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Natureza da Ciência através de narrativas históricas: Augustin Fresnel e o debate sobre a natureza da luz Rilavia Almeida de Oliveira [email protected] Universidade Federal do Rio Grande do Norte Ana Paula Bispo da Silva [email protected] Universidade Estadual da Paraíba André Ferrer Pinto Martins [email protected] Universidade Federal do Rio Grande do Norte Introdução Dentre as alternativas apresentadas como forma de inserir a Natureza da Ciência (NDC) no Ensino de Ciências, diversos pesquisadores têm ressaltado a História e a Filosofia da Ciência (HFC) como recurso potencial para discutir aspectos da NDC (RUDGE; HOWE, 2009; FORATO, 2009; FORATO; MARTINS; PIETROCOLA, 2012; MOURA, 2014). Em uma concepção geral, a NDC é entendida como um conjunto de elementos que tratam da construção, estabelecimento e organização do conhecimento científico, relacionados tanto a fatores internos (método científico, relação observação x teoria) como a fatores externos (influência de elementos sociais, culturais, políticos, etc. no desenvolvimento da ciência) (MOURA, 2014). Portanto, o estudo de casos históricos considerando uma perspectiva internalista e externalista da HFC - moderna historiografia da ciência - atenderia aos pressupostos da inserção da NDC no Ensino de Ciências. Sob esse ponto de vista, neste trabalho, analisamos os estudos de Augustin Fresnel (1788-1827) sobre a teoria ondulatória da luz no âmbito dos debates sobre a natureza da luz entre os franceses, no início do século XIX. A partir do episódio histórico estudado, buscamos construir uma narrativa histórica que visa trabalhar aspectos da NDC a partir da abordagem de “temas” e “questões” da NDC, conforme sugerido por Martins (2015).

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Natureza da Ciência através de narrativas históricas: Augustin Fresnel e o debate sobre

a natureza da luz

Rilavia Almeida de Oliveira

[email protected]

Universidade Federal do Rio Grande do Norte

Ana Paula Bispo da Silva

[email protected]

Universidade Estadual da Paraíba

André Ferrer Pinto Martins

[email protected]

Universidade Federal do Rio Grande do Norte

Introdução

Dentre as alternativas apresentadas como forma de inserir a Natureza da Ciência (NDC)

no Ensino de Ciências, diversos pesquisadores têm ressaltado a História e a Filosofia da

Ciência (HFC) como recurso potencial para discutir aspectos da NDC (RUDGE; HOWE,

2009; FORATO, 2009; FORATO; MARTINS; PIETROCOLA, 2012; MOURA, 2014).

Em uma concepção geral, a NDC é entendida como um conjunto de elementos que

tratam da construção, estabelecimento e organização do conhecimento científico, relacionados

tanto a fatores internos (método científico, relação observação x teoria) como a fatores

externos (influência de elementos sociais, culturais, políticos, etc. no desenvolvimento da

ciência) (MOURA, 2014). Portanto, o estudo de casos históricos considerando uma

perspectiva internalista e externalista da HFC - moderna historiografia da ciência - atenderia

aos pressupostos da inserção da NDC no Ensino de Ciências. Sob esse ponto de vista, neste

trabalho, analisamos os estudos de Augustin Fresnel (1788-1827) sobre a teoria ondulatória

da luz no âmbito dos debates sobre a natureza da luz entre os franceses, no início do século

XIX. A partir do episódio histórico estudado, buscamos construir uma narrativa histórica que

visa trabalhar aspectos da NDC a partir da abordagem de “temas” e “questões” da NDC,

conforme sugerido por Martins (2015).

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As pesquisas de Augustin Fresnel na teoria ondulatória da luz

Na França, os estudos sobre a natureza da luz no início do século XIX estiveram

associados, principalmente, ao programa laplaciano de pesquisa. A física laplaciana procurava

descrever todo fenômeno, seja na escala terrestre, molecular ou celeste, em termos de forças

centrais entre partículas que embora tratadas por analogia com forças de gravitação

newtonianas, podiam ser ou atrativas ou repulsivas. Estudiosos desse programa defenderam e

trabalharam na teoria corpuscular da luz, provocando sua expansão entre os anos 1805-1815.

Além disso, o programa laplaciano tinha controle sobre as instituições de pesquisa, publicação

e ensino de Paris1 (FRANKEL, 1976; FOX, 1974). É nesse contexto que se inserem os

trabalhos de Augustin Fresnel (1788-1827) sobre a teoria ondulatória da luz. Assim, quando

Fresnel começou seu trabalho na teoria ondulatória, enfrentou uma oposição corpuscular bem-

articulada.

