NARRATIVAS EM (RE)CONSTRUÇÃO: BIOGRAFIAS DE MULHERES … · E para complementar o aparato de...
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INSTITUTO POLITÉCNICO DE SANTARÉM
ESCOLA SUPERIOR DE EDUCAÇÃO
NARRATIVAS EM (RE)CONSTRUÇÃO: BIOGRAFIAS DE
MULHERES EM PROCESSO DE ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO
NO INSTITUTO FEDERAL DE BRASÍLIA
Dissertação apresentada para a obtenção do grau de Mestre na especialidade de
Educação Social e Intervenção Comunitária
Clarice Barbosa Vieira
|Orientação|
Professora Doutora Lia Pappámikail
Junho de 2016
ii
Dedico esta dissertação aos meus pais,
Tannia e Emanuel,
por todo amor e carinho.
À minha avó Eliete (in memoriam),
a estrela que me ensinou a
graça de amar e viver em harmonia.
iii
“A aprendizagem não termina até você ter terra nas orelhas” (Autor desconhecido)1
"Educar e educar-se, na prática da liberdade, é tarefa daqueles que pouco sabem –
por isto sabem que sabem algo e podem assim chegar a saber mais –
em diálogo com aqueles que, quase sempre, pensam que nada sabem, para que estes,
transformando seu pensar que nada sabem em saber que pouco sabem,
possam igualmente saber mais".
(Paulo Freire)2
1 Retirado do filme “Uma lição de vida, 2010” (The first grader).
2 Freire, Paulo (1967). Educação como prática da liberdade. 17. ed. Rio de Janeiro, Paz e Terra.
iv
Agradecimentos
Primeiramente, agradeço a toda proteção divina que me dá coragem, serenidade e
firmeza para seguir meu caminho nessa jornada evolutiva.
Aos meus pais, Tannia e Emanuel, por terem me proporcionado a vida e me
motivarem a ser o que sou hoje.
À minha madrasta Célia de Sousa, a quem aprendi amar como uma segunda mãe.
Ao meu padrinho Paulo, que sempre acreditou no meu potencial intelectual e me
incentivou a correr atrás dos meus sonhos.
À toda minha família, que é a base para todo meu crescimento enquanto ser humano.
À minha comadre Célia Araújo, a quem devo minha eterna gratidão por me ensinar a
simplicidade da vida.
À minha afilhada Carol, por me ensinar o valor do amor nas pequenas coisas.
À minha “outra” família, aos amigos que me fazem persistir em todos os momentos
da vida.
À professora doutora Lia Pappámikail, pela competência ímpar em me orientar a todo
tempo que precisei e por iluminar minhas escolhas para chegar ao fim desta jornada
acadêmica.
Ao professor doutor Paulo Coelho Dias, pela coordenação do mestrado em Educação
Social e Intervenção Comunitária e por compartilhar de sua sabedoria aos servidores do IFB.
A todas as mulheres do curso de Alfabetização e Letramento, em especial as que
participaram desta pesquisa, pois sem elas este trabalho não seria possível.
Aos colegas do mestrado em Educação Social e Intervenção Comunitária, pelos quais
tenho muito apreço em dividir essa caminhada acadêmica e profissional.
Ao Instituto Federal de Brasília, pelo incentivo de qualificação prestado aos
servidores da instituição, em especial à Maria Cristina Madeira da Silva, que acompanhou a
trajetória de todos participantes desta turma de mestrado com muito primor e dedicação.
Aos que não pude me recordar aqui, sintam-se agradecidos e agradecidas.
Minha eterna gratidão...
v
Resumo
A presente investigação se situa no campo da educação de jovens e adultos. Seu cerne é a
análise de histórias de vida de seis mulheres do curso de Alfabetização e Letramento:
emancipação feminina pela construção da cidadania, ofertado pelo Campus Taguatinga
Centro, Instituto Federal de Brasília (IFB). Como estratégia de análise, optamos por traçar
narrativas biográficas, compreendendo a importância de suas trajetórias e de seus saberes
perante o mundo. O cruzamento dessas informações resultou em temáticas comuns, pois estas
histórias caminhavam em percursos similares, ou pelo menos tinham questões com a mesma
proposta de análise. E para complementar o aparato de pesquisa e compreender a realidade
vivida pelas estudantes em amplitude, analisamos os formulários preenchidos na seleção do
Programa Auxílio Permanência do segundo semestre de 2015. Por meio das narrativas aqui
esboçadas, buscamos avaliar o curso e os serviços prestados ao longo de sua implementação,
como também interpretar os sentidos atribuídos pelas mulheres às transformações sociais,
especialmente no mundo da educação, que as envolveram e redefiniram suas vidas.
Percebemos que a inserção no curso de Alfabetização e Letramento não somente gerou um
impacto positivo em suas trajetórias como potencializou o resgate de autonomia e
empoderamento feminino, tornando-se possível e viável a (re) construção de seus itinerários
formativos.
Palavras-chave: Educação de jovens e adultos; Histórias de vida; Mulheres; Narrativas
Biográficas; Transformações sociais.
vi
Abstract
This research is in the field of youth and adult education. Its core is the analysis of the life
stories of six women of the course of Initial Reading Instruction and Literacy: women’s
emancipation for the construction of citizenship, offered by Campus Taguatinga Centro,
Federal Institute of Brasilia (IFB). As analysis strategy, we chose to accomplish biographical
narratives, understanding the importance of their trajectories and their knowledge of world.
The crossing of this information resulted in common themes because these stories go on
similar paths, or at least had issues with the same proposal analysis. In order to complement
the research apparatus and understand the reality experienced by students in amplitude, we
analyzed the forms filled in the selection of the Permanency Assistance Program of the
second semester in 2015. Through the narratives outlined here, we seek to evaluate the course
and the services provided over its implementation, as also to interpret the meanings assigned
by these women to social changes, especially in the world of education, in which they got
involved and had their lives redefined. We realized that the inclusion in the course of Initial
Reading Instruction and Literacy not only generated a positive impact on their directions, as
potentiated the rescue autonomy and women's empowerment, making it possible and feasible
to ( re) construction of their training routes.
Keywords: Youth and Adult education; Life stories; Women; Biographical narratives; Social
changes.
vii
Lista de siglas e abreviaturas
ABC - Agência Brasileira de Cooperação
ACCC - Associação das Faculdades Comunitárias Canadenses
ARAP - Avaliação e Reconhecimento de Aprendizagem Prévia
ART. - Artigo
BPC - Benefício de Prestação Continuada
BSM - Brasil Sem Miséria
CADÚNICO - Cadastro Único para Programas Sociais
CAPs - Centro de Atenção Psicossocial
CDAE - Coordenação de Assistência Estudantil e Inclusão Social
CDAS - Coordenação de Relações Institucionais e Articulação com a Sociedade
CEASA - Central de Abastecimento do Distrito Federal
CEF - Centro de Ensino Fundamental
CIDA - Canadian International Development Agency
CLADEM - Comitê Latino - Americano de Defesa dos Direitos da Mulher
CONIF - Conselho Nacional das Instituições da Rede Federal de Educação Profissional,
Científica e Tecnológica
CRAS - Centro de Referência de Assistência Social
CREAS - Centro de Referência Especializado de Assistência Social
CTGC - Campus Taguatinga Centro
DF - Distrito Federal
EAD - Educação à Distância
ECA - Estatuto da Criança e do Adolescente
EJA - Educação de Jovens e Adultos
ESES - Escola Superior de Educação de Santarém
ET AL - Et alia (e outros: expressão latina)
ETC. - Et cetera
FIC - Formação Inicial e Continuada
FUNDEB - Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização
dos Profissionais da Educação
viii
GDF - Governo do Distrito Federal
HBDF - Hospital de Base do Distrito Federal
HUB - Hospital Universitário de Brasília
IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas
IFB - Instituto Federal de Brasília
INSS - Instituto Nacional do Seguro Social
IPEA - Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada
IPS - Instituto Politécnico de Santarém
LIBRAS - Língua Brasileira de Sinais
MDS - Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome
MEC - Ministério da Educação
MOBRAL - Movimento Brasileiro de Alfabetização
MPDFT - Ministério Público do Distrito Federal e Territórios
OEA - Organização dos Estados Americanos
ONG - Organização Não Governamental
ONU - Organização das Nações Unidas
PDAD - Pesquisa Distrital por Amostra de Domicílios
PDE - Plano de Desenvolvimento da Educação
PIPE - Promoção de Intercâmbio de Conhecimento para Promoção da Equidade
PL - Projeto de Lei
PNAD - Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios
PREX - Pró-Reitoria de Extensão
PRONATEC - Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego
SEBRAE - Serviço Brasileiro de apoio às Micro e Pequenas Empresas
SEDF - Secretaria de Educação do Distrito
SEDHS - Secretaria Adjunta do Desenvolvimento Social
SESDF - Secretaria de Saúde do Distrito Federal
SETPS - Setor de Perícias Psicossociais
SLU - Superintendência de Limpeza Urbana
SUS - Sistema Único de Saúde
ix
TCC - Trabalho de Conclusão de Curso
TCLE - Termo de Consentimento Livre e Esclarecido
UCB - Universidade Catolica de Brasília
UNB - Universidade de Brasília
UNESCO - Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura
x
Índice geral
Introdução ............................................................................................................................................................... 1
Capítulo 1 - Trajetória sócio histórica da educação de jovens e adultos no Brasil: uma proposta de ruptura das
marcas de exclusão? ............................................................................................................................................... 8
Capítulo 2 - Alguns desafios atuais à educação de jovens e adultos no Brasil ..................................................... 14
Capítulo 3 - Potencialidades da educação social no campo da Educação de Jovens e Adultos ............................ 23
Capítulo 4 - Histórico da instituição: o movimento da educação profissional tecnológica no Distrito Federal ... 29
4.1 Perfil do Campus Taguatinga Centro .......................................................................................................... 32
4.1.1 Programa Mulheres Mil ....................................................................................................................... 34
4.1.2 Curso “Alfabetização e Letramento: emancipação feminina pela construção da cidadania” .............. 38
4.2 A Política de Assistência Estudantil no Instituto Federal de Brasília (IFB) ................................................ 41
4.2.1 Programa Auxílio Permanência Presencial .......................................................................................... 43
4.2.2 Programa Auxílio Criança ................................................................................................................... 44
4.3 Objetivos de pesquisa ................................................................................................................................. 45
Capítulo 5 - Procedimentos Metodológicos .......................................................................................................... 47
5.1 Plano de Investigação ................................................................................................................................. 47
5.2 Características dos sujeitos de pesquisa ...................................................................................................... 49
5.3 Instrumentos de Recolha de Dados ............................................................................................................. 50
Capítulo 6 - Afinal de contas, quem são essas mulheres? ..................................................................................... 55
Capítulo 7 - Histórias de formosuras: um olhar biográfico sobre o desabrochar feminino das relações .............. 62
7.1 Do real ao imprevisível: a vida na cidade grande (Rosa) ............................................................................ 62
7.2 A vida que me pariu (Iris) ........................................................................................................................... 68
7.3 Sentindo uma dor de cada vez ou todas de uma vez só (Hortênsia) ........................................................... 73
7.4 Brasília: terra de gente chique ou de lama? (Camélia) ............................................................................... 78
7.5 A morte não é o fim do caminho (Margarida) ............................................................................................. 85
7.6 Vida à lá cigana: qual a próxima estação? (Flora) ...................................................................................... 91
Capítulo 8 - (Des)caminhos entre si: convergências face percursos de vida ........................................................ 95
8.1 Raízes do meu jardim: a memória como função social............................................................................... 95
8.2 Violência intrafamiliar: um produto das relações cotidianas .................................................................... 100
8.3 O difícil ou zero alcance dos serviços públicos ........................................................................................ 106
8.4 (Des)caminhos: fatores e condicionamentos da ausência escolar ............................................................. 111
8.5 Processo de ruptura com o analfabetismo: o contraponto da exclusão ..................................................... 115
8.6 Ressalvas sobre o curso: organização e infraestrutura .............................................................................. 121
8.7 Percepções face ao Programa Mulheres Mil ............................................................................................. 125
8.8 Assistência Estudantil no Instituto Federal de Brasília: importante, mas não fundamental ...................... 127
8.9 Oportunidades profissionais: a ausência do diploma escolar enquanto barreira de acesso aos lugares
desejados ......................................................................................................................................................... 130
Capítulo 9 - Conclusões e recomendações: caminhos e possibilidades de construção de cidadania .................. 136
xi
10 - Referências bibliográficas ........................................................................................................................... 145
11 - Anexos ........................................................................................................................................................... xii
Anexo A ............................................................................................................................................................ xii
Inscrição para o programa de promoção a permanência 2015.2 – Campus Taguatinga Centro ........................ xii
Anexo B .......................................................................................................................................................... xxii
Projeto de Lei nº 5.346 de 2009 ...................................................................................................................... xxii
Anexo C ........................................................................................................................................................ xxvii
Ficha-Resumo do Programa Bolsa Família .................................................................................................. xxvii
12 - Apêndices ............................................................................................................................................... xxix
Apêndice A .................................................................................................................................................... xxix
Guião de entrevista não-estruturada .............................................................................................................. xxix
Apêndice B ................................................................................................................................................... xxxv
Matriz referencial do curso de Alfabetização e Letramento: emancipação feminina pela construção da
cidadania ....................................................................................................................................................... xxxv
Apêndice C .................................................................................................................................................. xxxix
Cronograma de aulas ................................................................................................................................... xxxix
Apêndice D ..................................................................................................................................................... xliv
Registros do desenvolvimento do curso ......................................................................................................... xliv
xii
“A fotografia, antes de tudo é um testemunho. Quando se aponta a câmera para algum objeto
ou sujeito, constrói-se um significado, faz-se uma escolha, seleciona-se um tema e conta-se
uma história, cabe a nós, espectadores, o imenso desafio de lê-Ias". (Ivan Lima)
Índice de Figuras
Figura 1: Área do Lixão na Cidade Estrutural .................................................................................................... xliv Figura 2: Inscrições para o Programa Mulheres Mil no Lixão .......................................................................... xliv Figura 3: Instantes de um dia comum de aula...................................................................................................... xlv Figura 4: Após um dia comum de aula ................................................................................................................ xlv Figura 5: Visita Técnica ao Taguaparque ............................................................................................................ xlvi Figura 6: Oficina de mandalas no Campus Planaltina com a professora Luci Vitória ....................................... xlvi Figura 7: Visita Técnica à Casa da Mulher Brasileira ........................................................................................ xlvii Figura 8: Exposição cultural no Centro Cultural Banco do Brasil ..................................................................... xlvii
1
Introdução
Esta pesquisa propôs realizar uma leitura dos relatos de vida de uma pequena amostra
das mulheres matriculadas no curso de Alfabetização e Letramento: emancipação feminina
pela construção da cidadania, ofertado pelo Campus Taguatinga Centro, do Instituto Federal
de Brasília (IFB). A escolha da temática de gênero foi assim definida, primeiramente, pela
trajetória acadêmica traçada na graduação em Serviço Social, cursada na Universidade de
Brasília (UNB).
Quando iniciei os estudos na graduação, em agosto de 2006, ocorria também a
promulgação da Lei Maria da Penha3, a qual criou mecanismos para coibir a violência
doméstica e familiar. A questão de gênero me motivou a direcionar minha formação com
atividades de ensino, pesquisa e extensão no sentido de aprofundar o conhecimento teórico-
prático na área. Na disciplina de Pesquisa em Serviço Social 1 (primeiro semestre de 2008),
realizei uma pesquisa documental sobre a Lei Maria da Penha, evidenciando os fatores
políticos e históricos que levaram ao surgimento da lei.
Em agosto de 2008, fiz estágio no Hospital de Base do Distrito Federal (HBDF), em
que realizava escuta qualificada às mulheres vítimas de violência no Núcleo de Serviço
Social, especialmente no pronto-socorro do hospital. E durante o estágio realizado no Setor
de Perícias Psicossociais (SETPS4) do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios
(MPDFT), realizado no segundo semestre de 2010, acompanhava a complexidade individual
3 A Lei Maria da Penha, nº 11.340, de 07 de agosto de 2006, é assim nomeada em homenagem a Maria da
Penha, mulher que foi vítima de violência doméstica e familiar durante 23 anos de casamento do seu ex-
companheiro, o qual tentou matá-la por duas vezes seguidas. Na primeira vez com arma de fogo, deixando-a
paraplégica, e na segunda, por eletrocussão e afogamento. Após esta dupla tentativa que quase a matou, ela
tomou coragem e do denunciou. Ele só foi punido depois de 19 anos de julgamento e ficou apenas dois anos em
regime fechado, para revolta de Maria com o poder público. Em razão desse fato, o Centro pela Justiça pelo
Direito Internacional e o Comitê Latino - Americano de Defesa dos Direitos da Mulher (CLADEM), juntamente
com a vítima, formalizaram uma denúncia à Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos
Estados Americanos (OEA), ocasião em que o país foi condenado por não dispor de mecanismos suficientes e
eficientes para coibir a prática de violência doméstica contra a mulher. Disponível em
https://pt.wikipedia.org/wiki/Lei_Maria_da_Penha. Acesso em abril de 2011. 4 O Setor de Perícias Psicossociais realiza estudos na área do Serviço Social e da Psicologia referentes aos
procedimentos de investigação preliminar instaurados no MPDFT e aos processos judiciais encaminhados pelos
Procuradores e Promotores de Justiça. Os profissionais realizam os estudos, emitem relatórios técnicos para as
Procuradorias ou Promotorias com o intuito de subsidiar a atuação do MPDFT na garantia e consolidação dos
direitos dos cidadãos. Disponível em
http://bdm.unb.br/bitstream/10483/4943/1/2012_VanessaRodriguesDunkGomes.pdf. Acesso em maio de 2016.
2
e social presentes em situações que demandam a atuação e a intervenção do MPDFT, por
meio da realização de estudos psicossociais e emissão de pareceres técnicos; entre os
principais objetos de investigação estavam processos judiciais que envolviam mulheres
vítimas de violência doméstica e familiar.
Quando comecei a trabalhar no IFB, em fevereiro de 2013, fui convidada a assumir a
coordenação do Programa Mulheres Mil5 no Campus Taguatinga Centro. Após o término
deste programa federal, no final do mesmo ano, desenvolvi um projeto de extensão em
parceria com outras colegas do IFB em prol da alfabetização de mulheres em situação de
vulnerabilidade social6, ou seja, mulheres sem laços ou redes sociais para acessar uns dos
principais alicerces da dignidade humana: ler e escrever.
De acordo com a Constituição Federal, “todas as pessoas devem ter acesso à
educação, devendo ser garantida a igualdade de condições para o acesso e permanência na
escola” (Brasil, 1988, p. 120). Um dos maiores desafios de nossa época é atingir o direito de
educação básica para todos com qualidade. A educação básica, da qual a alfabetização é peça
chave, foi reconhecida como direito humano há sessenta anos na Declaração Universal dos
Direitos Humanos:
A presente Declaração Universal dos Direitos Humanos como o ideal comum a ser
atingido por todos os povos e todas as nações, com o objetivo de que cada indivíduo e
cada órgão da sociedade, tendo sempre em mente esta Declaração, se esforcem,
através do ensino e da educação (grifo meu), por promover o respeito a esses direitos
e liberdades e, pela adoção de medidas progressivas de caráter nacional e
internacional, por assegurar o seu reconhecimento e as suas observâncias universais e
efetivos, tanto entre os povos dos próprios Estados-membros, quanto entre os povos
dos territórios sob sua jurisdição (Organização das Nações Unidas, 1948, p. 1).
Contudo, atualmente, uma expressiva parte da população vê ainda o seu direito à
educação violado. Apesar de esforços governamentais e não governamentais e do
significativo aumento do acesso escolar, ainda há um índice muito expressivo de pessoas
5 O Programa Mulheres Mil consiste em um programa federal que visa oferecer as bases de uma política social
de inclusão e gênero a mulheres em situação de vulnerabilidade social. Será posteriormente desenvolvido um
tópico sobre esta temática. 6 São considerados múltiplos os condicionantes da vulnerabilidade social, constituindo um conjunto complexo e
multifacetado de fatores emergentes do contexto, devido à ausência ou precarização de recursos materiais
capazes de garantir a sobrevivência - variáveis de exclusão social que impedem que grande parte da população
satisfaça suas necessidades (Monteiro, 2011). Este conceito será aprofundado no capítulo 7, em que abordamos
as características gerais das mulheres do curso.
3
consideradas analfabetas7 por não terem tido acesso à escolarização na idade própria (um
conceito impróprio em si mesmo, se levarmos em consideração o direito à educação em
qualquer período da vida). A partir de uma perspectiva de gênero, alfabetizar a população
feminina, em muitos territórios excluída da escola exclusivamente devido à sua condição
feminina, representa um desafio ainda mais premente para que sejam atingidos os Objetivos
de Desenvolvimento do Milênio da Organização das Nações Unidas (ONU), do qual a
educação básica de qualidade para todos é colocada como uma das oito formas de mudar o
mundo.
No Brasil, o Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE), aprovado pelo então
Presidente Luiz Inácio Lula da Silva e Ministro da Educação Fernando Haddad, em 24 de
abril de 2007, objetiva a melhoria da educação brasileira em todas etapas, especialmente a
educação básica que vai do Ensino Infantil ao Médio. Sistematiza várias ações na busca de
uma educação equitativa e de boa qualidade e se organiza em torno de quatro eixos: educação
básica; educação superior; educação profissional e alfabetização. Em seu texto referente à
Educação Profissional, refere-se aos Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia
como modelos de reorganização das instituições federais de educação profissional e
tecnológica para uma atuação integrada e referenciada regionalmente, para atuação em
diferentes níveis e modalidades de ensino8.
A relevância da temática da educação de adultos se prende com o desenvolvimento
humano e, no limite, com o próprio crescimento econômico nacional e internacional.
Habilidades e competências de leitura e escrita são recursos essenciais para o acesso de
outros direitos básicos de sobrevivência no mundo em que vivemos. No entanto, na
contramão das tecnologias digitais, a taxa de analfabetismo no Brasil ainda é relevante. Na
Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) realizada em 20139, constatou-se que
a taxa de analfabetismo das pessoas acima de 15 anos no Brasil representa ainda 8,3% da
população.
7 Segundo definição da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO),
“uma pessoa funcionalmente analfabeta é aquela que não pode participar de todas as atividades nas quais a
alfabetização é requerida para uma atuação eficaz em seu grupo e comunidade, e que lhe permitem, também,
continuar usando a leitura, a escrita e o cálculo a serviço do seu próprio desenvolvimento de sua comunidade”.
Disponível em http://www.infoescola.com/educacao/analfabetismo. Acesso em maio de 2015. 8 Disponível em http://www.educacional.com.br/legislacao/leg_i.asp. Acesso em junho de 2016.
9 Disponível em http://agenciabrasil.ebc.com.br/educacao/noticia/2014-09/Analfabetismo-cai-0,4-pontos-
percentuais-mas-ainda-atinge-13-milh%C3%B5es. Acesso em dezembro de 2015.
4
De acordo ainda com a supracitada pesquisa, a taxa de analfabetismo funcional atinge
mesmo 17,8% do universo de entrevistados, ou seja, quase 1/5 da população. Para o Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a maioria de analfabetos do país são mulheres,
com 50,6%, realidade que se repete nas regiões Sudeste (56,2%), Sul (55,6%) e Centro-Oeste
(50,5%). Já no Norte e no Nordeste, os homens representam a maioria dos analfabetos, com
53,2% e 52,1%. A taxa de analfabetismo é superior entre os homens, com 8,6% contra 8,1%
das mulheres. Na divisão por região e sexo, os homens nordestinos têm a taxa mais alta, de
18,2%, enquanto as mulheres da Região Sul têm a menor, de 3,9%, desenhando-se assim um
mapa de diversidades múltiplas e complexas.
Diluídas nas taxas médias de analfabetismo, verifica-se que o universo de mulheres
com mais de 60 anos demonstra que ainda são mais frequentemente analfabetas que as mais
jovens. Na verdade, entre os brasileiros com menos de 30 anos, a taxa de analfabetismo em
2013 chegou a 3%, enquanto na população com mais de 60, ela foi de 23,9% da população.
Entre quem tinha de 40 a 59 anos, o analfabetismo atingia 9,2%.
Ainda assim, há que se considerar que o analfabetismo não é uma problemática
restrita ao Brasil. Em diferentes proporções, diversas nações são atingidas pela carência dos
recursos educacionais mais básicos:
Não há, na História da Educação Mundial, qualquer país que tenha tido sucesso na
universalização da educação básica de seu povo, que não a tenha estendido o acesso e
a conclusão, com sucesso, a todas as faixas etárias de sua população, estivessem elas
na idade própria ou não para esse nível de escolaridade. Por outro lado, existem
sobejas provas sobre a contribuição da universalização da educação básica
escolarizada para a diminuição da mortalidade infantil, para a elevação da taxa média
de vida, para o da produtividade do sistema econômico, para a socialização dos
processos políticos decisórios (Gadotti e Romão, 2007, p. 48).
A demanda por este estudo, então, visa analisar o modo como o IFB estará ou não a
concretizar “uma relação dialógica com a sociedade, contribuindo para a formação cidadã e o
desenvolvimento sustentável, demonstrando comprometimento com a dignidade humana e a
justiça social” (Brasil, 2014), conforme disposto na sua missão fundadora, analisando uma
proposta formativa no âmbito da alfabetização e letramento de mulheres.
Esta pesquisa se fundamenta na visão de que a leitura de mundo precede a leitura da
palavra:
5
A ideia de alfabetização emancipadora sugere duas dimensões de alfabetização. Por
um lado, os alunos devem alfabetizar-se quanto às próprias histórias, as experiências e
a cultura do seu meio ambiente imediato. Por outro lado, devem apropriar-se dos
códigos e culturas das esferas dominantes, de forma que possam transcender a seu
próprio meio ambiente (Freire e Macedo, 2011, p. 78).
O ser humano não pode ser compreendido fora de suas relações com o mundo e como
sujeito histórico. A falta de igualdade de oportunidades entre homens e mulheres marca o
percurso de gênero no Brasil, especialmente no que toca às condições de acesso às escolas. O
IFB se afirma movido pela promoção da cidadania e transformação da sociedade, por sujeitos
sociais que têm o conhecimento como elemento de entendimento ou apreensão da sua
realidade que acompanha, interfere, provoca mudanças e (re)constrói histórias de vida.
O IFB se torna então um espaço de convivência de oportunidades educativas a vários
níveis, pois oferta cursos para todas as idades e níveis de escolaridade. Neste trabalho, porém,
me interessa investigar o nível de educação de jovens e adultos, a qual se destina a quem não
teve oportunidade antes da vida adulta - ou limitada -, e estão fora da idade escolar.
Nesse sentido, tornou-se fundamental resgatar as histórias das mulheres em processo
de alfabetização, tornando-se possível uma releitura sobre seu passado que molda e
potencializa os desdobramentos do presente e acabam por se repercutir no seu futuro de vida
também. Foram problematizados os indícios de transformações desde que a leitura e a escrita
passaram a fazer parte de seus cotidianos de vida. Compreendeu-se desde logo que estes
conteúdos ultrapassam a sala de aula, tornando-se produtos constantes da realidade social a
qual estamos sujeitos diariamente. Crê-se, portanto, que as mulheres, quando saem da aula,
levam consigo experiências de ensino e aprendizagem que corroboram para mudanças diretas
e indiretas em seu próprio meio ambiente. Mudanças essas que se procurou, justamente,
identificar e caracterizar. Adicionalmente, também foram examinados aspectos específicos do
curso, procurando avaliar as potencialidades e as fraquezas que imbricavam sua
implementação na perspectiva das mulheres.
Em suma, o foco principal deste trabalho deteve-se na singularidade de vida destas
mulheres, sob a perspectiva do curso de Alfabetização e Letramento e as implicações desta
inserção em seus cotidianos de vida. Não se pretende limitar tais transformações
temporalmente, mas destacar principais sinais de autonomia e crescimento pessoal a partir da
presente trajetória escolar.
6
Para tanto, seis estudantes do curso foram entrevistadas. Foram traçadas seis
narrativas biográficas, escolhidas a partir do consentimento das mulheres participantes da
pesquisa. Por meio de uma reunião de grupo, apresentou-se a proposta da pesquisa, expondo
claramente seus objetivos. A partir da sinalização do interesse, a priori, o critério de pesquisa
escolhido foi a prévia participação destas mulheres no Programa Mulheres Mil. Os percursos
formativos de maior duração poderiam dar a oportunidade de desocultar o impacto dos
estudos na vida destas mulheres de uma forma mais acurada. No entanto, uma das mulheres
que consentiu em participar da entrevista não havia participado do Programa Mulheres Mil.
Consideramos, então, a importância do seu relato para a investigação da pesquisa, dado o
observado impacto do curso de Alfabetização e Letramento em sua vida (a notoriedade do seu
relato reforçou esta escolha).
Compreende-se que a aprendizagem é uma atitude, traduzida na curiosidade
permanente que incita o diálogo com a realidade, renovada em cada instante do cotidiano.
Abrir-se para novidades é condição essencial para a aprendizagem constante. Como dizia
Freire (1998, p.67), “sem a curiosidade que me move, que me instiga e que me insere na
busca não aprendo nem ensino.”
O produto desta dissertação foi dividido em duas partes. A primeira parte se refere ao
enquadramento teórico e procedimentos metodológicos. E a segunda parte representa os
capítulos empíricos, onde procuramos estabelecer um diálogo entre a teoria e a parte
empírica do trabalho.
O Capítulo 1 analisa a trajetória da Educação de Jovens e Adultos no Brasil,
identificando as marcas e as relações sociohistóricas de exclusão enquanto dimensões
fundamentais para a compreensão dos desafios atuais para a implementação da Educação de
Jovens e Adultos (EJA).
O Capítulo 2 coloca alguns desafios atuais à educação de jovens e adultos no Brasil, a
partir da conclusão do capítulo anterior que aborda a perspectiva histórica. Também situa as
práticas educativas na perspectiva do fortalecimento de mulheres enquanto sujeitos de
direitos. Sugerimos também, neste capítulo, práticas educativas na perspectiva de gênero no
âmbito das relações sociais, questionando desafios que permeiam todo e qualquer processo de
transformação social.
7
O Capítulo 3 aborda as potencialidades da educação social no campo da educação de
jovens e adultos, problematizando esta discussão na perspectiva de possibilidades para a
atuação profissional com jovens e adultos.
O Capítulo 4 sintetiza o histórico da educação profissional tecnológica no Distrito
Federal, de forma a contextualizar o cenário de pesquisa, no caso, o Campus Taguatinga
Centro, o qual integra o Instituto Federal de Brasília. Discute-se também a trajetória do
Programa Mulheres Mil e do curso de Alfabetização e Letramento, desde a fase de
planejamento até a execução.
O Capítulo 5 se refere aos procedimentos metodológicos adotados, compartilhando o
processo de execução do trabalho de acordo com os objetivos escolhidos. O Capítulo 6
analisa os principais resultados do estudo qualitativo realizado com as mulheres do curso de
Alfabetização e Letramento, começando pelas características gerais das mulheres que
responderam ao formulário socioeconômico da Seleção do Programa Auxílio Permanência,
incidindo nas narrativas biográficas das mulheres entrevistadas (Capítulo 7).
Os Capítulos 8 dá continuidade à análise das entrevistas, situando os (des)caminhos
percorridos pelas mulheres e sintetizando a problematização de temáticas comuns a todas
entrevistas. Por fim, o Capítulo 9 apresenta as conclusões da dissertação e algumas propostas
de intervenção em prol de melhorias para o IFB no âmbito da educação de jovens e adultos.
8
Capítulo 1 - Trajetória sócio histórica da educação de jovens e adultos no Brasil: uma
proposta de ruptura das marcas de exclusão?
Parece indubitável reconhecer que na trajetória da educação de jovens e adultos (EJA)
no Brasil há marcas da exclusão. Essa modalidade permanece o reduto formal do sistema
educacional brasileiro que recebe os excluídos do mesmo processo. Embora seja inegável a
contribuição, nos últimos anos, de movimentos sociais, organizações não governamentais
(ONGs), municípios e universidades, além de outros segmentos da sociedade civil,
direcionada à Educação de Jovens e Adultos, assegurando o acesso da população de jovens e
adultos a esse segmento educativo, ainda não é possível afirmar que ela contemple
efetivamente a demanda de alfabetização e letramento no país:
A marca da história da EJA é a marca da relação de domínio e humilhação
estabelecida historicamente entre a elite e as classes populares no Brasil, na
concepção que as elites brasileiras têm de seu papel e de seu lugar no mundo e do
lugar do povo. Uma concepção que nasce da relação entre conquistador e
conquistado/índio/escravo, e perdura em muitos documentos oficiais que parecem
tratar a EJA como um favor e não como o pagamento de uma dívida social e a
institucionalização de um direito (Cury, 2000).
A oferta de oportunidades de experiências de aprendizagem de linguagem escrita –
leitura e produção textual – que garantam o domínio do conhecimento necessário à
participação plena no universo da cultura letrada do mundo atual é uma proposta de ruptura
com esta dívida social. Essas habilidades de leitura e de escrita precisam ser dominadas por
todos os indivíduos, para que possam se inserir de forma adequada no contexto social,
respondendo adequadamente às competências exigidas profissionalmente.
Como expressão dessa história de relação de domínio, tensões e ambiguidades da
EJA, Sampaio (2009) sustenta que “até hoje ainda sobressai sua função supletiva
compensatória (educação para pessoas que não tiveram o direito à escola antes da vida
adulta) praticada por boa parte das instituições.” Isso acontece a despeito da existência, hoje,
de um discurso que se refere à EJA como direito à educação permanente para todos,
intensificado a partir da década de 1990 com a realização de conferências internacionais (em
Jomtien, 1990 e em Hamburgo, 1997), que reiteraram a importância da EJA para todos os
9
povos do mundo e da educação em geral, visando à participação dos cidadãos na sociedade
do conhecimento e da informação.
As visões de suplência e de direito à educação permanente, que podem ser percebidas
como antagônicas, estão presentes no cotidiano das atividades de EJA e influenciam o
trabalho realizado. Essa contradição, ambiguidade e complexidade são características da
nossa sociedade. “É a organização social brasileira que, embora tenha espaço para que alguns
desenvolvam a educação permanente como forma de atualização de conhecimentos e
aprendizagem durante toda vida, para outros, que não tiveram direito de acesso e
permanência na escola, exige a atuação reparadora” (Cury, 2000), no sentido de oferecer à
população um direito que historicamente lhe foi negado.
A negação deste direito impacta até mesmo no processo de aprendizagem. Segundo
Kleiman (2001), nas décadas de 1930 e 1940, até nos meios educacionais declarava-se que o
ônus do fracasso era do próprio adulto. “O jovem e o adulto que não sabiam ler nem escrever
eram considerados deficientes e incapazes de aprender. Graças à evidência gerada em estudos
de psicólogos, educadores e sociólogos, essa discriminação deixou de existir nos meios
acadêmicos.” Entretanto, observa-se que esse preconceito ainda não saiu do imaginário social
de muitos, incluindo professores, até hoje, que atribuem aos alunos da EJA a responsabilidade
exclusiva pelos fracassos na aprendizagem.
A leitura de Arroyo (2001) ainda chama a atenção para o discurso escolar que os trata,
a priori, como “repetentes, evadidos, desfasados, aceleráveis, deixando de fora dimensões da
condição humana desses sujeitos, básicas para o processo educacional.” Ou seja, concepções
e propostas de EJA comprometidas com a formação humana passam, necessariamente, por
entender quem são esses sujeitos e que processos pedagógicos deverão ser desenvolvidos
para dar conta de suas necessidades e desejos.
Não se pode ignorar que este sentimento de fracasso escolar seja relacionado ao
próprio sistema de ensino. De acordo com Silva (2010), “a democratização do acesso e
permanência ao ensino é limitada, pois continuará existindo uma forte correlação entre as
desigualdades ou hierarquias internas ao sistema de ensino.” Ainda de acordo com o autor, a
escola dissimuladamente “valoriza e exige dos alunos determinadas qualidades que são
desigualmente distribuídas entre as classes sociais, notadamente, o capital cultural e uma
10
certa neutralidade no trato com a cultura e o saber que apenas aqueles que foram desde a
infância socializados na cultura legítima podem ter.”
De acordo com Silva (1998), “a possibilidade de fracassar é constitutiva do processo
de aprendizagem, em que a escola é o cenário instituído para equilibrar e regular esta
balança.” Ainda de acordo com o autor, “ela será responsável tanto pela reprodução quanto
pela transformação das condições de produção de contradições, já que o aluno terá, sempre, a
possibilidade de ter sucesso ou não no processo de escolarização.” Ou seja, o sentido que
permeia a diferença é produzido pela própria instituição escolar.
Acrescente-se também que o perfil do estudante de EJA, situado em idade adequada
ao mundo do trabalho, não dispõe de tempo disponível para frequentar escolas regulares,
caracterizando abandono repetido dos bancos escolares, compondo, por isso, turmas de EJA
de sujeitos com nível cultural e educacional diferenciados, muitas vezes marcados por
fracassos anteriores que lhe baixam a autoestima. O percurso do fracasso é a marca da
educação não inclusiva.
No que concerne o reencontro da autoestima, Horochovski (2006) associa a tomada de
consciência das injustiças de que estes sujeitos padecem, em prol da elevação não só da
autoestima, como também autoconfiança, participação nas decisões que afetam suas vidas e
sua independência econômica. De acordo com o referido autor, “trata-se de uma estratégia de
combate à pobreza baseada na ampliação das liberdades substantivas aos estratos de menor
status socioeconômico.”10
“A aposta – e por extensão também o risco – estaria na realização do inventário
permanente das trajetórias de vida” (Bordieu, 1996) e escolarização e na atenção necessária
aos reais interesses e necessidades de aprendizagem e interação desses sujeitos com os quais
estamos comprometidos no universo de educação de jovens e adultos. No entanto, também
seria preciso ainda mais investigar e analisar a estrutura social e o processo de aprendizagem
10
Para Sen (2000), liberdades substantivas são aquelas que garantem aos indivíduos a capacidade de participar
efetivamente dos destinos de sua comunidade, sendo agentes, em vez de pacientes. Assim, para além de seu
aspecto político, as liberdades substantivas implicam direitos que garantam qualidade de vida, tais como
segurança econômica e física, proteção contra fomes e doenças tratáveis, mecanismos de combate a diversas
formas de discriminação, transparência nas relações sociais. Assim o autor em apreço, em sua proposta de
desenvolvimento como liberdade, para além do crescimento econômico preconizado pelas teorias
desenvolvimentistas tradicionais, introduz indicadores como participação democrática e sustentabilidade para
avaliar o desenvolvimento das sociedades.
11
na sociedade em que estamos inseridos, que valeria uma investigação posterior específica
sobre o assunto.
De acordo com Piconez (2003, p. 2), a partir da década de 1940, o Censo Educacional
define o sujeito como analfabeto ou alfabetizado perguntando-lhe se sabia assinar o nome
e/ou ler e escrever um bilhete simples. “As condições culturais, sociais e políticas do Brasil,
até então, não exigiam muito mais que isso de grande parte da população.” De acordo com
Fávero (2004), “apenas na década de 1950, para a ampliação dos quadros eleitorais, a
alfabetização em massa virou realidade, pois os analfabetos não votavam.”
Já para o início da década de 1960 a sociedade brasileira começa um movimento para
as reformas de base. Frigotto (1995) aponta que esse movimento para uma sociedade mais
democrática envolveu “grupos importantes na sociedade, como movimento de cultura
popular, de erradicação do analfabetismo, de educação popular, cinema novo, teatro popular,
movimento estudantil e, no plano político-econômico, um projeto que procurava romper a
relação de submissão unilateral ao capital transnacional.” Porém, esses ideários foram
interrompidos pelo golpe militar de 1964.
Ainda na década de 1960 surge o Movimento Brasileiro de Alfabetização
(MOBRAL), o qual representou um programa brasileiro com plano pedagógico centralizado.
“Essa mesma sistemática se repetiu na implementação dos Exames Supletivos e nos Centros
de Estudos Supletivos de frequência não-obrigatória” (Vargas, 1984). Em 1996, com a nova
Lei de Diretrizes e Bases (LDB), nº 9394/96, a nomenclatura Ensino Supletivo foi substituída
por Educação de Jovens e Adultos (EJA). Nestes 50 anos de tentativas de reduzir o
analfabetismo, a EJA tem mostrado lições sobre uma série de ações coordenadas pelos
Governos Federal, Estaduais e Municipais, juntamente com a sociedade civil, como igrejas,
ONGs, associações etc.
No entanto, Sarreta (2011, p. 1) chama a atenção para o fato do “analfabetismo ainda
passar pela visão de um sujeito alienado e ignorante e influencia a maneira pela qual os
poderes públicos tratam a questão da Educação de Jovens e Adultos, sua inclusão na
sociedade e inserção no mundo do trabalho.” São várias investidas em campanhas e
programas que não tiveram êxito pelo seu caráter emergencial, e na maioria das vezes
assistencialista.
12
A instituição da Educação de Jovens e Adultos tem sido considerada como instância
em que o Brasil procura saldar uma dívida social que tem para com o cidadão que não
estudou na idade própria. Destina-se, portanto, aos que se situam na faixa etária superior à
considerada própria, no nível de conclusão do Ensino Fundamental e do Ensino Médio. A
carência escolar de adultos e jovens que ultrapassaram essa idade tem graus variáveis, desde
a total falta de alfabetização, passando pelo analfabetismo funcional, até a incompleta
escolarização nas etapas do Ensino Fundamental e do Médio.
Essa defasagem educacional mantém e reforça a exclusão social, privando largas
parcelas da população ao direito de participar dos bens culturais, de integrar-se na vida
produtiva e de exercer sua cidadania. Rodrigues (2003, citado por Ávila, 2005) assim
fundamenta:
A cidadania é uma questão básica para a aprendizagem na vida adulta, pois só assim
os indivíduos poderão participar ativamente nas diferentes esferas da vida: aprender
torna-se importante não apenas porque aumenta o desempenho econômico, mas
também porque melhora a capacidade de participar na vida pública ou de apreciar o
esporte ou a arte.
Whitney (2010, p. 35) salienta que “há algo de necessário na aquisição da linguagem,
independentemente da língua que o sujeito adquire, pois ela se torna o meio necessário tanto
para o pensamento, quanto para a fala.” Este autor salienta, ainda, que “não é possível dizer
tudo o que um ser adquire pela linguagem, já que esta lhe permite classificar suas impressões
confusas, adquirindo consciência delas para, a seguir, transformá-las em conhecimento
refletido.” Nesse sentido, o domínio da escrita, pelo ato da leitura e da escritura, constitui-se
em instrumento de aprendizagem de outras áreas do conhecimento. Apropriar-se, assim, dos
diferentes gêneros textuais e das ferramentas de produção textual pode garantir melhores
condições de sobrevivência em sociedade.
Esse resgate não pode ser tratado emergencialmente, mas, sim, de forma sistemática e
continuada, uma vez que jovens e adultos continuam alimentando o contingente com
defasagem escolar, seja por não ingressarem na escola, seja por dela evadirem por múltiplas
razões.
13
Em 2003, a ONU organizou a Década para a Alfabetização (2003-2012), a qual
representa um conjunto de iniciativas mundiais em prol da educação, legitimadoras do
compromisso firmado na Declaração Universal dos Direitos Humanos, em 1948:
Embora a universalização da educação seja anseio de sociedades letradas,
especialmente a partir da Idade Moderna, é no âmbito das iniciativas mundiais dos
meados do século XX que a educação é declarada como direito humano a ser
assegurado a todos e meio para a promoção do respeito a todos os direitos e liberdades
individuais e para o desenvolvimento social e manutenção da paz; e a alfabetização é
declarada como base da educação e da aprendizagem ao longo de toda a vida" e "pré-
requisito para a paz mundial (Mortatti, 2013, p. 15).
Já a suprema lei brasileira, a Constituição Federal, determina que o dever do Estado
para com a educação será efetivado mediante a garantia de Ensino Fundamental obrigatório e
gratuito, assegurada inclusive sua oferta gratuita para todos os que a ele não tiverem acesso
na idade própria. O Artigo 208, Inciso I, define que o dever do Estado com a educação será
efetivado mediante a garantia de:
Educação básica obrigatória e gratuita dos 4 (quatro) aos 17 (dezessete) anos de idade,
assegurada inclusive sua oferta gratuita para todos os que a ela não tiveram acesso na
idade própria11
(Redação dada pela Emenda Constitucional nº 59, de 2009).
Já a LDB, promulgada em 20 de dezembro de 1996, coloca na Seção V da Educação
de Jovens e Adultos, em seu artigo 37:
A educação de jovens e adultos será destinada àqueles que não tiveram acesso ou
continuidade de estudos no ensino fundamental e médio na idade própria. § 1º. Os
sistemas de ensino assegurarão gratuitamente aos jovens e aos adultos, que não
puderam efetuar os estudos na idade regular, oportunidades educacionais apropriadas,
consideradas as características do alunado, seus interesses, condições de vida e de
trabalho, mediante cursos e exames.
11
Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm. Acesso em maio de 2016.
14
Desse ponto surge a necessidade de se ofertarem cursos que associem diferentes
abordagens educativas, compondo um processo educacional atraente e capaz de envolver tais
sujeitos, entusiasmando-os à construção de aprendizagens não só cognitivas, mas também
atitudinais, voltados a uma visão de mundo criativa e empreendedora, em que o domínio da
linguagem torna-se fundamental.
Capítulo 2 - Alguns desafios atuais à educação de jovens e adultos no Brasil
A influência neoliberal tem sido muito forte no Brasil, consequentemente a educação
foi e ainda é um alvo de extrema importância para a disseminação em massa desses ideais
neoliberais. Segundo Silva (2010, p. 22), “esse conjunto de iniciativas chama a atenção para a
crise no âmbito educacional da qual somos reféns atualmente.” Não é uma crise apartada da
sociedade capitalista vigente, mas pode ser de fato produto dela:
A crise no mundo do trabalho provocada pela precarização das relações de trabalho e
pela mundialização do capital, consequentemente, tem aumentado o número de
pessoas que estão abaixo da linha da pobreza não só econômica, de liberdade, de
autonomia, aspectos que dão o verdadeiro sentido à vida (Santos, 2012, p. 178).
Os percalços da alfabetização representam a compreensão de favor para sua execução,
ou seja, algo a ser concedido em vista de interesses políticos, os quais não são voltados para a
superação do analfabetismo. O caráter de educação de segunda classe para as pessoas adultas
das classes populares pode ser verificado ainda, atualmente, no que se refere ao
financiamento público.
Inserida na proposta do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação
Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (FUNDEB)12
, que entrou em vigor a
12
O FUNDEB atende toda a educação básica, da creche ao ensino médio. Substituto do Fundo de Manutenção e
Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério (FUNDEF), que vigorou de 1997 a
2006, o FUNDEB está em vigor desde janeiro de 2007 e se estenderá até 2020. É um importante compromisso
da União com a educação básica, na medida em que aumenta em dez vezes o volume anual dos recursos
federais. Além disso, materializa a visão sistêmica da educação, pois financia todas as etapas da educação básica
e reserva recursos para os programas direcionados a jovens e adultos. A estratégia é distribuir os recursos pelo
país, levando em consideração o desenvolvimento social e econômico das regiões — a complementação do
dinheiro aplicado pela União é direcionada às regiões nas quais o investimento por aluno seja inferior ao valor
mínimo fixado para cada ano. Ou seja, o FUNDEB tem como principal objetivo promover a redistribuição dos
recursos vinculados à educação. Disponível em http://portal.mec.gov.br/fundeb. Acesso em junho de 2016.
15
partir de julho de 2007, a EJA recebe sempre um valor por aluno menor que o destinado ao
Ensino Fundamental de crianças, podendo essa diferença, como no caso do Distrito Federal,
chegar a menos da metade (Brasil, 2009). A Portaria Interministerial nº 17, de 29 de
dezembro de 2014, a qual operacionaliza o FUNDEB, coloca o valor de R$ 2.717,18 para
Avaliação de Processo e R$ 4.075,78 para Instituição de Educação Profissional por estudante
de EJA.
Já na Matriz Orçamentária do Conselho Nacional das Instituições da Rede Federal de
Educação Profissional, Científica e Tecnológica (CONIF) não ocorre divisão direta de
investimento para cada área educacional, tal qual a de jovens e adultos no FUNDEB. A título
de contextualização, o Governo Federal autorizou, no início de 2015, um total aproximado de
R$ 3,116 milhão para o Campus Taguatinga Centro. Entretanto, devido aos cortes do
orçamento, foram liberados cerca de R$ 2,068 milhão13
. Reitera-se que tal insuficiência
incide atualmente na precária situação financeira da educação de jovens e adultos no Brasil.
