National Geographic Portugal – Nº 171 Junho (2015)

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NATIONALGEOGRAPHIC.PT | JUNHO 2015 FORTALEZAS ESQUECIDAS DA CHINA GOLFINHOS, O REGRESSO À LIBERDADE O PEQUENO PARQUE DO CANADÁ MAR DE ARAL LINCE-IBÉRICO HUBBLE ANOS DE OBSERVAÇÃO DO UNIVERSO 25 5 603965 000006 00171 NÚMERO 171 MENSAL 3,50 (CONT.)

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225 anos do HubbleO Hubble não cessa de nosfascinar. O telescópio espacialexpandiu as fronteiras doconhecimento humano edeixou-nos imagens memoráveis.O astrofísico Zoltan Levay,um dos responsáveis pela suadivulgação, mostra-nos dezdas suas imagens favoritas.Texto de Timothy Ferris18Fortalezas esquecidasAs tulou da província chinesa deFujian atraem legiões de turistas.A sociedade de consumo acaboupor despovoar estes íconesda arquitectura, apesar de elesconstituírem protótipos deedifícios de eiciência energéticae sustentabilidade ambiental.Texto de Tom O’NeillFotografias de Michael Yamashita32Golfinhos, o regresso à liberdadeMilhares de golinhos sãocapturados e utilizadosem espectáculos de parquesaquáticos. Que efeitostem o cativeiro sobre estesanimais? Será possível voltara treiná-los para os devolvercom êxito ao mar depoisde um longo cativeiro?Texto de Tim Zimmermann

Transcript of National Geographic Portugal – Nº 171 Junho (2015)

  • N AT I O N A L G E O G R A P H I C . P T | J U N H O 2 0 15

    FORTALEZAS ESQUECIDAS DA CHINA GOLFINHOS, O REGRESSO LIBERDADE

    O PEQUENO PARQUE DO CANAD MAR DE ARAL LINCE-IBRICO

    HUBBLEANOS DE OBSERVAO DO UNIVERSO25

    5603965000006

    00171

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  • VOL. 15 r N. 171

    J O R N A L O F I C I A L D A N AT I O N A L G E O G R A P H I C S O C I E T Y

    Um aglomerado de jovens estrelas cintila entre os remoinhos de poeira da Nebulosa de Tarntula nesta imagem captada pelo Telescpio Espacial Hubble.

    NASA; ESA; F. PARESCE, INAF-IASF, BOLONHA, ITLIA; R. OCONNELL, UNIVERSIDADE DA VIRGNIA; COMIT CIENTFICO SUPERVISOR DA CMARA DE GRANDE ANGULAR 3

    225 anos do Hubble

    O Hubble no cessa de nos fascinar. O telescpio espacial expandiu as fronteiras do conhecimento humano e deixou-nos imagens memorveis. O astrofsico Zoltan Levay, um dos responsveis pela sua divulgao, mostra-nos dez das suas imagens favoritas.Texto de Timothy Ferris

    18Fortalezas esquecidas

    As tulou da provncia chinesa de Fujian atraem legies de turistas. A sociedade de consumo acabou por despovoar estes cones da arquitectura, apesar de eles constiturem prottipos de edifcios de eicincia energtica e sustentabilidade ambiental.

    Texto de Tom ONeill

    Fotografias de Michael Yamashita

    32Golfinhos, o regresso liberdade

    Milhares de golinhos so capturados e utilizados em espectculos de parques aquticos. Que efeitos tem o cativeiro sobre estes animais? Ser possvel voltar a trein-los para os devolver com xito ao mar depois de um longo cativeiro?Texto de Tim Zimmermann

  • Seces

    Na capa Pinculo ascendentena Nebulosa de Quilha, a 7.500 anos-luz da Terra.

    Fotografi a da NASA, ESA,

    M.Livio, Equipa Hubble Heritage,

    STScl; mosaico composto por

    mltiplas imagens coloridas.

    A sua fotoEditorial

    VISES

    Instinto bsicoA menina que manda

    Em aco

    No ba

    Na televiso

    Prximo nmero

    86Lince, o regresso do fantasma

    Foi dado como quase extinto,mas o lince-ibrico registou um novoflego com o programa dereintroduo e o centro de reproduode Silves. Acompanhmos o lincenesta segunda vida.Texto e fotografias de Lus Quinta

    52Parque Nacional Yoho

    Jia da natureza, este pequeno parque das montanhas Rochosas canadianas rene paisagens especta-culares e uma das jazidas de fsseis mais importantes do planeta.Texto de McKenzie FunkFotografi as de Peter Essick

    68O declnio do mar de Aral

    O mar de Aral o prottipo de uma catstrofe ambiental provocada pela actividade humana. O que aconteceu em cinco dcadas a este cone do Cazaquisto e do Usbequisto?Texto de Mark Synott

    Fotografi as de Carolyn Drake

    FOTOGRAFIAS DE CIMA PARA BAIXO: PETER ESSICK; CAROLYN DRAKE; LUS QUINTA; MARTIN OEGGERLI

    EXPLORE PLANETA TERRA

    O Algar do CarvoNavegantes indesejveis

    MUNDOS ANTIGOS

    Mistrio do dinossauro

    CULTURA

    A cincia do creme

    VIDA SELVAGEM

    O abrao do coala

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    96Olhos penetrantes

    H aventuras de explorao da imensido territorial e h outras que decorrem num laboratrio, com equipamento de ltima gerao. Martin Oeggerli intitula-se micronauta. Descubra porqu.Texto e fotografi as de Martin Oeggerli

  • A escolha da redaco Tema livre Todos os dias so aixadas dezenas de fotograias no grupo portugus de discusso da revista no Facebook. Seleccionmos quatro. Veja a galeria completa em nationalgeographic.pt/suafoto

    A sua fotoVISES

    Carlos DuarteSo Domingos de Rana, Portugal

    Apaixonado por monumentos e histria de Portugal, Carlos Duarte j fotografara a baslica do Palcio- -Convento de Mafra, mas no resistiu imponncia do monumento. O dia estava cinzento, mas, por breves instantes, as nuvens deram trguas, deixando entrar a luz pelas janelas junto ao tecto e cpula. E clique.

    Jos Carlos Nero Sesimbra, Portugal

    luz das estrelas, em pleno Parque Natural da Arrbida, Jos Carlos Nero preparou esta simbiose cuidada entre a imensido do universo e o patrimnio cultural de inspirao religiosa do cabo Espichel. Por vezes, no escuro da noite, o cu presenteia-nos com luz vinda das estrelas, diz.

    O cosmo sempre me fascinou. Tenho tentado captar toda a magia vinda do espao num local tambm fascinante como o cabo Espichel. Jos Carlos Nero, fotgrafo

    COMENTRIO

  • Antnio LopesMontemor-o-Novo, Portugal

    Era quase meia-noite e Antnio Lopes preparava-se para dormir. Ao notar que os relmpagos caam mais perto de Montemor-o-Novo, onde reside, vestiu-se apressadamente e foi para o ponto mais alto da cidade. Montou o trip, alterou as deinies da mquina e fez este disparo 1h30.

    Antnio Pereira Porto, Portugal

    O cabo Carvoeiro um cenrio inspira- dor para qualquer fotgrafo. Do alto de uma falsia, Antnio Pereira avistou um pequeno grupo de pescadores aproximando-se da borda socalco a socalco, sem se deixarem invadir pelo medo, conta. O elemento humano deu escala a esta impressionante imagem dos bravos de Peniche.

    O hobby, a evaso e a paixo pela pesca faz destes homens bravos seres, pois corajosamente arriscam a vida todos os dias. Antnio Pereira, fotgrafo

    COMENTRIO

  • VISES

  • FILIP SINGER, EPA

    Ucrnia No ginsio ao ar livre de Kachalka, em Kiev, um antigo ginasta sovitico mostra a sua agilidade aos 83 anos. Constru-do com os materiais disponveis na atribu-lada capital ucraniana, este ginsio pode ser usado livremente desde a dcada de 1970.

  • LUCA LOCATELLI, INSTITUTE

    Singapura No parque Garden by Bay, as rvores artiiciais medem 25 a 50 metros. Com 100 hectares, o parque de ecoturismo inaugurado h trs anos promove o uso eiciente da gua e da energia solar e sugere prticas sustentveis.

  • Veja mais imagens de Vises da Terra em nationalgeographic.pt

  • PAUL SOUDERS, BIOSPHOTO

    AntrctidaA fotograia enquadra as patas e a cauda de um pinguim-gentoo no momento em que este salta da gua gelada para a costa rochosa. Com mais de nove mil casais reprodutores, a maior colnia desta espcie na pennsula antrctica vive neste local inspito.

  • ILUSTRAO: ANYFORMS. FOTOGRAFIA: LUS QUINTA. FONTE: PAULO BARCELOS (OS MONTANHEIROS).FOI UTILIZADA A TOPONMIA ESTABELECIDA PELA ASSOCIAO OS MONTANHEIROS.

    EXPLOREPlaneta Terra

    O Algar do CarvoA 26 de Janeiro de 1893, dois intrpidos terceirenses, Cndido Corvelo e Jos Lus Sequeira, resolveram descer, com uma simples corda, um algar j conhecido na ilha Terceira, mas nunca desbravado. A sua aventura no teve consequncias, mas h memria na ilha de outras loucuras. Em texto publi-cado na revista Atlntida em 2004, Vtor Hugo Fragueiro contou que o sar-gento-enfermeiro Couto protagonizou, em 1960 ou 1961, com o seu grupo de escoteiros de Angra do Herosmo, uma descida num cesto de vimes amarrado com corda de touros, atravs do qual os exploradores subiram e desceram a estrutura. Foi de tal maneira penoso que o sargento Couto disse-me, com convico, que chegou a pensar atirar-se para dentro do algar e l icar, caso no conseguisse iar quem estava em baixo, lembrou o autor.

    Na dcada de 1960, grupos de exploradores da Associao Os Montanhei-ros desbravaram, com suor e aventuras arriscadas, esta estrutura testemunha de uma erupo stromboliana. O algar corresponde a uma chamin vulcnica onde a lava em emisso recuou repentinamente para o interior da terra devido a movimentos do Comple-xo Fissural. Da resultou um vazio, quase vertical, explica o vulcanlogo Victor Hugo Forjaz, do Ob-servatrio Vulcanolgico e Geotrmico dos Aores.

    Os primeiros grupos de explorao encontraram a cavidade vulcnica ainda intacta. Mais tarde, a construo do tnel de entrada (iniciada h precisa-mente 50 anos) de 44 metros, depois consolidada a beto, constituiu uma faca de dois gumes, facilitan-do o usufruto do algar aos milhares de turistas que visitam a Terceira, mas gerando tambm novas pres-ses sobre este monumento natural. A Associao Os Montanheiros tem a misso de salvaguardar o algar e gerir o luxo de visitantes. Gonalo Pereira

    Chamin

    Ilha Terceira

    Algar do Carvo Tnel de entrada construdo por Os Montanheiros

    Principal entrada de luz na gruta, esta chamin, colonizada por ve-getao ao longo dos primeiros 20 metros, apresenta uma insupervel riqueza de espcies hepticas, musgos e plantas vasculares. Em algumas poas de gua fria, proliferam diatomceas.

