relevantes nas suas carreiras desportivas foram aquelas
ocorridas em seus próprios países:
O que me deu mais gozo ganhar foi aqui em Lisboa o Campeonato do Mundo de Cross (…).
Ganhar em casa, porque normalmente isso não acontece; normalmente o atleta da casa não
ganha. E eu fiz tudo para ganhar. (Carlos Lopes).
A competição mais importante para mim foi o Troféu Brasil de 1983, quando eu ganhei e fiz a
melhor marca do mundo. (Zequinha Barboza).
É em “casa”, junto aos “seus”, que o atleta deseja atingir a vitória e se
transformar no modelo do herói em toda a sua perfeição, pela manifestação de
força e coragem, realizando proezas destinadas a poucos. É a esperança de
que seu nome permaneça na história através do tempo, servindo de exemplo
para as futuras gerações.
Experiências marcantes
É mediante o tempo que a nossa vida é compreendida; são as
experiências e os significados que damos a elas que constroem a nossa
identidade (Bruner, 1991). Ao contar as nossas histórias estamos atribuindo
Apresentação e Interpretação das Narrativas
Socorro Dantas
347
significados às nossas existências, por meio das mudanças contínuas no
contexto das nossas vidas (Sparkes & Smith, 2005). A representação temporal
dos fatos é um componente distintivo da narrativa. A narrativa é fruto de uma
elaboração do recordar e refletir; é a reconstrução do vivido, do que foi
marcante (Ricoeur, 1994). Nas narrativas dos entrevistados estão expostos
fatos que eles consideram marcantes nas suas carreiras esportivas.
Os episódios destacados por todos os entrevistados remetem às
competições e às medalhas. A seguir, dois exemplos dessas experiências
narradas:
Fomos à Inglaterra e ganhamos as regatas todas. Isso pra mim foi uma coisa que marcou
extraordinariamente, porque tinha 15 anos, nunca tinha saído de Portugal. (Manuel Quina).
Leva o seu país ao mais alto patamar do pódio! E ainda eu, que não era favorito, acabei
chegando de surpresa e ganhei a prova. Aí você para e pensa em toda aquela dedicação ao
treinamento (…). (Zequinha Barboza).
Alguns entrevistados, como Manuel Quina, são de uma época em que o
esporte ainda era amador, o dinheiro era escasso e as viagens, difíceis. O
atleta citado iniciou-se cedo na Vela por fazer parte de uma família de
velejadores. O fato de ter conseguido sucesso de maneira rápida marcou o ex-
atleta.
Para Zequinha, ter sido o primeiro nos Jogos Pan-Americanos foi
decisivo em sua vida. Essa competição inscreveu o nome do atleta na história
do esporte brasileiro. O orgulho de ser o primeiro representando seu país
marcou a vida do atleta.
Apresentação e Interpretação das Narrativas
Socorro Dantas
348
Dificuldades na carreira esportiva
Na representação midiática, o atleta é um ser cuja única preocupação ou
necessidade é a de conquistar resultados positivos. Poucas vezes os
problemas que atormentam o indivíduo são divulgados; só o são quando
interferem diretamente no desempenho do atleta (Silva, 2006).
São diversas as dificuldades pelas quais um atleta tem de passar para
dar continuidade à carreira esportiva, sobretudo um atleta de alta competição.
Como exposto a seguir, neste estudo os entrevistados ressaltaram as
dificuldades que tiveram de ultrapassar em prol da carreira de atleta.
Derrotas
A sociedade contemporânea tem sido um campo fecundo que valoriza a
ascensão, o triunfo, a vitória (Giddens, 2005). Deve-se sempre ser o primeiro,
prevalecendo a vitória a qualquer custo, porquanto somente ela tem o poder de
encobrir a sombra da derrota no esporte de alto rendimento.
A “derrota” foi um tema em que os entrevistados apresentaram atitudes
diversas. Para alguns a derrota foi vivida como um momento difícil, sendo um
verdadeiro divisor de águas na carreira esportiva:
Eu só tinha um objetivo (…) mostrei fragilidade sobre a pressão do momento (…) perdi o
controle da corrida, perdi a possibilidade de lutar pelo primeiro lugar. Aí sim, aí é que foi fatal,
aí é que considero que foi o meu ponto fraco. (Regalo).
Fomos para a final com a União Soviética (…). No Maracanãzinho lotado, a final do Mundial.
Só que ali perdemos de três a zero, nós não tivemos gás para aguentar a União Soviética e
perdemos. (Montanaro).
No esporte de alto rendimento, as competições são sempre importantes,
porém existem umas com mais relevância que outras, como os Jogos
Apresentação e Interpretação das Narrativas
Socorro Dantas
349
Olímpicos, as competições mundiais de cada desporto, por exemplo. Ganhar
nessas competições é o sonho de todos os atletas.
A busca pelos melhores resultados deixou de ser a superação do próprio
limite para se tornar a superação do resultado do adversário (Rúbio, 2006).
Conquistar o primeiro lugar no pódio, ou ainda mais, o recorde, é diferente de
ganhar dos demais atletas da competição.
Um dos entrevistados apresentou um sentido diferente em relação às
medalhas, no seu caso, sendo ele um vencedor e recordista, ganhar uma
medalha de prata numa competição teve o significado de derrota. Nos Jogos
Olímpicos de Montreal, Carlos ganhou a medalha de prata, mas, para o ex-
atleta, aquela prata teve o significado de uma derrota:
Jogos Olímpicos de Montreal, foi uma prova que ensinou-me imenso, saber onde é que eu falhei,
fazer uma análise uma retrospectiva. Eu costumo dizer que é com as derrotas que a gente
aprende a ganhar provas (…). (Carlos Lopes).
O sentido que cada atleta atribui à derrota modifica-se de atleta para
atleta, dependendo das suas condições emocionais, das relações sociais e até
mesmo do momento histórico. Desse modo o atleta, quando derrotado, mostra
sofrer a dor de não corresponder ao ideal desejado por ele e pelos outros. Para
Samulski (2002), entretanto, uma derrota não é necessariamente uma
experiência de fracasso. O autor acredita que as experiências de êxito
aparecem quando o resultado esperado foi alcançado; nessa linha de
pensamento, a experiência de fracasso se encontra na diferença negativa entre
o resultado esperado e o obtido.
Vale ressaltar que houve escassez de referências ao tema “derrotas”.
Alguns entrevistados ignoraram, outros desvalorizaram as derrotas. Para Rúbio
(2006), a dificuldade que os atores do mundo esportivo têm de lidar com a
derrota talvez resida na posição que essa condição assumiu na cultura
contemporânea do Ocidente. Vivemos numa realidade em que o modelo é
Apresentação e Interpretação das Narrativas
Socorro Dantas
350
rendimento-premiação e reconhecimento de um grande feito. Ainda para a
autora, a escassez de estudos sobre o tema “derrota” contribui para uma
atitude de negação em relação a este assunto por atletas e profissionais do
âmbito esportivo.
Lesões
Na história do esporte contemporâneo existem diversos episódios em
que a derrota aconteceu por o atleta ter sofrido, durante a prova, uma lesão
que o eliminou da competição. De igual modo, lesões ocorridas pelos esforços
das rotinas de treinamentos levam o atleta ao afastamento das competições.
É comum a associação entre a prática esportiva e a saúde física e
mental. Essa associação até certo ponto é verdadeira, havendo vários estudos
que comprovam os efeitos positivos do exercício físico regular para a boa
qualidade de vida dos indivíduos.
Entretanto, o esporte de alto rendimento exige dos atletas esforços no
extremo da sua capacidade (Silva, 2006). A busca para superar esses limites, e
que não raramente transforma o atleta em herói, pode ser negativa para o
corpo desse indivíduo, provocando diversos tipos de lesões.
Eu machuquei muito; machuquei coluna, eu quebrei o pé, quebrei o dedo, quebrei a mão e o
queixo, operei os dois joelhos, lesões musculares, distensões ligamentares, na coluna
vertebral. Então os últimos quatro anos da minha carreira foram de um sofrimento extremo (…).
Eu joguei muito tempo à base de anti-inflamatórios,analgésicos. (Montanaro).
O atleta, para treinar e competir no seu limite exige o máximo do seu
corpo, o que resulta em lesões articulares e musculares. Percebe-se que o
atleta acaba por “aprender” a conviver com as dores. Contudo, submetido a
pressões por excelência e resultado, acaba por estender seu limiar de dor,
perdendo os parâmetros do que, para ele, seria insuportável.
Apresentação e Interpretação das Narrativas
Socorro Dantas
351
Tive lesões graves e treinava sozinha.Treinei várias vezes com lesões,tomava injeções para
treinar. (Esbela).
As lesões acabam por fazer parte do dia a dia do atleta. O esforço
extremo aliado ao tipo de orientação técnica-tática, a pressão por resultados
positivos, o medo de perder espaço para outro atleta, as contratações e os
patrocínios são fatores que contribuem para que o atleta tente superar as
dores. Entretanto, as lesões, a depender da intensidade, podem provocar uma
crise na carreira do atleta, levando-o a um afastamento ou a uma
aposentadoria precoce.
As lesões, assim como uma aposentadoria precoce, são riscos que
fazem parte da vida do atleta de alto rendimento. Aliás, o risco faz parte da
vida, pois a cultura do risco é parte da modernidade (Giddens, 2005). Para
esse autor, a pessoa cada vez mais deverá ser capaz de assumir os riscos que
acompanham suas atividades no mundo.
Motivação e Desmotivação: duas faces da mesma moeda
A motivação é um processo ativo intencional dirigido a uma meta, e
depende da interação entre fatores intrínsecos e extrínsecos (Samulski, 2002).
É a motivação que move o sujeito para ingressar no esporte e nele
permanecer até alcançar o alto rendimento. A motivação aparece na
capacidade de superar os problemas dentro e fora do esporte. Tais problemas
envolvem aspectos cruciais da vida deste ser humano que se empenha em
atender às expectativas nele depositadas por técnicos, patrocinadores,
dirigentes e torcedores.
Os entrevistados falaram sobre motivação e desmotivação na carreira,
sendo o prazer um dos motivos para a permanência no esporte e para suportar
a rotina exaustiva de treinamentos e as pressões das competições:
Apresentação e Interpretação das Narrativas
Socorro Dantas
352
Força de vontade, o grande amor da minha vida. Está no meu coração, o prazer, quase
hedonismo. (Esbela).
Para outros atletas, a passagem do tempo e a necessidade de viver outros
papéis são decisivas na desmotivação para continuar competindo:
(…) O equilíbrio para mim veio depois de ter encerrado a carreira, de você saber o tempo do
trabalho, o tempo do amor, das férias, das viagens, da família. Você tem um pouco mais do
controle (…). (Paula).
É necessário frisar que os indivíduos entrevistados para este estudo são
ex-atletas, e que falam mais da desmotivação do final da carreira quando
provavelmente já chegaram ao seu limite de atleta ou haviam atingido seus
objetivos. Era o momento em que desejavam desempenhar novos papéis;
tinham consciência dos seus limites físicos e não conseguiam manter-se no
platô do alto rendimento. Para esses indivíduos, a motivação passou a ser
direcionada para pensar e planejar a fase pós-esporte.
No discurso dos entrevistados percebe-se que a temporalidade é
indissociável da carreira de um atleta. Alguns dos ex-atletas afirmaram haver
começado a pensar na sua vida pós-esporte bem antes de pararem
definitivamente.
Às vezes, o fator determinante para o afastamento pode ser um
episódio que provoca a desmotivação, como no caso de Regalo:
Eu estava no meu auge, com problemas, e comecei a refletir nessas coisas. Comecei a pensar
bem antes, motivado também pela lesão. (Regalo).
A passagem do tempo está diretamente ligada à vida do atleta. Os
atletas, independentemente da idade, são sempre alertados sobre a
efemeridade do corpo atlético. O treinamento consiste em desenvolver os
Apresentação e Interpretação das Narrativas
Socorro Dantas
353
recursos corporais para combater a fragilidade e a instabilidade desse corpo ao
longo do tempo.
No caso do Regalo, a incerteza e a imprevisibilidade da cura levaram o
atleta a pensar no seu futuro. Como afirmam Briosch & Trigo (1987),
temporalidade está contida no relato individual, que remete a um tempo
dinâmico, pois apreende os processos de mudanças.
Sucesso e recompensa
A procura pela excelência e pelo sucesso é uma constante na vida nos
grandes atletas. A dedicação ao esporte, a disciplina para treinar durante anos
é o caminho para alcançar o sonho dourado de ser reconhecido.
Atualmente, a mídia é a grande responsável pela espetacularização do
esporte. O esporte na mídia é sempre mediado pelos interesses dos diversos
meios, dentre os quais se destaca a televisão, a mais híbrida de todas as
mídias (Betti, 2001).
Um atleta de alta competição, medalhado, se possuir recordes no
esporte que pratica, conquista e mobiliza investimentos financeiros e tem
grande espaço na mídia, tornando-se um sucesso nacional e internacional.
Nesse contexto, os atletas profissionais conseguem ganhos financeiros,
popularidade e prestígio (Agresta et al., 2006). Todos esses atributos valorizam
e enfatizam a necessidade de reconhecimento e destaque social.