O escasso investimento federal na EJA reforça o desinteresse político perante a visível
exclusão educacional de grande parte da população brasileira. Como visto na introdução, o
mais recente estudo da PNAD, realizado em 2013, indica que a taxa de analfabetismo das
pessoas acima de 15 anos ainda representa 8,3% da população brasileira. E se considerada a
taxa de analfabetismo funcional esse número sobe para 17,8% do universo de entrevistados.
A partir da compreensão que o processo de alfabetização é a base de toda a
aprendizagem, tornar-se necessário um conjunto de estratégias e procedimentos que rompam
com a lógica de que o saber se encontra apenas naquele que é fonte de autoridade e
transmissor único de conhecimento; a valorização das várias vozes, sendo o diálogo sua
dinâmica problematizadora, no qual todas e todos são igualmente falantes e ouvintes, capazes
de expressar diferentes saberes. As situações de aprendizagens são momentos privilegiados
nos quais todas/os são levadas/os a construírem conhecimentos de forma cooperativa (Louro,
1997).
Os educadores da EJA têm pois o desafio de trabalhar numa modalidade da educação
na qual a homogeneidade dos sujeitos não é a tônica dominante. A ideia de homogeneidade –
de faixas etárias, de tempos de aprendizagem, de conhecimentos etc. – que pode até fazer
13
De acordo com matéria publicada no site do IFB: http://www.ifb.edu.br/index.php/taguatingacentro/10887-
campus-taguatinga-centro-executou-mais-de-99-do-orcamento-2015. Acesso em março de 2016.
16
algum sentido em algumas circunstâncias educacionais, é, por definição, inviável nos tempos
e espaços da EJA. De acordo com Carrano (2007, p. 9), “nos espaços da EJA os sujeitos são
múltiplos e ainda que existam sujeitos com perfis similares é preciso estar atento para as
trajetórias de vida que sempre são singulares e portadoras de potencialidades que podem não
se revelarem de imediato.” Sarreta (2011, p. 2) propõe esta abordagem quando coloca que:
Ingressar no mundo desse aluno é o primeiro passo; conhecer seus sonhos,
frustrações, dúvidas e medos, para assim propiciar uma ação que se relacione com o
contexto da sala de aula. O que os alunos já sabem; conhecimentos prévios, contatos
com a leitura, distinção de letras, são estados ou condições de letramento que estão
ligados às suas práticas sociais e não podem ser desprezados pela educação escolar.
Nenhuma pessoa é vazia de conhecimentos e, estando numa sociedade grafocêntrica14
como a atual, é possível que seja detentora de vários conhecimentos sobre a língua
escrita, levando-os, então, para a escola.
Vieira (2011, p. 44) coloca que “ultrapassar técnicas e metodologias tradicionais de
ensino requer uma participação mais coletiva e democrática dos objetivos e práticas de
ensino, ou seja, compreender as particularidades dos sujeitos sociais envolvidos na prática
educacional.” Carrano (2007, p. 9) vai além, situando a escola como a base da juventude:
A presença de jovens alunos na EJA deveria ser expressão de que a escola é parte
efetiva de seus projetos de vida. E de que eles e elas estão exercendo seus direitos à
educação básica republicana e de qualidade e não apenas participando de um mero
jogo funcional de correção de fluxo escolar ofertado em instituições de espaços e
tempos deteriorados
A alfabetização representa um universo de conhecimentos e competências possíveis
para a escolarização. Coloca-se como aspecto vital do direito à educação e um pré-requisito
para o desenvolvimento humano. Também se considera como um instrumento-chave para o
alcance das Metas do Milênio estabelecidas pelas Nações Unidas em prol de um mundo mais
justo, efetivo e igualitário. “O desafio é global: estima-se que 776 milhões de adultos, ou 16%
da população adulta mundial, não possuem as habilidades básicas de leitura e escrita
14
Diz-se da sociedade que é centrada na escrita. Disponível em
http://www.dicionarioinformal.com.br/grafoc%C3%AAntrica/. Acesso em maio de 2016.
17
necessárias para sua participação integral na sociedade e aproximadamente dois terços deles
são mulheres” (Unesco, 2009, p. 7).
Sabemos ainda que Alfabetização e Letramento estão intrinsecamente ligados, já que,
de acordo com os Parâmetros Curriculares, estes destacam que o ensino da linguagem deve
ser direcionado a três fundamentos básicos: a leitura, a compreensão e a produção numa
relação de contexto social, e para que a alfabetização e o letramento tomem parte do ensino
da língua em sua prática social é preciso que se alfabetize letrando.
A alfabetização é um convite ao reconhecimento da aprendizagem como um fator
contínuo, o qual é construído desde a tenra infância até a idade mais senil. Não existe um
ponto específico que delimite o grau de alfabetismo. O alfabetismo – que a alfabetização
persegue – é uma variável contínua e não discreta. Em que momento desse ‘continuum’ que
se estende do ‘nada’ até um impreciso nível de domínio da leitura e da escrita, podemos
afirmar que está finalizado o processo de alfabetização, que o indivíduo está alfabetizado?
São as falsas as dicotomias tão amplamente e universalmente usadas – alfabetismo /
analfabetismo / alfabetizado / analfabeto: o que na verdade ocorre é que alguns
indivíduos são mais alfabetizados que outros, não havendo um ponto específico, em
uma escola única, que possa separar os alfabetizados dos analfabetos. Pode-se
afirmar/considerar que até mesmo aquele indivíduo que, aparentemente, está no ponto
zero do ‘continuum’ – habitualmente classificado como “analfabeto”, aquele que não
sabe ler nem escrever – tem algum grau de alfabetismo, bastando, para isso, que
conviva com alguém que saiba ler e escrever (Soares, 2011, p. 51).
As abordagens a respeito do letramento nos convidam a observar a sua importância no
processo de desenvolvimento do aluno na Educação de Jovens e Adultos, que é interesse
deste trabalho. A trajetória da EJA muda significativamente quando o trabalho é realizado na
perspectiva de letramento. Segundo Bagno (2002), “as mudanças introduzidas nas relações de
produção e sobretudo, a concentração cada vez mais ampla da população em centros urbanos
tornou imperiosa a necessidade de eliminar o analfabetismo e dar um mínimo da qualificação
para o trabalho a um máximo de pessoas.” Considerar a educação para além dos muros da
escola é uma importante pista neste debate:
18
Paulo Freire foi um dos autores a sublinhar a importância da educação fora da sala
de aula. Destacou a importância do letramento, ao afirmar que ser alfabetizado é ser
capaz de usar a leitura e a escrita como um meio de tomar consciência da realidade e
de transformá-la. Conforme o contexto ideológico em que ocorre, pode ‘libertar’ ou
‘domesticar’ os seres humanos, alertando para a sua natureza inerentemente política
cujo propósito deveria ser o de provocar mudança social. (Piconez, 2003, p. 2)
A educação é, antes de mais nada, desenvolvimento de potencialidades e a
apropriação de saber social que é o conjunto de conhecimentos e habilidades, atitudes e
valores que são produzidos pelas classes, em uma situação histórica dada de relações para dar
conta de seus interesses e necessidades. “Trata-se de buscar, na educação, conhecimentos e
habilidades que permitam uma melhor compreensão da realidade e envolvam a capacidade de
fazer valer os próprios interesses econômicos, políticos e culturais” (Gryzybowski citado por
Frigotto, 1995: 26).
Nesse cenário, o processo de alfabetização (ação de ensinar/compreender a ler e
escrever) e de letramento (estado ou condição de quem não apenas sabe ler e escrever,
mas cultiva e exerce as práticas sociais que usam a escrita) representam práticas
sociais de linguagem que explicitam as relações de cidadania das pessoas. (Piconez,
2003, p. 2)
Neste trabalho parte-se do pressuposto que a educação deve visar todo um conjunto de
atividades de caráter pedagógico, emanadas das diferentes estruturas sociais, de forma a
desenvolver o capital social, humano, cultural e financeiro, necessário e indispensável para
que as comunidades atinjam mínimo de coesão e crescimento. “A emergência de novas
políticas socioeducativas ajudou a evidenciar a relevância cientifico-pedagógica
nomeadamente da educação social, uma vez que elas são uma condição necessária e
incontornável para induzir processos de mudança social” (Azevedo, 2011, p. 63).
Práticas educativas libertadoras eximem um olhar centrado no educador de adultos.
Em vista de resultados a longo prazo, a aprendizagem deve ser funcional. Ou seja, o conteúdo
apresentado deve fazer sentido para os envolvidos no processo educativo. Melhor se aprende
quando a sala de aula se aproxima dos diversos contextos de mundo vivenciados pelos
estudantes. Segundo Freire (1984), “as pessoas aprendem em comunhão, compartilhando
suas experiências, respeitando-se mutuamente.”
19
Cabe aqui também frisar que tais práticas educativas deverão ser libertadoras para a
aquisição de conhecimentos e habilidades, às quais se relacionam com a minimização de
desigualdades sociais e para a promoção da igualdade. No entanto, não pressupõem uma
dualidade entre alfabetização e cidadania, ou como se fossem causa e consequência uma da
outra:
[...] ao pensarmos em alfabetização e cidadania, é preciso fugir a uma interpretação
linear desses dois termos, atribuindo-lhes uma relação de causa-consequência, em que
cidadania seja tomada como consequência do acesso à leitura e à escrita; as relações
entre alfabetização e cidadania – pois elas existem – devem ser entendidas no
conjunto mais amplo dos determinantes sociais, políticos, econômicos que
inviabilizam o exercício da cidadania por enorme parcela da população brasileira
(Soares, 2011, p. 56).
Nesse sentido, a alfabetização se concretiza como um meio social que integra um
campo dimensional muito vasto de possibilidades, em que a educação é sua atribuição de
sentido mais concreta, mas que se relaciona a diversos outros determinantes sociais que
podem garantir a inclusão social. “Uma educação que intencionalmente crie sintonias e
articulações com as políticas públicas de aumento de escolaridade para jovens e adultos, para
que os paradigmas de trabalho e de cidadania sirvam de referência para esse processo”
(Manfredi, 2006, p. 33). O processo de alfabetização alcança êxito quando integra a vida
educacional do estudante aos outros determinantes sociais presentes em sua vida.
A consciência dos tradicionais papéis sociais das mulheres na sociedade patriarcal
remonta aos viscerais indícios de desigualdade de gênero na sociedade brasileira. O acesso à
escolarização no Brasil, no século XX, era limitado, primeiro, aos homens brancos abastados
e, depois, a poucas mulheres brancas de condição econômica favorável. “A maioria da
população - homens negros, mulheres negras e pobres - tinha o acesso às primeiras letras
negado, guardadas as exceções” (Guimarães, 2002).
Ainda hoje, sob o olhar analítico que esta dissertação propõe, as mulheres que
participam do curso colocam a dificuldade de conciliarem o curso com questões familiares,
sob a repressão de seus companheiros:
20
A mulher que contrai casamento deve ser convencida das leis naturais e morais que a
obrigam exercer o círculo completo das funções de ser mãe. Se a isto se recusar é que
há uma falsificação de sentimentos contrariando as manifestações naturais e
sacrificando o dever que é a sacrificar a si, a prole e a humanidade acuava o doutor
Moncorvo Filho (Del Priore, 2014, p. 60).
Se a verdade é que, embora pareça apoiar-se na força bruta, as armas ou do dinheiro, o
reconhecimento da dominação supõe sempre um ato de conhecimento, isso não implica
igualmente que estejamos embasados a descrevê-la com a linguagem da consciência, por um
‘viés’ intelectualista e escolástico que, como em Marx (e sobretudo nos que, depois de
Lukács, falam em ‘falsa consciência’), leva a esperar a liberação das mulheres como efeito
automático de sua ‘tomada de consciência’, ignorando, por falta de uma teoria tendencial das
práticas, a opacidade e a inércia que resultam da inscrição das estruturas sociais no corpo
(Bourdieu, 2002, p. 26):
[...] as relações sociais são sempre relações de poder e que o poder se exerce mais na
forma de rede do que em um movimento indirecional, então não será possível
compreender as práticas como isentas desses processos. A construção de uma prática
educativa não-sexista necessariamente terá de se fazer a partir de dentro desses jogos
de poder (Louro,1997, p. 119).
Percebe-se que a construção dos papéis sociais das mulheres que se ocupa esta
pesquisa foi baseada “na herança de um sistema hierárquico injusto e desigual, que sempre
lhes destinou um papel secundário,” vide Sarreta (2011). Sob a perspectiva deste estudo,
pode-se dizer que a vida dessas alunas girou em torno da tutela dos pais e dos maridos, com
esses primeiros tiveram o trabalho familiar e com os últimos lhes foi reservado o cuidado
com os filhos. A obediência foi uma constante na vida dessas mulheres e suas vontades e
desejos foram sempre subjugados; naquele mundo o saber e o aprendizado não conseguiam
encontrar espaço.
Freire (1987) destaca que “assumir novas práticas educativas pressupõe o uso da
afetividade, alegria, capacidade científica, domínio técnico a serviço da mudança ou,
lamentavelmente, da permanência do hoje. A esta permanência que o futuro
desproblematizado procura reduzir.” Sob a perspectiva da política de educação, compreende-
21
se esta como um fator crítico e propulsor para superação da realidade posta, ainda que não
seja dotada de nenhuma neutralidade. Como mola propulsora da política, a educação perpassa
intenções de mudanças, que questiona práticas coercitivas e manipuladoras.
Só não é possível esquecer o status quo que permeia toda e qualquer transformação
proposta. “Na medida em que compreendemos a educação, de um lado, reproduzindo a
ideologia dominante, mas, de outro, proporcionando, independentemente da intenção de
quem tem o poder, a negação daquela ideologia (ou o seu desvelamento) pela confrontação
entre ela e a realidade (como de fato ela está sendo e não como o discurso oficial diz que ela
é), realidade vivida pelos educandos e pelos educadores, percebemos a inviabilidade de uma
educação neutra” (Freire e Macedo, 2011, p. 36).
Assumida toda e qualquer intencionalidade que permeia a educação, faz-se atenção
para novas práticas educativas, mediante um processo no qual os indivíduos que as compõem
obtêm controle sobre suas vidas, participam democraticamente no cotidiano de diferentes
arranjos coletivos e compreendem criticamente seu ambiente. Rappaport (1995) atribui ao
empoderamento15
a função de fazer com que as pessoas tenham voz e sejam ouvidas.
Segundo o autor, “os objetivos do empoderamento são alcançados quando as pessoas
descobrem, ou criam e dão voz a uma narrativa coletiva que sustenta suas próprias histórias
pessoais em termos positivos. Este processo é recíproco, de modo que muitos indivíduos (...)
criam, mudam e sustentam a narrativa do grupo.” Diante disto, as mulheres passam a se
assumir como protagonistas de sua própria história e conduzem seus destinos participando
ativamente das mudanças.
O modelo feminista da educação questiona o dualismo que permeia as atuais relações
entre mulheres e homens. Como Santos (2012) que propõe “um conjunto de estratégias e
procedimentos que rompam com a lógica de que o saber se encontra apenas naquele que é
fonte de autoridade e transmissor único de conhecimento.” Nesse esquema, todas e todos são
igualmente falantes e ouvintes e partilham das diferentes capacidades de expressarem seus
saberes.
15
O termo “Empoderamento” é o equivalente em português do vocábulo inglês empowerment. Numa primeira
mirada, empoderamento é quase sinônimo de autonomia, na medida em que se refere à capacidade de os
indivíduos e grupos poderem decidir sobre as questões que lhes dizem respeito, escolher, enfim entre cursos de
ação alternativos em múltiplas esferas – política, econômica, cultural, psicológica, entre outras. Desse modo,
trata-se de um atributo, mas também de um processo pelo qual se aufere poder e liberdades negativas e positivas
(Horochovski, 2006, p. 1).
22
A sensibilidade necessária para essa nova prática gera outra afetividade, na qual as
mulheres passam a sentir a falta da convivência com outras mulheres, sentindo-se mais
integradas, cooperativas e solidárias com os problemas e situações de superação
proporcionadas pelos momentos de encontros. Sarreta (2011) argumenta que “essas
experiências e práticas coletivas são oportunidades de autoafirmação, e consequentemente, de
reconhecimento de potencialidades.”
Santos (2012) propõe “a afetividade como uma vivência que significa proteção,
cuidado e possibilita o fortalecimento e a formação de vínculos necessários à sobrevivência,
segurança e crescimento dos seres humanos.”
A sentimentalização e o relevo concedido aos afetos, com base na noção de afinidade
eletiva, pressupõe uma valorização do indivíduo e das suas escolhas e desejos pessoais, como
foi assinalado por Aboim (1998). De acordo com a autora, “é de se localizar a família com
outra perspectiva que não a de reprodução social, a ser pensada como lugar de bem-estar e de
intimidade. A noção de privatização destaca precisamente esse corte de amarras com a
regulação exterior exercida pelo parentesco, pelos vizinhos, pela comunidade, sem o qual a
intimidade afetiva e a troca subjetiva seriam ameaçadas pela constante presença e imiscuição
de ‘outros’.”
O desenvolvimento de potencialidades individuais e coletivas e o fortalecimento dos
vínculos familiares e comunitários faz parte desse processo, de acordo Brasil (2014) “gera
ainda perspectiva de integração das histórias de vida e identidades comuns.”
Além de libertadora, transformadora e dialógica, “essas práticas educativas devem dar
poder às mulheres de forma a permitir, tanto às práticas como às relações interpessoais, a
utilização de estratégias de ‘superação’ do estado de submissão e de ausência do exercício do
poder entre elas” (Santos, 2012, p. 176). Parte-se do pressuposto que o curso de Alfabetização
e Letramento aqui investigado contempla tais práticas educativas, demonstrando a
conscientização quanto aos princípios éticos para a cidadania e a reafirmação cotidiana
quanto aos direitos de mulheres. O curso também se insere na concepção social do Campus
Taguatinga Centro, o qual foi criado com o intuito de enfrentamento das expressões da
questão social, a ser discutido em profundidade no capítulo 4.
23
Capítulo 3 - Potencialidades da educação social no campo da Educação de Jovens e
Adultos
Promover a discussão sobre educação social situa um campo de elevada importância
no campo das ciências humanas. De acordo com Carvalho e Baptista (2005), “os conceitos
traduzem concepções ao mesmo tempo que as condicionam.” São, por isso, fundamentais
para compreendermos o mundo em que vivemos e para que nele possamos agir. A educação
social não esconde, assim, o seu compromisso com valores, ainda que procure basear-se no
conhecimento científico.
Sob a análise de Azevedo e Correia (2013, p. 3), “a Educação Social surgiu, em
grande medida, pela consciência de que o trabalho social precisava de novas políticas
educativas, uma vez que o assistencialismo se tornava já redutor (e até contraditório) das
necessidades de intervenção social.” Cabe aqui, então, levantar as considerações sobre suas
potencialidades na área de investigação desta dissertação, qual seja, a educação de jovens e
adultos:
O educador social representa aquele ou aquela profissional que atua no campo da
educação social, numa perspectiva teórico-metodológica que concebe a prática
educativa como uma atividade que não se reduz ao âmbito da educação escolar. Dessa
forma, rompe com visões que tentam encapsular a educação num enredo que visa
resguardar seus conteúdos disciplinares e relacionais como característica exclusiva da
instituição escolar, tal como se observa na história da pedagogia tradicional. Sendo
assim, a escolarização dos propósitos educativos constitui uma temática intrigante
para esses profissionais, já que esse tipo de visão não reconhece a complexidade das
diversas experiências que o sujeito compartilha nas suas relações sociais, as quais
constituem sua subjetividade pessoal e social. (Rey, 2004)
O compromisso da Educação Social com os Direitos Humanos em geral, e com a
importância de um agir fundamentado e informado, ficou esclarecido em Montevidéu -
Uruguai, por ocasião do 16º Congresso Internacional dos Educadores e Educadoras Sociais,
quando foi elaborado um documento que ficou conhecido como Declaração de Montevidéu,
em que os Educadores e Educadoras Sociais de dezenas de países declararam:
24
Reafirmamos e comprovamos a existência do campo da Educação Social como um
trabalho específico orientado a garantir o exercício dos direitos dos sujeitos de nosso
trabalho, e que nos exige permanente compromisso em seus níveis éticos, técnicos,
científicos e políticos. Para o cumprimento deste compromisso, é indispensável à
consolidação da profissão de Educador e Educadora Social (...). Os Educadores e
Educadoras Sociais renovam o compromisso com a democracia, com a justiça social,
com a defesa do patrimônio cultural e pela defesa dos direitos humanos, baseados na
convicção de que outro mundo é possível. (Marques, 2005)
No Brasil, há um projeto de lei (PL) para criar a profissão de educador e educadora
social, sob atual discussão da Câmara dos Deputados16
. Este projeto visa a regulamentação da
profissão no Estado brasileiro. De acordo com o Art. 1º deste PL, a educação social possui
caráter pedagógico e social, devendo estar relacionada à realização de ações afirmativas,
mediadoras e formativas. Também estabele o campo de atuação dos educadores e educadoras
sociais, os contextos educativos situados fora dos âmbitos escolares e que envolvem:
I – As pessoas e comunidades em situação de risco e/ou vulnerabilidade social, violência e
exploração física e psicológica;
II – A preservação cultural e promoção de povos e comunidades remanescentes e
tradicionais;
III – Os segmentos sociais prejudicados pela exclusão social: mulheres, crianças,
adolescentes, negros, indígenas e homossexuais;
IV – A realização de atividades sócio educativas, em regime fechado, semiliberdade e meio
aberto, para adolescentes e jovens envolvidos em atos infracionais;
V – A realização de programas e projetos educativos destinados a população carcerária;
VI - As pessoas portadoras de necessidades especiais;
VII - o enfrentamento à dependência de drogas;
VIII – as atividades sócias educativas para terceira idade;
IX - A promoção da educação ambiental;
16
A Câmara dos Deputados, junto ao Senado Federal, compõe o Congresso Nacional, instituição de deliberação
máxima do Poder Legislativo Brasileiro. Este órgão discute propostas referentes às áreas econômicas e sociais,
como educação, saúde, transporte, habitação, entre outras, pelos Poderes da União, dos recursos arrecadados da
população com o pagamento de tributos. O Projeto de Lei nº 5.346 de 2009 dispõe sobre a criação da profissão
de educador e educadora social. Para além de regulamentar a profissão, visa valorizar os agentes sociais que
trabalham para o atendimento de interesses e necessidades sociais (vide anexo B).
25
X – A promoção da cidadania;
XI - A promoção da arte-educação;
XII – A difusão das manifestações folclóricas e populares da cultura brasileira;
XIII – Os centros e/ou conselhos tutelares, pastorais, comunitários e de direitos;
XIV – As entidades recreativas, de esporte e lazer.
Percebe-se então que o campo de atuação do educador social é amplo, e que o âmbito
escolar é apenas uma das possibilidades. A LDB ainda dispõe em seu Art. 1º que a educação
brange os processos formativos que se desenvolvem na vida familiar, na convivência
humana, no trabalho, nas Instituições de ensino e pesquisa, nos movimentos sociais e
organizações da sociedade civil e nas manifestações culturais (Brasil, 1996). Ou seja,
reconhece a existência de contextos educativos situados fora dos âmbitos escolares, onde há
destacada atuação dos Educadores e Educadoras Sociais que fundamentam sua prática
socioeducativa, sobretudo, no legado da Educação Popular, especialmente a desenvolvida a
partir da década de 70, tomando por base a influência do educador Paulo Freire. Desta forma,
a educação deixa de ser patrimônio exclusivo da escola e passa a ter novas funções, de
dimensão mais social.
“Além da educação formal, considera-se a educação não formal e informal, isto é, a
educação tem uma função permanente e engloba diferentes contextos e populações, até as
mais marginalizadas” (Azevedo e Correia, 2013, p. 3). Vivemos diariamente a educação
social no IFB. Para além da educação escolar, compartilhamos espaços e tempos educativos
formais e não formais a todo o momento. Com o curso de Alfabetização e Letramento, com
efeito, a educação formal representa somente uma das possibilidades. “A educação é vista
como global, social e como acontecendo ao longo da vida” (Petrus, 2003, p. 60).
O supracitado autor lembra precisamente que os conflitos e problemas sociais dos
alunos e das alunas não se reservam à escola; pelo contrário, atravessam e compõem a vida
estudantil a partir dos vínculos que compartilham numa sociedade configurada em
contradições, representações e desigualdades que os afetam, os inquietam, e produzem
sentidos distintos. Quando a sociedade e a universidade, felizmente, começam a compreender
o que é a educação social, reclamamos nossa presença nos espaços que por lógica são de
nossa competência.
26
Quando compreendemos isso enquanto profissionais, conseguimos realizar várias
pontes e intervenções de forma mais criativa e questionadora. Nada se torna suficiente para
definir uma intervenção. Esta sempre pode ser melhorada, transformada:
Os educadores sociais atuam em contextos sociais e, por isso, são trabalhadores
sociais. Por isso, aproximam-se de outros profissionais da área social, como os
assistentes sociais, na medida em que têm como referência as mesmas características
de intervenção, nomeadamente a proximidade aos contextos e aos destinatários.
Contudo, o trabalho dos educadores sociais é concebido a partir de uma perspectiva
educativa, transformadora e emancipatória, que pretende superar lógicas
assistencialistas e baseia-se na centralidade das pessoas, na sua capacitação e
desenvolvimento. Pretende-se que os indivíduos possam protagonizar, a partir dos
seus saberes o seu desenvolvimento mediante uma participação consciencializadora.
(Azevedo e Correia, 2013, p. 7)
E quando entendemos que educação social faz parte do todo, legitimamos o agir
profissional nos espaços que são nossos por direito. “A educação social, é, deste modo,
expressão da responsabilização da sociedade diante dos problemas humanos que a percorrem
e que ela não pode radicar, sem mais, em determinismos ou fatalismos de ordem individual,
histórica, estrutural ou transcendente”(Carvalho e Baptista, 2005, p. 11).
Não ignoramos que a educação social se tem situado num contínuo que oscila entre
ser um instrumento de conformidade aos padrões sociais dominantes, ou assumir-se como um
meio de integração social ativa pela via da construção da identidade e da dignidade pessoais,
que é a visão que aqui se subscreve. “Há sempre uma apropriação do conhecimento pelo
sujeito que não é única e nem ocorre de forma passiva. Cada sujeito posiciona-se diante do
saber, e isto ocorre de forma diferenciada em cada sujeito” (Carvalho, 2004, p. 34).
Mas é importante perceber que tais escolhas sofrem influência do meio onde o
indivíduo encontra-se inserido. Nesse sentido é possível pensar a eficácia de uma educação
social libertadora que, para além do mero assistencialismo e minimização de conflitos, esteja
centrada na formação de um sujeito engajado social e politicamente. Pois acredita-se que só a
atuação ativa e consciente deste sujeito poderá iniciar um processo de transformação social:
Em nosso entendimento, só no segundo caso é que ela cumpre a sua real vocação,
necessitando, para o efeito, de adequado enquadramento epistemológico,
27
nomeadamente, através da fundamentação crítica e transdisciplinar da pedagogia
social bem como dos contributos da filosofia da educação e das ciências sociais e
humanas em geral. Em última instância, verifica-se que a educação social se constitui
como um veículo de políticas sociais autênticas apenas na exata medida em que seja,
concomitantemente, uma das suas decisivas instâncias reguladoras. (Carvalho e
Baptista, 2005)
“É vasto o campo de atuação da educação social, mas partindo-se das referências
fulcrais da educação social com certeza que a noção de exclusão desempenha um papel
central” (Carvalho e Baptista, 2005, p. 25). Exclusão esta que a educação de jovens e adultos,
como abordado nos capítulos anteriores, é velha conhecida.
A educação de jovens e adultos, até há pouco tempo era pura e crua alfabetização,
aprender a ler e a escrever. Nas escolas primárias, haviam as mesmas aulas e as mesmas
estratégias aplicadas a meninos e meninas do primário. Não deixava de ser curioso o esforço
de acoplamento dos adultos às pequenas mesas dos seus próprios filhos. Desta orientação
genética e histórico-cultural, poderíamos dizer, não é descartada a educação das pessoas
adultas atual. “A educação das pessoas adultas, em certo grau, segue sendo implementada
muitas vezes no modelo ilustrado, escolarista, formalista e dominado” (Esteban, 2014, p. 79).
A escola democrática vive, de fato, a conflitualidade dos dois princípios que a
inspiram: um, igualitário, que tende para o nivelamento; outro, hierárquico e meritocrático,
que acaba por discriminar gradativamente as pessoas. Entretanto, ela confronta-se igualmente
com um frequente desfasamento entre os objetivos e saberes eruditos que difunde e os
projetos e expectativas dos seus novos – e maioritários – públicos, em busca sobretudo de
aquisições que sirvam o pragmatismo da vida. “A escola tornou-se prioritariamente um
problema social e não pedagógico ou que é pedagógico na medida em que é social”
(Carvalho e Baptista, 2005, p. 14).
“Para enfrentar o desafio disso que temos chamado ‘política compensatória’,
deveríamos caminhar para a produção de espaços culturalmente significativos para uma
multiplicidade de sujeitos jovens – e não apenas alunos – histórica e territorialmente situados
e impossíveis de conhecer a partir de definições gerais e abstratas” (Carrano, 2007). Este
raciocínio é aplicável a qualquer momento do percurso de vida: crianças, jovens ou adultos
encontrarão sentido na escolarização quanto mais sentido lhes fizerem os espaços, tempos e
28
conteúdos educativos. ” É preciso apostar nos reais interesses e necessidades de
aprendizagem e interação desses sujeitos com os quais estamos comprometidos no tabuleiro
escolar da ‘segunda chance’ que é a EJA” (Carrano, 2007).
O trabalho educativo insere efetivamente, sobretudo, na vertente do aqui e agora, do
agir e do fazer, da realidade exterior e da relação com a lei, da intersecção do individual com
o coletivo. O seu domínio é banal, o vulgar e o habitual, tanto quanto o surpreendente, o
inesperado e o acontecimento cotidiano. “O educador procura também suscitar
circunstâncias, provocar encontros, fazer descobrir o interesse por perspectivas, por
bifurcações e por atalhos” (Capul e Lemay, 1996).
Nessa medida o educador social é um mediador que atribui sempre o protagonismo ao
sujeito, valorizado a partir de relações que permeiam mudanças concretas. A educação social
intervém no processo educativo para que se possa ter uma determinada atuação em
determinada sociedade. A educação social, portanto, participa e detém o caminho da
intervenção, ao mesmo tempo em que potencializa a transformação social destes sujeitos,
pela escuta qualificada e instrumento de participação da coletividade.
29
Capítulo 4 - Histórico da instituição: o movimento da educação profissional tecnológica
no Distrito Federal
A comunicação de instituições e organizações públicas é um bem público que deve
estar ao alcance de todos os cidadãos e deve estar comprometida com a democracia e a
construção da cidadania. O IFB foi criado em dezembro de 2008, por meio da Lei nº 11.892,
passando a compor a Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica,
existente em todo o Brasil.
O IFB é uma instituição pública que oferece Educação Profissional gratuita, na forma
de cursos e programas de formação inicial e continuada de trabalhadores (FIC), educação
profissional técnica de nível médio e educação profissional tecnológica de graduação e de
pós-graduação, articulados a projetos de pesquisa e extensão. A estrutura multicampi do IFB
faculta à instituição fixar-se em vários eixos tecnológicos, diversificando seu atendimento, de
conformidade com a vocação econômica das regiões administrativas do Distrito Federal. O
IFB é composto por uma Reitoria e 10 campi distribuídos pelo Distrito Federal: Brasília,
Ceilândia, Estrutural, Gama, Planaltina, Riacho Fundo, Samambaia, São Sebastião,
Taguatinga e Taguatinga Centro. O IFB conta com cinco Pró-Reitorias: de Ensino (PREN), de
Pesquisa e Inovação (PRPI), de Extensão (PREX), de Administração (PRAD) e de
Desenvolvimento Institucional (PRDI). De acordo com a Lei nº 11.892, O IFB tem por
finalidades e características:
I - Ofertar educação profissional e tecnológica, em todos os seus níveis e modalidades,
formando e qualificando cidadãos com vistas na atuação profissional nos diversos setores da
economia, com ênfase no desenvolvimento socioeconômico local, regional e nacional;
II - Desenvolver a educação profissional e tecnológica como processo educativo e
investigativo de geração e adaptação de soluções técnicas e tecnológicas às demandas sociais
e peculiaridades regionais;
III - Promover a integração e a verticalização da educação básica à educação profissional e
educação superior, otimizando a infraestrutura física, os quadros de pessoal e os recursos de
gestão;
IV - Orientar sua oferta formativa em benefício da consolidação e fortalecimento dos arranjos
produtivos, sociais e culturais locais, identificados com base no mapeamento das
30
potencialidades de desenvolvimento socioeconômico e cultural no âmbito de atuação do
Instituto Federal;
V - Constituir-se em centro de excelência na oferta do ensino de ciências, em geral, e de
ciências aplicadas, em particular, estimulando o desenvolvimento de espírito crítico, voltado
à investigação empírica;
VI - Qualificar-se como centro de referência no apoio à oferta do ensino de ciências nas
instituições públicas de ensino, oferecendo capacitação técnica e atualização pedagógica aos
docentes das redes públicas de ensino;
VII - Desenvolver programas de extensão e de divulgação científica e tecnológica;
VIII - Realizar e estimular a pesquisa aplicada, a produção cultural, o empreendedorismo, o
cooperativismo e o desenvolvimento científico e tecnológico;
IX - Promover a produção, o desenvolvimento e a transferência de tecnologias sociais,
notadamente as voltadas à preservação do meio ambiente.
Estas finalidades e características são instrumentos chave para compreender a função
social do Instituto Federal de Brasília, especialmente os parágrafos IV e VII, porque orientam
a oferta de cursos para o fortalecimento de potencialidades educativas cidadãs, às quais se
relacionam diretamente com a implementação de propostas pedagógicas de cunho
socioeducativo, como o curso de Alfabetização e Letramento em questão.
Tem como missão oferecer ensino, pesquisa e extensão no âmbito da Educação
Profissional e Tecnológica, por meio da inovação, produção e difusão de conhecimentos,
contribuindo para a formação cidadã e o desenvolvimento sustentável, comprometidos com a
dignidade humana e a justiça social. E a visão da instituição até 2018 é consolidar-se no
Distrito Federal como instituição pública de Educação Profissional e Tecnológica de
qualidade inclusiva e emancipatória, articulada em rede e com a comunidade. A missão e a
visão da instituição são perpassadas pelos seguintes valores:
Ética
Educação como bem público gratuito e de qualidade
Formação crítica, emancipatória e cidadã
Gestão democrática: transparência, participação,
autonomia, pluralismo e integração
Respeito à diversidade e à dignidade humana
Promoção da inclusão
Inovação
Sustentabilidade econômica e socioambiental
31
Ainda de acordo com a lei supracitada, o Instituto Federal de Brasília tem os seguintes
objetivos:
I. ministrar educação profissional técnica de nível médio;
II. ministrar cursos de formação inicial e continuada de trabalhadores, objetivando a
capacitação, o aperfeiçoamento, a especialização e a atualização de profissionais, em todos os
níveis de escolaridade;
III. realizar pesquisas aplicadas, estimulando o desenvolvimento de soluções técnicas e
tecnológicas, estendendo seus benefícios à comunidade;
IV. desenvolver atividades de extensão de acordo com os princípios e finalidades da educação
profissional e tecnológica, em articulação com o mundo do trabalho e os segmentos sociais, e
com ênfase na produção, desenvolvimento e difusão de conhecimentos científicos e
tecnológicos;
V. estimular e apoiar processos educativos que levem à geração de trabalho e renda e à
emancipação do cidadão na perspectiva do desenvolvimento socioeconômico local e regional;
VI. ministrar em nível de educação superior: cursos superiores de tecnologia visando à
formação de profissionais para os diferentes setores da economia;
VII. cursos de licenciatura, bem como programas especiais de formação pedagógica, com
vistas na formação de professores para a educação básica, sobretudo nas áreas de ciências e
matemática, e para a educação profissional;
VIII. cursos de bacharelado e engenharia, visando à formação de profissionais para os
diferentes setores da economia e áreas do conhecimento;
IX. cursos de pós-graduação lato sensu de aperfeiçoamento; e
X. cursos de pós-graduação stricto sensu de mestrado e doutorado, que contribuam para
promover o estabelecimento de bases sólidas em educação, ciência e tecnologia, com vistas
no processo de geração e inovação tecnológica.
Os componentes legais são o ponto de partida para traçar o foco de atuação das
instituições e representam especialmente os objetivos de atuação. Não é intenção desta
abordagem discutir a implementação da Lei nº 11.892 no âmbito do IFB, mas é importante
traçar algumas reflexões gerais. A associação de teoria e prática compõe possibilidades e
desafios para a real concretização de quaisquer proposta de intervenção, e os documentos
32
normativos se confrontam com apropriações diversas, constrangimentos específicos e, no
caso, reformulações organizacionais na medida em que o IFB integra uma série de
instituições pré-existentes com suas próprias culturas organizacionais. Tudo isto coloca
desafios à concretização dos objetivos, ou seja, a prática não é, e nem nunca seria, uma
operacionalização linear das boas intenções derramadas em textos legislativos.
A prática profissional como um todo perpassa uma série de interesses políticos. A
disputa de poder simula apenas um dos tantos desafios para a aplicabilidade das leis. Cabe ao
IFB, como representante institucional da educação profissional e tecnológica, investir em
estratégias democráticas de intervenção que provoquem contrapontos para a realidade em
foco. Na visão de unidade entre teoria e prática, o produto das relações é constantemente
questionado. Essa relação não é direta nem imediata, fazendo-se através de um processo
complexo, no qual algumas vezes se passa da prática à teoria e outras desta à prática
(Vasquez, 1977).
Ainda que a visão freireana da educação possa corroborar com mudanças efetivas,
partindo-se do desejo de buscar novas formas de relacionamento entre estas duas dimensões
da realidade (teorica-prática), acredita-se que o desenvolvimento socioeconômico somente é
possível por meio de processos educativos que incentivem a emancipação do sujeito. Estas
possibilidades viram realidade a partir da busca e tratamento de alternativas na
implementação da prática educacional, como na gestão de projetos de intervenção na
realidade local (desde o planejamento, execução até a avaliação do projeto).
No que concerne a esta dissertação, pode-se afirmar que o curso de Alfabetização e
Letramento se relaciona com os objetivos do IFB, especialmente com os incisos quarto e
quinto, os quais representam o estreitamento da instituição com a política de cidadania. Para
uma melhor visualização da implementação do curso, a seguir discutiremos a caracterização
do Campus Taguatinga Centro, cenário desta pesquisa.
4.1 Perfil do Campus Taguatinga Centro
O Campus Taguatinga Centro nasceu com a divisão do Campus Taguatinga. Criado
em agosto de 2011 durante a terceira etapa de expansão da Rede Federal de Educação
Profissional e Tecnológica, o campus iniciou suas atividades nesse período em um espaço
33
urbano da região administrativa de Taguatinga, a qual fica localizada a 30 quilômetros da
região central de Brasília.
A primeira diretora-geral do Campus Taguatinga Centro, Bibiani Borges Dias, conta
que o campus foi criado com a atribuição de ser o Centro Nacional de Referência do
Programa Mulheres Mil. Nesse contexto, foi ali que o Instituto Federal de Brasília realizou a
primeira capacitação do Mulheres Mil. O IFB, por meio do Campus Taguatinga Centro,
cumpriu a função de começar a formação de agentes de disseminação do Programa Mulheres
Mil.
A diretora-geral destacou o Projeto Brinquedoteca Crianças Mil como contribuição
importante do campus para o Programa Mulheres Mil no IFB. A experiência foi criada em
2011 e desde então o campus oferece um espaço com atividades lúdicas e pedagógicas,
orientadas por monitoras, para os filhos das estudantes do Programa. A experiência é
fundamental para garantir que as alunas mães não abandonem as salas de aula.
Além da concretização do Programa Mulheres Mil, a unidade ainda oferece cursos de
Formação Inicial e Continuada (FIC) em Inglês, Espanhol, Alfabetização e Letramento,
Fotografia, Violão, além de outros que são criados semestralmente; o curso Técnico em
Comércio; Licenciatura em Letras com habilitação em Espanhol; Curso Superior de
Tecnologia em Processos Gerenciais e pós-graduação Lato Sensu em Gestão Pública. Na
modalidade de Educação a Distância (EAD) são oferecidos cursos específicos e exclusivos
para servidores do Governo do Distrito Federal (GDF), por meio do Profuncionário, na
modalidade a distância. O Campus Taguatinga Centro administra, ainda, dois polos de
Educação à Distância que oferta cursos técnicos para toda a comunidade, a saber: Recantos
das Emas e C4. Atualmente a unidade conta com 488 alunos regulares no ensino presencial e
1248 alunos no ensino à distância17
. Abaixo podemos visualizar o organograma definido para
os campi Gama, Riacho Fundo, São Sebastião, Samambaia, Taguatinga e Taguatinga Centro:
17
O quantitativo de alunos matriculados foi confirmado pelo Registro Acadêmico do campus, levando-se em
consideração os cancelamentos de matrículas efetuados até o dia 19 de abril de 2016.
34
Fonte: Plano de Desenvolvimento Institucional do IFB (2014-2018)
4.1.1 Programa Mulheres Mil
O Programa é decorrente da Cooperação Internacional Brasil-Canadá – Promoção de
Intercâmbio de Conhecimento para Promoção da Equidade (PIPE). Iniciada em abril de 2007,
as ações tiveram como financiadores e executores, por parte do Brasil, a Agência Brasileira
de Cooperação (ABC), o Ministério da Educação, representado pela Secretaria de Educação
Profissional e Tecnológica, a Rede Norte-Nordeste de Educação Tecnológica; por parte do
Canadá, a Associação das Faculdades Comunitárias Canadenses (ACCC), a Canadian
International Development Agency (CIDA) e os Colleges Canadenses.
O Sistema de Acesso, Permanência e Êxito implantado nos 13 Institutos Federais, em
parceria com a ACCC, foi concebido e estruturado a partir dos conhecimentos desenvolvidos
pelos Community Colleges canadenses em suas experiências de promoção da equidade, de
atendimento às populações desfavorecidas e do desenvolvimento e aplicação do Sistema de
Avaliação e Reconhecimento de Aprendizagem Prévia (ARAP).
No caso brasileiro, o Sistema foi adaptado a nossa realidade e teve seu escopo
ampliado, prevendo a sistematização de um plano educacional que possibilita a elevação da
escolaridade com cursos de formação profissional na modalidade de educação de jovens e
35
adultos, integrados ao Ensino Fundamental e/ou ao Médio. O impacto esperado e alcançado
foi o de que a formação contribuísse para que essas populações desenvolvessem sua
autonomia e exercessem, de forma plena, sua cidadania.
O Programa Mulheres Mil tem como objetivo oferecer as bases de uma política social
de inclusão e gênero a mulheres em situação de vulnerabilidade social. Foi implantado
inicialmente como projeto-piloto em 13 estados das regiões norte e nordeste do país. Desde
então, cerca de 1,2 mil mulheres foram beneficiadas com cursos profissionalizantes em áreas
como turismo e hospitalidade, gastronomia, artesanato, confecção e processamento de
alimentos.
Desde a promulgação da Portaria nº 1.015, de 21 de julho de 2011, o Programa
Mulheres Mil está instituído em nível nacional como uma das ações do Plano Brasil sem
Miséria. Sua implementação visa a formação profissional e tecnológica articulada com
elevação de escolaridade de mulheres em situação de vulnerabilidade social. Oferece
formação estruturada em três eixos: educação, cidadania e desenvolvimento.
De acordo com o Portal do Ministério da Educação (MEC), o Programa Mulheres Mil
está inserido no conjunto de prioridade públicas do Governo do Brasil, especialmente nos
eixos promoção da equidade, igualdade entre sexos, combate à violência contra mulher e
acesso à educação. O programa também contribuiu para o alcance das Metas do Milênio,
promulgada pela ONU em 2000 e aprovada por 191 países. Entre as metas estabelecidas
estão a erradicação da extrema pobreza e da fome, promoção da igualdade entre os sexos e
autonomia das mulheres e garantia da sustentabilidade ambiental. O Programa Mulheres Mil
tem como objetivo oferecer as bases de uma política social de inclusão e gênero, mulheres em
situação de vulnerabilidade social têm acesso à educação a educação profissional, emprego e
renda.
Para tanto, o Programa Mulheres Mil utiliza a Metodologia Específica de Acesso,
Permanência e Êxito que privilegia temas transversais para a formação cidadã, tais como:
elevação da autoestima, saúde, direitos e deveres da mulher, comportamento sustentável,
cooperativismo, inclusão digital, empreendedorismo e responsabilidade ambiental,
promovendo a inclusão produtiva, a mobilidade no mercado de trabalho e o pleno exercício
da cidadania.
36
A elaboração do currículo, para atender, além da elevação da escolaridade, à formação
profissional, procurou integrar o conteúdo curricular central às necessidades de qualificação e
geração de renda, respeitando e considerando o conhecimento previamente adquirido pelas
alunas. Foi objetivo de o Programa Mulheres Mil levar as mulheres a alcançar pelo menos o
Proeja Fundamental; no entanto, a elevação de escolaridade foi considerada prioridade e será
fomentada, preparando as alunas do Programa a seguir seus estudos, sejam eles técnicos ou
tecnológicos.
Especialmente neste momento de ressignificação do ensino agrícola nos Institutos
Federais de Educação, Ciência e Tecnologia, há uma demanda premente por atendimento e
oferta de formação emancipatória e geradora de autonomia, que atenda às características e
especificidades locais e regionais, que ofereça subsídios suficientes para que o pensar e o agir
favoreçam as tomadas de decisão com maior probabilidade de sucesso. Considerando esta
experiência, entende-se que tanto a educação profissional urbana como a agrícola devem
assim contemplar a conexão da teoria com a prática, dando ênfase ao saber fazer,
reconhecendo assim o conhecimento prévio de trabalhadores e trabalhadoras, de modo a
promover uma formação socialmente valorizada.
Considerando a realidade das educandas, há de se perceber que elas já possuem
experiências e saberes adquiridos ao longo da vida, os quais serão reconhecidos e
aperfeiçoados na formação em que estão inseridas. Muitas já desenvolvem atividades
profissionais para sua subsistência; outras estão desempregadas ou em subemprego.
Este reconhecimento visa o resgate de aprendizagens adquiridas ao longo da vida das
mulheres, as quais normalmente não são identificadas no sistema formal de ensino. A
valorização dos saberes em cada uma de suas etapas de vida contribui não só para os
Institutos, mas, para toda instituição que esteja incluída no Programa Mulheres Mil uma
oportunidade extraordinária de estabelecer um diálogo com as diversidades, integrando o
conhecimento acadêmico ao itinerário formativo dessas mulheres e das populações não
tradicionais.
Assim, os cursos FIC são ofertados em atendimento à demanda urbana e rural, com
suas respectivas especificidades, com o objetivo de melhorar as condições de trabalho e
qualidade de vida no local onde a população-alvo se encontra. Os cursos FIC são preparados
após o levantamento diagnóstico, observando-se as curvas e famílias ocupacionais, as ofertas
37
das instituições, procurando sempre propiciar o acesso às tecnologias geradas e desenvolvidas
naquela instituição à população feminina em foco. Devem seguir a regulamentação,
observando-se o mínimo de 160 horas cada.
Os cursos de alfabetização são ofertados por meio de parcerias com as Secretarias
Municipais de Educação e os programas de alfabetização disponíveis, tais como Brasil
Alfabetizado e outros, estruturados por meio de cursos de qualificação, integrando-os à carga
horária do módulo educacional central, ou por meio da modalidade de Proeja Fundamental,
considerando a realidade de turmas multisseriadas, que poderão solicitar este processo de
alfabetização associado à profissionalização.
O público-alvo são então mulheres de baixa renda, melhorando as condições de vida
em que elas e suas famílias vivem. Por meio dos cursos ligados ao programa Mulheres Mil,
as alunas têm aulas ligadas ao seu dia-a-dia (como português, matemática, saúde, meio
ambiente, cidadania e direitos da mulher) e aulas profissionalizantes (as quais variam de
acordo com o curso oferecido).
O diagnóstico do público-alvo da Cidade Estrutural18
detectou que muitas das
interessadas nos cursos não sabiam ler e escrever. Com o propósito de dar esta oportunidade
de estudo, a Coordenação do Programa Mulheres Mil do Campus Taguatinga Centro, no ano
de 2012, organizou uma turma de Alfabetização e Letramento, associada aos cursos de
Empreendedorismo e Técnicas de Secretariado, cursos estes organizados justamente para esta
comunidade.
