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ÍNDICE

Glossário 7

Cronologia 13

Nota Sobre as Fontes 22

Introdução 23

Capítulo Um Crescimento e Queda da al-Qaeda

no Iraque

35

Capítulo Dois A Ascensão do Estado Islâmico 55

Capítulo Três Da Vanguarda à Multidão Inteligente 77

Capítulo Quatro Os Combatentes Estrangeiros 101

Capítulo Cinco A Mensagem 129

Capítulo Seis A Jihad nas Redes Sociais 157

Capítulo Sete As Brigadas Eletrónicas 179

Capítulo Oito A Guerra al-Qaeda – Estado Islâmico 209

Capítulo Nove A Guerra Psicológica do Estado Islâmico 233

Capítulo Dez A Iminente Batalha Final? 255

Capítulo Onze O Estado de Terror 269

Apêndice 295

Conclusão 323

Agradecimentos 325

Notas 331

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GLOSSÁRIO

Grupo Abu Sayyaf: Organização jihadista das Filipinas, criada com fundos da

al-Qaeda. Jurou fidelidade ao Estado Islâmico.

Ahrar al-Sham: Segundo grupo anti-Assad mais significativo, a seguir à Jabhat

al-Nusra; membro da coligação da Frente Islâmica Síria.

al-Qaeda, al-Qaeda Central (AQ, AQC): Organização jihadista militante global

sunita salafista fundada por Osama bin Laden e outros no Afeganistão. É atual-

mente dirigida por Ayman al-Zawahiri.

al-Qaeda na Península Arábica (AQAP): Braço da al-Qaeda no Iémen e na Ará-

bia Saudita.

al-Qaeda no Iraque (AQI): Grupo jihadista no Iraque fundado por Abu Musab

al-Zarqawi, que se tornaria, mais tarde, o Estado Islâmico do Iraque e, ainda

mais tarde, o Estado Islâmico do Iraque e al-Sham ou ISIS. Hoje em dia, refere-

-se a si mesma apenas como Estado Islâmico.

al-Qaeda no Magreb Islâmico (AQMI): Braço da al-Qaeda que opera na região

do Saara e do Sahel no Norte de África.

al-Shabab: Braço da al-Qaeda na Somália.

Ansar Bayt al-Maqdis (ABM): Grupo jihadista que surgiu na sequência da Pri-

mavera Árabe na região do Sinai, no Egito. Declarou o seu território no Sinai

como província do Estado Islâmico.

Ansar al-Islam: Organização separatista e jihadista curda ativa no Iraque em

2003.

Ansar al-Sharia (AST): Organização jihadista na Tunísia.

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8 ESTADO ISLÂMICO: ESTADO DE TERROR

Conselho do Despertar ou Movimento do Conselho do Despertar: Antigos re-

beldes árabes sunitas que se juntaram à luta contra os grupos jihadistas no

Iraque. Também conhecidos como Filhos do Iraque.

Partido Baath: Partido político, fundado na Síria, que fundiu o socialismo com

o anti-imperialismo, o nacionalismo árabe e o pan-arabismo. Saddam Hussein

e Bashar al-Assad eram filiados nos partidos Baathistas no Iraque e na Síria,

respetivamente.

Baathistas: Membros do partido Baath.

bayah: Juramento de fidelidade religiosamente vinculativo.

Bilad al-Sham: Diz respeito à histórica Grande Síria, que abrangia os territórios

Palestinianos, Israel, a Jordânia, o Líbano, a Síria e o Iraque; também chamado

Levante.

Boko Haram: Grupo jihadista fundamentalista na Nigéria.

Califa: Governante de uma comunidade muçulmana; sucessor político de Mao-

mé.

califado: Estado político-religioso liderado por um Califa.

Daesh ou Daash: Designação derrogatória do Estado Islâmico baseada no seu

acrónimo em arábico.

Dawla: Palavra arábica para «estado», frequentemente usada para designar o

Estado Islâmico pelos seus apoiantes.

Eid al-Fitr: Último dia do Ramadão, o mês islâmico do jejum e da reflexão

religiosa.

emir: Palavra arábica para comandante; literalmente, «príncipe».

fitna: Palavra arábica para referir um período de dissidência e confrontos in-

ternos na história islâmica, também usada para referir conflitos semelhantes

num contexto moderno.

Exército Livre da Síria (ELS): Originalmente composto por desertores das for-

ças armadas sírias, o ELS é agora uma organização global para combatentes

anti-Assad seculares, nacionalistas.

hadith (plural ahadith): Histórias sobre Maomé, as suas máximas e as suas

figuras históricas no Islão, que se considera terem graus variáveis de autenti-

cidade. Muitas tradições islâmicas sobre o fim dos tempos, e muitas profecias,

provêm do ahadith.

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GLOSSÁRIO 9

Hezb-e-Islami: Grupo militante afegão.

hijra: Migração, emigração.

Força Internacional de Assistência para a Segurança (ISAF): Força de seguran-

ça internacional da NATO no Afeganistão. O seu papel consiste em apoiar as

forças de segurança afegãs à medida que a capacidade destas vai aumentando.

Exército Islâmico do Iraque: Antigo grupo de rebeldes árabes sunitas iraquia-

nos, formado depois da invasão de 2003. Na sequência da retirada das tropas

americanas, desmilitarizou-se e formou um grupo de oposição política.

Frente Islâmica: Coligação de grupos rebeldes islamitas na Síria, com exceção

do braço da al-Qaeda, Jabhat al-Nusra.

Estado Islâmico (EI): Nome assumido pelo ISIS depois de se ter declarado ca-

lifado em junho de 2014.

Estado Islâmico do Iraque (ISI): Nome do grupo rebelde e braço da al-Qaeda

no Iraque (e seus aliados) a partir da morte de al-Zarqawi em 2006 e até 2012.

Estado Islâmico do (ou «no») Iraque e da (ou «na») Síria (ISIS): Também cha-

mado Estado Islâmico do Iraque e al-Sham. Grupo sucessor do Estado Islâmico

do Iraque, na sequência da sua expansão do Iraque para a vizinha Síria. O

acrónimo ISIS continua a ser amplamente usado em alguns países, embora o

grupo tenha mudado oficialmente o seu nome para Estado Islâmico em junho

de 2014.

Jabhat al-Nusra (Nusra): Braço da al-Qaeda na Síria; também conhecido como

Frente Nusra.

Jamaat Jaysh Ahl al-Sunnah wa-al-Jamaah: O Exército do Povo Sunita. Grupo

rebelde sunita que se formou na sequência da invasão do Iraque em 2003.

O emir do Estado Islâmico, Abu Bakr al-Baghdadi, foi, alegadamente, um dos

cofundadores deste grupo.

Jemaah Islamiyah: Organização jihadista, agora desaparecida, com fortes liga-

ções à al-Qaeda.

jihad: Palavra arábica que significa «luta». Tem sido usada para descrever um

vasto leque de ações, da luta espiritual ao conflito armado.

Salafismo jihadista: Ramo do Salafismo que defende que qualquer governo que

não governe através da Sharia é um regime infiel ilegítimo. O Salafismo jiha-

dista abraça o uso da violência para derrubar estes regimes.

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10 ESTADO ISLÂMICO: ESTADO DE TERROR

Jund al-Khalifa: Grupo dissidente da AQMI na Argélia, que se tornou parte

do Estado Islâmico. É responsável pela decapitação de um turista francês, em

resposta aos apelos do EI à realização de tais atos pelos seus apoiantes.

Grupo Khorasan: Célula de veteranos da al-Qaeda Central enviados para a Síria

para planear e coordenar os ataques ao Ocidente.

kuffar: Infiéis, descrentes.

Curdos: Grupo étnico centrado no Médio Oriente, cujas terras ancestrais cru-

zam várias fronteiras modernas.

Mahdi: Figura do fim dos dias islâmico que deverá aparecer por altura do Dia

do Juízo Final. Por vezes referido como o Bem Guiado ou o Imã Escondido.

mujahid (plural, mujahideen): Combatente muçulmano que trava uma jihad

militar.

muhajir (plural, muhajireen ou muhajiroun): Emigrante. Frequentemente usado

para referir os combatentes estrangeiros que participam de uma jihad militar.

A forma plural varia de acordo com a gramática da frase em arábico.

al-Muhajiroun: Organização radical islâmica na Grã-Bretanha, liderada por

Anjem Choudary. A organização foi dissolvida, mas as redes sociais que lhe

sucederam permanecem ativas.

mujtahidun: Literalmente «os industriosos», um termo que se refere aos

apoiantes do Estado Islâmico muito ativos nas redes sociais.

nasheed (plural, anasheed): Canto religioso islâmico.

niqab: Véu de tecido preto usado por algumas mulheres muçulmanas, que co-

bre quase todo o rosto e o corpo inteiro.

nusayri: Termo derrogatório para as pessoas que praticam uma variante do Is-

lão xiita comum entre os membros do regime sírio.

peshmerga: Combatentes curdos altamente treinados no Iraque; exército per-

manente para a região semiautónoma do Curdistão Iraquiano.

Salafismo político: Ramo do Salafismo que procura a purificação do Islão atra-

vés do envolvimento na vida política.

Salafismo quietista: Ramo do Salafismo cujo principal objetivo é purificar o

Islão. Não se consideram atores políticos nem participam na vida política.

rafidah: Termo derrogatório para os muçulmanos xiitas.

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GLOSSÁRIO 11

Salafita: Movimento fundamentalista islâmico sunita que acredita na adesão

estrita ao Islão tal como creem ter sido praticado por Maomé.

Sharia: Código moral e lei religiosa islâmica. Existem desentendimentos con-

sideráveis entre muçulmanos sobre como a Sharia se enquadra na vida moder-

na. Os braços do EI e da AQ defendem uma interpretação dura, mas até eles

diferem quanto aos pormenores.

Islão xiita: Ramo do Islão que reconhece Ali, o genro de Maomé, e os seus

descendentes, como os únicos líderes legítimos da comunidade muçulmana.

Xeque ou sheik: Título honorífico que denota respeito por um indivíduo en-

quanto líder ou influenciador de uma tribo, de um clã, de um país ou de um

grupo religioso islâmico.

shahid: Mártir.

Filhos do Iraque: Antigos rebeldes árabes sunitas que se juntaram à luta contra

os grupos jihadistas no Iraque. Normalmente conhecido como Movimento do

Conselho do Despertar.

Suna: Preceitos registados de Maomé.

Islão sunita: O maior ramo do Islão. Frequentemente referido como Islão «con-

vencional» ou «ortodoxo».

Tablighi Jamaat: Movimento revivalista islâmico fundado em resposta a uma

contínua corrupção dos valores morais. O movimento pretende conduzir os

muçulmanos de todos os espetros sociais e económicos para a sua compreen-

são da religião através do encorajamento do serviço comunitário, da contem-

plação e do proselitismo.

takfir: Pronunciamento de um muçulmano como apóstata. Normalmente en-

tendido pelos jihadistas como uma autorização religiosa para matar o sujeito.

Talibã: Organização fundamentalista islâmica fundada no Paquistão, que se

espalhou mais tarde até ao Afeganistão, onde assumiu o controlo do governo

entre 1996 e 2001. Permanece um movimento rebelde significativo.

Tehrik-e-Taliban (TTP): Grupo rebelde paquistanês ligado à al-Qaeda, que se

fragmentou recentemente devido a várias divisões internas, incluindo, mas

não se limitando de forma alguma, ao apoio conferido ao Estado Islâmico por

alguns dos seus membros.

ummah: Comunidade muçulmana mundial.

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12 ESTADO ISLÂMICO: ESTADO DE TERROR

wilayat: Província. Substrutura governativa usada pelo Estado Islâmico.

Yazidis: Minoria religiosa e étnica falante de curdo no Iraque; o EI acredita que

os Yazidis são adoradores do diabo que podem ser mortos ou escravizados com

impunidade.

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CRONOLOGIA

20 de março de 2003 O presidente George W. Bush anuncia o início da

guerra contra o Iraque.