Os feitos esportivos dos atletas e o modo de divulgação por parte da
mídia contribuem para transformar os atletas, principalmente os vencedores,
em mitos da contemporaneidade. E isso é motivo de orgulho para o atleta,
servindo de motivação para que permaneça na condição de astro do esporte:
(…) ficava contente quando lia uma notícia sobre os meus feitos, os meus resultados. Isso
também é um fator de motivação, e é um fator que nos catapulta para atingir determinados
Apresentação e Interpretação das Narrativas
Socorro Dantas
354
objetivos. Também a questão do sucesso, a questão de ser visado por toda gente: “Olha. ali vai
o fulano”… Tudo isso, também há um misto de vaidade. (Regalo).
Para alguns atletas, o sucesso promove a ascensão social, e os ganhos
financeiros com o esporte são o passaporte para a realização do sonho de uma
vida melhor:
Quando eu percebi que poderia ganhar muito dinheiro com isso, e na época eram três mil
dólares por mês, era muito dinheiro. Para você ter uma ideia do que significava isso, com um
ano de contrato eu comprei um apartamento. (Montanaro).
Para o atual técnico da Seleção Brasileira de Voleibol (masculina), é
necessário que o atleta saiba evitar as armadilhas do sucesso, pois este traz
sempre o risco do aumento da vaidade e da hipertrofia do ego, fazendo
desaparecer a condição que transforma o atleta num vencedor (Bernardinho,
2006).
Alguns entrevistados demonstram gratidão pelo fato de o esporte ter
dado condições para realizar alguns dos seus sonhos. Com efeito, sabemos
que a prática esportiva e as suas competições são espaços que permitem o
crescimento pessoal, social e cultural. Nas sociedades contemporâneas, a
forma de vida é baseada na excelência e na motivação individual e social
voltadas para a produção, preparando o indivíduo, desde cedo, para uma vida
competitiva. Sacrifício, perseverança, trabalho árduo, autodisciplina são valores
que fazem parte dessa sociedade. Esse estilo de vida facilita o modelo de
esportivo competitivo (Rúbio, 2006). Nesse sentido, o atleta deseja ser o
primeiro no esporte que pratica, e para isso se submete a um trabalho árduo,
sacrifícios e muita perseverança, visando alcançar os objetivos e ser
reconhecido pelos seus feitos.
São o reconhecimento e a consagração que transformam o atleta em
herói. Para Pereira (2009), o herói de hoje não fascina tanto pelas suas
Apresentação e Interpretação das Narrativas
Socorro Dantas
355
qualidades nobres, mas pelos seus feitos, como as marcas e os recordes. Foco
racional do que é mensurável, do que é concreto.
Escolha do esporte e permanência no esporte de alto rendimento
A iniciação no esporte, para os entrevistados deste estudo, como
explicitado, aconteceu de diversas formas e por diversos motivos. Entretanto, o
esporte possui fases de transições, e cada fase, um nível de exigência
diferente. A chegada ao alto rendimento é uma fase de grande exigência física
e psicológica.
Os entrevistados relataram que os principais motivos que contribuem
para a escolha e a permanência numa carreira que exige tanto são: gosto pelo
esporte (principalmente no início da carreira); as medalhas (ser campeão); e
ascensão social (como referido anteriormente).
Ao chegar ao alto nível esportivo a competição é mais acirrada, porém
conseguir permanecer entre os melhores por longo período de tempo demanda
muito esforço e equilíbrio do atleta. Para permanecer nessa fase da carreira é
necessário encontrar motivação e forças internas para a manutenção dos
resultados de alto nível. Os excertos de dois entrevistados, a seguir, ilustram a
motivação e a forma como isto pode ser realizado por eles:
(…) Conseguir sucesso em termos desportivos nas grandes competições. Ao longo da minha
carreira foi o gostar, me dedicar à modalidade sem mais nenhum interesse, a não ser
conseguir sucesso e atingir meus objetivos. (Regalo).
Você usa da experiência, você usa do próprio treinamento, você usa o lastro que você tem.
(Zequinha Barboza).
Os atletas vivem essa fase utilizando todo o seu conhecimento esportivo
e lastro emocional para alongar a permanência nessa fase. Depois dessa fase,
sabem que vem a fase do afastamento. Na fase de transição do auge da
Apresentação e Interpretação das Narrativas
Socorro Dantas
356
carreira esportiva para a fase de afastamento, o rendimento começa a diminuir
e os resultados caem.
São diversos os fatores que influenciam o término da carreira esportiva,
geralmente, uma combinação de vários fatores individuais e influências sociais
(Agresta et al,, 2008). Os motivos geralmente estão relacionados a lesões;
fadiga crônica; doenças; dificuldade de relacionamento com atletas mais
jovens; vontade de assumir outros papéis na vida, etc. A seguir, os exemplos
ilustram alguns dos motivos de afastamento dos entrevistados deste estudo:
Eu já tinha muitos problemas e pensei: “Já ganhaste tudo que tinhas de ganhar, tens que
abandonar”. Então eu comecei a pensar naquilo: “Pá, já fizeste tudo que tinha para fazer”.
Tinha 39 anos, e tinha acabado aquela prova. Senti que tinha uma contratura. (Carlos Lopes).
As lesões aceleram o tempo da aposentadoria, que já vinha sendo
pensada pelo atleta. Carlos achou que já tinha cumprido os objetivos e parou
de competir ainda no auge. Para o ex-atleta, aquele foi o tempo certo para
parar de competir, para se dedicar a outras coisas e assumir novos papéis.
Outro motivo citado por Paula, como uma das causas para o
afastamento das competições, foi a dificuldade de relacionamento com outras
jogadoras mais jovens:
(…) Eu acho que eu ainda tinha técnica, tinha físico, mas eu não tinha cabeça pra conviver
com as gerações mais novas (…). Elas queriam viver algumas coisas que eu já tinha vivido
(…), então comecei a perder um pouco a paciência. (Paula).
No esporte coletivo acontece a renovação de jogadores, e assim não é
raro em uma equipe a junção de jogadores mais velhos com outros de
gerações mais jovens. Dessa forma, o atleta mais velho, já tendo alcançado os
seus objetivos, pode se sentir psicológica e fisicamente cansado, sendo esta
uma justificativa para o afastamento.
Apresentação e Interpretação das Narrativas
Socorro Dantas
357
As relações sociais
As qualidades do atleta aparecem como base dessa fase da carreira.
São fatores essenciais nessa fase a objetividade, o rigor, o gosto pela rotina de
treinos e pelas competições e autocrítica. Também de semelhante relevância
são as relações com treinadores, a federação esportiva e a mídia. A seguir,
alguns excertos sobre o tema ilustram o que foi falado por todos entrevistados:
Relação com treinadores
Quando eu não sabia minhas limitações, tive lesões estúpidas porque o meu treinador também,
coitado! Não sabia muito. Depois disso, eu fui aprender: “atenção, eu posso até aqui”. E depois
existe outra coisa que se chama metodologia; mas ele não sabia, fazia empiricamente.
(Esbela).
Dirigentes (Federação)
Eu acho que não existe nada melhor que você ter um diálogo com quem tá te comandando,
saber por que você ta fazendo aquilo. Em relação com os dirigentes, eu sempre fui muito
crítica, sempre tive uma opinião muito crítica. O esporte vinha evoluindo, em equipamentos
esportivos, em treinamentos e tudo, e a gente continuava aqui no Brasil com a aquela…,
aquele texto de “somos amadores, fazemos porque gostamos”. (Paula).
Mídia
Nunca tive problema, porque mesmo que faltasse um minuto para começar uma prova e me
pedissem para falar, eu falava normalmente. Embora hoje eu às vezes peça: “Pá, não me
chateias, vá.” (Carlos Lopes).
Os excertos acima configuram o que pensam os entrevistados deste
estudo.
Quando o atleta chega ao alto nível do esporte, esta é uma fase em que
o atleta já desenvolveu autonomia e independência, já detém muita informação
Apresentação e Interpretação das Narrativas
Socorro Dantas
358
sobre o funcionamento do seu corpo e sobre o esporte que pratica. Nessa fase
da carreira percebe-se que o atleta espera muito mais do treinador do que em
outras fases. A representação que os entrevistados têm dos treinadores é que
ele seja principalmente uma pessoa com atributos relacionados à sua
condição; no tocante à qualificação, deverá ir além do seu conhecimento
técnico, possuir liderança e promover um bom relacionamento treinador-atleta.
Com relação aos dirigentes, alguns atletas relataram que as suas
reivindicações eram no sentido do crescimento do esporte, do aperfeiçoamento
dos treinadores, e de uma melhor estrutura física para treinar e competir.
Com a mídia o que se percebe, pelas narrativas dos entrevistados, é que
ocorria uma relação tranquila, de respeito e de troca, proveitosa para ambos os
lados. Os entrevistados não relataram nenhum evento que fosse relevante em
relação a este tema.
Afastamento da carreira esportiva
A modernidade ressalta o desenvolvimento das capacidades individuais,
oferecendo ao indivíduo uma identidade mutável (Giddens, 2003), sendo
apresentadas ao indivíduo possibilidades de mudanças constantes. Nesse
contexto de diversidades e de ofertas de mudanças, o indivíduo torna-se
responsável por si mesmo, e os planejamentos para a vida tornam-se
relevantes. No esporte, o fim de uma carreira esportiva pode acontecer por
diversos fatores, mas a decisão de parar definitivamente é do atleta, assim
como o planejamento da vida pós-esporte.
Os entrevistados deste estudo apresentaram atitudes diversas diante da
aposentadoria e narraram como planejaram o seu afastamento do mundo do
esporte de alto rendimento.
Alguns entrevistados perceberam o afastamento das competições como
uma transição natural e permaneceram no esporte com outro enfoque. Para
Apresentação e Interpretação das Narrativas
Socorro Dantas
359
esses ex-atletas não aconteceu um afastamento do esporte, e sim das
exigências do esporte de alto rendimento. O esporte converteu-se no seu lazer:
Veio naturalmente. Não é um afastamento, porque eu nunca deixei o Tiro. O que eu fiz foi optar
por aquilo que era mais cômodo, continuar a ter o Tiro sem ter que fazer preparação, sem ter
que fazer treinos. (Armando Marques).
A desmotivação com o esporte pode se dar quando este perde o sentido
do lúdico e as competições e os treinamentos passam a ser apenas uma
obrigação por conta dos contratos e dos patrocínios:
(…) Aí é que veio estragar tudo aquilo que eu gostava no desporto, que era eu fazer as coisas
sem estar pressionado por essas questões. Aí sim é que há um desvio da minha trajetória, dos
meus sentimentos. (…) perdi completamente (o prazer), passou a ser uma obrigação (…).
(Regalo).
Os sentidos que o atleta atribui à fase próxima ao final da carreira
podem ser influenciados, como referem Bara Filho & Garcia (2008), pela
existência de outros interesses fora do esporte. Como também a monotonia
dos treinos, o excesso de treinamento, problemas com o treinador, lesões,
problemas de saúde e falta de resultados − relacionados com as diminuições
das habilidades e decorrentes do processo de envelhecimento.
O afastamento pode acontecer num momento em que o atleta ainda
não está preparado para essa nova etapa da vida:
(…) Foi muito ruim; não é o que eu esperava para o término de carreira, porque eu parei com
35 anos, joguei bastante, mas eu ainda tinha Voleibol pra dar pro time, ainda tinha conteúdo
pra somar, pra ajudar o time (…). (Montanaro).
Apresentação e Interpretação das Narrativas
Socorro Dantas
360
Alguns atletas não estão suficientemente preparados para as fases de
transição, principalmente para o afastamento definitivo como atletas de alta
competição. A dificuldade de aceitação das transições pode ser associada a
alguns fatores, como por exemplo, falta de apoio social; limitações na
habilidade de enfrentar mudanças; insegurança financeira (Peres e Lovisolo,
2006).
Outros entrevistados se prepararam para essa nova etapa da vida
investindo na sua formação para uma nova profissão, a exemplo do Regalo,
em que o afastamento por lesões o levou a pensar mais seriamente sobre o
seu afastamento e o seu futuro:
Essa fase da minha carreira, muito difícil, permitiu-me refletir sobre o que iria fazer no futuro.
Então qual foi a minha opção? Eu tenho que estudar. Incentivado também por alguns colegas
de treino, a minha esposa etc. Acabei os estudos, terminei o secundário à noite; portanto,
continuei a treinar e estudar à noite. Ingressei na faculdade. (Regalo).
A possibilidade de não ter estudado por causa da rotina de atleta foi uma
das queixas de alguns entrevistados. A necessidade de ter outra profissão
surge, principalmente, quando percebem que terão de se afastar das
competições.
Entretanto, antes da aposentadoria, o atleta poderá desempenhar outros
papéis. A passagem do tempo leva ao amadurecimento do atleta, assim como
as suas experiências acumuladas poderão contribuir de outro modo com a
equipe. Desse modo, percebe-se que a temporalidade é indissociável da vida
do atleta.
(…) O tempo torna as pessoas mais maduras; ao longo da minha carreira senti isto. (…) Acabei
por ser um atleta importante em outras circunstâncias, passei a ser um atleta importante para a
equipe; muitas vezes, sem ser o melhor, era o líder. Motivava os companheiros. Na prova,
quando um ficava mais para trás, era eu que “empurrava” os atletas. (Regalo).
Apresentação e Interpretação das Narrativas
Socorro Dantas
361
As causas da transição na carreira esportiva são, em geral, a idade do
atleta e seu desempenho no esporte ao longo do tempo. No caso do
encerramento, encontram-se comumente a idade, as lesões e o fato de o atleta
ter alcançado seus objetivos (Sinclair e Orlick, 1993).