Este formato foi implementado até o final de 2013. No início de 2014, o Ministério do
Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS) e o MEC firmaram parceria para integrar
o Programa Mulheres Mil ao Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego no
âmbito do Plano Brasil Sem Miséria (Pronatec/BSM). A Portaria MEC nº 168/2013, que
dispõe sobre a oferta da Bolsa-Formação no âmbito do Programa Nacional de Acesso ao
18
A Cidade Estrutural é um bairro pobre no Distrito Federal, conhecida como uma das centenas de favelas
brasileiras que teve como cerne de sua formação dois fatores que desestruturam a nossa sociedade: a péssima
distribuição de renda e a falta de políticas públicas eficazes que gerem emprego nas regiões menos favorecidas
do Brasil. Foi ocupada inicialmente por imigrantes que buscavam no lixo uma fonte de renda, os quais se
estabeleceram no chamado “Lixão”, com moradias precárias e irregulares. É considerada uma Região
Administrativa urbana e ainda não consolidada, em razão da forma como surgiu e daí as dificuldades fundiárias
a serem equacionadas. A classe média brasiliense a consideram massa de manobra política, por ter sido alvo de
distribuição em massa de lotes semi-urbanizados, incentivando a forte migração de pessoas de baixa renda à
capital federal na década de 1990. Disponível em http://pbarca.blogspot.com.br/p/historia-da-cidade-
estrutural.html. Acesso em abril de 2016.
38
Ensino Técnico e Emprego – Pronatec, estabelece em seu artigo 5°, § 3º: “ Os Programas de
Educação Profissional e Tecnológica (EPT) desenvolvidos no âmbito da Rede Federal de EPT
e articulados à oferta de cursos de Formação Inicial e Continuada (FIC) poderão ser
desenvolvidos por intermédio da Bolsa-Formação Trabalhador, conforme critérios, diretrizes
e procedimentos definidos em ato do Secretário da Secretaria de Educação Profissional e
Tecnológica (SETEC/MEC)”.
Com essa integração, o ingresso de mulheres analfabetas no Programa se tornou
inviável, tendo em vista o ensino fundamental incompleto ser a escolaridade mínima exigida
nos cursos ofertados do catálogo nacional. A partir de então surgiu a proposta de implementar
um curso que privilegiasse aspectos da Metodologia de Acesso, Permanência e Êxito,
estabelecendo uma ponte com o que já havia sido construído no Programa Mulheres Mil e o
novo planejamento de curso que seria construído a partir dessa decisão governamental.
É importante esclarecer que o Programa Mulheres não está sendo implementado
atualmente no IFB. De acordo com a Coordenação de Relações Institucionais e Articulação
com a Sociedade (CDAS) da PREX, devido a crise política vivenciada no país não foi
possível a pactuação de vagas com o MEC para este ano, impactando diretamente na oferta
de cursos do PRONATEC.
Em 2015, no entanto, este Programa foi ofertado em dois campi do IFB. No Campus
Planaltina foram ofertadas 40 vagas para a modalidade19
Mulheres Mil, destas, 20 vagas
foram para o curso de Preparador de Doces e Conservas e 20 para o curso Produtor de Frutas,
Hortaliças e Plantas Aromáticas Processadas para Secagem e Desidratação. Já o Campus
Taguatinga Centro ofertou 20 vagas para a modalidade Mulheres Mil, no curso de Artesão de
Biojoias.
4.1.2 Curso “Alfabetização e Letramento: emancipação feminina pela construção da
cidadania”
No primeiro semestre de 2014 foi então inaugurado o curso de “Alfabetização e
Letramento: emancipação feminina pela construção da cidadania” no Campus Taguatinga
19
Em 2015 foram executadas 410 vagas do PRONATEC no IFB, distribuídas em 13 cursos e 4 modalidades
(Mulheres Mil, População em situação de Rua, PRONATEC Campo e PRONATEC Servidor) em 3 Campi –
Gama, Planaltina e Taguatinga Centro. Utilizamos aqui “modalidade” única e exclusivamente para o Programa
Mulheres Mil.
39
Centro. A ideia do projeto surgiu da própria demanda das mulheres advindas do Programa
Mulheres Mil, com baixa escolaridade e sem condições efetivas de ingressar nos cursos
profissionalizantes ofertados na unidade.
Em 2015 a coordenação do curso optou por transformar o projeto em curso FIC,
assim, as mulheres poderiam participar dos programas ofertados pela Assistência Estudantil,
retirar livros da biblioteca e solicitar o passe estudantil para se deslocarem até o campus. Para
a formalização do curso junto à coordenação pedagógica da unidade foi elaborado um projeto
pedagógico, o qual foi responsável por reunir propostas de ação concreta durante sua
execução, como também definir e organizar as atividades necessárias ao processo de ensino e
aprendizagem das estudantes.
De acordo com a proposta do curso este destinava-se a pessoas20
em situação de risco
e/ou vulnerabilidade socioeconômica, advindas de regiões administrativas pouco subsistidas
de equipamentos sociais e serviços de interesse público. O perfil etário estaria entre 18 e 80
anos, para pessoas excluídas do mercado de trabalho ou em situação de subemprego.
Desejava-se contemplar mulheres oriundas de família extensas e, principalmente, excluídas
da política nacional de educacional como um todo.
O padrão de ingresso nos cursos FIC no IFB é por meio de sorteio eletrônico das
vagas. Em regime de exceção, no segundo semestre de 2015, a forma de ingresso destes
cursos foi por chamada pública; as matrículas foram realizadas de acordo com a ordem de
chegada, em razão da manutenção do sistema de gestão de processos seletivos do IFB à época
do referido processo seletivo.
Tinha como objetivo geral proporcionar espaços de incentivo ao conhecimento, à
cultura e à inovação gerados no Instituto Federal de Brasília e como objetivos específicos:
atender às especificidades das mulheres integrantes, tais como: aspectos educacionais,
culturais, psicossociais; viabilizar a elevação de escolaridade da comunidade feminina do
Distrito Federal e assegurar a democratização do conhecimento acadêmico e popular.
20
De acordo com Brasil (2014): tendo em vista a especificidade do público, as turmas serão exclusivas, ou seja,
formadas unicamente pelas mulheres em situação de extrema pobreza, a fim de garantir uma melhor integração
das alunas nos cursos, a permanência e o êxito em todo o processo de formação e qualificação profissional.
Apesar das mulheres serem o público-alvo do curso, a Direção de Ensino, Pesquisa e Extensão do Campus
Taguatinga Centro solicitou a abrangência da oferta do curso para todos os gêneros, para evitar uma possível
alegação de discriminação.
40
A formação de estudantes neste curso objetiva certificar uma egressa que seja capaz
de fazer uso proficiente das formas sociais de leitura e escrita para aplicá-las no seu cotidiano
de vida e de trabalho; proceder cálculos lógicos básicos e aplicá-los produtivamente no seu
cotidiano de trabalho; demonstrar conscientização quanto aos princípios éticos para a
cidadania; empoderar-se quanto aos direitos de mulheres; manusear com facilidade os
recursos tecnológicos básicos da contemporaneidade; manifestar atitudes empreendedoras no
mundo do trabalho; desempenhar suas atividades comunicando-se de forma clara, eficiente e
eficaz de modo a favorecer o trabalho em equipe e a qualidade no serviço prestado
respondendo com dinamismo e responsabilidade aos desafios da sua profissão; proporcionar
o empreendedorismo de ações produtivas e sustentáveis com capacidade de iniciativa e
planejamento; capacitar para correr riscos calculados nas ações empreendidas.
Em 2015 o curso de Alfabetização e Letramento teve dois inícios, um em cada
semestre. Isso porque foram previstas diferentes disciplinas além do foco principal do curso,
Alfabetização e Letramento. No primeiro semestre foram ministradas quatro disciplinas, a
saber: Educação Financeira, Direitos Humanos e Cidadania, Oficinas e Visitas Técnicas e
Alfabetização e Letramento. As aulas aconteciam três vezes por semanas. A carga horária
total do curso era de 200 horas/aula, sendo que a carga horária diária era de 3h e a semanal de
9h.
Já no segundo semestre foram ministradas três disciplinas. Além de Alfabetização e
Letramento, as estudantes tiveram aulas de Noções de Informática e Língua Brasileira de
Sinais (Libras). No entanto, como não havia professores disponíveis para ministrar as aulas, a
coordenação do curso articulou esta possibilidade com colegas dispostos a colaborar, e que
tinham disponibilidade para atuar nos horários do curso. O ‘professor’ de Informática é
Técnico em Audiovisual da instituição e o ‘professor’ de Libras era intérprete de Libras do
IFB até início de 2016. Como não tinham acesso aos diários de classe, estas disciplinas
ficaram a cargo da professora de Alfabetização e Letramento, intitulada como “Oficinas e
Visitas Técnicas”. As aulas continuaram a acontecer três vezes por semana, com a carga
horária total de 240horas/aulas, 40 horas a mais que no semestre anterior, devido a um maior
volume de conteúdo ministrado.
O projeto pedagógico do curso foi elaborado de acordo com a realidade da
comunidade atendida, em perspectiva do universo de mulheres. Mesmo que o foco principal
41
do curso seja apresentar a leitura e a escrita, estas ferramentas não se fazem soltas do mundo
em que estas mulheres vivem. Para além da elevação da escolaridade, o curso celebra o
resgate da autoestima, incluindo o processo de escolha das próprias mulheres integrantes do
curso. Noções de informática e Libras, por exemplo, foram as temáticas mais cotadas. As
aulas foram organizadas em módulos sequenciais, progressivos e flexíveis, estruturados de
forma a abarcar vários níveis de conhecimento, incluindo-se aí os saberes mais abrangentes,
novos conhecimentos e conceitos relevantes na atualidade que permitem visão ampla do
processo produtivo e dos avanços e conhecimentos culturais, científicos e tecnológicos que
possibilitam a inserção e intervenção na sociedade contemporânea:
A qualificação e formação podem, assim, ser realizadas em módulos, respeitando-se
os diferentes tempos e espaços. Uma educação que intencionalmente crie sintonias e
articulações com as políticas públicas de aumento de escolaridade para jovens e
adultos, para que os paradigmas de trabalho e de cidadania sirvam de referência para
esse processo (Manfredi, 2006, p. 33).
O cronograma das aulas foi planejado para facilitar o processo de ensino-
aprendizagem das mulheres (vide apêndice C). Muitas delas, sem nenhuma inserção prévia de
escolaridade ou com um lapso temporal significativo, apresentavam necessidade de lerem e
escreverem com intensidade. Comentavam isso com frequência. Por isso as aulas de
Alfabetização e Letramento foram as primeiras da grade do curso nos dois semestres, para
depois então serem introduzidas outras disciplinas.
4.2 A Política de Assistência Estudantil no Instituto Federal de Brasília (IFB)
A Política de Assistência Estudantil (PAE) do Instituto Federal de Educação, Ciência e
Tecnologia de Brasília (IFB) é um conjunto de princípios e diretrizes que norteiam a
implantação de ações visando a promoção do acesso, da permanência e do êxito dos
estudantes na perspectiva de inclusão social, produção de conhecimento, melhoria do
desempenho escolar e da qualidade de vida21
.
21
Vide Resolução nº 14 de 2014, aprovada em reunião ordinária do Conselho Superior do Instituto Federal de
Brasília, o qual tem por finalidade colaborar para o aperfeiçoamento do processo educativo e administrativo em
conjunto com a comunidade interna e externa e zelar pela correta execução da política educacional da
Instituição. Acesso em novembro de 2015. Disponível em:
42
A Política de Assistência Estudantil, entre suas ações, contempla programas aos
estudantes que apresentam vulnerabilidade socioeconômica. Entre os programas disponíveis,
pode-se elencar:
I – Programas Universais:
a) Programa de Acompanhamento Social, Pedagógico e Psicológico;
b) Programa de Promoção da Saúde;
c) Programa de Incentivo à Cultura, Esporte e Lazer Discente.
II – Programas de promoção à permanência:
a) Auxílio Permanência Presencial;
b) Auxílio Permanência aos Estudantes da Educação a Distância;
c) Auxílio Moradia;
d) Residência Estudantil;
e) Auxílio Criança;
f) Auxílio ao Proeja;
g) Auxílio ao Integrado.
III – Programa de incentivo ao desenvolvimento acadêmico:
a) Programa de Monitoria;
b) Programa de Desenvolvimento Técnico Científico.
Em 2015 a Assistência Estudantil do IFB contemplou 3.023 estudantes entre os
programas disponíveis. No programa de maior alcance quantitativo, o Auxílio Permanência
Presencial, 1487 estudantes foram atendidos22
.
A maioria das mulheres do curso de Alfabetização e Letramento são beneficiárias do
supracitado programa, como será verificado na análise de dados. No primeiro semestre de
http://www.ifb.edu.br/attachments/article/6397/POL%C3%8DTICA%20DE%20ASSIST%C3%8ANCIA%20ES
TUDANTIL333.pdf. 22
Estes dados se referem a uma pesquisa solicitada pelo MEC, em vista de acompanhar o quantitativo de
benefícios sociais concedidos anualmente pelo IFB. Estas informações colaboram para o Módulo de
Acompanhamento Orçamentário do Sistema Integrado de Monitoramento, Execução e Controle do Ministério
da Educação (SIMEC).
43
2014, quase todas eram beneficiárias do Auxílio Criança também, mas no segundo semestre
de 2015 apenas uma estudante foi contemplada, porque foi a única que conseguiu ler a notícia
no site da instituição23
. Para um melhor vislumbre destes programas, a seguir eles são
conceituados.
4.2.1 Programa Auxílio Permanência Presencial
O Programa de Auxílio Permanência Presencial vinculado à Política de Assistência
Estudantil do IFB, visa proporcionar ao estudante que apresente alta ou moderada
vulnerabilidade, que interfira na sua permanência no Instituto, apoio financeiro para
manutenção de seus estudos, sob a forma de complementação das despesas para o
atendimento prioritário ao transporte, material didático e à alimentação.
Constituem objetivos deste programa minimizar as desigualdades vivenciadas pelos
estudantes em situação de vulnerabilidade socioeconômica para contribuir em sua
permanência e conclusão dos estudos no Instituto Federal de Brasília e contribuir para a
diminuição das taxas de retenção e evasão escolar.
São condições para a concessão de Auxílio Permanência Presencial: participar de
processo seletivo de Auxílio Permanência Presencial com as normas estabelecidas em Edital
e cumprir os critérios de seleção, permanência e renovação do programa conforme critérios
estabelecidos em edital.
E como critérios avaliados para concessão do auxílio: renda familiar per capita24
-
serão priorizadas famílias com menor índice de renda familiar, em escala crescente de ¼ (um
quarto) de salário-mínimo até o limite de 1 (um) salário-mínimo e meio per capita; ter
estudado em escola pública ou em caso de escola particular com bolsa integral; sobre o
grupo familiar: o número de dependentes com até 18 anos incompletos declarados no
formulário socioeconômico; local de moradia do estudante, com atenção aos residentes em
áreas mapeadas com alto índice de pobreza e no entorno do Distrito Federal; despesas da
família com aluguel ou com financiamento da casa própria; pessoas diagnosticadas com
doenças graves/crônicas e pessoas com deficiência; membros de famílias beneficiárias da
23
Explica-se este fato, muito possivelmente porque a maioria das estudantes não tem acesso a computador em
seus lares e poucas têm habilidades com tecnologias digitais.
24
A renda familiar per capita equivale à soma dos rendimentos recebidos no mês por todos que compõem a
família dividida pelo número dos integrantes da família.
44
seguridade social (exemplo: beneficiários do Programa Bolsa – Família e/ou que possuem
familiar que recebe Benefício de Prestação Continuada (BPC) e, ou apresente declaração
expedida pelo Centro de Referência de Assistência Social (CRAS) ou Centro de Referência
Especializado de Assistência Social (CREAS), atestando que recebem benefício social);
mulheres chefes de família, únicas responsáveis financeiras pela manutenção econômica da
família, que apresentarem autodeclaração e deverão participar de entrevista para avaliação da
situação com os/as assistentes sociais dos Campi; Pessoas negras, quilombolas, indígenas,
serão identificados por meio de autodeclaração do/a estudante e a certidão de nascimento,
participar também de entrevista para avaliação da situação com as assistentes sociais dos
Campi. Destaca-se ainda que no caso de ser estudante quilombola ou indígena deverá
apresentar uma declaração da comunidade pertencente; situação de trabalho dos responsáveis
e do Educando.
Vale destacar que os educandos são categorizados em três grupos. O Grupo I
apresenta sérios agravos para a sua manutenção enquanto estudante, com auxílios pagos no
valor de R$ 250,00 (duzentos e cinquenta) reais. O Grupo II apresenta agravos moderados,
com auxílios no valor de R$150,00 (cento e cinquenta) reais e o grupo III (não prioritário),
apresenta baixo ou nenhum agravo que comprometa a sua manutenção ou permanência.
Podem inscrever-se para este programa os estudantes do Instituto Federal de
Educação, Ciência e Tecnologia de Brasília, com matrícula e frequência regular, em cursos de
Formação Inicial e Continuada, que contemplem no mínimo 200h, do Ensino Técnico e de
Graduação do IFB.
4.2.2 Programa Auxílio Criança
O Programa de Auxílio Criança é destinado, exclusivamente, aos estudantes do
Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Brasília, com matrícula e frequência
regular, de cursos presenciais de Formação Inicial e Continuada, que contemple o mínimo
200h, do Ensino Técnico e de Graduação dos Campi, em situação de vulnerabilidade
socioeconômica e não tenham com quem deixar seus filhos com idade de 0 (zero) até 12
(doze) anos incompletos nos horários de aula.
Tem por objetivo identificar, selecionar e conceder Auxílio Criança aos estudantes que
tenham filhos em idade de 0 (zero) até 12 (doze) anos incompletos, que apresentem situação
45
de vulnerabilidade socioeconômica e não tenham com quem deixar seus filhos em casa, no
horário de aula, contribuindo para sua permanência na escola e evitando crianças nas salas de
aula e dependências dos Campi do IFB.
São critérios para participação: estar matriculado em cursos na modalidade presencial
de no mínimo 200 (duzentas) horas; ter renda familiar per capita de até 1,5 (um e meio)
salários-mínimos e ter filhos em idade de 0 (zero) até 12 (anos) incompletos, ou ser
responsável por eles.
A concessão do Auxílio Criança ocorre somente a um dos pais ou responsável legal,
quando ambos forem estudantes. O processo seletivo se dá por meio de análise
socioeconômica realizada pela Coordenação de Assistência Estudantil e Inclusão Social
conforme normas estabelecidas em edital. A inscrição do candidato para o Auxílio Criança
ocorre por meio do preenchimento do formulário socioeconômico, que está disponível no site
do Instituto Federal de Ciência e Tecnologia de Brasília. São critérios de classificação,
analisados nesta ordem de importância: menor renda por pessoa da família; maior idade; local
de residência (periferia ou zona rural); membro da família enfermo e/ou deficiente; turno
noturno do curso; E são critérios de desempate: maior número de filhos; menor idade dos
filhos e menor renda per capita.
Os outros programas não serão explanados porque não se relacionam diretamente aos
fatores de permanência das mulheres no curso (público-alvo), já que deles não participaram
até a conclusão desta dissertação. Com esse panorama pode ser verificado que a Política de
Assistência Estudantil no IFB apresenta medidas de apoio para minimizar os efeitos das
desigualdades sociais vivenciadas pelos estudantes. No que concerne o curso de
Alfabetização e Letramento, é um fator importante para a permanência das mulheres, como
será visto posteriormente.
4.3 Objetivos de pesquisa
Explanado o enquadramento institucional do curso donde provêm as mulheres que
protagonizam este trabalho importa pois esclarecer o recorte analítico para compreender os
seus percursos e vivências a montante e a jusante da frequência de um curso de Alfabetização
e Letramento. Este estudo parte de duas questões fundadoras: “Quais as principais facetas de
vida dessas mulheres?” motivando ao desbravamento da singularidade de suas histórias de
46
vida e “Que sentidos essas mulheres atribuem ao seu lugar no mundo, antes e depois de sua
inserção no curso de Alfabetização e Letramento?
Estas questões desdobram-se em em vários objetivos, almejando-se :
● Compreender o cenário familiar destas mulheres;
● Resgatar os caminhos percorridos na trajetória escolar;
● Identificar e caracterizar os obstáculos e constrangimentos à potencial
mudança promovida pela formação;
● Conhecer os principais sentidos atribuídos à sua vida depois da inserção no
curso.
Procurou-se com este estudo, adicionalmente, que os relatos dessas mulheres
promovessem múltiplas ressignificações de vida, refazendo suas memórias e trajetórias de
uma forma majoritariamente positiva. Uma escuta que humaniza a relação com o sujeito de
pesquisa e ainda possibilita um caminho metodológico comprometido e engajado, como será
visto a seguir.
47
Capítulo 5 - Procedimentos Metodológicos
5.1 Plano de Investigação
É na história de vida enquanto técnica de pesquisa que se inspira a abordagem
metodológica desta dissertação e como estratégia analítica apelamos à ideia do retrato
sociológico (Lahire, 2004). Este é um método que tem como principal característica a
preocupação com o vínculo entre a pesquisadora e sujeito. Haguette (2007) sugere que “o
método de história de vida, dentro da metodologia de abordagem biográfica, relaciona duas
perspectivas metodológicas intimamente, podendo ser aproveitado como documento ou como
técnica de captação de dados. Acrescentamos, nas duas perspectivas, a produção de sentido –
importante proposta da aplicação deste método.”
O levantamento de histórias serve como testemunhos presentes de um tempo que não
existe mais a não ser na memória oral de seus sujeitos. É uma forma de fixar
momentos fundamentais de uma história comum. Dentro de algum tempo se teria um
acervo de histórias que, no fundo, fariam parte viva da História da área (Freire e
Macedo, 2011, p. 46).
Gaulejac (2005) aponta que “o objetivo do método da história de vida é ter acesso a
uma realidade que ultrapassa o narrador.” “Isto é, por meio da história de vida contada da
maneira que é própria do sujeito, tentamos compreender o universo do qual ele faz parte. Isto
nos mostra a faceta do mundo subjetivo em relação permanente e simultânea com os fatos
sociais” (Barros e Silva, 2002).
É importante observar que este trabalho de pesquisa não tem como intenção principal
a representatividade da amostra ou dos resultados. É um exemplo de estudo com um grupo
vulnerável da sociedade, com dupla indicação de discriminação (gênero e escolaridade); além
disso, fazendo perguntas específicas às participantes, foi possível perceber o universo da
alfabetização e letramento com mais propriedade acadêmica. As dificuldades de acesso e a
falta de pesquisas anteriores das quais parti “foram importantes justificativas para usar
métodos qualitativos neste estudo” (Flick, 2009, p. 72).
E mais, a experiência de relatar sua história de vida oferece àquele que a conta uma
oportunidade de (re) experimentá-la, ressignificando sua vida – o que implica numa dimensão
ética do estudo, trazendo uma contribuição que consideramos essencial – como acabamos de
48
ressaltar mais acima. De acordo com Nogueira (2004), “a história de vida propõe uma escuta
comprometida, engajada e participativa. Podemos apontar a dimensão terapêutica
proporcionada pela história de vida. Ao construir o texto, a narrativa de sua vida, o sujeito se
reconstrói.”
Thomson et al (2002, p. 3) recorre à idéia que o estudo de trajetórias permite
diferenciar duas formas de chegarmos aos pontos de transição e/ou viragem:
Buscando nelas os momentos significativos e significantes para os sujeitos: os
momentos que decorrem da narrativa de forma implícita e explicita. Entre ambos está
a distância do modo potencialmente consciente e reflexivo com que os sujeitos lidam
e expõem a sua trajectória e os momentos que reconhecem ou não como marcantes.
Por outro lado, o estímulo da narração pode constituir à posteriori um espaço de
reflexão que organize uma determinada narrativa em torno de episódios ou nós
narrativos até então nunca pensados dessa forma. A narrativa de uma determinada
trajetória e os seus episódios, objetivos, avanços e recuos, é reconstruída consoante o
ponto de vista do narrador ou do local onde se encontra.
Como se afirmou anteriormente, a metodologia escolhida inspira-se nas histórias de
vida, mas conhece os limites de análise ao qual se propõe e do contexto de pesquisa de que
foi possível usufruir (temporalidades e recursos). Deste modo, referir as potencialidades da
técnica serviu para apelar ao sentido de que no caso desta pesquisa, não se propõe uma
análise ao mínimo detalhe de um percurso de vida, mas tenta-se antes um decantar de
dimensões e aspectos que concorrem para os argumentos que se pretendem desenvolver e
discutir.
Foram solicitadas às informantes suas anuências em participarem da pesquisa, bem
como para utilização do gravador25
. Compreendido que não haveria necessidade do TCLE de
forma escrita, permitindo uma relação minimamente burocrática com as mulheres, na hora
das entrevistas o termo foi colocado de forma oral. Ferreira (2014) dispõe que:
A entrevista já não é necessariamente concebida como uma técnica neutra,
estandardizada e impessoal de recolha de informação, mas como resultado de uma
composição (social e discursiva) a duas (por vezes mais) vozes, em diálogo recíproco
a partir das posições que ambos os interlocutores ocupam na situação específica de
25
A utilização do gravador marca a relação de entrevista entre sujeito e pesquisador. De acordo com Ferreira
(2014, p. 5), não só pela sua presença no decorrer de toda a interação verbal, implicando a seu registro áudio,
mas também porque a sua manipulação através do ato de ligar e desligar acaba por contribuir para a definição do
princípio e do fim do tempo da entrevista.
49
entrevista (de interrogador e de respondente), dando lugar a um campo de
possibilidade de improvisação substancialmente alargado quer nas questões
levantadas, quer nas respostas dadas, sendo de evitar uma excessiva burocratização do
ato.
É a proposta que o supracitado autor chama de ‘entrevista compreensiva’, em que a
improvisação é utilizada a bons termos de diálogo, permitindo o desenrolar das narrações de
forma mais fluida, mas também controlada, informada e preparada. Na relação de
cumplicidade entre pesquisadores e sujeitos pesquisados encontra-se a possibilidade daquele
que narra sua história experimentar uma ressignificação de seu percurso e dar continuação à
construção de um sentido frente a este relato endereçado.
A amostragem escolhida foi de caso único, a qual Guerra (2006) conceitua como “a
escolha de uma pessoa, situação ou local para fazer uma análise intensiva.” Neste caso o
cenário de pesquisa foi o curso de Alfabetização e Letramento implementado no Campus
Taguatinga Centro/IFB. Após a identificação dos perfis, percebeu-se que a intencionalidade
da pesquisa era de reconhecer as singularidades que permeavam as vidas de algumas
mulheres do curso, singularidades estas que acabam por provocar o clímax social das
histórias, quer evoquem sua individuação para o mundo, quer evoquem o mundo à sua
individuação.
5.2 Características dos sujeitos de pesquisa
Verificou-se, através do convívio com as participantes no curso, que a trajetória de
vida dessas mulheres é caracterizada por dificuldades notórias em seu ambiente de trabalho e
familiar, desde a criação da prole até as condições de trabalho degradantes, o que pode
influenciar em suas possibilidades de inserção educacional.
Todas estudantes matriculadas no segundo semestre de 2015, no total 45 estudantes,
foram convidadas a participar desta pesquisa por meio de uma entrevista sobre sua trajetória
de vida. As entrevistas foram realizadas em novembro e dezembro de 2015, cada qual com
duração média de 90 minutos. Foram analisadas seis histórias de vida, escolhidas a partir do
consentimento das mulheres participantes da pesquisa. Por meio de uma reunião de grupo,
apresentou-se a proposta da pesquisa, colocando em voga seus objetivos.
50
A partir da sinalização do interesse, a priori, o critério científico de escolha foi a
participação anterior no Programa Mulheres Mil26
. Além de analisar o impacto do curso de
Alfabetização e Letramento em suas vidas, assim seria possível perceber suas impressões em
relação ao programa federal e possíveis semelhanças e diferenças de percurso formativo27
.
No entanto, uma das mulheres que consentiu em participar da entrevista não havia
participado do Programa Mulheres Mil. Consideramos, então, a importância do seu relato
para a investigação da pesquisa, dado o observado impacto do curso de Alfabetização e
Letramento em sua vida (a notoriedade do seu relato reforçou esta escolha). Ela, assim como
as outras mulheres entrevistadas, foram protagonistas deste processo, considerado seu papel
central para implementar o curso de Alfabetização e Letramento do Campus Taguatinga
Centro/IFB.
5.3 Instrumentos de Recolha de Dados
Para responder às questões investigativas desta dissertação, optamos pela utilização
de entrevistas semi-estruturadas, a fim de se aproximar mais de uma conversação focada em
determinados assuntos, do que de uma entrevista formal, muito diretiva. Baseia-se, pois, em
um guião flexível e adaptado de acordo com os objetivos de pesquisa.
O campo das ciências humanas utiliza a entrevista para conhecer situações problema
de uma forma mais profunda. Serviço Social, Psicologia, Educação social, Mediação
Cultural, entre outras profissões de intervenção social, costumam frequentemente utilizar esta
técnica de pesquisa:
Entrevista, tomada no sentido amplo de comunicação verbal, e no sentido restrito de
coleta de informações sobre determinado tema científico, é a estratégia mais usada no
processo de trabalho de campo. Ela tem o objetivo de construir informações
26
O curso de Alfabetização e Letramento do Campus Taguatinga Centro/IFB teve seu início a partir de março de
2014. No entanto, a trajetória histórica que colaborou para sua implementação é ainda mais remota, quando o
Programa Mulheres Mil ainda existia em seu formato inicial, como curso de referência na área de inserção
social (inclusive algumas estudantes do curso de Alfabetização e Letramento já participavam do formato
Mulheres Mil). Quando o Programa foi inserido no Bolsa-Formação do PRONATEC (Programa Nacional de
Acesso ao Ensino Técnico e Emprego), os procedimentos metodológicos do programa foram prejudicados,
anulando a possibilidade de matrícula de mulheres analfabetas. A partir desta decisão, Clarice Barbosa Vieira,
Kamilla Fernanda da Costa Queiroz e Valdinéa Maria Silva Carvalho, servidoras do Departamento de Ensino,
Pesquisa e Extensão (DREPE), formularam o curso supracitado, com o objetivo de suscitar a elevação de
escolaridade aliada ao engajamento para o mercado de trabalho.
51
pertinentes para um objeto de pesquisa, sendo abordado pelo entrevistador. (Minayo,
2010)
As entrevistas foram quase todas realizadas em ambiente institucional, na sala de
atendimento da Assistência Estudantil do Campus Taguatinga Centro, IFB. Somente a
primeira entrevista foi realizada na casa da entrevistada, na Cidade Estrutural, porque a
própria se sentiu assim mais à vontade. Aconteceram alguns inconvenientes, como
interrupção demasiada de vizinhos, mas foi também a entrevista mais rica em detalhes. Como
expõe Ferreira (2014, p. 5):
A entrevista se configura em um encontro localizado no tempo e no espaço de forma
explícita, através de marcadores claros que o separam de outras ocasiões quotidianas
caracterizadas pela rotina e pela informalidade; um encontro formalizado, sempre
pretendido e solicitado pelo entrevistador, e cujo modelo de interação reconhecido
como adequado é baseado num diálogo estruturado em termos de relação de
inquirição, modelada segundo uma sequência de pergunta/resposta que identifica
claramente os papéis sociais dos intervenientes: ao entrevistador cabe fazer perguntas
sobre os tópicos que lhe interessam e ao entrevistado dar respostas às questões
definidas pelo primeiro.
Considera-se que a verdade e a integridade são aspectos fundamentais para o processo
de escuta em qualquer relacionamento, inclusive na pesquisa de campo. O pesquisador deve
ter ciência que, ao inquirir o entrevistado, irá provocar a abertura de feridas antes escondidas,
memórias antes deixadas de lado, pessoas antes ‘esquecidas’. Portanto deve procurar manter
todo cuidado ético para minimizar possíveis danos em sua vida durante e após a realização da
pesquisa.
“As qualidades essenciais a desenvolver são as da capacidade de empatia e de respeito
para com os depoentes, criando uma relação favorável, ou seja, condições para saber ouvir e
estimular a expressão livre, sem condicionar a testemunha – como se se pretendesse levá-la
para um ponto preestabelecido” (Vidigal, 1994, p. 16). Após a realização das entrevistas,
percebeu-se a necessidade de (re) confirmar algumas informações que não ficaram claras,
especialmente em relação a datas de alguns acontecimentos. De acordo com Guerra (2006),
“esta situação é comum em entrevistas que têm um cariz diacrônico, a clarificação da
52
sequência de momentos cronológicos exige que se volte a falar do mesmo para clarificar
alguns elementos ou datas.”
A abordagem na pesquisa de campo foi promovida pelo fato do vínculo institucional e
pessoal ter sido legitimado pela própria comunidade, estando presente a base da confiança
mútua para o delineamento dos objetivos propostos. Mesmo com a afinidade das relações
construída com as mulheres durante a implementação do curso, algumas dificuldades
previstas foram confirmadas. A principal, a abertura do diálogo para alguns temas a serem
abordados, como violência doméstica e familiar, problemática esta já percebida na
comunidade pesquisada28
. O terreno fértil se fez presente na totalidade da pesquisa, no
entanto, algumas mulheres tiveram mais abertura para o diálogo, já outras não. Como o
movimento natural de pesquisa de campo, algumas entrevistas aconteceram de forma mais
fluida. Compreende-se que o material de estudo apresentado nas entrevistas era só uma
proposta, a qual cabia às mulheres direcionar da melhor forma possível.
Para a análise de dados, utilizou-se a análise de conteúdo. A análise de conteúdo
almejou, além de descrever as situações, interpretar o sentido do que foi dito. A análise
pretende apresentar descrições sobre o objeto de estudo, mas especialmente interpretar e
interpelar os dados coletados. Existem diversas abordagens nas quais a análise de dados
qualitativos pode se pautar. A codificação e a categorização foram escolhidas para ilustrar os
produtos desta investigação. “As principais atividades são buscar partes relevantes dos dados
e analisá-los, comparando com outros dados e lhes dando nomes e classificações. Através
desse processo, desenvolve-se uma estrutura nos dados, como um passo em direção a uma
visão abrangente do tema, do campo e dos próprios dados” (Flick, 2009, p. 132).
Foram analisadas seis histórias de vida, escolhidas a partir do consentimento das
mulheres participantes da pesquisa. As entrevistas foram divididas em três dimensões
temporais, a saber: Mapa da Vida (Passado), Mapa da Vida (Presente) e Mapa da Vida
(Futuro). Este método aplicado no âmbito do Mulheres Mil, foi incorporado ao processo
didático-pedagógico da alfabetização para estimular as estudantes a planejarem seus sonhos
pessoais e profissionais. A técnica é simples: através de desenhos, elas representam suas
28
Na atuação profissional como assistente social do Campus Taguatinga Centro/IFB, já foram realizadas
diversas entrevistas com as estudantes do curso de Alfabetização e Letramento: emancipação feminina pela
construção da cidadania, em que pôde ser percebido que muitas delas convivem com histórico de violência
doméstica e familiar.
53
trajetórias de vida e planejam o futuro. Além de contribuir para o resgate das histórias, a
técnica amplia a compreensão da equipe docente e técnico-administrativo sobre a realidade
das estudantes. Para destrinchar estas histórias, algumas dimensões de análise foram
estabelecidas:
Principais Dimensões Analíticas:
Família
Raízes
Vida escolar
Vida profissional
As dimensões definidas para as entrevistas foram: (1) família, abrangendo os aspectos
das relações familiares, costumes culturais e crenças religiosas; (2) raízes, a respeito dos
dados gerais da cidade, serviços públicos e condições de habitação e moradia; (3) vida
escolar, sobre o percurso formativo das estudantes desde sua cidade de origem até os tempos
atuais, incluindo a implementação do curso de Alfabetização e Letramento/IFB, no qual
poderiam descrever aspectos estruturais da instituição, recursos humanos, grade curricular do
curso, sugestões de aprimoramento, possíveis diferenças para o Programa Mulheres Mil,
amizades, significado do curso, entre outras expoentes que poderiam surgir e (4) vida
profissional, contando suas relações com trabalhos anteriores, projetos e motivações para o
futuro. Entrelaçada a toda dinâmica de perguntas que poderiam surgir, havia um dado
diferencial para toda entrevista que seria o crescimento e autonomia do sujeito mulher, tida
como uma hipódissertação relacionada à inserção no curso.
Após a realização das entrevistas, foi feita a transcrição dos dados, cada uma com uma
média de trinta páginas. A finalidade de cada entrevista foi resgatar a história de vida de cada
mulher, protagonistas de relatos únicos e fascinantes. Cada história aqui contada visa
proporcionar uma narrativa biográfica que não pretende se esgotar em si mesmo como fonte
de conhecimento. “A ‘gramática’ é aberta e o resultado do cruzamento, no processo de
socialização dos agentes, com diversos modos legítimos de atuar no mundo. Esses modos são
‘repassados’ (na maioria das vezes) inconscientemente pelos diversos ‘agentes
transmissores’, com os quais o ator lida ou entra em contato ao longo de sua vida” (Costa,
54
2012, p. 27). De forma breve, utilizamos o software livre WEFT-QDA29
, mas logo preferimos
utilizar a análise intuitiva de dados, pela facilidade prévia de organização de documentos.
Estas narrativas representam a ilustração das memórias, clarificadas pelo pensamento
heterogêneo de cada participante, “mas não tem a função de ilustrar culturas de grupos, de
classes ou de frações de classe, mostravam bem que, longe de se limitar a um registro cultural
único, as pessoas entrevistadas manifestavam ambivalências, oscilações ou alternâncias
dentro de cada campo” (Bourdieu, 1996, p. 18). Em suma, estes relatos30
problematizam
histórias não-lineares, frutos de lembranças que não têm como objetivo delimitar datas ou
períodos estanques; O desafio fora traduzir a tônica dominante de suas trajetórias de vida, que
corporificam a heterogeneidade de sujeitos, complexas pela riqueza de material que
apresentam.
A fim de complementar o aparato de pesquisa e compreender a realidade vivida pelas
mulheres do curso em amplitude, traçamos um perfil socioeconômico das estudantes do curso
de Alfabetização e Letramento. Para tanto, analisamos os formulários preenchidos na seleção
do Programa Auxílio Permanência do segundo semestre de 2015. Este Programa de
Promoção à Permanência faz parte da Política de Assistência Estudantil do Instituto Federal
de Brasília, a qual almeja o acesso e a permanência da comunidade estudantil à instituição.
Foram computadas 36 respostas, quantidade de estudantes presentes no IFB no dia do
preenchimento dos formulários, realizado em agosto de 2015.
Este aparato de pesquisa serviu como base para reconhecer as características gerais do
público-alvo de pesquisa. Sublinhe-se, no entanto, que o principal foco desta pesquisa foram
os relatos de vida das mulheres. O produto final da análise de dados foi a combinação de três
fontes de pesquisa, utilizando a técnica de triangulação de dados:
A triangulação significa olhar para o mesmo fenômeno, ou questão de pesquisa, a
partir de mais de uma fonte de dados. Informações advindas de diferentes ângulos
podem ser usadas para corroborar, elaborar ou iluminar o problema de pesquisa.
Limita os vieses pessoais e metodológicos e aumenta a generalização de um estudo
(Decrop, 2004). 29
Trata-se de um software livre que auxilia na análise de pesquisas de metodologia qualitativa, podendo também
ser utilizado para organização de documentos a serem empregados em qualquer revisão bibliográfica. 30
Os relatos estão descritos na ordem que as entrevistas foram realizadas. As emoções deram o toque sutil dos
relatos, como dores traduzidas em lágrimas e alegrias em risadas, citadas, inclusive, nas transcrições. Observa-se
também que se preservou a oralidade de cada discurso, preservando o uso de palavras truncadas, expressões
regionais e erros de português.
55
Em suma, as narrativas biográficas de cada mulher entrevistada; percursos de vida,
identificando as singularidades identificadas a partir da interpretação de todos os relatos e os
dados socioeconômicos gerados pelas respostas aos formulários do Programa Auxílio
Permanência, preenchidos no segundo semestre de 2015.
Capítulo 6 - Afinal de contas, quem são essas mulheres?
Nos próximos capítulos será apresentada a discussão dos resultados obtidos a partir da
análise de dados. A apresentação empírica será organizada em três partes. Para dar um sentido
a esta narrativa, estruturou-se a primeira parte com o perfil social das mulheres do curso, com
o destaque de suas características gerais - estas informações31
foram obtidas nos formulários
socioeconômicos. Optamos por colocar os dados de duas formas, entre textos e gráficos
(quando a informação pedia uma melhor visualização). Na segunda parte serão abordadas as
narrativas biográficas, pequenas amostras das trajetórias individuais que nos permitem
entrever as singularidades dos percursos das mulheres entrevistadas. E na terceira parte eixos
temáticos que relacionam, transversalmente as histórias resgatadas, formando convergências
entre seus trajetos, ou seja, analisam-se questões que emergiram em todas entrevistas.
Diante de todos os motivos expressos pelas entrevistadas, entende-se que o contexto
onde essas mulheres nasceram, viveram e construíram suas vidas não foi o mais propício para
frequentar a escola. “Trazem dentro de si muitas histórias e experiências que conquistaram
através dos anos vividos. Agora chegam à escola como alunas diferenciadas não pela idade
que têm, mas pela bagagem de aprendizagens e experiências vividas” (Sarreta, 2011, p. 6) .
Mesmo diante das adversidades vividas, estas mulheres permaneceram no curso. É de
se pensar, afinal, quem são elas? De onde vêm? Quando vieram ao mundo? Questionamentos
estes essenciais para se perceber um diálogo mais aprofundado de suas narrativas biográficas.
Compreendendo melhor a realidade social dessas mulheres, pode-se perceber que as
condições materiais de sua existência lhe permitem sobreviver em um processo de exclusão
social. Aliás, a própria luta contra o analfabetismo é fruto da negação desta realidade. Do
31
Para efeito de cálculo, consideramos apenas as duas primeiras casas decimais para mais ou menos 5. Por
exemplo, se a porcentagem era de 22,22%, consideramos 22%, se era de 30,55%, consideramos 31%.
56
total de respostas (36), 53% responderam possuir o Ensino Fundamental Incompleto (até o 4º
ano), responsável por 19 respostas, 44% não são alfabetizadas em nenhum grau (16
respostas) e apenas 1 (uma) mulher respondeu ter o Ensino Fundamental Completo (3%).
A respeito da questão racial, a maioria das mulheres se declara da cor parda, com 67%
(24 respostas). Já 19% se declaram da cor preta (7 respostas). Duas mulheres responderam
cor branca (5,55% das respostas), não declaradas32
no mesmo valor (duas respostas). E
somente uma mulher se declarou amarela (3%). Essas compreensões no interior do âmbito
escolar sofrem principalmente influência exterior, a influência dos valores e códigos morais
da sociedade. Traduzindo um pouco melhor pode-se pensar a falta de sensibilidade ainda
presente para as memórias históricas dos negros aqui advindos no período escravocrata
(desde o período colonial até o Império), mas não só para este olhar eurocêntrico de
colonização, como também o olhar de reafirmação de identidade étnica brasileira a partir da
valorização cultural africana presente no país.
Tendo em vista a dificuldade das mulheres com tecnologias digitais, eu e algumas
colegas de trabalho as auxiliaram para o preenchimento dos formulários. Nesta pergunta,
muitas se questionaram o que responder, até retrucando a pergunta: “Acho que eu sou parda,
né? ”, “Branca que eu não sou”. No entanto, só uma minoria declarou com veemência serem
“pretas”. O desconforto social que a palavra gera ainda é muito latente, e isso explica a força
ainda presente da discriminação racial na sociedade brasileira. A figura do pardo, por outro
lado, representa a mestiçagem dos povos (indígenas, portugueses e negros); seria a
classificação mais próxima de “moreno”.
Os desafios e limites à atuação de uma prática educacional voltada para a
emancipação de valores libertadores e igualitários são sempre consideráveis, mas as
possibilidades de ação estão postas até mesmo onde não se acredita estar, ou pelo menos, não
se acreditava. Diante da complexidade da inclusão de conteúdo das disciplinas escolares, e do
conteúdo de história e cultura afro-brasileira em particular, encontram-se formas de
representações do negro na sociedade brasileira que além de reproduzir tradições e crenças
32
Esta é uma resposta intrigante, demonstrando que o campo cor/raça enfrenta resistência em ser respondido.
Não se pode deixar de considerar que é uma informação auto-declaratória, mas esta situação dificulta a
utilização dos dados na formulação, implementação, acompanhamento e avaliação de políticas públicas voltadas
para a questão étnico-racial. Disponível em http://www.seppir.gov.br/central-de-conteudos/noticias/agosto/inep-
lanca-campanha-de-preenchimento-do-campo-cor-raca-no-censo-escolar. Acesso em maio de 2016.
57
culturais também permitem a desmistificação de símbolos pejorativos e diminutivos ainda
recorrentes no imaginário social.
É perceptível que questão social e racial são indissociáveis. Segundo a Pesquisa
Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) 2014, realizada pelo IBGE, 53% dos
brasileiros se declararam pardos ou negros em 2014, diante de 45,5% que se disseram
brancos. Há dez anos, em 2004, 51,2% dos brasileiros se diziam brancos diante de 42%
pardos e 5,9% negros (totalizando 47,9% de negros e pardos), apontando para a
predominância da população brasileira que se autodeclarava branca. Foi em 2007 que os
números viraram, quando 49,2% se disseram brancos, 42,5% pardos e 7,5% negros
(totalizando 50% de negros e pardos). Desde então, o número de pessoas que se diz negro ou
pardo só faz crescer estando este fato, aparentemente, mais associado a reformulações
identitárias do que a recomposições populacionais .
Foram feitas várias abordagens educativas com as mulheres desde o início do curso,
em 2014. No dia da Consciência Negra33
, em novembro de 2015, foram realizadas reflexões
sobre a resistência negra no Brasil, com o aporte teórico de Carolina Maria de Jesus, mulher
da periferia de São Paulo que abalou as estruturas da academia literária com sua clareza sobre
o mundo. Pobre, negra e analfabeta escolar, Carolina aprendeu a ler sozinha, escrevendo
diários sobre sua dura batalha diária. Na ocasião, abordamos em especial um poema da
escritora:
Diz o brasileiro
Que acabou a escravidão
Mas o colono sua o ano inteiro
E nunca tem um tostão
(...)
Fazendeiro ao fim do mês
Dá um vale de cem mil-réis
33
O Dia da Conciência Negra é celebrado, no Brasil, em 20 de novembro de 2015. Foi criado em 2003 e
instituído em âmbito nacional mediante a Lei nº 12.519, de 10 de novembro de 2011. A ocasião é dedicada à
reflexão sobre a inserção do negro na sociedade brasileira. A data foi escolhida por coincidir com o dia da morte
de Zumbi dos Palmares, em 1695. Sendo assim, o Dia da Consciência Negra procura remeter à resistência do
negro contra a escravidão de forma geral, desde o primeiro transporte do povo africano para o solo brasileiro
(1549). Disponível em https://pt.wikipedia.org/wiki/Dia_da_Consci%C3%AAncia_Negra. Acesso em maio de
2016.
58
Artigo que custa seis
Vende ao colono por dez.
(Jesus, 1960)
Rebelando-se contra o destino fatal da ausência escolar, estas mulheres são as
‘Carolinas’ do Distrito Federal. Neste debate sobre questão de gênero e raça, uma das
estudantes fez a seguinte observação:
“A gente que somos negras temos que nos dar valor, elas se deixam ser maltratadas,
todos somos capazes, é tempo da gente gritar e tomar uma atitude de mudar, ser
abusada pelo próprio esposo? Tem mulher que não se ama, por isso aceitam que o
próprio marido faça isso, a gente precisa de amor, passar para as pessoas aquilo que
não acontece, chega! Pois eu não! Cansei disso! Quando as coisas estão me
machucando eu começo a agir, eu entendo isso aqui no meu texto, é a realidade que a
gente passa. Meu pai é negro chega a brilhar no sol e eu tenho muito orgulho, tenho
orgulho de ser filha de negro! É isso que tinha pra falar…” (Anônima)
Como se tem vindo a esclarecer, o público-alvo do curso é de jovens e adultos, então
não foi surpresa reconhecer que 39% das mulheres se encontram na faixa etária de 30 a 39
anos (14 respostas), seguida das mulheres entre 40 a 49 anos, 33% (12 respostas). Considera-
se também que 14% das mulheres está entre 50 a 59 anos (5 respostas). A idade das mulheres
entrevistadas varia entre 37 e 73 anos, abarcando justamente essa diversidade. São advindas
de contextos sociais desvantajosos, em que a lei maior é da sobrevivência. Não tiveram
oportunidade de estudar na idade própria porque, ver-se-á, algumas porque o trabalho falava
mais alto. Neste trabalho, acredita-se na hipótese que a falta de igualdade de oportunidade foi
regra durante muito tempo, até que encontraram nos estudos um espaço de mudança.
O grupo de idosas do curso também é considerável, somando 14% (5 respostas) do
quadro (60 a 79 anos); observa-se que a mulher mais velha da turma tem 73 anos. Apesar da
velhice ser um fator natural como a cor da pele, é levada preconceituosamente pelo outro. As
mais idosas da turma, sem coincidência alguma, são as mais frequentes da turma, como Flora,
um dos sujeitos desta pesquisa de cuja biografia nos ocuparemos adiante.
