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NÚCLEO DE CIÊNCIAS HUMANAS DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS DA EDUCAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU EM EDUCAÇÃO MESTRADO ACADÊMICO EM EDUCAÇÃO ANA CÉLIA PRIVADO DOS SANTOS BEZERRA A MILITARIZAÇÃO DE ESCOLAS DA REDE ESTADUAL EM PORTO VELHO-RO PORTO VELHO 2019

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NÚCLEO DE CIÊNCIAS HUMANAS

DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS DA EDUCAÇÃO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO

STRICTO SENSU EM EDUCAÇÃO

MESTRADO ACADÊMICO EM EDUCAÇÃO

ANA CÉLIA PRIVADO DOS SANTOS BEZERRA

A MILITARIZAÇÃO DE ESCOLAS

DA REDE ESTADUAL EM PORTO VELHO-RO

PORTO VELHO

2019

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ANA CÉLIA PRIVADO DOS SANTOS BEZERRA

A MILITARIZAÇÃO DE ESCOLAS

DA REDE ESTADUAL EM PORTO VELHO-RO

Dissertação apresentada ao Programa de Pós -

Graduação Stricto Sensu em Educação, do

Núcleo de Ciências Humanas da Universidade

Federal de Rondônia, como requisito para

obtenção do grau de Mestre em Educação.

Orientadora: Profª Drª Marilsa Miranda Souza.

Linha de Pesquisa: Política e Gestão

Educacional

PORTO VELHO/RO

2019

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Dedico este trabalho ao meu jovem filho, Carlos Henrique, aquele

que, prematuramente, chegou ao mundo aos seis meses de gestação e,

todas as vezes que eu chegava à UTI, segurava minha mão com uma

força que me dava a certeza de que eu o levaria para casa.

Ele foi meu companheiro desde o processo seletivo até o fim desta

longa jornada e continuou segurando minha mão nos momentos de

angústia, o que me fortaleceu na construção desta dissertação.

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AGRADECIMENTOS

A Deus, que estará comigo até a consumação dos séculos, por me conceder uma vida

com muitos obstáculos para superar - porém feliz, não me deixando submergir nos momentos

difíceis - e por ter me proporcionado mais esta vitória;

À minha mãe e primeira professora, Maria Anacleta, por me apresentar o universo da

pedagogia, sendo a minha fonte de inspiração para decidir trilhar os caminhos da educação, o

que mudou todo o trajeto da minha vida;

Ao meu primeiro amor, meu pai Juvenal dos Santos, nordestino simples, por ter me

ensinado que, mesmo diante de todas as dificuldades, não devemos desistir;

Aos meus filhos, Brenda Cauane, Carlos Eduardo, Carlos Henrique e Maria Eduarda,

parte de mim, que me encorajam todos os dias, que permaneceram presentes em todas as

esferas da minha vida, com carinho, compreensão, motivação, abraços e beijos;

À minha neta, Aira Guedes, que, desde da sua chegada, contribui para que cada dia

eu possa ser um ser humano melhor. Obrigada por preencher a minha vida de alegrias e fazê-

la mais colorida;

Ao meu esposo, Décio Feitosa, por dividir a vida comigo, estando presente na

abundância e nas tempestades, pelos incentivos, pela paciência e compreensão em minhas

ausências no tempo de estudos;

À Profª Drª. Carmen Tereza Velanga, que me apresentou a Universidade Federal de

Rondônia e me incentivou a me matricular como aluna especial no Mestrado em Educação e

proporcionou meu primeiro contato com minha orientadora, Drª. Marilsa Miranda;

À minha amiga Delziana de Oliveira que, durante as três tentativas de processo

seletivo, compartilhou noites e madrugadas de leituras e discussões com um só objetivo:

conquistar uma vaga no tão sonhado Mestrado em Educação. Mesmo que no meio da

caminhada tenhamos nos perdido, talvez pela longa jornada de estudos e atribuições diárias

que nos eram delegadas, saiba da sua imensa contribuição em minha vida;

À minha orientadora, professora Drª. Marilsa Miranda de Souza que, desde nosso

primeiro contato, em 2012, como aluna especial, reconheceu em mim o desejo de aprender e,

sem julgar meu pouco conhecimento, me motivou a participar dos processos seletivos do

Mestrado em Educação. Agradeço-lhe por todos os momentos de orientação que, em meio à

caminhada, se confundiam com amizade e parceria. Obrigada pela paciência, apoio e

contribuições dadas durante todo este processo. Você transformou minha vida;

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Ao Prof. Dr. Clarides Henrich de Barba, por sua generosidade e solidariedade, que

me serviram de incentivo em meio aos momentos de angústias, com quem me sentia à

vontade para compartilhar e até mesmo chorar quando achei que não conseguiria concluir

meu sonho. Obrigada pelas tardes em que se sentou comigo e me direcionou o caminho a

tomar. Nunca esquecerei: “Ana Célia pare de chorar, você tem que se acalmar para escrever”;

Ao Prof. Dr. Marco Antônio de Oliveira Gomes, por todas as palavras de motivação,

incentivo e livros emprestados. Tudo isso me acompanhou em todas as etapas deste sonho,

desde o processo seletivo até a defesa de minha dissertação. Professor, o senhor foi peça

fundamental nesta realização;

Ao Prof. Dr. Antônio Carlos Maciel, pelas broncas necessárias, que contribuíram

para meu crescimento acadêmico, que se mostrou sempre firme e exigente, mas que, no

decorrer do tempo, nos possibilitou descobrir que por trás desse professor durão existe uma

pessoa generosa e bem-humorada. Sua exigência contribuiu para a qualidade desta pesquisa;

À minha amiga Tatiane Ricarte, que me motivou nas horas em que eu pensei que não

ia conseguir. Amizade construída nesta jornada, que perpassará os muros da Universidade e

levarei para toda minha vida;

Às minhas amigas de trabalho, Rosinete de Almeida, Vanessa França e Zenir

Vilaforte, pelo apoio, por me substituírem em minhas funções em todos os momentos que não

pude me fazer presente. Obrigada pela fundamental amizade;

Ao meu grande amigo Eulálio Ramos, que me prestou auxílio durante a reta final,

que me emprestou livros e livros e se fez presente quando precisei de ajuda nas necessárias

correções.

Aos colegas do Mestrado da turma 2016, pela amizade e debates proporcionados

durante esta trajetória.

A realização desta pesquisa foi possível devido às pessoas que se fizeram presentes e

também à força sobrenatural que vem do céu. Essas pessoas fazem parte do que sou e do que

me tornei ao longo desta trajetória acadêmica e pessoal.

Muito obrigada!

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Memória de um tempo onde lutar

Por seu direito

É um defeito que mata

São tantas lutas inglórias

São histórias que a história

Qualquer dia contará

De obscuros personagens

As passagens, as coragens

São sementes espalhadas nesse chão

De Juvenais e de Raimundos

Tantos Júlios de Santana

Uma crença num enorme coração

Dos humilhados e ofendidos

Explorados e oprimidos

Que tentaram encontrar a solução

São cruzes sem nomes, sem corpos, sem datas

Memória de um tempo onde lutar por seu direito

É um defeito que mata

E tantos são os homens por debaixo das manchetes

São braços esquecidos que fizeram os heróis

São forças, são suores que levantam as vedetes

Do teatro de revistas, que é o país de todos nós

São vozes que negaram liberdade concedida

Pois ela é bem mais sangue

Ela é bem mais vida

São vidas que alimentam nosso fogo da esperança

O grito da batalha

Quem espera, nunca alcança

Ê ê, quando o Sol nascer

É que eu quero ver quem se lembrará

Ê ê, quando amanhecer

É que eu quero ver quem recordará

Ê ê, não quero esquecer Essa legião que se entregou por um novo dia

Ê eu quero é cantar essa mão tão calejada

Que nos deu tanta alegria

E vamos à luta!

(GONZAGUINHA. Pequena memória para um tempo sem memória)

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BEZERRA, Ana Célia Privado dos Santos. A militarização de escolas da rede estadual em

Porto Velho-RO. 2019. 180f. Dissertação (Mestrado Acadêmico em Educação) –

Departamento de Ciências da Educação. Universidade Federal de Rondônia - UNIR, Porto

Velho, 2019.

RESUMO

A dissertação trata de uma pesquisa sobre o processo de militarização de escolas da Rede

Estadual em Porto Velho-RO. O objetivo é analisar a política de militarização na educação

escolar, tomando como base a sua implantação, o processo de dominação e controle dos

estudantes e do trabalho docente e suas contradições frente aos princípios da gestão

democrática. O método utilizado é o materialismo histórico-dialético, que possibilita uma

compreensão do fenômeno concreto e suas múltiplas dimensões. Os dados da pesquisa foram

obtidos por meio de pesquisa empírica, bibliográfica e documental, envolvendo duas escolas

estaduais de Porto Velho, onde foram realizadas entrevistas semiestruturadas com diferentes

sujeitos da comunidade escolar. O trabalho discute a trajetória da escola militar,

compreendendo suas origens e princípios, que remonta à educação jesuítica e se destaca pela

influência nas políticas educacionais durante a ditadura civil-militar. Buscou-se compreender

o contexto da militarização de escola pública no Brasil, especialmente as primeiras

experiências realizadas nas escolas do Estado de Goiás, que foi referência para os outros

Estados da Federação. Apresenta-se o processo aligeirado de implantação da militarização nas escolas rondonienses, a estrutura e funcionamento, as relações hierárquicas e a proposta

pedagógica da escola onde se implantou a militarização em Porto Velho, destacando o

processo de resistência popular contra essa imposição numa das escolas pesquisadas. A

militarização das escolas públicas, em Rondônia, foi realizada de forma autoritária e

justificada no aprimoramento dos valores referentes à hierarquia, disciplina e melhoria no

desempenho e na frequência escolar, além de coibir a violência praticada por estudantes nas

dependências das instituições de ensino público, como agressões físicas, uso de drogas,

prática sexual e até mesmo porte ilegal de arma. Nas entrevistas, evidenciaram-se as

contradições do processo de implantação, a hierarquia e centralização da gestão, o

cerceamento das liberdades individuais e coletivas dos educadores e educandos, a autonomia

pedagógica e a efetivação da gestão democrática. A escola pública militarizada tem atuado

como formadora de força de trabalho barata e alienada, no adestramento e controle dos

jovens, filhos dos filhos de trabalhadores, com a finalidade de conter a luta de classes e

esconder as contradições do modo de produção capitalista. A escola militarizada foi

impulsionada, a partir de 2016, pelo avanço do processo de fascistização do Estado em meio à

crise do capitalismo e como parte do golpe militar contrarrevolucionário preventivo em curso

no País.

Palavras-chave: Militarização de escola. Gestão democrática. Autoritarismo. Disciplina.

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BEZERRA, Ana Célia Privado dos Santos. The militarization of the state network schools

in Porto Velho-RO. 2019. 180f. Dissertation (Academic Master in Education) – Educational

Sciences Department. Federal University of Rondônia - UNIR, Porto Velho, 2019.

ABSTRACT

This dissertation deals with a research about the militarization process of the state network

schools in Porto Velho-RO. The objective is to analyze the politics of militarization in school

education, based on its implementation, the process of domination and control of students and

teaching work and their contradictions against the principles of democratic management. The

method used is the historical-dialectical materialism, which enables a comprehension of the

concrete phenomenon and its multiple dimensions. The research data were obtained through

empirical, bibliographic and documentary research, involving two state schools in Porto

Velho, where semi-structured interviews were conducted with different participants of the

school community. This work discusses the military school's trajectory, by understanding its

origins and principles, which goes back to the jesuitical education and stands out for the

influence in the educational policies during the civil-military dictatorship. It was sought to

understand the context of the public schools militarization in Brazil, especially the first

experiments carried out in schools of the State of Goiás, which was a reference for the other

States of the Federation. It presents the hasty implantation process of militarization in

Rondônia schools, the structure and functioning, the hierarchical relations and the

pedagogical proposal of the school where the militarization in Porto Velho was implemented,

highlighting the process of popular resistance against this imposition in one of the surveyed

schools. The militarization of public schools in Rondônia happened in an authoritarian way,

justified in the enhancement of hierarchy, discipline and improvement in the school

performance and attendance, as well as to curb the violence practiced by students into the

public institutions, such as physical aggression, drug use, sexual practice and even illegal

possession of a weapon. The contradictions of the implantation process, the hierarchy and

centralization of the management, the curtailment of the individual and collective freedoms of

the educators and students, the pedagogical autonomy and the effectiveness of the democratic

management were evidenced in the interviews. The militarized public school has acted as a

cheap and alienated labor force in the training and control of the young, the children of the

workers' children, in order to contain the class struggle and hide the contradictions of the

capitalist mode of production. Starting in 2016, the militarized school was stimulated by the

progress of the fascist State process, in the middle of the capitalism crisis, and as part of the

preventive counterrevolutionary military coup ongoing in the country.

Keywords: School militarization. Democratic management. Authoritarianism. Discipline.

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LISTA DE TABELAS

Tabela 1 - Boletins de Ocorrência da Escola Manaus 2010-2017.....................................72

Tabela 2 - Resultados IDEB (primeiros anos do Ensino Fundamental) ...........................89

Tabela 3 - IDEB anos finais do Ensino Fundamental .......................................................90

Tabela 4 - Índice de aprovação anos iniciais do Ensino Fundamental ..............................92

Tabela 5 - Índice de aprovação anos finais do Ensino Fundamental ................................92

Tabela 6 - IDEB de 2017 das turmas de 4º e 5º ano do CTPM VII ..................................93

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LISTA DE GRÁFICOS

Gráfico 1 - Percentual de afirmação sobre a consulta pública.............................................74

Gráfico 2 - Percentual sobre a militarização como solução.................................................81

Gráfico 3 - Resultados IDEB - primeiros anos do Ensino Fundamental ............................90

Gráfico 4 - IDEB - anos finais do Ensino Fundamental .....................................................91

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LISTA DE FOTOGRAFIAS

Fotografia 1 - Frente do CTPM VII ..............................................................................110

Fotografia 2 - Pavilhão com quatro salas desativadas - CTPM VII ..............................111

Fotografia 3 - Retrato do abandono - CTPM VII ..........................................................112

Fotografia 4 - Retrato do abandono - CTPM VII (2) .....................................................113

Fotografia 5 - Retrato da omissão do Estado - CTPM VII ............................................113

Fotografia 6 - Retrato do abandono - CTPM VII (3) .....................................................114

Fotografia 7 - Retrato do abandono - CTPM VII (4) .....................................................114

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LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Organograma 1 - Gestão hierárquica no CTPM VII ......................................................105

Organograma 2 - Gestão hierárquica no CTPM I ...........................................................116

Organograma 3 - Gestão hierárquica no CTPM II ..........................................................119

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LISTA DE FIGURAS

Figura 1 - Formatura .......................................................................................................132

Figura 2 - Assembleia na quadra da Escola Capitão Cláudio Manoel da Costa .............137

Figura 3 - Assembleia na quadra da Escola Capitão Cláudio Manoel da Costa (2) .......137

Figura 4 - Assembleia na quadra da Escola Capitão Cláudio Manoel da Costa (3) .......138

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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

AI Ato Institucional

AIB Ação Integralista Brasileira

AID Agency for International Development

CBM Corpo de Bombeiros Militar

CEHCR Centro Educacional Hugo de Carvalho Ramos

CM Colégio Militar

CMRJ Colégio Militar do Rio de Janeiro

CPMG Colégio da Polícia Militar de Goiás

CTPM Colégio Tiradentes da Polícia Militar

DIP Departamento de Imprensa e Propaganda

EEEFM Escola Estadual de Ensino Fundamental e Médio

ENEM Exame Nacional do Ensino Médio

IDEB Índice de Desenvolvimento da Educação Básica

INEP Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira

LDB Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional

MEC Ministério da Educação e Cultura

OAB Organização dos Advogados do Brasil

OPM Organização da Polícia Militar

OS Organização Social

PIP Projeto de Intervenção Pedagógica

PL Projeto de Lei

PM Polícia Militar

PMN Partido da Mobilização Nacional

PPP Projeto Político Pedagógico

PROAFI Programa de Apoio Financeiro

PSDB Partido da Social Democracia Brasileira

SECIM Subsecretaria de Fomento às Escolas Cívico-Militares

SEDUC Secretaria Estadual de Educação e Cultura

SESDEC Secretaria de Segurança, Defesa e Cidadania

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SINTERO Sindicato dos Trabalhadores em Educação de Rondônia

UME União Metropolitana Estudantil

UNE União Nacional Estudantil

UNIR Universidade Federal de Rondônia

USAID United States International for Development

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO..................................................................................................................18

2 A MILITARIZAÇÃO DA EDUCAÇÃO.........................................................................23

2.1 Os militares e a educação ..............................................................................................23

2.2 A transformação de escolas públicas em escolas públicas militarizadas...................52

3 A MILITARIZAÇÃO DAS ESCOLAS PÚBLICAS RONDONIENSES:

A PEDAGOGIA DO MEDO............................................................................................60

3.1 A implantação em Rondônia ..........................................................................................60

3.1.2 A militarização é a solução para o tráfico de drogas, da violência e insegurança no

bairro? .............................................................................................................................80

3.1.3 A militarização melhora o desempenho dos alunos? ......................................................89

3.2 Diferenças entre o colégio militar e a escola pública militarizada: o que mudou de fato? .................................................................................................104

3.2.1 Estrutura, funcionamento e infraestrutura física............................................................104

3.2.1.1 Estrutura, funcionamento e infraestrutura física do CTPM VII: escola pública

militarizada.................................................................................................................104

3.2.1.2 Estrutura, funcionamento e infraestrutura física do Colégio Tiradentes da Polícia

Militar - Unidade I......................................................................................................115

3.2.1.3 Estrutura, funcionamento e infraestrutura física do Colégio Tiradentes da Polícia

Militar - Unidade II.....................................................................................................119

3.3 As relações hierárquicas entre professores e gestores no âmbito das escolas

militarizadas no município de Porto Velho.................................................................120

3.4 O controle didático-pedagógico, político e ideológico nas escolas militarizadas.......126

3.5 “Derrotamos o governador”: a resistência popular contra a militarização

das escolas em Porto Velho............................................................................................134

4 EDUCAÇÃO MILITAR PARA QUÊ? ...........................................................................144

4.1 O avanço do processo de fascistização da sociedade como medida de

segurança no contexto da crise do capitalismo em sua fase imperialista.................146

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ...........................................................................................152

REFERÊNCIAS ...................................................................................................................156

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APÊNDICES

Apêndice 01 - Termo de Consentimento e Livre Esclarecimento..........................................162

Apêndice 02 - Roteiro de entrevistas para professores..........................................................164

Apêndice 03 - Roteiro de entrevista para diretores e Secretária de Educação.....................166

Apêndice 04 - Roteiro de entrevista para pais........................................................................167

ANEXOS

Anexo 01 - Notificação por descumprimento de ordem.........................................................170

Anexo 02 - Parecer consubstanciado do CEP.........................................................................171

Anexo 03 - Carta de autorização para pesquisa acadêmica no CTPM VII...........................175

Anexo 04 - Carta de autorização para pesquisa na Escola Estadual de Ensino

Fundamental e Médio Capitão Cláudio Manoel da Costa...................................176

Anexo 05 - Carta de autorização para pesquisa acadêmica na Unidade

Integrada de Segurança Pública – UNISP............................................................177

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1 INTRODUÇÃO

Na educação, a democratização da gestão - em decorrência da intervenção dos

movimentos sociais - ocupou um relevante espaço como porta de entrada para a participação

das comunidades local e escolar. Assim, a gestão democrática da escola pública passou a ser

enfatizada, em cenário nacional, por ser reconhecida como imperativa em uma instituição

escolar de qualidade.

Entretanto, nos últimos anos, o processo de desmonte da frágil democratização da

escola vem ocorrendo, em diversos estados brasileiros, na forma de intervenção militar em

escolas públicas. Esse processo é chamado de “militarização”, ou seja, a escola deixa de ser

gerida por profissionais da educação e passa a ter uma gestão militar, gerenciada pela Polícia

Militar, alicerçada em uma base autoritária e hierárquica, conforme a doutrina das forças

armadas. Nesse novo modelo de escola, apresenta-se um princípio que serve de estratégia para

doutrinar e domesticar os filhos dos trabalhadores segundo os interesses hegemônicos do

capital, pela repressão e autoritarismo: manter o status quo do modelo socioeconômico

capitalista. Esse tipo de escola deriva do repasse da gestão pública do ensino, com todos os

profissionais de educação, para a corporação militar, através de convênios com as Secretarias

Estaduais de Educação (SEDUC) e Secretarias de Segurança, Defesa e Cidadania.

O processo de implantação da Militarização na Rede Pública Estadual de Ensino em

Rondônia teve início, oficialmente, em 2016. Contudo, a partir de 2017, foi publicado o

primeiro Decreto, o de nº 21.968, de 22 de maio de 2017, que dispõe sobre a estrutura e

funcionamento de Unidades do Colégio Tiradentes da Polícia Militar (CTPM). Esse decreto

autorizou o repasse de três escolas da rede estadual para a Polícia Militar: a Escola Estadual

de Ensino Fundamental e Médio (EEEFM) Francisco Alves Mendes Filho, denominada após

a transferência de CTPM III, localizada no município de Ariquemes; a EEEFM Júlio Guerra,

denominada de CTPM IV, localizada no município de Ji-Paraná; a EEEFM Zilda da Frota

Uchoa, nomeada de CTPM V, localizada no município de Vilhena.

Na impossibilidade de abranger todos os aspectos da política de militarização

implantada em alguns municípios de Rondônia, propusemos, inicialmente, analisar as quatro

escolas da rede pública estadual no município de Porto Velho incluídas na proposta

apresentada no Projeto de Pesquisa. Entretanto, no percurso do trabalho de campo,

observamos que somente duas dessas escolas estaduais avançaram no processo de

militarização: a Escola Estadual de Ensino Fundamental e Ensino Médio Manaus, hoje

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militarizada e transformada no Colégio Tiradentes Unidade VII, e a Escola Estadual de

Ensino Fundamental e Médio Capitão Cláudio Manoel da Costa que, através de um processo

intenso de resistência e luta dos educadores e da comunidade local, conseguiu a decisão de

revogar o Decreto nº 21.977, de 23 de maio de 2017, imposto pelo Governador do Estado. A

Escola Estadual de Ensino Fundamental e Médio Dr. Osvaldo Piana ainda se encontra em

proposta de indicação, pelo Deputado Jesuíno Boabaid (PMN), e a Escola Estadual de Ensino

Fundamental e Médio Flora Calheiros foi apenas mencionada, em entrevista, como possível

proposta para ser colocada sob o novo regime. Isso dificultou nossa pesquisa, pois os diretores

e educadores não tinham conhecimento do processo de militarização in loco, somente por via

da mídia.

No panorama educacional contemporâneo, a educação é pautada nos preceitos da

Constituição Federal de 1988 (BRASIL, 2012), na Lei de Diretrizes e Bases da Educação

Nacional (LDB) e na Lei nº 9.394/96 (BRASIL, 2008), que regulamentam a gestão

democrática para a escola pública. Os princípios destacados e regulamentados são: o

fortalecimento da autonomia da escola e da comunidade local, a descentralização do poder

patrimonialista de tomadas de decisões e o exercício da democracia participativa. Esses

pressupostos norteiam os resultados das lutas em defesa da democratização da educação

pública. A escolha democrática dos diretores, os grêmios estudantis, a participação das

comunidades escolar e local na elaboração do Projeto Político Pedagógico são mecanismos

que fomentam a gestão democrática. Em uma escola militarizada, os diretores (tenentes-

coronéis) são designados pelo Comandante Geral da Polícia Militar (PM). O desdobramento

da educação militar sobre a educação vai de encontro aos mecanismos da gestão democrática.

A problemática da pesquisa centrou-se nas seguintes questões: Quais as bases

científicas e as origens da política de militarização implantada nas escolas rondonienses? Que

contradições existem entre a política de militarização e os princípios da gestão democrática

instituída por meio da legislação educacional? Como se manifesta o autoritarismo nas

relações hierárquicas entre policiais militares, professores e estudantes no âmbito das escolas

militarizadas? Como ocorre o controle didático-pedagógico, político e ideológico do trabalho

docente?

Dessa maneira, o presente estudo teve como objetivo analisar a política de

militarização na educação escolar, mediante a sua implantação nas escolas rondonienses,

identificando o processo de dominação e controle dos estudantes e do trabalho docente, bem

como suas contradições frente aos princípios da gestão democrática. Os objetivos específicos

foram assim estabelecidos: (1) identificar os documentos e diretrizes que orientam o processo

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de militarização de escolas públicas no Brasil, suas origens, seus fundamentos, sua estrutura e

funcionamento; (2) discutir os princípios da gestão democrática instituída por meio da

legislação educacional e sua aplicação; (3) conhecer e analisar o projeto de militarização das

escolas rondonienses e as formas de implantação; (4) compreender como se manifesta o

autoritarismo nas relações hierárquicas entre professores e gestores no âmbito das escolas

militarizadas no município de Porto Velho; e (5) identificar como ocorre o controle didático-

pedagógico, político e ideológico do trabalho docente nas escolas militarizadas e por que esse

processo está se intensificando em todo o País.

O método utilizado foi o materialismo histórico-dialético, tendo como base três

categorias fundamentais, a saber: totalidade, contradição e ideologia. O materialismo

histórico-dialético é um método que possibilita agregar a parte ao todo, permitindo encontrar

as determinações fundamentais e adjacentes do problema e analisar as relações que

determinam o fenômeno pesquisado, desvendando suas principais contradições. As

contribuições agregadas pelo materialismo histórico-dialético presentam as possibilidades de

se promover uma compreensão mais aprofundada e crítica sobre a realidade objetiva e

subjetiva.

Para Kosik (1976), o método do materialismo histórico-dialético possibilita ir do fato

fenômeno para o conceito e, num movimento lógico, o desvelamento das contradições eficaz

do fenômeno. Nesse sentido, ocorre a necessidade de conferir o real com seu particular,

buscando entender a totalidade dos processos. De acordo com esse autor,

A compreensão dialética da totalidade significa não só que as partes se encontram

em relação de interna interação e conexão entre si e com o todo, mas também que o

todo não pode ser petrificado na abstração situada por cima das partes, visto que o

todo se cria a si mesmo na interação das partes (KOSIK, 1976, p. 42).

A categoria totalidade se dirige a uma análise histórica, uma ligação que existe entre

o particular e o universal. Consiste na base para garantir uma autêntica e verdadeira

aproximação e compreensão da realidade. Em sua expressão singular, o fenômeno revela sua

complexidade, suas conexões internas, as leis de seu movimento e evoluções. Enfim, sua

totalidade histórico-social.

Para alcançar a totalidade, é necessário compreender as contradições existentes no

fenômeno, pois a contradição é a única maneira de alcançar a essência das coisas, conforme

explica Kosik (1976):

Fica claro que a contradição é a lei fundamental da dialética materialista. Para

desvendarmos tal lei, que é a essência da dialética, é preciso investigar

profundamente os fenômenos, os problemas que lhe dão origem. O desenvolvimento

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dos fenômenos é determinado pelas suas contradições internas, daí porque se deve

partir da particularidade da contradição para se chegar aos pólos principais de sua

luta, identificando o lugar do antagonismo e da contradição. O conhecimento se

realiza como separação de fenômeno e essência, do que é secundário e do que é

essencial, já que só através dessa separação se pode mostrar a sua coerência interna,

e com isso, o caráter específico da coisa. Neste processo, o secundário não é deixado

de lado como irreal ou menos real, mas revela seu caráter fenomênico ou secundário

mediante a demonstração de sua verdade na essência da coisa. Esta decomposição

do todo, que é elemento constitutivo do conhecimento filosófico – com efeito, sem

decomposição não há conhecimento – demonstra uma estrutura análoga à do agir

humano: também a ação se baseia na decomposição do todo (KOSIK, 1976, P. 14).

Nota-se que nenhum fenômeno se expressa apenas na singularidade ou na

universalidade. Como opostos, identificam-se. Há contínua tensão entre o singular-universal,

que se manifesta na configuração particular do fenômeno, em sua particularidade, assumindo

as especificidades pelas quais a singularidade se constitui em dada realidade, de modo

determinado, porém completo.

O conhecimento objetivo sobre os indivíduos e sobre a totalidade social não pode ser

estudado separadamente, o que significa a impossibilidade de haver uma particularidade como

referência primária na construção do conhecimento. É apenas pela análise dialética da relação

entre o singular e o universal que se torna possível a construção do conhecimento concreto, ou

seja, é apenas por esta via que a ênfase conferida ao particular não se converte no abandono

da construção de um saber, mas na perspectiva da totalidade.

A teoria metodológica do materialismo histórico dialético exige a compreensão do

historicismo concreto presente nas obras de Marx e Engels, para os quais a produção material

da vida engendra todas as maneiras de relações humanas e, assim sendo, a categoria que se

manifesta na perspectiva da totalidade histórica. O mais profundo significado do materialismo

histórico é a condição para a efetivação do verdadeiro ser humano, que se coloca na

transformação das condições que alienam o trabalhador.

Ressaltamos que a ontologia marxiana constroi um tipo de conhecimento que, além

de explicitar o real em sua essencialidade, coloca-se claramente a serviço da construção de um

projeto social, promotor de uma nova sociabilidade: o modo de produção socialista.

As ideologias presentes nas propostas da militarização das escolas instauradas na

educação básica brasileira atuam unilateralmente e camuflam as condições materiais que

impossibilitam a educação de qualidade no contexto da crise capitalista. Os discursos em sua

defesa “[...] se harmonizam e se inserem no clima político-cultural neoliberal e pós-moderno

da atualidade (SAVIANI, 2013, p. 73).

Buscamos realizar a coleta de dados participando em atividades realizadas na escola, em

contato direto com os sujeitos da pesquisa. As conversas com os participantes foram realizadas

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individualmente, por meio de entrevistas semiestruturadas, armazenadas por gravador de voz

portátil, em sessões entre entrevistador e entrevistado. Coletamos também documentos oficiais do

Governo Federal, do Governo de Rondônia e da Assembleia Legislativa do Estado de Rondônia.

O referencial teórico foi selecionado levando-se em consideração o materialismo histórico-

dialético, de modo que cada análise pudesse evidenciar as categorias escolhidas.

Para chegar a uma análise concisa dos dados, aferimos a veracidade das informações

concedidas nas entrevistas, com base na documentação legal, nas Propostas de Lei e Decretos de

Lei. A análise dos dados documentais, como Leis e Decretos, foi feita de modo a percebermos a

fundamentação ideológica que cada propositor inseriu em seus projetos, a fim de

compreendermos seus interesses.

Nossa análise se contrapõe ao caráter conservador da educação brasileira e busca um

referencial que afirma o caráter omnilateral da educação, com a superação da divisão de

classes, ocorrendo, assim, “uma associação onde o livre desenvolvimento de cada um é a

condição do livre desenvolvimento de todos” (MARX; ENGELS, 1987, p. 126). As condições

necessárias para uma educação democrática e de qualidade para todos só serão possíveis com

a transformação da sociedade brasileira.

Esta dissertação se divide em cinco seções, a contar desta introdução. A segunda seção

versa sobre a militarização de escolas, considerando o desenvolvimento desse processo na

história do Brasil, em seus principais marcos, mostrando em que se constitui o militarismo e

suas configurações pedagógicas, além de explicitar a militarização de escolas brasileiras. A

terceira seção analisa um processo particular de militarização de escolas estaduais no

município de Porto Velho, evidenciando os fundamentos do projeto de militarização, as

implicações do processo de implantação, sua distinção com os Colégios Militares e suas

relações hierárquicas. A quarta seção expõe uma revisão bibliográfica acerca da crise do

modo de produção capitalista no esteio de sua fase imperialista e dos processos de

fascistização da sociedade; partindo das relações de trabalho que determinam o desemprego

estrutural e a pobreza crescente, buscamos interpretar a militarização como parte integrante

deste processo para, em seguida, distinguir os interesses do ensino militar burguês, de uma

educação militar socialista, voltada aos interesses do povo. A quinta seção retoma os

objetivos, a fim de sintetizar nossas considerações sobre o objeto estudado, seja nos seus

aspectos particulares ou gerais.

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2 A MILITARIZAÇÃO DA EDUCAÇÃO

[...] a gente sabe que eles [os militares] estão fazendo renascer

uma doutrina, uma ideologia do século XIX, Rui Barbosa

e os procuradores da República, eles defendiam a

ordem e a disciplina para que se chegassem

no progresso. Os caras estão querendo

implantar ideias positivistas do século XIX na

educação Brasileira (PROFESSOR 6).

2.1 Os militares e a educação

A história da educação, nas sociedades de classes, acompanha a luta entre as classes,

o que Ponce (2015, p. 42) determina como “luta ininterrupta, escamoteada algumas vezes,

franca e aberta outras”. Nas sociedades baseadas na exploração do trabalho, de

desumanização do homem e transformação de seres sociais em meras particularidades da

produção, a educação atende aos interesses das classes dominantes. Conforme o referido

autor,

Para ser eficaz, toda educação imposta pelas classes proprietárias devem cumprir as

três finalidades essenciais seguintes: 1º) destruir o vestígio de qualquer tradição

inimiga, 2º) Consolidar e ampliar a sua própria situação de classe dominante e 3º)

prevenir uma possível rebelião das classes dominadas. No plano da educação, a

classe dominante opera, assim, em três frentes distintas, e ainda que cada uma dessas

frentes exija uma atenção desigual segundo as épocas, a classe dominante não as

esquece nunca (PONCE, 2015, p. 42).

Assim, a classe dominante, detentora dos meios de produção, instaura o controle

sobre os dominados, submetendo-os aos mais intensos processos de opressão. A educação é

utilizada para concretizar os planos dessa classe.

Ademais, a história da educação escolar brasileira, desde o período colonial, esteve a

serviço dos interesses das classes dominantes e, como tal, experimentou sua primeira

experiência de educação fundamentada numa doutrina militarizada.

Em 1534, surgiu a Companhia de Jesus, fundada por Iñigo López de Loyola (1491-

1556), conhecido como Inácio de Loyola. Era uma congregação religiosa, reconhecida pelo

Papa em 1540, com missão militar e catequética na educação para a fé católica, especialmente

no novo mundo. Antes do sacerdócio, Inácio de Loyola foi um ex-soldado basco, que se

converteu à vida religiosa após sobreviver a graves ferimentos obtidos por um tiro de canhão.

Então, estruturou a Companhia de Jesus sob uma lógica militar, numa disciplina rigorosa.

Essa estrutura militar era muito favorável aos interesses de Portugal e Espanha, como

colonizadores de uma região inóspita em que enfrentavam fortes resistências das populações

tradicionais.

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Os Jesuítas, além da educação, se ocuparam também da organização militar a

serviço do Estado colonizador. Um exemplo disso são as batalhas de M’bororé e

Caaçapaguaçú, em que os Guaranis lutaram em defesa das fronteiras espanholas, frente ao

império português, por meio das invasões dos bandeirantes que só seria resolvida no ano de

1641. Nas palavras de Prezia e Hoomaert (2000, apud CHIOGNA; MOURA, 2011),

O rei de Espanha sempre apoiou os jesuítas, pois via as missões como uma forma de

defesa das fronteiras espanholas, impedindo o avanço dos bandeirantes. Assim,

quando eles pediram a revogação da proibição do uso de armas pelos indígenas, o

rei a cedeu. A fim de enfrentar novos ataques paulistas, resolveu-se formar um

exército guarani. Todas as pessoas receberam treinamento militar. Um dos jesuítas

que mais se destacou nesta tarefa foi Domingos de Torres, chamado de “mestre dos

índios no manejo das armas de fogo”. Os guarani já não eram os inofensivos

indígenas, presas fáceis dos caçadores paulistas. Com tropas treinadas, puderam

vencê-los em duas batalhas importantes, a de Caaçapa-mirim, em 1638, e a de

Caaçapaguaçu, em 1639. Dois anos depois já tinham um verdadeiro exército de 4

mil homens, comandados pelo cacique Inácio Abiaru, que derrotou a bandeira de

Jerônimo de Barros na famosa batalha de Mbororé (PREZIA; HOOMAERT, 2000,

apud CHIOGNA; MOURA, 2011, p. 73).

Percebe-se que a formação não se reduzia aos aspectos da formação catequética. A

aplicação do método militar garantia a mais completa dominação dos corpos e das mentes.

Os poderes estavam interessados nessa interpretação autoritária do saber e a escola

jesuítica não tinha pátria porque o latim era sua língua, o catolicismo a sua ideologia

e a escolástica a sua compreensão do mundo. Controlando o ensino, possuindo fortes

convicções, munidos dum sólido saber instrumental, os inacianos conseguiram

impor a sua visão da ciência e retardar a sua introdução do novo pensamento

fundado na análise sistemática e, sobretudo, impedir a todo custo da difusão da

filosofia cartesiana. A sequência formal dos cinco passos – a preleção, a contenda, a

memorização, a expressão e a imitação – reforçava o espírito um tanto quanto

militar que tinha fundado a Companhia (FERREIRA, 2005, p. 62).

Nesse âmbito, a organização da formação e do espaço escolar era militarizada. Havia

uma hierarquia militar, sem espaço para dúvida ou questionamentos. Essa estrutura militar

garantiu a instauração de um perverso processo de aculturação e dominação dos povos

indígenas, como explica Saviani (2008):

Ora, no caso da educação instaurada no âmbito do processo de colonização, trata-se,

evidentemente, de aculturação, já que as tradições e os costumes que se busca

inculcar decorre de um dinamismo externo, isto é que vai do meio cultural do

colonizador para a situação objeto de colonização [...] O processo de colonização

abarca, de forma articulada mas não homogêneo ou harmônica, antes dialeticamente,

esses três momentos representados pela colonização propriamente, ou seja, a posse e

exploração da terra, subjugando seus habitantes ( os íncolas) ; a educação enquanto

aculturação, isto é, a inculcação nos colonizados das práticas técnicas, símbolos e

valores próprios dos colonizadores; e a catequese entendida como a difusão e

conversão dos colonizados à religião dos colonizadores (SAVIANI, 2008, p. 29).

A educação portuguesa na Colônia brasileira, desde seu princípio, demonstra as

intencionalidades do mecanismo de dominação de uns sobre outros. Ao que parece, uma

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educação para a inculcação do conformismo. Conformar com a aculturação, conformar com a

ocupação de terras, conformar com a exploração do trabalho, assim como conformar com a

religião do colonizador. Conforme Saviani (2008, p. 56):

O plano contido no Ratio Studiorum era de caráter universalista e elitista.

Universalista porque se tratava de um plano adotado indistintamente por todos os

jesuítas, qualquer que fosse o lugar onde estivesse. Elitista porque acabou

destinando-se aos filhos dos colonos e excluindo os indígenas com o que os colégios

jesuíticas se converteram no instrumento de formação da elite colonial. Por isso,

os estágios iniciais previstos no plano de Nóbrega (aprendizado de português e

escola de ler e escrever), foram suprimidos.

O Ratio Studiorum era o documento que fundamentava a educação proposta pela

Companhia de Jesus desde sua fundação, ainda na Europa. No Brasil, o plano buscou

disseminar os fundamentos cristãos e a língua portuguesa, ambos buscando a consolidação da

ideologia dominante dos colonos europeus.

Nesse momento histórico, a educação brasileira foi dividida em duas vertentes: a

universalista, uma proposta de educar todos os presentes em solo colonial, e elitista, proposta

em que toda educação plena era destinada aos filhos das classes dominantes. Esse ensino

elitizado é proposto a uma pequena minoria.

Com isso, a educação dualista se firmou, desde a pedagogia jesuítica, como ideário

pedagógico. Saviani (2008) abrevia o processo de permutação desta para a pedagogia

tradicional:

As ideias pedagógicas expressas no Ratio correspondem ao que passou a ser

conhecido na modernidade como pedagogia tradicional. Essa concepção pedagógica

caracteriza-se por uma visão essencialista de homem, isto é, o homem concebido

como constituído por uma essência universal e imutável. A educação cumpre moldar

a existência particular e real de cada educando à essência universal e ideal que o

define enquanto ser humano [...] Nas mãos dos estudantes a Summa Theologica de

Santo Tomaz para os teólogos e Aristóteles, para os filósofos (SAVIANI, 2008, p

58-59).

Essa pedagogia, associada ao controle das populações indígenas exercido pela

religião, foi conferindo legitimidade ao processo de exploração do trabalho e tomada das

terras. O reforço para a manutenção do domínio português se manifesta pelo controle da

produção e pelo interesse da rentabilidade. Segundo Saviani (2008),

[...] Os jesuítas gerenciavam uma grande empresa moderna, conforme a lógica dos

latifúndios monocultores. [...] pois, com os empreendedores seculares em condições

vantajosas, [...] com frequentes doações, com os favores reais e isenção de tarifas,

desfrutavam da mão-de-obra gratuita dos índios reunidos em aldeamentos dirigidos

pelos jesuítas (SAVIANI, 2008, p. 68).

Nesse cenário, pela utilização desses artifícios, os jesuítas foram acusados pelos

empreendedores seculares “de concorrência desleal, de exploração de indígenas e de serem

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lesivos aos interesses da coroa”. Essa posição concorrente deu início ao conflito entre os

jesuítas e as coroas de Espanha e Portugal, concitando à expulsão dos jesuítas. O percurso

desse movimento se deu por questões econômicas e políticas acordadas entre as coroas

espanhola e portuguesa. Nas palavras de Saviani (2008),

Ao quadro econômico descrito juntou-se a questão política das terras missioneiras,

quando as coroas de Espanha e Portugal se voltaram conjuntamente contra os

jesuítas [...] estando contra os termos do tratado de Madri, os jesuítas indispuseram-

se com as duas Coroas [...] Francisco Xavier de Mendonça Furtando, governador do

estado do Grão Pará e Maranhão descreve, em suas cartas ao seu irmão, o Marques

de Pombal as vantagens que os religiosos tinham em relação ao seculares. [...] Além

disso, relata as usurpações que os padres empreendiam contra a liberdade dos índios;

a posse dos bens situados nas terras em que eles moravam; a venda das drogas que,

por ordem deles, os índios iam buscar no deserto; e a venda das carnes e couros dos

peixes obtidos com o trabalho dos mesmos índios (SAVIANI, 2008, p. 69).

Até então, os jesuítas foram os únicos responsáveis pela educação escolar, mantendo o

controle econômico e político das terras. Pelas obras espirituais, convenceram índios e judeus

à subserviência. De um lado, a mão de obra gratuita e de outro, as doações. Essas duas bases

edificaram a cristianização e as riquezas materiais advindas dos bens mobiliários, da produção

agrícola e agropecuária.

A situação descrita afetou particularmente a pedagogia jesuítica, visto que essas

ideias pedagógicas no Brasil, daqui em diante (1759-1827), coexistiram com as vertentes

militares do despotismo esclarecido da pedagogia pombalina. Era necessária a formação de

novos soldados, sem piedade para a morte, ideal irrelevante para o ensino jesuítico, devido

aos ideais pautados na moral cristã. Nesse momento, emerge um novo período na história da

educação brasileira. Romanelli (1978) explica que:

Esse complexo sobreviveu mesmo à expulsão dos Jesuítas em 1759. A decadência

econômica em que entrou o Reino Português, principalmente com a queda da

mineração, e o atraso cultural que, entre outras coisas, teve no fanatismo religioso

um de seus fatores, fez com que surgisse na Metrópole um descontentamento geral

em relação aos jesuítas. Na Colônia, já se faziam notar os atritos entre estes e a

população, em torno da questão da escravização dos índios. Juntava-se a isso a

presença, tanto no Reino, quando na Colônia, de ideias provindas do

enciclopedismo, declaradamente anticlericais. Da ascensão do Marquês de Pombal,

cuja linha de pensamento estava estreitamente vinculada ao enciclopedismo,

resultou a expulsão dos Jesuítas de Portugal e de seus domínios (ROMANELLI,

1978, p. 36).

Nesse mesmo compasso, o Estado assumiu para si, pela primeira vez, a

responsabilidade dos encargos da educação. Esse período é marcado como despotismo

esclarecido, tendo como propagador o Marquês de Pombal. Sobre esse aspecto, Saviani

(2013) comenta:

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Essa nova tendência começou a pressionar por reformas no plano político no final

do reinado de Dom João V.[...] Sebastião José de Carvalho e Melo integra o

gabinete como ministro responsável pela Secretária do Exterior e da Guerra. Pouco a

pouco, foi ganhando proeminência no governo, legislando, inclusive, nos âmbitos de

competência de outros ministros. E, em 1756, assume o cargo de secretário de

Estado dos Negócios do Reino, o posto mais alto do governo, tornando-se ministro

plenipotenciário. Em Julho de 1759, recebe o título de Conde de Oeiras e em 1769

torna-se Marquês de Pombal, denominação que o consagrou tanto na política como

na historiografia (SAVIANI, 2013, p. 80-81).

Nesse ínterim, em 1769, ao receber o título de Marquês de Pombal, este se consagrou

no mundo da política, assim como na história da reorganização da educação brasileira.

Concretizou diversas transformações nos mais variados setores da Coroa, as quais atingiram

diretamente o Brasil (SAVIANI, 2013b). O Marquês de Pombal estudava formas para se

destacar no âmbito político e conquistar cargos de extrema relevância em sua pátria.

Nesse segundo período do despotismo esclarecido de Pombal, aconteceram, na

educação brasileira, as metamorfoses correspondentes à luta pelo controle dos campos

educacionais, sociais, econômicos e políticos da época.

Contudo, o que se lê nas entrelinhas é propagação ideológica, reformadora, autoritária

e despótica de um tirano esclarecido: o Marquês de Pombal e o governo do qual era

representante. Destacamos que o período pombalino foi responsável pela implantação da

instrução pública caracterizada por um ideário iluminista. No tocante a esse assunto, Saviani

(2013b) menciona:

Por meio do Alvará de 28 de junho de 1759, determinou-se o fechamento dos

colégios jesuítas introduzindo-se as aulas régias a serem mantidas pela Coroa. [...].

Nota-se que esse Alvará é anterior à expulsão dos jesuítas e determinada pela Lei de

3 de setembro de 1759 [...] (SAVIANI, 2013b, p. 82).

Diante de tal realidade imposta, a educação pombalina foi realçada, principalmente,

com a expulsão dos jesuítas de todo o império Luso-Português. Nesse sentido, Saviani

(2013b) explica que “na linha do despotismo esclarecido, a estratégia de Maria Teresa, que

seria empreender a reforma da instrução, submetendo-a ao Estado e afastando-a da influência

da Igreja”.