Augustin Fresnel era um engenheiro civil formado na École Polytechique de Paris.

Durante seus estudos nessa instituição, Fresnel tinha sido exposto à doutrina do calórico e a

analogias entre calor e luz como diferentes estados desse fluido imponderável. No entanto,

Fresnel rejeitou a substancialidade do calor. Ele destacou a grande quantidade de calor e luz

emitida durante a combustão do carbono. O volume de gás carbônico criado pela reação era

igual ao volume de oxigênio consumido por esta. A quantidade de calórico era a mesma antes

e depois da combustão. Logo, isso era incompatível com o fato de que calor era emitido, ou

partículas de calórico emitidas no processo. Seria mais natural pensar que calor e luz eram

devido apenas a vibrações no calórico. Assim, ele acreditava que luz e calor podiam ser

melhor explicados utilizando o conceito de ondas (SILLIMANN, 1974; LEVITT, 2000;

DARRIGOL, 2012).

A realização de experimentos sobre difração marca o início das pesquisas de Fresnel

com o objetivo de desenvolver a hipótese ondulatória em uma teoria matemática ampla. Ele

fez experimentos para observar as sombras e franjas da luz solar focalizada através de uma

lupa, observando a aparência das franjas coloridas dentro e fora da sombra. Ao colocar uma

tira de papel em um dos lados do difrator, Fresnel notou que as franjas internas desapareciam.

1 Para mais detalhes sobre o desenvolvimento da teoria corpuscular da luz dentro do programa laplaciano de

pesquisa consultar: Fox (1974), Frankel (1976), Darrigol (2012).

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Dessa maneira, ele atribuiu as franjas internas ao cruzamento dos raios provenientes dos dois

lados do difrator. As faixas externas, por sua vez, permaneciam. Essas se originariam do

cruzamento de raios provenientes diretamente da fonte de luz e da reflexão em uma borda do

difrator. Em pontos em que as vibrações que formam a luz estivessem em fase e interferissem

construtivamente, haveria faixas brilhantes. As vibrações que estivessem fora de fase, e se

cancelassem, originariam faixas escuras (SILLIMAN, 1974, 2007; DARRIGOL, 2012).

Figura 1: Representação de Fresnel para as franjas de difração atrás de uma lâmina. A luz de um

ponto distante O (não representado) é difratada por uma lâmina AB. As franjas externas F1 e F2 se formam a

partir das interseções consecutivas de duas séries de ondas circulares que emanam de O e da borda A ou B.

As franjas internas f1, f2, f3, f4, f5 se formam a partir de intercessões consecutivas de ondas emanando das

bordas A e B. Fonte: DARRIGOL, 2012, p. 200.

Em outubro de 1815, Fresnel apresentou seu primeiro trabalho sobre difração da luz no

Instituto da França2. Nesse trabalho, ele defendeu a teoria ondulatória da luz e expôs várias

falhas da teoria corpuscular (FOX, 1974).

Esse primeiro trabalho de Fresnel na teoria ondulatória foi publicado na Memoires...

(des) Savans Etrangers, bem como na Annales de Chimie et de Physique. No entanto, o

trabalho sofreu diversas modificações. Enquanto Fresnel havia começado sua memória

original com uma ampla discussão da plausibilidade física dos corpúsculos e das ondas, a

versão da Annales omitiu toda discussão das duas teorias como hipóteses físicas. Essa versão

da Annales partiu diretamente para a discussão da configuração experimental e seguiu

2 Institut de France (Instituto da França) é uma instituição acadêmica francesa, fundada em Paris, no ano de

1795, agrupando grandes academias nacionais francesas, entre as quais a Académie des Sciences (Academia das

Ciências).

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alternando resultados experimentais com a explicação quantitativa providenciada pelo

tratamento matemático de Fresnel (LEVITT, 2000).

Cabe ressaltar o papel de François Arago (1786-1853) na divulgação dos trabalhos

iniciais de Fresnel perante a comunidade científica parisiense. Arago, anteriormente membro

do programa laplaciano de pesquisa e defensor da teoria corpuscular da luz, passou a defender

e trabalhar na teoria ondulatória da luz. Entre 1815 e 1821, Fresnel e Arago trabalharam

juntos na teoria ondulatória da luz (FRANKEL, 1976; LEVITT, 2000).