Na mesma direção, destaca-se o expressivo número de respondentes chefes de família,
que confirmam a nucleação da família em torno do gênero feminino da turma: do total de
59
mulheres que responderam ao formulário, 44% são solteiras (16 respostas), enquanto 36%
são casadas ou têm companheiros(as) (13 respostas). Se ainda considerarmos o grupo de
separadas e divorciadas (5 respostas) e viúvas (2 respostas), 64% das mulheres do curso são
chefes de família (23 respostas). Como coloca Toledo (1998, p. 26), adquirir autonomia e se
emancipar por meio da participação no mercado de trabalho era uma das aspirações das
mulheres, mas assumir a total responsabilidade como provedora da família, ou principal
provedora, não se apresentava como um ponto de pauta de suas reivindicações. Abaixo
visualize-se melhor a distribuição das participantes de acordo com o estado civil:
Gráfico 1
Distribuição das participantes de acordo com o estado civil
Fonte: Elaborado pela pesquisadora; dados retirados dos formulários socioeconômicos da Seleção
do Programa Auxílio Permanência 2º/2015
O perfil de mulheres que estão no curso agrega a taxa de fecundidade: 94% são mães
(34 respostas). E não é à toa que não conseguiram estudar na idade própria: a dupla ou tripla
jornada de trabalho as impunha sacrifícios, em que a escolarização não poderia ser
prioridade. Apesar da carga de ‘obrigações’ ainda persistir, hoje estas mulheres somam o
cenário escolar às suas vidas. Mesmo as que não têm com quem deixar seus filhos continuam
a frequentar o curso. Recorde-se que uma das medidas de apoio à frequência destas mulheres
é justamente a existência no Campus Taguatinga Centro de uma brinquedoteca donde as
mulheres podem deixar seus filhos aos cuidados de uma equipe de Pedagogia durante o
período de aulas.
60
Notar que 31% têm mais de cinco filhos (11 respostas), seguido de 22% que têm dois
filhos (8 respostas). A saber, apenas 6% das mulheres responderam ao formulário não ter
filhos (2 respostas). A taxa de fecundidade da turma pode ser considerada alta, se comparada
com a tendência atual da taxa brasileira que é de queda. O número de filhos por mulher no
Brasil vem se reduzindo desde a década de 196034
, a exemplo do que ocorreu também em
vários outros países. Se em 1970, as brasileiras tinham, em média, 5,8 filhos, hoje, esse
número não chega a 2, taxa em que a população não se repõe. O número de nascimentos caiu
13,3% entre 2000 e 2012, quando a taxa de fecundidade foi de 1,77 filho por mulher, contra
2,29 em relação ao período anterior.
Gráfico 2
Distribuição das participantes de acordo com o número de filhos
Fonte: Elaborado pela pesquisadora; dados retirados dos formulários socioeconômicos da Seleção
do Programa Auxílio Permanência 2º/2015
Destaca-se que este curso capta sobretudo (ou somente) mulheres com perfil de
vulnerabilidade social. Promover a discussão sobre transições e vulnerabilidades situa um
campo de elevada importância no campo das ciências humanas. Cabe aqui, então, levantar as
considerações sobre o mal-estar dos segmentos sociais que estão desemparados pelas
políticas sociais, “que constitui um conjunto de ações ou omissões do Estado decorrente de
34
Disponível em http://brasil.elpais.com/brasil/2015/02/17/politica/1424196059_041074.html. Acesso em abril
de 2016.
61
decisões e não decisões, constituída por jogo de interesses, tendo como limites e
condicionamentos os processos econômicos, políticos e sociais” (Silva, 2010, p. 37):
Transição reflete os passos de transformação pelos quais todos os seres humanos
passam. Significa compreender que o todo que existe está sempre em movimento, e
permite que a vida seja um complexo de ações interligadas entre si. Passado, presente
e futuro se relacionam, permitindo a análise de fatos sociais de forma contundente,
apesar de não parecer coesa, já que não existe homogeneidade nos caminhos de
transição pelos quais a humanidade percorre (Vieira, 2015).
Já vulnerabilidade refere-se a um conceito multifacetado que remonta à condição de
indivíduos ou grupos em situação de fragilidade, que os tornam expostos a riscos e a níveis
significativos de desagregação social. Relaciona-se ao resultado de qualquer processo
acentuado de exclusão, discriminação ou enfraquecimento de indivíduos ou grupos,
provocado por fatores, tais como pobreza, crises econômicas, nível educacional deficiente,
localização geográfica precária e baixos níveis de capital social, humano, ou cultural, dentre
outros, que gera fragilidade dos atores no meio social. De acordo com Katzman (1999):
A vulnerabilidade é entendida como o desajuste entre ativos e a estrutura de
oportunidades, provenientes da capacidade dos atores sociais de aproveitar
oportunidades em outros âmbitos socioeconômicos e melhor sua situação, impedindo
a deterioração em três principais campos: os recursos pessoais, os recursos de direitos
e os recursos em relações sociais.
Em um sentido profissional, vislumbra-se vulnerabilidade como demonstrativo de
estruturas sociais injustas, que fragmentam comunidades, famílias e pessoas em distintas
dimensões da vida social. Um passo adiante, pode-se dizer que “vulnerabilidade social”
representa os empecilhos e obstáculos de acesso aos pilares sociais de desenvolvimento que
provêm do Estado, do mercado e da sociedade civil.
“A relação entre transições e vulnerabilidades é a chave para definir as estruturas de
oportunidades em cada momento na sociedade” (Vieira, 2015). Vulnerabilidades não são
criadas nem planejadas, mas sim construídas a partir da ausência de funcionamento coeso em
um determinado espaço/tempo. A seguir abordamos as narrativas biográficas, sintetizando
como o engendramento de vulnerabilidades impacta na vida coletiva e especialmente dessas
mulheres.
62
Capítulo 7 - Histórias de formosuras: um olhar biográfico sobre o desabrochar feminino
das relações
7.1 Do real ao imprevisível: a vida na cidade grande (Rosa)
Rosa35
, 45 anos36
, nasceu em Caxias, uma cidade no interior do Maranhão, região
nordeste do Brasil. “Sou uma mulher muito trabalhadeira, gosto de fazer amizade e sempre
quando a pessoa precisa de mim tô sempre presente e não sou daquele tipo de gente que é
mal-educada, sou bem-educada.” Visto como um local muito bonito e considerado um
município importante para a economia do Estado, Caxias carrega um estilo arquitetônico
lusíada, conservando grande parte do seu patrimônio histórico.
Demonstrou um vínculo positivo e saudosista com sua cidade natal, as pessoas e sua
história de vida: “É um lugar muito bom... Assim, meu sonho era morar lá né... Como o
marido não quer ir pra lá (risadas), é o jeito eu ficar aqui. Mas eu amo a minha cidade...”.
Morava com seus pais e seus irmãos, no total onze pessoas em casa. Rosa fez boas
observações sobre suas relações familiares. Em seu relato as brigas não tiveram vez perto da
união com seus pares, até com uma invariável argumentação:
“A gente se dá muito bem sobre a família da gente...Graças a Deus é uma família
unida. Todo mundo unido. Pai, mãe, irmão...Tudo, todo mundo unido. (...) Nunca
negócio de briga, com negócio de polícia, negócio de delegacia, nada... Todo mundo
unido, na paz... Aí junta com a família do marido, agora todo mundo é de boa...”
Rosa, de encontro à realidade de muitas mulheres do curso de Alfabetização e
Letramento, não era forçada ao trabalho durante a infância. Até chegava a ajudar o pai na
roça, mas sem nenhum grau de obrigatoriedade: “Não fui explorada trabalhando em roça não.
Morria de preguiça de ir pra roça (...) Minha mãe é contra quem coloca as mulher pra
trabalhar lá, ela disse que pra ela o homem bota a mulher pra trabalhar na roça ele não
presta.”
35
Foram usados nomes de flores para as mulheres, assim como foram alterados os nomes das outras pessoas
citadas, para manter o sigilo da pesquisa e preservar a identidade das entrevistadas. Esse tratamento também
elucida a transformação pela qual passaram: estas mulheres passaram por todas estações, desde o inverno mais
rigoroso até a tão esperada primavera porque permitiram que suas sementes crescessem até seu progressivo
florescimento. 36
As idades das mulheres são referentes à época da realização das entrevistas (novembro e dezembro de 2015).
63
À época em que morava em Caxias, estudava em uma escola pequena, normal para os
padrões interioranos, mas sem energia e com paredes incompletas e o teto coberto de palha.
Essa escola só oferecia a primeira etapa do Ensino Fundamental37
, limitando os estudos de
Rosa até à 4ª série (1986), a qual nem chegou a concluir, porque havia de se mudar para a
casa de uma tia na cidade grande. Ela tinha planos de avançar nos estudos por lá, mas logo
desistiu da frequência escolar por não se adaptar ao local, retornando logo para o interior.
Mesmo demonstrando arrependimento de não ter terminado os estudos na idade própria, a
estudante reforçou que o fato de ter parado de estudar não estava relacionado com a
necessidade de trabalhar, pelo menos até aquela altura de sua vida:
“(...) aí depois eu desisti de lá da cidade lá, pra casa da minha tia e aí eu voltei pro
interior, só que eu continuei estudando lá e depois eu desisti. Mas assim, não foi por
falta de conselho de pai nem de mãe não, porque o meu pai sempre incentivou né, a
gente estudar, eu fui que não fui mesmo, com preguiça. E era mimada também... (...)
Ô menina, podia ter terminado né, quando eu parei, podia ter continuado, mas
arrependi, mas assim eu digo assim, tem tudo pra continuar né e terminar.”
No entanto, uma gravidez ocasional aos 22 anos a submeteu ao trabalho doméstico.
Além de ter sido abandonada pelo pai de Melissa, não tinha condições financeiras para
sustentá-la: “depois que eu tive a minha filha que aí fui vê que a responsabilidade era
outra.”Ainda teve que passar apuros para acompanhar sua gravidez, dependendo quase que
exclusivamente do hospital público da cidade:
“Lá o que tinha no interior mesmo lá aonde eu morava na roça nem existia mesmo...
As consultas mesmo era só na cidade que a gente ia na cidade consultar...quando
precisava assim de alguma consulta era só na cidade (...) Quando eu tive a minha
filha, se eu tivesse no interior ela tinha morrido.”
37
Ensino Fundamental é uma das etapas da educação básica no Brasil. Tem duração de nove anos, sendo a
matrícula obrigatória para todas as crianças com idade entre seis e quatorze anos. A duração obrigatória do
Ensino Fundamental foi ampliada de oito para nove anos pelo Projeto de Lei nº 3.675/04, passando a abranger a
Classe de Alfabetização (fase anterior à 1ª série, com matrícula obrigatória aos seis anos) que, até então, não
fazia parte do ciclo obrigatório (a alfabetização na rede pública e em parte da rede particular era realizada
normalmente na 1ª série). Disponível em
http://www.sinproesc.org.br/index.php/index.php?option=com_content&view=article&id=96. Acesso em janeiro
de 2016.
64
O pai da criança viria assumir a criança muitos anos depois, quando ela atingiu
maioridade. Apesar de demonstrar tristeza do abandono paterno, Rosa relatou ficar contente
com o registro e saber separar de suas emoções como mulher:
“Eu sabia que ele era o pai dela e ele negava que era pai...Eu fiquei muito chateada
com ele..., mas ela se dá bem com ele...Eu digo que num vou tirar o direito dela
também não...Se vira com ele…”
Quando a filha tinha cinco anos, sua vida teve uma reviravolta. Concretizada em
1997, a mudança para Brasília foi um salto transformador em sua vida, deixando para trás
cotidianos e vivências nada parecidos com o que estava por vir. Foi motivada a encontrar seu
companheiro atual, Antônio, o qual já estava morando em Brasília. O saudosismo sentido
pela mudança, no entanto, não impediu de construir uma nova história de vida, agora
encenada na Cidade Estrutural:
“Sofri muito no passado e hoje tô vivendo com ele, vivo muito bem, a gente se dá
muito bem, trabalha, cuida dos filhos, cuida de mim e eu também cuido dele né, cuido
dos filho...e deixa eu estudar...”
Apesar da revelação de alegria pelo momento presente, não se pode deixar de
considerar a manifestação de violência simbólica presente no trecho acima, a qual é dada pela
perpetuação de uma determinada cultura machista, baseada na interiorização de seus
membros. Como Bourdieu (2002, p. 22) coloca, “a visão androcêntrica é assim
continuamente legitimada pelas próprias práticas que ela determina: pelo fato de suas
disposições resultarem da incorporação do preconceito desfavorável contra o feminino,
constituído na ordem das coisas, as mulheres não podem senão confirmar seguidamente tal
preconceito.”
À época de sua mudança para Brasília, inclusive, Rosa não levou a filha Melissa38
.
Segundo ela, sua mãe não teria deixado: “Eu num trouxe (...) porque ela foi criada desde
38
Melissa morou a vida inteira na cidade de Caxias, e como explicado acima, ficou sob os cuidados dos avós
desde que nasceu. No entanto, percebi uma ligação forte entre mãe e filha. Rosa a visita sempre que tem alguma
folga no curso e no trabalho. Depois da entrevista, ela demonstrou muita felicidade porque a filha havia se
tornado mãe há pouco tempo (até chegou a mostrar algumas fotos de sua neta).
65
pequenininha lá com os meus pais, aí minha mãe não deixou eu trazer. Mas assim, eu
não...não arrependi...Sempre ele deixa eu visitar ela.” Ele, no caso, é o companheiro de Rosa.
É de se questionar que as visitas à filha devam ter algum tipo de aprovação. Uma
manifestação clara de violência simbólica contra sua liberdade de ir e vir. Mas, ao mesmo
tempo, silenciosa, pois nem mesmo a entrevistada percebe algum tipo de violência em suas
relações familiares.
Nota-se, no entanto, que tal legitimidade de preconceito esbarra nos fatores de
mudança, em que a dominação masculina não é mais tão óbvia assim, especialmente quando
se discute violência contra mulher ao nível físico:
“Às vezes eu falo às vezes que se o marido vier me bater (risadas) ele bate mas vai
pela Lei Maria da Penha. Às vezes a gente brinca, mas ele nunca triscou a mão em
mim (..). Não tenho esse sobressair, esse corpinho nunca ninguém triscou (risadas) e
nem vai triscar. Aqui ninguém mexe.”
Feita essa observação, pode-se perceber que seus laços familiares são foco importante
de seu discurso. Rosa desenvolveu o gosto pela sua nova moradia, ao lado da família que
construiu. José e seus dois filhos, Francisco, 17 anos e Vitor, 14 anos, na época da entrevista,
e dois gatos, os quais perambulavam pela casa enquanto fazia a entrevista. Durante a jornada
diária, cada membro familiar singulariza um aspecto de sua sobrevivência no mundo: os
filhos estudam, o companheiro trabalha o dia todo em uma empresa como estoquista39
(ele já
terminou o ensino médio e já fez alguns cursos no IFB também) e a mãe estuda e trabalha
como diarista40
. Além disso, ela tem uma banca de produtos em uma feira local e vende
produtos cosméticos de porta em porta.
No início de 2013, retomou seus estudos no Programa Mulheres Mil do IFB (segunda
chance desde que abandonou os estudos em 1986). Além de estudar no âmbito da educação
profissional e tecnológica, neste mesmo ano Rosa retomou os estudos na escola regular de
39
Alguém que guarda qualquer tipo de mercadorias. Aquele que comercializa ou comerciante que possui
estoque de qualquer mercadoria. Depositário de mercadorias para venda ou exportação; encarregado da
escrituração do livro de estoque. Disponível em http://www.dicio.com.br/estoquista/. Acesso em maio de 2016. 40
Diarista (trabalhadora autônoma) é aquela que exerce por conta própria atividade profissional remunerada,
sem relação de emprego, eventualmente, para uma ou mais pessoas, por no máximo dois dias na semana.
Disponível em http://direitodomestico.jornaldaparaiba.com.br/noticias/como-definir-juridicamente-uma-
diarista/. Acesso em maio de 2016.
66
ensino: “desde que eu comecei na Mulheres Mil. Foi 2013? 2013. Foi no início que me
incentivou eu voltar mesmo, foi de lá... que aí as mulher tavam pra lá, aí já mandou a gente
vir pra cá...aí eu me inscrevi e continuei...Deu certo. ”
Primeirou estudou no Centro de Ensino Fundamental (CEF) 01 - mais conhecido
como escola “Diandar” pela comunidade da Estrutural. Passados quatro meses que estava a
estudar no CEF 1, ainda em 2013, foi transferida para o CEF 02, pois a antiga escola não
oferecia educação de jovens e adultos, proposta adequada à sua realidade educacional. Ao
chegar no CEF 02, realizou o teste de nivelamento que a inseriu na 3ª série41
do Ensino
Fundamental. Desde então ela se sente muito motivada a continuar estudando: “já tô fazendo
a 7ª série e levando o caso pra frente e esperando pra ver se no próximo ano vou pra 8ª”
(risada). A busca pelo percurso educacional linear é óbvio em sua fala. Como uma forma de
consertar a dificuldade de permanência no passado, Rosa transparece a condição de jovens e
adultos que viabilizam sua existência no universo escolar:
Como sinalizam os jovens, para transformar a atual situação, é necessário ter
“atitude”. Deve-se procurar entender o que esses sujeitos na condição de alunos vêm
tentando demonstrar, explícita ou implicitamente, seja pelo abandono, pela
desistência, pela dificuldade de permanência, seja pelas formas com que organizam
suas necessidades e anseios. Como atender a esses sujeitos a partir desse tipo de
organização de tempos, espaços e conteúdos educacionais? Como transformar o
espaço escolar da Educação de Jovens e Adultos de forma a funcionar como mais uma
instituição inserida nas redes sociais de apoio e de inclusão desses sujeitos? (Andrade,
2004)
A motivação é tanta que continuou a estudar no curso de Alfabetização e Letramento,
iniciado em 2014, relatando inclusive sua motivação em continuar participando dos cursos do
IFB: “ai, não quero desistir do curso do IFB também, mesmo que eu não for pra lá no ano
que vem, eu vou me inscrever aqui na Cidade do Automóvel, inglês ou matemática ou
informática e quero continuar dentro do curso, não quero desistir.” (risadas)
Devido ao seu próprio gosto pelos estudos, incentiva muito seus filhos a estudarem:
“Meu filho, o futuro de vocês é o estudo, se vocês não estudar, aí a coisa não funciona, pra
arrumar alguma coisa melhor tem que ter estudo e tem que estudar, porque a gente não coloca
pra trabalhar.” Rosa quer reconhecer letras, formas frases, ler um livro inteiro. O que deseja
41
O curso de EJA no Brasil é composto de seis meses de duração para cada série ou etapa de ensino. Em
contraponto ao ensino médio regular, que dura três anos, a EJA dura um ano e meio, por exemplo.
67
parece limitado, aos olhos de pessoas que já possuem a habilidade da escrita, mas para ela é a
garantia de se ver como pertencente à sociedade letrada. Garantindo seu espaço no universo
escolar, Rosa dá vazão a suas experiências de empoderamento. Vide Sarreta (2011),
“considerar os sujeitos em formação nesse processo é entender que a vida vivida pelo aluno
adulto, suas experiências e trajetórias devem ser ponto de partida para o diálogo entre quem
ensina e quem aprende.”
68
7.2 A vida que me pariu (Iris)
Iris, 39 anos, se define como uma pessoa paciente, carinhosa, “mas quando me tira do
sério sou bem brava (risos). Sou uma pessoa calma, ultimamente tô muito calma porque antes
eu era muito estouradinha.” Nasceu em um pequeno município do estado da Bahia, chamado
Wanderley, mas logo depois foi para Jupaguá, uma cidade próxima de lá. Morou lá até seus
cinco anos, quando se mudou para Barreiras, décimo segundo município mais populoso do
estado da Bahia. Foi o local em que viveu mais tempo além de Brasília, cerca de quinze
anos. Em termos de serviços públicos, Barreiras oferecia posto de saúde, hospital, escola,
entre outros serviços que as cidades anteriores não apresentavam.
Quem a criou foi seu avô (seu pai biológico a abandonou logo que nasceu) e sua avó
materna, a quem se refere como mãe ou “mãe vó”; pois sua mãe biológica morreu quando ela
tinha apenas cinco anos. Nessa mesma época Iris chegou a ser violentada na infância, pelos
colegas que trabalhavam com seu avô: “Isso aí eu já fui muito...eu sofri muito nessa parte aí
quando eu era criança. (...). Minha mãe não sabia, ele me batia, ele falava que não era pra
mim falar pra minha mãe nem pro meu pai, pro meu avô...” (fica emocionada) Segundo
Faleiros (2000), sobre a questão do consentimento da vítima, deve-se ter claro que situações
de abuso sexual envolvem uma relação de dominação, na qual a criança apresenta poucas
condições de reagir porque se encontra sob domínio do abusador. Há um processo de
dominação psicológica, e a vítima não pode ser responsabilizada por atos dos quais participa
enquanto dominado (Faleiros, 2000). O abusador garante sua posição de poder e dominação
por meio de um mecanismo de controle baseado em hostilidade e agressividade (Koller & De
Antoni, 2004).
O ciclo de perpetuação da violência se estendeu até a vida adulta, pois ainda teve que
aguentar mais violência dos seus ex-companheiros: “Esse, o Silvano, nunca me espancou, já
o pai do Lívio me espancava, me batia muito, ele me batia que tirava sangue. Eu fui muito
sofrida.” (fica emocionada). O relacionamento familiar intergeracional conturbado e sem
apoio indica o aumento de vulnerabilidade, neste caso, com repetidas situações de abuso que
causam impacto até hoje.
Não fala muito no assunto porque fica com vergonha, inclusive no acompanhamento
psicológico que realiza em uma outra instituição: “eu não falei, até hoje eu nunca tive
coragem de falar. Só pra ti...só foi pra ti mesmo que eu tô falando.” Iris não chegou a
69
denunciar os casos de violência que sofreu na vida adulta, disse que “na época eu acho que
não tinha esses negócio de denunciar não, nem denunciei ele, só me separei dele...” A
complexa teia de relações de Iris na sua infância é fundamental para a compreensão de sua
trajetória de vida, e sem dúvidas seria necessário um maior aprofundamento para desvelar um
assunto tão delicado e caro para a entrevistada.
A infância de Iris foi um período obscuro durante a entrevista, até mesmo pelo sentido
desconforto de resgatar memórias visivelmente tristes. O passado da estudante é coberto de
expectativas não cumpridas, sonhos não realizados e trajetórias frustradas pelo desestruturado
contexto sociofamiliar. Começa a transparecer esperança ao comentar de Barreiras, cidade
em que foi morar quando tinha cerca de 12 anos. Apesar da nova etapa de vida, a ausência
escolar ainda era uma constante. Sua mãe chegou a colocá-la para estudar, mas só
permaneceu na escola até a segunda série do Ensino Fundamental:
“Mas quando minha mãe colocou a gente na escola eu tinha 12 anos, não deu tempo
pra mim aprender nada. Já tava na época de adolescência né, queria saber de outras
coisas, não de estuda (...) Que eu sempre tive a mente fechada, eu não ia pra estudar,
eu ia pra namorar mais.”
Além da educação não ser prioridade, Iris tinha que trabalhar como babá de crianças
para ajudar no sustento familiar. Permaneceu lá até os seus 20 anos, quando foi morar em
Brasília (1996), desta vez com muita ânsia de voltar a estudar. Na época Iris tinha apenas
uma filha recém-nascida (cerca de 2 meses), Gardênia, a qual foi diagnosticada com
transtorno mental. Sem condições emocionais e financeiras de criá-la, sua tia ficou
responsável pela guarda da criança. Ainda que seu sonho fosse ir para escola: “eu cheguei
aqui tão feliz que eu pensava que eu ia estudar e estudar...” Iris ficou apenas trabalhando no
Lixão42
por quase dez anos até conciliar o trabalho com os estudos.
Depois de um ano morando na Estrutural, foi para outra região administrativa do
Distrito Federal (DF), Recanto das Emas, onde sua tia havia ganhado uma chácara do
Governo do Distrito Federal (GDF). Depois de um ano morando lá, montou seu 42
É o local de depósito de materiais recicláveis (ou não), localizado na Cidade Estrutural. Salienta-se que tal
local já está em situação irregular desde a implementação da Lei nº 12.305/2010, que institui a Política Nacional
de Resíduos Sólidos (PNRS), que contém instrumentos em prol do enfrentamento dos principais problemas
ambientais, sociais e econômicos decorrentes do manejo inadequado dos resíduos sólidos. Desde então, foi
prevista sua desativação e criação do Aterro Sanitário da Cidade Samambaia, a qual não foi concluída até hoje.
70
barraquinho43
na Cidade Estrutural, mas ficou somente um ano lá até ganhar seu lote
definitivo, cerca de quatro anos atrás44
.
Desde então reside com três dos seus sete filhos (os outros quatro moram na casa da
tia). Esta realidade demonstra profunda desestruturação familiar, de fato, além de sua
condição socioeconômica não ser favorável para a criação dos filhos, Iris nunca pode contar
com apoio paterno: “...sempre fui mãe e pai dos meus filho, eu tive que trabalhar, se eu não
trabalhasse meus filho passava fome.”
O sonho de ser costureira não condiz com a realidade em que vive. A cada dia de
trabalho recebe menos de trinta reais45
. (muito díspare de sua pretensão de ganhar um salário
mínimo, hoje estipulado em 880 reais). É um trabalho depreciado e muitas vezes degradante:
“...vou toda protegida, urubu trabalha junto com a gente né, tudo que não presta. Uma
vez já achei uma criança morta. Eu puxei um saco assim que eu abri era uma criança,
ela caiu nos meus pés, e acho que ainda tava com o cordão umbilical, eu não tive
coragem de olhar. Ali naquele lixo a gente acha de tudo, de tudo...”
Ainda trabalha lá para complementar a renda familiar, “porque é a necessidade mesmo
e a gente que tem filho pequeno pra dar comida, porque se não fosse eu não ia de jeito
nenhum, não iria mesmo...” Acredita que se tivesse estudo não estaria na condição atual no
Lixão, o que pode servir de motivação para conciliar os estudos com um quotidiano exigente.
Em 2013 começou sua trajetória no Programa Mulheres Mil e em 2014 iniciou os estudos no
curso de Alfabetização e Letramento. Durante os dois anos últimos anos também participou
de um curso de qualificação profissional no Programa Fábrica Social46
, em que ganhava uma
bolsa no valor de R$ 304 reais mensais.
43
Pequena casa de tijolo, madeira ou outros materiais nos bairros pobres, em morros, ribanceiras ou à beira dos
rios, coberta com palha, ramos, telha ou zinco. Disponível em
http://www.michaelis.com.br/busca?palavra=barraco. Acesso em abril de 2016. 44
A trajetória de vida de Iris demonstra profunda falta de linearidade, mesmo com a reconfirmação de alguns
dados os saltos em sua história foram inevitáveis. 45
Este valor, em euros, não daria nem 7 €, calculado em fevereiro de 2015. 46
O Programa Fábrica Social é uma iniciativa do Governo do Distrito Federal que visa promover cidadania para
pessoas de baixa renda, inscritos no Cadastro Único para Programas Sociais (CADÚNICO), como, por exemplo,
o programa DF Sem Miséria ou Bolsa Famíli
a. Tem como principal objetivo a qualificação dos participantes para que eles estejam prontos para ingressarem
no mercado de trabalho.
71
Todos os filhos estudam. Gardênia, 18 anos, estuda em uma sala especial para pessoas
com deficiência. Hoje, mais carinhosa e brincalhona com os filhos, atribui a mudança a sua
crença religiosa:
“Eu acho que foi depois que eu aceitei Jesus. Depois que eu fiquei evangélica eu acho
que Deus deu uma mudada no meu coração e na minha mente. Depois que eu aceitei
Jesus eu sou mais feliz. Mudou muita coisa na minha vida.”
A projeção estimada para a população evangélica no Brasil, em 2014, era de 25,25%
(51.208.237 crentes), um pouco mais de ¼ da população brasileira (202.768.562 habitantes)47
à época da pesquisa do IBGE. De acordo com Mariano (2004), a expansão pentecostal
brasileira não é recente nem episódica:
Ocorre de modo constante já há meio século, o que permitiu que o pentecostalismo se
tornasse o segundo maior grupo religioso do país (em primeiro o catolicismo). Mas
seu avanço não é expressivo apenas nos planos religioso e demográfico. Estende-se
pelos campos midiático, político partidário, assistencial, editorial e de produtos
religiosos. Seus adeptos não se restringem mais somente aos estratos pobres da
população, encontrando-se também nas classes médias, incluindo empresários,
profissionais liberais, atletas e artistas. Ao lado e por meio disso, o pentecostalismo
vem conquistando crescente visibilidade pública, legitimidade e reconhecimento
social e aprofundando raízes nos mais diversos estratos e áreas da sociedade
brasileira.
Os perfis socioeconômico e demográfico de pentecostais e protestantes são bastante
distintos. Dados do último Censo Demográfico revelam que a maioria dos pentecostais
apresenta renda e escolaridade inferiores à média da população brasileira. Grande parte deles
recebe até três salários mínimos e ocupa empregos domésticos, em geral modestos e
precários, numa proporção bastante acima da média nacional. Um outro padrão de explicação
para o crescimento dos evangélicos volta-se para a deterioração do quadro socioeconômico
do país. Segundo Fernandes et al (1998, p. 25), “o crescimento notável dos evangélicos
decorre, sobretudo, de escolhas feitas pelos pobres.”
47
Disponível em http://olharcristao.blogspot.com.br/2015/01/populacao-evangelica-do-brasil-atinge.html.
Acesso em maio de 2016.
72
Já segundo Novaes (2001), os evangélicos pentecostais, além de possuir membros
entre as camadas sociais menos privadas de recursos financeiros, conseguem penetrar nas
franjas da sociedade: em áreas que têm se mostrado inalcançáveis para outros segmentos
religiosos. “São setores sociais (e espaços geográficos) que, por sua precariedade de
condições, revelam, por outro lado, a mais completa ausência do poder público. Neste
sentido, pode-se dizer que a influência social das igrejas evangélicas no Brasil é notável, não
somente em termos de representatividade da fé, mas também de apoio social, o qual muitos
mulheres do curso se apóiam.”
A vivência de Iris é um legado previsível da pobreza produzida na visível desigual
social em que vivemos no Brasil. Um Estado ausente e com políticas sociais débeis,
profundamente seletivas e focadas na extrema pobreza. A sede de transformação, no entanto,
é o que está fazendo a real diferença na vida de Iris. Ela demonstra muito interesse em
continuar no IFB, principalmente nos estudos de Alfabetização e Libras. E já que o Lixão tem
ordem antiga de ser desativado, está também aguardando cursos de capacitação profissional
que foram anunciados pelo GDF para os trabalhadores de materiais recicláveis. Acreditando
em um mundo diferente para si, Iris destaca a prática educativa como um campo de
mudanças, já inserido em seu cotidiano e entregue ao seu futuro.
73
7.3 Sentindo uma dor de cada vez ou todas de uma vez só (Hortênsia)
Hortênsia, 41 anos, é nascida em Formosa do Rio Preto, Bahia. É um município
brasileiro do estado da Bahia, próximo a Barreiras. Hortênsia tem seis irmãos, duas mulheres
(uma falecida) e quatro homens. Hortênsia se define como “uma sofredora sem nada, só
sofrimento…Um atrás do outro com filho para cuidar, não tem dinheiro para comprar um gás,
uma mistura para comer...”
Sua cidade natal possui escola, hospital, fórum de justiça, delegacia, entre outros
serviços. Morava lá com sua mãe e seu irmão mais novo – sua mãe faleceu há cerca de oito
anos. Relatou ter vivido pouco tempo com seu pai, porque ela tinha apenas três anos de idade
quando ele morreu. Sua casa era de alvenaria e tinha encanamento. Ela chegou a estudar
quando criança, mas não soube dizer por quanto tempo, só lembra que não teve muita
aprendizagem: “A minha mãe fez de tudo pra mim tentar estudar, pra mim aprender né, só
que eu não sei se a memória que foi fraca, falta de desinteresse, a memória, não teve muita
aprendizagem na escola não.”
Hortênsia morou lá até cerca dos 20 anos, quando veio morar em Brasília (1995). Dois
de seus irmãos já tinham morado na capital, facilitando possíveis dúvidas que ela tivesse. No
auge de sua juventude, Hortênsia tinha o desejo de mudar de ares, sair do interior para
conhecer novas realidades e como na época Brasília estava em destaque, devido sua
inauguração, não pensou duas vezes. À época da sua chegada, começou a trabalhar como
empregada doméstica em casa de família. Tinha pretensão de se fixar no emprego, mas logo a
vida lhe trouxe uma novidade que acabou virando uma forte problemática pela frente:
“porque assim que eu vim pra cá eu comecei a envolver com o pai do meus filho e realmente
só foi problema, mas eu queria ficar por aqui pra trabalhar e me iludi por ele e terminei
ficando e não voltei pra lá mais.” Da união nasceram três filhos: Felipe (18), Fábio (16) e
Aurora (10).
O seu companheiro a impedia de dormir na casa dos patrões, o que era combinado
antes mesmo de se unirem como casal. Voltou para sua cidade natal, mas logo decidiu
retornar a capital para reencontrar seu ex-companheiro. Sua mãe não aprovou a mudança,
inclusive porque não aprovava este casamento. E tinha lá suas razões. A relação de Hortênsia
com Antônio era permeada de fortes indícios de agressão, não somente física, porque o seu
companheiro também a agredia moral e psicologicamente: “acabei na ilusão da pessoa
74
errada.” Vítima de violência doméstica durante muitos anos, no início de 2015 decidiu
romper com o ciclo de violência, ou ao menos pensava assim: denunciou Antônio no âmbito
judicial com base na Lei Maria da Penha. Ele deveria sair de casa e ficar longe da ex-esposa.
Não satisfeito de perder a moradia, tentou invadir o espaço da ex-companheira. Na ocasião,
Felipe, que tentava impedir que a mãe fosse novamente agredida, acabou sendo alvo da
ferocidade do pai. Com a ajuda do irmão mais novo, felizmente nada aconteceu, mas o pai
acabou sendo preso por descumprir a medida protetiva (ele ainda deverá cumprir dez anos de
cadeia).
“Ele me agrediu várias vezes. Ele foi preso justamente até por conta de problema de
dentro de casa mesmo, porque ele mesmo causou. Entre eu e meu filho. (...). Até
porque se ele não tivesse dado essa primeira entrada pra tá acontecendo isso, pra ter
feito isso com o próprio filho dele, que é o meu filho e o filho dele, nada disso
talvez... Essas pessoas que causam problema pro meu filho, talvez não teria
acontecido nada disso, mas se ele deu a primeira entrada...”
Os laços patriarcais ainda são tão fortes no imaginário social que provocam a
sensação de angústia e culpa nas mulheres, como é o caso de Hortênsia. Ela se sente culpada
por tê-lo denunciado, sentindo até que sua vida piorou desde então. Sem o ‘apoio’ do ex-
companheiro, se sente sozinha:
“As ruim é que até agora eu entendo de ser uma mulher sozinha, de ter umas coisas
ruim, de sofrimento entre eu e meus filho. Mas o Deus vai me ajudar que, vai dar tudo
certo, vou tá esperando essas coisa ruim vai ficar tudo pra trás e Deus vai me ajudar a
modificar a minha vida.”
Hortênsia não gosta de sair de casa porque não se sente segura no local onde mora:
“eu não me sinto bem em andar ali. Se alguém me perguntar se eu conheço a Cidade
Estrutural eu não conheço porque eu não ando ali.” Com um contexto de vida nada favorável,
recentemente seu filho mais velho foi baleado na praça local da cidade, crime supostamente
motivado por tráfico de drogas. Condicionada a um ciclo infindável de violência, não é
surpresa não gostar de morar na Cidade Estrutural:
75
“(...) eu queria muito arrumar um outro canto pra mim poder sair dali. Se eu
conseguisse até vender ou alguma outra saída assim. Ou vender...é, mais o vender.
Queria vender pra mim ir embora dali e ficar junto com meus filho porque agora eu
vou, todas as vezes que eu vou ficar lembrando do meu filho porque agora eu vou,
todas as vezes eu vou ficar lembrando do meu filho que eu embarquei ele até pra ele
esquecer todos os problemas, o que aconteceu com ele. Ficando só eu e os outros dois
menores. (...) Melhor tirar ele um pouco, pra ele conhecer outros lugares e conhecer
essa maldade que ficou aqui pra trás que é na Cidade Estrutural.”
Apesar disso, não sente vontade de voltar a morar na cidade natal. Mãe de três filhos,
sendo dois menores de idade, avalia que Brasília tem uma situação de recurso mais favorável:
“É, escola, saúde48
e em termo de alimentação porque alimentação aqui a gente
sempre consegue uma doação através do pessoal da igreja, mas lá é meio difícil de
isso acontecer. (...) Até que o momento que eu mais precisei né, quando o meu filho
foi atingido esses dias aí, quando o meu filho chegou lá no posto tinha um médico pra
acompanhar ele.”
Hortênsia estuda no Instituto Federal de Brasília desde 2013 no Programa Mulheres
Mil. Foi informada por meio da divulgação do CREAS da Cidade Estrutural. Gosta
especialmente das aulas de alfabetização e a que menos gostou até hoje foi de Informática,
pela dificuldade de aprendizagem com a tecnologia digital. Considera que o campus tem uma
boa estrutura, e lembra que a brinquedoteca é muito importante para as mães poderem
estudar.
Hortênsia é uma mulher caseira, gosta de cozinhar e até pensa em fazer encomendas
para fora. No entanto, depois que seus filhos nasceram só consegue trabalhos esporádicos. As
dificuldades financeiras são tamanhas ao ponto de ter de vender as doações de frutas e
verduras que recebe da Central de Abastecimento do Distrito Federal (CEASA). A lógica
caritativa fica perceptível em seu discurso, pois a sobrevivência faz parte de seu cenário de
vida. Nota-se a urgência em sobreviver e a busca pelos apoios sociais são uma forma indireta
de conseguir dinheiro.
Devido a sua consciência de não poder contar sempre com algum tipo de apoio, às
vezes também passa a vender balinha e pipoca em transportes coletivos, a fim do mínimo do
48
Hortênsia teve seus três filhos em um hospital público de Taguatinga, Distrito Federal.
76
mínimo, por assim dizer. Como coloca Galeazzi (2001, p. 63), “as mulheres apresentam
dificuldades maiores de inserção no mercado de trabalho e nas famílias chefiadas por elas
verificam-se níveis de renda significativamente inferiores às das chefiadas por homens.” Não
somente pelo quadro de desemprego em que o Brasil vive atualmente49
, mas o contexto de
vida de Hortênsia a impede de trabalhar. Ela não conta com nenhum apoio familiar para
cuidar dos seus filhos, apesar de ter parentes morando em Brasília. Consegue estudar só
porque os filhos estudam no mesmo período. E para suportar as dores (muitas delas
provocadas pelos episódios constantes de violência), frequenta um grupo de apoio
psicológico em uma instituição de apoio à mulher localizada em Brasília, a Casa da Mulher
Brasileira50
.
Ela não tem religião: “pelo o que eu passei, pelo o que eu tô passando, no momento
não me considero católica." Sonha em ter um emprego digno e ganhar um salário mínimo -
hoje estipulado em 880 reais, quissá trabalhando na limpeza das ruas da cidade. O seu desejo
de autonomia e independência é revelador:
“Se pelo menos eu tivesse meu emprego digno, poderia ser até emprego de varrer a
rua mesmo, eu tendo meu salariozinho todos os mês pra mim poder tá me mantendo,
eu e meus filho, ia até me ajudando bastante. (...) Pra mim poder não deixar faltar as
coisa dentro de casa e poder ajudar meus filho e ter meu dinheiro, pra mim me dar
conta de mim mesma, si próprio.”
A precariedade atravessa a vida das mulheres entrevistadas, e isso ainda mais visível
no relato de Hortênsia. Apesar de todas as dificuldades, se sente motivada a continuar no
curso de Alfabetização e Letramento. Hortênsia busca aprender a ler e a escrever, apesar da
notável insegurança em sua fala, colocando um certo descrédito em sua capacidade: “pra mim
49
A taxa de desemprego no trimestre encerrado em fevereiro de 2016 foi estimada em 10,2% para a totalidade
do país, ficando 1,2 ponto percentual acima da taxa do trimestre encerrado em novembro de 2015 (9%) e
superando a do mesmo trimestre do ano anterior, que havia sido de 7,4%. O Brasil tem hoje 10,4 milhões de
pessoas sem ocupação. Disponível em http://agenciabrasil.ebc.com.br/economia/noticia/2016-04/desemprego-
no-brasil-sobe-para-102-revela-pesquisa-do-ibge. Acesso em maio de 2016. 50
A Casa da Mulher Brasileira é um dos eixos do “Programa Mulher, Viver sem Violência”, coordenado pela
Secretaria de Políticas para as Mulheres da Presidência da República. Integra no mesmo espaço serviços
especializados para os mais diversos tipos de violência contra as mulheres: acolhimento e triagem; apoio
psicossocial; delegacia; Juizado; Ministério Público, Defensoria Pública; promoção de autonomia econômica;
cuidado das crianças – brinquedoteca; alojamento de passagem e central de transportes. (Texto disponível em
http://www.spm.gov.br/assuntos/violencia/cmb. Acesso em janeiro de 2016).
77
ver se ainda conseguia aprender né, a ler, a desenvolver alguma coisa (...) Ajuda porque o
que a gente aprende aqui, a gente sabendo do que a gente aprendeu aqui a gente tenta se
identificar lá fora, pelo o que a gente aprendeu aqui. O que a gente tentou soletrar um pouco,
a gente tentou se esforçar um pouco a tentar soletrar, dar conta de ler o nome, ajuda sim, me
ajuda bastante lá fora. ” Sarreta (2011, p. 9) provoca o tema, dizendo que “os alunos adultos
sofrem muito quando decidem ou são chamados a aprender a ler e escrever. Eles entram em
conflito porque, ao mesmo tempo em que querem aprender, esbarram no medo, na
insegurança, de estar em terreno desconhecido. Eles sentem que podem e não podem ao
mesmo tempo, têm medo de arriscar, e isso faz com que eles recuem, não acreditando com
firmeza que podem aprender.”
Hortênsia passou por certos períodos de infrequência regular no curso, especialmente
pelas problemáticas aqui narradas. Mesmo assim, já conhece o caminho de volta a casa, a
casa da leitura e do conhecimento: “sim, dependente se não tivesse muitos problemas né, é
muito bom tá continuando, de qualquer forma sempre tá ajudando, porque tá apendendo
coisa diferentes... Tentando se dedicar até ver se consegue voltar a ter o estudo de volta, a ler.
Então vai tá ajudando bastante. ”
Fica perceptível em sua fala a busca pelo desconhecido, provocando sensações
diversas; obstáculos fazem parte da sua vida a todo tempo. Mas seu desejo pela permanência
é maior que qualquer medo. O curso se apresenta como um apoio para sua estratégia de
sobrevivência, a valorizar as experiências trazidas para a sala de aula que possibilitam uma
compreensão melhor do mundo.
78
7.4 Brasília: terra de gente chique ou de lama? (Camélia)
Camélia, 37 anos, nasceu em Caxias, Maranhão, mesma naturalidade da entrevistada
Rosa. Ela se define como uma pessoa que não desiste dos seus objetivos e que muitas
mudanças em sua vida a fizeram enxergar a realidade de outra forma. Não é novidade
perceber a questão da autonomia, fica evidente em sua fala a vontade de tomar as rédeas da
própria vida:
“Eu praticamente eu era cega, eu não sou mais. Eu já vejo as coisa com outra vista,
porque de outra hora eu não, por mim, se dissesse é assim, e é assim que você dizia e
pronto. Agora eu sei dizer não, não é assim, eu vou fazer assim.”
Camélia morava na roça. Vinda de uma família empobrecida de recursos e com traços
desestruturais, ela é uma dos 17 filhos que sua mãe teve. Mesmo sobrecarregada pelas
circunstância em que vivia, tinha consciência que a mãe não tinha como acolhê-la: “ela não
tinha condição de ficar com a gente.” Situa-se em uma família permeada por frágeis
condições socioeconômicas, a qual remete ao discurso da “não transferência para as famílias
da culpabilização de mazelas e precarizações que permeiam a sociabilidade humana,
sobretudo a particularidade brasileira” (Machado, 2010). Além de não ter tido a oportunidade
de cuidado e dedicação, Camélia ainda teve que suportar a duras penas episódios de abuso
sexual: “minha mãe tinha 17 filhos, aí meu tio abusava da gente, eu não gosto nem de falar
disso. Foi um episódio muito triste, mas eu superei.”
À sombra do seu discurso percebeu-se a tentativa de apagar a indignidade perpetuada
em suas relações, vistas como memórias subterfúgias. “O abuso sexual intrafamiliar torna-se
prejudicial à criança vitimada porque envolve uma quebra de confiança com as figuras
parentais e/ou de cuidado que, a princípio, deveriam promover segurança, conforto e bem-
estar psicológico” (De Antoni & Koller, 2002). A decisão de sair de casa aos 10 anos
comprova este pensamento: “tinha uma mulher que pegava as criança pra ajudar, tipo assim,
aqui é Taguatinga, pistão sul, aí a outra ali é Taguatinga Centro, ela pegava essas menina, pra
ganhar alguma coisa, ganhar roupa num mês.”
Para fugir da violência vivida dentro da própria família, morava com esta mulher na
roça em troca de sua mão-de-obra barata, lavando roupa. Permaneceu assim por cinco anos,
até quando fez 15 anos foi para a cidade trabalhar como empregada doméstica – morava na
79
casa do bisavô materno. Foi lá que conheceu seu atual companheiro, com quem está junto
desde 1994 (não são casados oficialmente). Foram morar próximo a família de Camélia, no
interior. Sua vida não deixou de ser difícil: “a gente recebia lá um auxílio gás, que nesse
tempo era 15 reais, a gente recebia lá e meu esposo trabaiava na roça, a única renda que a
gente recebia lá era esse auxilio gás, 15 reais, um mês sim e outro não. ” Moravam em uma
casa de taipe, sem luz e sem água encanada (pegavam água do poço artesanal). A moradia,
além de não ser adequada, se situava longe de vários equipamentos sociais, inclusive a
escola: “meus meninos saiam 5h da manhã para chegar 7h, estudou só dois filhos. Eles iam
de bicicleta, tinha onça naquele lugar, tinha que levar e buscar.”
Aliás, o acesso escolar era lenda em sua família, pelo menos com as mulheres. Os
estudos lhe faltaram por muito tempo, porque seu pai não a permitia: “(...) meu pai ia pra
roça, aí só deixava só os menino homem pra estudar. (...) porque dizia que os menino homem
tinha que ser doutor e as meninas mulher era pra cuidar da casa.” Sabotada pelos próprios
pais a estudar, Camélia vivia trancada dentro de casa junto de suas irmãs.
Uma delas dizia “nóis temo que sair de casa pra estudar”, aí meu pai era meio surdo e
minha mãe dizia assim “eu tô ouvindo vocês não vão sair de casa, só vão sair quando casar,
se o marido de vocês quiser que vocês estude quem sabe.” “Mas eles não deixava, eles nunca
teve estudo, então pra eles era tudo tranquilo.” Por outro lado, questionou seus pais por que
sua irmã mais nova teve oportunidade de estudar e ela não: “papai porque você deixou ela
estudar?” “A minha filha, porque ela disse que era bom”, “mas eu falava isso pra você,
lembra?”, “ah, mas naquele tempo era mais fácil, agora as coisa tá mais moderna, agora nóis
tem até televisão, uma pessoa que deu uma televisão pra nóis ouvir, naquele tempo nóis não
tinha, não sabia ler” (hoje essa sua irmã está fazendo faculdade em São Luís/Maranhão,
grande capital nordestina).
Em 2006 seu esposo decidiu morar em Brasília, motivado pela cunhada que já morava
na capital. No entanto, Camélia não aprovou a decisão: “aí meu esposo não tinha roupa, não
tinha nada, tudo foi ela que deu, ela comprou tudo pra ele, aí eu falei “eu sabia que você ia
tirar ele de mim, porque você tá comprando tudo isso”, “eu via que ela tava ajudando, que ela
tava dando uma oportunidade pra ele. Só que eu não via assim, aí eu falei” “já que você quer
ir, então vai. ” Não o esperaria muito: “eu vou ficar esperando você um ano, se com um ano
você não voltar eu não vou te procurar mais! ” Ao contrário da sua expectativa, seu esposo
80
não voltou para Caxias, acreditando em melhores frutos de vida na nova morada. Tanto assim
que depois de um ano o esposo lhe mandou dinheiro para a passagem de ônibus. Na época
com cinco filhos, Camélia foi para a capital (2007) encontrar o esposo. Estava com 29 anos.