9 de abril de 2003 A invasão liderada pelos Estados Unidos derruba o go-

verno de Saddam Hussein no Iraque.

Maio de 2003 O grupo liderado por al-Zarqawi, a organização Mono-

teísmo e Jihad, inicia operações no Iraque.

Agosto de 2003 O grupo de al-Zarqawi bombardeira o quartel-general

das Nações Unidas em Bagdade.

Abril de 2004 É relatada a morte de centenas de pessoas durante os

confrontos ocorridos durante o cerco de um mês da

cidade muçulmana sunita de Fallujah.

Abril de 2004 São divulgadas provas fotográficas do abuso de prisio-

neiros iraquianos pelas tropas americanas na prisão

de Abu Ghraib, perto de Bagdade.

Maio de 2004 Al-Zarqawi começa a gravar decapitações em Bagdade.

Junho de 2004 Os Estados Unidos entregam a soberania ao governo

interino do Iraque, encabeçado pelo primeiro-minis-

tro Iyad Allawi.

Outubro de 2004 Al-Zarqawi jura lealdade a Osama bin Laden e funda a

al-Qaeda no Iraque (AQI).

Janeiro de 2005 A AQI inicia uma campanha de decapitações públicas

nas ruas das cidades iraquianas.

Abril de 2005 A AQI transforma-se num íman para combatentes es-

trangeiros e ataca os xiitas, para grande preocupação

da al-Qaeda de Bin Laden.

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14 ESTADO ISLÂMICO: ESTADO DE TERROR

Maio de 2005 Aumento do número de carros armadilhados, explo-

são de bombas e tiroteios no Iraque.

Outubro de 2005 Os eleitores aprovam uma nova constituição, cujo ob-

jetivo seria a criação de uma democracia federal islâ-

mica no Iraque.

Dezembro de 2005 Os iraquianos votam para eleger o primeiro governo e

parlamento destinados a cumprir um mandato com-

pleto.

Fevereiro de 2006 A mesquita xiita de al-Askari, em Samarra, no Iraque,

é alvo de um atentado bombista; seguem-se conflitos

sectários de larga escala.

22 de abril de 2006 O recém-reeleito presidente Jalal Talabani, um cur-

do, pede ao candidato xiita de compromisso, Nouri

al-Maliki, para formar um novo governo no Iraque,

pondo fim a meses de impasse.

Junho de 2006 Al-Zarqawi é morto por um ataque aéreo do exército

dos Estados Unidos.

Outubro de 2006 É formado o Estado Islâmico do Iraque (ISI); Abu

Omar al-Baghdadi é nomeado o seu novo líder.

Dezembro de 2006 Saddam Hussein é executado pelos iraquianos em

Camp Justice, uma base conjunta iraquiana e ameri-

cana num subúrbio de Bagdade, por crimes contra a

humanidade.

Janeiro de 2007 O aumento da presença militar americana e o Conse-

lho do Despertar começam a enfraquecer considera-

velmente o ISI.

Janeiro de 2008 O Parlamento iraquiano aprova legislação que permite

aos antigos funcionários do partido Baath de Saddam

Hussein o regresso à vida pública.

Março de 2008 O primeiro-ministro al-Maliki ordena a aplicação de

medidas severas contra a milícia em Baçorá, desenca-

deando batalhas acesas com o Exército Mehdi de Moq-

tada al-Sadr, um grupo miliciano xiita.

Maio de 2008 A pressão implacável exercida pelo exército dos Esta-

dos Unidos e pelo governo do Iraque sobre o ISI e ou-

tros grupos conduz aos níveis mais baixos de violência

desde 2005.

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CRONOLOGIA 15

Setembro 2008 As forças americanas entregam o controlo da provín-

cia de Anbar, outrora um baluarte da al-Qaeda contro-

lado por rebeldes, ao governo iraquiano. Esta seria a

primeira província sunita a ser devolvida ao governo

liderado pelos xiitas.

Janeiro de 2009 O primeiro-ministro al-Maliki persegue líderes suni-

tas e grupos do Despertar, aumentando as tensões sec-

tárias e o apoio latente ao ISI nas zonas tribais sunitas.

Tal reduz a pressão sobre o Estado Islâmico do Iraque,

permitindo-lhe evitar o desaire.

Agosto de 2009 O ISI lança atentados bombistas contra os ministérios

dos Negócios Estrangeiros e das Finanças, matando

centenas de pessoas.

Outono de 2009 Abu Bakr al-Baghdadi é libertado de Camp Bucca, um

campo controlado pelos Estados Unidos no Iraque,

em 2009, quando este foi oficialmente encerrado.

Abril de 2010 Os líderes do ISI, Abu Omar al-Baghdadi e Abu Ayyub

al-Masri (também conhecido como Abu Hamza al-

-Muhajir) são mortos num ataque aéreo liderado pelos

Estados Unidos.

Maio de 2010 Abu Bakr al-Baghdadi é nomeado líder do ISI.

6 de março de 2011 Na cidade de Daraa, na Síria, perto da fronteira com a

Jordânia, quase uma dúzia de rapazes com menos de

quinze anos são presos por pintarem graffitis contra o

regime. Tem início uma onda de protestos na Síria,

que começa em Daraa, mas depressa se espalha às al-

deias vizinhas.

21 de abril 2011 O presidente al-Assad emite um decreto que põe fim

aos quase cinquenta anos de estado de emergência do

país na esperança de mitigar os protestos crescentes.

2 de maio de 2011 O líder da al-Qaeda Central, Osama bin Laden, é mor-

to por forças especiais americanas em Abbottabad, no

Paquistão.

28 de maio de 2011 Hamza al-Khatib, um rapaz de treze anos que fora de-

tido durante os protestos na Síria, é entregue à família

como um cadáver mutilado, expondo a brutalidade do

regime.

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16 ESTADO ISLÂMICO: ESTADO DE TERROR

3 de junho de 2011 Em resposta à libertação do corpo de Hamza, milha-

res inundam as ruas para o protesto «Sexta-feira das

Crianças». O regime responde com o bloqueio do

acesso à Internet a partir do interior das fronteiras

sírias.

14 de junho de 2011 A Liga Árabe condena, pela primeira vez, a repressão

síria.

Agosto de 2011 A Arábia Saudita, o Kuwait e o Bahrein fazem regres-

sar os seus embaixadores na Síria. Os líderes dos Es-

tados Unidos, da França, da Grã-Bretanha e da Alema-

nha pedem a al-Assad que se demita.

Dezembro de 2011 Os Estados Unidos dão por concluídas as suas opera-

ções no Iraque. O governo de unidade cai imediata-

mente em desordem e al-Maliki emite um mandado

de captura para o vice-presidente Tariq Hashimi, um

proeminente político sunita. O bloco sunita boicota o

parlamento e o governo.

6 de janeiro de 2012 O general Mustafa Ahmad al-Sheikh, o indivíduo de

mais elevada patente a desertar das forças armadas

sírias, junta-se ao Exército Livre da Síria. O mesmo

revela que pelo menos vinte mil soldados já haviam

desertado.

12 de fevereiro de 2012 Ayman al-Zawahiri apela a todos os muçulmanos para

que ajudem a derrubar al-Assad.

16 de junho de 2012 Os Estados Unidos suspendem a missão de monito-

rização à Síria porque a continuação das operações se

tornou demasiado perigosa.

Junho de 2012 O ISI lança o primeiro episódio da sua popular série

de vídeos, The Clanging of the Swords.

Julho de 2012 O ISI anuncia o início da sua campanha «Derrubar

dos Muros», para «reabastecer» o grupo através da li-

bertação dos seus membros das prisões iraquianas e

através da reconquista do terreno perdido.

Agosto de 2012 O presidente Obama declara, por entre rumores de

utilização de armas químicas na Síria, que estas se-

riam a «linha vermelha» que exigiria uma intervenção

militar.

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CRONOLOGIA 17

16 de setembro de 2012 O Irão confirma que existem unidades da sua Guarda

Revolucionária a ajudar al-Assad.

Dezembro de 2012 Os muçulmanos sunitas no Iraque realizam manifes-

tações em massa por todo o país, ao longo de vários

meses, protestando contra o que entendem ser a sua

marginalização pelo governo xiita.

28 de fevereiro de 2013 Os Estados Unidos prometem «ajuda não letal» aos

rebeldes sírios.

Março de 2013 O Jabhat al-Nusra assume uma posição dominante

nas áreas rebeldes.

10 de março de 2013 Grupos islamitas estabelecem o Conselho de Leste,

consolidando o controlo do leste da Síria.

Abril de 2013 O ISI anuncia que o Jabhat al-Nusra é o seu braço ofi-

cial na Síria e que, de ora em diante, o grupo unifi-

cado passará a ser conhecido como Estado Islâmico

do Iraque e da Síria/al-Sham (ISIS). O al-Nusra rejeita

imediatamente tal afirmação e apela à al-Qaeda Cen-

tral para que interceda.

18 de abril de 2013 Grã-Bretanha e França alegam que terão sido utiliza-

das armas químicas na Síria.

Abril de 2013 As tropas iraquianas atacam um acampamento de ma-

nifestantes antigoverno em Hawija, perto de Kirkuk,

fazendo mais de cinquenta mortos. Esta ação despo-

leta a ira sunita e a sublevação intensifica-se. Por al-

tura do verão, o país já entrara numa guerra sectária

declarada.

19 de maio de 2013 Jabhat al-Nusra apodera-se dos campos de petróleo e

começa a vender crude.

27 de maio de 2013 A União Europeia põe fim ao embargo à venda de ar-

mas aos rebeldes sírios.

4 de junho de 2013 França e Grã-Bretanha confirmam ter descoberto pro-

vas de que fora utilizado gás sarin na Síria. Passado

uma semana, os Estados Unidos também confirmam

que fora utilizado gás sarin.

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18 ESTADO ISLÂMICO: ESTADO DE TERROR

Julho de 2013 O ISIS anuncia o início de uma campanha de «Ceifa

de Soldados» concebida para intimidar/liquidar/

assassinar as forças de segurança iraquianas e para

estabelecer o controlo sobre o território. Pelo menos

quinhentos prisioneiros, na sua maioria membros da

al-Qaeda, são libertados das prisões de Taji e Abu Ghraib.

24 de julho de 2013 O diretor dos serviços de informação militares israeli-

ta alerta para o facto de a Síria se estar a transformar

num «centro para a jihad global».

Agosto de 2013 O ISIS dá início a ataques sustentados contra grupos

de rebeldes sírios como o Liwa al-Tawhid e o Ahrar al-

-Sham, e depois contra o al-Nusra, em Raqqa e Alepo.

Estes atos alteram por completo a natureza da rebelião

na Síria.

14 de agosto de 2013 O ISIS expulsa os rebeldes sírios de Raqqa.

31 de agosto de 2013 O presidente Obama afirma que os Estados Unidos

têm uma responsabilidade moral para agir na Síria,

mas que o Congresso tem de aprovar o uso da força

militar.

25 de setembro de 2013 Grupos rebeldes formam a Frente Islâmica a partir de

onze grupos da oposição apoiados pelo Ocidente.

Outubro de 2013 O ISIS cria a sua primeira conta oficial no Twitter*

Dezembro de 2013 Os confrontos entre os rebeldes sírios e o ISIS alas-

tram.

Janeiro de 2014 Na sequência de acesos combates, o ISIS alega ter al-

cançado o controlo absoluto sobre Raqqa e nomeia-a

capital do emirado do ISIS, um passo muitíssimo sig-

nificativo e simbólico.

Janeiro de 2014 Combatentes islâmicos infiltram-se em Fallujah e Ra-

madi no Iraque. As forças iraquianas conseguem re-

capturar Ramadi, mas as forças do ISIS permanecem

entrincheiradas em Fallujah.

* O livro inclui referências abundantes a empresas de tecnologia (Google, Facebook, Twitter, etc.) cujos principais produtos têm a mesma designação. Por uma questão de uniformização, optámos por utilizar o feminino sempre que se trata da empresa, e o masculino quando a referência é aos produtos em si (Facebook ou Twitter enquanto redes sociais, por exemplo, ou Google enquanto motor de pesquisa). [N. da E.]