Corpuscularistas dessa época também estavam tentando explicar o fenômeno de

difração. Em 1816, Jean-Baptiste Biot (1774-1862) apresentou um extenso trabalho

corpuscular sobre difração ao Instituto, que ele e Claude Pouillet (1790-1868) prepararam.

Nesse trabalho, eles discutiram as peculiaridades dos padrões de diferentes obstáculos de

difração. Biot relacionou a regularidade do espaçamento das faixas de difração de diferentes

cores com a regularidade dos anéis de Newton e defendeu que estes devem ser produzidos por

estados de fácil reflexão e refração (FRANKEL, 1976).

Em 1817, a difração foi proposta como tema da competição bianual de prêmios de física

da Academie des Sciences. A despeito de entre os cinco jurados estarem o próprio Laplace e

dois laplacianos, Biot e Poisson, Fresnel ganhou o prêmio, em março de 1819, com um

extenso trabalho sobre difração (FOX, 1974; FRANKEL, 1976).

A memória sobre difração da luz, que foi objeto do prêmio, intitulada “Mémoire sur la

diffraction de la limière”, é dividida em três seções gerais: 1) discussão sobre a insuficiência

da teoria corpuscular e da visão de Young a respeito de interferência; 2) fenômeno de difração

explicado pela combinação do princípio de Huygens com esse de interferência e 3) sobre a

interferência da luz polarizada (FRESNEL, 1819).

Na primeira seção, Fresnel procura argumentar que o fenômeno de difração não poderia

ser explicado na teoria corpuscular. Segundo Fresnel, a teoria newtoniana procura explicar a

formação das franjas externas devido a uma força que é alternadamente atrativa e repulsiva, e

cuja fonte está na superfície do corpo produzindo as sombras. No entanto, Fresnel procura

mostrar como as predições numéricas dessa teoria não concordam com as observações

experimentais (FRESNEL, 1819).

Além disso, Fresnel busca mostrar a inadequação da explicação de Young para a

formação das franjas de difração e que foi sua própria opinião inicial, de que as franjas de

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difração resultam de raios infletidos tendo sua origem seja na superfície do corpo difrator ou

nos pontos infinitamente próximos a esta. Fresnel argumenta que os experimentos evidenciam

que não podemos atribuir o fenômeno de difração exclusivamente a raios que tangenciam a

borda do corpo; mas, devemos, ao contrário, admitir que há aí uma infinitude de outros raios

que se encontram a uma pequena distância do corpo e ainda são desviados de sua direção

original, para se encontrar e formar essas franjas (FRESNEL, 1819).

Na sequência, Fresnel busca explicar a fenômeno de difração a partir do princípio de

Huygens e do princípio de interferência. Ele inicia a segunda seção de sua memória,

afirmando:

Na primeira seção desta memória, eu mostrei que a teoria corpuscular, e

mesmo o princípio de interferência quando aplicados apenas a raios diretos e

a raios refletidos ou infletidos na borda do corpo opaco, é incapaz de

explicar o fenômeno de difração. Agora, proponho apresentar que podemos

encontrar uma explicação satisfatória e uma teoria geral em termos de ondas,

sem recurso a qualquer hipótese auxiliar, baseando tudo sobre o princípio de

Huygens e sobre esse de interferência, ambos dos quais são inferências da

hipótese fundamental (FRESNEL, 1819).

Fresnel buscou encontrar uma expressão geral para calcular a intensidade de vibração

produzida pelo encontro de qualquer número de feixes de luz sempre que se conhecesse a

intensidade das diferentes ondas secundárias/elementares e suas respectivas posições

(FRESNEL, 1819). A intensidade de vibração em determinado ponto P, resultante de todas

pequenas perturbações seria dada por:

√⌈∫ 𝑑𝑧 cos(𝜋𝑧2(𝑎+𝑏)

𝑎𝑏𝜆)⌉

2

+ ⌈∫ 𝑑𝑧 sin(𝜋𝑧2(𝑎+𝑏)

𝑎𝑏𝜆)⌉

2

(1)

O cálculo da intensidade de vibração da onda resultante seria obtido através de

complicados cálculos algébricos, envolvendo as integrais de (1) (FRESNEL, 1819).

Enfim, Fresnel analisou o problema de difração em termos de uma onda espalhando da

fonte tal que, em concordância com Princípio de Huygens3, cada ponto na frente de onda é a

própria fonte de ondas secundárias. Outro ponto a destacar nessa memória de Fresnel, é que

ele buscou derivar quase todos os fenômenos rigorosamente de alguns princípios simples,

3 De acordo com o princípio de Huygens, um pulso de luz gerado por um corpo luminoso gera pulsos

secundários nas partículas subsequentes, preservando o movimento (MOURA; BOSS, 2015).