Portanto, essa fase do despotismo, vinda do ideário iluminista, foi palco de um amplo

processo de reorganização no campo educacional, político e econômico, que assistiu à criação

de diversas intuições, assim como a eliminação de outras. Articulou-se a extinção do poder da

igreja para o poder estatal. Nesse viés, no período pombalino acentuou-se a instrução pública

com ideário iluminista, sendo essa a corrente filosófica que norteava, naquele período,

diversos países, principalmente os europeus. De acordo com Pazzinatto e Senise (1997), o

iluminismo era fundamentado no racionalismo, no liberalismo e no efeito do pensamento

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científico, cooperado para diversas mudanças culturais, dentre elas o sustentáculo na

separação entre religião e razão.

Torna-se válida, então, a comparação entre os ideários pedagógicos de Pombal e dos

Jesuítas. Em igualdade de pensamentos, encontramos as ideias que ambos tinham da educação

como forma de dominação, além da manipulação política, social e econômica a partir do

processo educativo. Em contrapartida, Pombal via na educação uma forma de aumentar o

número de militares e criar um homem dominado socialmente, se contrapondo aos jesuítas,

que dominavam o homem usando a fé e o julgo divino.

Após a instalação do pombalismo no Brasil, a colônia portuguesa percorreu uma nova

fase, denominada por Saviani (2013b) de Fase Joanina, iniciada com a vinda da Família Real,

em 1808, chefiada pelo príncipe regente, que se tornou, em 1816, o rei Dom João VI.

Segundo Saviani (2013b),

Nessa nova fase as ideias pedagógicas oriundas continuaram inspirando as

iniciativas de Dom João, ainda que sua motivação principal tenha sido de caráter

administrativo, ou seja, a necessidade da formação para a administração e para

a defesa militar do reino cuja sede se transferira para o Rio de Janeiro, conduziu a

criação de cursos organizados nos moldes das aulas régias (SAVIANI, 2013b, p.

113) (Grifos nossos).

Nesse viés, a fase Joanina foi um marco no sistema de ensino que, com a sua

desestruturação devida à expulsão dos jesuítas, tomou novos rumos com a vinda da família

real portuguesa. Nessa mesma ocasião, apresentam-se as origens das instituições militares,

que têm como princípios basilares a defesa da classe burguesa e de seus interesses políticos,

sociais e econômicos. Partindo desse princípio, as escolas militares instituídas na reforma

pombalina têm, por detrás das suas origens, a formação de militares para a defesa das

ideologias dominantes. A respeito da vinda da Corte para o Brasil, Cruz (2017, p. 34) afirma:

Em janeiro de 1808, as tropas francesas de Napoleão Bonaparte estavam prestes a

invadir Portugal, D. João, sem exército suficiente para combater as tropas de

Napoleão, resolveu transferir a corte portuguesa para uma de suas mais importantes

colônias, o Brasil. Sabemos que, com a vinda da família real, muita coisa mudou.

Vieram às pressas, ou, melhor dizendo, fugidos de Portugal, pois estavam sofrendo

pressões da Inglaterra e da França.

Nesse panorama, a vinda da família real, em 1808, e da corte luso-portuguesa para o

Brasil Colônia, delimita um novo tempo, chamado de progresso, em que a educação e a

cultura necessitavam se adequar ao modo de vida da Coroa. Com a abertura dos portos, uma

das mais importantes decisões de D. João VI quanto à educação foi a importação de livros

didáticos, conforme explica Ramos (2011):

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A despeito da guerra com a França, D. João VI adotou o modelo educacional

napoleônico, o vínculo com a cultura francesa era muito forte, Portugal tinha sido

fundado por nobres e peregrinos franceses. Embora, o vínculo da família real

portuguesa com a inglesa também fosse forte, costurado através do casamento de D.

João I com Dona Filipa de Lascaster, filha do rei da Inglaterra (RAMOS, 2011, p.

1).

Com isso, o Brasil poderia, enfim, adotar um modelo de ensino a ser ministrado.

Decidiu-se, então, pelo modelo napoleônico. O ideário de educação, na reforma napoleônica,

era um mecanismo de coerção, controle social e constituição de hegemonia em torno da

ideologia do Estado.

Sob tal ótica, é notável a fragmentação do ensino instituída pela Coroa Portuguesa. O

espaço educacional, nesse quadro, inicia-se com a inserção de instrução pública superior para

a nobreza dominante. De outro modo, com a intenção de suprir as demandas econômicas

voltadas para a inserção do capitalismo, foram também iniciadas as aulas sobre profissões.

A análise pontuada por Cruz (2017) evidencia que franceses e ingleses tiveram forte

atuação de poder sobre os portugueses, fazendo com que D. João VI adotasse o modelo

educacional napoleônico. Ele não criou universidades no Brasil, optando pelo sistema de

cátedras, que eram unidades de ensino de muita simplicidade, sem recursos estruturais.

Segundo Ludwig (1998), “O ensino militar enquadra-se nesse contexto. De modo

semelhante à educação civil, as escolas castrenses também exprimem as relações de poder

existentes no contexto social”. Nessa mesma perspectiva, Colares e Colares (2003, p. 32)

afirmam que a “formação educacional dos militares, tal qual a educação oferecida aos civis, é

impregnada de valores da classe dominante, com agravante, no caso militar, do exagerado

autoritarismo”.

Para Ramos (2011), especificamente em 1808, D. João VI fundou a cátedra de

Medicina na Bahia e no Rio de Janeiro e, em 1819, fundou a cátedra de Engenharia, embutida

na Academia Militar, destinada a formar oficiais no Rio de Janeiro. Saviani (2013b, p. 113)

afirma que:

Assim, já em 1808, foi criada a Academia Real da Marinha e, em 1810, Academia

Real Militar, destinada a formar engenheiros civis e militares. Também em 1808

forma instituídas a aula de cirurgia na Bahia e de cirurgia e anatomia no Rio de

Janeiro, organizando-se em 1809, a aula de medicina, cujo objetivo era formar

médicos e cirurgiões.

Iniciou-se, então, o ensino militar no Brasil. Averiguamos que, nesse momento, foi

consolidada a ação dos militares na educação, uma nova fase da educação militar no contexto

brasileiro.

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Fugido de Portugal, após as ameaças de Napoleão em toda a Europa, exceto na

Inglaterra, D. João VI, amedrontado com a possibilidade de que Napoleão o encontrasse na

colônia Brasil, viu a urgência em formar um exército eficaz, para atender seus interesses em

zelar pela segurança da Coroa portuguesa. Dessa maneira, fomenta uma educação de cunho

militar que, segundo Azevedo (1964), buscava formar novos soldados. D. João VI ordenou a

reorganização do exército, que trazia consigo uma mudança no ensino dos militares.

Nesse cenário, a Academia Real da Marinha tinha por objetivo formar oficiais para a

Marinha e, a princípio, a Real Academia Militar instruía civis para o exército. Porém, com a

fragmentação dos cursos militares e de engenharia, surgiu uma divisão no ensino militar,

sendo a primeira para formar soldados militares e fortalecer seus quadros. A partir desse

momento, as forças armadas destacam-se notoriamente no Brasil Colonial. A segunda se deu

com a criação da Real Academia Militar, iniciando-se o desenvolvimento da engenharia

brasileira. Nessa mesma perspectiva, Meirelles et al (2018, p. 137) esclarecem: “é claro que o

domínio técnico instrumental militar necessita de forte formação”. Nesse sentido, a proposta

da educação militar, desde o princípio, foi voltada para o fortalecimento da instituição militar

e para atender à classe dominante. É relevante expor que a educação militar contemplava a

burguesia, sendo um divisor de águas entre esta e o proletariado. Ludwig (1998) é enfático

quando afirma que os militares, no Brasil, desde há muitas décadas, vêm atuando em

benefício dos setores hegemônicos da sociedade. De acordo com Meirelles et al (2018), a

Academia Real Militar foi criada com o seguinte objetivo:

Um instituto formador de oficiais para o Exército e de engenheiros para a Colônia.

Era ele sensível às necessidades militares e, também, aos reclamos dos serviços

públicos civis. À sua visão surgiram as imensas distâncias brasileiras pedindo

estradas, os largos rios exigindo pontes, o litoral reclamando portos. Esta colônia,

este verdadeiro continente, ainda intocado, era um desafio às técnicas da engenharia.

Importava, sem tardança, pensar nos engenheiros que haveriam de decifrar e

dominar o gigante, numa espécie de guerra ao império e ao primitivismo da terra

brasileira (MEIRELLES et al., 2018, p. 140).

Verdadeiramente, nas instituições militares brasileiras, verificamos o desígnio da

Academia Real Militar e a forte influência dos militares na formação do campo técnico,

principalmente na engenharia. Constatamos que, nesse período, se originaram as primeiras

academias de ciências exatas, que ocuparam espaços significativos nesse percurso. O

território brasileiro, rico em rios de difícil acesso, uma intensa costa marítima, com demandas

de estrada, pontes e viadutos, portos e outros, necessitava de engenheiros para contribuir com

o desenvolvimento do país.

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Ademais, a Academia Real Militar foi um marco histórico desse período em que se

iniciou a preparação técnica dos futuros oficiais do exército. Ainda nesse espaço, podemos

perceber que a instituição concentrou-se mais na área de engenharia devido à alta demanda do

território brasileiro com fins de crescimento. A priori, subtende-se que o objetivo era formar

profissionais civis na área de engenharia para atender aos interesses das classes dominantes no

desenvolvimento do território brasileiro e também à formação dos quadros militares.

Em princípio, essa instituição militar era voltada para a formação de militares.

Contudo, diante das exigências de uma formação mais ampla, optou-se por formar

engenheiros, para atender às diligências, o que gerou uma reviravolta nesse espaço. Nesse

intervalo de tempo surgiram muitos conflitos. Afinal, o ensino militar era voltado para

formação dos militares, ou seja, seguia uma lógica militarizada, o que causava o

descontentamento de muitos civis que pretendiam seguir a carreira de engenheiro.

Diante das demandas e conflitos, a Academia Real Militar se transformou em Escola

Militar, voltada exclusivamente para a preparação dos quadros militares, subordinados a

disciplina mais rígida. Dessa maneira, foi separada a formação de engenheiros e cientistas

civis da formação de militares. O ensino público, nesse período de D. João VI, passou por um

processo de secularização no país.

Durante o período em que D. João VI esteve como príncipe regente, o Brasil passou

de Colônia a Reino Unido. Com a mesma motivação bélica, foram criadas a Real Academia

Militar e a Academia de Marinha. Nessa visão, Lustosa (2006) esclarece que, além da criação

da Academia Militar, foram criados o Jardim Botânico e a Escola Normal.

Sobre isso, Cunha et al (2018) escrevem que as forças armadas são aparelhos

coercitivos que, de forma autoritária, impõem à sociedade os desígnios do Estado, em que a

classe burguesa exerce o domínio total. Segundo Boaventura (2009, p. 130), “[...] se

considerou a necessidade de formação de médicos militares em um tempo de guerra, com

Napoleão a dominar a Europa, salvo a Inglaterra”.

De acordo com Lustosa (2006), a chegada do rei D. João VI e sua corte no Rio de

Janeiro provocou um estrondoso choque. A esse respeito, Malerba (1999) afirma que,

repentinamente, o Rio de Janeiro se tornou a sede de todo o vasto Império lusitano.

Ao distinguirmos o Estado como “comitê gerente dos interesses burgueses”, como já

alertava Marx (2005, p. 42), reconhecemos, também, a força militar como instituição

burguesa. Notamos que, no Brasil, as forças militares são responsáveis por preparar oficiais,

cuja finalidade é bem antiga. Tomando como referência o século XIX, podemos dizer que

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Portugal criou as primeiras escolas militares no Brasil, tendo como finalidade expandir o

quadro de oficiais para resguardar a família lusitana que aqui se instalou.

Após toda a construção do ambiente militarizado no Brasil que, como visto, partiu

das ordenações jesuítas, esse ambiente firmou-se, de fato, no País, durante os séculos XIX e

XX. Ludwig (1998) apresenta algumas instituições militares encarregadas de preparar

oficiais:

A Escola Naval, surgida em 1886, recebeu muito antes dessa data as denominações

de Academia Real dos Guardas –Marinha, Academia Imperial dos Guardas –

Marinha, e Escola de Marinha. A Academia de Força Aérea só aparece com esse

nome na década de setenta, mas já existia com o nome de Escola de Aviação desde

1919. Entre Escola de Aeronáutica. A Academia Militar de Agulhas Negras, por sua

vez, tem sua origem no ano de 1810, porém com o nome de Real Academia Militar

(LUDWIG, 1998, p. 19).

De fato, a incumbência das escolas militares brasileiras na preparação de oficiais é

bastante arcaica. Conforme as palavras de Ludwig (1998), acima, instituições militares no

país surgiram a partir de 1886, mas muito antes das datas citadas elas já existiam e recebiam a

denominação de Academia, o que prova que as instituições educacionais militares estiveram

sempre presentes no contexto histórico da educação brasileira.

É considerável afirmar que os militares detêm forte influência no campo educacional

e político brasileiro. Contudo, no Brasil, após uma regência apoiada por grandes latifundiários

e comerciantes, D. João VI e sua política de contradição se tornam odiosos aos olhos da elite

agrária, uma vez que os súditos portugueses permaneciam em cargos administrativos.

Somando isto às ideias liberais oriundas de Portugal, que ganharia força com as Cortes

integradas por revolucionários insatisfeitos com o abandono de Dom João, ficando

submetidos às intervenções da Inglaterra, além das benfeitorias voltadas à elite do Brasil

colônia, que ameaçavam o poder de D. João VI, o rei se viu encurralado. Dentro das críticas

dos liberais revolucionários do Porto estava o Pacto Colonial. A esse respeito, Costa (1999, p.

41) afirma que:

Multiplicaram-se em Portugal e no Brasil os panfletos procurando prover a

conveniência do restabelecimento do Pacto Colonial. Frisavam que a abertura dos

portos estava levando à destruição do artesanato e do comércio local, da navegação

nacional e provocando o empobrecimento das populações locais em benefício dos

estrangeiros, principalmente dos ingleses. Reflexões sobre a necessidade de

promover a União dos Estados de que consta o Reino Unido de Portugal, Brasil e

Algarve nas quatro partes do Mundo”, observa que a importação de manufaturas

estrangeiras provocava desequilíbrios na balança em prejuízo da economia luso

brasileira, acarretando a evasão de riquezas. Ao lado desses panfletos, outros foram

publicados no Brasil defendendo um ponto de vista oposto. Mostravam as

desvantagens do Pacto Colonial para o Brasil e acentuavam as vantagens do

comércio livre que emancipava o país dos limites impostos pela metrópole.

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Com toda a pressão imposta - e com medo de perder o poder em Portugal, devido às

propostas das cortes liberais - Dom João VI necessitou voltar a seu país, uma vez que seu

trono estava ameaçado pelos revolucionários liberais insatisfeitos. Ao voltar às terras

portuguesas, o Brasil Colônia ficou sob a responsabilidade de seu filho Dom Pedro I.

Urge, contudo, após a “independência” do Brasil, um modelo nacional, unificado e

público, afinal o império estava cercado por poucas escolas, aulas régias e algumas

instituições de ensino superior (XAVIER; RIBEIRO; NORONHA, 1994). Conforme

Nascimento (1999):

No império foram criadas várias instituições de pesquisas, algumas das quais

continuam funcionando até hoje. Dentre tais instituições é possível citar o Museu

Paraense, criado por Emílio Goeldi em 1885, o Instituto Agronômico, criado pelo

Governo Imperial em 1887, em Campinas. O Liceu de Artes e Ofícios de São Paulo

foi criado em 1873, por ato do Governo Imperial. Em Recife, dentre as muitas obras

encomendadas, entre 1840 e 1846 ao engenheiro Francês Louis Vauthier, estava o

Teatro Santa Izabel (NASCIMENTO, 1999, p. 32).

A educação, então, do período de Dom Pedro I, caracteriza-se por uma redistribuição

em todo o ambiente territorial brasileiro. Tal promessa, após o desprezo com que foi

realizada, esclarecia, segundo Xavier, Ribeiro e Noronha (1994), “o caráter meramente

demagógico dos objetivos democráticos que juravam perseguir”, buscando defender os

interesses da educação da elite. Contudo, na educação, pouco se viu do aspecto militar, exceto

o que já vinha sendo feito desde Pombal. O ensino no primeiro império é caracterizado por

falácias, ao prometer uma educação para todos e cumprir somente uma educação de qualidade

para os aristocratas.

Após a morte de D. João VI, em Portugal, Dom Pedro I é herdeiro legítimo do trono

português. Entretanto, Dom Pedro I não podia ter o poder de dois tronos. Abdicando de ser

imperador do Brasil, tornou-se rei de Portugal, sob o título de D. Pedro IV, deixando no Brasil

seu filho D. Pedro II, ainda criança. Dom Pedro II assumiu o trono somente mais tarde, em

1840.

Anterior à consumação de D. Pedro II ao trono, foi criado, em 1837, ainda pelos

Governadores Regentes, o Colégio Imperial Dom Pedro II. Essa instituição educacional era

voltada para as elites. Com o objetivo de “civilizar o país”, escamoteou-se uma educação

voltada à classe dominante que, mesmo com todas as condições, ainda era quase totalmente

analfabeta. Os professores eram selecionados pela classe responsável, por ainda não haver um

mercado de trabalho certo para os professores.

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Após esta data, mais claramente a partir de 1880, com o desenvolvimento das forças

militares, os Marechais passaram a ser figuras poderosíssimas, possuindo grande prestígio

social.

Após 1882, condicionada pelos ideais iluministas e positivistas de Rui Barbosa, a

educação foi palco de diversas transformações. As “novas” propostas para a educação foram

produtos das sucessivas crises. A instrução passou a ser livre, originando abertura para as

instituições privadas. Em relevo estava a descentralização da instrução pública para a

instituição privada, com o objetivo de ofertar o nível secundário. Nessa conjuntura, a

instituição pública se restringe às exigências do Estado.

Por meio dessa ideia, surgiu a sofisticação dos projetos do ensino, que tiveram como

propagador Rui Barbosa, em sua ilustre proposta sobre a Reforma do Ensino Primário em

diversas instituições complementares da instrução pública, nos anos de 1882. Em uma

determinada quantidade, destinada à questão do método e de programas de ensino, Rui

Barbosa dedicou-se a comprovar, com minuciosa moderação convincente, as vantagens de

cada uma das disciplinas que necessitariam compor o currículo enciclopédico da escola

primária no Brasil. Souza (2000) assim descreve esse currículo:

Educação Física, Música e Canto, Desenho, Língua Materna, Rudimentos das

Ciências Físicas e Naturais, Matemática, Geografia e Cosmografia, História,

Rudimentos de Economia Política e Cultura Moral e Cívica. Em relação à Educação

Física, o republicano Rui Barbosa construiu seus argumentos com base no princípio

da educação integral – educação física, intelectual e moral –, apelando para a

indissociabilidade entre corpo e espírito e para a necessidade do processo educativo

seguir as mesmas leis da natureza. Nas representações de Rui sobre os benefícios da

Ginástica na educação popular, emergem as funções morais, cívicas, disciplinadoras

e higiênicas que foram atribuídas a esse ensino no século XI (SOUZA, 2000, p. 18).

Esses projetos serviram para reorganizar o ensino no âmbito educacional brasileiro,

sempre atendendo a interesses hegemônicos, revelando a forte influência da economia nas

transformações das instituições educacionais e, portanto, no planejamento da educação como

vem sendo idealizada. Rui Barbosa articulou-se a favor dessa proposta, convencido de que

esses projetos deveriam motivar os interesses do público pela propagação da instrução. Fica

evidente que o que está por detrás dessa artimanha é atender aos interesses de uma classe

hegemônica.

Por esse viés, Saviani (2013b, p. 173) afirma que “Rui Barbosa foi um grande

defensor do método intuitivo, cujos princípios e fundamentos foram por ele sistematicamente

apresentados em seus célebres “Pareceres””. A partir de 2893, surgem os grupos escolares. A

esse respeito, Souza (2010) diz que “as práticas de conteúdo cívico-militar também se

transformaram nesse período, mantendo, não obstante, a ideologia patriótica e de construção

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da nacionalidade”. De acordo com Saviani (2013b), “os grupos escolares se destacaram pelo

espetáculo de ordem, civismo, disciplina, seriedade e competência das instituições de

instrução primária”. O autor comenta que:

Trata-se, pois de um modelo que foi sendo disseminado por todo o país, tendo

conformado a organização pedagógica da escola elementar que se encontra em

vigência, atualmente, nas quatro primeiras séries do que hoje se denomina ensino

fundamental. [...] Mas, por outro lado, essa forma de organização conduzia, também,

a mais refinados mecanismos de seleção, com altos padrões de exigências escolar[...]

No fundo, era escola mais eficiente com o objetivo de seleção e formação de elites.

A questão da educação das massas populares ainda não se colocava (SAVIANI,

2013b, p. 174-175).

Nesse aspecto, é inegável que as novas finalidades foram atribuídas às escolas

primárias, que vieram atreladas às profundas reformas no ensino público. Tais inovações

submergiram com os programas de ensino, com a criação de novas matérias e conteúdos

culturais, a criação de modernos métodos e processo pedagógicos, como o método intuitivo, o

uso de material didático e a implementação de um novo modelo de escola primária

caracterizada por Grupos Escolares, alicerçados nos princípios da racionalidade técnica e na

divisão do trabalho.

Podemos afirmar, dessa forma, que os aspectos militares na história brasileira sempre

foram acentuados. Em 15 de novembro de 1889, articulado pelos militares aliados à

comunidade maçônica, insatisfeitos com a governança de D. Pedro II, insurge sobre as ruas do

Rio de Janeiro o Golpe de Estado, o que deu início à Proclamação da República no Brasil.

Esse período ficou reconhecido pelo processo de transição do fim do regime imperial aos anos

iniciais da república. Marcado por uma instabilidade política e social que revelava

contradições e jogos de interesses.

O caminho percorrido pelo regime monárquico até a República contemplou

reorganizações nas estruturas da sociedade brasileira. No que diz respeito à educação, sua

ampliação convergiu, basicamente em centros urbanos, especialmente na região Centro-Sul,

que era o alvo econômico do país.

Assim, é relevante atentarmos para o período histórico da Proclamação da República,

resultado de um levante político-militar que culminou em 1889.

Nesse plano, Benjamin Constant, professor da Escola Militar, positivista e

republicano, trabalhou a filosofia de Auguste Comte dentro do ambiente institucional militar.

Muito aclamado pelos jovens oficiais, que acreditavam que o progresso viria a partir de uma

ordem instituída, Benjamim Constant os direcionava para o movimento republicano.

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Como efeito do manifesto republicano de 1870, que se manifestava contra o regime

do poder moderador, o modo eleitoral, a centralização de poder, etc., os manifestantes a favor

do federalismo perceberam essa posição como uma questão central para as aspirações

republicanas. Sendo ideias que vinham do Partido Liberal, o diferencial estava na defensa de

uma nova república. De acordo com Basbaum (1982, p. 216),

O Manifesto não convencia a ninguém. Os que aderiram ou faziam por já serem

republicanos ou por serem simplesmente contra a Monarquia. De fato, o Partido

Republicano Paulista, por exemplo, fundado em 1872, transformou-se em asilo dos

descontentes do regime.

Esse movimento não comungava de um acordo para consolidar o manifesto contra a

monarquia. O Partido Republicano não lutou pela proclamação da república porque seus

componentes não conseguiam se organizar, devido às divergências de pensamentos, o que não

favorecia o partido na condução do fim do regime e estabelecimento de uma nova ordem

política.

Nesse espaço, cabe fazermos uma concisa discussão teórica sobre a influência militar

na política, ou seja, um breve histórico dos acontecimentos que levaram ao golpe militar que

foi chamado de Proclamação da República. Cunha (2018) enfatiza que, em todo o período da

República Velha, ocorreram levantes militares contra o Governo. O autor afirma, ainda, que a

república em si é um fruto de um golpe militar, que nasce partir do descontentamento da elite

militar e latifundiária. Porto (1990) comunga da ideia de que o novo regime nasceu de uma

revolta militar. Felizardo (1980, p. 33) comenta que “com a abolição, o Império perdeu o

apoio dos senhores de terras; em virtude da questão religiosa perdera o apoio da Igreja e

agora, com a chamada questão militar, perderia a morna simpatia das forças armadas”.

Para Costa (2010), a questão militar se agravou com o descontentamento crescente

dos militares, em virtude do tratamento que lhes dispensava o governo, o que impulsionou

uma revolta militar, resultando na Proclamação da República, primeiro o golpe militar que

liquidou com a Monarquia e implantou o regime republicano no território brasileiro.

Notamos que a iniciativa de proclamar a República não passou de um golpe

arquitetado pela elite burguesa, já insatisfeita com o atual regime, porém destacamos a

atuação do Exército nesse marco histórico. A insatisfação dos militares e o discurso

republicano se expandiam. Os atritos com a Igreja foram minando a relação entre trono e

altar, assim, desde o Império, as questões militares tomavam espaços cada vez mais

relevantes. Nesse contexto, havia um Partido Republicano, mas este não liderou o movimento

da Proclamação da República. Os militares articularam-se entre si nesse Golpe de Estado, em

prol de interesses econômicos. Para Coelho (2000),

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O Golpe de 15 de novembro foi uma resposta dos militares contra a “política de

erradicação” promovida pela elite contra o Exército, traduzida na desvalorização

da carreira militar, com a redução do efetivo de 16 mil na década de 1870, para

13,5 mil em 1880 (Coelho, 2000, p. 60).

É notório que os militares foram protagonistas de um plano para derrubar a

Monarquia, em prol de seus interesses, pois, afinal, os dois primeiros presidentes foram os

Marechais Deodoro da Fonseca e Floriano Peixoto, no percurso da Primeira República. Nesse

contexto, aferimos que os militares desempenharam papeis decisivos na História do Brasil,

onde tiveram sérios embates relevantes nesse conturbado momento da Proclamação da

República. A exemplo disso, Reis (2018, p. 9) argumenta que:

Ao longo da Primeira República, até 1930, além de ter sido presidente um outro

chefe militar (Hermes da Fonseca), oficiais das Forças Armadas estiveram na

origem de importantes embates - revoltas de 1922, no Rio de Janeiro, e de 1924, em

São Paulo, a coluna guerrilheira liderada por Miguel Costa e Luiz Carlos

Prestes(1924-1927), entre outros motins e sublevações que agitaram o período, sem

contar os acalorados debates no âmbito do Clube Militar, que polarizavam

crispações e tensões do jogo político, com grande destaque nas páginas da imprensa

escrita, principal meio de comunicação da época.

Observamos nitidamente a presença dos militares no processo político brasileiro, ou

seja, em nenhum momento a política esteve ausente do convívio militar e, na sua história,

apesar da instituição militar ser intervencionista, não era totalmente homogênea pois tinha

algumas ramificações que se voltavam contra a ordem imposta. A República trouxe à tona

divergências entre frações militares. Emergiu uma luta política entre várias delas, dando início

a uma contraditória intervenção no cenário político brasileiro.

Portanto, nesse cenário, Proclamação da República foi uma ação militar para a

derrocada da Monarquia e transformação nas relações de poder entre militares e sociedade

brasileira.

Após a Proclamação da República, a educação deu sinais de uma proposta

universalista, mesmo que, efetivamente, o acesso ainda fosse restrito a poucos, sob a

proposição dualista diretamente atrelada à visão de educação iluminista. Nessa mesma

direção, surgem os primeiros colégios militares. Santos (2010, p. 48) assim explana:

Paralelamente ao sistema de ensino público implantado pelos governos brasileiros

do final do século XIX e no XX, surgiram os colégios militares do Brasil. O CM é

um tipo de escola independente das redes públicas e é vinculado ao Exército

Brasileiro. É uma das primeiras escolas laicas criadas no país [...] apenas após a

Proclamação da República o país criou escolas desvinculadas dessas instituições,

dentre as quais se situam os CMs.

Esses colégios começaram suas histórias com um decreto imperial que aprova o

Regulamento para o Imperial Colégio Militar, assinado por Thomaz José Coelho de Almeida,

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Conselheiro, Senador do Império, ministro Secretário de Estado dos Negócios da Guerra. A

iniciativa partiu do então Ministro de Guerra, citado acima, que teve a intenção de apaziguar

os ânimos dos militares republicanos com uma demonstração de boa vontade do Império.

Conforme o Decreto nº 10.202, de 9 de Março de 1889, em seu Art. 1°, temos que:

Artigo nº 1: Fica creado nesta Côrte, sob a denominação de Imperial Collégio

Militar, um instituto de instrução e educação militar destinado a receber,

gratuitamente, os filhos dos offficiaes effectivos, reformados e honorários do

Exército e da Armada; e mediante a contribuição pecuniária, alumnos procedentes

de outra classes.

Subentendemos que o colégio militar, criado nesse período, teve como objetivo o

assistencialismo para com os filhos de militares que perderam seus pais no campo da guerra

do Paraguai. Nesse propósito, Ludwig (1998) explica uma outra razão para a expansão do

ensino militar no Brasil:

Outro fato significativo diz respeito à reorganização modernizadora que incluiu nas

forças armadas, por causa da colaboração prestada pela Alemanha e França. O

impulso modernizador partiu de alguns oficiais em razão do envolvimento do

exército na guerra do Paraguai e nos episódios de Canudos e Contestado (LUDWIG,

1998, p. 21).

Em razão das mortes de centenas de militares na Guerra do Paraguai, na Revolta de

Canudos e do Contestado, a educação militar deixou de ser somente a proliferação do ideal

dominante e se tornou ferramenta para a criação de mais mão-de-obra militar a ser explorada

em novas batalhas ou, simplesmente, na defesa da república burguesa.

Santos (2016) explica que o Imperial Colégio Militar da Corte, em 1912, passou a ser

chamado Colégio Militar do Rio de Janeiro (CMRJ). Nesse período, a escola deixou de

exercer sua função assistencialista e passou a funcionar com sistema de ensino básico, tudo

isso graças às pressões da classe dominante, que exigia que seus filhos ingressassem na

carreira militar.

Diante dos fatos, percebemos que os membros recrutados para a escola militar saíam

de dentro da classe burguesa, o que, historicamente, consentia que essa classe dependesse do

Estado para sua sobrevivência e adquirisse um caráter parasitário. Nessa visão, Ludwig (1998,

p. 20) comenta:

De fato, o quadro de oficiais no início dessa época era constituído, principalmente,

por elementos lusos que vieram para o Brasil junto com a corte. Ao lado deles havia

oficiais brasileiros originários da camada média da sociedade. Em meados desse

século, o corpo de oficiais compunha-se majoritariamente de elementos oriundos da

classe dos senhores da terra e minoritariamente por indivíduos da pequena burguesia

e nobreza titular em declínio.

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Desse modo, advertimos que não é de nos espantarmos que, para fazer parte do corpo

de aluno das escolas militares, era necessário pertencer a algum setor dominante da estrutura

social. Ao longo do tempo, os colégios militares passaram a ser, oficialmente, destinados ao

preparo da oficialidade e conservaram a tradição em recrutar uma grande parte dos jovens dos

segmentos mais favorecidos da comunidade.

Nessa ótica, o ensino militar, conforme Ludwig (1998), foi um “processo de

formação dos militares, no decorrer da história brasileira, o que contribui para forjar um tipo

de profissional das armas com tendências interventoras”. Ainda nesse período da história é

relevante expor a Lei 10.202 que, em seu Art. 2°, estabelece que:

Artigo 2º. Os alunos constituirão um corpo, ao qual será aplicado o regimento

disciplinar, econômico e administrativo dos corpos do Exército, salvo o que não

praticável, em razão da idade dos mesmo alunos e da índole especial deste instituto

(a LEI 10.202 de 9 de Março de 1889).

Em virtude da disciplina atrelada ao ensino, o que reproduz um regime disciplinador,

de acordo com Santos (2016), ainda com um “quadro de professores renomados, o colégio

ganhou prestígio na sociedade carioca, concorrendo com escolas tradicionais e renomadas,

como o Colégio Pedro II”. Constamos que Ludwig (1998) faz uma severa crítica à educação

militar, quando afirma que esta é pautada na formação de contingente com papel para

intervenção, Por sua vez, Santos (2016) afirma que o colégio militar foi além da formação da

carreira militar, pois, nele, a classe burguesa via uma possibilidade de preparação dos alunos

para a vida na sociedade civil.

Assim, na época da Primeira República, os militares perceberam que o colégio

militar seria uma estratégia de conduzir os alunos para a vida militar, conforme explica Cunha

(2011, p. 06): “O colégio, nesse aspecto, não deixa dúvidas quanto o caráter da instituição que

visava, prioritariamente, formar bons quadros para as Forças Armadas”. Conforme Santos

(2016, p. 52),

[...] a educação militar torna-se uma instituição com a finalidade para formar

indivíduos para a carreira militar, evidenciamos assim essa escola como um

mecanismo escancarado para a formação de soldados com princípios e a vivências

do Exército eram repassados aos alunos desde muito cedo.

É patente a presença dos militares na política e no campo educacional brasileiro,

visto que eles trazem, na sua história, uma grande participação em movimentos políticos e

militares em prol dos seus interesses, com discursos de restabelecer a ordem quando, na

verdade, buscavam atender às demandas da burguesia. Nesse sentido é pertinente afirmar que

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os militares estiveram envolvidos direta ou indiretamente em todo o processo político e

econômico da história brasileira.

No entanto, percorreremos o momento histórico de 1930 quando, mais uma vez, os

militares tiveram fortes influências no contexto político. Nos anos anteriores à revolução de

1930, “os militares, na grande maioria, estiveram envolvidos na centralização do poder

político e da máquina estatal” (SILVA, 2018, p 72). Segundo o autor, nesse ano se consolidou

a campanha civil pelo aparelhamento das Forças Armadas diante de dois motivos:

De um lado, o clima sombrio que dominava o cenário político mundial, no qual

Japão, Itália e Alemanha executavam uma política agressiva de conquistas

territoriais; de outro, a polarização da política no cenário interno marcado pelo

levante comunista de 1935 e pelo pustch integralista 1938 (SILVA 2018, p. 72).

Podemos dizer que os militares possuíam profundos interesses nesse momento

político brasileiro. Silva (2018) descreve que as reformas nas Forças Armadas almejaram

aumentar sua coesão interna e inaugurar a estreita vinculação entre objetivos estritamente

militares e o processo de industrialização. Nesse contexto, as Forças Armadas atravessaram

uma reorganização primordial, que tornou viável a participação dos militares na vida política.

Enquanto Vargas esteve no poder, seu governo foi marcado por levantes militares e

civis, dentre eles citamos: a Revolução de 1930, movimento militar golpista que depôs

Washington Luís e impediu Júlio Prestes, eleito, de assumir a presidência; a Revolta de

Princesa (1930), movimento coronelista contrário às medidas de João Pessoa, que impediu o

mercado de alguns Estados com Pernambuco; a Revolução Constitucionalista (1932),

organização civil que exigia uma nova constituição; o Levante de 1935, uma tentativa popular

para retirar Getúlio Vargas do poder, organizada pelo Partido Comunista do Brasil; e a

Revolta Mineira (1935), organizada pelas classes dominantes de Minas, Roraima e Acre, que

aspiravam por uma constituição mineira, escravista e retrógrada, independente da carta magna

nacional.

Durante o Estado Novo de Vargas, a educação era vista, de forma estratégica, como

o ambiente para formar um novo cidadão, que atendia aos interesses ultranacionalistas da

classe dominante. Logo, a forte presença dos militares se deu de modo a construir um jovem

patriota, disposto a lutar pelo renascimento da honra social e pelo fortalecimento do Estado.

Criado nesse período, o Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP), fundado em

dezembro de 1939, agia dentro de todas as esferas sociais, trazendo a imagem de Vargas, dos

militares e de seus projetos como salvadores da pátria, da honra nacional e restauradores do

poder pátrio.

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Um líder de imagem pública otimista, Vargas foi capaz de ascender na sociedade

brasileira o espírito fascista vigente na Europa, à moda da casa. O Estado Novo utilizou-se de

meios de propaganda para proliferar a imagem deste líder como a figura representativa dos

ideais ultranacionalistas e desenvolvimentistas.

Destarte, o modelo exportador, predominante na economia brasileira até a década de

1930, foi suprimido por um novo modelo de importação e industrialização, atrelado às

transformações políticas que surgiam a partir da Revolução de 1930 e pelo Estado Novo,

estabelecido em 1937. Todavia, esse avanço econômico tinha raízes em um capitalismo

dependente que, a todo custo, tentava conter a industrialização. A respeito dessas ideias,

Gomes (2018, p. 56) esclarece:

Por sua vez, o processo de industrialização de origens mais remotas, e alterando as

estruturas de classe fazendo emergir uma burguesia industrial e financeira – que tem,

em partes suas origens vinculadas à oligarquia do café -, bem como a classe operária

e as classes médias. As bases sociais do Estado se ampliavam e a burguesia

procurava garantir a hegemonia política na sua direção.

Observamos, por conseguinte, que a Revolução de 1930 foi uma reorganização das

classes dominantes, que buscavam ascender certos oligarcas latifundiários à condição de

burgueses, considerando-se que o plano de reorganização da economia aspirava industrializar

o Brasil e, ainda assim, dependente do imperialismo norte-americano.

Ademais, depois de comandar o Brasil, controlando os meios de comunicação e

propaganda e com o apoio da massa e da burguesia - apoio, todavia, conturbado, na medida

em que as políticas populistas de Vargas rompiam com a exploração irrestrita da classe

dominante sobre os trabalhadores -, do “auxílio” imperialista, tornou-se difícil, para Vargas,

governar sob a face da democracia burguesa, durante os anos 1951 a 1954, ainda mais com o

fim do financiamento ianque, a alta inflação e a oposição. Seu suicídio foi um ato

desesperado, em decorrência das acusações que sofria, como as de corrupção e de tentativa de

assassinar o opositor Carlos Lacerda.

Certamente, o período de maior influência dos militares sobre a educação brasileira

foi o período da ditadura civil-militar. Buscamos conhecer, historicamente, a relação entre o

Estado e a Educação Brasileira no período em que se inicia, em 1964, com o golpe que

instalou a ditadura civil-militar, até 1985. Conforme Germano (2000, p. 39),

A participação das Forças Armadas, notadamente do Exército, na vida política do

Brasil começa a tornar-se significativa a partir da segunda metade do século XIX

com a Guerra do Paraguai (1865-1870), projeta-se na abolição da escravatura

(1888), na proclamação da República(1889) e culmina com o golpe de Estado de

1964.

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Cabe salientar que o início dos anos 1960 foi um momento conturbado para as

classes dominantes brasileiras, visto que o Brasil passava por uma crise econômica e política

com extremas proporções. Essa crise culminou na redução do índice de investimento,

diminuiu a entrada de capital externo, fez cair a taxa de lucros e agravou a inflação, além da

instabilidade político-social. Nesse sentido, Romanelli (2000) explica o modelo de

desenvolvimento imperante nesse período, que gerou como ponta de lança o movimento

político–militar de 1964:

A chamada “substituição de importações” passou a ser feita de forma que a

importação de bens de consumo fosse substituída pela produção industrial interna.

Mas essa substituição foi sendo feita à base de outro tipo de importação: a de

equipamentos e Know-how, tanto mais sofisticados, quanto a produção passou a

visar ao atendimento dos padrões de consumo da elite, próximos dos padrões de

consumo das elites dos países industrializados (ROMANELLI, 2000, p. 55).

Nesse momento, as mobilizações populares e conflitos se intensificaram em prol de

reformas na estrutura da sociedade brasileira, entre capital e trabalho, agravando a crise

política do Estado. Esse período foi marcado por lutas de classes, já que a sociedade civil se

apropriou do espaço político e da organização dos trabalhadores urbanos e rurais. Essas

manifestações geraram influências sobre outros setores da sociedade, que passaram a

participar ativamente de mobilizações em favor das Reformas de Base como, por exemplo, os

estudantes, militares subalternos (sargentos, marinheiros etc.).

No período de 1960 a 1964, houve muitas mobilizações, assembleias, organizações

sindicais, etc. Nessa época, havia uma forte influência das Ligas Camponesas e dos Sindicatos

Rurais. As Ligas Camponesas foram organizações de camponeses formadas pelo Partido

Comunista Brasileiro (PCB), a partir de 1945, partido clandestino que influenciou vários

movimentos sociais. Referindo-se a esse movimento, Gomes (2018, p. 59) diz que “Suas

propostas tinham o objetivo superar “supostas” características semifeudais que caracterizam a

sociedade brasileira”. Cabe ressaltar que, nessa ocasião, a educação brasileira se expandiu em

consequência das pressões dos movimentos sociais e sindical.

De tal modo, observamos que a escola brasileira evoluiu, também, por força dos

papéis que lhe reconheciam a economia (ROMANELLI, 2000). Ocorreu a expansão de

matrícula no ensino fundamental, manifestações, campanhas e movimentos de educação e

cultura popular surgiam em todos os pontos do País, com a proposta de conscientização

política e social dos trabalhadores.

Diante de tal panorama, Germano (2000) destaca os principais problemas da

sociedade brasileira: o alto índice da inflação, que estava roendo os salários dos trabalhadores;

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a revolta dos sargentos, em setembro de 1963, em Brasília, analisada como quebra de

hierarquia; o anticomunismo; o combate acirrado à reforma agrária; as dificuldades urbanas

agravadas pela mídia e o alto índice de crescimento populacional. E esses problemas

adicionava-se a crescente pobreza na área rural, onde trabalhadores levantaram a bandeira da

reforma agrária como única saída para superar sua marginalização no processo

produtivo. Mas, acima de tudo, o estopim da crise brasileira que gerou a movimentação

militar foi a queda de investimentos estrangeiros em um país dependente do imperialismo,

principalmente norte-americano, onde não era de interesse estrangeiro o avanço das reformas,

tampouco o aprofundamento das lutas populares

Ainda por cima, a revolução cubana abalou a hegemonia imperialista dos EUA no

Continente e contribui, de forma veemente, para o desenvolvimento de uma ofensiva

anticomunista na América Latina. Isso fez com que aflorassem os valores da Guerra Fria. De

fato, a experiência cubana impulsionou os oprimidos de diversos países.

Nesse sentido, Germano (2000) salienta aspecto ideológico, uma vez que o

nacionalismo de esquerda desempenhou forte influência nas manifestações em que,

frequentemente, a própria dominação burguesa era posta em questão. Ainda sobre esse

aspecto, evidencia-se, de forma clara, que a luta de classes foi acirrada. A sociedade civil

desempenhou seu papel de maneira ativa nos movimentos sociais.

É perceptível que a intensidade das lutas sociais assombrou a burguesia, setores da

classe média e a cúpula militar, que usaram seus partidos políticos para minar o Congresso no

que se referia às Reformas de Base, ressaltando que não se restringiam apenas a isso. A

burguesia temia a tomada de poder pela classe trabalhadora.

Diante de um cenário de crise, em maio de 1962, João Goulart lançou uma proposta

de ampliar os programas de reformas, a partir da reforma agrária, tributária, eleitoral, reforma

educacional, as chamadas “Reformas de Base”. Contra essas mudanças, aconteceu um golpe

de estado por parte das Forças Armadas durante o Governo Goulart, no dia 01 de abril de

1964 (data que os militares comemoram em 31 de março). Esse golpe foi orquestrado pelo

alto comando das forças armadas, em conluio com o imperialismo norte-americano,

justificado no combate ao comunismo. Os militares tomaram o poder. Com isso, a

intencionalidade desse novo regime foi acelerar “a economia e sua consequente vinculação ao

capitalismo internacional, através de um modelo econômico que concentrou rendas e

marginalizou sistematicamente milhares de brasileiros” (GOMES, 2018, p. 85). Nessa

perspectiva, o autor esclarece a implantação desse regime:

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O regime implantado através do golpe de Estado em 1964 aniquilou por completo o

estado de direito. O Congresso, as Assembleias Legislativas, as Câmaras Municipais

foram esvaziadas pelo poder das armas, partidos foram extintos, lideranças políticas

perseguidas e exiladas. O Executivo teve seu poder hipertrofiado, governando

apoiado em atos institucionais, Tratava-se segundo a ótica dos militares, [...], de

eliminar a subversão causada pelos governos anteriores, incapazes de impedir o

“avanço comunista” (GOMES, 2018, p. 85).

Essa ação burocrática, no âmbito econômico, garantiu o processo de

desnacionalização da economia, justificada com o discurso do desenvolvimento nacional e

dos interesses pátrios.

O movimento golpista teve início em Minas Gerais, com mobilizações das tropas

dirigidas pelo General Olímpio Mourão Filho, que tinha apoio do Governador mineiro

Magalhães Pinto, feroz opositor de João Goulart.

O então Presidente João Goulart foi destituído do cargo de presidente da república,

gerando o fim da “democracia populista”, que teve início em 1946. Esse momento foi

marcado por uma coalizão civil e militar, responsável pelo crescente bloco de poder, que

submerge a uma articulação entre o conjunto das classes dominantes, ou seja, a burguesia

industrial e financeira, nacional e internacional, o capital mercantil, latifundiários e militares,

assim como uma hierarquia de intelectuais e tecnocratas. “O espectro de interesses

representados por esse conjunto, permite-nos classificá-lo como elite” (GERMANO, 2000, p.

17). Diante desse quadro, Gomes (2018, p. 87) expõe:

Como se vê, a configuração autoritária assumida pelo Estado não surgiu de forma

mecânica. Na verdade, o caminho autoritário trilhado pelo Estado foi fruto do

apoio de amplos setores das classes dominantes que temiam o crescimento dos

movimentos populares.

É relevante sintetizarmos que esse período teve um traço fundamental, que é a

ausência do controle social sobre o poder político, consubstanciado na extraordinária

autonomia das forças armadas que exerceram o comando do Estado brasileiro entre 1964 e

1985.

A incorporação da Doutrina de Segurança Nacional tinha como “objetivos nacionais

permanentes” justificar a usurpação de poder em seu nome e a busca por aliados fardados por

parte das classes dominantes. Tudo isso para culminar no golpe militar de março de 1964.

A Doutrina de Segurança Nacional foi desenvolvida dentro da Escola Superior de

Guerra e visava estabelecer condições para a realização do desenvolvimento nacional,

pautado na ideia de guerra, que necessitava, de forma efusiva, do apoio e da realização de

toda a nação. Como um plano armado e ideológico, a Doutrina encontrou fundamento no

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conflito entre a União Soviética e os Estados Unidos e foi base ideológica e política da

Ditadura Militar.

