NARRATIVAS EM (RE)CONSTRUÇÃO: BIOGRAFIAS DE MULHERES … · E para complementar o aparato de...

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i INSTITUTO POLITÉCNICO DE SANTARÉM ESCOLA SUPERIOR DE EDUCAÇÃO NARRATIVAS EM (RE)CONSTRUÇÃO: BIOGRAFIAS DE MULHERES EM PROCESSO DE ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO NO INSTITUTO FEDERAL DE BRASÍLIA Dissertação apresentada para a obtenção do grau de Mestre na especialidade de Educação Social e Intervenção Comunitária Clarice Barbosa Vieira |Orientação| Professora Doutora Lia Pappámikail Junho de 2016

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INSTITUTO POLITÉCNICO DE SANTARÉM

ESCOLA SUPERIOR DE EDUCAÇÃO

NARRATIVAS EM (RE)CONSTRUÇÃO: BIOGRAFIAS DE

MULHERES EM PROCESSO DE ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO

NO INSTITUTO FEDERAL DE BRASÍLIA

Dissertação apresentada para a obtenção do grau de Mestre na especialidade de

Educação Social e Intervenção Comunitária

Clarice Barbosa Vieira

|Orientação|

Professora Doutora Lia Pappámikail

Junho de 2016

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Dedico esta dissertação aos meus pais,

Tannia e Emanuel,

por todo amor e carinho.

À minha avó Eliete (in memoriam),

a estrela que me ensinou a

graça de amar e viver em harmonia.

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“A aprendizagem não termina até você ter terra nas orelhas” (Autor desconhecido)1

"Educar e educar-se, na prática da liberdade, é tarefa daqueles que pouco sabem –

por isto sabem que sabem algo e podem assim chegar a saber mais –

em diálogo com aqueles que, quase sempre, pensam que nada sabem, para que estes,

transformando seu pensar que nada sabem em saber que pouco sabem,

possam igualmente saber mais".

(Paulo Freire)2

1 Retirado do filme “Uma lição de vida, 2010” (The first grader).

2 Freire, Paulo (1967). Educação como prática da liberdade. 17. ed. Rio de Janeiro, Paz e Terra.

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Agradecimentos

Primeiramente, agradeço a toda proteção divina que me dá coragem, serenidade e

firmeza para seguir meu caminho nessa jornada evolutiva.

Aos meus pais, Tannia e Emanuel, por terem me proporcionado a vida e me

motivarem a ser o que sou hoje.

À minha madrasta Célia de Sousa, a quem aprendi amar como uma segunda mãe.

Ao meu padrinho Paulo, que sempre acreditou no meu potencial intelectual e me

incentivou a correr atrás dos meus sonhos.

À toda minha família, que é a base para todo meu crescimento enquanto ser humano.

À minha comadre Célia Araújo, a quem devo minha eterna gratidão por me ensinar a

simplicidade da vida.

À minha afilhada Carol, por me ensinar o valor do amor nas pequenas coisas.

À minha “outra” família, aos amigos que me fazem persistir em todos os momentos

da vida.

À professora doutora Lia Pappámikail, pela competência ímpar em me orientar a todo

tempo que precisei e por iluminar minhas escolhas para chegar ao fim desta jornada

acadêmica.

Ao professor doutor Paulo Coelho Dias, pela coordenação do mestrado em Educação

Social e Intervenção Comunitária e por compartilhar de sua sabedoria aos servidores do IFB.

A todas as mulheres do curso de Alfabetização e Letramento, em especial as que

participaram desta pesquisa, pois sem elas este trabalho não seria possível.

Aos colegas do mestrado em Educação Social e Intervenção Comunitária, pelos quais

tenho muito apreço em dividir essa caminhada acadêmica e profissional.

Ao Instituto Federal de Brasília, pelo incentivo de qualificação prestado aos

servidores da instituição, em especial à Maria Cristina Madeira da Silva, que acompanhou a

trajetória de todos participantes desta turma de mestrado com muito primor e dedicação.

Aos que não pude me recordar aqui, sintam-se agradecidos e agradecidas.

Minha eterna gratidão...

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Resumo

A presente investigação se situa no campo da educação de jovens e adultos. Seu cerne é a

análise de histórias de vida de seis mulheres do curso de Alfabetização e Letramento:

emancipação feminina pela construção da cidadania, ofertado pelo Campus Taguatinga

Centro, Instituto Federal de Brasília (IFB). Como estratégia de análise, optamos por traçar

narrativas biográficas, compreendendo a importância de suas trajetórias e de seus saberes

perante o mundo. O cruzamento dessas informações resultou em temáticas comuns, pois estas

histórias caminhavam em percursos similares, ou pelo menos tinham questões com a mesma

proposta de análise. E para complementar o aparato de pesquisa e compreender a realidade

vivida pelas estudantes em amplitude, analisamos os formulários preenchidos na seleção do

Programa Auxílio Permanência do segundo semestre de 2015. Por meio das narrativas aqui

esboçadas, buscamos avaliar o curso e os serviços prestados ao longo de sua implementação,

como também interpretar os sentidos atribuídos pelas mulheres às transformações sociais,

especialmente no mundo da educação, que as envolveram e redefiniram suas vidas.

Percebemos que a inserção no curso de Alfabetização e Letramento não somente gerou um

impacto positivo em suas trajetórias como potencializou o resgate de autonomia e

empoderamento feminino, tornando-se possível e viável a (re) construção de seus itinerários

formativos.

Palavras-chave: Educação de jovens e adultos; Histórias de vida; Mulheres; Narrativas

Biográficas; Transformações sociais.

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Abstract

This research is in the field of youth and adult education. Its core is the analysis of the life

stories of six women of the course of Initial Reading Instruction and Literacy: women’s

emancipation for the construction of citizenship, offered by Campus Taguatinga Centro,

Federal Institute of Brasilia (IFB). As analysis strategy, we chose to accomplish biographical

narratives, understanding the importance of their trajectories and their knowledge of world.

The crossing of this information resulted in common themes because these stories go on

similar paths, or at least had issues with the same proposal analysis. In order to complement

the research apparatus and understand the reality experienced by students in amplitude, we

analyzed the forms filled in the selection of the Permanency Assistance Program of the

second semester in 2015. Through the narratives outlined here, we seek to evaluate the course

and the services provided over its implementation, as also to interpret the meanings assigned

by these women to social changes, especially in the world of education, in which they got

involved and had their lives redefined. We realized that the inclusion in the course of Initial

Reading Instruction and Literacy not only generated a positive impact on their directions, as

potentiated the rescue autonomy and women's empowerment, making it possible and feasible

to ( re) construction of their training routes.

Keywords: Youth and Adult education; Life stories; Women; Biographical narratives; Social

changes.

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Lista de siglas e abreviaturas

ABC - Agência Brasileira de Cooperação

ACCC - Associação das Faculdades Comunitárias Canadenses

ARAP - Avaliação e Reconhecimento de Aprendizagem Prévia

ART. - Artigo

BPC - Benefício de Prestação Continuada

BSM - Brasil Sem Miséria

CADÚNICO - Cadastro Único para Programas Sociais

CAPs - Centro de Atenção Psicossocial

CDAE - Coordenação de Assistência Estudantil e Inclusão Social

CDAS - Coordenação de Relações Institucionais e Articulação com a Sociedade

CEASA - Central de Abastecimento do Distrito Federal

CEF - Centro de Ensino Fundamental

CIDA - Canadian International Development Agency

CLADEM - Comitê Latino - Americano de Defesa dos Direitos da Mulher

CONIF - Conselho Nacional das Instituições da Rede Federal de Educação Profissional,

Científica e Tecnológica

CRAS - Centro de Referência de Assistência Social

CREAS - Centro de Referência Especializado de Assistência Social

CTGC - Campus Taguatinga Centro

DF - Distrito Federal

EAD - Educação à Distância

ECA - Estatuto da Criança e do Adolescente

EJA - Educação de Jovens e Adultos

ESES - Escola Superior de Educação de Santarém

ET AL - Et alia (e outros: expressão latina)

ETC. - Et cetera

FIC - Formação Inicial e Continuada

FUNDEB - Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização

dos Profissionais da Educação

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GDF - Governo do Distrito Federal

HBDF - Hospital de Base do Distrito Federal

HUB - Hospital Universitário de Brasília

IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas

IFB - Instituto Federal de Brasília

INSS - Instituto Nacional do Seguro Social

IPEA - Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada

IPS - Instituto Politécnico de Santarém

LIBRAS - Língua Brasileira de Sinais

MDS - Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome

MEC - Ministério da Educação

MOBRAL - Movimento Brasileiro de Alfabetização

MPDFT - Ministério Público do Distrito Federal e Territórios

OEA - Organização dos Estados Americanos

ONG - Organização Não Governamental

ONU - Organização das Nações Unidas

PDAD - Pesquisa Distrital por Amostra de Domicílios

PDE - Plano de Desenvolvimento da Educação

PIPE - Promoção de Intercâmbio de Conhecimento para Promoção da Equidade

PL - Projeto de Lei

PNAD - Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios

PREX - Pró-Reitoria de Extensão

PRONATEC - Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego

SEBRAE - Serviço Brasileiro de apoio às Micro e Pequenas Empresas

SEDF - Secretaria de Educação do Distrito

SEDHS - Secretaria Adjunta do Desenvolvimento Social

SESDF - Secretaria de Saúde do Distrito Federal

SETPS - Setor de Perícias Psicossociais

SLU - Superintendência de Limpeza Urbana

SUS - Sistema Único de Saúde

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TCC - Trabalho de Conclusão de Curso

TCLE - Termo de Consentimento Livre e Esclarecido

UCB - Universidade Catolica de Brasília

UNB - Universidade de Brasília

UNESCO - Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura

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Índice geral

Introdução ............................................................................................................................................................... 1

Capítulo 1 - Trajetória sócio histórica da educação de jovens e adultos no Brasil: uma proposta de ruptura das

marcas de exclusão? ............................................................................................................................................... 8

Capítulo 2 - Alguns desafios atuais à educação de jovens e adultos no Brasil ..................................................... 14

Capítulo 3 - Potencialidades da educação social no campo da Educação de Jovens e Adultos ............................ 23

Capítulo 4 - Histórico da instituição: o movimento da educação profissional tecnológica no Distrito Federal ... 29

4.1 Perfil do Campus Taguatinga Centro .......................................................................................................... 32

4.1.1 Programa Mulheres Mil ....................................................................................................................... 34

4.1.2 Curso “Alfabetização e Letramento: emancipação feminina pela construção da cidadania” .............. 38

4.2 A Política de Assistência Estudantil no Instituto Federal de Brasília (IFB) ................................................ 41

4.2.1 Programa Auxílio Permanência Presencial .......................................................................................... 43

4.2.2 Programa Auxílio Criança ................................................................................................................... 44

4.3 Objetivos de pesquisa ................................................................................................................................. 45

Capítulo 5 - Procedimentos Metodológicos .......................................................................................................... 47

5.1 Plano de Investigação ................................................................................................................................. 47

5.2 Características dos sujeitos de pesquisa ...................................................................................................... 49

5.3 Instrumentos de Recolha de Dados ............................................................................................................. 50

Capítulo 6 - Afinal de contas, quem são essas mulheres? ..................................................................................... 55

Capítulo 7 - Histórias de formosuras: um olhar biográfico sobre o desabrochar feminino das relações .............. 62

7.1 Do real ao imprevisível: a vida na cidade grande (Rosa) ............................................................................ 62

7.2 A vida que me pariu (Iris) ........................................................................................................................... 68

7.3 Sentindo uma dor de cada vez ou todas de uma vez só (Hortênsia) ........................................................... 73

7.4 Brasília: terra de gente chique ou de lama? (Camélia) ............................................................................... 78

7.5 A morte não é o fim do caminho (Margarida) ............................................................................................. 85

7.6 Vida à lá cigana: qual a próxima estação? (Flora) ...................................................................................... 91

Capítulo 8 - (Des)caminhos entre si: convergências face percursos de vida ........................................................ 95

8.1 Raízes do meu jardim: a memória como função social............................................................................... 95

8.2 Violência intrafamiliar: um produto das relações cotidianas .................................................................... 100

8.3 O difícil ou zero alcance dos serviços públicos ........................................................................................ 106

8.4 (Des)caminhos: fatores e condicionamentos da ausência escolar ............................................................. 111

8.5 Processo de ruptura com o analfabetismo: o contraponto da exclusão ..................................................... 115

8.6 Ressalvas sobre o curso: organização e infraestrutura .............................................................................. 121

8.7 Percepções face ao Programa Mulheres Mil ............................................................................................. 125

8.8 Assistência Estudantil no Instituto Federal de Brasília: importante, mas não fundamental ...................... 127

8.9 Oportunidades profissionais: a ausência do diploma escolar enquanto barreira de acesso aos lugares

desejados ......................................................................................................................................................... 130

Capítulo 9 - Conclusões e recomendações: caminhos e possibilidades de construção de cidadania .................. 136

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10 - Referências bibliográficas ........................................................................................................................... 145

11 - Anexos ........................................................................................................................................................... xii

Anexo A ............................................................................................................................................................ xii

Inscrição para o programa de promoção a permanência 2015.2 – Campus Taguatinga Centro ........................ xii

Anexo B .......................................................................................................................................................... xxii

Projeto de Lei nº 5.346 de 2009 ...................................................................................................................... xxii

Anexo C ........................................................................................................................................................ xxvii

Ficha-Resumo do Programa Bolsa Família .................................................................................................. xxvii

12 - Apêndices ............................................................................................................................................... xxix

Apêndice A .................................................................................................................................................... xxix

Guião de entrevista não-estruturada .............................................................................................................. xxix

Apêndice B ................................................................................................................................................... xxxv

Matriz referencial do curso de Alfabetização e Letramento: emancipação feminina pela construção da

cidadania ....................................................................................................................................................... xxxv

Apêndice C .................................................................................................................................................. xxxix

Cronograma de aulas ................................................................................................................................... xxxix

Apêndice D ..................................................................................................................................................... xliv

Registros do desenvolvimento do curso ......................................................................................................... xliv

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“A fotografia, antes de tudo é um testemunho. Quando se aponta a câmera para algum objeto

ou sujeito, constrói-se um significado, faz-se uma escolha, seleciona-se um tema e conta-se

uma história, cabe a nós, espectadores, o imenso desafio de lê-Ias". (Ivan Lima)

Índice de Figuras

Figura 1: Área do Lixão na Cidade Estrutural .................................................................................................... xliv Figura 2: Inscrições para o Programa Mulheres Mil no Lixão .......................................................................... xliv Figura 3: Instantes de um dia comum de aula...................................................................................................... xlv Figura 4: Após um dia comum de aula ................................................................................................................ xlv Figura 5: Visita Técnica ao Taguaparque ............................................................................................................ xlvi Figura 6: Oficina de mandalas no Campus Planaltina com a professora Luci Vitória ....................................... xlvi Figura 7: Visita Técnica à Casa da Mulher Brasileira ........................................................................................ xlvii Figura 8: Exposição cultural no Centro Cultural Banco do Brasil ..................................................................... xlvii

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Introdução

Esta pesquisa propôs realizar uma leitura dos relatos de vida de uma pequena amostra

das mulheres matriculadas no curso de Alfabetização e Letramento: emancipação feminina

pela construção da cidadania, ofertado pelo Campus Taguatinga Centro, do Instituto Federal

de Brasília (IFB). A escolha da temática de gênero foi assim definida, primeiramente, pela

trajetória acadêmica traçada na graduação em Serviço Social, cursada na Universidade de

Brasília (UNB).

Quando iniciei os estudos na graduação, em agosto de 2006, ocorria também a

promulgação da Lei Maria da Penha3, a qual criou mecanismos para coibir a violência

doméstica e familiar. A questão de gênero me motivou a direcionar minha formação com

atividades de ensino, pesquisa e extensão no sentido de aprofundar o conhecimento teórico-

prático na área. Na disciplina de Pesquisa em Serviço Social 1 (primeiro semestre de 2008),

realizei uma pesquisa documental sobre a Lei Maria da Penha, evidenciando os fatores

políticos e históricos que levaram ao surgimento da lei.

Em agosto de 2008, fiz estágio no Hospital de Base do Distrito Federal (HBDF), em

que realizava escuta qualificada às mulheres vítimas de violência no Núcleo de Serviço

Social, especialmente no pronto-socorro do hospital. E durante o estágio realizado no Setor

de Perícias Psicossociais (SETPS4) do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios

(MPDFT), realizado no segundo semestre de 2010, acompanhava a complexidade individual

3 A Lei Maria da Penha, nº 11.340, de 07 de agosto de 2006, é assim nomeada em homenagem a Maria da

Penha, mulher que foi vítima de violência doméstica e familiar durante 23 anos de casamento do seu ex-

companheiro, o qual tentou matá-la por duas vezes seguidas. Na primeira vez com arma de fogo, deixando-a

paraplégica, e na segunda, por eletrocussão e afogamento. Após esta dupla tentativa que quase a matou, ela

tomou coragem e do denunciou. Ele só foi punido depois de 19 anos de julgamento e ficou apenas dois anos em

regime fechado, para revolta de Maria com o poder público. Em razão desse fato, o Centro pela Justiça pelo

Direito Internacional e o Comitê Latino - Americano de Defesa dos Direitos da Mulher (CLADEM), juntamente

com a vítima, formalizaram uma denúncia à Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos

Estados Americanos (OEA), ocasião em que o país foi condenado por não dispor de mecanismos suficientes e

eficientes para coibir a prática de violência doméstica contra a mulher. Disponível em

https://pt.wikipedia.org/wiki/Lei_Maria_da_Penha. Acesso em abril de 2011. 4 O Setor de Perícias Psicossociais realiza estudos na área do Serviço Social e da Psicologia referentes aos

procedimentos de investigação preliminar instaurados no MPDFT e aos processos judiciais encaminhados pelos

Procuradores e Promotores de Justiça. Os profissionais realizam os estudos, emitem relatórios técnicos para as

Procuradorias ou Promotorias com o intuito de subsidiar a atuação do MPDFT na garantia e consolidação dos

direitos dos cidadãos. Disponível em

http://bdm.unb.br/bitstream/10483/4943/1/2012_VanessaRodriguesDunkGomes.pdf. Acesso em maio de 2016.

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e social presentes em situações que demandam a atuação e a intervenção do MPDFT, por

meio da realização de estudos psicossociais e emissão de pareceres técnicos; entre os

principais objetos de investigação estavam processos judiciais que envolviam mulheres

vítimas de violência doméstica e familiar.

Quando comecei a trabalhar no IFB, em fevereiro de 2013, fui convidada a assumir a

coordenação do Programa Mulheres Mil5 no Campus Taguatinga Centro. Após o término

deste programa federal, no final do mesmo ano, desenvolvi um projeto de extensão em

parceria com outras colegas do IFB em prol da alfabetização de mulheres em situação de

vulnerabilidade social6, ou seja, mulheres sem laços ou redes sociais para acessar uns dos

principais alicerces da dignidade humana: ler e escrever.

De acordo com a Constituição Federal, “todas as pessoas devem ter acesso à

educação, devendo ser garantida a igualdade de condições para o acesso e permanência na

escola” (Brasil, 1988, p. 120). Um dos maiores desafios de nossa época é atingir o direito de

educação básica para todos com qualidade. A educação básica, da qual a alfabetização é peça

chave, foi reconhecida como direito humano há sessenta anos na Declaração Universal dos

Direitos Humanos:

A presente Declaração Universal dos Direitos Humanos como o ideal comum a ser

atingido por todos os povos e todas as nações, com o objetivo de que cada indivíduo e

cada órgão da sociedade, tendo sempre em mente esta Declaração, se esforcem,

através do ensino e da educação (grifo meu), por promover o respeito a esses direitos

e liberdades e, pela adoção de medidas progressivas de caráter nacional e

internacional, por assegurar o seu reconhecimento e as suas observâncias universais e

efetivos, tanto entre os povos dos próprios Estados-membros, quanto entre os povos

dos territórios sob sua jurisdição (Organização das Nações Unidas, 1948, p. 1).

Contudo, atualmente, uma expressiva parte da população vê ainda o seu direito à

educação violado. Apesar de esforços governamentais e não governamentais e do

significativo aumento do acesso escolar, ainda há um índice muito expressivo de pessoas

5 O Programa Mulheres Mil consiste em um programa federal que visa oferecer as bases de uma política social

de inclusão e gênero a mulheres em situação de vulnerabilidade social. Será posteriormente desenvolvido um

tópico sobre esta temática. 6 São considerados múltiplos os condicionantes da vulnerabilidade social, constituindo um conjunto complexo e

multifacetado de fatores emergentes do contexto, devido à ausência ou precarização de recursos materiais

capazes de garantir a sobrevivência - variáveis de exclusão social que impedem que grande parte da população

satisfaça suas necessidades (Monteiro, 2011). Este conceito será aprofundado no capítulo 7, em que abordamos

as características gerais das mulheres do curso.

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3

consideradas analfabetas7 por não terem tido acesso à escolarização na idade própria (um

conceito impróprio em si mesmo, se levarmos em consideração o direito à educação em

qualquer período da vida). A partir de uma perspectiva de gênero, alfabetizar a população

feminina, em muitos territórios excluída da escola exclusivamente devido à sua condição

feminina, representa um desafio ainda mais premente para que sejam atingidos os Objetivos

de Desenvolvimento do Milênio da Organização das Nações Unidas (ONU), do qual a

educação básica de qualidade para todos é colocada como uma das oito formas de mudar o

mundo.

No Brasil, o Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE), aprovado pelo então

Presidente Luiz Inácio Lula da Silva e Ministro da Educação Fernando Haddad, em 24 de

abril de 2007, objetiva a melhoria da educação brasileira em todas etapas, especialmente a

educação básica que vai do Ensino Infantil ao Médio. Sistematiza várias ações na busca de

uma educação equitativa e de boa qualidade e se organiza em torno de quatro eixos: educação

básica; educação superior; educação profissional e alfabetização. Em seu texto referente à

Educação Profissional, refere-se aos Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia

como modelos de reorganização das instituições federais de educação profissional e

tecnológica para uma atuação integrada e referenciada regionalmente, para atuação em

diferentes níveis e modalidades de ensino8.

A relevância da temática da educação de adultos se prende com o desenvolvimento

humano e, no limite, com o próprio crescimento econômico nacional e internacional.

Habilidades e competências de leitura e escrita são recursos essenciais para o acesso de

outros direitos básicos de sobrevivência no mundo em que vivemos. No entanto, na

contramão das tecnologias digitais, a taxa de analfabetismo no Brasil ainda é relevante. Na

Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) realizada em 20139, constatou-se que

a taxa de analfabetismo das pessoas acima de 15 anos no Brasil representa ainda 8,3% da

população.

7 Segundo definição da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO),

“uma pessoa funcionalmente analfabeta é aquela que não pode participar de todas as atividades nas quais a

alfabetização é requerida para uma atuação eficaz em seu grupo e comunidade, e que lhe permitem, também,

continuar usando a leitura, a escrita e o cálculo a serviço do seu próprio desenvolvimento de sua comunidade”.

Disponível em http://www.infoescola.com/educacao/analfabetismo. Acesso em maio de 2015. 8 Disponível em http://www.educacional.com.br/legislacao/leg_i.asp. Acesso em junho de 2016.

9 Disponível em http://agenciabrasil.ebc.com.br/educacao/noticia/2014-09/Analfabetismo-cai-0,4-pontos-

percentuais-mas-ainda-atinge-13-milh%C3%B5es. Acesso em dezembro de 2015.

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De acordo ainda com a supracitada pesquisa, a taxa de analfabetismo funcional atinge

mesmo 17,8% do universo de entrevistados, ou seja, quase 1/5 da população. Para o Instituto

Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a maioria de analfabetos do país são mulheres,

com 50,6%, realidade que se repete nas regiões Sudeste (56,2%), Sul (55,6%) e Centro-Oeste

(50,5%). Já no Norte e no Nordeste, os homens representam a maioria dos analfabetos, com

53,2% e 52,1%. A taxa de analfabetismo é superior entre os homens, com 8,6% contra 8,1%

das mulheres. Na divisão por região e sexo, os homens nordestinos têm a taxa mais alta, de

18,2%, enquanto as mulheres da Região Sul têm a menor, de 3,9%, desenhando-se assim um

mapa de diversidades múltiplas e complexas.

Diluídas nas taxas médias de analfabetismo, verifica-se que o universo de mulheres

com mais de 60 anos demonstra que ainda são mais frequentemente analfabetas que as mais

jovens. Na verdade, entre os brasileiros com menos de 30 anos, a taxa de analfabetismo em

2013 chegou a 3%, enquanto na população com mais de 60, ela foi de 23,9% da população.

Entre quem tinha de 40 a 59 anos, o analfabetismo atingia 9,2%.

Ainda assim, há que se considerar que o analfabetismo não é uma problemática

restrita ao Brasil. Em diferentes proporções, diversas nações são atingidas pela carência dos

recursos educacionais mais básicos:

Não há, na História da Educação Mundial, qualquer país que tenha tido sucesso na

universalização da educação básica de seu povo, que não a tenha estendido o acesso e

a conclusão, com sucesso, a todas as faixas etárias de sua população, estivessem elas

na idade própria ou não para esse nível de escolaridade. Por outro lado, existem

sobejas provas sobre a contribuição da universalização da educação básica

escolarizada para a diminuição da mortalidade infantil, para a elevação da taxa média

de vida, para o da produtividade do sistema econômico, para a socialização dos

processos políticos decisórios (Gadotti e Romão, 2007, p. 48).

A demanda por este estudo, então, visa analisar o modo como o IFB estará ou não a

concretizar “uma relação dialógica com a sociedade, contribuindo para a formação cidadã e o

desenvolvimento sustentável, demonstrando comprometimento com a dignidade humana e a

justiça social” (Brasil, 2014), conforme disposto na sua missão fundadora, analisando uma

proposta formativa no âmbito da alfabetização e letramento de mulheres.

Esta pesquisa se fundamenta na visão de que a leitura de mundo precede a leitura da

palavra:

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5

A ideia de alfabetização emancipadora sugere duas dimensões de alfabetização. Por

um lado, os alunos devem alfabetizar-se quanto às próprias histórias, as experiências e

a cultura do seu meio ambiente imediato. Por outro lado, devem apropriar-se dos

códigos e culturas das esferas dominantes, de forma que possam transcender a seu

próprio meio ambiente (Freire e Macedo, 2011, p. 78).

O ser humano não pode ser compreendido fora de suas relações com o mundo e como

sujeito histórico. A falta de igualdade de oportunidades entre homens e mulheres marca o

percurso de gênero no Brasil, especialmente no que toca às condições de acesso às escolas. O

IFB se afirma movido pela promoção da cidadania e transformação da sociedade, por sujeitos

sociais que têm o conhecimento como elemento de entendimento ou apreensão da sua

realidade que acompanha, interfere, provoca mudanças e (re)constrói histórias de vida.

O IFB se torna então um espaço de convivência de oportunidades educativas a vários

níveis, pois oferta cursos para todas as idades e níveis de escolaridade. Neste trabalho, porém,

me interessa investigar o nível de educação de jovens e adultos, a qual se destina a quem não

teve oportunidade antes da vida adulta - ou limitada -, e estão fora da idade escolar.

Nesse sentido, tornou-se fundamental resgatar as histórias das mulheres em processo

de alfabetização, tornando-se possível uma releitura sobre seu passado que molda e

potencializa os desdobramentos do presente e acabam por se repercutir no seu futuro de vida

também. Foram problematizados os indícios de transformações desde que a leitura e a escrita

passaram a fazer parte de seus cotidianos de vida. Compreendeu-se desde logo que estes

conteúdos ultrapassam a sala de aula, tornando-se produtos constantes da realidade social a

qual estamos sujeitos diariamente. Crê-se, portanto, que as mulheres, quando saem da aula,

levam consigo experiências de ensino e aprendizagem que corroboram para mudanças diretas

e indiretas em seu próprio meio ambiente. Mudanças essas que se procurou, justamente,

identificar e caracterizar. Adicionalmente, também foram examinados aspectos específicos do

curso, procurando avaliar as potencialidades e as fraquezas que imbricavam sua

implementação na perspectiva das mulheres.

Em suma, o foco principal deste trabalho deteve-se na singularidade de vida destas

mulheres, sob a perspectiva do curso de Alfabetização e Letramento e as implicações desta

inserção em seus cotidianos de vida. Não se pretende limitar tais transformações

temporalmente, mas destacar principais sinais de autonomia e crescimento pessoal a partir da

presente trajetória escolar.

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6

Para tanto, seis estudantes do curso foram entrevistadas. Foram traçadas seis

narrativas biográficas, escolhidas a partir do consentimento das mulheres participantes da

pesquisa. Por meio de uma reunião de grupo, apresentou-se a proposta da pesquisa, expondo

claramente seus objetivos. A partir da sinalização do interesse, a priori, o critério de pesquisa

escolhido foi a prévia participação destas mulheres no Programa Mulheres Mil. Os percursos

formativos de maior duração poderiam dar a oportunidade de desocultar o impacto dos

estudos na vida destas mulheres de uma forma mais acurada. No entanto, uma das mulheres

que consentiu em participar da entrevista não havia participado do Programa Mulheres Mil.

Consideramos, então, a importância do seu relato para a investigação da pesquisa, dado o

observado impacto do curso de Alfabetização e Letramento em sua vida (a notoriedade do seu

relato reforçou esta escolha).

Compreende-se que a aprendizagem é uma atitude, traduzida na curiosidade

permanente que incita o diálogo com a realidade, renovada em cada instante do cotidiano.

Abrir-se para novidades é condição essencial para a aprendizagem constante. Como dizia

Freire (1998, p.67), “sem a curiosidade que me move, que me instiga e que me insere na

busca não aprendo nem ensino.”

O produto desta dissertação foi dividido em duas partes. A primeira parte se refere ao

enquadramento teórico e procedimentos metodológicos. E a segunda parte representa os

capítulos empíricos, onde procuramos estabelecer um diálogo entre a teoria e a parte

empírica do trabalho.

O Capítulo 1 analisa a trajetória da Educação de Jovens e Adultos no Brasil,

identificando as marcas e as relações sociohistóricas de exclusão enquanto dimensões

fundamentais para a compreensão dos desafios atuais para a implementação da Educação de

Jovens e Adultos (EJA).

O Capítulo 2 coloca alguns desafios atuais à educação de jovens e adultos no Brasil, a

partir da conclusão do capítulo anterior que aborda a perspectiva histórica. Também situa as

práticas educativas na perspectiva do fortalecimento de mulheres enquanto sujeitos de

direitos. Sugerimos também, neste capítulo, práticas educativas na perspectiva de gênero no

âmbito das relações sociais, questionando desafios que permeiam todo e qualquer processo de

transformação social.

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7

O Capítulo 3 aborda as potencialidades da educação social no campo da educação de

jovens e adultos, problematizando esta discussão na perspectiva de possibilidades para a

atuação profissional com jovens e adultos.

O Capítulo 4 sintetiza o histórico da educação profissional tecnológica no Distrito

Federal, de forma a contextualizar o cenário de pesquisa, no caso, o Campus Taguatinga

Centro, o qual integra o Instituto Federal de Brasília. Discute-se também a trajetória do

Programa Mulheres Mil e do curso de Alfabetização e Letramento, desde a fase de

planejamento até a execução.

O Capítulo 5 se refere aos procedimentos metodológicos adotados, compartilhando o

processo de execução do trabalho de acordo com os objetivos escolhidos. O Capítulo 6

analisa os principais resultados do estudo qualitativo realizado com as mulheres do curso de

Alfabetização e Letramento, começando pelas características gerais das mulheres que

responderam ao formulário socioeconômico da Seleção do Programa Auxílio Permanência,

incidindo nas narrativas biográficas das mulheres entrevistadas (Capítulo 7).

Os Capítulos 8 dá continuidade à análise das entrevistas, situando os (des)caminhos

percorridos pelas mulheres e sintetizando a problematização de temáticas comuns a todas

entrevistas. Por fim, o Capítulo 9 apresenta as conclusões da dissertação e algumas propostas

de intervenção em prol de melhorias para o IFB no âmbito da educação de jovens e adultos.

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Capítulo 1 - Trajetória sócio histórica da educação de jovens e adultos no Brasil: uma

proposta de ruptura das marcas de exclusão?

Parece indubitável reconhecer que na trajetória da educação de jovens e adultos (EJA)

no Brasil há marcas da exclusão. Essa modalidade permanece o reduto formal do sistema

educacional brasileiro que recebe os excluídos do mesmo processo. Embora seja inegável a

contribuição, nos últimos anos, de movimentos sociais, organizações não governamentais

(ONGs), municípios e universidades, além de outros segmentos da sociedade civil,

direcionada à Educação de Jovens e Adultos, assegurando o acesso da população de jovens e

adultos a esse segmento educativo, ainda não é possível afirmar que ela contemple

efetivamente a demanda de alfabetização e letramento no país:

A marca da história da EJA é a marca da relação de domínio e humilhação

estabelecida historicamente entre a elite e as classes populares no Brasil, na

concepção que as elites brasileiras têm de seu papel e de seu lugar no mundo e do

lugar do povo. Uma concepção que nasce da relação entre conquistador e

conquistado/índio/escravo, e perdura em muitos documentos oficiais que parecem

tratar a EJA como um favor e não como o pagamento de uma dívida social e a

institucionalização de um direito (Cury, 2000).

A oferta de oportunidades de experiências de aprendizagem de linguagem escrita –

leitura e produção textual – que garantam o domínio do conhecimento necessário à

participação plena no universo da cultura letrada do mundo atual é uma proposta de ruptura

com esta dívida social. Essas habilidades de leitura e de escrita precisam ser dominadas por

todos os indivíduos, para que possam se inserir de forma adequada no contexto social,

respondendo adequadamente às competências exigidas profissionalmente.

Como expressão dessa história de relação de domínio, tensões e ambiguidades da

EJA, Sampaio (2009) sustenta que “até hoje ainda sobressai sua função supletiva

compensatória (educação para pessoas que não tiveram o direito à escola antes da vida

adulta) praticada por boa parte das instituições.” Isso acontece a despeito da existência, hoje,

de um discurso que se refere à EJA como direito à educação permanente para todos,

intensificado a partir da década de 1990 com a realização de conferências internacionais (em

Jomtien, 1990 e em Hamburgo, 1997), que reiteraram a importância da EJA para todos os

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povos do mundo e da educação em geral, visando à participação dos cidadãos na sociedade

do conhecimento e da informação.

As visões de suplência e de direito à educação permanente, que podem ser percebidas

como antagônicas, estão presentes no cotidiano das atividades de EJA e influenciam o

trabalho realizado. Essa contradição, ambiguidade e complexidade são características da

nossa sociedade. “É a organização social brasileira que, embora tenha espaço para que alguns

desenvolvam a educação permanente como forma de atualização de conhecimentos e

aprendizagem durante toda vida, para outros, que não tiveram direito de acesso e

permanência na escola, exige a atuação reparadora” (Cury, 2000), no sentido de oferecer à

população um direito que historicamente lhe foi negado.

A negação deste direito impacta até mesmo no processo de aprendizagem. Segundo

Kleiman (2001), nas décadas de 1930 e 1940, até nos meios educacionais declarava-se que o

ônus do fracasso era do próprio adulto. “O jovem e o adulto que não sabiam ler nem escrever

eram considerados deficientes e incapazes de aprender. Graças à evidência gerada em estudos

de psicólogos, educadores e sociólogos, essa discriminação deixou de existir nos meios

acadêmicos.” Entretanto, observa-se que esse preconceito ainda não saiu do imaginário social

de muitos, incluindo professores, até hoje, que atribuem aos alunos da EJA a responsabilidade

exclusiva pelos fracassos na aprendizagem.

A leitura de Arroyo (2001) ainda chama a atenção para o discurso escolar que os trata,

a priori, como “repetentes, evadidos, desfasados, aceleráveis, deixando de fora dimensões da

condição humana desses sujeitos, básicas para o processo educacional.” Ou seja, concepções

e propostas de EJA comprometidas com a formação humana passam, necessariamente, por

entender quem são esses sujeitos e que processos pedagógicos deverão ser desenvolvidos

para dar conta de suas necessidades e desejos.

Não se pode ignorar que este sentimento de fracasso escolar seja relacionado ao

próprio sistema de ensino. De acordo com Silva (2010), “a democratização do acesso e

permanência ao ensino é limitada, pois continuará existindo uma forte correlação entre as

desigualdades ou hierarquias internas ao sistema de ensino.” Ainda de acordo com o autor, a

escola dissimuladamente “valoriza e exige dos alunos determinadas qualidades que são

desigualmente distribuídas entre as classes sociais, notadamente, o capital cultural e uma

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10

certa neutralidade no trato com a cultura e o saber que apenas aqueles que foram desde a

infância socializados na cultura legítima podem ter.”

De acordo com Silva (1998), “a possibilidade de fracassar é constitutiva do processo

de aprendizagem, em que a escola é o cenário instituído para equilibrar e regular esta

balança.” Ainda de acordo com o autor, “ela será responsável tanto pela reprodução quanto

pela transformação das condições de produção de contradições, já que o aluno terá, sempre, a

possibilidade de ter sucesso ou não no processo de escolarização.” Ou seja, o sentido que

permeia a diferença é produzido pela própria instituição escolar.

Acrescente-se também que o perfil do estudante de EJA, situado em idade adequada

ao mundo do trabalho, não dispõe de tempo disponível para frequentar escolas regulares,

caracterizando abandono repetido dos bancos escolares, compondo, por isso, turmas de EJA

de sujeitos com nível cultural e educacional diferenciados, muitas vezes marcados por

fracassos anteriores que lhe baixam a autoestima. O percurso do fracasso é a marca da

educação não inclusiva.

No que concerne o reencontro da autoestima, Horochovski (2006) associa a tomada de

consciência das injustiças de que estes sujeitos padecem, em prol da elevação não só da

autoestima, como também autoconfiança, participação nas decisões que afetam suas vidas e

sua independência econômica. De acordo com o referido autor, “trata-se de uma estratégia de

combate à pobreza baseada na ampliação das liberdades substantivas aos estratos de menor

status socioeconômico.”10

“A aposta – e por extensão também o risco – estaria na realização do inventário

permanente das trajetórias de vida” (Bordieu, 1996) e escolarização e na atenção necessária

aos reais interesses e necessidades de aprendizagem e interação desses sujeitos com os quais

estamos comprometidos no universo de educação de jovens e adultos. No entanto, também

seria preciso ainda mais investigar e analisar a estrutura social e o processo de aprendizagem

10

Para Sen (2000), liberdades substantivas são aquelas que garantem aos indivíduos a capacidade de participar

efetivamente dos destinos de sua comunidade, sendo agentes, em vez de pacientes. Assim, para além de seu

aspecto político, as liberdades substantivas implicam direitos que garantam qualidade de vida, tais como

segurança econômica e física, proteção contra fomes e doenças tratáveis, mecanismos de combate a diversas

formas de discriminação, transparência nas relações sociais. Assim o autor em apreço, em sua proposta de

desenvolvimento como liberdade, para além do crescimento econômico preconizado pelas teorias

desenvolvimentistas tradicionais, introduz indicadores como participação democrática e sustentabilidade para

avaliar o desenvolvimento das sociedades.

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11

na sociedade em que estamos inseridos, que valeria uma investigação posterior específica

sobre o assunto.

De acordo com Piconez (2003, p. 2), a partir da década de 1940, o Censo Educacional

define o sujeito como analfabeto ou alfabetizado perguntando-lhe se sabia assinar o nome

e/ou ler e escrever um bilhete simples. “As condições culturais, sociais e políticas do Brasil,

até então, não exigiam muito mais que isso de grande parte da população.” De acordo com

Fávero (2004), “apenas na década de 1950, para a ampliação dos quadros eleitorais, a

alfabetização em massa virou realidade, pois os analfabetos não votavam.”

Já para o início da década de 1960 a sociedade brasileira começa um movimento para

as reformas de base. Frigotto (1995) aponta que esse movimento para uma sociedade mais

democrática envolveu “grupos importantes na sociedade, como movimento de cultura

popular, de erradicação do analfabetismo, de educação popular, cinema novo, teatro popular,

movimento estudantil e, no plano político-econômico, um projeto que procurava romper a

relação de submissão unilateral ao capital transnacional.” Porém, esses ideários foram

interrompidos pelo golpe militar de 1964.

Ainda na década de 1960 surge o Movimento Brasileiro de Alfabetização

(MOBRAL), o qual representou um programa brasileiro com plano pedagógico centralizado.

“Essa mesma sistemática se repetiu na implementação dos Exames Supletivos e nos Centros

de Estudos Supletivos de frequência não-obrigatória” (Vargas, 1984). Em 1996, com a nova

Lei de Diretrizes e Bases (LDB), nº 9394/96, a nomenclatura Ensino Supletivo foi substituída

por Educação de Jovens e Adultos (EJA). Nestes 50 anos de tentativas de reduzir o

analfabetismo, a EJA tem mostrado lições sobre uma série de ações coordenadas pelos

Governos Federal, Estaduais e Municipais, juntamente com a sociedade civil, como igrejas,

ONGs, associações etc.

No entanto, Sarreta (2011, p. 1) chama a atenção para o fato do “analfabetismo ainda

passar pela visão de um sujeito alienado e ignorante e influencia a maneira pela qual os

poderes públicos tratam a questão da Educação de Jovens e Adultos, sua inclusão na

sociedade e inserção no mundo do trabalho.” São várias investidas em campanhas e

programas que não tiveram êxito pelo seu caráter emergencial, e na maioria das vezes

assistencialista.

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12

A instituição da Educação de Jovens e Adultos tem sido considerada como instância

em que o Brasil procura saldar uma dívida social que tem para com o cidadão que não

estudou na idade própria. Destina-se, portanto, aos que se situam na faixa etária superior à

considerada própria, no nível de conclusão do Ensino Fundamental e do Ensino Médio. A

carência escolar de adultos e jovens que ultrapassaram essa idade tem graus variáveis, desde

a total falta de alfabetização, passando pelo analfabetismo funcional, até a incompleta

escolarização nas etapas do Ensino Fundamental e do Médio.

Essa defasagem educacional mantém e reforça a exclusão social, privando largas

parcelas da população ao direito de participar dos bens culturais, de integrar-se na vida

produtiva e de exercer sua cidadania. Rodrigues (2003, citado por Ávila, 2005) assim

fundamenta:

A cidadania é uma questão básica para a aprendizagem na vida adulta, pois só assim

os indivíduos poderão participar ativamente nas diferentes esferas da vida: aprender

torna-se importante não apenas porque aumenta o desempenho econômico, mas

também porque melhora a capacidade de participar na vida pública ou de apreciar o

esporte ou a arte.

Whitney (2010, p. 35) salienta que “há algo de necessário na aquisição da linguagem,

independentemente da língua que o sujeito adquire, pois ela se torna o meio necessário tanto

para o pensamento, quanto para a fala.” Este autor salienta, ainda, que “não é possível dizer

tudo o que um ser adquire pela linguagem, já que esta lhe permite classificar suas impressões

confusas, adquirindo consciência delas para, a seguir, transformá-las em conhecimento

refletido.” Nesse sentido, o domínio da escrita, pelo ato da leitura e da escritura, constitui-se

em instrumento de aprendizagem de outras áreas do conhecimento. Apropriar-se, assim, dos

diferentes gêneros textuais e das ferramentas de produção textual pode garantir melhores

condições de sobrevivência em sociedade.

Esse resgate não pode ser tratado emergencialmente, mas, sim, de forma sistemática e

continuada, uma vez que jovens e adultos continuam alimentando o contingente com

defasagem escolar, seja por não ingressarem na escola, seja por dela evadirem por múltiplas

razões.

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13

Em 2003, a ONU organizou a Década para a Alfabetização (2003-2012), a qual

representa um conjunto de iniciativas mundiais em prol da educação, legitimadoras do

compromisso firmado na Declaração Universal dos Direitos Humanos, em 1948:

Embora a universalização da educação seja anseio de sociedades letradas,

especialmente a partir da Idade Moderna, é no âmbito das iniciativas mundiais dos

meados do século XX que a educação é declarada como direito humano a ser

assegurado a todos e meio para a promoção do respeito a todos os direitos e liberdades

individuais e para o desenvolvimento social e manutenção da paz; e a alfabetização é

declarada como base da educação e da aprendizagem ao longo de toda a vida" e "pré-

requisito para a paz mundial (Mortatti, 2013, p. 15).

Já a suprema lei brasileira, a Constituição Federal, determina que o dever do Estado

para com a educação será efetivado mediante a garantia de Ensino Fundamental obrigatório e

gratuito, assegurada inclusive sua oferta gratuita para todos os que a ele não tiverem acesso

na idade própria. O Artigo 208, Inciso I, define que o dever do Estado com a educação será

efetivado mediante a garantia de:

Educação básica obrigatória e gratuita dos 4 (quatro) aos 17 (dezessete) anos de idade,

assegurada inclusive sua oferta gratuita para todos os que a ela não tiveram acesso na

idade própria11

(Redação dada pela Emenda Constitucional nº 59, de 2009).

Já a LDB, promulgada em 20 de dezembro de 1996, coloca na Seção V da Educação

de Jovens e Adultos, em seu artigo 37:

A educação de jovens e adultos será destinada àqueles que não tiveram acesso ou

continuidade de estudos no ensino fundamental e médio na idade própria. § 1º. Os

sistemas de ensino assegurarão gratuitamente aos jovens e aos adultos, que não

puderam efetuar os estudos na idade regular, oportunidades educacionais apropriadas,

consideradas as características do alunado, seus interesses, condições de vida e de

trabalho, mediante cursos e exames.

11

Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm. Acesso em maio de 2016.

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14

Desse ponto surge a necessidade de se ofertarem cursos que associem diferentes

abordagens educativas, compondo um processo educacional atraente e capaz de envolver tais

sujeitos, entusiasmando-os à construção de aprendizagens não só cognitivas, mas também

atitudinais, voltados a uma visão de mundo criativa e empreendedora, em que o domínio da

linguagem torna-se fundamental.

Capítulo 2 - Alguns desafios atuais à educação de jovens e adultos no Brasil

A influência neoliberal tem sido muito forte no Brasil, consequentemente a educação

foi e ainda é um alvo de extrema importância para a disseminação em massa desses ideais

neoliberais. Segundo Silva (2010, p. 22), “esse conjunto de iniciativas chama a atenção para a

crise no âmbito educacional da qual somos reféns atualmente.” Não é uma crise apartada da

sociedade capitalista vigente, mas pode ser de fato produto dela:

A crise no mundo do trabalho provocada pela precarização das relações de trabalho e

pela mundialização do capital, consequentemente, tem aumentado o número de

pessoas que estão abaixo da linha da pobreza não só econômica, de liberdade, de

autonomia, aspectos que dão o verdadeiro sentido à vida (Santos, 2012, p. 178).

Os percalços da alfabetização representam a compreensão de favor para sua execução,

ou seja, algo a ser concedido em vista de interesses políticos, os quais não são voltados para a

superação do analfabetismo. O caráter de educação de segunda classe para as pessoas adultas

das classes populares pode ser verificado ainda, atualmente, no que se refere ao

financiamento público.

Inserida na proposta do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação

Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (FUNDEB)12

, que entrou em vigor a

12

O FUNDEB atende toda a educação básica, da creche ao ensino médio. Substituto do Fundo de Manutenção e

Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério (FUNDEF), que vigorou de 1997 a

2006, o FUNDEB está em vigor desde janeiro de 2007 e se estenderá até 2020. É um importante compromisso

da União com a educação básica, na medida em que aumenta em dez vezes o volume anual dos recursos

federais. Além disso, materializa a visão sistêmica da educação, pois financia todas as etapas da educação básica

e reserva recursos para os programas direcionados a jovens e adultos. A estratégia é distribuir os recursos pelo

país, levando em consideração o desenvolvimento social e econômico das regiões — a complementação do

dinheiro aplicado pela União é direcionada às regiões nas quais o investimento por aluno seja inferior ao valor

mínimo fixado para cada ano. Ou seja, o FUNDEB tem como principal objetivo promover a redistribuição dos

recursos vinculados à educação. Disponível em http://portal.mec.gov.br/fundeb. Acesso em junho de 2016.

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15

partir de julho de 2007, a EJA recebe sempre um valor por aluno menor que o destinado ao

Ensino Fundamental de crianças, podendo essa diferença, como no caso do Distrito Federal,

chegar a menos da metade (Brasil, 2009). A Portaria Interministerial nº 17, de 29 de

dezembro de 2014, a qual operacionaliza o FUNDEB, coloca o valor de R$ 2.717,18 para

Avaliação de Processo e R$ 4.075,78 para Instituição de Educação Profissional por estudante

de EJA.

Já na Matriz Orçamentária do Conselho Nacional das Instituições da Rede Federal de

Educação Profissional, Científica e Tecnológica (CONIF) não ocorre divisão direta de

investimento para cada área educacional, tal qual a de jovens e adultos no FUNDEB. A título

de contextualização, o Governo Federal autorizou, no início de 2015, um total aproximado de

R$ 3,116 milhão para o Campus Taguatinga Centro. Entretanto, devido aos cortes do

orçamento, foram liberados cerca de R$ 2,068 milhão13

. Reitera-se que tal insuficiência

incide atualmente na precária situação financeira da educação de jovens e adultos no Brasil.