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CRONOLOGIA 19

Fevereiro de 2014 A al-Qaeda Central, liderada por Ayman al-Zawahiri,

corta publicamente relações com o ISIS; o ISIS res-

ponde que o seu grupo — e não a AQ liderada pelo

seu sucessor, al-Zawahiri —representa o espírito do

fundador da AQ, Osama bin Laden.

Março de 2014 Apoiantes do ISIS são detidos na Suíça por recrutarem

combatentes e planearem um atentado terrorista.

Abril de 2014 O ISIS lança uma aplicação no Twitter capaz de enviar

dezenas de milhares de tweets por dia.

Maio de 2014 O ISIS lança The Clanging of the Swords Part 4, talvez

o mais popular vídeo de propaganda jihadista de todos

os tempos. O vídeo, bastante gráfico, mostra a execu-

ção de dezenas de soldados iraquianos desarmados.

24 de maio de 2014 Um combatente do ISIS regressado a casa, Mehdi

Nemmouche, assassina a tiro quatro pessoas no Mu-

seu Judaico de Bruxelas, Bélgica.

Junho de 2014 O ISIS toma o controlo de Mossul, a segunda maior ci-

dade do Iraque, e de zonas fronteiriças entre o Iraque

e a Síria, e declara que as fronteiras que remontam ao

Acordo Sykes-Picot de 1916 são nulas.

Junho de 2014 O ISIS inunda as hashtags do Mundial de Futebol no

Twitter com imagens gráficas das execuções. Subse-

quentemente, a Twitter cancela a app do ISIS, redu-

zindo a capacidade do grupo em disseminar a sua

mensagem.

30 de junho de 2014 O ISIS anuncia o restabelecimento do califado e muda

de nome para «o Estado Islâmico».

Julho de 2014 Abu Bakr al-Baghdadi lidera as orações numa mesqui-

ta em Mossul, no seu primeiro aparecimento em pú-

blico. Realça a existência do califado e muda de nome

para Califa Ibrahim.

Julho de 2014 O EI lança o primeiro número de Dabiq, uma revista

em língua inglesa.

8 de agosto de 2014 Os Estados Unidos dão início a ataques aéreos contra

o Estado Islâmico às portas da cidade curda de Irbil,

no Iraque.

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20 ESTADO ISLÂMICO: ESTADO DE TERROR

Agosto de 2014 Apesar dos ataques aéreos das forças americanas, ira-

quianas, curdas e iranianas, o Estado Islâmico man-

tém o controlo sobre vastas zonas do Iraque e reforça

as suas posições na Síria.

Agosto de 2014 A Twitter bane todas as contas oficiais do EI.

25 de agosto de 2014 O Estado Islâmico divulga um vídeo que mostra a

decapitação do jornalista americano James Foley, que

tinha sido raptado por extremistas na Síria em 2012.

2 de setembro de 2014 O Estado Islâmico divulga um vídeo que mostra a de-

capitação de um segundo jornalista americano, Steven

Sotloff. Obama anuncia que os Estados Unidos agirão

com o objetivo de «degradar e destruir» o EI.

14 de setembro de 2014 O Estado Islâmico divulga um vídeo que mostra a de-

capitação do trabalhador humanitário britânico David

Haines.

17 de setembro de 2014 A polícia australiana põe termo a um alegado plano

do EI para decapitar pessoas nas ruas, escolhidas alea-

toriamente.

Setembro de 2014 A Twitter suspende as contas de centenas de apoiantes

do EI.

21 de setembro de 2014 O porta-voz do EI, Abu Mohammad al-Adnani, apela

aos «lobos solitários» para que ataquem no Ocidente

usando quaisquer armas que tenham à mão, seja uma

arma de fogo, uma faca ou mesmo atropelando peões.

23 de setembro de 2014 Os Estados Unidos e as forças da coligação dão início

a ataques aéreos na Síria.

23 de setembro de 2014 Um apoiante australiano do EI esfaqueia dois agentes

da polícia.

Outubro de 2014 O Estado Islâmico reforça posições em Mossul e em

certas áreas da Síria, e avança sobre os vitais campos

de trigo de Kobani, na Síria, perto da fronteira turca.

3 de outubro de 2014 O Estado Islâmico divulga o vídeo da decapitação de

Alan Henning, um taxista britânico que integrara

uma missão de ajuda humanitária. A sua execução

gera uma campanha generalizada de condenação do

EI por parte dos muçulmanos.

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CRONOLOGIA 21

20 de outubro de 2014 Um homem acusado de ser apoiante do EI lança o car-

ro contra soldados canadianos, na província do Que-

beque, matando um deles.

22 de outubro de 2014 Um apoiante do EI assassina a tiro um soldado cana-

diano, atacando em seguida o edifício do Parlamento

em Otava, onde é morto pela polícia.

13 de novembro de 2014 O EI anuncia o estabelecimento de postos avançados

no Egito, na Arábia Saudita, no Iémen, na Líbia e na

Argélia.

16 de novembro de 2014 O EI divulga um vídeo que confirma a decapitação de

Abdul-Rahman Kassig, um trabalhador humanitário

americano.

22 de novembro de 2014 Um apoiante do EI dispara sobre um cidadão dina-

marquês a trabalhar em Riade, na Arábia Saudita.

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NOTA SOBRE AS FONTES

A maior parte da informação descrita como tendo sido recolhi-da a partir de fontes jihadistas online e dos meios de comunicação social foi recolhida e arquivada a partir da fonte primária na altura da divulgação, usando toda uma variedade de ferramentas. A mais comumente usada foi um software concebido por J. M. Berger e programado por Dan Sturtevant e Jonathan Morgan. O software foi inspirado por uma tese de 2012, «Who Matters Online», da autoria de J. M. Berger e Bill Strathearn, a pedido da Google Ideas.

Os dados recolhidos através da utilização deste software encon-tram-se descritos, nas notas finais, como tendo sido «recolhidos por J. M. Berger» ou, simplesmente, como «dados recolhidos a partir do Twitter». Esta descrição também pode ser aplicada a toda uma variedade de ferramentas comerciais e de código aberto, usadas ocasionalmente para complementar o software (por exemplo, para monitorizar contas ou ler tweets). Nos casos em que foram utilizadas ferramentas de métrica fornecidas por terceiros, as mesmas são citadas pelo nome.

Muitas destas fontes são efémeras, com referências a contas nas redes sociais que já foram — ou estão em constante risco de serem — apagadas pelos fornecedores de serviços de Internet. Além disso, o objetivo deste livro não é, certamente, auxiliar os esforços propagandísticos do Estado Islâmico. Na maior parte dos casos, as citações de contas nas redes sociais indicam fontes secundárias (quando disponíveis) para facilidade de referência e continuidade do registo.

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INTRODUÇÃO

Um americano envergando um fato-macaco cor de laranja, aparentemente com o intuito de fazer eco do traje usado pelos rebeldes da al-Qaeda capturados e aprisionados pelos

Estados Unidos, está ajoelhado ao lado de um homem todo vesti-do de preto, o rosto coberto por uma máscara, uma faca na mão.

Para muitos, esta tornou-se a imagem duradoura do grupo terrorista e rebelde conhecido como Estado Islâmico do Iraque e da Síria, ISIS, ou simplesmente Estado Islâmico (EI), como agora se intitula.

No vídeo divulgado na Internet a 19 de agosto de 2014, e lar-gamente difundido pelas redes sociais, o americano recita um discurso, aconselhando o presidente Barack Obama a pôr fim aos ataques aéreos contra o Estado Islâmico. O seu carrasco fala, exibindo um sotaque britânico, essencial à sua atuação, avisando Obama de que os ataques ao EI resultarão no derramamento de sangue americano.

O homem encosta a faca ao pescoço do americano e a grava-ção salta para a imagem da cabeça decepada da vítima, pousada sobre as costas do seu corpo sem vida. Só o início do ato atroz é apresentado. No entanto, o mais difícil de esquecer é o medo nos olhos do americano.

O homem assassinado era o fotojornalista James Foley, conhecido como um «jornalista corajoso e infatigável», deter-minado a descrever o impacto da guerra na vida das pessoas comuns.1 Antes de enveredar pela carreira jornalística, Foley

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24 ESTADO ISLÂMICO: ESTADO DE TERROR

tinha sido professor e fizera trabalho humanitário. Fora raptado em novembro de 2012, tendo sido espancado, obrigado a passar fome e submetido a tortuta por afogamento simulado durante quase dois anos, antes de ser finalmente decapitado.2 A história deste homem bom chegara a um fim terrível.

Para muitas pessoas de todo o mundo, a crueldade metódica e sádica do vídeo era chocante e insuportável, suscitando um dese-jo absolutamente humano de vingar a morte de Foley recorrendo a todos os meios necessários.

Para o mundo Ocidental, no século xxi, a ideia de uma de-capitação é algo de irreal, arcaico, uma relíquia de um passado distante, mal compreendida e à qual é dedicada pouca atenção. Ainda que existam importantes exceções, fomo-nos habituando a um mundo menos bárbaro, de tal forma que, quando os meios de comunicação social exibem imagens da deliberada selvajaria dos terroristas, sentimo-nos horrorizados.

Já outros jihadistas usaram a decapitação com este propósito. Os rebeldes chechenos são famosos por decapitarem brutalmente os seus prisioneiros. Na Bósnia, combatentes jihadistas filmaram- -se, certa vez, a jogar futebol com uma cabeça decepada (os sérvios e os palestinianos fizeram, alegadamente, o mesmo em alturas diferentes). Contudo, a al-Qaeda no Iraque — a predecessora do Estado Islâmico — tornou a prática na sua imagem de marca.

A campanha de terror começou com a decapitação, em 2004, do empresário Nicholas Berg, que fora capturado pela al-Qaeda no Iraque (AQI). Foi realizada em frente às câmaras pelo líder do grupo, Abu Musab al-Zarqawi, e atraiu a atenção internacional. Ao contrário do vídeo de Foley, al-Zarqawi foi filmado a realizar toda a decapitação com uma faca; a imagem não foi interrom-pida. O ato não foi rápido; demorou vários e insuportavelmente longos segundos a completar.

O impacto do vídeo garantiu que outros se seguiriam, muitos deles ainda mais brutais e gráficos. As vítimas eram cidadãos americanos e de outros países estrangeiros, incluindo britâni-cos, russos, japoneses, búlgaros, coreanos e filipinos.3

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introdução 25

É difícil transmitir adequadamente a magnitude da violência sádica visível nestes vídeos. Alguns exibem decapitações múl-tiplas, homens e mulheres lado a lado, com as últimas a serem obrigadas a assistir à morte dos primeiros. Num dos vídeos, os rebeldes, que conduziam pelas ruas de uma cidade iraquiana, desceram de um veículo e decapitaram um prisioneiro perante o olhar dos transeuntes, filmando o evento e partindo, em segui-da, com toda a impunidade.

Os vídeos eram distribuídos em suporte físico (DVD) no Iraque, mas transformaram-se num fenómeno na Internet. Repositórios de ficheiros online sem descritivo eram acedidos por membros de painéis de mensagens jihadistas e os vídeos circulavam pela Internet — uma violência pornográfica com a missão de intimidar e enraivecer. Foram bem-sucedidos.

Foi o nascimento de um modelo mediático entretanto trans-formado, expandido e afinado (ao ponto de ao longo dos anos se transformar numa ciência) pelo grupo que acabaria por se erguer das cinzas da ocupação americana — o Estado Islâmico, um exército jihadista tão brutal e descontrolado que seria oficial-mente repudiado pela al-Qaeda.