O Golpe foi saudado efusivamente por uma parte das camadas médias urbanas,

capitaneadas por detentores responsáveis pela realização das “Marchas da Família, com Deus

pela Liberdade”, que precederam a deposição de João Goulart. Esse fato promulgou a ruptura

de uma condição histórico-política, por forças de pontos de vistas tenebrosos, representados

pela crise política e econômica desencadeada no Brasil nos anos de 1960. “É vidente que

manifestações dessa natureza ajudaram a criar um clima político favorável à intervenção

militar, bem como legitimar o golpe de 1964” (GOMES, 2018, p. 63).

Embora ocorresse uma iniciativa do caráter burguês, competiu às forças armadas a

intervenção executiva do golpe, mediante o qual assumiram o poder do Estado durante vinte e

um anos. Em 1964, os militares assumiram o poder, implantando um regime autoritário, uma

ditadura.

De acordo com Ribeiro (2000), o golpe de Estado de 1964 tem um significado

justificado pelos resultados das medidas impostas, concretamente, pelos governos que

seguiram a ele. O exemplo disso foram as prisões e perseguições no dia seguinte ao golpe, as

quais geraram a alarmante estatística de cerca de 50.000 presos políticos em todo o país.

Sobre essa vertente, é impossível discutir a Ditadura Militar sem apontar a repressão

escancarada contida nos quatro Atos Institucionais (AI), que foram medidas impostas nesse

período sombrio. De acordo com Ribeiro (2000, p. 179-80), são eles:

O ato institucional nº 1(AT-1), de 10/04/64, dava direito de cassar mandatos e

suspender direitos políticos sem necessidade de justificação, julgamento ou direito

de defesa. [...] O ato institucional nº 2(AT-2), de 27/10/1964, acaba com as eleições

diretas para presidente e governador, acaba com os partidos políticos de até então e

impõe o “bipartidarismo”, com a instituição de um partido de apoio ao governo, a

Aliança Renovada Nacional(Arena), e um outro de oposição, o Movimento

Democrático Brasileiro(MDB). [...] O ato institucional nº 3(AT-3), de 5/12/66,

estabelece normas para as eleições federais estaduais e municipais. O ato

institucional nº 4 (AT-4), de 6/12/66, estabelece as condições em que seria votado

pelo Congresso Nacional o projeto de Constituição elaborado pelo Executivo [...].

Vale salientar que, com a criação do AI-2, consolidaram-se as ideologias políticas de

um novo regime, que se institui no poder vigente, proporcionando-lhe uma fachada

democrática.

Com uma nova Constituição, datada de 1967, que viera para substituir o texto de

1946, firmou-se a ideologia de segurança nacional aos moldes militares, pautando-se, de

acordo com Germano (2000), na agressão a um inimigo interno do Estado que, na visão do

autor, “[...] ligava-se, por sua vez, a uma outra noção, a de “guerra revolucionária”, [...] uma

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estratégia do “comunismo internacional” para conquistar o mundo” (GERMANO, 2000, p.

64).

Essa ideia de comunismo como inimigo interno, por ser manifestação da luta de

classes, refletiu no ambiente escolar, onde, segundo Gomes (2018, p. 95), “Era comum entre

os intelectuais conservadores a ideia de que o estudante não deve fazer política, mas

simplesmente estudar, ou ainda que era preciso proteger os estudantes das ideias subversivas”.

Assim, considerava-se a importância de conter os direitos alcançados, a saber: a liberdade de

organização, de expressão, de pesquisa e divulgação. Dois momentos pujantes levaram isso a

cabo.

Primeiramente, ainda em 9 de novembro de 1964, foi decretada a Lei Suplicy, que,

Segundo Gomes (2018),

[...] colocava sob o controle do Estado todas as entidades estudantis [...]. No meio

secundarista, os Grêmios Livres foram transformados em Centros Cívicos, sob o

controle da direção de suas respectivas escolas. O objetivo era claro: controlar

politicamente a (sic) e ideologicamente o movimento estudantil (GOMES, 2018, p.

96).

Desvelava-se, assim, o interesse obscurantista, tecnicista e das imposições do Estado

totalitário, ampliado pela Lei 5692/71.

Em segundo plano, o Estado adquiriu o poder mais tirano e autoritário, jamais visto

em toda a história do Brasil pós-1964. Perceptivelmente, até o 13 de dezembro de 1968, a

organização popular crescia e arriscava cada vez mais as imposições cívico-militares, de tal

modo que os estudantes e trabalhadores persistiam na luta por um Estado democrático de

direito. Notando a inquietação popular, foi instaurado, na referida data, o Ato Institucional nº

5. Segundo Romanelli (1978, p. 226), o AI-5 “[...] tira ao cidadão brasileiro todas as garantias

individuais, quer pública, quer privada, assim como concede ao Presidente da República

plenos poderes para atuar como executivo e legislativo”.

Nesse mesmo sentido, para Germano (2000), o AI-5 evidenciou uma ditadura com

“D” maiúsculo. É exatamente por isto que optamos por nos ater ao AI-5, ao invés de

dissecarmos a Lei Suplicy, ou até mesmo a ideologia de Segurança Nacional - esta que

possibilitara o AI-5 -, pois esse Ato foi a expressão máxima do horror da ditadura. A respeito

desse momento, Germano (2000, p. 66) comenta que:

[...] As forças repressivas passaram a atuar sem nenhum controle, abrindo o caminho

para a instauração do terror do Estado: prisões arbitrarias, torturas e assassinatos de

presos políticos faziam parte da cena brasileira da época. Ao lado disso, foi

instituída a censura à imprensa, à educação e à cultura.

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Foi dessa forma que a ditadura civil-militar pode dominar o plano socioeconômico

por inteiro, inculcando, nos espaços sociais, a ideologia de segurança nacional, pautada no

anticomunismo. Nesse espaço, Gomes (2018) define que o AI-5 era a expressão arbitrária do

mais exacerbado anticomunismo, atuando da forma mais autoritária impossível.

Nesse período, ocorreu o aumento dos impostos, a restrição de crédito bancário e o

arrocho salarial (com reposição abaixo dos índices inflacionários). Esse arrocho veio,

evidentemente, acompanhado da proibição de greve, do fim da estabilidade no emprego (Lei

do Fundo de Garantia de Tempo de Serviço), auxiliado pelo “terror político”. O Regime

Militar serviu ao imperialismo na medida em que fortaleceu o crescimento das empresas

multinacionais (monopólios), afinal havia garantia de taxas de lucros superiores às possíveis

em seus países de origem. Enquanto as pequenas e médias empresas - geridas pelo capital

nacional com números maiores de empregados e de mão de obra - entravam em falência,

muitos fechavam as portas de suas próprias empresas para serem funcionários das grandes

empresas monopolistas multinacionais. É nesse cenário que aumenta a taxa de

desempregados, chegando ao índice apenas alcançado em 1930 (GERMANO, 2000).

Nesse quadro, Germano (2000, p. 53) pontua que “Castelo Branco assume a

Presidência da República em 1964 para cumprir um mandato-tampão de um ano e dez

meses”. Eleito por meio de “eleição” indireta, buscava mediar a relação do grupo de Sorbonne

com os nacionalistas “linha-dura”. Segundo Colares e Colares (2003), o denominado “grupo

de Sorbonne”, que não apoiava diretamente o uso de armas contra a população, mas uma ação

pautada no capital internacional, teve grande apoio dos norte-americanos e das empresas

monopolistas.

Após esse contexto, caracterizado por inúmeras ressalvas à sociedade brasileira,

inicia-se o nebuloso período da Ditadura Civil-Militar, que atemorizou a sociedade

prendendo, torturando e matando opositores, que rapidamente recebiam o título de

“subversivos” e “comunistas”.

Notamos que, enquanto a economia era exportadora, agrícola, e com base em fatores

atrasados de produção, a escola tinha um papel não atuante na sociedade brasileira

propriamente dita, no que se refere à formação de quadros e qualificação de recursos

humanos. A partir do momento em que a importação de bens de consumo foi substituída pela

produção industrial interna, ocorreu uma evolução entre as relações do modelo de economia e

a escola. Nessa ocasião, as camadas populares passaram a ter acesso à educação escolar, mas

isso somente foi possível para atender as determinadas demandas impostas pela conjuntara

econômica. A educação escolar passou a ter a função de preparar seres humanos para as

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carreiras liberais (ROMANELLI, 2000), ou seja, de qualificar mão de obra para o mercado de

trabalho, tendo a educação como fator importante para desempenhar seu papel, juntamente

com a economia.

Com a modernização da economia, criaram-se novas exigências educativas. Afinal, o

primeiro plano para a educação brasileira, enquanto ocorre a intensificação da importação

tecnológica, e a qualificação de mão de obra. A escola não será chamada a desempenhar seu

papel na formação de pesquisadores, pois essa função continuará em segundo plano.

Nesse sentido, a educação precisa remodelar seu ensino, conforme as exigências da

economia, colaborando com quadros de qualificação de pessoas. Nesse contexto, a função da

escola não é alavancar o progresso científico, mas acelerar a qualificação de mão de obra

barata. É dessa forma que as relações entre sistema educacional e sistema econômico se

estreitam, tornando-se profundas.

Romanelli (2000) afirma que o significado da educação como fator de

desenvolvimento foi posto nos anos 1968. Isso porque a educação precisaria não só

acompanhar as reformas executadas, mas suportá-las, auxiliando a ditadura a executá-las.

Dessa forma “[...] a política educacional desenvolvida teve um caráter nitidamente

privatizante e se pautou por inibir todos os possíveis avanços na área” (GOMES, 2018, p. 86).

Gomes (2018) ainda indica que a educação objetivava:

[...] desenvolver o homem para o mundo do trabalho inculcando valores inerentes à

democracia e à vida em sociedade, o que se ajustava, por sua vez, com a orientação

economicista da política educacional levada adiante pela ditadura. (GOMES, 2018,

p. 100).

Visando essas mudanças, os presidentes militares Castello Branco e Costa e Silva se

aliaram aos americanos e materializaram acordos através da parceria entre o MEC e a United

States International for Development (USAID), concretizando doze acordos, responsáveis por

reformas de leis no sistema educacional, dando início às relações entre as instituições

internacionais e a educação brasileira.

Nesse período sombrio, a educação, por meio dos acordos MEC/USAID, tomou

novos rumos. É relevante esclarecer que esses pactos obtiveram características autoritárias e

domesticadoras. Foi estabelecida a educação tecnicista, que teve por objetivo a neutralidade

científica, inspirada nos princípios de racionalidade, eficiência e produtividade. O sistema de

gestão no Brasil estava em adaptação do ensino, voltado para uma mentalidade empresarial

tecnocrata. Romanelli (2000) destaca que:

[...] com as medidas prática, a curto prazo, tomadas pelo Governo, para enfrentar a

crise, momento que se consubstanciou, depois no delineamento de uma política de

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educação que já não via apenas na urgência de se resolverem problemas imediatos,

ditados pela crise, o motivo único para reformar o sistema educacional. Mais do que

isso, o regime percebeu, daí para a frente, entre outros motivos, por influência da

assistência técnica dada pela USAID, a necessidade de se adotarem, em definitivo,

as medidas para a adequar o sistema educacional ao modelo do desenvolvimento

econômico que então se intensificava no Brasil (ROMANELLI, 2000, p. 196).

Para Romanelli (1978), a profunda crise do sistema educacional, que já vinha de

longa data, serviu como justificativa para os acordos entre MEC e a agência educacional dos

Estados Unidos. Os conhecidos Acordos MEC/USAID eram firmados com a Agency for

International Development (AID), a qual daria assistência técnica e financeira para o sistema

educacional brasileiro.

Dentre os acordos, surgiram mudanças no campo educacional, caracterizadas por

forte influência do imperialismo norte-americano, que seriam a base para as reformas do

ensino superior e, posteriormente, do 1º e 2º graus da época (VEIGA, 1989). Durante os anos

de 1964 e 1968, doze acordos foram concretizados via MEC/USAID, sendo que alguns

vigoraram até o ano de 1971. Nesse cenário, ficou notório o comprometimento da política

educacional brasileira com o imperialismo norte-americano.

Desenvolvendo um modelo de política educacional com traços autoritários e

domesticadores, esses planos educacionais foram ajustados, com desdobramento engendrados

por uma exigência imperialista, para atender às necessidades de produção e reprodução do

capital, configuradas em três pilares ideológicos sendo eles: educação, segurança, educação e

comunidade. Assim, a educação passou a ser ainda mais utilizada como meio da propagação

das ideologias imperialistas. Os acordos estabelecidos entre o MEC e a USAID orientaram o

novo modelo de política educacional e contribuíram, de forma eficaz, com os interesses do

imperialismo internacional e seus órgãos constituintes.

Os acordos que colocaram a educação brasileira sob as garras do imperialismo eram

pautados na produtividade e na racionalidade capitalista, fundamentado em três fortes pilares,

os quais Gomes (2018) expõe como sendo: educação e desenvolvimento; educação e

segurança; educação e comunidade.

O primeiro pilar, educação e desenvolvimento, almejava uma “formação rápida de

profissionais que atendessem às necessidades do país quanto à tecnologia avançada”

(GOMES, 2018 p. 98). A relação entre educação e segurança era garantida por meio da

“formação do cidadão consciente, decorrendo deste item as disciplinas Educação Moral e

Cívica, Organização Social e Política do Brasil e Estudo dos Problemas brasileiros, que na

prática significava impor a ideologia da ditadura” (GOMES, 2018, p. 98). Por último, dentro

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desses acordos, a educação e a comunidade organizavam-se a partir do “estabelecimento de

uma relação entre a comunidade (entendida como os empresários) e a escola, onde a primeira

indicaria suas necessidades para a melhor atuação da última. Na verdade, tal integração visava

o fornecimento de mão de obra barata para as empresas” (GOMES, 2018, p. 98).

Observamos que a educação, nesse contexto, apresentava-se como sendo de

neutralidade científica e foi inspirada nos princípios de racionalidade, eficiência e

produtividade, instalando, nas escolas, a divisão do trabalho. Com essa justificativa, surge a

articulação da tendência tecnicista, como afirma Saviani (1999):

De modo semelhante que ocorreu no trabalho fabril, pretende-se a objetivação do

trabalho pedagógico. Com efeito, se no artesanato o trabalho era subjetivo, isto é, os

instrumentos de trabalho eram dispostos em função do trabalhador e este dispunha

deles segundos seus desígnios, na produção fabril essa relação é invertida [...]. O

fenômeno acima mencionado nos ajuda a entender a tendência que se esboçou o

advento daquilo que estou chamando de ‘pedagogia tecnicista” (SAVIANI, 1999, p.

23).

O objetivo da educação, nesse viés, era mecanizar o processo educacional, realçando

propostas pedagógicas como: o microensino, o tele-ensino, a instrução programada, as

máquinas de ensinar etc. Esse processo educacional estava embasado na introdução dos

sistemas de ensino técnico.

Essa “imparcialidade” técnico-científica implicava no avanço de uma educação com

pautas tecnicistas, o que evidencia a formação do capital humano no período da ditadura civil-

militar. Os pressupostos dessa autointitulada neutralidade esclarecem o papel que exerce a

educação na formação de capital humano. Segundo Frigotto (2010, p. 40):

A educação, então, é o principal capital humano enquanto é concebida como

produtora de capacidade de trabalho, potenciadora do fator trabalho. Neste sentido é

um investimento como qualquer outro. O processo educativo, escolar ou não, é

reduzido à função de produzir um conjunto de habilidades intelectuais,

desenvolvimento de determinadas atitudes, transmissão de um determinado volume

de conhecimentos que funcionam como geradores de capacidade de trabalho e,

conseqüentemente, de produção.

Saviani (1999), analisando a pedagogia tecnicista, avalia que a marginalização,

caracterizada com a ignorância, não será vista a partir de sentimento de rejeição, mas o

marginalizado será o incompetente, isto é, o homem ineficiente e improdutivo. Em outras

palavras, a educação é essencial nesse processo, para contribuir com a produtividade da

sociedade, ou seja, na medida em que a educação formar indivíduos eficientes, capacitados

para cooperar, estará cumprido seu papel na função equalizadora. Afinal, a marginalidade, a

ineficiência e a improdutividade se constituem numa ameaça à estabilidade do sistema.

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Desse modo, podemos observar que cabe à educação ajustar um eficiente

planejamento e treinamento para a execução das múltiplas tarefas demandadas pelo mercado.

Nesse enfoque, a educação tecnicista fora arquitetada como um subsistema cujo

funcionamento eficiente era primordial ao equilíbrio do sistema social de que faz parte.

Destarte, de acordo com Saviani (1999), a base de sustentação teórica desta tendência se

deslocava

Para a psicologia behavorista, a engenharia comportamental, a ergonomia,

informática, cibernética, que têm em comum a inspiração filosófica neopositivista e

o método funcionalista. Do ponto de vista pedagógico conclui-se, pois, que, se pra a

pedagogia tradicional a questão central é aprender, para pedagogia nova a aprender,

para a pedagogia tecnicista o que importa é aprender a fazer (SAVIANI, 1999, p.

26).

Destacamos, portanto que a teoria pedagógica explícita é responsável por uma

reestruturação das escolas que passam por uma vasta mudança no processo de burocratização.

O controle pedagógico, nessa tendência, é notório. As instruções eram impostas de forma

sorrateiras de como proceder, com vistas a que os diferentes autores cumprissem cada qual as

tarefas específicas acometidas a cada um, no amplo espectro em que se fragmentou o ato

pedagógico.

Como consequência desse quadro, a educação tecnicista contribuiu para o aumento

do caos instalado no espaço educativo, determinando tal nível de descontinuidade,

heterogeneidade e de fragmentação, que praticamente engessa o trabalho pedagógico. Dessa

maneira, o problema da marginalidade só tendeu a se agravar. Sendo o conteúdo escolar sem

efeito eficaz, a relativa ampliação das vagas se tornou irrelevante em face dos altos índices de

evasão e repetência.

Por conseguinte, o plano educacional e a organização racional do trabalho

pedagógico, além da operacionalização das objetividades desejadas, ocorreram na tentativa de

aplicar, no campo educacional, um sistema empresarial característico do capitalismo, com

finalidade de atender às exigências de uma sociedade industrializada.

Sendo assim, notamos que a Ditadura Civil Militar foi responsável por deixar

cicatrizes profundas na educação brasileira. Nessa época ocorreu uma expansão do ensino

público, porém bastante precária.

Nesse cenário, a educação brasileira era rigidamente vigiada pelos comandantes das

forças armadas. A presença das Forças Armadas servia de artefato basilar à frente do

Aparelho do Estado, decidindo o conteúdo e a forma da política educacional no Brasil. Esse

período foi marcado pela sociedade brasileira, sob controle e repressão autoritária, esboçando

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episódios e acontecimentos importantes que interferiram, de forma direta ou indireta, na

construção e consolidação do modelo educacional criado no território brasileiro. Muitos

foram os instrumentos utilizados pelos militares para manter a “ordem pública”, através da

repressão e humilhações aos indivíduos contrários aos ideais militares.

Em 1985, terminado o período de ditadura militar, teve início a chamada

redemocratização, ou seja, a retomada da democracia burguesa eleitoral. Esse momento, que

aponta para o fim do golpe, foi caracterizado, ainda, pela ação de resistência da sociedade

civil contra o regime civil-militar, em prol dos direitos humanos e defesa do meio ambiente,

luta pela qualidade de vida e pelo movimento das Diretas. Quando visto pelo viés do

materialismo histórico-dialético, notamos a ingenuidade dos movimentos de resistência à

ditadura militar, pois, ao terem o Governo militar como inimigo, cegaram-se ao verdadeiro

opositor dos trabalhadores e de toda a classe laboriosa: a burguesia.

Nessa perspectiva, Gohn (1999) afirma que os movimentos em defesa da escola

pública foram a expressão máxima desse processo, o qual teve como objetivo construir as

bases e as diretrizes para a universalização da educação. A partir dos movimentos sociais, a

educação conquisto seu espaço. A luta pela gestão democrática da educação, especialmente da

escola pública, vem contextualizá-la com a luta dos movimentos sociais. Os educadores e os

órgãos representativos levantaram a bandeira da democratização do Brasil, da educação e da

escola pública, alcançando muitos direitos na Constituição Brasileira, a partir de 1988, e na

Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, em 1996.

2.2 A transformação de escolas públicas em escolas públicas militarizadas

[...] lugar de PM é na rua protegendo o

trabalhador, protegendo de assalto nossas

crianças quando saem da escola, como já houve casos de

assaltos de alunos e professores aqui, mas não dentro da

escola, porque falta PM na rua. Agora quer mexer na

educação trazendo PM para dentro da

escola, nós precisamos de PM, sim, na rua fechando as bocas

de fumo, fazendo o trabalho deles (PROFESSOR 6)

Em alguns Estados brasileiros se vivencia, hoje, no campo educacional, uma

transformação no que diz respeito à estrutura e ao funcionamento de escolas, o que é, de fato,

preocupante, no que se reporta à educação pública. Nos últimos anos, escolas públicas

estaduais, com o seu corpo de funcionários da educação, vêm sendo transferidas para a

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gerência da Policia Militar por meio de convênios. Esse processo vem se expandindo em

diferentes Estados Brasileiros. Nessa conjuntura, as escolas públicas estaduais vêm servindo

de pano de fundo para ações autoritárias, que as transformam em um “novo modelo”, definido

como antidemocrático e excludente, denominado como Militarização das Escolas Públicas.

Buscamos compreender esse processo de militarização de escolas públicas no Brasil

a partir de educação pública goiana, que foi pioneira na implementação dessa proposta. O

processo de militarização de escolas públicas iniciou-se em 1999, no estado de Goiás,

atingindo o Amazonas, Rondônia e hoje, todo o país. Esse processo foi marcado, em Goiás,

primeiramente pela transferência da escola Vasco dos Reis e, no mesmo ano (1999), da

Escola Pública Estadual Hugo de Carvalho Ramos para o gerenciamento da Polícia Militar do

Estado. De acordo com Santos (2016, p. 20),

Em 1999, o Estado goiano, por meio da Secretaria de Educação, concedeu à polícia

a Escola Estadual de 1° grau Vasco dos Reis, realizando assim mais um processo

seletivo no qual 5000 candidatos disputaram 400 vagas. Ainda em 1999, o

governador Marconi Ferreira Perillo Júnior, do PSDB, incorporou a experiência do

CPMG como um dos projetos de educação de seu governo. Dessa maneira, a PM foi

convocada a assumir a direção do Colégio Estadual Hugo de Carvalho Ramos,

vinculado ao sistema de ensino da rede estadual.

A escola Hugo de Carvalho Ramos foi criada em 1981 pelo então governador do

estado de Goiás, Ary Valadão, no intuito de valorizar a região. Nesse momento, a instituição

recebeu o nome de Centro Educacional Hugo de Carvalho Ramos (CEHCR) e era destinada à

formação de lideranças no Estado. Ela teve como proposta promover a melhoria do ensino e,

com isso, dar oportunidade aos alunos que se destacarem por sua inteligência.

De acordo com Santos (2016), o Centro Educacional foi nomeado como entidade

autárquica, jurisdicionada pela Secretaria da Educação, em 1982, e oferecia cursos de 2º grau

com formação técnico-burocrata. No final de 1983, o Estado de Goiás, na figura do

governador Iris Resende Machado, legislou a transformação do Centro Educacional para

Colégio Estadual Hugo de Carvalho Ramos e este passou a agregar a estrutura da Secretaria

de Educação. O colégio, durante os anos de 1990, passou por uma demanda de dificuldades,

tais como depredação de seu espaço físico, condições precárias de trabalho para os

educadores e baixo rendimento escolar. Foram estas as justificativas que levaram o governo

goiano a decretar o repasse da escola para a Polícia Militar (PM).

Dessa maneira, no ano de 2000, a polícia militar remodelou a escola pública estadual

em Colégio da Polícia Militar de Goiás (CPMG), admitindo 1700 alunos. A PM reformou a

instituição escolar e impôs uma taxa financeira aos pais e responsáveis dos alunos, com o

objetivo de construir piscina, praça de esporte e remodelação do espaço físico.

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Nos novos moldes em que a instituição escolar estava sendo inserida, era

fundamental a inserção de regras autoritárias. Instituiu-se a disciplina militar na escola e a

expulsão de grupos de alunos que não se ajustavam à nova proposta. Com isso, os policiais

conseguiram controlar rapidamente a situação.

Sob essa vertente, é possível observar que surge um falso conceito, propagado e

divulgado por aqueles que defendem a militarização da instituição escolar pública, de que as

escolas militares são melhores do que as escolas públicas. O que acontece nessas instituições

tomadas pela PM é a exigência rigorosa de disciplina. Os professores são temidos, logo

podem ministrar suas aulas com mais “eficiência” e os resultados educacionais são melhores.

Enfim, acredita-se que essas instituições são melhores pelo fato de serem militares.

No que tange à questão pedagógica, o colégio citado, quando se tornou CPMG,

trabalhou com a grade curricular exigida pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB)

de 1996. Entretanto ocorreu a introdução de uma disciplina denominada Noção de Cidadania,

carregada de fundamentos básicos de psicologia, de sociologia, dando ênfase aos valores de

moral e cívica, de ética, religião e educação sexual.

Diante dos fatos mencionados, constatamos que o Estado de Goiás foi o percussor

em relação às transferências de escolas públicas estaduais para militares, no território

brasileiro, atuante no processo de entrega dos colégios públicos para militarização, sendo esta

expandida de forma peculiar: desde o início, têm-se intensificado, a cada ano, as

transformações de escolas públicas em CPMG. A respeito desse assunto, Santos (2016, p. 23)

afirma que:

A partir de 2013, o Estado de Goiás apressou o procedimento de transferência das

escolas públicas para a PM. A Assembleia Legislativa aprovou a lei estadual

18.342 (Goiás, 2013) e criou mais doze colégios. Em julho do ano seguinte, foi

aprovada a lei 18.556, alcançando a marca de vinte e sete colégios. Com a lei

18.967, foram transformadas mais sete escolas no mês de julho de 2015. Graças ao

aumento do número de CPM feito por essa última lei, em 2015 Goiás repercutiu

em nível nacional, tendo destaque na reportagem do jornal Folha de São Paulo,

publicada em 10 de agosto de 2015. Lá divulga-se a primeira posição do Estado

goiano em quantidade de colégios militares, passando de dezoito para vinte e seis e

superando muito a média nacional de crescimento no Brasil.

Nota-se que essas medidas foram uma resposta à jornada de lutas que sacudiram o

país, em 2013 e início de 2014, conforme relata Borges (2018, p. 1):

As classes dominantes viram que algo precisava ser feito para que seu sistema de

poder não fosse desafiado. Os governadores dos estados, como em Goiás,

Amazonas, Rio de Janeiro e São Paulo, ligados diretamente às máfias dos

transportes das regiões metropolitanas do país, começaram a desenvolver planos

voltados para o controle ideológico da parcela da população mais altiva ao denunciar

as atrocidades cometidas por estes canalhas: a juventude combatente.

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A autora explica que a ofensiva partiu do então governador de Goiás, Marconi Perillo,

que “iniciou várias medidas, juntamente com seus capangas da Assembleia Legislativa de

Goiás, para militarizar ou privatizar (através das Organizações Sociais, OS’s) as escolas de

ensino médio”. Os alvos principais da militarização em Goiás foram as escolas onde havia um

forte e combativo movimento estudantil e de professores. Como explica Borges (2018):

Não coincidentemente os primeiros alvos dos processos de militarização foram

justamente os colégios que possuíam maior histórico de resistência, como é o caso

do Colégio Waldemar Mundim, localizado no setor Itatiaia, que, devido à sua

proximidade da Universidade Federal de Goiás, foi um grande expoente nas

jornadas de junho e julho de 2013. O mesmo ocorreu com colégios na cidade de

Anápolis, no interior do estado, onde os estudantes bravamente resistiram ao

processo de privatização por meio das OS’s em 2015. Muitos colégios da cidade

estão em processo de militarização, até mesmo o colégio José Ludovico de Almeida,

que foi ocupado contra a privatização (BORGES, 2018, p. 1).

De acordo com o autor, a expansão de transferências das escolas públicas em Goiás

vem tendo um crescente aumento no Estado, liderando o ranking, chegando a superar além da

média nacional de crescimento no País.

Contudo, em Goiás, a crise na educação pública mencionada por Santos (2016) é

mais grave que o analisado. Segundo dados estatísticos extraídos de leis estaduais até o meio

do ano de 2016, o governo do Estado de Goiás contabilizou quarenta e sete transferências de

escolas públicas para a administração da Secretaria de Segurança do Estado, mediante uma

enxurrada de aprovações na Assembleia Legislativa.

Com a Lei 19.066, de 30 de setembro de 2015, o governo continuou as transferências

de mais cinco escolas. A lei 19.122, de 27 de novembro de 2015, mudou a administração de

mais duas e, em maio de 2016, de mais duas. A maioria das transformações de escolas em

CPMG foi realizada nos anos de governo de Marconi Perillo do PSDB.

Nessa vertente, Santos (2016) explica que, de acordo com entrevistas, vídeos

vinculados a redes sociais e ações do então governador Marcone Perillo, o processo de

militarização das escolas públicas é uma forma de retaliação contra educadores. Para fazer

uma reflexão mais aprofundada sobre as transferências crescentes das escolas estaduais

públicas para a gestão militar, Santos (2016) narra uma cadeia de acontecimentos anteriores

para refletir sobre esse processo:

Durante um evento solene de entrega de bolsas atleta no Centro Cultural Oscar

Niemeyer em Goiânia, promovido pelo governo de Goiás, o governador Marconi

Perillo perdeu o controle ao ser vaiado por educadores da rede estadual durante seu

discurso. Os servidores da educação, em greve mais de trinta dias, reuniram-se na

entrada do Centro Cultural e, durante o discurso do governador, protestaram e

vaiaram. O governador interrompeu sua fala sobre a bolsa e se confrontou os

manifestantes dizendo: Alguns radicais, que querem achar que o Brasil é a

Venezuela ou é Cuba, quiseram atrapalhar este evento. Talvez tentando me intimidar

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para que eu não viesse aqui. Radicais, pessoas que são acostumadas à baderna, ao

desrespeito, à deseducação. Mas eu tenho coragem de enfrentá-los, todos, de cabeça

erguida. O professor eu respeito, baderneiro, não (SANTOS, 2016, p. 25).

A regulação da escola estadual acima exposta aconteceu nos dias após o fato

ocorrido. No dia 23 de junho de 2015, foi protocolado na Assembleia Legislativa um projeto

de Lei Ordinária, oriundo do Palácio do Governo do Estado de Goiás, firmado pelo

governador. O projeto “dispõe sobre a transferência das unidades de ensino que especifica em

colégios militares e dá outras providências” (GOIÁS, 2015, p. 07). O projeto propõe à

Assembleia deliberação sobre a transformação de oito escolas estaduais em colégios militares

e se justifica pelos bons resultados obtidos pelos colégios da PM no Índice de

Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB), no Exame Nacional do Ensino Médio

(ENEM) e na eficácia do ensino.

A Lei de número 18.967 foi aprovada no dia 22 de junho de 2015, pela Assembleia

Legislativa, um dia antes do protocolamento do projeto, no dia 23 de junho, sendo publicada

no Diário Oficial, de forma relâmpago, no dia 24 do mesmo mês. Nesse momento, iniciou-se

uma luta contra o tempo em prol da gestão militarizada com um caráter de urgência na

elaboração e aprovação da Lei acima citada, caracterizando como se fosse uma sansão para

resolver, o mais rápido possível, um problema emergencial. Assim, a Assembleia recebeu o

documento direto do Palácio do governador, em caráter ordinário, para votação e aprovação, o

que ocorreu rapidamente. Outras características da Lei são o fato de dar excessivo poder ao

governador, nos artigos 2º e 4º, e o curto prazo de realização da transferência das escolas

públicas (SANTOS, 2016).

Santos (2016) assegura que as oito escolas públicas transferidas para os militares

eram as instituições mais engajados na greve deflagrada à época. Esse fato se tornou público

em uma entrevista veiculada em novembro de 2015, em um jornal no Estado da Bahia, onde o

governador de Goiás declarou que transformou as escolas estaduais em CPMG devido aos

protestantes no referido evento.

O governador do Estado de Goiás, nesse mesmo período, vinculou um vídeo no site

YouTube, assumindo seus próprios interesses na militarização das escolas públicas estaduais,

posicionando-se de forma autoritária e desrespeitosa em relação aos professores estaduais. A

esse respeito, Perillo (2015) comenta:

Em relação às questões publicadas sobre os colégios militares, sobre as pessoas que

estavam naquele evento em Goiânia, nós precisamos ter pessoas comprometidas

com as escolas. Escolas que não estão conseguindo lidar com baderneiros, com

pessoas que não estão preocupadas com ensino, com a qualidade da educação, mais

preocupadas com seus próprios interesses, essas pessoas precisam de um modelo

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diferente, de um conceito diferente. E para essas pessoas, talvez a melhor coisa seja

a escola militar. Eu alego a convicção de que, nesse caso, a escolar militar é a ideal,

é a escola adequada. Porque nela há de se ter disciplina, hierarquia e respeito aos

princípios, aos valores, especialmente às pessoas que querem aprender, que não

querem saber de debate ideológico, político e mesquinho no âmbito da atividade que

está sendo desenvolvida 1[sic] (PERILLO, 2015).

Nesta perspectiva, esclarece-se ainda mais o principal objetivo da militarização das

escolas: a censura. É com essa ação autoritária e fascista que se busca calar professores e

estudantes. Ação escamoteada no discurso de ordem e respeito; ação escondida na “melhoria

da educação” proposta pelo Estado. Para este, militarizar as escolas nada mais é do que conter

as manifestações, revoltas e protestos - uma vez que tanto estudantes quanto professores de

CPM não podem entrar em greve ou protestar - contra um Estado que se mostra ineficiente

quando o assunto é educação pública. Tal ação visa tirar de seus ombros a responsabilidade

sobre a formação do aluno e valorização do professor.

Na realidade, percebemos, no discurso exposto, que a militarização é um mecanismo

voltado para subsidiar o domínio sobre o espaço das escolas. É uma estratégia de obter o

controle sobre as práticas pedagógicas dentro do espaço educacional e conter as

manifestações ideológicas e políticas. Ao inserir os militares e o projeto de gestão militar na

educação, almeja-se disciplinar os sujeitos em formas específicas de comportamento,

pautadas na obediência e na cordialidade. Esse processo mostra que sua criação, na realidade,

foi para o Estado manter sua estrutura de poder sobre os trabalhadores pobres, negros, etc.,

centralizado no autoritarismo do executivo, numa relação desigual de força na qual o Estado

se aproveita de seus aparatos para se impor sobre a população.

A prática de regular a militarização das escolas públicas estaduais avançou a partir de

2015, no mandato do governador Marconi Perillo, do Partido Social Democrata Brasileiro

(PSDB), que também promulgou a realização e a consolidação de parcerias público-privadas

na pasta educacional. O atual modelo é fundamentado nas Charter School americanas, nas

quais determinados fragmentos da rede de ensino são geridos por organizações sociais, com

repasse de dinheiro público.

Verificamos que, nessa conjuntura, a educação pública do Estado do Goiás vem

mudando para uma educação militarizada, aflorando sua mercantilização, como bem define

Leher (2010), deixando claro que a mercantilizarão da educação no ensino público tem

origem viciosa entre parcerias público-privadas, para interferir no campo educacional, não

obedecendo à norma de uma educação laica e de direito. Diante dos pressupostos, no Estado

1 https://www.youtube.com/watch?v=pf6KwkHMFz0

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do Goiás aconteceram as primeiras reformas educacionais que autorizam a Polícia Militar a

assumir a gestão e a administração de um crescente número de escolas públicas, se destacando

como pioneiro no país na consolidação de transferências das escolas públicas para os

militares.

Segundo dados extraídos de leis estaduais (GOIÁS, 2001a), até o meio do ano de

2016, o governo do Estado totalizou quarenta e sete criações e transferências de escolas

públicas para a administração da Secretaria de Segurança do Estado, mediante aprovações na

Assembleia Legislativa. Outras 39 escolas estão em processo atual de militarização. Esse

número é ainda mais alarmante quando olhamos para o país como um todo (BORGES, 2018).

Nesse elucidado contexto, os pais, alunos e professores vêm deixando de atuar como

protagonistas principais do espaço educacional para tomada de decisões, como está

determinado na Lei nº 9394.96 Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional/1996 (LDB),

no Art.14, inciso I e II, que asseguram a participação dos profissionais da educação na

elaboração do projeto político pedagógico da escola e a participação das comunidades escolar

e local nas decisões da escola (BRASIL, 1996).

Diante dos fatos, a militarização das escolas é apresentada à população como única

possível salvação para as instituições públicas de ensino precário e vítimas da crescente

violência e desordem. Essas ações são responsáveis pelo fracasso escolar, segundo os autores

dos projetos de militarização das escolas públicas estaduais.

Vender esse discurso à população é a estratégia usada pelas autoridades responsáveis

pelo ato da militarização. Cegar a comunidade é manipulá-la a ver somente aquilo o que a

classe dominante quer que seja visto. Isso é colocar um cabresto em cada cidadão e impedi-lo

de olhar para os lados e de enxergar outros modos de lutar pela qualidade do ensino público; e

o cabresto colocado por essas autoridades que compõem a classe burguesa nada mais é do que

uma forma de converter a massa à passividade, enquanto se privatiza e destroi a educação

pública.

Um fato intrigante, que é relevante expor para problematizar, chama a atenção para

esse processo. Nessa análise, em nenhum momento é discutida pelo executivo a questão da

vulnerabilidade social, econômica e política que a população brasileira vive nos dias atuais. O

alto índice de desemprego, escolas sucateadas, educação pública precária, que reflete no baixo

índice de aproveitamento nas avaliações externas, professores mal remunerados, violência no

interior das escolas, indisciplina por parte dos alunos, tráfico de drogas ilícitas no espaço

escolar e agressões contra professores, entre outros problemas, estão ligados ao contexto

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político, onde representantes do povo se encontram em um lamaçal de corrupção, gastando o

dinheiro público que deveria ser investidos em políticas sociais.

Contudo, observamos que a camada da sociedade atingida são os trabalhadores, uma

vez que não há planos para retirar da miséria as mais 50 milhões de vidas que hoje sofrem

com a vulnerabilidade social, seja por meio do desemprego, da educação precária e sucateada,

da desvalorização do trabalho docente, violência e narcotráfico.

Não há planos para que isto acabe, afinal, é com uma população pobre, sem

educação, com medo e censurada que se mantém o poder nas mãos da burguesia. É assim que

se alimenta a crise. Crise que só afeta o pobre; crise arquitetada para manter o status quo.

Assim, é fundamental afirmar que o problema da educação é muito mais profundo, é um

problema social em que a militarização das escolas não sanará as necessidades básicas da

população pobre.

Tendo o Estado de Goiás como modelo, vários Estados da federação implantaram

projetos semelhantes de militarização de escolas públicas. Em segundo lugar está o Estado de

Minas Gerais, com vinte e dois CPM, seguido por: Bahia, com treze; Rio Grande do Sul, com

sete; Rondônia, com seis; Amazonas, com quatro; Maranhão, com três; Ceará, Pernambuco,

Piauí, Santa Catarina e Tocantins, com dois; Alagoas, Distrito Federal, Mato Grosso, Paraíba,

Paraná e Roraima com um. Ressaltamos que essa transferência vem acontecendo de forma

alarmante, com maior número de colégios da COM, na maioria durante a gestão de

governadores do PSDB e PMDB.

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3 A MILITARIZAÇÃO DAS ESCOLAS PÚBLICAS RONDONIENSES: A

PEDAGOGIA DO MEDO

Na intenção de compreender as justificativas expostas nos processos de

transferências das escolas para os militares, buscamos conhecer sua organização, a partir das

influências geradas pelos aspectos estruturais e pedagógicos. Por meio da análise do processo

de militarização em território brasileiro, nota-se que a região norte vem avançando na

expansão desse “novo modelo” inserido no campo educacional. Destacamos, no primeiro

momento, o processo de implantação da organização das escolas militarizadas no Estado de

Rondônia, enfatizando as escolas estaduais militarizadas do município de Porto Velho, no

Estado de Rondônia. Realizamos essa análise a partir dos projetos de Leis, Decretos e

entrevistas com os atores (Professores, Diretores, Pais e Secretária da Educação) que

participaram da execução do “novo modelo” imposto nas escolas estaduais no município de

Porto Velho.

3.1 A implantação em Rondônia

Se os professores não querem falar é porque

o que está acontecendo aqui não é nada bom (PROFESSORA 5).

As instituições tomadas pelos militares vão sendo remodeladas a partir dos princípios

de hierarquia, de disciplina, doutrinas e regimes militares, a fim de reproduzir uma ideologia

sustentadora da “ordem”. Nesse cenário, não poderíamos deixar de enfatizar os argumentos

utilizados para a imposição do repasse das escolas para os militares. Uma pequena parte da

sociedade brasileira, manipulada pelos meios de comunicação social de massa, é a favor da

militarização das escolas públicas. Santos (2016) aponta várias concepções que podem

resumir as ideias difundidas acerca da militarização das escolas públicas, tais como: “a

aplicação da hierarquia e disciplina melhora a qualidade de ensino dos estudantes”; “os CPM

ajudam a preparar cidadãos respeitosos e obedientes”; “as escolas geridas por policiais são

mais organizadas”; “é um dos sistemas públicos mais eficientes da educação brasileira”.

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O Estado assume os desdobramentos pela exigência da militarização das escolas

públicas estaduais, escamoteando suas reais intenções nesse processo. Souza (2010) afirma,

de forma categórica, o papel desempenhado pelo Estado: “O Estado em sua essência torna-se

um instrumento de dominação, de coação, formado especialmente para manter a opressão

sobre as classes dominadas e acaba por atuar de acordo com os interesses da classe

exploradora”. No exercício desse papel, o Estado repassa as escolas públicas para a gestão

militar de forma a ampliar o controle ideológico da burguesia sobre a juventude das classes

populares.

A militarização de escolas públicas estaduais vem se expandindo no Estado de

Rondônia, cercada por propagadas e ilegalidades defendidas por parlamentares e pelo governo

do Estado. O prelúdio das transferências das escolas públicas se deu a partir da Lei Estadual

nº 3.161, de 27 de agosto de 2013, que dispõe sobre a criação da unidade II do CTPM, em

Jaci-Paraná. Nessa esfera, a Secretária da Educação Estadual foi categórica:

[...] O nosso espelho na verdade foi o colégio Tiradentes II, em Jaci-Paraná, que é

uma escola que tem quatro anos de criação uma escola que nós sabemos que toda a

sociedade de Jaci-Paraná reconhece que, hoje apresenta um avanço que

considerando o período de criação é um avanço surpreendente.

A militarização das escolas estaduais está sendo planejada desde 2013, com a criação

do Colégio Tiradentes - Unidade II. A criação do CTPM - Unidade II foi à base necessária à

criação das demais unidades CTPM (Escolas Militarizadas). O poder executivo, juntamente

com a Secretaria Estadual, necessitava dessa base legal para integrar a estrutura

organizacional da Polícia Militar nas escolas estaduais gerenciadas pelos militares. O CTPM

II serviria de modelo para as instituições que se seguiram. Observa-se essa feita a partir do

Art. 1º da Lei 4.058/2017:

Fica autorizada a criação, por ato do chefe do poder executivo, do Colégio

Tiradentes da Polícia Militar- CTPM, nos moldes da Lei nº 3161, de 27 de agosto de

2013, as quais passarão a integrar a estrutura organizacional da Polícia Militar do

Estado de Rondônia.

Tal fato que nos permite afirmar o CTPM II como modelo institucional das escolas

militarizadas. De acordo com o parágrafo único do Art. 1º da referida Lei, “A criação das

unidades do CTPM, previstas no caput deste artigo, poderá ocorrer, inclusive, por

transformação de escolas estaduais já existentes e em funcionamento em Colégios da Polícia

Militar [...]” (LEI Nº 4058/2017, Art. 1º, Parágrafo único).

Em 2017, foram implantadas seis novas escolas militarizadas, tendo sempre à frente

a figura do defensor e Deputado Jesuíno Boabaid, que se tornou autor de projetos de Leis para

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criação de unidades do Colégio Tiradentes da Polícia Militar, sendo, em Porto Velho, a

principal voz em defesa da militarização.

A defesa da militarização de escolas intensificou-se com os resultados do Colégio

Tiradentes de Jaci-Paraná e, mais tarde, com a visita que o referido deputado fez à cidade de

Manaus-AM, onde conheceu escolas militarizadas em áreas violentas. Jesuíno Boabaid

visitou a Escola Pedro Câmara, localizada em um bairro que apresentava alto índice de

violência, porém, com a militarização, o cenário não era mais o mesmo, segundo afirmou o

deputado. Ele destacou que 740 alunos estudam na instituição escolar, que o projeto de

militarização nessa escola vem dando certo, que cerca de dois mil pais fizeram inscrição na

busca de uma vaga para seus filhos. Nessa mesma perspectiva, Boabaid acresceu que, ainda

sendo o primeiro ano o projeto de militarização, a Escola Pedro Câmara é referência pela

excelência no aprendizado e doutrina repassados aos alunos.

Conforme as notícias vinculadas nas mídias de comunicação2 da época, em oito de

novembro de 2016, o deputado compartilhou seu ponto de vista com a então Secretária de

Educação, a senhora Fátima Gaviolli, de que as escolas públicas devem ficar sob a

responsabilidade da Polícia Militar (PM), enquadrando-as nos moldes militares no início do

ano 2017. Nesse período o deputado Jesuíno Boabaid, a Secretária da SEDUC, Fátima

Gaviolli e três oficiais da PM - sendo estes diretores da Escola Tiradentes de Porto Velho e do

distrito de Jaci-Paraná - articularam uma reunião para discutir as propostas do referido

deputado, que enfatizou a necessidade de executar a proposta de militarizar dez escolas

estaduais, repassando a gestão escolar para a Polícia Militar (PM), fortalecendo o processo de

militarização no município de Porto Velho.