O escasso investimento federal na EJA reforça o desinteresse político perante a visível

exclusão educacional de grande parte da população brasileira. Como visto na introdução, o

mais recente estudo da PNAD, realizado em 2013, indica que a taxa de analfabetismo das

pessoas acima de 15 anos ainda representa 8,3% da população brasileira. E se considerada a

taxa de analfabetismo funcional esse número sobe para 17,8% do universo de entrevistados.

A partir da compreensão que o processo de alfabetização é a base de toda a

aprendizagem, tornar-se necessário um conjunto de estratégias e procedimentos que rompam

com a lógica de que o saber se encontra apenas naquele que é fonte de autoridade e

transmissor único de conhecimento; a valorização das várias vozes, sendo o diálogo sua

dinâmica problematizadora, no qual todas e todos são igualmente falantes e ouvintes, capazes

de expressar diferentes saberes. As situações de aprendizagens são momentos privilegiados

nos quais todas/os são levadas/os a construírem conhecimentos de forma cooperativa (Louro,

1997).

Os educadores da EJA têm pois o desafio de trabalhar numa modalidade da educação

na qual a homogeneidade dos sujeitos não é a tônica dominante. A ideia de homogeneidade –

de faixas etárias, de tempos de aprendizagem, de conhecimentos etc. – que pode até fazer

13

De acordo com matéria publicada no site do IFB: http://www.ifb.edu.br/index.php/taguatingacentro/10887-

campus-taguatinga-centro-executou-mais-de-99-do-orcamento-2015. Acesso em março de 2016.

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algum sentido em algumas circunstâncias educacionais, é, por definição, inviável nos tempos

e espaços da EJA. De acordo com Carrano (2007, p. 9), “nos espaços da EJA os sujeitos são

múltiplos e ainda que existam sujeitos com perfis similares é preciso estar atento para as

trajetórias de vida que sempre são singulares e portadoras de potencialidades que podem não

se revelarem de imediato.” Sarreta (2011, p. 2) propõe esta abordagem quando coloca que:

Ingressar no mundo desse aluno é o primeiro passo; conhecer seus sonhos,

frustrações, dúvidas e medos, para assim propiciar uma ação que se relacione com o

contexto da sala de aula. O que os alunos já sabem; conhecimentos prévios, contatos

com a leitura, distinção de letras, são estados ou condições de letramento que estão

ligados às suas práticas sociais e não podem ser desprezados pela educação escolar.

Nenhuma pessoa é vazia de conhecimentos e, estando numa sociedade grafocêntrica14

como a atual, é possível que seja detentora de vários conhecimentos sobre a língua

escrita, levando-os, então, para a escola.

Vieira (2011, p. 44) coloca que “ultrapassar técnicas e metodologias tradicionais de

ensino requer uma participação mais coletiva e democrática dos objetivos e práticas de

ensino, ou seja, compreender as particularidades dos sujeitos sociais envolvidos na prática

educacional.” Carrano (2007, p. 9) vai além, situando a escola como a base da juventude:

A presença de jovens alunos na EJA deveria ser expressão de que a escola é parte

efetiva de seus projetos de vida. E de que eles e elas estão exercendo seus direitos à

educação básica republicana e de qualidade e não apenas participando de um mero

jogo funcional de correção de fluxo escolar ofertado em instituições de espaços e

tempos deteriorados

A alfabetização representa um universo de conhecimentos e competências possíveis

para a escolarização. Coloca-se como aspecto vital do direito à educação e um pré-requisito

para o desenvolvimento humano. Também se considera como um instrumento-chave para o

alcance das Metas do Milênio estabelecidas pelas Nações Unidas em prol de um mundo mais

justo, efetivo e igualitário. “O desafio é global: estima-se que 776 milhões de adultos, ou 16%

da população adulta mundial, não possuem as habilidades básicas de leitura e escrita

14

Diz-se da sociedade que é centrada na escrita. Disponível em

http://www.dicionarioinformal.com.br/grafoc%C3%AAntrica/. Acesso em maio de 2016.

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17

necessárias para sua participação integral na sociedade e aproximadamente dois terços deles

são mulheres” (Unesco, 2009, p. 7).

Sabemos ainda que Alfabetização e Letramento estão intrinsecamente ligados, já que,

de acordo com os Parâmetros Curriculares, estes destacam que o ensino da linguagem deve

ser direcionado a três fundamentos básicos: a leitura, a compreensão e a produção numa

relação de contexto social, e para que a alfabetização e o letramento tomem parte do ensino

da língua em sua prática social é preciso que se alfabetize letrando.

A alfabetização é um convite ao reconhecimento da aprendizagem como um fator

contínuo, o qual é construído desde a tenra infância até a idade mais senil. Não existe um

ponto específico que delimite o grau de alfabetismo. O alfabetismo – que a alfabetização

persegue – é uma variável contínua e não discreta. Em que momento desse ‘continuum’ que

se estende do ‘nada’ até um impreciso nível de domínio da leitura e da escrita, podemos

afirmar que está finalizado o processo de alfabetização, que o indivíduo está alfabetizado?

São as falsas as dicotomias tão amplamente e universalmente usadas – alfabetismo /

analfabetismo / alfabetizado / analfabeto: o que na verdade ocorre é que alguns

indivíduos são mais alfabetizados que outros, não havendo um ponto específico, em

uma escola única, que possa separar os alfabetizados dos analfabetos. Pode-se

afirmar/considerar que até mesmo aquele indivíduo que, aparentemente, está no ponto

zero do ‘continuum’ – habitualmente classificado como “analfabeto”, aquele que não

sabe ler nem escrever – tem algum grau de alfabetismo, bastando, para isso, que

conviva com alguém que saiba ler e escrever (Soares, 2011, p. 51).

As abordagens a respeito do letramento nos convidam a observar a sua importância no

processo de desenvolvimento do aluno na Educação de Jovens e Adultos, que é interesse

deste trabalho. A trajetória da EJA muda significativamente quando o trabalho é realizado na

perspectiva de letramento. Segundo Bagno (2002), “as mudanças introduzidas nas relações de

produção e sobretudo, a concentração cada vez mais ampla da população em centros urbanos

tornou imperiosa a necessidade de eliminar o analfabetismo e dar um mínimo da qualificação

para o trabalho a um máximo de pessoas.” Considerar a educação para além dos muros da

escola é uma importante pista neste debate:

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18

Paulo Freire foi um dos autores a sublinhar a importância da educação fora da sala

de aula. Destacou a importância do letramento, ao afirmar que ser alfabetizado é ser

capaz de usar a leitura e a escrita como um meio de tomar consciência da realidade e

de transformá-la. Conforme o contexto ideológico em que ocorre, pode ‘libertar’ ou

‘domesticar’ os seres humanos, alertando para a sua natureza inerentemente política

cujo propósito deveria ser o de provocar mudança social. (Piconez, 2003, p. 2)

A educação é, antes de mais nada, desenvolvimento de potencialidades e a

apropriação de saber social que é o conjunto de conhecimentos e habilidades, atitudes e

valores que são produzidos pelas classes, em uma situação histórica dada de relações para dar

conta de seus interesses e necessidades. “Trata-se de buscar, na educação, conhecimentos e

habilidades que permitam uma melhor compreensão da realidade e envolvam a capacidade de

fazer valer os próprios interesses econômicos, políticos e culturais” (Gryzybowski citado por

Frigotto, 1995: 26).

Nesse cenário, o processo de alfabetização (ação de ensinar/compreender a ler e

escrever) e de letramento (estado ou condição de quem não apenas sabe ler e escrever,

mas cultiva e exerce as práticas sociais que usam a escrita) representam práticas

sociais de linguagem que explicitam as relações de cidadania das pessoas. (Piconez,

2003, p. 2)

Neste trabalho parte-se do pressuposto que a educação deve visar todo um conjunto de

atividades de caráter pedagógico, emanadas das diferentes estruturas sociais, de forma a

desenvolver o capital social, humano, cultural e financeiro, necessário e indispensável para

que as comunidades atinjam mínimo de coesão e crescimento. “A emergência de novas

políticas socioeducativas ajudou a evidenciar a relevância cientifico-pedagógica

nomeadamente da educação social, uma vez que elas são uma condição necessária e

incontornável para induzir processos de mudança social” (Azevedo, 2011, p. 63).

Práticas educativas libertadoras eximem um olhar centrado no educador de adultos.

Em vista de resultados a longo prazo, a aprendizagem deve ser funcional. Ou seja, o conteúdo

apresentado deve fazer sentido para os envolvidos no processo educativo. Melhor se aprende

quando a sala de aula se aproxima dos diversos contextos de mundo vivenciados pelos

estudantes. Segundo Freire (1984), “as pessoas aprendem em comunhão, compartilhando

suas experiências, respeitando-se mutuamente.”

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Cabe aqui também frisar que tais práticas educativas deverão ser libertadoras para a

aquisição de conhecimentos e habilidades, às quais se relacionam com a minimização de

desigualdades sociais e para a promoção da igualdade. No entanto, não pressupõem uma

dualidade entre alfabetização e cidadania, ou como se fossem causa e consequência uma da

outra:

[...] ao pensarmos em alfabetização e cidadania, é preciso fugir a uma interpretação

linear desses dois termos, atribuindo-lhes uma relação de causa-consequência, em que

cidadania seja tomada como consequência do acesso à leitura e à escrita; as relações

entre alfabetização e cidadania – pois elas existem – devem ser entendidas no

conjunto mais amplo dos determinantes sociais, políticos, econômicos que

inviabilizam o exercício da cidadania por enorme parcela da população brasileira

(Soares, 2011, p. 56).

Nesse sentido, a alfabetização se concretiza como um meio social que integra um

campo dimensional muito vasto de possibilidades, em que a educação é sua atribuição de

sentido mais concreta, mas que se relaciona a diversos outros determinantes sociais que

podem garantir a inclusão social. “Uma educação que intencionalmente crie sintonias e

articulações com as políticas públicas de aumento de escolaridade para jovens e adultos, para

que os paradigmas de trabalho e de cidadania sirvam de referência para esse processo”

(Manfredi, 2006, p. 33). O processo de alfabetização alcança êxito quando integra a vida

educacional do estudante aos outros determinantes sociais presentes em sua vida.

A consciência dos tradicionais papéis sociais das mulheres na sociedade patriarcal

remonta aos viscerais indícios de desigualdade de gênero na sociedade brasileira. O acesso à

escolarização no Brasil, no século XX, era limitado, primeiro, aos homens brancos abastados

e, depois, a poucas mulheres brancas de condição econômica favorável. “A maioria da

população - homens negros, mulheres negras e pobres - tinha o acesso às primeiras letras

negado, guardadas as exceções” (Guimarães, 2002).

Ainda hoje, sob o olhar analítico que esta dissertação propõe, as mulheres que

participam do curso colocam a dificuldade de conciliarem o curso com questões familiares,

sob a repressão de seus companheiros:

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20

A mulher que contrai casamento deve ser convencida das leis naturais e morais que a

obrigam exercer o círculo completo das funções de ser mãe. Se a isto se recusar é que

há uma falsificação de sentimentos contrariando as manifestações naturais e

sacrificando o dever que é a sacrificar a si, a prole e a humanidade acuava o doutor

Moncorvo Filho (Del Priore, 2014, p. 60).

Se a verdade é que, embora pareça apoiar-se na força bruta, as armas ou do dinheiro, o

reconhecimento da dominação supõe sempre um ato de conhecimento, isso não implica

igualmente que estejamos embasados a descrevê-la com a linguagem da consciência, por um

‘viés’ intelectualista e escolástico que, como em Marx (e sobretudo nos que, depois de

Lukács, falam em ‘falsa consciência’), leva a esperar a liberação das mulheres como efeito

automático de sua ‘tomada de consciência’, ignorando, por falta de uma teoria tendencial das

práticas, a opacidade e a inércia que resultam da inscrição das estruturas sociais no corpo

(Bourdieu, 2002, p. 26):

[...] as relações sociais são sempre relações de poder e que o poder se exerce mais na

forma de rede do que em um movimento indirecional, então não será possível

compreender as práticas como isentas desses processos. A construção de uma prática

educativa não-sexista necessariamente terá de se fazer a partir de dentro desses jogos

de poder (Louro,1997, p. 119).

Percebe-se que a construção dos papéis sociais das mulheres que se ocupa esta

pesquisa foi baseada “na herança de um sistema hierárquico injusto e desigual, que sempre

lhes destinou um papel secundário,” vide Sarreta (2011). Sob a perspectiva deste estudo,

pode-se dizer que a vida dessas alunas girou em torno da tutela dos pais e dos maridos, com

esses primeiros tiveram o trabalho familiar e com os últimos lhes foi reservado o cuidado

com os filhos. A obediência foi uma constante na vida dessas mulheres e suas vontades e

desejos foram sempre subjugados; naquele mundo o saber e o aprendizado não conseguiam

encontrar espaço.

Freire (1987) destaca que “assumir novas práticas educativas pressupõe o uso da

afetividade, alegria, capacidade científica, domínio técnico a serviço da mudança ou,

lamentavelmente, da permanência do hoje. A esta permanência que o futuro

desproblematizado procura reduzir.” Sob a perspectiva da política de educação, compreende-

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se esta como um fator crítico e propulsor para superação da realidade posta, ainda que não

seja dotada de nenhuma neutralidade. Como mola propulsora da política, a educação perpassa

intenções de mudanças, que questiona práticas coercitivas e manipuladoras.

Só não é possível esquecer o status quo que permeia toda e qualquer transformação

proposta. “Na medida em que compreendemos a educação, de um lado, reproduzindo a

ideologia dominante, mas, de outro, proporcionando, independentemente da intenção de

quem tem o poder, a negação daquela ideologia (ou o seu desvelamento) pela confrontação

entre ela e a realidade (como de fato ela está sendo e não como o discurso oficial diz que ela

é), realidade vivida pelos educandos e pelos educadores, percebemos a inviabilidade de uma

educação neutra” (Freire e Macedo, 2011, p. 36).

Assumida toda e qualquer intencionalidade que permeia a educação, faz-se atenção

para novas práticas educativas, mediante um processo no qual os indivíduos que as compõem

obtêm controle sobre suas vidas, participam democraticamente no cotidiano de diferentes

arranjos coletivos e compreendem criticamente seu ambiente. Rappaport (1995) atribui ao

empoderamento15

a função de fazer com que as pessoas tenham voz e sejam ouvidas.

Segundo o autor, “os objetivos do empoderamento são alcançados quando as pessoas

descobrem, ou criam e dão voz a uma narrativa coletiva que sustenta suas próprias histórias

pessoais em termos positivos. Este processo é recíproco, de modo que muitos indivíduos (...)

criam, mudam e sustentam a narrativa do grupo.” Diante disto, as mulheres passam a se

assumir como protagonistas de sua própria história e conduzem seus destinos participando

ativamente das mudanças.

O modelo feminista da educação questiona o dualismo que permeia as atuais relações

entre mulheres e homens. Como Santos (2012) que propõe “um conjunto de estratégias e

procedimentos que rompam com a lógica de que o saber se encontra apenas naquele que é

fonte de autoridade e transmissor único de conhecimento.” Nesse esquema, todas e todos são

igualmente falantes e ouvintes e partilham das diferentes capacidades de expressarem seus

saberes.

15

O termo “Empoderamento” é o equivalente em português do vocábulo inglês empowerment. Numa primeira

mirada, empoderamento é quase sinônimo de autonomia, na medida em que se refere à capacidade de os

indivíduos e grupos poderem decidir sobre as questões que lhes dizem respeito, escolher, enfim entre cursos de

ação alternativos em múltiplas esferas – política, econômica, cultural, psicológica, entre outras. Desse modo,

trata-se de um atributo, mas também de um processo pelo qual se aufere poder e liberdades negativas e positivas

(Horochovski, 2006, p. 1).

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A sensibilidade necessária para essa nova prática gera outra afetividade, na qual as

mulheres passam a sentir a falta da convivência com outras mulheres, sentindo-se mais

integradas, cooperativas e solidárias com os problemas e situações de superação

proporcionadas pelos momentos de encontros. Sarreta (2011) argumenta que “essas

experiências e práticas coletivas são oportunidades de autoafirmação, e consequentemente, de

reconhecimento de potencialidades.”

Santos (2012) propõe “a afetividade como uma vivência que significa proteção,

cuidado e possibilita o fortalecimento e a formação de vínculos necessários à sobrevivência,

segurança e crescimento dos seres humanos.”

A sentimentalização e o relevo concedido aos afetos, com base na noção de afinidade

eletiva, pressupõe uma valorização do indivíduo e das suas escolhas e desejos pessoais, como

foi assinalado por Aboim (1998). De acordo com a autora, “é de se localizar a família com

outra perspectiva que não a de reprodução social, a ser pensada como lugar de bem-estar e de

intimidade. A noção de privatização destaca precisamente esse corte de amarras com a

regulação exterior exercida pelo parentesco, pelos vizinhos, pela comunidade, sem o qual a

intimidade afetiva e a troca subjetiva seriam ameaçadas pela constante presença e imiscuição

de ‘outros’.”

O desenvolvimento de potencialidades individuais e coletivas e o fortalecimento dos

vínculos familiares e comunitários faz parte desse processo, de acordo Brasil (2014) “gera

ainda perspectiva de integração das histórias de vida e identidades comuns.”

Além de libertadora, transformadora e dialógica, “essas práticas educativas devem dar

poder às mulheres de forma a permitir, tanto às práticas como às relações interpessoais, a

utilização de estratégias de ‘superação’ do estado de submissão e de ausência do exercício do

poder entre elas” (Santos, 2012, p. 176). Parte-se do pressuposto que o curso de Alfabetização

e Letramento aqui investigado contempla tais práticas educativas, demonstrando a

conscientização quanto aos princípios éticos para a cidadania e a reafirmação cotidiana

quanto aos direitos de mulheres. O curso também se insere na concepção social do Campus

Taguatinga Centro, o qual foi criado com o intuito de enfrentamento das expressões da

questão social, a ser discutido em profundidade no capítulo 4.

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Capítulo 3 - Potencialidades da educação social no campo da Educação de Jovens e

Adultos

Promover a discussão sobre educação social situa um campo de elevada importância

no campo das ciências humanas. De acordo com Carvalho e Baptista (2005), “os conceitos

traduzem concepções ao mesmo tempo que as condicionam.” São, por isso, fundamentais

para compreendermos o mundo em que vivemos e para que nele possamos agir. A educação

social não esconde, assim, o seu compromisso com valores, ainda que procure basear-se no

conhecimento científico.

Sob a análise de Azevedo e Correia (2013, p. 3), “a Educação Social surgiu, em

grande medida, pela consciência de que o trabalho social precisava de novas políticas

educativas, uma vez que o assistencialismo se tornava já redutor (e até contraditório) das

necessidades de intervenção social.” Cabe aqui, então, levantar as considerações sobre suas

potencialidades na área de investigação desta dissertação, qual seja, a educação de jovens e

adultos:

O educador social representa aquele ou aquela profissional que atua no campo da

educação social, numa perspectiva teórico-metodológica que concebe a prática

educativa como uma atividade que não se reduz ao âmbito da educação escolar. Dessa

forma, rompe com visões que tentam encapsular a educação num enredo que visa

resguardar seus conteúdos disciplinares e relacionais como característica exclusiva da

instituição escolar, tal como se observa na história da pedagogia tradicional. Sendo

assim, a escolarização dos propósitos educativos constitui uma temática intrigante

para esses profissionais, já que esse tipo de visão não reconhece a complexidade das

diversas experiências que o sujeito compartilha nas suas relações sociais, as quais

constituem sua subjetividade pessoal e social. (Rey, 2004)

O compromisso da Educação Social com os Direitos Humanos em geral, e com a

importância de um agir fundamentado e informado, ficou esclarecido em Montevidéu -

Uruguai, por ocasião do 16º Congresso Internacional dos Educadores e Educadoras Sociais,

quando foi elaborado um documento que ficou conhecido como Declaração de Montevidéu,

em que os Educadores e Educadoras Sociais de dezenas de países declararam:

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Reafirmamos e comprovamos a existência do campo da Educação Social como um

trabalho específico orientado a garantir o exercício dos direitos dos sujeitos de nosso

trabalho, e que nos exige permanente compromisso em seus níveis éticos, técnicos,

científicos e políticos. Para o cumprimento deste compromisso, é indispensável à

consolidação da profissão de Educador e Educadora Social (...). Os Educadores e

Educadoras Sociais renovam o compromisso com a democracia, com a justiça social,

com a defesa do patrimônio cultural e pela defesa dos direitos humanos, baseados na

convicção de que outro mundo é possível. (Marques, 2005)

No Brasil, há um projeto de lei (PL) para criar a profissão de educador e educadora

social, sob atual discussão da Câmara dos Deputados16

. Este projeto visa a regulamentação da

profissão no Estado brasileiro. De acordo com o Art. 1º deste PL, a educação social possui

caráter pedagógico e social, devendo estar relacionada à realização de ações afirmativas,

mediadoras e formativas. Também estabele o campo de atuação dos educadores e educadoras

sociais, os contextos educativos situados fora dos âmbitos escolares e que envolvem:

I – As pessoas e comunidades em situação de risco e/ou vulnerabilidade social, violência e

exploração física e psicológica;

II – A preservação cultural e promoção de povos e comunidades remanescentes e

tradicionais;

III – Os segmentos sociais prejudicados pela exclusão social: mulheres, crianças,

adolescentes, negros, indígenas e homossexuais;

IV – A realização de atividades sócio educativas, em regime fechado, semiliberdade e meio

aberto, para adolescentes e jovens envolvidos em atos infracionais;

V – A realização de programas e projetos educativos destinados a população carcerária;

VI - As pessoas portadoras de necessidades especiais;

VII - o enfrentamento à dependência de drogas;

VIII – as atividades sócias educativas para terceira idade;

IX - A promoção da educação ambiental;

16

A Câmara dos Deputados, junto ao Senado Federal, compõe o Congresso Nacional, instituição de deliberação

máxima do Poder Legislativo Brasileiro. Este órgão discute propostas referentes às áreas econômicas e sociais,

como educação, saúde, transporte, habitação, entre outras, pelos Poderes da União, dos recursos arrecadados da

população com o pagamento de tributos. O Projeto de Lei nº 5.346 de 2009 dispõe sobre a criação da profissão

de educador e educadora social. Para além de regulamentar a profissão, visa valorizar os agentes sociais que

trabalham para o atendimento de interesses e necessidades sociais (vide anexo B).

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X – A promoção da cidadania;

XI - A promoção da arte-educação;

XII – A difusão das manifestações folclóricas e populares da cultura brasileira;

XIII – Os centros e/ou conselhos tutelares, pastorais, comunitários e de direitos;

XIV – As entidades recreativas, de esporte e lazer.

Percebe-se então que o campo de atuação do educador social é amplo, e que o âmbito

escolar é apenas uma das possibilidades. A LDB ainda dispõe em seu Art. 1º que a educação

brange os processos formativos que se desenvolvem na vida familiar, na convivência

humana, no trabalho, nas Instituições de ensino e pesquisa, nos movimentos sociais e

organizações da sociedade civil e nas manifestações culturais (Brasil, 1996). Ou seja,

reconhece a existência de contextos educativos situados fora dos âmbitos escolares, onde há

destacada atuação dos Educadores e Educadoras Sociais que fundamentam sua prática

socioeducativa, sobretudo, no legado da Educação Popular, especialmente a desenvolvida a

partir da década de 70, tomando por base a influência do educador Paulo Freire. Desta forma,

a educação deixa de ser patrimônio exclusivo da escola e passa a ter novas funções, de

dimensão mais social.

“Além da educação formal, considera-se a educação não formal e informal, isto é, a

educação tem uma função permanente e engloba diferentes contextos e populações, até as

mais marginalizadas” (Azevedo e Correia, 2013, p. 3). Vivemos diariamente a educação

social no IFB. Para além da educação escolar, compartilhamos espaços e tempos educativos

formais e não formais a todo o momento. Com o curso de Alfabetização e Letramento, com

efeito, a educação formal representa somente uma das possibilidades. “A educação é vista

como global, social e como acontecendo ao longo da vida” (Petrus, 2003, p. 60).

O supracitado autor lembra precisamente que os conflitos e problemas sociais dos

alunos e das alunas não se reservam à escola; pelo contrário, atravessam e compõem a vida

estudantil a partir dos vínculos que compartilham numa sociedade configurada em

contradições, representações e desigualdades que os afetam, os inquietam, e produzem

sentidos distintos. Quando a sociedade e a universidade, felizmente, começam a compreender

o que é a educação social, reclamamos nossa presença nos espaços que por lógica são de

nossa competência.

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Quando compreendemos isso enquanto profissionais, conseguimos realizar várias

pontes e intervenções de forma mais criativa e questionadora. Nada se torna suficiente para

definir uma intervenção. Esta sempre pode ser melhorada, transformada:

Os educadores sociais atuam em contextos sociais e, por isso, são trabalhadores

sociais. Por isso, aproximam-se de outros profissionais da área social, como os

assistentes sociais, na medida em que têm como referência as mesmas características

de intervenção, nomeadamente a proximidade aos contextos e aos destinatários.

Contudo, o trabalho dos educadores sociais é concebido a partir de uma perspectiva

educativa, transformadora e emancipatória, que pretende superar lógicas

assistencialistas e baseia-se na centralidade das pessoas, na sua capacitação e

desenvolvimento. Pretende-se que os indivíduos possam protagonizar, a partir dos

seus saberes o seu desenvolvimento mediante uma participação consciencializadora.

(Azevedo e Correia, 2013, p. 7)

E quando entendemos que educação social faz parte do todo, legitimamos o agir

profissional nos espaços que são nossos por direito. “A educação social, é, deste modo,

expressão da responsabilização da sociedade diante dos problemas humanos que a percorrem

e que ela não pode radicar, sem mais, em determinismos ou fatalismos de ordem individual,

histórica, estrutural ou transcendente”(Carvalho e Baptista, 2005, p. 11).

Não ignoramos que a educação social se tem situado num contínuo que oscila entre

ser um instrumento de conformidade aos padrões sociais dominantes, ou assumir-se como um

meio de integração social ativa pela via da construção da identidade e da dignidade pessoais,

que é a visão que aqui se subscreve. “Há sempre uma apropriação do conhecimento pelo

sujeito que não é única e nem ocorre de forma passiva. Cada sujeito posiciona-se diante do

saber, e isto ocorre de forma diferenciada em cada sujeito” (Carvalho, 2004, p. 34).

Mas é importante perceber que tais escolhas sofrem influência do meio onde o

indivíduo encontra-se inserido. Nesse sentido é possível pensar a eficácia de uma educação

social libertadora que, para além do mero assistencialismo e minimização de conflitos, esteja

centrada na formação de um sujeito engajado social e politicamente. Pois acredita-se que só a

atuação ativa e consciente deste sujeito poderá iniciar um processo de transformação social:

Em nosso entendimento, só no segundo caso é que ela cumpre a sua real vocação,

necessitando, para o efeito, de adequado enquadramento epistemológico,

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nomeadamente, através da fundamentação crítica e transdisciplinar da pedagogia

social bem como dos contributos da filosofia da educação e das ciências sociais e

humanas em geral. Em última instância, verifica-se que a educação social se constitui

como um veículo de políticas sociais autênticas apenas na exata medida em que seja,

concomitantemente, uma das suas decisivas instâncias reguladoras. (Carvalho e

Baptista, 2005)

“É vasto o campo de atuação da educação social, mas partindo-se das referências

fulcrais da educação social com certeza que a noção de exclusão desempenha um papel

central” (Carvalho e Baptista, 2005, p. 25). Exclusão esta que a educação de jovens e adultos,

como abordado nos capítulos anteriores, é velha conhecida.

A educação de jovens e adultos, até há pouco tempo era pura e crua alfabetização,

aprender a ler e a escrever. Nas escolas primárias, haviam as mesmas aulas e as mesmas

estratégias aplicadas a meninos e meninas do primário. Não deixava de ser curioso o esforço

de acoplamento dos adultos às pequenas mesas dos seus próprios filhos. Desta orientação

genética e histórico-cultural, poderíamos dizer, não é descartada a educação das pessoas

adultas atual. “A educação das pessoas adultas, em certo grau, segue sendo implementada

muitas vezes no modelo ilustrado, escolarista, formalista e dominado” (Esteban, 2014, p. 79).

A escola democrática vive, de fato, a conflitualidade dos dois princípios que a

inspiram: um, igualitário, que tende para o nivelamento; outro, hierárquico e meritocrático,

que acaba por discriminar gradativamente as pessoas. Entretanto, ela confronta-se igualmente

com um frequente desfasamento entre os objetivos e saberes eruditos que difunde e os

projetos e expectativas dos seus novos – e maioritários – públicos, em busca sobretudo de

aquisições que sirvam o pragmatismo da vida. “A escola tornou-se prioritariamente um

problema social e não pedagógico ou que é pedagógico na medida em que é social”

(Carvalho e Baptista, 2005, p. 14).

“Para enfrentar o desafio disso que temos chamado ‘política compensatória’,

deveríamos caminhar para a produção de espaços culturalmente significativos para uma

multiplicidade de sujeitos jovens – e não apenas alunos – histórica e territorialmente situados

e impossíveis de conhecer a partir de definições gerais e abstratas” (Carrano, 2007). Este

raciocínio é aplicável a qualquer momento do percurso de vida: crianças, jovens ou adultos

encontrarão sentido na escolarização quanto mais sentido lhes fizerem os espaços, tempos e

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conteúdos educativos. ” É preciso apostar nos reais interesses e necessidades de

aprendizagem e interação desses sujeitos com os quais estamos comprometidos no tabuleiro

escolar da ‘segunda chance’ que é a EJA” (Carrano, 2007).

O trabalho educativo insere efetivamente, sobretudo, na vertente do aqui e agora, do

agir e do fazer, da realidade exterior e da relação com a lei, da intersecção do individual com

o coletivo. O seu domínio é banal, o vulgar e o habitual, tanto quanto o surpreendente, o

inesperado e o acontecimento cotidiano. “O educador procura também suscitar

circunstâncias, provocar encontros, fazer descobrir o interesse por perspectivas, por

bifurcações e por atalhos” (Capul e Lemay, 1996).

Nessa medida o educador social é um mediador que atribui sempre o protagonismo ao

sujeito, valorizado a partir de relações que permeiam mudanças concretas. A educação social

intervém no processo educativo para que se possa ter uma determinada atuação em

determinada sociedade. A educação social, portanto, participa e detém o caminho da

intervenção, ao mesmo tempo em que potencializa a transformação social destes sujeitos,

pela escuta qualificada e instrumento de participação da coletividade.

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Capítulo 4 - Histórico da instituição: o movimento da educação profissional tecnológica

no Distrito Federal

A comunicação de instituições e organizações públicas é um bem público que deve

estar ao alcance de todos os cidadãos e deve estar comprometida com a democracia e a

construção da cidadania. O IFB foi criado em dezembro de 2008, por meio da Lei nº 11.892,

passando a compor a Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica,

existente em todo o Brasil.

O IFB é uma instituição pública que oferece Educação Profissional gratuita, na forma

de cursos e programas de formação inicial e continuada de trabalhadores (FIC), educação

profissional técnica de nível médio e educação profissional tecnológica de graduação e de

pós-graduação, articulados a projetos de pesquisa e extensão. A estrutura multicampi do IFB

faculta à instituição fixar-se em vários eixos tecnológicos, diversificando seu atendimento, de

conformidade com a vocação econômica das regiões administrativas do Distrito Federal. O

IFB é composto por uma Reitoria e 10 campi distribuídos pelo Distrito Federal: Brasília,

Ceilândia, Estrutural, Gama, Planaltina, Riacho Fundo, Samambaia, São Sebastião,

Taguatinga e Taguatinga Centro. O IFB conta com cinco Pró-Reitorias: de Ensino (PREN), de

Pesquisa e Inovação (PRPI), de Extensão (PREX), de Administração (PRAD) e de

Desenvolvimento Institucional (PRDI). De acordo com a Lei nº 11.892, O IFB tem por

finalidades e características:

I - Ofertar educação profissional e tecnológica, em todos os seus níveis e modalidades,

formando e qualificando cidadãos com vistas na atuação profissional nos diversos setores da

economia, com ênfase no desenvolvimento socioeconômico local, regional e nacional;

II - Desenvolver a educação profissional e tecnológica como processo educativo e

investigativo de geração e adaptação de soluções técnicas e tecnológicas às demandas sociais

e peculiaridades regionais;

III - Promover a integração e a verticalização da educação básica à educação profissional e

educação superior, otimizando a infraestrutura física, os quadros de pessoal e os recursos de

gestão;

IV - Orientar sua oferta formativa em benefício da consolidação e fortalecimento dos arranjos

produtivos, sociais e culturais locais, identificados com base no mapeamento das

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potencialidades de desenvolvimento socioeconômico e cultural no âmbito de atuação do

Instituto Federal;

V - Constituir-se em centro de excelência na oferta do ensino de ciências, em geral, e de

ciências aplicadas, em particular, estimulando o desenvolvimento de espírito crítico, voltado

à investigação empírica;

VI - Qualificar-se como centro de referência no apoio à oferta do ensino de ciências nas

instituições públicas de ensino, oferecendo capacitação técnica e atualização pedagógica aos

docentes das redes públicas de ensino;

VII - Desenvolver programas de extensão e de divulgação científica e tecnológica;

VIII - Realizar e estimular a pesquisa aplicada, a produção cultural, o empreendedorismo, o

cooperativismo e o desenvolvimento científico e tecnológico;

IX - Promover a produção, o desenvolvimento e a transferência de tecnologias sociais,

notadamente as voltadas à preservação do meio ambiente.

Estas finalidades e características são instrumentos chave para compreender a função

social do Instituto Federal de Brasília, especialmente os parágrafos IV e VII, porque orientam

a oferta de cursos para o fortalecimento de potencialidades educativas cidadãs, às quais se

relacionam diretamente com a implementação de propostas pedagógicas de cunho

socioeducativo, como o curso de Alfabetização e Letramento em questão.

Tem como missão oferecer ensino, pesquisa e extensão no âmbito da Educação

Profissional e Tecnológica, por meio da inovação, produção e difusão de conhecimentos,

contribuindo para a formação cidadã e o desenvolvimento sustentável, comprometidos com a

dignidade humana e a justiça social. E a visão da instituição até 2018 é consolidar-se no

Distrito Federal como instituição pública de Educação Profissional e Tecnológica de

qualidade inclusiva e emancipatória, articulada em rede e com a comunidade. A missão e a

visão da instituição são perpassadas pelos seguintes valores:

Ética

Educação como bem público gratuito e de qualidade

Formação crítica, emancipatória e cidadã

Gestão democrática: transparência, participação,

autonomia, pluralismo e integração

Respeito à diversidade e à dignidade humana

Promoção da inclusão

Inovação

Sustentabilidade econômica e socioambiental

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Ainda de acordo com a lei supracitada, o Instituto Federal de Brasília tem os seguintes

objetivos:

I. ministrar educação profissional técnica de nível médio;

II. ministrar cursos de formação inicial e continuada de trabalhadores, objetivando a

capacitação, o aperfeiçoamento, a especialização e a atualização de profissionais, em todos os

níveis de escolaridade;

III. realizar pesquisas aplicadas, estimulando o desenvolvimento de soluções técnicas e

tecnológicas, estendendo seus benefícios à comunidade;

IV. desenvolver atividades de extensão de acordo com os princípios e finalidades da educação

profissional e tecnológica, em articulação com o mundo do trabalho e os segmentos sociais, e

com ênfase na produção, desenvolvimento e difusão de conhecimentos científicos e

tecnológicos;

V. estimular e apoiar processos educativos que levem à geração de trabalho e renda e à

emancipação do cidadão na perspectiva do desenvolvimento socioeconômico local e regional;

VI. ministrar em nível de educação superior: cursos superiores de tecnologia visando à

formação de profissionais para os diferentes setores da economia;

VII. cursos de licenciatura, bem como programas especiais de formação pedagógica, com

vistas na formação de professores para a educação básica, sobretudo nas áreas de ciências e

matemática, e para a educação profissional;

VIII. cursos de bacharelado e engenharia, visando à formação de profissionais para os

diferentes setores da economia e áreas do conhecimento;

IX. cursos de pós-graduação lato sensu de aperfeiçoamento; e

X. cursos de pós-graduação stricto sensu de mestrado e doutorado, que contribuam para

promover o estabelecimento de bases sólidas em educação, ciência e tecnologia, com vistas

no processo de geração e inovação tecnológica.

Os componentes legais são o ponto de partida para traçar o foco de atuação das

instituições e representam especialmente os objetivos de atuação. Não é intenção desta

abordagem discutir a implementação da Lei nº 11.892 no âmbito do IFB, mas é importante

traçar algumas reflexões gerais. A associação de teoria e prática compõe possibilidades e

desafios para a real concretização de quaisquer proposta de intervenção, e os documentos

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normativos se confrontam com apropriações diversas, constrangimentos específicos e, no

caso, reformulações organizacionais na medida em que o IFB integra uma série de

instituições pré-existentes com suas próprias culturas organizacionais. Tudo isto coloca

desafios à concretização dos objetivos, ou seja, a prática não é, e nem nunca seria, uma

operacionalização linear das boas intenções derramadas em textos legislativos.

A prática profissional como um todo perpassa uma série de interesses políticos. A

disputa de poder simula apenas um dos tantos desafios para a aplicabilidade das leis. Cabe ao

IFB, como representante institucional da educação profissional e tecnológica, investir em

estratégias democráticas de intervenção que provoquem contrapontos para a realidade em

foco. Na visão de unidade entre teoria e prática, o produto das relações é constantemente

questionado. Essa relação não é direta nem imediata, fazendo-se através de um processo

complexo, no qual algumas vezes se passa da prática à teoria e outras desta à prática

(Vasquez, 1977).

Ainda que a visão freireana da educação possa corroborar com mudanças efetivas,

partindo-se do desejo de buscar novas formas de relacionamento entre estas duas dimensões

da realidade (teorica-prática), acredita-se que o desenvolvimento socioeconômico somente é

possível por meio de processos educativos que incentivem a emancipação do sujeito. Estas

possibilidades viram realidade a partir da busca e tratamento de alternativas na

implementação da prática educacional, como na gestão de projetos de intervenção na

realidade local (desde o planejamento, execução até a avaliação do projeto).

No que concerne a esta dissertação, pode-se afirmar que o curso de Alfabetização e

Letramento se relaciona com os objetivos do IFB, especialmente com os incisos quarto e

quinto, os quais representam o estreitamento da instituição com a política de cidadania. Para

uma melhor visualização da implementação do curso, a seguir discutiremos a caracterização

do Campus Taguatinga Centro, cenário desta pesquisa.

4.1 Perfil do Campus Taguatinga Centro

O Campus Taguatinga Centro nasceu com a divisão do Campus Taguatinga. Criado

em agosto de 2011 durante a terceira etapa de expansão da Rede Federal de Educação

Profissional e Tecnológica, o campus iniciou suas atividades nesse período em um espaço

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urbano da região administrativa de Taguatinga, a qual fica localizada a 30 quilômetros da

região central de Brasília.

A primeira diretora-geral do Campus Taguatinga Centro, Bibiani Borges Dias, conta

que o campus foi criado com a atribuição de ser o Centro Nacional de Referência do

Programa Mulheres Mil. Nesse contexto, foi ali que o Instituto Federal de Brasília realizou a

primeira capacitação do Mulheres Mil. O IFB, por meio do Campus Taguatinga Centro,

cumpriu a função de começar a formação de agentes de disseminação do Programa Mulheres

Mil.

A diretora-geral destacou o Projeto Brinquedoteca Crianças Mil como contribuição

importante do campus para o Programa Mulheres Mil no IFB. A experiência foi criada em

2011 e desde então o campus oferece um espaço com atividades lúdicas e pedagógicas,

orientadas por monitoras, para os filhos das estudantes do Programa. A experiência é

fundamental para garantir que as alunas mães não abandonem as salas de aula.

Além da concretização do Programa Mulheres Mil, a unidade ainda oferece cursos de

Formação Inicial e Continuada (FIC) em Inglês, Espanhol, Alfabetização e Letramento,

Fotografia, Violão, além de outros que são criados semestralmente; o curso Técnico em

Comércio; Licenciatura em Letras com habilitação em Espanhol; Curso Superior de

Tecnologia em Processos Gerenciais e pós-graduação Lato Sensu em Gestão Pública. Na

modalidade de Educação a Distância (EAD) são oferecidos cursos específicos e exclusivos

para servidores do Governo do Distrito Federal (GDF), por meio do Profuncionário, na

modalidade a distância. O Campus Taguatinga Centro administra, ainda, dois polos de

Educação à Distância que oferta cursos técnicos para toda a comunidade, a saber: Recantos

das Emas e C4. Atualmente a unidade conta com 488 alunos regulares no ensino presencial e

1248 alunos no ensino à distância17

. Abaixo podemos visualizar o organograma definido para

os campi Gama, Riacho Fundo, São Sebastião, Samambaia, Taguatinga e Taguatinga Centro:

17

O quantitativo de alunos matriculados foi confirmado pelo Registro Acadêmico do campus, levando-se em

consideração os cancelamentos de matrículas efetuados até o dia 19 de abril de 2016.

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Fonte: Plano de Desenvolvimento Institucional do IFB (2014-2018)

4.1.1 Programa Mulheres Mil

O Programa é decorrente da Cooperação Internacional Brasil-Canadá – Promoção de

Intercâmbio de Conhecimento para Promoção da Equidade (PIPE). Iniciada em abril de 2007,

as ações tiveram como financiadores e executores, por parte do Brasil, a Agência Brasileira

de Cooperação (ABC), o Ministério da Educação, representado pela Secretaria de Educação

Profissional e Tecnológica, a Rede Norte-Nordeste de Educação Tecnológica; por parte do

Canadá, a Associação das Faculdades Comunitárias Canadenses (ACCC), a Canadian

International Development Agency (CIDA) e os Colleges Canadenses.

O Sistema de Acesso, Permanência e Êxito implantado nos 13 Institutos Federais, em

parceria com a ACCC, foi concebido e estruturado a partir dos conhecimentos desenvolvidos

pelos Community Colleges canadenses em suas experiências de promoção da equidade, de

atendimento às populações desfavorecidas e do desenvolvimento e aplicação do Sistema de

Avaliação e Reconhecimento de Aprendizagem Prévia (ARAP).

No caso brasileiro, o Sistema foi adaptado a nossa realidade e teve seu escopo

ampliado, prevendo a sistematização de um plano educacional que possibilita a elevação da

escolaridade com cursos de formação profissional na modalidade de educação de jovens e

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adultos, integrados ao Ensino Fundamental e/ou ao Médio. O impacto esperado e alcançado

foi o de que a formação contribuísse para que essas populações desenvolvessem sua

autonomia e exercessem, de forma plena, sua cidadania.

O Programa Mulheres Mil tem como objetivo oferecer as bases de uma política social

de inclusão e gênero a mulheres em situação de vulnerabilidade social. Foi implantado

inicialmente como projeto-piloto em 13 estados das regiões norte e nordeste do país. Desde

então, cerca de 1,2 mil mulheres foram beneficiadas com cursos profissionalizantes em áreas

como turismo e hospitalidade, gastronomia, artesanato, confecção e processamento de

alimentos.

Desde a promulgação da Portaria nº 1.015, de 21 de julho de 2011, o Programa

Mulheres Mil está instituído em nível nacional como uma das ações do Plano Brasil sem

Miséria. Sua implementação visa a formação profissional e tecnológica articulada com

elevação de escolaridade de mulheres em situação de vulnerabilidade social. Oferece

formação estruturada em três eixos: educação, cidadania e desenvolvimento.

De acordo com o Portal do Ministério da Educação (MEC), o Programa Mulheres Mil

está inserido no conjunto de prioridade públicas do Governo do Brasil, especialmente nos

eixos promoção da equidade, igualdade entre sexos, combate à violência contra mulher e

acesso à educação. O programa também contribuiu para o alcance das Metas do Milênio,

promulgada pela ONU em 2000 e aprovada por 191 países. Entre as metas estabelecidas

estão a erradicação da extrema pobreza e da fome, promoção da igualdade entre os sexos e

autonomia das mulheres e garantia da sustentabilidade ambiental. O Programa Mulheres Mil

tem como objetivo oferecer as bases de uma política social de inclusão e gênero, mulheres em

situação de vulnerabilidade social têm acesso à educação a educação profissional, emprego e

renda.

Para tanto, o Programa Mulheres Mil utiliza a Metodologia Específica de Acesso,

Permanência e Êxito que privilegia temas transversais para a formação cidadã, tais como:

elevação da autoestima, saúde, direitos e deveres da mulher, comportamento sustentável,

cooperativismo, inclusão digital, empreendedorismo e responsabilidade ambiental,

promovendo a inclusão produtiva, a mobilidade no mercado de trabalho e o pleno exercício

da cidadania.

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A elaboração do currículo, para atender, além da elevação da escolaridade, à formação

profissional, procurou integrar o conteúdo curricular central às necessidades de qualificação e

geração de renda, respeitando e considerando o conhecimento previamente adquirido pelas

alunas. Foi objetivo de o Programa Mulheres Mil levar as mulheres a alcançar pelo menos o

Proeja Fundamental; no entanto, a elevação de escolaridade foi considerada prioridade e será

fomentada, preparando as alunas do Programa a seguir seus estudos, sejam eles técnicos ou

tecnológicos.

Especialmente neste momento de ressignificação do ensino agrícola nos Institutos

Federais de Educação, Ciência e Tecnologia, há uma demanda premente por atendimento e

oferta de formação emancipatória e geradora de autonomia, que atenda às características e

especificidades locais e regionais, que ofereça subsídios suficientes para que o pensar e o agir

favoreçam as tomadas de decisão com maior probabilidade de sucesso. Considerando esta

experiência, entende-se que tanto a educação profissional urbana como a agrícola devem

assim contemplar a conexão da teoria com a prática, dando ênfase ao saber fazer,

reconhecendo assim o conhecimento prévio de trabalhadores e trabalhadoras, de modo a

promover uma formação socialmente valorizada.

Considerando a realidade das educandas, há de se perceber que elas já possuem

experiências e saberes adquiridos ao longo da vida, os quais serão reconhecidos e

aperfeiçoados na formação em que estão inseridas. Muitas já desenvolvem atividades

profissionais para sua subsistência; outras estão desempregadas ou em subemprego.

Este reconhecimento visa o resgate de aprendizagens adquiridas ao longo da vida das

mulheres, as quais normalmente não são identificadas no sistema formal de ensino. A

valorização dos saberes em cada uma de suas etapas de vida contribui não só para os

Institutos, mas, para toda instituição que esteja incluída no Programa Mulheres Mil uma

oportunidade extraordinária de estabelecer um diálogo com as diversidades, integrando o

conhecimento acadêmico ao itinerário formativo dessas mulheres e das populações não

tradicionais.

Assim, os cursos FIC são ofertados em atendimento à demanda urbana e rural, com

suas respectivas especificidades, com o objetivo de melhorar as condições de trabalho e

qualidade de vida no local onde a população-alvo se encontra. Os cursos FIC são preparados

após o levantamento diagnóstico, observando-se as curvas e famílias ocupacionais, as ofertas

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das instituições, procurando sempre propiciar o acesso às tecnologias geradas e desenvolvidas

naquela instituição à população feminina em foco. Devem seguir a regulamentação,

observando-se o mínimo de 160 horas cada.

Os cursos de alfabetização são ofertados por meio de parcerias com as Secretarias

Municipais de Educação e os programas de alfabetização disponíveis, tais como Brasil

Alfabetizado e outros, estruturados por meio de cursos de qualificação, integrando-os à carga

horária do módulo educacional central, ou por meio da modalidade de Proeja Fundamental,

considerando a realidade de turmas multisseriadas, que poderão solicitar este processo de

alfabetização associado à profissionalização.

O público-alvo são então mulheres de baixa renda, melhorando as condições de vida

em que elas e suas famílias vivem. Por meio dos cursos ligados ao programa Mulheres Mil,

as alunas têm aulas ligadas ao seu dia-a-dia (como português, matemática, saúde, meio

ambiente, cidadania e direitos da mulher) e aulas profissionalizantes (as quais variam de

acordo com o curso oferecido).

O diagnóstico do público-alvo da Cidade Estrutural18

detectou que muitas das

interessadas nos cursos não sabiam ler e escrever. Com o propósito de dar esta oportunidade

de estudo, a Coordenação do Programa Mulheres Mil do Campus Taguatinga Centro, no ano

de 2012, organizou uma turma de Alfabetização e Letramento, associada aos cursos de

Empreendedorismo e Técnicas de Secretariado, cursos estes organizados justamente para esta

comunidade.

