Necessidades e Expectativas Do Cidadao SaudeEmRede2010

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Saúde-em-Rede Março2010 1/18 CIDADÃO e SAÚDE DA RESPOSTA A NECESSIDADES À GESTÃO DE EXPECTATIVAS, INCLUINDO O PAPEL DOS MEDIA Célia Gonçalves, Isa Alves, Vítor Ramos ‘We shall never have all we needexpectations will always exceed capacity.’ Aneurin Bevan, arquitecto do NHS, 1948 1. Sumário Os sistemas de saúde modernos avançados, assentes nos valores da solidariedade, da equidade e da participação revelam-se, cada vez mais, como importantes instrumentos de promoção do bem-estar e da coesão social das sociedades. Porém, confrontam-se permanentemente com tensões e com “gaps” que devem ser capazes de gerir, resolver ou superar ao longo das fases do seu desenvolvimento. De entre estes, destacamos no âmbito deste texto: 1. A tensão entre necessidades sempre crescentes, expectativas pessoais e sociais cada vez mais exigentes e a inelutável limitação dos recursos disponíveis; 2. O “gap” entre as expectativas quanto à escolha de prestadores e de prestações e as limitações práticas, organizacionais, sócio-económicas, financeiras ou sistemico-legais a essa possibilidade de escolha; 3. O “gap” entre as expectativas de participação nas decisões de saúde e a efectiva participação na tomada dessas decisões; 4. O papel dos media na resposta adequada a necessidades e expectativas do público em matéria de informação sobre saúde e, também, na modulação ou distorção das percepções quanto a necessidades e expectativas em matéria de serviços e cuidados de saúde (reais, irreais, adequadas, inadequadas, com ou sem base científica, etc.) A superação destes “gaps” e tensões parece indissociável do desenvolvimento de atitudes e de práticas de cidadania por todos, em todos os níveis: profissionais de saúde, utilizadores dos serviços de saúde, dirigentes e gestores do sistema e dos serviços de saúde, decisores políticos, jornalistas, investigadores e todos os cidadãos em geral, ao quais devem procurar compreender o que está em causa e em jogo, procurando, no seu dia-a-dia, actuar com responsabilidade, “responsividade” e respeito em relação a si, aos outros, aos valores do sistema de saúde, aos objectivos sociais e de saúde, na defesa e no desenvolvimento do património comum que é o seu sistema de saúde. 2. Introdução Necessidades O tema das necessidades em saúde pode ser abordado sob diferentes bases teórico-conceptuais. Pode traduzir necessidades individuais ou colectivas; pode focalizar-se na prestação de cuidados ou num contexto mais alargado, incorporando determinantes ambientais e sociais; entre outras abordagens (Wright et al., 1998). Seleccionámos como referência a tipologia das necessidades sociais de Bradshaw (1972), que preconiza quatro categorias:

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    CIDADO e SADE

    DA RESPOSTA A NECESSIDADES GESTO DE EXPECTATIVAS, INCLUINDO O PAPEL DOS MEDIA Clia Gonalves, Isa Alves, Vtor Ramos

    We shall never have all we needexpectations will always exceed capacity. Aneurin Bevan, arquitecto do NHS, 1948

    1. Sumrio

    Os sistemas de sade modernos avanados, assentes nos valores da solidariedade, da equidade e da participao revelam-se, cada vez mais, como importantes instrumentos de promoo do bem-estar e da coeso social das sociedades. Porm, confrontam-se permanentemente com tenses e com gaps que devem ser capazes de gerir, resolver ou superar ao longo das fases do seu desenvolvimento. De entre estes, destacamos no mbito deste texto:

    1. A tenso entre necessidades sempre crescentes, expectativas pessoais e sociais cada vez mais exigentes e a inelutvel limitao dos recursos disponveis;

    2. O gap entre as expectativas quanto escolha de prestadores e de prestaes e as limitaes prticas, organizacionais, scio-econmicas, financeiras ou sistemico-legais a essa possibilidade de escolha;

    3. O gap entre as expectativas de participao nas decises de sade e a efectiva participao na tomada dessas decises;

    4. O papel dos media na resposta adequada a necessidades e expectativas do pblico em matria de informao sobre sade e, tambm, na modulao ou distoro das percepes quanto a necessidades e expectativas em matria de servios e cuidados de sade (reais, irreais, adequadas, inadequadas, com ou sem base cientfica, etc.)

    A superao destes gaps e tenses parece indissocivel do desenvolvimento de atitudes e de prticas de cidadania por todos, em todos os nveis: profissionais de sade, utilizadores dos servios de sade, dirigentes e gestores do sistema e dos servios de sade, decisores polticos, jornalistas, investigadores e todos os cidados em geral, ao quais devem procurar compreender o que est em causa e em jogo, procurando, no seu dia-a-dia, actuar com responsabilidade, responsividade e respeito em relao a si, aos outros, aos valores do sistema de sade, aos objectivos sociais e de sade, na defesa e no desenvolvimento do patrimnio comum que o seu sistema de sade.