Ressalta que foi contrariada, pois gostava de morar na cidade natal. Lá tinha sua mãe, seu pai
e outros familiares:
“Aí meu esposo veio pra cá e eu não sabia se ficava com a minha mãe lá, mas o meu
pai sempre falou pra mim quem casa quer casa, tem que acompanhar seu marido
aonde for”, aí que foi a vez que a gente teve a decisão de vir pra cá.”
Apesar das imagens convidativas de Brasília pela televisão, não teve boa impressão
quando chegou e relata ter passado muitas dificuldades. Só depois de nove meses de aluguel
conseguiram comprar o lote onde moram hoje ela, seu companheiro, seus sete filhos (cinco
meninas e dois meninos) e uma neta. Não somente rastros, mas intensos laços desestruturais
permeiam sua vida: “passei fome com meus menino, fome mesmo. Porque o conhecimento
era pouco pra quem não sabe ler é mais difícil ainda.” Uma amiga a ajudou, apresentando a
feira do CEASA, onde consegue doações de verduras até hoje: “Ainda hoje eu vou, sempre
vou, uma, duas vez no mês eu vou, pego coisa pra semana lá em casa porque lá em casa quem
trabalha é só o meu esposo. (...). É tudo que a gente, insistindo que a gente consegue.”
Insistir, aliás, o verbo da sua existência. Desde 2008 Camélia trabalha em uma
cooperativa de materiais recicláveis chamada Coopera. Um apoio financeiro, diga-se de
passagem, incerto porque depende de sua disposição de saúde, a qual não é das melhores. Ela
é hipertensa e tem problema de púrpura51
, se sentindo mal toda vez que vai para o Lixão.
Com o suporte de um laudo médico, tem direito a trabalhar menos tempo que as outras
pessoas. Se ficar o dia todo trabalhando, ganha em média 20 reais. Apesar de ainda estar
trabalhando lá, já está ciente da transição do Lixão para outro local:
51
Púrpura é uma doença autoimune que se caracteriza pela destruição das plaquetas, células produzidas na
medula óssea e ligadas ao processo de coagulação inicial do sangue. O nome está diretamente relacionado às
principais manifestações da enfermidade. Púrpura é uma referência às manchas roxas ou avermelhadas
indicativas de sangramentos que aparecem na pele; A enfermidade afeta uma em cada 10 mil pessoas e incide
mais nas mulheres em idade fértil do que nos homens. Disponível em
http://drauziovarella.com.br/letras/p/purpura-trombocitopenica-idiopatica/. Acesso em janeiro de 2016.
81
“Eu trabalhava era a área do carrefe, que é a área de sobra de comida, arroz, várias
coisas que a gente pegava lá, muitas coisa tava vencido, mas muita coisa ainda ia
vencer, e essas coisa eu pegava pra levar pra casa. Aí essa área não tem mais, eles
fecharam.”
Devido a esta transição, planeja participar de cursos de capacitação oferecidos pelo
SEBRAE (Serviço Brasileiro de apoio às Micro e Pequenas Empresas). Gostaria também de
atuar como auxiliar de serviços gerais, empregada doméstica ou ajudante de cozinha, com a
pretensão de ganhar um salário mínimo. Já fez o curso de costureira no Programa Fábrica
Social também, durante dois anos, mas o ofício aprendido não se converteu num modo de
vida, levando ao questionamento da eficácia dessas formações na melhoria das condições de
empregabilidade dessas mulheres, para além dos propósitos socioeducativos.
Além de trabalhar como catadora, Camélia ainda é a grande responsável pela
manutenção da sua casa. O companheiro não a ajuda dentro de casa e a perpetuação machista
se perpetua aos próprios filhos homens. A estudante não aceita por menos, quissá pela
primeira infância em que foi cerceada dos direitos mais básicos:
“Porque o meu esposo ele é um pouquinho machista, como ele foi criado com a mãe,
o homem não pode fazer nada, aí eu falo pra ele “você tem que fazer, porque não cai,
fica do mesmo jeito, no mesmo lugarzinho, você vai continuar homem. (...) Ele me
ajuda muito, ele não bebe, ele não fuma, mas ele é só um pouquinho machista. (...).
Justamente pra não dizer assim, “ele é o homem, ele pode tudo”, não! Eu já fui criada
com isso também, aí eu não aceito...”
Outrossim, o esclarecimento sobre o caráter relacional e histórico das construções
sociais sobre os sexos implica considerar que as significações atribuídas ao masculino e ao
feminino são desenvolvidas nas interfaces de relações sociais mais amplas. De acordo com
Santos (2008, p. 143), “o gênero deve ser compreendido, pois, como uma relação sócio-
histórica articulada com as relações de poder de caráter transversal, atravessando os liames
sociais, as práticas, instituições e subjetividades.”
Pelo seu discurso percebe-se a capacidade de transgressão das interfaces de gênero, a
busca pela transformação gerada pela própria vida. Em 2011, pela primeira vez Camélia
começou a estudar em um projeto da Igreja Católica, uma vez por semana ia para um curso
82
de alfabetização na própria região de moradia, Estrutural. Ficou neste curso durante três
meses. Ficou perplexa porque a sua ex-professora atualmente está trabalhando no Lixão
(como pode-se ver que o descaso da política educacional atinge as classes de forma geral).
Camélia, no entanto, não estava disposta a desistir. E parece que os ventos estavam mesmo ao
seu favor. Num dia ensolarado do final de 2012 uma equipe do IFB apareceu no Lixão para
fazer inscrição de várias mulheres no processo seletivo do Programa Mulheres Mil: “o
pessoal quando quer ajudar né, vai muito além né?”
Matriculou-se no curso e desde então é estudante do IFB. Um novo universo, se abriu
para ela: “a partir que eu conheci o IFB, eu conheci o IFB em 2013, aí do começo do ano se
você disser ‘é assim’, é só assim. E depois do segundo bimestre em diante eu já comecei a ter
outros olhos, das outras coisas...”. Agora participante do curso de Alfabetização e
Letramento, se vê ainda mais confiante a conquistar novos desafios. Sente tanta motivação
que precede seu esposo e gostaria muito de envolvê-lo em suas novas expectativas de vida:
“Não quero desistir não, eu falei pro meu esposo, ele também não sabe ler né, e ele é
cabeça dura. (...). Eu me sinto muito triste, porque foi ele que...ele estudou, ele era
analfabeto, ele estudou 6 meses, aí ele mudou o documento dele. Aí quando ele foi e
simplesmente parou, mudou o documento “só queria mudar o documento? ” Isso não
resolve nada não...e ele assina também o nome...falei pra ele “se eu fizer a minha
matrícula e não estudar é porque eu vi você, agora você parou e eu não vou parar não,
vou pra frente!”
O universo escolar trouxe diversos significados para Camélia, não somente no aspecto
educacional. Ela participa também do apoio psicológico que o IFB oferece. O
acompanhamento do Serviço Social da instituição possibilitou conhecer serviços de apoio
fora da instituição, como a Casa da Mulher Brasileira, já citada no relato anterior. Gosta
muito de participar do grupo de apoio da instituição: “quando a gente senta naquela cadeira a
gente sente super bem, eu disse que acho que até vou mudar (risos). Mas é muito bom lá, as
menina super atenciosa.” Receber este reconhecimento é um primeiro passo para a
vinculação social. Parece consituir uma pista importante para pensar a intervenção social com
estas mulheres: “(...) por isso que eu tô indo pra né, e elas tava falando se eu precisar de
alguma coisa, algum reforço, pra eu não ficar com trauma (chorando). Eu não gosto de falar
nisso, sabe? Parece que volta tudo...” (emocionada)
83
Nota-se que a negligência familiar vivida na infância deixou importantes rastros na
vida adulta. Perpetuando mais um capítulo no perverso ciclo de vulnerabilidade social,
recentemente o seu filho de 16 anos virou pai. Ainda muito novo, Eduardo não se sente
preparado para criar a filha. Mais um desafio na vida de Camélia, como se já não faltassem...
Uma de suas filhas, 10 anos, ainda tem crises recorrentes de epilepsia.
O curso é mesmo um subterfúgio para os seus problemas. Gosta muito das aulas que
os professores a leva para escrever no quadro e se sente motivada a continuar estudando
Libras: “a gente erra e ele faz a gente soletrar, conhecer as letras certinho”. Se tivesse
oportunidade de fazer outro curso no IFB gostaria de estudar Informática, expressando o
sonho de inserção no universo digital tão desconhecido. A precariedade em que vive não a
permite ter acesso às tecnologias digitais, frente a necessidades mais urgentes de
subsistência52
.
No seu relato, coloca sua admiração pela equipe de professores do curso de
Alfabetização, sublinhando a importância da relação afetivo-pedagógica na motivação dos
sujeitos, bem como na consolidação das aprendizagens:
“Os professores são bem atenciosos e fala sobre a gente, tira as dúvidas e ele tem
paciência com a gente né? ” Que a gente tem dificuldade, eles vão lá “olha, não tem
dificuldade, a sua dificuldade, a sua dificuldade é que tu estar aqui pra assinar”, então
eles não tem barreiras, eles gostam muito, diz que eles, ele não tem limitade, eles diz
que a limitade deles é a nossa dificuldade.”
Depois do curso sente, inclusive, que as pessoas a respeitam mais, ou seja, demonstra
que o reconhecimento social por via da competência de leitura e escrita revela-se central no
desenvolvimento de cidadania:
“Ah, respeita sim. Porque outra hora, ixi maria, o pessoal não tem respeito pelos
outros né. “Ah, a pessoa não sabe ler, vamo chamar fulano”. Eu já perdi árias vaga de
emprego, porque quando a gente pra fazer exame de vista o que eles dão pra gente?
Uma folha né, com um monte de letra, pra gente responder né? Aqui, como é que tu
vai responder? Agora com uma dificuldade um pouquinho de dificuldade, eu leio e
respondo alguma coisa...”
52
No próximo capítulo, no tópico de prestação de serviços públicos, trataremos deste assunto novamente.
84
Alcançar determinados patamares, antes inibidores da sua auto-estima, parecem
permitir-lhe projetar o seu percurso de vida num futuro mais longo, numa nova linearidade
alimentada pela participação no mundo escolar. De fato, hoje não põe limites nos estudos:
“...tenho vontade de terminar pelo menos até o 9º ano, eu quero fazer. Depois quem
sabe, porque eu pensei que ia ficar “vou estudar no IFB só um ano”, aí não fiz só um
ano, aí já tô no terceiro ano que a gente tá aqui né? Aí eu sempre falo assim “quando
eu chegar no 6º ano eu paro”, mas eu acho que não vou ter limite pra leitura, porque
eu quero fazer muita coisa, muita coisa mesmo53
...”
A vida de Camélia se transformou ao vir para Brasília. A capital abriu seus caminhos
para os estudos. Nessa perspectiva de luta, a sua capacidade de iniciativa foi fundamental
para conquistar seus objetivos. Este fato contribuiu para o desenvolvimento de ações
afirmativas que não raticassem relações de subordinação, sobrecarga de trabalho e de
responsabilidades sem oferecer mínimas condições necessárias para uma vida digna. Ela
ultrapassou seus limites que a vida lhe traria, reconhecendo a própria capacidade de ir além.
53
Está aguardando vaga na escola pública regular. Gostaria de terminar pelo menos o Ensino Fundamental.
85
7.5 A morte não é o fim do caminho (Margarida)
Margarida, 49 anos, nasceu no interior do Estado do Pará, norte do Brasil, em um
município chamado Abaetetuba. Ela se define como “uma pessoa bastante firme,
determinada, boa mãe, mas bem exigente.” Ela se recorda de coisas boas e ruins, e apesar dos
relatos de sofrimento, tem apreço pelo seu passado também:
“Eu não, eu sofri, mas gosto de lá e eu não fiquei…eu acho assim, não sei se eu tô
guardando alguma coisa, mas eu acho que eu não fiquei com aquela mágoa, aquele
horror, aquela coisa…”
Margarida morava em uma comunidade ribeirinha54
; vivia em uma casa toda feita de
pé de açaí e coberta de palha. Não tinha saneamento básico. Morava com a mãe, o pai e seus
oito irmãos. Passou muita fome na infância, a refeição típica era açaí e farinha, isso quando
tinha. Seu pai viajava muito porque era comandante de embarcação, mas Margarida tem
péssimas recordações de quando ele retornava para casa:
“E eu sei que meu pai bebia, porque depois que foi crescendo a gente viu que ele
bebia, o único que enfrentava ele era ela (a mãe), que queria matar e não sei o que,
todo mundo tinha medo dele. (...) Ele não batia porque ela não deixava, porque se ele
fosse pra bater, ele matava, então por isso que ela colocava a gente pro mato.”
Ambos os pais já faleceram. Não se lembra de nenhum tipo de serviço público na
região ribeirinha, a saída era se deslocar à cidade mais próxima, Abaeté. Apesar de ter
chegado a estudar no local de origem, em uma fazenda de engenho onde seu pai trabalhava,
não ia com frequência porque o acesso era pelo rio, o que dificultava seu deslocamento.
Dessa passagem pela escola pouco ou nada ficou: “eu me lembro de uma que era muito
longe, era até num engenho onde meu pai trabalhava, minha mãe trabalhava, era muito longe.
Só que a gente ia assim, uma vez ou outra né, porque ia naqueles barquinho né? ”
Morou em Abaetetuba até os 10 anos de idade, quando se mudou para Abaeté, devido
aos problemas de saúde da mãe. Quando perceberam que sua situação não estava
54
As populações ribeirinhas, são povos que vivem nas beiras dos rios e geralmente são extremamente pobres e
sofrem com as poluições dos rios (esgoto) e com os assoreamentos e a erosão. Disponível em
http://populacaoribeirinha.blogspot.com.br/. Acesso em abril de 2016.
86
melhorando, Margarida e seus familiares foram morar em Belém, capital paraense. Pela falta
de amparo materno, quando tinha 11 anos Margarida ficou sob os cuidados de uma mulher
indicada pela tia. Apesar de colocá-la para estudar na escola pública da cidade, Margarida
apanhava muito e era explorada em casa:
“Ela era daqueles tipo de mulher que pegava os filho das mulher só pra trabalhar pra
ela pra maltratar. Aí a minha mãe achando com certeza que ela ia me dar o estudo,
porque o intuito era eu estudar, só que quando eu cheguei lá, virei uma escrava. (...) E
ela me colocou na escola, só que o caso, assim, eu ia pra escola, mas eu não…eu tinha
que fazer tudo, uma pessoa que veio do mato não sabe fazer nada dentro de uma casa
de cidade. Então eu não sabia fazer e eu apanhava.”
Ainda que acreditasse que a mãe queria um bom futuro para ela, Margarida
transparece muita dor ao falar deste período passado de sua vida: “o que a minha mãe queria
era que eu estudasse. E naquela época mãe era assim, se fulano batesse ela não se preocupava
porque achava que era pra educar, não tinha esse negócio... Foram sete anos de inferno”. A
trajetória escolar a essa altura fica obscura porque o sofrimento falava mais alto: “estudo
nenhum justifica o sofrimento que eu passava (...) Porque eu sofria de tudo e eu perdi o
desinteresse por estudar. ” Este estímulo narrativo, no entanto, a coloca em um nova reflexão,
possivelmente gerada pela sua condição escolar atual: “e hoje em dia eu vejo de uma outra
forma, mas fazer o quê se eu não tinha essa visão?” A estudante, portanto, não pode
aproveitar a escola durante estes sete anos, perdidos para a falta de sensibilidade alheia. Esta
foi a base para Margarida definir o que não queria para sua vida.
Nesta condição subhumana morou até seus 18 anos, quando voltou a morar na casa de
sua mãe, em Belém. Margarida estava decidida a permanecer lá a qualquer custo. Ficou
trabalhando em casa de família por um bom tempo, cerca de 13 anos. Em 1998, quando
estava com 31 anos, foi convidada a trabalhar na casa de uma família em Brasília. Já na
capital, transitou em vários empregos: sofria muitas dificuldades porque tinha uma filha
pequena com muitos problemas de saúde (ela havia nascido prematura de sete meses, em
março de 2001), advinda de um relacionamento não próspero. Em uma das tantas consultas
médicas da filha (Daniela) no hospital, perguntou: “a senhora não sabe de ninguém
precisando de empregada?”, quando foi convidada a trabalhar e morar na casa da própria
pediatra que atendia sua filha.
87
Margarida estava com 34 anos (2004). Ficou morando neste emprego durante três
anos, quando conheceu seu atual companheiro. Foi seu cunhado quem o apresentou; Ele os
colocou em contato quando este fazia um serviço doméstico na casa de sua patroa. Ela,
inclusive, não teria gostado da relação; pressionada a escolher entre o emprego e o
companheiro, Margarida preferiu sair do emprego, mas ainda continuou trabalhando como
faxineira: “ela não queria que eu tivesse um outro alguém, porque era muito cômodo que eu
ficasse lá, cuidando das meninas, porque eu não saia pra lugar nenhum, então era cômodo
pra ela...”
Denota-se no seu discurso a frágil condição de saúde em que sempre viveu. Ainda na
tenra infância (sem data precisa) foi desacreditada pelo médico em Abaeté. Tinha contraído
sarampo e “naquela época não havia vacina”. Já na fase adulta, teve duas gravidezes de alto
risco: “eu tive...começou com um mioma, aí depois veio rubéola, (...), diabetes gestacional,
pressão alta até que tive pré-eclâmpsia com sete meses, teve um quase um com seis meses,
conseguiu segurar e aí com sete meses tive outro que não... teve que interromper porque tava
dando parada cardíaca porque eu tava com pré-eclâmpsia.” Depois da segunda filha, fez a
esterilização definitiva por indicação médica.
E antes de iniciar os estudos no curso de Alfabetização e Letramento, em 2015, já
havia sido diagnosticada com fibromialgia e depressão55
. Apresenta significativa consciência,
inclusive, do impacto que a doença tem em seu convívio social:
“(...) a pior doença é a depressão, porque ninguém acha que você tem nada, todo
mundo acha que é frescura. Ou então quando eu falei, pra você ver o que é a pessoa
com depressão, a pessoa com depressão ela tenta mostrar pro outro que ela tá com
algum problema “ah, tô fazendo acompanhamento psicológico”, “ué, tu tá doida é? ”
E eu já tentei falar isso pra várias pessoas, pra minha irmã pelo telefone, e ninguém
diz “ah, que bom que você foi? O que você tá sentindo? ”, todo mundo te pega, te
tacha de doida, ou entao “ah, quem dera se eu tivesse tempo pra tá num psicólogo”,
acha que é frescurite, acha que psicólogo é coisa de quem não tem nada pra fazer.
Voce acha que eu de livre e espontânea vontade taria tomando remédio controlado?
“Ah não, porque eu quero tomar, porque faz bem pra mim. ”
55
Em 2012, Margarida foi diagnotiscada com fibromialgia no Hospital Universitário de Brasília (HUB), depois
de passar um período muito turbulento em sua vida, o caso de abuso sexual que sua filha mais nova viveu
(relatado acima). E em 2014, recebeu o diagnóstico de depressão no Centro de Atenção Psicossocial (CAPs),
sendo orientada a tomar vários remédios antidepressivos.
88
Além das somatizações de saúde, Margarida relata muitas dificuldades vivenciadas na
maternidade, inclusive um caso de abuso sexual ocorrido na creche que sua filha mais nova
estudava, em 2011. E essa história vem como um nódulo do ciclo de violência que ela própria
vivenciou em sua infância:
“Aí ficava vindo uns flash que eu me culpei a vida toda, meu tio abusando de mim e
eu achando que eu tava culpando ele, eu não sabia se era verdade ou se era mentira.
(...), mas na verdade eu não tava colocando culpa em ninguém, ele era culpado
mesmo, que eu tava sendo, como a psicóloga falou, geralmente quem é a vítima passa
a ser o culpado e o culpado passa a ser a vítima. (...) a pessoa fica se culpando pra
culpar o outro. Por isso que quando aconteceu com a Deise eu entrei nesse estado,
porque justamente voltou tudo, tudinho...”
O que não pode dizer que se repetiu foi que, apesar de na infância ter sido
desacreditada pelos próprios pais, quando ela mesma percebeu marcas no corpo da filha e seu
comportamento alterado, a tirou da creche imediatamente e procurou o Conselho Tutelar56
de
sua região.
Hoje não trabalha porque não confia deixar suas filhas com terceiros e suas crises de
fibromialgia a deixam com muita dor. Mesmo assim, sente como motivação profissional ser
“conselheira”, “psicóloga de ajuda”. Tem a pretensão salarial de mil reais e conquistar a casa
própria. Os tempos dramáticos em Belém lhe renderam desmotivação para estudar até
reencontrar ânimo no curso de Alfabetização e Letramento do IFB, o qual se matriculou em
março de 2015. Na época da matrícula Margarida estava com fortes sintomas de depressão,
inclusive depois de fazer a matrícula ainda ficou um tempo sem querer sair de casa. Com
efeito, um curso de letramento e alfabetização assume, como se pode atestar no relato de
Margarida em particular, uma função para além da estritamente escolar. No curso criam-se
redes de apoio afetivo, espaços de reconhecimento social e tempos de reformulação
identitária:
56
O Conselho Tutelar é órgão previsto no art. 131 da Lei nº. 8.069 , de 13 de julho de 1990 (Estatuto da Criança
e do Adolescente), que o instituiu como "órgão autônomo, não-jurisdicional, encarregado de zelar pelo
cumprimento dos direitos da criança e do adolescente". Tem como finalidade precípua zelar para que as crianças
e os adolescentes tenham acesso efetivo aos seus direitos. Disponível em
http://lfg.jusbrasil.com.br/noticias/107940/de-acordo-com-o-eca-qual-a-finalidade-do-conselho-tutelar-selma-
vianna. Acesso em fevereiro de 2016.
89
“Eu só sei que pra mim foi a melhor coisa que que fiz, que se eu não tivesse dado esse
passo, eu nem sei o que teria sido do percurso da vida, porque tava numa situação
mesmo...quase que insustentável né? Porque eu já tava tendo pensamento já de morte,
pensava assim “se eu me matasse, e as meninas? ” “E se eu me matasse, e as meninas?
” “E se eu me matasse e matasse elas pra não tá sofrendo? ”…e sem contar com a
ajuda (...). Porque marido não entende mulher, não sabe o que mulher tem, então
quando a pessoa tá num estado desse, pede socorro mas ninguém escuta. (...)
Sofrimento que eu digo que a minha vida, traz coisa que eu vou te falar.... Aí outro dia
na aula “deu porque você tem condições de segurar, porque se não tivesse... E eu
como num tinha, agora eu tenho né? Tenho aqui que eu falo com vocês, tenho tô
fazendo na “instituição de apoio à mulher”, mas assim, amiga pra eu contar o que eu
tô falando agora, não tem. Então pra mim foi, o IFB pra mim, vamos dizer que foi
fundamental pra mim tá agora aqui. Então pra mim, é um impacto foi tão bom, tão
bom, tão, bom, que não tenha assim uma palavra certa pra definir.”
Tudo isso não teria acontecido se dependesse de seu companheiro, porque ele não
apoiava que Margarida estudasse, recorrendo a argumentos relacionados com papéis de
gênero:
“Quando eu fui pra me matricular eu não falei nada pra ele. Eu não falei nada, porque
eu percebi, no Floriano, tudo o que falava pra ele, ele falava não. Aí eu fui fazendo as
coisas sem falar pra ele. Quando ele viu já tinha feito, não tinha mais jeito! (...) Aí
quando ele soube, ele falou “ah porque eu soube que você está estudando, você não
me falou, porque isso não é papel de mulher”, aí eu falei “Do que adianta eu falar? ”
Então quando eu fizer, eu faço e depois você sabe.”
Como uma flor que luta para sobreviver no inverno, Margarida chegou ao IFB quase
sem forças e praticamente não alfabetizada:
“...porque o pouco que eu estudei, eu já tinha esquecido tudo, eu não sabia porque eu
já tinha perdido, tudo o que eu queria escrever eu pedia pra Filomena escrever,
colocava uma situação de completo descontrole de mim mesmo. Tanto é que quando
eu vinha pra cá nem os papeis eu preenchia direito, porque a memória não
funcionava, tava tudo apagado.”
90
Os estudos foram um divisor de águas em sua vida, um verdadeiro momento crítico
ou turning point57
. Esta narrativa representa um momento marcante na vida de Margarida, ao
alterar os seus sistemas fundamentais ou significados (Thomson et al, 2002). O modo
potencialmente consciente com que a estudante aborda este ponto de transição de sua vida é
significante. Tão marcante que não tinha perspectiva de inserção educacional até se
matricular no curso e não percebia como algo importante, mas hoje é diferente,
inclusivamente gerando uma motivação para evitar a reprodução junto da descendência de
um baixo perfil qualificacional:
“Não tenho nem palavra pra descrever o que o estudo pode fazer. Porque a gente tem
conhecimento, a gente vê de outra forma, a gente tem uma outra visão de tudo, a gente
vê que a gente pode as coisa com as pessoas falam que não pode. Então é muito,
muito, muito importante. É por isso que todo dia eu incentivo, todo dia, todo dia,
como todo dia acordo eu incentivo o estudo das meninas.”
Hoje, além de motivada para continuar no curso, alimenta o sonho da independência
financeira e conquistar o negócio próprio na área de cosméticos ou de alimentação.
Margarida não tem intenção de voltar a trabalhar em casa de família: “porque a minha vida
foi toda sofrida em casa de família, eu agradeço ter sobrevivido trabalhando em casa de
família, mas é uma coisa que eu não tô com vontade de voltar, e pelos acontecidos fatos que
aconteceu, eu não vou querer...” Além de não querer não se trata sequer de uma opção, pois a
fibromialgia limita sua capacidade de trabalhos manuais.
57
Vide Thomson et al (2002).
91
7.6 Vida à lá cigana: qual a próxima estação? (Flora)
Flora, 73 anos, assim se define: “eu sou eu, não tenho inveja de ninguém, e ninguém
vem querer me botar embaixo que não bota não, ainda tem mais essa, ou me respeita ou cai
fora.” Nasceu em Deodoro, Rio de Janeiro, perto do Paiol do Exército. Sua casa foi adquirida
por meio da Fundação Casa Popular, o primeiro órgão federal brasileiro na área de moradia
com a finalidade de centralizar a política de habitação, criado em 1º de maio de 1946. Morava
com seu pai, sua mãe, seus irmãos e seus avós.
Quando tinha apenas dois anos, sua mãe biológica morreu, e quando tinha seis, foi a
vez do pai. Em tenra idade, seu avô decidiu dar a neta para uma família rica criar, moravam
em uma fazenda em Campos, Rio de Janeiro. Durante o tempo que morou lá, foi explorada
para cuidar dos filhos dos ‘patrões’, por isso não teve nenhuma chance de estudar: “criou né?
Só não me ensinou a ler e nem a escrever. Ensinou a respeitar as coisa dos outro.” Flora foi
explorada desde os seis anos de idade para cuidar dos filhos da família que a ‘acolheu’, como
conta num relato donde ressalta uma profunda e anacrônica desigualdade e injustiça social:
“Eu fui criada na fazenda, não tinha jeito. Ela levava os filho dela de carro, mas eu
não podia estudar porque tinha que tomar conta da casa. Tinha dois bebezinho, eu que
tomava conta. (...) Só não podia andar com eles que eu não aguentava, que eu caia
com eles no chão, não dava conta, dava mamadeira.... Eu cuidava, limpava as coisa,
todo mundo criou numa boa, eu não... Mas Deus quis assim né? É a vida (fica
emocionada – pausa longa). Eu tenho que tocar o barco pra frente, né? ”
Apesar do rumo que sua infância tomou, resistia muitas vezes à exploração: “não
adiantava mandar, aí eu apanhava por causa disso. Ela me pirraçava aí eu sumia no mundo
(...) Todo mundo me esquecia eu chegava dentro de casa. Apanhava, mas eu ia de toda
maneira...” Flora se referia das vezes que os patrões abusavam da sua condição. Quando
ameaçavam em bater nela, ela fugia para as matas da fazenda. Ela permaneceu nessa
condição de subordinação (entre muitas contestações) até seus 15 anos de idade. Ficou vaga
esta parte da entrevistada, não se sabe por onde e quantas cidades passou até chegar em
Brasília, no início de 1960, quando Flora tinha 18 anos. Ela foi para capital federal trabalhar
na casa de sua tia no Plano Piloto. No entanto, no início não recebia dinheiro: “pagava...
92
pouquinho mas pagava. Quando eu cheguei pra cá ela não me pagava não, ela me dava era
roupa, calçado...” Eram tempos difíceis, a construção de Brasília ainda pouco avançada, não
tinha infraestrutura para a locomoção, muito menos para os tão sonhados estudos:
“De dia já era ruim, eu não saia de noite aqui, quando eu fui sair de noite foi depois de
muitos ano, que já tinha terminado tudo. Tinha muito peão moço, quando eu cheguei
aqui em Brasília não tava completa ainda não, tinha muita quadra ainda fazendo. E de
noite a gente não podia estudar quando chegou praqui não, aqui era perigoso, eu
cheguei a gente foi praquela quadra ali, só tinha 3 broco pronto, o restante ainda tava
funcionando, e tinha muito peão, a gente não andava sozinha não, de vez em quando
aparecia alguma morta dentro do buraco lá, os peão pegavam...eu não andava, a gente
não andava só. Pra ir na padaria só ia de 3, 4 e a gente ia na padaria, ia no
mercado...Tudo junto, não podia não.”
Com quase 20 anos se casou com o pai de sua única filha, o qual conheceu em um
clube de futebol local. Moraram em vários lugares, como Núcleo Bandeirante, Paranoá e Vila
do IAPI58
. Ele não apoiava que estudasse, apesar da escola ficar do lado de casa: “eu entrei na
escola e meu marido tirou, “porque achava que eu ia namorar”. Não chegou a completar
nenhum grau, até porque ia com pouca frequência à escola, dificultada pelo companheiro.
Depois de dez aos de casamento, ela e sua filha foram abandonadas por ele em um lote
descampado da Ceilândia59
: Flora dá conta de uma vivência de profunda precariedade, risco e
pobreza:
“Esse homem me deixou morrer de fome porque, tem primeiro o Pai né e as pessoa
que me ajuda. (...). Quando ele saiu de casa, minha filha tinha, ia completar 8 ano
ainda, me botaram na Ceilândia. (...) A gente ia esquentar água e fazia um buraco no
cupim, só via filhote de cobra saindo, era cobra coral, cobra que faz (faz barulho)
assim. E o medo de dormir e a cobra vim morder nóis? (...). Jogou nóis lá e foi
embora com a rapariga dele! A primeira noite eu passei um apuro, eu e 3 criança, 2
58
Era uma antiga invasão do Distrito Federal, uma área localizada entre o Guará e o Núcleo Bandeirante,
remotos lugares da região. Os candangos, que construíram Brasília, improvisaram sua moradia nesta região
quando chegaram à cidade. Na década de 1970, no entanto, foram transferidos pelo governo local para
Ceilândia, uma das mais antigas regiões administrativas do Distrito Federal. 59
A primeira região administrativa do DF, conhecida pela moradia de peões de obra que foram os grandes
responsáveis pela construção de Brasília. A Ceilândia surgiu da preocupação dos órgãos públicos em remover as
invasões dentro do Plano Piloto de Brasília. No início da década de 1970, foram criados o Grupo Executivo de
Remoção (GER) e a Campanha de Erradicação de Invasões (CEI), dirigidos por Vera Prates, mulher do então
governador Hélio Prates da Silveira. Da CEI surgiu o nome da cidade: Ceilândia. Acesso em janeiro de 2016.
Disponível em http://fatoonline.com.br/conteudo/1461/ceilandia-44-anos-a-luta-dos-incansaveis-moradores.
93
filho ele de rapariga da rua, que eu criei, e mais minha filha. (...) Quando chegava em
casa tinha que acender o fogo de lenha pra fazer comida de noite, com a filha no
braço. Teve uma vez que eu fui trabalhar com ela, sabe que hora que eu sai de casa?
Duas hora da manhã! Sem saber horário, sem ter relógio, sem ter rádio, sem ter nada.
Quando eu cheguei lá em cima na 10, que era onde a gente pegava o ônibus, quando
eu fui falar com o rapaz lá, que tem uns vigia lá né? “Ô dona Laura! Já é duas hora da
manhã o que a senhora veio fazer aqui minha fia, debaixo de chuva? ”, “Ixi eu já
pensei que tava amanhecendo o dia! ”
Através da luta levada a cabo pela Associação dos Incansáveis da Ceilândia ganhou a
escritura do lote que mora atualmente60
: “chegou gente lá pra pegar meu lote fia, que eu fui
trabalhar na segunda-feira, aí eu só vim o sábado que foi folga, quando eu cheguei, foi gente
bater lá. (...). Não podia dormir fora da casa não.”
Em 1975, segundo Flora, ele faleceu “de cachaça”. Vinte e seis anos depois, em 1986,
apesar do desquite seu casamento ainda prevalecia quando descobriu que o esposo tinha se
casado com outra mulher. Mesmo com a situação ambígua e não contestada em âmbito
judicial, ela é quem recebe pensão por morte dele, assegurando assim seu único rendimento
fixo: “eu recebo a pensão do homem, é um salário mínimo. Já passei muita necessidade, hoje
Deus me abençoou, já fui ajudada por muita gente, difícil...É por isso que hoje eu trabalho,
faço as coisa pros outro...”
Flora alega estar esperando o seguro por morte do Instituto Nacional de Seguro Social
(INSS): “o que eu queria é que eu tenho um dinheiro pra receber, que o INSS me enrolou né?
Se eu tivesse recebido o dinheiro todo que ele me deu, era mais de 70 mil real. (...) ele tão me
enrolando pra eu esquecer. ” Não soube esclarecer mais sobre esta situação, só que está
aguardando os trâmites institucionais.
Como já observado, Flora trabalhou como empregada doméstica até se casar com o
ex-companheiro, que acabou a encorajando a largar o emprego. Atualmente, até pelo quadro
desfavorável de saúde (artrose nos dois joelhos, entre outras doenças), não apresenta
condições de trabalhos pesados:
“Eu vendo latinha pra me ajudar, tem vez que eu vou no médico é um monte de
remédio. Vai no posto e não tem ném uma gota. Eu tomo remédio de pressão, de
diabete, eu tenho labirintite. Trabalhar eu não dou conta.... Eu não tenho saúde boa,
60
Flora divide o lote (terreno) com sua única filha, que vive com seu companheiro e seus três filhos. No mesmo
lote há duas moradias, situação típica em regiões empobrecidas do Distrito Federal.
94
tem umas coisa que eu tenho que fazer mas é tudo assim apertado. Apareceu agora o
tal da bursite porque é nesse ombro aqui e eu não posso carregar muito peso. ”
Preenche seu tempo também como voluntária em um terreiro de umbanda61
e em uma
instituição sem fins lucrativos que ajuda famílias carentes da região do Recanto das Emas,
situada no Distrito Federal.
Antes de começar o curso de Alfabetização e Letramento, Flora já estudava no IFB,
pois desde 2013 fazia o curso de gastronomia do Programa Mulheres Mil no Campus Riacho
Fundo. No entanto, não sabia ler e escrever, o que dificultava sua participação. Por meio de
um vigilante da instituição, foi informada das inscrições no curso de Alfabetização e
Letramento no início de 2014. No entanto, as pessoas a sua volta não entendiam essa
motivação: “pra que mulher você vai fazer isso, pra que você vai estudar? Você já tá velha,
tá doente.” “Eu digo “doente nada!” O preconceito que impõe uma morte social aos cidadãos
mais idosos, negando-lhes até a «necessidade» de aprender, significa que estas a necessidade
destas competências só é valorizada se tiver função produtiva (capacitar para o mundo do
trabalho), negando a sua função expressiva (contribuir para a realização pessoal). Mesmo
com as adversidades, Flora não se intimidou a abandonar o curso. Para ela, este percurso se
estabelece como um contraponto da sua antiga realidade, despida ou limitada de muitos
significados, entre eles a frequência escolar.
Sente-se também respeitada pela equipe do IFB, um traço que se tem revelado
fundamental para todas as entrevistadas: “todo mundo trata a gente bem. Tem hora que a
gente encontra cada pessoa é horrível, pra tratar o idoso viu? E aqui não, aqui é diferente...”
Depois que ingressou no IFB se sentiu motivada a se matricular na escola regular. Está
estudando no primeiro ano do EJA de uma escola localizada na Ceilândia.
61
Religião brasileira nascida no Rio de Janeiro, nos anos 20, da mistura de crenças e rituais africanos e
europeus. As raízes umbandistas encontram-se em duas religiões trazidas da África pelos escravos: a cabula, dos
bantos, e o candomblé, na nação nagô. A umbanda considera o universo povoado de entidades espirituais, os
guias, que entram em contato com os homens por intermédio de um iniciado (o médium), que os incorpora. Tais
guias se apresentam por meio de figuras como o caboclo, o preto-velho e a pomba-gira. Os elementos africanos
misturam-se ao catolicismo, criando a identificação de orixás com santos. Outra influência é o espiritismo
kardecista, que acredita na possibilidade de contato entre vivos e mortos e na evolução espiritual após sucessivas
vidas na Terra. Incorpora ainda ritos indígenas e práticas mágicas européias. Disponível em
http://www.portalbrasil.net/religiao_religioes_afrobrasileiras.htm. Acesso em maio de 2016.
95
Capítulo 8 - (Des)caminhos entre si: convergências face percursos de vida
Nesta parte aprofunda-se a análise ao material coletado sob a perspectiva dos
percursos de vida das mulheres entrevistadas, identificando temáticas comuns que se creem
significativas no universo estudado. Estas temáticas foram induzidas das entrevistas,
observando os (des)caminhos percorridos pelas mulheres desde sua origem, nas fases iniciais
de vida até os momentos atuais vivenciados.
Não se pode falar de padrões estanques, mas foi possível perceber que os percursos de
vida que conversavam entre si, formando convergências entre suas histórias. Claro que isso
não foi uma regra, e cada percurso revela suas singularidades. Notar igualmente a dificuldade
em reconstituir um fio condutor cronológico para o percurso de vida, pois verificou-se que
termos temporais algumas informações não foram precisas, facto que não é alheio a uma
existência marginal ao mundo escolar. E a riqueza dos relatos foi especialmente por isso.
Dessa forma foi possível perceber alguns instrumentos chave para compreender suas vidas,
suas histórias, e estabelecer enlaces até o momento presente de suas vidas.
8.1 Raízes do meu jardim: a memória como função social
A criação de vida supõe infinitas histórias de superação e sobrevivência. Com as mãos
na terra, no rio ou no céu, suas raízes foram regadas com suor e lágrimas. Em suas veias corre
uma «sabedoria» da região norte, nordeste e sudeste do país, as mais pobres do país. Para
trilhar o caminho de volta, foi realizado um paralelo com seus locais de origem, desbravando
suas condições de moradia, relações familiares, laços culturais, entre outras temáticas.
Estas origens divisam memórias boas e ruins; caminhos desgostosos, sinais de
mudanças e transformações. De acordo com Bosi (1979, p. 32), “há algumas dimensões da
vida humana que são necessárias para a emancipação de educação de adultos: o reviver que
se perdeu, de histórias e tradições, o reviver dos que já partiram e participam então de nossas
conversas e esperanças.”
Essa força, essa vontade de revivescência arranca do que passou o caráter transitório,
faz com que entre de modo constitutivo no presente. Para Hegel (citado por Ecléa Bosi, 1979,
p. 74), “o passado concentrado no presente cria a natureza humana por um processo contínuo
de reavivamento e rejuvenescimento.”
96
“Eu lembro de coisas boas e ruins, mas também vou na minha cidade, mas também
não vou, eu conheço gente que não pode falar no passado dela que é horrores. Eu não,
eu sofri, mas gosto de lá e eu não fiquei... eu acho assim, não sei se eu tô guardando
alguma coisa, mas eu acho que não fiquei com aquela mágoa, aquele horror, aquela
coisa…” (Margarida, 49 anos, paraense)
Estas relações foram vivenciadas em sua grande maioria pelo ambiente rural. O
espaço físico remonta à simplicidade da vida interiorana, marcada pela estreita relação com a
comunidade vivente. Eram comuns casas de barro, cobertas de palha e os banheiros
improvisados no próprio chão, como coloca a primeira entrevistada. Filha de pais quase
analfabetos, Rosa foi educada pela roça:
“Ah...era...vixe lá...tinha uns buraco que as pessoas fazia...só que lá a gente fazia
mesmo era no mato...Mas tem lugar que tinha privada...Ainda tem ainda nos
interior...Mas era fossa...Tinha uns buraco, agora lá mesmo nos interior que ainda não
tem essas privada fazia as necessidade e vinha os bixo e comia...O porco, galinha, sei
lá...nos mato mesmo. Até hoje acho que ainda existe ainda.” (risadas) (Rosa, 45 anos,
maranhense)
“Morava com meu esposo, minha casa era casa de taipe, não tinha luz, não tinha água
encanada, pegava água no poço. ” (Camélia, 37 anos, maranhense)
Situações como essa além de comuns, eram arraigadas em cidades do interior,
limitadas aos poucos recursos disponíveis para a comunidade. Eram por assim dizer e ainda o
são em alguns casos:
“Os banheiro lá a gente usava assim o banheiro mesmo a gente não tinha no interior
não...Ainda hoje a gente toma banho nas lagoa, tem umas cacimba 62
que a gente faz
pra tirar água pra beber... o poço também puxando na bomba, que agora no interior já
tão fazendo isso também... Antigamente era puxando com as latinha assim...” (Rosa,
45 anos, maranhense)
62
Cova feita no leito seco dos rios temporários ou na areia e terrenos úmidos a fim de recolher água para usos
domésticos. Disponível em
http://michaelis.uol.com.br/moderno/portugues/definicao/cacimba%20_920517.html. Acesso em abril de 2016.
97
Imbricado ao ambiente rural, eis a particularidade da comunidade ribeirinha: “Lá era
uma casa de...você conhece pé de açaí? Então, derrubava aquele coisa de açaí e fazia, girava
assim, e a gente andava em cima daquilo. Aí coberto de palha e as parede também dos
coisinha do açaí” (Margarida, 49 anos, paraense) Somente uma mulher relatou já ter vivido
em ambiente urbano antes de morar em Brasília:
“Só que minha casa já é tipo na entrada aqui, já dá na entrada de Formosa, tipo já não
bem totalmente no centro, quase no centro da chegada. (...) As casa lá é construída de
alvenaria, a casa da minha mãe era construída de alvenaria e tinha água encanada.”
(Hortênsia, 41 anos, baiana)
A crescente migração populacional da zona rural para a cidade é conhecida, desde o
início da segunda metade do século passado, em vista de meios de comunicação, melhores
condições sanitárias, educação de maior qualidade, transporte. De acordo com Flores-
Mendonza e Nascimento (2007, p. 14), o aumento da urbanização, e com ela, a
modernização, implica em intervenções ambientais que melhoram as condições de vida da
população. Tais melhorias se refletem nas menores taxas de mortalidade infantil, na maior
longevidade da população e no maior controle de doenças endêmicas nas zonas urbanas.
A cultura dessas mulheres foi marcada pela oralidade das tradições, pela incorporação
de papéis sociais, não raras vezes desiguais e excludentes. Saberes que seguem vida própria
através de gerações e gerações. As primeiras memórias surgem da culinária regional,
ensinadas de geração a geração. “Nas festas de São João tinha muita comida, galinhada,
mucuzá, arrubacão, arroz casado” (Hortênsia, 41 anos, baiana). ” “Tem, baião de dois. Eu
gosto até hoje. Tem uma comida também que eu não sei se você conhece que eu gosto
demais. E outra comida que é arroz com abóbora. Ixi, mas eu como demais, eu como...” (Iris,
39 anos, baiana).
O contraste com o passado transcende a maturidade de uma outra época, salutar para
uma consciência coletiva. Como Santos (2009) propõe, a consciência é, antes de tudo,
produto da atmosfera social que se respira – a classe social, a cultura, a história coletiva, a
tradição, a geografia etc. Bosi (1979, p. 40) distingue o vínculo com outra época, a
consciência de ter suportado, compreendido muita coisa, traz para o sujeito a alegria e uma
ocasião de mostrar sua competência:
98
“Assim, eu aprendi... eu aprendi fazer cuscuz (risos), que a minha mãe faz lá, cuscuz
de arroz, cuscuz de milho... Nossa, deixa eu ver o que que é, baião de dois, que aqui o
povo chama de feijão tropeiro, mas é o baião de dois é o arroz misturado com o feijão.
A gente come buchada de bode, eu não faço, eu assim as veze eu faço só as pessoas
fazendo e eu como (risos), mas isso aí eu não faço porque eu não gosto de fazer, mas
eu sei fazer também.” (Rosa, 45 anos, maranhense)
A culinária demarca uma certa nostalgia de outrora. A particularidade de cheiros e
sabores de um determinado local: “As fruta, as pimenta que aqui você não encontra...O açaí,
pato no tucupi, maniçoba, comida são várias, caruru, vatapá, as frutas, cupuaçu, pupunha,
biribá...” (Margarida, 49, paraense) A representação de alimentos e os rituais culinários
fascinavam as mulheres e inspiraram suas histórias.
Além das práticas culinárias, importantes para degustar a vida de uma região e, mais
importante, do seu passado, da sua identidade fundadora o cenário às margens da lagoa: “E lá
a gente ia lá pras lagoa e ficava em cima da tábua lavando, a água assim descendo e a gente
lavando a roupa lá em cima das tábuas, coisa que eu fiz e ainda faço se ainda precisar...”
(Rosa, 45 anos, maranhense)
A disposição das histórias remonta à vida festiva, o mundo social da brincadeira, das
giras, das vilas culturais. A riqueza e a diversidade que poderia ser desconhecida, mas são
momentos desse mundo perdido podem ser compreendidos por quem não os viveu até
humanizar o presente:
“Tem dia que eu falava “ah, meu Deus, eu amava tanto minhas festinha, agora não
posso mais porque o marido não vai, só que quando a gente foi lá em 2014, a gente
fomos em duas festa ainda lá, passemo a noite inteira... É festa de tocador mesmo,
porque aqui tem os cantor, lá chama-se tocador, eles leva a banda e passa a noite
todinha tocando e a gente dançando. Quem bebe vai beber né, e quem num bebe fica
dançando lá a noite inteira.” (risos) (Rosa, 45 anos, maranhense)
“Ah, o festejo. Tipo assim, dia de São João...geralmente na roça, os festejo é
preparado o ano todo pra ir praquele festejo, aí a gente levava comida pra vender,
bolos frito, várias coisas. Quando a gente voltava com 2 dia, era com dinheiro, aí era
com os festejo que é data especial. ” (Camélia, 37 anos, maranhense)
99
“Conheci Bom Jesus da Lapa, conheci de Romaria um ano que eu fui, 2 ano levei
minha mãe, quase divisa da Bahia com Minas. Até hoje tem festa de dirrubar boi.”
(Hortênsia, 41 anos, baiana)
“Nosso passeio era bom, tinha quadrilha de São João. ” (Flora, 73 anos, carioca)
Simpatias, credos e rituais também fazem parte do conjunto de suas recordações. Não
só esclarecem os princípios de organização vital, como também limitam o tempo de sua
história, da disposição de arte manifestada pelas doces lembranças:
“Remédio a gente tinha..., mas era brincadeira né, de quando a gente era jovem lá que
dizia que a gente ia escrever o nome da pessoa e colocar na bananeira que aí ia
arrumar casamento, era brincadeira mesmo, não era coisa de cientista que o povo fica
com aquelas coisa, era só mais brincadeira (risos). Mas tem muitas coisa da roça lá
que a gente não esqueceu, mas a gente traz de lá e parou por aqui mesmo, que aqui
não pode, só lá mesmo na roça, que aqui as coisa aqui é tão diferente de lá... que lá a
gente vai em festa, lá a gente vai em reza, lá tem futebol, aqui também tem, só que a
gente nem sai pra essas coisas porque o marido não gosta mesmo de sair, passeia
assim às vezes, mas ele não gosta muito de andar, gosta de ficar em casa. ” (Rosa, 45
anos, maranhense)
O encontro das memórias foi permitido, um mundo que poderia ser perdido se essas
mulheres não dispusessem de tempo ou desejo de recriarem a infância. A obscuridade de
terem suportado diversas precariedades não apagou o brilho das histórias de alegria. Ainda
assim, o lugar social do presente em muito difere das realidades passadas, onde habitam
também as boas recordações, patamar essencial para a reconstrução do presente, com base na
valorização dos seus saberes, das suas experiências, para muitas sem significado ou valor. O
contraste do cotidiano atual é duro e não é possível ser ignorado. Este último discurso reforça
justamente a ausência de memórias festivas a partir de certo momento da sua vida, das
obrigações morais impostas pelo núcleo familiar, em função de papéis e expectativas
socialmente criadas, temática esta analisada em seguida.