Este formato foi implementado até o final de 2013. No início de 2014, o Ministério do

Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS) e o MEC firmaram parceria para integrar

o Programa Mulheres Mil ao Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego no

âmbito do Plano Brasil Sem Miséria (Pronatec/BSM). A Portaria MEC nº 168/2013, que

dispõe sobre a oferta da Bolsa-Formação no âmbito do Programa Nacional de Acesso ao

18

A Cidade Estrutural é um bairro pobre no Distrito Federal, conhecida como uma das centenas de favelas

brasileiras que teve como cerne de sua formação dois fatores que desestruturam a nossa sociedade: a péssima

distribuição de renda e a falta de políticas públicas eficazes que gerem emprego nas regiões menos favorecidas

do Brasil. Foi ocupada inicialmente por imigrantes que buscavam no lixo uma fonte de renda, os quais se

estabeleceram no chamado “Lixão”, com moradias precárias e irregulares. É considerada uma Região

Administrativa urbana e ainda não consolidada, em razão da forma como surgiu e daí as dificuldades fundiárias

a serem equacionadas. A classe média brasiliense a consideram massa de manobra política, por ter sido alvo de

distribuição em massa de lotes semi-urbanizados, incentivando a forte migração de pessoas de baixa renda à

capital federal na década de 1990. Disponível em http://pbarca.blogspot.com.br/p/historia-da-cidade-

estrutural.html. Acesso em abril de 2016.

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Ensino Técnico e Emprego – Pronatec, estabelece em seu artigo 5°, § 3º: “ Os Programas de

Educação Profissional e Tecnológica (EPT) desenvolvidos no âmbito da Rede Federal de EPT

e articulados à oferta de cursos de Formação Inicial e Continuada (FIC) poderão ser

desenvolvidos por intermédio da Bolsa-Formação Trabalhador, conforme critérios, diretrizes

e procedimentos definidos em ato do Secretário da Secretaria de Educação Profissional e

Tecnológica (SETEC/MEC)”.

Com essa integração, o ingresso de mulheres analfabetas no Programa se tornou

inviável, tendo em vista o ensino fundamental incompleto ser a escolaridade mínima exigida

nos cursos ofertados do catálogo nacional. A partir de então surgiu a proposta de implementar

um curso que privilegiasse aspectos da Metodologia de Acesso, Permanência e Êxito,

estabelecendo uma ponte com o que já havia sido construído no Programa Mulheres Mil e o

novo planejamento de curso que seria construído a partir dessa decisão governamental.

É importante esclarecer que o Programa Mulheres não está sendo implementado

atualmente no IFB. De acordo com a Coordenação de Relações Institucionais e Articulação

com a Sociedade (CDAS) da PREX, devido a crise política vivenciada no país não foi

possível a pactuação de vagas com o MEC para este ano, impactando diretamente na oferta

de cursos do PRONATEC.

Em 2015, no entanto, este Programa foi ofertado em dois campi do IFB. No Campus

Planaltina foram ofertadas 40 vagas para a modalidade19

Mulheres Mil, destas, 20 vagas

foram para o curso de Preparador de Doces e Conservas e 20 para o curso Produtor de Frutas,

Hortaliças e Plantas Aromáticas Processadas para Secagem e Desidratação. Já o Campus

Taguatinga Centro ofertou 20 vagas para a modalidade Mulheres Mil, no curso de Artesão de

Biojoias.

4.1.2 Curso “Alfabetização e Letramento: emancipação feminina pela construção da

cidadania”

No primeiro semestre de 2014 foi então inaugurado o curso de “Alfabetização e

Letramento: emancipação feminina pela construção da cidadania” no Campus Taguatinga

19

Em 2015 foram executadas 410 vagas do PRONATEC no IFB, distribuídas em 13 cursos e 4 modalidades

(Mulheres Mil, População em situação de Rua, PRONATEC Campo e PRONATEC Servidor) em 3 Campi –

Gama, Planaltina e Taguatinga Centro. Utilizamos aqui “modalidade” única e exclusivamente para o Programa

Mulheres Mil.

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Centro. A ideia do projeto surgiu da própria demanda das mulheres advindas do Programa

Mulheres Mil, com baixa escolaridade e sem condições efetivas de ingressar nos cursos

profissionalizantes ofertados na unidade.

Em 2015 a coordenação do curso optou por transformar o projeto em curso FIC,

assim, as mulheres poderiam participar dos programas ofertados pela Assistência Estudantil,

retirar livros da biblioteca e solicitar o passe estudantil para se deslocarem até o campus. Para

a formalização do curso junto à coordenação pedagógica da unidade foi elaborado um projeto

pedagógico, o qual foi responsável por reunir propostas de ação concreta durante sua

execução, como também definir e organizar as atividades necessárias ao processo de ensino e

aprendizagem das estudantes.

De acordo com a proposta do curso este destinava-se a pessoas20

em situação de risco

e/ou vulnerabilidade socioeconômica, advindas de regiões administrativas pouco subsistidas

de equipamentos sociais e serviços de interesse público. O perfil etário estaria entre 18 e 80

anos, para pessoas excluídas do mercado de trabalho ou em situação de subemprego.

Desejava-se contemplar mulheres oriundas de família extensas e, principalmente, excluídas

da política nacional de educacional como um todo.

O padrão de ingresso nos cursos FIC no IFB é por meio de sorteio eletrônico das

vagas. Em regime de exceção, no segundo semestre de 2015, a forma de ingresso destes

cursos foi por chamada pública; as matrículas foram realizadas de acordo com a ordem de

chegada, em razão da manutenção do sistema de gestão de processos seletivos do IFB à época

do referido processo seletivo.

Tinha como objetivo geral proporcionar espaços de incentivo ao conhecimento, à

cultura e à inovação gerados no Instituto Federal de Brasília e como objetivos específicos:

atender às especificidades das mulheres integrantes, tais como: aspectos educacionais,

culturais, psicossociais; viabilizar a elevação de escolaridade da comunidade feminina do

Distrito Federal e assegurar a democratização do conhecimento acadêmico e popular.

20

De acordo com Brasil (2014): tendo em vista a especificidade do público, as turmas serão exclusivas, ou seja,

formadas unicamente pelas mulheres em situação de extrema pobreza, a fim de garantir uma melhor integração

das alunas nos cursos, a permanência e o êxito em todo o processo de formação e qualificação profissional.

Apesar das mulheres serem o público-alvo do curso, a Direção de Ensino, Pesquisa e Extensão do Campus

Taguatinga Centro solicitou a abrangência da oferta do curso para todos os gêneros, para evitar uma possível

alegação de discriminação.

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A formação de estudantes neste curso objetiva certificar uma egressa que seja capaz

de fazer uso proficiente das formas sociais de leitura e escrita para aplicá-las no seu cotidiano

de vida e de trabalho; proceder cálculos lógicos básicos e aplicá-los produtivamente no seu

cotidiano de trabalho; demonstrar conscientização quanto aos princípios éticos para a

cidadania; empoderar-se quanto aos direitos de mulheres; manusear com facilidade os

recursos tecnológicos básicos da contemporaneidade; manifestar atitudes empreendedoras no

mundo do trabalho; desempenhar suas atividades comunicando-se de forma clara, eficiente e

eficaz de modo a favorecer o trabalho em equipe e a qualidade no serviço prestado

respondendo com dinamismo e responsabilidade aos desafios da sua profissão; proporcionar

o empreendedorismo de ações produtivas e sustentáveis com capacidade de iniciativa e

planejamento; capacitar para correr riscos calculados nas ações empreendidas.

Em 2015 o curso de Alfabetização e Letramento teve dois inícios, um em cada

semestre. Isso porque foram previstas diferentes disciplinas além do foco principal do curso,

Alfabetização e Letramento. No primeiro semestre foram ministradas quatro disciplinas, a

saber: Educação Financeira, Direitos Humanos e Cidadania, Oficinas e Visitas Técnicas e

Alfabetização e Letramento. As aulas aconteciam três vezes por semanas. A carga horária

total do curso era de 200 horas/aula, sendo que a carga horária diária era de 3h e a semanal de

9h.

Já no segundo semestre foram ministradas três disciplinas. Além de Alfabetização e

Letramento, as estudantes tiveram aulas de Noções de Informática e Língua Brasileira de

Sinais (Libras). No entanto, como não havia professores disponíveis para ministrar as aulas, a

coordenação do curso articulou esta possibilidade com colegas dispostos a colaborar, e que

tinham disponibilidade para atuar nos horários do curso. O ‘professor’ de Informática é

Técnico em Audiovisual da instituição e o ‘professor’ de Libras era intérprete de Libras do

IFB até início de 2016. Como não tinham acesso aos diários de classe, estas disciplinas

ficaram a cargo da professora de Alfabetização e Letramento, intitulada como “Oficinas e

Visitas Técnicas”. As aulas continuaram a acontecer três vezes por semana, com a carga

horária total de 240horas/aulas, 40 horas a mais que no semestre anterior, devido a um maior

volume de conteúdo ministrado.

O projeto pedagógico do curso foi elaborado de acordo com a realidade da

comunidade atendida, em perspectiva do universo de mulheres. Mesmo que o foco principal

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do curso seja apresentar a leitura e a escrita, estas ferramentas não se fazem soltas do mundo

em que estas mulheres vivem. Para além da elevação da escolaridade, o curso celebra o

resgate da autoestima, incluindo o processo de escolha das próprias mulheres integrantes do

curso. Noções de informática e Libras, por exemplo, foram as temáticas mais cotadas. As

aulas foram organizadas em módulos sequenciais, progressivos e flexíveis, estruturados de

forma a abarcar vários níveis de conhecimento, incluindo-se aí os saberes mais abrangentes,

novos conhecimentos e conceitos relevantes na atualidade que permitem visão ampla do

processo produtivo e dos avanços e conhecimentos culturais, científicos e tecnológicos que

possibilitam a inserção e intervenção na sociedade contemporânea:

A qualificação e formação podem, assim, ser realizadas em módulos, respeitando-se

os diferentes tempos e espaços. Uma educação que intencionalmente crie sintonias e

articulações com as políticas públicas de aumento de escolaridade para jovens e

adultos, para que os paradigmas de trabalho e de cidadania sirvam de referência para

esse processo (Manfredi, 2006, p. 33).

O cronograma das aulas foi planejado para facilitar o processo de ensino-

aprendizagem das mulheres (vide apêndice C). Muitas delas, sem nenhuma inserção prévia de

escolaridade ou com um lapso temporal significativo, apresentavam necessidade de lerem e

escreverem com intensidade. Comentavam isso com frequência. Por isso as aulas de

Alfabetização e Letramento foram as primeiras da grade do curso nos dois semestres, para

depois então serem introduzidas outras disciplinas.

4.2 A Política de Assistência Estudantil no Instituto Federal de Brasília (IFB)

A Política de Assistência Estudantil (PAE) do Instituto Federal de Educação, Ciência e

Tecnologia de Brasília (IFB) é um conjunto de princípios e diretrizes que norteiam a

implantação de ações visando a promoção do acesso, da permanência e do êxito dos

estudantes na perspectiva de inclusão social, produção de conhecimento, melhoria do

desempenho escolar e da qualidade de vida21

.

21

Vide Resolução nº 14 de 2014, aprovada em reunião ordinária do Conselho Superior do Instituto Federal de

Brasília, o qual tem por finalidade colaborar para o aperfeiçoamento do processo educativo e administrativo em

conjunto com a comunidade interna e externa e zelar pela correta execução da política educacional da

Instituição. Acesso em novembro de 2015. Disponível em:

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A Política de Assistência Estudantil, entre suas ações, contempla programas aos

estudantes que apresentam vulnerabilidade socioeconômica. Entre os programas disponíveis,

pode-se elencar:

I – Programas Universais:

a) Programa de Acompanhamento Social, Pedagógico e Psicológico;

b) Programa de Promoção da Saúde;

c) Programa de Incentivo à Cultura, Esporte e Lazer Discente.

II – Programas de promoção à permanência:

a) Auxílio Permanência Presencial;

b) Auxílio Permanência aos Estudantes da Educação a Distância;

c) Auxílio Moradia;

d) Residência Estudantil;

e) Auxílio Criança;

f) Auxílio ao Proeja;

g) Auxílio ao Integrado.

III – Programa de incentivo ao desenvolvimento acadêmico:

a) Programa de Monitoria;

b) Programa de Desenvolvimento Técnico Científico.

Em 2015 a Assistência Estudantil do IFB contemplou 3.023 estudantes entre os

programas disponíveis. No programa de maior alcance quantitativo, o Auxílio Permanência

Presencial, 1487 estudantes foram atendidos22

.

A maioria das mulheres do curso de Alfabetização e Letramento são beneficiárias do

supracitado programa, como será verificado na análise de dados. No primeiro semestre de

http://www.ifb.edu.br/attachments/article/6397/POL%C3%8DTICA%20DE%20ASSIST%C3%8ANCIA%20ES

TUDANTIL333.pdf. 22

Estes dados se referem a uma pesquisa solicitada pelo MEC, em vista de acompanhar o quantitativo de

benefícios sociais concedidos anualmente pelo IFB. Estas informações colaboram para o Módulo de

Acompanhamento Orçamentário do Sistema Integrado de Monitoramento, Execução e Controle do Ministério

da Educação (SIMEC).

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2014, quase todas eram beneficiárias do Auxílio Criança também, mas no segundo semestre

de 2015 apenas uma estudante foi contemplada, porque foi a única que conseguiu ler a notícia

no site da instituição23

. Para um melhor vislumbre destes programas, a seguir eles são

conceituados.

4.2.1 Programa Auxílio Permanência Presencial

O Programa de Auxílio Permanência Presencial vinculado à Política de Assistência

Estudantil do IFB, visa proporcionar ao estudante que apresente alta ou moderada

vulnerabilidade, que interfira na sua permanência no Instituto, apoio financeiro para

manutenção de seus estudos, sob a forma de complementação das despesas para o

atendimento prioritário ao transporte, material didático e à alimentação.

Constituem objetivos deste programa minimizar as desigualdades vivenciadas pelos

estudantes em situação de vulnerabilidade socioeconômica para contribuir em sua

permanência e conclusão dos estudos no Instituto Federal de Brasília e contribuir para a

diminuição das taxas de retenção e evasão escolar.

São condições para a concessão de Auxílio Permanência Presencial: participar de

processo seletivo de Auxílio Permanência Presencial com as normas estabelecidas em Edital

e cumprir os critérios de seleção, permanência e renovação do programa conforme critérios

estabelecidos em edital.

E como critérios avaliados para concessão do auxílio: renda familiar per capita24

-

serão priorizadas famílias com menor índice de renda familiar, em escala crescente de ¼ (um

quarto) de salário-mínimo até o limite de 1 (um) salário-mínimo e meio per capita; ter

estudado em escola pública ou em caso de escola particular com bolsa integral; sobre o

grupo familiar: o número de dependentes com até 18 anos incompletos declarados no

formulário socioeconômico; local de moradia do estudante, com atenção aos residentes em

áreas mapeadas com alto índice de pobreza e no entorno do Distrito Federal; despesas da

família com aluguel ou com financiamento da casa própria; pessoas diagnosticadas com

doenças graves/crônicas e pessoas com deficiência; membros de famílias beneficiárias da

23

Explica-se este fato, muito possivelmente porque a maioria das estudantes não tem acesso a computador em

seus lares e poucas têm habilidades com tecnologias digitais.

24

A renda familiar per capita equivale à soma dos rendimentos recebidos no mês por todos que compõem a

família dividida pelo número dos integrantes da família.

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seguridade social (exemplo: beneficiários do Programa Bolsa – Família e/ou que possuem

familiar que recebe Benefício de Prestação Continuada (BPC) e, ou apresente declaração

expedida pelo Centro de Referência de Assistência Social (CRAS) ou Centro de Referência

Especializado de Assistência Social (CREAS), atestando que recebem benefício social);

mulheres chefes de família, únicas responsáveis financeiras pela manutenção econômica da

família, que apresentarem autodeclaração e deverão participar de entrevista para avaliação da

situação com os/as assistentes sociais dos Campi; Pessoas negras, quilombolas, indígenas,

serão identificados por meio de autodeclaração do/a estudante e a certidão de nascimento,

participar também de entrevista para avaliação da situação com as assistentes sociais dos

Campi. Destaca-se ainda que no caso de ser estudante quilombola ou indígena deverá

apresentar uma declaração da comunidade pertencente; situação de trabalho dos responsáveis

e do Educando.

Vale destacar que os educandos são categorizados em três grupos. O Grupo I

apresenta sérios agravos para a sua manutenção enquanto estudante, com auxílios pagos no

valor de R$ 250,00 (duzentos e cinquenta) reais. O Grupo II apresenta agravos moderados,

com auxílios no valor de R$150,00 (cento e cinquenta) reais e o grupo III (não prioritário),

apresenta baixo ou nenhum agravo que comprometa a sua manutenção ou permanência.

Podem inscrever-se para este programa os estudantes do Instituto Federal de

Educação, Ciência e Tecnologia de Brasília, com matrícula e frequência regular, em cursos de

Formação Inicial e Continuada, que contemplem no mínimo 200h, do Ensino Técnico e de

Graduação do IFB.

4.2.2 Programa Auxílio Criança

O Programa de Auxílio Criança é destinado, exclusivamente, aos estudantes do

Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Brasília, com matrícula e frequência

regular, de cursos presenciais de Formação Inicial e Continuada, que contemple o mínimo

200h, do Ensino Técnico e de Graduação dos Campi, em situação de vulnerabilidade

socioeconômica e não tenham com quem deixar seus filhos com idade de 0 (zero) até 12

(doze) anos incompletos nos horários de aula.

Tem por objetivo identificar, selecionar e conceder Auxílio Criança aos estudantes que

tenham filhos em idade de 0 (zero) até 12 (doze) anos incompletos, que apresentem situação

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45

de vulnerabilidade socioeconômica e não tenham com quem deixar seus filhos em casa, no

horário de aula, contribuindo para sua permanência na escola e evitando crianças nas salas de

aula e dependências dos Campi do IFB.

São critérios para participação: estar matriculado em cursos na modalidade presencial

de no mínimo 200 (duzentas) horas; ter renda familiar per capita de até 1,5 (um e meio)

salários-mínimos e ter filhos em idade de 0 (zero) até 12 (anos) incompletos, ou ser

responsável por eles.

A concessão do Auxílio Criança ocorre somente a um dos pais ou responsável legal,

quando ambos forem estudantes. O processo seletivo se dá por meio de análise

socioeconômica realizada pela Coordenação de Assistência Estudantil e Inclusão Social

conforme normas estabelecidas em edital. A inscrição do candidato para o Auxílio Criança

ocorre por meio do preenchimento do formulário socioeconômico, que está disponível no site

do Instituto Federal de Ciência e Tecnologia de Brasília. São critérios de classificação,

analisados nesta ordem de importância: menor renda por pessoa da família; maior idade; local

de residência (periferia ou zona rural); membro da família enfermo e/ou deficiente; turno

noturno do curso; E são critérios de desempate: maior número de filhos; menor idade dos

filhos e menor renda per capita.

Os outros programas não serão explanados porque não se relacionam diretamente aos

fatores de permanência das mulheres no curso (público-alvo), já que deles não participaram

até a conclusão desta dissertação. Com esse panorama pode ser verificado que a Política de

Assistência Estudantil no IFB apresenta medidas de apoio para minimizar os efeitos das

desigualdades sociais vivenciadas pelos estudantes. No que concerne o curso de

Alfabetização e Letramento, é um fator importante para a permanência das mulheres, como

será visto posteriormente.

4.3 Objetivos de pesquisa

Explanado o enquadramento institucional do curso donde provêm as mulheres que

protagonizam este trabalho importa pois esclarecer o recorte analítico para compreender os

seus percursos e vivências a montante e a jusante da frequência de um curso de Alfabetização

e Letramento. Este estudo parte de duas questões fundadoras: “Quais as principais facetas de

vida dessas mulheres?” motivando ao desbravamento da singularidade de suas histórias de

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46

vida e “Que sentidos essas mulheres atribuem ao seu lugar no mundo, antes e depois de sua

inserção no curso de Alfabetização e Letramento?

Estas questões desdobram-se em em vários objetivos, almejando-se :

● Compreender o cenário familiar destas mulheres;

● Resgatar os caminhos percorridos na trajetória escolar;

● Identificar e caracterizar os obstáculos e constrangimentos à potencial

mudança promovida pela formação;

● Conhecer os principais sentidos atribuídos à sua vida depois da inserção no

curso.

Procurou-se com este estudo, adicionalmente, que os relatos dessas mulheres

promovessem múltiplas ressignificações de vida, refazendo suas memórias e trajetórias de

uma forma majoritariamente positiva. Uma escuta que humaniza a relação com o sujeito de

pesquisa e ainda possibilita um caminho metodológico comprometido e engajado, como será

visto a seguir.

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47

Capítulo 5 - Procedimentos Metodológicos

5.1 Plano de Investigação

É na história de vida enquanto técnica de pesquisa que se inspira a abordagem

metodológica desta dissertação e como estratégia analítica apelamos à ideia do retrato

sociológico (Lahire, 2004). Este é um método que tem como principal característica a

preocupação com o vínculo entre a pesquisadora e sujeito. Haguette (2007) sugere que “o

método de história de vida, dentro da metodologia de abordagem biográfica, relaciona duas

perspectivas metodológicas intimamente, podendo ser aproveitado como documento ou como

técnica de captação de dados. Acrescentamos, nas duas perspectivas, a produção de sentido –

importante proposta da aplicação deste método.”

O levantamento de histórias serve como testemunhos presentes de um tempo que não

existe mais a não ser na memória oral de seus sujeitos. É uma forma de fixar

momentos fundamentais de uma história comum. Dentro de algum tempo se teria um

acervo de histórias que, no fundo, fariam parte viva da História da área (Freire e

Macedo, 2011, p. 46).

Gaulejac (2005) aponta que “o objetivo do método da história de vida é ter acesso a

uma realidade que ultrapassa o narrador.” “Isto é, por meio da história de vida contada da

maneira que é própria do sujeito, tentamos compreender o universo do qual ele faz parte. Isto

nos mostra a faceta do mundo subjetivo em relação permanente e simultânea com os fatos

sociais” (Barros e Silva, 2002).

É importante observar que este trabalho de pesquisa não tem como intenção principal

a representatividade da amostra ou dos resultados. É um exemplo de estudo com um grupo

vulnerável da sociedade, com dupla indicação de discriminação (gênero e escolaridade); além

disso, fazendo perguntas específicas às participantes, foi possível perceber o universo da

alfabetização e letramento com mais propriedade acadêmica. As dificuldades de acesso e a

falta de pesquisas anteriores das quais parti “foram importantes justificativas para usar

métodos qualitativos neste estudo” (Flick, 2009, p. 72).

E mais, a experiência de relatar sua história de vida oferece àquele que a conta uma

oportunidade de (re) experimentá-la, ressignificando sua vida – o que implica numa dimensão

ética do estudo, trazendo uma contribuição que consideramos essencial – como acabamos de

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ressaltar mais acima. De acordo com Nogueira (2004), “a história de vida propõe uma escuta

comprometida, engajada e participativa. Podemos apontar a dimensão terapêutica

proporcionada pela história de vida. Ao construir o texto, a narrativa de sua vida, o sujeito se

reconstrói.”

Thomson et al (2002, p. 3) recorre à idéia que o estudo de trajetórias permite

diferenciar duas formas de chegarmos aos pontos de transição e/ou viragem:

Buscando nelas os momentos significativos e significantes para os sujeitos: os

momentos que decorrem da narrativa de forma implícita e explicita. Entre ambos está

a distância do modo potencialmente consciente e reflexivo com que os sujeitos lidam

e expõem a sua trajectória e os momentos que reconhecem ou não como marcantes.

Por outro lado, o estímulo da narração pode constituir à posteriori um espaço de

reflexão que organize uma determinada narrativa em torno de episódios ou nós

narrativos até então nunca pensados dessa forma. A narrativa de uma determinada

trajetória e os seus episódios, objetivos, avanços e recuos, é reconstruída consoante o

ponto de vista do narrador ou do local onde se encontra.

Como se afirmou anteriormente, a metodologia escolhida inspira-se nas histórias de

vida, mas conhece os limites de análise ao qual se propõe e do contexto de pesquisa de que

foi possível usufruir (temporalidades e recursos). Deste modo, referir as potencialidades da

técnica serviu para apelar ao sentido de que no caso desta pesquisa, não se propõe uma

análise ao mínimo detalhe de um percurso de vida, mas tenta-se antes um decantar de

dimensões e aspectos que concorrem para os argumentos que se pretendem desenvolver e

discutir.

Foram solicitadas às informantes suas anuências em participarem da pesquisa, bem

como para utilização do gravador25

. Compreendido que não haveria necessidade do TCLE de

forma escrita, permitindo uma relação minimamente burocrática com as mulheres, na hora

das entrevistas o termo foi colocado de forma oral. Ferreira (2014) dispõe que:

A entrevista já não é necessariamente concebida como uma técnica neutra,

estandardizada e impessoal de recolha de informação, mas como resultado de uma

composição (social e discursiva) a duas (por vezes mais) vozes, em diálogo recíproco

a partir das posições que ambos os interlocutores ocupam na situação específica de

25

A utilização do gravador marca a relação de entrevista entre sujeito e pesquisador. De acordo com Ferreira

(2014, p. 5), não só pela sua presença no decorrer de toda a interação verbal, implicando a seu registro áudio,

mas também porque a sua manipulação através do ato de ligar e desligar acaba por contribuir para a definição do

princípio e do fim do tempo da entrevista.

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entrevista (de interrogador e de respondente), dando lugar a um campo de

possibilidade de improvisação substancialmente alargado quer nas questões

levantadas, quer nas respostas dadas, sendo de evitar uma excessiva burocratização do

ato.

É a proposta que o supracitado autor chama de ‘entrevista compreensiva’, em que a

improvisação é utilizada a bons termos de diálogo, permitindo o desenrolar das narrações de

forma mais fluida, mas também controlada, informada e preparada. Na relação de

cumplicidade entre pesquisadores e sujeitos pesquisados encontra-se a possibilidade daquele

que narra sua história experimentar uma ressignificação de seu percurso e dar continuação à

construção de um sentido frente a este relato endereçado.

A amostragem escolhida foi de caso único, a qual Guerra (2006) conceitua como “a

escolha de uma pessoa, situação ou local para fazer uma análise intensiva.” Neste caso o

cenário de pesquisa foi o curso de Alfabetização e Letramento implementado no Campus

Taguatinga Centro/IFB. Após a identificação dos perfis, percebeu-se que a intencionalidade

da pesquisa era de reconhecer as singularidades que permeavam as vidas de algumas

mulheres do curso, singularidades estas que acabam por provocar o clímax social das

histórias, quer evoquem sua individuação para o mundo, quer evoquem o mundo à sua

individuação.

5.2 Características dos sujeitos de pesquisa

Verificou-se, através do convívio com as participantes no curso, que a trajetória de

vida dessas mulheres é caracterizada por dificuldades notórias em seu ambiente de trabalho e

familiar, desde a criação da prole até as condições de trabalho degradantes, o que pode

influenciar em suas possibilidades de inserção educacional.

Todas estudantes matriculadas no segundo semestre de 2015, no total 45 estudantes,

foram convidadas a participar desta pesquisa por meio de uma entrevista sobre sua trajetória

de vida. As entrevistas foram realizadas em novembro e dezembro de 2015, cada qual com

duração média de 90 minutos. Foram analisadas seis histórias de vida, escolhidas a partir do

consentimento das mulheres participantes da pesquisa. Por meio de uma reunião de grupo,

apresentou-se a proposta da pesquisa, colocando em voga seus objetivos.

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A partir da sinalização do interesse, a priori, o critério científico de escolha foi a

participação anterior no Programa Mulheres Mil26

. Além de analisar o impacto do curso de

Alfabetização e Letramento em suas vidas, assim seria possível perceber suas impressões em

relação ao programa federal e possíveis semelhanças e diferenças de percurso formativo27

.

No entanto, uma das mulheres que consentiu em participar da entrevista não havia

participado do Programa Mulheres Mil. Consideramos, então, a importância do seu relato

para a investigação da pesquisa, dado o observado impacto do curso de Alfabetização e

Letramento em sua vida (a notoriedade do seu relato reforçou esta escolha). Ela, assim como

as outras mulheres entrevistadas, foram protagonistas deste processo, considerado seu papel

central para implementar o curso de Alfabetização e Letramento do Campus Taguatinga

Centro/IFB.

5.3 Instrumentos de Recolha de Dados

Para responder às questões investigativas desta dissertação, optamos pela utilização

de entrevistas semi-estruturadas, a fim de se aproximar mais de uma conversação focada em

determinados assuntos, do que de uma entrevista formal, muito diretiva. Baseia-se, pois, em

um guião flexível e adaptado de acordo com os objetivos de pesquisa.

O campo das ciências humanas utiliza a entrevista para conhecer situações problema

de uma forma mais profunda. Serviço Social, Psicologia, Educação social, Mediação

Cultural, entre outras profissões de intervenção social, costumam frequentemente utilizar esta

técnica de pesquisa:

Entrevista, tomada no sentido amplo de comunicação verbal, e no sentido restrito de

coleta de informações sobre determinado tema científico, é a estratégia mais usada no

processo de trabalho de campo. Ela tem o objetivo de construir informações

26

O curso de Alfabetização e Letramento do Campus Taguatinga Centro/IFB teve seu início a partir de março de

2014. No entanto, a trajetória histórica que colaborou para sua implementação é ainda mais remota, quando o

Programa Mulheres Mil ainda existia em seu formato inicial, como curso de referência na área de inserção

social (inclusive algumas estudantes do curso de Alfabetização e Letramento já participavam do formato

Mulheres Mil). Quando o Programa foi inserido no Bolsa-Formação do PRONATEC (Programa Nacional de

Acesso ao Ensino Técnico e Emprego), os procedimentos metodológicos do programa foram prejudicados,

anulando a possibilidade de matrícula de mulheres analfabetas. A partir desta decisão, Clarice Barbosa Vieira,

Kamilla Fernanda da Costa Queiroz e Valdinéa Maria Silva Carvalho, servidoras do Departamento de Ensino,

Pesquisa e Extensão (DREPE), formularam o curso supracitado, com o objetivo de suscitar a elevação de

escolaridade aliada ao engajamento para o mercado de trabalho.

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pertinentes para um objeto de pesquisa, sendo abordado pelo entrevistador. (Minayo,

2010)

As entrevistas foram quase todas realizadas em ambiente institucional, na sala de

atendimento da Assistência Estudantil do Campus Taguatinga Centro, IFB. Somente a

primeira entrevista foi realizada na casa da entrevistada, na Cidade Estrutural, porque a

própria se sentiu assim mais à vontade. Aconteceram alguns inconvenientes, como

interrupção demasiada de vizinhos, mas foi também a entrevista mais rica em detalhes. Como

expõe Ferreira (2014, p. 5):

A entrevista se configura em um encontro localizado no tempo e no espaço de forma

explícita, através de marcadores claros que o separam de outras ocasiões quotidianas

caracterizadas pela rotina e pela informalidade; um encontro formalizado, sempre

pretendido e solicitado pelo entrevistador, e cujo modelo de interação reconhecido

como adequado é baseado num diálogo estruturado em termos de relação de

inquirição, modelada segundo uma sequência de pergunta/resposta que identifica

claramente os papéis sociais dos intervenientes: ao entrevistador cabe fazer perguntas

sobre os tópicos que lhe interessam e ao entrevistado dar respostas às questões

definidas pelo primeiro.

Considera-se que a verdade e a integridade são aspectos fundamentais para o processo

de escuta em qualquer relacionamento, inclusive na pesquisa de campo. O pesquisador deve

ter ciência que, ao inquirir o entrevistado, irá provocar a abertura de feridas antes escondidas,

memórias antes deixadas de lado, pessoas antes ‘esquecidas’. Portanto deve procurar manter

todo cuidado ético para minimizar possíveis danos em sua vida durante e após a realização da

pesquisa.

“As qualidades essenciais a desenvolver são as da capacidade de empatia e de respeito

para com os depoentes, criando uma relação favorável, ou seja, condições para saber ouvir e

estimular a expressão livre, sem condicionar a testemunha – como se se pretendesse levá-la

para um ponto preestabelecido” (Vidigal, 1994, p. 16). Após a realização das entrevistas,

percebeu-se a necessidade de (re) confirmar algumas informações que não ficaram claras,

especialmente em relação a datas de alguns acontecimentos. De acordo com Guerra (2006),

“esta situação é comum em entrevistas que têm um cariz diacrônico, a clarificação da

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sequência de momentos cronológicos exige que se volte a falar do mesmo para clarificar

alguns elementos ou datas.”

A abordagem na pesquisa de campo foi promovida pelo fato do vínculo institucional e

pessoal ter sido legitimado pela própria comunidade, estando presente a base da confiança

mútua para o delineamento dos objetivos propostos. Mesmo com a afinidade das relações

construída com as mulheres durante a implementação do curso, algumas dificuldades

previstas foram confirmadas. A principal, a abertura do diálogo para alguns temas a serem

abordados, como violência doméstica e familiar, problemática esta já percebida na

comunidade pesquisada28

. O terreno fértil se fez presente na totalidade da pesquisa, no

entanto, algumas mulheres tiveram mais abertura para o diálogo, já outras não. Como o

movimento natural de pesquisa de campo, algumas entrevistas aconteceram de forma mais

fluida. Compreende-se que o material de estudo apresentado nas entrevistas era só uma

proposta, a qual cabia às mulheres direcionar da melhor forma possível.

Para a análise de dados, utilizou-se a análise de conteúdo. A análise de conteúdo

almejou, além de descrever as situações, interpretar o sentido do que foi dito. A análise

pretende apresentar descrições sobre o objeto de estudo, mas especialmente interpretar e

interpelar os dados coletados. Existem diversas abordagens nas quais a análise de dados

qualitativos pode se pautar. A codificação e a categorização foram escolhidas para ilustrar os

produtos desta investigação. “As principais atividades são buscar partes relevantes dos dados

e analisá-los, comparando com outros dados e lhes dando nomes e classificações. Através

desse processo, desenvolve-se uma estrutura nos dados, como um passo em direção a uma

visão abrangente do tema, do campo e dos próprios dados” (Flick, 2009, p. 132).

Foram analisadas seis histórias de vida, escolhidas a partir do consentimento das

mulheres participantes da pesquisa. As entrevistas foram divididas em três dimensões

temporais, a saber: Mapa da Vida (Passado), Mapa da Vida (Presente) e Mapa da Vida

(Futuro). Este método aplicado no âmbito do Mulheres Mil, foi incorporado ao processo

didático-pedagógico da alfabetização para estimular as estudantes a planejarem seus sonhos

pessoais e profissionais. A técnica é simples: através de desenhos, elas representam suas

28

Na atuação profissional como assistente social do Campus Taguatinga Centro/IFB, já foram realizadas

diversas entrevistas com as estudantes do curso de Alfabetização e Letramento: emancipação feminina pela

construção da cidadania, em que pôde ser percebido que muitas delas convivem com histórico de violência

doméstica e familiar.

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trajetórias de vida e planejam o futuro. Além de contribuir para o resgate das histórias, a

técnica amplia a compreensão da equipe docente e técnico-administrativo sobre a realidade

das estudantes. Para destrinchar estas histórias, algumas dimensões de análise foram

estabelecidas:

Principais Dimensões Analíticas:

Família

Raízes

Vida escolar

Vida profissional

As dimensões definidas para as entrevistas foram: (1) família, abrangendo os aspectos

das relações familiares, costumes culturais e crenças religiosas; (2) raízes, a respeito dos

dados gerais da cidade, serviços públicos e condições de habitação e moradia; (3) vida

escolar, sobre o percurso formativo das estudantes desde sua cidade de origem até os tempos

atuais, incluindo a implementação do curso de Alfabetização e Letramento/IFB, no qual

poderiam descrever aspectos estruturais da instituição, recursos humanos, grade curricular do

curso, sugestões de aprimoramento, possíveis diferenças para o Programa Mulheres Mil,

amizades, significado do curso, entre outras expoentes que poderiam surgir e (4) vida

profissional, contando suas relações com trabalhos anteriores, projetos e motivações para o

futuro. Entrelaçada a toda dinâmica de perguntas que poderiam surgir, havia um dado

diferencial para toda entrevista que seria o crescimento e autonomia do sujeito mulher, tida

como uma hipódissertação relacionada à inserção no curso.

Após a realização das entrevistas, foi feita a transcrição dos dados, cada uma com uma

média de trinta páginas. A finalidade de cada entrevista foi resgatar a história de vida de cada

mulher, protagonistas de relatos únicos e fascinantes. Cada história aqui contada visa

proporcionar uma narrativa biográfica que não pretende se esgotar em si mesmo como fonte

de conhecimento. “A ‘gramática’ é aberta e o resultado do cruzamento, no processo de

socialização dos agentes, com diversos modos legítimos de atuar no mundo. Esses modos são

‘repassados’ (na maioria das vezes) inconscientemente pelos diversos ‘agentes

transmissores’, com os quais o ator lida ou entra em contato ao longo de sua vida” (Costa,

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2012, p. 27). De forma breve, utilizamos o software livre WEFT-QDA29

, mas logo preferimos

utilizar a análise intuitiva de dados, pela facilidade prévia de organização de documentos.

Estas narrativas representam a ilustração das memórias, clarificadas pelo pensamento

heterogêneo de cada participante, “mas não tem a função de ilustrar culturas de grupos, de

classes ou de frações de classe, mostravam bem que, longe de se limitar a um registro cultural

único, as pessoas entrevistadas manifestavam ambivalências, oscilações ou alternâncias

dentro de cada campo” (Bourdieu, 1996, p. 18). Em suma, estes relatos30

problematizam

histórias não-lineares, frutos de lembranças que não têm como objetivo delimitar datas ou

períodos estanques; O desafio fora traduzir a tônica dominante de suas trajetórias de vida, que

corporificam a heterogeneidade de sujeitos, complexas pela riqueza de material que

apresentam.

A fim de complementar o aparato de pesquisa e compreender a realidade vivida pelas

mulheres do curso em amplitude, traçamos um perfil socioeconômico das estudantes do curso

de Alfabetização e Letramento. Para tanto, analisamos os formulários preenchidos na seleção

do Programa Auxílio Permanência do segundo semestre de 2015. Este Programa de

Promoção à Permanência faz parte da Política de Assistência Estudantil do Instituto Federal

de Brasília, a qual almeja o acesso e a permanência da comunidade estudantil à instituição.

Foram computadas 36 respostas, quantidade de estudantes presentes no IFB no dia do

preenchimento dos formulários, realizado em agosto de 2015.

Este aparato de pesquisa serviu como base para reconhecer as características gerais do

público-alvo de pesquisa. Sublinhe-se, no entanto, que o principal foco desta pesquisa foram

os relatos de vida das mulheres. O produto final da análise de dados foi a combinação de três

fontes de pesquisa, utilizando a técnica de triangulação de dados:

A triangulação significa olhar para o mesmo fenômeno, ou questão de pesquisa, a

partir de mais de uma fonte de dados. Informações advindas de diferentes ângulos

podem ser usadas para corroborar, elaborar ou iluminar o problema de pesquisa.

Limita os vieses pessoais e metodológicos e aumenta a generalização de um estudo

(Decrop, 2004). 29

Trata-se de um software livre que auxilia na análise de pesquisas de metodologia qualitativa, podendo também

ser utilizado para organização de documentos a serem empregados em qualquer revisão bibliográfica. 30

Os relatos estão descritos na ordem que as entrevistas foram realizadas. As emoções deram o toque sutil dos

relatos, como dores traduzidas em lágrimas e alegrias em risadas, citadas, inclusive, nas transcrições. Observa-se

também que se preservou a oralidade de cada discurso, preservando o uso de palavras truncadas, expressões

regionais e erros de português.

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55

Em suma, as narrativas biográficas de cada mulher entrevistada; percursos de vida,

identificando as singularidades identificadas a partir da interpretação de todos os relatos e os

dados socioeconômicos gerados pelas respostas aos formulários do Programa Auxílio

Permanência, preenchidos no segundo semestre de 2015.

Capítulo 6 - Afinal de contas, quem são essas mulheres?

Nos próximos capítulos será apresentada a discussão dos resultados obtidos a partir da

análise de dados. A apresentação empírica será organizada em três partes. Para dar um sentido

a esta narrativa, estruturou-se a primeira parte com o perfil social das mulheres do curso, com

o destaque de suas características gerais - estas informações31

foram obtidas nos formulários

socioeconômicos. Optamos por colocar os dados de duas formas, entre textos e gráficos

(quando a informação pedia uma melhor visualização). Na segunda parte serão abordadas as

narrativas biográficas, pequenas amostras das trajetórias individuais que nos permitem

entrever as singularidades dos percursos das mulheres entrevistadas. E na terceira parte eixos

temáticos que relacionam, transversalmente as histórias resgatadas, formando convergências

entre seus trajetos, ou seja, analisam-se questões que emergiram em todas entrevistas.

Diante de todos os motivos expressos pelas entrevistadas, entende-se que o contexto

onde essas mulheres nasceram, viveram e construíram suas vidas não foi o mais propício para

frequentar a escola. “Trazem dentro de si muitas histórias e experiências que conquistaram

através dos anos vividos. Agora chegam à escola como alunas diferenciadas não pela idade

que têm, mas pela bagagem de aprendizagens e experiências vividas” (Sarreta, 2011, p. 6) .

Mesmo diante das adversidades vividas, estas mulheres permaneceram no curso. É de

se pensar, afinal, quem são elas? De onde vêm? Quando vieram ao mundo? Questionamentos

estes essenciais para se perceber um diálogo mais aprofundado de suas narrativas biográficas.

Compreendendo melhor a realidade social dessas mulheres, pode-se perceber que as

condições materiais de sua existência lhe permitem sobreviver em um processo de exclusão

social. Aliás, a própria luta contra o analfabetismo é fruto da negação desta realidade. Do

31

Para efeito de cálculo, consideramos apenas as duas primeiras casas decimais para mais ou menos 5. Por

exemplo, se a porcentagem era de 22,22%, consideramos 22%, se era de 30,55%, consideramos 31%.

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total de respostas (36), 53% responderam possuir o Ensino Fundamental Incompleto (até o 4º

ano), responsável por 19 respostas, 44% não são alfabetizadas em nenhum grau (16

respostas) e apenas 1 (uma) mulher respondeu ter o Ensino Fundamental Completo (3%).

A respeito da questão racial, a maioria das mulheres se declara da cor parda, com 67%

(24 respostas). Já 19% se declaram da cor preta (7 respostas). Duas mulheres responderam

cor branca (5,55% das respostas), não declaradas32

no mesmo valor (duas respostas). E

somente uma mulher se declarou amarela (3%). Essas compreensões no interior do âmbito

escolar sofrem principalmente influência exterior, a influência dos valores e códigos morais

da sociedade. Traduzindo um pouco melhor pode-se pensar a falta de sensibilidade ainda

presente para as memórias históricas dos negros aqui advindos no período escravocrata

(desde o período colonial até o Império), mas não só para este olhar eurocêntrico de

colonização, como também o olhar de reafirmação de identidade étnica brasileira a partir da

valorização cultural africana presente no país.

Tendo em vista a dificuldade das mulheres com tecnologias digitais, eu e algumas

colegas de trabalho as auxiliaram para o preenchimento dos formulários. Nesta pergunta,

muitas se questionaram o que responder, até retrucando a pergunta: “Acho que eu sou parda,

né? ”, “Branca que eu não sou”. No entanto, só uma minoria declarou com veemência serem

“pretas”. O desconforto social que a palavra gera ainda é muito latente, e isso explica a força

ainda presente da discriminação racial na sociedade brasileira. A figura do pardo, por outro

lado, representa a mestiçagem dos povos (indígenas, portugueses e negros); seria a

classificação mais próxima de “moreno”.

Os desafios e limites à atuação de uma prática educacional voltada para a

emancipação de valores libertadores e igualitários são sempre consideráveis, mas as

possibilidades de ação estão postas até mesmo onde não se acredita estar, ou pelo menos, não

se acreditava. Diante da complexidade da inclusão de conteúdo das disciplinas escolares, e do

conteúdo de história e cultura afro-brasileira em particular, encontram-se formas de

representações do negro na sociedade brasileira que além de reproduzir tradições e crenças

32

Esta é uma resposta intrigante, demonstrando que o campo cor/raça enfrenta resistência em ser respondido.

Não se pode deixar de considerar que é uma informação auto-declaratória, mas esta situação dificulta a

utilização dos dados na formulação, implementação, acompanhamento e avaliação de políticas públicas voltadas

para a questão étnico-racial. Disponível em http://www.seppir.gov.br/central-de-conteudos/noticias/agosto/inep-

lanca-campanha-de-preenchimento-do-campo-cor-raca-no-censo-escolar. Acesso em maio de 2016.

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culturais também permitem a desmistificação de símbolos pejorativos e diminutivos ainda

recorrentes no imaginário social.

É perceptível que questão social e racial são indissociáveis. Segundo a Pesquisa

Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) 2014, realizada pelo IBGE, 53% dos

brasileiros se declararam pardos ou negros em 2014, diante de 45,5% que se disseram

brancos. Há dez anos, em 2004, 51,2% dos brasileiros se diziam brancos diante de 42%

pardos e 5,9% negros (totalizando 47,9% de negros e pardos), apontando para a

predominância da população brasileira que se autodeclarava branca. Foi em 2007 que os

números viraram, quando 49,2% se disseram brancos, 42,5% pardos e 7,5% negros

(totalizando 50% de negros e pardos). Desde então, o número de pessoas que se diz negro ou

pardo só faz crescer estando este fato, aparentemente, mais associado a reformulações

identitárias do que a recomposições populacionais .

Foram feitas várias abordagens educativas com as mulheres desde o início do curso,

em 2014. No dia da Consciência Negra33

, em novembro de 2015, foram realizadas reflexões

sobre a resistência negra no Brasil, com o aporte teórico de Carolina Maria de Jesus, mulher

da periferia de São Paulo que abalou as estruturas da academia literária com sua clareza sobre

o mundo. Pobre, negra e analfabeta escolar, Carolina aprendeu a ler sozinha, escrevendo

diários sobre sua dura batalha diária. Na ocasião, abordamos em especial um poema da

escritora:

Diz o brasileiro

Que acabou a escravidão

Mas o colono sua o ano inteiro

E nunca tem um tostão

(...)

Fazendeiro ao fim do mês

Dá um vale de cem mil-réis

33

O Dia da Conciência Negra é celebrado, no Brasil, em 20 de novembro de 2015. Foi criado em 2003 e

instituído em âmbito nacional mediante a Lei nº 12.519, de 10 de novembro de 2011. A ocasião é dedicada à

reflexão sobre a inserção do negro na sociedade brasileira. A data foi escolhida por coincidir com o dia da morte

de Zumbi dos Palmares, em 1695. Sendo assim, o Dia da Consciência Negra procura remeter à resistência do

negro contra a escravidão de forma geral, desde o primeiro transporte do povo africano para o solo brasileiro

(1549). Disponível em https://pt.wikipedia.org/wiki/Dia_da_Consci%C3%AAncia_Negra. Acesso em maio de

2016.

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Artigo que custa seis

Vende ao colono por dez.

(Jesus, 1960)

Rebelando-se contra o destino fatal da ausência escolar, estas mulheres são as

‘Carolinas’ do Distrito Federal. Neste debate sobre questão de gênero e raça, uma das

estudantes fez a seguinte observação:

“A gente que somos negras temos que nos dar valor, elas se deixam ser maltratadas,

todos somos capazes, é tempo da gente gritar e tomar uma atitude de mudar, ser

abusada pelo próprio esposo? Tem mulher que não se ama, por isso aceitam que o

próprio marido faça isso, a gente precisa de amor, passar para as pessoas aquilo que

não acontece, chega! Pois eu não! Cansei disso! Quando as coisas estão me

machucando eu começo a agir, eu entendo isso aqui no meu texto, é a realidade que a

gente passa. Meu pai é negro chega a brilhar no sol e eu tenho muito orgulho, tenho

orgulho de ser filha de negro! É isso que tinha pra falar…” (Anônima)

Como se tem vindo a esclarecer, o público-alvo do curso é de jovens e adultos, então

não foi surpresa reconhecer que 39% das mulheres se encontram na faixa etária de 30 a 39

anos (14 respostas), seguida das mulheres entre 40 a 49 anos, 33% (12 respostas). Considera-

se também que 14% das mulheres está entre 50 a 59 anos (5 respostas). A idade das mulheres

entrevistadas varia entre 37 e 73 anos, abarcando justamente essa diversidade. São advindas

de contextos sociais desvantajosos, em que a lei maior é da sobrevivência. Não tiveram

oportunidade de estudar na idade própria porque, ver-se-á, algumas porque o trabalho falava

mais alto. Neste trabalho, acredita-se na hipótese que a falta de igualdade de oportunidade foi

regra durante muito tempo, até que encontraram nos estudos um espaço de mudança.

O grupo de idosas do curso também é considerável, somando 14% (5 respostas) do

quadro (60 a 79 anos); observa-se que a mulher mais velha da turma tem 73 anos. Apesar da

velhice ser um fator natural como a cor da pele, é levada preconceituosamente pelo outro. As

mais idosas da turma, sem coincidência alguma, são as mais frequentes da turma, como Flora,

um dos sujeitos desta pesquisa de cuja biografia nos ocuparemos adiante.

