Natasha

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NATASHA

Vindo de trás, quem contorna a belíssima catedral do Carmo, de estilo gótico, pela frente, no seu lado esquerdo, e atravessa o jardim em frente pelo lado direito em

direção ao Café da Fazenda que fica na próxima esquina, vai notar que do lado oposto a cafeteria, o dono, de uma loja de cosméticos tinha bom gosto.

Era um sobrado bonito com características da década de trinta. A delicadeza das cores roxo, lilás e rosa, além da exuberante apresentação de suas vitrines com blindex verde bem clarinho e o fantasioso nome: odores da alma, impresso numa

multicolorida e iluminada placa que ornava a parte superior em frente da loja onde arandelas azuis cor do céu balançavam penduradas ao vento apresentava como cartão

de visita que a loja tinha uma dona e não um dono. Natasha. Escultural morena, cabelos longos, lisos e quentes. Belos e suculentos quadris.

Altura de fada e olhar furtivo de fuinha. Culta, graduada em farmácia, escritora – escreveu dois livros de poesia e um de contos -, discretíssima, introvertida, misteriosa e gentil.

Seus tributos personificavam nos homens a ganância da conquista, a obsessão carnal, a fome e a sede do cérebro peniano da exacerbação masculina. No bar ou

restaurante junto com amigas na menor tentativa de uma cantada dizia um sonoro e agressivo, “obrigada”, “não quero”, “não posso”, “não insista”. E por um descuido da natureza que as ciências humanas e biológicas ainda não conseguiram

desvendar, quanto mais arredia era ela, mais a burrice machista se materializava em curiosidade, paixão e presentes.

Sua clientela eram grande e eclética, fiel e crescente. Junto as grandes marcas do setor de cosméticos fixava seu brilho em marca própria, descoberta e registrada ainda na graduação quando em que numa viagem para Campos do Jordão, o cheiro da serra

e um namoradinho passageiro deram inspiração ao nome: sabores do corpo. Treze funcionários cuidavam do bom andamento do atendimento, apresentação,

reposição, promoção, vendas e recebimentos. Natasha administrava e conduzia com punho firme, típico de grandes empreendedores, a oficina de aromas, como ela chamava seu cantinho sagrado de trabalho. Em outra parte da cidade, um pequeno

laboratório sob sua responsabilidade técnica produzia os cosméticos com a sua marca. Xampus, sabonetes e perfumes formavam a base de sua produção.

Natasha morava numa grande casa sobradada de esquina que ostentava colunas gregas na entrada e nas laterais. Um enorme jardim contornava uma das faces do sobrado. Do outro lado, uma piscina, uma churrasqueira e um pequeno campo de vôlei

mostravam o quanto alegre era a casa em dias de folga. Tudo foi conquistado em apenas dois anos quando se mudou para a cidade vinda de outro estado trazendo a tira

colo um, assim como ela apresentava, discreto ar de solitária. - Não dá para entender Marina. Uma mulher tão bonita, inteligente, rica e sozinha.

- Pois é. Ela é uma graça. Conversa de tudo. Sabe de tudo. Economia, moda, agronegócios... fundos de investimentos... só não fala de sua vida.

- Há doze meses você trabalha com ela. Nunca ninguém descobriu nada? - Um comentário existe. - Qual é? Me conta.

- Dizem... dizem... Não sei se é verdade. Um dia ela pegou seu namorado... marido... sei lá, isso ninguém sabe, com outra na cama. Ela terminou tudo e o cara se matou.

- Ô loco! Verdade? - Não sei.

Assim como seus tributos enervavam os caninos comentários masculinos, as felinas fofocas femininas aumentavam o mito da mulher irresistível.

Muitos de seus fregueses eram homens que tentavam se aproximar da fartura de mulher esculpida ou talhada por Michelangelos vindos de galáxias próximas dos

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campos dos sonhos. Ricardo era um deles. Seu interesse surgiu um dia que por um

lapso do descuido e da burrice, ao olhar uma garota que caminhava do lado oposto que ele, fincou a cabeça num postinho de transito, escorregou e pateticamente caiu aos pés de Natasha que contornava a esquina da cafeteria, um pouco distraída.

- Cuidado moço!

- Desculpe. Eu estava distraído. - Sei! Eu posso imaginar qual foi sua distração. - Essa doeu – disse Ricardo se levantando meio sem jeito.