100
8.2 Violência intrafamiliar: um produto das relações cotidianas
A violência trespassa, viu-se nos relatos, as vidas destas mulheres. “Sabemos que a
violência é parte intrínseca da vida social e como produção social apresenta-se atrelada ao
resultado das relações e dos conflitos de poder.” (Minayo, 2006). Algumas vezes apresentada
de forma sutil e simbólica, outras de forma explícita. A família representa o pressuposto
básico dessas relações, como reprodução primária do cotidiano da vida social. “É uma
construção humana responsável, basicamente, pelo cuidado e proteção de seus membros, pela
socialização e produção de subjetividades. A família tem uma importância vital no modo de
organização da sociedade ocidental como primeiro grupo de referência e de pertencimento do
indivíduo e como transmissora da linguagem e da ideologia” (Reis, 1989).
O enlace variado de experiências que representam a vida em conjunto foi
determinante para transformações importantes na vida destas mulheres, como o deslocamento
de suas cidades de origem para a capital brasileira:
“Foi ele. Foi ele que me tirou de lá. Ele disse: “Eu lutei tanto pra te tirar de lá... às
vezes quando a gente tamo conversando aqui ele diz “oh meu Deus onde eu fui mais a
cruz... essa mulher conversa demais.” (risadas) (Rosa, 45 anos, maranhense)
“A minha tia é funcionária da Câmara dos Deputado no Rio, ela foi transferida praqui
e eu tinha que vim com ela porque ela tinha uma filha com 7 ano, vim pra cuidar da
casa com ela...” (Flora, 73 anos, carioca)
A vida familiar e o espaço privado das relações são aqui demarcados pela assimetria e
hierarquia pelos critérios de sexo e idade, isto é, a “conversão de uma diferença e de uma
assimetria numa relação hierárquica de desigualdade com fins de dominação, de exploração e
de opressão, (...) a conversão dos diferentes em desiguais e a desigualdade em relação entre
superior e inferior” (Chauí, 1984, p. 35). O sentimento de família foi importante para
legitimar mudanças, invocadas para absorver rupturas ou até pela permanência de relações
conjugais:
“Minha família? Não, não quis não. Até porque a minha mãe mesmo ela não queria
que eu viesse pra cá pra Brasília, porque assim que eu vim pra cá eu comecei a
101
envolver com o pai dos meus filho e realmente só foi problema, mas eu queria ficar
por aqui pra trabalhar e me iludi por ele e terminei ficando e não voltei pra lá mais.”
(Hortênsia, 41 anos, baiana)
“Ai eu falei, “já que você quer ir, então vai”. Aí quando ele veio pra cá, com 1 ano,
que eu falei assim: eu vou ficar esperando você 1 ano, se com 1 ano você não voltar
eu não vou te procurar mais! Aí com 1 ano ele mandou dinheiro aí eu vim pra cá com
meus menino. ” (Camélia, 37 anos, maranhense)
Ela aguardava que o companheiro conseguisse algum emprego, assim “mandaria
buscá-la”. O discurso do patriarcado se torna legítimo na medida em que é porta voz da
supremacia do homem sobre a mulher e do adulto sobre a criança. A família detém seu poder
fiscalizador das relações e controle dos seus membros, ainda que, como no caso que se segue,
haja sempre espaços de resistência, de subversão:
“Quando eu fui pra me matricular eu não falei nada pra ele. Eu não falei nada, porque
eu percebi que o Orlando, tudo o que falava pra ele, ele falava não. Aí eu fui fazendo
as coisas sem falar pra ele. Quando ele viu já tinha feito, não tinha mais jeito! Eu fui
fazendo isso. Aí quando ele soube, ele falou “ah porque eu soube que você tá
estudando, você não me falou, porque isso não é papel de mulher.” (Margarida, 49
anos, paraense)
Essa foi uma temática intrigante nos relatos, porque por vezes aparecia como
conteúdo expresso das perguntas, outras quase interiorizavam esse discurso, ou não
consideravam como violência intrafamiliar. Apesar das imagens tradicionais do lar acolhedor
e seguro, observou-se nuances do machismo, pelas permanências de um lado, do olhar do
homem, do “outro” em relação às vontades do mundo, e por outro, das fragilidades da
independência feminina frente ao mundo patriarcal:
“A minha irmã também chegou a estudar até a 4ª série, até a 5ª, aí arrumou marido,
arrumou filho e aí acabou né, tá só mesmo na casa. E a outra já tem um filho já de
quase, acho que tem 28 ano, o meu sobrinho mais velho, e ela também parou de
estudar, acho que ela estudou até acho que a 4ª série também, aí logo casou, cabou. É
que lá no interior, depois que casa, já era...” (Rosa, 45 anos, maranhense)
102
Para além de um espaço de criação de laços e afetos, as relações familiares são
produtoras de mecanismos de opressão contra a mulher. De acordo com o relato de Rosa, seu
companheiro gostaria que ela saísse da função de diarista, como se atrapalhasse sua dinâmica
diária com a família: “não, assim, ele não gosta muito que eu vou né, pra não deixar muito os
menino sozinho, aí eu digo “eu vou ficar lá vou ver até quando eu guento.” Por outro lado,
para apontar aqui outra dimensão da violência simbólica, as obrigações morais da esposa são
aquelas esperadas dela; já o esposo, quando cumpre com as suas, torna-se ‘homem’: “eu
entrei na escola e meu marido tirou, “porque minha namorada não ia estudar.” (Flora, 73
anos, carioca)
O cotidiano familiar dessas mulheres singulariza suas jornadas diárias, cada qual em
um aspecto de sua sobrevivência no mundo. O testemunho de Rosa, por exemplo, a coloca
como estudante e trabalhadora, assim como seus filhos são estudantes e o esposo é estoquista
na área do comércio. Seu dia-a-dia fica claro em seu relato:
“A gente tem que conversar...Porque se a gente num conversar, quem vai conversar,
né? Mas assim, ele brinca comigo.... Hoje até pedi ele também pra ele me inscrever...
Cê vai me inscrever nos cursos que tá aparecendo aí que eu não vou desistir. Eu digo
casa pra mim agora só depois que eu chegar do curso. Enquanto eu não chegar num
quero nem saber de casa. Saio daqui 06h40 junto com ele. Me dá carona até ali na
parada. Óia a distância (risadas). Daí ele vai se embora pro serviço. E eu vou pro meu
curso. Chego aqui 11h30, 12h eu vou fazer comida, às vezes tá sem aula esses dia. Eu
faço comida, dou comida dos menino, às vezes eu venho deito um pouquinho aqui,
arrumo minhas coisas...” (Rosa, maranhense, 45 anos)
O reconhecimento da mulher no espaço público não foi de graça. A dupla ou tripla
jornada diária, do mercado de trabalho ao trabalho de casa, sacrificou o tempo valioso para
garantir a emancipação feminina, ao menos como é idealizada pelo movimento feminista, luta
esta em grande ascensão desde a década de 1960. Como postula Santos (2008, p. 99), “a
situação da mulher tem se modificado nas últimas décadas, principalmente no que se refere à
sua maior inserção no mercado de trabalho e equidade em termos de direitos civis e
trabalhistas, ao mesmo tempo em que a elevação do seu nível educacional e as alterações nos
comportamentos sexuais têm modificado as representações relativas ao seu papel na
sociedade. Nota-se, entretanto, que o cuidado dos filhos e os encargos domésticos continuam
103
ainda, majoritariamente, sob sua responsabilidade.” Na mesma direção, destacamos o
aumento de famílias chefiadas por mulheres, que confirmam a nucleação da família em torno
da mulher.
“Adquirir autonomia e se emancipar por meio da participação no mercado de trabalho
era uma de suas aspirações, mas assumir a total responsabilidade como provedora da família,
ou principal provedora, não se apresentava como um ponto de pauta de suas reivindicações.”
(Toledo, 1998, p. 26): “(...) até agora eu entendo de ser uma mulher sozinha, de ter umas
coisas ruim, de sofrimento entre eu e meus filho. ” (Hortênsia, 41 anos, baiana). Recorde-se
que essa entrevistada foi violentada pelo ex-companheiro por diversas vezes, foi denunciado
pela Lei maria da Penha e hoje encontra-se preso. Já Iris, chefe de família, mãe de sete filhos,
não detém apoio financeiro e emocional dos pais das crianças, apesar disso, relata o gosto de
ser dona de/da casa, expressão de autonomia e independência, de fruição da condição
doméstica, sem sombra de/da opressão:
“…, eu gosto demais de ficar dentro de casa assistindo novela. (...). Eu levanto, levo
pra escola, arrumo casa, faço comida, dou banho em criança, levo pra escola. Aí à
tarde às vezes eu não tô fazendo nada eu vou assistir televisão. (...). Eu gosto de curtir
minhas criança né, que é 3 né que eu tenho comigo.” (Iris, 39 anos, baiana)
A violência intrafamiliar, comum a todos os discursos, foi percebida em suas
diferentes classificações, inclusive na mais reconhecida socialmente, a da agressão física:
“Esse, o Armando, nunca me espancou, já o pai do Gustavo me espancava, me batia que
tirava sangue. Eu fui muito sofrida (fica emocionada). Na época eu acho que não tinha esses
negócio de denunciar não, nem denunciei ele, só me separei dele...” (Iris, 39 anos, baiana).
Situações de violências também geradas por outras mulheres foram relatadas: “Eu
sofria tudo quanto é tipo de violência lá, tudo o que você puder imaginar, eu tenho marca de
cortes no corpo, tudo o que você puder imaginar eu sofri. Tudo.” (Margarida, 49 anos,
paraense). O silêncio da violência se fez comum na maior parte dos relatos; apenas uma
mulher chegou a denunciar – mesmo porque algumas situações ocorreram ainda na infância:
“(...) quando a minha mãe levava a gente, as minhas irmãs mais velha pra trabalhar e
deixava a gente com o tio né? Aí foi na vez que meu tio começou a abusar, não sei se
104
foi só de mim ou das minhas irmã também, porque a gente não conversava essas
coisa.” (Camélia, 37 anos, maranhense)
Mas é importante refletir como as transformações societárias ainda se defrontam com
a força do mundo hostil, da discriminação e exclusão das mulheres que legitima (em alguns
círculos) a violência que sobre elas se exerce. Toledo (1998) aborda que “os conflitos são
permitidos nesse roteiro, mas nada que o amor e a solidariedade entre seus membros possam
resolver. O modelo de família ideal, cristalizada pela mídia e pelos padrões sociais de
convivência, ainda dita o rumo das relações.” Para não ser a ‘mãe solteira’, a que é ‘ingrata
com o esposo’, ‘escandalosa’, muitas mulheres se sujeitam a um sistema de controle que se
expressa por meio dos mecanismos de repressão.
Ainda, numa situação de violência, “é comum a mulher se sentir culpada, como um
mecanismo de preservação da moral (manutenção do casamento), agressões são toleradas em
nome da preservação da família e da figura paterna. Por isso, a exigência de fortes doses de
tolerância às humilhações e aos maus tratos” (Toledo, 1998, p. 29):
“Não, agora eu consigo, porque eu era uma angústia que eu tava me culpando, eu me
sentia culpada assim, até perante Deus, porque ninguém sabe dessa história, não
contei pra ninguém, ninguém da minha família. Perante a Deus eu tá culpando uma
pessoa, será que eu não tava inventando aquilo, né? E na verdade não é, é que
aconteceu mesmo, porque a pessoa pensar uma coisa do outro, quem tem um
pouquinho de consciência, fica com a consciência pesada de colocar que a culpa não é
daquela pessoa. Mas na verdade eu não tava colocando culpa em ninguém, ele era
culpado mesmo, que eu tava sendo, como a psicóloga falou, geralmente quem é a
vítima passa a ser o culpado e o culpado passa a ser a vítima.” (Margarida, 49 anos,
paraense)
De acordo com o Ministério da Saúde (Brasil, 2005), “a violência contra a mulher
pelo cônjuge, na sua forma típica, envolve atos repetitivos, que vão se agravando em
frequência e intensidade, como coerção, cerceamento, humilhação, desqualificação, ameaças
e agressões físicas e sexuais variadas. Além do medo permanente, esse tipo de violência pode
resultar em danos físicos e psicológicos duradouros.”
A recorrência de maus-tratos às mulheres é comum no Brasil, vista a aceitação
cultural de práticas corretivas de manhas e erros. Como coloca Alves e Diniz (2005), “no
Brasil colonial era permitido aos maridos corrigirem suas mulheres pelo uso da chibata. As
105
agressões físicas e psicológicas contra elas apresentavam-se como parte das nossas raízes
culturais, determinando às mulheres a função de servir a seus maridos e filhos, dedicando-se
exclusivamente às tarefas domésticas, em que pudessem manifestar seus dons maternais.”
Sofrer uma agressão é uma realidade feminina. Pesquisa da Secretaria de Saúde do
DF63
revela que as mulheres são mais agredidas do que os homens. Nos últimos dois anos —
2014 e 2015 —, as notificações feitas nas unidades de saúde da capital federal foram
majoritariamente contra quem é do sexo feminino. Os dados foram coletados a partir dos
atendimentos feitos nos hospitais do DF. A violência é relatada de forma compulsória, caso
seja verificado o dano à integridade física ou emocional do paciente. Em 2015, foram 1.230
(72,6%) casos de mulheres agredidas contra 464 relatos de homens na mesma situação, de
acordo com Sistema de Notificação Compulsória da Secretaria de Saúde. São quase três
vezes mais agressões a mulheres do que a homens.
E ainda que hoje a Lei Maria da Penha seja legalmente reconhecida como um
mecanismo de proteção às mulheres, estabelecendo medidas para sua proteção, assistência e
punição do agressor, além da possibilidade de reeducação dos agressores, as consequências
da perpetuação da violência contra a mulher ainda são muito fortes. “A visão da
independência feminina ainda vive no sonho do príncipe encantado que muitas jovens
acalentam. Têm filhos, mas se sentem culpadas por deixá-los, em casa, para se dedicarem a si
ou ao trabalho. Em casa, querem sair para trabalhar. Se cheinhas, querem emagrecer. Se
magras, desejam seios, nádegas e o que mais tiverem direito...em silicone. Desejam o real e o
sonho, de mãos dadas. São várias mulheres em uma. Buscar o próprio rosto entre tantos
outros é o desafio. Mas o maior desafio mesmo é mostrar que elas podem ter um rosto só”
(Del Priore, 2014, p. 8).
63
Disponível em
http://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia/cidades/2016/05/12/interna_cidadesdf,531540/mulheres-sao-
72-6-dos-casos-de-agressao-no-distrito-federal.shtml. Acesso em maio de 2016.
106
8.3 O difícil ou zero alcance dos serviços públicos
Esta temática almejou conhecer a satisfação de necessidades coletivas pelas
entrevistadas, tais como serviços de saúde, educação, assistência social e justiça.
“Compreendido serviço público como incumbência do Estado, cuja criação se dá por Lei,
sendo a sua gestão feita diretamente pelos órgãos que compõem a Administração Pública ou,
indiretamente, por meio de concessão ou permissão, ou por pessoas jurídicas criadas pelo
Estado para tal fim” (Pietro, 2006).
A fragilidade da prestação de serviços públicos foi o principal cenário de origem das
mulheres entrevistadas. A visão de que os serviços públicos deixavam a desejar predominou
nas entrevistas, muitas vezes pela distância de suas casas até chegar ao destino pretendido:
“Quando eu tive a minha filha, se eu tivesse no interior ela tinha morrido...Porque eu
senti as dor dela e aí quando eu chego no hospital o médico falou que ela ia nascer só
um pé e o resto ela não ia nascer porque ela foi ela tava sentada e não virou e aí a
bolsa tinha rompido...aí eu cheguei lá no hospital era umas 7h da manhã por aí
assim...e a 10 e pouco do dia ela nasceu porque foi tirada na cesárea. Se fosse no
interior tinha morrido. ” (Rosa, 45 anos, maranhense)
“Lá nunca procurei a justiça, mas a saúde tinha que procurar três vezes durante nove
meses na cidade pro pré-natal. Acordava 3h da manhã pra pegar o ônibus às 6h se não
perdia. Tinha que ir a pé, com a lanterna de candeeiro.” (Camélia, 37 anos,
maranhense)
Esta estudante, por exemplo, morava em uma casa simples, sem água encanada;
pegava água de poço. Ocorreu que duas semanas antes da sua filha mais velha nascer,
Débora, caiu na cacimba do poço. Apesar de não ter perdido sua bebê, ela teve um
afundamento de crânio, e até hoje sente fortes dores de cabeça. O obstetra que a atendeu disse
que ela havia tido ‘sorte’, e se precisasse de socorro imediato provavelmente sua filha teria
morrido. Os condicionamentos da lonjura dos serviços públicos eram sentidos por toda
família. Seus filhos demoravam duas horas para conseguir chegar à escola, e ainda iam de
bicicleta com o pai porque de vez em quando apareciam animais selvagens à beira da estrada.
Fadul (1997, p. 60) esclarece que “a criação dos serviços públicos é classicamente
associada à existência de certas necessidades sociais objetivas e justificada pela suposição
107
ideológica de uma missão de interesse público. Consequentemente, o Estado benfeitor,
movido pelo interesse público, intervém na vida social para desempenhar certas funções num
determinado espaço, criando os serviços públicos e colocando-os ao alcance de todos.”
Ao encontro desta dissertação, o difícil ou zero alcance aos serviços foi comum a
todas entrevistadas. A maioria morava em zona rural, como o caso dessa entrevistada, nascida
e criada em uma comunidade ribeirinha: “não lembro nunca de ter ido em hospital e em
nada.” (Margarida, 49 anos, paraense). “Não, não tinha, não tinha...era roça mesmo. Não
tinha escola, não tinha hospital, não tinha nada. Depois foi que a gente mudou pra Barreiras
foi que minha mãe colocou a gente na escola.” (Iris, 39 anos, baiana)
A realidade atual não é muito diferente. Relatos de meses e até anos de espera para
assistir a uma consulta médica são bem comuns; os principais hospitais de média e alta
complexidade e unidades de pronto atendimento de referência da região centro-oeste se
encontram em Brasília. Não por acaso também, nada menos que 97% das estudantes (35
respostas) do curso de Alfabetização e Letramento utilizam o Sistema Único de Saúde (SUS).
Apenas uma mulher respondeu “outros”, sem manifestar qual sistema de saúde utilizava.
Carrano (2007, p. 5) coloca que as desigualdades regionais e intrarregionais que se
verificam nas estruturas básicas da vida material se expressam na diferenciação do acesso e
permanência na escola. Esta mulher, por exemplo, estudou até a 4ª série em uma escola
pequena, comum para os padrões interioranos, mas sem energia e com paredes incompletas e
dispunha do céu aberto como teto:
“Na época era na cadeira, a gente sentado na cadeira (risos), coberta de palha, a
parede era feita acho que até nessa posição aqui assim ó, o resto tudo era aberta até
chegar na cobertura da casa pra ventilar dentro da escola, era normal mesmo, uma
casinha cobertinha de palha, um quadro na parede e as cadeira pra gente sentar e
agora que não existe mais, no meu tempo foi esse a escola era assim.” (Rosa, 45 anos,
maranhense)
Essas dificuldades, que empurram os cidadãos às margens da sociedade, excluem os
jovens e adultos também aos aparelhos de cultura e lazer e aos meios de informação,
especialmente no difícil acesso dos jovens mais empobrecidos a computadores e Internet,
sublinhando desvantagens múltiplas e inibindo sucessos. Essa problemática ficaram claras no
108
diálogo com Camélia, quando comentava sobre as dificuldades de aprendizagem de um dos
seus filhos nas atividades de Informática: “e ele falou “olha mãezinha, o professor pediu pra
fazer uma moldura, uma lista lá...” e o Lucas não deu conta, ele não tem nada de
Informática.”
O acesso à cultura digital esbarra nos limites socioeconômicos das famílias de baixa
renda, não só desta família, como a maior parte da turma de Alfabetização e Letramento, que
não têm acesso a computadores e Internet em casa. Camélia compartilhou inclusivamente um
de seus sonhos, explicitamente relacionado com as condições para o sucesso escolar dos
filhos: “Vai... a gente tem que aplicar nas coisa mais necessitada para o dia-a-dia, mas nem
que a gente pague, tipo assim, compra o computador, aí bota uma coisa que tem Internet e aí
faz um lugarzinho pros menino estudar...”:
Isso é algo que se configura como a face contemporânea da histórica exclusão dos
pobres aos benefícios científicos e tecnológicos nas sociedades do modo de produção
capitalista, particularmente quando se consideram aqueles situados na periferia do
sistema. (Carrano, 2007, p. 5)
Além das barreiras físicas, ainda ficaram claras barreiras impostas pelo contexto
social e familiar, ou de guarda, pois algumas das entrevistadas não cresceram com as suas
famílias biológicas: “não mexia com isso não. Nunca mexi com esses negócio não, graças a
Deus. O meu pai de criação era delegado. Era muito rico, tinha fazenda muito grande, nóis
ficava mais na fazenda de que na cidade. Porque tinha muita coisa, muito gado, muito bicho,
a gente tinha que ficar lá, de empregada, né? ” (Flora, 73 anos, carioca)
E se quisesse e pudesse estudar mais, teria que se mudar para a cidade, como disse
sobre o atual companheiro: “meu marido estudou até a 4ª série lá no interior. Ele veio
terminar os estudos dele aqui porque num.... ou ia pra cidade ou ficava na roça trabalhando. ”
(Rosa, 45 anos, maranhense)
Em busca de uma vida melhor, no entanto, estas mulheres vieram morar em Brasília,
apresentada como um eldorado de progresso, mas aqui encontraram condições precárias e até
mesmo a fome:
109
“Vim, porque Brasília pra mim era tudo chique, aí quando eu cheguei na Estrutural eu
queria voltar de onde eu vim. Era muita lama, muita lama. (...) aí um dia a gente
pegou e foi “ah, isso aqui que a gente vê na televisão! ”, aí então a gente tava no
interior de Brasília (risos)! Aí eu fui ficando com conhecimento, mas eu sofri muito
quando cheguei aqui, muito. Passei fome com meus menino, fome mesmo. ”
(Camélia, 37 anos, maranhense)
A adoção de programas de transferência de renda é, atualmente, o principal
mecanismo de combate à fome no Brasil. O Bolsa Família tornou-se um dos principais
programas, pois para muitas famílias pobres, os benefícios desse Programa são a única
possibilidade de obtenção de rendimento pecuniário. O seu propósito é minimizar os efeitos
das desigualdades sociais à curto prazo para a população de baixa renda. Foi instituído pelo
Governo Federal, pela Lei nº 10.836, de 9 de janeiro de 2004, regulamentado pelo Decreto nº
5.209, de 17 de setembro de 2004, alterado pelo Decreto nº 6.157 de16 de julho de 2007.
O Bolsa Família (vide resumo no anexo C) pauta-se na articulação de três dimensões
essenciais à superação da fome e da pobreza: promoção do alívio imediato da pobreza, por
meio da transferência direta de renda à família; Reforço ao exercício de direitos sociais
básicos nas áreas de saúde e educação, que contribuirá para que as famílias consigam romper
o ciclo da pobreza entre gerações; Coordenação de programas complementares, que têm por
objetivo o desenvolvimento das famílias, de modo que os beneficiários do Bolsa Família
consigam superar a situação de vulnerabilidade e pobreza. No Brasil, atualmente, estima-se
que quase 14 milhões de famílias sejam beneficiadas64
.
Sabe-se que o perfil das mulheres do curso de Alfabetização e Letramento é de
extrema vulnerabilidade social (vide capítulo 7). Então não é surpresa que quase metade das
estudantes recebam algum tipo de benefício social, 44% responderam sim (16 respostas),
enquanto 56% não (20 respostas).
Das 16 mulheres que responderam receber algum benefício social, 13 delas recebem o
Programa Bolsa Família. Das outras três, uma declarou receber o "DF Sem Miséria", outro
programa social, só que a nível distrital; a outra disse receber o Bolsa-Família, mas à época
de preenchimento do formulário estava sem receber há três meses – provavelmente por
inconsistências no cadastro social e a terceira relacionou erroneamente o benefício social com
64
Disponível em http://www.cgu.gov.br/noticias/2013/12/nota-de-esclarecimento-2013-programa-bolsa-familia.
Acesso em junho de 2016.
110
sua aposentadoria do INSS. Observa-se que no IFB, como critério de seleção aos programas
de permanência, receber qualquer benefício social conta para o índice de vulnerabilidade
social do candidato à bolsa.
Estes benefícios são, portanto, uma estratégia de sobrevivência para residir na capital.
Apesar do reforço midiático em suscitar a alta qualidade de vida em Brasília, os bairros
pobres do DF e do entorno65
padecem da precariedade e da falta de infraestrutura, em que a
Cidade Estrutural é o principal exemplo. De acordo com a última pesquisa distrital por
amostra de domicílios (PDAD – 2013/2014), apenas 4,4% dos domicílios da região são
próprios e 82,45% encontram-se em terrenos irregulares. Ainda assim, foi unânime a intenção
de permanência em Brasília, afirmando até que a capital é mais avançada em termos de
prestação de serviços:
“Situação de recurso, que nem agora eu tenho 3 filhos, pra mim cuidar dos meus
filhos lá se torna mais difícil pra cuidar deles lá do que aqui, em termos de recurso. É,
escola, saúde e em termo de alimentação porque alimentação aqui a gente sempre às
vezes consegue uma doação através do pessoal da igreja, mas lá é meio difícil de isso
acontecer.” (Hortênsia, 41 anos, baiana)
A prestação de serviços públicos demonstra a fortaleza ou a fraqueza das políticas
públicas. Brasília é popularmente conhecida como uma terra de oportunidades, especialmente
de empregos. Devido à crise econômica, esse não é o cenário atual, mas à época de sua
inauguração, na década de 1960, ela foi vista como uma saída às mazelas sociais de outras
regiões do país, visão esta, acredita-se, foi evidenciada nas biografias das mulheres
entrevistas.
65
É a região do Estado de Goiás que circunda a área limítrofe ao Distrito Federal, em que são conhecidas como
“cidades-dormitório” porque muitas pessoas que moram lá trabalham no DF, fazendo o deslocamento diário de
2h a 3h, usufruindo também dos serviços prestados pela capital.
111
8.4 (Des)caminhos: fatores e condicionamentos da ausência escolar
Independentemente da diversidade de fatores que terão conduzido à saída ou não
frequência escolar, e do trajeto de vida a partir daí percorrido, as mulheres partilham uma
condição objetiva fundamental: a ausência de um diploma. Algumas haviam chegado a
frequentar a escola, mas o tempo foi injusto, esmorecendo com ele grande parte do
conhecimento que haviam compartilhado. Mas a alfabetização é um convite ao
reconhecimento da aprendizagem como um fator contínuo, como coloca Soares (2011, p. 51),
em que o processo de alfabetização nunca está finalizado. “O que na verdade ocorre é que
alguns indivíduos são mais alfabetizados que outros, não havendo um ponto específico, em
uma escola única, que possa separar os alfabetizados dos analfabetos.”
O processo de alfabetização, portanto, não corresponde ao ritmo tradicional de
escolarização, ditado pelas normas objetivas de grau de instrução. Tanto é que 53% das
estudantes possuem o Ensino Fundamental Incompleto, e mesmo assim, sentiram necessidade
de retornar ao “ponto zero” da alfabetização. Este caráter heterogêneo é típico da trajetória de
jovens e adultos, e as entrevistas demonstraram altos e baixos na vida escolar. Não somente
na infância e juventude, mas o percurso formativo fora interrompido várias vezes em suas
trajetórias. Ainda menores de idade, algumas delas tiveram que deixar seu sonho de aprender
a ler e a escrever pela necessidade de trabalhar:
“Eu fui criada na fazenda, não tinha jeito. Ela levava os filho dela de carro (para
escola), mas eu não podia porque tinha que tomar conta da casa. Tinha dois
bebezinho, eu que tomava conta...” (Flora, 73 anos, carioca)
Cabe ressaltar que esse é o principal motivo de ausência escolar das estudantes, tendo
suas vidas marcadas pelas idas e vindas aos estudos. Pela necessidade de trabalhar para
ajudar no sustento familiar, 39% das mulheres haviam parado de estudar até se matricularem
no curso (14 respostas). A maioria delas estava há mais de cinco anos sem estudar,
correspondendo a 61% (22 respostas). Já 36% (13 respostas) responderam ‘não se aplica’, ao
112
que parece porque entenderam não se aplicar a realidade delas, estudantes do IFB66
. Apenas
3% respondeu que estava sem estudar há três anos. Outra motivação de ausência escolar
muito recorrente nas entrevistas foi a pressão familiar, representada especialmente pelo
machismo cotidiano das relações:
“Porque lá em Caxias meu pai ia pra roça, aí deixava só os menino homem pra
estudar. (...). Porque dizia que os menino homem tinha que ser doutor e as meninas
mulher era pra cuidar da casa, aí durante essa semana eles estudava e no final de
semana voltada pra roça. (...) Aí minha irmã “nóis temo que sair de casa pra estudar”,
aí meu pai era meio surdo e minha mãe dizia assim “ eu tô ouvindo, vocês não vão
sair de casa, só vão sair quando casar, se o marido de vocês quiser que vocês estude
quem sabe.” (Camélia, 37 anos, maranhense)
Essa outra estudante era contrariada pelo ex-companheiro; chegou a participar do
MOBRAL, antigo programa de alfabetização no Brasil, mas seu percurso escolar foi
interrompido várias vezes contra sua vontade:
“Eu entrei na escola e meu marido tirou, “achava que eu ia namorar”. Um idiota. E era
igual essa parede, daquele lado a escola e aqui a minha casa, era só passar por debaixo
da cerca, a hora que ele chegava do serviço ele me tirava da escola. Ele trabalhava na
aeronáutica, era meio expediente. Até a hora que ele chegava eu tava estudando, aí ele
chegava e me tirava da escola. Aí eu levava minha filha, que eu tinha uma filha,
minha filha bebezinha assim, dentro do carrinho. Essas escolas bem assim, não falava
besteira...” (Flora, 73 anos, carioca)
A entrada tardia na escola também é uma característica predominante de jovens e
adultos. Quando estavam na fase da infância e adolescência, a educação não era prioridade:
“Mas quando minha mãe colocou a gente na escola eu já tinha 12 anos, não deu tempo
pra mim aprender nada. Já tava na época da adolescência né, queria saber de outras
coisas não de estudar.” (Iris, 39 anos, baiana)
66
A pergunta “Há quanto tempo parou de estudar?” ao meu ver é confusa, porque não compreende-se a
temporalidade do questionamento, se é mesmo do tempo passado que se refere. O mais correto seria “Há quanto
tempo havia parado de estudar antes de ingressar no IFB?”, já que este questionário é somente respondido por
estudantes matriculados em algum curso do instituto.
113
“Foi, porque desde que eu saí da casa dela eu perdi o interesse no estudo por conta do
que eu passei lá, eu colocava na minha cabeça que estudo nenhum valia o que eu
passei. Eu simplesmente parei e fiquei só trabalhando em casa de família e só isso.”
(Margarida, 49 anos, paraense)
Apesar da manutenção do capital financeiro ter sido um dos principais motivos de
abandono dos estudos das entrevistadas, inclusive sendo um dos principais motivos de evasão
nos institutos federais, a ausência escolar não foi ditada apenas pela lógica do trabalho.
Apesar do incentivo educacional por parte da família, a dominação masculina no coletivo de
trabalho era a regra. A primazia universalmente concedida aos homens se afirma na
objetividade de estruturas sociais e de atividades produtivas e reprodutivas, baseada em uma
divisão sexual do trabalho de produção e de reprodução biológica e social, que confere aos
homens a melhor parte, bem como nos esquemas imanentes a todos os habitus (Bourdieu,
2002, p. 45). Hoje, estudando no IFB, algumas mulheres além de relembrarem oportunidades
que não perceberam na juventude, ditas como uma fase de ‘preguiça’ consciente, colocam a
culpa em si mesmas pela ausência escolar:
“Não, não foi por causa de marido não, é por causo que eu fui pra cidade e aí a gente
já tava começando a paquerar e aí tinha os menino lá, e aí eu fui pra lá e já pensando
num menino ai eu “eita, eu vou embora agora perdi o menino”, aí depois eu desisti de
lá da cidade lá, pra casa da minha tia e aí eu voltei pro interior, só que eu continuei
estudando lá e depois eu desisti. Mas assim, não foi por falta de conselho de pai nem
mãe não, porque o meu pai sempre incentivou né, a gente estudar, eu fui que não fui
mesmo, com preguiça. E era mimada também...” (Rosa, 45 anos, maranhense)
“A minha mãe fez de tudo pra mim tentar estudar, pra mim aprender né, só que eu não
sei se a memória que foi fraca, falta de desinteresse, a memória, não teve muita
aprendizagem na escola não. (...). Eu acho que foi uma coisa minha de eu não ter dado
conta mesmo de aprender, eu não sei se foi a falta de memória (...) mesmo, não sei o
que eu não dei conta de aprender, mas minha mãe fez de tudo pra mim aprender, mas
eu não dei conta...” (Hortênsia, 41 anos, baiana)
A localização e infraestrutura também eram barreira para os estudos, como era o caso
dessas mulheres, que na infância moravam em zona rural:
114
“Eu me lembro de uma que era muito longe, era até num engenho onde meu pai
trabalhava, minha mãe trabalhava, era muito longe. Só que a gente ia assim, uma vez
ou outra né, porque ia naqueles barquinho, né? Ia de barquinho.” (Margarida, 49 anos,
paraense)
“É que lá no interior, depois que casa, aqui que ainda tem uma chance, que as veze né,
pode ir de noite e tudo que é iluminado, mas lá pra vir de um interior pra outro não dá
pra vir de noite não que é muito escuro, só que agora já colocaro luz e tudo, mas é só
dentro das casa, quando sai dum interior pra outro, não tem casa pra chegar até o
outro, aí pra vim de noite não dá, pra vim estudar, só se tiver o colégio pertinho. Só
que lá onde a minha mãe mora tem um colégio bem pertinho da casa da minha mãe, aí
já vai ter outro colégio em outro interiorzinho, mais pra frente, aonde a minha irmã
mora não tem, já tem em outros interior depois da casa dela, aí fica assim, vai ficando
sempre distante, aí não dá pra estudar. Nós que quase... era porque era de comprido
assim, mas eu acho que era igual o tamanho do nossos lote (...) chama-se lampião lá
no interior, é um negócio que coloca o botijão de gás e você coloca um negocinho
assim pra clarear, chama-se lampião. Pra alumiar a noite né, durante o dia não,
durante o dia não precisava não... e lá agora já a gente já estuda de dia e estuda de
noite, igual aqui. Antigamente era nesse, o tal do lampião que tinha a noite lá,
colocava lá....” (Rosa, 45 anos, maranhense)
Viver com baixas qualificações escolares na sociedade contemporânea é um obstáculo
para a conquista de muitos sonhos, oportunidades profissionais ficam pelo meio do caminho
sem perspectiva de sucesso. Hoje, se pudessem, voltariam atrás para alterar o rumo de seus
destinos. De certo que a autoimagem e a relação que se estabeleceu com outros sujeitos foram
afetadas, gerando diversos tipos de constrangimento. A seguir, demonstra-se como foi o
processo de ruptura com o analfabetismo, em que estas mulheres tiveram uma segunda – ou
mais chances de recomeçar.
115
8.5 Processo de ruptura com o analfabetismo: o contraponto da exclusão
O analfabetismo é característico do modelo de exclusão, impregnado no capitalismo
vigente. A pessoa se torna analfabeta por um processo de exclusão social. Em meio a este
processo, no entanto, existem propostas democráticas, advindas da consciência histórica das
massas populares, de construção de alternativas que minimizem os efeitos da desigualdade
social que permeia a sociedade moderna.
Freire (1967, p. 106) argumenta que no processo democrático em que vivemos,
marcado pela recente ditadura militar, seria necessário tentar uma educação que fosse capaz
de colaborar com ele na indispensável organização reflexiva de seu pensamento. “Educação
que lhe pusesse à disposição meios com os quais fosse capaz de superar a captação mágica ou
ingênua de sua realidade, por uma dominantemente crítica. Isto significava então colaborar
com ele, o povo, para que assumisse posições cada vez mais identificadas com o clima
dinâmico da fase de transição. Posições integradas com as exigências da democratização
fundamental, por isso mesmo, combatendo a inexperiência democrática.”
A instituição do EJA tem sido considerada como o reconhecimento desta consciência,
sendo a principal estratégia para saldar uma dívida social com os cidadãos brasileiros que não
estudaram na idade própria. A ruptura com o analfabetismo significa então o apreço de um
novo presente, aliado a mudanças estruturais que legitimam possibilidades históricas de
transformação. Na medida em que a democracia se aproxima das linhas gerais de uma
sociedade, fica cada vez mais difícil alijá-las do acesso à educação formal, pois esta é uma
possibilidade de ter contato com as ferramentas da expressão e da comunicação.” Aprender a
ler e a escrever significa ter direito aos recursos de interação com o ‘mundo civilizado’ da
sociedade capitalista ocidental. As classes populares se encontram presentes, ainda que
algumas vezes em forma aparentemente passiva, e a pressão que exercem se configura como
uma força real no sentido da afirmação da liberdade” (Freire, 1967, p.17).
Compreendendo melhor a realidade social dessas mulheres, Pinto (1991) oferece uma
oportuna definição de que analfabeto não é simplesmente aquele que não sabe ler e (...) sim
“aquele que, por suas condições concretas de existência, não necessita ler (...). O adulto se
torna analfabeto porque as condições materiais de sua existência lhe permitem sobreviver
dessa forma com um mínimo de conhecimentos, o mínimo aprendido pela aprendizagem oral,
que se identifica com a própria convivência social” (92; 102).
116
As mulheres entrevistadas, em suas experiências de ruptura com o analfabetismo,
demonstraram diferentes itinerários até chegarem ao curso de Alfabetização e Letramento.
Ora a educação ficou em segundo plano em suas vidas, ora foram alijadas contra a sua
vontade, sem dúvida nenhuma que gostariam de ter tido um destino diferente: “eu me sentia
mal sim, porque os menino tavam lá no alfabeto e eu não sabia que letra era essa.” (Camélia,
37 anos, maranhense)
“A escrever meu nome, que eu não sabia escrever o meu nome, quando ia assinar
alguma coisa eu tinha que colocar o dedo... ai que vergonha! E hoje não, hoje eu sei
assinar meu nome direitinho!” (Iris, 39 anos, baiana)
Em uma leitura sociológica, Ávila (2005, p. 88) destaca “a importância destas várias
leituras para a compreensão da centralidade da leitura das sociedades atuais.” Pequenos
panfletos, receitas de cozinha, letreiros de ônibus e livros religiosos fazem parte da vivência
da população adulta: “A professora quando a gente vai pra Igreja Católica, a gente vai ler a
bíblia eu digo “ó, aqui é a bíblia, não é pra soletrar, é pra ler.” (Camélia, 37 anos,
maranhense)
“Eu pego ônibus pra qualquer lugar, não tenho dificuldade mais, pegar ônibus.
Também aonde eu vejo uma placa, às vezes antes dele passar eu já consigo ler alguma
coisa, isso é muito bom pra mim. Às vezes eu leio alguma passagem da Bíblia que eu
tenho dificuldade, eu já leio.... Aí, pra mim foi bom. Várias coisa mudou... muitas
coisa!” (Iris, 39 anos, baiana)
A associação do curso à contemplação de necessidades diárias pode ser verificada em
vários trechos das entrevistas. Esses tipos de práticas de leitura têm vindo a evoluir e começa
a ser dada alguma atenção à leitura cotidiana de outros materiais, menos formalizados, e cuja
utilização tem um caráter mais utilitário:
“Não tenho nem palavra pra descrever o que o estudo pode fazer. Porque a gente tem
conhecimento, a gente vê de outra forma, a gente tem uma outra visão de tudo, a gente
vê que a gente pode as coisas com as pessoas falam que não pode. Então é muito,
muito, muito importante. É por isso que todo dia eu incentivo, todo dia, todo dia,
como todo dia acordo eu incentivo o estudo das meninas.” (Margarida, 49 anos,
paraense)
117
“O aprendizado da escrita e da leitura como uma chave com que o analfabeto iniciaria
a sua introdução no mundo da comunicação escrita. O homem, afinal, no mundo e com o
mundo. O seu papel de sujeito e não de mero e permanente objeto” (Freire, 1967, p. 108). A
inserção social na sociedade tem significados sutis, problematizados em pequenos gestos e
simples falas sobre o seu cotidiano, como pegar ônibus, ler os rótulos de embalagens,
escrever alguma anotação, entre outras atividades triviais do dia-a-dia de um ser humano,
tornam-se condicionantes com a proximidade de relações sociais de cidadania, às quais as
mulheres passaram a ter mais contato morando em Brasília. “Eu não pego ônibus errado, eu
já peguei. Antes eu pegava só pelo número, agora eu sei o nome que tá lá pra eu pegar.”
(Flora, 73 anos, carioca)
“Eu dou conta de pegar os ônibus, o ônibus, principalmente lá do local que eu moro,
então dou conta de pegar sozinha então me ajuda bastante.” (Hortênsia, 41 anos,
baiana)
Na roça, mesmo que em contato com outro universo de possibilidades, estas eram
mais limitadas ao imediato, ao que se exigia para existir no ambiente de interior. De acordo
com Rosa, a cidade de Brasília realizou uma experiência diferente na sua concepção de vida,
especialmente no que toca suas necessidades básicas, ler e escrever passaram a fazer um
sentido social diferente para ela e sua família. Já na linha horizontal da família, o acesso à
educação também seguiu o caminho do aprendizado:
“Meus irmãos cada um aprendeu um pouquinho, só que só tem esse que mora da na
casa aqui do lado ele terminou, ele chegou a terminar os estudos dele. Agora tem os
outros dois que parou na 5ª, tem outro que tá trabalhando de vigia lá no Sudoeste, ele
também já terminou, já terminou aqui também, meu irmão caçula. ” (Rosa, 45 anos,
maranhense)
Sob a ótica do ciclo do analfabetismo, percebeu-se a negligência aos estudos comum a
todas as histórias. De acordo com Sarreta (2011, p. 7), “essas mulheres que atualmente se
encontram em processo de escolarização são exemplos de uma população que, por muitos
anos, negligenciou a educação, mas que agora se veem na necessidade de buscar os estudos.”
Desta questão surge a mistura de sentimentos relatados pelas entrevistadas. Por um lado,
118
sentem-se felizes por voltar a estudar e, por outro lado, desvalorizadas pelos danos causados
em suas vidas pela falta de escolarização.
Suas experiências enquanto estudantes demonstraram colaborar também para uma
ruptura de analfabetismo no processo familiar. Os pais dessa mulher, por exemplo, não foram
à escola e o que aprenderam foi por conta própria:
“O meu pai nem a minha mãe acho que os dois não estudaram não, o meu pai sabe ler
e escrever mas acho que não chegou a estudar não. Que os pai era muito carrasqueiro,
o pai dele, a mãe não, sei que o pai dele disse que era muito brabo, o velho pai dele. O
pai da minha mãe eu nem sei, eu quase não cheguei, não, eu cheguei a conhecer o pai
da minha e a mãe também da minha mãe, mas a minha vó eu não sei nem o que ela
sabia, se botou filho pra estudar... mas minha mãe também não estudou, acho que o
estudo foi bem pouquinho também. Não sabe... conhece, conhece dinheiro, sabe fazer
o nome dela e tudo, mas não teve estudo. Meu pai sabe ler, mas é assim por conta
própria dele pode colocar alguma coisa pra ele ler que ele não deixa passar em branco
não…” (Rosa, 45 anos, maranhense)
Unidas pela vontade de ler e escrever, essas mulheres têm diferentes cores, credos,
origens e idades. Uma em especial, Flora, representou as mulheres idosas. É a estudante mais
velha do curso de Alfabetização e Letramento, sendo também a estudante mais assídua.
Interessante que este ano, mesmo que não tenha conseguido fazer a matrícula no curso
porque estava viajando à época, me questionou várias vezes “Vocês não vão desistir de mim,
né? ” Mesmo sem estar matriculada, não falta um dia de aula. Em sua entrevista, percebi a
alegria em compartilhar sua história de vida, marcada por muitas descrenças de seu círculo
social: “Falam pra que que eu tô estudando, que eu não vou aprender nada...” (Flora, 73 anos,
carioca)
De acordo com Minayo e Coimbra Júnior (2002), “raramente se permite que pessoas
idosas sejam genuinamente ouvidas sobre suas experiências de vida, tanto por profissionais
de saúde, como pela sociedade” (como citado em Coelho et al, 1998, p, 47). Essa negligência
no plano micro societário tem muito que ver com a falta de interesse do capital investir nos
mais velhos.
De acordo com Ramos (2011), “as pessoas de mais idade foram excluídas desse
projeto educacional, pois não interessavam mais ao processo produtivo. Isso porque tais
pessoas não precisariam ser formadas para uma futura vida profissional, pois ou já eram
119
trabalhadores prestes a se aposentar ou já estavam aposentados.” A lógica era a seguinte: para
que se investir na educação dos que já passaram pela vida produtiva ou que estavam em vias
de sair dela? Isso seria um desperdício do ponto de vista do capitalismo, pois esses indivíduos
não poderiam mais contribuir para a produção da riqueza. “Aí eu procuro procurar as coisa, o
povo diz “pra que mulher você vai fazer isso, pra que você vai estudar? Você já tá velha, tá
doente”, eu digo “doente nada! ” (Flora, 73 anos, carioca)
De acordo com Pinto (1991), essa situação explica, em grande medida, “a ausência de
um projeto educacional destinado especificamente aos mais velhos, quando consideramos o
modelo capitalista de educação. E isso se verifica na totalidade dos países capitalistas, que
construíram, ao longo da história, uma estrutura de ensino formal para educar
prioritariamente crianças e jovens. A chamada ‘educação de adultos’ ou de ‘jovens e adultos’,
surgiria posteriormente na sociedade industrializada, pela necessidade de preparar
minimamente a classe operária, derivada do ‘campesinato bruto e ignorante’”.
No Brasil, as principais leis da educação, como a LDB (Lei 9.394/96), também citam,
no máximo, a educação de jovens e adultos (EJA) como única alternativa educacional
destinada à população ‘fora da idade escolar’. “Contudo, essas leis não tratam da diversidade
existente entre os indivíduos que compõem a categoria de adultos. Por exemplo, há muita
diferença entre um adulto de 25 ou 30 anos e um adulto de 50 ou 60 anos. E isso em nenhum
momento é levado em consideração na LDB, lei que, aliás, nem sequer cita a velhice,
ignorando-a totalmente. Poder-se-ia supor que os idosos integrariam, nesse caso, a categoria
de adultos” (Peres, 2011, p. 2).
A velhice é uma particularidade da vida adulta, e colocá-la em pé de igualdade com a
vida adulta, ignorando a demanda especial que merece, bem metodologias diferenciadas de
ensino e aprendizagem, significa assumir uma perspectiva reducionista. A ruptura com o
analfabetismo também demonstra a ruptura com padrões familiares: “ (...) falei pra ele “se eu
fizer a minha matrícula e não estudar é porque eu vi você, agora você parou e eu não vou
parar não, vou pra frente! ” (Camélia, 37 anos, maranhense). E essa determinação em
continuar os estudos levou muitas delas a ingressarem no ensino regular. Das seis
entrevistadas, três estão frequentando o ensino de jovens e adultos no período noturno, e uma
estava aguardando na lista de espera; fora outros casos, das estudantes que não foram
entrevistadas:
120
“Clarice, eu tenho vontade de terminar pelo menos até o 9º ano, eu quero fazer.
Depois quem sabe, porque eu pensei que ia ficar “vou estudar no IFB só um ano”, aí
não fiz só um ano, aí já tô no terceiro ano que a gente tá aqui né? Aí eu sempre falo
assim “quando eu chegar no 6º ano eu paro”, mas eu acho que não vou ter limite pra
leitura, porque eu quero fazer muita coisa, muita coisa mesmo...” (Camélia, 37 anos,
maranhense)
Paulo Freire coloca a alfabetização como oportunidade de respeito e reconhecimento
ao seu protagonismo de vida. “O analfabeto apreende criticamente a necessidade de aprender
a ler e a escrever. Prepara-se para ser o agente deste aprendizado” (Freire, 1967, p. 110).
Sendo assim, o curso de Alfabetização e Letramento é um instrumento da educação técnica e
profissional do Instituto Federal de Brasília que põe à disposição os meios para superação da
suposta realidade ingênua em que vivem, por uma dominantemente crítica e inovadora.
121
8.6 Ressalvas sobre o curso: organização e infraestrutura
As mulheres avaliaram o curso de Alfabetização e Letramento como uma
oportunidade de alavancar sonhos, como a aparição de um mundo até então desconhecido.