Esse processo foi acelerado pelo parlamentar, que elaborou indicações ao Poder

Executivo e à SEDUC, propondo a militarização em Ji-paraná, sendo indicada a Escola

Estadual José Francisco. Além desta escola, solicitou-se que mais três escolas estaduais no

município de Porto Velho também fossem militarizadas. Para concretizar a proposta, o

Governador enviou para a Assembleia Legislativa a Mensagem de nº 91, de 2 de maio de

2017, em que se apresenta o Projeto de Lei que tem como objetivo:

A presente Indicação tem a finalidade de sugerir ao Estado de Rondônia, a

implantação da militarização Escola Estadual de Ensino Fundamental e Médio

Capitão Cláudio Manoel da Costa, localizada no Bairro Cidade do Lobo e Escola

Estadual de Ensino Fundamental Dr. Osvaldo Piana, localizada no Bairro

Nacional, nesta capital, tal iniciativa visa conter a violência praticada por estudantes

nas dependências das instituições de ensino, bem como valores de hierarquia,

disciplinar, baixo desempenho nos estudos, frequência, sendo essencial no ambiente

escolar. Outrossim, a gestão da Escola pública pelos militares não alcança apenas a

2 Jornal eletrônico acessado em 2018: www.jornalrondoniavip.com.br.

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escola, mas como toda a comunidade em que a mesma está inserida, tendo em vista

que a escola é espaços de aprendizagem, de formação de cidadania, de construção de

valores e atitudes para democracia. Insta salientar, ainda, que nos demais Estão

Federativo a já estão adotando o modelo de gestão militar, obtendo diversos fatores

positivos, por exemplo, o desenvolvimento da educação básica, ou seja, aumento da

disciplina, bem como, o desempenho dos alunos no estudo (PROTOCOLO Nº

3105/2016, DEPUTADO JESUÍNO BOABAID) (sic) (Grifos nossos).

No trecho acima destacado encontram-se as justificativas expostas pelo deputado

para a implantação da militarização das escolas. Compreendemos que a ação se deu de forma

paulatina, contemplando três escolas estaduais. Segundo o discurso do parlamentar, tal

iniciativa visa conter a violência no âmbito escolar, valorizar os valores de hierarquia

disciplinar e reverter o baixo desempenho nos estudos e baixa na frequência dos alunos.

Diante disso, fica explícita a solução dos problemas educacionais, segundo o discurso do

deputado. No decorrer da pesquisa, percebemos que os infortúnios da educação não são

somente a violência no interior das escolas, a falta de disciplina e o aumento de quantitativos

em notas das avaliações externas. Os problemas da educação possuem raízes mais profundas e

atreladas a questões sociais, políticas e econômicas.

Observamos que o discurso político teve efeito para o convencimento da população

de que repassar as escolas para os militares seria a salvação para as disparidades do ensino

público e os problemas sociais enfrentados pelas comunidades pobres, marginalizando-as.

A exposição no texto da Mensagem n°. 91, de 2 de maio de 2017, assinada pelo

Governador Confúcio Aires Moura, declara apoio a Jesuíno Boabaid, Airton Gurgacz e

Maurão de Carvalho, apoiadores ávidos da militarização e nesse momento, em específico, do

Projeto de Lei nº 91, de 2 maio de 2017. No dia 15 de maio de 2017, a Assembleia Legislativa

decretou e o Governador sancionou a Lei nº 4.058, que autoriza a criação das Unidades do

Colégio Tiradentes da Polícia Militar - CTPM, oriunda do PL acima citado. A referida Lei

estabelece que:

Art. 1º - Fica autorizada a criação, por ato do Chefe do Poder Executivo, de

Unidades do Colégio Tiradentes da Polícia Militar - CTPM, nos moldes da Lei

Estadual nº 3.161, de 27 de agosto de 2013, as quais passarão a integrar a estrutura

organizacional da Polícia Militar do Estado de Rondônia. Parágrafo único. A criação

das Unidades do CTPM previstas no caput, deste artigo, poderá ocorrer, inclusive,

por transformação de escolas estaduais já existentes e em funcionamento, em

Colégios da Polícia Militar, com sua consequente transferência para a estrutura

organizacional da PM (LEI DE Nº 4.058, DE 15 DE MAIO DE 2017).

Subentende-se que a Lei Estadual de nº 4.058/17 foi o amparo legal para o impetuoso

processo de repasse das escolas públicas para os policiais militares, iniciado em municípios

do interior do Estado de Rondônia, como mostra o Decreto nº 21.968, de 22 de maio de 2017:

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Art.1º - Ficam criadas 3 (três) Unidades do Colégio Tiradentes da Polícia Militar –

CTPM, por transformação das Escolas Estaduais em Colégio Militares, conforme

especifica: I Colégio Tiradentes da Polícia Militar – CTPM III, por

transformação da Escola Estadual de Ensino Fundamental e Médio Francisco

Alves Mendes filho, localizada no município de Ariquemes; II Colégio Tiradentes

da Polícia Militar – CTPM IV, por transformação da Escola Estadual de

Ensino Fundamental e Médio Júlio Guerra, localizada no município de Ji-Paraná;

e III Colégio Tiradentes da Polícia Militar – CTPM III, por transformação da

Escola Estadual de Ensino Fundamental e Médio Zilda da Frota Uchoa,

localizada no município de Vilhena (RONDÔNIA 2017a) (Grifos nossos).

O processo de militarização se consolidou nos munícipios do interior rondoniense,

onde as primeiras três escolas públicas estaduais, de acordo com o Decreto de nº 21.968/17,

foram repassadas aos militares. Ainda nesse quadro, é relevante ilustrar a continuidade da

realização, encaminhada à população através de Leis Estaduais, da apressada implantação da

militarização das escolas públicas no município de Porto Velho. O Decreto n° 21.977, de 23

de maio de 2017, estabelece:

Art.1º - Fica criada a Unidade do Colégio Tiradentes da Polícia Militar – CTPM,

denominada Colégio Tiradentes da Polícia Militar – CTPM VI, localizada no

município de Porto Velho, por transformação da Escola Estadual de Ensino

Fundamental e Médio Capitão Cláudio Manoel da Costa. Art.2º. A Secretaria

de Estado da Educação- SEDUC e o Comando- Geral da Polícia Militar terão o

prazo de 60 (sessenta) dias após a publicação deste Decreto, para adotarem as

medidas administrativas necessárias com vistas ao pleno desenvolvimento

(RONDÔNIA 2017b) (Grifos nossos).

Observando os Decretos n°. 21.977/17, de 23 de maio de 2017 e n° 22.135, de 25 de

julho de 2017, podemos constatar que, em um curto espaço de apenas 32 dias, o governador

do Estado de Rondônia aligeirou a implementação do processo de militarização no referido

contexto, já que em curto espaço de tempo o esse governador criou uma lei estadual para

transformar, em um prazo de 60 (sessenta) dias, a Escola Estadual de Ensino Fundamental e

Médio Capitão Cláudio Manoel da Costa na primeira Unidade do CTPM, denominada

Unidade VI, no município de Porto Velho, e a Escola Estadual de Ensino Fundamental e

Médio Manaus, denominada Unidade VII:

Art. 1º - Fica criada a Unidade do Colégio Tiradentes da Polícia Militar -

CTPM denominada Colégio Tiradentes da Polícia Militar - CTPM VII, localizada

no município de Porto Velho, por transformação da Escola Estadual de Ensino

Fundamental e Médio Manaus.

Art. 2º - A Secretaria de Estado da Educação- SEDUC e o Comando – Geral da

Polícia Militar ou Corpo de Bombeiros Militar terão o prazo de 90 (Noventa)

dias após a publicação deste Decreto para adotarem as medidas administrativas

necessárias com vistas ao pleno desenvolvimento da Unidade Educacional criada em

consonância com a legislação educacional vigente (RONDÔNIA 2017a) (Grifos

nossos).

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Estamos diante do contexto do processo de implantação da militarização das escolas

estaduais no município de Porto Velho. Com base nos Decretos mencionados, notamos a

aligeiramento da transformação de escolas públicas estaduais em unidades CTPM.

A Escola Estadual Capitão Cláudio Manoel da Costa, de acordo com o decreto nº

21.977/17, foi à primeira escola em que se decretou a militarização pelas vias legais. A Escola

Estadual Manaus foi à segunda, conforme o decreto nº 22.135, de 25 de julho de 2017.

Entretanto, cabível afirmarmos que essa escola foi a segunda a ser militarizada na forma da

Lei, mas, na prática, foi a primeira. Na escola Capitão Cláudio Manoel da Costa, a

militarização ainda não foi implantada, devido à resistência e luta da comunidade escolar. De

acordo com as escolas pesquisadas, o processo de militarização não contou com o

consentimento das comunidades escolar e local, o que gerou, no ambiente da Escola Capitão

Cláudio Manoel da Costa, lutas e resistência por parte dos professores contra a militarização.

A seguir, apresentamos a descrição do processo de implantação na ótica dos

entrevistados que atuam nas escolas militarizadas, com o objetivo de fornecer uma visão do

ambiente militarizado. Esclarecemos que, nesse espaço, somente a escola Tiradentes VII

(antiga escola Manaus) foi, de fato, militarizada na teoria e na prática. Realizamos as

entrevistas com professores e gestores das Escolas Estaduais Tiradentes Unidade VII e

Capitão Cláudio Manoel da Costa.

Alguns momentos vivenciados no universo do presente estudo são importantes

compartilhar. Por essa razão, apresentamos um breve relato acerca dos entraves ocorridos no

período da pesquisa realizada nas escolas.

Na Escola Estadual Capitão Cláudio Manoel da Costa, tivemos uma grande

receptividade quando falamos sobre a pesquisa e seus objetivos. O vice-diretor prontamente

nos apresentou aos professores e pediu que todos colaborassem com o trabalho, visto que

seria relevante para a escola. Nesta escola concluímos nossa pesquisa em torno de 15 dias.

No Colégio Tiradentes VII (Escola Manaus), tivemos uma boa receptividade por

parte dos professores e vice-diretora, pois, no momento, o Capitão diretor encontrava-se

gozando de suas férias. Fomos recebidas pela vice-diretora que, ao ler a carta de autorização,

deu apenas o recebido datado e, oralmente, autorizou que iniciássemos a pesquisa, mas

destacou que o aceite seria dado pelo diretor, quando ele retornasse das férias. A vice-diretora

pediu que explicássemos a pesquisa a todos. Destacamos que, no decorrer da pesquisa,

encontramos muitos entraves que nos colocaram dificuldades para concluí-la em tempo hábil,

entre as quais a resistência por parte dos professores em conceder a entrevista.

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Durante o processo da pesquisa no Colégio Tiradentes VII, no período em que o

diretor estava de férias, em conversa com o tenente que estava à frente da direção substituindo

o diretor, este solicitou que, antes da entrevista com os professores, seria necessário informá-

los e fazer uma agenda, pois seriam selecionados por ele para as entrevistas, visto que a escola

tinha acabado de sair de um período de greve e alguns professores estavam insatisfeitos, uma

reprodução fidedigna da censura existente. Nesse ínterim, já havíamos entrevistado cinco

professores. Ao retornarmos à escola, na semana seguinte, a vice-diretora pediu que

comparecêssemos somente na próxima semana, quando o diretor retornaria; dessa forma,

coletaríamos o aceite e, com a autorização do diretor, retornaríamos para concluir a pesquisa.

Assim o fizemos.

Retornamos na data combinada e encontramos o Capitão e diretor que, prontamente,

nos atendeu muito bem. Explicamos sobre a pesquisa e seus objetivos e o mesmo,

imediatamente, se colocou à disposição, respondendo todas as perguntas do questionário.

Posteriormente, solicitou que voltássemos no outro dia, afinal precisaria conversar com as

professoras, explicar e, assim, agendar com as mesmas para não atrapalhar o horário de aulas.

O diretor sugeriu que fossem entrevistados professores de cada seguimento e que poderíamos

falar com a vice-diretora e a orientadora para mediar esse contato.

Durante esse processo, algo nos chamou a atenção. Em um determinado dia,

procuramos a vice-diretora, que nos levou à sala dos professores e, diante do quadro de

horários, foi verificar quais professores seriam indicados para participar das entrevistas.

Indicando os professores “a dedo”, a vice-diretora dizia: “esse pode, esse não pode”, e assim

sucessivamente. Quando indagada sobre o porquê de alguns professores não poderem

conceder a entrevista, a vice-diretora ficou em silêncio e não respondeu.

Em uma outra conversa com a vice-diretora, pedimos que respondesse a entrevista,

porém ela se negou, avisando que responderia a punho, mas não queria que gravasse. Nessas

condições, conversamos com a vice-diretora sobre a resistência dos professores em não querer

falar e perguntamos o porquê de se estar selecionando os professores, visto que isso foge dos

critérios estabelecidos para a entrevista. A vice-diretora relatou que todos aqueles professores

que ela apontou não poderiam, pois foram professores que já se haviam negado responder a

entrevistas anteriores, segundo ela.

Diante de todos os entraves, iniciamos nossa pesquisa na escola Tiradentes Unidade

VII. A professora 1, antes de responder aos questionamentos sobre o processo de

implantação, pediu para fazer um breve relato sobre o histórico da escola e acontecimentos

anteriores a militarização:

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A partir do momento que os vigias foram tirados, nós já sentimos um impacto.

Nossa escola, hoje, se você for procurar nas redondezas, temos problemas com

drogas, essas coisas. Então, apesar de ser centro, e de você andar dez minutos e

estar na [rua] Nações Unidas, aqui é um bairro considerado periferia, então nós já

ficamos nesse receio [...] Ele disse (Governador) que ia colocar, nas escolas, aquele

sistema de monitoramento, que nós sabemos que não funciona. [...] Eu lembro que

assim que o sistema foi implantado, os caras já entraram e levaram todas as

câmeras e as fiações. E, aí vínhamos sofrendo. A escola veio sofrendo inúmeros

assaltos e vandalismos porque nas últimas vezes eles não tinham mais o que

roubar, aí já iam para o vandalismo [...]. Então, assim, a nossa escola veio

sofrendo vários assaltos! Vários. Vários. Como todas as escolas do estado, quase

todas sentiram isso, porque os ladrões sentiram facilidades[...]. Então, o que

ficamos sabendo, nós professores, é que isso se deu em conta da crescente onda

de violência e assaltos. À medida que ele encontrou, foi essa, de militarizar. Nos

explicaram que o corpo de funcionários civis continuaria a existir, mas entrariam, no

caso, os militares [...]. Inclusive, tem uma dessas salas que os ladrões correram e

atearam fogo, então acredito que ele tenha encontrado isso como solução para

amenizar esses problemas. Então, o colégio tem um ano de existência (PROFESSORA 1) (Grifos nossos).

Nesse relato, a professora 1 enfatiza que, há mais ou menos três anos, quando o ex-

governador retirou os vigilantes, substituindo-os pelo sistema de monitoramento - um sistema

falho, que no ponto de vista da entrevistada não funciona - foi que começaram as ondas de

vandalismo e depredação do patrimônio público, um fator crucial para a transformação de

escola pública em colégio militar.

Notamos, na transcrição do relato, que em nenhum momento a professora menciona

a violência como ação praticada por estudantes nas dependências da instituição de ensino,

conforme está exposto na Mensagem nº 91, de 2 de maio de 2017, a qual foi submetida à

apreciação e deliberação na Assembleia Legislativa do Estado de Rondônia para a

“Autorização” da criação de Unidades do Colégio Tiradentes da Polícia Militar - CTPM:

Cabe salientar que a iniciativa contribui para o aprimoramento dos valores referentes

à hierarquia, disciplina e ética, bem como provoca melhoria no desempenho e na

frequência escolar, além de coibir a violência praticada por estudantes nas

dependências das instituições de ensino, como agressões físicas, uso de drogas,

prática sexual e até mesmo porte ilegal de arma (MENSAGEM Nº 91, DE 2 DE

MAIO DE 2017) (Grifos nossos).

Como registramos, a substituição dos guardas ou vigilantes pelo sistema de

monitoramento, autorizada pelo governador do Estado de Rondônia, foi o estopim para a

crescente onda de violência no espaço da escola, atos de violências, assaltos, vandalismo e

depredação. De acordo com o relato da docente, os profissionais da escola logo sentiram o

impacto. Segundo a entrevistada, esses atos foram gerados pela falta de segurança, o que

facilitou a entrada de meliantes. Percebemos, então, que há uma contradição entre os fatos

expostos pela entrevistada e os fatos explicitados na Mensagem nº 91. Isso nos remete ao fato

de que a justificativa evidenciada na Mensagem acima citada funciona como pano de fundo

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para a transferência da escola pública estadual para o colégio militar, quando retrata a

violência praticada por estudantes nas dependências das instituições de ensino, tais como

agressões físicas e uso de drogas, o que não condiz com a verdade. Esses fatores, conforme as

professoras entrevistadas, ocorrem no exterior da unidade escolar e não se constituem como

uma questão escolar que determine uma mudança interna.

Ficou claro, na fala da professora 1, que as ações ilícitas aconteceram também em

outras escolas estaduais, o que nos leva a crer que não é uma situação atípica da escola, que

não aconteceu somente na escola pesquisada.

A professora 2 comunga da mesma ideia da professora anterior, quando atribui 100%

dos problemas de depredação e vandalismo a retiradas dos vigilantes. Vejamos seu

depoimento:

Essa escola não tinha muro, ainda eram uns buracos que eles (meliantes) próprios

faziam [...] eles tinham livre acesso. Essa quadra era um ponto de fumantes de

maconha, de encontros de homossexuais, porque não tinha vigilância. Nós

chegávamos aqui na escola, era merenda jogada, arrastada de um canto a outro,

sacos de arroz, era tudo assim, um destroço. Essas lâmpadas aqui não existiam, se

pudéssemos a gente levava para casa e trazia de volta para pôr na sala, porque não

tinha nenhuma segurança, nenhuma. É sem ar, sem luz, muitas vezes sem água. Às

vezes, nós dávamos horários corridos para não dispensar as crianças. Depois que

tiraram os vigilantes, agravam 100% os problemas administrativos, nesse

sentido da estrutura, né? Aí, a SEDUC, com muita demanda, a ex-diretora pedindo

socorro, se não me engano essa escola tem mais de 30(trinta) ocorrências de roubos

[...]. Aí, a SEDUC começou a olhar. Manaus está com as pernas quebradas, aí,

foram se intensificando os problemas, aí, veio o Confúcio com essa proposta de

militarizar, e, aí, juntou o útil ao agradável. A escola tá sem estrutura vamos

militarizar. (PROFESSORA 2) (Grifos nossos).

Acerca da defesa na argumentação da professora 2 sobre o contexto anterior da escola

Manaus, observamos o abandono do poder público e da SEDUC para com a escola

pesquisada, primeiro pela falta de vigilante e, segundo, por inúmeras ocorrências de furtos e

vandalismo que a falta de guardas ocasionou. À vista disso, a instituição pública educacional

ficou à deriva e fragilizada, o que contribui para as práticas de assaltos, furtos, vandalismo e

depredação, deteriorando o ambiente escolar.

Omitindo a culpa do Estado, a Secretária de Educação corrobora a fala da professora

2, supracitada, sem esclarecer, entretanto, o papel que teve o abandono da máquina estatal. A

Secretária afirma que “[...] sabe que a escola enfrentava problemas seríssimos. Nem na quadra

os alunos podiam pisar porque ela estava “meio” que sitiada pelos traficantes, [...] uma escola

que tinha uma estrutura para 1500 alunos e estava com 300, porque ninguém queria se

matricular”.

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Diante do exposto, é válido afirmarmos que a falta de quantitativo de alunos na

instituição foi gerada pelo descaso que o poder público criou com a situação da escola. Afinal,

após diversas ocorrências, o Governador resolveu militarizar, para solucionar o problema.

Estamos, pois, no contexto que levou a escola Manaus a ser militarizada.

Fortalecendo a fala da professora 2, apresentamos o seguinte relato da professora 3:

[...] faltou, sim, por parte da SEDUC, por parte do governo, apoiar a antiga escola, e

eu te garanto que não foi por falta de diálogo da antiga diretora. Não foi só aqui,

porque nós tivemos outras escolas, pois nos últimos assaltos, nós tínhamos

laboratórios de informática, aqui, completo, e eles roubaram a maior parte, inclusive,

quem era secretário de Educação era o Emerson Castro, que veio aqui, que dizendo

que ia repor, ia mandar, ver se na escola do município se eles devolveram. Os jogos

pedagógicos, tínhamos uma sala, aqui, de recurso para as crianças. Tudo isso eles

levaram. Então, era muito mais fácil ajudar a abraçar a escola, dar um apoio, colocar

alguém para fazer a segurança da escola, mas para ele foi mais fácil militarizar, fazer

isso, né? (PROFESSORA 3).

Mais uma vez estamos diante de relatos que, de forma recorrente, afirmam que a

SEDUC e o Governo não apoiaram a escola, embora a antiga diretora procurasse o diálogo.

As professoras relatam que, nesse período, outras escolas também sofriam com os assaltos.

Na visão da professora 3, era mais viável abraçar a causa da escola, colocar pessoas para fazer

a segurança. Entretanto, para fazer valer ideias dominantes, o governador impôs a

militarização.

Podemos ver que, a partir dessa premissa, o Estado entra em contradição ao dizer que

a militarização passa por garantir a segurança do ambiente. O mesmo Estado negligente, que

retirou das escolas estaduais os profissionais (vigilantes) que asseguravam o patrimônio

público escolar, o mesmo Estado que, mais tarde, não os repôs, surge com a imposição da

militarização das escolas como tábua de salvação e solução para os problemas da educação.

Quais problemas na realidade o Estado quer solucionar?

A professora 4 deixa claro qual a verdadeira intenção do Estado em militarizar as

escolas públicas. A professora 4 diz: “Eu acredito que é retirar um pouco da sua

responsabilidade (do Estado) e repassar aos militares. Por ser militar, por ser polícia, por ter

aquela coisa da autoridade, repassando um pouco das suas obrigações às escolas militares”

(PROFESSORA 4). Nessa mesma linha de raciocínio, podemos observar um ponto de vista

diferente aos antes mencionados. Esta professora diverge dos outros posicionamentos. A

professora 5, por sua vez, apresenta a seguinte opinião:

Eu ainda acredito que isso tem um cunho político, né? Tem 70% de cunho político,

porque a gente sabe que tem um deputado que é a favor disso. Já deixou claro. Tem

as pessoas, obviamente, que são partidárias e compartilham mesmo disso. Eu não

acho que é um regime, assim, que você consegue as coisas. Acho que, em partes, é

bom na questão da disciplina, de você aprender a se portar, mas ainda acho que é a

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coisa do humano mesmo, que ainda vai mudar muita coisa, não só nas escolas, mas

no Brasil (PROFESSORA 5).

A princípio, com base na entrevista, enxergamos uma interpretação que aponta o

interesse político, já que é realidade que o propagador da militarização das escolas públicas é

um deputado, como está disposto na indicação de nº 3107/2016.

Destacamos, aqui, um trecho da entrevista da professora 6:

Sei lá. Porque tiraram tanto tal da segurança das escolas? Eu fico pensando. Não era,

realmente, para acontecer o vandalismo e eles entrarem para dizerem que são a

solução. Porque eles se apresentam como solução. Eu tenho muita preocupação com

isso [...] Mas eu acho que precisamos de alguém que não queira isso, que pense

diferente, porque eu não vejo isso como solução de jeito nenhum. E essa ideia de

voltar a regime militar, seja ele qual for, eu não acho bom. Eu acho péssima. A

nossa democracia acabou de nascer, a gente pode dizer. É claro que vão ter

problemas e, se de repente, a gente deixar ela e volta para trás, eu acho uma coisa

muito perigosa, muito ruim (PROFESSORA 6).

Observamos que a professora 6 demonstra sua preocupação quanto à ideia de voltar

ao regime militar, afinal, “seja ele qual for, eu não acho bom, acho péssimo”. Ademais, a

docente sintetiza que a democracia é recente e que ainda existem problemas. Se houver um

retrocesso, será muito perigoso.

Há quem tenha pensamentos divergentes no que se trata da intenção do Estado nesse

processo, como no caso da entrevista com a professora 7, abaixo:

Vejo que ele, pelo lado da aprendizagem, ele quer resgatar, o que não está tendo; e

ajudar a juventude, porque a maioria das escolas que foram militarizadas são aquelas

que tiveram muito problema com drogas, em violência. Ele não implantou em uma

escola que está tudo bem, né, implantou naquelas que estavam com problema.

Então, acredito que é isso, resgatar a educação desses jovens (PROFESSORA 7).

Nesse comentário, percebemos que a professora 7 consegue vislumbrar que a

intenção do governo é resgatar a juventude, enfatizando que a maioria das escolas que foram

militarizadas eram aquelas escolas que se encontravam com problemas de drogas, de

violência. E ainda destaca que o governo não implantou a militarização em uma escola que

estava bem, mas em escolas que estavam com problemas e, por esse motivo, ela acredita a

intenção do Estado é “resgatar a educação dos jovens”. Diante do exposto, a professora 7 tem

um ponto de vista diferente, visto que alguns professores atribuem a militarização à intenção

do Estado na omissão com a educação, à retirada dos vigilantes, à questões políticas, como se

o Governo tivesse premeditado transferir a escola para os militares.

Procuramos conhecer o ponto de vista do diretor da Escola Tiradentes VII a respeito

do criação do projeto e da implantação da militarização. Questionamos sobre o que levou o

Estado a criar esse projeto. O diretor nos respondeu com as seguintes palavras:

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Essa primeira pergunta que fala o que levou o governo a criar o projeto de

militarização das escolas? Me faz remontar o que a Lei 4.058 trata, e versa sobre a

questão da transformação de unidades da rede estadual em escolas militares [...].

Segundo as informações, na hora que fui convidado para ser esse diretor, foi

apontada essa necessidade de transformar algumas escolas que tinham baixo índice

de IDEB, e representava, dentro das localidades, uma dificuldade de aprendizado,

de acordo com as mazelas sociais existentes naquelas comunidades, como:

tráfico, violência, brigas e a própria evasão escolar, uma vez que a comunidade

não se sentia segura em manter seus filhos nessas escolas (DIRETOR DO CTPM

VII) (Grifos nossos).

O diretor, ao responder ao questionamento, citou logo os preceitos legais que

amparam a implantação da escola, com base na Lei 4.058, de 15 de maio de 2017, que

autoriza a criação de Unidade de Colégio Tiradentes da Polícia Militar-CTPM, apresentando,

dessa forma, o que baseia a transferência da escola estadual. O gestor deixou claro que, ao

receber o convite para gerir a escola militarizada, logo foi apontado o baixo desempenho na

avaliação do IDEB, que este tinha como agravante as mazelas sociais existentes no entorno da

comunidade (o tráfico, a violência, a evasão escolar).

Contrapondo o ponto de vista do diretor, trazemos o depoimento da Professora 4:

[...] Não. Dentro da escola, não. Porque a nossa realidade de escola não era de

violência e marginalidade. Nossos alunos apresentavam problemas em indisciplina,

corriqueiros como qualquer outra escola. Agora, nos redores da escola, sim, tinham

os marginais, bandidos do tráfico. As pessoas que usavam drogas adentravam na

escola para fazer uso dela, já que a escola não tinha mais segurança. Né? Hoje é

diferente, apesar de a escola ser localizada na periferia, foi militarizada, melhorou

um pouco esse termo de violência dentro da escola, porque eu acho que a polícia

tem que cuidar do que tá fora, né? Ao redor da escola, proteger e assegurar fora da

escola. Não dentro. Porque dentro se estuda aluno, não se estuda bandido, para você

ficar cuidando, policiais dentro da escola. Acho que eles têm que cuidar fora da

escola (PROFESSORA 4).

A professora 4 afirma que o ambiente interno da escola era de “indisciplina

corriqueira” e afiança que os indivíduos que cometem infração adentravam a escola pela falta

de segurança, mas não eram parte dela. A entrevistada afirma que “dentro da escola se estuda

aluno, não se estuda bandido” (PROFESSORA 4). Com efeito, a professora 4 assegura que os

indivíduos usuários de drogas invadiam a escola por falta de segurança, entrementes

entendemos que estes não faziam parte da comunidade escolar.

Para uma maior compreensão dos problemas em relação à disciplina na escola, é

necessário considerá-la um problema que “pode começar na sala de aula, mas logo atinge a

família e, se insistirmos, passa pela mídia, pelo sistema de ensino e chega ao sistema social”

(VASCONCELLOS, 2009, p. 59). Então, essa crise tem origem no seio da sociedade. É essa a

visão que o ensino militar não consegue abranger: notar a disciplina como um resultado a ser

alcançado pelo processo de ensino-aprendizagem.

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Em contraponto à comunidade escolar, que verdadeiramente conhece a realidade da

escola, o Governador, em sua mensagem nº 91, de 2 de maio de 2017, em que declarou apoio

à militarização e aos deputados envolvidos, cita, ainda, à sua ótica, as justificativas relativas à

militarização, como é possível ver no seguinte trecho da Mensagem:

Cabe salientar que a iniciativa contribui para o aprimoramento dos valore referentes

à hierarquia, disciplina e ética, bem como prova melhoria no desempenho e na

formação e na frequência escolar, além de coibir a violência praticada por estudantes

nas dependências das instituições de ensino, como agressões físicas, uso de drogas,

prática sexual e até mesmo porte ilegal de armas (MENSAGEM Nº 91 DE 2 DE

MAIO DE 2017).

A fim de descobrirmos a verdade dentro da dicotomia Poder Público/Comunidade

Escolar, nos dispusemos a peticionar à Secretária de Estado da Segurança, Defesa e Cidadania

– SESDEC os boletins de ocorrência da antiga Escola Estadual Manaus. Esclarecemos, que

este pedido foi realizado em 24 de setembro de 2018, entretanto só obtivemos resposta no dia

03 de abril de 2019, seis meses depois. O documento está em anexo. Os dados levantados

estão dispostos na Tabela 1, a seguir:

Tabela 1 - Boletins de Ocorrência da Escola Manaus 2010-2017

OCORRÊNCIA NA

ESCOLA MANAUS

2011 2010 2012 2013 2014 2015 2016 2017 Total

Geral

Ameaça - 1 - 2 - 1 1 - 5

Dano/depredação 1 - - - - - - - 1

Furto 1 2 1 7 4 15 16 2 48

Injúria - - - - 1 - 1 - 2

Lesão corporal 0 3 0 2 - 2 1 3 11

Maus tratos - 1 - - - - - - 1

Outras ocorrências não

criminais

- - - - - 1 - - 1

Outros ilícitos penais - - 1 - - - 2 2 5

Porte de arma (similar) - - - 1 - - - - 1

Roubo a pessoa 1 - - - - - - 1

Vias de fato - - - - - 1 - - 1

TOTAL GERAL 3 7 2 12 5 20 21 7 77

FONTE: Secretaria de Estado da Segurança, Defesa e Cidadania - SESDEC/03/04/2019.

Os anos de 2013 a 2017, período marcado pela ausência de vigilantes nas escolas,

concentraram aproximadamente 84% das ocorrências. Quando analisamos somente os

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boletins referentes a furtos, o número chega a ser de 91% nesse mesmo período. Na

mensagem do Governador, já citada, o próprio determina o porte de armas, agressão física e o

uso de drogas como justificativas para a militarização. Porém, de acordo com a Tabela 1, em

oito anos, a escola só registrou um porte de arma; cinco ocasiões em que houve flagrante de

drogas (ilícitos penais); entre estas cinco ocorrências envolvendo drogas, quatro (80%)

ocorreram após a retirada da vigilância; 14% das ocorrências (11 das 77), durante esses oito

anos, foram por lesão corporal e, destas onze ocorrências por lesão, cinco foram registradas

no período de 2010 a 2013 e seis no período de 2014 a 2017. Ademais, a escola teve um caso

de depredação, registrado em B.O., em 2011; foram registrados, ainda, cinco casos de

ameaça; dois casos de injúria; um roubo e uma ocorrência por maus-tratos.

Depreendemos que a verdade caminha com a comunidade escolar, visto que as

professoras entrevistadas reforçaram, em suas falas, que a antiga Escola Manaus só

desencaminhou para a violência a partir do abandono do efetivo de vigilantes, fato omitido

pelo poder público. Mais uma vez concluímos que os problemas que o Governo cita como

justificativa para a militarização são problemas criados por ele próprio.

Portanto, constatamos que as justificativas do Projeto de militarização são apenas

falácias e não passam de um discurso manipulador. Afinal, diante dos dados, aferimos que

não é verídico o que os propagadores desse projeto explanam. A eliminação da violência na

escola foi um pressuposto basilar utilizado para militarizar a escola pública Manaus, que

estaria enfrentando um nível elevado de marginalidade, advinda da comunidade ao seu redor.

Notamos que a implementação da militarização no contexto escolar é um

desdobramento da crise estrutural que vivemos. Entretanto, a utilização da implantação desse

processo torna-se um viés para controlar a população. Segundo Pinheiro (2017), “Esse

método de “calar” todos aqueles que são contra o governo é visto como abuso de poder,

podendo ser considerado uma verdadeira violência, visando controlar professores e formar

indivíduos obedientes e alienados”.

Ademais, buscamos entender como se desenrolou o processo de militarização levado

à prática, focando, a priori, as relações desenvolvidas durante a implantação, o diálogo ou não

entre o Estado e as comunidades das escolas Capitão Cláudio Manoel da Costa e a Escola de

Ensino Fundamental e Médio Manaus.

O Gráfico 1, a seguir, demonstra o percentual de afirmação sobre a realização de

consulta pública, de acordo com as respostas dos professores entrevistados:

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Gráfico 1 - Percentual de afirmação sobre a consulta pública

Fonte: Elaborado pela autora a partir dos dados da pesquisa.

Levando-se em consideração o Gráfico 1, observamos que 90% dos professores

responderam que não houve uma consulta pública com a comunidade escolar, enquanto 10%,

afirmam que houve. 75% dos gestores ressaltam que não houve, mas 25% confirmam que a

consulta pública foi realizada no ambiente escolar militarizado. O que chama atenção é o fato

de que 100% dos pais afirmam que foram consultados acerca do processo de militarização.

Diante das afirmações dos participantes da pesquisa, notamos um universo

contraditório. É necessário relatar que os pais de alunos do Colégio Tiradentes VII confundem

com consulta pública a reunião que aconteceu com o Capitão e as comunidade escolar e local.

Vejamos as palavras de um desses pais:

[...] houve sim uma consulta aos pais, o diretor (Capitão), marcou uma reunião com

todos os pais, aonde se apresentou e explicou como iria funcionar a escola.

Averiguamos, assim, que os pais de alunos não compreendem que durante esta

reunião o processo de militarização já havia ocorrido (PAI DE ALUNO).

Nesse contexto, averiguamos uma camuflagem no que se refere à consulta pública

com apresentação do projeto. Fingiu-se o diálogo com a comunidade, o que ficará claro no

decorrer das apresentações das entrevistas. Notamos que as instituições de ensino

militarizadas entram em claro desacordo com os princípios da LDB, desrespeitando os

pressupostos de gestão democrática do ensino público.

90%

75%

10%

25%

100%

0%

10%

20%

30%

40%

50%

60%

70%

80%

90%

100%

PROFESSORES GESTORES PAIS

HOUVE CONSULTA

NÃO HOUVE CONSULTA

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Nesse sentido Silveira (2016), afirma que há uma ruptura com a ordem democrática

de direito no país, na atuação da instituição militar nas escolas públicas, principalmente na

verificação de que não há legislação que preveja ou permita a transferência de gestão pública

para militar.

Questionamos o diretor do CTPM VII se houve uma consulta pública, um debate

com a comunidade. O Capitão e diretor do CTPM VII assim respondeu:

[...] Tivemos um processo, aqui no antigo colégio Manaus, o qual nós viemos, nas

reuniões junto com a comunidade escolar, apresentar esse projeto realizado, sobre as

questões de como seria essa modificação na escola, se teria benefícios, se daria

resultados. Durante nossas conversas, ainda uma possibilidade de ser, ou colégio

Manaus ou colégio Capitão Cláudio, com diversos pleitos, inclusive, audiência

pública na assembleia, [onde] foi deliberado, pelo então governador, que seria

transformado, esse colégio, antigo colégio Manaus, num colégio Tiradentes, e com

isso fazer todo aparelhamento de apoio de policiais e professores para se manter essa

escola com a nova estrutura (DIRETOR DO CTPM VII) (Grifos nossos).

O Capitão afirma, enfaticamente, a existência de uma consulta pública indo de

encontro com a afirmação da Secretária da Educação, que também afirma que as reuniões

tinham o intuito de “apresentar esse projeto (a militarização), sobre as questões de como seria

essa modificação na escola [...]”. A contradição está posta, primeiro quando o capitão afirma

que houve uma consulta pública e sua comunidade escolar desconhece esta; e segundo quando

revela que a militarização foi deliberada pelo então govenador da época. Ou seja, não foram

consultas públicas que ocorreram. O que aconteceu, na verdade, foi apenas uma exposição do

projeto que seria executado em seguida. Isso ficou mais claro nas palavras da professora 2:

Bem. Foi bem diferente do que aconteceu na Escola Capitão Cláudio, né? Que sabes

que lá houve a consulta púbica para verificar se teria aceitação ou não da

comunidade. Diferente do que aconteceu aqui, não houve essa consulta pública, a

comunidade não foi ouvida e se fez uma reunião após a militarização, [...] no

auditório. O Capitão já tinha se apresentado como diretor do colégio. Então, não

houve essa consulta pública (PROFESSORA 2) (Grifos nossos).

O diretor Capitão informou que houve reuniões junto com a comunidade escolar, para

a apresentação do projeto, porém, analisando a fala da professora 2, essa reunião de fato

aconteceu somente depois da militarização.

A professora 1 foi enfática ao esclarecer o processo de implantação, afirmando que

“a comunidade não foi ouvida e se fez uma reunião após a militarização, [...] no auditório”, tal

qual foi dito pelo diretor Capitão. Nesse panorama, complementamos com a exposição da

professora 1:

Quando eles chegaram, já vieram com essa ideia, com todas as coisas organizadas.

Não teve uma reunião com a comunidade antes, o que aconteceu, foi que depois

de uma semana ou duas, o atual diretor reuniu, explicou, juntou toda a

comunidade e explicou como seria, e a comunidade, em comum acordo, apoiou a

atual gestão. Foi isso que aconteceu (PROFESSORA 1) (Grifos nossos).

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Sabendo que as escolas públicas deveriam se pautar nos princípios da gestão

democrática, notamos que a implantação da militarização na escola em questão foi uma

prática autoritária, imposta de modo vertical, ou seja, do poder executivo para o povo,

inserida no contexto escolar sem a participação da comunidade, infringindo a Lei de

Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), Lei n° 9.394/96, no Art. 14 parágrafo II, que

rege a participação das comunidades escolar e local em conselhos escolares ou equivalentes.

Tal fato pode ser constatado, inclusive, a partir da entrevista da professora 3, a qual

declara que “na verdade, eles já estavam decididos, aí só informaram. Passado um mês, mais

ou menos, eles voltaram dizendo que, a partir daquele dia, era uma nova gestão, e pronto”

(PROFESSORA 3). Há, portanto, um consenso em dizer que não houve uma real consulta à

comunidade. A professora 3 reforça:

Eu vejo como uma tomada de posse. Vieram e tomaram a escola. [...]. Todos aqueles

militares que estão lá, nem sequer foram apresentados para nós, até hoje. Eu, pelo

menos, não conheço. Só sei o nome de dois. A gente não sabe para que eles estão lá.

Tem dois que, mais ou menos, estão cuidando da questão disciplinar, mas tem os

outros que nem isso (PROFESSORA 3) (Interpolação nossa).

A professora é firme ao tratar da militarização como uma “tomada de posse”,

levando-se em consideração que sem uma discussão popular, qualquer decisão estatal é uma

afronta antidemocrática. Dessa forma, as professoras 1, 2 e 3 são criteriosas ao dizer, direta e

indiretamente, que a implantação do CTPM VII ocorreu de modo antidemocrático, às escuras.

Observamos que não houve um diálogo sobre o assunto. Santos (2016) é enfático ao expor

que essas implantações, a exemplo de Goiás, ocorreram de forma arbitrária e com a ausência

de diálogo.

Mesmo assim, trazemos o relato da professora 4, que declara ter ocorrido uma

consulta pública:

Olha. Até onde eu sei teve uma reunião conosco, primeiramente para apresentar

como seria, até a questão do colégio Tiradentes, que é o de Jaci. Veio a diretora,

veio o pessoal da CRE, o pessoal da SEDUC, e apresentaram a escola Tiradentes de

Jaci para a gente. Foi quando cogitou-se a questão da militarização da escola. Por

quê? Porque a escola estava sendo depredada, os usuários de drogas estavam

adentrando na escola no horário de aula, sendo perigoso para os nossos alunos

e professores, profissionais da educação que aqui trabalhavam [...]

(PROFESSORA 4) (Grifos nossos).

A professora 4 relata uma reunião já citada pela Secretária de Educação, que tentou

discutir a militarização de duas escolas, incluindo-se a escola Capitão Claudio Manoel da

Costa. Esta reunião ocorreu no dia 14 de julho de 2017, doze dias depois de uma reunião da

Comissão de Educação e Cultura, que determinou a necessidade desta “consulta”. Todavia, a

tal “consulta” contou somente com a participação de professores, pois foi decidido que não

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seria aberta, temendo-se o desagrado da população. A professora 4 continua seu relato

afirmando que:

[...] Mas, aí teve a conversa com os profissionais da educação da escola, e depois,

quando se teve uma situação de depredação, acho que foi até de uma viatura...

aí o governador falou: “Não. Vamos militarizar porque a escola precisa,

realmente, de uma mudança, se não a escola vai acabar sendo fechada.” Quando

retornamos do recesso, nós chegamos aqui, e o governador tinha baixado o Decreto,

que a escola era militarizada, a partir daquele momento [...] (PROFESSORA 4)

(Grifos nossos).

A professora 4, em um primeiro momento, mostra-se iludida pelo “canto da sereia”

do Governador ao dar crédito à possível afirmativa de que a militarização só se tornou

realidade a partir da depredação da escola. Logo em seguida, ela também demonstra o

autoritarismo do Governo e dos Deputados rondonienses, que baixaram o decreto que

militarizava a escola Manaus durante o recesso dos professores. Ela, enfim, conclui:

O Capitão, [...] que é nosso Diretor, se apresentou, mostrou a forma dele trabalhar,

que essa foi uma surpresa, e com um tempo ele reuniu a comunidade e passou. A

comunidade tirou dúvidas, perguntou sobre “n” situações, e ele sempre muito

claro, com um posicionamento do que ele queria fazer pela escola. Então, foi um

susto, mas que ajudou muito a melhoria. Teve sim uma reunião com o pessoal da

Escola, depois com a comunidade (PROFESSORA 4) (Grifos nossos).

A professora 4, entretanto, não esconde seu apoio à militarização, mesmo sabendo

que a reunião ocorrida fora com a comunidade escolar da escola Capitão Cláudio Manuel da

Costa e, mais, que o Governador decretou a transferência ao Corpo de Bombeiros, durante o

recesso escolar.

Por fim, sobre o processo de implantação da militarização, buscamos ouvir os

professores, diretores e pais de alunos da escola estadual Capitão Cláudio Manoel da Costa,

segunda escola pública estadual que deveria ser militarizada pelo governador. Nessa escola,

houve um processo de luta e resistência por parte da comunidade escolar. Essa atitude da

comunidade escolar enfraqueceu o processo de implantação da militarização e levou à

revogação do Decreto imposto pelo então governador. O processo de militarização dessa

escola pública, de acordo com os entrevistados, ocorreu de forma sorrateira. Vejamos, então,

as palavras da professora 8: “Que eu saiba não houve nenhuma consulta pública, pelo menos

não nos comunicaram que a escola iria ser militarizada. Nós fomos pegos de surpresa, com o

decreto através do WhatsApp, e eu vou dizer tudo” (PROFESSORA 8).

Identificamos a práxis autoritária quando, na fala da professora 8, de maneira

enfática, se ilustra que “foram pegos de surpresa”, que souberam pelas redes sociais, mais

precisamente o Decreto lhes foi apresentado pelo WhatsApp.

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O segundo entrevistado foi um professor de história e filosofia, aqui identificado

como professor 5, que afirma:

Fomos pegos de surpresa. A militarização não aconteceu, porque a comunidade não

aceitou. Houve, inclusive, um policial que disparou, aí, o gás de pimenta, e a

comunidade se revoltou. Quem era a favor ficou contra porque não foi a menina que

pegou, quer dizer, se o policial deixa a garota pegar o spray de pimenta dele, quem

garante que ele não vai deixá-la pegar o fuzil ou a pistola? (PROFESSOR 5).

Assim, fica claro o caráter estanque da implantação, o que é uma grande recorrência

nas falas dos professores entrevistados. Para prosseguir na constituição das nossas análises,

seguimos ouvindo os professores. Nesse mesmo quadro, sobre como ocorreu o processo de

militarização da escola pesquisada, o professor 6 afirma:

Nós ficamos checando, através de fontes confiáveis que chegaram até mim. Através

de grupo de whats, dizendo, falando sobre isso. E quando fomos verificar se era

verdade ou não, descobrimos que era verdade. Quando descobrimos que era

verdade, surgiram infinitos fatos, infinitas conversas, diziam que era hoje que iam

chegar os militares, diziam que era amanhã, que ia amanhecer o dia, [e] os militares

iam chegar. Fomos ao SINTERO e começamos toda uma mobilização. Já toda

estrutura [...] (PROFESSOR 6).

Chega a ser repetitiva a frequência com a qual os professores de ambas as escolas

afirmam que não estavam cientes a respeito da militarização da escola, mesmo que se tente

afirmar o contrário. A comunidade escolar não foi consultada antes do decreto que viabilizava

a implantação do processo. Segundo o professor 9, “Infelizmente, a escola recebeu a notícia

de última hora. Em julho recebemos que em agosto já seria militarizada, ou seja, quando os

professores voltassem de férias” (PROFESSOR 9). Nessa conjuntura, a instituição pública se

restringe às exigências e imposições do Estado. Nem o Sindicato dos Trabalhadores em

Educação foi ouvido, conforme explicou o diretor da escola:

Nós sabemos através de decreto a lei como já falei antes, foi aprovada uma Lei

imediata através do Deputado que já citamos e depois feito o decreto, e não foi

consultado ninguém nem o próprio SINTERO que é o sindicato da categoria, não foi

ouvido (DIRETOR DA ESCOLA CAPITÃO CLAÚDIO).

Para enriquecimento desta pesquisa, destacamos a entrevista da Secretária de

Educação do Estado de Rondônia, com vistas a compreender o processo de militarização das

escolas pesquisadas. Acerca da existência ou não de um debate com a sociedade e

comunidade escolar a Secretária de Educação Estadual afirmou:

Veja bem. Nós fizemos, sim, várias audiências. Eu, inclusive, participei de audiência

em Vilhena, em Ariquemes. [Em] Ji-Paraná eu não participei, mas acompanhei a

audiência, uma que lotou o ginásio de esporte da antiga escola Júlio Guerra. Aqui,

em Porto Velho, nos reunimos na escola Cláudio Manoel, mas infelizmente foi um

dia de muito tumulto, de muito enfrentamento. Aconteceu um incidente bem

lamentável. Enfim, não foi possível. E não foi possível, na escola Manaus [...] em

função, também, de uma mobilização que no nosso entendimento não é algo que

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possa contribuir com a discussão, porque acho que quando você vai para essas

audiências, você vai para um debate de ideias, você não vai para agressão, para

o enfrentamento, para o xingamento, para que pessoas radicalizem em cima da

situação. Tínhamos ido à escola Manaus para uma discussão, mas devido uma

circunstância que não nos pareceu favorável, nós falamos com os servidores, e não

conseguimos falar com a comunidade. [...]. Aí, falar que nós não fizemos uma

sensibilização, que nós não fizemos uma discussão, isso não é verdade. Nós temos a

data de registro, de Vilhena, de Ji-Paraná, de Ariquemes e, infelizmente, Porto

Velho foi o lugar mais tumultuado (SECRETÁRIA DE EDUCAÇÃO) (Grifos

nossos).