Na mesma direção, destaca-se o expressivo número de respondentes chefes de família,

que confirmam a nucleação da família em torno do gênero feminino da turma: do total de

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mulheres que responderam ao formulário, 44% são solteiras (16 respostas), enquanto 36%

são casadas ou têm companheiros(as) (13 respostas). Se ainda considerarmos o grupo de

separadas e divorciadas (5 respostas) e viúvas (2 respostas), 64% das mulheres do curso são

chefes de família (23 respostas). Como coloca Toledo (1998, p. 26), adquirir autonomia e se

emancipar por meio da participação no mercado de trabalho era uma das aspirações das

mulheres, mas assumir a total responsabilidade como provedora da família, ou principal

provedora, não se apresentava como um ponto de pauta de suas reivindicações. Abaixo

visualize-se melhor a distribuição das participantes de acordo com o estado civil:

Gráfico 1

Distribuição das participantes de acordo com o estado civil

Fonte: Elaborado pela pesquisadora; dados retirados dos formulários socioeconômicos da Seleção

do Programa Auxílio Permanência 2º/2015

O perfil de mulheres que estão no curso agrega a taxa de fecundidade: 94% são mães

(34 respostas). E não é à toa que não conseguiram estudar na idade própria: a dupla ou tripla

jornada de trabalho as impunha sacrifícios, em que a escolarização não poderia ser

prioridade. Apesar da carga de ‘obrigações’ ainda persistir, hoje estas mulheres somam o

cenário escolar às suas vidas. Mesmo as que não têm com quem deixar seus filhos continuam

a frequentar o curso. Recorde-se que uma das medidas de apoio à frequência destas mulheres

é justamente a existência no Campus Taguatinga Centro de uma brinquedoteca donde as

mulheres podem deixar seus filhos aos cuidados de uma equipe de Pedagogia durante o

período de aulas.

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Notar que 31% têm mais de cinco filhos (11 respostas), seguido de 22% que têm dois

filhos (8 respostas). A saber, apenas 6% das mulheres responderam ao formulário não ter

filhos (2 respostas). A taxa de fecundidade da turma pode ser considerada alta, se comparada

com a tendência atual da taxa brasileira que é de queda. O número de filhos por mulher no

Brasil vem se reduzindo desde a década de 196034

, a exemplo do que ocorreu também em

vários outros países. Se em 1970, as brasileiras tinham, em média, 5,8 filhos, hoje, esse

número não chega a 2, taxa em que a população não se repõe. O número de nascimentos caiu

13,3% entre 2000 e 2012, quando a taxa de fecundidade foi de 1,77 filho por mulher, contra

2,29 em relação ao período anterior.

Gráfico 2

Distribuição das participantes de acordo com o número de filhos

Fonte: Elaborado pela pesquisadora; dados retirados dos formulários socioeconômicos da Seleção

do Programa Auxílio Permanência 2º/2015

Destaca-se que este curso capta sobretudo (ou somente) mulheres com perfil de

vulnerabilidade social. Promover a discussão sobre transições e vulnerabilidades situa um

campo de elevada importância no campo das ciências humanas. Cabe aqui, então, levantar as

considerações sobre o mal-estar dos segmentos sociais que estão desemparados pelas

políticas sociais, “que constitui um conjunto de ações ou omissões do Estado decorrente de

34

Disponível em http://brasil.elpais.com/brasil/2015/02/17/politica/1424196059_041074.html. Acesso em abril

de 2016.

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decisões e não decisões, constituída por jogo de interesses, tendo como limites e

condicionamentos os processos econômicos, políticos e sociais” (Silva, 2010, p. 37):

Transição reflete os passos de transformação pelos quais todos os seres humanos

passam. Significa compreender que o todo que existe está sempre em movimento, e

permite que a vida seja um complexo de ações interligadas entre si. Passado, presente

e futuro se relacionam, permitindo a análise de fatos sociais de forma contundente,

apesar de não parecer coesa, já que não existe homogeneidade nos caminhos de

transição pelos quais a humanidade percorre (Vieira, 2015).

Já vulnerabilidade refere-se a um conceito multifacetado que remonta à condição de

indivíduos ou grupos em situação de fragilidade, que os tornam expostos a riscos e a níveis

significativos de desagregação social. Relaciona-se ao resultado de qualquer processo

acentuado de exclusão, discriminação ou enfraquecimento de indivíduos ou grupos,

provocado por fatores, tais como pobreza, crises econômicas, nível educacional deficiente,

localização geográfica precária e baixos níveis de capital social, humano, ou cultural, dentre

outros, que gera fragilidade dos atores no meio social. De acordo com Katzman (1999):

A vulnerabilidade é entendida como o desajuste entre ativos e a estrutura de

oportunidades, provenientes da capacidade dos atores sociais de aproveitar

oportunidades em outros âmbitos socioeconômicos e melhor sua situação, impedindo

a deterioração em três principais campos: os recursos pessoais, os recursos de direitos

e os recursos em relações sociais.

Em um sentido profissional, vislumbra-se vulnerabilidade como demonstrativo de

estruturas sociais injustas, que fragmentam comunidades, famílias e pessoas em distintas

dimensões da vida social. Um passo adiante, pode-se dizer que “vulnerabilidade social”

representa os empecilhos e obstáculos de acesso aos pilares sociais de desenvolvimento que

provêm do Estado, do mercado e da sociedade civil.

“A relação entre transições e vulnerabilidades é a chave para definir as estruturas de

oportunidades em cada momento na sociedade” (Vieira, 2015). Vulnerabilidades não são

criadas nem planejadas, mas sim construídas a partir da ausência de funcionamento coeso em

um determinado espaço/tempo. A seguir abordamos as narrativas biográficas, sintetizando

como o engendramento de vulnerabilidades impacta na vida coletiva e especialmente dessas

mulheres.

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Capítulo 7 - Histórias de formosuras: um olhar biográfico sobre o desabrochar feminino

das relações

7.1 Do real ao imprevisível: a vida na cidade grande (Rosa)

Rosa35

, 45 anos36

, nasceu em Caxias, uma cidade no interior do Maranhão, região

nordeste do Brasil. “Sou uma mulher muito trabalhadeira, gosto de fazer amizade e sempre

quando a pessoa precisa de mim tô sempre presente e não sou daquele tipo de gente que é

mal-educada, sou bem-educada.” Visto como um local muito bonito e considerado um

município importante para a economia do Estado, Caxias carrega um estilo arquitetônico

lusíada, conservando grande parte do seu patrimônio histórico.

Demonstrou um vínculo positivo e saudosista com sua cidade natal, as pessoas e sua

história de vida: “É um lugar muito bom... Assim, meu sonho era morar lá né... Como o

marido não quer ir pra lá (risadas), é o jeito eu ficar aqui. Mas eu amo a minha cidade...”.

Morava com seus pais e seus irmãos, no total onze pessoas em casa. Rosa fez boas

observações sobre suas relações familiares. Em seu relato as brigas não tiveram vez perto da

união com seus pares, até com uma invariável argumentação:

“A gente se dá muito bem sobre a família da gente...Graças a Deus é uma família

unida. Todo mundo unido. Pai, mãe, irmão...Tudo, todo mundo unido. (...) Nunca

negócio de briga, com negócio de polícia, negócio de delegacia, nada... Todo mundo

unido, na paz... Aí junta com a família do marido, agora todo mundo é de boa...”

Rosa, de encontro à realidade de muitas mulheres do curso de Alfabetização e

Letramento, não era forçada ao trabalho durante a infância. Até chegava a ajudar o pai na

roça, mas sem nenhum grau de obrigatoriedade: “Não fui explorada trabalhando em roça não.

Morria de preguiça de ir pra roça (...) Minha mãe é contra quem coloca as mulher pra

trabalhar lá, ela disse que pra ela o homem bota a mulher pra trabalhar na roça ele não

presta.”

35

Foram usados nomes de flores para as mulheres, assim como foram alterados os nomes das outras pessoas

citadas, para manter o sigilo da pesquisa e preservar a identidade das entrevistadas. Esse tratamento também

elucida a transformação pela qual passaram: estas mulheres passaram por todas estações, desde o inverno mais

rigoroso até a tão esperada primavera porque permitiram que suas sementes crescessem até seu progressivo

florescimento. 36

As idades das mulheres são referentes à época da realização das entrevistas (novembro e dezembro de 2015).

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À época em que morava em Caxias, estudava em uma escola pequena, normal para os

padrões interioranos, mas sem energia e com paredes incompletas e o teto coberto de palha.

Essa escola só oferecia a primeira etapa do Ensino Fundamental37

, limitando os estudos de

Rosa até à 4ª série (1986), a qual nem chegou a concluir, porque havia de se mudar para a

casa de uma tia na cidade grande. Ela tinha planos de avançar nos estudos por lá, mas logo

desistiu da frequência escolar por não se adaptar ao local, retornando logo para o interior.

Mesmo demonstrando arrependimento de não ter terminado os estudos na idade própria, a

estudante reforçou que o fato de ter parado de estudar não estava relacionado com a

necessidade de trabalhar, pelo menos até aquela altura de sua vida:

“(...) aí depois eu desisti de lá da cidade lá, pra casa da minha tia e aí eu voltei pro

interior, só que eu continuei estudando lá e depois eu desisti. Mas assim, não foi por

falta de conselho de pai nem de mãe não, porque o meu pai sempre incentivou né, a

gente estudar, eu fui que não fui mesmo, com preguiça. E era mimada também... (...)

Ô menina, podia ter terminado né, quando eu parei, podia ter continuado, mas

arrependi, mas assim eu digo assim, tem tudo pra continuar né e terminar.”

No entanto, uma gravidez ocasional aos 22 anos a submeteu ao trabalho doméstico.

Além de ter sido abandonada pelo pai de Melissa, não tinha condições financeiras para

sustentá-la: “depois que eu tive a minha filha que aí fui vê que a responsabilidade era

outra.”Ainda teve que passar apuros para acompanhar sua gravidez, dependendo quase que

exclusivamente do hospital público da cidade:

“Lá o que tinha no interior mesmo lá aonde eu morava na roça nem existia mesmo...

As consultas mesmo era só na cidade que a gente ia na cidade consultar...quando

precisava assim de alguma consulta era só na cidade (...) Quando eu tive a minha

filha, se eu tivesse no interior ela tinha morrido.”

37

Ensino Fundamental é uma das etapas da educação básica no Brasil. Tem duração de nove anos, sendo a

matrícula obrigatória para todas as crianças com idade entre seis e quatorze anos. A duração obrigatória do

Ensino Fundamental foi ampliada de oito para nove anos pelo Projeto de Lei nº 3.675/04, passando a abranger a

Classe de Alfabetização (fase anterior à 1ª série, com matrícula obrigatória aos seis anos) que, até então, não

fazia parte do ciclo obrigatório (a alfabetização na rede pública e em parte da rede particular era realizada

normalmente na 1ª série). Disponível em

http://www.sinproesc.org.br/index.php/index.php?option=com_content&view=article&id=96. Acesso em janeiro

de 2016.

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O pai da criança viria assumir a criança muitos anos depois, quando ela atingiu

maioridade. Apesar de demonstrar tristeza do abandono paterno, Rosa relatou ficar contente

com o registro e saber separar de suas emoções como mulher:

“Eu sabia que ele era o pai dela e ele negava que era pai...Eu fiquei muito chateada

com ele..., mas ela se dá bem com ele...Eu digo que num vou tirar o direito dela

também não...Se vira com ele…”

Quando a filha tinha cinco anos, sua vida teve uma reviravolta. Concretizada em

1997, a mudança para Brasília foi um salto transformador em sua vida, deixando para trás

cotidianos e vivências nada parecidos com o que estava por vir. Foi motivada a encontrar seu

companheiro atual, Antônio, o qual já estava morando em Brasília. O saudosismo sentido

pela mudança, no entanto, não impediu de construir uma nova história de vida, agora

encenada na Cidade Estrutural:

“Sofri muito no passado e hoje tô vivendo com ele, vivo muito bem, a gente se dá

muito bem, trabalha, cuida dos filhos, cuida de mim e eu também cuido dele né, cuido

dos filho...e deixa eu estudar...”

Apesar da revelação de alegria pelo momento presente, não se pode deixar de

considerar a manifestação de violência simbólica presente no trecho acima, a qual é dada pela

perpetuação de uma determinada cultura machista, baseada na interiorização de seus

membros. Como Bourdieu (2002, p. 22) coloca, “a visão androcêntrica é assim

continuamente legitimada pelas próprias práticas que ela determina: pelo fato de suas

disposições resultarem da incorporação do preconceito desfavorável contra o feminino,

constituído na ordem das coisas, as mulheres não podem senão confirmar seguidamente tal

preconceito.”

À época de sua mudança para Brasília, inclusive, Rosa não levou a filha Melissa38

.

Segundo ela, sua mãe não teria deixado: “Eu num trouxe (...) porque ela foi criada desde

38

Melissa morou a vida inteira na cidade de Caxias, e como explicado acima, ficou sob os cuidados dos avós

desde que nasceu. No entanto, percebi uma ligação forte entre mãe e filha. Rosa a visita sempre que tem alguma

folga no curso e no trabalho. Depois da entrevista, ela demonstrou muita felicidade porque a filha havia se

tornado mãe há pouco tempo (até chegou a mostrar algumas fotos de sua neta).

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pequenininha lá com os meus pais, aí minha mãe não deixou eu trazer. Mas assim, eu

não...não arrependi...Sempre ele deixa eu visitar ela.” Ele, no caso, é o companheiro de Rosa.

É de se questionar que as visitas à filha devam ter algum tipo de aprovação. Uma

manifestação clara de violência simbólica contra sua liberdade de ir e vir. Mas, ao mesmo

tempo, silenciosa, pois nem mesmo a entrevistada percebe algum tipo de violência em suas

relações familiares.

Nota-se, no entanto, que tal legitimidade de preconceito esbarra nos fatores de

mudança, em que a dominação masculina não é mais tão óbvia assim, especialmente quando

se discute violência contra mulher ao nível físico:

“Às vezes eu falo às vezes que se o marido vier me bater (risadas) ele bate mas vai

pela Lei Maria da Penha. Às vezes a gente brinca, mas ele nunca triscou a mão em

mim (..). Não tenho esse sobressair, esse corpinho nunca ninguém triscou (risadas) e

nem vai triscar. Aqui ninguém mexe.”

Feita essa observação, pode-se perceber que seus laços familiares são foco importante

de seu discurso. Rosa desenvolveu o gosto pela sua nova moradia, ao lado da família que

construiu. José e seus dois filhos, Francisco, 17 anos e Vitor, 14 anos, na época da entrevista,

e dois gatos, os quais perambulavam pela casa enquanto fazia a entrevista. Durante a jornada

diária, cada membro familiar singulariza um aspecto de sua sobrevivência no mundo: os

filhos estudam, o companheiro trabalha o dia todo em uma empresa como estoquista39

(ele já

terminou o ensino médio e já fez alguns cursos no IFB também) e a mãe estuda e trabalha

como diarista40

. Além disso, ela tem uma banca de produtos em uma feira local e vende

produtos cosméticos de porta em porta.

No início de 2013, retomou seus estudos no Programa Mulheres Mil do IFB (segunda

chance desde que abandonou os estudos em 1986). Além de estudar no âmbito da educação

profissional e tecnológica, neste mesmo ano Rosa retomou os estudos na escola regular de

39

Alguém que guarda qualquer tipo de mercadorias. Aquele que comercializa ou comerciante que possui

estoque de qualquer mercadoria. Depositário de mercadorias para venda ou exportação; encarregado da

escrituração do livro de estoque. Disponível em http://www.dicio.com.br/estoquista/. Acesso em maio de 2016. 40

Diarista (trabalhadora autônoma) é aquela que exerce por conta própria atividade profissional remunerada,

sem relação de emprego, eventualmente, para uma ou mais pessoas, por no máximo dois dias na semana.

Disponível em http://direitodomestico.jornaldaparaiba.com.br/noticias/como-definir-juridicamente-uma-

diarista/. Acesso em maio de 2016.

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ensino: “desde que eu comecei na Mulheres Mil. Foi 2013? 2013. Foi no início que me

incentivou eu voltar mesmo, foi de lá... que aí as mulher tavam pra lá, aí já mandou a gente

vir pra cá...aí eu me inscrevi e continuei...Deu certo. ”

Primeirou estudou no Centro de Ensino Fundamental (CEF) 01 - mais conhecido

como escola “Diandar” pela comunidade da Estrutural. Passados quatro meses que estava a

estudar no CEF 1, ainda em 2013, foi transferida para o CEF 02, pois a antiga escola não

oferecia educação de jovens e adultos, proposta adequada à sua realidade educacional. Ao

chegar no CEF 02, realizou o teste de nivelamento que a inseriu na 3ª série41

do Ensino

Fundamental. Desde então ela se sente muito motivada a continuar estudando: “já tô fazendo

a 7ª série e levando o caso pra frente e esperando pra ver se no próximo ano vou pra 8ª”

(risada). A busca pelo percurso educacional linear é óbvio em sua fala. Como uma forma de

consertar a dificuldade de permanência no passado, Rosa transparece a condição de jovens e

adultos que viabilizam sua existência no universo escolar:

Como sinalizam os jovens, para transformar a atual situação, é necessário ter

“atitude”. Deve-se procurar entender o que esses sujeitos na condição de alunos vêm

tentando demonstrar, explícita ou implicitamente, seja pelo abandono, pela

desistência, pela dificuldade de permanência, seja pelas formas com que organizam

suas necessidades e anseios. Como atender a esses sujeitos a partir desse tipo de

organização de tempos, espaços e conteúdos educacionais? Como transformar o

espaço escolar da Educação de Jovens e Adultos de forma a funcionar como mais uma

instituição inserida nas redes sociais de apoio e de inclusão desses sujeitos? (Andrade,

2004)

A motivação é tanta que continuou a estudar no curso de Alfabetização e Letramento,

iniciado em 2014, relatando inclusive sua motivação em continuar participando dos cursos do

IFB: “ai, não quero desistir do curso do IFB também, mesmo que eu não for pra lá no ano

que vem, eu vou me inscrever aqui na Cidade do Automóvel, inglês ou matemática ou

informática e quero continuar dentro do curso, não quero desistir.” (risadas)

Devido ao seu próprio gosto pelos estudos, incentiva muito seus filhos a estudarem:

“Meu filho, o futuro de vocês é o estudo, se vocês não estudar, aí a coisa não funciona, pra

arrumar alguma coisa melhor tem que ter estudo e tem que estudar, porque a gente não coloca

pra trabalhar.” Rosa quer reconhecer letras, formas frases, ler um livro inteiro. O que deseja

41

O curso de EJA no Brasil é composto de seis meses de duração para cada série ou etapa de ensino. Em

contraponto ao ensino médio regular, que dura três anos, a EJA dura um ano e meio, por exemplo.

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parece limitado, aos olhos de pessoas que já possuem a habilidade da escrita, mas para ela é a

garantia de se ver como pertencente à sociedade letrada. Garantindo seu espaço no universo

escolar, Rosa dá vazão a suas experiências de empoderamento. Vide Sarreta (2011),

“considerar os sujeitos em formação nesse processo é entender que a vida vivida pelo aluno

adulto, suas experiências e trajetórias devem ser ponto de partida para o diálogo entre quem

ensina e quem aprende.”

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7.2 A vida que me pariu (Iris)

Iris, 39 anos, se define como uma pessoa paciente, carinhosa, “mas quando me tira do

sério sou bem brava (risos). Sou uma pessoa calma, ultimamente tô muito calma porque antes

eu era muito estouradinha.” Nasceu em um pequeno município do estado da Bahia, chamado

Wanderley, mas logo depois foi para Jupaguá, uma cidade próxima de lá. Morou lá até seus

cinco anos, quando se mudou para Barreiras, décimo segundo município mais populoso do

estado da Bahia. Foi o local em que viveu mais tempo além de Brasília, cerca de quinze

anos. Em termos de serviços públicos, Barreiras oferecia posto de saúde, hospital, escola,

entre outros serviços que as cidades anteriores não apresentavam.

Quem a criou foi seu avô (seu pai biológico a abandonou logo que nasceu) e sua avó

materna, a quem se refere como mãe ou “mãe vó”; pois sua mãe biológica morreu quando ela

tinha apenas cinco anos. Nessa mesma época Iris chegou a ser violentada na infância, pelos

colegas que trabalhavam com seu avô: “Isso aí eu já fui muito...eu sofri muito nessa parte aí

quando eu era criança. (...). Minha mãe não sabia, ele me batia, ele falava que não era pra

mim falar pra minha mãe nem pro meu pai, pro meu avô...” (fica emocionada) Segundo

Faleiros (2000), sobre a questão do consentimento da vítima, deve-se ter claro que situações

de abuso sexual envolvem uma relação de dominação, na qual a criança apresenta poucas

condições de reagir porque se encontra sob domínio do abusador. Há um processo de

dominação psicológica, e a vítima não pode ser responsabilizada por atos dos quais participa

enquanto dominado (Faleiros, 2000). O abusador garante sua posição de poder e dominação

por meio de um mecanismo de controle baseado em hostilidade e agressividade (Koller & De

Antoni, 2004).

O ciclo de perpetuação da violência se estendeu até a vida adulta, pois ainda teve que

aguentar mais violência dos seus ex-companheiros: “Esse, o Silvano, nunca me espancou, já

o pai do Lívio me espancava, me batia muito, ele me batia que tirava sangue. Eu fui muito

sofrida.” (fica emocionada). O relacionamento familiar intergeracional conturbado e sem

apoio indica o aumento de vulnerabilidade, neste caso, com repetidas situações de abuso que

causam impacto até hoje.

Não fala muito no assunto porque fica com vergonha, inclusive no acompanhamento

psicológico que realiza em uma outra instituição: “eu não falei, até hoje eu nunca tive

coragem de falar. Só pra ti...só foi pra ti mesmo que eu tô falando.” Iris não chegou a

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denunciar os casos de violência que sofreu na vida adulta, disse que “na época eu acho que

não tinha esses negócio de denunciar não, nem denunciei ele, só me separei dele...” A

complexa teia de relações de Iris na sua infância é fundamental para a compreensão de sua

trajetória de vida, e sem dúvidas seria necessário um maior aprofundamento para desvelar um

assunto tão delicado e caro para a entrevistada.

A infância de Iris foi um período obscuro durante a entrevista, até mesmo pelo sentido

desconforto de resgatar memórias visivelmente tristes. O passado da estudante é coberto de

expectativas não cumpridas, sonhos não realizados e trajetórias frustradas pelo desestruturado

contexto sociofamiliar. Começa a transparecer esperança ao comentar de Barreiras, cidade

em que foi morar quando tinha cerca de 12 anos. Apesar da nova etapa de vida, a ausência

escolar ainda era uma constante. Sua mãe chegou a colocá-la para estudar, mas só

permaneceu na escola até a segunda série do Ensino Fundamental:

“Mas quando minha mãe colocou a gente na escola eu tinha 12 anos, não deu tempo

pra mim aprender nada. Já tava na época de adolescência né, queria saber de outras

coisas, não de estuda (...) Que eu sempre tive a mente fechada, eu não ia pra estudar,

eu ia pra namorar mais.”

Além da educação não ser prioridade, Iris tinha que trabalhar como babá de crianças

para ajudar no sustento familiar. Permaneceu lá até os seus 20 anos, quando foi morar em

Brasília (1996), desta vez com muita ânsia de voltar a estudar. Na época Iris tinha apenas

uma filha recém-nascida (cerca de 2 meses), Gardênia, a qual foi diagnosticada com

transtorno mental. Sem condições emocionais e financeiras de criá-la, sua tia ficou

responsável pela guarda da criança. Ainda que seu sonho fosse ir para escola: “eu cheguei

aqui tão feliz que eu pensava que eu ia estudar e estudar...” Iris ficou apenas trabalhando no

Lixão42

por quase dez anos até conciliar o trabalho com os estudos.

Depois de um ano morando na Estrutural, foi para outra região administrativa do

Distrito Federal (DF), Recanto das Emas, onde sua tia havia ganhado uma chácara do

Governo do Distrito Federal (GDF). Depois de um ano morando lá, montou seu 42

É o local de depósito de materiais recicláveis (ou não), localizado na Cidade Estrutural. Salienta-se que tal

local já está em situação irregular desde a implementação da Lei nº 12.305/2010, que institui a Política Nacional

de Resíduos Sólidos (PNRS), que contém instrumentos em prol do enfrentamento dos principais problemas

ambientais, sociais e econômicos decorrentes do manejo inadequado dos resíduos sólidos. Desde então, foi

prevista sua desativação e criação do Aterro Sanitário da Cidade Samambaia, a qual não foi concluída até hoje.

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70

barraquinho43

na Cidade Estrutural, mas ficou somente um ano lá até ganhar seu lote

definitivo, cerca de quatro anos atrás44

.

Desde então reside com três dos seus sete filhos (os outros quatro moram na casa da

tia). Esta realidade demonstra profunda desestruturação familiar, de fato, além de sua

condição socioeconômica não ser favorável para a criação dos filhos, Iris nunca pode contar

com apoio paterno: “...sempre fui mãe e pai dos meus filho, eu tive que trabalhar, se eu não

trabalhasse meus filho passava fome.”

O sonho de ser costureira não condiz com a realidade em que vive. A cada dia de

trabalho recebe menos de trinta reais45

. (muito díspare de sua pretensão de ganhar um salário

mínimo, hoje estipulado em 880 reais). É um trabalho depreciado e muitas vezes degradante:

“...vou toda protegida, urubu trabalha junto com a gente né, tudo que não presta. Uma

vez já achei uma criança morta. Eu puxei um saco assim que eu abri era uma criança,

ela caiu nos meus pés, e acho que ainda tava com o cordão umbilical, eu não tive

coragem de olhar. Ali naquele lixo a gente acha de tudo, de tudo...”

Ainda trabalha lá para complementar a renda familiar, “porque é a necessidade mesmo

e a gente que tem filho pequeno pra dar comida, porque se não fosse eu não ia de jeito

nenhum, não iria mesmo...” Acredita que se tivesse estudo não estaria na condição atual no

Lixão, o que pode servir de motivação para conciliar os estudos com um quotidiano exigente.

Em 2013 começou sua trajetória no Programa Mulheres Mil e em 2014 iniciou os estudos no

curso de Alfabetização e Letramento. Durante os dois anos últimos anos também participou

de um curso de qualificação profissional no Programa Fábrica Social46

, em que ganhava uma

bolsa no valor de R$ 304 reais mensais.

43

Pequena casa de tijolo, madeira ou outros materiais nos bairros pobres, em morros, ribanceiras ou à beira dos

rios, coberta com palha, ramos, telha ou zinco. Disponível em

http://www.michaelis.com.br/busca?palavra=barraco. Acesso em abril de 2016. 44

A trajetória de vida de Iris demonstra profunda falta de linearidade, mesmo com a reconfirmação de alguns

dados os saltos em sua história foram inevitáveis. 45

Este valor, em euros, não daria nem 7 €, calculado em fevereiro de 2015. 46

O Programa Fábrica Social é uma iniciativa do Governo do Distrito Federal que visa promover cidadania para

pessoas de baixa renda, inscritos no Cadastro Único para Programas Sociais (CADÚNICO), como, por exemplo,

o programa DF Sem Miséria ou Bolsa Famíli

a. Tem como principal objetivo a qualificação dos participantes para que eles estejam prontos para ingressarem

no mercado de trabalho.

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71

Todos os filhos estudam. Gardênia, 18 anos, estuda em uma sala especial para pessoas

com deficiência. Hoje, mais carinhosa e brincalhona com os filhos, atribui a mudança a sua

crença religiosa:

“Eu acho que foi depois que eu aceitei Jesus. Depois que eu fiquei evangélica eu acho

que Deus deu uma mudada no meu coração e na minha mente. Depois que eu aceitei

Jesus eu sou mais feliz. Mudou muita coisa na minha vida.”

A projeção estimada para a população evangélica no Brasil, em 2014, era de 25,25%

(51.208.237 crentes), um pouco mais de ¼ da população brasileira (202.768.562 habitantes)47

à época da pesquisa do IBGE. De acordo com Mariano (2004), a expansão pentecostal

brasileira não é recente nem episódica:

Ocorre de modo constante já há meio século, o que permitiu que o pentecostalismo se

tornasse o segundo maior grupo religioso do país (em primeiro o catolicismo). Mas

seu avanço não é expressivo apenas nos planos religioso e demográfico. Estende-se

pelos campos midiático, político partidário, assistencial, editorial e de produtos

religiosos. Seus adeptos não se restringem mais somente aos estratos pobres da

população, encontrando-se também nas classes médias, incluindo empresários,

profissionais liberais, atletas e artistas. Ao lado e por meio disso, o pentecostalismo

vem conquistando crescente visibilidade pública, legitimidade e reconhecimento

social e aprofundando raízes nos mais diversos estratos e áreas da sociedade

brasileira.

Os perfis socioeconômico e demográfico de pentecostais e protestantes são bastante

distintos. Dados do último Censo Demográfico revelam que a maioria dos pentecostais

apresenta renda e escolaridade inferiores à média da população brasileira. Grande parte deles

recebe até três salários mínimos e ocupa empregos domésticos, em geral modestos e

precários, numa proporção bastante acima da média nacional. Um outro padrão de explicação

para o crescimento dos evangélicos volta-se para a deterioração do quadro socioeconômico

do país. Segundo Fernandes et al (1998, p. 25), “o crescimento notável dos evangélicos

decorre, sobretudo, de escolhas feitas pelos pobres.”

47

Disponível em http://olharcristao.blogspot.com.br/2015/01/populacao-evangelica-do-brasil-atinge.html.

Acesso em maio de 2016.

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Já segundo Novaes (2001), os evangélicos pentecostais, além de possuir membros

entre as camadas sociais menos privadas de recursos financeiros, conseguem penetrar nas

franjas da sociedade: em áreas que têm se mostrado inalcançáveis para outros segmentos

religiosos. “São setores sociais (e espaços geográficos) que, por sua precariedade de

condições, revelam, por outro lado, a mais completa ausência do poder público. Neste

sentido, pode-se dizer que a influência social das igrejas evangélicas no Brasil é notável, não

somente em termos de representatividade da fé, mas também de apoio social, o qual muitos

mulheres do curso se apóiam.”

A vivência de Iris é um legado previsível da pobreza produzida na visível desigual

social em que vivemos no Brasil. Um Estado ausente e com políticas sociais débeis,

profundamente seletivas e focadas na extrema pobreza. A sede de transformação, no entanto,

é o que está fazendo a real diferença na vida de Iris. Ela demonstra muito interesse em

continuar no IFB, principalmente nos estudos de Alfabetização e Libras. E já que o Lixão tem

ordem antiga de ser desativado, está também aguardando cursos de capacitação profissional

que foram anunciados pelo GDF para os trabalhadores de materiais recicláveis. Acreditando

em um mundo diferente para si, Iris destaca a prática educativa como um campo de

mudanças, já inserido em seu cotidiano e entregue ao seu futuro.

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7.3 Sentindo uma dor de cada vez ou todas de uma vez só (Hortênsia)

Hortênsia, 41 anos, é nascida em Formosa do Rio Preto, Bahia. É um município

brasileiro do estado da Bahia, próximo a Barreiras. Hortênsia tem seis irmãos, duas mulheres

(uma falecida) e quatro homens. Hortênsia se define como “uma sofredora sem nada, só

sofrimento…Um atrás do outro com filho para cuidar, não tem dinheiro para comprar um gás,

uma mistura para comer...”

Sua cidade natal possui escola, hospital, fórum de justiça, delegacia, entre outros

serviços. Morava lá com sua mãe e seu irmão mais novo – sua mãe faleceu há cerca de oito

anos. Relatou ter vivido pouco tempo com seu pai, porque ela tinha apenas três anos de idade

quando ele morreu. Sua casa era de alvenaria e tinha encanamento. Ela chegou a estudar

quando criança, mas não soube dizer por quanto tempo, só lembra que não teve muita

aprendizagem: “A minha mãe fez de tudo pra mim tentar estudar, pra mim aprender né, só

que eu não sei se a memória que foi fraca, falta de desinteresse, a memória, não teve muita

aprendizagem na escola não.”

Hortênsia morou lá até cerca dos 20 anos, quando veio morar em Brasília (1995). Dois

de seus irmãos já tinham morado na capital, facilitando possíveis dúvidas que ela tivesse. No

auge de sua juventude, Hortênsia tinha o desejo de mudar de ares, sair do interior para

conhecer novas realidades e como na época Brasília estava em destaque, devido sua

inauguração, não pensou duas vezes. À época da sua chegada, começou a trabalhar como

empregada doméstica em casa de família. Tinha pretensão de se fixar no emprego, mas logo a

vida lhe trouxe uma novidade que acabou virando uma forte problemática pela frente:

“porque assim que eu vim pra cá eu comecei a envolver com o pai do meus filho e realmente

só foi problema, mas eu queria ficar por aqui pra trabalhar e me iludi por ele e terminei

ficando e não voltei pra lá mais.” Da união nasceram três filhos: Felipe (18), Fábio (16) e

Aurora (10).

O seu companheiro a impedia de dormir na casa dos patrões, o que era combinado

antes mesmo de se unirem como casal. Voltou para sua cidade natal, mas logo decidiu

retornar a capital para reencontrar seu ex-companheiro. Sua mãe não aprovou a mudança,

inclusive porque não aprovava este casamento. E tinha lá suas razões. A relação de Hortênsia

com Antônio era permeada de fortes indícios de agressão, não somente física, porque o seu

companheiro também a agredia moral e psicologicamente: “acabei na ilusão da pessoa

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errada.” Vítima de violência doméstica durante muitos anos, no início de 2015 decidiu

romper com o ciclo de violência, ou ao menos pensava assim: denunciou Antônio no âmbito

judicial com base na Lei Maria da Penha. Ele deveria sair de casa e ficar longe da ex-esposa.

Não satisfeito de perder a moradia, tentou invadir o espaço da ex-companheira. Na ocasião,

Felipe, que tentava impedir que a mãe fosse novamente agredida, acabou sendo alvo da

ferocidade do pai. Com a ajuda do irmão mais novo, felizmente nada aconteceu, mas o pai

acabou sendo preso por descumprir a medida protetiva (ele ainda deverá cumprir dez anos de

cadeia).

“Ele me agrediu várias vezes. Ele foi preso justamente até por conta de problema de

dentro de casa mesmo, porque ele mesmo causou. Entre eu e meu filho. (...). Até

porque se ele não tivesse dado essa primeira entrada pra tá acontecendo isso, pra ter

feito isso com o próprio filho dele, que é o meu filho e o filho dele, nada disso

talvez... Essas pessoas que causam problema pro meu filho, talvez não teria

acontecido nada disso, mas se ele deu a primeira entrada...”

Os laços patriarcais ainda são tão fortes no imaginário social que provocam a

sensação de angústia e culpa nas mulheres, como é o caso de Hortênsia. Ela se sente culpada

por tê-lo denunciado, sentindo até que sua vida piorou desde então. Sem o ‘apoio’ do ex-

companheiro, se sente sozinha:

“As ruim é que até agora eu entendo de ser uma mulher sozinha, de ter umas coisas

ruim, de sofrimento entre eu e meus filho. Mas o Deus vai me ajudar que, vai dar tudo

certo, vou tá esperando essas coisa ruim vai ficar tudo pra trás e Deus vai me ajudar a

modificar a minha vida.”

Hortênsia não gosta de sair de casa porque não se sente segura no local onde mora:

“eu não me sinto bem em andar ali. Se alguém me perguntar se eu conheço a Cidade

Estrutural eu não conheço porque eu não ando ali.” Com um contexto de vida nada favorável,

recentemente seu filho mais velho foi baleado na praça local da cidade, crime supostamente

motivado por tráfico de drogas. Condicionada a um ciclo infindável de violência, não é

surpresa não gostar de morar na Cidade Estrutural:

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“(...) eu queria muito arrumar um outro canto pra mim poder sair dali. Se eu

conseguisse até vender ou alguma outra saída assim. Ou vender...é, mais o vender.

Queria vender pra mim ir embora dali e ficar junto com meus filho porque agora eu

vou, todas as vezes que eu vou ficar lembrando do meu filho porque agora eu vou,

todas as vezes eu vou ficar lembrando do meu filho que eu embarquei ele até pra ele

esquecer todos os problemas, o que aconteceu com ele. Ficando só eu e os outros dois

menores. (...) Melhor tirar ele um pouco, pra ele conhecer outros lugares e conhecer

essa maldade que ficou aqui pra trás que é na Cidade Estrutural.”

Apesar disso, não sente vontade de voltar a morar na cidade natal. Mãe de três filhos,

sendo dois menores de idade, avalia que Brasília tem uma situação de recurso mais favorável:

“É, escola, saúde48

e em termo de alimentação porque alimentação aqui a gente

sempre consegue uma doação através do pessoal da igreja, mas lá é meio difícil de

isso acontecer. (...) Até que o momento que eu mais precisei né, quando o meu filho

foi atingido esses dias aí, quando o meu filho chegou lá no posto tinha um médico pra

acompanhar ele.”

Hortênsia estuda no Instituto Federal de Brasília desde 2013 no Programa Mulheres

Mil. Foi informada por meio da divulgação do CREAS da Cidade Estrutural. Gosta

especialmente das aulas de alfabetização e a que menos gostou até hoje foi de Informática,

pela dificuldade de aprendizagem com a tecnologia digital. Considera que o campus tem uma

boa estrutura, e lembra que a brinquedoteca é muito importante para as mães poderem

estudar.

Hortênsia é uma mulher caseira, gosta de cozinhar e até pensa em fazer encomendas

para fora. No entanto, depois que seus filhos nasceram só consegue trabalhos esporádicos. As

dificuldades financeiras são tamanhas ao ponto de ter de vender as doações de frutas e

verduras que recebe da Central de Abastecimento do Distrito Federal (CEASA). A lógica

caritativa fica perceptível em seu discurso, pois a sobrevivência faz parte de seu cenário de

vida. Nota-se a urgência em sobreviver e a busca pelos apoios sociais são uma forma indireta

de conseguir dinheiro.

Devido a sua consciência de não poder contar sempre com algum tipo de apoio, às

vezes também passa a vender balinha e pipoca em transportes coletivos, a fim do mínimo do

48

Hortênsia teve seus três filhos em um hospital público de Taguatinga, Distrito Federal.

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mínimo, por assim dizer. Como coloca Galeazzi (2001, p. 63), “as mulheres apresentam

dificuldades maiores de inserção no mercado de trabalho e nas famílias chefiadas por elas

verificam-se níveis de renda significativamente inferiores às das chefiadas por homens.” Não

somente pelo quadro de desemprego em que o Brasil vive atualmente49

, mas o contexto de

vida de Hortênsia a impede de trabalhar. Ela não conta com nenhum apoio familiar para

cuidar dos seus filhos, apesar de ter parentes morando em Brasília. Consegue estudar só

porque os filhos estudam no mesmo período. E para suportar as dores (muitas delas

provocadas pelos episódios constantes de violência), frequenta um grupo de apoio

psicológico em uma instituição de apoio à mulher localizada em Brasília, a Casa da Mulher

Brasileira50

.

Ela não tem religião: “pelo o que eu passei, pelo o que eu tô passando, no momento

não me considero católica." Sonha em ter um emprego digno e ganhar um salário mínimo -

hoje estipulado em 880 reais, quissá trabalhando na limpeza das ruas da cidade. O seu desejo

de autonomia e independência é revelador:

“Se pelo menos eu tivesse meu emprego digno, poderia ser até emprego de varrer a

rua mesmo, eu tendo meu salariozinho todos os mês pra mim poder tá me mantendo,

eu e meus filho, ia até me ajudando bastante. (...) Pra mim poder não deixar faltar as

coisa dentro de casa e poder ajudar meus filho e ter meu dinheiro, pra mim me dar

conta de mim mesma, si próprio.”

A precariedade atravessa a vida das mulheres entrevistadas, e isso ainda mais visível

no relato de Hortênsia. Apesar de todas as dificuldades, se sente motivada a continuar no

curso de Alfabetização e Letramento. Hortênsia busca aprender a ler e a escrever, apesar da

notável insegurança em sua fala, colocando um certo descrédito em sua capacidade: “pra mim

49

A taxa de desemprego no trimestre encerrado em fevereiro de 2016 foi estimada em 10,2% para a totalidade

do país, ficando 1,2 ponto percentual acima da taxa do trimestre encerrado em novembro de 2015 (9%) e

superando a do mesmo trimestre do ano anterior, que havia sido de 7,4%. O Brasil tem hoje 10,4 milhões de

pessoas sem ocupação. Disponível em http://agenciabrasil.ebc.com.br/economia/noticia/2016-04/desemprego-

no-brasil-sobe-para-102-revela-pesquisa-do-ibge. Acesso em maio de 2016. 50

A Casa da Mulher Brasileira é um dos eixos do “Programa Mulher, Viver sem Violência”, coordenado pela

Secretaria de Políticas para as Mulheres da Presidência da República. Integra no mesmo espaço serviços

especializados para os mais diversos tipos de violência contra as mulheres: acolhimento e triagem; apoio

psicossocial; delegacia; Juizado; Ministério Público, Defensoria Pública; promoção de autonomia econômica;

cuidado das crianças – brinquedoteca; alojamento de passagem e central de transportes. (Texto disponível em

http://www.spm.gov.br/assuntos/violencia/cmb. Acesso em janeiro de 2016).

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ver se ainda conseguia aprender né, a ler, a desenvolver alguma coisa (...) Ajuda porque o

que a gente aprende aqui, a gente sabendo do que a gente aprendeu aqui a gente tenta se

identificar lá fora, pelo o que a gente aprendeu aqui. O que a gente tentou soletrar um pouco,

a gente tentou se esforçar um pouco a tentar soletrar, dar conta de ler o nome, ajuda sim, me

ajuda bastante lá fora. ” Sarreta (2011, p. 9) provoca o tema, dizendo que “os alunos adultos

sofrem muito quando decidem ou são chamados a aprender a ler e escrever. Eles entram em

conflito porque, ao mesmo tempo em que querem aprender, esbarram no medo, na

insegurança, de estar em terreno desconhecido. Eles sentem que podem e não podem ao

mesmo tempo, têm medo de arriscar, e isso faz com que eles recuem, não acreditando com

firmeza que podem aprender.”

Hortênsia passou por certos períodos de infrequência regular no curso, especialmente

pelas problemáticas aqui narradas. Mesmo assim, já conhece o caminho de volta a casa, a

casa da leitura e do conhecimento: “sim, dependente se não tivesse muitos problemas né, é

muito bom tá continuando, de qualquer forma sempre tá ajudando, porque tá apendendo

coisa diferentes... Tentando se dedicar até ver se consegue voltar a ter o estudo de volta, a ler.

Então vai tá ajudando bastante. ”

Fica perceptível em sua fala a busca pelo desconhecido, provocando sensações

diversas; obstáculos fazem parte da sua vida a todo tempo. Mas seu desejo pela permanência

é maior que qualquer medo. O curso se apresenta como um apoio para sua estratégia de

sobrevivência, a valorizar as experiências trazidas para a sala de aula que possibilitam uma

compreensão melhor do mundo.

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7.4 Brasília: terra de gente chique ou de lama? (Camélia)

Camélia, 37 anos, nasceu em Caxias, Maranhão, mesma naturalidade da entrevistada

Rosa. Ela se define como uma pessoa que não desiste dos seus objetivos e que muitas

mudanças em sua vida a fizeram enxergar a realidade de outra forma. Não é novidade

perceber a questão da autonomia, fica evidente em sua fala a vontade de tomar as rédeas da

própria vida:

“Eu praticamente eu era cega, eu não sou mais. Eu já vejo as coisa com outra vista,

porque de outra hora eu não, por mim, se dissesse é assim, e é assim que você dizia e

pronto. Agora eu sei dizer não, não é assim, eu vou fazer assim.”

Camélia morava na roça. Vinda de uma família empobrecida de recursos e com traços

desestruturais, ela é uma dos 17 filhos que sua mãe teve. Mesmo sobrecarregada pelas

circunstância em que vivia, tinha consciência que a mãe não tinha como acolhê-la: “ela não

tinha condição de ficar com a gente.” Situa-se em uma família permeada por frágeis

condições socioeconômicas, a qual remete ao discurso da “não transferência para as famílias

da culpabilização de mazelas e precarizações que permeiam a sociabilidade humana,

sobretudo a particularidade brasileira” (Machado, 2010). Além de não ter tido a oportunidade

de cuidado e dedicação, Camélia ainda teve que suportar a duras penas episódios de abuso

sexual: “minha mãe tinha 17 filhos, aí meu tio abusava da gente, eu não gosto nem de falar

disso. Foi um episódio muito triste, mas eu superei.”

À sombra do seu discurso percebeu-se a tentativa de apagar a indignidade perpetuada

em suas relações, vistas como memórias subterfúgias. “O abuso sexual intrafamiliar torna-se

prejudicial à criança vitimada porque envolve uma quebra de confiança com as figuras

parentais e/ou de cuidado que, a princípio, deveriam promover segurança, conforto e bem-

estar psicológico” (De Antoni & Koller, 2002). A decisão de sair de casa aos 10 anos

comprova este pensamento: “tinha uma mulher que pegava as criança pra ajudar, tipo assim,

aqui é Taguatinga, pistão sul, aí a outra ali é Taguatinga Centro, ela pegava essas menina, pra

ganhar alguma coisa, ganhar roupa num mês.”

Para fugir da violência vivida dentro da própria família, morava com esta mulher na

roça em troca de sua mão-de-obra barata, lavando roupa. Permaneceu assim por cinco anos,

até quando fez 15 anos foi para a cidade trabalhar como empregada doméstica – morava na

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casa do bisavô materno. Foi lá que conheceu seu atual companheiro, com quem está junto

desde 1994 (não são casados oficialmente). Foram morar próximo a família de Camélia, no

interior. Sua vida não deixou de ser difícil: “a gente recebia lá um auxílio gás, que nesse

tempo era 15 reais, a gente recebia lá e meu esposo trabaiava na roça, a única renda que a

gente recebia lá era esse auxilio gás, 15 reais, um mês sim e outro não. ” Moravam em uma

casa de taipe, sem luz e sem água encanada (pegavam água do poço artesanal). A moradia,

além de não ser adequada, se situava longe de vários equipamentos sociais, inclusive a

escola: “meus meninos saiam 5h da manhã para chegar 7h, estudou só dois filhos. Eles iam

de bicicleta, tinha onça naquele lugar, tinha que levar e buscar.”

Aliás, o acesso escolar era lenda em sua família, pelo menos com as mulheres. Os

estudos lhe faltaram por muito tempo, porque seu pai não a permitia: “(...) meu pai ia pra

roça, aí só deixava só os menino homem pra estudar. (...) porque dizia que os menino homem

tinha que ser doutor e as meninas mulher era pra cuidar da casa.” Sabotada pelos próprios

pais a estudar, Camélia vivia trancada dentro de casa junto de suas irmãs.

Uma delas dizia “nóis temo que sair de casa pra estudar”, aí meu pai era meio surdo e

minha mãe dizia assim “eu tô ouvindo vocês não vão sair de casa, só vão sair quando casar,

se o marido de vocês quiser que vocês estude quem sabe.” “Mas eles não deixava, eles nunca

teve estudo, então pra eles era tudo tranquilo.” Por outro lado, questionou seus pais por que

sua irmã mais nova teve oportunidade de estudar e ela não: “papai porque você deixou ela

estudar?” “A minha filha, porque ela disse que era bom”, “mas eu falava isso pra você,

lembra?”, “ah, mas naquele tempo era mais fácil, agora as coisa tá mais moderna, agora nóis

tem até televisão, uma pessoa que deu uma televisão pra nóis ouvir, naquele tempo nóis não

tinha, não sabia ler” (hoje essa sua irmã está fazendo faculdade em São Luís/Maranhão,

grande capital nordestina).

Em 2006 seu esposo decidiu morar em Brasília, motivado pela cunhada que já morava

na capital. No entanto, Camélia não aprovou a decisão: “aí meu esposo não tinha roupa, não

tinha nada, tudo foi ela que deu, ela comprou tudo pra ele, aí eu falei “eu sabia que você ia

tirar ele de mim, porque você tá comprando tudo isso”, “eu via que ela tava ajudando, que ela

tava dando uma oportunidade pra ele. Só que eu não via assim, aí eu falei” “já que você quer

ir, então vai. ” Não o esperaria muito: “eu vou ficar esperando você um ano, se com um ano

você não voltar eu não vou te procurar mais! ” Ao contrário da sua expectativa, seu esposo

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não voltou para Caxias, acreditando em melhores frutos de vida na nova morada. Tanto assim

que depois de um ano o esposo lhe mandou dinheiro para a passagem de ônibus. Na época

com cinco filhos, Camélia foi para a capital (2007) encontrar o esposo. Estava com 29 anos.

Ressalta que foi contrariada, pois gostava de morar na cidade natal. Lá tinha sua mãe, seu pai

e outros familiares:

“Aí meu esposo veio pra cá e eu não sabia se ficava com a minha mãe lá, mas o meu

pai sempre falou pra mim quem casa quer casa, tem que acompanhar seu marido

aonde for”, aí que foi a vez que a gente teve a decisão de vir pra cá.”