  • Lagoa

    Cones de bagacina e turfeiras

    Palco superior

    Catedral

    Corresponde ao topo do recuo da lava durante a fase terminal de construo do algar. Alimentada maioritariamente pela precipitao, a sua profundidade muito varivel. Em meses chuvosos, j atingiu 15 metros de profundidade. No Vero, o seu nvel desce substancialmente.

    superfcie, a paisagem marcada por alinhamentos de cones de bagacinas baslticas, strombolianos, salteados com perfeitos domos mamelares, ricos em slica e pontualmente delimitados por turfeiras verdes e esponjosas. Todos esses relevos vulcnicos inserem-se no Complexo Vulcnico Fissural, um alinhamento de estruturas geolgicas que corta a ilha Terceira ao meio.

    Zona de acesso restrito, ica numa cota quase idntica do Palco Inferior. Nesta zona, vivem insectos endmicos, raridades j registadas pela entomologia internacional.

    Encontram-se estalactites de tipo vulcnico, de recobrimento e tipicamente de precipi-tao. As vulcnicas resultaram do recuo das lavas luidas e algumas pingaram de tal modo que originaram estalagmites na vertical da estalactites. As de precipitao so siliciosas e a respectiva slica deriva das circulao de guas nos domos traquticos vizinhos. A gnese idntica das estalac-tites de cavernas calcrias e, com os anos, vo crescendo do tecto da Catedral, quase cnicas. So estruturas geolgicas raras. As estalactites de recobrimento geram-se como as anteriores, mas recobrem estalacti-tes vulcnicas preexistentes. Este conjunto de negros e cinzentos vulcnicos contrasta com a alvura dos depsitos siliciosos. Da, tambm a preciosidade do algar.

  • MAPA: JEROME N. COOKSON. FONTES: GARY FROYLAND E ROBYN M. STUART, U.N.G.S., AUSTRLIA; ERIK VAN SEBILLE, IMPERIAL COLLEGE DE LONDRES. FOTOGRAFIA: MIKE NELSON, EPA/ALAMY

    Planeta TerraEXPLORE

    Sem dados

    guas mistas

    HAWAI(EUA)

    CALIF.EUAOCEANO PACFICO

    NORTE

    OCEANO RCTICO

    OCEANOPACFICO

    SUL

    OCEANOATLNTICO

    NORTE

    OCEANONDICOOCEANO

    ATNTICOSUL

    75N

    0

    75S

    Apesar de cobrir a maior parte do planeta, o oceano uma fronteira indistinta. Do ponto de vista tcnico, h apenas um oceano ligado globalmente, mas o senso comum habituou-se a referenciar o Atlntico, o Paci co ou o ndico.

    Ainda mais confuso o motivo pelo qual as linhas que os separam, reconhecidas formalmente pela primeira vez em 1928, se mantiveram praticamente inalteradas. Os limites rel ectem a geopoltica mais do que rel ectem o modo como a gua efecti-vamente circula, diz o matemtico Gary Froyland. Ele e o ocean-grafo Erik van Sebille propuseram um novo mapa, redesenhando os limites com base no conhecimento moderno das correntes e das bacias naturais que estas formam, bem como na relao das correntes com um problema ambiental premente: o lixo.

    Plstico e outros detritos esto h dcadas deriva nos oceanos, por vezes em manchas gigantes agitadas por correntes fortes conhecidas como giros. Gary e Erik analisaram os limites centrando-se nos locais desses pontos poludos, o maior dos quais l utua entre o Hawai e a Califrnia. Com pesquisa mais aprofundada, a anlise pode ajudar a determinar a origem de algum do lixo, ou seja, que pases so responsveis pelo seu depsito no oceano. Catherine Zuckerman

    Navegantes indesejveis

    Quando os sacos de plstico, garrafas e outros detritos acabam no mar, uma parte aglomera-se em manchas. Este mapa mostra as fronteiras ocenicas propostas (que se distinguem por cores) com base nessas acumulaes.

  • Mundos antigosEXPLORE

    LIU QINXUE, MUSEU DE HISTRIA NATURAL DE DALIAN

    primeira vista, um fssil do Nordeste da China com 120 milhes de anos parece ser um ninho de crias de dinossauro acompanhadas de um exemplar mais velho. V-se a olho nu, diz o paleontlogo Brandon Hedrick, que estudou recentemente este invulgar achado. Agricultores escavaram o fssil com quase trs metros de dimetro, mas no conseguiram recuperar as caractersticas envolventes, como as margens do ninho, que ajudariam a explicar a situao. Quanto mais Brandon investigava os pormenores do fssil, menos lhe parecia ser apenas um grupo de crias num ninho. O especialista apresenta duas novas hipteses. Os dinossauros poderiam ter-se escondido numa toca que desabou e os esmagou. A espcie, do gnero Psittacosaurus, ou lagarto-papagaio (devido ao grande bico), vivia provavelmente em grandes grupos. Foram encontrados em toda a sia e deveriam ser uma presa apetitosa para os carnvoros desta poca.

    Existe outro cenrio: tendo em conta as posies dos corpos e da natureza da rocha em seu redor, as crias podero ter sido vtimas de um deslizamento de terras que subitamente as varreu. A. R. Williams

    Mistrio do dinossauro

    Um dino na morgue? No perca Autpsia ao T. Rex, no National Geographic Channel, no dia 7 de Junho, s 22h10.

  • CulturaEXPLORE

    FOTOGRAFIAS DE CAITLIN TEAL PRICE

    O protector solar que aplicamos no se mantm na pele para sempre. Anualmente, cerca de seis mil toneladas de protector solar atingem as guas costeiras. uma m notcia para os banhistas, mas sobretudo para os peixes, de acordo com um relatrio do Conselho Superior de Investigaes Cienticas de Espanha. Quando as nanopartculas do dixido de titnio, um dos principais ingredientes do protec-tor, se misturam com a gua e se expem ao sol, transformam-se em perxido de hidrognio, responsvel pela morte do itoplncton que alimenta os peixes. Os investigadores no encorajam os banhistas a utilizar menos protector solar. A soluo tem de passar pelos fabricantes, que devero criar substitutos menos poluentes, sugere a ecologista Cinzia Corinaldesi. H mais de uma dcada que se testam frmulas qumicas sem impactes no ambiente. Daniel Stone

    A cinciado creme

  • STEVE GRIFFITHS (NO TOPO); CLAESSENS LAB/CONSELHO DE MUSEUS DAS MAURCIAS

    Vida selvagemEXPLORE

    29C

    41C

    Quando o calor aperta na Austrlia, os coalas sabem manter o sangue frio. Graas tecnologia de fotograia com infravermelhos, os humanos conseguem agora ver como eles fazem. Em 2014, uma pesquisa da Universidade de Melbourne mostrou que, durante o Vero, quando as temperaturas superam a fasquia de 40C, os coalas descem das rvores pressionando o corpo contra os troncos. Cada rvore possui um microclima prprio, que pode ter menos 7 C do que a temperatura do ar. Por isso, para o coala, cuja pele da barriga relativamente ina, o abrao r-vore representa o mesmo que icar parado em frente de um frigorico com a porta aberta. Os coalas tambm podem ofegar ou lamber a pele para regular a tempera-tura do corpo, mas este mtodo mais eiciente pois consome-lhes menos gua.

    Noutro estudo, o bilogo Matthew Crowther descobriu que os coalas tendem a relaxar em rvores de abrigo e no em rvores de alimentos como o eucalipto. Durante as ondas de calor, porm, qualquer uma serve. Jeremy Berlin

    O abraodo coala

    DODOS EM 3D medida que a tecnologia permite perceber melhor os dodos, a reputao des- tes animais pode ter uma segunda oportunidade. O paleontlogo Leon Claes-sens usou um digitalizador a laser 3D no nico esqueleto de dodo completo que existe no mundo. O resultado digital pode responder a perguntas antigas sobre estas aves de trs metros de altura que no voavam. A imagem do dodo como falha evolutiva injusta, argumenta Leon. Os dodos prosperaram na ilha Maurcia durante milhares de anos antes da chegada dos holandeses em 1598. Em 1693, foram extintos, num estudo de caso da perturbao humana. JB

    A imagem tr- mica (tempe-raturas mais baixas a roxo) revela um coala suspen- so, protegen- do-se do calor.

  • A National

    Geographic Society

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    TRADUO E REVISO

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  • A Nebulosa NGC 6611 e aNebulosa da guia M16, naconstelao da Serpente, asete mil anos-luz da Terra:imagem captada pelo Hubblee processada a cores.

    A cor do infinitoO Hubble o nosso olho no cu. Foi desenhado para observar tudo quantose espalha na abbada celeste e mais alm dos planetas prximos at smais longnquas galxias. Foi pensado tambm para encontrar respostas sperguntas essenciais sobre o universo. Entre as imagens mais populares

    obtidas pelo telescpio espacial lanado pela NASAe pela ESA em 1990, e que este ano cumpre o seu25. aniversrio, encontram-se as da Nebulosa daguia, uma regio do meio interestelar a mais desete mil anos-luz da Terra. ali que se encontram osdenominados Pilares da Criao ( esquerda),uma zona baptizada com este nome porque alinascem e morrem estrelas. Com a aparncia de umacriatura alada sada de um conto fantstico quetenta manter o equilbrio sobre um etreo pedestal,este objecto na realidade uma torre ascendente degs frio e p emergindo da nebulosa onde as estrelasganham vida entre as nuvens de hidrognio lquido.

    s vezes pergunto-me por que razo as imagensdo Hubble cativam a imaginao do pblico, dizZoltan Levay, director da equipa de imagem doInstituto Cientico do Telescpio Espacial (STScI)da NASA. E creio que a sua verdadeira fora sepercebe quando comeamos a compreender aquiloque se est a ver, a sua magnitude.

    Zoltan Levay seleccionou para a NationalGeographic as suas dez imagens preferidas de entreas milhares que processou em laboratrio. Convmrecordar que as imagens que as cmaras do Hubblecaptam so a preto e branco, de modo a optimizar ainvestigao dos astrnomos. aqui que comea otrabalho de Zoltan e da sua equipa: reconstruir ascores mediante a utilizao de iltros que captam asdiferentes luminosidades de cada um dos elementospresentes na zona ou no objecto celeste fotografado.Todos os elementos terrestres esto representadosno espao, diz Zoltan. H hidrognio, oxignio,enxofre. E podemos estud-los a partir da luz queobtemos deles.

    Magia? No, cincia em estado puro. provvel que algum desseslashes da Nebulosa da guia que o Hubble nos mostra pertenam aestrelas que j no existem, que morreram h milhares de milhes de anos,talvez bilies, embora a luz perdure na sua viagem at ns atravs doespao e do tempo. O Hubble um olho que tudo observa no universo,incluindo o resplendor de algo que em tempos foi e j no .

    25 anos do HubbleEDITORIAL

    FOTOGRAFIA: NASA / ESA, EQUIPA HUBBLE HERITAGE, STSCI / AURA

  • OS GRANDES XITOS DO HUBBLEAs fotografi as do telescpio espacial extasiam-nos h 25 anos. Pedimos ao cientista responsvel pelas imagens do Hubble para escolher as suas dez imagens favoritas.