A Secretária de Educação do Estado de Rondônia descreve o prelúdio do processo de

militarização, afirmando que foram feitas consultas públicas nos munícipios de Vilhena, Ji-

Paraná e Ariquemes, mas, segundo ela, em Porto Velho não foi possível realizar a consulta

devido a tumultos e enfretamentos que ocorreram na Escola Estadual Manaus e na Escola

Capitão Cláudio Manoel da Costa.

Verificamos, a partir das entrevistas da Secretária e da professora 4, que houve uma

reunião com os servidores, o que a Secretária chamou de “sensibilização”. Mas, conforme a

referida Secretária revelou em sua entrevista, a consulta pública com os pais não obteve

sucesso, em virtude da resistência popular e de parte da comunidade escolar, que não eram

favoráveis à militarização das escolas.

Nas palavras da Secretária, a audiência pública não aconteceu, pois, segundo ela, o

posicionamento contrário da comunidade atrapalharia o processo de transição da escola

pública para escola militarizada. Fica claro, no argumento da Secretária, que o ideal para

acontecer uma discussão pacífica seria a subserviência da comunidade local, já que no

discurso da defensora, a comunidade escolar não se mostrou contrária à mudança imposta

pelo o Estado. O que nos chama a atenção é o vestígio de uma mobilização por parte dos pais,

de acordo com a fala da Secretária.

Nesse quadro, verificamos as controvérsias existentes nesse processo, quando a

professora 7 enfatiza que “houve, sim, uma consulta pública, com pais e professores”. A

Secretária de Educação afirma, objetivamente, que não houve uma consulta aos pais e sim

reuniões com os servidores, enquanto os professores da Escola Capitão Cláudio foram

unânimes em dizer que não houve consulta pública alguma.

A intervenção dos militares na educação está posta pelo governador do Estado de

Rondônia de forma autoritária, disfarçada de processo democrático, para encobrir as

dissidências entre o discurso e os fatos. Estamos diante de uma escola pautada na hierarquia,

com objetivo de transformar os membros da comunidade escolar em sujeitos obedientes,

preparando-os para obedecer ao mais forte, tolhendo o exercício do pensamento crítico.

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80

Estamos à frente da divisão de classes e do Estado burguês opressor, onde os detentores do

poder impõem sua soberania e ordens sobre os menos favorecidos. Nesse aspecto, Ludwig

(1998) assegura a relação entre militares e Estado:

Embora existam concepções de Estado desligadas das classes sociais, é notório [...]

que aqui ele deve ser entendido como uma instituição que se manifesta e se realiza

devido a existência de classes antagônicas. Nesse sentido, ele pode ser interpretado

como órgão que faz mediação entre diversas classes sociais, levando em contas os

interesses [...] sua função principal é assegurar o predomínio de uma classe sobre a

outra (LUDWIG, 1998, p. 10).

As forças armadas são a coluna do Estado. Sob essa ótica, sustenta-se a gênese do

Estado como prova da luta de classes e da sua relação inconciliável (ENGELS, 1989; LÊNIN,

2011a), pois mais uma vez o Estado se coloca como instrumento de dominação das classes

menos abastadas. Nesse prisma, evidenciamos que os militares, consagram e disseminam a

hegemonia das classes dominantes ao impor um jogo de compromisso entre os detentores do

poder e determinadas classes dominadas.

No entanto, vale pontuar que as escolas militarizadas não trabalham com a visão de

formar jovens para a carreira militar, porém usam-se valores militares para formar civis. Mas

com que propósito? Santos (2016), responde a essa questão, afirmando que os CPM, assim

como os CM, são tipos de escola que pretendem preparar sujeitos para determinada

concepção de mundo, onde se naturalizem, em sua visão, as relações de dominação e

exploração. Eis a verdadeira intenção da classe dominante: frear os filhos dos trabalhadores

na luta pelos seus direitos.

3.1.1 A Militarização é a solução para o tráfico de drogas, da violência e insegurança no

bairro?

Quando nos dispusemos a discutir as justificativas da militarização - e após discutir

todas elas -, nos atentamos a uma em específico: o uso de drogas entre jovens.

Nesse sentido, perguntamos aos professores: você acredita que a militarização é a

solução para o tráfico de drogas, da violência e insegurança no bairro?

As respostas para essa questão se configuram no Gráfico 2, a seguir:

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81

Gráfico 2 - Sobre a militarização como solução

30% 33,30%

50%

66,60%

20%

100%

0%

10%

20%

30%

40%

50%

60%

70%

80%

90%

100%

PROFESSORES GESTORES PAIS

SIM

NÃO

DÚVIDA

Fonte: Elaborado pela autora a partir de dados da pesquisa.

De acordo com análise do Gráfico 2, averiguamos que 50% dos professores

responderam que a militarização não é a solução para o tráfico. Conforme as entrevistas a que

tivemos acesso – as quais vamos apresentar no decorrer desta subseção -, os professores

compreendem que os problemas decorrente do tráfico de drogas perpassam os muros da

escola, pois o tráfico de drogas é um problema social, acarretado pela falta de segurança

pública, problemas econômicos e familiares, entre outros. Já os gestores assumem - em sua

maioria, dois terços, para ser mais exato - que a militarização não pode garantir tal segurança,

em discordância dos pais, que acreditam nessa possibilidade. Em se tratando da visão de

professores, a professora 1 assim se pronunciou:

[...] eu acho que essa questão de acabar com o tráfico, essas coisas, vai muito além

disso aí. Vejo como base a questão familiar. Se a militarização fosse a solução dos

nossos problemas, o nosso Brasil já estaria militarizado há muito tempo. E não é só

isso, é questão da família, porque, os pais, eu sempre falo para os pais: quem está

dentro da sala são os professores, nós somos civis e não somos militares. Então, o

aluno, ele tem que aprender a respeitar o professor. Se ele não respeita o professor,

pode ser até um coronel que venha para dentro da sala, se ele não aprendeu a

respeitar [...] em casa, ele não vai. Então, isso, eu não acho que [...] não vai ser a

solução dos problemas. Eu acho que ajuda. Ajuda, sim, porque, por exemplo, eles

aprendem a questão da postura, da vestimenta, que eu acho isso uma coisa muito

legal. Cumprir horário. [...] A solução são os métodos tradicionais. Como você cria

seu filho em casa, eu acredito muito ainda nisso. As pessoas falam ainda muito da

modernidade. É bacana, mas a gente ainda tem que se remeter aos métodos

tradicionais, a conversa com a família, isso resolve em partes, algumas coisas, mais

a solução não é não (PROFESSORA 1).

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82

A professora 1 inicia sua fala se referindo ao tráfico, que o fim do tráfico vai além,

responsabilizando a família, que é base para o indivíduo. Ela é enfática em dizer que, se

militarização fosse a solução para os problemas, seria ideal militarizar todo o país há muito

tempo. Subtende-se que o problema do tráfico é algo que está atrelado em todo o país, que

esse problema é antigo. A docente afirma que o problema não é só o tráfico, mas é também a

falta de respeito, princípio que não está sendo ensinado em casa; se o aluno não respeita o

professor, que é civil, responsável em ministrar as aulas, o aluno não irá respeitar o militar,

um “General”.

A colocação da professora 1 sobre a militarização é que esta não é a solução, mas

que ajuda, sim. Com a militarização, os alunos aprendem a questão da postura, da vestimenta,

o cumprimento de horário. Para a entrevistada, a solução para os problemas é recorrer aos

métodos tradicionais, como a família educa seus filhos, o diálogo entre pais e filhos. Portanto,

o que notamos na entrevista é que a professora 1 atribui a solução para o tráfico ao

aprendizado dos valores e princípios fundamentados pela família, ou seja, a educação

informal e familiar são atributos para solucionar o tráfico de drogas na escola. Diante da

discussão, constatamos que o problema do tráfico é uma questão social e familiar.

A professora 3, em sua entrevista, demonstra seu ponto de vista sobre a militarização

como solução para os problemas do tráfico:

Mas isso aí é nunca. [...] Acho que diminui a segurança das ruas, eles têm que estar

na rua fazendo a segurança. Ali, ao entorno daquela escola, não tem só bandido não,

tem muita gente de bem, e caberia a eles usar a segurança pública. Tinha resolvido.

Agora, dizer que militarizar a escola vai resolver? Nunca (PROFESSORA 3)

(Grifos nossos).

Fica explícito, nesse relato, que, na visão da professora 3, ter os militares dentro da

escola não é a solução para os problemas do tráfico e que seria melhor se eles estivessem nas

ruas, promovendo a segurança pública para os cidadãos. Com os militares dentro das escolas,

diminui-se a segurança nas ruas e a segurança pública é atribuição deles. Isso, sim, diminuiria

o tráfico. A professora 3 ainda enfatiza que o imenso quantitativo de militares que está na

escola deveria estar nas ruas, exercendo seu papel, garantindo a segurança pública dos

moradores que estão no entorno da escola. Isso é o que resolveria os problemas da

marginalização e não militarizar a escola.

Nessa vertente, a professora 7, que é contrária à entrevistada anterior, assegura:

Eu acredito que sim. É por aí mesmo. Esse é o caminho. Porque é assim, na escola

militar, eles têm, tipo, mais disciplina. Eu percebo isso. Porque eu trabalhei antes,

quando não era militar nessa escola. Gente, eles não obedecem, não têm

disciplina. Já na escola militar, não. Não sei se é a farda que impõe um respeito,

eles já têm aquele respeito. Então, eu acredito nisso. Até o tráfico de droga, que era

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constante, diminuiu bastante depois que passou a ser foi militarizada essa escola.

Mas, mudou bastante. Eu lembro que antes a gente vinha pra cá a noite planejar, eu

ficava até as 20h. Eu não podia ir, a minha sala é outra. Eu não podia ir ter acesso lá,

porque eles estavam lá atrás. Eu tinha medo de ir. Então eu só ficava ali, naquele

pontinho, na frente. Todo mundo só se concentrava ali, devido os malandros estarem

por aí, os drogados (PROFESSORA7) (Grifos nossos).

A professora 7 concorda que a militarização é o caminho para solucionar os

problemas existentes na escola. Primeiramente, no que se refere à disciplina dos alunos, que

eram desobedientes e indisciplinados antes da escola se militarizar. Após a militarização, a

figura dos militares fardados dentro da escola impôs respeito. A professora 7 acredita que os

alunos passaram a ter disciplina e o tráfico de drogas, que era constante dentro da escola,

diminuiu. Nas palavras da docente, uma mudança de fato ocorreu naquele espaço escolar, já

que a escola estava sitiada por drogados.

Analisando a entrevista da professora 7, notamos que a indisciplina e o uso de drogas

na escola eram, segundo a entrevistada, algo constante e que, com a figura de autoridades

militares, tudo isso mudou. Contudo, nos chama a atenção o preço exigido para se ter

disciplina e obediência neste novo espaço dominado por militares. Na concepção de Lima

(2018),

Figura estranha esse modelo de escola como espaço democrático é a educação com

princípios hierárquicos e disciplina imposta, encontrada nas escolas militares. Seu

regime militar impõe normas de aprendizagem e comportamento que tolhem a

autonomia do educando, despersonalizam sua individualidade e homogeneízam o

conformismo com a realidade social que lhe cerca (LIMA, 2018, p. 95).

A professora 7, em seu depoimento, destaca a expressão “obedecer e disciplina”,

cujos termos reforçam os princípios de dominação, uma vez que a educação continua sendo

alvo de vigilância de um Estado, que é por essência dominante, que atrela a obediência e a

vincula à educação, caracterizando uma pedagogia do medo, que vigia para manter a ordem

e/ou acabrunhar.

Destarte, o Estado impõe a educação militar para a reprodução da ideologia da classe

dominante que, desse modo, vem exercendo seu papel repressor à classe trabalhadora, de

forma camuflada, com a suposta preocupação de manter a ordem nas escolas públicas hoje

militarizadas.

Sob esse ponto de vista e viés político, manifesta-se a contradição entre a

militarização e a escola pública laica e para todos, entre as suas lógicas internas, sendo a

última pautada na liberdade de aprender, no pluralismo de ideias e no apreço à tolerância,

divergindo do modelo da militarização, que é pautado na hierarquia e na disciplina.

Nesse panorama, a professora 4 concorda com a professora 7, citada anteriormente:

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Olha. Na questão das drogas, a militarização ajudou muito. Aqui dentro da escola, se

tem, eu ainda não percebi. Mudou 100%, porque o noturno era o horário que

tínhamos mais usuários. Então, já tínhamos presenciado. Já tínhamos chamado até a

patrulha escolar, devido à questão dos usuários na escola. Então, diminuiu muito, e a

militarização ajuda, com certeza, inibe, porque você tem um policiamento dentro

da escola 24horas. Já é uma situação que inibe o usuário, ou quem pretende em

algum momento usar droga dentro da escola (PROFESSORA 4) (Grifos nossos).

Infelizmente, a professora 4 não conseguiu fazer uma distinção em relação à

militarização da escola e a segurança pública. Com o relato da professora 4, entendemos que

que, a partir do momento em que a escola foi militarizada, os usuários perceberam que

naquele local havia militares para fazer a segurança da escola vinte e quadro horas por dia, o

que inibiu os usuários à prática atos ilícitos no interior da instituição escolar.

Diante do exposto, o Capitão diretor reforça a ideia da segurança:

Nós tivemos, aí, a mudança de comportamento como tenho tido, né? Situação

cultural, que isso abrange o entorno, não só dentro dos muros da escola como os

extramuros também, no qual a comunidade participa. A comunidade se faz presente,

as nossas atividades extracurriculares nos quais nossos alunos podem estar em

contato com a comunidade, festa junina, essas atividades que fazem relação escola e

sociedade. Então, a gente tem-se observado. Isso é notório. A presença da visitação

de outros policiais, as rondas, e isso traz para a comunidade uma segurança com

relação ao que se tem, hoje, no colégio. E a gente não tem mais nenhum boletim de

ocorrência relacionado com esse tipo de atividade que antes acontecia aqui nos

muros da escola, dentro da escola (DIRETOR CTPM VII).

O diretor do Colégio Militar Tiradentes VII garante que o projeto de militarização

resolveu o problema de indisciplina e que ocorreu uma mudança de comportamento.

Enfatizou que a presença de policiais e rondas traz para a comunidade uma segurança e afirma

que não há mais boletins de ocorrências relacionados ao que acontecia antes da militarização.

A Secretária de Educação do Estado de Rondônia é uma defensora ferrenha do

projeto de militarização. Sabendo disso, contamos com a sua participação nas entrevistas para

enriquecer nossa análise. É importante destacar que a referida servidora acredita que o projeto

resolveu as mazelas sociais existentes, conforme podemos verificar em suas palavras:

Isso, sim, resolveu muito, sem dúvida nenhuma. Isso, nós temos muito claro na

escola Manaus, que não podiam nem usar a quadra. Nós podemos ver com relatos

das pessoas do entorno. Então, hoje, os traficantes não têm mais o domínio sobre a

escola. Na Manaus, também como nos outros colégios, entendemos que essa questão

foi totalmente inibida, e todo entorno já sente o reflexo da implantação militar no

aspecto da segurança (SECRETÁRIA DE EDUCAÇÃO).

Divergindo dos três pontos de vistas dos participantes entrevistados acima, trazemos

o depoimento da Professora 2: “dentro da escola, não. Porque a nossa realidade de escola não

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era de violência e marginalidade. [..] Agora, nos redores da escola, sim, tinham os marginais,

bandidos do tráfico [..]” (PROFESSORA 2).

Se, ao que indicam as professoras 7 e 4, a escola em pré-militarização era um

ambiente hostil e perigoso, para a professora 2, o ambiente escolar não tinha essa realidade de

violência e marginalidade e que a questão referente aos bandidos e ao tráfico acontece no

entorno da escola.

A esse respeito, a percepção do professor 5 é a de que:

Totalmente sem lógica, o que compete a eles é combater na rua. Aqui na escola

ninguém vende, isso nós sabemos. Dentro da escola ninguém assalta. Ninguém

rouba. Os ladrões não estão dentro da escola, eles estão fora da escola, e eles sabem

onde é (PROFESSOR 5).

Apesar de a militarização ter ocorrido apenas por Decreto e que não foi concretizada

com a transferência da escola pública aos militares, os profissionais da educação da escola

Capitão Cláudio dispuseram-se a responder alguns questionamentos, para que

compreendêssemos a realidade da escola. Esses profissionais realçaram que o projeto de

militarização das escolas públicas não diminui o tráfico de drogas, principalmente porque,

segundo os entrevistados, o combate dos policiais contra o tráfico precisa acontecer fora da

escola, já que dentro da escola não se tem conhecimento de vendas de drogas e nem de

assaltos. Prosseguindo, a professora 8 confirma:

Não. Eu não acho, não. O problema do tráfico de drogas não está ligado à escola. O

problema do tráfico de droga está ligado ao problema estatal. É uma questão de

menos investimento do Estado nas áreas críticas, que são as áreas familiares. [...].

Tem muitas escolas aqui dentro do Estado, e todas elas lidam com o tráfico de

drogas, que lidam com alunos rebeldes, com violência, seja na periferia, seja no

centro da cidade, isso é uma questão familiar estrutural, e da sociedade, como já

falei. Não é militarizando escolas que se vai exterminar tráfico, tanto é que se fosse

assim tinha que militarizar o Estado inteiro (PROFESSORA 8).

A docente possui uma visão crítica da justificativa que se relaciona ao tráfico de

drogas, quando afirma que esse problema não está ligado à escola. O tráfico está ligado ao

problema estatal, à falta de investimento, por exemplo, na família. Para a professora, é uma

questão estrutural, a qual tem como fator contributivo a pobreza, que leva jovens para o

caminho do crime. Segundo ela, a escola não precisa de militarização. O tráfico é uma

questão social e não educacional, por esse motivo a escola pode até ser militarizada, mas isso

não influenciará no tráfico, uma vez que a militarização serve apenas para se ter um maior

controle num âmbito particular. A professora relata que a militarização invade o ambiente

escolar, descaracterizando a gestão democrática. É nesse ambiente que o indivíduo forma suas

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concepções de liberdade e com a militarização o aluno se transforma em aluno obediente,

disciplinado, o que não tem relação com tráfico.

O ponto de vista da professora 8, da escola Capitão Cláudio, é bem diferenciado do

das professoras e do gestor do Colégio Tiradentes VII. Enquanto para eles a militarização é a

solução, para esta professora a militarização está longe de resolver problemas sociais, os

quais, na sua opinião, não se enquadram no contexto escolar. Não podemos esquecer que a

referida docente faz uma crítica ao processo de implantação, destacando algumas escolas

estaduais de excelência que não precisaram ser militarizadas e que possuem eficácia, que

enfrentam problemas de drogas, indisciplina e violência no processo educacional. Isso não

acontece somente em escola da periferia, mas também em escolas localizadas no centro.

Nessa mesma perspectiva, o professor 9 afirma que a escola necessita de uma gestão

eficiente, civil, mas não militar:

Eu acho que isso é pura balela [...]. Hoje, o nosso grande problema de tráfico de

droga, que acontece nas escolas, isso, é familiar, não é da escola, não, porque

nenhum professor vai ensinar isso, não. Isso, ele pega lá fora, famílias

desestruturadas. Governo não quer amenizar essa situação, fica difícil. Agora, se os

militares, como já foi chamado várias vezes, permanecessem na escola juntamente

com civis, assim ajudaria, [mas] acabar, não, como já falei, porque isso é um

problema social. [...] não é professor que vai acabar com isso [...], é o governo, com

programas sociais. Aí, querem militarizar a escola, aí, metade dos alunos saem,

porque não têm condições. [...]. Vamos militarizar, existem dois lados, algo que eles

falam que é bom, e um social muito grande (PROFESSOR 9).

A visão política do professor 9 é bem semelhante à da entrevistada anterior. Ambos

delegam a responsabilidade de mitigar as mazelas sociais ao Estado, que deve agir em

políticas públicas de modo social. Em certo momento, o professor 9 atribui a responsabilidade

à família, denominando-a de “desestruturada”. Ele sugere a presença dos militares,

juntamente com os civis, alegando que o problema do tráfico é social. Também descreve a

realidade econômico-social da comunidade e dos alunos e, para finalizar, destaca: “somos

contra porque estamos do lado da comunidade, vivendo o problema que eles sentem”.

Notamos que apenas os professores compreendem que os problemas do tráfico de

drogas perpassam o ambiente escolar, que é, em verdade, um problema de segurança pública,

conforme podemos perceber no seguinte depoimento da professora 1:

[...] eu acho que essa questão de acabar com o tráfico, essas coisas, vai muito

além disso aí. Vejo como base a questão familiar. Se a militarização fosse a solução

dos nossos problemas, o nosso Brasil já estaria militarizado há muito tempo. E não é

só isso, é questão da família, porque, os pais, eu sempre falo para os pais: quem está

dentro da sala são os professores, nós somos civis e não somos militares. Então, o

aluno, ele tem que aprender a respeitar o professor. Se ele não respeita o professor,

pode ser até um coronel que venha para dentro da sala, se ele não aprendeu a

respeitar [...] em casa, ele não vai. Então, [...] não vai ser a solução dos problemas.

Eu acho que ajuda. Ajuda, sim, porque, por exemplo, eles aprendem a questão da

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postura, da vestimenta, que eu acho isso uma coisa muito legal. Cumprir horário.

[...] A solução são os métodos tradicionais. Como você cria seu filho em casa, eu

acredito muito ainda nisso. As pessoas falam ainda muito da modernidade. É

bacana, mas a gente ainda tem que se remeter aos métodos tradicionais, a conversa

com a família, isso resolve em partes, algumas coisas, mais a solução não é não

(PROFESSORA 1) (Grifos nossos).

A professora 1 concorda que a presença militar coíbe a violência, mas discorda que

os efeitos só podem ser sentidos a partir dela. A docente acredita, porém, que a soma de

forças educação/família/segurança pública resulta em melhor condição de vida. Mais clara

ainda, a professora 3 se manifesta:

Mas isso aí é nunca. A questão do vandalismo que houve na escola, que teve e tem

em outras escolas, é segurança pública. Ter que manter, inclusive, essa quantidade

imensa de militar dentro da escola, acho que diminui a segurança das ruas, eles têm

que estar na rua fazendo a segurança. Ali, ao entorno daquela escola, não tem só

bandido não, tem muita gente de bem, e caberia a eles usar a segurança pública.

Tinha resolvido. Agora, dizer que militarizar a escola vai resolver? Nunca!

(PROFESSORA 3).

A docente é firme em argumentar que a militarização não garante, de forma alguma,

a segurança. Segundo a professora 3, o efetivo militar presente nas escolas poderia e deveria

ser levado às ruas do entorno da comunidade, o que garantiria a segurança pública da

população local. Em divergência, a professora 7 tem um posicionamento contrário aos

educadores supracitados:

Eu acredito que sim. É por aí mesmo. Esse é o caminho. Porque é assim, na escola

militar, eles têm, tipo, mais obediência. Eu percebo isso. Porque eu trabalhei antes,

quando não era militar essa escola. Gente, eles não obedecem, não têm disciplina. Já

na escola militar, não. Não sei se é a farda que impõe, já impõe um respeito, eles já

têm aquele respeito. Então, eu acredito nisso. Até o tráfico de droga, que era

constante, diminuiu bastante depois que passou a ser militarizada essa escola. Mas,

mudou bastante. Eu lembro que antes a gente vinha pra cá a noite planejar, eu ficava

até as 20h. Eu não podia ir, a minha sala é outra. Eu não podia ir ter acesso lá,

porque eles estavam lá atrás. Eu tinha medo de ir. Então eu só ficava ali, naquele

pontinho, na frente. Todo mundo só se concentrava ali, devido os malandros estarem

por aí, os drogados (PROFESSORA7).

É necessário destacarmos que, em sua fala, a professora 7: (a) atribui a violência aos

estudantes, principalmente os de horário noturno, destacando os alunos como desobedientes e

indisciplinados; e (b) ressalta a imagem dos militares como figuras que impõem controle aos

estudantes. Enfim, para a professora 7, a violência estava intimamente ligada ao desrespeito, à

desobediência e à indisciplina dos estudantes e, nesse contexto, a militarização impõe

respeito, coibindo os atos infracionários de alunos.

Nesse mesmo enfoque, a professora 4 reforça que “[...]mudou 100%, porque o

noturno era o horário que tínhamos mais usuários. [...] Então, diminuiu muito, e a

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militarização ajuda, com certeza, inibe, porque você tem um policiamento dentro da escola

24horas [...]” (PROFESSORA 4). Dessa forma, se a presença militar na escola inibe o uso de

drogas; logicamente, o policiamento ostensivo nos entornos da comunidade inibiria,

igualmente, a violência. Por que o interesse em um, mas não em outro? Por que a garantia de

segurança somente após a militarização?

Essa disparidade diametral nas falas das professoras, sobre a militarização ser ou não

a solução para os problemas escolares, perpassa um contexto mais amplo que ocorre no

interior da sociedade. Para Ludwig (1998), “[...] o ensino militar hoje agrega um conjunto de

atividades capaz de solidificar [...] a ideologia dominante. Por meio dessas atividades o aluno

assimila valores de obediência, submissão, dependência, paternalismo [...]”.

Diante do exposto, o diretor do Tiradentes VII reforça:

Nós tivemos, aí, a mudança de comportamento como tem tido, né? Situação cultural,

que isso abrange o entorno, não só dentro dos muros da escola como os extramuros

também, no qual a comunidade participa. A comunidade se faz presente, as nossas

atividades extracurriculares nos quais nossos alunos podem estar em contato com a

comunidade, festa junina, essas atividades que fazem relação escola e sociedade.

Então, a gente tem-se observado. Isso é notório. A presença da visitação de outros

policiais, as rondas, e isso traz para a comunidade uma segurança com relação ao

que se tem, hoje, no colégio. E a gente não tem mais nenhum boletim de ocorrência

relacionado com esse tipo de atividade que antes acontecia aqui nos muros da

escola, dentro da escola (DIRETOR CTPM VII).

A fala do capitão reforça as afirmativas de que a militarização não garante segurança

pública, mas sim as rondas realizadas e que, nesse contexto, estas só passaram a ser efetivas

após o repasse da antiga Escola Manaus aos militares, o que, indutivamente, nos faz

questionar se a PM, como órgão estatal, está realmente preocupada com a comunidade ou

com uma proteção à instituição escolar militarizada.

Existe, assim, uma preguiça intelectual, ou até mesmo uma desonestidade em

determinar a escola como espaço frequentado por criminosos. Por estar inserida e uma

sociedade de classes, a escola reproduz as condições materiais de existência do local em que

está inserida. Logo, se uma escola é localizada em uma área de risco, ela está suscetível a

sofrer com a violência. É, portanto, necessário enfrentar, efetivamente, a violência da

comunidade para a escola, não o contrário. Retornamos, então à fala da professora 2, que

afirma que “[...] dentro se estuda aluno, não se estuda bandido, para você ficar cuidando,

policiais dentro da escola. Acho que eles têm que cuidar fora da escola” (PROFESSORA 2).

Por fim, a Secretária de Educação assegura que “[...] essa questão foi totalmente

inibida, e todo entorno já sente o reflexo da implantação militar no aspecto da segurança”

(SECRETÁRIA DE EDUCAÇÃO). Essa fala, novamente, nos remonta ao período pré-

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militarização, em que os contextos de violência só se tornaram comuns após a retirada de

vigilantes, em 2013. Assim, a Secretária tenta justificar a militarização como solução para os

problemas estruturais da violência, agravados a partir do abandono do Estado.

Em síntese, para controlar as massas trabalhadoras, a violência, os ilícitos e o

descaso são tomados como justificativas e critérios para a militarização das escolas públicas.

3.1.2 A militarização melhora o desempenho dos alunos?

A militarização propagou-se a partir da divulgação da concepção de que a instrução

militar traz consigo bons resultados no ensino-aprendizagem. Igualmente, Cruz (2017)

assevera que os índices do IDEB foram propagados nos meios de comunicação de massa de

modo a criar a “escola de sucesso” propagada pelo Governo.

A fim de garantirmos a verdade a respeito dessa proposição primeiramente

pesquisamos os dados do IDEB, referentes aos anos iniciais e dos anos finais do Ensino

Fundamental ministrado na instituição Colégio Tiradentes da Polícia Militar - Unidade VII e,

em posse dos dados, conferimos as entrevistas.

Ao pesquisarmos os índices dos anos iniciais do Ensino Fundamental, encontramos

os seguintes resultados, conforme dispostos na Tabela 2 e no Gráfico 3, a seguir:

Tabela 2 - Resultados IDEB: primeiros anos do Ensino Fundamental

Fonte: INEP, 2018.

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Gráfico 3 - Resultados IDEB: primeiros anos do Ensino Fundamental

Fonte: INEP, 2018.

Observamos, portanto, que o ano de 2017, marcado pela militarização, alcançou o

resultado de 4,6 pontos, caracterizando um aumento do índice referente aos iniciais da escola,

ficando 0,2 pontos acima da meta projetada. Em contrapartida, a escola, durante os anos 2007,

2009 e 2013 manteve-se acima da meta proposta. Por outro lado, referimo-nos, agora, aos

indicadores dos anos finais do Ensino Fundamental, conforme Tabela 3 e Gráfico 4:

Tabela 3 – IDEB anos finais do Ensino Fundamental

Fonte: INEP, 2018.

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Gráfico 4 - IDEB anos finais do Ensino Fundamental

Fonte: INEP, 2018.

As informações obtidas revelam que a escola só se manteve acima da meta em dois

anos, 2007 e 2009. Durante quatro anos seguidos, a escola se mantém abaixo da meta

proposta. Em 2017, ano da militarização, o IDEB da escola é disparadamente mais baixo

frente ao intentado: alcança 3,5 pontos, enquanto se esperava-se por 4,2.

É nítido, portanto, que o ensino militarizado encontra dificuldades em manter a

qualidade em sua continuidade, de modo que tem bons resultados nos anos iniciais, mas tem

baixo aproveitamento nos anos finais do Ensino Fundamental.

Os dados, portanto, representam a ineficácia da militarização da escola no que tange

à melhoria do ensino. Observa-se este fato a partir dos índices de aprovação, conforme

representados nas Tabelas 4 e 5, a seguir:

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Tabela 4 – Índice de aprovação anos iniciais do Ensino Fundamental

Fonte: INEP, 2018.

Tabela 5: Índice de aprovação anos finais do Ensino Fundamental

Fonte: INEP, 2018.

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Os dados demonstram que a militarização não soluciona o problema do fracasso

escolar. Buscamos observar as médias de aprovações de alunos matriculados de 1º ao 5º, nos

anos publicados: em 2009, a escola aprovou uma média de 82,9%; em 2011, aprovou a média

de 73,6% dos estudantes; essa média foi de 84,5% de aprovações em 2013; em 2015, a escola

aprovou 76,8% dos alunos; e ao ser militarizada, em 2017, registrou-se a taxa média de 86,3%

de aprovações.

Por fim, a taxa média de aprovações nos anos finais do Ensino Fundamental foi de

66,7% em 2007; 84,5% em 2009; 45,8% em 2011; 76,9% em 2013; 55,9% em 2015; e em

2017, no ano de sua militarização, aprovou 66,4%. Desta forma, a média de aprovações dos

anos finais do ensino fundamental (6º a 9º ano) é 19,9% menor que a aprovação dos

estudantes dos anos iniciais do ensino fundamental.

Destarte, partimos, partimos para as entrevistas realizadas com os professores e gestor

do CTPM VII. Entrevistamos também a Secretária de Educação. A respeito dos números

descritos acima, o diretor afirmou que:

As nossas avaliações de 4ª e 5ª série tiveram um aumento sensível, visto que o

índice previsto era próximo de 3,8, se não me engano, e nós tivemos ali o índice de

4,6, que é a meta para 2019, então nós já tivemos essa meta atingida já no ano

passado [2017], [...] que comprova a melhoria do ensino. Um trabalho que já estava

sendo feito anteriormente, pela gestão passada. (DIRETOR CTPM VII).

O diretor do CTPM VII atribui, a priori, os resultados satisfatórios do ensino de 4º e

5º ano à militarização. Todavia reconhece, em seguida, o papel que a última gestão teve.

Considera que, salvo engano, o “índice previsto era de 3,8” e que a escola atingiu 4,6 em

2017, que era a meta para 2019. A respeito dessa afirmativa, recorremos ao IDEB específico

destas turmas para aferir sua afirmação, conforme demonstra a Tabela 6:

Tabela 6 – IDEB de 2017 das turmas de 4º e 5º ano do CTPM VII

Fonte: INEP, 2018.

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Constatamos que o diretor foi errôneo ao afirmar a meta do referido ano, que, na

verdade, era de 4,4. O diretor novamente recorre à última gestão para analisar os referidos

índices, dizendo que “Esse resultado é um trabalho, ainda, da última gestão [...]” (DIRETOR

CTPM VII). Todavia, ao ser questionado sobre se “As Escolas entregues aos militares

apresentam resultados satisfatórios nas avaliações externas? Aumentaram os índices do

IDEB?”, o diretor prontamente respondeu “Sim [...]” (DIRETOR CTPM VII).

Fica claro que o capitão, em um primeiro momento, tenta atribuir os resultados

satisfatórios à gestão militarizada, porém reconhece, em seguida, o papel influente da gestão

civil para essa qualidade do indicador. Compreendemos, portanto, a partir desta análise, que a

militarização não garantiu ao CTPM VII bons resultados, porém os teve a partir do árduo

trabalho da gestão civil.

Continuamos a analisar as entrevistas de professores. Apenas uma professora

concordou que a militarização é a solução para a qualidade de ensino. Ela justificou sua

resposta usando como exemplo a participação dos pais no processo de ensino aprendizagem

dos filhos, pois antes da escola ser militarizada os pais nem apareciam na escola. Atualmente,

há pais todos os dias querendo saber sobre a aprendizagem dos filhos e isso, na opinião da

professora, contribui para a qualidade de ensino. Vejamos o relato da professora 7:

Olha a nota eu não sei, mas que ela é uma solução acredito que sim, quando estão

numa escola não militarizada chamar o pai, não resolve, quando estar o pai estar

todo tempo ai, mas quando não estar é trabalho, e eu te falo não sei se é porque eles

impõem respeito, e eles ficam com medo de perder a vaga, na minha sala mesmo,

que tem pai que liga preocupado, dar satisfação quando o aluno falta, e quando não

era militarizada não dava satisfação não, não queria nem saber, por isso que eu digo

que é sim uma solução (PROFESSORA 7) (Grifos nossos) .

Nesse caso, a professora 7 atribuiu a participação dos pais à militarização, afinal, de

acordo com a docente, os militares impõem respeito e os pais ficam com medo de perder a

vaga de seus filhos na escola. Enquanto a professora acima atribui a qualidade de ensino à

militarização, suas companheiras possuem outra opinião sobre a problemática. Vejamos a fala

da professora 1: “a militarização não é a solução na educação não, eu acho que se eles

colocaram alegando isso no projeto, para gente que trabalha dentro de sala de aula, a gente

sabe que não é [...] eu vejo a militarização mais como uma jogada política (PROFESSORA

1). Ainda, sobre isso, a professora 3 adverte: “eu acho que o Brasil tá andando num caminho

perigoso com essa história de militarizar” (PROFESSORA 3).

Quando questionamos a Secretária de Educação, esta, diferentemente dos demais

participantes, não nos respondeu objetivamente. Afirmou que não tinha conhecimento do

IDEB do CTPM VII, nem mesmo da Unidade II do colégio Tiradentes de Jaci-Paraná, que

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existe há 5 anos. Buscou, entretanto, avaliar, ainda que “por cima”, o CTPM II, fugindo do

proposto, de forma romântica, dizendo que:

“[...] a maior resposta é quem vai na escola e percebe a autoestima daqueles

meninos, como eles têm orgulho de estudar na escola, os pais têm orgulho,

reuniões lotada, as estruturas da escola, a dispensa onde estão organizados os

alimentos, porque se ali está organizado, já tem noção né? como está

organizada a área contábil da escola; tem flores, orquidários, horta

maravilhosa” (SECRETÁRIA DE EDUCACAÇÃO).

A Secretária, ao se referir ao CTPM II, fugiu da nossa proposta quanto a indicar os

índices do Colégio Tiradentes da Polícia Militar VII, mostrando desconhecer a realidade dessa

escola.

3.2 Diferenças entre o colégio militar e a escola pública militarizada: o que mudou de

fato?

Buscamos diferenciar o Colégio Militar das escolas públicas militarizadas, levando

em conta os aspectos legais de ambas, suas diretrizes, a sua realidade material.

Iniciando pelos princípios legais é relevante apresentarmos a Lei de Diretrizes e

Bases (LDB) 9.394/96, precisamente em seu Art. 83: “o ensino militar é regulado em lei

específica admitida a equivalência de estudos, de acordo com as normas fixadas pelos

sistemas de ensino”. Está posta a base legal para o ensino militar ser ministrado no âmbito

nacional.

Em janeiro de 1991 iniciaram-se as atividades do primeiro Colégio Militar, com o

Decreto nº 4878, de 27 de novembro de 1991, que criou o primeiro Colégio Tiradentes da

Polícia Militar em Rondônia (CTPM I), autorizado pelo Decreto nº 8077, de 19 de novembro

de 1997. De acordo com o Regimento Escolar do CTPM I, no Capítulo II, temos que:

Art. 6º O Colégio Tiradentes da Polícia Militar do Estado de Rondônia tem por

finalidade, consoante com o propósito de sua criação, ministrar o ensino regular nos

níveis fundamental e médio de modo preparatório e assistencial, preferencialmente

aos dependentes legais de policiais e bombeiros militares e aos dependentes de civis.

Regimento Escolar do CTPM I, no Capítulo II, § 3º, dispõe que “O CTPM

disponibilizará 70% (setenta por cento) das vagas aos dependentes de militares do Estado de

Rondônia, sendo os outros 30% (trinta por cento) aos dependentes de civis”. Nesse percurso, a

Polícia Militar consegue ser inserida no Sistema Estadual de Educação no Estado de

Rondônia um tipo de escola diferente das demais. Segundo Santos (2016), esse tipo de escola

são “Os Colégios subordinados à Secretaria de Segurança Pública, pautados na hierarquia e na

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disciplina militar, com regimento próprio e subordinado ao regimento da PM” (SANTOS,

2016, p. 19).

É cabível, nesse contexto, verificarmos as diferenças entre o Colégio Militar e Escola

pública militarizada. Levamos em consideração, para nossa análise, as entrevistas, os

regimentos escolares internos e os PPP do Colégio Tiradentes I e do Colégio Tiradentes VII,

além dos aportes teóricos que enriquecem e embasam nossa pesquisa. Nesse intuito,

questionamos aos participantes da pesquisa: quais as principais diferenças entre o colégio

militar e as escolas públicas militarizadas? O Diretor do Colégio Militar VII assim nos

respondeu:

É a questão da presença do militar dentro da escola, que leva a um sistema diferente

de comportamento baseado na hierarquia e disciplina que são uns dos pilares do

militarismo no qual os alunos passam a ter os atos seus cívicos como atos

obrigatórios, como entrar em forma, respeitar os professores, prestar continência,

cantar o hino nacional, todas aquelas situações simbológicas em relação aos

símbolos nacionais (DIRETOR CTPM VII) (Grifos nossos).

Sabemos que “[...] a escola enquanto instituição social tem por finalidade preparar a

mente e o modo de proceder das pessoas para que elas atendam às exigências do modo de

produção capitalista [...],” (LUDWIG, 1998, p. 25). Dessa forma, a escola militar, como

exigência das classes dominantes, atende a interesses dentre os quais Ludwig (1998) cita as

ações cívicas, que contribuem para a instauração de uma conjuntura de estabilidade social, sua

finalidade básica.

Buscamos analisar, em seguida, a entrevista com Secretária em Educação:

As diferenças, é que as escolas são militares e que o gestor é militar, ele trabalha

com corpo de civis, mas que as mudanças são nas disciplinas, com atividades

complementares, mas que a diferença estar na disciplina à escola militar tem as

suas regras, no regimento interno, são regras disciplinares mesmo, tem hora pra

chegar à escola estabelece um padrão, ele (o aluno) precisa se dedicar para ter um

bom aproveitamento, porque existe uma rigidez em relação a isso, então, em um

colégio militar um professor, ele trabalha de uma maneira além de trabalhar com

muito mais segurança, tem condições de desenvolver atividades que não tinha sem

disciplinas, em relatos com professores, eles diziam que não conseguiam mais, por

conta da disciplina, e nós sabemos que no ambiente de tumulto de baderna, o

aprendizado não é satisfatório, isso é relatos de professores que falam que hoje eles

têm muito mais condições de desenvolver o conteúdo referente aos componentes,

porque os alunos eles estão, lá para aprender, e não para fazer algazarras, a

diferença maior e sem dúvidas é a disciplina, porque quando o pai ele faz a

matrícula em uma escola militar ele sabe que ali seu filho ele vai ter que estar se

adaptando, cumprindo com seu regimento interno, ele não abre mão da disciplina

[...] (SECRETÁRIA DE EDUCAÇÃO) (grifos nossos).

A Secretária apresenta três eixos que diferenciam as escolas militarizadas das demais

escolas. O primeiro, é que as escolas têm um gestor. A segunda diferença está na disciplina; a

Secretária reforça que nessas escolas há regras que compõem o regimento escolar, o que

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chama de regras disciplinares, tais como o cumprimento de horário, a dedicação para o bom

desempenho nas atividades, o que denomina de regras rígidas. Estas regras de disciplina,

segundo a Secretária, constituem a terceira e maior diferença em destaque nas escolas

públicas militarizadas.

Com base no Projeto Político Pedagógico da escola Tiradentes II, a fala da

Secretária de Educação é fortemente compatível com o que está escrito no PPP, nos

permitindo reconhecer a história, os alicerces pedagógicos e as contradições da instituição.

Vejamos o que diz o PPP: “Administrada sob a égide da filosofia militar, aliada a

conhecimentos educacionais e voltada para a comunidade a que serve desempenha com

precisão as atividades de disciplina, civismo, esportes, cultura e intelecto” (PPP, 2010 p.

06) (grifos nossos).

O PPP revela ideias que pressupõem, na gestão do CTPM II, principalmente a

disciplina militar, o patriotismo, o preparo físico, a disseminação da ideologia dominante e a

preocupação em transmitir os conhecimentos teóricos. Cumprindo a agenda das classes

dominantes de Rondônia, o PPP revela que:

[...] a educação sempre é a instituição que busca suprir estas lacunas sociais, e a

criação do Colégio Tiradentes II em seu princípio tem esta finalidade, atender os

moradores de Jaci-Paraná, qual cidade cresce circundada pela Construção do

Complexo de Usinas do Rio Madeira que trouxe a cidade um crescimento

populacional vertiginoso ao quais as instituições governamentais e os

responsáveis na construção das usinas buscam conduzir a sociedade local ao

processo de inserção social, tendo oportunidades singulares de educação,

conduzidos dentro de um padrão de excelência quanto a estrutura física

oferecida a comunidade e em padrões morais e éticos com a marca dos Colégios

Militares, segundo valores, costumes e tradições do Exército Brasileiro com o

objetivo de assegurar a formação do cidadão e de despertar vocações para a

carreira militar (PPP CTPM II, 2010, p. 07-08) (Grifos nossos) .

A partir disto, podemos perceber que, segundo o próprio PPP: (a) a construção do

CTPM II atendeu a interesses privados, sendo estes os interesses da empresa Madeira Energia

S/A, responsável pelo Complexo de Usinas do Rio Madeira; (b) ao resumir as ações mais

práticas da instituição, determina que, para a inserção social da população de Jaci-Paraná, tais

práticas devem ser conduzidas dentro de um padrão de excelência quanto à estrutura física

oferecida à comunidade e em padrões morais e éticos - obediência, disciplina, moral e

“civismo” -, baseados em dominação e submissão dos filhos de trabalhadores, com o objetivo

de assegurar a formação do cidadão e de despertar vocações para a carreira militar.

Dentre os interesses privados relacionados à fundação do Colégio Tiradentes II está a

maior disponibilidade de força de trabalho da população de Jaci. Isso pode justificar o horário

integral do ensino na instituição, pois a responsabilidade dos pais trabalhadores sobre as

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crianças em horário integral impossibilitava maior foco dos trabalhadores no trabalho. Isto se

revela quando o PPP assegura que:

A finalidade maior da criação do referido Estabelecimento foi de garantir maior

número de vagas para a clientela estudantil que tem como seus habitantes

trabalhadores que prestam serviço na construção do complexo das usinas do

Madeira e para os que ali chegam atraídos pelo movimento migratório (PPP CTPM-

II, 2010, p. 08).

O PPP expõe que a “finalidade maior” do CTPM II, quando criado, “foi garantir

maior número de vagas para a clientela estudantil” - expressão que demonstra a ideia

mercantilizada de educação - filhos de “trabalhadores que prestam serviço na construção do

complexo das usinas do Madeira”. Destes trabalhadores, segundo estatísticas disponíveis no

PPP, 55% dos pais de alunos cursaram o Ensino Fundamental, 30% o Ensino Médio e apenas

5% que possuem o Ensino Superior.

De acordo com as entrevistas das professoras, podemos conhecer o que mudou no

universo da nossa pesquisa, conforme relato da professora 1:

Existe uma mudança sim em relação às vestimentas dos alunos, horário de

chegada. Hoje em dia os militares têm autonomia também, para intervir na

postura, mas assim, a gente também achou que tinha uma mudança de muitas

coisas. De repente conversando a gente percebe que, existe sim, claro, tem a questão

da pontualidade disciplina, mas em relação a outras coisas, basicamente é a mesma

coisa, tem a diferença porque eles têm um tipo de postura diferente, da escola

normal, mas no geral não vi uma mudança tão drástica assim (PROFESSORA

1) (Grifos nossos).

A mudança à qual a professora 1 se refere é sobre a vestimenta, a intervenção dos

militares na postura, a questão da pontualidade e disciplina, ou seja, a hierarquia predomina

dentro do ambiente escolar. As escolas militares clássicas possuem boas infraestruturas, mas

nas escolas públicas militarizadas não houve uma mudança drástica no geral.