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bem como buscou sempre comparar seus resultados numéricos com dados observacionais.

Um dos jurados da competição de difração proposta pela Academie des Sciences, Poisson,

apontou a previsão inesperada da teoria de Fresnel de que no centro da sombra de um disco

circular deveria haver um ponto brilhante, decorrente da soma dos efeitos de todas as ondas

secundárias em fase de todos os pontos da borda do disco. A predição foi confirmada

experimentalmente por Arago, mostrando assim o poder explicativo e a habilidade preditiva

da teoria de Fresnel (JAMES, 1984; SILLIMAN, 2007).

Com a vitória do trabalho de Fresnel nessa competição, a teoria ondulatória obteve uma

importante vitória pública – a explicação de interferência da difração teve de ser reconhecida,

pelo menos publicamente, pelos corpuscularistas franceses (FRANKEL, 1976).

Outro desafio para teoria ondulatória foi a integração do fenômeno de polarização.

Fresnel e Arago discutiram sobre esse fenômeno em um trabalho publicado na Annales de

Chimie et de Physique, em 1819, intitulado “Mémoire sur l’action que les rayons de lumière

polarisés exercent les uns sur les autres”. A partir dos experimentos sobre a interferência de

feixes de luz previamente polarizados, Arago e Fresnel (1819) afirmam:

Dos experimentos descritos podemos, portanto, inferir os seguintes fatos: 1)

Dois raios de luz polarizada em ângulos retos não produzem qualquer efeito

um sobre o outro sob as mesmas circunstâncias nas quais dois raios de luz

ordinária produzem interferência destrutiva. 2) Raios de luz polarizados no

mesmo plano interferem como raios de luz ordinária; de modo que nesses

dois tipos de luz, os fenômenos de interferência são absolutamente idênticos.

3) Dois raios que são originalmente polarizados em ângulos retos podem ser

trazidos ao mesmo plano de polarização sem assim adquirir a habilidade

para interferir. 4) Dois raios de luz polarizadas em ângulos retos e depois

trazidos ao mesmo plano de polarização interferem como luz ordinária desde

que eles fossem originalmente polarizados no mesmo plano. 5) No fenômeno

de interferência produzido por raios que tem experimentado dupla refração, a

posição das bandas de interferência é determinada não apenas pela diferença

de trajetória e diferença de velocidade, mas em alguns casos, como indicado

acima, é necessário levar em consideração também uma diferença de metade

de um comprimento de onda (ARAGO; FRESNEL, 1819).

Através de seus estudos sobre polarização, Fresnel ficou convencido que as vibrações

que constituem luz só podiam ser transversais. As características da luz polarizada mostravam

a existência de forças agindo perpendicularmente aos raios (SILLIMAN, 2007). Assim, em

um artigo publicado em 1821, Fresnel passou a argumentar que a luz era constituída

inteiramente de vibrações transversais puras, convencido de que tal solução era necessária e

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conformada aos princípios mecânicos (CANTOR, 1983; SILLIMAN, 2007; DARRIGOL,

2012).

O problema que permaneceu para a teoria das ondas foi determinar como as ondas

transversais poderiam ser propagadas em um éter fluido. As únicas ondas transversais

conhecidas eram as ondas mecânicas em sólidos (KOEHLER, CAMEL, PIMENTEL JR,

2012).

Fresnel, então, supôs um modelo de éter4 que permitisse vibrações transversais e

proibisse vibrações longitudinais:

Este modelo consistia de uma rede de moléculas mantidas em equilíbrio por

forças à distância. As forças poderiam ser tais que um pequeno

deslocamento transversal de uma camada plana de moléculas implicaria uma

força de restauração proporcional, enquanto que os deslocamentos por um

múltiplo da metade da distância intermolecular levariam a outra

configuração de equilíbrio. O meio seria rígido em relação à minúsculas

vibrações, e fluido em relação a deslocamentos maiores. Em adição, Fresnel

supunha que as forças intermoleculares podiam ser tais que uma força muito

grande poderia ser necessária para mudar a distância entre duas camadas de

moléculas sucessivas. Esta suposição excluía vibrações longitudinais

(DARRIGOL, 2012, p.210).

Fresnel defendia que os deslocamentos criados pela luz no éter resultavam em uma

força de restauração muito forte. Portanto, o éter poderia ser tratado como um sólido

(LEVITT, 2000).