  • PIROTECNIA CSMICA Faiscando de energia, um aglomerado de jovens estrelas ilumina uma cavidade do rolo de poeira da Nebulosa da Tarntula. Para Zoltan Levay, responsvel pela divulgao das imagens do Telescpio Espacial Hubble, o dinamismo da cena irresistvel. As estrelas nascem e morrem, diz. H muito material em movimento.NASA; ESA; F. PARESCE, INAF-IASF, BOLONHA, ITLIA; R. OCONNELL, UNIVERSIDADE DA VIRGNIA; COMIT CIENTFICO SUPERVISOR DA CMARA DE GRANDE ANGULAR

    10

  • POTNCIA ESTELAR A Cmara de Grande Angular 3 do Hubble olha atravs da Nebulo-sa Cabea de Cavalo, numa imagem de infravermelhos com um nvel singular de pormenor. A nebulosa costuma parecer escura contra um plano de fundo luminoso, mas o Hubble penetra o manto de poeira e gs inter-estelar. um indcio daquilo que poderemos esperar do Telescpio Espacial James Webb, de luz infravermelha, projectado pela NASA.MOSAICO COMPOSTO POR QUATRO IMAGENS. NASA; ESA; HUBBLE HERITAGE TEAM, STSCI/AURA

    9

  • Zoltan Levay,

    responsvel pela

    equipa de imagem

    do Instituto de Cincia

    do Telescpio

    Espacial (STScI),

    trabalha nas imagens

    do Hubble desde

    1993. Estas so as

    suas dez fotografias

    preferidas.

    REBECCA HALE

  • VALSA GALCTICA A interaco das foras gravitacionais contorce duas galxias em espiral, conhecidas conjuntamente como Arp 273, medida que se aproximam uma da outra e preparam a sua fuso a 300 milhes de anos-luz. Parece que esto a danar, diz Zoltan. Orbitaro volta uma da outra durante eternidades at por m se juntarem.NASA; ESA; HUBBLE HERITAGE TEAM, STSCI/AURA

    8

  • Lanado para a rbita terrestre a bordo do vai-vm espacial Discovery no dia 24 de Abril de 1990, o Telescpio Espacial Hubble titubeou de ime-diato. Em vez de se focar nos seus alvos celestes, tremeu e abanou, esperneando como um vampi-ro fotofbico sempre que a luz do Sol atingia os seus painis solares. Quando a porta protectora se abriu para permitir a entrada da luz estelar, o telescpio icou de tal maneira perturbado que entrou em coma electrnico. E, pior ainda, o Hub-ble sofria de miopia. O seu principal espelho colector de luz, com 2,4 metros de dimetro e, alegadamente, o objecto de grandes dimenses mais liso alguma vez fabricado por seres huma-nos, fora mal conigurado.

    Na verdade, a sua concepo implicara desde logo cedncias. Os astrnomos tinham pedido um telescpio maior e a sua colocao numa rbita mais distante, mas receberam um apare-lho mais pequeno, que orbitava apenas a 560 quilmetros de altitude. O projecto fora redi-mensionado para se adaptar ao compartimento de carga do vaivm e para se manter ao alcance dos astronautas, permitindo a sua manuteno no espao.

    No entanto, o vaivm acabou por salvar a misso. Se o Hubble tivesse sido lanado para alm do seu alcance, poderia ter icado na his-tria como um fracasso literalmente astronmi-co com um custo de mil milhes de dlares. Em vez disso, foi construdo de modo a que os seus componentes principais permanecessem aces-sveis para substituio ou conserto. Cinco mis-ses de manuteno quase perfeitas realizadas pelo vaivm, revelaram-se essenciais para a transformao do Hubble, de um iasco de 12 toneladas numa das mais produtivas e populares mquinas cienticas do mundo.

    princpio, no causou grande impresso.

    Texto de Timothy Ferris

    TODAS AS IMAGENS SO COMPOSIES COLORIDAS REALIZADAS A PARTIR DE ORIGINAIS A PRETO E BRANCO. EM ALGUNS CASOS, VRIAS IMAGENS COMPOSTAS FORAM REUNIDAS NUM MOSAICO.

  • PERTO E LONGE Estrelas luminosas brilham aqui perto, na Via Lctea. A maioria das outras, incluindo o enxame visvel em baixo, pertence galxia de Andrmeda. A milhares de milhes de anos-luz de distncia, galxias inteiras reluzem. Pode no parecer muito, mas temos aqui um panorama do universo inteiro numa s imagem, diz Zoltan. NASA; ESA; T. M. BROWN, STSCI

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  • hubble

    ASAS CELESTES O gs de uma estrela moribunda toma a forma de uma borbole-ta, com asas rendadas formadas pela ejeco das camadas exterio-res. Nebulosas planetrias coloridas como a NGC 6302 so o tema de algumas das imagens mais popula-res do Hubble. So moldadas por dinmi-cas e fenmenos muito complexos, diz Zoltan.NASA; ESA; HUBBLE SM4 ERO TEAM

    O Hubble expandiu as fronteiras do conheci-mento humano. Utilizando-o para espreitar as profundezas do espao e observar o passado do tempo csmico com uma nitidez sem preceden-tes, os astrnomos descobriram que as galxias se formavam a partir de conjuntos mais pequenos de matria reunidos no incio do universo e que as galxias macias costumam alojar buracos negros supermacios no seu centro. O Hubble observou estrelas ans esbatidas e coni rmou que a matria normal no consegue gerar gravidade sui ciente para manter as galxias agregadas, o que signii ca que a matria escura ter de ser composta por algo mais extico. Medies de velocidade das galxias realizadas pelo Hubble forneceram as primeiras pistas para a existncia de energia escura, a fora misteriosa que actual-mente acelera o ritmo da expanso csmica.

    Muito recentemente, os investigadores do Hubble captaram luz de uma galxia recm-nas-cida, vendo-a como ela era h 13 mil milhes de anos. Mediram tambm a temperatura de um planeta quente orbitando uma estrela a 260 anos--luz da Terra e descobriram trs objectos gelados no sistema solar exterior que podero tornar-se um destino ainda mais distante para a sonda New Horizons, da NASA, aps a sua passagem por Pluto em Julho.

    A popularidade global do telescpio espacial deve-se, sem dvida, aos seus feitos cienti cos e s imagens memorveis de galxias reluzentes, nebulosas de brilho suave e destroos de estrelas estilhaadas. Durante a construo e o lanamen-to do Hubble, estas fotograi as eram menospre-zadas nos crculos da NASA como mera informao de relaes pblicas: chamavam-lhes bonitinhas. Contudo, um quarto de sculo mais tarde, as perspectivas csmicas montadas por Zoltan Levay e os seus colegas do Instituto Cien-ti co do Telescpio Espacial conseguiram, nas palavras do historiador da NASA Steven J. Dick, melhorar a prpria noo daquilo a que chama-mos cultura. O facto de os seres humanos as considerarem to belas e evocativas como foto-grai as do pr do Sol ou dos picos das montanhas da Terra, vem mais uma vez provar que s h uma natureza e que ns fazemos parte dela. j

    6

  • VISO ESPECTRALEste anel fantasmagri-co suspenso na verdade uma bolha de gs com 23 anos-luz de dimetro, representando os restos da explo-so de uma supernova observada pela primeira vez h 400 anos. A sim-plicidade desta imagem assombrosa, mas ilusria, diz Zoltan. Uma mirade de foras agita a superfcie da bolha e distorce-lhe a forma.NASA; ESA; HUBBLE HERITAGE TEAM, STSCI/AURA. J. HUGHES, UNIVERSIDADE RUTGERS

    5

  • ECO DE LUZ Ao longo de vrios me-ses de 2002, o Hubble captou um espectculo csmico: um balo de poeira esfarrapado que parecia expandir-se em torno da estrela V838 Monocerotis. Na realidade, uma exploso expansiva da luz da estrela iluminava a nuvem de poeira. raro observarmos uma alterao to dramtica escala humana, comenta o especialista.NASA; ESA; H. E. BOND, STSCI

    MAIS ONLINE

    Natgeo.com/more

    Agora a SUA vez.

    Navegue na nossa galeria alargada de imagens do Hubble e diga-nos quais as suas preferidas.

    GALERIA INTERACTIVA

    4

  • DE SE TIRAR O CHAPU Esta imagem especta-cular da galxia espiral do Sombrero, vista quase de per l a partir da Terra, tem grande ligao emocional para Zoltan Levay. Ele recorda com carinho um professor da universidade que contava histrias sobre noites mgicas passadas a ver a galxia atravs do telescpio de um observatrio.MOSAICO COMPOSTO POR SEIS IMAGENS. NASA; HUBBLE HERITAGE TEAM, STSCI/AURA

    3

  • TUMULTO ESTELAR O nascimento e a morte das estrelas criam confuso csmica numa panormica da Nebulosa da Quilha, montada a partir de diversas imagens do Hubble. to rica em termos visuais e deu tanto trabalho a montar que tem de ser uma das minhas preferidas, diz o astrnomo. Dados recolhidos por um teles-cpio terrestre fornece-ram as cores associa-das aos elementos.MOSAICO COMPOSTO POR 32 IMAGENS

    IMAGEM DO HUBBLE: NASA; ESA; N. SMITH, UNIVERSIDADE DA CALIFRNIA; HUBBLE HERITAGE TEAM, STSCI/AURA

    IMAGEM DO OBSERVATRIO INTERAMERICANO DE CERRO TOLOLO: N. SMITH; NOAO/AURA/NSF

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  • BELEZA MPAREsta imagem da galxia espiral NGC 1300, obtida pelo Hubble, est impregnada de porme-nores: estrelas azuis jovens e luminosas, faixas de poeira espiralando em redor do ncleo brilhante, galxias distantes em irradiao ao fundo. Podemos perder-nos nela, diz Zoltan. Muitos j o zeram. MOSAICO COMPOSTO POR DUAS IMAGENS

    NASA; ESA; HUBBLE HERITAGE TEAM, STSCI/AURA. P. KNEZEK, WIYN

    1

  • FORTALEZAS

  • ESQUECIDASAs antigas residncias de cls na provncia de Fujian esto

    a perder relevncia, em contraciclo com a nova China.

    As tulou, ou edifcios de terra, da provncia de Fujian, no Sudeste da China, so habitaes tradicionais construdas pelo povo hakka, oriundo da China Central e que migrou para sul a partir desta regio, nos sculos XIV e XV.

  • No interior de uma tulou, as habitaes familiares erguem-se em fatias em torno de um ptio central partilhado. Cada casa dispe de uma cozinha e de um espao para refeies no piso trreo, de uma arredacao e de quartos nos pisos superiores.

  • national geo graphic r Junho

    Tudo comeou como um jogo. Quantas daque-las estruturas estranhas, semelhantes a fortalezas, conseguiria eu contar a partir da janela de uma viatura? Eram enormes e erguiam-se como naves espaciais na regio rural da provncia de Fujian, no Sudeste da China. Em cada aldeia, parecia existir uma, duas ou at mais.

    Em Hekeng, povoado com vrias centenas de habitantes, contabilizei 13 tulou. Tulou signiica estrutura de terra em mandarim, uma deinio bastante modesta, como se nos bastasse descrever o Coliseu de Roma como um crculo de pedras!

    Os edifcios assemelham-se a estruturas me-dievais, compostos por altos muros castanhos e lamacentos, com janelas minsculas nos andares de cima. A entrada normalmente faz-se por uma nica porta de madeira forrada a chapa metlica.