Ainda nesse quesito a professora 2 afirma que “só a segurança mudou, que nesta

escola os problemas pioraram, na minha concepção pioraram” (PROFESSORA 2).

Segundo a professora 3,

Não mudou nada, nada, eu não sei se esse pessoal tem perfil para cuidar de

escola não, porque tem muitas escolas por aí que continuam com seus gestores e que

funcionam, sempre funcionaram bem. Estamos vivendo de aparência. Dizendo que

tá bom, dizendo que tá isso, e que na verdade quem está lá sabe que não tá

(PROFESSORA 3) (Grifos nossos).

É preponderante notarmos a insatisfação da professora 3. Ela afirma que nada

mudou, questiona o perfil dos militares em razão de cuidar do ambiente escolar e, ainda,

menciona escolas que não precisaram mudar a gestão e que funcionam bem. A professora é

enfática em dizer que se vive no contexto escolar de aparências e que quem está lá é quem

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sabe. Nesse sentido, notamos que a mudança, de fato, aconteceu no currículo da docência e na

estrutura de gestão do CTPM.

Para compreendermos o espaço pesquisado e suas diferenças entre as demais escolas

públicas, sentimos a necessidade de averiguar sobre a destinação de recursos para o Colégio

Militar e, assim, nos certificar se há diferença entre os recursos destinados para as escolas

públicas e para os Colégios Militares. A alegação da professora 3, é semelhante às demais

quanto aos recursos destinados a instituição. Podemos observar que, quanto a valores

específicos, as docentes não possuem conhecimento a esse respeito, como é destacado pela

professora 3:

Segundo o gestor, disse que não. Porque as secretarias SEDUC E SESDEC, mas até

agora eu posso lhe dizer como quem está lá todo dia que não apareceu

absolutamente nada. Nem uma maçaneta de porta não apareceu, tem porta sem

maçaneta isso é falta de dinheiro (PROFESSORA 3).

Questionamos a representante da SEDUC e o Diretor do Colégio Tiradentes sobre o

recurso do PROAFI. Vejamos a resposta da Secretária da SEDUC:

Não, nós não temos escolas com o PROAFI diferenciado. Os únicos diferenciados

são escolas com tempos integrais, as escolas recebem 8,00 (oito reais) por aluno, os

integrais recebem 20,00 (vinte reais) por aluno. O único diferenciado aprovado por

lei é das nossas escolas em tempo integral. O colégio militar nunca teve, às vezes

quando nós divulgamos o que é hoje a escola Tiradentes II de Jaci Paraná, tínhamos

muito esse questionamento. Não, eles nunca receberam um PROAFI a mais, um

valor a mais que outra escola. [...] (SECRETÁRIA DE EDUCAÇÃO).

A Secretária em Educação demonstra confusão em sua fala, pois enfatiza que não há

diferença entre os recursos, porém, em seguida, mostra que a escola recebe um valor

diferenciado. Esse valor é amparado pela Lei nº 3350, de 24/04/2014. Cruz (2015) afirma:

Segundo o governador Confúcio Moura (PMDB), a propositura legislativa tem

como escopo a inclusão de dispositivo na lei nº 3.350, a fim de possibilitar o reajuste

da assistência financeira prestada ao Colégio Tiradentes da Polícia Militar,

considerando a sua especial natureza para a educação pública de Rondônia.

De acordo com Lei nº 3350, de 24/04/2014, em seu Art. 3º, a assistência financeira a

ser concedida a cada Unidade Executora será definida anualmente e terá como base o número

de alunos matriculados na unidade, de acordo com os dados extraídos do Censo Escolar

realizado pela Secretaria de Estado da Educação (SEDUC) no exercício anterior, calculados

na ordem de até R$ 8,00 (oito reais) por mês e por aluno. Assim estabelece a referida Lei:

§ 1º As escolas contempladas com Ensino em Tempo Integral receberão o valor de

R$ 20,00 (vinte reais) por mês e por aluno, matriculado nessa modalidade.

§ 2º Os Centros Estaduais de Educação Especial receberão o valor semestral de até

R$ 18.000,00 (dezoito mil reais).

§ 3º Os valores descritos no caput deste artigo e em seus parágrafos poderão ser

reajustados mediante Decreto do Chefe do Poder Executivo.

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No que tange aos recursos do PROAFI, o diretor alegou que:

Não. Nós temos a mesma situação que todas as escolas. Recebemos o mesmo valor

por aluno os mesmos repasses dos financeiros dos diversos programas recursos.

Não tem nenhuma diferenciação. Nós temos uma diferença, que são parcerias, mas

isso qualquer colégio pode fazer e nós buscamos essa parceria com agricultores

outros órgãos que fazem doação, a gente traz e tenta fazer uma melhoria na

merenda dos alunos (DIRETOR CTPM VII).

O diretor, portanto, determina, que os recursos transferidos para a escola são iguais

aos das demais instituições estaduais e que os recursos externos são provenientes de doações,

apontando como exemplo os agricultores, que disponibilizam alimentos, auxiliando na

alimentação dos estudantes.

Questionados com referência ao tratamento das diversas orientações sexuais e dos

alunos que possuem identidade de gênero não normativa, ambos os gestores demostraram que

não têm ciência, embora aleguem não serem preconceituosos, e sequer discutiram com os

professores práticas pedagógicas a respeito deste assunto e de outras minorias.

A representante da SEDUC mostrou desconhecimento do cotidiano da escola. Não

soube sequer informar se há, dentro da escola, alunos assumidamente homossexuais,

transexuais ou bissexuais:

Não tenho nenhuma informação em relação à situação nunca chegou qualquer

reclamação em relação a essa temática, agora o colégio Tiradentes, eu entendo que,

tenha sua regra, o aluno pode ter a orientação que for ele estando em observância

com as regras, eu acredito que não tenha qualquer relevância enquanto a isso, é igual

eu coloquei enquanto aos alunos com necessidades especiais, a mesma coisa, a

escola vai coibir, a matricula do aluno por causa da relação sexual? Agora se

tratando da educação dentro do estabelecimento de ensino, e lógico que o

comportamento tem que ser compatível, no meu entendimento (SECRETÁRIA DE

EDUCAÇÃO).

A fim de comparação dos posicionamentos, citamos, abaixo, as palavras do diretor e

Capitão do CTPM - VII:

Não existe um tratamento especial para isso [diversidade sexual e de gênero], se a

matéria abrange esse tipo de comportamento, o professor, ele, é apto a trabalhar isso

de acordo com o plano de ensino que ele desenvolveu. Então não existe uma

delineação de que deve ser tratado, como deve ser tratado. Caso tenha isso no plano

pedagógico, ele conversa com a vice-diretora e apresenta qual é o tipo de abordagem

que será feita. Até o presente momento nós não tivemos nenhuma discussão e não

temos nenhum tipo de preconceito a este tratamento, a este tipo de trabalho

(DIRETOR – CTPM VII).

A Secretária limitou-se a desenhar uma escola acolhedora à diferença, enfatizando

que a instituição não reproduz preconceito. É trágico, entretanto, ver que uma pessoa que

representa a Secretaria de Educação de Rondônia não tenha entendimento do assunto a ponto

de confundir “orientação sexual” com “relação sexual”. Do outro lado, a servidora delineou

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sua fala, referindo-se apenas ao que tange ao tratamento dessa temática nas disciplinas de sala

de aula e não na realidade escolar.

Sabemos que existe um processo seletivo para os alunos ingressarem no Colégio

Tiradentes VII. Dessa forma, indagamos aos sujeitos da pesquisa sobre como é feita a seleção

de alunos e quais os perfis dos alunos atendidos. Todos os pais, professores e o diretor foram

unânimes em afirmar que houve um processo seletivo. Informaram que, a princípio, no final

do ano, houve um edital após uma pré-inscrição e, depois disso, ocorreu um sorteio na quadra

grande do colégio, que contou com um número expressivo de pais.

De acordo com os entrevistados, 70% (setenta por cento) dos alunos são moradores do

bairro. Nesse compasso, o diretor do Colégio Tiradentes VII, afirmou:

Essa escola, Colégio Tiradentes VII [..] criou-se aqui através de uma assembleia

geral uma forma de ingresso dentro do Colégio Militar Tiradentes VII, que se baseia

através do sorteio, porém diferencial que damos prioridade a 70% (setenta por cento)

para aqueles que moram no entorno do colégio[...] (DIRETOR DO CTPM-VII).

Diante do exposto, o diretor explica sobre a realização de uma assembleia, depois da

qual houve um sorteio dos alunos que seriam matriculados. Curioso é que em nenhum

momento pais e professores relataram sobre essa assembleia.

O processo de matrícula, segundo informes de um pai, se dá mediante a assinatura do

termo de compromisso, determinando a vestimenta dos alunos, etc. Subtendemos, então, que

houve pais que não aceitaram e saíram da escola pública após a militarização.

De acordo com a professora 1:

Existe sim, [..] existe uma porcentagem de vagas para os alunos que moram próximo

da escola, e uma outra para quem mora em bairros afastados, mas, 80% é destinado

para quem mora no bairro, tem um sorteio, 1º ao 3º são 25 vagas, e 4º e 5º 30 vagas,

os pais vêm aqui preenche uma ficha, no finalzinho do ano, e o diretor faz um

sorteio, mas ele dá prioridade para quem já estuda na escola, e quem é morador do

bairro, e não tem taxa paga não, e tudo gratuito (PROFESSORA 1).

A esse respeito, o diretor afirma que o colégio tem um diferencial, dado que não

existem vagas destinadas a filhos de militares.

Referindo-se ao processo de matrícula, um pai afirma:

Ele funciona de tal maneira: quem já estava aqui na escola no tempo que militarizou,

realmente quem veio na secretaria assinou um termo você vai vestir isso, vai vestir

aquilo, você tem um prazo de 30 dias, que deram prazo, que foi bem estendido eu

acredito que foram três meses. E a forma de matrícula quem estava aqui e aceitou

continuou. Os outros vinham, primeiramente aconteceu pelo portal, a gente fazia a

inscrição pelo portal ou vinha aqui na escola preencher uma ficha, Uma data X foi

marcada a gente viria acompanhar o sorteio[...] é dessa maneira que funciona (PAI

2).

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Nesse universo, é imprescindível conhecermos o espaço pedagógico da escola

militarizada em relação aos alunos. Considerando esse aspecto, questionamos os entrevistados

sobre quais as medidas tomadas para os alunos que reprovam e apresentam dificuldades em

aderir regras na escola militarizada. Vejamos o depoimento do Diretor da CTPM VII:

Nós temos uma situação de aproveitamento de conteúdo no qual é desencadeado um

Projeto o PIP (PROJETO DE INTERVENÇÃO PEDAGÓGICA) que visa trazer o

conteúdo aos alunos então retrabalhar aquele conteúdo que o aluno perdeu e teve

dificuldades de maneira que na prova de recuperação ele tenha possibilidade de

atingir a média para poder não ficar retido assim poder ser submetido ao próximo

ano (DIRETOR CTPM VII).

De acordo com o PIP, o conteúdo que o aluno apresenta maior dificuldade é

trabalhado novamente, para, dessa forma, atingir a média e não ficar retido. Em conformidade

com o diretor, um dos pais assegura que “[...] eles dão reforço. Eles tomam providências (PAI

3). Esse mesmo pai reafirma:

Eles trabalham com CBA (Ciclo Básico da Aprendizagem) [...] os alunos não

reprovam eles têm progressão. O primeiro para o segundo para o terceiro. Do

Terceiro ano eles têm avalição, tirou abaixo de 6 (seis) reprovam, tirou nota acima

de 6 (seis) passa. Acontece caso de retenção se o aluno tiver a quantidade de 50%

(cinquenta por cento de falta), mas em relação a aproveitamento eles não reprovam

(PAI 3).

Evidenciamos que a reprovação ocorre a partir do terceiro ano e envolve também

alunos que conseguem atingir 50% de falta. Até aqui todos falaram sobre o que acontece com

os alunos que reprovam. Apenas uma professora e um pai (PAI 4) comentaram sobre o que

acontece com aqueles que não aderem às regras do colégio militar. Nas palavras do pai 4,

Muitos tentaram. [...] mudou, porque se você não quer estudar você vai dar vaga

para quem quer. Então ali na portaria, na hora de cantar o hino se você não vier

adequado então e não se adequar a norma da escola você automaticamente sai,

você sai da escola. Primeiramente porque nem no portão você não entra [..]

você assinou um termo antes de se matricular você ler e assina e se você assinou

você está ciente do que está sendo feito. Quem não se adequou resolveu sair [...] E

começa dessa forma. Eu concordo com as regras porque é vestimenta, eu não sou de

acordo entra numa sala de aula de boné e isso é o que acontece, professor ensinando

e aluno mexendo em celular isso eu não concordo. Você sabe o jeito de se vestir,

barba feita, brinco, jeito de se vestir (PAI 4) (grifos nossos).

No Colégio Militar Tiradentes VII, todos os alunos precisam se adequar às regras da

escola e, caso isso não aconteça, são punidos com castigos. Nesse seguimento, temos a

entrevista da professora 4, que esclarece:

Olha, agora nós trabalhamos assim, os Tenentes da parte administrativa, [...] como é

trabalhado? Ele teve uma advertência, não melhorou, aí ele tem uma repreensão, que

no caso é a suspensão tendo três, ele vem pagar a suspensão, que seria um serviço

dentro da escola, arrumar os livros da biblioteca, fazer uma limpeza na horta, então

assim tudo tem um objetivo (PROFESSORA 4).

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Todos os professores citaram as atividades de contra turnos, que são atividades

delegadas aos alunos que possuem algum tipo de insubordinação e indisciplina. O diretor do

CTPM VII esclarece:

Como qualquer escola os alunos são sujeitos ao regimento escolar, nesse regimento

prevê algumas sanções no qual pode ir de advertência a suspensão, e há a

participação dos pais quando passa mais de uma advertência. Na advertência o aluno

após tomar sua terceira já é chamado os pais que ele já está sendo reincidente. É

conversado com relação a essas atividades, primeira e segunda advertência são a

títulos de orientação para que o aluno mude. Quando há uma suspensão os pais são

chamados para poder saber o que está acontecendo. E a suspensão não aquela

situação de ficar em casa. O aluno fica suspenso com perda de conteúdo, na verdade

o aluno vem no contra turno e auxilia as atividades escolares com toda supervisão e

autorização dos responsáveis com documento assinado e confirmado na

possibilidade que o aluno possa estar aqui no contra turno para realizar essas

atividades (DIRETOR CTPM VII).

De acordo com o diretor há sanções previstas no regimento escolar, alunos que não

aderem às regras da escola são advertidos e suspensos. A punição nesse caso é chamada de

atividades contra turnos. Com o aval dos seus responsáveis os alunos são submetidos a

atividades “escolares”, segundo alguns professores: arrumar livros, cuidar da horta, limpar a

escola e outros.

Sobre a problemática em questão, chamamos atenção para a fala da professora 3:

Até agora não sei o que vai acontecer. Porque vieram dizer para mim, fizeram uma

reunião comigo em particular como os meninos foram mal [...] disseram que era

para me arrumar um jeito de passar. A vice-diretora mesmo foi uma que disse: eu

não estou pedindo para você passar. Entrelinhas estava dizendo dê nota para passar.

Por que ele garantiu que os meninos não iam reprovar, não iam ter reprovação.

Como não vai ter reprovação, os meninos todo mundo agora é uma linha de

produção. Aluno agora virou linha de produção né? Ou seja você vai botando lá e

sai tudo bonitinho. Isso não existe! Então não sei como vai ser não.

(PROFESSORA 3) (Grifos nossos).

Estamos diante de um cenário conflituoso, onde a professora precisa simplesmente dar

um jeitinho de aprovar seus alunos, isso porque foi garantido que os alunos não reprovariam.

Nota-se que a professora possui um bom nível de formação e consciência crítica quando

compara a uniformização e adestramento dos alunos a uma linha de montagem fabril.

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3.2.1 Estrutura, funcionamento e infraestrutura física

3.2.1.1 Estrutura, funcionamento e infraestrutura do CTPM VII: escola pública militarizada

Faz-se relevante obtermos, primeiramente, o modelo presente de gestão, a fim de

entendermos as relações existentes dentro da estrutura organizacional do CTPM VII (Antiga

Escola Manaus), diferindo-a, ou não, dos CTPM militares. Desse modo, o Regimento do

Colégio Tiradentes - Unidade VII determina, a priori, de acordo com o Art. 10, que “O

processo de construção da Gestão Democrática, no Colégio, é fortalecido por meio de

medidas e ações pautadas nos princípios de coerência, equidade e corresponsabilidade

da Comunidade Escolar na organização e prestação dos serviços educacionais.”

(REGIMENTO INTERNO CTPM VII, p. 12) (Grifos nossos). Por meio deste Artigo,

podemos depreender que escola deveria estar, oficialmente, pautada em princípios

democráticos e participativos. Porém, o Art. 11 é claro em determinar que:

Art. 11º - A unidade do CTPM-VII terá Regimento Interno Próprio e Projeto

Pedagógico diferenciado, baseado no modelo de educação militar. Em razão de

suas especificidades, as escolas militares e militarizadas não se aplicam a gestão

democrática, tais como os colégios CTPM pelo estado de Rondônia (REGIMENTO

INTERNO CTPM VII, p. 12) (Grifos nossos).

Assim, observamos que o CTPM VII maquia suas relações autoritárias e tenta

confundir a comunidade escolar em declarar-se uma instituição democrática, para, em

seguida, expor-se como uma escola baseada “no modelo de educação militar”, não se

submetendo à democratização da gestão. Esse trecho é, portanto, a face concreta da gestão do

Colégio Tiradentes VII. A contradição se reforça, ainda mais, quando se lê o parágrafo VI, do

Art. 5º, que diz que o ensino deverá garantir a “Gestão democrática, na forma da lei”

(REGIMENTO INTERNO CTPM VII, p. 6-7).

Esclarecida a gestão em um modelo militar de hierarquia, antidemocrática, por isso

autoritária, nos propusemos a entender o funcionamento da instituição, segundo a lógica

evidenciada em seus documentos.

Dessa forma, a gestão tem como pilar o Diretor Geral, superior autocrático, que deve,

em suma, “Planejar, organizar, coordenar, dirigir e controlar direta ou indiretamente todas as

atividades do CTPM-VII, assegurando a eficácia e eficiência do processo ensino e

aprendizagem” (REGIMENTO INTERNO CTPM VII, Art. 8º, V, p. 10) (Grifos nossos). Seus

submissos devem acatar suas ordens e zelar pelo bom funcionamento da entidade.

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Reproduzimos, abaixo, o Organograma do Colégio Tiradentes da Polícia Militar VII,

que apresenta a Estrutura organizacional da escola militarizada:

Organograma 1 – Gestão hierárquica no CTPM VII

Fonte: Regimento Escolar CTPM VII.

Com base no Capítulo III do Regimento Escolar, especificamente no Art.7, que rege

a organização geral do Colégio Tiradentes Unidade VII (CTPM-VII), o Organograma 1

mostra como está composta a estrutura organizacional do Colégio Tiradentes VII. Dessa

maneira, o documento escamoteia as relações de submissão.

Entendemos que compete ao diretor do Tiradentes-Unidade VII exercer suas

atribuições militares no Corpo de Bombeiros e aplicar, também, as normas descritas no

Regimento Interno Escolar. O regimento é o suporte legal do diretor geral na organização

hierárquica e na manutenção da ordem e do controle. O documento resume suas funções em:

“planejar, organizar, coordenar, dirigir e controlar direta ou indiretamente todas as atividades

do CTPM, assegurando a eficácia e eficiência do processo ensino e aprendizagem”

(REGIMENTO ESCOLAR CTPM VII).

Após isso, citaremos alguns incisos e parágrafos do Regimento Escolar Tiradentes

VII, os quais consideramos mais relevantes para compreendermos o distanciamento desse

“novo modelo” de educação e uma educação plural, democrática e qualificada.

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Como observado, o diretor é a figura central desse processo educacional: ele vigia,

controla, aplica sanções, supervisiona e executa, de acordo com os seguintes incisos do

Regimento Escolar:

I. Zelar pelo cumprimento do plano de trabalho de cada docente;

II. Planejar, organizar, coordenar, dirigir e controlar direta ou indiretamente todas

as atividades do CTPM-VII, assegurando a eficácia e eficiência do processo ensino e

aprendizagem; [...]

XI. Organizar e cumprir o calendário escolar e o horário de trabalho do pessoal

de acordo com as normas fixadas pelo CBMRO, PMRO, SESDEC, SEDUC e

demais legislações pertinentes;

XII. Aplicar sanções aos docentes, ao corpo técnico-administrativo e de apoio e aos

discentes, na forma estabelecida nesta lei e no Regimento Interno; [...]

XXI. Estabelecer e submeter à aprovação do Comandante Geral do CBMRO a

descrição das funções dos servidores Militares no CTPM-VII; [...]

XXIII. Supervisionar a execução das atividades dos serviços Pedagógicos e

Administrativos do CTPM-VII; [...]

XXVII. Verificar assiduidade de docentes e demais funcionários, exercendo nos

termos das Portarias e/ou Ordens de Serviço, abonando ou não as faltas; [...]

XXX. Exercer o controle sobre instrução no CTPM-VII, de acordo com as normas

vigentes;

Parágrafo único: O Diretor da Unidade do CTPM-VII poderá delegar atribuições

ao Vice-Diretor (REGIMENTO ESCOLAR CTPM VII) (Grifos nossos).

Diante da realidade exposta, nos reportamos a essa gestão como autoritária, baseada

na imposição a margem legal. Esse modelo é explicado por Colares e Colares (2003) como

uma gestão baseada no poder do diretor de ordenar, de modo que este exclui do cotidiano a

crítica e exige a obediência.

Prosseguimos o estudo examinando a posição hierárquica que o vice-diretor assume,

segundo o próprio Regimento Escolar. Em seu Art. 16°, o documento determina as

competências das diretorias pedagógica e administrativa, do Secretário e Chefe do Corpo de

Alunos nos seguintes termos:

Art. 16 - São competências do Diretor Pedagógico, do Diretor Administrativo e

Secretário e chefe do Corpo de Aluno, cumprirem as ordens do Diretor Geral do

CTPM-VII, a legislação de ensino, as disposições deste Regimento, bem como as

normas e disposições baixadas pelos órgãos competentes (REGIMENTO INTERNO

CTPM VII, p. 14) (Grifos nossos).

A elucidação da hierarquia e do controle dentro da unidade Tiradentes é cada vez

mais pertinente, de modo que, além aos mecanismos regimentais, influenciados diretamente

não só pela doutrina militar, mas pelo próprio Comando Geral da PM-RO, os civis e o diretor

administrativo, que é militar, devem submeter-se às ordens do Diretor Geral.

Dessa maneira, segundo o Regimento Escolar, a função de Diretor Pedagógico:

Art.17 [...] será exercida por um profissional da área de Pedagogia do Quadro de

pessoal da SEDUC, preferencialmente com Curso de Especialização em Educação,

ou equivalente, ou ainda superior na área de ciências humanas, sendo o colaborador

direto do Comandante Diretor Geral do CTPM-VII na administração das

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atividades técnico-pedagógicas e seu substituto legal imediato, competindo-lhe,

além dos encargos que lhe são atribuídos em outros regulamentos, o previsto neste

regimento (REGIMENTO ESCOLAR) (Grifos nossos).

O vice-diretor, nesse contexto, recebe a denominação de “diretor pedagógico” e tem

como função promover condições satisfatórias para o bom andamento do processo técnico-

educacional, que permitam o desenvolvimento do processo ensino e aprendizagem.

No universo da presente pesquisa é categórico ressaltarmos que o vice-diretor,

portariado pela SEDUC, não tem autonomia nenhuma no colégio militarizado, visto que os

militares estão sempre à frente, controlando, fiscalizando o trabalho pedagógico. Cruz (2017,

p. 59) nos mostra bem como as escolas militarizadas compõem suas estruturas organizacional:

“A entidade [...] conta com a estrutura de um diretor, uma diretoria, órgãos de apoio técnico-

pedagógicos e órgãos de apoio administrativo”. Então, o vice-diretor, o diretor administrativo,

o secretário escolar, a divisão pedagógica e a divisão administrativa, órgãos colegiados e

instituições auxiliares, estão subordinados ao centralizado diretor.

Segundo o Regimento Escolar, “As funções da divisão Técnico-Pedagógica poderão

ser exercidas por servidores civis e/ou militares habilitados” (REGIMENTO ESCOLAR,

2018, p.9). Nesse sentido, apresentamos o Art.19, que expõe as atribuições do Diretor

Pedagógico do CTPM-VII; destacamos alguns incisos:

I. Zelar pelo fiel cumprimento das instruções e ordens baixadas pelo

Comandante e Diretor; [...]

III Supervisionar as questões relativas às atividades administrativas e pedagógicas

do CTPM-VII; [...] VI. Zelar pela rigorosa disciplina da comunidade escolar; [...]

VII. Assinar documentos e tomar providências de caráter urgente na ausência

do Comandante e Diretor, dando-lhe conhecimento na primeira oportunidade;

[...] XVI. Cooperar na organização das atividades extraclasse, solenidades e

comemorações, de acordo com as instruções do Diretor Geral do CTPM-VII; [...]

XXII. Compactar e controlar a frequência e a pontualidade do corpo docente,

zelando pela sua disciplina; [...]

XXXI. Velar pelo cumprimento do plano de trabalho de cada docente

(REGIMENTO ESCOLAR, 2018, p. 14-7) (Grifos nossos).

As atribuições do vice-diretor do CTPM VII estão postas como ponto crucial no

primeiro inciso, devendo ele defender e realizar as ordens dos militares no campo pedagógico.

Diante do exposto acima, observamos que o vice-diretor não possui autonomia, que seu

trabalho é dependente das ordens do diretor geral, o que caracteriza o controle ao trabalho

pedagógico.

A secretária do Colégio Tiradentes também está submetida às ordens do diretor geral,

conforme estabelecido no Capítulo VII, Art. 41: “A Secretaria Escolar subordinada

diretamente ao Diretor, encarregada pela execução dos trabalhos pertinentes à escrituração

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escolar, à correspondência, a documentação dos servidores lotados na escola e ao arquivo

passivo e ativo da Escola” (REGIMENTO INTERNO CTPM VII, p. 24).

Evidenciamos, aqui, que o quadro de funcionários ofertados pela SEDUC, conforme

o convênio firmado com os militares e a Secretária em Educação, são colaboradores limitados

a receber e obedecer às ordens do diretor geral. Fora receber e acatar as ordens do Diretor

Geral, a secretária deve, em resumo, de acordo com o inciso I do Art. 43, “I. Responsabilizar-

se pelo funcionamento da Secretaria Escolar;”.

Cruz (2017) explica que os regimentos cobram a eficácia da dominação dos alunos e

funcionários, que são subordinados à hierarquia. Os regimentos são mecanismos relevantes

para a coação dos alunos e garantem o efeito no cumprimento de ordens, de regras impostas

para dominar e disciplinar o corpo de funcionários e alunos. Lima (2018) define bem a falta

de pluralismo de ideias e concepções pedagógicas, pois é imposta a lógica militar na

educação, a qual não admite questionamentos.

Na organização do CTPM VII, apresentamos a direção administrativa, conforme

previsto no Art. 20 do Regimento Escolar:

Art. 20 - A Direção Administrativa será coordenada pelo Diretor Administrativo

que tem como função prover condições satisfatórias para o funcionamento do

CTPM-VII, especificamente no que se refere aos serviços de Reprografia,

Alimentação Escolar, Conservação, Manutenção, Limpeza e Recepção

(REGIMENTO ESCOLAR, 2018, p. 16).

A direção administrativa é responsável por fornecer suporte operacional e

administrativo nas atividades fins do CTPM-VII; o diretor responsável por esta seção pode vir

a ser um sargento, responsável pelos demais órgãos ligados a ele. Citamos algumas das

funções atribuídas aos diretores administrativos:

I - Fiscalizar a assiduidade, pontualidade e controle do pessoal civil e militar lotado

no Colégio;

VI - Organizar e manter atualizado o cadastro dos servidores civis e militares do

Colégio e a escrituração de suas fichas individuais e folhas de alterações, elaborando

mapa de pessoal e disciplinar;

XI - Coadjuvar o Diretor Geral no planejamento e controle administrativo

(REGIMENTO ESCOLAR, 2018, p. 17).

A função do diretor administrativo é gerir, fiscalizar, orientar, coordenar, elaborar e

controlar todas as atividades administrativas, financeiras e pedagógicas do CTPM VII, de

acordo com o regimento escolar.

Fica claro, portanto, que a estrutura organizacional está pautada nos princípios

hierárquicos, formalizados através do funcionamento da entidade, baseada no centralismo da

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gestão, na autocracia e nos padrões disciplinares da comunidade escolar, idealizados em

obediência.

Ademais, em se tratando de estrutura material e de recursos, buscamos dimensionar a

estrutura da escola, o que nos permite demonstrar a eficiência da gestão no que se refere à

qualidade das dependências. O Projeto Político Pedagógico menciona essa estrutura da forma

seguinte:

O Colégio Militar Tiradentes VII, está organizado, conforme seu funcionamento e

abrangendo as seguintes dependências: 01 sala onde funciona a Direção, 01 sala da

Vice Direção, 01 sala para a Secretaria, 01 sala para Orientação, 01 sala dos

professores, 01 sala de Supervisão Escolar, 01 Sala para o depósito de materiais de

expediente e de limpeza, 01 cozinha, 01 refeitório, 01 depósito de merenda escolar,

01 auditório, 01 sala de biblioteca, 01 sala de leitura, 01 cantina escolar, 14 sala de

aula, 08 banheiros femininos para as alunas sendo 01 exclusivo para alunas

portadoras de necessidades especiais, 08 banheiros masculinos para os alunos sendo

01 banheiro exclusivo para alunos portadores de necessidades especiais, 01 banheiro

para servidor masculino, 01 banheiro para servidor feminino, 01 quadra coberta.

Com um total de 49 dependências em toda a escola (PPP CTPM VII, p. 35).

De acordo com o PPP, devido às “péssimas condições” da escola, resultado do

descaso do Estado, o ano de 2017 foi marcado por uma reforma em sua infraestrutura.

Tal reforma é questionável, visto que, em visita realizada à escola, em 2018,

fotografamos espaços depredados. A professora 2 assevera que “[...] só a pintura, que antes

era tudo pichado, o prédio na parte interna continua o mesmo, só na disciplina que mudou”.

Para comprovar a entrevista acima, fizemos alguns registros fotográficos do Colégio

Tiradentes VII. Por meio desses registros, percebemos que a fachada do Colégio realmente

mudou, utilizando-se as cores que representam a instituição militar Corpo de Bombeiros, o

brasão dos militares bombeiros e o brasão do Governo do Estado de Rondônia.

Porém, a fachada da frente do colégio Tiradentes VII é um pano de fundo para

esconder o abandono do Estado e da Secretária de Ensino, que ainda continua, nesse novo

modelo, com a omissão dos militares.

A seguir, apresentamos alguns desses registros fotográficos, que se constituem como

provas do descaso a que a escola está submetida.

A Fotografia 1, a seguir, retrata a nova fachada do Colégio Tiradentes VII:

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Fotografia 1 – Frente do CTPM VII

Foto: Ana Célia dos Santos, 2018

A respeito das mudanças na estrutura física da escola, a professora 6 afirma que:

[...] mudou pouco, porque aqui a verba não mudou, “eu (o Governo) vou só maquiar

um pouco” e isso não foi nem o governo, foram os próprios militares, eles pintaram

a escola, eles doaram serviços, então o governo não injetou dinheiro, se a escola

estar o que estar hoje, foram os militares que estão carregando nas costas [..]

É pertinente afirmarmos que o governo que está preocupado com a qualidade de

ensino não se sensibiliza com a situação dessa escola.

Diante das entrevistas das professoras 2 e 6 mesmo com os militares gerenciando o

Colégio Tiradentes VII o Governo não investe na educação. Então surge o questionamento

para que militarizar a escola?

Na fala da professora 6, a militarização das escolas serve “para maquiar os

problemas existentes na educação estadual”. É verídica esta afirmação da professora 6. Um

exemplo que podemos mostrar são quatro salas desativadas no interior do Colégio Tiradentes

VII.

A fotografia 2, a seguir, retrata o pavilhão de salas desativadas:

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Fotografia 2 – Pavilhão com 4 salas desativadas/CTPM VII

Foto: Ana Célia dos Santos, 2018.

As quatro salas desativadas são reflexo do descaso do Governo do Estado, da

SEDUC e dos nossos gerentes do Colégio Tiradentes VII. Essas salas, conforme veremos nas

fotografias seguintes, estão servindo de depósito para guardar arquivos mortos da secretaria,

armários danificados, além de diversos livros.

Isso nos leva a crer que as mudanças que ocorreram na escola militarizada foram:

primeiramente, a gestão, em que o pedagogo foi substituído por um militar de alto escalão; em

seguida, mudaram a fachada da escola, a segurança (guardas armados vinte e quatro horas,

cuidando do patrimônio) e a imposição das novas regras de hierarquia e disciplina. Estas

foram as mudanças evidenciadas nas entrevistas dos participantes da pesquisa.

Para aferirmos as análises das entrevistas dos professores, da Secretária de Educação,

Diretor da Unidade VII e das professoras, apresentamos alguns registros fotográficos que

constatam nossas conclusões no que se refere às mudanças ocorridas na escola militarizada.

As fotografias 3 a 7, a seguir, mostram o abandono em que se encontra a escola:

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Fotografia 3 – Retrato do Abandono/CTPM VII

Foto: Ana Célia dos Santos, 2018.

Diante das fotos e das entrevistas, podemos analisar que a escola Manaus, no período

de julho até a data dessa pesquisa, em 24/09/2018, transformada em Colégio Tiradentes VII,

continua abandonada. Agora, não mais só pelo Governo do Estado e da SEDUC, mas pelos

militares que gerenciam o Colégio. As mesmas salas desativadas, queimadas em 2016,

continuam sem reparos. Assim, a escola possui assim um pavilhão com quatro salas

desativadas.

A Secretária de Educação afirmou, em sua entrevista, que a escola tem espaço para

1500 (um mil e quinhentos) alunos, e que hoje existe uma fila de espera para matricular.

Então, por que o governo do Estado não investe nas salas desativadas?

Uma parte da escola continua subutilizada, com quatro salas que servem de depósitos

para materiais velhos como: cadeiras, livros, sofás e outros objetos. Como disse uma das

professoras, “só sabe quem está lá”.

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Fotografia 4 – Retrato do Abandono/CTPM VII (2)

Foto: Ana Célia dos Santos, 2018.

Trazemos, então, um trecho da entrevista da representante da SEDUC: “A escola

Manaus hoje, já tem um reflexo inquestionável, se pegar a escola em julho do ano passado, e

o que é hoje, eu acho que não vai ter ninguém que diga que realmente ali não se estabeleceu

algo que foi de encontro com a melhoria” (SECRETÁRIA DE EDUCAÇÂO). A realidade

mostrada a partir das imagens vem de encontro ao relato da representante da SEDUC, pois

comprovam o descaso do poder público e da Secretaria de Educação do Estado.

Fotografia 5 – Retrato da omissão do Estado/CTPM VII

Foto: Ana Célia dos Santos, 2018.

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Fotografia 6 – Retrato do Abandono /CTPM VII (3)

Foto: Ana Célia dos Santos, 2018.

Comparamos as imagens com as falas de algumas entrevistadas e constatamos que as

professoras possuem razões em afirmar que não mudou muita coisa. Ainda nesse contexto, é

relevante citarmos algo que chamou nossa atenção no Colégio pesquisado: no PPP da escola,

encontramos um relato sobre o incêndio ocasionado nas salas mostradas em nossos registros

fotográficos. Esse relato é aqui reproduzido:

Durante o ano letivo de 2012, não foi registrada nenhuma reforma na escola. Após a

sequência de roubos e incêndio no final de 2013 e início de 2014, a escola passou

por uma pequena reforma, incluindo a reconstrução da sala incendiada e reforma de

toda sua parte elétrica, iniciando o ano letivo apenas no mês de abril do corrente ano

(PPP, 2018, p.13).

Fotografia 7 – Retrato do Abandono CTPM VII (4)

Foto: Ana Célia dos Santos, 2018.

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3.2.1.2 Estrutura, funcionamento e infraestrutura física do Colégio Tiradentes da Polícia

Militar - Unidade I

Para afiançar a eficácia da estrutura organizacional, o Colégio da Polícia Militar é

normatizado pelo Regimento Interno, instituído pelos militares. Esse documento apresenta as

regras gerais da instituição escolar, os convênios, criação e funcionamento do CTPM, sua

natureza jurídica, identificação do colégio, os níveis de ensino, assim como princípios, fins e

objetivos da educação ofertada na instituição. Exibe seu modelo de gestão como autocrática,

não subordinada à mantenedora, que é a Secretaria de Estado da Educação, e a sua

subordinação à Secretaria de Segurança Pública, por meio da integração com a Polícia Militar

do Estado de Rondônia.

O Regimento particulariza a estrutura organizacional da escola, centralizada na

figura do oficial superior (militar), sendo este o Diretor Geral; com uma categoria hierárquica

a ser professada, os cargos de chefia são centralizados dentro do espaço da Polícia Militar, a

qual se responsabiliza de designar os funcionários civis lotados pela SEDUC.

O Regimento ainda pormenoriza as atribuições específicas de cada órgão, bem como

a função de cada cargo, ou seja, a fragmentação do poder para o controle, bem como a

divulgação para o fiel cumprimento das regras estabelecidas para sua comunidade escolar.

A partir desse fato apresentamos a estrutura organizacional do CTPM I, para

compreender o espaço educacional pautado nessa instituição. O Art. 3º do Regimento Escolar

explica a importância do Colégio Militar para os militares do Estado de Rondônia:

Art. 3º - O Colégio Tiradentes da Polícia Militar é um Órgão de Apoio da Polícia

Militar do Estado de Rondônia, conforme Decreto nº 12721, de 13 de março de

2007 que dispõe sobre a Organização Básica e atribuições dos órgãos da Polícia

Militar (REGIMENTO ESCOLAR, p. 7) (Grifos nossos).

Buscamos compreender porque o CTPM I é estabelecido como órgão de apoio da

Polícia Militar. Primeiro, porque a finalidade dessa instituição escolar militar tem como

prioridade atender, preferencialmente, os dependentes legais dos militares, ficando claro, no

Capítulo II, Art. 6º, § 3º, que o CTPM disponibilizará 70% (setenta por cento) das vagas aos

dependentes de militares do Estado de Rondônia, sendo os outros 30% (trinta por cento) aos

dependentes de civis. Reforçamos, nesse sentido, a evidência do processo de exclusão, pois o

CTPM I possui privilégios que o diferenciam das demais escolas públicas, como, por

exemplo, o percentual destinado a filho de militares.

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116

Podemos verificar que o colégio militar possui uma especificidade em sua estrutura.

Por essa razão observamos a necessidade de demostrar a estrutura organizacional do CTPM I,

conforme apresenta o Organograma 2:

Organograma 2 - Gestão Hierárquica no CTPM I

Fonte: Regimento Escolar CTPM I (2010, p. 4)

Assim, percebemos que a organização é hierarquizada na figura do Comandante

Geral da Polícia Militar de Rondônia e centralizada na figura do Diretor Geral, que é

indicado. Desta feita, a estrutura hierárquica do CTPM I tem como base geral o Comandante

Geral da PM-RO, subordinando o Oficial Superior da PM, sendo este o Diretor Geral da

Unidade, que, por sua vez, subordina a seu controle: a Direção Pedagógica, exercida por uma

pessoa portariada pela SEDUC; o Diretor Administrativo, um Oficial PM, de escolha do

Diretor Geral; o Secretário escolar, que é também portariado pela SEDUC.

Destacamos algumas atribuições do Diretor Geral, que é oficial superior da Polícia

Militar, conforme previstas no Art. 9° do Regimento Escolar:

Art. 9º - São atribuições do Comandante e Diretor Geral do CTPM, além dos

encargos que lhe são atribuídos em outros regulamentos:

I. elaborar plano de ação dos serviços da Direção Geral;

II. Cumprir e fazer cumprir a legislação de ensino, o Regulamento Interno da PM, as

disposições deste Regimento, bem como normas e instruções baixadas pelo CEE,

pela PMRO e pela SEDUC;

III. Assegurar o cumprimento dos dias letivos e horas aulas estabelecidas;

IV. Velar pelo cumprimento do plano de trabalho de cada docente;

V. planejar, organizar, coordenar, dirigir e controlar direta ou indiretamente todas

as atividades do CTPM, assegurando a eficácia e eficiência do processo ensino e

aprendizagem (REGIMENTO ESCOLAR 2010, p. 9) (Grifos nossos).

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As palavras velar, dirigir e controlar, nesse artigo, são palavras chaves para que

possamos identificar o controle escancarado existente na instituição militar. Nesse cenário,

Santos (2016, p 47) é categórico ao afirmar que “Várias outras características encontradas nos

CM também são evidentes na estrutura dos CTPM I dando confluência a estrutura

organizacional. São exemplos a predominância da centralidade do diretor no comando e da

subordinação dos cargos[...]”.

Observando o Organograma 2, notamos que a função do diretor pedagógico é exercida

pelo Vice-Diretor, sendo este designado pela Secretaria Estadual de Educação. O vice-diretor

possui suas atribuições no interior da instituição esclarecida no Art. 10 do Regimento Escolar:

Art. 10. São competências do Diretor Pedagógico, do Diretor Administrativo e

Secretário cumprirem as ordens do Diretor Geral do CTPM, a legislação de

ensino, as disposições deste Regimento, bem como as normas e disposições

baixadas pelos órgãos competentes (REGIMENTO ESCOLAR,2010, p.11) (Grifos

nossos).

Analisamos a função do diretor pedagógico e suas competências e pudemos

depreender que o vice-diretor escolar, assim como os outros que fazem parte do corpo de

funcionários do CTPM I, tem como competências primordiais cumprir as ordens do Diretor

Geral do CTPM. Vemos que o vice-diretor e os demais funcionários são obrigados a “zelarem

pelo fiel cumprimento das instruções e ordens baixadas pelo Diretor Geral” (REGIMENTO

ESCOLAR, 2010, p. 12). O diretor pedagógico tem as seguintes obrigações de acordo com o

Regimento do CTPM I:

Art. 13 - São atribuições do Diretor Pedagógico do CTPM: [...]

II. Assegurar a sintonia das seções da administração interna; [...]

VI. Zelar pela rigorosa disciplina da comunidade escolar; [...]

IX. Acompanhar a formação do Grêmio Estudantil, a elaboração do Estatuto e

as atividades desenvolvidas pelo mesmo; [...]

XI Supervisionar as atividades da Divisão Disciplinar do Corpo Discente (C.A.);

[...] XVII. Cooperar na organização das atividades extraclasse, solenidades e

comemorações, de acordo com as instruções do Diretor Geral do CTPM. [...]

XXIV. Acompanhar e controlar a frequência e a pontualidade do corpo

docente, zelando pela sua disciplina; [...]

XXXI. Aplicar advertência oral e advertência escrita aos alunos na ausência do

Diretor Geral; XXXII. Assegurar o cumprimento dos dias letivos e horas-aula estabelecidas;

XXXIII. Velar pelo cumprimento do plano de trabalho de cada docente

(REGIMENTO ESCOLAR, 2010 p. 12-13) (Grifos nossos).

Ponderemos, à luz das atribuições do vice-diretor acima elencadas, que este tem a

função de disciplinar, afinal esta palavra é rigorosamente destacada nos incisos em destaque.

No CTPM I, o vice-diretor assume uma posição de opressor da sua própria classe.

Nesta conjuntura, buscamos compreender o papel do diretor administrativo do

CTPM I, e também averiguar a diferença da estrutura organizacional do colégio militar para o

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militarizado no Art. 14: “O Diretor Administrativo é o auxiliar do Comandante e Diretor

Geral do CTPM I nas atividades administrativas e seu substituto eventual [...]”. Notamos que,

no CTPMI, a presença dos militares no gerenciamento da educação é patente.

Devemos levar em consideração outras atribuições que o diretor administrativo

possui, determinadas no Regimento:

I. Intermediar o Diretor Geral na expedição de todas as ordens relativas à

disciplina, instrução, administração e serviços gerais, cuja execução cumpre-lhe

coordenar e supervisionar; [...]

III. Informar ao Diretor Geral todas as ocorrências e fatos a respeito dos quais

haja providenciado por iniciativa própria;

IV. Velar assiduamente pela conduta dos servidores policiais militares e civis do

CTPM;

VII. Verificar assiduidade de docentes e demais funcionários, exercendo, nos termos

das Portarias e/ou Ordens de Serviço, abonando ou não de faltas (REGIMENTO

INTERNO CTPM I) (Grifos nossos).

É instaurado o controle e o poder na educação, de forma aberta sem nenhum pudor.

Com base no exposto, podemos afirmar que o diretor administrativo é a figura que tem a

obrigação de reprimir, para cumprir as ordens do Diretor Geral.

O serviço disciplinar é uma subseção do referido Regimento e nos chamou atenção

por ser denominado de Orientação Disciplinar, conforme o Art. 57:

Art. 57 - O Serviço de Orientação Disciplinar tem como função auxiliar no

desenvolvimento do aluno, principalmente no que diz respeito à disciplina, sinais de

respeito e civismo, fazendo com que o mesmo desenvolva os princípios da ética,

moral e dos bons costumes.

Ao analisarmos o contexto, é propício vislumbrar as condições para a defesa da

ordem na instituição militar educacional, da hierarquia e da submissão às doutrinas militares,

o modelo mais legítimo da autoridade legal e de organização estrutural. O serviço de

Orientação Disciplinar é composto por civis e militares, no interior do colégio militar, os

quais recebem o nome de monitores. Estes são coordenados por um oficial da Polícia Militar.

O Art. 59 determina em seus incisos que:

Art. 59 - Compete ao Orientador Disciplinar, além dos encargos que lhe são

atribuídos em outros regulamentos:

I. Elaborar o plano de ação do Serviço de Orientação Disciplinar;

II. Orientar os alunos sobre o comportamento que devem ter em qualquer

atividade escolar;

III. Medir, por intermédio de estatísticas, o índice de atos negativos e

positivos com relação à disciplina dos alunos

X. Disciplinar a permanência dos alunos no Colégio e controlar suas atividades

(REGIMENTO ESCOLAR, 2010, p.34) (Grifos nossos).