Aprender a ler e a escrever deixou de ser uma possibilidade para o campo real da existência
humana:
“Sim, mudou muito, porque uma que eu morria de preguiça de ir na sala de aula e
hoje eu vou pra escola assim, nem um pingo de preguiça, quando chega a hora de ir
pra escola eu deixo tudo e vou. E assim, eu aprendi um pouquinho mais e hoje eu
resolvo a minhas coisa, sem precisar do marido tá andando mais eu, vou sozinha, faço
meus negócio, resolvo tudo direitinho sem precisar ninguém tá me ensinando, eu
mesma resolvo as minhas coisa sozinha. ” (Rosa, 45 anos, maranhense)
Além disso, a motivação para estudar passou a fazer parte do seu universo: “Me
incentivou muito, eu aprendi muito através do curso. Não tenho nada que dizer que não
aprendi, aprendi bastante e ainda quero aprender mais ainda...”
A inserção educacional, contribuiu, portanto, para a promoção de ações que tornassem
a educação um espaço de transformação feminina, de formação da cidadania e emancipação
de sujeitos sociais, neste caso, de mulheres que foram negligenciadas durante muito tempo do
seu processo socioeducativo: “desde que eu comecei na Mulheres Mil. Foi 2013? 2013. Foi
no início que me incentivou eu voltar mesmo, foi de lá... Que aí as mulher tavam pra lá, aí já
mandou a gente vir pra cá...aí eu me inscrevi e continuei...Deu certo.” A adaptação escolar de
Rosa foi tamanha que chegou a compartilhar sua insatisfação com a greve de professores, que
seguia ocorrendo na época da entrevista: “Agora tô sem ir esses dias por causa que os
professores tão de greve. Pedindo a Deus pra voltar...” (Rosa, 45 anos, maranhense).
A motivação para os estudos era algo notável em sua fala, não somente para o IFB
como também para futuros percursos estudantis: “e não quero desistir dos meus estudo.
Quero terminar os meus estudo e no futuro eu quero fazer uma faculdade de veterinária pra
cuidar de cães e gatos...” (risadas) E como um vislumbre de outras possibilidades, relata seu
interesse em continuar estudando no IFB, mesmo que não fosse no Campus Taguatinga
Centro, demonstrou empenho em se inscrever para outros cursos: “ai não quero desistir do
curso do IFB também, mesmo que eu não for pra lá no ano que vem, eu vou me inscrever
122
aqui na Cidade do Automóvel, inglês ou matemática ou informática e quero continuar dentro
do curso, não quero desistir...”
Ainda que sejam consoantes com as disposições presumidas pela instituição de ensino
atual, a valorização adquirida pelo estudo corrente predominou em seu discurso e de seus
membros familiares, como uma maré de incentivo que tivesse contagiado toda família:
“Acho que não, mas o meu pequeno a gente falou, a professora falou mãezinha tem
que botar quente, colocar ele na aula de reforço que é um pouco mais preguiçoso, eu
digo “meu filho, o futuro de vocês é o estudo, se vocês não estudar, aí a coisa não
funciona, pra arrumar alguma coisa melhor tem que ter estudo e tem que estudar,
porque a gente não coloca pra trabalhar. Estuda, quando terminar os estudo ai arruma
um emprego bom”, vai arrumar o dinheiro deles pra comprar as coisa deles, tem que
arrumar uma mulher pra casar tem que ter pelo menos um emprego, eu falo que tem
que comprar uma casa pra quando casar já botar a mulher dentro, assim, a gente
incentiva que não tem que parar, que o futuro deles é o estudo e o pai deles fala que
quando eles terminar os estudos vai pagar uma faculdade pra eles. É assim, a gente
quer o melhor pra eles, aí vamo ver o que que vai dar...” (Rosa, 45 anos, maranhense)
O processo de acesso e de entrada, mas também com o processo de permanência,
geram, portanto, oportunidades de oportunizar novos itinerários formativos para essas
mulheres. Fica claro que o envolvimento com o curso, apesar de ser impactante para Rosa,
não teve similar percepção amigos e vizinhos próximos a Rosa, que apesar de notarem
mudanças, pois são pessoas que convivem com ela diariamente, são restritas do ponto de
vista político, intelectual, social, cultural e econômico: “aqui esses vizinho aqui nunca gosta
muito de nada, eu comento assim, mas parece que não gosta muito das coisa assim, eu sei que
de mim mesmo eu gostei muito e as veze tem algumas amiga que a gente comenta, também já
foi pra lá também, que a gente fala que foi muito bom e que a gente aprendeu alguma coisa e
foi lá também...”
Os momentos da vida de Rosa enquanto trabalhadora despertaram a importância dos
estudos, ainda que em contraste com o tempo que morava em Caxias e não tinha o
aprimoramento educacional como norte fundamental. Só que relacionado ao universo do
trabalho, Rosa percebeu nos estudos uma necessidade de alcançar o mínimo de letramento
para dialogar com o mundo, ainda que fosse com o mundo do trabalho: “assim, o estudo né,
que a gente tem que ter em primeiro lugar, saber ler, escrever, pra você... às vezes você vai
123
trabalhar de limpeza, você precisa de pegar um produto e você não sabe ler que produto é,
entendeu? ”
O curso de Alfabetização e Letramento foi visto como positivo por todas
entrevistadas, colocado até como uma oportunidade de reaver perspectivas de vida:
“Eita... o que significou pra mim é porque mudou minha vida. Através do curso eu
aprendi mais e assim, deixa eu ver... E ter assim, procurei me focar mais nos estudo,
coisa que não fazia. E aí hoje eu tô me focando mais, tentando aprender o que eu não
aprendi antes.” (Rosa, 45 anos, maranhense)
“O curso me ajudou a sair, praticamente do fundo do poço né? Me ajudou, porque
agora eu…porque antes eu não saía e esse de você ficar com depressão dentro de casa,
só te leva mais pra baixo, e agora eu sei que tenho compromissos. ” (Margarida, 49
anos, paraense).
“(...) foi muito bom tudo o que eu aprendi aqui, o que eu passei em termos de
educadores, dos professores, de todos, foi uma coisa muito boa aqui. Tudo o que eu
peço é que continue o curso, que esse curso vai tá sempre ajudando bastante as
pessoas e os professor sempre seje firme e forte pra tá sempre ao lado de cada um
dessas pessoas que entra pra participar aqui do curso.” (Hortênsia, 41 anos baiana)
O curso foi muito associado aos frutos de respeito e gestos de educação. Disseram se
sentir bem-tratadas como não costumavam se sentir em outros lugares e se tornarem mais
educadas no relacionamento interpessoal, realçando uma vez mais a importância do
reconhecimento social:
“Todo mundo trata a gente bem. Tem hora que a gente encontra cada pessoa horrível
pra tratar o idoso, viu? E aqui não, aqui é diferente, aqui e lá no Riacho Fundo eu era
tratada muito bem, igualzinho aqui. ” (Flora, 73 anos, carioca)
“Eu fiquei mais um pouco educada (risos), eu era muito mal-educada (risos)! Eu
aprendi muito com a convivência com todos os professores, eu fiquei um pouco mais
educada! ” (Iris, 39 anos, baiana)
“Ah, respeita sim. Porque outra hora, ixi maria, o pessoal não tem respeito pelos
outros né, “Ah, a pessoa não sabe ler. Vamo chamar fulano”. Eu já perdi várias vaga
de emprego, porque quando a gente pra fazer exame de vista o que eles dão pra gente?
124
Uma olha né? Aqui como é que tu vai responder? Agora com uma dificuldade, um
pouquinho de dificuldade, eu já leio e respondo alguma coisa...” (Camélia, 37 anos,
maranhense)
Em todas entrevistadas estas avaliações foram positivas, com algumas ressalvas. Rosa
descreveu positivamente o curso e a qualidade do campus, citando a brinquedoteca, os
banheiros e as salas como bem organizadas e limpas. Só destacou a ausência de janelas na
sala, “que antigamente tinha e na sala atual não tem mais”. E também destacou o desejo de
mais professores, comparando até à escola tradicional que frequenta na Estrutural: “que tinha
que ter mais era professor, que a gente espera (...) o professor... porque assim, o professor que
a gente tem mesmo é só o professor de, como é que se diz, de alfabetização né? Que tem um
professor de português pra... ou professor de matemática, professor... assim, é mais os que a
gente precisa é professor de matemática, português, que lá no curso não é a escola mesmo
igual a escola do governo, que tem professor de português, estudos sociais, educação, arte,
essas coisas assim, mas provavelmente se tivesse o professor de matemática e o português,
seria bem melhor...”
Iris também criticou o espaço do campus: “a única coisa que eu tenho pra falar é que é
pequeno, que a gente tinha que ter um espaço maior né, no caso, só isso.” Como já
observado, o espaço atual do campus é provisório e não é adequado às necessidades de
infraestrutura e demandas da comunidade estudantil. Ainda estamos a aguardar a reforma do
prédio definitivo no centro de Taguatinga.
As mulheres gostariam que o curso de Alfabetização e Letramento continuasse.
Quando questionadas sobre sugestões de outros cursos, algumas responderam costura e
artesanato. A partir do (re) ingresso ao universo educacional em seus cotidianos de vida, as
mulheres criaram laços afetivos não somente com o curso de Alfabetização e Letramento,
mas também com as pessoas que fazem ou fizeram parte da equipe de docentes, técnicos e
terceirizados da instituição. Rosa demonstrou especial carinho e afeto à recepcionista, ao
motorista que as levavam para o curso, às professoras de alfabetização, informática, Libras e
ao pessoal que trabalha na linha de frente de atendimento ao estudante – à equipe de
assistência estudantil e pedagógica do Campus Taguatinga Centro. Elementos como
paciência, educação, simpatia e qualidade de atendimento foram citados como fundamentais
para o estreitamento de laços. Ao observar condicionantes de permanência nos estudos, estes
fatores fizeram parte das escolhas das estudantes.
125
8.7 Percepções face ao Programa Mulheres Mil
Das percepções em relação ao Programa Mulheres Mil não se pode deixar de destacar,
já que o curso de Alfabetização e Letramento se inspirou na base metodológica do programa
supracitado. As mulheres entrevistadas avaliaram as duas propostas de forma positiva, mas
com algumas ressalvas. Em relação ao corpo docente, uma disse que havia mais professores
no antigo programa: “esse daqui tá bom, mas o Mulheres Mil foi muito bom, eu acho que o
Mulheres Mil foi melhor, porque teve mais professor também…” (Rosa, 45 anos,
maranhense)
A grade curricular foi diferente, até mesmo pela questão de disponibilidade dos
professores, exemplo da formação em Libras que somente foi possível no curso de
Alfabetização e Letramento: “eu acho que sim. A aula de Libras é diferente…” (Iris, 39 anos,
baiana)
Uma entrevistada destacou a divisão das turmas, que teria tido assim mais
aproveitamento escolar. As estudantes foram divididas de acordo com seu nível de
aprendizagem: “da Mulheres Mil, não sei se você lembra, mas teve aquela divisão... (dentro
da turma de alfabetização). Porque tantas pessoas era mais avançada, acho que foi o tempo
que eu aprendi mais, tempo das mulheres mil. Aí tempo da alfabetização a gente já estudou
várias coisa, mas tá bom, tô gostando.” (Camélia, 37 anos, maranhense). Avaliada a
necessidade dessa apreciação pedagógica, desde abril de 2016 que esta divisão ocorre no
Curso de Alfabetização e Letramento também.
“De diferente tinha um ônibus pra gente vim, mas agora já não tá tendo mais”
(Hortênsia, 41 anos, baiana). Este ônibus era cedido pela administração do campus para
buscar as mulheres na Cidade Estrutural. Este foi também um recurso disponível na
implementação do curso de Alfabetização e Letramento, mas por falta de verba de
combustível e indisponibilidade de motorista, deixou de fazer parte do incentivo institucional
no segundo semestre de 2015. Também teve diferenças em relação à proposta do curso: “que
lá eu mexia com doce, aqui eu mexo com leitura.” (risos) (Flora, 73 anos, carioca).
126
O Programa Mulheres Mil, como um programa federal, tinha grande visibilidade
nacional, e o Instituto Federal de Brasília respondia à demanda de forma ampla. Com a
ruptura do programa na metodologia tradicional, a nova proposta de intervenção partia
somente do Campus Taguatinga Centro, inclusive com reduzido apoio institucional. Há
uma certa empatia aos antigos professores do Programa Mulheres Mil também, porque
algumas se afeiçoaram mais a alguns alfabetizadores: “pois é, muita saudade eu sinto dele.
Gostava da aula dele igual eu gostava da (...). A aula do professor (...) também é muito boa.
Ele ensinava a gente a ler mesmo muito, que era pra aprender mesmo.” (Iris, 39 anos, baiana)
Todas mulheres chegaram a recomendar o curso para outras mulheres: “é por isso que
todo dia eu incentivo, todo dia, todo dia”. (Margarida, 45 anos, paraense) “Sim, cheguei até
pegar folhetos aqui, panfleto pra entregar pras pessoas participar também.” (Hortênsia, 41
anos, baiana). “Sim, foi o que mais eu fiz e ainda tô fazendo ainda (risos). Incentivando
algumas amigas e tem mais amiga que quer entrar no ano que vem.” (Rosa, 45 anos,
maranhense).
127
8.8 Assistência Estudantil no Instituto Federal de Brasília: importante, mas não
fundamental
A Assistência Estudantil no Instituto Federal de Brasília colabora para a permanência
e o êxito dos estudantes na perspectiva de inclusão social, produção de conhecimento,
melhoria do desempenho escolar e da qualidade de vida. Para participar de quaisquer
programas, é necessária a matrícula e frequência regular, em cursos de Formação Inicial e
Continuada, que contemplem no mínimo 200h, do Ensino Técnico e de Graduação do IFB.
De acordo com o perfil socioeconômico das mulheres do curso, sabe-se que esta bolsa
é considerada importante para a permanência no curso. É um meio de subsistência das
despesas, gerindo a alimentação, passagens, cópias, entre outros custos que têm e que são
maiores participando do curso:
“(...). É uma bolsa que vai tá ajudando bastante, em termos da nossa situação de casa,
familiar, com nossos filhos. Em termos de que nem todas têm companheiro (...) eu já
não tenho o meu, então tem outras colega que já não tem companheiro e já depende
muito e já ajuda bastante (...), mas em termos da bolsa ser continuada isso é muito
importante, porque ajuda bastante cada uma de nós.” (Hortênsia, 41 anos, baiana)
“Ó, deixa eu te falar, não sei como eu vou colocar. Se eu falar pra você “não”...
quando eu vim pra cá eu não sabia da bolsa, mas quando saiu eu achei muito
importante porque, por exemplo, eu tava passando por uma situação dessa, então pra
mim foi muito importante.” (Margarida, 49 anos paraense)
Margarida estava se referindo à alimentação diferenciada de suas duas filhas. Uma
delas, Elizete, tem alergias e a outra, Thaís, tem desnutrição alimentar, baixo peso e é
intolerante à lactose. Isso gera um custo alto para suas finanças, e o companheiro dela
trabalha informalmente como pedreiro, mas não tem emprego fixo: “ele já tem uma idade
avançada, você sabe que serviço de pedreiro hoje em dia, pra quem não tem estudo, muita
gente nem tá querendo.”
Para ela, seria importante a continuidade do Auxílio-Permanência: “é muito
importante porque com isso eu consigo comprar coisa pra dentro de casa, consigo ajudar a
pagar uma conta... e isso não adianta a gente dizer que não faz... As que falaram “não, não
foi... eu tô...” O meu poblema foi muito bom o estudo, muito importante mesmo o estudo... e
128
por exemplo se saísse bolsa eu continuaria, se não tivesse eu continuaria do mesmo jeito, mas
não adianta eu falar pra você que eu não ia sentir falta porque eu ia, mas continuaria e vou
continuá...” Também destacou a importância do “programa da saúde”, referindo-se ao
Programa de Promoção à Saúde e “esporte e lazer”, se referindo ao Programa de Incentivo à
Cultura, Esporte e Lazer Discente. Todas concordaram ser importante para a permanência no
curso:
“É importante sim, porque quando a gente não tem o curso, a gente tem que caçar
coisa alguma coisa pra fazer, tipo eu não tô em outro lugar, eu vou pro lixão, quando
eu venho pra cá é porque eu não vou pra lá... mas é bom pra gente, tipo, um reforço a
mais pra gente, uma iniciativa... como é que chama mesmo? Um incentivo né, pra
gente continuar. É bom... me ajuda muito, pra mim foi uma fonte de renda
inesquecível, porque acho que graças a Deus, quando eu recebo esse dinheiro já vou
direto pro mercado fazer as compras de casa.” (Camélia, 37 anos, maranhense)
Camélia ainda destacou que continuaria no curso, desta forma consegue aprender
muita coisa e não gostaria ter que viver de ajuda. De acordo com ela, ao contrário de outras
mulheres que estão lá para receber a bolsa, “se tivesse a bolsa ou não tivesse, eu continuaria
do mesmo jeito, com ou sem bolsa.” (Camélia, 37 anos, maranhense). Todas foram
questionadas se além do Auxílio-Permanência gostariam de receber outro forma de apoio.
Algumas gostariam de algum encaminhamento para consultas de especialidade ou Psicologia:
“Eu queria, tipo assim, pra mim eu queria um apoio assim para, tipo assim, pra
encaminhamento, pra neuro quando minhas menina tá precisando e são 6 meses pra
conseguir... pra neurologista, e também pra psicólogo... mas que aqui também, e se eu
continuar no outro ano lá eu acho que vou fazer umas sessão aqui…” (Camélia, 37
anos, maranhense)
“Tivesse um negócio assim, psicólogo era bom.” (Flora, 73 anos, carioca)
A bolsa, mesmo sento importante para a permanência no curso para as entrevistadas,
não representa, pelo menos discursivamente, um critério para permanência no Instituto
Federal de Brasília:
129
”Talvez sim e talvez não Clarice, se tivesse bolsa ou não, eu vinha do mesmo jeito. Eu
não tô fazendo nada mesmo, não tô trabalhando. Ficar aí fazendo em casa o que? Pelo
menos aí eu tava aprendendo alguma coisa, tava indo pra escola e tava aprendendo,
entendeu? Pra mim tanto faz como tanto fez, mas eu penso assim né, mas os outros
não pensa.... Importante é a gente aprender né, porque o dinheiro vem e acaba rápido.”
(Iris, 39 anos, baiana)
“Continuaria e vou continuar no ano que vem se Deus me der a permissão e eu espero
que ele dê a permissão. Se não tiver a bolsa eu continuava e vou continuar, saiu agora,
vai sair, mas se o ano que vem não sair nada, eu vou continuar, é que nem eu te falo, o
dinheiro pra mim eu não sou muito assim... que tem gente que é muito dominado,
tudo é dinheiro, eu não, eu digo eu quero primeiro o estudo, o importante é o estudo,
aprender um pouco mais, depois deixa que o dinheiro vem devagarinho. ” (Rosa, 45
anos, maranhense)
“O importante pra mim é eu estudar e não o dinheiro, entendeu? Ganho porque o
governo me dá, mas não que se não tivesse ele eu tava aqui do mesmo jeito.” (Flora,
73 anos, carioca)
Apesar de não perceberem o aspecto financeiro como essencial para a permanência no
curso, Rosa compreende que para outras estudantes possa ter sido ou vir a ser um passo
obrigatório, ou pelo menos, que sirva como critério para sua participação: “Que tem amiga,
teve amiga, que nem a Jussara mesmo, que tava muito precisada também, mas no meu caso
eu não cheguei precisada de assistência social não, nunca precisou não, mas espero que
também não precise né. Mas eu acho que as pessoa continua trabalhando por outras pessoas,
não tá trabalhando por mim mas às vezes pode aparecer alguém que tá precisando e a pessoa
trabalha pra ajudar aquela pessoa que tá precisando.”
A Política de Assistência Estudantil, assim como outros mecanismos de transferência
de renda, são grandes aliados para a emancipação da cidadania. Representam estratégias de
incentivo para a população mais desfavorecida, e ainda mais, servem para o combate da
evasão e da retenção escolar. Ainda assim, a vontade(re) aprender a ler e a escrever é mais
importante para estas mulheres. Elas estão com sede de conhecimento, querem ser ouvidas e
protestar pelo seu direito à educação. Observa-se que todas as entrevistadas já ficaram algum
período sem receber a bolsa durante o curso, e mesmo assim, lá permaneceram.
130
8.9 Oportunidades profissionais: a ausência do diploma escolar enquanto barreira de
acesso aos lugares desejados
Acompanhando as mudanças na nossa sociedade contemporânea, a inserção da
mulher no mercado de trabalho faz parte, sem dúvida, da luta pela emancipação feminina. A
contribuição mais significativa dessa luta foi o reconhecimento da mulher enquanto sujeito de
direitos, avançando nas transformações de gênero e de base para uma sociedade mais justa e
igualitária. Como apresenta Toledo (1998, p. 25), “as frentes de participação no mercado de
trabalho e no espaço público representam conquistas na luta pela emancipação feminina. No
entanto, as estratégias de sobrevivência no mundo cotidiano dão a prova das desfavoráveis - e
atuais condições em que as mulheres vivem, e no que tange este debate, do trabalho
feminino.”
Ações profissionais desqualificadas, segregações horizontais e verticais do status
profissional, desvalorização do trabalho, sobrecarga da vida doméstica e familiar são
situações ainda mais comuns no cenário coletivo feminino e que perduram de forma ainda
mais intensa na contextualização de classe. Mulheres mais desfavorecidas economicamente,
que lutam pela sobrevivência de serem mulheres e pobres. Se negras, a discriminação tem
tríplice sentido.
Este é o perfil das mulheres entrevistadas que por sinal se declaram pardas e negras.
Todas já trabalham há muito tempo, algumas até foram exploradas durante a infância. De
acordo com Pinheiro et al (2016, p. 5), “as mulheres não estiveram fora do mercado na
mesma medida. Para as mulheres negras, por exemplo, submetidas a condições de vida
significativamente mais precárias, a ‘alternativa’ de manter-se fora do mercado apresentou-se
com muito menos intensidade e, desde muito cedo, estas mulheres trabalhavam fora de casa
para trazer renda às famílias, ainda que esta renda fosse, já naquele momento, percebida
como adicional, secundária ou complementar.” O trabalho como categoria de sobrevivência
no mundo, permeado por relações desiguais de poder, é referência para elas. Estão
‘acostumadas’ a terem subempregos, a trabalharem com sobrecarga e não serem reconhecidas
por isso. Não se estranha, por isso, que as suas ambições sejam modestas: um trabalho que
lhes permita auferir um salário mínimo.
Dois relatos exemplificam essa cruel realidade. Iris e Camélia, mulheres negras,
pobres e residentes de uma das maiores favelas do Brasil, a Cidade Estrutural. Elas são
131
catadoras de materiais recicláveis no Lixão, e se trabalham muito, ganham juntas 20 reais67
por dia: “eu só trabalho lá porque não tem outra opção.” (Camélia, 37 anos, maranhense) Sem
contar com as situações degradantes que têm que passar diariamente, como sucedeu com Iris
que até criança morta já encontrou no lixão (vide capítulo 8, tópico 8.2): “ali não é um
serviço muito bom não...Trabalho ali porque é a necessidade mesmo e a gente tem filhos
pequeno pra dar comida, porque se não fosse eu não ia de jeito nenhum, não iria mesmo…”
(Iris, 39 anos, baiana)
De acordo com os dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD),
uma pesquisa nacional que obtém informações anuais sobre características demográficas e
socioeconômicas da população, entre outras temáticas, a renda da população brasileira
melhorou nos últimos dez anos, 2004 a 2014, mas não foi suficiente para equiparar os ganhos
entre gênero e raça. O rendimento médio do brasileiro cresceu quase 50%, ao passar dos R$
1.000,00 em 2004 para R$ 1.595,00 em 2014. As mulheres negras foram as mais
beneficiadas, com 77% de aumento no período. Os homens conseguiram 43%, e as mulheres,
61%. Os homens, no entanto, continuam ganhando mais do que as mulheres (em média, R$
1.831, contra R$ 1.288, em 2014), e os homens brancos ganham ainda mais (R$ 2.393, em
2014). As mulheres negras seguem na base, com renda de R$ 946 no mesmo ano.
Já a renda média da turma é de menos da metade do salário mínimo, o qual, na época
de preenchimento dos formulários, equivalia a R$ 788. Mais de 33% responderam receber
entre R$169,00 até R$337,00 (12 respostas), enquanto 19,4% declarou entre R$ 675,00 até
R$842,00 (7 respostas). Mais de 16% respondeu receber até R$ 168,00 (6 respostas), renda
considerada insuficiente para quaisquer subsistência humana. No entanto, a linha de extrema
pobreza utilizada no Brasil segue a regulamentação do Programa Bolsa Família, que é de R$
77,00 per capita68
.
67
O equivalente a cinco euros (cálculo realizado em abril de 2016). 68
O Decreto nº 8.232, de 30 de abril de 2014, alterou o Decreto nº 5.209, de 17 de setembro de 2004, que
regulamenta o Programa Bolsa Família, e o Decreto nº 7.492, de 2 de junho de 2011, que institui o Plano Brasil
Sem Miséria. Antes da alteração, a linha de extrema pobreza considerada no Brasil era de R$ 70,00 per capita.
132
Gráfico 3
Distribuição das mulheres de acordo com a Renda per capita
Fonte: Elaborado pela pesquisadora; dados retirados dos formulários socioeconômicos da Seleção
do Programa Auxílio Permanência 2º/2015 Como já foi visto anteriormente, 44% das mulheres é beneficiária de algum programa
de transferência de renda, como o Bolsa Família ou o Programa Fábrica Social. Essas são
políticas sociais importantes, no entanto, não demonstram ser suficientes para alterar a
situação de famílias mais pobres, além do que, não é uma renda fixa, tendo em vista a revisão
do benefício a cada dois anos. Mais de 61% das mulheres não estão trabalhando (22
respostas) e quase 14% responderam ter o estágio como fonte de renda (5 respostas).
Gráfico 4
Distribuição das mulheres de acordo com a situação de trabalho
Fonte: Elaborado pela pesquisadora; dados retirados dos formulários socioeconômicos da Seleção
Do Programa Auxílio Permanência 2º/2015
133
“A posição social do ser humano no mundo, e sua relação com ele, depende de uma
série de relações permanentes”, como coloca Freire (1967, p. 104). O trabalho entra em cena
como uma complementação da rotina de Rosa, a qual é seguida apenas em um dia da semana
em uma casa na região de Vicente Pires, próxima ao local da sua residência. Mesmo que o
deslocamento não seja diário e não tenha se estabelecido um vínculo de carteira assinada, o
retorno financeiro é uma conquista para ela, ainda que se considere desempregada: recebe
120 reais e a passagem (6 reais ida e volta de ônibus).
Relata a importância desse dinheiro para a apropriação de suas escolhas, que variam
entre como, quando e onde adquirir bens conquistados com sua própria disposição e tempo:
“mas eu gosto assim de fazer minhas faxina, e sempre que eu tenho meu dinheirinho pra
comprar alguma coisa e agora eu vou ter minha netinha, eu vou até te mostrar o que eu já
comprei pra levar pra minha netinha. E eu digo assim, tenho que comprar umas coisa pra
levar pra minha netinha então eu tenho que trabalhar, e o marido tá pagando as outras coisa e
o resto eu me viro aqui sobre as minhas coisas da minha neta.” Tem consciência do valor do
seu trabalho e acredita que deveria ganhar mais:
“Eu acho que deveria ganhar, assim, pelo dia de trabalho, eu acho que deveria ser pelo
menos uns 150 né, pra, assim, no meu caso eu acho que deveria ser uns 150 por dia.
Só que eles não paga, paga as veze 130, eu cobrei 130 um dia desse ali o rapaz “ah,
não 130 é pra quem mora no Sudoeste” e eles só querem pagar 110. E lá no Vicente
Pires não tem ninguém lá baixinha assim não, que lá as casa tudo é chique, aí o
homem não quis pagar 130 eu também não fui...” (risos) (Rosa, maranhense, 45 anos)
Os estudos sobre desigualdades de gênero no mundo do trabalho têm conferido
grande foco à questão dos diferenciais de remuneração entre homens e mulheres. Um estudo
do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) observa o indicador de rendimento
como um resumo das formas e condições de inserção dos trabalhadores e trabalhadoras em
uma determinada ocupação. O setor que ocupam, o tipo de atividade que desempenham, a
escolaridade exigida, a jornada de trabalho, o cargo alcançado na hierarquia da instituição,
todos estes fatores contribuem para explicar o nível de renda alcançado. Nem tudo, porém, é
objetivamente percebido. Não são poucos os estudos que procuram mostrar o quanto da
desigualdade salarial não é explicada por nenhum fator observável (idade, escolaridade,
134
cargo, região, etc.), sendo esta lacuna normalmente atribuída à variável ‘discriminação’.
Assim, para além das desigualdades ‘herdadas’ pelo mercado de trabalho, sabe-se que este
também produz as suas próprias desigualdades.
De acordo com Santos, (2008, p. 100), “ao analisar a relação entre a vida profissional,
maternidade, encargos domésticos e bem-estar, é necessário lembrar que existem situações
diferenciadas segundo a classe social. As mulheres com rendas mais baixas apresentam
menor qualificação e nível educacional e, em geral, são as que, diante da maternidade,
acabam reduzindo sua jornada de trabalho ou até abandonam, por algum tempo ou
definitivamente, o campo profissional para atender as diversas demandas da família”: “ele
não gosta muito que eu vou né, pra não deixar os menino só” (Rosa, 45 anos, maranhense).
A função de dona lar e todos os afazeres domésticos que lhe são imputados são vistos
como um trabalho em todos os relatos: “é um trabalho e é trabalho pesado (risos), só você
cuidar de menino, de filho, de casa…”(Iris, 39 anos, baiana). A referência de trabalho fica
clara na fala de Rosa, com descrédito até pela falta de remuneração: “eu acho que é o trabalho
que a gente faz acho que mais como se tivesse trabalhando lá fora, nossa que toda hora tem
serviço pra você fazer, não acaba. (risos) Entendeu? Mas eu nem sei como que... que a gente
não recebe mesmo por isso.” (Rosa, 45 anos maranhense). Esses afazeres domésticos
comprometem sua rotina, porque acaba por trabalhar muito mais no âmbito domiciliar,
configurando aquilo que se chama dupla jornada de trabalho.
O que estes relatos parecem indicar é que as inativas são mulheres ainda em plena
idade produtiva, com escolaridade mais elevada que a dos seus companheiros e que, tendo a
oportunidade, de acordo com Pinheiro et al (2016, p. 6), “poderiam – para além do que já
fazem para a reprodução da vida – contribuir elas próprias para a produção de riquezas e não
apenas como possibilitadoras da contribuição que os homens dão à economia.”
Tanto o é que 44% (11 respostas) das mulheres declararam não estar trabalhando por
falta de oportunidade. Ou seja, mesmo sob o ônus do trabalho não-remunerado, gostariam de
estar no mercado. Já 28% vinculou a resposta à frágil condição de saúde (7 respostas). Com
24% das respostas são donas do lar (6 respostas), o que consideram um impeditivo para o
trabalho. Em seguida, 4% responderam a falta de qualificação profissional como motivo de
não inserção (1 resposta). No total, 25 mulheres não estão trabalhando, o que equivale a
135
quase 70% do grupo de estudantes que respondeu ao formulário. Já é uma grande vantagem
estarem no curso, dessa forma tem mais chance de conseguirem qualificação.
A frequência no curso é relacionada com a chance de conseguir um trabalho, como
diz Rosa: “às vezes você vai trabalhar de limpeza, você precisa de pegar um produto e você
não sabe ler que produto é, entendeu? Projetos vem à tona porque foi aberta uma porta para
poderem sonhar:
“Que o IFB me ajude a trabalhar porque, apesar da idade, eu posso não conseguir
trabalhar em casa de família por conta da né? Da situação das dores, mas eu posso
fazer outras coisas, por exemplo, eu tenho um sonho de ter alguma coisa própria né?
Então, é uma coisa que eu sonho e eu espero que…” (Margarida, 49 anos paraense)
Estes sonhos estavam submersos em milhares de dificuldades e obstáculos de vida,
mas a partir do curso conseguiram vislumbrar um futuro diferente para si: “pensava em ter
um emprego pra tá trabalhando pra mim tá me ajudando, ter um emprego digno, tá me
ajudando bastante a minha vida, ia ser muito importante pra mim.” (Hortênsia, 41 anos,
baiana) Costureira, auxiliar de serviços gerais, gari, foram algumas das respostas. Não
importa o sonho, para terem acesso a um mínimo de qualidade de vida, que ganhassem ao
menos um salário mínimo, hoje estipulado em 880 reais.
O trabalho tem constituído um dos principais contextos de referência quando se
analisa a centralidade das competências e das qualificações escolares nas sociedades
contemporâneas: as consequências das transformações sentidas nesse domínio afetam não só
as empresas e as organizações, e o grau de desenvolvimento das sociedades, mas também as
condições e trajetos de vida dos indivíduos. Indivíduos devem deter para o desempenho das
atividades profissionais. O diploma escolar, enquanto instrumento de certificação formal de
competências, constitui um recurso crescentemente requerido no acesso a determinados
lugares e profissões. Esta é uma tendência que parece afetar, de um modo geral, os diferentes
setores de atividade e grupos de profissões, acentuando-se, por essa via, as situações de
exclusão daqueles que não detêm os níveis mínimos dos recursos educacionais exigidos.
136
Capítulo 9 - Conclusões e recomendações: caminhos e possibilidades de construção de
cidadania
Ao longo deste trabalho narrativas biográficas foram traçadas em estreita articulação
com a singularidade dos relatos de seis mulheres matriculadas no curso de Alfabetização e
Letramento: emancipação feminina pela construção da cidadania, ofertado pelo Campus
Taguatinga Centro, Instituto Federal de Brasília. Como inspiração metodológica utilizamos a
técnica de pesquisa história de vida e como estratégia analítica apelamos à ideia do retrato
sociológico (Lahire, 2004).
Nesta dissertação propusemos este recorte analítico para compreender os percursos e
vivências das mulheres entrevistadas no contexto de inserção no curso, desocultando assim os
sentidos que elas atribuem ao seu lugar no mundo antes e depois da experiência
alfabetizadora.
Para que esses conhecimentos pudessem ser compartilhados e devidamente
registrados e valorizados, a troca de experiências de vida destas mulheres foi fundamental. A
inserção no curso de Alfabetização e Letramento procura justamente potencializar as
mulheres como autoras das histórias de suas vidas, de seus grupos, de suas instituições ou
comunidades, ou seja, partiu-se do pressuposto que as experiências podem ser narradas e
registradas por suas protagonistas. A partir de suas histórias, as alunas projetaram suas
perspectivas que contemplam diversos aspectos, incluindo profissionais e educacionais.
Dessa maneira, tornou-se possível e viável a (re) construção de seus itinerários formativos.
Momento chegado então de assinalar as principais conclusões, de acordo com os
objetivos de pesquisa, que passavam, recorde-se, por compreender o cenário familiar destas
mulheres; resgatar os caminhos percorridos na trajetória escolar; identificar e caracterizar os
obstáculos e constrangimentos à potencial mudança promovida pela formação e conhecer os
principais sentidos atribuídos à sua vida depois da inserção no curso.
Carregada de significativas memórias, a reflexão apresentada neste trabalho mostra
como o cenário familiar é fundante em suas vidas. Compreendemos que a família de origem
foi a base para estas trajetórias, pois representa dimensões da vida necessárias para a
emancipação humana. Especialmente no que toca a trajetória educacional, os pares familiares
(pais, avós, tios, irmãs, etc.) demonstraram ser peças-chave para compreender os
(des)caminhos traçados em busca de formação.
137
A falta de linearidade nos estudos é comum a todas entrevistadas, própria aliás dos
indívíduos que chegam à formação de jovens e adultos. Mesmo que tenham tido alguma
chance de estudar, a incompatibilidade da cultura escolar com os conhecimentos, valores e
suas demandas de vida foi a baliza da primeira infância. Ficou também perceptível a
desvalorização educacional por duas questões. Primeiro, a necessidade de trabalhar para
ajudar no sustento familiar, particularmente na infância e juventude das entrevistadas. Nota-
se, inclusive, que o abandono escolar pelas vias do trabalho é um dos principais motivos de
evasão nos institutos federais. Advindas de famílias carentes de recursos, estas mulheres não
tinham poder de escolha, mesmo quando julgavam tê-lo. Observando objetivamente suas
condições de vida, verifica-se que se não trabalhassem não tinham como sobreviver. Nota-se
que esta justificativa não foi unânime nas entrevistas, mas pode-se afirmar que este
desencadeamento lógico faz parte do perfil da turma de Alfabetização e Letramento.
A segunda motivação de ausência escolar foi a dificuldade de conciliar a trajetória
escolar com questões familiares. Os principais obstáculos de formação tinham que ver com
eventuais problemas de saúde, cuidados com os filhos e situações de violência doméstica.
Aliás, a legitimação de determinadas práticas de desigualdade de gênero, em que o estudo era
(e ainda é) visto como desnecessário para suas trajetórias é um aspecto que vale a pena
sublinhar. A dominação masculina no discurso societário atinge macro e pequenas esferas,
baseada em uma divisão sexual da reprodução social, que confere aos homens a melhor parte
da vida: ter autonomia sobre seus corpos. Não se pode deixar de considerar que no Brasil as
mulheres continuam sendo alvo do machismo, perpretado por meio de discriminações muitas
vezes simbólicas, veladas e, lamentavelmente, socialmente consentidas.
Consideramos também a dificuldade de acompanhar os conteúdos ministrados. Parte
dessas mulheres esteve afastada de ambientes escolares, embora elas dominem saberes
práticos relevantes para as atividades cotidianas e laborais. Uma vez identificado esse tipo de
dificuldade, é importante que a equipe profissional busque estratégias didático-pedagógicas e
de reforço escolar personalizado que reduzam essa dificuldade inicial. Como exemplo,
atualmente as mulheres com maior defasagem de alfabetização estão inseridas em uma turma
especial, sendo acompanhada por uma estudante do curso de Pedagogia da Universidade
Catolica de Brasília (UCB).
138
O reconhecimento da socialização primária para problematizar a ascensão feminina é
fundamental. No entanto, os obstáculos à formação não se esgotam no cotidiano familiar. A
situação da mulher tem se modificado nas últimas décadas e as lutas não param no mercado
de trabalho ou na inserção educacional, mas ainda há representações relativas ao seu papel
em sociedade que são construídas em prol da divisão desigual de gênero. A própria violência
no ambiente privado constatada nos relatos é o reflexo desta sociedade que não considera a
existência feminina importante, muito menos prioritária. Em um cotidiano hostil, em que as
estratégias de sobrevivência fazem a regra do jogo, não se pode esperar que a emancipação
feminina seja conquistada com facilidade.
O percurso formativo destas mulheres é a prova desta argumentação. Ainda que a
elevação de escolaridade faça parte do cenário presente, o ingresso no cotidiano escolar ainda
é alvo de questionamento dos pares familiares. Não apenas pela falta de receptividade da
nova condição, mas também pelo descrédito na (re)organização dos papéis na família. Ora,
ser apenas estudante é algo já notório, ainda mais em uma classe desfavorecida de
oportunidades. Mas com o desfavorecimento de classe vem o desfavorecimento de gênero,
provocado pela falta de apoio para garantir responsabilidades domésticas. Estas mulheres
apenas acumularam funções. De mãe, passaram para mães e estudantes, quando não mães,
estudantes e trabalhadoras. A reinserção escolar vem a somar para sua formação, sem dúvida,
mas o cuidado dos filhos e os encargos domésticos continuam ainda, majoritariamente, sob
sua responsabilidade, sendo, além disso, a esfera da vida em que estruturalmente lhes foi
dada chance de se realizarem.
Se pensarmos que família é a base de acolhimento e proteção para os seus membros, a
violência doméstica e familiar representa a quebra destas expectativas. Advindas de lares
desestruturados, a violência intrafamiliar foi percebida em todos os relatos, sob diferentes
classificações, inclusive na mais reconhecida socialmente, a da agressão física. As
transformações societárias não podem ser desconsideradas, assim como o impacto no curso
na vida destas mulheres é visível, mas ainda nos defrontamos com a força do mundo hostil,
da discriminação e exclusão das mulheres que legitima (em alguns círculos) a violência que
sobre elas se exerce.
Este curso, procurou-se demonstrar, serve a um público marcado por múltiplas e
complexas vulnerabilidades. Partindo da compreensão de que a vulnerabilidade social
139
decorre de fenômenos diversos, com causas e conseqüências distintas, obteve-se uma visão
mais abrangente das condições de vida que atingem estas mulheres, bem como das
possibilidades de sua superação ou minimização.
Nessa perspectiva, foi no confronto entre as características individuais e familiares –
ciclo de vida, tipo de arranjo familiar, escolaridade, renda, formas de inserção no mercado de
trabalho e condições de saúde e suas possibilidades de desfrute da prestação de serviços
públicos que se definiram suas efetivas condições de vida e possibilidades de mobilidade
social.
Entre os principais os obstáculos e constrangimentos à potencial mudança promovida
pela formação podemos citar: condições precárias de propriedade na qual reside a família;
ineficazes sistemas de abastecimento de água; baixo nível de escolaridade; analfabetismo e
atraso escolar das mulheres e outros membros familiares; existência de pessoas com
deficiência na família; gravidez precoce; famílias numerosas; indivíduos dependentes de
substâncias psico-ativas (álcool e outras drogas); individuos em atendimento especializado e/
ou tratamento psiquiatra; baixo rendimento familiar (renda per capita)69
; desemprego; mulher
chefe de família; exploração infanto-juvenil; existência de adolescentes em conflito com a lei;
existência de indivíduos (membros da família) em reclusão; existência de situações de
violência doméstica, abandono, negligência e maus tratos.
Estas mulheres venceram a força desta exclusão, o mínimo já não cabia no universo
de suas expectativas. Não só como uma forma de recompensar as limitações do passado, mas
especialmente de abandonar atitudes que não mais lhe serviam. Em busca do novo,
ultrapassaram a ausência escolar pré-destinada, incorporando, assim, a pluralidade dos seus
sujeitos em formação.
Desde que a leitura e a escrita passaram a fazer parte de seus cotidianos de vida, a
realidade social a qual estão sujeitas foi impactada pelo estímulo diário do letramento. Para
além da sala de aula, estas mulheres levam consigo experiências de ensino e aprendizagem
que corroboram para mudanças diretas e indiretas em seu próprio meio ambiente.
69
Da análise dos relatos percebemos que a questão do salário é um indicativo de vulnerabilidade e ao mesmo
tempo um potencial de mudanças. Como traço marcante das narrativas biográficas presentes, a precariedade que
atravessa essas vidas é tamanha que receber um salário mínimo já é um grande salto, então serve como
aspiração de melhores condições de vida (já que muitas nem chegam a receber um salário mínimo).
140
A visão de autonomia e emancipação feminina por meio do curso foi percebido como
uma escapatória dos ciclos de violência. De acordo com a análise aqui engendrada, o curso
colaborou de fato para a construção de direitos, a enxergar a sensibilidade feminina para suas
próprias construções de vida, autônomas em suas escolhas. Dentro dos objetivos de pesquisa,
a capacidade geradora de autonomia atendeu às características e especificidades das
mulheres, oferecendo contributos suficientes para que o pensar e o agir favoreçam as tomadas
de decisão com maior probabilidade de sucesso.
As demandas das realidades dessas mulheres e seus saberes estão alinhadas com os
objetivos do curso. O curso possibilitou-lhes o reconhecimento de saberes, considerando que
as mulheres são sujeitos de direitos e que todas as aprendizagens formais ou não formais que
elas venham a ter proporcionarão a qualificação nas áreas necessárias à complementação de
seus saberes e conhecimentos já adquiridos.
Como célebres donas de si mesmas, o curso contribuiu, à luz dos dados trazidos nesta
pesquisa, para o resgate da sua autonomia, mas algo já estava lá, ou seja, o curso foi uma
oportunidade para que estas mulheres reconhecessem e valorizassem as suas capacidades e
conhecimentos. Na verdade, não é possível determinar se foi a frequência do curso que gerou
esse processo de mudança ou se a frequência foi consequência de uma mudança nas
mulheres, que as levaram a agarrar esta oportunidade de crescimento e aprendizagem. Seja
como for, suas histórias de vida exploram aspectos de superações diárias, de lugares e
situações de apropriação para a própria sobrevivência, em que as aquisições do curso
contribuíram para consolidar a transformação. O reflexo desta posição é certa no ensino-
aprendizagem.
Tradicionalmente, o corpo estudantil é entendido como mero receptor de
conhecimentos e informações, ao qual cabe facilmente o sistema de obediência e aceitação de
todas as regras e mandamentos. Não se trata tão somente de dar ou negar autonomia.
Autonomia, a exemplo do que acontece com a educação, é algo que deve ser desenvolvido
com a autoria do próprio sujeito que se faz autônomo e sempre será um objetivo almejado no
percurso de vida dessas mulheres, no jogo das relações sociais em que a subjetividade aqui
ganha espaço. Isso acarreta implicações imediatas para a forma mesmo de realizar-se o
processo ensino-aprendizagem.
141
Estes espaços de aprendizagens, viu-se ao longo dos capítulos anteriores, são por isso
muito mais que instrumentos de conhecimento. São espaços de construção de cidadania e
emancipação feminina, provocando mudanças de sentido do lugar do mundo ao qual estas
mulheres pertencem: elevação da escolaridade, percepções de autonomia, emancipação na
rede de suporte afetivo e reconhecimento social da inserção escolar.
Dos esforços conduzidos nesta dissertação emergiram reflexões em prol de mudanças
na prática institucional, quais sejam, sugestões de implementação da pesquisa analisada. No
nível de planejamento e execução, esta dissertação demonstrou como estratégias de
intervenção na realidade social podem responder aos desafios dos sistemas educativos
vigentes. Percebeu-se que o curso de Alfabetização e Letramento é uma segunda
oportunidade de inserção escolar que deve continuar sendo implementada no Campus
Taguatinga Centro e mais, deve ser aprimorado como proposta pedagógica multicampi do
Instituto Federal de Brasília, pois operacionaliza com eficácia os desígnios que presidem à
missão da Instituição e que estão inscritos em seus dispositivos normativos.
Esse resgate não pode ser realizado emergencialmente, mas, sim, de forma sistemática
e continuada, uma vez que estas mulheres continuam alimentando o contingente de
defasagem escolar, seja por ingressarem tardiamente na escola, seja por dela se evadirem por
múltiplas razões, sendo a necessidade de trabalhar para ajudar no sustento familiar a principal
delas, como já foi visto nos capítulos anteriores.
A reflexão do projeto pedagógico do curso colabora para o incremento das taxas de
escolarização da população feminina, e além disso, pode basear os modelos que revelam
alguma dificuldade em responder às necessidades dos jovens e adultos pouco escolarizados
do Distrito Federal.
Propõe-se a motivação, mobilização e desenvolvimento de temáticas que partam da
vida destas mulheres. Elas devem ter interesse pela sua formação e não serem meros objetos
de aprendizagem. Uma abordagem escolar flexível, com novos modelos de avaliação e
sistemas de convivência, que considerem a diversa da condição de estudantes de EJA,
atendendo aos seus projetos de vida e ao seu vínculo de pertencimento ao mundo. Para tanto,
formações semestrais com temáticas que abranjam seus contexto de vida, como educação
financeira, empreendedorismo, literatura de cordel, informática básica, entre outros
conteúdos para sua formação.
142
Para avançar nos objetivos de sucesso desta empreitada, almeja-se uma intervenção
holística e integrada com a realidade. A implementação do curso faz parte de uma totalidade
de ações mais amplas e que abrangem a intervenção social e comunitária. Partindo-se do
pressuposto que o educador social deve fazer parte da realidade da qual pretende transformar,
propomos aqui linhas de atuação que aproximem o profissional com as estudantes e lhe
confira um destaque legítimo na construção de suas trajetórias. Este profissional deve ser um
facilitador na vida destas mulheres, através da educação, a articular saberes, integrar serviços
e desenvolver atitudes que fomentem o progresso da educação de jovens e adultos.
Para tanto, recomenda-se o trabalho em rede com outras instituições, pois é
fundamental a articulação de interesses para o avanço da política de educação. Em especial, a
Secretaria de Educação do Distrito Federal (SEDF), a qual coordena o Programa DF
Alfabetizado. Este programa tem como norte alfabetizar jovens e adultos. Através desta
parceria, poderíamos unir forças para alfabetizar a população do DF, mapeando inclusive as
regiões mais necessitadas.
Também almeja-se firmar parceria com a Secretaria de Saúde do Distrito Federal
(SESDF), a fim de garantir o encaminhamento das estudantes para os serviços de prevenção,
promoção e recuperação de saúde. Apesar do Serviço Social do Campus Taguatinga Centro já
realizar encaminhamentos extermos, esta parceria facilitaria o vínculos das duas instituições,
inclusive para o empoderamento dos serviços públicos pelas mulheres do curso. O trabalho
em rede pode proporcionar para toda comunidade do IFB elementos informativos essenciais
para o exercício de cidadania. Para tanto, acompanharemos sistematicamente as mulheres
participantes do curso, em conjunto com as equipes de saúde do DF.