    Pouco depois, j no me contentava em icar de fora, contemplando-as embasbacado a partir do exterior, nas suas formas diversas, mas sobretudo quadradas ou circulares. Resolvi entrar em cada tulou que contabilizava. A porta da rua encontra-va-se normalmente aberta e, por isso, eu entrava e tornava a entrar. E vou contar-vos o que descobri.

    O exterior no nos prepara para o que encon-tramos no interior. Se o exterior sombrio se asse-melha a uma penitenciria, o interior abre-se de rompante como um salo de concertos. Galerias de madeira erguem-se, majestosas, at cinco an-dares de altura, em torno de um ptio cheio de luz. Cada piso est construdo em madeira escura, formando pequenas salas iguais, dispostas uma aps outra. Os corredores viram ou formam es-quinas, no inal de cada piso.

    No ptio exterior, sem cobertura e calcetado com pedras arredondadas, existem normalmente um ou dois poos, mais um recinto fechado orna-mentado para o culto dos antepassados. O espao

    manda-nos virar e virar de novo, maravilhando--nos perante a sequncia estonteante de salas, o panorama de cu e montanha que se avista no alto e o arrojo de um design que abriga uma comuni-dade inteira dentro de um edifcio inexpugnvel.

    Embora se conheam pretenses de tulou mais antigas, o arquitecto Huang Hanmin, que tem publicado muito sobre este tipo de constru-o, defende que o primeiro registo de um edifcio destes data de 1558. A sua ediicao coincidiu com uma poca de batalhas pelo controlo da terra entre o clnico povo hakka, que para ali migrara oriundo das plancies da China Setentrional, e os grupos h mais tempo ixados na regio.

    Desde o incio, a sua funo principal visava a segurana das comunidades, diz Huang. O registo histrico menciona ameaas de animais selvagens, bandidos e senhores da guerra.

    Contar as tulou.

    Texto de Tom ONeillFotograas de Michael Yamashita

  • Fortalezas esquecidas

    Para as repelir, os construtores conceberam muralhas de adobe, termo tcnico para uma amlgama de argila, calcrio e areia comprimi-dos, a qual, uma vez seca, forma um revestimento quase to duro como beto. Muitas destas mura-lhas tinham pelo menos 1,5 metros de espessura.

    O crescimento demogrico e os tumultos as-sociados revoluo comunista de 1949 na China permitiram que a construo das tulou se pro-longasse no sculo XX. Os hakka contaram-se entre os mais fervorosos adeptos da revoluo. Em Hekeng, as datas de construo das 13 tulou variam entre a dcada de 1550 e a dcada de 1970.

    No interior do Lou Dongsheng (Nascer do Sol), uma tulou inalizada em 1961, a nica dife-rena estrutural relativamente s mais antigas foi a dimenso ligeiramente maior das salas, embora continuassem a ter um tamanho quase insuicien-te para nelas caber uma cama de casal.

    Em Hekeng, travei conhecimento com um plantador de ch chamado Zhang, que me contou que o pai, engenheiro, supervisionara a constru-o do Lou Dongsheng. Cada andar, com as suas espessas vigas de suporte e 22 salas, demorou um ano a ediicar. Perguntei-lhe se conseguia imagi-nar a construo de nova tulou na cidade. Zhang contemplou o prdio imponente, com os muros de adobe de textura semelhante a pele enrugada.

    impossvel, respondeu, abanando a ca-bea. O custo seria cinco vezes superior ao de um edifcio de beto e ao. Alm disso, calcule a mo-de-obra necessria. E onde conseguiria agora encontrar rvores to grandes?

    Este o transporte escolar na aldeia de Hekeng. O nmero de escolas nas aldeias pequenas est a diminuir, acompanhando a demograa. As crianas viajam agora mais longe para ir escola.

  • Yuchang Lou, uma tulou com cinco andares, atrai uma multido num feriado de Maio. S um nmero reduzido de famlias ainda se considera em casa em Yuchang Lou, ganhando a vida com a venda de bilhetes, servindo ch e vendendo recordaes.

  • national geo graphic r Junho

    Quase todas as pessoas que conheci em Hekeng chamavam-se Zhang. Nas terras altas de Fujian, as aldeias so povoados de base clnica, onde predomina um nico apelido. Hekeng era uma aldeia Zhang. Tambm existem aldeias Su, aldeias Li e aldeias Jian, entre outras.

    Para satisfazer as necessidades destas comuni-dades estreitamente unidas, a tulou transformou--se numa estrutura dentro da qual braos inteiros de um cl, que juntava frequentemente mais de cem pessoas, podiam viver todos juntos num s edifcio. Na Europa Ocidental, os castelos abriam os portes aos aldeos apenas em tempos de ata-que ou de cerco. Uma tulou protegia e alojava sempre as pessoas.

    Dentro de uma tulou, o espao de convvio organizava-se na vertical, imperativo numa re-gio com quantidades limitadas de terreno pla-no. Cada famlia podia ser proprietria de uma ou mais salas. No primeiro piso, aberto ao ptio, i cava a cozinha e a zona de refeies; o segundo era uma rea de armazenagem; o terceiro piso e os superiores continham os quartos. Huang com-para a planta do edifcio a uma laranja dividida em gomos virados para um ponto central.

    Toda a comunidade servia-se do mesmo cor-redor e escadarias. As regras de comportamento (limpar resduos, respeitar os ancios, contribuir

    para as festividades) encontravam-se ai xadas entrada. Derradeiro smbolo de atitude comuni-tria, as salas eram idnticas em tamanho e deco-rao, quer pertencessem ao chefe do cl hakka quer a um vulgar criador de porcos. Curiosamen-te, outro povo da provncia de Fujian, os minnan, optou por uma disposio mais privada, com fraces de habitao verticais equipadas com escadarias individuais e corredores particulares.

    No h muitas tulou encarrapitadas em cumes de montanha. Quase todas se localizam no fun-do de vales, idealmente com uma montanha retaguarda e gua frente. Foram instaladas em obedincia aos princpios de feng shui (vento e gua), a arte chinesa da adivinhao ambiental.

    Certo dia, pedi ao especialista em feng shui Zhang Shou Ru que se pronunciasse criticamente sobre a disposio da aldeia de Hekeng. Enrugado pela idade, o homem de 85 anos ultrapassou-me na subida at um miradouro e j estava a fumar um cigarro quando l cheguei. Zhang aprovou a maneira como as montanhas se peri lavam retaguarda da aldeia, assemelhando-se s bossas de um drago, sinal de boa energia. Gostou de ver dois rios em conl uncia junto da vila mas mos-trou-se preocupado pela maneira como, dali em diante, o curso de gua corria a direito, com mais dinheiro a sair de Hekeng do que a ser ali retido.

    Quanto aos efeitos do feng shui sobre cada tu-lou, acocorou-se junto das portas de entrada de vrias delas, tirou do bolso a sua bssola especia-lizada com 24 orientaes e disse, sempre com grave prazer: Estes so bons stios.

    O feng shui das Terras Altas de Fujian, como um todo, deve ser bom porque, actualmente, o dinheiro do turismo no pra de al uir regio. O al uxo de fundos comeou em 2008, quando 46 tulou em Fujian foram classii cadas como Pa-trimnio Mundial, incluindo o grupo de 13 de Hekeng. Aos i ns-de-semana, as estradas rurais encontram-se muitas vezes engarrafadas com viaturas e pees e as prprias tulou so inun-dadas de turistas. A majestade da arquitectura disputa a ateno com bancas de comrcio que tudo vendem, desde ch e cogumelos medicinais a cartazes de Mao e cinzeiros em forma de tulou.

    ongkeng(Zhencheng

    Lou)

    Yanxiang(Liben Louruin)

    ekenghunyu,Yangzhao,

    e Yuchang Lou)

    XiamenTaxiaMeilin

    GUANGDONG

    FUJIAN

    C H I N A

    AglomeradoIndividual(nome entre parnteses)

    Tulou

    CHINA

    SIA

    OCEAEANONNDICOOOCEAANONO

    TAIWAN

    REA EMDESTAQUE

    NGM MAPSFONTE: UNESCO

    0 km 50

  • Fortalezas esquecidas

    Algumas tulou foram deixadas ao abandono como Liben Lou (no topo), destruda em 1931 durante a guerra civil chinesa. Depois de anos a trabalhar em fbricas, Li Chen (em cima) regressou tulou dos antepassados da mulher, Shunyu Lou, para criar porcos e ensinar lha tradies como a colheita da madressilva.

  • Cada tulou frequentemente ocupada por um grupo familiar e, por isso, um bito afecta toda a comunidade. Em Yangzhao Lou, na aldeia de Hekeng, carpideiras com vestes brancas e azuis acentuam os lamentos da famlia pela morte de Su Shi Yaying, de 90 anos, uma das matriarcas da tulou.

  • national geographic r Junho

    Embora as tulou tenham uma aparncia comunitria, eram frequentemente edicadas por pessoas ricas. Zhencheng Lou (no topo) foi construda em 1912 por irmos que zeram fortuna com uma fbrica de corta-cigarros. Em 2008, uma das maiores empresas da China construiu uma verso moderna de tulou (em cima) perto de Guangzhou (Canto).

  • Fortalezas esquecidas

    At dcada de 1950, o mundo exterior nem sequer sabia da existncia das tulou. E as que se localizam na regio meridional de Fujian s fo-ram conhecidas trs dcadas mais tarde. A sua localizao remota, a m qualidade das estradas e a desertiicao das suas aldeias mantiveram em segredo a arquitectura singular da regio. Huang Hanmin foi dos primeiros investigadores a estu-d-las, viajando de bicicleta de aldeia em aldeia.

    Huang o mais importante inventariador das tulou. Baseando-se nas suas viagens, na corres-pondncia com universitrios e habitantes locais e no estudo da fotograia de satlite, ele calcula que h 2.812 tulou de todos os tamanhos e feitios, cerca de um milhar a menos do que estimativas anteriores. Mais de 46 merecem integrar a Lista do Patrimnio Mundial, airma.

    Onde pra toda a gente? Era essa a minha reaco sempre que entrava numa tulou. Em lu-gares construdos para abrigar centenas de pes-soas, j s restavam cinco ou seis. Eram, na sua maioria, velhotes, frgeis e vivendo sozinhos. Por vezes, via-se uma criana pequena no meio das sombras, uma das chamadas crianas deixadas para trs, coniadas aos cuidados de um parente idoso, enquanto os progenitores viviam e traba-lhavam numa cidade distante.

    As tulou tm vindo a perder gente em revoadas h pelo menos 25 anos, desde que a China ace-lerou economicamente. As pessoas no queriam viver em espaos atravancados e sem saneamento.

    J s vivem pobres nas tulou, ouvi vrias vezes.Lin Yi Mou foi meu cicerone em Eryi Lou, uma

    tulou ricamente decorada que foi habitada por quatrocentos moradores, mas actualmente um museu no qual a maioria das salas esto fecha-das a cadeado. No passado, contou, quando a tulou pertencia a um grande cl, a famlia con-tribua para as reparaes. Agora, no querem gastar dinheiro numa coisa que pertenceu aos antepassados. Querem gast-lo em coisas para si.

    S nos feriados nacionais que as tulou ainda se agitam com algo parecido com o seu antigo bulcio de colmeias. Familiares ausentes regres-sam para visitar os parentes, participar em casa-mentos e dormir nos quartos a que antigamente chamavam casa.