- Nossa! - O que foi?

- Está sangrando. Você teve um corte na testa. Venha comigo.

Na loja de cosmético Natasha com seu estojo de primeiros socorros que mantém para alguma eventualidade fez um curativo no rapaz que ao deixar o local se derreteu em desculpas pelo trabalho dado e agradecimentos esperando agora fincar a cabeça

num poste de luz. Amigo de duas funcionárias da loja começou aproveitar a deixa para se aproximar

de Natasha as sextas feiras nas happy hours nos bares da região e no Café da Fazenda. Muito extrovertido e galanteador, falava pelos cotovelos suas aventuras e anseios que deixavam implícitos a burrice adolescente carregado por um moleque de

trinta anos. Não teve nenhum sucesso e nenhuma chance. Pior, seu amigo Newton parece ter atraído como um imã alguns olhares tímidos e sorrisos na mesma amplitude

de Natasha. Ao menos foi isso que todos notaram numa sexta após duro dia de trabalho no Café da Fazenda e que se comprovou logo na manhã de segunda.

- Lucínha! Foi legal sexta à noite lá no Café, não foi? - Verdade. Foi divertido. Eu, Rita e a Márcia comentamos isso pela internet no final de

semana. - O que mais vocês comentaram? - Umas coisinhas.

- Sei... sei... E aquele cara hem? - O Ricardo...

- Não, não. O burro não... Quer dizer... O outro. - Ah, o Newton. (risos) - Que riso é esse mulher?

- Desculpe. - Deixa pra lá. Aposto que vocês comentaram alguma coisa a esse respeito na internet.

- Comentamos. Parece que deu um feed-back. - Um feed-back. - Entre você e ele.

- Não, não. Não deu nada. Bom! Vamos trabalhar. E Newton passou a ser um novo freguês e assíduo do odores da alma. A compra

que poderia ser feita em um único dia, levava cinco, seis ou mais. Num dia comprava um conjunto de xampus, no outro creme e no outro alguma coisa que havia esquecido no dia anterior. O fato da compra não se concretizava com a intenção do rapaz. Ela

nunca estava no atendimento quando lá ele estava e foi num outro happy hour que ele tentou uma aproximação.

- É difícil ver você.

- Estou sempre na loja. - Ah, é! Onde? Eu... eu... às vezes apareço por lá e não te vejo. - Sei – disse Natasha com um sorriso gelado.

Por três horas a conversa rolou solta. O coquetel de chope, cerveja, vermute e outros embebedaram os sentimentos de todos que digeriam palavras e petiscos sem a

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complacência da culpa da gula ou da timidez. Newton destilou doces palavras a

Natasha que retribuía com enigmáticos sorrisos e palavras controladas por uma circunstância intra-pessoal. Ferido, Ricardo aproximou-se de Lucinha se escondendo no interior de suas angústias, aflições e frustrações.

Na passagem dos dias, casuais encontros entre Newton e Natasha aconteceram pela cidade e em um deles ele a convidou para um cinema. Prontamente recusado com

as frases de sempre – não posso, não vai dar. - Você não quer. É isso.

- Eu não disse isso. - É a mesma coisa.

- Não é. - Vamos.

- Não posso. Newton não se deu por vencido. Simulou um casual encontro na hora do almoço e

sua intenção foi objetivada.

- Não posso acreditar que estamos nesse restaurante almoçando. - Já tentou dar um beliscão em você. – disse Natasha com um sorriso meigo e profundo.

- Não vai funcionar. Eu estou anestesiado. Não vou sentir. Talvez eu de um tiro na cabeça.

- Que horror! - Brincadeirinha. Instantaneamente Natasha vestiu uma máscara séria, fria e perdida. Newton se

lembrou da história contada pelas amigas. Estremeceu. Quis se desculpar de joelhos. Foi inteligentemente impedido de tal vexame por ela. Pediu milhões de desculpas e fez

outros tantos de promessas. Tentando se por em equilíbrio, abaixou sua cabeça e mostrou sua face frágil numa lágrima solitária rolando sobre ela deixando transparecer sua ternura e sensibilidade.

- Natasha. Eu... Eu... Alguma coisa muito estranha está acontecendo comigo. - Estranha?

- Acho que é paixão. - E isso é estranho? - Acho... Acho não... Tenho certeza... Estou apaixonado por você.