Ao adotar a propagação transversal das ondas de luz, Fresnel conseguiu novos

resultados. Entre eles, a previsão da direção de cada raio no espaço, sua intensidade, seu grau

e direção de polarização e o ângulo de polarização para um dado meio. Assim, todos os

fenômenos de reflexão e refração, exceto dispersão, tornaram-se consequências diretas de

uma única teoria. Fresnel também conseguiu explicar novos tipos de polarização que Biot,

Brewster e ele mesmo tinham observado na luz refletida e na luz transmitida através de

lâminas de cristal (DARRIGOL, 2012; FRANKEL, 1976).

Em relação aos aspectos epistemológicos que permeiam os trabalhos dos estudiosos

franceses dessa época, em especial os trabalhos de Fresnel, ressaltamos a importância dada à

experimentação, bem como a matematização do conhecimento. A valorização da

experimentação no processo de construção do conhecimento remonta a ideais filosóficos 4 Para mais detalhes sobre as discussões em torno do éter ao longo do século XIX, consultar: Koehler, Camel e

Pimentel Jr (2012).

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franceses difundidos ao longo do século XVIII5. A busca pela matematização do

conhecimento está relacionada, principalmente, a ideias defendidas por estudiosos franceses

na virada do século. Esse ideal de matematização da física experimental foi muito defendido

dentro do programa laplaciano de pesquisa6.

No que diz respeito à recepção dos trabalhos de Fresnel entre seus contemporâneos,

gostaríamos de ressaltar que na França a teoria ondulatória foi bem aceita ainda na década de

1820. Frankel (1976) atribui essa rápida aceitação da teoria ondulatória a certos fatos

ocorridos no âmbito da comunidade científica parisiense nesse período. No plano político, um

grupo anti-Laplace (Arago, Fresnel, Ampère, Joseph Fourier, P.L. Dulong e A.M.T. Petit)

havia ascendido na Academia no final da década de 1810 e em 1821 estava exercendo

considerável influência nos assuntos da sociedade. No lado científico, Fresnel e Arago

desafiaram a óptica corpuscular com a teoria ondulatória da luz (FRANKEL, 1976).

O controle por parte dos anti-laplacianos das instituições científicas francesas

proporcionou uma aceitação rápida e quase completa da teoria ondulatória pela comunidade

científica parisiense. “De fato, quase toda a geração de físicos e matemáticos que chegaram à

maturidade na década de 1820 - Pouillet, Savart, Lame, Navier, Liouville, Cauchy - parecem

ter adotado a teoria imediatamente” (FRANKEL, 1976, p. 173).

Implicações para discussões de NDC no ensino de ciências

O episódio histórico discutido anteriormente mostra-se muito rico do ponto de vista de

temas da NDC a serem trabalhados no ensino. Martins (2015) propõe trabalhar aspectos da

NDC a partir de temas e questões, em vez de princípios de NDC de caráter geral. Tomando

como base o trabalho de Driver et. al. (1996), Martins (2015) apresenta os temas a partir de

dois eixos principais:

[...] o eixo histórico e sociológico e o eixo epistemológico. O primeiro eixo

agruparia temas relativos ao papel do indivíduo e da comunidade científica;

a intersubjetividade; questões morais, éticas e políticas; influências históricas

e sociais; ciência como parte da cultura; comunicação do conhecimento. O

segundo eixo, mais amplo, agruparia temas relativos à origem do

5 Para mais detalhes sobre as concepções filosóficas sobre a ciênca entre os franceses ao longo do século XVIII,

consultar Châtelet (1974). 6 Para melhor entendimento do programa de matematização da física experimental consultar Abrantes (2016);

Frankel (1976).

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conhecimento (experiência x razão; papel da observação, da experiência, da

lógica e do pensamento teórico; influência da teoria sobre o experimento),

aos métodos, práticas, procedimentos e processos da ciência (coleta, análise

e avaliação de dados; inferência, correlação e causalidade; modelagem em

ciência; papel da imaginação e criatividade; natureza da explicação), e ao

conteúdo/natureza do conhecimento produzido (papel de leis e teorias; noção

de modelo; semelhanças e diferenças entre ciência e outras formas de

conhecimento) (MARTINS, 2015, p. 718)7.

Os temas de NDC devem ser considerados a partir de questões. A ideia seria abordar

aspectos da NDC através de questões em vez de princípios. Mesmo onde existe consenso, é

importante explorar a NDC a partir de perguntas, para que os professores e estudantes de

ciências possam compreender a natureza da ciência e seu caráter contextual. As questões

contribuem para esclarecer o significado e o tratamento que podem ser dados aos temas,

enfatizando o caráter investigativo que seu tratamento deve adotar (MARTINS, 2015).