    Durante o fim-de-semana do Primeiro de Maio, escutei como os ilhos e ilhas prdigos manifestavam a sua saudade pelo modo de vida nas tulou. Havia tantas crianas com quem brin-car, nesse tempo. No Inverno, havia calor e era acolhedor. Sentamo-nos em segurana. Depois de uma curta permanncia, porm, todos regres-saram aos seus lares modernos.

    as tulou no desaparecero. Como design arquitectnico, at possvel que as tulou co-nheam um renascimento. Engenheiros e ar-quitectos estudiosos da construo em adobe consideram a tulou um prottipo do edifcio verde: eficiente em termos energticos, em harmonia com a paisagem e construdo com materiais naturais, localmente disponveis.

    Segundo o arquitecto canadiano Jorg Os-trowski, a famosa Chengqi Lou, de quatro anis, ediicada no incio do sculo XVIII, superaria de longe os requisitos da certificao LEED, um famoso sistema de avaliao da indstria da construo civil para construes sustentveis. Na vizinha provncia de Guangdong, arquitectos do escritrio Urbanus projectaram uma bem-su-cedida verso moderna de uma tulou para 278 agregados familiares com baixo rendimento.

    Consigo imaginar este conceito, com o seu sentido de espao colectivo, adaptado para cons-truir escolas, bibliotecas e, sim, at mesmo pri-ses, airma o destacado projectista Meng Yan.

    At as antigas tulou se podem transformar em coisas novas.

    Na cidade turstica de Taxia, perto de muitos edifcios classiicados como Patrimnio Mundial, o empresrio Zhang Min Xue pegou numa tulou abandonada h oito anos e, aps um ano de tra-balho, transformou-a numa residencial chamada Qingde Lou.

    A obra mais difcil foi a instalao da canali-zao moderna, contou-me Zhang.

    Fiquei l alojado. Era ruidosa, cheia de gente. Havia roupa pendurada nos varandins. As ga-linhas passeavam sobre as lajes arredondadas. Viam-se candeias acesas diante da imagem de uma divindade local. E, de noite, a pesada porta da rua era fechada com estrondo. Era uma tulou. j

  • ELES podem ser LIVRES

    MORGAN HolandaCapturada ao largo da costa holandesa, esta orca foi enviada para Espanha quando se temeu que ela no sobrevivesse caso fosse devolvida ao oceano. As orcas, ou baleias assassinas, so os maiores golinhos do planeta.MARTEN VAN DIJL, AFP/GETTY IMAGES

    Milhares de golfinhos tm sido capturados para actuarem em parques aquticos. Agora, alguns esto a aprender a maneira de regressar ao mar.

  • 33

  • CHUNSAM Coreia do SulFacilmente identiicada pelo 2 gravado na barbatana dorsal, Chunsam nada nas guas ao largo da ilha de Jeju. Aps vrios anos em cativeiro, esta fmea libertada regressou ao seu grupo, melhorando as suas possibilidades de readaptao natureza.BRIAN SKERRY

  • r

    incio de Janeiro de 2011, o especialista em ma-

    feros marinhos Jef Foster, de 55 anos, che-

    ou costa rochosa de uma baa prstina junto

    a pequena aldeia de Karaca, num canto da orla

    udoeste do golfo de Gkova, na Turquia. Ao

    argo da costa, pairava um conjunto de gaiolas

    utuantes utilizadas em unidades de aquicultura.

    eceando a morte dos golinhos, a Fundao Born Free, sediada no Reino Unido e dedicada pro-teco de animais selvagens, interveio e tomou posse de Tom e Misha. Os dois golinhos foram conduzidos at gaiola ao largo de Karaca. Jef foi contratado para ajudar a Fundao num pro-jecto ambicioso: recuperar a melhor forma fsica de Tom e Misha, ensinar-lhes o conhecimento fundamental para a vida em ambiente selvagem e libert-los no Egeu. Com criaturas imprevisveis e difceis, corria-se um grande risco, conta Will Travers, o presidente da Fundao. Mas percebe-mos que os animais teriam poucas hipteses e que provavelmente morreriam se ningum agisse.

    As questes ticas levantadas em torno da ma-nuteno de golinhos em cativeiro tm vindo a intensiicar-se medida que as suas capacidades intelectuais e cognitivas se tornam mais bem compreendidas. Os golinhos so das espcies mais inteligentes do planeta: possuem autocons-cincia e so altamente sociais, com crebros notavelmente grandes e complexos para a sua dimenso corporal.

    Texto de Tim Zimmermann COMPREENDER OS GOLFINHOS INTELIGNCIACATIVEIROCULTURA

    Uma srie em trs partes

    trinta metros de comprimento por 15 metros de profundidade, dois roazes machos nadavam em crculos lentos. Tom e Misha, assim se chama-vam, encontravam-se num estado lamentvel. Tanto quanto se sabia, tinham sido capturados no Egeu em 2006 e no se sabia praticamente nada sobre eles. Aps iniciarem as suas vidas em ca-tiveiro num parque de golinhos na vila costeira de Ka, em Junho de 2010, tinham viajado no interior de um camio at uma piscina de cimen-to mal construda na vila de Hisarn, onde os turistas pagavam 40 euros para serem rebocados durante dez minutos. Seria difcil imaginar um local mais incongruente e desorientador para dois golinhos nascidos no oceano. Como o sistema de iltragem era inadequado, o fundo da piscina icou rapidamente revestido de peixes mortos e fezes de golinho.

    Algumas semanas mais tarde, uma campanha indignada, iniciada nas redes sociais por habitan-tes locais e movimentos cvicos, forou o encer-ramento das instalaes. No incio de Setembro,

  • TOM E MISHA TurquiaTom e Misha nadam na sua gaiola ao largo da costa do Egeu. Em cativeiro, os golinhos icam to habituados a comer peixes mortos que no prestam ateno aos peixes vivos. Os treinadores tm de reensin-los a caar antes de poderem ser libertados.JEFF FOSTER

  • r

    Capazes de comunicaes extensas, utilizam assobios-assinatura anlogos a nomes individuais. Podem reconhecer a sua imagem num espelho, entendem conceitos abstractos e j provaram ter conhecimentos bsicos de gramtica e sintaxe.

    Menos de trs dezenas de golinhos mantidos em cativeiro durante longos perodos foram liber-tados nos ltimos 50 anos, com resultados varia-dos e inconclusivos. Tom e Misha criaram uma

    lhe parecera uma forma interessante de ganhar a vida e acreditava piamente que era a melhor maneira de aprender algo sobre um animal pouco conhecido. No entanto, ao ouvir os queixumes chorosos de animais jovens, solitrios e conina-dos ao convs de um navio de captura, comeou a ponderar os aspectos morais da questo. Jef fez o melhor que pde, utilizando as mos e a voz para acalmar as jovens, temerosas e perturbadas orcas.

    oportunidade para se aperfeioar a arte de ensino dos golinhos, ajudando a deinir uma alternativa ao cativeiro contnuo. o tipo de projecto que toca o corao das pessoas, diz Will. Se tivermos sucesso com Tom e Misha, isso inspirar a socie-dade e talvez a leve a questionar os espectculos [de golinhos em cativeiro].

    Enquanto proporcionavam Fundao um ensejo para deinir o futuro, Tom e Misha da-vam uma oportunidade de redeno parcial a Jef Foster. Descontrado e com a compleio corada prpria de um homem com uma grave alergia a cubculos de escritrio, este ilho de um veterinrio de Seattle sempre adorou aprender sobre animais. Aos 15 anos, j trabalhava no aqurio da sua cidade natal. Em 1976, com 20 anos, ajudou Don Goldsberry, que veio a tornar-se o mais prolfero coleccionador de mamferos marinhos do Sea World, a montar uma operao para a captura de orcas (a maior espcie de gol-inho) na Islndia. Nos 14 anos seguintes, Jef ajudou a capturar duas dezenas de orcas ao largo dos EUA e da Islndia para o Sea World e outros parques aquticos. Alm das baleias assassinas, Jef tambm removeu golinhos mais pequenos, lees-marinhos, focas e outros animais do seu habitat para exibio em cativeiro.

    Embora no se preocupasse muito em saber se Tom e Misha estariam, ou no, a ajud-lo a saldar uma dvida crmica, este novo trabalho agradava a Jef. Ele capturara a sua primeira orca porque

    Recusou-se a seguir prticas segundo as quais a privao de uma baleia assassina de alimento poderia ajudar a domestic-la, tornando-a mais submissa. Apesar dos seus esforos, quanto mais o fazemos, mais nos apercebemos de que estamos a separar famlias, diz. No podemos sentir-nos bem quando retiramos algo da natureza.

    Por ironia, a vasta experincia de Jef na captura de golinhos qualiica-va-o singularmente para inverter o processo e transformara-o num parceiro inesperado para a Funda-o. Jef pertencia, no essencial,

    indstria da captura e ns sentamo-nos muito nervosos, conta Alison Hood, que supervisionou o projecto em representao da Fundao. Mas ele um verdadeiro poo de conhecimento e ns tnhamos assumido a responsabilidade por Tom e Misha. Cabia-nos o dever de lhes dar a melhor hiptese possvel, a qualquer custo. Segundo a estimativa de Jef, o processo de reabilitao de Tom e Misha poderia demorar seis a oito meses e custar 446 mil euros para a gaiola, o pessoal, o equipamento, os peixes vivos. A Fundao espe-rava que custasse menos de metade desse valor. Ambos estavam errados.

    A reabilitao de um golinho capturado no to fcil como possa parecer. Um golinho em cativeiro conserva a mesma anatomia e gentica que tinha em estado selvagem, mas um ani-

    Em cativeiro desde 2006, Tom e Misha criaram uma oportunidade para aperfeioar a arte de ensino dos golfinhos a serem novamente selvagens.

  • mal diferente em vrios aspectos. Em ambienteselvagem, vive uma vida de imprevisibilidade ecompetio. Socializa e caa num vasto territ-rio, deslocando-se quase constantemente, enfren-tando uma multitude de espcies e de situaesnovas. excepo de emergir para respirar, umgolinho selvagem passa a vida debaixo de gua.

    A experincia num parque aqutico oposta da vida selvagem. O espao fsico limitado eestril, a vida segue horrios e no h necessidadede caar. Para alm dos treinos e dos espectculos,tambm h reduzida necessidade de movimento.E, sobretudo, a capacidade de orientao de umgolinho em cativeiro sofre alteraes profundas:o mundo acima da superfcie torna-se, subita-mente, muito mais importante do que o mundol em baixo. Desde a alimentao s sesses detreino e os aplausos do pblico em reaco s or-dens dadas durante os espectculos, quase todaa aco acontece c em cima. Basta uma simples

    O treinador Jeff Foster manda Tom e Misha nadarem energicamente. Em cativeiro, os golinhos icam fora de forma. Em vez de caarem e nadarem debaixo de gua, passam quase todo o seu tempo superfcie ou junto desta.

    comparao para esclarecer a diferena: os gol-inhos selvagens passam, em estimativa, 80% do seu tempo muito abaixo da superfcie; os goli-nhos em cativeiro passam cerca de 80% do seu tempo superfcie ou acima desta.