(…) O tempo torna as pessoas mais maduras; ao longo da minha carreira senti isto. (…) Acabei
por ser um atleta importante em outras circunstâncias; passei a ser um atleta importante para a
equipe; muitas vezes, sem ser o melhor, era o líder. Motivava os companheiros. Na prova,
quando um ficava mais para trás, eu que “empurrava” os atletas. (Regalo).
Nota-se que o entrevistado utiliza a metáfora “maduras” para designar o
seu envelhecimento. Para Neri & Freire (2000), são diversas as metáforas
acerca do envelhecimento que significam a sucessão de alterações ocorridas
no organismo e a aquisição de novos papéis sociais.
O processo de envelhecimento humano é naturalmente um processo
individual com as suas dimensões biológica e psicológica, mas é obviamente
um processo cultural e social. Nesse sentido, envelhecer deve ser entendido
como um conceito relacionado à forma como cada sociedade conceitualiza
esta fase da vida, visto como uma construção social inscrita em um
determinado contexto histórico (Fonseca, 2006).
Assim, a representação que o atleta tem da velhice é uma representação
do que circula na sociedade. Com efeito, conforme se descreveu em capítulo
anterior, as representações constituem-se com base nas percepções da
realidade, que são conduzidas por interações e comunicações sociais. Isto vai
influenciar na constituição do real, na medida em que voltam para essa
realidade com ideias expressas em conceitos e imagens que orientam
comportamentos e critérios de valores (Vala, 2006).
Apresentação e Interpretação das Narrativas
Socorro Dantas
362
Eu acho que pra cada um há um momento. Tem aqueles que não sabem a hora de parar e
ficam ridículos: o velho ridículo, a velha ridícula (…). Então é muito complicado, porque quem
tá ao seu redor sempre fala: vai que dá mais, vai que dá mais, e você vai na onda só que não
tá dando mais. Já não tem a mesma performance que você tinha. (Paula).
Pelo excerto anterior, pode-se perceber que o discurso esportivo (e
competitivo) retrata os ideais contemporâneos vigentes em nossa sociedade
atual. Para Valle (2003), a dificuldade de se deparar com a passagem do
tempo, com o envelhecimento e, consequentemente, com o declínio do
desempenho é uma constante nos atletas.
Presente
− Processo de envelhecimento
A questão da idade no esporte de alto rendimento é crucial. De fato, é
indubitável que a passagem do tempo tem efeitos deletérios sobre as
qualidades físicas e as habilidades motoras. Entretanto, apesar de ser um
processo natural do ser humano, percebeu-se, durante as entrevistas, que o
processo de envelhecimento foi um tema que deixou alguns dos entrevistados
pouco à vontade para falar.
Na realidade, tendo em conta os objetivos deste trabalho, este era um
dos pontos principais para se indagar dos participantes. Assim sendo, no
decorrer da entrevista os ex-atletas falaram como percebem o processo de
envelhecimento no presente e sobre quais dimensões consideram mais
afetadas.
Nós julgamos que a nossa força mantém-se; pior é quando nós queremos ir executar certas
coisas. Eu costumo dizer, por graça: “Ai, eu tô ótimo, fisicamente; o pior é quando cai uma
caixa de clipes ao chão e que eu tenho que ir apanhar os clipes todos. Nessa altura percebe
Apresentação e Interpretação das Narrativas
Socorro Dantas
363
que o físico… não é a mesma coisa, tem alterações. Mas eu acho que o importante é a gente
sentir-se bem e não estar doente. (Manuel Quina).
Eu sinto que fisicamente eu não sou o mesmo, seja fisiologicamente, seja ortopedicamente;
principalmente com relação a isso, eu não sou mais um atleta, eu sou um ex-atleta há muito
tempo, 51 anos (…). Eu considero um processo natural e que eu tinha, sempre tive consciência
disso. (Montanaro).
As limitações corporais decorrentes do processo de envelhecimento
foram as dificuldades mais evidenciadas nos discursos dos entrevistados.
Várias das limitações citadas pelos ex-atletas decorreram de lesões e do
excesso de treinamento do passado no esporte.
Foi através das potencialidades dos seus corpos que cada atleta foi
reconhecido no mundo esportivo. Desse modo, como refere Pereira (2006), o
corpo cada vez mais assume o papel de uma narrativa de autoidentidade: o
corpo fala por nós. Assim, é através do corpo que o indivíduo percebe o mundo
e se relaciona com ele. Sendo o esporte uma grande vitrine para o corpo e
suas potencialidades, compreende-se por que as limitações corporais e a
consciência da temporalidade são problemáticas fundamentais no processo de
envelhecimento. Essas problemáticas emergiram com frequência nas
narrativas dos ex-atletas. Assim, é principalmente pelo e no corpo que o
envelhecimento é percebido.
Envelhecer sugere mudanças: mudanças corporais, mudanças nos
papéis sociais, mudanças nas relações sociais e na vida familiar. Essas
mudanças foram encaradas, durante muito tempo, apenas como perdas. Mas
as perdas, em um processo de transformação, implicam igualmente ganhos, à
medida que novas possibilidades vão surgindo (Blessman, 2004).
O envelhecimento também é uma fase de desenvolvimento, uma fase de
descobertas de novos valores. A esse respeito, de acordo com a teoria da
Perspectiva do curso de vida, o desenvolvimento é um processo multidirecional
Apresentação e Interpretação das Narrativas
Socorro Dantas
364
e multifuncional, influenciado pelo contexto histórico, abrangendo todo o curso
de vida, com constante equilíbrio entre perdas e ganhos (Caldas, 2006; Debert,
2004; Neri, 1995).
Os ex-atletas compreendem que o envelhecimento pode trazer coisas
negativas, mas também coisas positivas. Alguns entrevistados falaram sobre
as suas percepções das benesses dessa fase da vida. Para os ex-atletas,
envelhecer também trouxe coisas boas:
Maturidade, tolerância, compreensão, conseguir se pôr no lugar dos outros. (Esbela).
Você percebe tem qualidades que você jamais imaginaria, então eu acho que envelhecer é
saber conviver com o que o envelhecimento proporciona (…), que agrega na sua vida algo
mais sereno, algo mais tranquilo, de sabedoria. (Paula).
O processo de envelhecimento comporta, portanto, a fase da velhice,
mas não se esgota nela. O envelhecer se relaciona com as experiências
vividas, com a visão de mundo do indivíduo e da sociedade em que ele está
inserido e com novas descobertas no seu dia a dia.
Os entrevistados falaram das suas rotinas no presente:
Passo imensas horas no jardim, apanho ervas, brinco com o gato e o cão, jogo pingue-pongue.
(Esbela).
Como gestor eu tenho uma flexibilidade no horário, embora trabalhe bastante, muito, eu tenho
flexibilidade no horário. Então isso aí me encantou muito; então é, eu só tenho horário marcado
para reuniões. Eu faço o meu horário. (Montanaro).
Os entrevistados, independentemente da idade, demonstraram o prazer de
dispor do seu próprio tempo como lhes convier. É um período diferente da
Apresentação e Interpretação das Narrativas
Socorro Dantas
365
época de atletas, em que o tempo era quase exclusivamente dedicado ao
esporte.
Nesse sentido da consagração do “eu”, recorremos a Lipovetsky (1994),
para quem a promessa de liberdade, intrínseca ao projeto de modernidade,
alimentou o projeto de individualização e a exaltação do “eu”, exigindo uma
adaptação ou mudança na forma de pensar e de agir, instigando à (re)
construção contínua do indivíduo.
Futuro
Sobre os seus projetos e o que desejam para o futuro, os entrevistados
relataram:
Continuar a viver, desfrutar da vida o máximo possível. Não perder oportunidades, viver a vida
o máximo possível, fazer aquilo que eu gosto. (Armando).
Todo mundo quer sonhar. Quem não sonha não consegue. É através do sonho que a gente
chega a algum lugar. Eu acho que a idade tá na cabeça. Acho que o envelhecimento teria que
ser tratado melhor. (Zequinha).
O indivíduo que faz projetos conecta o passado, o presente e o futuro,
construindo assim a sua biografia. Essa conexão depende em primeiro plano
da memória, daquilo que foi significativo no seu passado e do que ele resgata
para seu presente e projeta para o seu futuro. Nas considerações de Velho
(2004), nas sociedades contemporâneas são as construções de projetos que
oferecem sentido à trajetória de um indivíduo, pois a colocam no curso do
tempo.
Considerações Finais
Considerações Finais
Socorro Dantas
369
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Chegamos à finalização deste estudo com a percepção de havermos
trilhado um caminho possível através das histórias contadas pelos ex-atletas.
Ouvimos essas histórias e procuramos compreender as percepções sobre o
movimento das suas carreiras de atleta e, sobretudo, as suas percepções
acerca do seu processo de envelhecimento
Ao narrar a própria experiência, o indivíduo reconstrói sua trajetória e lhe
oferece novos sentidos, estabelecendo uma relação entre experiência e
narrativa mediante um processo reflexivo. Quando as pessoas falam das suas
experiências, não estão somente apresentando uma reconstrução do passado,
mas sim a reconstrução desse passado segundo a sua compreensão atual
(Denzin, 1989).
Iniciamos nossa reflexão sobre essa parte final do estudo, lembrando que
quando tratamos de narrativas não podemos perder de vista que essas
abrangem: os atores envolvidos em determinados acontecimentos, num
espaço e tempo; o discurso, que é a forma como a história é contada; o não
dito – o que não é expresso pela fala e uma interpretação do ouvinte que
acontece a partir da inter-relação do que ouve e do contexto. Para essa
compreensão, apoiamo-nos em Sparkes & Denis (2003); Sparkes (2004);
Sparkes & Smith (2011).
Por se tratar de um estudo com sustentação fenomenológica (Critelli,
1996), é necessário que o investigador/ouvinte dessas narrativas possua
algumas habilidades para lidar com a ambiguidade dos discursos, um real
interesse pelo “outro”, paciência, empatia para aceitar outras perspectivas e
capacidade de entender que a relação entrevistador e entrevistado acontece de
maneira bilateral.
Para alcançar os objetivos propostos, transitamos pelas narrativas dos
entrevistados sobre as suas trajetórias no mundo do esporte. Esse percurso
Considerações Finais
Socorro Dantas
370
nos permitiu chegar às questões essenciais para compreender como o “outro”
percebe o seu processo de envelhecimento.
Desse processo emergiram as seguintes reflexões:
− Percebemos que a história de vida de cada entrevistado foi marcada de
forma indelével pelo início da vida esportiva. É uma fase considerada relevante
para o atleta, assim como as pessoas que os conduziram no início dessa
jornada pelo esporte. Nesse âmbito, tanto para os ex- atletas brasileiros quanto
para os portugueses, a família apareceu como fator essencial de apoio e
incentivo na vida dos ex-atletas. O professor de Educação Física surgiu nas
narrativas como figura relevante nesse início de carreira, compondo uma rede
de apoio para o desenvolvimento do atleta.
− A partir das análises, ficou claro que, além da aptidão física e das
habilidades motoras, as características e valores que sustentam o ser atleta,
aparecem desde a infância em todos os entrevistados. São elas: força de
vontade; disciplina; humildade; perseverança; capacidade de observação;
autonomia; competitividade, entusiasmo. É necessário realçar que se percebe
que os ex-atletas levam esses valores consigo ao longo da sua vida. Quando
alguns entrevistados falaram das suas atividades no presente, demonstraram o
mesmo entusiasmo e perseverança do seu passado de atletas.
− Para ser um campeão é necessário sofrimento. A representação que o
atleta tem de um campeão é a de que para ser vencedor é necessário sofrer,
pois a dor em diferentes intensidades faz parte da rotina de um campeão. Os
sacrifícios, os esforços e o sofrimento dos treinamentos são justificados pela
necessidade do aperfeiçoamento. A hora da competição foi considerada a hora
do brilho, do show, e para brilhar vale qualquer sacrifício. Para vários
entrevistados, dessas difíceis rotinas de treinos, hoje restam as sequelas,
lesões crônicas e muitas dores.
− Com algumas exceções, a vida de atleta (rotina de treinos, competições
e viagens) provocou um distanciamento da família e dos amigos que não eram
Considerações Finais
Socorro Dantas
371
do meio esportivo. Desse modo, a rede social acaba por se resumir ao âmbito
do esporte.
− Em relação às competições que marcaram as suas vidas, a participação
nos Jogos Olímpicos foi citada por todos os entrevistados como a competição
dos sonhos. Demonstraram que foi com sentimentos nacionalistas e muito
orgulho que representaram seus países numa competição de tamanha
importância. Percebemos que, tanto em competições como as Olimpíadas,
como em outras grandes competições em seus próprios países, os atletas
desejavam ganhar e entrar para história do esporte, servindo de exemplo para
os futuros atletas.
− As experiências marcantes lembradas pelos entrevistados remetem
geralmente às competições e às medalhas, e mais ainda quando a medalha
representa o primeiro lugar. Porém, para os entrevistados que foram
recordistas, nenhuma das lembranças narradas nas entrevistas sobrepuja a
emoção de receber os louros da vitória por uma quebra de recordes.
− São muitas as pressões para se ser o melhor, o primeiro e o vencedor.