Lima (2018), considera que existe um esforço para cultivar a alienação e a formação

de cidadãos forjados para executar tarefas peculiares do sistema capitalista, produzindo e

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reproduzindo uma democracia de massas, que, perante seu caráter hierárquico, embasa um

controle emanado do poder, que se adéqua e retira a liberdade do aluno, adestrando-o em

nome da sociedade capitalista. Essa é a realidade encontrada no CTPMI, reforçando a

hegemonia de uma sociedade passiva ao poder hierarquizado.

3.2.1.3 Estrutura e funcionamento e infraestrutura física do Colégio Tiradentes da Polícia

Militar - Unidade II

Dissemos, anteriormente, que são instaurados o controle e o poder na educação, de

forma aberta, sem nenhum pudor. Diante do que expusemos, podemos afirmar que o diretor

administrativo é a figura que tem a obrigação de fazer cumprir as ordens do Comandante.

Dessa forma, é cada vez mais claro que as relações de hierarquia existentes nos CM e no

colégio militarizado são uma fidedigna reprodução dos quartéis militares.

Por fim, passamos a interpretar a organização do Colégio Tiradentes da Polícia

Militar - Unidade II, de Jaci-Paraná, cuja direção é exercida conforme o Organograma 3:

Organograma 3 – Gestão Hierárquica no CTPM II

Fonte: PPP CTPM II (2010, p. 27)

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Como já foi relatado, os demais servidores, principalmente os Diretores pedagógicos

devem “Zelar pelo fiel cumprimento das instruções e ordens baixadas pelo Comandante e

Diretor” (PPP CTPM II, 2010, p. 30). Quanto ao Diretor Administrativo e Chefe do Corpo de

Alunos, militares, como nas demais, o Projeto Político Pedagógico não expõe sua submissão

ao Diretor Geral.

De acordo com o PPP do CTPM II (2010), o diretor administrativo é um cargo

ocupado por sargentos da PM/RO, escolhido pelo Diretor Geral e nomeado pelo DP PM/RO.

O Secretário escolar é escolhido pelo Diretor Geral, dentro dos quadros do CTPM II, e

portariado pela Secretaria de Estado de Educação. Esse profissional é subordinado

diretamente ao Diretor Geral.

O CTPM I utiliza da hierarquia e da disciplina para formar os soldados e policiais do

futuro. O CTPM II e VII tomam como base os mesmos ideais, porém para gerar força de

trabalho alienada e de fácil controle. Fica clara a distância existente entre as escolas públicas,

que, consoante Paro (2006), devem basear-se em mecanismos que a transformem em

democrática, pois somente dessa forma será possível torná-la de fato o que deve ser:

instrumento para construção e defesa da cidadania.

3.3 As relações hierárquicas entre professores e gestores no âmbito das escolas

militarizadas no município de porto velho

Ressaltamos que, nesse processo de ensino aprendizagem, percebemos claramente a

questão da hierarquia. Pudemos observar que a equipe pedagógica, composta por profissionais

da educação vinculados à SEDUC, não possui autonomia em suas ações, uma vez que as

ações pedagógicas, depois de elaboradas, precisam ser apreciadas pelo diretor geral militar.

Dessa maneira, há uma interferência militar, principalmente quando diretor geral afirma que

“tudo isso são concepções que passam pelo crivo da direção geral”.

Portanto, subentendemos que existem relações hierárquicas entre gestor e

profissionais da educação no ambiente das escolas militarizadas. Nesse espaço, sondamos a

visão da Secretária da Educação sobre as concepções pedagógicas que norteiam o processo de

ensino aprendizagem da escola militarizada. Segundo a referida Secretária,

As mesmas concepções pedagógicas que fundamentam as nossas escolas da rede

pública. Porque os professores são os mesmos. [...]. Eu entendo assim, que hoje, não

existe uma concepção pedagógica que esteja norteando, eu acho que existe sim uma

reflexão do que cada concepção pode contribuir no processo de ensino, porque no

meu entendimento nenhuma concepção pedagógica exclusivamente é perfeita para

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nortear o processo aprendizagem, acho que todas têm seu ponto positivo, e seu

ponto negativo. Então acho que cabe existir a presença da concepção tradicional?

Existe, tem que existir e sempre existirá, porque o compromisso com o

conhecimento cientifico ele tem que existir, sempre [...], é importante que esse

conhecimento cientifico, muito importante, esteja fazendo parte da aprendizagem,

sim, é muito importante que esse conhecimento científico esteja no nível de reflexão

por parte do aluno de contextualização, sim, tudo isso é importante (SECRETÁRIA

DE EDUCAÇÃO).

Nitidamente percebemos que a Secretária defende o ecletismo pedagógico, numa

posição que demonstra o pouco domínio sobre as teorias pedagógicas. Conforme a entrevista,

não há uma concepção clara que norteia o processo pedagógico da escola. A Secretária

descreve que todas têm suas contribuições no ensino e aprendizagem e, segundo ela, cabe ao

professor selecionar os pontos positivos.

A respeito da permanência dos professores e a forma com que é realizada esta

seleção, chegamos à conclusão de que, em determinados casos a liberdade didático-

pedagógica dos professores fora suprimida. Esse fato se evidencia na fala da professora 3, que

foi impossibilitada de realizar atividade pedagógica a respeito de política dentro da escola.

[...] Um trabalho só, que fui fazer, agora na época da política. [...] com eles para

fazerem umas chapas e simularem uma eleição. Era para eles fazerem cartazes e

uma propaganda. Eles fizeram isso. Os cartazes foram todos retirados da sala. A sala

estava limpa, não tem cartaz não tem nada. Aquela coisa de escola que nunca vi

naquelas paredes não ter nada. E disseram que na formação, um deles, que eu não

sei quem, disse que não pode falar de política dentro da escola. Aí eu procurei o

diretor: Como assim que eu não posso falar em política? Eu dou aula de ciências

sociais, como não posso falar em política? Então ele respondeu, “se tiver no seu

conteúdo pode falar”. Não Entendi isso (PROFESSORA 3).

Os participantes da pesquisa confirmam uns aos outros, quando questionados sobre a

participação democrática na escola. Para eles, a participação não é em totalidade.

Conforme a entrevista da Secretária de Educação:

A questão da gestão democrática, não existe mais eleição. Esses diretores eles não

foram escolhidos pela comunidade, não existe mais eleição, decido pelo supremo,

existe uma escolha pelo comando da polícia militar. Foram escolhidos pela questão

do currículo, pela licenciatura. O comando não pegou um policial que não tinha

nenhuma especialização e colocou na gestão dessas escolas, ele selecionou policiais

que tinham uma experiência, uma vivência com a educação, e acredito que sempre

eles vão ter uma indicação, agora isso compromete a democratização nas escolas?

Jamais (SECRETÁRIA DE EDUCAÇÃO).

O conceito de democracia defendido pela Secretária de Educação do Estado de

Rondônia é impressionante. No mito de Procrastino, um homem era dono de uma pousada

que tinha uma só cama. Todas as vezes que se hospedava alguém, era necessário que essa

pessoa se adequasse à cama. Procrastino amputava membros de homens maiores que a cama e

também esticava os membros de homens menores que ela. De modo análogo a esse mito, para

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a representante da SEDUC, a inexistência das eleições não justifica uma não-democracia

dentro dessas escolas e nem significa uma ruptura no processo democrático, mesmo que isso

signifique “adaptar” a democracia a um modelo militar.

De acordo com Colares e Colares (2003), a defesa da eleição direta para escolha dos

diretores de escola merece destaque por ser uma meta traçada pelo processo de

redemocratização que garante o funcionamento de conselhos escolares, com a participação de

todos da comunidade escolar em seu entorno, constituindo-se em órgão máximo de poder na

escola. É pertinente observarmos a escolha do diretor da escola militarizada, conforme

prevista no seu PPP:

O Colégio Militar não entende o processo de Gestão Democrática como sendo a

eleição de diretor e vice-diretor, tais funções são de indicação. A Gestão

Democrática no Colégio Militar é fortalecida por meio de medidas e ações pautadas

nos princípios de coerência, equidade e responsabilidade na organização e prestação

dos serviços educacionais a comunidade escolar (PPP, 2018, p. 38).

Apesar do diretor fazer alusão a uma gestão democrática, não há, na instituição, um

processo de eleição direta para o cargo de direção, o que é feito por meio de indicação. Neste

caso, o cargo é ocupado por um Capitão com Curso Superior de Bacharel em Direito, com

Mestrado em Administração Pública, Especialização na área de Bombeiros e Especialização

em Educação, sendo indicado pelo Comandante Geral da PM, que avalia suas qualificações e

o nomeia. Além da gestão, compete ao diretor-Capitão realizar as denominações históricas da

unidade, brasão, estandartes, insígnias de comando e outros símbolos que achar pertinente. A

Secretária em Educação reforça essa linha de pensamento, afirmando que:

[...] esses diretores eles não foram escolhidos pela comunidade, não existe mais

eleição decida pelo supremo, existe uma escolha pelo comando da polícia militar,

foram escolhidos pela questão do currículo, pela licenciatura, também o comando

não pegou um policial que não tinha nenhuma especialização e colocou na gestão

dessas escola, ele selecionou policiais que tinha já uma experiência uma vivencia

com a educação (SECRETÁRIA DE EDUCAÇÃO). (Grifos nossos).

As unidades militarizadas são administradas por militares indicados pelo superior, ou

seja, pelo Comandante Geral, o que é uma preocupação para os educadores e especialistas em

educação. Lima (2018, p. 115) assevera que “sendo assim, percebe-se que a organização

hierarquizada e centralizada na figura do Capitão Diretor, indicado, e não eleito

democraticamente, não se enquadra no perfil de escola democrática e participativa”.

Os desdobramentos da educação militar sobre a educação pública militarizada refutam

todos os mecanismos da gestão democrática. O novo modelo de educação imposto pelo poder

público nas escolas rondonienses vem confrontar os princípios da educação, no que se refere a

igualdade de condições para o acesso e permanência na escola pública. Esse novo modelo

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fere também o pluralismo de direitos educacionais, afiançados pela Constituição Federal de

1988, no que diz respeito ao Art. 206. No cenário atual em que se encontra a educação, é

necessário apresentar o “novo modelo”. O diretor afirma que “A única diferença de uma

escola militar é que não há uma eleição. Ela é de indicação do comandante geral, que tem a

análise curricular digamos assim de seus oficiais, e faz a escolha para apreciação do

governador, que faz a nomeação desse diretor (DIRETOR CTPM VII).

Ademais, o Regimento Interno do CTPM VII determina relações hierárquicas, que

têm no diretor geral o pilar dessa hierarquia. Isso fica evidente quando o documento expõe

que, dentre as funções do diretor, ele deve “XXIII. Supervisionar a execução das atividades

dos serviços Pedagógicos e Administrativos do CTPM-VII” (REGIMENTO INTERNO

CTPM VII). De forma que ele se submete apenas a seus superiores do Comando Geral da

PM-RO.

De acordo com o Regimento da instituição o corpo docente tem direito a material

didático, emitir opinião sobre programas e medidas, proposições acerca de medidas para o

aprimoramento do ensino-aprendizagem, a dignidade, a participação, a autoridade, e o gozo

de suas férias. Cabem aos professores, como deveres: participar do Conselho de Classe,

manter em condições excelentes os ambientes e equipamentos utilizados, comunicar os

critérios de avaliação, a postura compatível, participação integral na educação do estudante,

não tratar de assuntos alheios ao que deve ensinar, a pontualidade e outros diversos.

É permanentemente proibido aos professores adentrar a escola sob efeito de tóxicos,

punir fora de suas competências, manifestar-se contrário à filosofia militar, o uso de objetos

que atentem a integridade dos outros, incentivar ou participar de greves, promover ações sem

o conhecimento da direção, denegrir a imagem do colégio.

Com relação a alunos, a dominância é superior, por serem vistos como instância mais

frágil no processo de ensino-aprendizagem. Com pouquíssimos direitos e diversos deveres e

proibições, os estudantes são o grupo mais atingido pelas relações hierárquicas no ambiente

do CTPM VI. São seus direitos:

I. Gozar das vantagens que o colégio possa-lhe oferecer;

II. Participar do Clube do Corpo de Alunos;

III. Participar de clubes esportivos que forem criados no CTPM-VII;

IV. Ter oportunidade a segunda chamada de exames e provas, tendo faltado à

primeira, quando por motivo justo, a requeiram no prazo de 48 (quarenta e oito

horas), contados da data do exame ou prova, mediante comprovantes de: a) Doença;

b) Gala; c) Nojo; d) Obrigações militares; e) Serviço público obrigatório; f) Doação

de sangue; g) Motivos religiosos, h) Interrupção de transporte.

V. Apresentar a quem de direito, através de seu representante legal, os

problemas que prejudiquem sua educação;

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VI. Ser atendido pelo pessoal docente, técnico e administrativo do CTPM-VII no

trato de seus legítimos interesses e receber a assistência e orientação adequadas às

necessidades;

VII. Ser esclarecido quanto ao sistema de avaliação;

VIII. Tomar conhecimento dos resultados das avaliações de sua aprendizagem;

IX. Requerer transferência através de seu representante legal, quando menor de

idade;

X. Ser tratado com urbanidade, respeito e atenção por todos os integrantes do

colégio;

XI. Solicitar revisão de provas, quando necessário.

(REGIMENTO INTERNO CTPM VII, p. 76-7).

Consoante a professora 4, “o que os alunos não concordam é aberto, eles podem vir

conversar comigo como orientadora. Eu faço o registro e passo para o diretor. Em nenhum

momento ele se opôs a receber alguma crítica”.

Conforme a fala da professora 1, o ambiente ainda é de harmonia e de democracia.

Entretanto a professora 2 relatou um fato, em que alguns alunos desgostosos com a repetição

do cardápio na merenda foram impedidos de reclamar com os gestores. Ao ser perguntada

sobre se os alunos tinham direito de se manifestar contrários à militarização, essa professora

respondeu:

Não mesmo. Imagina. Coitado dos meninos, os meninos foram reclamar dum lanche

porque era todo dia um suco, suco, suco. E eles foram reclamar do suco e aí foi uma

confusão danada e eles foram proibidos de reclamar. Não pode reclamar. Não pode

reclamar. Tem que dizer que tá tudo lindo e maravilhoso. Só pode elogiar.

(PROFESSORA 2)

Como já expusemos, existe uma contradição no que tange à da participação

democrática. É um sistema incompleto. Uma turba de deveres são responsabilidades de

estudantes. Dentre os 25 deveres, optamos por selecionar aqueles que expõem as relações

hierárquicas a que os estudantes estão submetidos:

II. Acatar a decisão do C.A., Conselho de Professores e da Direção no que concerne

a penalidades por indisciplina; [...]

VIII. Cumprir as determinações da Direção, do C.A., dos professores e dos

funcionários, nas suas respectivas esferas de competências.

“Acatar” e “Cumprir” são palavras que bem resumem a participação estudantil no

CTPM VII. Essas relações se agravam com as proibições aos estudantes e com as faltas

disciplinares, que regulam a avaliação disciplinar dos estudantes. São faltas disciplinares, que

caracterizam a hierarquia, as seguintes:

c) Comportar-se de maneira inadequada, desrespeitando ou desafiando pessoas,

descumprindo normas vigentes e de boa educação. [...]

d) Deixar de comparecer ou chegar atrasado às atividades programadas ou ausentar-

se sem autorização. [...]

g) Deixar de comunicar ao superior execução de tarefa dele recebida.

(REGIMENTO INTERNO CTPM VII).

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Essas condições as relações básicas entres superiores e inferiores no CTPM VII

fazem com que se veja o aluno como um animal que necessita ser domesticado, para que

possa cumprir sua função na sociedade: a de obedecer.

Quanto à gestão de modo geral, tratando-se de Conselho Escolar, há uma contradição

entre os entrevistados: alguns dizem não haver e outros dizem haver. Esclarecemos que há no

CTPM VII um Conselho Escolar ativo, em cuja instância são decididos assuntos referentes à

organização escolar.

A partir dessa conjuntura, a educação pública vem sofrendo um retrocesso, por

expandir as formas autoritárias. Mesmo depois de longos avanços no que se refere à

democratização do ensino público, está exposta a centralização de poder no espaço

educacional público militarizado, como em séculos passados.

Constatamos que a gestão militar não obedece aos princípios da Constituição Federal

de 1988, disposto em seu Art. 206, e pela Lei 9.394/96 (Lei de Diretrizes e Bases da Educação

Nacional - LDB) em seu Art. 3º, que garante a gestão democrática do ensino público. Essa

premissa legal aponta para a inconstitucionalidade da gestão militar, o que fere os preceitos da

gestão democrática conquistada por inúmeras lutas e com a garantia de mecanismos e

condições para espaços de participação e descentralização do poder. No entanto, a

transferência das escolas públicas para a Polícia Militar vem sendo imposta, como ato

antidemocrático, por meio de Decretos.

Portanto, ao correlacionar a gestão hierárquica à gestão democrática, notamos as

diferenças gritantes entre essas duas formas de gestão: a primeira busca o controle social ao

comandar o povo como mais um de seus soldados, enquanto a segunda busca atrelar a

comunidade local aos processos democráticos do ensino e da sociedade. Além das mudanças

quanto a gestão em si, uma vez baseada na ordenação e no peso das patentes, a gestão

hierárquica busca controlar além de, controlar o povo como um todo, controlar a comunidade

escolar, baseando-se no medo e na repressão; a gestão democrática, como já explicitamos,

busca transferir o conteúdo do poder público e permitir a participação indistinta da

comunidade escolar

A gestão democrática é um mecanismo criado para a superação dos obstáculos

implantados pelos patrimonialistas, com o poder centralizado das instituições escolares de

rede pública. É importante ressaltarmos que, diante dos fatos mencionados, é essencial vencer

a base do autoritarismo da escola pública militarizada, pois, nesse obsoleto sistema,

predomina o vírus da contra participação, da contra autonomia. Por conseguinte, a

importância da participação em atuar com princípio da coletivização nas tomadas de decisões,

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com interesses sociais acima dos particulares, é o meio para desconstruir o arcaico modelo da

gestão militar.

A crescente militarização de instituições públicas em Goiás se tornou modelo para

outros Estados, servindo de ponta de lança para o processo de militarização de escolas, o que

se expande pelo país num acordo de cooperação técnica entre Secretaria de Segurança Pública

e Secretaria Estadual de Educação, que proporcionam os recursos humanos, a logística e o

apoio necessário para o funcionamento, além de supervisionar as unidades. Santos (2016)

explica esse processo:

[...]. Assim, as escolas antes administradas pela Secretaria de Educação com a

participação da comunidade escolar (em processo democrático de eleição) são

concedidas à administração da Secretaria de Segurança Pública. Portanto, a partir do

acordo estabelecido por estas duas, a administração da escola pública torna-se

responsabilidade da gerência da PM. No entanto, quem deve oferecer pessoal para

trabalho (como professores, coordenadores, orientadores pedagógicos e funcionários

de serviços gerais) é a Secretaria de Estado de Educação. Apesar de tais

trabalhadores estarem subordinados à Secretaria de Educação, devem seguir o

comando e a orientação da direção da polícia. Além da administração da Escola

Estadual (SANTOS, 2016, p. 22).

As relações hierárquicas são comuns a todos os participantes da comunidade escolar,

de estudantes a gestores. Neste estudo, buscamos, a seguir, interpretar estas relações dentro

das relações didático-pedagógicas, nas manifestações pedagógicas e nas reproduções

ideológicas existentes.

3.4 O controle didático-pedagógico, político e ideológico nas escolas militarizadas

Para culminar nesse processo de dominação ideológica, a gestão militar se organiza

oprimindo aqueles que, hierarquicamente, são inferiores a eles: alunos e professores. Exerce

essa dominação sobre os professores e estudantes, coordenando o conteúdo e a forma a ser

ministrado, além de impor as ideologias dominante através das formaturas e do cotidiano, em

que existe uma obrigação ao cumprimento militar. Questionado sobre o norteamento

pedagógico e a relação gestão/liberdade pedagógica, o diretor nos assegura:

Não temos uma doutrina do exército. Nós temos toda a concepção pedagógica feita

pela vice direção, que é minha diretora pedagógica, que não tem nenhuma

interferência militar. Nós temos, como o nome diz, uma gestão compartilhada que

também funciona dentro da escola né? Todo o processo pedagógico é elaborado por

essa equipe pedagógica que depois é trazido para apreciação dessa direção, que

homologa ou retifica alguma necessidade que visa o acompanhamento. Por exemplo,

a questão da quantidade de tempos de aula, quantidade de disciplina, alguma

atividade extracurricular, então tudo isso são concepções que passam pelo crivo

da direção geral. Não tem uma doutrina, não segue nem um manual do exército

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para poder submeter nossos alunos ou professores a alguma tratativa com relação a

isso (DIRETOR CTPM VII) (Grifos nossos).

Atentamos para o conceito de concepções pedagógicas e notamos que o diretor, não

respondeu claramente sobre as concepções que norteiam o Colégio Militar Tiradentes VII.

Sabemos que os ritos militares são atividades diárias da escola e, nesse olhar, avistamos a

doutrina militar alicerçando o ensino público militarizado. O diretor afirma que não há

nenhuma interferência militar no contexto pedagógico, sendo predominante a gestão

compartilhada, porém afirma, igualmente, que existe um crivo da direção geral sobre os ideais

pedagógicos dos professores.

No ambiente das escolas militarizadas, verificamos, segundo nossa análise, que o

controle pedagógico do trabalho docente se dá de forma escancarada, como já visto na própria

hierarquização existente, na qual os professores se curvam aos militares gestores. Além de

impedir, segundo a professora 3, a reprovação de estudantes para forjar melhor desempenho

no IDEB, as práticas arbitrárias da gestão buscam maquiar a verdade e vendar a população

acerca de problemas ainda existentes.

A exemplo, o Grêmio Estudantil serve aos interesses da gestão, não podendo

confrontá-la em suas contradições, necessitando desempenhar funções com finalidades

culturais, cívicas, desportivas e sociais. Salientamos os grêmios estudantis são uma entidade

autônoma, representativa dos interesses dos alunos secundaristas; é pelo grêmio que os alunos

e seus atuantes defendem seus direitos e interesses, a favor da ética e da cidadania. Nesse

impasse, buscamos averiguar qual a real atuação do Grêmio na escola Tiradentes VII. A esse

respeito, a professora 4 fez o seguinte comentário:

O grêmio estudantil da escola ainda não existe [...] quando virou militar, o

coordenador perguntou vai ter grêmio na escola? Porque no Tiradentes não tem [...]

como o Tiradentes é uma escola militar, que segue um padrão. Mas os alunos eles

estão abertos a virem conversar, e apresentar a opinião deles desde que não seja uma

coisa que só beneficie ele, mas um grupo, que não concordo com isso, com aquilo,

então como é que a gente precisa mudar? Tem toda uma questão, é o cabelo, e a

maquiagem das meninas, brinco, sapatos, tem todos os critérios, mas são situações,

tipo; a minha mãe não pode comprar esse sapato, ele é muito maleável nesse ponto,

e dá um tempo, quando pode comprar? Sem problema, e desse jeito o que a gente

não concorda, a gente se reúne, e ver como é que a gente faz. Tem conselho de

professores? Tem, conselho escolar tem? Tem, tudo permanece, a única coisa é que

nós temos militares aqui dentro (PROFESSORA 4).

A mudança de gestão trouxe consigo o silenciamento, não só dos professores,

proibindo o direito à greve, mas também dos alunos, impedindo uma organização formal em

defesa da educação e da democracia no espaço escolar por parte dos estudantes. Para a

professora, a informalidade da organização dos estudantes não prejudica sua mobilização em

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prol dos seus interesses. Todavia, a organização dos estudantes é preponderante para a

concretização de seus interesses, uma vez que um movimento desorganizado não pode,

objetivamente, alcançar seus fins.

Essa desorganização política e formal dos estudantes é esclarecida em dois pontos

preponderantes do Regimento Interno. Um, caracterizado como falta disciplinar e, outro,

qualificado como motivo de expulsão do colégio. Destacamos, a priori, a falta disciplinar,

que tem como fim o controle político e ideológico dos estudantes: “m) Ter em seu poder,

introduzir, ler ou distribuir dentro do Colégio, cartazes ou publicações, de cunho político-

partidário que atentem contra a disciplina ou moral” (REGIMENTO INTERNO, CTPM VII,

p. 83).

Destacamos, nessas condições, a forma com que a organização política dos

estudantes pode gerar expulsão do CTPM: “l) Participar de atos que atentem contra a

disciplina militar educacional” (REGIMENTO INTERNO CTPM VII). Está claro que, para a

existência de um Grêmio Estudantil, o mesmo deveria atuar em defesa da concepção

autoritária de educação que permeia a escola militarizada. Qualquer participação política de

estudantes pode gerar expulsão.

Outrossim, o silenciamento de professores e alunos demonstra que os interesses dos

militares - por conseguinte, interesses burgueses, sobretudo imperialistas - nada têm a ver com

qualidade real de ensino, girando em torno de patriotismo, civismo, nacionalismo, abdicando

do pensamento crítico, da coletividade, da liberdade. Esses ideários estão ligados e

correlacionados a interesses políticos e ideológicos.

Num país onde o ensino de uma consciência crítica é visto como doutrinação, o

ensino de valores burgueses é admirado e aplaudido. Conforme o diretor do CTPM VII,

A nossa escola também se pauta nessas mesmas situações nós temos o pluralismo

das ideias, qualquer um pode colocar em voga seu pensamento desde que não ofenda

não ultrapasse o pensamento do próximo [...], meu limite ele vai até o limite do meu

companheiro de maneira que se tenha respeito reciproco. Professor e aluno,

professor e direção, direção e aluno e vice-versa em todos os sentidos de maneira

que nós não temos nenhuma decisão autoritária. Nós temos algumas decisões

discricionárias da direção que tem essa obrigação como gestor. Mas todas as ideias

são debatidas com os professores e comunidade (DIRETOR CTPM VII).

As palavras do diretor desenham um ambiente de respeito e democracia,

contraditoriamente aos relatos dos diversos professores já citados. Consoante o diretor, as

decisões são pautadas no pluralismo de ideias, como respondeu ao ser questionado sobre os

princípios democráticos dentro da Unidade VII.

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Segundo as palavras da professora 2, “a militarização não foi uma ameaça à

liberdade didática dos professores, pois não conseguiu sequer lidar com os problemas que

jurou ir contra, chegando a ter problemas ainda hoje com a indisciplina dos estudantes, por

exemplo” (PROFESSORA 2).

É relevante questionarmos e refletir de que forma é possível, para um lado (o

dominante) que as coisas sejam relatadas às mil maravilhas, enquanto para o outro (os

subordinados) a militarização é infundada e indefensável.

Ademais, indagamos a respeito do controle que existe na relação de hierarquia, ou

até mesmo como a hierarquia funciona como ferramenta e mecanismo de dominação de um

superior a alguém, seja aluno ou professor, que na relação de poder existente esteja em escala

inferior. Para as professoras 2 e 3, embora as relações comuns entre professores e militares

não possuam desavenças de autoridade ou traços de controle, suas respostas se contrapõem,

ao mesmo tempo em que demonstram dúvidas. Para a professora 4, não existe controle do

trabalho docente. O que o que existe é o inverso disso. Ela afirma que a gestão sempre deixou

aberta a liberdade do professor em sala de aula.

Enquanto para alguns não há controle didático-pedagógico por parte da direção, o

diretor assegura que a disposição dos conteúdos a serem ministrados não passa pela direção

geral, mas sim pela direção pedagógica. Segundo o diretor, “não existe nenhuma restrição do

que o professor pode ou não falar, existe apenas uma questão de bom senso dentro de uma

escola militarizada”.

Outrossim, a Secretária de Educação afirmou que existe um perfil dos professores

que fazem parte da escola. Para ela, existe a necessidade de que a metodologia do professor,

sua ideia político-pedagógica, seja adequada ao que é proposto no novo modelo, neste caso,

modelo de escola militar, conforme podemos observar em suas palavras:

[...] agora eu volto a dizer pra você, que a cada modelo ele requer um perfil, de

profissional, e é muito importante, que em Rondônia, nós não temos concursos para

escola, para lotar professor em escola X, e para a rede, então ele tem que ter perfil

(SECRETÁRIA DE EDUCAÇÃO).

Notamos, por conseguinte, que, nas afirmativas de ambos os gestores, há um perfil

definido para se trabalhar em um colégio militar, pois existe a concepção de que as ideias

pedagógicas devem se adaptar a esse modelo de escola. Nesse contexto, as diretrizes

pedagógicas seguidas pelos professores devem seguir a corrente de filosofia militar e seus

valores ou, quando não, educar os estudantes de forma a não gerar contestações a esses

valores que, segundo o Estatuto da Polícia Militar, em seu Art. 28, são:

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I - o patriotismo traduzido pela vontade inabalável de cumprir o dever policial-

militar e solene juramento de fidelidade à Pátria;

II - o civismo e o culto das tradições históricas, Assessoria de Legislação PM/RO

Consolidação pela Assessoria de Legislação

III - a fé na missão elevada da Polícia Militar;

IV - o amor à profissão e o entusiasmo com que a exerce;

V - o aprimoramento técnico-profissional;

VI - o espírito de corpo e orgulho pela Corporação (ESTATUTO PM-RO).

Quanto à situação a que os alunos são submetidos, os gestores foram objetivos em

dizer que sobre os alunos não existe controle, o que, por si só, é uma contradição. Se a

hierarquia serve para governo de um superior sobre um inferior, é errôneo dizer que ela não

existe no ambiente de uma escola militarizada. Além de que, a partir do controle sobre os

professores, o processo de ensino-aprendizagem é prejudicado, pois encontra-se restringido.

Neste caso, o controle, baseado na relação hierárquica, é a essência da chamada

“gestão compartilhada”. Em contrapartida, a democracia é apreendida como exercício da

liberdade em sociedade, entendendo-se a participação dos usuários na gestão da escola,

inicialmente, como um mecanismo a que a comunidade deve ter acesso para exercer seu

direito de cidadania. Segundo Paro (2010),

Isto porque, à medida que a sociedade se democratiza, e como condição dessa

democratização, é preciso que se democratizem as instituições que compõem a

própria sociedade, ultrapassando os limites da chamada democracia política e

construindo aquilo que se chama democracia social (PARO, 2010, p. 6).

As falas do autor ressaltam uma realidade, visto que os colégios militarizados não

possuem uma democracia social. Assim, disfarçam as decisões autoritárias em diálogos com

professores, ultrapassando a vontade do alunado. É visível que, dentro do CTPM VII, temos

um disfarce de democracia em que “roem-se os pés para que se caibam os sapatos”.

Na organização da escola militarizada, encontramos, como um elemento pedagógico,

a instituição de um cargo estudantil, responsável por manter a disciplina e a vigilância sobre

seus colegas. É o xerife. Em todas as turmas o diretor nomeia um xerife. Essa função reflete

as condições existentes dentro da relação hierárquica: a seleção de alunos que garantam a

ordem entre seus pares, fiscalizando os atos dos demais alunos. Os xerifes são frutos do

controle ideológico. São também reflexos das figuras dos militares dentro da escola. A

respeito da figura dos xerifes, o diretor assim se pronuncia,

[...] eles são liberados um chefe de turma que recebe a denominação “XERIFE”

acompanha esses alunos para sala de aula e as aulas dão procedimento 100% (cem

por cento) fiscalizada pelo “XERIFE” dentro da sala da aula e por nossos

monitores nas áreas externas. Após a última aula os alunos são liberados. Eles

fazem a limpeza da sala de aula, são os próprios alunos que devem fazer isso.

Diariamente esse xerife a um rodizio uma troca e ele junto com mais dois e três

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colegas fazem a as limpezas das salas diariamente e deixa-as organizadas para o

turno seguinte. (DIRETOR CTPM VII) (Grifos nossos).

Podemos inferir que os xerifes têm, portanto, a função de representar a hierarquia

entre os iguais, enquanto subordinados. Desta forma, os xerifes funcionam como militares

entre os próprios estudantes.

De acordo com o PPP (2018, p. 22) “[...] a limpeza das salas escola acontece com o

auxílio dos alunos”. Então, no término das aulas, o xerife de turma seleciona seus ajudantes

do dia para limpar a sala de aula, ação que estimula os alunos a não jogarem sujeira no chão,

pois são eles que limpam. Oliveira e Silva (2016, p. 25) discorrem sobre funções

semelhantes:

Esse chefe de turma tem que fazer as chamadas da sala, o chefe de turma é

responsável por toda a sala, como se fosse um militar. E, antes do professor começar

a aula, ele vai fazer os outros alunos entrarem em formação. Ele vai apresentar a

turma para o professor. Ele vai ficar na frente da sala, vai bater continência para o

professor, ficar em posição de “sentido”, vai mandar a sala “descansar” e alternar

entre “sentido” e “descansar” até a sala inteira estar sincronizada, quando a sala

inteira estiver sincronizada neste movimento, depois disso o chefe de turma bate

continência novamente para o professor, fala ao professor quantos alunos tem na

sala, quantos alunos faltaram e quantos alunos deveria haver no total em sala. Esta é

a última fala dele. Então ele senta e a aula prossegue. Isso toma em torno de uns dez

minutos de aula para acontecer.

A figura do xerife, portanto, é parte do controle ideológico, pois inflama no peito a

ideia militar de repressão, extingue a consciência de classe e transforma seus companheiros de

turma em inferiores. Trata-se não de respeito, não de ordem e sim de ordenamento, de medo.

A professora 3 corrobora o pensamento de Oliveira e Silva (2018) ao exemplificar

as ações dos xerifes: “‘atenção 7º ano A. Todo mundo em pé! Sentido!’ Aí faz tipo o que eles

fazem no pátio. Dizem, na teoria, que um dia vai ter um trabalho disciplinar, responsável pelo

comportamento, responsável por qualquer coisa” (PROFESSORA 3).

Além do controle dos alunos a partir dos xerifes, há também o controle ideológico-

político, como já citado, a partir dos rituais cívicos, baseados nas saudações aos símbolos

nacionais instituídos com a república. Nesses momentos, os alunos são ordenados em filas e

obrigados a saudar a bandeira, entoando hinos. Conforme as palavras do diretor,

O ritual nós chamamos de formaturas. Trabalhamos como ritual. Tudo acontece com

formaturas matinais formaturas diárias, o aluno ao chegar na escola ele chega 15

(quinze minutos) até trinta minutos antes de começar a aula tendo a tolerância para

entrar em forma. Ele entrando em forma é verificado a apresentação individual.

Antes dele entrar na escola ele é abordado por um policial. Ele presta sua

continência como referência de bom dia e deixa seu material na sala ou leva consigo

e entra em forma. Nesse momento é feita a preleção, dadas as informações

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necessárias para esses alunos, logo em seguida é cantado o hino nacional, hino dos

céus de Rondônia, ou alguma canção para treinamento (DIRETOR CTPM VII).

Percebemos que a chamada formatura é um mecanismo para implantar

primeiramente a disciplina e, logo, inculcar nos estudantes os valores dominantes.

Nesse cenário, Lima (2018, p. 12) adverte que

Colégios que empregam o poder real e simbólico da farda para instaurar a

“disciplina” e a “ordem” nas escolas são contraditórios a uma concepção de

educação que tem como concepção a formação de cidadãos autônomos, críticos e

livres de toda forma de dominação.

A Figura 1, a seguir, registra um momento de uma solenidade de formatura:

Figura 1 – Formatura

Fonte: Fotos da internet3

A educação pautada na reprodução dos rituais de civismo tem como intuito imergir

os jovens e crianças nos valores dominantes do Brasil, como expressa a Secretária de

Educação: “Entende que a diferença é essa? Uma base cívica, o respeito com os colegas, com

os professores, diante dos mestres, quando chega qualquer um em sala, eles levantam em

questão ao respeito. Para cantar o hino, não se vê gracejo”. Como revela Santos (2016, p. 65):

3 Disponível em: http://www.rondonia.ro.gov.br/formacao-da-unidade-vii-do-colegio-tiradentes-em- porto-

velho

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As ideias de hierarquia, disciplina e civismo justificaram o golpe e fizeram os

militares permanecerem no governo. Essas escolas mostram um sistema educacional

não comprometido em proporcionar sujeitos autônomos, reflexivos e de consciência

democrática.

Dessa forma, fica explícito como os valores defendidos pela militarização funcionam

em defesa dos valores burgueses e da condição de dominação.

Fora isto, encontramos outro motivo para o controle a que são acometidos professores

e alunos: para cumprir o que foi prometido, os militares demonstram arbitrariedade contra os

professores, exigindo carga horária de trabalho exagerada para melhor desempenho e,

segundo a Professora 3, a proibição de reprovar alunos para maquiar o desempenho da

avaliação externa. A referida professora relatou que:

[...] houve um ponto facultativo e minha prova era na segunda, onde minha prova

passou para terça, ele queria que entregasse as notas na reunião para pais [...] na

quinta feira, que isso na antiga escola nunca houve numa quinta-feira entrega de

notas, a reunião de pais era nos sábados [...]. Ele pediu para as orientadoras me

ajudarem na correção das provas [...]. Aí eu cheguei na sala da orientação as provas

estavam lá [...] peguei as provas que ainda faltavam lançar notas. Eu terminei

fazendo o trabalho sozinha. [...]. Ao invés de ser reconhecida por ter conseguido,

homem chega e vem com uma notificação dessas [...] por que na quinta feira sair

daqui as 17h:30min. Eu não conseguia me mexer mais. [...]. Na outra semana o

homem chega com a notificação que eu tinha errado demais, descumprimentos de

normas [...]. Essa notificação foi digamos assim, quando fui lá que ele me entregou

[...], mas isso aqui foi o papel que diz assim: você tem que sair daqui, se ele vier

fazer outra notificação, eu não vou mais responder. Primeiro eu não respondo, ele

pode fazer quantas ele quiser. Vai acontecer comigo o quê? (PROFESSORA 3).

A professora relata o abuso de poder da gestão que, por uma decisão autoritária,

marcou a entrega de notas para dois dias após a realização de avaliação da sua disciplina.

Diante da sobrecarga de trabalho, levando a professora a exaustão, esta não pôde

estar presente na reunião de pais, o que caracterizou descumprimento da ordem e foi

notificada pelo gestor. Aferimos a afirmação da professora e reproduzimos a notificação, que

se encontra em anexo, assinada pelo diretor geral do CTPM VII. Diante do depoimento da

professora, deduzimos que estamos em um cenário de contradições, pois a escola responsável

em formar cidadãos críticos, participativos, reflexivos e autônomos, agora gerida por

militares, denominada escola militarizada, contribui para formar indivíduos subservientes.

Com referência ao corpo discente, o regulamento deixa claro que não existe espaço

para participação. Não há discussões sobre os rumos da aprendizagem, nem mecanismos de

possibilidade de interação e discussão sobre os problemas internos, cabendo-lhes apenas

seguir as normas e regras pré-estabelecidas e transmitidas do alto escalão.

Portanto, este é o modelo da gestão da escola militarizada, a “gestão compartilhada”,

segundo as palavras do diretor. Concebemos que esta é uma forma de gerenciamento

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incompatível com os princípios legais da escola pública, que prevê a gestão democrática, a

igualdade de condições de acesso e permanência na escola, pautada no pluralismo de ideias e

concepções pedagógicas.

3.5 “Derrotamos o governador”: a resistência popular contra a militarização das

escolas em Porto Velho

O processo de militarização das escolas públicas em Rondônia ocorreu de forma

aligeirada e, de acordo com os gestores e professores da Escola Capitão Cláudio Manoel da

Costa, foi um processo sem transparência, em que professores e gestores foram submetidos a

situação às cegas sobre que estava a acontecer. Dessa maneira, quando se soube que a escola

seria de fato militarizada, a saída foi a resistência.

As manifestações contra os CPM intensificou-se a partir de julho de 2017, período

no qual foram registradas lutas contra a implantação da militarização. A organização popular

resistente da Escola Capitão Cláudio Manoel da Costa iniciou antes mesmo da publicação do

Decreto de militarização desta escola, tendo origem na notícia de que dez escolas seriam

militarizadas em Rondônia e que entre as dez estava a escola Capitão Cláudio. Vejamos o que

diz o professor 10, dessa escola, entrevistado por nós:

O processo de organização contra a implantação do Colégio Tiradentes da Policia

Militar – Unidade VI na Escola Capitão Cláudio ela se deu desde 2016 após o

governo ter informado que dez escolas de Porto Velho seriam militarizadas. No

entanto, de 2016 até meados de 2017 a gente não estava preocupado com nada, por

que não tinha tido audiência, reuniões e nenhum procedimento cabível de

informação à comunidade, então deixamos quieto, porém em meados de 2017 surgiu

a bomba a escola seria militarizada da noite para o dia sem ter o consentimento, sem

reuniões, sem nenhum procedimento legal para aceitação ou não da militarização

(PROFESSOR 10).

Assim, o processo foi feito às sombras, sem diálogo, de forma autoritária: a opinião

da comunidade escolar foi desconsiderada. O professor 5 também explica que:

Primeiro, eles colocam a questão da militarização como solução para a educação

quando a gente sabe que os militares na verdade estão fazendo renascer uma

doutrina, uma ideologia do século XIX [...] Os caras estão querendo implantar,

ideias positivistas na educação Brasileira, porque os militares são adeptos da

doutrina positivista desde da época da Proclamação da República, então esse

projeto é pra atender interesses de militares que fazem parte do eleitorado do

deputado que sugeriu a criação dessas escolas. É algo totalmente político é algo que

não estar de acordo com a Lei de Diretrizes Bases da Educação Brasileira de 1996.

A própria questão do Conselho Estadual de Educação reconhece que a militarização

das escolas do jeito que está sendo feito é inconstitucional, contra a Lei maior do

País que é a LDB (PROFESSOR 5).

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O professor 5 reconhece que os ideais positivistas estiveram aliados ao caráter militar

e demonstra, em sua opinião, que a militarização é a continuação de um processo de

fascistização da sociedade, além de ser, para os professores, uma forma de repressão.

Para a professora 8, a militarização da escola é uma intervenção militar:

O que é uma militarização da Escola? É uma intervenção militar dentro da escola, é

uma espécie de intervenção, e todas as intervenções elas são feita a força, nós

vivemos em um ambiente democrático, vivemos em um país democrático, nós

queremos que nossos alunos abram as mentes para entender o que é a droga nós não

queremos repressão a droga, nós queremos trabalhar os alunos para entender as suas

famílias, para entender o que faz a droga, como a droga prejudica, um trabalho que

um civil pode fazer, que um diretor competente que uma equipe competente pode

fazer, mas que o Estado não investe o Estado prefere angariar militares, pegar votos

de militares, pagar militares, que já ganham bem, do que investir em escolas

propriamente ditas e na formação do cidadão como uma pessoa cheia de

diversidades, você canalizar a ideia para a militarização e você tolher o pensamento

crítico e é você tolher a sociedade e a comunidade escolar. (PROFESSORA 8).

Para essa professora, a militarização é ineficiente frente aos problemas pedagógicos,

isso porque os militares não possuem ferramentas, senão armas, e práticas, senão autoritárias,

para lidar com a violência e a insegurança dentro das escolas.

De volta ao processo da militarização na Escola Capitão Cláudio Manoel da Costa, o

professor 10 cita o Decreto nº 21977, de 23 de maio de 2017, que discorre sobre a

militarização da escola. Todavia, segundo o mesmo professor, reuniões vinham acontecendo

na Assembleia Legislativa de Rondônia, sem convocação da comunidade escolar. Segundo o

professor 10,

Um dos responsáveis por deixar a escola Capitão Cláudio à deriva, como um navio à

deriva, foi a Comissão de Educação da Assembleia Legislativa do Estado de

Rondônia, onde quem estava à frente era o deputado Anderson do SINGEPERON,

onde seus subordinados não informaram sobre as audiências públicas que estavam

ocorrendo na Assembleia a respeito da militarização das escolas, ou seja, as pautas

estavam sendo feitas na surdina, sem sequer vir aqui na escola Capitão Cláudio

(PROFESSOR 10)

O professor 10 utiliza o termo “na surdina” para explicitar a forma com que a

militarização se impôs aos pais, alunos e professores. As reuniões a que o professor se refere

foram realizadas pelo Conselho Estadual de Educação e, em uma das ocasiões, contou com

representantes do SINTERO. É marcante em uma destas reuniões o posicionamento do

deputado autor da Lei, Jesuíno Boabaid:

O deputado Jesuíno Boabaid (PMN) afirmou que há lista de espera com mais de mil

pais na Escola Tiradentes. “Se fosse ruim a escola não teria tanta gente aguardando

vaga. No entanto, são poucas escolas que foram militarizadas. Quem é contra que

busque outra de ensino tradicional”, disse (Grifos nossos).

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O deputado colocou de forma muito objetiva e grosseira sua opinião quanto aos

críticos da militarização. Para esse parlamentar, não importa que a comunidade tenha o direito

garantido de opinar, criticar e lutar contra um processo que afeta suas rotinas e vida escolar.

Para ele, o importante é que o processo aconteça, impondo esta decisão.

Na visão do professor 5, o interesse nunca foi apoiar a comunidade, pois, após as

críticas da comunidade à militarização, os fardados não deram mais as vistas na escola:

Eles estavam direto antes da militarização Quando a comunidade reagiu, quando se

abriu os olhos eles fugiram, esqueceram, “ah, não querem que a gente dirija, não

quer que a gente seja diretor, não quer que a gente fique a frente então vamos sair

fora” (PROFESSOR 5).

Segundo o professor 5, o interesse dos militares era possuir poder sobre a escola e a

comunidade local. O professor ainda afirma que o projeto é eleitoreiro, pois “o interesse é

puramente pegar os militares da reserva que já tem um salário bom e colocar eles, porque eles

vão ser cabo eleitoral do cidadão, do nosso deputado que por sua vez também não gosta nada

de disciplina”.

Logo, por ser notório o autoritarismo, atenuou-se o processo de resistência na escola

Capitão Cláudio, a fim de zelar pela democracia dentro da escola. Soube-se das reuniões e,

naquele momento, optou-se pela participação nessas assembleias. O professor 5, em contato

com pessoas da Universidade Federal de Rondônia (UNIR), conseguiu a pauta da reunião da

Comissão de Educação da Assembleia Legislativa do Estado de Rondônia. A esse respeito, o

professor assim se pronunciou:

Com a pauta da reunião da comissão de educação da assembleia em mãos o que fiz?

Comuniquei ao Manoelzinho do SINTERO para ver o que a gente poderia fazer para

levar o máximo de pessoas a esta reunião. Em contato com essas pessoas, isto era

nove e meia da manhã, a reunião seria às duas e meia da tarde, tivemos pouco menos

de quatro horas para organizar tudo. O SINTERO entrou com o ônibus e o pessoal

da sua diretoria e da escola Capitão Cláudio fizemos uma reunião com todos os

alunos do turno da tarde, com os professores, com os funcionários para que quem

fosse contra esse ato de militarização que fosse conosco debater isso lá, lembrando

que em nenhum momento a Assembleia convidou a escola a se fazer presente

(PROFESSOR 5).