    Jef Foster capturou a sua ltima orca para ca-tiveiro em 1990, embora continuasse a capturar outros golinhos e lees-marinhos. No entanto, comeou igualmente a dedicar mais tempo in-vestigao de baleias em estado selvagem e, entre 1996 e 2001, participou de maneira activa na ten-tativa de devolver Keiko, a orca que protagonizara o ilme Libertem Willy, s suas guas nativas, na Islndia. Keiko nadou rumo liberdade em 2002, mas morreu de pneumonia em 2003. A in-dstria do cativeiro pensa que eu ando a libertar animais e desconia muito de algumas coisas que temos feito. Agora sou uma espcie de pria, diz Jef. Mas eu no me oponho ao cativeiro. Ando apenas a tentar fazer as coisas certas.

    Z. DERYA YILDIRIM

  • TOM E MISHA TurquiaTom e Misha separaram-se pouco depois de serem libertados no Egeu. Ameaado por pescadores, Tom teve de ser transferido, mas lutou contra a recaptura. A expresso no seu olhar era a de um animal completamente selvagem, contou um dos assistentes de Jeff.JEFF FOSTER

  • r

    Jef sempre teve orgulho em esforar-se por perceber as necessidades dos animais que leva-va para cativeiro, de forma a atenuar a transio desorientadora entre os mundos natural e huma-no. A obteno de registos rigorosos sobre Tom e Misha revelou-se impossvel, mas a Fundao Born Free calcula que ambos tero sido captura-dos junto do porto de Esmirna e depois mantidos em cativeiro durante cerca de quatro anos. Tom era mais pequeno, mais travesso e aparentava ser o mais jovem dos dois. Ansiava por agradar e pa-recia ter-se adaptado melhor vida em cativeiro.

    Misha, em oposio, era arisco e desconiado de todas as novidades. Mostrava relutncia em in-teragir com o mundo humano e passava frequen-temente o tempo na gaiola a olhar para o mar. A forma como os golinhos encaram o cativeiro depende muito da maneira como foram levados para l, diz Jef. Se os cuidados e o condiciona-mento no forem adequados, no inal pode-se mesmo icar com animais mais neurticos.

    Os efeitos prolongados da vida de Tom e Misha em parques aquticos eram evidentes na sua le-targia e no facto de se encontrarem cerca de 20% abaixo do seu peso saudvel, com to pouca gor-

    procedimentos de sade essenciais, como permi-tir esfregaos aos seus espirculos para culturas bacteriolgicas. E Jef no era capaz de imaginar outro modo de recuperar a boa forma de que Tom e Misha necessitariam para sobreviver no oceano que no fosse sujeit-los a um regime de natao rpida, saltos e caminhadas sobre a barbatana caudal que desenvolvessem msculo e resistncia. A nica maneira trein-los para depois ser possvel destrein-los, disse.

    Os treinos muito enrgicos exigem calorias e, por isso, a primeira tarefa era transformar os h-bitos alimentares selectivos de Tom e Misha para habitu-los de novo aos peixes que provavelmente encontrariam no Egeu, como tainhas, anchovas e sardinhas. A estratgia consistia em oferecer-lhes uma espcie de peixe local. Se o comessem, se-riam recompensados com carapau, um peixe pelo qual haviam desenvolvido o gosto em cativeiro. Para imitar a imprevisibilidade da existncia de alimento na natureza, Jef variava a quantidade e a frequncia das refeies. Quando os levamos para o cativeiro, tudo, desde a alimentao aos es-pectculos, estruturado, diz. Eles desenvolvem um relgio interno e sabem exactamente quando

    Para despertar os seus crebros, Je atirou para dentro da gaiola organismos que eles no viam h anos, como um polvo, uma alforreca ou um caranguejo.

    dura que as costelas eram visveis. A preparao para ao regresso ao mar no se limitaria ao ensi-no de tcnicas de caa de peixe, diminuio do seu contacto com seres humanos e abertura de um porto. Jef reconhecia a necessidade de uma abordagem mais contra-intuitiva que comeasse com as mesmas ferramentas (o assobio e a vara de um treinador) e mtodos (condicionamento operativo, que recompensa os comportamentos correctos e ignora os incorrectos) utilizados pelos parques aquticos de todo o mundo que treinam golinhos para actuao em espectculos.

    Alm de serem condicionados a permitir a recolha de amostras de sangue, ambos os gol-inhos precisavam de aprender a aceitar outros

    vo ser alimentados. Temos de o inverter porque sabemos que, em ambiente selvagem, podem co-mer mais num dia do que noutro.

    Jef tambm quis despertar os crebros dos gol-inhos. Atirou para a gaiola organismos que eles no viam h anos, como um polvo, uma alforreca ou um caranguejo. Cortou buracos ao longo de um tubo de PVC, encheu-o com peixes mortos e depois atirou-o para dentro de gua. Tom e Misha tinham de perceber como manipular o tubo para que os peixes sassem pelos buracos. Em cati-veiro, treinamos os animais para no pensarem por si, desligando os crebros e fazendo o que lhes pedirmos, explica. Agora, queria tir-los do modo de piloto automtico e p-los a pensar.

  • Golfinhos em cativeiro

    Num tanque de reteno no Jardim Zoolgico de Seul, Taesan (primeiro plano)e Boksoon aprendem de novo a comer peixes vivos. A sua libertao estagendada para o Vero. Se tudo correr bem, reunir-se-o ao seu grupo nativo.

    O tubo de alimentao tinha duas vantagens adicionais. Flutuava cerca de um metro e meio abaixo da superfcie, recordando a Tom e Misha que o alimento se encontra debaixo de gua, e ajudava a dissociar os seres humanos da oferta de alimento. Tnhamos de faz-los compreender que o peixe no provm apenas de um balde pra-teado e de um ser humano, explica Amy Souster, uma jovem treinadora recrutada para o projecto.

    O processo de preparao de Tom e Misha de-senrolou-se gradualmente, em etapas, ao longo da Primavera de 2011, chegando a incluir 20 sesses de aprendizagem por dia. Quando os meses quen-tes de Vero se aproximaram, Jef acreditava que Tom e Misha estariam prontos para nadar em liberdade no incio do Outono. No entanto, com o calor do Vero e respectivo aquecimento das guas da baa at 26C, temperatura que causa problemas aos golinhos, Tom e Misha perderam o apetite e foram atacados por uma virulenta in-feco sangunea que quase foi fatal. Escaparam mesmo por pouco, recorda John Knight, o vete-rinrio consultor da Fundao Born Free. Tom e Misha no estavam unidos por uma relao es-treita e limitavam-se a tolerar a presena do outro,

    mas Amy icou comovida com as tentativas feitas por Misha para cuidar de Tom, empurrando-o at superfcie para respirar quando ele se afundava at ao fundo da gaiola e levando-lhe peixes para tentar que ele se alimentasse.

    A agravar a situao, no inal do Vero, os al-deos de Karaca tinham tornado claro que es-tavam fartos do projecto instalado na sua baa. As mensagens incluram o corte dos pneus dos veculos da Fundao, riscos com chaves e at ameaas de violao s funcionrias do sexo feminino. Em Outubro de 2011, a gaiola foi cui-dadosamente rebocada para outro local, do lado oposto da baa. Jef e a sua equipa redobraram es-foros, com nfase na forma fsica dos golinhos.

    A gaiola estava agora ancorada a cerca de trinta metros da estrutura de madeira da costa, permitindo a Jef recorrer a uma das suas inova-es preferidas do projecto de Keiko: uma isga gigantesca que rodava sobre um suporte e po-dia ser utilizada para disparar peixes para stios diferentes da gaiola. Alm de proporcionar ali-mento sem interveno humana directa, a isga encorajava Tom e Misha a ganhar o hbito de se mexerem mais, como os golinhos selvagens.

    JEAN CHUNG

  • r

    No tardaram a perceber a ideia e o simples som da isga despertava os seus relexos. Nem pensa-vam. Limitavam-se a esperar pela prxima coisa que casse na gua, diz Jef. Soube que chegara a hora de lhes dar peixes vivos.

    um dos aspectos bizarros do cativeiro: uma vez capturados, os golinhos nascidos em am-biente selvagem parecem deixar de perceber que os peixes devem ser caados e comidos. Tom e Misha olhavam para os cardumes de peixes que atravessavam a sua gaiola como se estivessem a ver televiso. Jef teve de trein-los novamente para voltarem a caar e comer peixe vivo. Co-meou por misturar peixes vivos, ao princpio abrandados por um golpe na cabea ou um corte no rabo, entre punhados de peixes mortos atira-dos para a piscina. Tom e Misha tinham-se de tal forma habituado a competir entre si para engolfar tudo o que casse dentro de gua que comiam pei-xes vivos juntamente com os mortos, sem sequer pensarem nisso. Com o tempo, os peixes vivos cada vez menos abrandados foram compondo uma poro crescente da sua alimentao, at os golinhos se reacostumarem ao sabor e ideia de terem de capturar as suas refeies.

    De seguida, Jef utilizou garrafes de 20 litros, com tampas accionadas por molas que se abriam remotamente, para soltar peixes vivos no interior da gaiola a partir de vrias localizaes e a di-ferentes profundidades, retirando uma vez mais os seres humanos da equao e concentrando a ateno de Tom e Misha debaixo de gua. Ambos os golinhos comearam a passar mais tempo em caadas nas profundezas da gaiola, at soprando bolhas pelos espirculos para espantar peixes escondidos que no conseguiam alcanar. Amy Souster mostrara-se cptica quanto possibilida-de de devolver os animais com sucesso ao mun-do natural. No entanto, Tom e Misha mudaram. Deixaram de ser animais letrgicos e dependentes das pessoas, focados em comida vinda de bal-des, e tornaram-se animais que icam loucos com peixes vivos e se comportam da maneira que os golinhos selvagens devem comportar-se, disse. Foi impressionante.

    Jeff concordou. Chegara a altura de abrir o porto.

    Odia 9 de Maio de 2012 nasceu com um cu azul-cobalto lm-pido e promissor. Uma multi-do composta por funcionrios e apoiantes da Fundao Born Free reunira-se nas redondezas.

    Bem cedo, nessa manh, Tom e Misha tinham sido equipados com etiquetas de monitorizao nas barbatanas dorsais. Se conseguirem sobrevi-ver durante de seis meses, saberemos que foram reintroduzidos com sucesso, explicou Jef. Se no estiverem a sair-se bem, ou seja, se ao im de trs meses abrandarem e o seu domnio diminuir, saberemos que esto mais fracos.

    Uma vez tudo preparado, um mergulhador abriu uma porta na rede da gaiola. Chegara o grande momento, mas Tom e Misha man-tiveram-se no interior, deslocando-se cuida-dosamente na gaiola. Passados cerca de vinte minutos de uma inactividade cada vez mais constrangedora, Amy Souster estendeu o brao direito, traando uma linha descendente sobre o corpo, dando-lhes o ltimo sinal de treino: o sinal para ir de A a B. Conforme o esperado, Tom fez o que lhe pediram e nadou para fora da gaiola, parando a cerca de dez metros. Como ha-bitualmente, Misha seguiu a liderana de Tom, mas acelerou ao chegar junto dele, correndo at embocadura da baa. Tom acelerou para se juntar a ele. As dvidas que pudessem sub-sistir sobre a forma como dois golinhos durante tanto tempo mantidos em cativeiro reagiriam ao oceano aberto, rapidamente se dissiparam. Seis horas mais tarde, andavam a comer peixes selvagens e a nadar com outro [golinho], diz Jef. Foi fabuloso.