O Estado Islâmico conquistou a sua notoriedade através do marketing da selvajaria, fazendo evoluir a sua mensagem de forma a vender a uma audiência global uma estranha mas po-derosa nova mistura de ideais utópicos e carnificina chocante, documentando uma versão cuidadosamente manipulada das suas campanhas militares, incluindo a sangrenta onda de ata-ques que, em 2014, varreu grande parte do Iraque e da Síria. O EI usa as decapitações como uma forma de marketing, mani-pulação e recrutamento, mostrando-se determinado a introduzir nas nossas vidas uma exibição pública da selvajaria, tentando conduzir-nos a um estado de terror.

Embora alguns observadores tenham acompanhado o cresci-mento do Estado Islâmico com alarme desde finais de 2013, a ad-ministração Obama dedicou pouca atenção ao problema. Numa entrevista à revista New Yorker, em janeiro de 2014,4 o presidente

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afastou, pessoalmente, quaisquer preocupações sobre o grupo e sobre outros jihadistas que combatiam na Síria:

A analogia que usamos por vezes, e que me parece acertada, é que o facto de uma equipa [de basquetebol] de alunos do se-cundário vestir os uniformes dos Lakers não transforma [os seus jogadores] em Kobe Bryants*. Creio haver uma distinção entre a capacidade e o alcance de um Bin Laden e de uma rede que se encontra a planear ativamente grandes atentados terroristas contra a [nossa] pátria, e a de jihadistas envolvidos em diversas lutas pelo poder e disputas locais, muitas vezes sectárias.

Durante meses, a administração continuou a minimizar os novos jihadistas. Em junho de 2014, quando o Estado Islâmico assumiu o controlo de uma parte substancial do Iraque, numa eficaz campanha militar marcada pela retirada dos soldados iraquianos, aparentemente aterrorizados apesar de serem trei-nados pelos Estados Unidos, a maior parte dos elementos da administração foi apanhada desprevenida — perguntavam-se a si mesmos porque é que não se tinham apercebido da chegada da «equipa de alunos do secundário».

Apesar do drama militar, que lançou o pânico entre os serviços de segurança da região e os ocidentais, a maior parte dos america-nos e de muitos outros ocidentais sentia-se desiludida e exausta com os mais de dez anos da dispendiosa Guerra ao Terror.

Os que se davam ao trabalho de analisar o Estado Islâmico concordavam que este era um problema. Contudo, diziam, talvez não fosse um problema nosso. Depois de o presidente Obama ter autorizado os ataques aéreos às posições do Estado Islâmi-co, privando-o de uma fração do território que haviam roubado, avançou rapidamente para debates sobre a economia.

No entanto, o EI não seria ignorado. Começou a espicaçar espe-cificamente a raiva americana, primeiro com tweets provocadores

* Jogador dos Lakers, considerado o melhor basquetebolista desde Michael Jordan. [N. do R.]

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introdução 27

replicados através das redes sociais, usando táticas estabelecidas de marketing e spam para garantir que o seu convite para a guerra era ouvido, não apenas em Washington mas por todo o mundo.

Durante meses, o Estado Islâmico inundou a Internet com imagens de centenas de iraquianos e curdos anónimos a serem executados a tiro, por faca ou através de crucificação, não se coibindo de exibir cabeças espetadas em pontas de lança. Tudo parecia muito longínquo para os poucos que tomavam conheci-mento destas atrocidades que os meios de comunicação social cobriam, na melhor das hipóteses, esporadicamente.

Depois, o Estado Islâmico subiu a parada — recriando deli-beradamente o vídeo de Nicholas Berg para uma nova geração, com um novo elenco de personagens, começando pelo assassi-nato de James Foley.

Talvez tenha sido o final do vídeo a selar o lugar do incidente na história. Depois de ter sido exibida a prova gráfica do ato ho-micida, havia uma cena final: o jihadista puxava um outro ame-ricano pela gola do fato-macaco cor de laranja deste, colocando-o de joelhos — era Steven Sotloff, outro jornalista raptado.

«A vida deste cidadão americano, Obama, depende da tua próxima decisão», disse o assassino num tom calmo, direto.

Não se tratava de um comunicado único. Aquela era uma pro-messa de mais derramamento de sangue.

A ampla cobertura mediática realçou o caso, enquanto os jor-nalistas choravam publicamente um dos seus, e o EI espalhava imagens da execução através das redes sociais, levando inclusiva-mente a Twitter a intervir de formas que há muito recusara, sus-pendendo dezenas de contas de apoiantes do Estado Islâmico.

Tal como prometido, quando ocorreu a segunda execução, seguida da adição de uma terceira vítima à fila (desta feita um cidadão britânico), um burburinho surdo foi-se espalhando pela América e pelo mundo. O Estado Islâmico expandira a sua men-sagem de forma a incluir «os aliados da América», com especial destaque para o Reino Unido, e com ameaças dirigidas aos paí-ses vizinhos, como a Turquia e a Arábia Saudita.

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Em cafés e restaurantes, na rádio e na televisão, à mesa do jan-tar e nas redes sociais, as pessoas começavam a perguntar-se: Por-que é que as mais poderosas nações do mundo não são capazes de parar estes assassinos de mente medieval? Em breve as perguntas transformaram-se numa onda de raiva que não era vista desde os dias que se seguiram aos ataques de 11 de setembro de 2001.

«Estes tipos têm de morrer», terá afirmado, em tom calmo, um polícia de meia-idade, de rosto simpático, ao dono de uma loja em Cambridge, Massachusetts — uma das cidades mais li-berais dos Estados Unidos —, e o sentimento era repetido, uma e outra vez, por todo o mundo, em maior ou menor medida e com maior ou menor intensidade.

Quem são estes homens? De onde é que eles vieram? O que é que eles querem? Em que medida estão a transformar a natureza do terrorismo e da guerra que a comunidade internacional está a travar?

O que é que podemos fazer em relação ao Estado Islâmico? O que deveríamos fazer?

Estas são as perguntas que alimentam o presente livro.Se o jornalismo é o primeiro rascunho da história, um livro

como este só pode ser um segundo rascunho, mas nunca a úl-tima palavra. Foi escrito num momento da história em que o Estado Islâmico emergiu por completo no mundo, mas antes de o seu derradeiro destino se tornar claro.

Independentemente desse destino, o que o EI conseguiu até aqui terá ramificações a longo prazo para os jihadistas e para ou-tros grupos extremistas que poderão aprender com as suas táti-cas. Este antigo braço da al-Qaeda, caraterizado por um híbrido de terrorismo e insurgência, foi, em parte, expulso desse grupo devido à sua brutalidade excessiva, à sua reescrita das estratégias do extremismo. Inverteu muitas das dinâmicas aplicadas, duran-te um século ou mais, ao extremismo violento, e alterou as regras do combate em várias frentes. É uma arrojada experiência sobre o poder do horror, mas também sobre o marketing da utopia. Enquanto a maior parte dos observadores encara o «estado» do

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introdução 29

EI como uma distopia, o Estado Islâmico alega ter como objeti-vo ser um refúgio contra a impureza do mundo, um local onde os crentes se podem sentir seguros na certeza de que vivem de acordo com o Islão, pelo menos tal como este é interpretado pelo EI. E documentou as suas tentativas de governação com a mesma atenção aos pormenores das suas bem publicitadas atrocidades.

A ascensão do Estado Islâmico pode ser encarada de várias formas. Alguns entendem que o problema só pode ser explicado pela concorrência entre estados vizinhos ao acesso a petróleo, gás natural e oleodutos/gasodutos.5 Outros atribuem a sua raiz à fraca governação e à falta de instituições democráticas, acusando o governo dos Estados Unidos de evangelismo em relação à dis-seminação da democracia,6 ao mesmo tempo que presta muito pouca atenção à importância dos direitos civis e políticos.7

Alguns veem o Estado Islâmico como um sintoma de uma espécie de «wahabismo indomado»8, deliberadamente espalha-do pela Arábia Saudita e não só,9 ou como um adereço na guerra por procuração que opõe o Irão à Arábia Saudita, entre outros estados. Outros ainda veem-no como o rosto público do reemer-gente partido Baathista, determinado a recuperar o que perdeu (e mais ainda) imediatamente após a invasão do Iraque em 2003. Enquanto fazíamos a nossa investigação para este livro, ouvimos muitos pontos de vista.

Somos observadores do extremismo violento, com muitos anos de experiência a falar com terroristas, a monitorizar as suas mensagens e a estudar as suas organizações e crenças. Como tal, o nosso livro é um esforço para situar o Estado Islâmico no âmbito do movimento jihadista global e, de forma mais lata, no campo do extremismo, para que as suas verdadeiras implicações possam ser mais bem compreendidas.

Este livro é escrito a meio de uma história em rápida mu-dança; no curto período entre a finalização do livro e a sua pu-blicação, o Estado Islâmico pode ter duplicado de tamanho ou sofrido uma enorme derrota. Ainda que nenhum destes fins pa-reça provável, a breve história do EI é uma série de contradições

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e surpresas, e acreditamos que, seja qual for o seu destino en-quanto organização, instituiu alterações transformadoras na sua estratégia, na sua mensagem e no seu recrutamento, que, mes-mo depois do seu pseudo-califado se desmoronar, ainda perma-necerão muito tempo.

Num curto período, Abu Bakr al-Baghdadi, o líder do Esta-do Islâmico, e os seus seguidores fanáticos esboçaram um novo modelo para os movimentos radicais explorarem tanto as dinâ-micas sociais em mutação como as novas tecnologias, exercendo uma influência sobre a política mundial que é largamente des-proporcional ao seu tamanho e força reais.

Para cobrir todo este terreno, examinaremos a história da organização, a sua propaganda inovadora e a manipulação sem precedentes das redes sociais, para além do recrutamento de combatentes estrangeiros. Também exploramos o forte contras-te que estabeleceu em relação à organização terrorista de onde emergiu, a al-Qaeda, e a uma multiplicidade de outras ideologias extremistas. Por fim, embora a evolução do Estado Islâmico este-ja em curso, acreditamos que podem ser retiradas algumas con-clusões preliminares quanto ao enquadramento e à abordagem da luta contra este movimento assassino.

Existem muitos outros elementos importantes para este fe-nómeno e para o conflito que o rodeia, e ansiamos pela publica-ção de futuras obras que possam explorar alguns dos temas que nós não pudemos. Tendo em conta a natureza fluida da história, atualizações relativas ao Estado Islâmico e, em especial, as que sejam pertinentes para os tópicos abordados neste livro, estarão disponíveis em Intelwire.com.

Sobre Nomes e Definições

As definições de muitos dos termos religiosos usados neste livro estão incluídas num glossário e num apêndice, e os leito-res são encorajados a consultar essas secções para obterem mais informações. Além disso, acreditamos que será útil debater aqui

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introdução 31

o nome do grupo em si e alguns dos termos frequentemente usados em relação à organização do «Estado Islâmico».

O grupo foi renomeado e rebatizado por várias vezes. Na sua mais recente autodenominação, é conhecido como o Estado Islâ-mico, mas também é frequentemente referido como Estado Is-lâmico no Iraque e no Levante (ISIL), Estado Islâmico do Iraque e al-Sham (ISIS), ou Daesh, um termo derrogatório retirado do seu acrónimo arábico.10

As diferenças entre ISIS e ISIL têm a sua origem em questões de transliteração técnica e geografia. A administração Obama continuava resolutamente a referir-se ao grupo como ISIL muito depois de a maior parte dos jornalistas ter passado a usar ISIS (que correspondia, igualmente, ao acrónimo usado pelo próprio grupo na maior parte das suas comunicações em inglês).11

Quando no final de junho de 2014 o Estado Islâmico retirou do seu nome as referências ao Iraque e ao Levante, ou ao Iraque e à Síria/al-Sham, ao mesmo tempo que se declarava um cali-fado, este parecia ser o fim da controvérsia em relação ao seu nome.12 No entanto, a maior parte dos jornalistas anglófonos continuou a referir-se a ele como ISIS*, enquanto o presidente Obama continuava a referir-se a ele como ISIL.13

A fundamentação lógica deste último, tal como foi explicada, entre outros, por Matt Apuzzo, do New York Times14, é que a refe-rência ao Estado Islâmico através do nome que este definiu para si mesmo legitimaria a sua declaração de um califado islâmico.15

Os grupos extremistas adotam, frequentemente, um nome que reflete as suas maiores ambições e por norma as pessoas referem-se a eles pelos nomes que os mesmos escolheram. A utilização do nome «Nações Arianas» legitima o conceito de um estado exclusivamente branco? Ironicamente, o tratamento

* A imprensa portuguesa — alheia aos constrangimentos que a sigla IS (de Islamic State) coloca à língua inglesa, nomeadamente na construção com o verbo «to be» na terceira pessoa do singular do tempo Presente (IS is) e na contração «IS’s» — adotou a desig-nação mais atual de Estado Islâmico e a sigla correspondente: EI. Assim, para facilitar a compreensão do leitor português e o cruzamento das informações aqui obtidas com as que vão sendo publicadas na imprensa nacional, optou-se pela utilização de Estado Islâmico (EI). [N. do T.]