Participar da reunião significava demonstrar que a escola Capitão Cláudio não estava

cega, que a comunidade tinha consciência da situação e não se calaria. A resistência da escola

Capitão Cláudio se deu de forma consensual, mas, mesmo assim, a caravana contou com

alunos que eram pró-militarização, como o próprio professor 5 relatou: “Durante a ida tiveram

alunos que eram a favor da militarização que quiseram se fazer presente, deixamos ir e tudo

mais, pois é um direito”. A reunião prosseguiu durante todo o tempo proposto. Segundo os

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relatos do professor 5, a reunião contou com vaias e gritos em protesto contra a militarização

da escola da forma com que ocorreu.

Outro momento marcante do processo de resistência da comunidade da escola

Capitão Cláudio foi durante e após uma consulta pública realizada no dia 14 de julho de 2017,

dentro dos muros da escola, onde se reuniu população, representantes da Assembleia

Legislativa, entre eles o deputado autor do projeto, representantes de sindicato e militares,

diversos fardados. A assembleia foi truculenta do início ao fim. A Figuras 2, 3 e 4, a seguir,

mostram registros dessa assembleia:

Figura 2 – Assembleia na quadra da escola Capitão Claudio Manoel da Costa

Fonte: Fotos da internet4

4 Disponível em: https://www.aloestudantil.com.br%2Fincidente-reuniao-sobre- militarizacao-na-escola-capitao-

claudio-termina-por-causa-de-spray-de-

pimenta%2F&psig=AOvVaw0GPKgQ0bu_kKltJ5vm4jEg&ust=1555969224527987) acesso: janeiro de 2019

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Figura 3 – Assembleia na quadra da escola Capitão Claudio Manoel da Costa (2)

Fonte: Foto da internet5

Figura 4 – Assembleia na quadra da escola Capitão Claudio Manoel da Costa (3)

Fonte: Fotos da internet6

Em todos os momentos que os defensores da militarização tomavam para si a fala, em

uma luta antifascista, os resistentes vaiavam e gritavam em manifestação. Durante todo o tempo

5Disponível em: https://www.tudorondonia.com/noticias/reuniao-para-militarizar-escola-na-capital-termina-em-

spray-de-pimenta-na-cara-de-professores-pais-alunos-e-sindicalistas-video,3432.shtml. Acesso: janeiro de 2019. 6 Disponível em: http://www.sintero.org.br/noticias/geral/sintero-exige-apuracao-do-uso-de-gas-de-pimenta-por-

pm-em-reuniao-de-escola/846. Acesso: janeiro de 2019.

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a reunião mostrou um debate acirrado. É relevante salientarmos que essa reunião foi marcada

durante o recesso escolar, momento em que professores e alunos estavam em férias, o que não

impediu uma massiva participação. O professor 10 nos conta como aconteceu a assembleia que

ocorreu no dia 14 de julho de 2017:

[..] no dia 14 de julho, os professores estavam de férias[..] só ficamos sabemos desse

decreto, pela internet, que já estava militarizada, só que nos reunimos antes e

dissemos que ninguém ia aceitar, dia 14 de julho, o diretor começou a ligar e dizer,

tão querendo militarizar, vão vim agora em agosto quando vocês chegar,

começamos a nos reunir novamente com comunidade, sindicato, ninguém aceitou, a

própria comunidade, apareceu um ou dois pais que eram a favor, mas o restante

nenhum queria (PROFESSOR 10).

Se, desde o início, os que lutavam pela militarização deixaram de lado o diálogo com

a população, neste momento buscou-se, a todo custo, ludibriar a comunidade, usando da

mesma justificativa de sempre: que a escola estava abandonada, corria o risco de ser tomada

por bandidos, etc. Porém, do outro lado a população se contrapunha afirmando que o

abandono foi progressivo e intencional e que entregar a escola nas mãos dos militares não era

a solução. Vejamos o relato do professor 5:

O deputado Jesuíno Boabaid, marcou essa reunião pública logo no recesso escolar. E

outra, a reunião pública só se fez para o turno da noite, e o que a gente gostaria que

fosse feito era turno da manhã fazendo a sua, turno da tarde fazendo a sua e turno da

noite a sua. Como a gente já conhece nosso alunado e os pais dos alunos, durante o

recesso escolar é uma raridade eles virem para a escola. Então, a gente pensa que a

estratégia que ele fez foi para desmoralizar nós e fazer com que enfim a escola fosse

militarizada. Porém como a gente tem uma rede de contato muito grande com nossos

alunos e com os pais, convocamos os pais, convocamos todos os alunos para se

fazerem presentes na reunião. Tinha muita gente durante a reunião pública.

Infelizmente ela foi voltada mais para críticas, mais para agressões verbais do que

esclarecimentos sobre a militarização ou não da escola Capitão Cláudio.

Infelizmente o deputado Jesuíno ele não estava dando muita vez e voz para quem era

contra, mas sempre dando vez e voz para o pessoal que era a favor da militarização

(PROFESSOR 5).

Para o professor 5, essa reunião tratou-se de uma tentativa de condicionamento da

população à aceitação da militarização, além de tentativa de desmoralizar o ensino público,

em especial a escola Capitão Cláudio. Sob esse olhar, a reunião - que caminhou sobre gritos,

autoritarismo, resistência e luta - reservou um trágico fim à população: em uma obra fidedigna

da doutrina militar, ao fim da reunião, quando ocorreria o plebiscito para saber a opinião da

comunidade quanto à militarização da escola Capitão Cláudio, um policial provocou a

dispersão da comunidade com de spray de pimenta. Assim narrou a professora 8:

Foi quando aconteceu o spray de pimenta. Um policial, segundo informações, “sem

querer”, soltou um spray de pimenta. A partir daí foi aquela correria na escola

Capitão Cláudio, pessoas indo para a UPA, sendo medicadas, com dores de cabeça,

pessoas gritando... (PROFESSORA 8).

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Na internet, encontramos um vídeo no site You Tube, nomeado Parte II:

Militarização da Escola Estadual Capitão Claudio em Porto Velho7, gravado durante a

confusão. Esse vídeo corrobora a fala da professora. No vídeo, percebe-se que a Tenente

tomou para si o microfone e pediu ordem, enquanto tentava justificar o ocorrido. Ao mesmo

tempo, a comunidade, indignada, apontava os culpados e reclamava que a militarização não

era a solução. A respeito da reunião e desse incidente, o gestor da escola disse que havia um

contingente policial maior que o número de pessoas da comunidade:

A gente já fez um comunicado estudantil também para os pais informando do

horário da audiência e aguardamos a comunidade para tratar sobre essa questão.

Ocorre que houve um aparato gigantesco mais de policiais militares aqui na escola,

que eu acredito que se era uma audiência pública, virou uma audiência militar,

porque tinha mais policial do a comunidade, praticamente [...]. Tiveram várias

discussões, uns prós, outros a favor da militarização [...]. A questão do gás que

jogaram foi de maneira acidental por eles, mas que algumas das pessoas da

comunidade que estavam presentes viram quando o guarda propositalmente acionou

o dispositivo para que o gás fosse até uma certa pessoa da comunidade, então aí

ficou essa discussão toda que acabou indo até a delegacia (DIRETOR).

O diretor relata a ação truculenta que ocorreu durante a assembleia. Pela quantidade

de militares fardados presentes, mais parecia uma tentativa de coagir a população. É relevante

observarmos, no vídeo supracitado, o posicionamento dos que foram contra a militarização da

escola. Indignados, perguntavam por que haviam permitido a entrada dos PM na escola,

portando material que expunha a comunidade a risco, perguntando se na casa do Governador

eles também adentravam com gás de pimenta.

No dia 22 de agosto de 2017, a partir de um artigo publicado na internet, a OAB/RO,

a partir do posicionamento do advogado Walter Gustavo Lemos, posicionou-se contrária à

militarização das escolas, alegando inconstitucionalidade no processo e contrariedade ao

pluralismo de ideias:

Ao abordar estes preceitos e princípios de regência da educação, vê-se a necessidade

de esta ser a todo momento plural, dela ser um local de pluralidade e discussões de

ideias, debate, e é isso que não se permitirá ao estabelecer unicamente este modelo

de disciplina para as escolas estaduais, já que este não tem o objetivo de gerar a

discussão, o debate e as liberdades que o art. 206, II, da Constituição Federal, para

aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber. O inciso III

descreve ainda a necessidade de pluralismo de ideias e concepções pedagógicas, o

que também impede que o governo estadual proceda a militarização em suas escolas

como um todo. O que a Constituição não permite é o uso desta disciplina como o

único método de disciplina, como pretende o projeto de militarização das escolas

(REPRESENTANTE DA OAB).

O pluralismo de ideias se refere à disseminação do conhecimento e da opinião

diversa, sem medo da repressão por parte de superiores. Dentro de uma escola formadora de

7 Vídeo disponível no You tube no link : https://www.youtube.com/watch?v=9DXwR0i-nnM.

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cidadãos, não há espaço para o silenciamento dos que a compõem. No pensamento dos

professores, ao militarizar a escola, os militares quebram sua função de combate efetivo da

criminalidade e da violência. Decerto, esse posicionamento que corrobora a carta máxima

brasileira, a Constituição Federal de 1988, em seu Art. 144, § 5º, que preceitua: “Às

polícias militares cabem a polícia ostensiva e a preservação da ordem pública; aos corpos de

bombeiros militares, além das atribuições definidas em lei, incumbe a execução de atividades

de defesa civil”.

Nesse viés, apresentamos a fala da representante da Universidade Federal de

Rondônia na Audiência Pública ocorrida no dia 14 de agosto de 2017, que explica a

ilegalidade sobre a militarização, conforme o Art. 144, § 5º, da Constituição Federal:

Além da ilegalidade em relação à educação, há ainda a ilegalidade em relação a própria

função da PM. [...] As polícias militares cabem a polícia ostensiva e a preservação da

ordem pública; Mais nada! Não podem se ocupar da educação. É inconstitucional! O

papel da polícia é resguardar o cidadão, garantindo sua segurança, não podendo assim

assumir o encargo da educação. Educação é atribuição de professor

(REPRESENTANTE DA UNIR).

A educação nos moldes militares é arquitetada a partir do medo, como um reforço da

segurança pública. É uma educação construída a partir da visão negativa da adolescência,

tratando os jovens pobres como perigosos e ameaçadores. Tais discursos, difundidos amplamente

entre a população, não deixam transparecer os interesses políticos, econômicos e de visão de

mundo embutidos na cultura do medo. A realidade das crianças e jovens, filhos da classe

trabalhadora, é da falta do essencial, como saúde, alimentação e educação.

A professora 8 explica que as melhorias que sucedem a implantação da militarização

nas escolas estão associadas ao efetivo de militares nos arredores do colégio:

A militarização jamais será a solução. O problema dessa escola é a falta de pessoal a

falta de segurança. Se esta escola for militarizada vai mudar? Sim. Mas não é por

causa dos militares é por conta da segurança, é porque vai ter um corpo técnico

completo [...] A SEDUC disponibiliza esse corpo completo nas escolas

militarizadas, por que não disponibiliza aqui?

A intervenção dos militares na Escola Capitão Cláudio Manoel da Costa não surtiu

efeitos. A comunidade escolar e local uniram-se contra o governo. A resistência iniciou quando

rumores sobre a militarização da escola Capitão Cláudio Manoel da Costa chegaram até o

ambiente escolar pelo grupo de WhatsApp, como relataram os professores.

Observamos que era praticamente unânime entre a comunidade escolar a posição

contrária à militarização. Salientamos, também, a arbitrariedade com que ocorreu a militarização,

pois um Decreto fora baixado sem qualquer consulta e os professores só souberam do mesmo

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pela internet. Origina-se aí o processo de resistência na Escola Capitão Cláudio Manoel da

Costa, conforme depoimento do professor 6:

Ficamos sabendo de fontes confiáveis que chegou até a mim, através de grupos de

WhatsApp, neles diziam e falava que a escola iria militarizar. Fomos atrás para saber a

verdade. Foi quando descobrimos que realmente iria militarizar. Procuramos o

SINTERO começamos a mobilização já estruturada, e chegou aos ouvidos da SEDUC,

resolveram vim até aqui fazer uma reunião. Nosso ponto, nosso gancho para resistir a

militarização foi a não consulta. E quando eles ouviram que nós estávamos alegando

como iria acontecer um processo desse sem haver uma consulta a comunidade, uma

audiência pública. Foi quando imediatamente a SEDUC, resolveu fazer a audiência

pública às pressas, nas cochas. Foi assim que aconteceu essa audiência pública, se não

nem haveria audiência pública (PROFESSOR 6).

Ficou claro que o Estado sequer tinha preocupação de comunicar o fato à

comunidade escolar. Passou-se por cima de quaisquer opiniões de pessoas ligadas à

comunidade escolar, fossem elas a favor ou contra. Isto demonstra que a militarização nunca

teve interesses claros. Seus interesses eram mais obscuros que os revelados, caso contrário, a

militarização nunca teria ocorrido de forma aligeirada e sem diálogo.

Sentiram-se, os professores, na obrigação da luta, da união em favor da escola. Foi

então que se iniciou o processo de resistência. Os professores mobilizaram-se sem cessar em

prol da população. Assim relatou um dos professores: “[...] Mobilizamos SINTERO, o Sérgio

mobilizou professores da UNIR, o Conselho de Educação que se manifestou contra a OAB

manifestou-se contra, ou seja, toda população é contra” (PROFESSOR 9). Foi contra a

fascistização que a comunidade se reuniu em prol da democracia na escola Capitão Cláudio.

Observemos, então, o relato do professor 6:

Essa resistência é do nosso corpo docente, estritamente seleto e politizado. Somos

nós muito unidos e politizados. Hoje escolhemos o diretor, o processo democrático

da escolha do diretor. Inclusive hoje mudou o nome. Consulta popular [..]. Então

fazemos essa consulta para escolher nosso diretor. E como é que vamos escolher

quem deve nos gerir sendo colégio militar? Vamos poder ir na PM escolher o nome,

estudar a vida de alguém que vai gerir a escola? Claro que não. Eles não fazem isso

nem quando são promovidos. O soldado não escolhe nem quem vai ser chefe do

Batalhão [...] (PROFESSOR 6).

O relato é uma contextualização da gestão democrática e um desenho, em tom

didático, de como a militarização está associada ao seu fim. O professor 6, indignado,

questiona a respeito da liberdade de manifestação inexistente entre os militares: “É essa a

formação que queremos dar a nossa juventude? De ser tolhida a liberdade da crítica? Tolhida

a liberdade mais preciosa que é a liberdade da opinião da discordância?”.

Ao analisarmos a entrevista do professor 6, acima, e da professora 8, a seguir,

encontramos que a principal queixa é a forma com que a militarização está ligada ao controle

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ideológico de professores e alunos. Os dois concordam que a militarização forma pessoas

obedientes e silenciosas. A professora 8 assim se manifestou:

Você canalizar a ideia para a militarização é você tolher o pensamento crítico e é

você tolher a sociedade e a comunidade escolar [...] nós professores temos

conhecimentos e base[...] os alunos terão que obedecer às ordens. Eles vão ter que

ser direcionados a fazer o que as pessoas querem, no regimento que querem. Eles

vão ser soldadinhos de chumbo (PROFESSORA 8).

A professora 8 compara os alunos que a escola militar forma a soldadinhos de

chumbo, obedientes e “civilizados”, que não questionam, não protestam, não lutam. Para os

dois professores, os Colégios Militares formam pessoas dispostas a aceitar qualquer tomada

de decisão.

As opiniões fortes também se relacionam à Educação de Jovens e adultos, que

inexiste no Colégio Militar, como é visível no relato do professor 6:

Aquela estrutura do colégio militar fica ociosa à noite. Aqueles moradores que estão

no entorno se deslocam para bem longe para poder estudar o supletivo[..]. A

proposta é que o supletivo seja extinguido gradualmente. “[...]. Isso é um crime, para

onde vão esses alunos que trabalham [...], eles vão para onde? [...] isso é uma

maldade só pode ter algo de muito ruim atrás disso[..] que crueldade é essa com as

pessoas pobres? Essa é uma das maiores críticas a este projeto [..] (PROFESSOR 6).

Houve, para o diretor, uma tentativa de enfraquecer o movimento que ia de encontro

aos interesses da militarização. Segundo o gestor:

[...] Recebi um convite do governador, que ele queria conversar com a gente. Se

fosse o problema do cargo, salário, a resistência, nos colocariam, diretor e vice-

diretor, em outro cargo. Só que a nossa intenção não é essa, nossa intenção é a

luta. Eu poderia muito bem pegar um cargo lá e amanhã quando ele sair o

governador que entrar me mandava embora e eu entreguei minha escola, trai

minha comunidade, entendeu? Não de jeito nenhum, estamos num barco e

vamos ficar até o final, nós não podemos ficar à deriva nós temos que ter um lance,

um objetivo, que é a não militarização da Escola Capitão Cláudio (Grifos nossos).

O diretor relata a tentativa do governador em comprar os interesses seu e de seu vice

em prol de enfraquecer a resistência. O diretor e o vice, entretanto, discordaram de um novo

cargo e afirmam que não se trata e nunca se tratou de salário, ou de querer algo mais. Trata-se

de justiça. De democracia. É sobre não abandonar sua comunidade.

A resistência tem, em sua essência, um tom de luta pela liberdade e pela democracia

da escola. É uma luta popular. A militarização obstruiu a justiça, ocorreu de forma ilegal,

pensando que podia deter a força popular, mas deparou-se com uma comunidade escolar

política e atuante. Um dos professores assim comemora o triunfo: “Derrotamos o governador,

isso não é para qualquer um, não. Isso fica na história [...]”.

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O processo de intervenção militar na Escola Capital Claudio Manuel da Costa foi

interrompido, demonstrando que o único caminho possível para barrar esses projetos fascistas

na educação é a luta popular.

4 EDUCAÇÃO MILITAR PARA QUÊ?

As políticas educacionais para a educação são representadas pelo controle do

aparelho educacional e pelos organismos imperialistas internacionais (SOUZA, 2014). De

acordo com a autora, as políticas educacionais são processos de dominação e controle,

elaborados por meio da legislação e formulados para atender aos interesses do imperialismo e

da grande burguesia brasileira. Segundo Saviani (2008), “a política educacional diz respeito

às decisões que o Poder Público, isto é, o Estado, toma em relação à educação”.

As políticas para a educação, portanto, são atos do Estado que se norteiam

basicamente para formação de uma estrutura educacional que seja o veículo de efetivação das

exigências do modo de produção capitalista. Para Germano (1993, p. 101), a política

educacional tem como objetivo:

[...] essencialmente, à reprodução da força de trabalho (mediante a escolarização e

qualificação); à formação dos intelectuais (em diferentes níveis); à disseminação da

“concepção de mundo” dominante (com vistas a contribuir pra a legitimação do

sistema político e da sociedade estabelecida); à substituição de tarefas afetas a outras

atividades sociais, cujas funções foram prejudicadas pelo desenvolvimento

capitalista (como, por exemplo: a adoção de creches como forma de possibilitar a

permanência no mercado da força de trabalho feminina), além da evidente regulação

dos requisitos necessários ao funcionamento do sistema educacional.

A força de trabalho é fundamental para manter o Estado capitalista. A política

educacional transmuda um mecanismo político de coerção e dominação das classes

trabalhadoras. As pedagogias liberais pós-modernas neoprodutivistas (escolanovista e

tecnicista) buscam adestrar e explorar a força de trabalho das classes economicamente

desfavorecidas e, de modo simultâneo, realçam as desigualdades sociais e privilegiam os

detentores do poder.

É nesse contexto que também se faz vigente a realidade da educação militar.

Conquanto a escola seja pública e tenha seu exercício e normas ordenadas pelo Estado,

Ludwig (1998, p. 7-8) esclarece que:

[...] a posição assumida é de que a escola - seja civil ou militar - é uma instituição

política por excelência. Ela é politicamente determinada, seu processo educativo é

político e seus resultados também são políticos. Assim, ela exprime as relações de

força vigente na sociedade.

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A educação militar é delimitada a educar seus estudantes com extremo rigor. Esses

educandos representarão uma massa apática e igualar na sociedade, cidadãos acríticos e

despolitizados: “[...] uma classe dominada, historicamente espoliada” (LUDWIG, 1998). Por

consequência, a educação militar coadjuva para a perpetuidade da burguesia, enquanto classe

dominante, autoritária e nacionalmente servil aos ditames capitalistas, que se distancia cada

vez mais da concretização plena da democracia.

Sem uma educação participativa, humana e emancipatória não há como se ter

consciência da verdadeira realidade brasileira, o que impossibilita um debate público

autônomo, que pese nas decisões governamentais e seja capaz de mudar a sociedade, pois, de

acordo com Teixeira (1956, p. 6), “[a] escola somente de informação e de disciplina imposta,

como a dos quartéis, pode adestrar e ensinar, mas não educa”.

De acordo com Ludwig (1998),

a educação militar é baseada nas teorias educacionais produtivistas de cunho

estruturalista que defende os grupos privilegiados. O termo militar atrelado à

educação desperta interesses particulares. No dicionário encontram-se as seguintes

definições para o termo: “militar adj. 1. Que diz respeito às forças armadas, aos

soldados: arte militar, meio militar. 2. Carreira militar, carreira das armas. 3.

Hierarquia militar, ordem de subordinação entre os diferentes postos e graduações.

S.M. aquele que integra as forças armadas, possuindo autorização para o ‘uso

legítimo da força (LUDWIG, 1999)

Essa confluência entre educação e força militar está pautada na Lei de Diretrizes e

Bases da Educação (LDB/1996), que rege, em seu Art. 83, que “[o] ensino militar é regulado

em lei específica, admitida a equivalência de estudos, de acordo com as normas fixadas pelos

sistemas de ensino” (BRASIL, 1996).

O Ensino Militar possui consonância e amparo legal fundamentados na LDB/1996,

que cria e gerencia sua política pedagógica de forma autônoma. Essa autonomia se

sobrexcede em relação a outras instituições escolares. Para Ludwig (1998), “a educação

militar é semelhante às escolas castrenses8, que exprimem as relações de poder existentes no

contexto social”. Essas instituições castrenses eram embasadas na disciplina e na escala

hierárquica, concretizando uma administração estrutural-funcionalista, com uma gestão

burocrática que obedece à relação de verticalidade (LIMA, 2018).

8 “Nas escolas castrenses, o processo ensino-aprendizagem da oficialidade brasileira, das três armas, está voltado

para a tarefa de forjar um tipo de profissional, o aplicador da violência” (LUDWIG, 1995, p. 8).

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Para Ludwig (1998), é inegável afirmar que o processo pedagógico é político. Afinal

sua finalidade é formar sujeitos subjugados e submissos, mão de obra barata para suprir as

demandas capitalistas da sociedade. Segundo o autor,

O produto que sai dessas escolas, o educando formado, tenderá a exercer um tipo

de cidadania caracterizado por um baixo nível de participação, por uma aceitação

relativamente passiva das decisões emanadas das autoridades constituídas,

algumas vezes ilegais e ilegítimas, e por uma capacidade admirável para suportar

as frustrações decorrentes de uma vida em sociedade marcada pela desigualdade e

injustiça (LUDWIG, 1998, p. 8).

Nesse seguimento, Ludiwig (1998) afirma que as práticas metodológicas dos

Colégios Militares estão embasadas nas teorias educacionais de reprodução. Ludwig (1998)

esclarece que ordem e disciplina eram o sustentáculo do ensino proposto pelos militares. Nas

palavras do autor,

Uma dessas teorias afirma, por exemplo, que a escola se comporta como uma

unidade fabril, pois o processo educativo que se desenvolve em seu interior pode ser

visto como um modo de produção que abrange professores e alunos, e cujo

conhecimento é considerado simultaneamente capital e propriedade privada. Essa

teoria, cujo autor é M. Sarup, dá a entender que a escola ao proporcionar ao aluno

uma vivência numa situação econômica simulada o predispõe às exigências do

capitalismo (LUDWIG, 1998, p. 25).

A escola reprodutora atrela-se ao ponto básico que a instituição escolar, enquanto

instituição social, tem como objetivo: preparar a mente e o modo de proceder dos indivíduos

para que eles respondam às exigências do modo de produção, ou seja, a serviço do

capitalismo.

Esteada em princípios autoritários e hierárquicos, a educação militar totaliza-se por

docilizar os alunos, tornando-os similares, úteis, subservientes e “educados”, projetando

maior preparação produtiva e a formação de sujeitos passivos para a acumulação do capital e

convivência social, contrariando uma educação emancipadora e autônoma, capaz de formar

cidadãos conscientes e críticos das responsabilidades sociais.

4.1 O avanço do processo de fascistização da sociedade como medida de segurança no

contexto da crise do capitalismo em sua fase imperialista

É importante esclarecermos que, em essência, a militarização não é negativa, mas

depende dos objetivos que a orientam. No capitalismo, ela tem a função de alienar, adestrar e

silenciar os trabalhadores para que não se rebelem contra a opressão a que são submetidos,

como já discutimos nesse trabalho.

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A militarização da educação no modo de produção socialista deve ser um

instrumento para libertar o proletariado e construir uma sociedade sem classes. Uma

militarização para formar revolucionários da classe trabalhadora foi defendida por Marx e

Engels (2011):

Por educação entendemos três coisas: Primeiramente: Educação mental. Segundo:

Educação física, tal como é dada em escolas de ginástica e pelo exercício militar.

Terceiro: Instrução tecnológica, que transmite os princípios gerais de todos os

processos de produção e, simultaneamente, inicia a criança e o jovem no uso prático

e manejo dos instrumentos elementares de todos os ofícios (MAX E ENGELS,

2011, p. 85)

Quando Marx e Engels falam de preparo físico militar, estão falando da formação de

unidade e disciplina do coletivo para defender a sociedade socialista. Somente esse tipo de

militarização serve aos trabalhadores: para formar revolucionários, com ideologia proletária,

com o objetivo de construir o socialismo, ininterruptamente, até o comunismo.

O modo de produção capitalista em crise aguda e insuperável busca estratégias para

prolongar sua existência por meio do processo de fascistização do Estado, que tem se

expressado em vários países do mundo. No Brasil, esse fenômeno tem se apresentado pela

ascensão da extrema direita, que encontrou terreno fértil para florescer nos últimos anos.

A militarização de escolas, como está sendo realizada no Brasil, é parte do processo

de fascistização do Estado e do golpe contrarrevolucionário preventivo em curso. É uma

medida de segurança para conter a rebelião das massas trabalhadoras, diante da sistemática e

crescente exploração do trabalho, dos cortes de direitos, da repressão da polícia e das Forças

Armadas contra os mais pobres, trabalhadores do campo e da cidade, e da mais profunda

exclusão social no contexto da crise do capitalismo.

O governo de Bolsonaro, sob o comando das Forças Armadas, chegou ao ápice de

transformar o projeto de militarização que ocorria por meio de Leis específicas nos Estados,

numa política pública ampla para todo o país, inclusive constando da própria estrutura do

MEC. No primeiro dia do Governo Bolsonaro, por meio do Decreto Federal n° 9.665, de 2 de

janeiro de 2019, no Ministério da Educação, foi criada a Subsecretaria de Fomento às Escolas

Cívico-Militares (SECIM), tendo como um dos objetivos “resgatar a disciplina e a

organização, principalmente nas escolas públicas de maior vulnerabilidade social”.

Conforme informações no site do Ministério da Educação, o projeto SECIM será

implantado por adesão dos municípios e dos estados. A Subsecretaria é composta por

militares, como a maioria da equipe desse governo. Conforme a coordenadora dessa

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Subsecretaria, Márcia Amarílio, tenente-coronel do Corpo de Bombeiros Militar do Distrito

Federal, os conteúdos dessa escola devem servir aos propósitos de uma educação cívica:

O conteúdo que é aplicado a essas escolas cívico-militares são voltadas ao civismo,

ao patriotismo, à hierarquia, à disciplina, à ordem unida, ou seja, mostram como

pensar no coletivo”, destaca a subsecretária. Acreditamos que esse modelo, o de

educar com esses valores, civismo, patriotismo, faz com que o cidadão passe a ter

consciência do seu papel dentro da sociedade. E é isso que faz mudar uma nação

(MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO, 2019, p. 1).

Essa concepção de educação está muito próxima dos princípios do fascismo. O

fascismo é um regime autoritário que teve origem na Itália. Fascio é uma palavra italiana que

remete ao significado de aliança ou federação. Para Hobsbawm (1995, p. 119), “[...]. A

origem do fascismo tem cunho de movimento político fundado pelo Benito Mussolini nos

anos de 1919 a princípio era composto por unidades de combate (faz di combattimento)”.

Em 1921, o fascismo foi apresentado como partido político que defendia uma ideia

política organizada. Esse partido impunha o fascismo por meio da força e manobras políticas.

A palavra “fascista” é empregada para aludir a uma doutrina política com princípios

autoritários, anticomunistas e antiparlamentares, que defende a exclusiva autossuficiência do

Estado e suas razões. É relevante explicitar que o fascismo é um movimento antiliberal, que

atua contra as liberdades individuas. Reich (1988) assim o descreve:

[...] o "fascismo" não é mais do que a expressão politicamente organizada da

estrutura do caráter do homem médio, uma estrutura que não é o apanágio de

determinadas raças ou nações, ou de determinados partidos, mas que é geral e

internacional. Neste sentido caraterial, o "fascismo" é a atitude emocional básica do

homem oprimido da civilização autoritária da máquina, com sua maneira mística e

mecanicista de encarar a vida. É o caráter mecanicista e místico do homem moderno

que cria os partidos fascistas, e não vice-versa (REICH, 1988, p.11).

Ideias políticas de natureza eugênica, violenta e autoritária foram marcos do século

XX, com ênfase para a Alemanha Nazista e para a Itália Fascista. Outros países europeus

apresentavam extensões de regimes dessa natureza. Os EUA, apesar da segunda grande

guerra, não vinham a ser necessariamente uma antítese desses regimes. A eugenia, a violência

contra os negros, ganhou proporções tão explícitas nesse país que não se pode negá-lo no

quadro dessas ideias políticas.

Um dos mais proeminentes desdobramentos do fascismo no Brasil, no século XX, se

deu sob o comando de Plínio Salgado, na forma da Ação Integralista Brasileira (AIB), cujas

intenções culturais e educacionais logo deram lugar ao papel iminentemente violento de um

movimento que combina cristianismo e fascismo num projeto de nação (CAVALARI, 1999).

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É importante destacarmos, a partir de Souza (2014) e Silveira (2016), que, mesmo

em caráter de oposição ao Integralismo, o governo Vargas também resguardava características

fascistas, bem como o regime militar, a exemplo da aniquilação dos seus opositores. Souza

(2014) escreve que a partir de Vargas iniciou-se um período de extensa penetração do capital

monopolista e de recrudescimento das relações de dependência externa.

Sob o corolário da tríplice aliança “Deus, Pátria e Família”, a Ação Integralista

compreendia que as massas não possuíam cultura, fazendo-se necessário aquilo que os

integralistas chamavam de “revolução do espírito” por meio da educação. Segundo Cavalari

(1999), “embora se afirmasse que a obra cultural do integralismo era sem cor política, pode-se

perceber, claramente, que, à medida que as crianças aprendiam a ler e a escrever aprendiam

também a doutrina integralista" (CAVALARI, 1999, p. 73), isto é, os ensinamentos sobre

Deus, Pátria e Família.

Cumpre destacarmos que a caracterização da educação integralista como

revolucionária é um erro em pelo menos dois sentidos: primeiro, a educação não caminhava

para a formação de uma consciência de classe ou de uma superação social do modo de

produção, e, segundo, o fundamento positivista e a combinação de ideais em vias de falência,

em diversos países, denunciavam o caráter reacionário dessa doutrina.

A exemplo disso, têm-se a própria postura necessária ao integralista, que deveria

comportar-se como quem “dá graças” pelas intempéries; para a mulher, era colocado como

intrínseco a ela, por natureza, o papel de educar, mesmo que afirmado nos discursos como

determinação social.

A alfabetização, por essa doutrina, contava com um elemento que era

substancialmente contraditório ao objetivo de elevar a cultura das massas, pois as suas

diretrizes preconizavam que a pessoa aprendesse o mais rápido possível para que pudesse

estar qualificada para a campanha eleitoral da sucessão presidencial e da renovação do

legislativo federal (CAVALARI, 1999).

Saviani (2013a) compreende que os interesses da classe dominante apontam para a

conservação da forma social existente e implicam na necessidade de evitar que as

contradições da estrutura venham à tona. Interessa à classe dominada explorar os elementos

da conjuntura, para que eles alterem a própria conjuntura. Daí que a própria educação se

insere na luta de classes e é, necessariamente, incapaz de se mostrar neutra em face dos

interesses antagônicos.

Com base nisso, podemos dizer que a educação é um campo onde se manifestam as

tensões entre as classes. No contexto brasileiro, o fascismo assumiu formas particulares e

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determinadas em face das condições das relações de produção. Era mister a divisão sexual do

trabalho e a hierarquia entre homem e mulher, com aspectos de naturalização das atividades

atribuídas para o gênero feminino, cujo papel estava sempre ao redor do “instinto materno”.

O fato de o Integralismo compreender as massas como um monstro sem cultura e

sem pujança política, cabendo ao Integralismo promovê-la, pela educação, à condição de

cidadão do Estado integral, exprime, ao mesmo tempo, dois fatores: (1) o de que uma

mudança societária significativa não prescinde, como projeto de sociedade, de um projeto

educacional, e (2) que a concepção de cultura inerente às propostas do Integralismo implicam

na retificação das próprias massas para as quais a “cultura” se destinaria. Essas questões

carecem de uma análise mais acurada, entretanto, podemos afirmar, preliminarmente, que a

concepção de educação que permeava os ideais integralistas não vinha a ser, de fato, uma

“revolução do espírito”, mas sim uma imposição e uma forma de consciência particularmente

determinada. A ênfase ao aspecto moral e cívico reflete diretamente as concepções citadas.

O fascismo, como uma “metafísica da violência” (SAVIANI, 2013a), como algo que

apenas aceita como se empenha em instalar a violência na própria estrutura da sociedade, não

toma partido pelo problema da erradicação da violência, pois assume, explicitamente, o fato

da violência instalada como estruturalmente intrínseca a toda práxis social.

Trata-se de uma concepção que “a priori”, independentemente das condições

objetivas, ou seja, quaisquer que sejam as situações, postula sempre a violência

como a grande força que move os homens na história. A violência é, em suma, a

mãe da história (SAVIANI, 2013a, p. 32).

É importante atentarmos para o aspecto histórico da ideologia no contexto da luta de

classes, para compreendermos o que determina a forma de dominação ideológica que se

pretende penetrar na educação escolar; melhor dizendo, não apenas na educação escolar, pois

o fator ideológico abarca várias instituições, tecnologias e meios de comunicação.

Como fenômeno concreto, a luta de classes não se resume a violência. A partir da

segunda metade do século XIX, a sociedade burguesa foi dificultando suas formas de

dominação e alargando, consideravelmente, os mecanismos que garantem a hegemonia,

construindo um amplo campo ideológico, destinado a obter o consenso ativo das massas

trabalhadoras (SAVIANI, 2013a). Segundo esse autor,

Nessas novas condições a luta de classes se trava dominantemente no campo da

hegemonia de forma cotidiana e persistente com a utilização não apenas do aparelho

escolar, mas de um amplo aparato que inclui a imprensa diária e periódica, os meios

de comunicação de massa e as novas tecnologias de comunicação e informação,

além das igrejas das mais diferentes confissões religiosas que cumprem o papel de

conformar e resignar as massas à sua condição social. Trata-se de um conjunto

amplo e complexo de ações não violentas que se dirigem aos indivíduos como seres

conscientes e sociais, sem submeter seus corpos à violência. Localizam-se aí o

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recurso à persuasão, a educação em todas as esferas sociais, a força edificante do

exemplo etc. (SAVIANI, 2013a, p. 42).

A fascistização da sociedade aparece, sobretudo, pelas ações do Estado e das suas

instituições, cujas políticas se expandem pela premissa da naturalização da violência. Esse

movimento se desdobra no deslocamento dos problemas sociais e históricos para ações de

caráter imediatista. Na prática social histórica dos órgãos do Estado, o imediatismo funciona

como um mecanismo de conformação, em que as condições históricas são tidas como naturais

e imutáveis, exceto pelo esforço individual.

Silveira (2016) caracteriza a fascistização da sociedade, na atualidade, elencando

alguns elementos num quadro sociopolítico. Dentre os elementos elencados pelo autor, dada a

sua pertinência e importância, destacamos:

A crescente violência, simbólica e física, contra grupos socialmente excluídos;

A ampla discriminação das minorias sociais, com ênfase para a homoafetiva;

A intolerância religiosa, visível sobre religiões de origem indígena e africana;

Atitudes contra a liberdade de expressão, rotulando genericamente ações divergentes

como “comunismo”;

Ações legislativas para impor uma escola dita sem Partido, porém nitidamente de

cunho religioso e de base evangélica;

Ações legislativas para enquadrar institucionalmente a família segundo o padrão

patriarcal.

Vale destacarmos, ainda nesse contexto, a tendência de ação beligerante contra o

conhecimento científico, sobretudo se esse conhecimento não se destinar, imediatamente, a

fins corporativos, se não estiver inserido no contexto da propriedade privada, subordinado ao

destino de valor de troca. Trata-se de um desmonte das condições concretas e imprescindíveis

à produção do conhecimento e de objeção à própria história como campo científico.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Neste estudo, buscamos compreender a militarização da educação, com o objetivo de

entendê-la como reflexo da situação socioeconômica e política mundial, em um momento da

história brasileira em que o processo de fascistização se amplia em todas as esferas da

sociedade, o que acirra ainda mais a luta de classes.

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Nosso trabalho teve como intuito compreender suas contradições a militarização das

escolas em meio à totalidade do modo de produção capitalista. Para isso, aplicamos, como

método de pesquisa, o materialismo histórico-dialético e suas categorias de análise:

contradição, totalidade e trabalho. Analisamos a militarização a partir de sua relação com as

necessidades atuais do capital e do imperialismo, buscando esclarecer as condições históricas

e culturais das políticas sociais que mantêm as desigualdades e injustiças sociais.

Interpretamos a transferência da gestão civil das escolas de Porto Velho para os

militares, o processo de dominação e controle dos estudantes e do trabalho docente e suas

contradições frente aos princípios da gestão democrática. Esse cenário é marcado por uma

transferência baseada na imposição dos interesses das classes dominantes sobre as

comunidades escolares.

Assim, nosso estudo teve a intenção de analisar o projeto militarização das escolas

rondonienses, reconhecendo o autoritarismo presente, apresentando e criticando suas

justificativas. Ao fim, concluímos que a tentativa de militarização das escolas públicas foram

imposições, frutos da totalidade em que estamos inseridos, arquitetada pelas classes

dominantes.

Para fortalecer a implantação da militarização no espaço público escolar, os projetos

de Lei contaram com as justificativas de melhoria no desempenho e na frequência escolar,

coibir a violência praticada por estudantes nas dependências das instituições de ensino, uso de

drogas, prática sexual e porte ilegal de arma. O que concluímos com os dados das pesquisas é

que essas justificativas não se aplicam.

Esse “novo modelo” de escola gerida pelos Policiais Militares está pautado no ensino

disciplinar e hierárquico dos CTPM I e II, contribuindo para a formação de cidadãos

subservientes e fortalecendo uma concepção “natural” das diferenças sociais. Durante este

estudo, compreendemos que o ensino militar está distante de formar indivíduos participativos,

críticos e autônomos. Com a hegemonia do autoritarismo militar, as instituições de ensino

militarizadas representam um retrocesso e uma estagnação na educação pública.

A militarização expandiu-se como instrumento que colabora e naturaliza as ações

antidemocráticas a partir de uma defesa pautada na melhoraria da qualidade de ensino.

Respalda-se em discursos de que as instituições militares lideram rankings sobre o aumento

dos índices nas avaliações externas realizadas pelo IDEB. Entretanto, constatamos, na análise

dos dados, que o IDEB do CTPM VII, escola militarizada, pouco mudou em relação ao ano

anterior.

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O que observamos, ao longo de nossa pesquisa, é que existe a intenção de docilizar

o comportamento de jovens, além de desvalorizar e discriminar aqueles que não se adéquam

às regras impostas pelos militares. De alunos a professores, todos estão submetidos ao

Regimento e às ordens do Diretor Geral, bem como aos militares que compõem a estrutura

organizacional das instituições militares de ensino, fortalecendo a hegemonia da classe

dominante, que se apropria dessa subserviência para que a sociedade continue passiva e

apática frente às desigualdades.

A formação nos CTPM I, II e VII foi examinada, em nossa pesquisa, como um

desenvolvimento baseado nos padrões hierárquicos e disciplinares, que almejam formar seus

alunos e professores em cidadãos servis, obedientes, acríticos, competitivos, defensores do

Estado burguês, tolerantes, negligentes e despolitizados. O controle didático-pedagógico,

político e ideológico são as principais armas dessas relações autoritárias e os principais

afrontes à democracia. Em diversos textos dos documentos regimentais de ambos os Colégios

Tiradentes, faz-se presente a censura aos posicionamentos diversos.

A dominação cultural é exercida, principalmente, a partir do culto aos símbolos

nacionais, a bandeira e o hino, o que significa impor aos alunos um compromisso com a

nação, mais especificamente um culto ao Estado que os oprime. As formaturas são carregadas

de simbologia militar. É exigido dos estudantes um reconhecimento orgulhoso de tudo o que

o Estado burguês representa. O culto à nação é um culto ao capitalismo, uma despolitização

dos alunos, que passam a ter atos cívicos como atos obrigatórios. A gestão militar emprega o

simbolismo, a farda, os valores militares de centralidade e hierarquia para gerar dominação

sobre os que dependem da instituição.

Com isso, cabe ao Diretor Geral, que é um oficial militar, gerenciar e vigiar os

conhecimentos repassados por professores a alunos, proibindo interpretações críticas às

instituições militares, ao modelo socioeconômico capitalista, impedindo o pensamento crítico

a respeito das relações materiais existentes e disseminando a ideologia dominante.

Não se esperaria algo diferente de uma instituição baseada na repressão armada ao

povo pobre. Seus interesses são claros e buscam controlar o povo, incapacitando o

pensamento crítico da sociedade. A Polícia Militar atende a ideais burgueses, objetiva

transformar as escolas militarizadas em uma fábrica de futuros trabalhadores, força de

trabalho alienada e barata, uma linha de produção fabril. Ademais, as forças armadas, como

coluna vertebral do Estado burguês, almejam despolitizar o proletariado e os jovens filhos de

trabalhadores. Para isso, apostam na subserviência e no controle. São estas relações

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hierárquicas que determinam as condições de subserviência e o apreço à disciplina como

método de controle.

A escola exige um perfil de professor acrítico, que reproduza, sem questionamentos,

a ideologia das classes dominantes, de forma que não haja conflitos de ideias e, quando estes

existem, os professores recebem advertências orais e escritas para que se adéquem ao modelo

estabelecido. Quando insuficientes estas ameaças, o Diretor Geral pode devolver os docentes

à SEDUC.

Quanto aos alunos, são vistos como figuras mais frágeis no processo de ensino-

aprendizagem e em níveis hierárquicos. Os estudantes devem se submeter, sem se

posicionarem de forma contrária às ordens de superiores. Eles estão submetidos a uma

avaliação disciplinar e, quando não se submetem ao controle, podem ser imediatamente

expulsos da instituição.

Os documentos que regem as escolas determinam sempre, ao conceituar as funções

dos servidores lotados nas instituições, que estes devem se deixar dominar pelo Diretor Geral

que, por sua vez, obedece às decisões e ordens do Comandante Geral da Polícia Militar de

Rondônia.

Dessa forma, buscamos compreender, passo a passo, qual a necessidade de uma

educação militar. Está claro que esse padrão de ensino é baseado no interesse das classes

dominantes em controlar a luta de classes, que se acirra Brasil afora; o ideal principal é

pacificar os trabalhadores em educação, os estudantes e funcionários de escolas, de modo que

não haja uma consciência crítica das contradições da sociedade capitalista.

Esta realidade foi corretamente observada pela comunidade da Escola Estadual de

Ensino Fundamental e Médio Capitão Cláudio Manoel da Costa que, desde o momento em

que tomou conhecimento do projeto de militarização da escola, organizou-se de forma

resistente a esse plano.

A comunidade mobilizou-se em oposição, enfrentou uma dura ofensiva, mas, por

fim, conseguiu barrar esse projeto. A coletividade e a organização da Escola Capitão Cláudio

nos ensinam que somente a resistência é a saída contra essa ofensiva. Resistir é preciso, para

que desenvolvamos uma educação pública, universal e de qualidade, pautada em princípios de

pluralismo de ideias, liberdade e participação.

Esse novo modelo de ensino, ao qual nos opomos, está distante de representar a

melhoria da qualidade nas escolas estaduais, tampouco o modelo de sociedade que

almejamos. Está claro que a militarização da educação estadual não atende aos interesses do

povo e nos submete a meros coadjuvantes dentro do processo de democratização do ensino.

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Refletir sobre esse cenário é uma das funções do professor. Mais que isso, o professor deve se

organizar, frente às medidas que perpetuam o status quo das classes dominantes.

A partir desse pressuposto, ganha sentido a defesa da escola pública a fim de que,

juntos, possamos dar continuidade às lutas que foram e que são cotidianamente travadas:

combater o autoritarismo, o controle do trabalho docente, as formas repreensivas e

excludentes contra nossos alunos.

Portanto, é necessário que busquemos o fortalecimento da democracia participativa,

não como fim, mas como força propulsora que nos leva à superação da opressão e da

exploração dos trabalhadores do nosso país.

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APÊNDICES

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Apêndice 01 – Termo de Consentimento e Livre Esclarecimento

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Apêndice 02 – Roteiro de entrevistas para professores

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Apêndice 03 – Roteiro de entrevista para diretores e Secretária de Educação

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Apêndice 04 – Roteiro de entrevista para pais

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ANEXOS

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Anexo 01 – Notificação por descumprimento de ordem

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Anexo 02 - Parecer consubstanciado do CEP

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Anexo 03 – Carta de autorização para pesquisa acadêmica CTPM VII

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Anexo 04 – Carta de autorização para pesquisa

na Escola Estadual de Ensino Fundamental e Médio Capitão Cláudio Manoel da Costa

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Anexo 05 – Carta de autorização para pesquisa acadêmica

na Unidade Integrada de Segurança Pública – UNISP