Difícil descrever como foi o almoço dentro daquelas circunstâncias. Os dias se passaram rápidos como há de ser quando se atingi certa idade de responsabilidades,

direitos e deveres. Muitos telefonemas, muitos bilhetes e esperanças em nome de Newton. Chateado, tentou minimizar o estrago sentimental de sua brincadeira com flores e chocolates.

Demorou três happy hours para que, sem ser chamado, Newton se juntasse ao grupo novamente. Natasha, no segundo happy hour, flechou Newton com alguns

breves olhares perdoáveis e chamativos. Com tímido entusiasmo encorajado pelo medo, num primeiro instante Newton era todo ouvido, e com raríssimas palavras procurava lançar sobre Natasha sorrisos tímidos, doces olhares e alguns leves toques,

nas mãos sedosas e perfumadas.

- Estou perdoado? - Seu bobo.

- Diga que sim. Por favor. - Simmm.

Ninguém pode imaginar o fascínio, a alegria, a surpresa, a ansiedade, a bobeira que tomou conta das entranhas profundas de Newton explícitos num largo sorriso e olhar.

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- Natasha. Vamos sair amanhã à noite? Mergulhado num profundo pensamento, Natasha parecia delirar em instâncias

inter-dimensões ou inter-surreais. Suportando seu rosto em uma das mãos tendo o cotovelo apoiado sobre a mesa, seu olhar se perdia entre os olhos de Newton e do

movimento panorâmico do Café da Fazenda. - Aonde nós vamos?

Finalmente, depois de meses, Newton respirou com suavidade o ar da conquista

que seria registrado eternamente na efeméride de sua mente. No sábado à noite, a pizza assada no forno à lenha era o sabor divino dos deuses

das cozinhas italianas. O vinho tinto anestesiava a alma e a razão prolongando sabores maculando pedaços de prazeres com a cor púrpura do Cairo. Palavras macias navegavam nos odores ondulados da atmosfera cheirosa. Luzes e

cores em nuanças incertas copiavam silhuetas de amantes nascentes.

A luz verde de néon marcava quase meia noite no canteiro central da avenida que margeia a cada de Natasha.

- Não entendo porque você quis vir embora. À noite nem começou – disse Newton. - Desculpe-me. Mas eu preciso dormir. Adorei sua companhia, a pizza, tudo estava

tão... - Natasha, você precisa se soltar, esquecer o passado, viver a plenitude da alma e do corpo, você é jovem. – disse Newton tentando beija-la.

- Não, não. Newton eu não posso. Eu não pos - so. Escuta! Eu preciso entrar. Outro dia a gente conversa.

- Mas porque não hoje. Deixe me entrar em sua casa e nós conversaremos. - Não posso. Por favor, não insista. - Você está apaixonada por outra pessoa.

- Não é isso... - O que é então? Eu não entendo.

- Quero você Newton. Mas isso não é possível. Não quero me envolver. – disse Natasha passando carinhosamente suas mãos na face do rapaz e depois virou-se e foi se afastando em direção ao portão de entrada de sua casa.

- Natasha. A gente tem que conversar. Por favor. Eu preciso de você. – disse Newton

deixando lágrimas emotivas escorrer de seus olhos. – Me diga qualquer coisa. Eu aceito tudo.

- Me perdoe Newton. Eu... Sou homem. Newton esbugalhou os olhos como se uma flecha em chamas tivesse atravessado

seu coração.

- Não brinque com isso Natasha.

- Não é brincadeira Newton. Eu estou apaixonada por você, mas, eu sou homem.

- Eu não acredito. - Não?! Venha e toque em mim.

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Newton, espantado como um pássaro com as asas quebradas e encurralado num

canto cercado por gatos aproximou-se de Natasha e colocou as mãos entre as pernas da moça sobre o jeans apertado. Apalpou e apalpou.

- Não senti nada.

Natasha então, delicadamente desabotoou seu cinto, e também o botão de sua calça. Depois abriu o zíper da calça e abaixou-a uns dois palmos abaixo da cintura.

Newton olhou em direção a púbis da moça, depois tornou seus olhos para o lado da avenida virando-se. Passou a mão pelo rosto, pela cabeça e segundos depois se virou

para Natasha que já estava recomposta. Olhou profundamente seus olhos, aproximou-se, colocou sua mão direita em seu ombro esquerdo e disse:

- Natasha. Você quer viver comigo?