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diferenciado dado ao Estado Islâmico permite-lhe reivindicar uma legitimidade invulgar, fazendo dele um caso especial que exige um tratamento delicado — e não apenas mais um grupo extremista. Insistir no termo ISIL aponta, também, para a in-correta presunção de que os muçulmanos em geral podem estar dispostos a levar os extremistas a sério, e que os indecisos po-dem ser convencidos pela nomenclatura.

Um debate semântico mais antigo rodeia o uso da palavra jihad. Foi incluída uma definição mais extensa no apêndice, mas abordaremos aqui, rapidamente, a nossa utilização do termo. A grande maioria dos muçulmanos do mundo são pessoas pa-cíficas, e muitas delas opõem-se à apropriação pelos rebeldes da palavra e do conceito de jihad, que entendem como sendo apli-cável a atividades não violentas, como o desenvolvimento pes-soal ou a procura de justiça.16 Porém, os jihadistas militares não pensam em tais coisas quando chamam ao seu trabalho jihad.

«Sempre que a jihad é referida no [Corão], significa a obri-gação de combater. Não significa lutar com a pena ou escrever livros e artigos na imprensa, nem combater através da realização de conferências.» Estas foram as palavras de Abdullah Azzam, a força galvanizadora por detrás da jihad voluntária contra os soviéticos no Afeganistão.17 Este livro segue, em geral, o sentido utilizado por Azzam. Reconhecemos a existência de um debate público legítimo, sobre este tema, em praça pública; no entanto, este livro utiliza o termo tal como os jihadistas o utilizam.

Outra área de definições turvas envolve a distinção entre ter-rorismo, insurgência e guerra. No que diz respeito a este livro, definimos terrorismo como um ato violento ou como a ameaça de violência contra não-combatentes, com o objetivo de exercer vingança, intimidação ou, de qualquer outra forma, aterrorizar uma audiência. Definimos os terroristas como atores não estatais, que se envolvem em atos de violência contra não-combaten-tes, para atingir um objetivo político ou ampliar uma mensa-gem. Duas caraterísticas do terrorismo são fundamentais para o distinguir de outras formas de violência. Em primeiro lugar,

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introdução 33

o terrorismo é dirigido a não-combatentes. É esta caraterística que o distingue da guerra legítima. As leis da guerra, e as tra-dições de guerra justa, tanto islâmica como judaico-cristã, proí-bem, de forma explícita, a perseguição de não-combatentes.18 Como tal, os atos terroristas podem ser definidos como crimes de guerra perpetrados por atores não estatais. Em segundo lugar, os terroristas usam a violência para obter um efeito dramático: instilar o medo na audiência-alvo é, frequentemente, mais impor-tante do que o resultado físico. Esta criação deliberada do terror é o que distingue o terrorismo do simples homicídio ou agressão.19

Os terroristas podem ser financiados por estados, mas a indepen-dência — ou pelo menos a possibilidade de rejeição ou negação — é uma caraterística fundamental. Assim, o Terceiro Reich não poderia ter sido considerado uma organização terrorista, mas os partidos neonazis americanos ou europeus podem.

As caraterísticas do terrorismo, tal como o definimos, levan-tam mais algumas questões espinhosas. Como é que definimos «não-combatentes»?20 O termo é controverso. Um soldado no campo de batalha é, inquestionavelmente, um combatente. Mas, e se o país não estiver em guerra, e se o soldado estiver a dormir na sua caserna, como foi o caso das vítimas do atentado bombista das Torres Khobar de 1996? Do nosso ponto de vista, a definição de não-combatente abrange civis, pessoal militar não envolvido num conflito e líderes políticos (como Anwar Sadat). Segundo, as crianças-soldado são combatentes ou vítimas não-combatentes? Ainda que ao abrigo da lei internacional seja claramente ilegal recrutar crianças-soldado, não existe qualquer consenso sobre o tratamento das crianças que cometeram crimes de guerra ou atos de terrorismo.21 Esta questão é particularmente importante em relação ao Estado Islâmico, que, de acordo com as Nações Unidas, «dá prioridade às crianças como um veículo para garantir a lealdade a longo prazo, a adesão à sua ideologia e um conjunto de combatentes dedicados que verão a violência como um modo de vida.»22 (Para mais sobre este tópico, veja o Capítulo 9).

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34 ESTADO ISLÂMICO: ESTADO DE TERROR

Deverão estas crianças perpetradoras de atrocidades ser tra-tadas como vítimas da guerra do Estado Islâmico ou como ter-roristas? A lei internacional ainda não é clara em relação a este assunto.23 Uma criança síria, que afirmou que o Estado Islâmico a tinha recrutado através de uma «lavagem cerebral» com recurso a histórias de violações de mulheres sunitas pelos soldados xii-tas, desertou para as autoridades iraquianas ao mesmo tempo que afirmava, perante os seus mestres do EI, que planeava le-var a cabo um ataque suicida.24 O caso realça as incertezas em relação à forma como deveriam ser, e como serão, tratadas as crianças perpetradoras.

Ainda que o EI alegue ser um estado, neste livro, por norma, tratá-lo-emos como um ator não estatal (ainda que no limite da definição), que alia infraestruturas e competências extraordiná-rias (muitas das quais adquiridas ou roubadas a atores estatais) à vontade de governar. Da mesma forma, o EI força as fronteiras da definição de insurgência, normalmente entendida como uma rebelião armada de agentes não estatais contra um governo reco-nhecido. Aquando da escrita deste livro, o Estado Islâmico trava-va uma insurgência contra os governos iraquiano e sírio. Estava envolvido em atos de terrorismo contra não-combatentes. E era a verdadeira autoridade em certas partes tanto do Iraque quanto da Síria. Por ora, acreditamos que a melhor forma de definir o EI é enquanto organização híbrida, terrorista e insurgente.

O Estado Islâmico é um movimento (e uma organização) centrado na relação entre uma região e um mundo em rápida mudança. Embora tenha as suas raízes na história, o EI também acrescentou novos elementos à nossa compreensão do islamis-mo radical, do terrorismo e do extremismo em geral. Por esta razão, atrai uma parte desproporcionada da atenção do mundo. Este livro pretende navegar essas águas escuras e inexploradas em busca de compreensão.

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CAPÍTULO UM

CRESCIMENTO E QUEDA DA AL-QAEDA NO IRAQUE

O mundo acordou para a ameaça do Estado Islâmico no verão de 2014, mas a história não começou aí.O que conhecemos hoje como Estado Islâmico nasceu da

mente de Abu Musab al-Zarqawi, um brutamontes jordano transformado em terrorista, que conferiu uma abordagem parti-cularmente brutal e sectária ao seu entendimento da jihad.

Muitos e variados fatores contribuíram para a ascensão do Estado Islâmico, mas as suas raízes encontram-se em al-Zarqawi e na invasão do Iraque, em 2003, que lhe forneceu um objetivo.

Ahmad Fadhil Nazzal al-Kalaylah nasceu na cidade industrial de Zarqa, na Jordânia, localizada a cerca de vinte e cinco quiló-metros de Amã. Era um beduíno, nascido numa família grande, relativamente pobre, mas parte de uma tribo poderosa. Foi um aluno medíocre, tendo abandonado a escola depois do 9.º ano. Como muitos jihadistas, assumiu um nome de guerra baseado no seu local de origem, Abu Musab al-Zarqawi.

Na sua cidade natal, al-Zarqawi não era conhecido como uma pessoa particularmente pia, mas como alguém que bebia muito, um arruaceiro e um brutamontes.1 O seu biógrafo relata que os que o conheciam em Zarqa afirmavam que ele bebia como um peixe e estava coberto de tatuagens, duas práticas proibidas pelo Islão. Por causa das tatuagens, que mais tarde tentaria remover

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com ácido clorídrico, era conhecido como o «homem verde». Foi preso várias vezes — por roubo de lojas, tráfico de drogas e por ter atacado um homem com uma faca, entre outros crimes.2

Aos vinte e poucos anos de idade juntou-se à Tablighi Jamaat, uma organização revivalista islâmica da Ásia Meridional, em parte para se «limpar» de uma vida de crime. A Tablighi Jamaat tem por objetivo criar melhores muçulmanos através de uma «jihad espiritual»: boas ações, contemplação e proselitismo.

De acordo com a historiadora Barbara Metcalf, a Tablighi Jamaat funcionava tradicionalmente como um grupo de autoa-juda, muito semelhante aos Alcoólicos Anónimos, e a maior parte dos especialistas afirma que não é mais dada à violên-cia do que os Adventistas do Sétimo Dia, aos quais a Tablighi Jamaat é frequentemente comparada.3 No entanto, um membro da Tablighi Jamaat contou à coautora Jessica Stern que era comum os grupos jihadistas recrutarem abertamente no quartel-general da organização em Raiwind, Paquistão.4

Em 1989, apenas três meses depois de se ter juntado à Tablighi Jamaat, al-Zarqawi aderiu ao movimento de insurgên-cia contra a ocupação do Afeganistão pela União Soviética, isto numa altura em que os soviéticos já estavam a retirar. A guerra deixara-o para trás.

Al-Zarqawi ainda não era um líder, nem mesmo um comba-tente. Passou grande parte do tempo a trabalhar em newsletters jihadistas no Afeganistão e, do outro lado da fronteira, no Pa-quistão. Embora este possa parecer um começo humilde para al-guém que sonhava com o combate, o seu contacto com os meios de comunicação social jihadistas viria a revelar-se útil mais tarde.

No entanto, isso não era de todo claro na altura. «Quando al-Zarqawi chegou ao Afeganistão era um zero à esquerda», con-tou um dos seus companheiros jihadistas à jornalista Mary Anne Weaver, «um homem sem carreira, que se limitava a vaguear de um lado para o outro.»5

Al-Zarqawi viria, mais tarde, a treinar — e acabaria mesmo por combater — em algumas das batalhas mais violentas que

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ocorreram no caos pós-soviético que grassou no Afeganistão, quando as fações afegãs começaram a lutar umas contra as ou-tras pelo controlo do país. Conseguiu encontrar um objetivo e conquistou um certo respeito aos olhos dos seus pares. A expe-riência mudou-o.