Apesar das imagens convidativas de Brasília pela televisão, não teve boa impressão

quando chegou e relata ter passado muitas dificuldades. Só depois de nove meses de aluguel

conseguiram comprar o lote onde moram hoje ela, seu companheiro, seus sete filhos (cinco

meninas e dois meninos) e uma neta. Não somente rastros, mas intensos laços desestruturais

permeiam sua vida: “passei fome com meus menino, fome mesmo. Porque o conhecimento

era pouco pra quem não sabe ler é mais difícil ainda.” Uma amiga a ajudou, apresentando a

feira do CEASA, onde consegue doações de verduras até hoje: “Ainda hoje eu vou, sempre

vou, uma, duas vez no mês eu vou, pego coisa pra semana lá em casa porque lá em casa quem

trabalha é só o meu esposo. (...). É tudo que a gente, insistindo que a gente consegue.”

Insistir, aliás, o verbo da sua existência. Desde 2008 Camélia trabalha em uma

cooperativa de materiais recicláveis chamada Coopera. Um apoio financeiro, diga-se de

passagem, incerto porque depende de sua disposição de saúde, a qual não é das melhores. Ela

é hipertensa e tem problema de púrpura51

, se sentindo mal toda vez que vai para o Lixão.

Com o suporte de um laudo médico, tem direito a trabalhar menos tempo que as outras

pessoas. Se ficar o dia todo trabalhando, ganha em média 20 reais. Apesar de ainda estar

trabalhando lá, já está ciente da transição do Lixão para outro local:

51

Púrpura é uma doença autoimune que se caracteriza pela destruição das plaquetas, células produzidas na

medula óssea e ligadas ao processo de coagulação inicial do sangue. O nome está diretamente relacionado às

principais manifestações da enfermidade. Púrpura é uma referência às manchas roxas ou avermelhadas

indicativas de sangramentos que aparecem na pele; A enfermidade afeta uma em cada 10 mil pessoas e incide

mais nas mulheres em idade fértil do que nos homens. Disponível em

http://drauziovarella.com.br/letras/p/purpura-trombocitopenica-idiopatica/. Acesso em janeiro de 2016.

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“Eu trabalhava era a área do carrefe, que é a área de sobra de comida, arroz, várias

coisas que a gente pegava lá, muitas coisa tava vencido, mas muita coisa ainda ia

vencer, e essas coisa eu pegava pra levar pra casa. Aí essa área não tem mais, eles

fecharam.”

Devido a esta transição, planeja participar de cursos de capacitação oferecidos pelo

SEBRAE (Serviço Brasileiro de apoio às Micro e Pequenas Empresas). Gostaria também de

atuar como auxiliar de serviços gerais, empregada doméstica ou ajudante de cozinha, com a

pretensão de ganhar um salário mínimo. Já fez o curso de costureira no Programa Fábrica

Social também, durante dois anos, mas o ofício aprendido não se converteu num modo de

vida, levando ao questionamento da eficácia dessas formações na melhoria das condições de

empregabilidade dessas mulheres, para além dos propósitos socioeducativos.

Além de trabalhar como catadora, Camélia ainda é a grande responsável pela

manutenção da sua casa. O companheiro não a ajuda dentro de casa e a perpetuação machista

se perpetua aos próprios filhos homens. A estudante não aceita por menos, quissá pela

primeira infância em que foi cerceada dos direitos mais básicos:

“Porque o meu esposo ele é um pouquinho machista, como ele foi criado com a mãe,

o homem não pode fazer nada, aí eu falo pra ele “você tem que fazer, porque não cai,

fica do mesmo jeito, no mesmo lugarzinho, você vai continuar homem. (...) Ele me

ajuda muito, ele não bebe, ele não fuma, mas ele é só um pouquinho machista. (...).

Justamente pra não dizer assim, “ele é o homem, ele pode tudo”, não! Eu já fui criada

com isso também, aí eu não aceito...”

Outrossim, o esclarecimento sobre o caráter relacional e histórico das construções

sociais sobre os sexos implica considerar que as significações atribuídas ao masculino e ao

feminino são desenvolvidas nas interfaces de relações sociais mais amplas. De acordo com

Santos (2008, p. 143), “o gênero deve ser compreendido, pois, como uma relação sócio-

histórica articulada com as relações de poder de caráter transversal, atravessando os liames

sociais, as práticas, instituições e subjetividades.”

Pelo seu discurso percebe-se a capacidade de transgressão das interfaces de gênero, a

busca pela transformação gerada pela própria vida. Em 2011, pela primeira vez Camélia

começou a estudar em um projeto da Igreja Católica, uma vez por semana ia para um curso

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de alfabetização na própria região de moradia, Estrutural. Ficou neste curso durante três

meses. Ficou perplexa porque a sua ex-professora atualmente está trabalhando no Lixão

(como pode-se ver que o descaso da política educacional atinge as classes de forma geral).

Camélia, no entanto, não estava disposta a desistir. E parece que os ventos estavam mesmo ao

seu favor. Num dia ensolarado do final de 2012 uma equipe do IFB apareceu no Lixão para

fazer inscrição de várias mulheres no processo seletivo do Programa Mulheres Mil: “o

pessoal quando quer ajudar né, vai muito além né?”

Matriculou-se no curso e desde então é estudante do IFB. Um novo universo, se abriu

para ela: “a partir que eu conheci o IFB, eu conheci o IFB em 2013, aí do começo do ano se

você disser ‘é assim’, é só assim. E depois do segundo bimestre em diante eu já comecei a ter

outros olhos, das outras coisas...”. Agora participante do curso de Alfabetização e

Letramento, se vê ainda mais confiante a conquistar novos desafios. Sente tanta motivação

que precede seu esposo e gostaria muito de envolvê-lo em suas novas expectativas de vida:

“Não quero desistir não, eu falei pro meu esposo, ele também não sabe ler né, e ele é

cabeça dura. (...). Eu me sinto muito triste, porque foi ele que...ele estudou, ele era

analfabeto, ele estudou 6 meses, aí ele mudou o documento dele. Aí quando ele foi e

simplesmente parou, mudou o documento “só queria mudar o documento? ” Isso não

resolve nada não...e ele assina também o nome...falei pra ele “se eu fizer a minha

matrícula e não estudar é porque eu vi você, agora você parou e eu não vou parar não,

vou pra frente!”

O universo escolar trouxe diversos significados para Camélia, não somente no aspecto

educacional. Ela participa também do apoio psicológico que o IFB oferece. O

acompanhamento do Serviço Social da instituição possibilitou conhecer serviços de apoio

fora da instituição, como a Casa da Mulher Brasileira, já citada no relato anterior. Gosta

muito de participar do grupo de apoio da instituição: “quando a gente senta naquela cadeira a

gente sente super bem, eu disse que acho que até vou mudar (risos). Mas é muito bom lá, as

menina super atenciosa.” Receber este reconhecimento é um primeiro passo para a

vinculação social. Parece consituir uma pista importante para pensar a intervenção social com

estas mulheres: “(...) por isso que eu tô indo pra né, e elas tava falando se eu precisar de

alguma coisa, algum reforço, pra eu não ficar com trauma (chorando). Eu não gosto de falar

nisso, sabe? Parece que volta tudo...” (emocionada)

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Nota-se que a negligência familiar vivida na infância deixou importantes rastros na

vida adulta. Perpetuando mais um capítulo no perverso ciclo de vulnerabilidade social,

recentemente o seu filho de 16 anos virou pai. Ainda muito novo, Eduardo não se sente

preparado para criar a filha. Mais um desafio na vida de Camélia, como se já não faltassem...

Uma de suas filhas, 10 anos, ainda tem crises recorrentes de epilepsia.

O curso é mesmo um subterfúgio para os seus problemas. Gosta muito das aulas que

os professores a leva para escrever no quadro e se sente motivada a continuar estudando

Libras: “a gente erra e ele faz a gente soletrar, conhecer as letras certinho”. Se tivesse

oportunidade de fazer outro curso no IFB gostaria de estudar Informática, expressando o

sonho de inserção no universo digital tão desconhecido. A precariedade em que vive não a

permite ter acesso às tecnologias digitais, frente a necessidades mais urgentes de

subsistência52

.

No seu relato, coloca sua admiração pela equipe de professores do curso de

Alfabetização, sublinhando a importância da relação afetivo-pedagógica na motivação dos

sujeitos, bem como na consolidação das aprendizagens:

“Os professores são bem atenciosos e fala sobre a gente, tira as dúvidas e ele tem

paciência com a gente né? ” Que a gente tem dificuldade, eles vão lá “olha, não tem

dificuldade, a sua dificuldade, a sua dificuldade é que tu estar aqui pra assinar”, então

eles não tem barreiras, eles gostam muito, diz que eles, ele não tem limitade, eles diz

que a limitade deles é a nossa dificuldade.”

Depois do curso sente, inclusive, que as pessoas a respeitam mais, ou seja, demonstra

que o reconhecimento social por via da competência de leitura e escrita revela-se central no

desenvolvimento de cidadania:

“Ah, respeita sim. Porque outra hora, ixi maria, o pessoal não tem respeito pelos

outros né. “Ah, a pessoa não sabe ler, vamo chamar fulano”. Eu já perdi árias vaga de

emprego, porque quando a gente pra fazer exame de vista o que eles dão pra gente?

Uma folha né, com um monte de letra, pra gente responder né? Aqui, como é que tu

vai responder? Agora com uma dificuldade um pouquinho de dificuldade, eu leio e

respondo alguma coisa...”

52

No próximo capítulo, no tópico de prestação de serviços públicos, trataremos deste assunto novamente.

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Alcançar determinados patamares, antes inibidores da sua auto-estima, parecem

permitir-lhe projetar o seu percurso de vida num futuro mais longo, numa nova linearidade

alimentada pela participação no mundo escolar. De fato, hoje não põe limites nos estudos:

“...tenho vontade de terminar pelo menos até o 9º ano, eu quero fazer. Depois quem

sabe, porque eu pensei que ia ficar “vou estudar no IFB só um ano”, aí não fiz só um

ano, aí já tô no terceiro ano que a gente tá aqui né? Aí eu sempre falo assim “quando

eu chegar no 6º ano eu paro”, mas eu acho que não vou ter limite pra leitura, porque

eu quero fazer muita coisa, muita coisa mesmo53

...”

A vida de Camélia se transformou ao vir para Brasília. A capital abriu seus caminhos

para os estudos. Nessa perspectiva de luta, a sua capacidade de iniciativa foi fundamental

para conquistar seus objetivos. Este fato contribuiu para o desenvolvimento de ações

afirmativas que não raticassem relações de subordinação, sobrecarga de trabalho e de

responsabilidades sem oferecer mínimas condições necessárias para uma vida digna. Ela

ultrapassou seus limites que a vida lhe traria, reconhecendo a própria capacidade de ir além.

53

Está aguardando vaga na escola pública regular. Gostaria de terminar pelo menos o Ensino Fundamental.

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7.5 A morte não é o fim do caminho (Margarida)

Margarida, 49 anos, nasceu no interior do Estado do Pará, norte do Brasil, em um

município chamado Abaetetuba. Ela se define como “uma pessoa bastante firme,

determinada, boa mãe, mas bem exigente.” Ela se recorda de coisas boas e ruins, e apesar dos

relatos de sofrimento, tem apreço pelo seu passado também:

“Eu não, eu sofri, mas gosto de lá e eu não fiquei…eu acho assim, não sei se eu tô

guardando alguma coisa, mas eu acho que eu não fiquei com aquela mágoa, aquele

horror, aquela coisa…”

Margarida morava em uma comunidade ribeirinha54

; vivia em uma casa toda feita de

pé de açaí e coberta de palha. Não tinha saneamento básico. Morava com a mãe, o pai e seus

oito irmãos. Passou muita fome na infância, a refeição típica era açaí e farinha, isso quando

tinha. Seu pai viajava muito porque era comandante de embarcação, mas Margarida tem

péssimas recordações de quando ele retornava para casa:

“E eu sei que meu pai bebia, porque depois que foi crescendo a gente viu que ele

bebia, o único que enfrentava ele era ela (a mãe), que queria matar e não sei o que,

todo mundo tinha medo dele. (...) Ele não batia porque ela não deixava, porque se ele

fosse pra bater, ele matava, então por isso que ela colocava a gente pro mato.”

Ambos os pais já faleceram. Não se lembra de nenhum tipo de serviço público na

região ribeirinha, a saída era se deslocar à cidade mais próxima, Abaeté. Apesar de ter

chegado a estudar no local de origem, em uma fazenda de engenho onde seu pai trabalhava,

não ia com frequência porque o acesso era pelo rio, o que dificultava seu deslocamento.

Dessa passagem pela escola pouco ou nada ficou: “eu me lembro de uma que era muito

longe, era até num engenho onde meu pai trabalhava, minha mãe trabalhava, era muito longe.

Só que a gente ia assim, uma vez ou outra né, porque ia naqueles barquinho né? ”

Morou em Abaetetuba até os 10 anos de idade, quando se mudou para Abaeté, devido

aos problemas de saúde da mãe. Quando perceberam que sua situação não estava

54

As populações ribeirinhas, são povos que vivem nas beiras dos rios e geralmente são extremamente pobres e

sofrem com as poluições dos rios (esgoto) e com os assoreamentos e a erosão. Disponível em

http://populacaoribeirinha.blogspot.com.br/. Acesso em abril de 2016.

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melhorando, Margarida e seus familiares foram morar em Belém, capital paraense. Pela falta

de amparo materno, quando tinha 11 anos Margarida ficou sob os cuidados de uma mulher

indicada pela tia. Apesar de colocá-la para estudar na escola pública da cidade, Margarida

apanhava muito e era explorada em casa:

“Ela era daqueles tipo de mulher que pegava os filho das mulher só pra trabalhar pra

ela pra maltratar. Aí a minha mãe achando com certeza que ela ia me dar o estudo,

porque o intuito era eu estudar, só que quando eu cheguei lá, virei uma escrava. (...) E

ela me colocou na escola, só que o caso, assim, eu ia pra escola, mas eu não…eu tinha

que fazer tudo, uma pessoa que veio do mato não sabe fazer nada dentro de uma casa

de cidade. Então eu não sabia fazer e eu apanhava.”

Ainda que acreditasse que a mãe queria um bom futuro para ela, Margarida

transparece muita dor ao falar deste período passado de sua vida: “o que a minha mãe queria

era que eu estudasse. E naquela época mãe era assim, se fulano batesse ela não se preocupava

porque achava que era pra educar, não tinha esse negócio... Foram sete anos de inferno”. A

trajetória escolar a essa altura fica obscura porque o sofrimento falava mais alto: “estudo

nenhum justifica o sofrimento que eu passava (...) Porque eu sofria de tudo e eu perdi o

desinteresse por estudar. ” Este estímulo narrativo, no entanto, a coloca em um nova reflexão,

possivelmente gerada pela sua condição escolar atual: “e hoje em dia eu vejo de uma outra

forma, mas fazer o quê se eu não tinha essa visão?” A estudante, portanto, não pode

aproveitar a escola durante estes sete anos, perdidos para a falta de sensibilidade alheia. Esta

foi a base para Margarida definir o que não queria para sua vida.

Nesta condição subhumana morou até seus 18 anos, quando voltou a morar na casa de

sua mãe, em Belém. Margarida estava decidida a permanecer lá a qualquer custo. Ficou

trabalhando em casa de família por um bom tempo, cerca de 13 anos. Em 1998, quando

estava com 31 anos, foi convidada a trabalhar na casa de uma família em Brasília. Já na

capital, transitou em vários empregos: sofria muitas dificuldades porque tinha uma filha

pequena com muitos problemas de saúde (ela havia nascido prematura de sete meses, em

março de 2001), advinda de um relacionamento não próspero. Em uma das tantas consultas

médicas da filha (Daniela) no hospital, perguntou: “a senhora não sabe de ninguém

precisando de empregada?”, quando foi convidada a trabalhar e morar na casa da própria

pediatra que atendia sua filha.

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Margarida estava com 34 anos (2004). Ficou morando neste emprego durante três

anos, quando conheceu seu atual companheiro. Foi seu cunhado quem o apresentou; Ele os

colocou em contato quando este fazia um serviço doméstico na casa de sua patroa. Ela,

inclusive, não teria gostado da relação; pressionada a escolher entre o emprego e o

companheiro, Margarida preferiu sair do emprego, mas ainda continuou trabalhando como

faxineira: “ela não queria que eu tivesse um outro alguém, porque era muito cômodo que eu

ficasse lá, cuidando das meninas, porque eu não saia pra lugar nenhum, então era cômodo

pra ela...”

Denota-se no seu discurso a frágil condição de saúde em que sempre viveu. Ainda na

tenra infância (sem data precisa) foi desacreditada pelo médico em Abaeté. Tinha contraído

sarampo e “naquela época não havia vacina”. Já na fase adulta, teve duas gravidezes de alto

risco: “eu tive...começou com um mioma, aí depois veio rubéola, (...), diabetes gestacional,

pressão alta até que tive pré-eclâmpsia com sete meses, teve um quase um com seis meses,

conseguiu segurar e aí com sete meses tive outro que não... teve que interromper porque tava

dando parada cardíaca porque eu tava com pré-eclâmpsia.” Depois da segunda filha, fez a

esterilização definitiva por indicação médica.

E antes de iniciar os estudos no curso de Alfabetização e Letramento, em 2015, já

havia sido diagnosticada com fibromialgia e depressão55

. Apresenta significativa consciência,

inclusive, do impacto que a doença tem em seu convívio social:

“(...) a pior doença é a depressão, porque ninguém acha que você tem nada, todo

mundo acha que é frescura. Ou então quando eu falei, pra você ver o que é a pessoa

com depressão, a pessoa com depressão ela tenta mostrar pro outro que ela tá com

algum problema “ah, tô fazendo acompanhamento psicológico”, “ué, tu tá doida é? ”

E eu já tentei falar isso pra várias pessoas, pra minha irmã pelo telefone, e ninguém

diz “ah, que bom que você foi? O que você tá sentindo? ”, todo mundo te pega, te

tacha de doida, ou entao “ah, quem dera se eu tivesse tempo pra tá num psicólogo”,

acha que é frescurite, acha que psicólogo é coisa de quem não tem nada pra fazer.

Voce acha que eu de livre e espontânea vontade taria tomando remédio controlado?

“Ah não, porque eu quero tomar, porque faz bem pra mim. ”

55

Em 2012, Margarida foi diagnotiscada com fibromialgia no Hospital Universitário de Brasília (HUB), depois

de passar um período muito turbulento em sua vida, o caso de abuso sexual que sua filha mais nova viveu

(relatado acima). E em 2014, recebeu o diagnóstico de depressão no Centro de Atenção Psicossocial (CAPs),

sendo orientada a tomar vários remédios antidepressivos.

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Além das somatizações de saúde, Margarida relata muitas dificuldades vivenciadas na

maternidade, inclusive um caso de abuso sexual ocorrido na creche que sua filha mais nova

estudava, em 2011. E essa história vem como um nódulo do ciclo de violência que ela própria

vivenciou em sua infância:

“Aí ficava vindo uns flash que eu me culpei a vida toda, meu tio abusando de mim e

eu achando que eu tava culpando ele, eu não sabia se era verdade ou se era mentira.

(...), mas na verdade eu não tava colocando culpa em ninguém, ele era culpado

mesmo, que eu tava sendo, como a psicóloga falou, geralmente quem é a vítima passa

a ser o culpado e o culpado passa a ser a vítima. (...) a pessoa fica se culpando pra

culpar o outro. Por isso que quando aconteceu com a Deise eu entrei nesse estado,

porque justamente voltou tudo, tudinho...”

O que não pode dizer que se repetiu foi que, apesar de na infância ter sido

desacreditada pelos próprios pais, quando ela mesma percebeu marcas no corpo da filha e seu

comportamento alterado, a tirou da creche imediatamente e procurou o Conselho Tutelar56

de

sua região.

Hoje não trabalha porque não confia deixar suas filhas com terceiros e suas crises de

fibromialgia a deixam com muita dor. Mesmo assim, sente como motivação profissional ser

“conselheira”, “psicóloga de ajuda”. Tem a pretensão salarial de mil reais e conquistar a casa

própria. Os tempos dramáticos em Belém lhe renderam desmotivação para estudar até

reencontrar ânimo no curso de Alfabetização e Letramento do IFB, o qual se matriculou em

março de 2015. Na época da matrícula Margarida estava com fortes sintomas de depressão,

inclusive depois de fazer a matrícula ainda ficou um tempo sem querer sair de casa. Com

efeito, um curso de letramento e alfabetização assume, como se pode atestar no relato de

Margarida em particular, uma função para além da estritamente escolar. No curso criam-se

redes de apoio afetivo, espaços de reconhecimento social e tempos de reformulação

identitária:

56

O Conselho Tutelar é órgão previsto no art. 131 da Lei nº. 8.069 , de 13 de julho de 1990 (Estatuto da Criança

e do Adolescente), que o instituiu como "órgão autônomo, não-jurisdicional, encarregado de zelar pelo

cumprimento dos direitos da criança e do adolescente". Tem como finalidade precípua zelar para que as crianças

e os adolescentes tenham acesso efetivo aos seus direitos. Disponível em

http://lfg.jusbrasil.com.br/noticias/107940/de-acordo-com-o-eca-qual-a-finalidade-do-conselho-tutelar-selma-

vianna. Acesso em fevereiro de 2016.

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“Eu só sei que pra mim foi a melhor coisa que que fiz, que se eu não tivesse dado esse

passo, eu nem sei o que teria sido do percurso da vida, porque tava numa situação

mesmo...quase que insustentável né? Porque eu já tava tendo pensamento já de morte,

pensava assim “se eu me matasse, e as meninas? ” “E se eu me matasse, e as meninas?

” “E se eu me matasse e matasse elas pra não tá sofrendo? ”…e sem contar com a

ajuda (...). Porque marido não entende mulher, não sabe o que mulher tem, então

quando a pessoa tá num estado desse, pede socorro mas ninguém escuta. (...)

Sofrimento que eu digo que a minha vida, traz coisa que eu vou te falar.... Aí outro dia

na aula “deu porque você tem condições de segurar, porque se não tivesse... E eu

como num tinha, agora eu tenho né? Tenho aqui que eu falo com vocês, tenho tô

fazendo na “instituição de apoio à mulher”, mas assim, amiga pra eu contar o que eu

tô falando agora, não tem. Então pra mim foi, o IFB pra mim, vamos dizer que foi

fundamental pra mim tá agora aqui. Então pra mim, é um impacto foi tão bom, tão

bom, tão, bom, que não tenha assim uma palavra certa pra definir.”

Tudo isso não teria acontecido se dependesse de seu companheiro, porque ele não

apoiava que Margarida estudasse, recorrendo a argumentos relacionados com papéis de

gênero:

“Quando eu fui pra me matricular eu não falei nada pra ele. Eu não falei nada, porque

eu percebi, no Floriano, tudo o que falava pra ele, ele falava não. Aí eu fui fazendo as

coisas sem falar pra ele. Quando ele viu já tinha feito, não tinha mais jeito! (...) Aí

quando ele soube, ele falou “ah porque eu soube que você está estudando, você não

me falou, porque isso não é papel de mulher”, aí eu falei “Do que adianta eu falar? ”

Então quando eu fizer, eu faço e depois você sabe.”

Como uma flor que luta para sobreviver no inverno, Margarida chegou ao IFB quase

sem forças e praticamente não alfabetizada:

“...porque o pouco que eu estudei, eu já tinha esquecido tudo, eu não sabia porque eu

já tinha perdido, tudo o que eu queria escrever eu pedia pra Filomena escrever,

colocava uma situação de completo descontrole de mim mesmo. Tanto é que quando

eu vinha pra cá nem os papeis eu preenchia direito, porque a memória não

funcionava, tava tudo apagado.”

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Os estudos foram um divisor de águas em sua vida, um verdadeiro momento crítico

ou turning point57

. Esta narrativa representa um momento marcante na vida de Margarida, ao

alterar os seus sistemas fundamentais ou significados (Thomson et al, 2002). O modo

potencialmente consciente com que a estudante aborda este ponto de transição de sua vida é

significante. Tão marcante que não tinha perspectiva de inserção educacional até se

matricular no curso e não percebia como algo importante, mas hoje é diferente,

inclusivamente gerando uma motivação para evitar a reprodução junto da descendência de

um baixo perfil qualificacional:

“Não tenho nem palavra pra descrever o que o estudo pode fazer. Porque a gente tem

conhecimento, a gente vê de outra forma, a gente tem uma outra visão de tudo, a gente

vê que a gente pode as coisa com as pessoas falam que não pode. Então é muito,

muito, muito importante. É por isso que todo dia eu incentivo, todo dia, todo dia,

como todo dia acordo eu incentivo o estudo das meninas.”

Hoje, além de motivada para continuar no curso, alimenta o sonho da independência

financeira e conquistar o negócio próprio na área de cosméticos ou de alimentação.

Margarida não tem intenção de voltar a trabalhar em casa de família: “porque a minha vida

foi toda sofrida em casa de família, eu agradeço ter sobrevivido trabalhando em casa de

família, mas é uma coisa que eu não tô com vontade de voltar, e pelos acontecidos fatos que

aconteceu, eu não vou querer...” Além de não querer não se trata sequer de uma opção, pois a

fibromialgia limita sua capacidade de trabalhos manuais.

57

Vide Thomson et al (2002).

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7.6 Vida à lá cigana: qual a próxima estação? (Flora)

Flora, 73 anos, assim se define: “eu sou eu, não tenho inveja de ninguém, e ninguém

vem querer me botar embaixo que não bota não, ainda tem mais essa, ou me respeita ou cai

fora.” Nasceu em Deodoro, Rio de Janeiro, perto do Paiol do Exército. Sua casa foi adquirida

por meio da Fundação Casa Popular, o primeiro órgão federal brasileiro na área de moradia

com a finalidade de centralizar a política de habitação, criado em 1º de maio de 1946. Morava

com seu pai, sua mãe, seus irmãos e seus avós.

Quando tinha apenas dois anos, sua mãe biológica morreu, e quando tinha seis, foi a

vez do pai. Em tenra idade, seu avô decidiu dar a neta para uma família rica criar, moravam

em uma fazenda em Campos, Rio de Janeiro. Durante o tempo que morou lá, foi explorada

para cuidar dos filhos dos ‘patrões’, por isso não teve nenhuma chance de estudar: “criou né?

Só não me ensinou a ler e nem a escrever. Ensinou a respeitar as coisa dos outro.” Flora foi

explorada desde os seis anos de idade para cuidar dos filhos da família que a ‘acolheu’, como

conta num relato donde ressalta uma profunda e anacrônica desigualdade e injustiça social:

“Eu fui criada na fazenda, não tinha jeito. Ela levava os filho dela de carro, mas eu

não podia estudar porque tinha que tomar conta da casa. Tinha dois bebezinho, eu que

tomava conta. (...) Só não podia andar com eles que eu não aguentava, que eu caia

com eles no chão, não dava conta, dava mamadeira.... Eu cuidava, limpava as coisa,

todo mundo criou numa boa, eu não... Mas Deus quis assim né? É a vida (fica

emocionada – pausa longa). Eu tenho que tocar o barco pra frente, né? ”

Apesar do rumo que sua infância tomou, resistia muitas vezes à exploração: “não

adiantava mandar, aí eu apanhava por causa disso. Ela me pirraçava aí eu sumia no mundo

(...) Todo mundo me esquecia eu chegava dentro de casa. Apanhava, mas eu ia de toda

maneira...” Flora se referia das vezes que os patrões abusavam da sua condição. Quando

ameaçavam em bater nela, ela fugia para as matas da fazenda. Ela permaneceu nessa

condição de subordinação (entre muitas contestações) até seus 15 anos de idade. Ficou vaga

esta parte da entrevistada, não se sabe por onde e quantas cidades passou até chegar em

Brasília, no início de 1960, quando Flora tinha 18 anos. Ela foi para capital federal trabalhar

na casa de sua tia no Plano Piloto. No entanto, no início não recebia dinheiro: “pagava...

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pouquinho mas pagava. Quando eu cheguei pra cá ela não me pagava não, ela me dava era

roupa, calçado...” Eram tempos difíceis, a construção de Brasília ainda pouco avançada, não

tinha infraestrutura para a locomoção, muito menos para os tão sonhados estudos:

“De dia já era ruim, eu não saia de noite aqui, quando eu fui sair de noite foi depois de

muitos ano, que já tinha terminado tudo. Tinha muito peão moço, quando eu cheguei

aqui em Brasília não tava completa ainda não, tinha muita quadra ainda fazendo. E de

noite a gente não podia estudar quando chegou praqui não, aqui era perigoso, eu

cheguei a gente foi praquela quadra ali, só tinha 3 broco pronto, o restante ainda tava

funcionando, e tinha muito peão, a gente não andava sozinha não, de vez em quando

aparecia alguma morta dentro do buraco lá, os peão pegavam...eu não andava, a gente

não andava só. Pra ir na padaria só ia de 3, 4 e a gente ia na padaria, ia no

mercado...Tudo junto, não podia não.”

Com quase 20 anos se casou com o pai de sua única filha, o qual conheceu em um

clube de futebol local. Moraram em vários lugares, como Núcleo Bandeirante, Paranoá e Vila

do IAPI58

. Ele não apoiava que estudasse, apesar da escola ficar do lado de casa: “eu entrei na

escola e meu marido tirou, “porque achava que eu ia namorar”. Não chegou a completar

nenhum grau, até porque ia com pouca frequência à escola, dificultada pelo companheiro.

Depois de dez aos de casamento, ela e sua filha foram abandonadas por ele em um lote

descampado da Ceilândia59

: Flora dá conta de uma vivência de profunda precariedade, risco e

pobreza:

“Esse homem me deixou morrer de fome porque, tem primeiro o Pai né e as pessoa

que me ajuda. (...). Quando ele saiu de casa, minha filha tinha, ia completar 8 ano

ainda, me botaram na Ceilândia. (...) A gente ia esquentar água e fazia um buraco no

cupim, só via filhote de cobra saindo, era cobra coral, cobra que faz (faz barulho)

assim. E o medo de dormir e a cobra vim morder nóis? (...). Jogou nóis lá e foi

embora com a rapariga dele! A primeira noite eu passei um apuro, eu e 3 criança, 2

58

Era uma antiga invasão do Distrito Federal, uma área localizada entre o Guará e o Núcleo Bandeirante,

remotos lugares da região. Os candangos, que construíram Brasília, improvisaram sua moradia nesta região

quando chegaram à cidade. Na década de 1970, no entanto, foram transferidos pelo governo local para

Ceilândia, uma das mais antigas regiões administrativas do Distrito Federal. 59

A primeira região administrativa do DF, conhecida pela moradia de peões de obra que foram os grandes

responsáveis pela construção de Brasília. A Ceilândia surgiu da preocupação dos órgãos públicos em remover as

invasões dentro do Plano Piloto de Brasília. No início da década de 1970, foram criados o Grupo Executivo de

Remoção (GER) e a Campanha de Erradicação de Invasões (CEI), dirigidos por Vera Prates, mulher do então

governador Hélio Prates da Silveira. Da CEI surgiu o nome da cidade: Ceilândia. Acesso em janeiro de 2016.

Disponível em http://fatoonline.com.br/conteudo/1461/ceilandia-44-anos-a-luta-dos-incansaveis-moradores.

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filho ele de rapariga da rua, que eu criei, e mais minha filha. (...) Quando chegava em

casa tinha que acender o fogo de lenha pra fazer comida de noite, com a filha no

braço. Teve uma vez que eu fui trabalhar com ela, sabe que hora que eu sai de casa?

Duas hora da manhã! Sem saber horário, sem ter relógio, sem ter rádio, sem ter nada.

Quando eu cheguei lá em cima na 10, que era onde a gente pegava o ônibus, quando

eu fui falar com o rapaz lá, que tem uns vigia lá né? “Ô dona Laura! Já é duas hora da

manhã o que a senhora veio fazer aqui minha fia, debaixo de chuva? ”, “Ixi eu já

pensei que tava amanhecendo o dia! ”

Através da luta levada a cabo pela Associação dos Incansáveis da Ceilândia ganhou a

escritura do lote que mora atualmente60

: “chegou gente lá pra pegar meu lote fia, que eu fui

trabalhar na segunda-feira, aí eu só vim o sábado que foi folga, quando eu cheguei, foi gente

bater lá. (...). Não podia dormir fora da casa não.”

Em 1975, segundo Flora, ele faleceu “de cachaça”. Vinte e seis anos depois, em 1986,

apesar do desquite seu casamento ainda prevalecia quando descobriu que o esposo tinha se

casado com outra mulher. Mesmo com a situação ambígua e não contestada em âmbito

judicial, ela é quem recebe pensão por morte dele, assegurando assim seu único rendimento

fixo: “eu recebo a pensão do homem, é um salário mínimo. Já passei muita necessidade, hoje

Deus me abençoou, já fui ajudada por muita gente, difícil...É por isso que hoje eu trabalho,

faço as coisa pros outro...”

Flora alega estar esperando o seguro por morte do Instituto Nacional de Seguro Social

(INSS): “o que eu queria é que eu tenho um dinheiro pra receber, que o INSS me enrolou né?

Se eu tivesse recebido o dinheiro todo que ele me deu, era mais de 70 mil real. (...) ele tão me

enrolando pra eu esquecer. ” Não soube esclarecer mais sobre esta situação, só que está

aguardando os trâmites institucionais.

Como já observado, Flora trabalhou como empregada doméstica até se casar com o

ex-companheiro, que acabou a encorajando a largar o emprego. Atualmente, até pelo quadro

desfavorável de saúde (artrose nos dois joelhos, entre outras doenças), não apresenta

condições de trabalhos pesados:

“Eu vendo latinha pra me ajudar, tem vez que eu vou no médico é um monte de

remédio. Vai no posto e não tem ném uma gota. Eu tomo remédio de pressão, de

diabete, eu tenho labirintite. Trabalhar eu não dou conta.... Eu não tenho saúde boa,

60

Flora divide o lote (terreno) com sua única filha, que vive com seu companheiro e seus três filhos. No mesmo

lote há duas moradias, situação típica em regiões empobrecidas do Distrito Federal.

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tem umas coisa que eu tenho que fazer mas é tudo assim apertado. Apareceu agora o

tal da bursite porque é nesse ombro aqui e eu não posso carregar muito peso. ”

Preenche seu tempo também como voluntária em um terreiro de umbanda61

e em uma

instituição sem fins lucrativos que ajuda famílias carentes da região do Recanto das Emas,

situada no Distrito Federal.

Antes de começar o curso de Alfabetização e Letramento, Flora já estudava no IFB,

pois desde 2013 fazia o curso de gastronomia do Programa Mulheres Mil no Campus Riacho

Fundo. No entanto, não sabia ler e escrever, o que dificultava sua participação. Por meio de

um vigilante da instituição, foi informada das inscrições no curso de Alfabetização e

Letramento no início de 2014. No entanto, as pessoas a sua volta não entendiam essa

motivação: “pra que mulher você vai fazer isso, pra que você vai estudar? Você já tá velha,

tá doente.” “Eu digo “doente nada!” O preconceito que impõe uma morte social aos cidadãos

mais idosos, negando-lhes até a «necessidade» de aprender, significa que estas a necessidade

destas competências só é valorizada se tiver função produtiva (capacitar para o mundo do

trabalho), negando a sua função expressiva (contribuir para a realização pessoal). Mesmo

com as adversidades, Flora não se intimidou a abandonar o curso. Para ela, este percurso se

estabelece como um contraponto da sua antiga realidade, despida ou limitada de muitos

significados, entre eles a frequência escolar.

Sente-se também respeitada pela equipe do IFB, um traço que se tem revelado

fundamental para todas as entrevistadas: “todo mundo trata a gente bem. Tem hora que a

gente encontra cada pessoa é horrível, pra tratar o idoso viu? E aqui não, aqui é diferente...”

Depois que ingressou no IFB se sentiu motivada a se matricular na escola regular. Está

estudando no primeiro ano do EJA de uma escola localizada na Ceilândia.

61

Religião brasileira nascida no Rio de Janeiro, nos anos 20, da mistura de crenças e rituais africanos e

europeus. As raízes umbandistas encontram-se em duas religiões trazidas da África pelos escravos: a cabula, dos

bantos, e o candomblé, na nação nagô. A umbanda considera o universo povoado de entidades espirituais, os

guias, que entram em contato com os homens por intermédio de um iniciado (o médium), que os incorpora. Tais

guias se apresentam por meio de figuras como o caboclo, o preto-velho e a pomba-gira. Os elementos africanos

misturam-se ao catolicismo, criando a identificação de orixás com santos. Outra influência é o espiritismo

kardecista, que acredita na possibilidade de contato entre vivos e mortos e na evolução espiritual após sucessivas

vidas na Terra. Incorpora ainda ritos indígenas e práticas mágicas européias. Disponível em

http://www.portalbrasil.net/religiao_religioes_afrobrasileiras.htm. Acesso em maio de 2016.

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Capítulo 8 - (Des)caminhos entre si: convergências face percursos de vida

Nesta parte aprofunda-se a análise ao material coletado sob a perspectiva dos

percursos de vida das mulheres entrevistadas, identificando temáticas comuns que se creem

significativas no universo estudado. Estas temáticas foram induzidas das entrevistas,

observando os (des)caminhos percorridos pelas mulheres desde sua origem, nas fases iniciais

de vida até os momentos atuais vivenciados.

Não se pode falar de padrões estanques, mas foi possível perceber que os percursos de

vida que conversavam entre si, formando convergências entre suas histórias. Claro que isso

não foi uma regra, e cada percurso revela suas singularidades. Notar igualmente a dificuldade

em reconstituir um fio condutor cronológico para o percurso de vida, pois verificou-se que

termos temporais algumas informações não foram precisas, facto que não é alheio a uma

existência marginal ao mundo escolar. E a riqueza dos relatos foi especialmente por isso.

Dessa forma foi possível perceber alguns instrumentos chave para compreender suas vidas,

suas histórias, e estabelecer enlaces até o momento presente de suas vidas.

8.1 Raízes do meu jardim: a memória como função social

A criação de vida supõe infinitas histórias de superação e sobrevivência. Com as mãos

na terra, no rio ou no céu, suas raízes foram regadas com suor e lágrimas. Em suas veias corre

uma «sabedoria» da região norte, nordeste e sudeste do país, as mais pobres do país. Para

trilhar o caminho de volta, foi realizado um paralelo com seus locais de origem, desbravando

suas condições de moradia, relações familiares, laços culturais, entre outras temáticas.

Estas origens divisam memórias boas e ruins; caminhos desgostosos, sinais de

mudanças e transformações. De acordo com Bosi (1979, p. 32), “há algumas dimensões da

vida humana que são necessárias para a emancipação de educação de adultos: o reviver que

se perdeu, de histórias e tradições, o reviver dos que já partiram e participam então de nossas

conversas e esperanças.”

Essa força, essa vontade de revivescência arranca do que passou o caráter transitório,

faz com que entre de modo constitutivo no presente. Para Hegel (citado por Ecléa Bosi, 1979,

p. 74), “o passado concentrado no presente cria a natureza humana por um processo contínuo

de reavivamento e rejuvenescimento.”

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“Eu lembro de coisas boas e ruins, mas também vou na minha cidade, mas também

não vou, eu conheço gente que não pode falar no passado dela que é horrores. Eu não,

eu sofri, mas gosto de lá e eu não fiquei... eu acho assim, não sei se eu tô guardando

alguma coisa, mas eu acho que não fiquei com aquela mágoa, aquele horror, aquela

coisa…” (Margarida, 49 anos, paraense)

Estas relações foram vivenciadas em sua grande maioria pelo ambiente rural. O

espaço físico remonta à simplicidade da vida interiorana, marcada pela estreita relação com a

comunidade vivente. Eram comuns casas de barro, cobertas de palha e os banheiros

improvisados no próprio chão, como coloca a primeira entrevistada. Filha de pais quase

analfabetos, Rosa foi educada pela roça:

“Ah...era...vixe lá...tinha uns buraco que as pessoas fazia...só que lá a gente fazia

mesmo era no mato...Mas tem lugar que tinha privada...Ainda tem ainda nos

interior...Mas era fossa...Tinha uns buraco, agora lá mesmo nos interior que ainda não

tem essas privada fazia as necessidade e vinha os bixo e comia...O porco, galinha, sei

lá...nos mato mesmo. Até hoje acho que ainda existe ainda.” (risadas) (Rosa, 45 anos,

maranhense)

“Morava com meu esposo, minha casa era casa de taipe, não tinha luz, não tinha água

encanada, pegava água no poço. ” (Camélia, 37 anos, maranhense)

Situações como essa além de comuns, eram arraigadas em cidades do interior,

limitadas aos poucos recursos disponíveis para a comunidade. Eram por assim dizer e ainda o

são em alguns casos:

“Os banheiro lá a gente usava assim o banheiro mesmo a gente não tinha no interior

não...Ainda hoje a gente toma banho nas lagoa, tem umas cacimba 62

que a gente faz

pra tirar água pra beber... o poço também puxando na bomba, que agora no interior já

tão fazendo isso também... Antigamente era puxando com as latinha assim...” (Rosa,

45 anos, maranhense)

62

Cova feita no leito seco dos rios temporários ou na areia e terrenos úmidos a fim de recolher água para usos

domésticos. Disponível em

http://michaelis.uol.com.br/moderno/portugues/definicao/cacimba%20_920517.html. Acesso em abril de 2016.

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Imbricado ao ambiente rural, eis a particularidade da comunidade ribeirinha: “Lá era

uma casa de...você conhece pé de açaí? Então, derrubava aquele coisa de açaí e fazia, girava

assim, e a gente andava em cima daquilo. Aí coberto de palha e as parede também dos

coisinha do açaí” (Margarida, 49 anos, paraense) Somente uma mulher relatou já ter vivido

em ambiente urbano antes de morar em Brasília:

“Só que minha casa já é tipo na entrada aqui, já dá na entrada de Formosa, tipo já não

bem totalmente no centro, quase no centro da chegada. (...) As casa lá é construída de

alvenaria, a casa da minha mãe era construída de alvenaria e tinha água encanada.”

(Hortênsia, 41 anos, baiana)

A crescente migração populacional da zona rural para a cidade é conhecida, desde o

início da segunda metade do século passado, em vista de meios de comunicação, melhores

condições sanitárias, educação de maior qualidade, transporte. De acordo com Flores-

Mendonza e Nascimento (2007, p. 14), o aumento da urbanização, e com ela, a

modernização, implica em intervenções ambientais que melhoram as condições de vida da

população. Tais melhorias se refletem nas menores taxas de mortalidade infantil, na maior

longevidade da população e no maior controle de doenças endêmicas nas zonas urbanas.

A cultura dessas mulheres foi marcada pela oralidade das tradições, pela incorporação

de papéis sociais, não raras vezes desiguais e excludentes. Saberes que seguem vida própria

através de gerações e gerações. As primeiras memórias surgem da culinária regional,

ensinadas de geração a geração. “Nas festas de São João tinha muita comida, galinhada,

mucuzá, arrubacão, arroz casado” (Hortênsia, 41 anos, baiana). ” “Tem, baião de dois. Eu

gosto até hoje. Tem uma comida também que eu não sei se você conhece que eu gosto

demais. E outra comida que é arroz com abóbora. Ixi, mas eu como demais, eu como...” (Iris,

39 anos, baiana).

O contraste com o passado transcende a maturidade de uma outra época, salutar para

uma consciência coletiva. Como Santos (2009) propõe, a consciência é, antes de tudo,

produto da atmosfera social que se respira – a classe social, a cultura, a história coletiva, a

tradição, a geografia etc. Bosi (1979, p. 40) distingue o vínculo com outra época, a

consciência de ter suportado, compreendido muita coisa, traz para o sujeito a alegria e uma

ocasião de mostrar sua competência:

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“Assim, eu aprendi... eu aprendi fazer cuscuz (risos), que a minha mãe faz lá, cuscuz

de arroz, cuscuz de milho... Nossa, deixa eu ver o que que é, baião de dois, que aqui o

povo chama de feijão tropeiro, mas é o baião de dois é o arroz misturado com o feijão.

A gente come buchada de bode, eu não faço, eu assim as veze eu faço só as pessoas

fazendo e eu como (risos), mas isso aí eu não faço porque eu não gosto de fazer, mas

eu sei fazer também.” (Rosa, 45 anos, maranhense)

A culinária demarca uma certa nostalgia de outrora. A particularidade de cheiros e

sabores de um determinado local: “As fruta, as pimenta que aqui você não encontra...O açaí,

pato no tucupi, maniçoba, comida são várias, caruru, vatapá, as frutas, cupuaçu, pupunha,

biribá...” (Margarida, 49, paraense) A representação de alimentos e os rituais culinários

fascinavam as mulheres e inspiraram suas histórias.

Além das práticas culinárias, importantes para degustar a vida de uma região e, mais

importante, do seu passado, da sua identidade fundadora o cenário às margens da lagoa: “E lá

a gente ia lá pras lagoa e ficava em cima da tábua lavando, a água assim descendo e a gente

lavando a roupa lá em cima das tábuas, coisa que eu fiz e ainda faço se ainda precisar...”

(Rosa, 45 anos, maranhense)

A disposição das histórias remonta à vida festiva, o mundo social da brincadeira, das

giras, das vilas culturais. A riqueza e a diversidade que poderia ser desconhecida, mas são

momentos desse mundo perdido podem ser compreendidos por quem não os viveu até

humanizar o presente:

“Tem dia que eu falava “ah, meu Deus, eu amava tanto minhas festinha, agora não

posso mais porque o marido não vai, só que quando a gente foi lá em 2014, a gente

fomos em duas festa ainda lá, passemo a noite inteira... É festa de tocador mesmo,

porque aqui tem os cantor, lá chama-se tocador, eles leva a banda e passa a noite

todinha tocando e a gente dançando. Quem bebe vai beber né, e quem num bebe fica

dançando lá a noite inteira.” (risos) (Rosa, 45 anos, maranhense)

“Ah, o festejo. Tipo assim, dia de São João...geralmente na roça, os festejo é

preparado o ano todo pra ir praquele festejo, aí a gente levava comida pra vender,

bolos frito, várias coisas. Quando a gente voltava com 2 dia, era com dinheiro, aí era

com os festejo que é data especial. ” (Camélia, 37 anos, maranhense)

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“Conheci Bom Jesus da Lapa, conheci de Romaria um ano que eu fui, 2 ano levei

minha mãe, quase divisa da Bahia com Minas. Até hoje tem festa de dirrubar boi.”

(Hortênsia, 41 anos, baiana)

“Nosso passeio era bom, tinha quadrilha de São João. ” (Flora, 73 anos, carioca)

Simpatias, credos e rituais também fazem parte do conjunto de suas recordações. Não

só esclarecem os princípios de organização vital, como também limitam o tempo de sua

história, da disposição de arte manifestada pelas doces lembranças:

“Remédio a gente tinha..., mas era brincadeira né, de quando a gente era jovem lá que

dizia que a gente ia escrever o nome da pessoa e colocar na bananeira que aí ia

arrumar casamento, era brincadeira mesmo, não era coisa de cientista que o povo fica

com aquelas coisa, era só mais brincadeira (risos). Mas tem muitas coisa da roça lá

que a gente não esqueceu, mas a gente traz de lá e parou por aqui mesmo, que aqui

não pode, só lá mesmo na roça, que aqui as coisa aqui é tão diferente de lá... que lá a

gente vai em festa, lá a gente vai em reza, lá tem futebol, aqui também tem, só que a

gente nem sai pra essas coisas porque o marido não gosta mesmo de sair, passeia

assim às vezes, mas ele não gosta muito de andar, gosta de ficar em casa. ” (Rosa, 45

anos, maranhense)

O encontro das memórias foi permitido, um mundo que poderia ser perdido se essas

mulheres não dispusessem de tempo ou desejo de recriarem a infância. A obscuridade de

terem suportado diversas precariedades não apagou o brilho das histórias de alegria. Ainda

assim, o lugar social do presente em muito difere das realidades passadas, onde habitam

também as boas recordações, patamar essencial para a reconstrução do presente, com base na

valorização dos seus saberes, das suas experiências, para muitas sem significado ou valor. O

contraste do cotidiano atual é duro e não é possível ser ignorado. Este último discurso reforça

justamente a ausência de memórias festivas a partir de certo momento da sua vida, das

obrigações morais impostas pelo núcleo familiar, em função de papéis e expectativas

socialmente criadas, temática esta analisada em seguida.

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8.2 Violência intrafamiliar: um produto das relações cotidianas

A violência trespassa, viu-se nos relatos, as vidas destas mulheres. “Sabemos que a

violência é parte intrínseca da vida social e como produção social apresenta-se atrelada ao

resultado das relações e dos conflitos de poder.” (Minayo, 2006). Algumas vezes apresentada

de forma sutil e simbólica, outras de forma explícita. A família representa o pressuposto

básico dessas relações, como reprodução primária do cotidiano da vida social. “É uma

construção humana responsável, basicamente, pelo cuidado e proteção de seus membros, pela

socialização e produção de subjetividades. A família tem uma importância vital no modo de

organização da sociedade ocidental como primeiro grupo de referência e de pertencimento do

indivíduo e como transmissora da linguagem e da ideologia” (Reis, 1989).