Então a necessidade de ofertamos este curso com diferentes abordagens educativas,
partindo da necessidade das educandas. Temos como linhas estratégicas de intervenção: a
formação de estudantes neste curso objetiva certificar uma egressa que seja capaz de fazer
uso proficiente das formas sociais de leitura e escrita para aplicálas no seu cotidiano de vida
e de trabalho; proceder cálculos lógicos básicos e aplicálos produtivamente no seu cotidiano
de trabalho; demonstrar conscientização quanto aos princípios éticos para a cidadania;
empoderarse quanto aos direitos de mulheres; manusear com facilidade os recursos
tecnológicos básicos da contemporaneidade; manifestar atitudes empreendedoras no mundo
do trabalho; desempenhar suas atividades comunicandose de forma clara, eficiente e eficaz
143
de modo a favorecer o trabalho em equipe e a qualidade no serviço prestado respondendo
com dinamismo e responsabilidade aos desafios da sua profissão; proporcionar o
empreendedorismo de ações produtivas e sustentáveis com capacidade de iniciativa e
planejamento.
Estas linhas de atuação são interessantes porque são pensadas de acordo com a
identificação não-formal adquirida pela mulher ao longo da vida e de acordo com os seus
anseios pessoais e profissionais, construindo-se um itinerário formativo personalizado. Dessa
forma contribui para a ampliação do alcance da educação de jovens e adultos, visando à
elevação de escolaridade de suas beneficiárias. Como integra a educação regular com a
formação profissional, torna-se atrativo porque a aluna vislumbra a possibilidade de ingresso
no mundo do trabalho.
Sugere-se a elaboração de um documentário com as histórias de vida aqui narradas,
demonstrando o impacto do curso na comunidade envolvida. O propósito socioeducativo é
escutar e legitimar a voz das mulheres e organizar um fórum social feminino, garantindo
assim o seu protagonismo no mundo. Salienta-se que já existe um financiamento aprovado
para a execução deste projeto na PREX do IFB, a ser desenvolvido no segundo semestre de
2016.
A partir da sensibilização à temática, sugere-se também a capacitação profissional do
corpo docente do IFB na educação de jovens e adultos. Dos aspectos mais relevantes das
entrevistas, a relação com os professores foi fundamental. As mulheres percebem a equipe
docente como fundamental para sua ascensão educacional. Compreende-se que a capacitação
profissional é fundamental para a continuidade do projeto, tendo em vista serem os
professores os principais porta-vozes do curso, compartilhando diariamente seus saberes com
as mulheres envolvidas.
A produção deste trabalho demonstrou ricas histórias das mulheres do curso de
Alfabetização e Letramento: emancipação feminina pela construção da cidadania. Pela
observação da realidade, percebe-se que o curso representa não só uma oportunidade de
elevação de escolaridade, como um espaço de articulação da sala de aula com o universo de
saberes já vivenciados pelas estudantes.
A pensar o impacto da inserção educacional em suas vidas em múltiplas perspectivas;
suas histórias demonstraram (des)caminhos cheios de obstáculos, mas que resistiram ao tão
144
somente ciclo natural de sobrevivência porque foram além do objeto comum, de encontrarem
seu próprio jogo com o mundo. O acréscimo do curso ao mundo natural em que viviam
representou a estratégia viva de resistência; nestas relações com a realidade e na realidade,
travaram as mulheres relações específicas que resultaram no conhecimento expresso em
linguagem, em suas histórias de vida.
O passado repleto de ausente de direitos básicos distingue a consciência presente de
ter suportado e absorvido muita sabedoria, criando contínuos processos de estímulo. Estas
mulheres mostram suas competências em viver nesse mundo, demarcando o espaço que as
diferenciam de meros sujeitos sem perspectivas. Essa vontade de transição para melhores
patamares de vida foi o norte de inserção no curso de Alfabetização e Letramento:
emancipação feminina pela construção da cidadania. Não são meras estudantes, mas
protagonistas de suas próprias histórias. Esta dissertação é, portanto, o reconhecimento das
experiências prévias dessas mulheres, compreendidas como sujeitos culturais e portadoras de
biografias originais.
145
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xii
11 - Anexos
Anexo A
Inscrição para o programa de promoção a permanência 2015.2 – Campus
Taguatinga Centro70
1) Identificação do aluno
● Nome Completo: _________________________________________
● Você deseja concorrer a qual (is) auxílio (s)?
[ ] Auxílio Permanência Presencial
● Qual seu curso?
[ ] Alfabetização e Letramento
[ ] Inglês básico I a IV
[ ] Musicalização ao violão (Noções Básicas)
[ ] Técnico em Comércio
[ ] Tecnólogo em Processos Gerenciais
[ ] Licenciatura em Letras - Espanhol
● Matrícula: ________________________
● CPF: ________________________
● Data de Nascimento: ________________________
● Qual sua faixa etária?
[ ] De 15 a 17 anos
[ ] De 18 a 29 anos
[ ] De 30 a 60 anos
[ ] Acima de 60 anos
70
Este é o modelo de formulário de inscrição utilizado na Seleção do Programa Auxílio Permanência
(elaborado pela equipe de Coordenação de Assistência Estudantil e Inclusão Social do Campus
Taguatinga Centro/IFB). Foi respondido pelas mulheres do curso de Alfabetização e Letramento:
emancipação feminina pela construção da cidadania, em agosto de 2015. A CDAE auxiliou no
preenchimento, tendo em vista a grande maioria da turma não ter contato prévio com tecnologias digitais.
Após a etapa de inscrições, elas também entregaram a documentação exigida via edital do Auxílio-
Permanência nº 09 – 2º semestre de 2015.
xiii
● Sexo
[ ] Feminino
[ ] Masculino
● Endereço Completo
● Zona
[ ] Urbana
[ ] Rural
● Telefone
● Com relação a cor/raça/etnia, como você se declara?
[ ] Branca
[ ] Preta
[ ] Parda
[ ] Amarela
[ ] Indígena
[ ] Não declarada
● Possui alguma necessidade específica? (Pessoas com deficiência, transtorno
global do desenvolvimento e altas habilidades/super dotação)
[ ] Não
[ ] Deficiência
[ ] Transtorno global do desenvolvimento
[ ] Altas habilidades / superdotação
[ ] Doença crônica (candidato ou dependente familiar)
● Se SIM, qual necessidade específica?
Responder apenas se tiver afirmado SIM na pergunta anterior (apresentar laudo
médico na entrega de documentos)
xiv
● Possui algum benefício social?
Ex: Bolsa Família, Renda Minha, Brasil Carinhoso – Primeira Infância...
● Se SIM, qual o benefício social recebe?
Responder apenas se tiver afirmado SIM na pergunta anterior (apresentar extrato
bancário e cartão do benefício na fase de entrega de documentos)
● Qual seu estado civil?
[ ] Solteiro
[ ] Casado (a) ou com companheiro (a)
[ ] Separado (a), Divorciado (a)
[ ] Viúvo (a)
● Tem Filhos?
[ ] Não
[ ] Sim, 1 filho
[ ] Sim, 2 filhos
[ ] Sim, 3 filhos
[ ] Sim, 4 filhos
[ ] Sim, 5 filhos
[ ] Mais de 5 filhos
● Qual sistema de saúde utiliza?
[ ] SUS – Sistema Único de Saúde
[ ] Oferecido pela empresa ou instituição
[ ] Associações médicas / planos de saúde
[ ] Outro
● Você ou algum membro familiar possui veículo próprio?
[ ] Sim
xv
[ ] Não
● Qual forma de transporte utiliza com mais frequência para ir à escola?
[ ] Carona
[ ] Moto (própria)
[ ] Automóvel (próprio)
[ ] Transporte coletivo
[ ] A pé
[ ] Bicicleta
[ ] Outros
2. Dados Educacionais
● Qual seu grau de instrução?
[ ] Ensino Fundamental Incompleto
[ ] Não alfabetizado (a)
[ ] Ensino Fundamental Completo
[ ] Ensino Médio Incompleto
[ ] Ensino Médio Completo
[ ] Superior Incompleto
[ ] Superior Completo
[ ] Especialização
[ ] Mestrado
[ ] Doutorado
● Onde cursou/ cursa o Ensino Fundamental?
[ ] Somente em escola pública
[ ] Escola particular com bolsa
[ ] Escola pública e particular com bolsa
[ ] Escola pública e particular sem bolsa
[ ] Escola particular sem bolsa
[ ] Não se aplica
xvi
● Onde cursou/ cursa o Ensino Médio?
[ ] Somente em escola pública
[ ] Escola particular com bolsa
[ ] Escola pública e particular com bolsa
[ ] Escola pública e particular sem bolsa
[ ] Escola particular sem bolsa
[ ] Não cursei o ensino médio
[ ] Não se aplica
● Há quanto tempo parou de estudar?
[ ] 1 anos
[ ] 2 anos
[ ] 3 anos
[ ] 4 anos
[ ] Mais de 5 anos
[ ] Não se aplica
● Qual razão de ter parado de estudar?
[ ] Necessidade de trabalhar para ajudar no sustento familiar
[ ] Baixa condição financeira para se manter na escola
[ ] Desinteresse pessoal
[ ] Desvalorização da educação
[ ] Outra razão
xvii
[ ] Não se aplica
3. Situação familiar e socioeconômica
● Qual sua situação de trabalho?
[ ] Nunca trabalhou
[ ] Não está trabalhando
[ ] Trabalha no setor privado sem carteira assinada
[ ] Trabalha no setor privada com carteira assinada
[ ] Servidor público (a)
[ ] Aposentado (a)
[ ] Recebe benefício do INSS (auxílio doença, outros)
[ ] Autônomo (a)
[ ] Estagiário (a)
● Se estiver trabalhando atualmente, qual atividade exerce?
_________________________________________________________________
● Se não estiver trabalhando, qual o motivo? Exemplo: doença, nunca trabalhou,
pouca qualificação, está recebendo seguro-desemprego, dificuldades para
conseguir trabalho, etc.
_________________________________________________________________
● Recebe ou paga pensão alimentícia para manutenção dos filhos?
[ ] Sim, recebo
[ ] Sim, pago
[ ] Não
● Em caso de receber ou pagar pensão alimentícia, qual valor?
_______________________________________________________
xviii
● Você reside em imóvel?
[ ] Próprio quitado
[ ] Próprio em financiamento
[ ] Alugada
[ ] Emprestada ou cedida
● Qual valor você paga pelo imóvel? Somente para os casos de imóvel financiado
ou alugado (apresentar comprovantes na entrega de documentos)
● Você ou sua família possui outros imóveis?
[ ] Casa ou apartamento além do que reside
[ ] Chácara (s) ou sítio (s)
[ ] Fazenda (s)
[ ] Terreno (s)
[ ] Imóvel comercial / industrial
[ ] Não se aplica
● Quantas pessoas moram na sua casa atualmente, incluindo você?
[ ] 1
[ ] 2
[ ] 3
[ ] 4
[ ] 5
[ ] 6
[ ] 7
[ ] 8
[ ] 9
[ ] 10
● Com que mora atualmente?
[ ] Pais
[ ]Esposo (a), companheiro (a) e/ou filho (s)
[ ] Parentes
xix
[ ] Sozinho (a)
[ ] Amigo (s)
[ ] Outros
● Existe algum membro da sua composição familiar (que more com você)
com alguma necessidade específica?? [ ] Pais
[ ] Não
[ ] Deficiência física/mental
[ ] Transtorno global do desenvolvimento
[ ] Altas habilidades/superdotação
[ ] Doença crônica
● Se a resposta é sim, indique o nome do membro, parentesco, a doença e
gastos mensais.
4. Composição familiar e renda (Você e todas as pessoas sob o mesmo teto, ligadas
por laços sanguíneos ou afetivos)
Renda per capita (O cálculo da Per Capita é feito somando a renda familiar mensal de
todas as pessoas que moram com você em sua residência (incluindo você), dividindo
este resultado pelo número de pessoas (incluindo você).
[ ] Até R$ 168,00
[ ] R$169,00 até R$337,00
[ ] R$338,00 até R$506,00
[ ] R$507,00 até R$ 674,00
[ ] R$ 675,00 até R$842,00
[ ] R$843,00 até R$1.010,00
[ ] 1.011,00 até R$1.182,00
[ ] Acima destes valores
Aluno (a)
Nome: _________________________________________
xx
Idade: ___
Escolaridade:
[ ] Ensino Fundamental incompleto
[ ] Ensino Fundamental completo
[ ] Ensino Médio Incompleto
[ ] Ensino Médio completo
[ ] Superior Incompleto
[ ] Superior Completo
[ ] Especialização
[ ] Mestrado
[ ] Doutorado
[ ] Não alfabetizado (a)
Profissão: ___________________________
Renda Bruta Mensal (salário sem descontos): _______________
Familiar 171
Nome completo: _________________________________________
Idade: ___
Escolaridade:
[ ] Ensino Fundamental incompleto
[ ] Ensino Fundamental completo
[ ] Ensino Médio Incompleto
[ ] Ensino Médio completo
[ ] Superior Incompleto
[ ] Superior Completo
[ ] Especialização
71
O questionamento familiar é repetido até o “Familiar 9”, compreendida a partir da perspectiva dos
diversos modelos de família, como a família tradicional (pai, mãe e filhos), família extensa (pai, mãe,
filhos, avós), família mononuclear (formada somente pelo estudante), entre outros. Como coloca Wiese e
Santos (2010): Nos últimos vinte e cinco anos, várias mudanças ocorridas no plano socioeconômico-
culturais, pautadas no processo de globalização da economia capitalista, vêm interferindo na dinâmica e
estrutura familiar, trazendo alterações em seu padrão tradicional de organização. Assim, não se pode falar
de família, mas de famílias, para que se possa tentar contemplar a diversidade de relações que convivem
na sociedade.
xxi
[ ] Mestrado
Profissão: ___________________________
Renda Bruta Mensal (salário sem descontos): _______________
Observações do (a) aluno (a)
(Justifique seu pedido e complete com informações que não puderam ser feitas no
formulário e que você julgue importante sobre o seu caso)
● Declaração de aceite de todas as normas estabelecidas no edital
A inveracidade das informações neste formulário, quando constatadas a qualquer tempo,
implicará na perda do auxílio por ventura concedido e o preenchimento do formulário é
de inteira responsabilidade do aluno. A declaração falsa é crime previsto no Código
Penal Brasileiro em seu Art. 299, sujeitando o declarante às suas penas, sem prejuízo de
outras sanções cabíveis.
● Em caso de preenchimento de mais de uma inscrição será considerado as
informações prestadas na última inscrição encaminhada. Por isso verifique se
todos os campos foram devidamente preenchidos.
[ ] Declaro, portanto, conhecer o edital e concordar com os termos do mesmo, sendo
verdadeiras as informações aqui prestadas. Declaro ter sido informado e autorizo a
utilização dos dados para estudos e pesquisas em ações da Assistência Estudantil do
IFB.
xxii
Anexo B
Projeto de Lei nº 5.346 de 2009
Dispõe sobre a criação da profissão de educador e educadora social e dá outras
providências. O Congresso Nacional decreta:
Art. 1º - Fica criada a profissão de Educador e Educadora Social, nos termos desta Lei.
Parágrafo único: A profissão que trata o caput deste artigo possui caráter pedagógico e
social, devendo estar relacionada à realização de ações afirmativas, mediadoras e
formativas.
Art. 2º - Ficam estabelecidos como campo de atuação dos educadores e educadoras
sociais, os contextos educativos situados fora dos âmbitos escolares e que envolvem:
I – As pessoas e comunidades em situação de risco e/ou vulnerabilidade social,
violência e exploração física e psicológica;
II – A preservação cultural e promoção de povos e comunidades remanescentes e
tradicionais;
III – Os segmentos sociais prejudicados pela exclusão social: mulheres, crianças,
adolescentes, negros, indígenas e homossexuais;
IV – A realização de atividades sócio educativas, em regime fechado, semiliberdade e
meio aberto, para adolescentes e jovens envolvidos em atos infracionais;
V – A realização de programas e projetos educativos destinados a população carcerária;
VI - As pessoas portadoras de necessidades especiais;
VII - O enfrentamento à dependência de drogas;
VIII – As atividades sócias educativas para terceira idade;
IX - A promoção da educação ambiental;
X – A promoção da cidadania;
XI - A promoção da arte-educação;
XII – A difusão das manifestações folclóricas e populares da cultura brasileira;
XIII – Os centros e/ou conselhos tutelares, pastorais, comunitários e de direitos;
XIV – As entidades recreativas, de esporte e lazer.
xxiii
Art. 3º - O Ministério da Educação – MEC fica sendo o órgão responsável pela
elaboração e regulamentação da Política Nacional de Formação em Educação Social,
dos profissionais que trata esta Lei, em diferentes níveis de escolarização e na
manutenção de programas de educação continuada.
Parágrafo único - Fica estabelecido o Ensino Médio como o nível de escolarização
mínima para o exercício desta profissão.
Art. 4º - Compete à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:
I – Adequar para a denominação “educador ou educadora social” os cargos ocupados
por profissionais com o campo de atuação em contextos educativos que se enquadram
no que trata o artigo 2º e 3º desta Lei;
II – Criar e prover os cargos públicos de educadores e educadoras sociais, podendo
estabelecer níveis diferenciados de admissão destes profissionais de acordo com a
escolaridade;
III - elaborar os Planos de Cargos, Carreira e Remuneração desta profissão.
Art. 5º - Ficam revogadas as disposições contrárias.
Art. 6º - Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.
A existência dos profissionais denominados de “Educadores e Educadoras
Sociais”, que se destacam pela sua atuação em contextos educativos situados fora dos
âmbitos escolares, não é uma característica exclusiva do Brasil. Desde o fim do século
XIX encontramos registros que falam do potencial de atuação desses profissionais na
Europa. Mas foi em meados do século XX, com o fim da 2ª Guerra Mundial, que estes
profissionais passaram a acelerar a construção de sua identidade. Em 1951 foi fundada a
Associação Internacional de Educadores Sociais – AIEJI, objetivando promover a união
dos educadores e educadoras sociais de todos os países, contribuindo na formação e
elaboração de suas competências e na consolidação desta profissão.
xxiv
Ao longo dos anos, a AIEJI foi organizando vários congressos internacionais, no
sentido de concretizar estes objetivos. Em 2005, em Montevidéu - Uruguai, por ocasião
do 16º Congresso Internacional dos Educadores e Educadoras Sociais, e que contou
com a participação de várias representações do Brasil, foi elaborada um documento que
ficou conhecido como Declaração de Montevidéu, onde os Educadores e Educadoras
Sociais de dezenas de países declararam: “1. Reafirmamos e comprovamos a existência
do campo da Educação Social como um trabalho específico orientado a garantir o
exercício dos direitos dos sujeitos de nosso trabalho, e que nos exige permanente
compromisso em seus níveis éticos, técnicos, científicos e políticos. 2. Para o
cumprimento deste compromisso, é indispensável à consolidação da profissão de
Educador e Educadora Social (...). 7. Os Educadores e Educadoras Sociais renovam o
compromisso com a democracia, com a justiça social, com a defesa do patrimônio
cultural e pela defesa dos direitos humanos, baseados na convicção de que outro mundo
é possível. ”
França, Holanda, Bélgica, Suíça, Itália, Uruguai, Alemanha, Canadá, Portugal,
fazem parte de um movimento internacional que conta com a participação efetiva de
mais de quarenta países que vêm lutando pela regulamentação e formação em nível de
graduação e pós-graduação dos educadores e educadoras sociais, dos quais muitos
obtiveram êxito.
No Brasil, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDB dispõe, pela
primeira vez na história, em seu Art. 1º que a educação: “abrange os processos
formativos que se desenvolvem na vida familiar, na convivência humana, no trabalho,
nas Instituições de ensino e pesquisa, nos movimentos sociais e organizações da
sociedade civil e nas manifestações culturais. ” Ou seja, reconhece a existência de
contextos educativos situados fora dos âmbitos escolares, onde há destacada atuação dos
Educadores e Educadoras Sociais que fundamentam sua prática educativa, sobretudo, no
legado da Educação Popular, especialmente a desenvolvida a partir da década de 70,
tomando por base a influência do educador Paulo Freire.
Várias ações têm sido realizadas no sentido de dar visibilidade e promover a
valorização da Educação Social e reconhecer os Educadores e Educadoras Sociais em
nosso País, como:
xxv
1 - Encontros Estaduais de Educação Social em vários Estados;
2 – 5 (cinco) Encontros Nacionais de Educação Social, o último realizado em 2008 na
cidade de Olinda – PE com a presença de mais de 1200 (mil e duzentos) Educadores e
Educadoras Sociais de todo o Brasil;
3 – 2 (duas) Conferências Internacionais de Pedagogia Social, promovidas pela
Universidade de São Paulo;
4 - Diversas Audiências Públicas nos Estados e Municípios;
5 – Criação de associações e sindicatos desta categoria;
6 – Aprovação de Leis criando o dia do Educador e da Educadora Social;
7- Realização de cursos de extensão e especialização em Educação Social, além de
pesquisas acadêmicas em nível de graduação e pós-graduação strictu sensu e lato sensu.
Como resultado desse árduo trabalho de investigação, cita-se então algumas
produções acadêmicas no Brasil, como “Pedagogia Social de Rua” de Maria Stella
Graciane; “Aventura Pedagógica: caminhos e descaminhos de uma ação educativa” e
“Por uma Pedagogia da Presença” de Antônio Carlos Gomes; “Educação Social de Rua”
de Walter Ferreira de Oliveira e “Desafios, riscos e desvios” de Geraldo Caliman.
Os Educadores e Educadoras Sociais possuem indubitável relevância no cenário
profissional brasileiro e têm sido os parceiros mais importantes de assistentes sociais,
psicólogos, pedagogos, sociólogos e advogados, dentre outros profissionais, que atuam
no processo de enfrentamento a dívida social que o País tem com sua população. No
entanto, possuem características de atuação, necessidades de formação e organização
próprias, e assim, buscam o fortalecimento de sua identidade profissional.
Em janeiro de 2009, os Educadores e Educadoras Sociais obtiveram até o
presente a sua mais importante conquista no processo de reconhecimento social e
profissional e no fortalecimento de sua identidade trabalhista.
Foram incluídos na Classificação Brasileira de Ocupações- CBO, do Ministério
do Trabalho e Emprego, com a seguinte descrição: “5153-05 – Educador Social.
Descrição Sumária: Visam garantir a atenção, defesa e proteção a pessoas em situações
de risco pessoal e social. Procuram assegurar seus direitos, abordando-as,
xxvi
sensibilizando-as, identificando suas necessidades e demandas e desenvolvendo
atividades e tratamento”.
O Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, através da
Secretaria Nacional de Assistência Social, em seu Guia de Orientação nº 1 para os
Centros de Referência Especializado de Assistência Social (CREAS) orienta que a
equipe do CREAS deve ser composta, minimamente, em Gestão básica, por 1
Coordenador, 1 assistente social, 1 psicólogo, 1 advogado, 1 auxiliar administrativo e 2
educadores sociais e estagiários. Dobrando o número de educadores sociais na proposta
para Gestão Plena e Serviços Regionais, o que representa o reconhecimento da
importância desta categoria.
O Plano Nacional de Promoção, Proteção e Defesa do Direito de Crianças e
Adolescentes à Convivência Familiar e Comunitária, aponta como uma das Ações do
“EIXO 3 - Marcos Normativos e Regulatórios”: “4.1 – Regulamentar a ocupação de
educador social e elaborar parâmetros básicos de formação para o exercício da ocupação
de educador social. ”
Outro dado relevante é a abertura de concursos públicos para provimento de
cargos de educadores e educadoras sociais, que já vem acontecendo, em pelo menos 100
municípios de 21 Estados no Brasil.
A criação da profissão de Educador e Educadora Social, além de valorizar estes
agentes que tanto contribuem para o enfrentamento da dívida social brasileira, pode
suscitar importantes debates acerca da educação no seu sentido mais pleno, com a
abrangência que lhe dá o Artigo 1º da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional,
respondendo ao genuíno atendimento de interesses e necessidades sociais de nosso
tempo.
Dessa forma, solicito apoio de meus pares para a aprovação deste Projeto de Lei,
que é peça fundamental na melhoria das condições laborais dos sujeitos sociais, através
da promoção de seu reconhecimento profissional e na elaboração e difusão de saberes
culturais e técnico-científicos importantes, na construção de uma Nação mais justa e
igualitária.
xxvii
Anexo C
Ficha-Resumo do Programa Bolsa Família72
Programa Bolsa Família (PBF)
Área temática Transferência de renda.
Descrição sintética: Programa de transferência direta de renda às famílias em situação
de pobreza e extrema pobreza, com condicionalidades nas áreas de saúde e educação.
Objetivo geral: reduzir a pobreza e a extrema pobreza por meio da transferência de
renda às famílias e do acesso a serviços básicos de saúde e educação
Objetivos específicos:
. Alívio imediato da pobreza por meio da transferência de renda;
. Promover a inclusão social e a melhoria das condições de vida das famílias em
situação de pobreza e extrema pobreza;
. Reforçar o acesso aos direitos sociais nas áreas de saúde, educa- ção e assistência
social a fim de interromper o ciclo intergeracional de reprodução da pobreza;
. Desenvolver ações complementares voltadas à geração de trabalho e renda.
Ano de início: 2003
Atores responsáveis: Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS)
- Secretaria Nacional de Renda de Cidadania (SENARC).
Outros atores envolvidos: Governos estaduais, municipais, do Distrito Federal;
Ministério da Educação; » Ministério da Saúde; » Secretaria Nacional de Assistência
Social (SNAS/MDS); Caixa Econômica Federal (CEF).
Gestão e execução: Gestão descentralizada e compartilhada, com responsabilidades
específicas para os governos federal, estaduais, municipais e do Distrito Federal. O
benefício é disponibilizado mensalmente para cada família, por meio de um cartão
magnético, de uso pessoal e intransferível. Para receber o benefício, a família deve estar
inscrita no Cadastro Único para Programas Sociais, atender ao perfil socioeconômico
requerido e cumprir condicionalidades nas áreas de educação (frequência escolar) e
saúde (vacinação e pré-natal).
Público-alvo: Famílias em situação de pobreza extrema (aquelas com renda familiar
igual ou inferior a R$ 77,00 por pessoa) e famílias em situação de pobreza (entre R$
77,01 e R$ 154,00).
Critérios de seleção do público-alvo: Renda per capita familiar mensal e composição
familiar (se há crian- ças, adolescentes, jovens, mulheres grávidas ou nutrizes).
72
Disponível em https://www.wwp.org.br/sites/default/files/pub/Ficha-
resumo_bolsa_familia_portugues.pdf. Acesso em maio de 2016.
xxviii
Cobertura Nacional: (100% dos municípios e estados aderiram ao PBF).
Fontes de financiamento: Recursos orçamentários federais.
Informações complementares: Mais informações podem ser obtidas por meio do
Manual de Gestão do Programa Bolsa Família, do link www.mds.gov.br/bolsafamilia e
através da ficha descritiva, disponível no site WWP (https://wwp. org.br/).
xxix
12 - Apêndices
Apêndice A
Guião de entrevista não-estruturada
Tema: Mulheres em processo de alfabetização no Instituto Federal de Brasília (IFB)
Entrevistada: (estudante 01 a 06) – Curso: Alfabetização e Letramento: emancipação feminina
pela construção da cidadania
Origem: Mapa da Vida (Passado), Mapa da Vida (Presente), Mapa da Vida (Futuro)
Objetivo geral: Construir narrativas biográficas de mulheres em processo de alfabetização e
letramento no Campus Taguatinga Centro/IFB
Local: a combinar
Dia e Hora: a combinar
Tempo médio: 125 min
BLOCOS
OBJETIVOS
ESPECÍFICO
S
QUESTÕES OBSER
VAÇÕE
S
Bloco A
Legitimação da
entrevista
Motivação da
entrevista
Legitimar a
entrevista
Motivar a
entrevistada
Informar a entrevistada sobre o trabalho que estou
desenvolvendo;
Solicitar a colaboração da mesma para a continuação do
trabalho;
Garantir a confidencialidade dos dados e o anonimato da
entrevista;
Solicitar a autorização para gravação de áudio da
entrevista;
Informar que o nome da entrevistada será trocado por um
nome fictício, letra do alfabeto ou por um algarismo.
Tempo
médio:
05
minutos
xxx
Bloco B
Histórico
pessoal da
estudante
(Passado)
Compreender as
origens da
estudante
. Gostaria que me falasse um pouco sobre você…
1. . Como você se define?
2. . Conte-me um pouco mais sobre suas origens. Onde e
quando nasceu?
3. . Quais são suas impressões sobre sua cidade natal?
. Gostaria que me falasse um pouco sobre a prestação de
serviços públicos na sua cidade natal....
4. .Como eram os serviços públicos de lá? (Saúde, assistência
social, previdência social, justiça, educação, etc.)
.E em relação à Brasília? Vê muita diferença?
Tempo
médio:
10
minutos
Bloco D
Histórico
familiar da
estudante
(Passado)
Conhecer o
historico
familiar da
estudante
. Gostaria que falasse, de uma maneira geral, sobre sua
família (pais, irmãos, casado (a)/solteiro(a), filhos);
5. .Como eram as relações com sua família? (Pais, avós/avôs,
tios/tias, sobrinhos/sobrinhas, irmãs/irmãos, outros)?
6. . E como eram as condições de habitação e moradia?
7. . O que motivou você a se mudar para Brasília?
8. . Se estiver à vontade para falar, gostaria de saber se já
sofreu algum tipo de abuso ou violência?
Tempo
médio:
10
minutos
Bloco E
Histórico
educacional e
profissional da
Conhecer o
histórico
educacional e
. Havia escola na sua cidade? Se sim, pode-me descrever
como era?
. O que sentia por ir/ não ir à escola?
. Aprendeu a ler e a escrever fora da escola?
9. . Como o analfabetismo prejudicou sua vida? Que
sentimentos isso trouxe ao longo da vida?
10. Na sua família, tem mais alguém com grau de
analfabetismo? Seus irmãos seguiram à escola? Acredita
Tempo
médio:
15
xxxi
estudante
(Passado)
profissional da
estudante
que isso possa ter alguma relação com à sua ausência
escolar?
11. Como lidou com a questão da escolaridade dos filhos?
12. Como lida seu companheiro (a) com o seu analfabetismo?
13. Há algum incômodo sobre isso?
14. Todo mundo sabe algo que não aprende na escola, mas já
carrega consigo. Em que é que você acha que você é boa?
(Exemplos: artesanato, cozinha, matemática…)?
15. Fale-me um pouco sobre sua experiência de trabalho.
minutos
Bloco F
Histórico
pessoal da
estudante
(Presente)
Compreender o
momento atual
da estudante
16. Conte um pouco mais como você vive o seu dia-a-dia.
17. Tem alguma crença religiosa? Se sim, qual?
18. Participa de alguma associação ou grupo da comunidade?
Se sim, qual é o objetivo?
Tempo
médio:
5
minutos
Bloco G
Histórico
familiar da
estudante
(Presente)
Conhecer a
trajetória
familiar atual da
estudante
19. Fale um pouco mais das suas relações familiares e afetivas
(companheiro/a e/ou filhos)
20. Em que local mora?
21. Como são suas condições de habitação e moradia?
22. Se estiver à vontade para falar, gostari de saber se sofre
algum tipo de abuso ou violência?
23. Quais costumes culturais e familiares mantém por perto até
hoje?
Tempo
médio:
10
minutos
Bloco H
Histórico
educacional e
Conhecer a
trajetória
24. Como são os serviços públicos da sua cidade? (Saúde,
assistência social, previdência social, justiça, educação,
etc.)
25. Há escola na sua cidade? Chegou a frequentar alguma vez?
26. Atualmente está trabalhando? Se sim, em que área?
27. Qual valor da sua renda bruta? E líquida?
28. Se a resposta for negativa, explique por que não está
trabalhando?
Tempo
médio:
xxxii
profissional da
estudante
(Presente)
educacional e
profissional
atual da
estudante
29. Na sua opinião, do que você precisa para conseguir um
trabalho?
30. O que te motivaria a trabalhar?
31. Qual renda considera justa para viver bem?
32. É dona do lar? Se sim, compreende esta função como um
trabalho?
Na sua casa alguém está trabalhando? Se sim, em que área?
15
minutos
Bloco H
Organização do
curso
Conhecer as
impressões da
estudante sobre
o curso
33. Como ficou sabendo do curso?
34. Porque decidiu se matricular?
35. O que pensaram as pessoas à sua volta disso?
36. Quais foram suas primeiras impressões do curso?
37. Comente quais disciplinas mais gostou.
38. Comente quais disciplinas menos gostou.
39. Quais atividades mais gostou até hoje? Por quê?
40. Quais atividades menos gostou até hoje? Por quê?
41. O que achou do conteúdo problematizado em sala de aula?
42. Relate algum aprendizado durante o curso que te marcou.
43. Já havia participado de outro curso no IFB antes? Se sim,
qual?
44. O que percebeu de diferente do Programa Mulheres Mil?73
Tempo
médio:
15
minutos
Bloco I
Recursos
Humanos
Compreender as
impressões
sobre a equipe
de trabalho do
IFB
45. O que achou dos professores? Como influenciaram em seu
aprendizado?
46. Há algum professor (a) em particular sobre o qual que
gostaria de falar?
47. E a equipe técnica-administrativa do Campus? Há algum
em particular sobre o qual gostaria de falar?
48. E das colegas? Fez amizades, foi importante para você
conhecer pessoas novas ou já as conhecia?
Tempo
médio:
05
minutos
73
Cinco das seis participantes desta pesquisa são ex-alunas do Programa Mulheres Mil, por isso
decidimos fazer este questionamento durante a entrevista.
xxxiii
Bloco J
● Estrutura física
do Campus
(recursos
físicos e
espaciais)
Conhecer as
impressões
sobre a estrutura
física do
Campus
49. Qual sua opinião sobre o espaço físico do Campus
Taguatinga Centro (salas, banheiros, brinquedoteca, espaço
de convivência)?
50. O que você mudaria se pudesse?
Tempo
médio:
05
minutos
Bloco L
Assistência
Estudantil do
Campus
Taguatinga
Centro/IFB
Compreender as
impressões
sobre a
assistência
estudantil do
IFB
51. É ou já foi bolsista da Assistência Estudantil? De qual (is)
programa (s)?
52. Se sim, considera a bolsa importante para sua permanência
no curso? Por quê?
53. Se não houvesse a bolsa, acredita que teria possibilidade de
continuar no curso?
54. Que outros apoios você gostaria de ter tido?
Tempo
médio:
05
minutos
Bloco M
Impactos
diretos e
indiretos do
curso
Compreender os
impactos do
curso na vida da
estudante
55. Acredita que o curso possa te ajudar em outras atividades
de sua vida? Se sim, quais?
56. Depois do curso, como se sente como mulher, como se vê?
Sabe mais sobre seus direitos, sobre sua sensibilidade,
sobre suas capacidades, seus sonhos, suas possibilidades de
mudanças?
57. Que mudanças você percebeu no seu convívio social,
profissional e familiar?
58. E o que pensam as pessoas à sua volta sobre isso? Sentem
essas diferenças, comentam?
59. Se fosse você a organizar o curso, o que faria diferente e o
que faria igual? Por quê?
60. De forma resumida, o que o curso de Alfabetização e
Letramento significou para você?
61. Relate o que mudou na sua vida depois do curso. Podem
ser pequenas coisas, tudo é importante.
Tempo
médio:
15
minutos
xxxiv
62. Você chegou a recomendar o curso para outras mulheres?
Bloco N
Projetos de
vida
(Futuro)
Compreender
expectativas
pessoais e
profissionais da
estudante
63. Se pudesse mudar alguma coisa em sua vida, o que
mudaria?
64. Quais são seus projetos de vida (estudos, trabalho, etc.)?
65. Antes do curso você pensava igual?
Tempo
médio:
05
minutos
Bloco O
Sugestões
Ouvir possíveis
sugestões da
estudante
66. Qual sua sugestão de cursos, projetos e oficinas a serem
ofertados pelo Campus?
67. Há alguma coisa que gostaria de acrescentar que eu não
tenha perguntado?
Tempo
médio:
05
minutos
xxxv
Apêndice B
Matriz referencial do curso de Alfabetização e Letramento: emancipação feminina
pela construção da cidadania
Componente
Curricular
Habilidades Bases Tecnológicas
Alfabetização e
letramento
.Trabalhar as questões relativas
à leitura e escrita, envolvendo
aspectos básicos da linguagem;
.Desenvolver a competência
linguística, por meio de
experiências em atividades de
linguagem para o
desenvolvimento de
habilidades relacionadas à
leitura e à escrita;
. O descritores de leitura da
matriz de referência do
SAEV/Prova Brasil.
- Relações entre sujeito e
linguagem na situação
comunicativa;
- Linguagem e identidades
culturais;
- Principais elementos que
estruturam os diversos tipos de
texto: a tipologia textual e os
gêneros do discurso;
- Fatores de textualidade:
coerência e coesão textuais;
- Prática de leitura e
interpretação de textos:
estratégias de leitura;
- A prática de produção de
textos;
- Fatores linguísticos:
morfologia, fonologia e sintaxe;
.Reconhecer e utilizar
características do sistema de
numeração decimal, tais como
agrupamentos e trocas na base
10 e princípio do valor
posicional;
.Identificar a localização de
números naturais na reta
numérica;
.Reconhecer a decomposição
de números naturais nas suas
diversas ordens;
- Planejamento de gastos;
- Analise de consumo;
- Porcentagem;
- Regra de três.
xxxvi
Educação
Financeira
.Reconhecer a composição e a
decomposição de números
naturais em sua forma
polinomial;
.Calcular o resultado de uma
adição ou subtração de
números naturais;
.Calcular o resultado de uma
multiplicação ou divisão de
números naturais;
.Resolver problema com
números naturais, envolvendo
diferentes significados da
adição ou subtração: juntar,
alteração de um estado inicial
(positiva ou negativa),
comparação e mais de uma
transformação (positiva ou
negativa);
.Resolver problema utilizando
a escrita decimal de cédulas e
moedas do sistema monetário
brasileiro;
.Resolver problema com
números racionais expressos
na forma decimal envolvendo
diferentes significados da
adição ou subtração;
.Ler informações e dados
apresentados em tabelas;
.Ler informações e dados
apresentados em gráficos
(particularmente em gráficos
de colunas).
.Discutir as questões relativas
ao ser mulher na conjectura
atual;
.Implicações na cultura local e
- Lutas femininas na sociedade
brasileira;
- Protagonismo juvenil;
xxxvii
Direitos
Humanos e
Cidadania
ampliada;
.Problematizar questões
relacionadas a cidadania como
um direito a participação social
e política.
- Democracia e política;
- Emancipação e cidadania.
Oficinas e
Visitas Técnicas
.Enriquecer as aulas
proporcionando ao aluno novas
experiências, habilidades e
competências;
.Relacionar conhecimentos
necessários para sua formação
no campo prático;
- Vivências de situações
abordadas em sala de aula.
Noções Básicas
de Informática
.Contribuir para um processo
de democratização do
conhecimento e inclusão
digital;
.Estabelecer procedimentos
para utilização dos serviços
disponíveis através da Internet
de acordo com os valores
éticos;
.Demonstrar a evolução da
informática;
.Contextualizar a informática
de acordo com o mundo vivido
pelas mulheres.
– Noções básicas de
Informática;
– Sistemas Operacionais;
– Editores de Textos;
– Programas de Apresentação;
– Internet.
Língua
Brasileira de
Sinais
.Enriquecer as aulas com
noções básicas da Língua
Brasileira de Sinais.
-Conhecimento na Língua de
Sinais dos temas abaixo
relacionados: Nome / batismo
do sinal pessoal;
- Aprendendo os sinais da
Língua nos surdos: vocabulário
e expressão corporal;
- Apresentação pessoal e
cumprimentos;
- Famílias e relações entre os
parentescos;
xxxviii
- Saudações formais e informais;
- Numerais cardinais e numerais
para quantidades;
- Advérbio de tempo/ dias de
semana /calendário /ano sideral;
- Características das roupas/
cores;
- Cotidiano / situações formais e
informais;
- Pessoas / coisas / animais/
esportes;
- Meios de comunicação /
tecnologia;
- Alimentos e bebidas / pesos /
medidas;
- Meios de transportes Natureza
Mapa do Brasil;
- Estados do Brasil.
xxxix
Apêndice C
Cronograma de aulas
1º semestre de 2015
Segunda-feira
8h30-9h20
9h20-10h10
10h10-10h20 – Intervalo
10h20- 11h10
Quarta-feira
8h30-9h20
9h20-10h10
10h10-10h20 – Intervalo
10h20- 11h10
Sexta-feira
8h30-9h20
9h20-10h10
10h10-10h20 – Intervalo
10h20- 11h10
------------------------
04/02
Aula inaugural
Alfabetização (3h/a)
06/02
Alfabetização (3h/a)
09/02
Alfabetização (3h/a)
11/02
Alfabetização (3h/a)
13/02
Alfabetização (3h/a)
16/02
Carnaval
18/02
Carnaval
20/02
Alfabetização (3h/a)
23/02
Alfabetização (3h/a)
25/02
Alfabetização (3h/a)
27/02
Alfabetização (3h/a)
02/03
Alfabetização (3h/a)
04/03
Alfabetização (3h/a)
06/03
Alfabetização (3h/a)
09/03
Alfabetização (3h/a)
11/03
Alfabetização (3h/a)
13/03
Alfabetização (3h/a)
16/03
Alfabetização (3h/a)
18/03
Alfabetização (3h/a)
20/03
Alfabetização (3h/a)
23/03
Alfabetização (3h/a)
25/03
Alfabetização (3h/a)
27/03
Educação financeira (3h/a)
30/03
Alfabetização (3h/a)
01/04
Direitos Humanos e
Cidadania (3h/a)
03/04
Semana Santa
06/04
Alfabetização (3h/a)
08/04
Alfabetização (3h/a)
10/04
Educação financeira (3h/a)
13/04
Alfabetização (3h/a)
15/04
Alfabetização (3h/a)
17/04
Educação financeira (3h/a)
xl
20/04
Páscoa
22/04
Direitos Humanos e
Cidadania (3h/a)
24/04
Educação financeira (3h/a)
27/04
Alfabetização (3h/a)
29/04
Alfabetização (3h/a)
01/05
Dia do trabalhador
04/05
Direitos Humanos e
Cidadania (3h/a)
06/05
Alfabetização (3h/a)
08/05
Educação financeira (3h/a)
11/05
Alfabetização (3h/a)
13/05
Alfabetização (3h/a)
15/05
Educação financeira (3h/a)
18/05
Alfabetização (3h/a)
20/05
Alfabetização (3h/a)
22/05
Educação financeira (3h/a)
25/05
Alfabetização (3h/a)
27/05
Direitos Humanos e
Cidadania (3h/a)
29/05
Educação financeira (3h/a)
01/06
Alfabetização (3h/a)
03/06
Alfabetização (3h/a)
05/06
Educação financeira (3h/a)
08/06
Alfabetização (3h/a)
10/06
Alfabetização (3h/a)
12/06
Educação financeira (3h/a)
15/06
Direitos Humanos e
Cidadania (3h/a)
17/06
Alfabetização (3h/a)
19/06
Educação financeira (3h/a)
22/06
Alfabetização (3h/a)
24/06
Alfabetização (3h/a)
26/06
Educação financeira (3h/a)
29/06
Alfabetização (3h/a)
01/07
Alfabetização (3h/a)
03/07
Alfabetização –
Encerramento (3h/a)
xli
2º semestre de 2015
Segunda-feira
8h20-9h10
9h10-10h00
10h00-10h10 – Intervalo
10h20 – 11h10
11h10 – 12h00
Quarta-feira
8h20-9h10
9h10-10h00
10h00-10h10 – Intervalo
10h20 – 11h10
11h10 – 12h00
Sexta-feira
8h20-9h10
9h10-10h00
10h00-10h10 – Intervalo
10h20 – 11h10
11h10 – 12h00
17/08/2015
Conferência de documentação
Auxílio-Permanência
19/08/2015
Oficinas
Grupo Focal
21/08/2015
Oficina de Língua
Brasileira de Sinais
Profa. Valdinéa
24/08/2015
Noções de Informática e
Empreendedorismo
Profa. Valdinéa
26/08/2015
Alfabetização e Letramento
Profa. Valdinéa
28/08/2015
Oficina de Língua
Brasileira de Sinais
Profa. Valdinéa
31/08/2015
Noções de Informática e
Empreendedorismo
Profa. Valdinéa
02/09/2015
Alfabetização e Letramento
Profa. Valdinéa
04/09/2015
Oficinas e Visitas Técnicas
Casa da Mulher Brasileira
Profa. Valdinéa
07/09/2015
Feriado
Independência
09/09/2015
Alfabetização e Letramento
Profa. Valdinéa
11/09/2015
Oficina de Língua
Brasileira de Sinais
Profa. Valdinéa
14/09/2015
Noções de Informática e
Empreendedorismo
Profa. Valdinéa
16/09/2015
Alfabetização e Letramento
Profa. Valdinéa
18/09/2015
Oficinas e Visitas Técnicas
Zoológico
21/09/2015
Grupo Focal
23/09/2015
Alfabetização e Letramento
Profa. Valdinéa
25/09/2015
Oficina de Língua
Brasileira de Sinais
Profa. Valdinea
28/09/2015
Noções de Informática e
30/09/2015
xlii
Empreendedorismo
Profa. Valdinéa
Alfabetização e Letramento
Profa. Valdinéa
02/10/2015
Oficina de Língua
Brasileira de Sinais
Profa. Valdinéa
05/10/2015
Noções de Informática e
Empreendedorismo
Profa. Valdinéa
07/10/2015
Alfabetização e Letramento
Profa. Valdinéa
09/10/2015
Oficina de Língua
Brasileira de Sinais
Profa. Valdinéa
12/10/2015
Feriado
Nossa Senhora de Aparecida
14/10/2015
Alfabetização e Letramento
Profa. Valdinéa
16/10/2015
Oficina de Língua
Brasileira de Sinais
Profa. Valdinéa
19/10/2015
Oficinas
Grupo Focal
21/10/2015
Alfabetização e Letramento
Profa. Valdinéa
23/10/2015
Oficina de Língua
Brasileira de Sinais
Profa. Valdinéa
26/10/2015
Noções de Informática e
Empreendedorismo
Profa. Valdinéa
28/10/2015
Feriado
Servidor Público
30/10/2015
Oficina de Língua
Brasileira de Sinais
Profa. Valdinéa
02/11/2015
Feriado
Finados
04/11/2015
Alfabetização e Letramento
Profa. Valdinéa
06/11/2015
Oficina de Língua
Brasileira de Sinais
Profa. Valdinéa
09/11/2015
Noções de Informática e
Empreendedorismo
Profa. Valdinéa
11/11/2015
Alfabetização e Letramento
Profa. Valdinéa
13/11/2015
Oficina de Língua
Brasileira de Sinais
Profa. Valdinéa
16/11/2015
Noções de Informática e
Empreendedorismo
Profa. Valdinéa
18/11/2015
Alfabetização e Letramento
Profa. Valdinéa
20/11/2015
Oficinas e Visitas Técnicas
(Parque da Cidade)
xliii
23/11/2015
Noções de Informática e
Empreendedorismo
Profa. Valdinéa
25/11/2015
Alfabetização e Letramento
Profa. Valdinéa
27/11/2015
Oficina de Língua
Brasileira de Sinais
Profa. Valdinéa
30/11/2015
Feriado
Dia do Evangélico
02/12/2015
Alfabetização e Letramento
Profa. Valdinéa
04/12/2015
Oficina de Língua
Brasileira de Sinais
Profa. Valdinéa
07/12/2015
Noções de Informática e
Empreendedorismo
Profa. Valdinéa
09/12/2015
Alfabetização e Letramento
Profa. Valdinéa
11/12/2015
Oficina de Língua
Brasileira de Sinais
Profa. Valdinéa
14/12/2015
Noções de Informática e
Empreendedorismo
Profa. Valdinéa
16/12/2015
Alfabetização e Letramento
Profa. Valdinéa
18/12/2015
Oficinas e Visitas Técnicas
(Parque Nacional – Água
Mineral)
xliv
Apêndice D
Registros do desenvolvimento do curso74
Figura 1: Área do Lixão na Cidade Estrutural
(Fonte: google images)
Figura 2: Inscrições para o Programa Mulheres Mil no Lixão
(outubro de 2013)
74
Foi solicitado o consentimento da divulgação das imagens para todas as mulheres envolvidas.
xlv
Figura 3: Instantes de um dia comum de aula
(abril de 2014)
Figura 4: Após um dia comum de aula
(abril de 2015)
xlvi
Figura 5: Visita Técnica ao Taguaparque
(maio de 2015)
Figura 6: Oficina de mandalas no Campus Planaltina com a
professora Luci Vitória (junho de 2015)
xlvii
Figura 7: Visita Técnica à Casa da Mulher Brasileira
(setembro de 2015)
Figura 8: Exposição cultural no Centro Cultural Banco do Brasil
(novembro de 2015)