«Isto não é tanto acerca do que al-Zarqawi fez na jihad — é sobre o que a jihad fez por ele», disse o jihadista a Weaver.6

Talvez mais importantes tenham sido as muitas relações que forjou durante esse período. Os jihadistas que recrutou ou conheceu durante esse período viriam a formar, um dia, o nú-cleo de uma rede internacional. E um novo amigo revelou-se especialmente importante para o futuro de al-Zarqawi — o xeque Abu Muhammad al-Maqdisi, um dos arquitetos do Salafismo jihadista, uma ideologia baseada no princípio de que qualquer governo que não dirija o país de acordo com uma interpretação estrita da Sharia é um regime infiel que tem de ser alvo de uma oposição violenta (poderá encontrar uma descrição mais comple-ta no apêndice).7

Al-Maqdisi viria a tornar-se um pai espiritual e amigo próximo de al-Zarqawi, apesar dos seus passados muito diferentes: clérigo experiente de origem palestiniana, al-Maqdisi vivera em vários paí-ses árabes antes de se instalar na Jordânia, e era o «monge livresco da fatwa»; al-Zarqawi emergiria como o homem que viria a testar as teorias de al-Maqdisi «em tempo real e numa guerra real».8

Os dois homens regressaram à Jordânia em 1993. Envolveram- -se numa série de operações terroristas falhadas, que culmina-ram na sua detenção por porte ilegal de armas e por pertencerem a uma organização jihadista banida.9

De acordo com Nir Rosen, que entrevistou muitos dos pares jordanos de al-Zarqawi, tanto o Afeganistão como a prisão trans-formaram o jihadista:

O tempo que passaram na prisão foi tão importante para o movimento quanto as suas experiências no Afeganistão, unin-do homens que tinham sofrido juntos e dando-lhes tempo para

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formularem as suas ideias. Para alguns também foi educativo. Um jihadista experiente que conheceu al-Zarqawi no Afeganis-tão disse-me: «Quando ouvi al-Zarqawi a falar, nem acreditei que se tratava do mesmo al-Zarqawi. Mas seis anos de prisão deram-lhe uma boa oportunidade para se educar.»10

Al-Zarqawi tentou recrutar os seus companheiros de cárcere, para que o ajudassem a derrubar a liderança jordana. Em 1999, depois de sair da prisão, al-Zarqawi participou na falhada «Cons-piração Milénio», arquitetada para dia 1 de janeiro de 2000 — o plano era lançar ataques bombistas contra dois locais sagrados cristãos, um posto fronteiriço entre a Jordânia e Israel, e o hotel Radisson, em Amã, com 400 quartos repletos.

No entanto, foi de novo frustrado e o plano anulado pelos serviços de segurança jordanos.11 Al-Zarqawi conseguiu fugir, primeiro para o Paquistão e, daí, para o Afeganistão, onde co-nheceu Osama bin Laden.12

De acordo com a maior parte dos relatos, o encontro com Bin Laden não correu bem. E porque haveria de correr? Os dois homens estavam unidos apenas por um compromisso genérico com uma jihad violenta. Bin Laden e os seus primeiros segui-dores eram, na sua maioria, membros de uma elite intelectual, educada, ao passo que al-Zarqawi não passava de um rufia, qua-se sem educação mas muito arrogante.

Numa versão, relatada por Mary Anne Weaver, esse primeiro encontro é descrito como desconfortável. Bin Laden sentiu-se in-comodado com a insistência de al-Zarqawi em que todos os muçul- manos xiitas deviam ser mortos, um argumento ideológico aceite apenas pelos jihadistas sunitas mais extremistas, que acreditam que os xiitas não são verdadeiros muçulmanos. Al-Zarqawi mos-trou-se arrogante e desrespeitoso para com Bin Laden. Outros ele-mentos da al-Qaeda sentiram que o jovem e impertinente jihadista tinha, contudo, os seus méritos. Acabaria por lhe ser permiti-do instalar o seu próprio campo de treino no Afeganistão, em-bora este não tivesse ficado oficialmente sob alçada da al-Qaeda.

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As diferenças — que se tornaram públicas no dia em que Bin Laden e al-Zarqawi se conheceram pessoalmente — continuariam a definir a relação entre os dois jihadistas nos anos vindouros.13

Durante os cinco anos seguintes, al-Zarqawi operou de for-ma independente — embora tivesse o apoio de Bin Laden e da al-Qaeda Central. O seu campo de treino em Herat, Afeganistão, foi sustentado com financiamentos da al-Qaeda, com o consen-timento do mullah Omar, o líder dos Talibã. Al-Zarqawi passou tempo no Irão, na Síria e no Líbano, onde recrutou novos com-batentes e fez crescer a sua rede. Estava mais preocupado com a jihad nos países muçulmanos, como a Jordânia, enquanto Bin Laden estava ocupado com o Ocidente, em particular com o seu espetacular atentado terrorista, há muito planeado, em solo ame-ricano. Nos dias que antecederam o 11 de Setembro, Bin Laden procurou repetidamente a bayah — um juramento de fidelida-de religiosamente vinculativo — de al-Zarqawi. Este recusou-se a aceder.14

Ainda assim, quando depois de 11 de Setembro os america-nos invadiram o Afeganistão, al-Zarqawi combateu para defen-der a al-Qaeda e os talibãs.15 Ferido em combate, fugiu para o Irão em 2002, e daí para o Curdistão Iraquiano16, onde se juntou ao Ansar al-Islam, um grupo jihadista curdo. Os curdos são um grupo étnico que habita o Curdistão, uma região que inclui zo-nas contíguas do Irão, da Turquia, da Síria e do Iraque.

O facto de al-Zarqawi ter feito parte do Ansar al-Islam seria, mais tarde, apresentado como prova, pelos Estados Unidos, de que ele e a al-Qaeda estavam a colaborar com Saddam Hussein. Porém, o grupo curdo a que al-Zarqawi se tinha juntado considerava o re-gime iraquiano apóstata e desejava estabelecer um estado salafita governado pela Sharia.17 Ironicamente, foi a invasão do Iraque que empurrou al-Zarqawi para uma aliança com Bin Laden e que con-duziu a uma presença duradoura da al-Qaeda no Iraque.18

Armados com uma exuberância irracional e uma mão cheia de pretextos dúbios para dar início à guerra, os Estados Uni-dos e seus aliados invadiram o Iraque a 20 de março de 2003.

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A invasão fora justificada através de alegações exageradas de que o Iraque possuía, ou estava perto de possuir, armas de destruição maciça, e pela falsa acusação de que Saddam Hussein se aliara à al-Qaeda. Ainda que o Iraque tivesse um longo historial de patro-cínio de grupos terroristas, a al-Qaeda não era um deles.

O nome de al-Zarqawi tornou-se famoso no Ocidente em ge-ral quando a administração Bush o descreveu como o elo entre a al-Qaeda e Saddam Hussein, afiançando que o Iraque tinha abri-gado no interior das suas fronteiras os terroristas — que agora geravam o caos, em total impunidade.

«A partir da sua rede terrorista em Bagdade, al-Zarqawi pode dirigir a rede no Médio Oriente e mais além», afirmou o secretá-rio de Estado Colin Powell perante o Conselho das Nações Uni-das.19 No entanto, al-Zarqawi não estava a colaborar com Saddam nem era membro da al-Qaeda.20

Nos primeiros dias após a invasão, muitos iraquianos fica-ram extasiados com o facto de o brutal ditador ter sido afastado do poder. A 9 de abril, Bagdade já tinha caído e Saddam Hussein fugira. Em maio, o presidente Bush anunciava: «Missão cum-prida».

Bush tinha encabeçado uma estratégia de «Guerra ao Terror», algo que justificaria repetidamente, mais tarde, argumentando que «Estamos a combater os terroristas no exterior, para que não tenhamos que os enfrentar em casa.»21

A afirmação revelou-se uma meia verdade. O Iraque seria um para-raios para os jihadistas, que se até então não haviam sido capazes de operar com sucesso no Iraque, para lá conver-giram nessa altura, de modo a combater as tropas americanas: a invasão reforçava as alegações jihadistas sobre os desígnios hegemónicos da América no Médio Oriente, oferecendo um filão de recrutamento na altura em que os terroristas mais necessitavam.

Os líderes jihadistas por todo o mundo descreveram a ocu-pação dos Estados Unidos como uma dádiva para o seu movi-mento — que começara a declinar, em grande medida devido

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à destruição a base da al-Qaeda no Afeganistão. Abu Musab al-Suri, um dos estrategas mais proeminentes da jihad, alegava que a guerra no Iraque salvara, quase sozinha, o movimento.22

Como o presidente Bush alegara, o Iraque transformara-se numa «frente central» na guerra ao terrorismo.23 No entanto, tra-tava-se de uma frente criada pelos Estados Unidos.24

Pouco depois da invasão, o terrorismo dentro das fronteiras do Iraque aumentou precipitadamente.25 Nos primeiros doze meses a seguir à invasão americana ocorreram 78 atentados terroristas; nos segundos, este número quase quadruplicou, atingindo os 302 atentados.26 No auge da guerra, em 2007, os terroristas reclama-ram as vidas de 5425 civis e causaram ferimentos em 9878.27 A vio-lência também aumentou fora do Iraque, como em 2005, quando a al-Qaeda no Iraque realizou atentados bombistas contra três hotéis em Amã, na Jordânia.28 O ataque teve por alvo hotéis detidos por ocidentais, mas as vítimas foram quase todas jordanas, o que pro-vocou uma intensa reação dentro da Jordânia, e enfureceu muitos jihadistas, que temeram que a operação tivesse destruído qualquer hipótese de a al-Qaeda conquistar algum apoio no país.29

O Iraque entrou em guerra civil e a missão aliada depressa passou do combate para a construção de uma nação. Aquando desta mudança de direção, o presidente Bush nomeou L. Paul Bremer chefe da Autoridade Provisória da Coligação no Iraque. As primeiras grandes decisões de Bremer — o desmantelamento do exército e o despedimento de todos os membros do Partido Baath, de Saddam Hussein, de lugares no serviço público — aju-daram ainda mais à subsequente desestabilização do Iraque.

Mais de 100 000 baathistas sunitas foram afastados do gover-no e do exército, e condenados ao desemprego, o que os deixou num estado de fúria — sendo que o pessoal militar estava arma-do.30 O tenente-general Jay Garner emitiu um aviso, afirmando que tal política transformava um grande número de iraquianos educados e experientes em «potenciais recrutas para [o movi-mento] insurgente que se estava a formar».31 Um setor importan-te atingido pela purga foi o das patrulhas fronteiriças iraquianas,

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que, enfraquecida, ofereceu pouca resistência ao fluxo dramático de combatentes estrangeiros que entravam no país.32

Al-Zarqawi estava lá para aproveitar a oportunidade.

A Ascensão de al-Zarqawi

A carreira de al-Zarqawi como terrorista tinha sido, em grande medida, marcada por falhanços e frustrações, mas a invasão americana, ao criar um ambiente adequado às suas táticas bru-tais e ao seu sectarismo raivoso, galvanizou-o a agir.

Os ramos sunita e xiita do Islão dividiram-se pouco depois da morte de Maomé, por causa da questão de quem sucederia ao Profeta do Islão como líder dos muçulmanos, ou Califa. Os suni-tas acreditam que o Califa pode ser escolhido pelas autoridades muçulmanas. Os xiitas acreditam que o Califa tem de ser um descendente direto do Profeta através do seu genro e primo Ali.

Com o passar das gerações, esta divisão conduziu a diferenças doutrinais e, por vezes — pese embora também tenham existido longos períodos de paz e cooperação —, a conflitos ou guerra sectária abertos. Hoje em dia, as tensões sectárias estão intensa-mente fundidas com as políticas locais e regionais.

Sob o governo de Saddam Hussein, que era um muçulmano su-nita, a maioria xiita do Iraque fora perseguida, massacrada aos milha-res e impedida de qualquer participação política. Depois da Guerra do Golfo Persa, em 1991, alguns xiitas ergueram-se contra Hussein na esperança de obterem apoio do Ocidente, mas foram esmagados pelo regime, o que resultou em dezenas de milhares de mortos.

«Foi então que o regime de [Saddam] Hussein se tornou mui-to mais sectário e colocou bastas restrições aos xiitas iraquianos, às suas instituições e líderes religiosos, e aos peregrinos xiitas que outrora visitavam o país», afirma Phillip Smyth, que estuda as políticas xiitas e iranianas e o extremismo na região. «Além disso, o seu regime assumiu uma base muito mais tribal, o que significa que estava a usar sunitas que provinham, sobretudo, da região de Tikrit.»33

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A invasão pelos Estados Unidos e os esforços subsequentes para instituir um sistema democrático no Iraque tinham elevado os xiitas, há muito reprimidos, a uma posição de poder político, ao mesmo tempo que a Baathificação privara milhares de suni-tas dos seus direitos.