Por isso, o esporte de alto rendimento apresenta-se como uma atividade em
que é realçado o esforço humano para a conquista e o aperfeiçoamento de
valores. Mesmo sendo a vitória e a derrota uma condição inescapável para o
atleta, encontramos entre os entrevistados certo desprezo pela derrota e
mesmo alguma irritação ao falar no assunto.
− A motivação é o fundamento para alcançar o topo do pódio. Para os
entrevistados, a motivação primeira era o prazer em ser atleta e a paixão pelo
esporte. A motivação aparece também na capacidade de superar os problemas
dentro e fora do esporte.
Sobre a desmotivação, constatamos que esta surgiu quando aconteceu
algum evento significativo na carreira do entrevistado, como uma lesão, a
dificuldade de convivência com outros atletas, ou quando o ex-atleta já havia
atingido seus objetivos e percebia que a sua carreira estava próxima do fim.
Considerações Finais
Socorro Dantas
372
− Para os entrevistados, as recompensas do esporte se traduziram como
ganhos financeiros, ascensão social, viagens e a possibilidade de um futuro
financeiramente mais tranquilo e com reconhecimento. Vale ressaltar que os
ganhos financeiros não foram uma unanimidade; alguns atletas entrevistados
são de uma época em que o esporte ainda era amador.
− Foram revelados pelos entrevistados diversos motivos que contribuíram
para o encerramento das suas carreiras de atleta. Os motivos citados foram:
lesões, dificuldade de relacionamento com atletas mais jovens, vontade de
assumir novos papéis sociais. Entretanto, talvez esses motivos estivessem
relacionados ao fato de que esses indivíduos já tivessem a percepção de que,
em decorrência do seu processo de envelhecimento, suas carreiras se
aproximavam do término. Desse modo, era melhor se afastar como um
vencedor.
− Os entrevistados apresentaram atitudes diversas diante da
aposentadoria. Embora tenham vivido intensamente o tempo de atleta, o
momento de deixar a carreira trouxe sentimentos de tristeza. Por outro lado, a
possibilidade de assumir novos papéis levou à aceitação da nova condição.
Todos os entrevistados se prepararam de alguma forma para a nova
etapa da vida. À cata de novos sentidos para a vida, alguns investiram na
formação acadêmica, buscando uma nova profissão; outros se tornaram
treinadores; outros, ainda, foram para a gestão do esporte. Um dos
entrevistados trabalha em outra área e continua no esporte apenas por lazer.
− Alguns entrevistados tiveram dificuldade em falar do seu processo de
envelhecimento. Notamos que se referem ao seu envelhecimento utilizando
metáforas como “experiência”, “maturidade”, para designar as alterações do
seu organismo ou o desejo de desempenhar novos papéis sociais.
Foi através e pelo corpo que os ex-atletas perceberam a passagem do
tempo. As limitações físicas decorrentes do processo de envelhecimento
revelaram-se como as dificuldades mais evidenciadas nos discursos dos
entrevistados.
Considerações Finais
Socorro Dantas
373
A representação que todos os entrevistados têm do envelhecimento é que
essa é uma fase que implica perdas e mudanças, mas que tais mudanças
podem ser positivas.
O envelhecimento proporciona para o grupo de ex-atletas uma época de
novas aquisições e de descobertas; é o tempo de uma consagração ainda
maior do “eu”. Os entrevistados, independentemente da idade ou da
nacionalidade, demonstraram o prazer da “liberdade”, o prazer de dispor do
seu tempo próprio para desempenhar novos papéis, estreitar laços familiares e
de amizade, dispor de tempo para o lazer e para o ócio.
Observamos que a maioria dos entrevistados percebe o processo de
envelhecimento e compreende a sua complexidade, uma vez que considera
extremamente importante que os idosos tenham maior possibilidade de
vivenciar a velhice com qualidade e bem-sucedida.
No que diz respeito às similaridades e diferenças entre os ex-atletas
portugueses e brasileiros, pode-se dizer que as similaridades acontecem em
todos os temas que emergiram das narrativas. Percebemos que as diferenças
surgem em relação aos ex-atletas mais velhos, que foram atletas numa época
em que o esporte não era profissionalizado. Por acaso, esses ex-atletas mais
velhos que fizeram parte deste estudo, são portugueses. Suas narrativas
revelam que seus ganhos financeiros foram bem menores, assim como a
estrutura de treinamento (local de treinamento, materiais, treinadores, logística
para viagens) era mais precária. E, como esses atletas não recebiam para
treinar, tinham de trabalhar para sobreviver, sendo difícil a conciliação do
trabalho com a vida de atleta.
Diante do exposto, acreditamos que os indivíduos que fizeram parte
desse estudo continuam mantendo suas identidades de pessoas dinâmicas,
participativas, perseverantes, que têm perspectivas para o futuro. Para esses
ex-atletas, o processo de envelhecimento é um processo natural, e a velhice é
uma fase da vida que deve ser vivida com qualidade.
Considerações Finais
Socorro Dantas
374
Ao finalizar este estudo, desejamos que mais estudos, a exemplo deste,
sejam desenvolvidos no âmbito do esporte de alto nível, e que as experiências
de atletas sirvam de alguma forma para auxiliar na educação de jovens e de
futuros atletas.
Bibliografia
Bibliografia
Socorro Dantas
377
Bibliografia
Adam, B. (1995). Timewatch: The Social Analysis of Time. Cambridge, UK &
Malden, MA: Polity Press.
Agostinho, S. (1999). Confissões (O. Santos, Trans.). São Paulo: Nova
Cultural.
Agra, A. Ó. (2008). Nobert Elias e uma narrativa acerca do envelhecimento e
da morte. História, Ciências, Saúde - Manguinhos, 15(02), 389-400.
Agresta, M. C., Brandão, M. R. F., & Neto, T. L. d. B. (2008). Causas e
Conseqüências Físicas e Emocionais do Término de Carreira
Esportiva. Rev Bras Med Esporte, 14(6).
Alves-Mazzotti, A. J. (2008). Representações Sociais: aspectos teóricos e
aplicações à educação Revista Múltiplas Leituras, 1(1), 18-43.
Alves, M. (2006). A Actividade física na construção de sentidos para o tempo
de reforma. In A. L. Pereira, A. Costa & R. P. Garcia (Eds.), O
DESPORTO ENTRE LUGARES: O lugar das Ciências Humanas para
compreensão do Desporto (pp. 265-281). Porto: Universidade do Porto
- Faculdade de Desporto.
Antonelli, P. E. (2007). Representações da relação corpo/saúde em idosos
praticantes de actividade física regular. Paulo Antonelli, Porto.
Araújo, L. F., & Carvalho, V. A. M. L. ( 2004). Aspectos Sócio-Históricos e
Psicológicos da Velhice. mneme revista de humanidades, 06, 228-236
Arendt, H. (1994). A condição humana. Rio de Janeiro: Forense Universitária.
Atchley, R. (1989). A continuity theory of normal aging. The Gerontologist (29),
183 - 189.
Atkinson, R. (1998). The Life Story Interview (Vol. 44). London: Sage
Publications.
Baars, J. (1997). Concepts of time and narrative temporality in the study of
aging. Journal of Aging Studies, 11(4), 283.
Bara Filho, M., & Garcia, F.(2008). Motivos do abandono no esporte
competitivo: um estudo retrospectivo. Rev. bras. Educ. Fís. Esp., 22 (4),
293 - 300.
Bardin, L. (2009). Análise de Conteúdo. Lisboa: Edições 70.
Bibliografia
Socorro Dantas
378
Beauvoir, S. (1990). A Velhice. Rio de Janeiro: Nova Fronteira.
Bento, J. O. (2004). Desporto - Discurso e Substância. Porto: Campo das
Letras.
Berger, P., & Luckmann, T. (2004). A construção social da realidade (2ª ed.).
Lisboa: Dinalivro.
Bernardinho. (2006). Transformando suor em ouro. Rio de Janeiro: Sextante.
Betti, M. (2001). Esporte na Mídia ou Esporte da Mídia? Revista�Motrivivência.
(17),107-112.
Bilibio, E. (2005). A fenomenologia do tempo em Heidegger e Husserl: uma
aproximação. Analecta, 6(2), 77-83.
Bosi, E. (1994). Memória e sociedade: lembranças de velhos (3ª ed.). São
Paulo: Companhia das Letras.
Brioschi, L. R., & Trigo, M. H. (1987). Relatos de Vida em ciências sociais:
considerações metodológicas. Ciência e Cultura, 39(7), 631-637.
Brockmeier, J., & Harré, R. (2003). Narrativa: Problemas e Promessas de um
Paradigma Alternativo. Psicologia: Reflexão e Crítica 16(3), 525-535.
Bruner, J. (1991). The Narrative Construction of Reality. Critical Inquiry, 18(1),
1-21.
Burgess, R. (2001). A Pesquisa de Terreno: Uma Introdução. Oeiras: Celta
Editora.
Cabecinhas, R. (2004). Representações Sociais, Relações Intergrupais e
Cognição Social. Paidéia, 14(28), 125-137.
Cachada, J. (2006). A importância das histórias de vida para a compreensão
do êxito desportivo. Rev. bras. Educ. Fís. Esp., 20(5), 447-466
Caldas, C. P. (2006). O desenvolvimento histórico e teórico da Gerontologia. In
R. Veras & R. Lourenço (Eds.), Formação humana em Geriatria e
Gerontologia: uma perspectiva interdisciplinar. (pp. 26-30). Rio de
Janeiro, RJ: UnATI, UERJ.
Capitanio, A. (2003). Educação através da prática esportiva: missão
impossível? Revista Digital, 8(58). http:www.efdeportes.com - Consulta
em: 22 de janeiro de 2012.
Cardoso, M. J. C. (2002). Representações de vida um estudo realizado com
adultos idosos. Maria João Cardoso, Porto.
Bibliografia
Socorro Dantas
379
Cardoso, P. C. (2010). Envelhecimento do velho. Os conceitos de vida e de
actividade física de idosos urbanos e rurais através das suas histórias
de vida. Paula Cardoso, Porto.
Carlos, S. A., & al, e. (1998). Identidade, aposentadoria e terceira idade. In H.
S. Barrilli & e. al (Eds.), O saber construído sobre o processo de
envelhecimento (pp. 18-39). Porto Alegre: RGS/UNISINOS/PUCRS
Carmo, R. (2006). Contributos para Uma Sociologia do Espaço-Tempo. Oeiras:
Celta Editora.
Castro, P. (2002). Notas para uma leitura da teoria das representações sociais
em S. Moscovici. Análise Social, XXXVII(164), 949-979.
Cazeneuve, J., & Victoroff, D. (Eds.). (1982) Dicionário de Sociologia.
Lisboa/São Paulo: Verbo.
Chizzotti, A. (2003). A pesquisa qualitativa em ciências humanas e sociais:
evolução e desafios. Revista Portuguesa de Educação, 16(002), 221-
236.
Cícero, M. T. (1998). Da Velhice. Lisboa: Edições Cotovia.
Costa, A. S. (1992). Desporto e análise social. Sociologia - Revista da
Faculdade de Letras da Universidade do Porto, II ,(pp. 101-109).
Costa, A. S. (1993). Cultura desportiva e cultura industrial. In J. Bento & A.
Marques (Eds.), A ciência do desporto, a cultura e o homem (pp. 41-
49). Porto: Faculdade de Ciências do Desporto e de Educação Física.
Costa, A. S. (1997). À volta do estádio - O Desporto, O Homem e a Sociedade.
Porto: Campo das Letras.
Coté, J. (1999). The Influence of the Family in the Development of Talent in
Sport The Sport Psychologist, 13, 395-417.
Courtine-Dénamy, S. (1994). Hannah Arendt. Lisboa: Instituto Piaget.
Cowgill, D. O., & Holmes, L. D. (1974 ). Aging and Modernization. The Journal
of Gerontology, 28(3).
Critelli, D. (1996). Analítica do sentido: uma aproximação e interpretação do
real de orientação fenomenológica. São Paulo: EDUC: Brasiliense.
Cumming, E., & Henry, W. W. (1961). Growing old: the process of
disengagement. New York: Basic Books.
Bibliografia
Socorro Dantas
380
Cunha, M. I. (1997). Conta-me agora! As narrativas como alternativas
pedagógicas na pesquisa e no ensino. Revista da Faculdade de
Educação, 23(1-2).
Daley, M. J., & Spinks, W. L. (2000). Exercise, Mobility and Aging. Sports
Medicine, 1(29), 1 -12.
Damasceno, B. (2007). Trajetórias do Envelhecimento Cerebral: o normal e o
patológico. In A. L. Neri (Ed.), Desenvolvimento e envelhecimento:
perspectivas biológicas, psicológicas e sociológicas. São Paulo:
Papirus Editora.
Dantas, S. (1998). Perfil social e motivações dos usuários de academias de
ginástica da cidade de Maceió. Socorro Dantas, Rio de Janeiro.
Dantas, S., & Pereira, A. (2010). The perception of time in elite athletes -
preliminary results of one study. Paper presented at the 7th Eass
Conference " A Social Perspective on Sport, Health and Environment",
Porto-Portugal.
Dantas, S., & Santiago, L. (2009). Meanings about aging in older people who to
physical exercise. Paper presented at the 6th eass Conference "Sport,
Bodies, Identities", Rome-Italy.