Dentro do eixo sociológico e histórico, a partir dos trabalhos de Fresnel sobre a natureza

da luz, poderiam ser discutidos alguns temas, tais como: 1) Papel dos

indivíduos/sujeitos e da comunidade científica: o partido laplaciano, dominante nas

instituições de pesquisa francesas da época, usava como uma de suas estratégias a não

divulgação de trabalhos contrários à sua doutrina. Dessa maneira, Arago em sua divulgação

dos trabalhos de Fresnel, enfatizava os dados experimentais de Fresnel, sem, contudo,

defender abertamente a hipótese ondulatória para a luz; 2) Questões morais, éticas e políticas:

o declínio do grupo laplaciano de pesquisa nas instituições científicas francesas na década de

1820 contribui para uma rápida aceitação da teoria ondulatória entre os franceses; 3)

Comunicação do conhecimento científico dentro da comunidade científica e em domínio

público: no desenrolar do episódio histórico, pode-se discutir como o processo de divulgação

dos trabalhos científicos leva a modificações em sua estrutura; 4) Controvérsias históricas e

contemporâneas na ciência: o episódio pode encaminhar a discussão acerca da controvérsia

teoria corpuscular versus teoria ondulatória da luz no início do século XIX.

Dentro do eixo epistemológico também podem ser discutidos temas de NDC, por

exemplo: 1) Papel da observação, experimentação, lógica, argumentos racionais e

pensamento teórico: o episódio histórico permite a discussão do papel da experimentação no

processo de construção da ciência, a partir da análise da importância dada por Fresnel à

7 Para maiores detalhes, consultar tabela 1 constante em Martins (2015, p. 719) com exemplos de temas de NDC

que podem ser discutidos a partir de cada eixo.

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experimentação no processo de construção do conhecimento científico; 2) Influências teóricas

sobre observações e experiências: por exemplo, a influência do ideal mecanicista na

explicação dos fenômenos, por parte dos estudiosos da época. Estudiosos tentavam “construir

um éter” que se encaixasse com os princípios da mecânica. O próprio Fresnel fundamenta seu

modelo de éter em uma rede de moléculas mantidas em equilíbrio por forças à distância; 3)

Postulados: diante da impossibilidade da teoria ondulatória em explicar os fenômenos

relacionados à polarização da luz, Fresnel postula que as vibrações que constituem luz são

transversais e um novo modelo de éter que permitisse vibrações transversais é que deveria ser

construído, em substituição ao éter fluido que só permitia ondas longitudinais.

Construção da Narrativa

Na construção da narrativa histórica, buscamos: (1) direcionar a escrita da narrativa para

que seja usada nos cursos de formação de professores de física; (2) retratar a história da

ciência a partir das fontes primárias e secundárias analisadas no estudo do episódio histórico;

(3) discutir temas de NDC através de uma abordagem explícita e questões de NDC deixadas

ao longo do texto.

Na busca de fontes que pudessem auxiliar na construção da narrativa histórica, tomamos

como embasamento artigos que discutem sobre a construção de narrativas históricas para o

ensino de ciências (KLASSEN, 2006, 2007, 2009; METZ et al., 2007; NORRIS et al., 2005;

KLASSEN; FROESE KLASSEN, 2014).

A partir da análise dos artigos de Norris et al (2005) e Klassen (2009), podemos apontar

alguns elementos essenciais na construção das narrativas, entre eles: 1) Event-tokens: as

narrativas consistem no relato de uma sequência de eventos que envolvem personagens e o

cenário no qual os eventos ocorrem; 2) O Narrador: seja um participante ou um observador,

determina o ponto e propósito da narrativa e seleciona os eventos e sua sequência; 3) Apetite

narrativo: uma narrativa deve levar curiosidade ao ouvinte em função de um desejo de saber

o que acontecerá depois; 4) Tempo passado: em uma narrativa, o narrador conta os eventos

que já ocorreram; 5) A Estrutura: estado inicial - evento - estado final; 6) Agentes: as

narrativas envolvem personagens que são agentes (os personagens devem fazer escolhas); 7)

O Propósito: comunicar conhecimento, sentimentos, valores e crenças; 8) Alguém que recebe

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(leitor ou ouvinte): a narrativa assume um certo tipo de ouvinte que responderá de uma certa

maneira; 9) O efeito do não revelado: uma breve narrativa não consegue incluir todos os

detalhes sobre os eventos que ocorreram e isso contribui para o engajamento do ouvinte, uma

vez que este procurará preencher os espaços em branco entre as informações fornecidas e 10)

Ironia: muitas vezes, as narrativas terminam diferentemente do que o ouvinte é levado a

acreditar no início.