    Segundo os registos recolhidos por satlite, ambos os golinhos nadaram quilmetro aps quilmetro, rumo a Esmirna, e depois separa-ram-se, volvidos cinco dias. Jef no icou sur-preendido com essa informao. Tom continuou a nadar para ocidente. Misha dirigiu-se para sul e para leste. Depois de desaparecer, desapareceu mesmo, conclui.

    Em meados de Outubro, cinco meses aps a libertao, o marcador de monitorizao de Tom parou de transmitir. O de Misha continuou a dar

  • 56dos quais so orcas

    2.913Golfinhos em cativeiro*

    Nascidos

    no mar

    Nascidos em

    cativeiro

    529

    EUA

    321

    MXICO

    294

    CHINA

    296

    EUROPA

    930

    RESTO

    DO MUNDO

    25

    7

    12

    5

    Orcas: 7Golfinhos: 543

    JAPO

    sinal at inais de Novembro e depois tambm se silenciou. Jef e a Fundao Born Free espera-vam que os transmissores durassem nove meses ou mais, mas as etiquetas tinham funcionando durante tempo suiciente para determinar que Tom e Misha se tinham adaptado s suas novas vidas de regresso ao Egeu, com todos os peri-gos. Tinham sido necessrios 20 meses e cerca de oitocentos mil euros, mas Jef e a Fundao conseguiram provar que, mesmo aps bastante sofrimento em cativeiro, um golinho pode ser ensinado e aprender aquilo de que precisa para regressar ao mar.

    Um ano mais tarde e a meio mun-do de distncia, a libertao si-milarmente bem documentada de trs golfinhos de cativeiro reforou, de forma enftica, essa lio. No dia 18 de Julho

    de 2013, abriram-se as portas de uma gaiola de aquicultura instalada na costa setentrional da ilha de Jeju, um popular destino turstico ao largo da extremidade meridional da Coreia do Sul. Dois golfinhos-nariz-de-garrafa, Jedol e Chunsam, detiveram-se durante poucos minutos e depois nadaram para mar aberto. Tinham sido ilegal-mente capturados, juntamente com uma fmea chamada Sampal, entre 2009 e 2010, de um gru-po formado por cerca de 120 golinhos selvagens que habitam as guas em redor da ilha de Jeju, e vendidos ao Paciic Land, uma estncia balnear da ilha. Uma campanha promovida pela Associa-o Coreana para o Bem-Estar Animal resultou numa ordem judicial para a sua libertao.

    Os trs golinhos tinham sido treinados para realizar os truques habituais em espectculos do Paciic Land. Jedol fora posteriormente vendido ao Jardim Zoolgico de Seul, onde fazia acroba-cias ao lado de golinhos da instituio. Aps a ordem judicial, Chunsam e Sampal foram trans-portados para a gaiola de aquicultura ao largo da ilha de Jeju no incio de Abril de 2013; Jedol chegou um ms mais tarde. O Jardim Zoolgico de Seul enviou entretanto um treinador, um ho-mem chamado Joo Dong Seon, para preparar os golinhos para a libertao.

    Estrelas em cativeiroOs espectculos de golinhos tor-naram-se populares na dcada de 1960. Na actualidade, h mais de trezentos parques com mamferos marinhos no mundo. Noventa por cento dos cetceos em cativeiro so golinhos; a restante percentagem inclui belugas e botos.

    *ESTIMATIVA REFERENTE A JANEIRO DE 2015; VRIOS PASES NO MANTM REGISTOS. LVARO VALIO E TONY SCHICK. FONTES: CETA-BASE; ORCA HOME

  • TILIKUM Estados UnidosEste macho do SeaWorld matou um treinador em 2010. Em cativeiro h mais de trinta anos, provavelmente no sobreviveria no mar. Os seus defensores argumentam que ele deveria ser retirado para uma gaiola no mar, idealmente nas guas islandesas onde cresceu.PHELAN M. EBENHACK, AP IMAGES

  • r

    KSHAMENK ArgentinaEncalhado em 1992, Kshamenk vive no Mundo Marino em Buenos Aires. Devolv-lo sua famlia seria vital, mas sabe-se pouco sobre o seu grupo social nativo.

    Os trs golinhos estavam bem treinados e em boas condies e tinham sido capturados mais velhos e com mais experincia. Por conseguin-te, a estratgia para devolv-los vida selvagem seria mais simples do que a utilizada com Tom e Misha: reduzir ao mximo o contacto humano e assegurar que os golinhos estavam preparados para sobreviver com uma dieta de peixes vivos e locais. No espao de algumas semanas, os goli-nhos tornaram-se proicientes na perseguio e alimentao com peixes vivos, aprendendo at a comer evitando as espinhas, tal como os seus parentes selvagens. A princpio, pareceu-me um disparate soltar Jedol, porque ele adaptara-se piscina, estava habituado a comer peixes mortos e quatro anos muito tempo, diz o treinador. Du-

    vidava que ele fosse capaz de reaprender a caar peixes vivos. No entanto, na gaiola, compreendi a rapidez de aprendizagem dos golinhos.

    Tal como acontecera com Tom e Misha, a ingesto de alimento, a forma fsica, o peso e a sade foram cuidadosamente monitorizados para deinir critrios para a libertao. Sampal, con-tudo, tinha os seus prprios critrios e fugiu por um pequeno buraco da gaiola no dia 22 de Junho, aps uma grande refeio. Alguns dias mais tarde, recorrendo a tcnicas de identiicao fotogri-ca, investigadores conirmaram que se juntara a um grupo de golinhos selvagens. Trs semanas mais tarde, Jedol e Chunsam foram libertados. A barbatana dorsal de ambos foi gravada com um nmero e ixaram-lhes etiquetas para transmisso

  • via satlite que deveriam cair passados cerca de trs meses. No tardariam a juntar-se a Sampal no grupo selvagem.

    A libertao dos goli nhos coreanos veio de-monstrar que, com goli nhos saudveis, apoio local e um grupo de golfinhos na vizinhana, a transio do cativeiro para a natureza rela-tivamente simples e demora poucos meses. Isto reforou a ideia de os goli nhos cativos no terem de permanecer assim para sempre.

    Provavelmente um tero dos golfinhos de cativeiro satisfaz requisitos sui cientes para uma candidatura libertao, defende Naomi Rose, biloga marinha do Instituto para o Bem-Estar Animal, que a associao coreana aconselhou no processo de libertao.

    Embora Jef Foster assegure que no voltar a ajudar a capturar goli nhos para espectculos e pense que a libertao uma opo vivel para

    muitos goli nhos de cativeiro, incluindo algumas orcas, ele ainda acredita que a exibio em cativei-ro pode ajudar seres humanos e goli nhos a criar uma ligao positiva. Jef gostaria de ver o mo-delo da indstria de cativeiro, base de piscinas artii ciais e espectculos de estilo circense, subs-titudo por gaiolas instaladas no oceano com por-tes abertos, bem como programas de formao e investigao. Damos uma opo aos animais e, para mim, esse o feliz meio-termo, diz. provvel que o Tom i casse. Misha desapareceria.

    Estas questes sero debatidas no futuro, mas Tom e Misha desempenharam o seu papel. O anonimato uma caracterstica importante da vida selvagem e inspirador poder oferecer-lhes a liberdade de desaparecerem.

    Existe tambm uma certa beleza em conhecer o resto da histria. Num agradvel dia de Maio no ano passado, um pequeno navio pesqueiro en-controu 60 a 70 goli nhos-nariz-de-garrafa junto da costa nordeste da ilha de Jeju. Alguns caa-vam. Outros brincavam. Com os movimentos frenticos e ligeiramente cmicos da juventude, pequenas crias tentavam acompanhar as progeni-toras. Eram goli nhos selvagens num dia como os outros: uma comunidade complexa, com os seus costumes, ritmos e prioridades.

    Subitamente, um goli nho com um pequeno 1 branco claramente gravado na barbatana emergiu nas proximidades do navio. Era Jedol. Pouco depois, apareceu um 2, anunciando a presena de Chunsam. Os nmeros pareciam deslocados no meio da confuso selvagem. Mas eram uma prova profundamente comovente de que os dois goli nhos estavam exactamente no stio certo: o oceano selvagem, onde nasceram e onde iro agora passar o resto das suas vidas. j

    INGRID VISSER

    MAIS ONLINE nationalgeographic.pt

    Perdeu a primeira reportagem desta srie? Encontre-a no nosso arquivo.

    BRIAN SKERRY

  • KEIKO (DE LIBERTEM WILLY) NoruegaA orca nadou em liberdade em 2002, aps mais de vinte anos em cativeiro. Nunca se integrou num grupo selvagem, tendo continuado a procurar compa-nhia humana e entrega de alimento. Keiko morreu apenas ao im de um ano, mas a sua libertao abriu o caminho de regresso natureza para outros golinhos.GORM KALLESTAD, AP IMAGES

  • O lago OHara aninha-se no sector canadiano das montanhas Rochosas a mais de dois mil metros de altitude, como uma esmeralda numa taa de montanhas, escreveu o paleontlogo Charles Walcott em 1911. Geraes de artistas criaram neste miradouro.

  • Antigamente, era um mero ponto de passagem numa regio onde o comboio mal parava.

    Agora, Yoho um lugar de cincia e beleza natural.

    53

    As maravilhas do pequeno parque

    do Canad

  • Em Yoho, mais de duas dezenas de picos erguem-se acima de 3.050 metros, incluindo os rochedos da cordilheira Ottertail. Erguidas por foras tectnicas, estas rochas foram em tempos um leito marinho.

  • national geo graphic r Junho

    Texto de McKenzie FunkFotograas de Peter Essick

    H um sculo, nas encostas do monte Field, no Parque Nacio-

    nal Yoho, Charles Doolittle Walcott, um dos mais famosos

    paleontlogos do seu tempo, foi autor de dois achados que

    mudaram a sua vida. O primeiro hoje, na opinio de mui-

    tos especialistas, a principal jazida de fsseis do mundo.

    O segundo foi a sua terceira mulher, Mary Vaux, cujo apelido viria a designar um gnero de esponjas fossilizadas: Vauxia.

    Os visitantes contemporneos deste sublime e menosprezado parque nas montanhas Rochosas canadianas interessam-se sobretudo pela primei-ra destas descobertas. A formao Burgess Sha-le, que abrange a pedreira Walcott, recebeu da UNESCO a designao de Patrimnio Mundial em 1980. Anos mais tarde, num livro muito bem sucedido, o bilogo Stephen Jay Gould referiu-se a Burgess Shale como a mais preciosa e impor-tante de todas as jazidas de fsseis. um ba do tesouro com criaturas marinhas do Cmbrico perfeitamente conservadas. Encontraram-se aqui mais de duzentos mil espcimes de aspecto in-vulgar e h inmeros outros ainda por descobrir.