Debert, G. G. (2004). A Reinvenção da Velhice. São Paulo: Editora da
Universidade de São Paulo: Fapesp.
Denzin, N. K. (1989). Interpretative Biography (Vol. 17). California: SAGE
Publications Ltd.
Dias, I. (2005). Envelhecimento e violência contra os idosos. Revista da
Faculdade de Letras: Sociologia(15), 249 - 274.
Dowd, J. (1975). Aging as exchange: a preface to theory. Journal of
Gerontology, 38(5), 584 - 594.
Dutra, E. (2002). A narrativa como um técnica de pesquisa fenomenológica.
Estudos de Psicologia, 7(2), 371-378.
Elias, N. (1998). Sobre o tempo. Rio de Janeiro: Jorge Zahar editores.
Elias, N., & Dunning, E. (1995). Deporte y ocio en el proceso de la civilizacion.
México: FCE.
Farinatti, P. T. (2002). Teorias biológicas do envelhecimento: do genético ao
estocástico. Revista Brasileira de Medicina do Esporte, 8(4), 129 -138.
Bibliografia
Socorro Dantas
381
Ferreira, A. B. d. H. (1999). Novo Aurélio Século XXI: o dicionário da língua
portuguesa (3 ed.). Rio de Janeiro: Nova Fronteira.
Fonseca, A. M. (2006). O envelhecimento: uma abordagem psicológica (2ª ed.).
Lisboa: Universidade Católica Editora.
Frontera, W. R., & Larson, L. (2001). Função esquelética nas pessoas idosas.
In T. L. Kauffman (Ed.), Manual de Reabilitação Geriátrica (pp. 7 -10).
Rio de Janeiro: Guanabara Koogan.
Galvão, C. ( 2005). Narrativas em Educação. Ciência & Educação, 11(2), 327-
345.
Garcia, R. (1999). O idoso na sociedade contemporânea. In J. Mota & J.
Carvalho (Eds.), Actas do Seminário: A qualidade de Vida no Idoso.
Porto: Faculdade de Desporto - Universidade do Porto.
Garcia, R., & Portugal, P. (2009). O desporto e história de vida. Proposta de um
novo itinerário a partir de uma visão personalista. Revista Portuguesa
de Ciências do Desporto, 9(1), 90-102.
Giddens, A. (1995). Sociology (2nd rev ed.). Cambridge: Polity Press.
Giddens, A. (2003). A Constituição da Sociedade (2 ed.). São Paulo: Martins
Fontes.
Giddens, A. (2003). Modernidade e identidade. Rio de Janeiro: Jorge Zahar.
Giddens, A. (2004). Sociologia (4ª ed.). Lisboa:Fundação Calouste Gulbenkian.
Giddens, A. (2005). As consequências da modernidade. Oeiras: Celta Editora.
Giorgi, A. (2010). Sobre o método fenomenológico utilizado como modo de
pesquisa qualitativa nas ciências humanas: teoria, prática e avaliação.
In J. Poupart, J. P. Deslauriers, L. H. Groulx, A. Laperrière, R. Mayer &
A. P. Pires (Eds.), A pesquisa qualitativa: enfoques epistemológicos e
metodológicos (2ª ed.). Petrópolis: Editora Vozes.
Goellner, S. V. (2005). Locais da memória: histórias do esporte moderno.
Arquivos em Movimento, 1(2), 79-86.
Goffman, E. (1988). Estigma – notas sobre a manipulação da identidade
deteriorada. Rio de Janeiro: Editora Guanabara.
Gomes, M. R. C. (2005). Idosos de hoje atletas olímpicos do passado. Maria
Gomes.
Bibliografia
Socorro Dantas
382
Guerra, I. (2006). Pesquisa Qualitativa e Análise de Conteúdo – Sentidos e
formas de uso. São João do Estoril: Princípia.
Haguette, M. (2003). Metodologias Qualitativas na Sociologia (9ª ed.).
Petrópolis: Editora Vozes.
Hayflick, L. (1996). Como e por que envelhecemos. Rio de Janeiro: Campus.
Heidegger, M. (1998). Ser e Tempo (M. d. S. Cavalcante, Trans. 6 ed.).
Petropólis: Vozes.
Heidegger, M. (2008). O conceito de Tempo (I. Borges-Duarte, Trans. 2ª ed.).
Lisboa: Fim de Século.
Heinich, N. (2001). A Sociologia de Nobert Elias (M. F. Duarte, Trans.). Lisboa:
Temas e Debates.
Helal, R. (2003). A construção de narrativas de idolatria no futebol brasileiro.
ALCEU, 4(7), 19-36.
Husserl, E. (1983). Fenomenologia de La conciencia del tiempo inmanente (O.
E. Langfelder, Trans.). Buenos Aires: Editorial Nova.
Husserl, E. (1990). A Idéia da Fenomenologia. Textos Filosóficos. Lisboa:
Edições 70.
Ilharco, F. (2005). Intencionalidade e Diferença: Uma Aproximação
Fenomenológica à Intersecção Acção/Comunicação/Informação. In A.
Fidalgo & P. Serra (Eds.) (pp. 657-665). Covilhã: Universidade da Beira
Interior.
Jaeger, W. (2003). Paidéia: a formação do homem grego (4ª ed.). São Paulo:
Martins Fontes.
Jodelet, D. (Ed.). (1989 ). Les Représentations sociales: un domaine en
expantion. Paris: Press Universitary de France.
Kant, I. (1999). Crítica da Razão Pura (V. Rohden, Trans.). São Paulo: Nova
Cultural.
Kuypers, J., & Bengtson, V. (1973). Social Breakdown and Competence. A
model of Normal Aging. Human Development, 16(3), 181-201.
La Maza, L. M. (2005). Fundamentos de la filosofia Hermenêutica: Heidegger e
Gadamer. Teologia y Vida, 46(1-2), 122-138.
Leite, I. L. (2004). Gênero, família e representação social da velhice. Londrina:
Eduel.
Bibliografia
Socorro Dantas
383
Linton, R. (1981). O homem uma introduçao a antropologia. São Paulo: Livraria
Martins Fontes.
Lipovetsky, G. (1994). O crepúsculo do dever a ética indolor dos novos tempos
democráticos. Lisboa: Dom Quixote.
Lyotard, J.-F. (2008). A fenomenologia. Lisboa: Edições 70.
Marques, M. (2003). Psicologia do Esporte:aspectos em que os atletas
acreditam. Canoas: Ed. ULBRA.
Marques, M., & Samulski D. (2009). Análise da carreira esportiva de jovens
atletas de futebol na transição da fase amadora para a fase
profissional: escolaridade, iniciação, contexto sócio-familiar e
planejamento da carreira. Rev. bras. Educ. Fís. Esp. 23(2).
Martins, J., & Bicudo, M. A. V. (1989). A pesquisa qualitativa em Psicologia:
fundamentos e recursos básicos. São Paulo: Educ/Moraes.
Massa, M., Uezu, R., & Böhme, M. T. S. (2010). Judocas olímpicos brasileiros:
fatores de apoio psicossocial para o desenvolvimento do talento
esportivo. Rev. bras. Educ. Fís. Esporte, 24(4), 471-481.
Matsudo, S., Matsudo, V., & Neto, T. B. (2002). Impacto do envelhecimento nas
variáveis antropométricas, neuromotoras e metabólicas da aptidão
física. Revista Brasileira de Ciências e Movimento, 8(4), 21 - 32.
Mazo, G. Z., Lopes, M. A., & Benedeti, T. B. (2001). Atividade fisica e o idoso
concepção gerontológica. Porto Alegre: Sulina.
Mead, G. (1980). The Philosophy of the Present. Chicago: The Chicago
University Press.
Minayo, M. C., & Coimbra Jr, C. E. (2002). Antropologia, saúde e
envelhecimento. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz.
Monteiro, A. d. O. (2007). Desporto: Da Excelência a Virtude, um caminho de
vida para crianças, jovens e adultos. Alberto Monteiro, Braga.
Moraes, L., Rabelo, A., & Salmela, J. (2004). Papel dos pais no
desenvolvimento de jovens futebolistas. Psicologia, Reflexão e Crítica,
17 (2), 211-222.
Moreira, D. A. (2004). O método fenomenológico na pesquisa. São Paulo:
Pioneira Thomson e Learning.
Bibliografia
Socorro Dantas
384
Moscovici, S. (2003). Representações sociais: investigações em Psicologia
Social. Petrópolis: Vozes.
Mota, J., & Carvalho, J. (2006). A qualidade de vida do idoso: o papel mediador
da atividade física e desportiva. In G. Tani, J. O. Bento & R. D. S.
Petersen (Eds.), Pedagogia do Desporto. Rio de Janeiro: Guanabara
Koogan.
Nascimento, C. A. G. S., & Cruz, L. A. ( 2007). Discurso, Identidade e
Representação Social do Idoso. Estudos Lingüísticos, XXXVI(3), 45-54.
Neri, A. L. (1995). Psicologia do Envelhecimento: Temas selecionados na
perspectiva do curso de vida. Campinas - São Paulo: Papirus Editora.
Oliveira, G., Cherem, E. H. L., & Tubino, M. J. G. (2008). A inserção histórica
da mulher no esporte. Revista Brasileira de Ciências e Movimento,
16(2), 117-125.
Osório, A. R. (2007). Os idosos na sociedade atual. In A. R. Osório & F. C.
Pinto (Eds.), As pessoas idosas. Contexto social e intervenção
educativa. Lisboa: Instituto Piaget.
Patton, M. Q. (2002). Qualitative research & evaluation methods (3th ed ed.).
Thousand Oaks: Sage.
Pereira, A. (2001). A excelência profissional em Educação Física e Desporto:
perfil a partir de 7 histórias de vida. Antonino Pereira, Porto.
Pereira, A. L. (2006). Para uma visão fenomenológica do corpo contemporânea
- contributo a partir do alpinismo e das ginásticas de academia. In A. L.
Pereira, A. Costa & R. P. Garcia (Eds.), O DESPORTO ENTRE
LUGARES: O lugar das Ciências Humanas para a Compreensão do
Desporto. (pp. 143-172). Porto: Universidade do Porto, Faculdade de
Desporto.
Pereira, A. L. (2009). Do risco do Alpinismo de alta Montanha. Sociologia (19).
Porto: Faculdade de Letras -UP
Pereira, A. L. (2010). Introdução à Sociologia do Desporto. Sebenta.
Faculdade de desporto da Universidade do Porto.
Pereira, A. L., & Liston, K. (2012). The narrative of João Garcia: climbing to
transcendence. Journal of Sport & Social Issues, (29).
Peres, L & Lovisolo, H. (2006). Formação esportiva: teoria e visões do atleta de
elite no Brasil. Revista da Educação Física/UEM, 17(2), 211-218).
Bibliografia
Socorro Dantas
385
Phoenix, C., & Sparkes, A. C. (2006). Keeping it in the family: narrative maps of
ageing and young athletes’ perceptions of their futures. Ageing &
Society 26(26), 631-648.
Poirier, J., Clapier-Valladon, S., & Raybaut, P. (1999). Histórias de Vida: Teoria
e Prática (2ª ed.). Oeiras: Celta Editora.
Pomian, K. (1993). Periodização (Vol. 29). Lisboa: Imprensa Nacional - Casa
da Moeda.
Poupart, J. (2010). A entrevista de tipo qualitativo: considerações
epistemológicas, teóricas e metodológicas (A. C. A. Nasser, Trans.). In
J. Poupart, J.-P. Deslauriers, L.-H. Groulx, A. Laperrière, R. Mayer & Á.
Pires (Eds.), A pesquisa qualitativa: enfoques epistemológicos e
metodológicos (pp. 215-253). Petrópolis - RJ: Vozes.
Powers, S., & Howley, E. (2002). Fisiologia do exercício. Teoria e aplicação ao
condicionamento e ao desempenho (3ª ed.). São Paulo: Ed Manole.
Quivy, R., & Campenhoudt, L. V. (2005). Manual de Investigação em Ciências
Sociais (4ª ed.). Lisboa: Gradiva.
Ribeiro, A. M. L. C. G. P. (2004). Representações do corpo nos idosos um
estudo centrado nas suas histórias de vida. Porto: Ana Ribeiro.
Ricoeur, P. (1994). Tempo e narrativa (C. M. César, Trans.). Campinas - São
Paulo: Papirus Editora.
Riley, M., & Foner, A. (1972). Aging and Society: A sociology of age
stratification (Vol. 3). New York: Russel Foundation.
Rodrigues, N. (2000). Aspectos sociais da aposentadoria. In C. R. Schons & L.
S. Palma (Eds.), Conversando com Nara Costa Rodrigues: sobre
gerontologia social (pp. 21-25). Passo Fundo, RS: UPF.
Romariz, S. B. d., Devide, F. P., & Votre, S. (2007). Atleta, substantivo
feminino: As mulheres brasileiras nos jogos olímpicos. Movimento
13(01), 207-216.
Rose, A. M. (1962 ). The Subculture of The Aging: A Topic for Sociological
Research. The Gerontologist 2 (3), 123-127.
Rubio, K. (2001a). O atleta e o mito do herói: o imaginário esportivo
contemporâneo. São Paulo: Casa do Psicólogo.
Rubio, K. (2001b). O imaginário esportivo contemporâneo: o atleta e o mito do
herói. São Paulo: Casa do Psicólogo.
Bibliografia
Socorro Dantas
386
Rubio, K. (2002). O Trabalho do Atleta e a Produção do Espetáculo Esportivo.