Em relação aos aspectos da NDC a serem abordados na narrativa, Clough (2011)

ressalta a necessidade de envolver explicitamente os alunos em questões sobre a NDC. As

narrativas históricas devem abordar o desenvolvimento de ideias científicas com comentários

e questões que explicitamente chamam a atenção dos alunos para as ideias de NDC. Os

comentários e questões sobre a NDC são inseridos em pontos apropriados nas narrativas

históricas para que os leitores reflitam sobre aspectos da NDC (CLOUGH, 2011).

Procuraremos guiar a construção de nossa narrativa histórica a partir dos elementos-

chaves das narrativas propostos em Norris et. al. (2005) e Klassen (2009).

Quadro 1: Construção da narrativa: “A competição sobre difração - 1817” – Elementos-chaves

envolvidos.

Elemento-chave Narrativa: “A competição sobre difração - 1817”

Event-tokens A configuração da narrativa construída é a competição sobre o tema difração,

proposta pela Academia de Ciências de Paris, em 1817.

Narrador O narrador não participa do desenrolar dos fatos.

Apetite narrativo O suspense gira em torno de descobrir qual das teorias concorrentes

(corpuscular x ondulatória) sairá vitoriosa na competição sobre difração.

Tempo passado A narrativa retrata eventos que ocorreram, na França, nas primeiras décadas do

século XIX.

Estrutura A estrutura da narrativa se desdobra de acordo com a seguinte sequência:

predomínio da teoria corpuscular da luz entre 1800-1815 (situação inicial)

competição sobre o tema de difração na Academia de Ciências de Paris

(desenvolvimento) predomínio da teoria ondulatória da luz a partir de 1820

(resultado final).

Agentes A narrativa tem como personagens Augustin Fresnel, François Arago, Pierre-

Simon Laplace e Siméon Denis Poisson.

Propósito Visa retratar o desenvolvimento e aceitação da teoria ondulatória da luz, na

França, nas primeiras décadas do século XIX, bem como abordar aspectos da

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NDC.

Leitor É destinada aos professores de ciências em formação, em especial de física.

O efeito do não

revelado

Diante da complexidade envolvida no episódio histórico fonte da narrativa,

esta contém diversos aspectos não detalhados que contribuem para o

engajamento do leitor.

Ironia A narrativa construída aborda, incialmente, o predomínio e controle do

programa laplaciano de pesquisa dentro das instituições científicas francesas no

início do século XIX. Dessa maneira, o leitor será levado a acreditar que a

teoria ondulatória não conseguirá “vencer’ a teoria corpuscular da luz. No

entanto, a narrativa toma outro desfecho no final.

Fonte: Quadro elaborado pela própria pesquisadora, tomando como base elementos narrativos propostos

por Norris et al. (2005) e Klassen (2009).

Considerações Finais

A complexidade envolvida nos debates teoria ondulatória versus teoria corpuscular da

luz na comunidade científica parisiense, no período estudado, mostrou-se muito rica do ponto

de vista da discussão de aspectos da NDC, uma vez que a análise do episódio histórico

evidenciou a possibilidade de trabalharmos diferentes temas da NDC.

O trabalho desenvolvido também pode contribuir para a problematização de aspectos da

NDC no ensino de ciências, a partir da narrativa histórica construída, que aborda questões de

NDC com base no episódio histórico estudado.

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Apêndice

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Esta história se passa no século 19, quando

as máquinas e a eletricidade trazem um

ambiente de progresso e de ciência para a

sociedade. É nesse ambiente que Agustin

Fresnel buscava solução para

o problema da Academia de

Ciências: qual seria a

explicação da difração da

luz? Seus estudos anteriores

foram ignorados pelos membros da

academia. O que teria levado a que

fizessem isso? Tantos anos de estudo....

No ano de 1817, a explicação do

fenômeno de difração foi proposta como

tema na competição de prêmios sobre

determinados assuntos da física, que era

proposta, bienalmente, pela Academia de

Ciências de Paris. Nessa época, a

Academia era dominada por laplacianos,

que defendiam a teoria

corpuscular da luz e

utilizavam como uma de

suas estratégias a não

divulgação de

interpretações rivais. Além disso, a teoria

corpuscular era a ortodoxia prevalescente

na França, uma vez que havia sido muito

expandida dentro do programa laplaciano

de pesquisa entre os anos 1805-1815.