O enlace variado de experiências que representam a vida em conjunto foi

determinante para transformações importantes na vida destas mulheres, como o deslocamento

de suas cidades de origem para a capital brasileira:

“Foi ele. Foi ele que me tirou de lá. Ele disse: “Eu lutei tanto pra te tirar de lá... às

vezes quando a gente tamo conversando aqui ele diz “oh meu Deus onde eu fui mais a

cruz... essa mulher conversa demais.” (risadas) (Rosa, 45 anos, maranhense)

“A minha tia é funcionária da Câmara dos Deputado no Rio, ela foi transferida praqui

e eu tinha que vim com ela porque ela tinha uma filha com 7 ano, vim pra cuidar da

casa com ela...” (Flora, 73 anos, carioca)

A vida familiar e o espaço privado das relações são aqui demarcados pela assimetria e

hierarquia pelos critérios de sexo e idade, isto é, a “conversão de uma diferença e de uma

assimetria numa relação hierárquica de desigualdade com fins de dominação, de exploração e

de opressão, (...) a conversão dos diferentes em desiguais e a desigualdade em relação entre

superior e inferior” (Chauí, 1984, p. 35). O sentimento de família foi importante para

legitimar mudanças, invocadas para absorver rupturas ou até pela permanência de relações

conjugais:

“Minha família? Não, não quis não. Até porque a minha mãe mesmo ela não queria

que eu viesse pra cá pra Brasília, porque assim que eu vim pra cá eu comecei a

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envolver com o pai dos meus filho e realmente só foi problema, mas eu queria ficar

por aqui pra trabalhar e me iludi por ele e terminei ficando e não voltei pra lá mais.”

(Hortênsia, 41 anos, baiana)

“Ai eu falei, “já que você quer ir, então vai”. Aí quando ele veio pra cá, com 1 ano,

que eu falei assim: eu vou ficar esperando você 1 ano, se com 1 ano você não voltar

eu não vou te procurar mais! Aí com 1 ano ele mandou dinheiro aí eu vim pra cá com

meus menino. ” (Camélia, 37 anos, maranhense)

Ela aguardava que o companheiro conseguisse algum emprego, assim “mandaria

buscá-la”. O discurso do patriarcado se torna legítimo na medida em que é porta voz da

supremacia do homem sobre a mulher e do adulto sobre a criança. A família detém seu poder

fiscalizador das relações e controle dos seus membros, ainda que, como no caso que se segue,

haja sempre espaços de resistência, de subversão:

“Quando eu fui pra me matricular eu não falei nada pra ele. Eu não falei nada, porque

eu percebi que o Orlando, tudo o que falava pra ele, ele falava não. Aí eu fui fazendo

as coisas sem falar pra ele. Quando ele viu já tinha feito, não tinha mais jeito! Eu fui

fazendo isso. Aí quando ele soube, ele falou “ah porque eu soube que você tá

estudando, você não me falou, porque isso não é papel de mulher.” (Margarida, 49

anos, paraense)

Essa foi uma temática intrigante nos relatos, porque por vezes aparecia como

conteúdo expresso das perguntas, outras quase interiorizavam esse discurso, ou não

consideravam como violência intrafamiliar. Apesar das imagens tradicionais do lar acolhedor

e seguro, observou-se nuances do machismo, pelas permanências de um lado, do olhar do

homem, do “outro” em relação às vontades do mundo, e por outro, das fragilidades da

independência feminina frente ao mundo patriarcal:

“A minha irmã também chegou a estudar até a 4ª série, até a 5ª, aí arrumou marido,

arrumou filho e aí acabou né, tá só mesmo na casa. E a outra já tem um filho já de

quase, acho que tem 28 ano, o meu sobrinho mais velho, e ela também parou de

estudar, acho que ela estudou até acho que a 4ª série também, aí logo casou, cabou. É

que lá no interior, depois que casa, já era...” (Rosa, 45 anos, maranhense)

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Para além de um espaço de criação de laços e afetos, as relações familiares são

produtoras de mecanismos de opressão contra a mulher. De acordo com o relato de Rosa, seu

companheiro gostaria que ela saísse da função de diarista, como se atrapalhasse sua dinâmica

diária com a família: “não, assim, ele não gosta muito que eu vou né, pra não deixar muito os

menino sozinho, aí eu digo “eu vou ficar lá vou ver até quando eu guento.” Por outro lado,

para apontar aqui outra dimensão da violência simbólica, as obrigações morais da esposa são

aquelas esperadas dela; já o esposo, quando cumpre com as suas, torna-se ‘homem’: “eu

entrei na escola e meu marido tirou, “porque minha namorada não ia estudar.” (Flora, 73

anos, carioca)

O cotidiano familiar dessas mulheres singulariza suas jornadas diárias, cada qual em

um aspecto de sua sobrevivência no mundo. O testemunho de Rosa, por exemplo, a coloca

como estudante e trabalhadora, assim como seus filhos são estudantes e o esposo é estoquista

na área do comércio. Seu dia-a-dia fica claro em seu relato:

“A gente tem que conversar...Porque se a gente num conversar, quem vai conversar,

né? Mas assim, ele brinca comigo.... Hoje até pedi ele também pra ele me inscrever...

Cê vai me inscrever nos cursos que tá aparecendo aí que eu não vou desistir. Eu digo

casa pra mim agora só depois que eu chegar do curso. Enquanto eu não chegar num

quero nem saber de casa. Saio daqui 06h40 junto com ele. Me dá carona até ali na

parada. Óia a distância (risadas). Daí ele vai se embora pro serviço. E eu vou pro meu

curso. Chego aqui 11h30, 12h eu vou fazer comida, às vezes tá sem aula esses dia. Eu

faço comida, dou comida dos menino, às vezes eu venho deito um pouquinho aqui,

arrumo minhas coisas...” (Rosa, maranhense, 45 anos)

O reconhecimento da mulher no espaço público não foi de graça. A dupla ou tripla

jornada diária, do mercado de trabalho ao trabalho de casa, sacrificou o tempo valioso para

garantir a emancipação feminina, ao menos como é idealizada pelo movimento feminista, luta

esta em grande ascensão desde a década de 1960. Como postula Santos (2008, p. 99), “a

situação da mulher tem se modificado nas últimas décadas, principalmente no que se refere à

sua maior inserção no mercado de trabalho e equidade em termos de direitos civis e

trabalhistas, ao mesmo tempo em que a elevação do seu nível educacional e as alterações nos

comportamentos sexuais têm modificado as representações relativas ao seu papel na

sociedade. Nota-se, entretanto, que o cuidado dos filhos e os encargos domésticos continuam

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ainda, majoritariamente, sob sua responsabilidade.” Na mesma direção, destacamos o

aumento de famílias chefiadas por mulheres, que confirmam a nucleação da família em torno

da mulher.

“Adquirir autonomia e se emancipar por meio da participação no mercado de trabalho

era uma de suas aspirações, mas assumir a total responsabilidade como provedora da família,

ou principal provedora, não se apresentava como um ponto de pauta de suas reivindicações.”

(Toledo, 1998, p. 26): “(...) até agora eu entendo de ser uma mulher sozinha, de ter umas

coisas ruim, de sofrimento entre eu e meus filho. ” (Hortênsia, 41 anos, baiana). Recorde-se

que essa entrevistada foi violentada pelo ex-companheiro por diversas vezes, foi denunciado

pela Lei maria da Penha e hoje encontra-se preso. Já Iris, chefe de família, mãe de sete filhos,

não detém apoio financeiro e emocional dos pais das crianças, apesar disso, relata o gosto de

ser dona de/da casa, expressão de autonomia e independência, de fruição da condição

doméstica, sem sombra de/da opressão:

“…, eu gosto demais de ficar dentro de casa assistindo novela. (...). Eu levanto, levo

pra escola, arrumo casa, faço comida, dou banho em criança, levo pra escola. Aí à

tarde às vezes eu não tô fazendo nada eu vou assistir televisão. (...). Eu gosto de curtir

minhas criança né, que é 3 né que eu tenho comigo.” (Iris, 39 anos, baiana)

A violência intrafamiliar, comum a todos os discursos, foi percebida em suas

diferentes classificações, inclusive na mais reconhecida socialmente, a da agressão física:

“Esse, o Armando, nunca me espancou, já o pai do Gustavo me espancava, me batia que

tirava sangue. Eu fui muito sofrida (fica emocionada). Na época eu acho que não tinha esses

negócio de denunciar não, nem denunciei ele, só me separei dele...” (Iris, 39 anos, baiana).

Situações de violências também geradas por outras mulheres foram relatadas: “Eu

sofria tudo quanto é tipo de violência lá, tudo o que você puder imaginar, eu tenho marca de

cortes no corpo, tudo o que você puder imaginar eu sofri. Tudo.” (Margarida, 49 anos,

paraense). O silêncio da violência se fez comum na maior parte dos relatos; apenas uma

mulher chegou a denunciar – mesmo porque algumas situações ocorreram ainda na infância:

“(...) quando a minha mãe levava a gente, as minhas irmãs mais velha pra trabalhar e

deixava a gente com o tio né? Aí foi na vez que meu tio começou a abusar, não sei se

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foi só de mim ou das minhas irmã também, porque a gente não conversava essas

coisa.” (Camélia, 37 anos, maranhense)

Mas é importante refletir como as transformações societárias ainda se defrontam com

a força do mundo hostil, da discriminação e exclusão das mulheres que legitima (em alguns

círculos) a violência que sobre elas se exerce. Toledo (1998) aborda que “os conflitos são

permitidos nesse roteiro, mas nada que o amor e a solidariedade entre seus membros possam

resolver. O modelo de família ideal, cristalizada pela mídia e pelos padrões sociais de

convivência, ainda dita o rumo das relações.” Para não ser a ‘mãe solteira’, a que é ‘ingrata

com o esposo’, ‘escandalosa’, muitas mulheres se sujeitam a um sistema de controle que se

expressa por meio dos mecanismos de repressão.

Ainda, numa situação de violência, “é comum a mulher se sentir culpada, como um

mecanismo de preservação da moral (manutenção do casamento), agressões são toleradas em

nome da preservação da família e da figura paterna. Por isso, a exigência de fortes doses de

tolerância às humilhações e aos maus tratos” (Toledo, 1998, p. 29):

“Não, agora eu consigo, porque eu era uma angústia que eu tava me culpando, eu me

sentia culpada assim, até perante Deus, porque ninguém sabe dessa história, não

contei pra ninguém, ninguém da minha família. Perante a Deus eu tá culpando uma

pessoa, será que eu não tava inventando aquilo, né? E na verdade não é, é que

aconteceu mesmo, porque a pessoa pensar uma coisa do outro, quem tem um

pouquinho de consciência, fica com a consciência pesada de colocar que a culpa não é

daquela pessoa. Mas na verdade eu não tava colocando culpa em ninguém, ele era

culpado mesmo, que eu tava sendo, como a psicóloga falou, geralmente quem é a

vítima passa a ser o culpado e o culpado passa a ser a vítima.” (Margarida, 49 anos,

paraense)

De acordo com o Ministério da Saúde (Brasil, 2005), “a violência contra a mulher

pelo cônjuge, na sua forma típica, envolve atos repetitivos, que vão se agravando em

frequência e intensidade, como coerção, cerceamento, humilhação, desqualificação, ameaças

e agressões físicas e sexuais variadas. Além do medo permanente, esse tipo de violência pode

resultar em danos físicos e psicológicos duradouros.”

A recorrência de maus-tratos às mulheres é comum no Brasil, vista a aceitação

cultural de práticas corretivas de manhas e erros. Como coloca Alves e Diniz (2005), “no

Brasil colonial era permitido aos maridos corrigirem suas mulheres pelo uso da chibata. As

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105

agressões físicas e psicológicas contra elas apresentavam-se como parte das nossas raízes

culturais, determinando às mulheres a função de servir a seus maridos e filhos, dedicando-se

exclusivamente às tarefas domésticas, em que pudessem manifestar seus dons maternais.”

Sofrer uma agressão é uma realidade feminina. Pesquisa da Secretaria de Saúde do

DF63

revela que as mulheres são mais agredidas do que os homens. Nos últimos dois anos —

2014 e 2015 —, as notificações feitas nas unidades de saúde da capital federal foram

majoritariamente contra quem é do sexo feminino. Os dados foram coletados a partir dos

atendimentos feitos nos hospitais do DF. A violência é relatada de forma compulsória, caso

seja verificado o dano à integridade física ou emocional do paciente. Em 2015, foram 1.230

(72,6%) casos de mulheres agredidas contra 464 relatos de homens na mesma situação, de

acordo com Sistema de Notificação Compulsória da Secretaria de Saúde. São quase três

vezes mais agressões a mulheres do que a homens.

E ainda que hoje a Lei Maria da Penha seja legalmente reconhecida como um

mecanismo de proteção às mulheres, estabelecendo medidas para sua proteção, assistência e

punição do agressor, além da possibilidade de reeducação dos agressores, as consequências

da perpetuação da violência contra a mulher ainda são muito fortes. “A visão da

independência feminina ainda vive no sonho do príncipe encantado que muitas jovens

acalentam. Têm filhos, mas se sentem culpadas por deixá-los, em casa, para se dedicarem a si

ou ao trabalho. Em casa, querem sair para trabalhar. Se cheinhas, querem emagrecer. Se

magras, desejam seios, nádegas e o que mais tiverem direito...em silicone. Desejam o real e o

sonho, de mãos dadas. São várias mulheres em uma. Buscar o próprio rosto entre tantos

outros é o desafio. Mas o maior desafio mesmo é mostrar que elas podem ter um rosto só”

(Del Priore, 2014, p. 8).

63

Disponível em

http://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia/cidades/2016/05/12/interna_cidadesdf,531540/mulheres-sao-

72-6-dos-casos-de-agressao-no-distrito-federal.shtml. Acesso em maio de 2016.

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106

8.3 O difícil ou zero alcance dos serviços públicos

Esta temática almejou conhecer a satisfação de necessidades coletivas pelas

entrevistadas, tais como serviços de saúde, educação, assistência social e justiça.

“Compreendido serviço público como incumbência do Estado, cuja criação se dá por Lei,

sendo a sua gestão feita diretamente pelos órgãos que compõem a Administração Pública ou,

indiretamente, por meio de concessão ou permissão, ou por pessoas jurídicas criadas pelo

Estado para tal fim” (Pietro, 2006).

A fragilidade da prestação de serviços públicos foi o principal cenário de origem das

mulheres entrevistadas. A visão de que os serviços públicos deixavam a desejar predominou

nas entrevistas, muitas vezes pela distância de suas casas até chegar ao destino pretendido:

“Quando eu tive a minha filha, se eu tivesse no interior ela tinha morrido...Porque eu

senti as dor dela e aí quando eu chego no hospital o médico falou que ela ia nascer só

um pé e o resto ela não ia nascer porque ela foi ela tava sentada e não virou e aí a

bolsa tinha rompido...aí eu cheguei lá no hospital era umas 7h da manhã por aí

assim...e a 10 e pouco do dia ela nasceu porque foi tirada na cesárea. Se fosse no

interior tinha morrido. ” (Rosa, 45 anos, maranhense)

“Lá nunca procurei a justiça, mas a saúde tinha que procurar três vezes durante nove

meses na cidade pro pré-natal. Acordava 3h da manhã pra pegar o ônibus às 6h se não

perdia. Tinha que ir a pé, com a lanterna de candeeiro.” (Camélia, 37 anos,

maranhense)

Esta estudante, por exemplo, morava em uma casa simples, sem água encanada;

pegava água de poço. Ocorreu que duas semanas antes da sua filha mais velha nascer,

Débora, caiu na cacimba do poço. Apesar de não ter perdido sua bebê, ela teve um

afundamento de crânio, e até hoje sente fortes dores de cabeça. O obstetra que a atendeu disse

que ela havia tido ‘sorte’, e se precisasse de socorro imediato provavelmente sua filha teria

morrido. Os condicionamentos da lonjura dos serviços públicos eram sentidos por toda

família. Seus filhos demoravam duas horas para conseguir chegar à escola, e ainda iam de

bicicleta com o pai porque de vez em quando apareciam animais selvagens à beira da estrada.

Fadul (1997, p. 60) esclarece que “a criação dos serviços públicos é classicamente

associada à existência de certas necessidades sociais objetivas e justificada pela suposição

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ideológica de uma missão de interesse público. Consequentemente, o Estado benfeitor,

movido pelo interesse público, intervém na vida social para desempenhar certas funções num

determinado espaço, criando os serviços públicos e colocando-os ao alcance de todos.”

Ao encontro desta dissertação, o difícil ou zero alcance aos serviços foi comum a

todas entrevistadas. A maioria morava em zona rural, como o caso dessa entrevistada, nascida

e criada em uma comunidade ribeirinha: “não lembro nunca de ter ido em hospital e em

nada.” (Margarida, 49 anos, paraense). “Não, não tinha, não tinha...era roça mesmo. Não

tinha escola, não tinha hospital, não tinha nada. Depois foi que a gente mudou pra Barreiras

foi que minha mãe colocou a gente na escola.” (Iris, 39 anos, baiana)

A realidade atual não é muito diferente. Relatos de meses e até anos de espera para

assistir a uma consulta médica são bem comuns; os principais hospitais de média e alta

complexidade e unidades de pronto atendimento de referência da região centro-oeste se

encontram em Brasília. Não por acaso também, nada menos que 97% das estudantes (35

respostas) do curso de Alfabetização e Letramento utilizam o Sistema Único de Saúde (SUS).

Apenas uma mulher respondeu “outros”, sem manifestar qual sistema de saúde utilizava.

Carrano (2007, p. 5) coloca que as desigualdades regionais e intrarregionais que se

verificam nas estruturas básicas da vida material se expressam na diferenciação do acesso e

permanência na escola. Esta mulher, por exemplo, estudou até a 4ª série em uma escola

pequena, comum para os padrões interioranos, mas sem energia e com paredes incompletas e

dispunha do céu aberto como teto:

“Na época era na cadeira, a gente sentado na cadeira (risos), coberta de palha, a

parede era feita acho que até nessa posição aqui assim ó, o resto tudo era aberta até

chegar na cobertura da casa pra ventilar dentro da escola, era normal mesmo, uma

casinha cobertinha de palha, um quadro na parede e as cadeira pra gente sentar e

agora que não existe mais, no meu tempo foi esse a escola era assim.” (Rosa, 45 anos,

maranhense)

Essas dificuldades, que empurram os cidadãos às margens da sociedade, excluem os

jovens e adultos também aos aparelhos de cultura e lazer e aos meios de informação,

especialmente no difícil acesso dos jovens mais empobrecidos a computadores e Internet,

sublinhando desvantagens múltiplas e inibindo sucessos. Essa problemática ficaram claras no

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diálogo com Camélia, quando comentava sobre as dificuldades de aprendizagem de um dos

seus filhos nas atividades de Informática: “e ele falou “olha mãezinha, o professor pediu pra

fazer uma moldura, uma lista lá...” e o Lucas não deu conta, ele não tem nada de

Informática.”

O acesso à cultura digital esbarra nos limites socioeconômicos das famílias de baixa

renda, não só desta família, como a maior parte da turma de Alfabetização e Letramento, que

não têm acesso a computadores e Internet em casa. Camélia compartilhou inclusivamente um

de seus sonhos, explicitamente relacionado com as condições para o sucesso escolar dos

filhos: “Vai... a gente tem que aplicar nas coisa mais necessitada para o dia-a-dia, mas nem

que a gente pague, tipo assim, compra o computador, aí bota uma coisa que tem Internet e aí

faz um lugarzinho pros menino estudar...”:

Isso é algo que se configura como a face contemporânea da histórica exclusão dos

pobres aos benefícios científicos e tecnológicos nas sociedades do modo de produção

capitalista, particularmente quando se consideram aqueles situados na periferia do

sistema. (Carrano, 2007, p. 5)

Além das barreiras físicas, ainda ficaram claras barreiras impostas pelo contexto

social e familiar, ou de guarda, pois algumas das entrevistadas não cresceram com as suas

famílias biológicas: “não mexia com isso não. Nunca mexi com esses negócio não, graças a

Deus. O meu pai de criação era delegado. Era muito rico, tinha fazenda muito grande, nóis

ficava mais na fazenda de que na cidade. Porque tinha muita coisa, muito gado, muito bicho,

a gente tinha que ficar lá, de empregada, né? ” (Flora, 73 anos, carioca)

E se quisesse e pudesse estudar mais, teria que se mudar para a cidade, como disse

sobre o atual companheiro: “meu marido estudou até a 4ª série lá no interior. Ele veio

terminar os estudos dele aqui porque num.... ou ia pra cidade ou ficava na roça trabalhando. ”

(Rosa, 45 anos, maranhense)

Em busca de uma vida melhor, no entanto, estas mulheres vieram morar em Brasília,

apresentada como um eldorado de progresso, mas aqui encontraram condições precárias e até

mesmo a fome:

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109

“Vim, porque Brasília pra mim era tudo chique, aí quando eu cheguei na Estrutural eu

queria voltar de onde eu vim. Era muita lama, muita lama. (...) aí um dia a gente

pegou e foi “ah, isso aqui que a gente vê na televisão! ”, aí então a gente tava no

interior de Brasília (risos)! Aí eu fui ficando com conhecimento, mas eu sofri muito

quando cheguei aqui, muito. Passei fome com meus menino, fome mesmo. ”

(Camélia, 37 anos, maranhense)

A adoção de programas de transferência de renda é, atualmente, o principal

mecanismo de combate à fome no Brasil. O Bolsa Família tornou-se um dos principais

programas, pois para muitas famílias pobres, os benefícios desse Programa são a única

possibilidade de obtenção de rendimento pecuniário. O seu propósito é minimizar os efeitos

das desigualdades sociais à curto prazo para a população de baixa renda. Foi instituído pelo

Governo Federal, pela Lei nº 10.836, de 9 de janeiro de 2004, regulamentado pelo Decreto nº

5.209, de 17 de setembro de 2004, alterado pelo Decreto nº 6.157 de16 de julho de 2007.

O Bolsa Família (vide resumo no anexo C) pauta-se na articulação de três dimensões

essenciais à superação da fome e da pobreza: promoção do alívio imediato da pobreza, por

meio da transferência direta de renda à família; Reforço ao exercício de direitos sociais

básicos nas áreas de saúde e educação, que contribuirá para que as famílias consigam romper

o ciclo da pobreza entre gerações; Coordenação de programas complementares, que têm por

objetivo o desenvolvimento das famílias, de modo que os beneficiários do Bolsa Família

consigam superar a situação de vulnerabilidade e pobreza. No Brasil, atualmente, estima-se

que quase 14 milhões de famílias sejam beneficiadas64

.

Sabe-se que o perfil das mulheres do curso de Alfabetização e Letramento é de

extrema vulnerabilidade social (vide capítulo 7). Então não é surpresa que quase metade das

estudantes recebam algum tipo de benefício social, 44% responderam sim (16 respostas),

enquanto 56% não (20 respostas).

Das 16 mulheres que responderam receber algum benefício social, 13 delas recebem o

Programa Bolsa Família. Das outras três, uma declarou receber o "DF Sem Miséria", outro

programa social, só que a nível distrital; a outra disse receber o Bolsa-Família, mas à época

de preenchimento do formulário estava sem receber há três meses – provavelmente por

inconsistências no cadastro social e a terceira relacionou erroneamente o benefício social com

64

Disponível em http://www.cgu.gov.br/noticias/2013/12/nota-de-esclarecimento-2013-programa-bolsa-familia.

Acesso em junho de 2016.

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110

sua aposentadoria do INSS. Observa-se que no IFB, como critério de seleção aos programas

de permanência, receber qualquer benefício social conta para o índice de vulnerabilidade

social do candidato à bolsa.

Estes benefícios são, portanto, uma estratégia de sobrevivência para residir na capital.

Apesar do reforço midiático em suscitar a alta qualidade de vida em Brasília, os bairros

pobres do DF e do entorno65

padecem da precariedade e da falta de infraestrutura, em que a

Cidade Estrutural é o principal exemplo. De acordo com a última pesquisa distrital por

amostra de domicílios (PDAD – 2013/2014), apenas 4,4% dos domicílios da região são

próprios e 82,45% encontram-se em terrenos irregulares. Ainda assim, foi unânime a intenção

de permanência em Brasília, afirmando até que a capital é mais avançada em termos de

prestação de serviços:

“Situação de recurso, que nem agora eu tenho 3 filhos, pra mim cuidar dos meus

filhos lá se torna mais difícil pra cuidar deles lá do que aqui, em termos de recurso. É,

escola, saúde e em termo de alimentação porque alimentação aqui a gente sempre às

vezes consegue uma doação através do pessoal da igreja, mas lá é meio difícil de isso

acontecer.” (Hortênsia, 41 anos, baiana)

A prestação de serviços públicos demonstra a fortaleza ou a fraqueza das políticas

públicas. Brasília é popularmente conhecida como uma terra de oportunidades, especialmente

de empregos. Devido à crise econômica, esse não é o cenário atual, mas à época de sua

inauguração, na década de 1960, ela foi vista como uma saída às mazelas sociais de outras

regiões do país, visão esta, acredita-se, foi evidenciada nas biografias das mulheres

entrevistas.

65

É a região do Estado de Goiás que circunda a área limítrofe ao Distrito Federal, em que são conhecidas como

“cidades-dormitório” porque muitas pessoas que moram lá trabalham no DF, fazendo o deslocamento diário de

2h a 3h, usufruindo também dos serviços prestados pela capital.

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111

8.4 (Des)caminhos: fatores e condicionamentos da ausência escolar

Independentemente da diversidade de fatores que terão conduzido à saída ou não

frequência escolar, e do trajeto de vida a partir daí percorrido, as mulheres partilham uma

condição objetiva fundamental: a ausência de um diploma. Algumas haviam chegado a

frequentar a escola, mas o tempo foi injusto, esmorecendo com ele grande parte do

conhecimento que haviam compartilhado. Mas a alfabetização é um convite ao

reconhecimento da aprendizagem como um fator contínuo, como coloca Soares (2011, p. 51),

em que o processo de alfabetização nunca está finalizado. “O que na verdade ocorre é que

alguns indivíduos são mais alfabetizados que outros, não havendo um ponto específico, em

uma escola única, que possa separar os alfabetizados dos analfabetos.”

O processo de alfabetização, portanto, não corresponde ao ritmo tradicional de

escolarização, ditado pelas normas objetivas de grau de instrução. Tanto é que 53% das

estudantes possuem o Ensino Fundamental Incompleto, e mesmo assim, sentiram necessidade

de retornar ao “ponto zero” da alfabetização. Este caráter heterogêneo é típico da trajetória de

jovens e adultos, e as entrevistas demonstraram altos e baixos na vida escolar. Não somente

na infância e juventude, mas o percurso formativo fora interrompido várias vezes em suas

trajetórias. Ainda menores de idade, algumas delas tiveram que deixar seu sonho de aprender

a ler e a escrever pela necessidade de trabalhar:

“Eu fui criada na fazenda, não tinha jeito. Ela levava os filho dela de carro (para

escola), mas eu não podia porque tinha que tomar conta da casa. Tinha dois

bebezinho, eu que tomava conta...” (Flora, 73 anos, carioca)

Cabe ressaltar que esse é o principal motivo de ausência escolar das estudantes, tendo

suas vidas marcadas pelas idas e vindas aos estudos. Pela necessidade de trabalhar para

ajudar no sustento familiar, 39% das mulheres haviam parado de estudar até se matricularem

no curso (14 respostas). A maioria delas estava há mais de cinco anos sem estudar,

correspondendo a 61% (22 respostas). Já 36% (13 respostas) responderam ‘não se aplica’, ao

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112

que parece porque entenderam não se aplicar a realidade delas, estudantes do IFB66

. Apenas

3% respondeu que estava sem estudar há três anos. Outra motivação de ausência escolar

muito recorrente nas entrevistas foi a pressão familiar, representada especialmente pelo

machismo cotidiano das relações:

“Porque lá em Caxias meu pai ia pra roça, aí deixava só os menino homem pra

estudar. (...). Porque dizia que os menino homem tinha que ser doutor e as meninas

mulher era pra cuidar da casa, aí durante essa semana eles estudava e no final de

semana voltada pra roça. (...) Aí minha irmã “nóis temo que sair de casa pra estudar”,

aí meu pai era meio surdo e minha mãe dizia assim “ eu tô ouvindo, vocês não vão

sair de casa, só vão sair quando casar, se o marido de vocês quiser que vocês estude

quem sabe.” (Camélia, 37 anos, maranhense)

Essa outra estudante era contrariada pelo ex-companheiro; chegou a participar do

MOBRAL, antigo programa de alfabetização no Brasil, mas seu percurso escolar foi

interrompido várias vezes contra sua vontade:

“Eu entrei na escola e meu marido tirou, “achava que eu ia namorar”. Um idiota. E era

igual essa parede, daquele lado a escola e aqui a minha casa, era só passar por debaixo

da cerca, a hora que ele chegava do serviço ele me tirava da escola. Ele trabalhava na

aeronáutica, era meio expediente. Até a hora que ele chegava eu tava estudando, aí ele

chegava e me tirava da escola. Aí eu levava minha filha, que eu tinha uma filha,

minha filha bebezinha assim, dentro do carrinho. Essas escolas bem assim, não falava

besteira...” (Flora, 73 anos, carioca)

A entrada tardia na escola também é uma característica predominante de jovens e

adultos. Quando estavam na fase da infância e adolescência, a educação não era prioridade:

“Mas quando minha mãe colocou a gente na escola eu já tinha 12 anos, não deu tempo

pra mim aprender nada. Já tava na época da adolescência né, queria saber de outras

coisas não de estudar.” (Iris, 39 anos, baiana)

66

A pergunta “Há quanto tempo parou de estudar?” ao meu ver é confusa, porque não compreende-se a

temporalidade do questionamento, se é mesmo do tempo passado que se refere. O mais correto seria “Há quanto

tempo havia parado de estudar antes de ingressar no IFB?”, já que este questionário é somente respondido por

estudantes matriculados em algum curso do instituto.

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113

“Foi, porque desde que eu saí da casa dela eu perdi o interesse no estudo por conta do

que eu passei lá, eu colocava na minha cabeça que estudo nenhum valia o que eu

passei. Eu simplesmente parei e fiquei só trabalhando em casa de família e só isso.”

(Margarida, 49 anos, paraense)

Apesar da manutenção do capital financeiro ter sido um dos principais motivos de

abandono dos estudos das entrevistadas, inclusive sendo um dos principais motivos de evasão

nos institutos federais, a ausência escolar não foi ditada apenas pela lógica do trabalho.

Apesar do incentivo educacional por parte da família, a dominação masculina no coletivo de

trabalho era a regra. A primazia universalmente concedida aos homens se afirma na

objetividade de estruturas sociais e de atividades produtivas e reprodutivas, baseada em uma

divisão sexual do trabalho de produção e de reprodução biológica e social, que confere aos

homens a melhor parte, bem como nos esquemas imanentes a todos os habitus (Bourdieu,

2002, p. 45). Hoje, estudando no IFB, algumas mulheres além de relembrarem oportunidades

que não perceberam na juventude, ditas como uma fase de ‘preguiça’ consciente, colocam a

culpa em si mesmas pela ausência escolar:

“Não, não foi por causa de marido não, é por causo que eu fui pra cidade e aí a gente

já tava começando a paquerar e aí tinha os menino lá, e aí eu fui pra lá e já pensando

num menino ai eu “eita, eu vou embora agora perdi o menino”, aí depois eu desisti de

lá da cidade lá, pra casa da minha tia e aí eu voltei pro interior, só que eu continuei

estudando lá e depois eu desisti. Mas assim, não foi por falta de conselho de pai nem

mãe não, porque o meu pai sempre incentivou né, a gente estudar, eu fui que não fui

mesmo, com preguiça. E era mimada também...” (Rosa, 45 anos, maranhense)

“A minha mãe fez de tudo pra mim tentar estudar, pra mim aprender né, só que eu não

sei se a memória que foi fraca, falta de desinteresse, a memória, não teve muita

aprendizagem na escola não. (...). Eu acho que foi uma coisa minha de eu não ter dado

conta mesmo de aprender, eu não sei se foi a falta de memória (...) mesmo, não sei o

que eu não dei conta de aprender, mas minha mãe fez de tudo pra mim aprender, mas

eu não dei conta...” (Hortênsia, 41 anos, baiana)

A localização e infraestrutura também eram barreira para os estudos, como era o caso

dessas mulheres, que na infância moravam em zona rural:

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114

“Eu me lembro de uma que era muito longe, era até num engenho onde meu pai

trabalhava, minha mãe trabalhava, era muito longe. Só que a gente ia assim, uma vez

ou outra né, porque ia naqueles barquinho, né? Ia de barquinho.” (Margarida, 49 anos,

paraense)

“É que lá no interior, depois que casa, aqui que ainda tem uma chance, que as veze né,

pode ir de noite e tudo que é iluminado, mas lá pra vir de um interior pra outro não dá

pra vir de noite não que é muito escuro, só que agora já colocaro luz e tudo, mas é só

dentro das casa, quando sai dum interior pra outro, não tem casa pra chegar até o

outro, aí pra vim de noite não dá, pra vim estudar, só se tiver o colégio pertinho. Só

que lá onde a minha mãe mora tem um colégio bem pertinho da casa da minha mãe, aí

já vai ter outro colégio em outro interiorzinho, mais pra frente, aonde a minha irmã

mora não tem, já tem em outros interior depois da casa dela, aí fica assim, vai ficando

sempre distante, aí não dá pra estudar. Nós que quase... era porque era de comprido

assim, mas eu acho que era igual o tamanho do nossos lote (...) chama-se lampião lá

no interior, é um negócio que coloca o botijão de gás e você coloca um negocinho

assim pra clarear, chama-se lampião. Pra alumiar a noite né, durante o dia não,

durante o dia não precisava não... e lá agora já a gente já estuda de dia e estuda de

noite, igual aqui. Antigamente era nesse, o tal do lampião que tinha a noite lá,

colocava lá....” (Rosa, 45 anos, maranhense)

Viver com baixas qualificações escolares na sociedade contemporânea é um obstáculo

para a conquista de muitos sonhos, oportunidades profissionais ficam pelo meio do caminho

sem perspectiva de sucesso. Hoje, se pudessem, voltariam atrás para alterar o rumo de seus

destinos. De certo que a autoimagem e a relação que se estabeleceu com outros sujeitos foram

afetadas, gerando diversos tipos de constrangimento. A seguir, demonstra-se como foi o

processo de ruptura com o analfabetismo, em que estas mulheres tiveram uma segunda – ou

mais chances de recomeçar.

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115

8.5 Processo de ruptura com o analfabetismo: o contraponto da exclusão

O analfabetismo é característico do modelo de exclusão, impregnado no capitalismo

vigente. A pessoa se torna analfabeta por um processo de exclusão social. Em meio a este

processo, no entanto, existem propostas democráticas, advindas da consciência histórica das

massas populares, de construção de alternativas que minimizem os efeitos da desigualdade

social que permeia a sociedade moderna.

Freire (1967, p. 106) argumenta que no processo democrático em que vivemos,

marcado pela recente ditadura militar, seria necessário tentar uma educação que fosse capaz

de colaborar com ele na indispensável organização reflexiva de seu pensamento. “Educação

que lhe pusesse à disposição meios com os quais fosse capaz de superar a captação mágica ou

ingênua de sua realidade, por uma dominantemente crítica. Isto significava então colaborar

com ele, o povo, para que assumisse posições cada vez mais identificadas com o clima

dinâmico da fase de transição. Posições integradas com as exigências da democratização

fundamental, por isso mesmo, combatendo a inexperiência democrática.”

A instituição do EJA tem sido considerada como o reconhecimento desta consciência,

sendo a principal estratégia para saldar uma dívida social com os cidadãos brasileiros que não

estudaram na idade própria. A ruptura com o analfabetismo significa então o apreço de um

novo presente, aliado a mudanças estruturais que legitimam possibilidades históricas de

transformação. Na medida em que a democracia se aproxima das linhas gerais de uma

sociedade, fica cada vez mais difícil alijá-las do acesso à educação formal, pois esta é uma

possibilidade de ter contato com as ferramentas da expressão e da comunicação.” Aprender a

ler e a escrever significa ter direito aos recursos de interação com o ‘mundo civilizado’ da

sociedade capitalista ocidental. As classes populares se encontram presentes, ainda que

algumas vezes em forma aparentemente passiva, e a pressão que exercem se configura como

uma força real no sentido da afirmação da liberdade” (Freire, 1967, p.17).

Compreendendo melhor a realidade social dessas mulheres, Pinto (1991) oferece uma

oportuna definição de que analfabeto não é simplesmente aquele que não sabe ler e (...) sim

“aquele que, por suas condições concretas de existência, não necessita ler (...). O adulto se

torna analfabeto porque as condições materiais de sua existência lhe permitem sobreviver

dessa forma com um mínimo de conhecimentos, o mínimo aprendido pela aprendizagem oral,

que se identifica com a própria convivência social” (92; 102).

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116

As mulheres entrevistadas, em suas experiências de ruptura com o analfabetismo,

demonstraram diferentes itinerários até chegarem ao curso de Alfabetização e Letramento.

Ora a educação ficou em segundo plano em suas vidas, ora foram alijadas contra a sua

vontade, sem dúvida nenhuma que gostariam de ter tido um destino diferente: “eu me sentia

mal sim, porque os menino tavam lá no alfabeto e eu não sabia que letra era essa.” (Camélia,

37 anos, maranhense)

“A escrever meu nome, que eu não sabia escrever o meu nome, quando ia assinar

alguma coisa eu tinha que colocar o dedo... ai que vergonha! E hoje não, hoje eu sei

assinar meu nome direitinho!” (Iris, 39 anos, baiana)

Em uma leitura sociológica, Ávila (2005, p. 88) destaca “a importância destas várias

leituras para a compreensão da centralidade da leitura das sociedades atuais.” Pequenos

panfletos, receitas de cozinha, letreiros de ônibus e livros religiosos fazem parte da vivência

da população adulta: “A professora quando a gente vai pra Igreja Católica, a gente vai ler a

bíblia eu digo “ó, aqui é a bíblia, não é pra soletrar, é pra ler.” (Camélia, 37 anos,

maranhense)

“Eu pego ônibus pra qualquer lugar, não tenho dificuldade mais, pegar ônibus.

Também aonde eu vejo uma placa, às vezes antes dele passar eu já consigo ler alguma

coisa, isso é muito bom pra mim. Às vezes eu leio alguma passagem da Bíblia que eu

tenho dificuldade, eu já leio.... Aí, pra mim foi bom. Várias coisa mudou... muitas

coisa!” (Iris, 39 anos, baiana)

A associação do curso à contemplação de necessidades diárias pode ser verificada em

vários trechos das entrevistas. Esses tipos de práticas de leitura têm vindo a evoluir e começa

a ser dada alguma atenção à leitura cotidiana de outros materiais, menos formalizados, e cuja

utilização tem um caráter mais utilitário:

“Não tenho nem palavra pra descrever o que o estudo pode fazer. Porque a gente tem

conhecimento, a gente vê de outra forma, a gente tem uma outra visão de tudo, a gente

vê que a gente pode as coisas com as pessoas falam que não pode. Então é muito,

muito, muito importante. É por isso que todo dia eu incentivo, todo dia, todo dia,

como todo dia acordo eu incentivo o estudo das meninas.” (Margarida, 49 anos,

paraense)

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“O aprendizado da escrita e da leitura como uma chave com que o analfabeto iniciaria

a sua introdução no mundo da comunicação escrita. O homem, afinal, no mundo e com o

mundo. O seu papel de sujeito e não de mero e permanente objeto” (Freire, 1967, p. 108). A

inserção social na sociedade tem significados sutis, problematizados em pequenos gestos e

simples falas sobre o seu cotidiano, como pegar ônibus, ler os rótulos de embalagens,

escrever alguma anotação, entre outras atividades triviais do dia-a-dia de um ser humano,

tornam-se condicionantes com a proximidade de relações sociais de cidadania, às quais as

mulheres passaram a ter mais contato morando em Brasília. “Eu não pego ônibus errado, eu

já peguei. Antes eu pegava só pelo número, agora eu sei o nome que tá lá pra eu pegar.”

(Flora, 73 anos, carioca)

“Eu dou conta de pegar os ônibus, o ônibus, principalmente lá do local que eu moro,

então dou conta de pegar sozinha então me ajuda bastante.” (Hortênsia, 41 anos,

baiana)

Na roça, mesmo que em contato com outro universo de possibilidades, estas eram

mais limitadas ao imediato, ao que se exigia para existir no ambiente de interior. De acordo

com Rosa, a cidade de Brasília realizou uma experiência diferente na sua concepção de vida,

especialmente no que toca suas necessidades básicas, ler e escrever passaram a fazer um

sentido social diferente para ela e sua família. Já na linha horizontal da família, o acesso à

educação também seguiu o caminho do aprendizado:

“Meus irmãos cada um aprendeu um pouquinho, só que só tem esse que mora da na

casa aqui do lado ele terminou, ele chegou a terminar os estudos dele. Agora tem os

outros dois que parou na 5ª, tem outro que tá trabalhando de vigia lá no Sudoeste, ele

também já terminou, já terminou aqui também, meu irmão caçula. ” (Rosa, 45 anos,

maranhense)

Sob a ótica do ciclo do analfabetismo, percebeu-se a negligência aos estudos comum a

todas as histórias. De acordo com Sarreta (2011, p. 7), “essas mulheres que atualmente se

encontram em processo de escolarização são exemplos de uma população que, por muitos

anos, negligenciou a educação, mas que agora se veem na necessidade de buscar os estudos.”

Desta questão surge a mistura de sentimentos relatados pelas entrevistadas. Por um lado,

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sentem-se felizes por voltar a estudar e, por outro lado, desvalorizadas pelos danos causados

em suas vidas pela falta de escolarização.

Suas experiências enquanto estudantes demonstraram colaborar também para uma

ruptura de analfabetismo no processo familiar. Os pais dessa mulher, por exemplo, não foram

à escola e o que aprenderam foi por conta própria:

“O meu pai nem a minha mãe acho que os dois não estudaram não, o meu pai sabe ler

e escrever mas acho que não chegou a estudar não. Que os pai era muito carrasqueiro,

o pai dele, a mãe não, sei que o pai dele disse que era muito brabo, o velho pai dele. O

pai da minha mãe eu nem sei, eu quase não cheguei, não, eu cheguei a conhecer o pai

da minha e a mãe também da minha mãe, mas a minha vó eu não sei nem o que ela

sabia, se botou filho pra estudar... mas minha mãe também não estudou, acho que o

estudo foi bem pouquinho também. Não sabe... conhece, conhece dinheiro, sabe fazer

o nome dela e tudo, mas não teve estudo. Meu pai sabe ler, mas é assim por conta

própria dele pode colocar alguma coisa pra ele ler que ele não deixa passar em branco

não…” (Rosa, 45 anos, maranhense)

Unidas pela vontade de ler e escrever, essas mulheres têm diferentes cores, credos,

origens e idades. Uma em especial, Flora, representou as mulheres idosas. É a estudante mais

velha do curso de Alfabetização e Letramento, sendo também a estudante mais assídua.

Interessante que este ano, mesmo que não tenha conseguido fazer a matrícula no curso

porque estava viajando à época, me questionou várias vezes “Vocês não vão desistir de mim,

né? ” Mesmo sem estar matriculada, não falta um dia de aula. Em sua entrevista, percebi a

alegria em compartilhar sua história de vida, marcada por muitas descrenças de seu círculo

social: “Falam pra que que eu tô estudando, que eu não vou aprender nada...” (Flora, 73 anos,

carioca)

De acordo com Minayo e Coimbra Júnior (2002), “raramente se permite que pessoas

idosas sejam genuinamente ouvidas sobre suas experiências de vida, tanto por profissionais

de saúde, como pela sociedade” (como citado em Coelho et al, 1998, p, 47). Essa negligência

no plano micro societário tem muito que ver com a falta de interesse do capital investir nos

mais velhos.

De acordo com Ramos (2011), “as pessoas de mais idade foram excluídas desse

projeto educacional, pois não interessavam mais ao processo produtivo. Isso porque tais

pessoas não precisariam ser formadas para uma futura vida profissional, pois ou já eram

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trabalhadores prestes a se aposentar ou já estavam aposentados.” A lógica era a seguinte: para

que se investir na educação dos que já passaram pela vida produtiva ou que estavam em vias

de sair dela? Isso seria um desperdício do ponto de vista do capitalismo, pois esses indivíduos

não poderiam mais contribuir para a produção da riqueza. “Aí eu procuro procurar as coisa, o

povo diz “pra que mulher você vai fazer isso, pra que você vai estudar? Você já tá velha, tá

doente”, eu digo “doente nada! ” (Flora, 73 anos, carioca)

De acordo com Pinto (1991), essa situação explica, em grande medida, “a ausência de

um projeto educacional destinado especificamente aos mais velhos, quando consideramos o

modelo capitalista de educação. E isso se verifica na totalidade dos países capitalistas, que

construíram, ao longo da história, uma estrutura de ensino formal para educar

prioritariamente crianças e jovens. A chamada ‘educação de adultos’ ou de ‘jovens e adultos’,

surgiria posteriormente na sociedade industrializada, pela necessidade de preparar

minimamente a classe operária, derivada do ‘campesinato bruto e ignorante’”.

No Brasil, as principais leis da educação, como a LDB (Lei 9.394/96), também citam,

no máximo, a educação de jovens e adultos (EJA) como única alternativa educacional

destinada à população ‘fora da idade escolar’. “Contudo, essas leis não tratam da diversidade

existente entre os indivíduos que compõem a categoria de adultos. Por exemplo, há muita

diferença entre um adulto de 25 ou 30 anos e um adulto de 50 ou 60 anos. E isso em nenhum

momento é levado em consideração na LDB, lei que, aliás, nem sequer cita a velhice,

ignorando-a totalmente. Poder-se-ia supor que os idosos integrariam, nesse caso, a categoria

de adultos” (Peres, 2011, p. 2).

A velhice é uma particularidade da vida adulta, e colocá-la em pé de igualdade com a

vida adulta, ignorando a demanda especial que merece, bem metodologias diferenciadas de

ensino e aprendizagem, significa assumir uma perspectiva reducionista. A ruptura com o

analfabetismo também demonstra a ruptura com padrões familiares: “ (...) falei pra ele “se eu

fizer a minha matrícula e não estudar é porque eu vi você, agora você parou e eu não vou

parar não, vou pra frente! ” (Camélia, 37 anos, maranhense). E essa determinação em

continuar os estudos levou muitas delas a ingressarem no ensino regular. Das seis

entrevistadas, três estão frequentando o ensino de jovens e adultos no período noturno, e uma

estava aguardando na lista de espera; fora outros casos, das estudantes que não foram

entrevistadas:

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“Clarice, eu tenho vontade de terminar pelo menos até o 9º ano, eu quero fazer.

Depois quem sabe, porque eu pensei que ia ficar “vou estudar no IFB só um ano”, aí

não fiz só um ano, aí já tô no terceiro ano que a gente tá aqui né? Aí eu sempre falo

assim “quando eu chegar no 6º ano eu paro”, mas eu acho que não vou ter limite pra

leitura, porque eu quero fazer muita coisa, muita coisa mesmo...” (Camélia, 37 anos,

maranhense)

Paulo Freire coloca a alfabetização como oportunidade de respeito e reconhecimento

ao seu protagonismo de vida. “O analfabeto apreende criticamente a necessidade de aprender

a ler e a escrever. Prepara-se para ser o agente deste aprendizado” (Freire, 1967, p. 110).

Sendo assim, o curso de Alfabetização e Letramento é um instrumento da educação técnica e

profissional do Instituto Federal de Brasília que põe à disposição os meios para superação da

suposta realidade ingênua em que vivem, por uma dominantemente crítica e inovadora.

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8.6 Ressalvas sobre o curso: organização e infraestrutura

As mulheres avaliaram o curso de Alfabetização e Letramento como uma

oportunidade de alavancar sonhos, como a aparição de um mundo até então desconhecido.

Aprender a ler e a escrever deixou de ser uma possibilidade para o campo real da existência

humana:

“Sim, mudou muito, porque uma que eu morria de preguiça de ir na sala de aula e

hoje eu vou pra escola assim, nem um pingo de preguiça, quando chega a hora de ir

pra escola eu deixo tudo e vou. E assim, eu aprendi um pouquinho mais e hoje eu

resolvo a minhas coisa, sem precisar do marido tá andando mais eu, vou sozinha, faço

meus negócio, resolvo tudo direitinho sem precisar ninguém tá me ensinando, eu

mesma resolvo as minhas coisa sozinha. ” (Rosa, 45 anos, maranhense)

Além disso, a motivação para estudar passou a fazer parte do seu universo: “Me

incentivou muito, eu aprendi muito através do curso. Não tenho nada que dizer que não

aprendi, aprendi bastante e ainda quero aprender mais ainda...”

A inserção educacional, contribuiu, portanto, para a promoção de ações que tornassem

a educação um espaço de transformação feminina, de formação da cidadania e emancipação

de sujeitos sociais, neste caso, de mulheres que foram negligenciadas durante muito tempo do

seu processo socioeducativo: “desde que eu comecei na Mulheres Mil. Foi 2013? 2013. Foi

no início que me incentivou eu voltar mesmo, foi de lá... Que aí as mulher tavam pra lá, aí já

mandou a gente vir pra cá...aí eu me inscrevi e continuei...Deu certo.” A adaptação escolar de

Rosa foi tamanha que chegou a compartilhar sua insatisfação com a greve de professores, que

seguia ocorrendo na época da entrevista: “Agora tô sem ir esses dias por causa que os

professores tão de greve. Pedindo a Deus pra voltar...” (Rosa, 45 anos, maranhense).