Revista Electronica de Geografía y Ciências Sociales, VI(119),
Rubio, K. (2006). O Imaginário da Derrota no Esporte Contemporâneo.
Psicologia & Sociedade, 18(1), 86-91.
Rubio, K., & Moreira, F. d. G. (2007). A representação de dor em atletas
olímpicos brasileiros Revista Dor, 8(1), 926-935.
Samulski, D. M. (2002). Psicologia do esporte. São Paulo: Editora Manole.
Santiago, L. (2003). As ciências explicam e compreendem: dois pontos a
procura do conhecimento humano. In R. F. Lucena & E. F. Souza
(Eds.), Educação Física, Desporto e Sociedade. João Pessoa: Editora
Universitária.
Santiago, L. (2006). Os Valores Orientadores das Práticas Desportivas em
Grupos Emergentes da Terceira Idade. In A. L. Pereira, A. Costa & R.
P. Garcia (Eds.), O DESPORTO ENTRE LUGARES: O lugar das
Ciências Humanas para compreensão do Desporto (pp. 245-263).
Porto: Faculdade de Desporto - Universidade do Porto.
Santiago, L., Dantas, S., Brito, A., & Santos Júnior, F. (2009). Representações
do corpo e saúde em idosos: aspectos sócio antropológicos. Paper
presented at the XVI Congresso Brasileiro de Ciências do Esporte e III
Congresso Internacional de Ciências do Esporte, Salvador - Brasil.
Santos, A. (2000). Narrativas da Nação proporcionadas pelas vitórias
desportivas e seus heróis. Coimbra: APS-Publicações.
Santos, B. (1987). Um discurso sobre as ciências Porto: Edições Afrontamento.
Seymour, W. (2002). Time and the Body: Re-embodying Time in Disability.
Journal of Occupational Science, 9(3), 135 -142.
Shephard, R. o. J. (2003). Envelhecimento, atividade física e saúde. São Paulo:
Phorte.
Silva, A. S. (2002). Dinâmicas Sociais do Nosso Tempo. Porto: Editora da
Universidade do Porto.
Silva, C. I. (2005). O risco do desporto de alta competição na pessoa com
deficiência. Cláudia Silva.
Silva, M. L., & Rubio, K. (2003). Superação no esporte: limites individuais ou
sociais? Revista Portuguesa de Ciências do Desporto, 3(3), 69-76.
Bibliografia
Socorro Dantas
387
Silva, V. L. (2006). O preço de um sonho: a realidade do esporte que não é
mostrada pela mídia. Motrivivência, (2), 49-71.
Sinclair, D. & Orlick, T. (1993). Positive transitions from high-performance sport.
The Sport Psychologist, 7(2),138-150.
Siqueira, M. E. (2007). Teorias Sociológicas do Envelhecimento. In A. L. Neri
(Ed.), Desenvolvimento e envelhecimento: perspectivas biológicas,
psicológicas e sociológicas. Campinas - São Paulo: Papirus Editora.
Smith, L. (1998). Biographical Method. In N. Denzin & Y. Lincoln (Eds.),
Strategies of Qualitative Inquiry (pp. 184-224). London: Sage
Publications.
Soares, A. J., & Bartholo, T. L. (2007). Esporte e diálogos culturais -
expressões da globalização olímpica? In M. d. Moragas, L. DaCosta, A.
Miragaya, OtavioTavares, C. Kennett & B. Cerezuela (Eds.),
Universidad y estudios olímpicos: Seminarios España-Brasil 2006.
Barcelona: Bellaterra: Universitat Autònoma de Barcelona. Centre
d´Estudis Olímpics, Servei de Publicacions.
Sobrinho, H. F. (2007). Discurso, velhice e classes sociais: A dinâmica
contraditória do dizer agitando as filiações de sentidos na
processualidade histórica. Maceió: Edufal.
Sokolowski, R. (2004). Introdução à fenomenologia. São Paulo: Edições
Loyola.
Sousa, A. (2009). A Experiência vivida da pessoa com amputação através do
corpo: - influência da prática de actividade física. Ana Sousa, Porto.
Sparkes, A. C. (2003). Men, Sport, Spinal Cord Injury and Narrative Time.
Qualitative Research, 3 (3), 295-320.
Sparkes, A. C. (2004). Bodies, Narratives, Selves, and Autobiography: The
Example of Lance Armstrong. Journal of Sport & Social Issues, 28(4),
397-428.
Sparkes, A. C., & Devís, J. D. (2003). Investigación Narrativa y sus formas de
análisis: una visión desde la Educación Física y el Deporte. Revista
ágora para la EF y el Deporte(2-3), 51-60.
Sparkes, A. C., & Smith, B. (2011). Narrative Analysis as an Embodied
Engagement with the Lives of Others. In J. Gubrium & J. Holstein
(Eds.), Varieties of Narrative Analysis. London: Sage.
Bibliografia
Socorro Dantas
388
Spink, M. (1996). O discurso como produção de sentidos. In C. Nascimento-
Schulze (Ed.), Novas contribuições para a teorização e pesquisa em
representação social. Coletâneas da ANPEPP (pp. 37-46).
Florianópolis: UFSC.
Spirduso, W. (2005). Dimensões físicas do envelhecimento. São Paulo:
Manole.
Tulle, E. (2008). The Ageing Body and the Ontology of Ageing: Athletic
Competence in Later Life. Body & Society - SAGE Publications, 14(3),
1-19.
Vala, J. (2006). Representações sociais e psicologia social do conhecimento
quaotidiano. In J. Vala & M. B. Monteiro (Eds.), Psicologia Social (7ª
ed., pp. 457-502). Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian.
Valente Filho, J. (2006). Mário Jorge Lobo Zagallo: entre o sagrado e o profano
– uma história de vida. Jayme Valente Filho, Porto.
Valporto, O. (2006). Atleta, Substantivo Feminino. Rio de Janeiro: Casa da
Palavra.
Velho, G. (2004). Individualismo e cultura. Rio de Janeiro: Jorge Zahar.
Viegas, S. M., & Gomes, C. A. (2007). A identidade na velhice. Porto: Âmbar.
Whittrow, G. J. (1993). O tempo na história: concepções de tempo da pré-
história aos nossos dias. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed.
Williams, J.M., & Krane, V. (2001). Psychological characteristics of peak
performance. In J.M. Williams (Ed), Applied sport psychology: Personal
growth to peak performance ( pp. 137-147). Mountain View, CA:
Mayfield.
Sites consultados:
Consultar em Direitos Humanos e Pessoas.
www.unric.org/html/portuguese/ecosoc/ageing/D_H_Pessoas_Idosas.pdf.
Acessado em 22 de dezembro de 2010.
INE “Destaque – informação à comunicação social”, disponível em: http://www.ine.pt/xportal/xmain?xpid=INE&xpgid=ine_destaques&DESTAQUESdest_boui=83385202&DESTAQUESmodo=2. Acessado em 06 de Dezembro de 2010.
Bibliografia
Socorro Dantas
389
TSF- Rádio Notícias
(http://www.tsf.pt/PaginaInicial/Desporto/Interior.aspx?content_id=983786).
Acessado em 31 de outubro de 2011
Sporting Clube de Portugal - http://www.sporting.pt/index.asp. Acessado em 14
de novembro de 2011.
http://mundoestranho.abril.com.br/materia/qual-e-a-diferenca-entre-as-classes-
do-iatismo - acesso em 28 de Novembro de 2011).
Jornais consultados:
ESPORTES DIÁRIO DE S. PAULO - 25 DE JANEIRO DE 2010
Jornal de Notícias – Portugal –Lisboa 24/10/2009
Anexos
Anexo 1 Carta de contato com atletas, apresentação do estudo Anexo 2 Termo de Consentimento (I) Anexo 3 Termo de consentimento (II) Anexo 4 Guião da entrevista Anexo 5 Currículo esportivo de José Regalo Anexo 6 Currículo esportivo de Maria Paula Gonçalves da Silva Anexo 7 Currículo esportivo de José Luiz Barbosa Anexo 8 Currículo esportivo de José Montanaro Júnior Anexo 9 Currículo esportivo de Carlos Lopes Anexo 10 Currículo esportivo de Esbela da Fonseca Anexo 11 Anexo 12 Anexo 13
Currículo esportivo de Armando Marques Currículo esportivo de Manuel Quina
Temas emergentes das narrativas
Carta de contato com atletas, apresentação do estudo
Socorro Dantas
i
Anexo 1
Exmo. Senhor (a)
Assunto: Solicitação de aceitação de participação no desenvolvimento de projecto de investigação científica - Doutoramento.
Maria do Socorro Meneses Dantas Bandeira, portadora do passaporte nº CV
301048–SR/DPF/AL, estudante vinculada ao Programa de Doutoramento em
Ciência do Desporto da Faculdade de Desporto da Universidade do Porto –
FADE-UP, desenvolve um projecto de doutoramento subordinado ao tema: “Os
sentidos do envelhecimento para atletas olímpicos”. Trata-se de um tema
relevante no âmbito da Educação Física e da Sociologia do Desporto, que se
reveste de grande actualidade.
A investigação tem como propósito indagar na perspectiva do atleta olímpico, o
sentido do seu próprio processo de envelhecimento, com o intuito de obter uma
topografia deste processo a partir das suas narrativas.
Através do estudo objectivamos verificar as similaridades e as divergências nos
discursos sujeitos que pertencem a duas culturas diferentes (Portugal e Brasil),
através da representação que cada atleta tem do seu próprio processo de
envelhecimento e as sua experiência no contexto do esporte. Deste modo,
procuramos resgatar o conhecimento e a experiência acumulados pelos atletas
a fim de subsidiar as políticas desportivas, desde o desporto educação até o
desporto de alto rendimento.
O grupo estudado para esta investigação está sendo composto por ex-atletas
portugueses e brasileiros. A identidade dos atletas, e outras particularidades
que possam identificá-los, serão omitidas com o intuito de preservar sua
privacidade, se assim o desejarem.
Para a realização deste trabalho será necessário realizar entrevistas com estes
ex-atletas, sendo por isso, fundamental a sua colaboração. De facto, os seus
resultados desportivos tornam a sua colaboração imprescindível. Só assim será
Carta de contato com atletas, apresentação do estudo
Socorro Dantas
ii
possível obter as narrativas individuais para a construção das histórias de
vidas. Como forma de registro dos dados será utilizada a gravação em áudio.
Aos entrevistados será disponibilizada a atenção e o tempo necessário onde
eles poderão falar livremente.
As entrevistas serão transcritas e enviadas para os entrevistados para serem
analisadas e corrigidas alguma possível lacuna.
Acrescentamos que a doutoranda, mestre pela Universidade Gama Filho/Rio
de Janeiro/Brasil, docente do curso de Educação Física da Universidade
Federal de Alagoas/Brasil possui currículo e experiência na área que oferecem
condições compatíveis para o cumprimento do projecto que se propõe realizar.
Nesta conformidade, eu, Ana Luísa Pereira, Professora Auxiliar da Faculdade
de Desporto da Universidade do Porto e orientadora responsável pelo referido
projecto, venho por este meio solicitar-lhe o atestado de confirmação de
aceitação e acolhimento do estudo para que seja possível sua efetivação.
Porto (Portugal), em 22 de Maio de 2009
(Professora Doutora Ana Luísa Pereira)
Termo de Consetimento (I)
Socorro Dantas
iii
Anexo 2
TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO (TCLE)
Eu,………………………………………………………, estou sendo
convidado a participar de um estudo denominado “Os sentidos do processo
de envelhecimento para ex-atletas olímpicos e mundiais”, cujos objetivos
propõem-se compreender e interpretar o envelhecimento a partir das
referências geradas basicamente pelas próprias experiências desses ex-
atletas.
A minha participação no referido estudo será uma entrevista gravada, que
após a transcrição, e antes da sua utilização, será lida por mim. Recebi, por
outro lado, os esclarecimentos necessários sobre o estudo.
As pesquisadoras envolvidas com o referido projeto são Maria do Socorro
Meneses Dantas Bandeira (Universidade do Porto - Portugal), Ana Luísa
Pereira (Universidade do Porto - Portugal), Leonéa Vitória Santiago
(Universidade Federal de Alagoas – Brasil), e com elas poderei manter contato
pelos telefones (351) 964121828 em Portugal e (82) 9932-7373 no Brasil.
Será assegurada informação sobre a pesquisa, bem como será garantido o
meu livre acesso a todas as informações e esclarecimentos adicionais sobre o
estudo, enfim tudo o que eu queira saber antes, durante e depois da minha
participação.
Tendo sido orientado quanto ao teor de tudo o mencionado e compreendido
a natureza e o objetivo do já referido estudo, manifesto meu livre
consentimento em participar, estando totalmente ciente de que não há nenhum
valor econômico, a receber ou a pagar, por minha participação.
Porto,... de………………..de 20….
Termo de Consetimento (II)
Socorro Dantas
5
Anexo 3
TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO (TCLE)
Eu,………………………………………………………., após ter lido a
transcrição da entrevista, dada por mim à Maria do Socorro Meneses Dantas
Bandeira, concordo com o que está escrito e dou meu consentimento para a
utilização do que consta nessa entrevista no estudo, para fins de
doutoramento, intitulado “Os sentidos do processo de envelhecimento para ex-
atletas olímpicos e mundiais”, assim como dou o consentimento para que meu
nome possa aparecer no mesmo estudo.