No entanto, Fresnel estava

confiante em ganhar o prêmio.

“Desta vez vou conseguir o

prêmio”. Além de estar mais

certo de que seus cálculos

estavam corretos, ele conseguira

um grande aliado, o caro Arago.

Fresnel e Arago trabalhavam juntos

na teoria ondulatória da luz desde o ano de

1815, buscando fundamentar essa teoria a

partir de experimentos e de uma teoria

matemática ampla.

Dentro desse contexto, essa

competição representava mais que a

explicação sobre o tema difração. Tinha

como pano de fundo o embate teoria

corpuscular versus teoria ondulatória da

luz. Ou de outra forma, defensores da

teoria corpuscular (laplacianos) versus

ondulacionistas.

Entre os cinco jurados da

competição, estavam o próprio Laplace e

dois laplacianos, Biot e Poisson.

Assim, a situação não era

favorável aos ondulacionistas. No

entanto, Fresnel ganhou o prêmio,

em março de 1819, com um

extenso trabalho sobre difração.

Nesse trabalho, Fresnel buscou explicar o

fenômeno de difração pela combinação do

Princípio de Huygens com o princípio de

interferência. Fresnel analisou o problema

de difração em termos de uma onda

espalhando da fonte tal que, em

concordância com Princípio de Huygens,

cada ponto na frente de onda é a própria

fonte de ondas secundárias.

Os cientistas trabalham isoladamente? Como

a comunidade científica influencia no

trabalho dos estudiosos? O conhecimento

científico é construído socialmente?

Qual o papel da experimentação no

desenvolvimento da ciência? E o papel da

matemática? Como se dá a relação teoria x

observação?

Os estudiosos, geralmente, discordam entre si

e apresentam pontos de vista conflitantes.

Qual o papel das controvérsias no

desenvolvimento da ciência?

Ilustração do principio de Huygens.

Todos os pontos da frente de onda no

A Competição sobre difração

(1817)

Page 16: Natureza da Ciência através de narrativas históricas ...€¦ · Natureza da Ciência através de narrativas históricas: Augustin Fresnel e o debate sobre a natureza da luz Rilavia

Um dos jurados da competição de

difração, Poisson, que era um laplaciano

defensor da teoria corpuscular, apontou a

previsão inesperada da teoria de Fresnel de

que no centro da sombra de um disco

circular deveria haver um ponto brilhante,

decorrente da soma dos efeitos de todas as

ondas secundárias em fase de todos os

pontos da borda do disco. A predição foi

confirmada experimentalmente por Arago,

mostrando assim o poder explicativo e a

habilidade preditiva da teoria de Fresnel.

Com a vitória do trabalho de Fresnel

nessa competição, a teoria ondulatória

obteve uma importante vitória pública.

No entanto, essa vitória não era

suficiente para que a teoria ondulatória

superasse a teoria corpuscular da luz no

meio científico francês.

Entre outros fatores, a teoria

ondulatória não explicava a polarização da

luz. As características da luz polarizada

mostravam a existência de forças agindo

perpendicularmente aos raios. No entanto,

ondas transversais não se encaixavam com

o ideal de éter defendido na época. Fresnel

argumentou que as ondas de luz eram

transversais e um modelo de éter que

permitisse a propagação de ondas

transversais deveria ser reconstruído.

Ao adotar a propagação transversal

das ondas de luz, Fresnel conseguiu novos

resultados. Entre eles, a previsão da

direção de cada raio no espaço, sua

intensidade, seu grau e direção de

polarização e o ângulo de polarização para

um dado meio. Fresnel também conseguiu

explicar novos tipos de polarização que

Biot, Brewster e ele mesmo tinham

observado na luz refletida e na luz

transmitida através de lâminas de cristal.

Concominante aos desenvolvimentos

de Fresnel na teoria ondulatória, o partido

laplaciano foi perdendo o controle das

instituições científicas francesas. Assim, a

teoria ondulatória passou a ser aceita ainda

na década de 1820 dentro das instituições

científicas francesas.

Previsão de Poisson

Você considera que a adoção por Fresnel da

propagação transversal das ondas de luz foi

um postulado ou uma hipótese? Qual a função

dos postulados na construção do

conhecimento científico? Qual a diferença

entre postulado e hipótese?

?

Quais os fatores envolvidos na avaliação de

teorias concorrente? Apenas fatores

científicos devem ser considerados?