A mudança também representou uma alteração significativa nos interesses e relações dos Estados Unidos na região. A Re-volução Iraniana de 1979 instalou no poder uma teocracia xii-ta alimentada por um sentimento antiamericano; desde então, a maior parte dos países aliados dos Estados Unidos no Médio Oriente eram governados por regimes explicitamente sunitas.

«Os oficiais eleitos do governo iraquiano pós-guerra são os primeiros líderes xiitas com os quais os Estados Unidos tiveram contacto direto e significativo desde a revolução iraniana», es-creveu Vali Nasr, no seu livro The Shia Revival, defendendo que a América imaginara que, no rescaldo da sua intervenção, se er-gueriam democracias sunitas, e que estava mal preparada para a política religiosa que se seguiu.

Mesmo sem a presença de al-Zarqawi para agitar as águas, o Iraque do pós-guerra tinha tudo para dar origem a um conflito sectário — contudo, este perdeu pouco tempo a explorar a opor-tunidade.

Em agosto de 2003, os homens de al-Zarqawi realizaram um atentado bombista contra a sede da missão da ONU e a em-baixada da Jordânia em Bagdade, estabelecendo um padrão de violência em rápida escalada. No final de agosto, atacaram uma importante mesquita xiita com um bombista suicida, matando pelo menos noventa e cinco pessoas, incluindo o alvo principal de al-Zarqawi, o ayatollah Muhammad Bakr al-Hakim, um dos mais proeminentes e amados clérigos xiitas no Iraque.34

Apesar das tensões entre al-Zarqawi e Bin Laden, em 2004 al-Zarqawi declarou, finalmente, bayah (fidelidade) a Bin Laden e anunciou a criação de um novo movimento jihadista: Tanzim Qaedat al-Jihad fi Bilal al-Rafidayn, ou a al-Qaeda na Terra dos Dois Rios, em referência ao facto de o Tigre e o Eufrates convergirem

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no Iraque.35 Este movimento tornou-se mais conhecido no Ocidente simplesmente como al-Qaeda no Iraque, ou AQI. Aaron Zelin, o maior especialista sobre a al-Qaeda e o Estado Islâmico, descreveu a sua relação como um «casamento de con-veniência»36, e não como um encontro de mentes.

Ao longo dos meses seguintes, al-Zarqawi e o seu novo grupo continuaram a semear a discórdia e a atrair a atenção internacio-nal. Os atentados suicidas tornaram-se uma tática comum, o que conduziu a uma reprimenda do seu próprio mentor espiritual, al-Maqdisi.37

Os combatentes estrangeiros também acorreram em grande número para se juntar à AQI, muitos deles atravessando rotas de tráfico já estabelecidas na Síria. A maior parte tinha a sua origem na Arábia Saudita, mas provinham também, em número signifi-cativo, da Líbia, do Iémen, de outros pontos do Norte de África e da Síria. O regime sírio fez grande alarde do seu combate ao trá-fico transfronteiriço, mas com pouco sucesso. «Por cada exem-plo de cooperação por parte da Síria, existe um número igual de incidentes em nada úteis», relatou um agente dos serviços secretos a um jornalista.38

Al-Zarqawi e a AQI também usaram a Internet para promo-ver a sua causa de uma forma que a al-Qaeda Central nunca conseguira dominar por completo. Sob pressão dos esforços de contraterrorismo no Afeganistão e no Paquistão, as publica-ções da al-Qaeda nas redes sociais estavam a transformar-se em longos e entediantes vídeos de Bin Laden e Ayman al-Zawahiri, o adjunto de Bin Laden, em palestras sobre a causa jihadista; al-Zarqawi e a AQI, pelo contrário, começaram a publicar ima-gens violentas de atentados terroristas e decapitações, e a distri-buí-las online. (Ver Capítulo 5).39

Apesar da sua jura de bayah, al-Zarqawi continuou a agir de forma independente da al-Qaeda Central, e seguiu uma estra-tégia por vezes em desacordo com a abordagem de Bin Laden. No centro da disputa estavam as questões inter-relacionadas do takfir e do uso da selvajaria extrema como arma.

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Takfir, o pronunciamento de alguém como um não crente e, como tal, não mais um muçulmano, é uma questão muito grave no Islão.40 Entre os jihadistas, um tal pronunciamento é enten-dido como uma autorização velada para considerar o(s) sujeito(s) apóstata(s) e matá-lo(s).

Bin Laden sentia-se profundamente perturbado pelos grupos jihadistas que tinham por alvo civis muçulmanos. Muitas car-tas retiradas do seu covil em Abbottabad, quando foi morto em maio de 2011, realçam a sua frustração com grupos regionais que eram indisciplinados na escolha dos seus alvos. Incitava os seus subordinados da al-Qaeda a evitarem ataques domés-ticos que provocassem fatalidades entre os civis muçulmanos sunitas, insistindo para que se concentrassem antes em alvos americanos.41 Bin Laden levava esta questão muito a sério; tinha retirado o seu apoio ao Grupo Islâmico Armado da Argélia, em 1996, devido à «preocupante ideologia» do grupo.42

Al-Zawahiri, que viria a assumir o controlo da al-Qaeda de-pois da morte de Bin Laden, tentou refrear as práticas sangrentas de al-Zarqawi. Numa carta de 2005, al-Zawahiri avisou o líder da al-Qaeda no Iraque de que estava a agir com demasiada liberda-de no seu ataque a civis muçulmanos, e era excessivamente dado a exibir «cenas de chacina».43

Relutantemente, al-Zarqawi implementou alguns dos con-selhos de al-Zawahiri. No entanto, o que o líder mais velho via como fraquezas e excessos, o mais jovem, bem como os seus se-guidores, encarava como desígnio. al-Zarqawi encontrou o apoio ideológico para esta sua tendência preexistente num importante texto jihadista da autoria de um ideólogo conhecido como Abu Bakr Naji (um pseudónimo).

Escrito em 2004, o tratado de 113 páginas, em arábico, tinha por título Idarat al-Tawahhush ou, em inglês, The Management of Savagery: The Most Critical Stage Through Which the Ummah Will Pass*. Atribuído a uma divisão da al-Qaeda dedicada à investigação

* A Gestão da Selvajaria: A Fase Mais Crítica Pela Qual Passará a Ummah, em tradução livre. [N. do T.]

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e à análise, tinha sido publicado online por um dos primeiros fóruns jihadistas na Internet, conhecido como al-Ekhlas, que já não existe. Foi traduzido para inglês, em 2006, pelo notável estu-dioso do Islão político Will McCants e publicado pelo Centro de Combate ao Terrorismo em West Point.44

The Management of Savagery é uma compilação de lições aprendidas com anteriores falhanços jihadistas, bem como um avanço no pensamento sobre a direção futura do movimento. Delineia fases da luta jihadista, incluindo:

• Perturbação e exaustão: Durante a qual os atentados terroristas prejudicam a economia das potências inimi-gas e desmoralizam as suas populações.

• Gestão da Selvajaria: Uma fase de resistência violenta, com ênfase na realização de atos de violência muitíssi-mo visíveis, com a intenção de enviar uma mensagem tanto aos aliados quanto aos inimigos.

• Tomada do poder: O estabelecimento de regiões contro-ladas pelos jihadistas que possam, subsequentemente, crescer e unir-se com vista à recriação do califado.45

Naji recomendava arrastar os Estados Unidos para uma série contínua de conflitos no Médio Oriente, por forma a destruir a sua imagem de invencibilidade; também apoiava um abraçar, e até um difundir, da violência crua como ferramenta para motivar futuros recrutas e desmoralizar os inimigos.

O tratado de Naji foi amplamente lido e influenciou muitos no Iraque — talvez mais do que em qualquer outra parte. Em-bora a al-Qaeda no Iraque e os seus sucessores não se impor-tassem de improvisar quando isso lhes convinha, a influência do Management era claramente visível tanto na sua estratégia militar como mediática.46

O uso e a ilustração da violência estão entre os elementos mais importantes da estratégia:

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Os que, durante as suas vidas, não entraram corajosamen-te em guerras, não compreendem o papel da violência e da rudeza contra os infiéis, no combate e nas batalhas mediáticas […] A realidade deste papel tem de ser compreendida, explican-do-a aos jovens que querem lutar […] Se não formos violentos na nossa jihad, e se a moleza se apoderar de nós, esse será um importante fator na perda do elemento da força, que é um dos pilares da Ummah da Mensagem.47

Al-Zarqawi também foi influenciado por outro ideólogo jiha-dista, Abu Musab al-Suri, cujo livro de 1600 páginas, A Call to a Global Islamic Resistance*, defendia magistralmente a chamada «resistência sem líder», isto é, o uso dos chamados atentados dos lobos solitários (ver Capítulo 3).

Menos debatido era o conjunto das profecias apocalípticas do livro. Al-Zarqawi publicou muitos comunicados que detalhavam a sua realização das profecias de al-Suri (ver Capítulo 10). Estas incluíam lutas apocalípticas contra os «persas», que podem ser entendidos como xiitas ou iranianos.48

Al-Zarqawi guardava há muito um ódio implacável pelos mu-çulmanos xiitas, um ódio que precedia a publicação do livro de al-Suri. Os dois homens podem ter-se cruzado no início dos anos 90 do século xx, quando ambos participavam em causas jiha-distas no Afeganistão. Muitas horas de vídeos com palestras de al-Suri foram amplamente distribuídas online.49

Ao mesmo tempo que al-Zarqawi e a AQI semeavam a discórdia com os seus ataques violentos e sectários, em dezembro de 2005 os iraquianos votavam para eleger, pela primeira vez, um governo e um parlamento que deveriam cumprir um mandato inteiro.50 Em 2006, o presidente recém-eleito, Jalal Talabani, um curdo su-nita popular tanto entre os sunitas como entre os xiitas, foi pres-sionado a chegar a um compromisso com os constituintes xiitas, nomeando Nuri al-Maliki para primeiro-ministro, substituindo outro político xiita que era acusado de favorecer os árabes sunitas.51

* Um Apelo à Resistência Islâmica Global, em tradução livre. [N. do T.]

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Na altura, al-Maliki também era visto como uma opção me-nos sectarista e menos vinculada ao vizinho Irão, que assumira um interesse crescente pelas políticas iraquianas desde a queda de Saddam Hussein.52 Ambas as expectativas estavam destina-das a provocar uma enorme deceção.

A Queda de al-Zarqawi

O reino de terror de Abu Musab al-Zarqawi tinha deixado a sua marca no Iraque, dando início a uma cascata de violência, ao mesmo tempo que al-Zarqawi se mantinha concentrado em alvos sectários, apesar de todas as objeções da al-Qaeda Central. Em fevereiro de 2006, a mesquita de al-Askari, em Samarra, so-freu um atentado bombista perpetrado por militantes, que resul-tou em sérios danos para a sua estrutura. A AQI não reclamou o crédito pelo ataque, mas um seu membro, capturado mais tarde, confessou tê-lo orquestrado. Na mesquita, considerada um local sagrado, estavam enterrados os restos mortais de antigos imãs xiitas, e embora ninguém tivesse perdido a vida no atentado, este desencadeou uma onda de violência sectária entre ambos os lados. Logo no primeiro dia houve dezenas de ataques retaliató-rios, e milhares foram mortos nos dias que se seguiram. O aten-tado foi largamente entendido como o catalisador de uma guerra civil sem restrições, que ameaçava toda a nação, pressagiando o gigantesco derramamento de sangue que se seguiria.53

Nada Bakos, a oficial da CIA encarregada de derrubar al-Zarqa-wi, estava plenamente consciente dos passos em falso que tinham transformado o seu alvo num perigo imediato para a contínua es-tabilidade do Iraque. Escrevendo para a Foreign Policy, afirmou:

A guerra no Iraque ofereceu à al-Qaeda uma nova frente para a sua luta contra o Ocidente […] Os Estados Unidos não «dominaram» a al-Qaeda no Iraque; ajudaram, inadvertida-mente, al-Zarqawi a evoluir de um extremista solitário com uma rede pouco firme para um líder carismático da al-Qaeda.54

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Em junho de 2006, os esforços de Bakos e inúmeros outros foram premiados num ataque aéreo que matou al-Zarqawi. Sen-tia-se otimismo perante as alterações que a sua morte pode-riam trazer à situação no Iraque. A esperança era que, com a eliminação dos líderes de topo da AQI — uma estratégia iro-nicamente denominada como decapitação —, a organização desmoronasse.