Porto...... de …............. de 20….
___________________________________________
Guião da Entrevista
Socorro Dantas
vii
Anexo 4
GUIÃO DA ENTREVISTA
1 - Como iniciou a sua vida esportiva?
- Quais os incentivos, apoio da família, amigos
2 - Quais foram os episódios marcantes desta fase inicial?
- Por quê?
-Pessoas que marcaram,
- Por quê?
3 - Como foi a primeira competição no início da sua vida esportiva?
- Lembra de alguma coisa em particular que tenha marcado esta fase?
- Como se sentiu?
4 -E a primeira competição olímpica?
- O quê se lembra?
- Como se sentiu?
5 - Quando foi a primeira medalha?
- E a última?
- Que sentimentos possui destes dois episódios?
6 - Qual competição que participou que considera a mais difícil?
- Por quê?
7 - Qual competição considera que foi mais importante?
- Por quê?
8 - O que o motivou a continuar no esporte e ingressar no esporte de alto
rendimento?
9 - Como era a sua relação com treinadores, federação e mídia?
Guião da Entrevista
Socorro Dantas
viii
10 - Que fase(s) considera mais difícil (eis) na sua carreira esportiva?
- Por quê?
- E as melhore(s)?
- Por quê?
- Teve alguma lesão? Como foi?
11 - De que forma conciliava a sua carreira como atleta e a sua vida
pessoal e/ou profissional?
12 -Tomou alguma atitude como atleta que pode considerar uma difícil
decisão ou um sacrifício?
- Por quê?
13 - Como era sua rotina diária como atleta de olímpico?
14 - Como é a sua rotina hoje?
15 - Quais fatores você acha que contribuíram para o seu sucesso como
atleta?
- Como?
16 - Quais foram os ganhos que você teve com o esporte?
- E as perdas?
17 - Sentiu-se envelhecer como atleta?
- Quais as perdas?
- E os ganhos com este envelhecimento?
18 - Quando foi sentido que aconteceu intimamente a demarcação do
seu envelhecimento?
19 – Alguma situação ou acontecimento marcante acelerou ou o levou a
deixar o esporte de alto rendimento?
20 - Como se deu seu afastamento das competições como atleta de alto
rendimento?
- Como se sentiu após o afastamento?
- Você se preparou para este afastamento?
Guião da Entrevista
Socorro Dantas
ix
- Teve algum apoio?
- Como?
- Percebe algum ganho com este afastamento? Quais/
21 - Como imaginava que seria seu afastamento do esporte competitivo?
22- Como imaginava que seria seu envelhecimento?
23 - Como é a sua experiência de envelhecer? (ou como percebe o seu envelhecimento)
- perdas
- ganhos
- dimensão que considera mais afetada com o envelhecimento.
Currículo Esportivo de José Alberto Teixeira Regalo
Socorro Dantas
xi
Anexo 5
Nome: José Alberto Teixeira Regalo
Modalidade Praticada: Atletismo
Especialidade: meio fundo e fundo
Data do nascimento: 22 de novembro de 1963 Local do Nascimento: Mateus, Vila Real - Portugal Idade na data da entrevista: 45 anos Inicio da prática desportiva: Na escola, com 12 anos de idade. Outras modalidades praticadas além do atletismo – nenhuma outra
Participações e Conquistas Medalhas Ouro Final Grand Prix - IAAF – Berlim – 1988 (individual) Campeonato da Europa em Corta-Mato, Charleroi – Bélgica, Dezembro 1996 (por equipes) Campeonato da Europa em Corta-Mato, Oeiras – Portugal, dezembro 1997 (por equipes) Prata Campeonato da Europa em Corta-Mato, Durban – Inglaterra, Dezembro 1995 (por equipes) Bronze Principais Participações ao Nível da Selecção Portuguesa Jogos Olímpicos: - de Seoul, 5000m, Coréia do Sul-Seoul, Setembro 1988. Campeonatos do Mundo: - de Corta-Mato, Roma – Itália, Março 1982 (escalão Júnior) - Militar de Corta-Mato, Açores – Portugal, Fevereiro 1985 - de Corta-mato, Varsóvia- Polônia, Março 1987 - de Pista, 3000 m obst., Roma Itália, Agosto 1987 - de Corta-Mato, Auckland – Nova Zelândia, Março 1988 - de Corta-Mato, Boston – Estados Unidos América, Março 1992 - de Corta-Mato, Amorabieta – Espanha, Março 1993 - de pista, 10.000 m, Estugarda – Alemanha, Agosto 1993 - de Corta-Mato, Dhuram – Inglaterra, Março 1995 - de Corta-Mato, Cidade do Cabo – África do Sul, Março 1996 - de Corta-Mato, Marraquexe – Marrocos, Março 1998 Campeonatos da Europa: - de Pista Coberta, 3000 m, Madrid- Espanha, Fevereiro 1986
Currículo Esportivo de José Alberto Teixeira Regalo
Socorro Dantas
xii
- de Pista, 3000 m obst, Estugarda-Alemanha, Agosto 1986 - de Corta-Mato, Durban – Inglaterra, Dezembro 1995 - de Corta-Mato, Charleroi – Bélgica, Dezembro 1996 - de Corta-Mato, Oeiras – Portugal, dezembro 1997 Taças da Europa: - Grupo C, 3000 m obst., Viena – Áustria, Junho 1985 - Grupo C, 3000 m obst., Maia – Portugal, Junho 1987 - Grupo C, 5000 m, Dublin-Irlanda, Junho 1989 Taça Ibérica / Challenge Europeu: - Taça Ibérica de 10.000 m, Maia – Portugal, Abril 1992 - Taça Ibérica de 10.000 m, Bilbao – Espanha, Abril 1993 - Taça Ibérica de 10.000 m, Cáceres – Espanha, Abril 1995 - Challenge Europeu de 10.000 m, Lisboa – Portugal, Abril 1998 Diversos: - Triangular Espanha-Portugal-Finlândia, 3000m obst., Setembro 1984 - Westhatletic, 3000 m obst., Barcelona-Espanha, Junho 1986 - Westhatletic, 3000 m obst., Bruxelas-Bélgica, Junho 1988 Campeonato Portugal / Nacional (títulos nacionais individuais) - Campeão de Portugal-Junior, 2000 m obst., Junho 1982 - Campeão de Portugal, Absolutos, 3000 m obst., Julho 1984 - Campeão de Portugal, Sub-23, 3000 m obst., Julho 1985 - Campeão de Portugal, Absolutos, 3000 m obst., Julho 1985 - Campeão de Portugal Inverno, 3000 m, Fevereiro 1986 - Campeão de Portugal, Sub-23, 3000 m obst., Julho 1986 - Campeão de Portugal, Absoluto, 3000 m obst., Julho 1986 - Campeão de Portugal, Absoluto, 10000 m, Abril 1988 - Campeão de Portugal, Absoluto, 5000 m, Agosto 1988 - Campeão de Portugal, Pista Coberta, 3000 m, Fevereiro 1994 - Campeão de Portugal, Absoluto, 5000 m, Julho 1995 - Campeão de Portugal Universitário, 1500 m, Abril 1996 Posição nos Rankings Mundiais Anuais: 3º - 5000m, 1988 15º - 3000m, 1989 17º - 3000m obst, 1987 24º - 3000m obst, 1988 25º - 5000m, 1987 27º - 3000m obst, 1986 Posição nos Rankings Europeus Anuais: 2º - 5000m, 1988 9º - 3000m, 1989 10º - 3000m obst., 1987 13º - 5000m, 1987
Currículo Esportivo de José Alberto Teixeira Regalo
Socorro Dantas
xiii
14º - 3000m obst., 1988 16º - 10000m, 1993 24º - 3000m, 1994 26º - 5000m, 1989 26º - 5000m, 1993 26º - 5000m, 1995 27º - 3000m, 1993 32º - 5000m, 1996 39º - 10000m, 1992 41º - ½ maratona, 1996 Recordes Pessoais: 800m – 1.51,96 - 1992 1500m – 3.40,1 – 1988 2000m – 5.06,7 – 1987 3000m – 7.43,0 – 1989 3000m obst. – 8.20,70 – 1987 5000m – 13.15,62 – 1988 10000m – 28.02,4 – 1988 ½ Maratona – 1.02,36 - 1996
Clubes que defendeu
União Sport Clube Paredes Futebol Clube do Porto Sport Lisboa e Benfica Maratona Clube de Portugal Clube Atletismo Terbel Sporting Clube de Portugal.
Outras Conquistas
- Eleito como o segundo melhor atleta do mundo de 1988 em 5.000m pela
revista norte americana “Track and Field”.
- Distinguido pela FUNDAÇÃO do DESPORTO (Intituição Portuguesa) nos
anos de 1996, 97 e 98.
Currículo Esportivo de José Alberto Teixeira Regalo
Socorro Dantas
xiv
- Presidente do Maia Atlético Clube de 2001 / 2006
- Vice-Presidente da Associação de Atletas de Alta Competição 2001 / 2004
Currículo Profissional
- Licenciatura em Educação Física e Desporto
- Docente do Instituto Superior da Maia - Curso de Educação Física e
Desporto
- Professor na Escola Secundária do Marco de Canaveses
- Treinador de um Grupo de Jovens Campeões Nacionais e Regionais na
modalidade atletismo.
Currículo Esportivo de Maria Paula Gonçalves da Silva
Socorro Dantas
xv
Anexo 6
Nome: Maria Paula Gonçalves da
Silva
Modalidade Praticada: Basquetebol
O PASSADO
Data do nascimento: 11 de março de 1962 Local do Nascimento: Osvaldo Cruz – São Paulo – Brasil Idade à época da entrevista: 47 anos Outras modalidades praticadas antes do Basquetebol: atletismo, xadrez, tênis de mesa, natação. Inicio: começou a praticar o Basquetebol com 10 anos. Conquistas no Basquetebol
1975/76/77 Campeã Mirim Estadual
1977/78/79 Campeã Infanto Estadual
1978/80/81 Campeã Juvenil Estadual
SET/CER Hexa Campeã Estadual
1978/82/83/85/87/93/94 Campeã dos Jogos Regionais
1979/81/86/94 Campeã dos Jogos Abertos
1989/90/92/93/94 Campeã Troféu Imprensa
1981/84/85/86/92/93/94/96 Campeã Paulista Adulto
1986/87/91/95 Campeã Brasileira de Clubes
1986/92- Londres Campeã Torneio Cristal Palace
1989- Espanha Vice – Campeã Liga Espanhola
1993 Campeã Mundial de Clubes
1991/94/95 Vice-Campeã Mundial de Clubes
1985/86-ABRACE Eleita a Atleta do Ano
1987-COB Eleita a Atleta do Ano
1987-COB Medalha do Mérito Olímpico
1990-CND Medalha do Mérito Esportivo
1995- Prêmio Coper Eleita a Atleta do Ano
1994/95 Bi - Campeã Pan-americana de Clubes
Participações:
06 CAMPEONATOS MUNDIAIS FIBA
04 CAMPEONATOS PRÉ - OLÍMPICOS COI
04 CAMPEONATOS PANAMERICANOS COI
02 OLÍMPIADAS COI
Currículo Esportivo de Maria Paula Gonçalves da Silva
Socorro Dantas
xvi
Clubes que defendeu:
Clube das Bandeiras Osvaldo Cruz – São Paulo
Assis Tênis Clube Assis - SP
Colégio Divino Salvador Jundiaí - SP
Unimep ( Universidade Metodista de Piracicaba )
Piracicaba – SP
Cica- Divino Jundiaí – SP
Tintoretto Madri (Espanha)
BCN Piracicaba – SP
Ponte Preta Campinas – SP
CESP – Unimep Piracicaba – SP
Microcamp Campinas - SP
BCN / Osasco Osasco - SP
Em 1999 e 2000 defendeu a equipe do BCN / Osasco e então resolve deixar as quadras após vinte e oito anos de carreira e vinte e dois anos defendendo a Seleção Brasileira.
Currículo Esportivo de José Luiz Barbosa
Socorro Dantas
xvii
Anexo 7
Nome: José Luiz Barbosa (Zequinha Barbosa)
Modalidade Praticada: Atletismo
Especialidade:
O PASSADO
Data do nascimento: 27 de janeiro de 1961 Local do Nascimento: Três Lagoas /Mato Grosso do Sul - Brasil Inicio: 12 anos Outras modalidades praticadas além do atletismo: nenhuma Participações e Conquistas Participou dos Jogos Olímpicos de Los Angeles - 1984 Participou dos Jogos Olímpicos de Seul – 1988 Participou dos Jogos Olímpicos de Barcelona – 1992 Participou dos Jogos Olímpicos de Atlanta - 1996 As Medalhas: Ouro Campeonato Mundial Indoor – Indianápolis - 1987 – 800m Jogos Pan – Americanos – Mar del Plata – 1995 – 800m Prata Campeonato Mundial – Tóquio – 1991- 800m Bronze Campeonato Mundial – Roma – 1987 – 800m
Outras Conquistas No Brasil se graduou e licenciou em Educação Física pela Faculdades Metropolitanas Unidas - FMU, São Paulo. Se formou em jornalismo e marketing pela San Diego Citty Collage, San Diego e University of Phoenix, San Diego California.