A motivação para os estudos era algo notável em sua fala, não somente para o IFB

como também para futuros percursos estudantis: “e não quero desistir dos meus estudo.

Quero terminar os meus estudo e no futuro eu quero fazer uma faculdade de veterinária pra

cuidar de cães e gatos...” (risadas) E como um vislumbre de outras possibilidades, relata seu

interesse em continuar estudando no IFB, mesmo que não fosse no Campus Taguatinga

Centro, demonstrou empenho em se inscrever para outros cursos: “ai não quero desistir do

curso do IFB também, mesmo que eu não for pra lá no ano que vem, eu vou me inscrever

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aqui na Cidade do Automóvel, inglês ou matemática ou informática e quero continuar dentro

do curso, não quero desistir...”

Ainda que sejam consoantes com as disposições presumidas pela instituição de ensino

atual, a valorização adquirida pelo estudo corrente predominou em seu discurso e de seus

membros familiares, como uma maré de incentivo que tivesse contagiado toda família:

“Acho que não, mas o meu pequeno a gente falou, a professora falou mãezinha tem

que botar quente, colocar ele na aula de reforço que é um pouco mais preguiçoso, eu

digo “meu filho, o futuro de vocês é o estudo, se vocês não estudar, aí a coisa não

funciona, pra arrumar alguma coisa melhor tem que ter estudo e tem que estudar,

porque a gente não coloca pra trabalhar. Estuda, quando terminar os estudo ai arruma

um emprego bom”, vai arrumar o dinheiro deles pra comprar as coisa deles, tem que

arrumar uma mulher pra casar tem que ter pelo menos um emprego, eu falo que tem

que comprar uma casa pra quando casar já botar a mulher dentro, assim, a gente

incentiva que não tem que parar, que o futuro deles é o estudo e o pai deles fala que

quando eles terminar os estudos vai pagar uma faculdade pra eles. É assim, a gente

quer o melhor pra eles, aí vamo ver o que que vai dar...” (Rosa, 45 anos, maranhense)

O processo de acesso e de entrada, mas também com o processo de permanência,

geram, portanto, oportunidades de oportunizar novos itinerários formativos para essas

mulheres. Fica claro que o envolvimento com o curso, apesar de ser impactante para Rosa,

não teve similar percepção amigos e vizinhos próximos a Rosa, que apesar de notarem

mudanças, pois são pessoas que convivem com ela diariamente, são restritas do ponto de

vista político, intelectual, social, cultural e econômico: “aqui esses vizinho aqui nunca gosta

muito de nada, eu comento assim, mas parece que não gosta muito das coisa assim, eu sei que

de mim mesmo eu gostei muito e as veze tem algumas amiga que a gente comenta, também já

foi pra lá também, que a gente fala que foi muito bom e que a gente aprendeu alguma coisa e

foi lá também...”

Os momentos da vida de Rosa enquanto trabalhadora despertaram a importância dos

estudos, ainda que em contraste com o tempo que morava em Caxias e não tinha o

aprimoramento educacional como norte fundamental. Só que relacionado ao universo do

trabalho, Rosa percebeu nos estudos uma necessidade de alcançar o mínimo de letramento

para dialogar com o mundo, ainda que fosse com o mundo do trabalho: “assim, o estudo né,

que a gente tem que ter em primeiro lugar, saber ler, escrever, pra você... às vezes você vai

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trabalhar de limpeza, você precisa de pegar um produto e você não sabe ler que produto é,

entendeu? ”

O curso de Alfabetização e Letramento foi visto como positivo por todas

entrevistadas, colocado até como uma oportunidade de reaver perspectivas de vida:

“Eita... o que significou pra mim é porque mudou minha vida. Através do curso eu

aprendi mais e assim, deixa eu ver... E ter assim, procurei me focar mais nos estudo,

coisa que não fazia. E aí hoje eu tô me focando mais, tentando aprender o que eu não

aprendi antes.” (Rosa, 45 anos, maranhense)

“O curso me ajudou a sair, praticamente do fundo do poço né? Me ajudou, porque

agora eu…porque antes eu não saía e esse de você ficar com depressão dentro de casa,

só te leva mais pra baixo, e agora eu sei que tenho compromissos. ” (Margarida, 49

anos, paraense).

“(...) foi muito bom tudo o que eu aprendi aqui, o que eu passei em termos de

educadores, dos professores, de todos, foi uma coisa muito boa aqui. Tudo o que eu

peço é que continue o curso, que esse curso vai tá sempre ajudando bastante as

pessoas e os professor sempre seje firme e forte pra tá sempre ao lado de cada um

dessas pessoas que entra pra participar aqui do curso.” (Hortênsia, 41 anos baiana)

O curso foi muito associado aos frutos de respeito e gestos de educação. Disseram se

sentir bem-tratadas como não costumavam se sentir em outros lugares e se tornarem mais

educadas no relacionamento interpessoal, realçando uma vez mais a importância do

reconhecimento social:

“Todo mundo trata a gente bem. Tem hora que a gente encontra cada pessoa horrível

pra tratar o idoso, viu? E aqui não, aqui é diferente, aqui e lá no Riacho Fundo eu era

tratada muito bem, igualzinho aqui. ” (Flora, 73 anos, carioca)

“Eu fiquei mais um pouco educada (risos), eu era muito mal-educada (risos)! Eu

aprendi muito com a convivência com todos os professores, eu fiquei um pouco mais

educada! ” (Iris, 39 anos, baiana)

“Ah, respeita sim. Porque outra hora, ixi maria, o pessoal não tem respeito pelos

outros né, “Ah, a pessoa não sabe ler. Vamo chamar fulano”. Eu já perdi várias vaga

de emprego, porque quando a gente pra fazer exame de vista o que eles dão pra gente?

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Uma olha né? Aqui como é que tu vai responder? Agora com uma dificuldade, um

pouquinho de dificuldade, eu já leio e respondo alguma coisa...” (Camélia, 37 anos,

maranhense)

Em todas entrevistadas estas avaliações foram positivas, com algumas ressalvas. Rosa

descreveu positivamente o curso e a qualidade do campus, citando a brinquedoteca, os

banheiros e as salas como bem organizadas e limpas. Só destacou a ausência de janelas na

sala, “que antigamente tinha e na sala atual não tem mais”. E também destacou o desejo de

mais professores, comparando até à escola tradicional que frequenta na Estrutural: “que tinha

que ter mais era professor, que a gente espera (...) o professor... porque assim, o professor que

a gente tem mesmo é só o professor de, como é que se diz, de alfabetização né? Que tem um

professor de português pra... ou professor de matemática, professor... assim, é mais os que a

gente precisa é professor de matemática, português, que lá no curso não é a escola mesmo

igual a escola do governo, que tem professor de português, estudos sociais, educação, arte,

essas coisas assim, mas provavelmente se tivesse o professor de matemática e o português,

seria bem melhor...”

Iris também criticou o espaço do campus: “a única coisa que eu tenho pra falar é que é

pequeno, que a gente tinha que ter um espaço maior né, no caso, só isso.” Como já

observado, o espaço atual do campus é provisório e não é adequado às necessidades de

infraestrutura e demandas da comunidade estudantil. Ainda estamos a aguardar a reforma do

prédio definitivo no centro de Taguatinga.

As mulheres gostariam que o curso de Alfabetização e Letramento continuasse.

Quando questionadas sobre sugestões de outros cursos, algumas responderam costura e

artesanato. A partir do (re) ingresso ao universo educacional em seus cotidianos de vida, as

mulheres criaram laços afetivos não somente com o curso de Alfabetização e Letramento,

mas também com as pessoas que fazem ou fizeram parte da equipe de docentes, técnicos e

terceirizados da instituição. Rosa demonstrou especial carinho e afeto à recepcionista, ao

motorista que as levavam para o curso, às professoras de alfabetização, informática, Libras e

ao pessoal que trabalha na linha de frente de atendimento ao estudante – à equipe de

assistência estudantil e pedagógica do Campus Taguatinga Centro. Elementos como

paciência, educação, simpatia e qualidade de atendimento foram citados como fundamentais

para o estreitamento de laços. Ao observar condicionantes de permanência nos estudos, estes

fatores fizeram parte das escolhas das estudantes.

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8.7 Percepções face ao Programa Mulheres Mil

Das percepções em relação ao Programa Mulheres Mil não se pode deixar de destacar,

já que o curso de Alfabetização e Letramento se inspirou na base metodológica do programa

supracitado. As mulheres entrevistadas avaliaram as duas propostas de forma positiva, mas

com algumas ressalvas. Em relação ao corpo docente, uma disse que havia mais professores

no antigo programa: “esse daqui tá bom, mas o Mulheres Mil foi muito bom, eu acho que o

Mulheres Mil foi melhor, porque teve mais professor também…” (Rosa, 45 anos,

maranhense)

A grade curricular foi diferente, até mesmo pela questão de disponibilidade dos

professores, exemplo da formação em Libras que somente foi possível no curso de

Alfabetização e Letramento: “eu acho que sim. A aula de Libras é diferente…” (Iris, 39 anos,

baiana)

Uma entrevistada destacou a divisão das turmas, que teria tido assim mais

aproveitamento escolar. As estudantes foram divididas de acordo com seu nível de

aprendizagem: “da Mulheres Mil, não sei se você lembra, mas teve aquela divisão... (dentro

da turma de alfabetização). Porque tantas pessoas era mais avançada, acho que foi o tempo

que eu aprendi mais, tempo das mulheres mil. Aí tempo da alfabetização a gente já estudou

várias coisa, mas tá bom, tô gostando.” (Camélia, 37 anos, maranhense). Avaliada a

necessidade dessa apreciação pedagógica, desde abril de 2016 que esta divisão ocorre no

Curso de Alfabetização e Letramento também.

“De diferente tinha um ônibus pra gente vim, mas agora já não tá tendo mais”

(Hortênsia, 41 anos, baiana). Este ônibus era cedido pela administração do campus para

buscar as mulheres na Cidade Estrutural. Este foi também um recurso disponível na

implementação do curso de Alfabetização e Letramento, mas por falta de verba de

combustível e indisponibilidade de motorista, deixou de fazer parte do incentivo institucional

no segundo semestre de 2015. Também teve diferenças em relação à proposta do curso: “que

lá eu mexia com doce, aqui eu mexo com leitura.” (risos) (Flora, 73 anos, carioca).

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O Programa Mulheres Mil, como um programa federal, tinha grande visibilidade

nacional, e o Instituto Federal de Brasília respondia à demanda de forma ampla. Com a

ruptura do programa na metodologia tradicional, a nova proposta de intervenção partia

somente do Campus Taguatinga Centro, inclusive com reduzido apoio institucional. Há

uma certa empatia aos antigos professores do Programa Mulheres Mil também, porque

algumas se afeiçoaram mais a alguns alfabetizadores: “pois é, muita saudade eu sinto dele.

Gostava da aula dele igual eu gostava da (...). A aula do professor (...) também é muito boa.

Ele ensinava a gente a ler mesmo muito, que era pra aprender mesmo.” (Iris, 39 anos, baiana)

Todas mulheres chegaram a recomendar o curso para outras mulheres: “é por isso que

todo dia eu incentivo, todo dia, todo dia”. (Margarida, 45 anos, paraense) “Sim, cheguei até

pegar folhetos aqui, panfleto pra entregar pras pessoas participar também.” (Hortênsia, 41

anos, baiana). “Sim, foi o que mais eu fiz e ainda tô fazendo ainda (risos). Incentivando

algumas amigas e tem mais amiga que quer entrar no ano que vem.” (Rosa, 45 anos,

maranhense).

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8.8 Assistência Estudantil no Instituto Federal de Brasília: importante, mas não

fundamental

A Assistência Estudantil no Instituto Federal de Brasília colabora para a permanência

e o êxito dos estudantes na perspectiva de inclusão social, produção de conhecimento,

melhoria do desempenho escolar e da qualidade de vida. Para participar de quaisquer

programas, é necessária a matrícula e frequência regular, em cursos de Formação Inicial e

Continuada, que contemplem no mínimo 200h, do Ensino Técnico e de Graduação do IFB.

De acordo com o perfil socioeconômico das mulheres do curso, sabe-se que esta bolsa

é considerada importante para a permanência no curso. É um meio de subsistência das

despesas, gerindo a alimentação, passagens, cópias, entre outros custos que têm e que são

maiores participando do curso:

“(...). É uma bolsa que vai tá ajudando bastante, em termos da nossa situação de casa,

familiar, com nossos filhos. Em termos de que nem todas têm companheiro (...) eu já

não tenho o meu, então tem outras colega que já não tem companheiro e já depende

muito e já ajuda bastante (...), mas em termos da bolsa ser continuada isso é muito

importante, porque ajuda bastante cada uma de nós.” (Hortênsia, 41 anos, baiana)

“Ó, deixa eu te falar, não sei como eu vou colocar. Se eu falar pra você “não”...

quando eu vim pra cá eu não sabia da bolsa, mas quando saiu eu achei muito

importante porque, por exemplo, eu tava passando por uma situação dessa, então pra

mim foi muito importante.” (Margarida, 49 anos paraense)

Margarida estava se referindo à alimentação diferenciada de suas duas filhas. Uma

delas, Elizete, tem alergias e a outra, Thaís, tem desnutrição alimentar, baixo peso e é

intolerante à lactose. Isso gera um custo alto para suas finanças, e o companheiro dela

trabalha informalmente como pedreiro, mas não tem emprego fixo: “ele já tem uma idade

avançada, você sabe que serviço de pedreiro hoje em dia, pra quem não tem estudo, muita

gente nem tá querendo.”

Para ela, seria importante a continuidade do Auxílio-Permanência: “é muito

importante porque com isso eu consigo comprar coisa pra dentro de casa, consigo ajudar a

pagar uma conta... e isso não adianta a gente dizer que não faz... As que falaram “não, não

foi... eu tô...” O meu poblema foi muito bom o estudo, muito importante mesmo o estudo... e

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por exemplo se saísse bolsa eu continuaria, se não tivesse eu continuaria do mesmo jeito, mas

não adianta eu falar pra você que eu não ia sentir falta porque eu ia, mas continuaria e vou

continuá...” Também destacou a importância do “programa da saúde”, referindo-se ao

Programa de Promoção à Saúde e “esporte e lazer”, se referindo ao Programa de Incentivo à

Cultura, Esporte e Lazer Discente. Todas concordaram ser importante para a permanência no

curso:

“É importante sim, porque quando a gente não tem o curso, a gente tem que caçar

coisa alguma coisa pra fazer, tipo eu não tô em outro lugar, eu vou pro lixão, quando

eu venho pra cá é porque eu não vou pra lá... mas é bom pra gente, tipo, um reforço a

mais pra gente, uma iniciativa... como é que chama mesmo? Um incentivo né, pra

gente continuar. É bom... me ajuda muito, pra mim foi uma fonte de renda

inesquecível, porque acho que graças a Deus, quando eu recebo esse dinheiro já vou

direto pro mercado fazer as compras de casa.” (Camélia, 37 anos, maranhense)

Camélia ainda destacou que continuaria no curso, desta forma consegue aprender

muita coisa e não gostaria ter que viver de ajuda. De acordo com ela, ao contrário de outras

mulheres que estão lá para receber a bolsa, “se tivesse a bolsa ou não tivesse, eu continuaria

do mesmo jeito, com ou sem bolsa.” (Camélia, 37 anos, maranhense). Todas foram

questionadas se além do Auxílio-Permanência gostariam de receber outro forma de apoio.

Algumas gostariam de algum encaminhamento para consultas de especialidade ou Psicologia:

“Eu queria, tipo assim, pra mim eu queria um apoio assim para, tipo assim, pra

encaminhamento, pra neuro quando minhas menina tá precisando e são 6 meses pra

conseguir... pra neurologista, e também pra psicólogo... mas que aqui também, e se eu

continuar no outro ano lá eu acho que vou fazer umas sessão aqui…” (Camélia, 37

anos, maranhense)

“Tivesse um negócio assim, psicólogo era bom.” (Flora, 73 anos, carioca)

A bolsa, mesmo sento importante para a permanência no curso para as entrevistadas,

não representa, pelo menos discursivamente, um critério para permanência no Instituto

Federal de Brasília:

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”Talvez sim e talvez não Clarice, se tivesse bolsa ou não, eu vinha do mesmo jeito. Eu

não tô fazendo nada mesmo, não tô trabalhando. Ficar aí fazendo em casa o que? Pelo

menos aí eu tava aprendendo alguma coisa, tava indo pra escola e tava aprendendo,

entendeu? Pra mim tanto faz como tanto fez, mas eu penso assim né, mas os outros

não pensa.... Importante é a gente aprender né, porque o dinheiro vem e acaba rápido.”

(Iris, 39 anos, baiana)

“Continuaria e vou continuar no ano que vem se Deus me der a permissão e eu espero

que ele dê a permissão. Se não tiver a bolsa eu continuava e vou continuar, saiu agora,

vai sair, mas se o ano que vem não sair nada, eu vou continuar, é que nem eu te falo, o

dinheiro pra mim eu não sou muito assim... que tem gente que é muito dominado,

tudo é dinheiro, eu não, eu digo eu quero primeiro o estudo, o importante é o estudo,

aprender um pouco mais, depois deixa que o dinheiro vem devagarinho. ” (Rosa, 45

anos, maranhense)

“O importante pra mim é eu estudar e não o dinheiro, entendeu? Ganho porque o

governo me dá, mas não que se não tivesse ele eu tava aqui do mesmo jeito.” (Flora,

73 anos, carioca)

Apesar de não perceberem o aspecto financeiro como essencial para a permanência no

curso, Rosa compreende que para outras estudantes possa ter sido ou vir a ser um passo

obrigatório, ou pelo menos, que sirva como critério para sua participação: “Que tem amiga,

teve amiga, que nem a Jussara mesmo, que tava muito precisada também, mas no meu caso

eu não cheguei precisada de assistência social não, nunca precisou não, mas espero que

também não precise né. Mas eu acho que as pessoa continua trabalhando por outras pessoas,

não tá trabalhando por mim mas às vezes pode aparecer alguém que tá precisando e a pessoa

trabalha pra ajudar aquela pessoa que tá precisando.”

A Política de Assistência Estudantil, assim como outros mecanismos de transferência

de renda, são grandes aliados para a emancipação da cidadania. Representam estratégias de

incentivo para a população mais desfavorecida, e ainda mais, servem para o combate da

evasão e da retenção escolar. Ainda assim, a vontade(re) aprender a ler e a escrever é mais

importante para estas mulheres. Elas estão com sede de conhecimento, querem ser ouvidas e

protestar pelo seu direito à educação. Observa-se que todas as entrevistadas já ficaram algum

período sem receber a bolsa durante o curso, e mesmo assim, lá permaneceram.

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130

8.9 Oportunidades profissionais: a ausência do diploma escolar enquanto barreira de

acesso aos lugares desejados

Acompanhando as mudanças na nossa sociedade contemporânea, a inserção da

mulher no mercado de trabalho faz parte, sem dúvida, da luta pela emancipação feminina. A

contribuição mais significativa dessa luta foi o reconhecimento da mulher enquanto sujeito de

direitos, avançando nas transformações de gênero e de base para uma sociedade mais justa e

igualitária. Como apresenta Toledo (1998, p. 25), “as frentes de participação no mercado de

trabalho e no espaço público representam conquistas na luta pela emancipação feminina. No

entanto, as estratégias de sobrevivência no mundo cotidiano dão a prova das desfavoráveis - e

atuais condições em que as mulheres vivem, e no que tange este debate, do trabalho

feminino.”

Ações profissionais desqualificadas, segregações horizontais e verticais do status

profissional, desvalorização do trabalho, sobrecarga da vida doméstica e familiar são

situações ainda mais comuns no cenário coletivo feminino e que perduram de forma ainda

mais intensa na contextualização de classe. Mulheres mais desfavorecidas economicamente,

que lutam pela sobrevivência de serem mulheres e pobres. Se negras, a discriminação tem

tríplice sentido.

Este é o perfil das mulheres entrevistadas que por sinal se declaram pardas e negras.

Todas já trabalham há muito tempo, algumas até foram exploradas durante a infância. De

acordo com Pinheiro et al (2016, p. 5), “as mulheres não estiveram fora do mercado na

mesma medida. Para as mulheres negras, por exemplo, submetidas a condições de vida

significativamente mais precárias, a ‘alternativa’ de manter-se fora do mercado apresentou-se

com muito menos intensidade e, desde muito cedo, estas mulheres trabalhavam fora de casa

para trazer renda às famílias, ainda que esta renda fosse, já naquele momento, percebida

como adicional, secundária ou complementar.” O trabalho como categoria de sobrevivência

no mundo, permeado por relações desiguais de poder, é referência para elas. Estão

‘acostumadas’ a terem subempregos, a trabalharem com sobrecarga e não serem reconhecidas

por isso. Não se estranha, por isso, que as suas ambições sejam modestas: um trabalho que

lhes permita auferir um salário mínimo.

Dois relatos exemplificam essa cruel realidade. Iris e Camélia, mulheres negras,

pobres e residentes de uma das maiores favelas do Brasil, a Cidade Estrutural. Elas são

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catadoras de materiais recicláveis no Lixão, e se trabalham muito, ganham juntas 20 reais67

por dia: “eu só trabalho lá porque não tem outra opção.” (Camélia, 37 anos, maranhense) Sem

contar com as situações degradantes que têm que passar diariamente, como sucedeu com Iris

que até criança morta já encontrou no lixão (vide capítulo 8, tópico 8.2): “ali não é um

serviço muito bom não...Trabalho ali porque é a necessidade mesmo e a gente tem filhos

pequeno pra dar comida, porque se não fosse eu não ia de jeito nenhum, não iria mesmo…”

(Iris, 39 anos, baiana)

De acordo com os dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD),

uma pesquisa nacional que obtém informações anuais sobre características demográficas e

socioeconômicas da população, entre outras temáticas, a renda da população brasileira

melhorou nos últimos dez anos, 2004 a 2014, mas não foi suficiente para equiparar os ganhos

entre gênero e raça. O rendimento médio do brasileiro cresceu quase 50%, ao passar dos R$

1.000,00 em 2004 para R$ 1.595,00 em 2014. As mulheres negras foram as mais

beneficiadas, com 77% de aumento no período. Os homens conseguiram 43%, e as mulheres,

61%. Os homens, no entanto, continuam ganhando mais do que as mulheres (em média, R$

1.831, contra R$ 1.288, em 2014), e os homens brancos ganham ainda mais (R$ 2.393, em

2014). As mulheres negras seguem na base, com renda de R$ 946 no mesmo ano.

Já a renda média da turma é de menos da metade do salário mínimo, o qual, na época

de preenchimento dos formulários, equivalia a R$ 788. Mais de 33% responderam receber

entre R$169,00 até R$337,00 (12 respostas), enquanto 19,4% declarou entre R$ 675,00 até

R$842,00 (7 respostas). Mais de 16% respondeu receber até R$ 168,00 (6 respostas), renda

considerada insuficiente para quaisquer subsistência humana. No entanto, a linha de extrema

pobreza utilizada no Brasil segue a regulamentação do Programa Bolsa Família, que é de R$

77,00 per capita68

.

67

O equivalente a cinco euros (cálculo realizado em abril de 2016). 68

O Decreto nº 8.232, de 30 de abril de 2014, alterou o Decreto nº 5.209, de 17 de setembro de 2004, que

regulamenta o Programa Bolsa Família, e o Decreto nº 7.492, de 2 de junho de 2011, que institui o Plano Brasil

Sem Miséria. Antes da alteração, a linha de extrema pobreza considerada no Brasil era de R$ 70,00 per capita.

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Gráfico 3

Distribuição das mulheres de acordo com a Renda per capita

Fonte: Elaborado pela pesquisadora; dados retirados dos formulários socioeconômicos da Seleção

do Programa Auxílio Permanência 2º/2015 Como já foi visto anteriormente, 44% das mulheres é beneficiária de algum programa

de transferência de renda, como o Bolsa Família ou o Programa Fábrica Social. Essas são

políticas sociais importantes, no entanto, não demonstram ser suficientes para alterar a

situação de famílias mais pobres, além do que, não é uma renda fixa, tendo em vista a revisão

do benefício a cada dois anos. Mais de 61% das mulheres não estão trabalhando (22

respostas) e quase 14% responderam ter o estágio como fonte de renda (5 respostas).

Gráfico 4

Distribuição das mulheres de acordo com a situação de trabalho

Fonte: Elaborado pela pesquisadora; dados retirados dos formulários socioeconômicos da Seleção

Do Programa Auxílio Permanência 2º/2015

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133

“A posição social do ser humano no mundo, e sua relação com ele, depende de uma

série de relações permanentes”, como coloca Freire (1967, p. 104). O trabalho entra em cena

como uma complementação da rotina de Rosa, a qual é seguida apenas em um dia da semana

em uma casa na região de Vicente Pires, próxima ao local da sua residência. Mesmo que o

deslocamento não seja diário e não tenha se estabelecido um vínculo de carteira assinada, o

retorno financeiro é uma conquista para ela, ainda que se considere desempregada: recebe

120 reais e a passagem (6 reais ida e volta de ônibus).

Relata a importância desse dinheiro para a apropriação de suas escolhas, que variam

entre como, quando e onde adquirir bens conquistados com sua própria disposição e tempo:

“mas eu gosto assim de fazer minhas faxina, e sempre que eu tenho meu dinheirinho pra

comprar alguma coisa e agora eu vou ter minha netinha, eu vou até te mostrar o que eu já

comprei pra levar pra minha netinha. E eu digo assim, tenho que comprar umas coisa pra

levar pra minha netinha então eu tenho que trabalhar, e o marido tá pagando as outras coisa e

o resto eu me viro aqui sobre as minhas coisas da minha neta.” Tem consciência do valor do

seu trabalho e acredita que deveria ganhar mais:

“Eu acho que deveria ganhar, assim, pelo dia de trabalho, eu acho que deveria ser pelo

menos uns 150 né, pra, assim, no meu caso eu acho que deveria ser uns 150 por dia.

Só que eles não paga, paga as veze 130, eu cobrei 130 um dia desse ali o rapaz “ah,

não 130 é pra quem mora no Sudoeste” e eles só querem pagar 110. E lá no Vicente

Pires não tem ninguém lá baixinha assim não, que lá as casa tudo é chique, aí o

homem não quis pagar 130 eu também não fui...” (risos) (Rosa, maranhense, 45 anos)

Os estudos sobre desigualdades de gênero no mundo do trabalho têm conferido

grande foco à questão dos diferenciais de remuneração entre homens e mulheres. Um estudo

do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) observa o indicador de rendimento

como um resumo das formas e condições de inserção dos trabalhadores e trabalhadoras em

uma determinada ocupação. O setor que ocupam, o tipo de atividade que desempenham, a

escolaridade exigida, a jornada de trabalho, o cargo alcançado na hierarquia da instituição,

todos estes fatores contribuem para explicar o nível de renda alcançado. Nem tudo, porém, é

objetivamente percebido. Não são poucos os estudos que procuram mostrar o quanto da

desigualdade salarial não é explicada por nenhum fator observável (idade, escolaridade,

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cargo, região, etc.), sendo esta lacuna normalmente atribuída à variável ‘discriminação’.

Assim, para além das desigualdades ‘herdadas’ pelo mercado de trabalho, sabe-se que este

também produz as suas próprias desigualdades.

De acordo com Santos, (2008, p. 100), “ao analisar a relação entre a vida profissional,

maternidade, encargos domésticos e bem-estar, é necessário lembrar que existem situações

diferenciadas segundo a classe social. As mulheres com rendas mais baixas apresentam

menor qualificação e nível educacional e, em geral, são as que, diante da maternidade,

acabam reduzindo sua jornada de trabalho ou até abandonam, por algum tempo ou

definitivamente, o campo profissional para atender as diversas demandas da família”: “ele

não gosta muito que eu vou né, pra não deixar os menino só” (Rosa, 45 anos, maranhense).

A função de dona lar e todos os afazeres domésticos que lhe são imputados são vistos

como um trabalho em todos os relatos: “é um trabalho e é trabalho pesado (risos), só você

cuidar de menino, de filho, de casa…”(Iris, 39 anos, baiana). A referência de trabalho fica

clara na fala de Rosa, com descrédito até pela falta de remuneração: “eu acho que é o trabalho

que a gente faz acho que mais como se tivesse trabalhando lá fora, nossa que toda hora tem

serviço pra você fazer, não acaba. (risos) Entendeu? Mas eu nem sei como que... que a gente

não recebe mesmo por isso.” (Rosa, 45 anos maranhense). Esses afazeres domésticos

comprometem sua rotina, porque acaba por trabalhar muito mais no âmbito domiciliar,

configurando aquilo que se chama dupla jornada de trabalho.

O que estes relatos parecem indicar é que as inativas são mulheres ainda em plena

idade produtiva, com escolaridade mais elevada que a dos seus companheiros e que, tendo a

oportunidade, de acordo com Pinheiro et al (2016, p. 6), “poderiam – para além do que já

fazem para a reprodução da vida – contribuir elas próprias para a produção de riquezas e não

apenas como possibilitadoras da contribuição que os homens dão à economia.”

Tanto o é que 44% (11 respostas) das mulheres declararam não estar trabalhando por

falta de oportunidade. Ou seja, mesmo sob o ônus do trabalho não-remunerado, gostariam de

estar no mercado. Já 28% vinculou a resposta à frágil condição de saúde (7 respostas). Com

24% das respostas são donas do lar (6 respostas), o que consideram um impeditivo para o

trabalho. Em seguida, 4% responderam a falta de qualificação profissional como motivo de

não inserção (1 resposta). No total, 25 mulheres não estão trabalhando, o que equivale a

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quase 70% do grupo de estudantes que respondeu ao formulário. Já é uma grande vantagem

estarem no curso, dessa forma tem mais chance de conseguirem qualificação.

A frequência no curso é relacionada com a chance de conseguir um trabalho, como

diz Rosa: “às vezes você vai trabalhar de limpeza, você precisa de pegar um produto e você

não sabe ler que produto é, entendeu? Projetos vem à tona porque foi aberta uma porta para

poderem sonhar:

“Que o IFB me ajude a trabalhar porque, apesar da idade, eu posso não conseguir

trabalhar em casa de família por conta da né? Da situação das dores, mas eu posso

fazer outras coisas, por exemplo, eu tenho um sonho de ter alguma coisa própria né?

Então, é uma coisa que eu sonho e eu espero que…” (Margarida, 49 anos paraense)

Estes sonhos estavam submersos em milhares de dificuldades e obstáculos de vida,

mas a partir do curso conseguiram vislumbrar um futuro diferente para si: “pensava em ter

um emprego pra tá trabalhando pra mim tá me ajudando, ter um emprego digno, tá me

ajudando bastante a minha vida, ia ser muito importante pra mim.” (Hortênsia, 41 anos,

baiana) Costureira, auxiliar de serviços gerais, gari, foram algumas das respostas. Não

importa o sonho, para terem acesso a um mínimo de qualidade de vida, que ganhassem ao

menos um salário mínimo, hoje estipulado em 880 reais.

O trabalho tem constituído um dos principais contextos de referência quando se

analisa a centralidade das competências e das qualificações escolares nas sociedades

contemporâneas: as consequências das transformações sentidas nesse domínio afetam não só

as empresas e as organizações, e o grau de desenvolvimento das sociedades, mas também as

condições e trajetos de vida dos indivíduos. Indivíduos devem deter para o desempenho das

atividades profissionais. O diploma escolar, enquanto instrumento de certificação formal de

competências, constitui um recurso crescentemente requerido no acesso a determinados

lugares e profissões. Esta é uma tendência que parece afetar, de um modo geral, os diferentes

setores de atividade e grupos de profissões, acentuando-se, por essa via, as situações de

exclusão daqueles que não detêm os níveis mínimos dos recursos educacionais exigidos.

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136

Capítulo 9 - Conclusões e recomendações: caminhos e possibilidades de construção de

cidadania

Ao longo deste trabalho narrativas biográficas foram traçadas em estreita articulação

com a singularidade dos relatos de seis mulheres matriculadas no curso de Alfabetização e

Letramento: emancipação feminina pela construção da cidadania, ofertado pelo Campus

Taguatinga Centro, Instituto Federal de Brasília. Como inspiração metodológica utilizamos a

técnica de pesquisa história de vida e como estratégia analítica apelamos à ideia do retrato

sociológico (Lahire, 2004).

Nesta dissertação propusemos este recorte analítico para compreender os percursos e

vivências das mulheres entrevistadas no contexto de inserção no curso, desocultando assim os

sentidos que elas atribuem ao seu lugar no mundo antes e depois da experiência

alfabetizadora.

Para que esses conhecimentos pudessem ser compartilhados e devidamente

registrados e valorizados, a troca de experiências de vida destas mulheres foi fundamental. A

inserção no curso de Alfabetização e Letramento procura justamente potencializar as

mulheres como autoras das histórias de suas vidas, de seus grupos, de suas instituições ou

comunidades, ou seja, partiu-se do pressuposto que as experiências podem ser narradas e

registradas por suas protagonistas. A partir de suas histórias, as alunas projetaram suas

perspectivas que contemplam diversos aspectos, incluindo profissionais e educacionais.

Dessa maneira, tornou-se possível e viável a (re) construção de seus itinerários formativos.

Momento chegado então de assinalar as principais conclusões, de acordo com os

objetivos de pesquisa, que passavam, recorde-se, por compreender o cenário familiar destas

mulheres; resgatar os caminhos percorridos na trajetória escolar; identificar e caracterizar os

obstáculos e constrangimentos à potencial mudança promovida pela formação e conhecer os

principais sentidos atribuídos à sua vida depois da inserção no curso.

Carregada de significativas memórias, a reflexão apresentada neste trabalho mostra

como o cenário familiar é fundante em suas vidas. Compreendemos que a família de origem

foi a base para estas trajetórias, pois representa dimensões da vida necessárias para a

emancipação humana. Especialmente no que toca a trajetória educacional, os pares familiares

(pais, avós, tios, irmãs, etc.) demonstraram ser peças-chave para compreender os

(des)caminhos traçados em busca de formação.

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137

A falta de linearidade nos estudos é comum a todas entrevistadas, própria aliás dos

indívíduos que chegam à formação de jovens e adultos. Mesmo que tenham tido alguma

chance de estudar, a incompatibilidade da cultura escolar com os conhecimentos, valores e

suas demandas de vida foi a baliza da primeira infância. Ficou também perceptível a

desvalorização educacional por duas questões. Primeiro, a necessidade de trabalhar para

ajudar no sustento familiar, particularmente na infância e juventude das entrevistadas. Nota-

se, inclusive, que o abandono escolar pelas vias do trabalho é um dos principais motivos de

evasão nos institutos federais. Advindas de famílias carentes de recursos, estas mulheres não

tinham poder de escolha, mesmo quando julgavam tê-lo. Observando objetivamente suas

condições de vida, verifica-se que se não trabalhassem não tinham como sobreviver. Nota-se

que esta justificativa não foi unânime nas entrevistas, mas pode-se afirmar que este

desencadeamento lógico faz parte do perfil da turma de Alfabetização e Letramento.

A segunda motivação de ausência escolar foi a dificuldade de conciliar a trajetória

escolar com questões familiares. Os principais obstáculos de formação tinham que ver com

eventuais problemas de saúde, cuidados com os filhos e situações de violência doméstica.

Aliás, a legitimação de determinadas práticas de desigualdade de gênero, em que o estudo era

(e ainda é) visto como desnecessário para suas trajetórias é um aspecto que vale a pena

sublinhar. A dominação masculina no discurso societário atinge macro e pequenas esferas,

baseada em uma divisão sexual da reprodução social, que confere aos homens a melhor parte

da vida: ter autonomia sobre seus corpos. Não se pode deixar de considerar que no Brasil as

mulheres continuam sendo alvo do machismo, perpretado por meio de discriminações muitas

vezes simbólicas, veladas e, lamentavelmente, socialmente consentidas.

Consideramos também a dificuldade de acompanhar os conteúdos ministrados. Parte

dessas mulheres esteve afastada de ambientes escolares, embora elas dominem saberes

práticos relevantes para as atividades cotidianas e laborais. Uma vez identificado esse tipo de

dificuldade, é importante que a equipe profissional busque estratégias didático-pedagógicas e

de reforço escolar personalizado que reduzam essa dificuldade inicial. Como exemplo,

atualmente as mulheres com maior defasagem de alfabetização estão inseridas em uma turma

especial, sendo acompanhada por uma estudante do curso de Pedagogia da Universidade

Catolica de Brasília (UCB).

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O reconhecimento da socialização primária para problematizar a ascensão feminina é

fundamental. No entanto, os obstáculos à formação não se esgotam no cotidiano familiar. A

situação da mulher tem se modificado nas últimas décadas e as lutas não param no mercado

de trabalho ou na inserção educacional, mas ainda há representações relativas ao seu papel

em sociedade que são construídas em prol da divisão desigual de gênero. A própria violência

no ambiente privado constatada nos relatos é o reflexo desta sociedade que não considera a

existência feminina importante, muito menos prioritária. Em um cotidiano hostil, em que as

estratégias de sobrevivência fazem a regra do jogo, não se pode esperar que a emancipação

feminina seja conquistada com facilidade.

O percurso formativo destas mulheres é a prova desta argumentação. Ainda que a

elevação de escolaridade faça parte do cenário presente, o ingresso no cotidiano escolar ainda

é alvo de questionamento dos pares familiares. Não apenas pela falta de receptividade da

nova condição, mas também pelo descrédito na (re)organização dos papéis na família. Ora,

ser apenas estudante é algo já notório, ainda mais em uma classe desfavorecida de

oportunidades. Mas com o desfavorecimento de classe vem o desfavorecimento de gênero,

provocado pela falta de apoio para garantir responsabilidades domésticas. Estas mulheres

apenas acumularam funções. De mãe, passaram para mães e estudantes, quando não mães,

estudantes e trabalhadoras. A reinserção escolar vem a somar para sua formação, sem dúvida,

mas o cuidado dos filhos e os encargos domésticos continuam ainda, majoritariamente, sob

sua responsabilidade, sendo, além disso, a esfera da vida em que estruturalmente lhes foi

dada chance de se realizarem.

Se pensarmos que família é a base de acolhimento e proteção para os seus membros, a

violência doméstica e familiar representa a quebra destas expectativas. Advindas de lares

desestruturados, a violência intrafamiliar foi percebida em todos os relatos, sob diferentes

classificações, inclusive na mais reconhecida socialmente, a da agressão física. As

transformações societárias não podem ser desconsideradas, assim como o impacto no curso

na vida destas mulheres é visível, mas ainda nos defrontamos com a força do mundo hostil,

da discriminação e exclusão das mulheres que legitima (em alguns círculos) a violência que

sobre elas se exerce.

Este curso, procurou-se demonstrar, serve a um público marcado por múltiplas e

complexas vulnerabilidades. Partindo da compreensão de que a vulnerabilidade social

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decorre de fenômenos diversos, com causas e conseqüências distintas, obteve-se uma visão

mais abrangente das condições de vida que atingem estas mulheres, bem como das

possibilidades de sua superação ou minimização.

Nessa perspectiva, foi no confronto entre as características individuais e familiares –

ciclo de vida, tipo de arranjo familiar, escolaridade, renda, formas de inserção no mercado de

trabalho e condições de saúde e suas possibilidades de desfrute da prestação de serviços

públicos que se definiram suas efetivas condições de vida e possibilidades de mobilidade

social.

Entre os principais os obstáculos e constrangimentos à potencial mudança promovida

pela formação podemos citar: condições precárias de propriedade na qual reside a família;

ineficazes sistemas de abastecimento de água; baixo nível de escolaridade; analfabetismo e

atraso escolar das mulheres e outros membros familiares; existência de pessoas com

deficiência na família; gravidez precoce; famílias numerosas; indivíduos dependentes de

substâncias psico-ativas (álcool e outras drogas); individuos em atendimento especializado e/

ou tratamento psiquiatra; baixo rendimento familiar (renda per capita)69

; desemprego; mulher

chefe de família; exploração infanto-juvenil; existência de adolescentes em conflito com a lei;

existência de indivíduos (membros da família) em reclusão; existência de situações de

violência doméstica, abandono, negligência e maus tratos.

Estas mulheres venceram a força desta exclusão, o mínimo já não cabia no universo

de suas expectativas. Não só como uma forma de recompensar as limitações do passado, mas

especialmente de abandonar atitudes que não mais lhe serviam. Em busca do novo,

ultrapassaram a ausência escolar pré-destinada, incorporando, assim, a pluralidade dos seus

sujeitos em formação.

Desde que a leitura e a escrita passaram a fazer parte de seus cotidianos de vida, a

realidade social a qual estão sujeitas foi impactada pelo estímulo diário do letramento. Para

além da sala de aula, estas mulheres levam consigo experiências de ensino e aprendizagem

que corroboram para mudanças diretas e indiretas em seu próprio meio ambiente.

69

Da análise dos relatos percebemos que a questão do salário é um indicativo de vulnerabilidade e ao mesmo

tempo um potencial de mudanças. Como traço marcante das narrativas biográficas presentes, a precariedade que

atravessa essas vidas é tamanha que receber um salário mínimo já é um grande salto, então serve como

aspiração de melhores condições de vida (já que muitas nem chegam a receber um salário mínimo).

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A visão de autonomia e emancipação feminina por meio do curso foi percebido como

uma escapatória dos ciclos de violência. De acordo com a análise aqui engendrada, o curso

colaborou de fato para a construção de direitos, a enxergar a sensibilidade feminina para suas

próprias construções de vida, autônomas em suas escolhas. Dentro dos objetivos de pesquisa,

a capacidade geradora de autonomia atendeu às características e especificidades das

mulheres, oferecendo contributos suficientes para que o pensar e o agir favoreçam as tomadas

de decisão com maior probabilidade de sucesso.

As demandas das realidades dessas mulheres e seus saberes estão alinhadas com os

objetivos do curso. O curso possibilitou-lhes o reconhecimento de saberes, considerando que

as mulheres são sujeitos de direitos e que todas as aprendizagens formais ou não formais que

elas venham a ter proporcionarão a qualificação nas áreas necessárias à complementação de

seus saberes e conhecimentos já adquiridos.

Como célebres donas de si mesmas, o curso contribuiu, à luz dos dados trazidos nesta

pesquisa, para o resgate da sua autonomia, mas algo já estava lá, ou seja, o curso foi uma

oportunidade para que estas mulheres reconhecessem e valorizassem as suas capacidades e

conhecimentos. Na verdade, não é possível determinar se foi a frequência do curso que gerou

esse processo de mudança ou se a frequência foi consequência de uma mudança nas

mulheres, que as levaram a agarrar esta oportunidade de crescimento e aprendizagem. Seja

como for, suas histórias de vida exploram aspectos de superações diárias, de lugares e

situações de apropriação para a própria sobrevivência, em que as aquisições do curso

contribuíram para consolidar a transformação. O reflexo desta posição é certa no ensino-

aprendizagem.

Tradicionalmente, o corpo estudantil é entendido como mero receptor de

conhecimentos e informações, ao qual cabe facilmente o sistema de obediência e aceitação de

todas as regras e mandamentos. Não se trata tão somente de dar ou negar autonomia.

Autonomia, a exemplo do que acontece com a educação, é algo que deve ser desenvolvido

com a autoria do próprio sujeito que se faz autônomo e sempre será um objetivo almejado no

percurso de vida dessas mulheres, no jogo das relações sociais em que a subjetividade aqui

ganha espaço. Isso acarreta implicações imediatas para a forma mesmo de realizar-se o

processo ensino-aprendizagem.

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Estes espaços de aprendizagens, viu-se ao longo dos capítulos anteriores, são por isso

muito mais que instrumentos de conhecimento. São espaços de construção de cidadania e

emancipação feminina, provocando mudanças de sentido do lugar do mundo ao qual estas

mulheres pertencem: elevação da escolaridade, percepções de autonomia, emancipação na

rede de suporte afetivo e reconhecimento social da inserção escolar.

Dos esforços conduzidos nesta dissertação emergiram reflexões em prol de mudanças

na prática institucional, quais sejam, sugestões de implementação da pesquisa analisada. No

nível de planejamento e execução, esta dissertação demonstrou como estratégias de

intervenção na realidade social podem responder aos desafios dos sistemas educativos

vigentes. Percebeu-se que o curso de Alfabetização e Letramento é uma segunda

oportunidade de inserção escolar que deve continuar sendo implementada no Campus

Taguatinga Centro e mais, deve ser aprimorado como proposta pedagógica multicampi do

Instituto Federal de Brasília, pois operacionaliza com eficácia os desígnios que presidem à

missão da Instituição e que estão inscritos em seus dispositivos normativos.

Esse resgate não pode ser realizado emergencialmente, mas, sim, de forma sistemática

e continuada, uma vez que estas mulheres continuam alimentando o contingente de

defasagem escolar, seja por ingressarem tardiamente na escola, seja por dela se evadirem por

múltiplas razões, sendo a necessidade de trabalhar para ajudar no sustento familiar a principal

delas, como já foi visto nos capítulos anteriores.

A reflexão do projeto pedagógico do curso colabora para o incremento das taxas de

escolarização da população feminina, e além disso, pode basear os modelos que revelam

alguma dificuldade em responder às necessidades dos jovens e adultos pouco escolarizados

do Distrito Federal.

Propõe-se a motivação, mobilização e desenvolvimento de temáticas que partam da

vida destas mulheres. Elas devem ter interesse pela sua formação e não serem meros objetos

de aprendizagem. Uma abordagem escolar flexível, com novos modelos de avaliação e

sistemas de convivência, que considerem a diversa da condição de estudantes de EJA,

atendendo aos seus projetos de vida e ao seu vínculo de pertencimento ao mundo. Para tanto,

formações semestrais com temáticas que abranjam seus contexto de vida, como educação

financeira, empreendedorismo, literatura de cordel, informática básica, entre outros

conteúdos para sua formação.

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142

Para avançar nos objetivos de sucesso desta empreitada, almeja-se uma intervenção

holística e integrada com a realidade. A implementação do curso faz parte de uma totalidade

de ações mais amplas e que abrangem a intervenção social e comunitária. Partindo-se do

pressuposto que o educador social deve fazer parte da realidade da qual pretende transformar,

propomos aqui linhas de atuação que aproximem o profissional com as estudantes e lhe

confira um destaque legítimo na construção de suas trajetórias. Este profissional deve ser um

facilitador na vida destas mulheres, através da educação, a articular saberes, integrar serviços

e desenvolver atitudes que fomentem o progresso da educação de jovens e adultos.

Para tanto, recomenda-se o trabalho em rede com outras instituições, pois é

fundamental a articulação de interesses para o avanço da política de educação. Em especial, a

Secretaria de Educação do Distrito Federal (SEDF), a qual coordena o Programa DF

Alfabetizado. Este programa tem como norte alfabetizar jovens e adultos. Através desta

parceria, poderíamos unir forças para alfabetizar a população do DF, mapeando inclusive as

regiões mais necessitadas.

Também almeja-se firmar parceria com a Secretaria de Saúde do Distrito Federal

(SESDF), a fim de garantir o encaminhamento das estudantes para os serviços de prevenção,

promoção e recuperação de saúde. Apesar do Serviço Social do Campus Taguatinga Centro já

realizar encaminhamentos extermos, esta parceria facilitaria o vínculos das duas instituições,

inclusive para o empoderamento dos serviços públicos pelas mulheres do curso. O trabalho

em rede pode proporcionar para toda comunidade do IFB elementos informativos essenciais

para o exercício de cidadania. Para tanto, acompanharemos sistematicamente as mulheres

participantes do curso, em conjunto com as equipes de saúde do DF.

Então a necessidade de ofertamos este curso com diferentes abordagens educativas,

partindo da necessidade das educandas. Temos como linhas estratégicas de intervenção: a

formação de estudantes neste curso objetiva certificar uma egressa que seja capaz de fazer

uso proficiente das formas sociais de leitura e escrita para aplicá­las no seu cotidiano de vida

e de trabalho; proceder cálculos lógicos básicos e aplicá­los produtivamente no seu cotidiano

de trabalho; demonstrar conscientização quanto aos princípios éticos para a cidadania;

empoderar­se quanto aos direitos de mulheres; manusear com facilidade os recursos

tecnológicos básicos da contemporaneidade; manifestar atitudes empreendedoras no mundo

do trabalho; desempenhar suas atividades comunicando­se de forma clara, eficiente e eficaz

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143

de modo a favorecer o trabalho em equipe e a qualidade no serviço prestado respondendo

com dinamismo e responsabilidade aos desafios da sua profissão; proporcionar o

empreendedorismo de ações produtivas e sustentáveis com capacidade de iniciativa e

planejamento.

Estas linhas de atuação são interessantes porque são pensadas de acordo com a

identificação não-formal adquirida pela mulher ao longo da vida e de acordo com os seus

anseios pessoais e profissionais, construindo-se um itinerário formativo personalizado. Dessa

forma contribui para a ampliação do alcance da educação de jovens e adultos, visando à

elevação de escolaridade de suas beneficiárias. Como integra a educação regular com a

formação profissional, torna-se atrativo porque a aluna vislumbra a possibilidade de ingresso

no mundo do trabalho.