No seu briefing sobre o ataque, o Departamento de Defesa publicou uma fotografia do cadáver de al-Zarqawi, um erro de cálculo quando se lida com um movimento que glorifica o mar-tírio e que não tem quaisquer inibições em relação a imagens de morte. Passadas vinte e quatro horas, todos os apoiantes online da al-Qaeda usavam a fotografia do cadáver de al-Zarqawi online em banners, vídeos e tributos ao seu martírio.55 (A lição aprendida foi posta em prática em 2011 quando Osama bin Laden foi morto; não foram reveladas fotografias e o corpo foi secretamente enterrado no mar.)

Al-Zawahiri emitiu uma declaração elogiando al-Zarqawi, louvando-o pelo seu comprometimento para com a causa e enal-tecendo os grandes serviços que realizara enquanto servo da al-Qaeda.56 Usou o panegírico como uma oportunidade para ape-lar à AQI para estabelecer um estado islâmico. Passados poucos meses, uma coligação de jihadistas insurgentes, conhecida como Conselho Shura Mujahideen anunciava a formação do Estado Is-lâmico do Iraque (ISI). A formação do conselho tinha resultado, em parte, do reconhecimento pela AQI de que não podia conti-nuar a competir contra outras fações jihadistas na sua esfera de influência, e de que era necessária, pelo menos, uma aparência de compromisso.57 O sucessor de al-Zarqawi como líder da AQI, Abu Hamza al-Muhajir, um experiente combatente egípcio, ju-rou lealdade ao ISI e ao seu recém-nomeado líder, Abu Omar al-Baghdadi, sobre quem pouco se sabe.58

Brian Fishman, que, enquanto membro da New America Foundation, seguiu de perto a al-Qaeda no Iraque, escreveu que durante algum tempo a influência de al-Zawahiri se apoderou

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desta. O ISI distanciou-se da carnificina sectária e comprometeu- -se com os objetivos que al-Zawahiri definira para al-Zarqawi:59

Estabelecer uma autoridade islâmica ou emirado, depois desenvolvê-lo e apoiá-lo até alcançar o nível de um califado — sobre todo o território em que seja possível estender o seu poder no Iraque, ou seja, nas áreas árabes sunitas, para preencher o vazio surgido com a partida dos americanos, imediatamen-te após a sua saída e antes que forças não-islâmicas tentem preencher este vazio.60

Al-Zawahiri viria a arrepender-se de parte deste conselho.Embora começasse «do zero», o ISI continuou a perseguir

civis ao mesmo tempo que a violência crescia, vinda de múlti-plas direções. Em dezembro de 2006, eram mortos, em média, 53 civis a cada vinte e quatro horas.61 Em resposta aos crescentes níveis de violência, o general americano David Petraeus realizou um «aumento» das tropas dos Estados Unidos no Iraque com o objetivo de proteger a população iraquiana contra os ataques levados a cabo pelo ISI e outros grupos violentos. Tal exigia não apenas um acréscimo no número de efetivos, como também uma estratégia completamente nova.

Em vez de concentrar as tropas americanas em grandes ba-ses e passar a responsabilidade, tão depressa quanto possível, às forças iraquianas, o general Petraeus enviou os soldados para os bairros mais afetados pela violência jihadista. Quando os ira-quianos se aperceberam de que os soldados estavam ali para os protegerem, começaram a dizer às forças americanas, de acordo com o relato do general, «Ouça, deixem-nos dizer-vos quem são os maus, porque os queremos fora do nosso bairro.»62

De acordo com Petraeus, a chave para recrutar árabes sunitas, de modo a juntarem-se aos americanos na luta contra a al-Qaeda, era garantir-lhes que ficavam em segurança. Também teve de persuadir os seus próprios comandantes a trabalharem com an-tigos insurgentes que tinham sido alvo das forças americanas.

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Ao longo do tempo, milhares de antigos insurgentes juntaram- -se à luta para proteger as suas comunidades contra a violência, como parte do chamado Conselho do Despertar sunita, ou Filhos do Iraque.63 O Movimento do Conselho do Despertar foi uma parte crítica do esforço para derrotar a AQI. Para além da repulsa que sen-tiam em relação às táticas e à chacina indiscriminada daquele braço da al-Qaeda, os membros da milícia eram atraídos pela promessa de virem a ser integrados de forma permanente no exército iraquia-no e nas forças policiais locais. Muitos, contudo, encaravam tais promessas com ceticismo, e o seu ceticismo revelar-se-ia avisado.64

Esta estratégia atingiu os seus objetivos, ainda que apenas temporariamente. Em 2008, a al-Qaeda e outros movimentos violentos já não dominavam o país e a situação estabilizara. As relações entre as diversas comunidades religiosas e éticas ti-nham melhorado consideravelmente, tal como a economia. Em 2008, al-Maliki surpreendeu os observadores ao enviar o exérci-to iraquiano contra as poderosas milícias xiitas — que também se tinham oposto à ocupação dos Estados Unidos — em Baçorá e na zona de Sadr City, em Bagdade, acalmando temporariamen-te as preocupações com o favoritismo sectário.65

«Era uma nova atmosfera, repleta de promessas», escreveu Zaid al-Ali, autor de The Struggle for Iraq’s Future: How Corruption, Incompetence and Sectarianism Have Undermined Democracy.66 Os oficiais dos Estados Unidos, os serviços de segurança estatais, as forças tribais e alguns grupos armados tinham forjado um acordo para trabalhar em conjunto contra os grupos mais extre-mistas que aterrorizavam a população iraquiana. As principais estradas nessas áreas estavam repletas de bandeiras do Conselho do Despertar, e os combatentes locais tinham decidido proteger da al-Qaeda os iraquianos comuns.»67

No entanto, em 2010, a coligação do Estado de Direito de al-Maliki foi incapaz de alcançar uma maioria clara de lugares no parlamento, colocando em risco a sua posição de primeiro- -ministro. Seguiu-se uma série de manobras políticas, algumas das quais de questionável legalidade.

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Zalmay Khalilzad, embaixador dos Estados Unidos no Iraque entre 2005 e 2007, acredita que al-Maliki se virou para o Irão em busca de apoio para manter a sua posição.68 Phillip Smyth concorda, afirmando que a coligação de al-Maliki foi reforçada pela adição de representes iranianos, como a Organização Badr, uma extensão das milícias armadas e financiadas pelo Irão, que remontam aos anos 80 do século xx. Como recompensa pelo seu apoio a al-Maliki, a Organização Badr obteve voz no governo, incluindo a nomeação de um dos seus membros como ministro do Interior do Iraque.69

Khalilzad acredita que foi a pressão do Irão que levou al-Maliki a insistir na partida das forças americanas, em 2011, no que se tornou um ponto de viragem na dimensão sectária da política iraquiana. O momento da saída fora inicialmente nego-ciado pela administração Bush. A administração Obama propôs uma prorrogação, mas as negociações com o governo iraquiano falharam.70 De acordo com Ryan Crocker, embaixador dos Esta-dos Unidos no Iraque de 2007 a 2009, quando os Estados Uni-dos retiraram as suas tropas, em 2011, também retiraram a sua «influência e os seus interesses».71

A administração tornou-se politicamente distante. «De sú-bito todos os telefonemas regulares entre o pessoal de alto ní-vel, as visitas de alto nível — tudo isto, basicamente, acabou», disse Crocker no programa Frontline do canal de televisão PBS, realçando o facto de, entre o final de 2011 e meados de 2014, ter ocorrido apenas uma visita ao Iraque por um funcionário de nível ministerial.

«Tendo em conta que estávamos fortemente ligados ao seu sistema político, eles, sem nós, não seriam capazes de funcionar de forma eficaz uns com os outros, para mais com tantas comu-nidades [sectárias]», disse Crocker. «Acho que o distanciamento [político] fez com que retrocedessem para um pensamento de soma zero.»72

Quando Crocker estava de saída do Iraque, avisou a adminis-tração americana — e não fora a primeira vez que o fizera — das

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tendências ditatoriais e sectárias de al-Maliki. Na sua opinião, este era motivado não pelo desejo de engrandecimento pessoal, mas pelo medo de que «mais tarde ou mais cedo uma coliga-ção de adversários o derrubasse».73 À conta do seu envolvimen-to com a oposição xiita clandestina, al-Maliki fora obrigado por Saddam a fugir de Bagdade, tendo passado vinte anos como exi-lado político na Síria e no Irão.74

Mesmo antes da partida das tropas americanas do Iraque, a desconfiança de al-Maliki em relação aos iraquianos sunitas conduziu à repressão dos líderes do Movimento do Conselho do Despertar, que tinham sido tão importantes na redução da ameaça de violência terrorista contra civis. Um dia depois das últimas tropas americanas terem deixado o Iraque, al-Maliki, então primeiro-ministro, emitiu um mandado de detenção para o vice-presidente sunita, Tariq Hashimi, acusado de terrorismo.75

Funcionários do governo americano concedem que alguns elementos das forças de segurança do vice-presidente Hashimi poderiam ser corruptos, ou terem estado envolvidos em conluios para assassinar os líderes xiitas, mas Hashimi fora um dos pri-meiros árabes sunitas no Iraque a concordar em participar no processo político, e fizera-o a grande custo pessoal.76 O seu afasta-mento levou os líderes políticos sunitas a boicotar o parlamento. Além disso, custou ao governo iraquiano o apoio das milícias do Conselho do Despertar, muitas delas compostas por com-batentes sunitas desempregados (cujas poupanças se tinham começado a esgotar), que eram assim lançados para um caldei-rão fervilhante de influências radicais.

Em vez de tentar reduzir o sentimento de privação de direitos dos sunitas, al-Maliki começou a purgar o governo de sunitas proeminentes, aumentando ainda mais as tendências sectárias.77 Apresentou queixas de terrorismo contra o seu popular ministro das Finanças e contra um parlamentar árabe sunita.78

A partir de dezembro de 2012, foram erguidos, nos bairros sunitas, incluindo Ramadi e Hawija, imensos acampamentos de protesto.79 No entanto, quando a bandeira da al-Qaeda começou

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a surgir esporadicamente nesse protestos, al-Maliki entrou em pânico. A 23 de abril de 2013 enviou os seus soldados para Hawi-ja, para dispersarem os «insurgentes e extremistas».80

O governo iraquiano relatou cinco civis mortos, mas a Human Rights Watch reportou números muito mais elevados.81 Observadores, incluindo o proeminente repórter Dexter Filkins, afirmaram ter visto centenas de cadáveres.82 Em dezembro de 2013, al-Maliki lançou de novo o seu exército contra um acampa-mento de protesto em Ramadi, onde cerca de 350 sunitas se ma-nifestavam contra as abusivas leis antiterroristas, reacendendo uma insurgência ativa.83

De acordo com a Amnistia Internacional, surgiram várias mi-lícias xiitas com o encorajamento e o apoio do governo iraquiano, envergando uniformes militares, e matando, com impunidade, árabes sunitas.84

Estes estavam desempregados, aterrorizados pelo seu governo e restavam-lhes poucas opções para além do apoio à insurgên-cia.85 Patrick Cockburn, um repórter há muito especializado no Médio Oriente, afirma que «O Sr. al-Maliki não tem culpa de tudo o que correu mal no Iraque, mas desempenhou um papel fundamental no empurrar da comunidade sunita para os braços do EI, algo de que se poderá vir a arrepender.»86

As condições no Iraque acabaram por se deteriorar de tal ma-neira que o Grande Ayatollah Ali Sistani, líder da comunidade xiita do país, reconheceu que os sunitas tinham preocupações legí-timas em relação à sua segurança e que o governo precisava de ser mais inclusivo em relação às minorias árabes sunitas e curdas.87

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