PRESENTE
O que faz atualmente:
Hoje mora nos Estados Unidos e trabalha como preparador-físico do ala-
armador Leandrinho .
Currículo Esportivo de José Luiz Barbosa
Socorro Dantas
xviii
Anexo 8
Nome: José Montanaro Júnior
Modalidade Praticada: Voleibol
Data do nascimento: 29 de junho de 1958 Local do Nascimento: São Paulo - Brasil Idade na data da entrevista: 51 anos Inicio da prática desportiva: Na escola, com 12 anos de idade. Outras modalidades praticadas além do atletismo –
Participações e Conquistas Medalhas Ouro Campeão Paulista Juvenil - Paulistano. 1976 Campeão Paulista Adulto Paulistano. Campeão da Copa Itália (adulto) - Edilcuoghi – 1980. Campeão no Mundialito – Rio de Janeiro - Seleção Brasileira – 1982. Campeão da Copa Intercontinental - Argentina – Pirelli – 1983. Campeão no Mundialito - SP - Seleção Brasileira – 1984. Campeão Sul Americano - Chile - E.C. Banespa - 1988 Campeão Paulista - E.C. Banespa -1989 Campeão Paulista - E.C. Banespa -1990 Campeão Paulista - E.C. Banespa -1991. Campeão Sul Americano - SP - E.C. Banespa -1991. Campeão Sul Americano - SP- E.C. Banespa -1992. Prata Olimpíadas de Los Angeles – 1984 Jogos Pan – Americanos – San Juan Campeonato Mundial - Argentina - Seleção Brasileira – 1982. Campeonato Mundial - SP - E.C. Banespa -1991. Bronze Copa do Mundo de Voleibol - Japão – 1981. Principais Participações ao Nível da Seleção Brasileira Participou em 298 jogos pela seleção brasileira Jogos Olímpicos: Olimpíadas de Los Angeles
Currículo Esportivo de José Luiz Barbosa
Socorro Dantas
xix
Campeonatos do Mundo: Participou em 1 campeonato mundial Jogos Pan-Americanos: Jogos Pan – Americanos – San Juan Campeonatos Sul-Americanos: Participou em 8 campeonatos sul-americanos Campeonatos Brasileiros: Participou em 10 campeonatos brasileiros Campeonatos Estadual Participou em 13 campeonatos paulista
Clubes que defendeu Club Athletico Paulistano - Brasil
G.S. Edileuog – Itália Pirelli – Brasil Banespa - Brasil
Outras Conquistas
Desde 1993, é gerente do Departamento de Vôlei do Esporte Clube Banespa
Currículo Profissional
- Licenciatura em Educação Física e Desporto
Observação sobre o atleta: Montanaro foi o criador do saque viagem ao fundo
do mar.
Currículo Esportivo de Esbela da Fonseca
Socorro Dantas
xx
Anexo 9
Nome: Carlos Lopes
Modalidade Praticada: Atletismo
Especialidade: Meio Fundo e Fundo
O PASSADO
Data do nascimento: 18/02/1947
Local do Nascimento: Vildemoinhos – Viseu - Portugal
Inicio: Começou a correr com 17 anos.
Outras modalidades praticadas além do atletismo: gostaria de ter praticado o futebol.
Participações e Conquistas
Principais Medalhas
Ouro
Jogos Luso-Brasileiro – 5000 metros (primeira medalha internacional)
Campeonato do Mundo de Corta-Mato em 1976 – Individual
Campeonato do Mundo de Corta-Mato em 1984 – Individual
Campeonato do Mundo de Corta-Mato em 1985 – Individual
Jogos Olímpicos em 1984 - Maratona (estabelecendo um recorde que perdurou até aos Jogos de Pequim 2008).
Prata
Jogos Olímpicos em 1976 – 10.000 metros
Campeonato do Mundo de Corta-Mato em 1977 – Individual
Campeonato do Mundo de Corta-Mato em 1983 - Individual
Currículo Esportivo de Esbela da Fonseca
Socorro Dantas
xxi
Bronze
Campeonato do Mundo de Corta-Mato em 1984 - Coletivo
Outras Conquistas
Em 2009, Carlos Lopes foi homenageado pelo Comité Olímpico de Portugal e recebeu
de Jacques Rogge, presidente do Comité Olímpico internacional o troféu carreira de
Atleta do Século
Clubes que defendeu:
Sporting Clube de Portugal
PRESENTE
À época da entrevista tinha 63 anos e tinha a função de Vice - presidente do Comitê
Olímpico de Portugal além de dirigir a Fundação Carlos Lopes.
Fontes de informações:
Entrevista realizada em Março de 2010
Jornal de Notícias – 2009 -08-12
Comitê Olímpico de Portugal - http://www.comiteolimpicoportugal.pt/detalhe-
noticia.php?id_new=1022 - capturado em 11/03/2010
Currículo Esportivo de Esbela da Fonseca
Socorro Dantas
xxii
Anexo 10
Nome: Esbela da Fonseca
Modalidade Praticada: Ginástica Artística
Data do nascimento: 26 de julho de 1942 Local do Nascimento: Lisboa – Portugal Idade na data da entrevista: 66 anos Inicio da prática desportiva: Na escola, com 11 anos de idade. Outras modalidades que gostava de praticar além da ginástica – voleibol, basquetebol, ping-pong.
Participações e Conquistas Principais Medalhas Ouro - Campeã Nacional de seniores 4 vezes, entre 1961 e 1965 - Campeã Juniores- 2 vezes. - Jogos Luso-Brasileiros e Portugal-México Prata - Encontro Portugal-Espanha Principais Participações Jogos Olímpicos de Roma – 1960 Jogos Olímpicos de Tóquio – 1964 Jogos Olímpicos do México - 1968 Campeonatos do Mundo de Ginástica – Praga (Checoslováquia) – 1962 Campeonato do Mundo de Ginástica – Dortmund (Alemanha) – 1966 Campeonato da Europa – Paris - 1965 Campeonato da Europa – Sófia - 1965 Campeonato da Europa – Roterdão – 1967 Portugal-Espanha (2x) -1959 Jogos Luso-Brasileiros – 1960 Portugal- México - 1968 Campeonatos Nacionais – 1961, 1962, 1963 e 1965
Clubes que defendeu Lisboa Ginásio Clube
Currículo Esportivo de Esbela da Fonseca
Socorro Dantas
xxiii
Outras Conquistas Membro do Comitê Técnico da Federação Internacional de Ginástica - 1992 Membro do Comitê Executivo da Federação Internacional de Ginástica -2004 Membro Honorário da Federação Internacional de Ginástica – 2008 Treinadora nacional nos Campeonatos do Mundo de 1978 e 1979 e Jogos Olímpicos de Moscovo - 1980 Juíza nos Jogos Olímpicos de Seul – 1988 e Barcelona - 1992 Juíza nos Campeonatos do Mundo de 1987, 1990 e 1991 pela FGP Juíza Expert nos Campeonatos do Mundo de 1992,1993,1994,1995,1997,1998, 1999, 2001,2002 e 2003 Juri Principal nos Jogos Olímpicos de 1996, 2000, 2004 e 2008 Trofeu do Comitê Olímpico de Portugal – 1965 Medalha de Mérito e Bons Serviços da FGP Medalha de Mérito e Bons Serviços da Cidade de Colônia (RFA) Medalha e Diploma da Direcção Geral dos Desportos de Colônia por desenvolvimento da Ginástica Prêmio Carreira Desportiva pelo Comitê Olímpico de Portugal – 2008 Prémio Fémina do Desporto do “Portugal Protocolo” Co-autora do livro e programa PlayGYM da FGP Currículo Profissional 1968 - Diploma de Educação Física na Sporthochschule Köln com especialização em Ginástica Artística. 1967 e 1968 – Asssistente na Sporthochschule em Ginástica Artística. De 1968 a 1978 – Prelectora de vários cursos para treinadores pela Federação deGinástica da Rheinland. De 1978 a 1982 – Professora de GAF no Instituto Superior de Educação Física de Lisboa. Entre 1963 e 1978 - Treinadora convidada para dirigir estágios internacionais de GAF na Alemanha, Bélgica e Noruega. 1979, 1980, 1988, 1989 – Prelectora nos cursos de Treinadores da FPG. De 1965 a 1969 – Treinadora de GAF no clube KT 1847. De 1969 e 1978 – Treinadora de GAF no clube MTV Köln. De 1980 e 1982 – Treinadora de GAF no Lisboa Ginásio Clube. De 1982 a 1988 – Treinadora de GAF no Sporting Clube de Portugal. De 1989 a 1992 – Treinadora de GAF no Sport Lisboa e Benfica. De 1978 a 1981 – Co-treinadora nacional (CE Madrid e Lyon, CM Estrasburgo e Fort Worth, JO Moscovo).
Currículo Esportivo de José Montanaro Júnior
Socorro Dantas
xxiv
Anexo 11
Nome: Armando da Silva Marques
Modalidade Praticada: Tiro
Especialidade: Tiro com Armas de Caça
O PASSADO
Data do nascimento: 01 de Maio de 1937
Local do Nascimento: Carnaxide – Portugal
Inicio: Começou a atirar com 10 anos e a competir como atleta aos 25 anos.
Participações e Conquistas
Olimpíadas
1964 – Tóquio
1972 – Munique
1976 – Montreal – medalha de prata (única medalha olímpica no Tiro em Fosso
Olímpico para Portugal, e 1ª medalha olímpica individual).
Campeonato do Mundo
1977 - medalha de prata no Campeonato do Mundo de Fosso Olímpico
Taça do Mundo de Tiro aos Pombos
Taça da Europa de Tiro às Hélices
Currículo Esportivo de José Montanaro Júnior
Socorro Dantas
xxv
1987- medalha de ouro
Campeonatos Nacionais
Sagrou-se 49 vezes Campeão Nacional, individual e coletivamente, em várias
disciplinas.
Campeão Nacional de todas as modalidades de Tiro.
Outras Conquistas
Conquistou 38 Taças de Portugal e uma Taça de Espanha (diversas modalidades).
1976 - Recebeu do Governo a Medalha de Mérito Desportivo e a Medalha de Mérito
do Comitê Olímpico Português, tendo sido também condecorado com a Ordem de
Cavaleiro do Infante pelo Presidente da República.
1992 – Vencedor na categoria Veteranos foi vencedor de dezenas de campeonatos e
Grandes Prêmios Distritais e Regionais.
2006 - Sagrou-se campeão do Mundo e da Europa de Fosso Universal, na categoria
de super-veteranos.
Mais de 2.500 troféus até o março de 2011.
Clubes que defendeu:
Sporting Clube de Portugal
Clube dos Caçadores Portugueses
Clube de Tiro São Pedro de Rates
Clube Português de Tiro a Chumbo
Clube Industrial de Pavidém
Currículo Esportivo de José Montanaro Júnior
Socorro Dantas
xxvi
PRESENTE
Idade à época da entrevista: 72 anos.
Reformado, mas continua a participar de caçadas com os amigos e das competições
na categoria super-veteranos.
FUTURO
O desejo é continuar a atirar e a ganhar enquanto puder.
Fontes:
http://www.forumscp.com/wiki/index.php?title=Armando_Marques 03/11/2010
http://www.fptac.pt/HELICES2010/HELICES_CONTAGEM_1_BEJA.pdf 03/11/2010.
Temas emergentes das narrativas
Socorro Dantas
xxvii
Anexo 12
Nome: José Manuel Gentil Quina
Modalidade Praticada: Vela
O PASSADO
Data do nascimento: 13 de Outubro de 1935
Local do Nascimento: Lisboa – Portugal
Outras modalidades praticadas além da Vela: natação
Inicio: Começou a velejar aos sete anos.
Formação Profissional: Engenheiro Mecânico
Participações e Conquistas
Olimpíadas
1960 - Jogos Olímpicos de Roma - Baía de Napoles - Classe Star - 2º Lugar - Medalha de Prata
1968 - Jogos Olímpicos da Cidade do México - Acapulco - Classe Star - 17º Lugar
1972 - Jogos Olímpicos de Munique - Kiel - Classe FINN - 11º Lugar
Temas emergentes das narrativas
Socorro Dantas
xxviii
PRESENTE
Idade à época da entrevista: 74 anos.
Atualmente Manuel Quina é sócio da Tuba Náutica, uma empresa da área de Lisboa, que oferece diversas atividades náuticas.
Fontes:
Entrevista com Manuel Quina
www.tubanautica.com/ Acesso: 3 de dezembro de 2010.
Temas emergentes das narrativas
Socorro Dantas
xxix
Anexo 13 - Temas Emergentes das Narrativas
Passado
Temas Sub-temas
Início da vida esportiva - Apoios e referências
Família; O professor de Educação Física; Ídolos do esporte
Características e valores pessoais
Perseverante; Independente; Observador; Disciplinado; Humilde
Prioridades Renúncias
Rotina de atleta
Convivência familiar e com amigos;
Tempo pessoal
As competições A mais difícil; A mais relevante
Experiências marcantes Competições; Medalhas
Dificuldades na carreira de atleta Derrotas; Lesões;
Motivação e Desmotivação
Sucesso e recompensas Reconhecimento; Dinheiro; Ascensão social
Escolha do esporte e permanência no esporte de alto rendimento
Medalhas; Gosto/prazer
As relações sociais Treinadores; Dirigentes; Mídia
Presente
Processo de envelhecimento Rotina atual
Benesses, dificuldades
Futuro
Planos para o futuro