    No entanto, a maioria das formas de vida dos Xistos de Burgess (desde o Wiwaxia, com a sua carapaa coberta de espinhos, ao Opabinia, um habitante do leito marinho com corpo mole, cinco olhos e uma garra na ponta de uma trom-ba elefantina) pareciam, na opinio de Stephen Gould, becos sem sada da evoluo, espcies sem descendentes contemporneos. Na sequncia da sua relexo, Stephen Gould utilizou mesmo a exploso da vida no Cmbrico e o subsequente desaparecimento da maioria das linhagens evo-

    lutivas para argumentar que a sobrevivncia dos mais aptos tem uma contrapartida importante: a sorte. Ser a evoluo, em parte, uma lotaria? Ser a histria natural governada pelo acaso? O debate cientico aqueceu desde ento, mas quase sempre bem longe das fronteiras deste parque natural.

    Para compreendermos o encanto de Yoho pro-priamente dito, melhor concentrarmo-nos na mulher notvel que tambm esteve na encosta daquela montanha, Mary Vaux, cuja prpria fa-mlia tem uma histria que mostra como o acaso pode intar o destino.

    Num dia de Agosto soalheiro, mas frio, acor-dei em Field, na Colmbia Britnica, uma aldeia com 150 habitantes que alberga a sede do parque de Yoho e um hotel, um caf, um restaurante, uma estao de correios e uma escola primria. Dirigi-me, de carro, ao vale de Yoho, nos arre-dores. Aproximadamente na viragem do sculo XIX, Mary, a ilha mais velha de uma destacada famlia quaker de Filadlia, foi a primeira mu-lher branca a visitar o vale. Para mim, o stio mais bonito que vi e sinto sempre o sangue correr mais depressa nas minhas veias quando falo ou ouo falar sobre ele, escreveu mais tarde numa carta endereada a Charles Walcott. No ima-gino alegria maior do que acampar ali, longe dos turistas e do barulho do cavalo de ferro.

  • Na encosta do monte Stephen, trilobites com o comprimento de um punho integram a Burgess Shale, uma formao com mais de quinhentos milhes de anos, rica em vida marinha do Cmbrico.

  • As cabras-monteses no se assustam com as alturas de Yoho, mas a altitude perigosa at para esta espcie de patas irmes: avalanchas, quedas, predadores e clima extremo matam muitas cabras no primeiro ano de vida.

  • national geo graphic r Junho

    PARQUE NAC. DE YOHOOs Parques das Montanhas Rochosas Canadianas foram classii cados como Patrim-nio Mundial pela UNESCO. Yoho pequeno, mas sublime, com quedas de gua, dezenas de picos glacirios e uma das jazidas de fsseis mais importantes do mundo.

    No meu trajecto at l, passei pelo veculo do seu sobrinho-neto, Henry Vaux, Jr., estacionado porta de uma hospedaria. Atravessei depois a linha frrea que trouxe a este local os primeiros membros curiosos da famlia Vaux h 128 anos. Virei direita para a auto-estrada 1, que atravessa o parque. Yoho uma rea pequena, com cerca de 1.300 quilmetros quadrados. O nome do ter-ritrio provm de uma expresso dos ndios cree para demonstrar espanto e revela a densa con-centrao das suas maravilhas: h pelo menos 25 picos baptizados com mais de 3.050 metros, dois albergues de montanha histricos, construdos junto de dois lagos glacirios cuja gua de um azul-turquesa sobrenatural, e centenas de quedas

    de gua, incluindo Takakkaw, uma das mais altas do Canad, que vi no i nal do meu passeio de automvel pelo vale Yoho acima. As multides so pequenas quando comparadas com os 3,5 mi-lhes de pessoas que visitam anualmente Banf , de tal forma que os caminhantes no se conse-guem retrair. Por vezes, ao passarem uns pelos outros, ouvi-os exclamar Yoho! em vez de Ol.

    A reaco dos Vaux ao visitarem a Colmbia Britnica pela primeira vez em 1887, pouco aps a abertura da linha ferroviria, foi uma verso mais refinada da actual. As montanhas eram frias, austeras, belas, grandiosas e intangivel-mente majestosas, escreveu o irmo do meio de Mary, George Jr. O mais novo, William, concen-

    93

    1

    1

    0 mi 5

    0 km 5

    LagoMcArthur

    LagoEmerald

    LagoO'Hara

    CascataTakakkaw

    CascataLaughing

    Camposgelados deWapta

    Vale

    Yoho

    Xistos deBurgess

    Field1.253 m

    LakeLouise

    Pass.KickingHorse

    1.629m

    Pass.

    Yoho

    Pass

    agem

    Burg

    ess Mt. Field

    2.642m

    Mt. Goodsir3.567m

    Mt. Vaux3.310m

    Mt. Stephen3.201m

    Mt. Burgess2.588m

    Mt. Wapta2.782m

    C o r d i l h e i r a

    O t t e r t a i l

    CordilheiraPresident

    Cord ilhe ira Verm i l ion

    MONTANHAS

    ROCHOSAS

    P A R Q U E

    N A C I O N A L

    Y O H O

    PARQUE

    NACIONAL

    KOOTENAY

    P A R Q U E

    N A C I O N A L

    B A N F F

    ESTRADA

    ICEFIELDS

    Y

    ESTRADA TRANSCANADIANA

    Mt. Robson3.959m

    1

    1

    0 mi 50

    0 km 50

    Jasper

    Calgary

    Kelowna

    Edmonton

    Banff

    ALBERTA

    COLMBIABRITNICA

    MONTANHAS ROCHOSAS P. N.BANFFP. N.

    GLACIARESPARQ. NACIONALMT. REVELSTOKE

    P. N.JASPER

    P. N.KOOTENAY

    PARQUENACIONAL

    YOHO

    OCEANO PACFICO

    REA EMDESTAQUEEM BAIXO

    OtavaVancouver

    CANAD

    EUA

    A travessia de Wapta uma das rotas de montanhismo sobre esquis mais popu-lares da Amrica do Norte.

    MARTIN GAMACHE

    FONTES: GEOBC; NATURAL RESOURCES CANADA

  • Parque Nacional Yoho

    trou-se no ar impregnado pelo delicioso odor da l oresta e a maravilhosa harmonia entre luz e sombra. Os Vaux i zeram aquilo que qualquer turista contemporneo faria perante tamanha be-leza: fotografaram-na. A diferena que, no incio do sculo XX, uma mquina fotogri ca era uma grande caixa de madeira e a maioria da pelcula consistia em placas de vidro que tinham de ser cuidadosamente transportadas para a montanha e da montanha at civilizao. Naquele instante, a famlia Vaux captava algumas das primeiras ima-gens de uma natureza at ento no documenta-da. Est to pouco explorado que cada visitante praticamente um descobridor, escreveu George Jr. Assim comeava a transformao dos Vaux em cientistas amadores.

    Quando ali regressaram em 1894, durante um dos quase quarenta veres que Mary pas-sou nos Alpes canadianos, i caram admirados por descobrir que o Illecillewaet tinha encolhi-do. As suas fotograi as provavam-no. A mquina fotogri ca, perceberam ento, poderia ser um instrumento cienti co. William, que era enge-nheiro, i cou particularmente intrigado com o recuo dos glaciares e os Vaux comearam a do-cumentar as alteraes da paisagem com aquilo que apelidaram de fotograi as de teste: a mes-ma imagem captada no mesmo local, ano aps ano, durante quase duas dcadas. Tambm car-tografaram cuidadosamente glaciares e moreias com equipamento topogri co.

    De regresso a Filadli a, apresentaram dia-positivos utilizando um projector conhecido como Lanterna Mgica a um pblico curioso e, liderados por William, escreveram ensaios cienti cos bem recebidos. No Canad, o seu trabalho foi o primeiro estudo contnuo de um glaciar do seu gnero e ainda hoje uma refern-cia cienti ca. Pelo menos oito dcadas antes das preocupaes contemporneas relativamente ao aquecimento global, um enorme conjunto de glaciares no continente norte-americano est a recuar, ai rma o sobrinho-neto Henry Jr., pro-fessor jubilado da Universidade da Califrnia, especialista em economia dos recursos naturais. Ainda hoje seria uma descoberta signii cativa e foi feita por amadores.

    Mesmo aps a morte prematura de William em 1908, vtima de tuberculose, e o regresso gradual de George Jr. ao seu escritrio de advogados em Filadli a, Mary continuou a visitar Yoho. Ca-minhou quilmetros por trilhos nas montanhas Rochosas antes da sua morte, em 1940. Tornou-se a primeira mulher a subir ao monte Stephen, com 3.200 metros de altitude, e consequentemente a primeira mulher a escalar um grande pico cana-diano. Acampou em tendas de lona junto do ma-jestoso lago OHara, enquanto porcos-espinhos provavam o nosso bacon e experimentavam a macieza da cama dos guias, escreveu. Publicou relatos das suas aventuras, fazendo mais pela promoo das montanhas atravs de artigos para revistas e fotograi as do que possivelmente qual-quer outro autor vivo, segundo o jornal Banf , dessa poca. Mary comeou tambm a interessar--se por desenho botnico e publicou um conjunto de ilustraes em cinco volumes.

    No era suposto que os quakers vitorianos se dedicassem a tais frivolidades como a arte pelo simples gosto pela arte, mas nas fotografias a preto e branco captadas pelos Vaux da paisagem montanhosa, h uma ateno inegvel compo-nente esttica. Eram quakers liberais, comenta Henry Jr. Talvez i zessem arte sob o pretexto da cincia, diz. Foi este aspecto das suas imagens que o fez retomar a obsesso dos seus antepassa-dos por Yoho um sculo mais tarde. Desde 1997, passa quase um ms no local todos os veres, ten-tando recriar 50 das imagens mais belas dos Vaux com a sua mquina fotogri ca de mdio formato. So as suas prprias fotograi as de teste.

    Yoho pequeno e ter um quinto do tamanho

    do adjacente Ban . No entanto, o seu nome,

    a expresso cree para demonstrar espanto, indica

    a densa concentrao das suas maravilhas.

  • Na regio ocidental de Yoho, a loresta alpina cede o lugar a peculiares totens de pedra, as chamins de fada. So particularidades geolgicas formadas quando a chuva e o vento esculpem rocha sedimentar macia encimada por pedra dura.

  • national geo graphic r Junho

    Podemos ento agora identiicar o que mudou em Yoho, com a autoridade de um cientista ama-dor, no ltimo sculo: surpreendentemente pou-co. Agora h avies no cu. Os glaciares recuaram mais. O que me surpreendeu mais foi quo pou-co tudo o resto mudou, diz Henry Jr. Refere-se fotograia recente na cascata Laughing, a poucos quilmetros de Takakkaw. Poderia p-la no cho ao lado da que eles tiraram e no conseguiramos distinguir qual era a antiga.

    No vale de Yoho, naquela manh de Agosto, encontrei-me com um guia junto da base da cascata Takakkaw. Ziguezaguemos pela en-costa acima e irrompemos na zona alpina ime-diatamente a seguir passagem de Yoho, a 300 metros de altitude. Enquanto atravessvamos as encostas ngremes cobertas de cascalho da mon-tanha de Wapta, uma vasta bacia abriu-se diante dos nossos olhos, emoldurada pelos glaciares e pelos picos altssimos da cordilheira President. O deslumbrante lago Emerald vislumbrava-se em baixo. A pedreira e o acampamento Walcott, onde Charles e Mary permaneciam meses a io, icavam mesmo adiante.

    Das redondezas do acampamento da passa-gem Burgess, desfrutavam-se os panoramas mais belos e diversiicados, que mudavam de hora a hora consoante as diferentes condies atmosf-ricas, escreveu Charles nesta revista em Junho de 19