Sugere-se a elaboração de um documentário com as histórias de vida aqui narradas,

demonstrando o impacto do curso na comunidade envolvida. O propósito socioeducativo é

escutar e legitimar a voz das mulheres e organizar um fórum social feminino, garantindo

assim o seu protagonismo no mundo. Salienta-se que já existe um financiamento aprovado

para a execução deste projeto na PREX do IFB, a ser desenvolvido no segundo semestre de

2016.

A partir da sensibilização à temática, sugere-se também a capacitação profissional do

corpo docente do IFB na educação de jovens e adultos. Dos aspectos mais relevantes das

entrevistas, a relação com os professores foi fundamental. As mulheres percebem a equipe

docente como fundamental para sua ascensão educacional. Compreende-se que a capacitação

profissional é fundamental para a continuidade do projeto, tendo em vista serem os

professores os principais porta-vozes do curso, compartilhando diariamente seus saberes com

as mulheres envolvidas.

A produção deste trabalho demonstrou ricas histórias das mulheres do curso de

Alfabetização e Letramento: emancipação feminina pela construção da cidadania. Pela

observação da realidade, percebe-se que o curso representa não só uma oportunidade de

elevação de escolaridade, como um espaço de articulação da sala de aula com o universo de

saberes já vivenciados pelas estudantes.

A pensar o impacto da inserção educacional em suas vidas em múltiplas perspectivas;

suas histórias demonstraram (des)caminhos cheios de obstáculos, mas que resistiram ao tão

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somente ciclo natural de sobrevivência porque foram além do objeto comum, de encontrarem

seu próprio jogo com o mundo. O acréscimo do curso ao mundo natural em que viviam

representou a estratégia viva de resistência; nestas relações com a realidade e na realidade,

travaram as mulheres relações específicas que resultaram no conhecimento expresso em

linguagem, em suas histórias de vida.

O passado repleto de ausente de direitos básicos distingue a consciência presente de

ter suportado e absorvido muita sabedoria, criando contínuos processos de estímulo. Estas

mulheres mostram suas competências em viver nesse mundo, demarcando o espaço que as

diferenciam de meros sujeitos sem perspectivas. Essa vontade de transição para melhores

patamares de vida foi o norte de inserção no curso de Alfabetização e Letramento:

emancipação feminina pela construção da cidadania. Não são meras estudantes, mas

protagonistas de suas próprias histórias. Esta dissertação é, portanto, o reconhecimento das

experiências prévias dessas mulheres, compreendidas como sujeitos culturais e portadoras de

biografias originais.

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Wiese, Michelly Laurita; Santos, Romeire dos (2010). A centralidade da família nas políticas

sociais da assistência social e saúde: a relevância do debate para o serviço social.

Consultado em outubro de 2015. Disponível em:

http://www.cibs.cbciss.org/arquivos/A%20CENTRALIDADE%20DA%20FAMILIA%20NA

S%20POLITICAS%20SOCIAIS%20DA%20ASSITENCIA%20SOCIAL%20E%20SAUDE.

pdf.

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xii

11 - Anexos

Anexo A

Inscrição para o programa de promoção a permanência 2015.2 – Campus

Taguatinga Centro70

1) Identificação do aluno

● Nome Completo: _________________________________________

● Você deseja concorrer a qual (is) auxílio (s)?

[ ] Auxílio Permanência Presencial

● Qual seu curso?

[ ] Alfabetização e Letramento

[ ] Inglês básico I a IV

[ ] Musicalização ao violão (Noções Básicas)

[ ] Técnico em Comércio

[ ] Tecnólogo em Processos Gerenciais

[ ] Licenciatura em Letras - Espanhol

● Matrícula: ________________________

● CPF: ________________________

● Data de Nascimento: ________________________

● Qual sua faixa etária?

[ ] De 15 a 17 anos

[ ] De 18 a 29 anos

[ ] De 30 a 60 anos

[ ] Acima de 60 anos

70

Este é o modelo de formulário de inscrição utilizado na Seleção do Programa Auxílio Permanência

(elaborado pela equipe de Coordenação de Assistência Estudantil e Inclusão Social do Campus

Taguatinga Centro/IFB). Foi respondido pelas mulheres do curso de Alfabetização e Letramento:

emancipação feminina pela construção da cidadania, em agosto de 2015. A CDAE auxiliou no

preenchimento, tendo em vista a grande maioria da turma não ter contato prévio com tecnologias digitais.

Após a etapa de inscrições, elas também entregaram a documentação exigida via edital do Auxílio-

Permanência nº 09 – 2º semestre de 2015.

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xiii

● Sexo

[ ] Feminino

[ ] Masculino

● Endereço Completo

● Zona

[ ] Urbana

[ ] Rural

● Telefone

● E-mail

● Com relação a cor/raça/etnia, como você se declara?

[ ] Branca

[ ] Preta

[ ] Parda

[ ] Amarela

[ ] Indígena

[ ] Não declarada

● Possui alguma necessidade específica? (Pessoas com deficiência, transtorno

global do desenvolvimento e altas habilidades/super dotação)

[ ] Não

[ ] Deficiência

[ ] Transtorno global do desenvolvimento

[ ] Altas habilidades / superdotação

[ ] Doença crônica (candidato ou dependente familiar)

● Se SIM, qual necessidade específica?

Responder apenas se tiver afirmado SIM na pergunta anterior (apresentar laudo

médico na entrega de documentos)

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xiv

● Possui algum benefício social?

Ex: Bolsa Família, Renda Minha, Brasil Carinhoso – Primeira Infância...

● Se SIM, qual o benefício social recebe?

Responder apenas se tiver afirmado SIM na pergunta anterior (apresentar extrato

bancário e cartão do benefício na fase de entrega de documentos)

● Qual seu estado civil?

[ ] Solteiro

[ ] Casado (a) ou com companheiro (a)

[ ] Separado (a), Divorciado (a)

[ ] Viúvo (a)

● Tem Filhos?

[ ] Não

[ ] Sim, 1 filho

[ ] Sim, 2 filhos

[ ] Sim, 3 filhos

[ ] Sim, 4 filhos

[ ] Sim, 5 filhos

[ ] Mais de 5 filhos

● Qual sistema de saúde utiliza?

[ ] SUS – Sistema Único de Saúde

[ ] Oferecido pela empresa ou instituição

[ ] Associações médicas / planos de saúde

[ ] Outro

● Você ou algum membro familiar possui veículo próprio?

[ ] Sim

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xv

[ ] Não

● Qual forma de transporte utiliza com mais frequência para ir à escola?

[ ] Carona

[ ] Moto (própria)

[ ] Automóvel (próprio)

[ ] Transporte coletivo

[ ] A pé

[ ] Bicicleta

[ ] Outros

2. Dados Educacionais

● Qual seu grau de instrução?

[ ] Ensino Fundamental Incompleto

[ ] Não alfabetizado (a)

[ ] Ensino Fundamental Completo

[ ] Ensino Médio Incompleto

[ ] Ensino Médio Completo

[ ] Superior Incompleto

[ ] Superior Completo

[ ] Especialização

[ ] Mestrado

[ ] Doutorado

● Onde cursou/ cursa o Ensino Fundamental?

[ ] Somente em escola pública

[ ] Escola particular com bolsa

[ ] Escola pública e particular com bolsa

[ ] Escola pública e particular sem bolsa

[ ] Escola particular sem bolsa

[ ] Não se aplica

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xvi

● Onde cursou/ cursa o Ensino Médio?

[ ] Somente em escola pública

[ ] Escola particular com bolsa

[ ] Escola pública e particular com bolsa

[ ] Escola pública e particular sem bolsa

[ ] Escola particular sem bolsa

[ ] Não cursei o ensino médio

[ ] Não se aplica

● Há quanto tempo parou de estudar?

[ ] 1 anos

[ ] 2 anos

[ ] 3 anos

[ ] 4 anos

[ ] Mais de 5 anos

[ ] Não se aplica

● Qual razão de ter parado de estudar?

[ ] Necessidade de trabalhar para ajudar no sustento familiar

[ ] Baixa condição financeira para se manter na escola

[ ] Desinteresse pessoal

[ ] Desvalorização da educação

[ ] Outra razão

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xvii

[ ] Não se aplica

3. Situação familiar e socioeconômica

● Qual sua situação de trabalho?

[ ] Nunca trabalhou

[ ] Não está trabalhando

[ ] Trabalha no setor privado sem carteira assinada

[ ] Trabalha no setor privada com carteira assinada

[ ] Servidor público (a)

[ ] Aposentado (a)

[ ] Recebe benefício do INSS (auxílio doença, outros)

[ ] Autônomo (a)

[ ] Estagiário (a)

● Se estiver trabalhando atualmente, qual atividade exerce?

_________________________________________________________________

● Se não estiver trabalhando, qual o motivo? Exemplo: doença, nunca trabalhou,

pouca qualificação, está recebendo seguro-desemprego, dificuldades para

conseguir trabalho, etc.

_________________________________________________________________

● Recebe ou paga pensão alimentícia para manutenção dos filhos?

[ ] Sim, recebo

[ ] Sim, pago

[ ] Não

● Em caso de receber ou pagar pensão alimentícia, qual valor?

_______________________________________________________

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xviii

● Você reside em imóvel?

[ ] Próprio quitado

[ ] Próprio em financiamento

[ ] Alugada

[ ] Emprestada ou cedida

● Qual valor você paga pelo imóvel? Somente para os casos de imóvel financiado

ou alugado (apresentar comprovantes na entrega de documentos)

● Você ou sua família possui outros imóveis?

[ ] Casa ou apartamento além do que reside

[ ] Chácara (s) ou sítio (s)

[ ] Fazenda (s)

[ ] Terreno (s)

[ ] Imóvel comercial / industrial

[ ] Não se aplica

● Quantas pessoas moram na sua casa atualmente, incluindo você?

[ ] 1

[ ] 2

[ ] 3

[ ] 4

[ ] 5

[ ] 6

[ ] 7

[ ] 8

[ ] 9

[ ] 10

● Com que mora atualmente?

[ ] Pais

[ ]Esposo (a), companheiro (a) e/ou filho (s)

[ ] Parentes

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xix

[ ] Sozinho (a)

[ ] Amigo (s)

[ ] Outros

● Existe algum membro da sua composição familiar (que more com você)

com alguma necessidade específica?? [ ] Pais

[ ] Não

[ ] Deficiência física/mental

[ ] Transtorno global do desenvolvimento

[ ] Altas habilidades/superdotação

[ ] Doença crônica

● Se a resposta é sim, indique o nome do membro, parentesco, a doença e

gastos mensais.

4. Composição familiar e renda (Você e todas as pessoas sob o mesmo teto, ligadas

por laços sanguíneos ou afetivos)

Renda per capita (O cálculo da Per Capita é feito somando a renda familiar mensal de

todas as pessoas que moram com você em sua residência (incluindo você), dividindo

este resultado pelo número de pessoas (incluindo você).

[ ] Até R$ 168,00

[ ] R$169,00 até R$337,00

[ ] R$338,00 até R$506,00

[ ] R$507,00 até R$ 674,00

[ ] R$ 675,00 até R$842,00

[ ] R$843,00 até R$1.010,00

[ ] 1.011,00 até R$1.182,00

[ ] Acima destes valores

Aluno (a)

Nome: _________________________________________

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xx

Idade: ___

Escolaridade:

[ ] Ensino Fundamental incompleto

[ ] Ensino Fundamental completo

[ ] Ensino Médio Incompleto

[ ] Ensino Médio completo

[ ] Superior Incompleto

[ ] Superior Completo

[ ] Especialização

[ ] Mestrado

[ ] Doutorado

[ ] Não alfabetizado (a)

Profissão: ___________________________

Renda Bruta Mensal (salário sem descontos): _______________

Familiar 171

Nome completo: _________________________________________

Idade: ___

Escolaridade:

[ ] Ensino Fundamental incompleto

[ ] Ensino Fundamental completo

[ ] Ensino Médio Incompleto

[ ] Ensino Médio completo

[ ] Superior Incompleto

[ ] Superior Completo

[ ] Especialização

71

O questionamento familiar é repetido até o “Familiar 9”, compreendida a partir da perspectiva dos

diversos modelos de família, como a família tradicional (pai, mãe e filhos), família extensa (pai, mãe,

filhos, avós), família mononuclear (formada somente pelo estudante), entre outros. Como coloca Wiese e

Santos (2010): Nos últimos vinte e cinco anos, várias mudanças ocorridas no plano socioeconômico-

culturais, pautadas no processo de globalização da economia capitalista, vêm interferindo na dinâmica e

estrutura familiar, trazendo alterações em seu padrão tradicional de organização. Assim, não se pode falar

de família, mas de famílias, para que se possa tentar contemplar a diversidade de relações que convivem

na sociedade.

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xxi

[ ] Mestrado

Profissão: ___________________________

Renda Bruta Mensal (salário sem descontos): _______________

Observações do (a) aluno (a)

(Justifique seu pedido e complete com informações que não puderam ser feitas no

formulário e que você julgue importante sobre o seu caso)

● Declaração de aceite de todas as normas estabelecidas no edital

A inveracidade das informações neste formulário, quando constatadas a qualquer tempo,

implicará na perda do auxílio por ventura concedido e o preenchimento do formulário é

de inteira responsabilidade do aluno. A declaração falsa é crime previsto no Código

Penal Brasileiro em seu Art. 299, sujeitando o declarante às suas penas, sem prejuízo de

outras sanções cabíveis.

● Em caso de preenchimento de mais de uma inscrição será considerado as

informações prestadas na última inscrição encaminhada. Por isso verifique se

todos os campos foram devidamente preenchidos.

[ ] Declaro, portanto, conhecer o edital e concordar com os termos do mesmo, sendo

verdadeiras as informações aqui prestadas. Declaro ter sido informado e autorizo a

utilização dos dados para estudos e pesquisas em ações da Assistência Estudantil do

IFB.

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xxii

Anexo B

Projeto de Lei nº 5.346 de 2009

Dispõe sobre a criação da profissão de educador e educadora social e dá outras

providências. O Congresso Nacional decreta:

Art. 1º - Fica criada a profissão de Educador e Educadora Social, nos termos desta Lei.

Parágrafo único: A profissão que trata o caput deste artigo possui caráter pedagógico e

social, devendo estar relacionada à realização de ações afirmativas, mediadoras e

formativas.

Art. 2º - Ficam estabelecidos como campo de atuação dos educadores e educadoras

sociais, os contextos educativos situados fora dos âmbitos escolares e que envolvem:

I – As pessoas e comunidades em situação de risco e/ou vulnerabilidade social,

violência e exploração física e psicológica;

II – A preservação cultural e promoção de povos e comunidades remanescentes e

tradicionais;

III – Os segmentos sociais prejudicados pela exclusão social: mulheres, crianças,

adolescentes, negros, indígenas e homossexuais;

IV – A realização de atividades sócio educativas, em regime fechado, semiliberdade e

meio aberto, para adolescentes e jovens envolvidos em atos infracionais;

V – A realização de programas e projetos educativos destinados a população carcerária;

VI - As pessoas portadoras de necessidades especiais;

VII - O enfrentamento à dependência de drogas;

VIII – As atividades sócias educativas para terceira idade;

IX - A promoção da educação ambiental;

X – A promoção da cidadania;

XI - A promoção da arte-educação;

XII – A difusão das manifestações folclóricas e populares da cultura brasileira;

XIII – Os centros e/ou conselhos tutelares, pastorais, comunitários e de direitos;

XIV – As entidades recreativas, de esporte e lazer.

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xxiii

Art. 3º - O Ministério da Educação – MEC fica sendo o órgão responsável pela

elaboração e regulamentação da Política Nacional de Formação em Educação Social,

dos profissionais que trata esta Lei, em diferentes níveis de escolarização e na

manutenção de programas de educação continuada.

Parágrafo único - Fica estabelecido o Ensino Médio como o nível de escolarização

mínima para o exercício desta profissão.

Art. 4º - Compete à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:

I – Adequar para a denominação “educador ou educadora social” os cargos ocupados

por profissionais com o campo de atuação em contextos educativos que se enquadram

no que trata o artigo 2º e 3º desta Lei;

II – Criar e prover os cargos públicos de educadores e educadoras sociais, podendo

estabelecer níveis diferenciados de admissão destes profissionais de acordo com a

escolaridade;

III - elaborar os Planos de Cargos, Carreira e Remuneração desta profissão.

Art. 5º - Ficam revogadas as disposições contrárias.

Art. 6º - Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.

A existência dos profissionais denominados de “Educadores e Educadoras

Sociais”, que se destacam pela sua atuação em contextos educativos situados fora dos

âmbitos escolares, não é uma característica exclusiva do Brasil. Desde o fim do século

XIX encontramos registros que falam do potencial de atuação desses profissionais na

Europa. Mas foi em meados do século XX, com o fim da 2ª Guerra Mundial, que estes

profissionais passaram a acelerar a construção de sua identidade. Em 1951 foi fundada a

Associação Internacional de Educadores Sociais – AIEJI, objetivando promover a união

dos educadores e educadoras sociais de todos os países, contribuindo na formação e

elaboração de suas competências e na consolidação desta profissão.

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xxiv

Ao longo dos anos, a AIEJI foi organizando vários congressos internacionais, no

sentido de concretizar estes objetivos. Em 2005, em Montevidéu - Uruguai, por ocasião

do 16º Congresso Internacional dos Educadores e Educadoras Sociais, e que contou

com a participação de várias representações do Brasil, foi elaborada um documento que

ficou conhecido como Declaração de Montevidéu, onde os Educadores e Educadoras

Sociais de dezenas de países declararam: “1. Reafirmamos e comprovamos a existência

do campo da Educação Social como um trabalho específico orientado a garantir o

exercício dos direitos dos sujeitos de nosso trabalho, e que nos exige permanente

compromisso em seus níveis éticos, técnicos, científicos e políticos. 2. Para o

cumprimento deste compromisso, é indispensável à consolidação da profissão de

Educador e Educadora Social (...). 7. Os Educadores e Educadoras Sociais renovam o

compromisso com a democracia, com a justiça social, com a defesa do patrimônio

cultural e pela defesa dos direitos humanos, baseados na convicção de que outro mundo

é possível. ”

França, Holanda, Bélgica, Suíça, Itália, Uruguai, Alemanha, Canadá, Portugal,

fazem parte de um movimento internacional que conta com a participação efetiva de

mais de quarenta países que vêm lutando pela regulamentação e formação em nível de

graduação e pós-graduação dos educadores e educadoras sociais, dos quais muitos

obtiveram êxito.

No Brasil, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDB dispõe, pela

primeira vez na história, em seu Art. 1º que a educação: “abrange os processos

formativos que se desenvolvem na vida familiar, na convivência humana, no trabalho,

nas Instituições de ensino e pesquisa, nos movimentos sociais e organizações da

sociedade civil e nas manifestações culturais. ” Ou seja, reconhece a existência de

contextos educativos situados fora dos âmbitos escolares, onde há destacada atuação dos

Educadores e Educadoras Sociais que fundamentam sua prática educativa, sobretudo, no

legado da Educação Popular, especialmente a desenvolvida a partir da década de 70,

tomando por base a influência do educador Paulo Freire.

Várias ações têm sido realizadas no sentido de dar visibilidade e promover a

valorização da Educação Social e reconhecer os Educadores e Educadoras Sociais em

nosso País, como:

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xxv

1 - Encontros Estaduais de Educação Social em vários Estados;

2 – 5 (cinco) Encontros Nacionais de Educação Social, o último realizado em 2008 na

cidade de Olinda – PE com a presença de mais de 1200 (mil e duzentos) Educadores e

Educadoras Sociais de todo o Brasil;

3 – 2 (duas) Conferências Internacionais de Pedagogia Social, promovidas pela

Universidade de São Paulo;

4 - Diversas Audiências Públicas nos Estados e Municípios;

5 – Criação de associações e sindicatos desta categoria;

6 – Aprovação de Leis criando o dia do Educador e da Educadora Social;

7- Realização de cursos de extensão e especialização em Educação Social, além de

pesquisas acadêmicas em nível de graduação e pós-graduação strictu sensu e lato sensu.

Como resultado desse árduo trabalho de investigação, cita-se então algumas

produções acadêmicas no Brasil, como “Pedagogia Social de Rua” de Maria Stella

Graciane; “Aventura Pedagógica: caminhos e descaminhos de uma ação educativa” e

“Por uma Pedagogia da Presença” de Antônio Carlos Gomes; “Educação Social de Rua”

de Walter Ferreira de Oliveira e “Desafios, riscos e desvios” de Geraldo Caliman.

Os Educadores e Educadoras Sociais possuem indubitável relevância no cenário

profissional brasileiro e têm sido os parceiros mais importantes de assistentes sociais,

psicólogos, pedagogos, sociólogos e advogados, dentre outros profissionais, que atuam

no processo de enfrentamento a dívida social que o País tem com sua população. No

entanto, possuem características de atuação, necessidades de formação e organização

próprias, e assim, buscam o fortalecimento de sua identidade profissional.

Em janeiro de 2009, os Educadores e Educadoras Sociais obtiveram até o

presente a sua mais importante conquista no processo de reconhecimento social e

profissional e no fortalecimento de sua identidade trabalhista.

Foram incluídos na Classificação Brasileira de Ocupações- CBO, do Ministério

do Trabalho e Emprego, com a seguinte descrição: “5153-05 – Educador Social.

Descrição Sumária: Visam garantir a atenção, defesa e proteção a pessoas em situações

de risco pessoal e social. Procuram assegurar seus direitos, abordando-as,

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xxvi

sensibilizando-as, identificando suas necessidades e demandas e desenvolvendo

atividades e tratamento”.

O Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, através da

Secretaria Nacional de Assistência Social, em seu Guia de Orientação nº 1 para os

Centros de Referência Especializado de Assistência Social (CREAS) orienta que a

equipe do CREAS deve ser composta, minimamente, em Gestão básica, por 1

Coordenador, 1 assistente social, 1 psicólogo, 1 advogado, 1 auxiliar administrativo e 2

educadores sociais e estagiários. Dobrando o número de educadores sociais na proposta

para Gestão Plena e Serviços Regionais, o que representa o reconhecimento da

importância desta categoria.

O Plano Nacional de Promoção, Proteção e Defesa do Direito de Crianças e

Adolescentes à Convivência Familiar e Comunitária, aponta como uma das Ações do

“EIXO 3 - Marcos Normativos e Regulatórios”: “4.1 – Regulamentar a ocupação de

educador social e elaborar parâmetros básicos de formação para o exercício da ocupação

de educador social. ”

Outro dado relevante é a abertura de concursos públicos para provimento de

cargos de educadores e educadoras sociais, que já vem acontecendo, em pelo menos 100

municípios de 21 Estados no Brasil.

A criação da profissão de Educador e Educadora Social, além de valorizar estes

agentes que tanto contribuem para o enfrentamento da dívida social brasileira, pode

suscitar importantes debates acerca da educação no seu sentido mais pleno, com a

abrangência que lhe dá o Artigo 1º da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional,

respondendo ao genuíno atendimento de interesses e necessidades sociais de nosso

tempo.

Dessa forma, solicito apoio de meus pares para a aprovação deste Projeto de Lei,

que é peça fundamental na melhoria das condições laborais dos sujeitos sociais, através

da promoção de seu reconhecimento profissional e na elaboração e difusão de saberes

culturais e técnico-científicos importantes, na construção de uma Nação mais justa e

igualitária.

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xxvii

Anexo C

Ficha-Resumo do Programa Bolsa Família72

Programa Bolsa Família (PBF)

Área temática Transferência de renda.

Descrição sintética: Programa de transferência direta de renda às famílias em situação

de pobreza e extrema pobreza, com condicionalidades nas áreas de saúde e educação.

Objetivo geral: reduzir a pobreza e a extrema pobreza por meio da transferência de

renda às famílias e do acesso a serviços básicos de saúde e educação

Objetivos específicos:

. Alívio imediato da pobreza por meio da transferência de renda;

. Promover a inclusão social e a melhoria das condições de vida das famílias em

situação de pobreza e extrema pobreza;

. Reforçar o acesso aos direitos sociais nas áreas de saúde, educa- ção e assistência

social a fim de interromper o ciclo intergeracional de reprodução da pobreza;

. Desenvolver ações complementares voltadas à geração de trabalho e renda.

Ano de início: 2003

Atores responsáveis: Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS)

- Secretaria Nacional de Renda de Cidadania (SENARC).

Outros atores envolvidos: Governos estaduais, municipais, do Distrito Federal;

Ministério da Educação; » Ministério da Saúde; » Secretaria Nacional de Assistência

Social (SNAS/MDS); Caixa Econômica Federal (CEF).

Gestão e execução: Gestão descentralizada e compartilhada, com responsabilidades

específicas para os governos federal, estaduais, municipais e do Distrito Federal. O

benefício é disponibilizado mensalmente para cada família, por meio de um cartão

magnético, de uso pessoal e intransferível. Para receber o benefício, a família deve estar

inscrita no Cadastro Único para Programas Sociais, atender ao perfil socioeconômico

requerido e cumprir condicionalidades nas áreas de educação (frequência escolar) e

saúde (vacinação e pré-natal).

Público-alvo: Famílias em situação de pobreza extrema (aquelas com renda familiar

igual ou inferior a R$ 77,00 por pessoa) e famílias em situação de pobreza (entre R$

77,01 e R$ 154,00).

Critérios de seleção do público-alvo: Renda per capita familiar mensal e composição

familiar (se há crian- ças, adolescentes, jovens, mulheres grávidas ou nutrizes).

72

Disponível em https://www.wwp.org.br/sites/default/files/pub/Ficha-

resumo_bolsa_familia_portugues.pdf. Acesso em maio de 2016.

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xxviii

Cobertura Nacional: (100% dos municípios e estados aderiram ao PBF).

Fontes de financiamento: Recursos orçamentários federais.

Informações complementares: Mais informações podem ser obtidas por meio do

Manual de Gestão do Programa Bolsa Família, do link www.mds.gov.br/bolsafamilia e

através da ficha descritiva, disponível no site WWP (https://wwp. org.br/).

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xxix

12 - Apêndices

Apêndice A

Guião de entrevista não-estruturada

Tema: Mulheres em processo de alfabetização no Instituto Federal de Brasília (IFB)

Entrevistada: (estudante 01 a 06) – Curso: Alfabetização e Letramento: emancipação feminina

pela construção da cidadania

Origem: Mapa da Vida (Passado), Mapa da Vida (Presente), Mapa da Vida (Futuro)

Objetivo geral: Construir narrativas biográficas de mulheres em processo de alfabetização e

letramento no Campus Taguatinga Centro/IFB

Local: a combinar

Dia e Hora: a combinar

Tempo médio: 125 min

BLOCOS

OBJETIVOS

ESPECÍFICO

S

QUESTÕES OBSER

VAÇÕE

S

Bloco A

Legitimação da

entrevista

Motivação da

entrevista

Legitimar a

entrevista

Motivar a

entrevistada

Informar a entrevistada sobre o trabalho que estou

desenvolvendo;

Solicitar a colaboração da mesma para a continuação do

trabalho;

Garantir a confidencialidade dos dados e o anonimato da

entrevista;

Solicitar a autorização para gravação de áudio da

entrevista;

Informar que o nome da entrevistada será trocado por um

nome fictício, letra do alfabeto ou por um algarismo.

Tempo

médio:

05

minutos

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xxx

Bloco B

Histórico

pessoal da

estudante

(Passado)

Compreender as

origens da

estudante

. Gostaria que me falasse um pouco sobre você…

1. . Como você se define?

2. . Conte-me um pouco mais sobre suas origens. Onde e

quando nasceu?

3. . Quais são suas impressões sobre sua cidade natal?

. Gostaria que me falasse um pouco sobre a prestação de

serviços públicos na sua cidade natal....

4. .Como eram os serviços públicos de lá? (Saúde, assistência

social, previdência social, justiça, educação, etc.)

.E em relação à Brasília? Vê muita diferença?

Tempo

médio:

10

minutos

Bloco D

Histórico

familiar da

estudante

(Passado)

Conhecer o

historico

familiar da

estudante

. Gostaria que falasse, de uma maneira geral, sobre sua

família (pais, irmãos, casado (a)/solteiro(a), filhos);

5. .Como eram as relações com sua família? (Pais, avós/avôs,

tios/tias, sobrinhos/sobrinhas, irmãs/irmãos, outros)?

6. . E como eram as condições de habitação e moradia?

7. . O que motivou você a se mudar para Brasília?

8. . Se estiver à vontade para falar, gostaria de saber se já

sofreu algum tipo de abuso ou violência?

Tempo

médio:

10

minutos

Bloco E

Histórico

educacional e

profissional da

Conhecer o

histórico

educacional e

. Havia escola na sua cidade? Se sim, pode-me descrever

como era?

. O que sentia por ir/ não ir à escola?

. Aprendeu a ler e a escrever fora da escola?

9. . Como o analfabetismo prejudicou sua vida? Que

sentimentos isso trouxe ao longo da vida?

10. Na sua família, tem mais alguém com grau de

analfabetismo? Seus irmãos seguiram à escola? Acredita

Tempo

médio:

15

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xxxi

estudante

(Passado)

profissional da

estudante

que isso possa ter alguma relação com à sua ausência

escolar?

11. Como lidou com a questão da escolaridade dos filhos?

12. Como lida seu companheiro (a) com o seu analfabetismo?

13. Há algum incômodo sobre isso?

14. Todo mundo sabe algo que não aprende na escola, mas já

carrega consigo. Em que é que você acha que você é boa?

(Exemplos: artesanato, cozinha, matemática…)?

15. Fale-me um pouco sobre sua experiência de trabalho.

minutos

Bloco F

Histórico

pessoal da

estudante

(Presente)

Compreender o

momento atual

da estudante

16. Conte um pouco mais como você vive o seu dia-a-dia.

17. Tem alguma crença religiosa? Se sim, qual?

18. Participa de alguma associação ou grupo da comunidade?

Se sim, qual é o objetivo?

Tempo

médio:

5

minutos

Bloco G

Histórico

familiar da

estudante

(Presente)

Conhecer a

trajetória

familiar atual da

estudante

19. Fale um pouco mais das suas relações familiares e afetivas

(companheiro/a e/ou filhos)

20. Em que local mora?

21. Como são suas condições de habitação e moradia?

22. Se estiver à vontade para falar, gostari de saber se sofre

algum tipo de abuso ou violência?

23. Quais costumes culturais e familiares mantém por perto até

hoje?

Tempo

médio:

10

minutos

Bloco H

Histórico

educacional e

Conhecer a

trajetória

24. Como são os serviços públicos da sua cidade? (Saúde,

assistência social, previdência social, justiça, educação,

etc.)

25. Há escola na sua cidade? Chegou a frequentar alguma vez?

26. Atualmente está trabalhando? Se sim, em que área?

27. Qual valor da sua renda bruta? E líquida?

28. Se a resposta for negativa, explique por que não está

trabalhando?

Tempo

médio:

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xxxii

profissional da

estudante

(Presente)

educacional e

profissional

atual da

estudante

29. Na sua opinião, do que você precisa para conseguir um

trabalho?

30. O que te motivaria a trabalhar?

31. Qual renda considera justa para viver bem?

32. É dona do lar? Se sim, compreende esta função como um

trabalho?

Na sua casa alguém está trabalhando? Se sim, em que área?

15

minutos

Bloco H

Organização do

curso

Conhecer as

impressões da

estudante sobre

o curso

33. Como ficou sabendo do curso?

34. Porque decidiu se matricular?

35. O que pensaram as pessoas à sua volta disso?

36. Quais foram suas primeiras impressões do curso?

37. Comente quais disciplinas mais gostou.

38. Comente quais disciplinas menos gostou.

39. Quais atividades mais gostou até hoje? Por quê?

40. Quais atividades menos gostou até hoje? Por quê?

41. O que achou do conteúdo problematizado em sala de aula?

42. Relate algum aprendizado durante o curso que te marcou.

43. Já havia participado de outro curso no IFB antes? Se sim,

qual?

44. O que percebeu de diferente do Programa Mulheres Mil?73

Tempo

médio:

15

minutos

Bloco I

Recursos

Humanos

Compreender as

impressões

sobre a equipe

de trabalho do

IFB

45. O que achou dos professores? Como influenciaram em seu

aprendizado?

46. Há algum professor (a) em particular sobre o qual que

gostaria de falar?

47. E a equipe técnica-administrativa do Campus? Há algum

em particular sobre o qual gostaria de falar?

48. E das colegas? Fez amizades, foi importante para você

conhecer pessoas novas ou já as conhecia?

Tempo

médio:

05

minutos

73

Cinco das seis participantes desta pesquisa são ex-alunas do Programa Mulheres Mil, por isso

decidimos fazer este questionamento durante a entrevista.

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xxxiii

Bloco J

● Estrutura física

do Campus

(recursos

físicos e

espaciais)

Conhecer as

impressões

sobre a estrutura

física do

Campus

49. Qual sua opinião sobre o espaço físico do Campus

Taguatinga Centro (salas, banheiros, brinquedoteca, espaço

de convivência)?

50. O que você mudaria se pudesse?

Tempo

médio:

05

minutos

Bloco L

Assistência

Estudantil do

Campus

Taguatinga

Centro/IFB

Compreender as

impressões

sobre a

assistência

estudantil do

IFB

51. É ou já foi bolsista da Assistência Estudantil? De qual (is)

programa (s)?

52. Se sim, considera a bolsa importante para sua permanência

no curso? Por quê?

53. Se não houvesse a bolsa, acredita que teria possibilidade de

continuar no curso?

54. Que outros apoios você gostaria de ter tido?

Tempo

médio:

05

minutos

Bloco M

Impactos

diretos e

indiretos do

curso

Compreender os

impactos do

curso na vida da

estudante

55. Acredita que o curso possa te ajudar em outras atividades

de sua vida? Se sim, quais?

56. Depois do curso, como se sente como mulher, como se vê?

Sabe mais sobre seus direitos, sobre sua sensibilidade,

sobre suas capacidades, seus sonhos, suas possibilidades de

mudanças?

57. Que mudanças você percebeu no seu convívio social,

profissional e familiar?

58. E o que pensam as pessoas à sua volta sobre isso? Sentem

essas diferenças, comentam?

59. Se fosse você a organizar o curso, o que faria diferente e o

que faria igual? Por quê?

60. De forma resumida, o que o curso de Alfabetização e

Letramento significou para você?

61. Relate o que mudou na sua vida depois do curso. Podem

ser pequenas coisas, tudo é importante.

Tempo

médio:

15

minutos

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xxxiv

62. Você chegou a recomendar o curso para outras mulheres?

Bloco N

Projetos de

vida

(Futuro)

Compreender

expectativas

pessoais e

profissionais da

estudante

63. Se pudesse mudar alguma coisa em sua vida, o que

mudaria?

64. Quais são seus projetos de vida (estudos, trabalho, etc.)?

65. Antes do curso você pensava igual?

Tempo

médio:

05

minutos

Bloco O

Sugestões

Ouvir possíveis

sugestões da

estudante

66. Qual sua sugestão de cursos, projetos e oficinas a serem

ofertados pelo Campus?

67. Há alguma coisa que gostaria de acrescentar que eu não

tenha perguntado?

Tempo

médio:

05

minutos

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xxxv

Apêndice B

Matriz referencial do curso de Alfabetização e Letramento: emancipação feminina

pela construção da cidadania

Componente

Curricular

Habilidades Bases Tecnológicas

Alfabetização e

letramento

.Trabalhar as questões relativas

à leitura e escrita, envolvendo

aspectos básicos da linguagem;

.Desenvolver a competência

linguística, por meio de

experiências em atividades de

linguagem para o

desenvolvimento de

habilidades relacionadas à

leitura e à escrita;

. O descritores de leitura da

matriz de referência do

SAEV/Prova Brasil.

- Relações entre sujeito e

linguagem na situação

comunicativa;

- Linguagem e identidades

culturais;

- Principais elementos que

estruturam os diversos tipos de

texto: a tipologia textual e os

gêneros do discurso;

- Fatores de textualidade:

coerência e coesão textuais;

- Prática de leitura e

interpretação de textos:

estratégias de leitura;

- A prática de produção de

textos;

- Fatores linguísticos:

morfologia, fonologia e sintaxe;

.Reconhecer e utilizar

características do sistema de

numeração decimal, tais como

agrupamentos e trocas na base

10 e princípio do valor

posicional;

.Identificar a localização de

números naturais na reta

numérica;

.Reconhecer a decomposição

de números naturais nas suas

diversas ordens;

- Planejamento de gastos;

- Analise de consumo;

- Porcentagem;

- Regra de três.

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xxxvi

Educação

Financeira

.Reconhecer a composição e a

decomposição de números

naturais em sua forma

polinomial;

.Calcular o resultado de uma

adição ou subtração de

números naturais;

.Calcular o resultado de uma

multiplicação ou divisão de

números naturais;

.Resolver problema com

números naturais, envolvendo

diferentes significados da

adição ou subtração: juntar,

alteração de um estado inicial

(positiva ou negativa),

comparação e mais de uma

transformação (positiva ou

negativa);

.Resolver problema utilizando

a escrita decimal de cédulas e

moedas do sistema monetário

brasileiro;

.Resolver problema com

números racionais expressos

na forma decimal envolvendo

diferentes significados da

adição ou subtração;

.Ler informações e dados

apresentados em tabelas;

.Ler informações e dados

apresentados em gráficos

(particularmente em gráficos

de colunas).

.Discutir as questões relativas

ao ser mulher na conjectura

atual;

.Implicações na cultura local e

- Lutas femininas na sociedade

brasileira;

- Protagonismo juvenil;

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xxxvii

Direitos

Humanos e

Cidadania

ampliada;

.Problematizar questões

relacionadas a cidadania como

um direito a participação social

e política.

- Democracia e política;

- Emancipação e cidadania.

Oficinas e

Visitas Técnicas

.Enriquecer as aulas

proporcionando ao aluno novas

experiências, habilidades e

competências;

.Relacionar conhecimentos

necessários para sua formação

no campo prático;

- Vivências de situações

abordadas em sala de aula.

Noções Básicas

de Informática

.Contribuir para um processo

de democratização do

conhecimento e inclusão

digital;

.Estabelecer procedimentos

para utilização dos serviços

disponíveis através da Internet

de acordo com os valores

éticos;

.Demonstrar a evolução da

informática;

.Contextualizar a informática

de acordo com o mundo vivido

pelas mulheres.

– Noções básicas de

Informática;

– Sistemas Operacionais;

– Editores de Textos;

– Programas de Apresentação;

– Internet.

Língua

Brasileira de

Sinais

.Enriquecer as aulas com

noções básicas da Língua

Brasileira de Sinais.

-Conhecimento na Língua de

Sinais dos temas abaixo

relacionados: Nome / batismo

do sinal pessoal;

- Aprendendo os sinais da

Língua nos surdos: vocabulário

e expressão corporal;

- Apresentação pessoal e

cumprimentos;

- Famílias e relações entre os

parentescos;

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xxxviii

- Saudações formais e informais;

- Numerais cardinais e numerais

para quantidades;

- Advérbio de tempo/ dias de

semana /calendário /ano sideral;

- Características das roupas/

cores;

- Cotidiano / situações formais e

informais;

- Pessoas / coisas / animais/

esportes;

- Meios de comunicação /

tecnologia;

- Alimentos e bebidas / pesos /

medidas;

- Meios de transportes Natureza

Mapa do Brasil;

- Estados do Brasil.

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xxxix

Apêndice C

Cronograma de aulas

1º semestre de 2015

Segunda-feira

8h30-9h20

9h20-10h10

10h10-10h20 – Intervalo

10h20- 11h10

Quarta-feira

8h30-9h20

9h20-10h10

10h10-10h20 – Intervalo

10h20- 11h10

Sexta-feira

8h30-9h20

9h20-10h10

10h10-10h20 – Intervalo

10h20- 11h10

------------------------

04/02

Aula inaugural

Alfabetização (3h/a)

06/02

Alfabetização (3h/a)

09/02

Alfabetização (3h/a)

11/02

Alfabetização (3h/a)

13/02

Alfabetização (3h/a)

16/02

Carnaval

18/02

Carnaval

20/02

Alfabetização (3h/a)

23/02

Alfabetização (3h/a)

25/02

Alfabetização (3h/a)

27/02

Alfabetização (3h/a)

02/03

Alfabetização (3h/a)

04/03

Alfabetização (3h/a)

06/03

Alfabetização (3h/a)

09/03

Alfabetização (3h/a)

11/03

Alfabetização (3h/a)

13/03

Alfabetização (3h/a)

16/03

Alfabetização (3h/a)

18/03

Alfabetização (3h/a)

20/03

Alfabetização (3h/a)

23/03

Alfabetização (3h/a)

25/03

Alfabetização (3h/a)

27/03

Educação financeira (3h/a)

30/03

Alfabetização (3h/a)

01/04

Direitos Humanos e

Cidadania (3h/a)

03/04

Semana Santa

06/04

Alfabetização (3h/a)

08/04

Alfabetização (3h/a)

10/04

Educação financeira (3h/a)

13/04

Alfabetização (3h/a)

15/04

Alfabetização (3h/a)

17/04

Educação financeira (3h/a)

Page 197: NARRATIVAS EM (RE)CONSTRUÇÃO: BIOGRAFIAS DE MULHERES … · E para complementar o aparato de pesquisa e compreender a realidade vivida pelas estudantes em amplitude, analisamos

xl

20/04

Páscoa

22/04

Direitos Humanos e

Cidadania (3h/a)

24/04

Educação financeira (3h/a)

27/04

Alfabetização (3h/a)

29/04

Alfabetização (3h/a)

01/05

Dia do trabalhador

04/05

Direitos Humanos e

Cidadania (3h/a)

06/05

Alfabetização (3h/a)

08/05

Educação financeira (3h/a)

11/05

Alfabetização (3h/a)

13/05

Alfabetização (3h/a)

15/05

Educação financeira (3h/a)

18/05

Alfabetização (3h/a)

20/05

Alfabetização (3h/a)

22/05

Educação financeira (3h/a)

25/05

Alfabetização (3h/a)

27/05

Direitos Humanos e

Cidadania (3h/a)

29/05

Educação financeira (3h/a)

01/06

Alfabetização (3h/a)

03/06

Alfabetização (3h/a)

05/06

Educação financeira (3h/a)

08/06

Alfabetização (3h/a)

10/06

Alfabetização (3h/a)

12/06

Educação financeira (3h/a)

15/06

Direitos Humanos e

Cidadania (3h/a)

17/06

Alfabetização (3h/a)

19/06

Educação financeira (3h/a)

22/06

Alfabetização (3h/a)

24/06

Alfabetização (3h/a)

26/06

Educação financeira (3h/a)

29/06

Alfabetização (3h/a)

01/07

Alfabetização (3h/a)

03/07

Alfabetização –

Encerramento (3h/a)

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xli

2º semestre de 2015

Segunda-feira

8h20-9h10

9h10-10h00

10h00-10h10 – Intervalo

10h20 – 11h10

11h10 – 12h00

Quarta-feira

8h20-9h10

9h10-10h00

10h00-10h10 – Intervalo

10h20 – 11h10

11h10 – 12h00

Sexta-feira

8h20-9h10

9h10-10h00

10h00-10h10 – Intervalo

10h20 – 11h10

11h10 – 12h00

17/08/2015

Conferência de documentação

Auxílio-Permanência

19/08/2015

Oficinas

Grupo Focal

21/08/2015

Oficina de Língua

Brasileira de Sinais

Profa. Valdinéa

24/08/2015

Noções de Informática e

Empreendedorismo

Profa. Valdinéa

26/08/2015

Alfabetização e Letramento

Profa. Valdinéa

28/08/2015

Oficina de Língua

Brasileira de Sinais

Profa. Valdinéa

31/08/2015

Noções de Informática e

Empreendedorismo

Profa. Valdinéa

02/09/2015

Alfabetização e Letramento

Profa. Valdinéa

04/09/2015

Oficinas e Visitas Técnicas

Casa da Mulher Brasileira

Profa. Valdinéa

07/09/2015

Feriado

Independência

09/09/2015

Alfabetização e Letramento

Profa. Valdinéa

11/09/2015

Oficina de Língua

Brasileira de Sinais

Profa. Valdinéa

14/09/2015

Noções de Informática e

Empreendedorismo

Profa. Valdinéa

16/09/2015

Alfabetização e Letramento

Profa. Valdinéa

18/09/2015

Oficinas e Visitas Técnicas

Zoológico

21/09/2015

Grupo Focal

23/09/2015

Alfabetização e Letramento

Profa. Valdinéa

25/09/2015

Oficina de Língua

Brasileira de Sinais

Profa. Valdinea

28/09/2015

Noções de Informática e

30/09/2015

Page 199: NARRATIVAS EM (RE)CONSTRUÇÃO: BIOGRAFIAS DE MULHERES … · E para complementar o aparato de pesquisa e compreender a realidade vivida pelas estudantes em amplitude, analisamos

xlii

Empreendedorismo

Profa. Valdinéa

Alfabetização e Letramento

Profa. Valdinéa

02/10/2015

Oficina de Língua

Brasileira de Sinais

Profa. Valdinéa

05/10/2015

Noções de Informática e

Empreendedorismo

Profa. Valdinéa

07/10/2015

Alfabetização e Letramento

Profa. Valdinéa

09/10/2015

Oficina de Língua

Brasileira de Sinais

Profa. Valdinéa

12/10/2015

Feriado

Nossa Senhora de Aparecida

14/10/2015

Alfabetização e Letramento

Profa. Valdinéa

16/10/2015

Oficina de Língua

Brasileira de Sinais

Profa. Valdinéa

19/10/2015

Oficinas

Grupo Focal

21/10/2015

Alfabetização e Letramento

Profa. Valdinéa

23/10/2015

Oficina de Língua

Brasileira de Sinais

Profa. Valdinéa

26/10/2015

Noções de Informática e

Empreendedorismo

Profa. Valdinéa

28/10/2015

Feriado

Servidor Público

30/10/2015

Oficina de Língua

Brasileira de Sinais

Profa. Valdinéa

02/11/2015

Feriado

Finados

04/11/2015

Alfabetização e Letramento

Profa. Valdinéa

06/11/2015

Oficina de Língua

Brasileira de Sinais

Profa. Valdinéa

09/11/2015

Noções de Informática e

Empreendedorismo

Profa. Valdinéa

11/11/2015

Alfabetização e Letramento

Profa. Valdinéa

13/11/2015

Oficina de Língua

Brasileira de Sinais

Profa. Valdinéa

16/11/2015

Noções de Informática e

Empreendedorismo

Profa. Valdinéa

18/11/2015

Alfabetização e Letramento

Profa. Valdinéa

20/11/2015

Oficinas e Visitas Técnicas

(Parque da Cidade)

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xliii

23/11/2015

Noções de Informática e

Empreendedorismo

Profa. Valdinéa

25/11/2015

Alfabetização e Letramento

Profa. Valdinéa

27/11/2015

Oficina de Língua

Brasileira de Sinais

Profa. Valdinéa

30/11/2015

Feriado

Dia do Evangélico

02/12/2015

Alfabetização e Letramento

Profa. Valdinéa

04/12/2015

Oficina de Língua

Brasileira de Sinais

Profa. Valdinéa

07/12/2015

Noções de Informática e

Empreendedorismo

Profa. Valdinéa

09/12/2015

Alfabetização e Letramento

Profa. Valdinéa

11/12/2015

Oficina de Língua

Brasileira de Sinais

Profa. Valdinéa

14/12/2015

Noções de Informática e

Empreendedorismo

Profa. Valdinéa

16/12/2015

Alfabetização e Letramento

Profa. Valdinéa

18/12/2015

Oficinas e Visitas Técnicas

(Parque Nacional – Água

Mineral)

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xliv

Apêndice D

Registros do desenvolvimento do curso74

Figura 1: Área do Lixão na Cidade Estrutural

(Fonte: google images)

Figura 2: Inscrições para o Programa Mulheres Mil no Lixão

(outubro de 2013)

74

Foi solicitado o consentimento da divulgação das imagens para todas as mulheres envolvidas.

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xlv

Figura 3: Instantes de um dia comum de aula

(abril de 2014)

Figura 4: Após um dia comum de aula

(abril de 2015)

Page 203: NARRATIVAS EM (RE)CONSTRUÇÃO: BIOGRAFIAS DE MULHERES … · E para complementar o aparato de pesquisa e compreender a realidade vivida pelas estudantes em amplitude, analisamos

xlvi

Figura 5: Visita Técnica ao Taguaparque

(maio de 2015)

Figura 6: Oficina de mandalas no Campus Planaltina com a

professora Luci Vitória (junho de 2015)

Page 204: NARRATIVAS EM (RE)CONSTRUÇÃO: BIOGRAFIAS DE MULHERES … · E para complementar o aparato de pesquisa e compreender a realidade vivida pelas estudantes em amplitude, analisamos

xlvii

Figura 7: Visita Técnica à Casa da Mulher Brasileira

(setembro de 2015)

Figura 8: Exposição cultural no Centro Cultural Banco do Brasil

(novembro de 2015)