    2. Introduo

    Necessidades

    O tema das necessidades em sade pode ser abordado sob diferentes bases terico-conceptuais. Pode traduzir necessidades individuais ou colectivas; pode focalizar-se na prestao de cuidados ou num contexto mais alargado, incorporando determinantes ambientais e sociais; entre outras abordagens (Wright et al., 1998). Seleccionmos como referncia a tipologia das necessidades sociais de Bradshaw (1972), que preconiza quatro categorias:

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    a) Necessidades normativas: definidas de acordo com uma norma ou critrio institucional e reconhecidas pelos profissionais. b) Necessidades comparativas: resultam das diferenas encontradas na comparao entre dois grupos semelhantes quanto prestao de um servio. c) Necessidades sentidas: conotadas geralmente com os desejos, podem ser vividas sem que haja uma manifestao concreta das mesmas. d) Necessidades expressas: correspondem a necessidades que, sendo sentidas, so tambm efectivamente manifestas, sendo importante reter que as pessoas podem sentir necessidades que no expressam, como podem tambm expressar necessidades que no sentem.

    Contudo, muitas das definies referidas na literatura para o conceito de necessidades em sade, incluindo a de Bradshaw, encerram dificuldades na resposta s necessidades genunas dos cidados, uma vez que no incorporam o conceito de eficincia, parecendo servir apenas para justificar os constrangimentos financeiros dos sistemas de sade (Asadi-Lari et al., 2003). Desta forma, uma definio que procure a obteno de um nvel ptimo de sade, ou seja, que assegure benefcio a um custo aceitvel, afigura-se como prefervel para alguns autores.

    Expectativas

    O conceito de expectativas, muitas vezes associado s necessidades expressas ou s exigncias do cidado, tem sido pouco estudado quer terica quer empiricamente (Janzen et al., 2005), pelo que a situao actual carece ainda de compreenso sobre a forma como as expectativas so moldadas e sobre o modo como afectam os comportamentos, as atitudes e os resultados em sade. O modelo mais referido na literatura identifica quatro tipos de expectativas (Thompson e Sunol, 1995): a expectativa ideal (por referncia a resultados desejados ou preferidos), a preditiva (por referncia a resultados esperados), a normativa (por referncia ao que suposto acontecer) e a no-formada (por ausncia ou por incapacidade de expresso). Olson et al. propem, ainda, classificar a formao de expectativas em relao aos seus antecedentes, particularmente, a experincia pessoal, a experincia ou opinio de terceiros, ou, ainda, as crenas pessoais, que podem resultar de vrias fontes de conhecimento, como os media, por exemplo (De Silva, 2000; Janzen et al., 2005). As expectativas constituem ainda um dos factores que determinam a satisfao com os servios de sade (Thompson e Sunol, 1995; Murray, 2001). De facto, a satisfao resulta de uma equao onde entram as expectativas prvias e a experincia concreta vivenciada. Por isso, as apreciaes subjectivas/satisfao 1 dos utilizadores so, em geral, mais positivas entre os utilizadores em relao s dos no utilizadores dos servios (Picker Institute Europe, 2007).

    Em suma, o tema das expectativas do cidado tem sido encarado como algo problemtico no contexto da sade. Seno vejamos: por um lado, os cidados so muitas vezes acusados de ter expectativas pouco realistas quanto aos servios e eficcia dos cuidados de sade, tendendo a ser ignorados os efeitos positivos que as altas expectativas podem gerar; por outro lado, os decisores polticos e gestores debatem-se com a dificuldade em conciliar a disponibilidade de recursos com as expectativas crescentes de cidados cada vez mais exigentes, constituindo a gesto desta tenso - entre o que faz os pacientes/cidados felizes e os custos econmicos associados (Josep Figueras2, 2009) o grande desafio dos sistemas de sade.

    1 Recentemente, a literatura tem-se focado especialmente na avaliao da experincia e no tanto da satisfao.

    2 Director do Observatrio Europeu de Sistemas e Polticas de Sade e do Centro Europeu de Poltica de Sade da OMS; debate realizado pela Patients Voice, em 2009

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    Pressupostos de anlise No enquadramento ao presente tema destacamos: 1) A Carta de Tallin

    Assente nos valores de solidariedade equidade participao, a Carta de Tallin (OMS, 2008) compromete os Estados-membros a promover transparncia e accountability, a apresentar resultados (necessidade de demonstrar bom desempenho) e a responder s necessidades, expectativas e preferncias dos cidados (responsiveness), reconhecendo simultaneamente os seus direitos e responsabilidades no que respeita prpria sade. Esta capacidade de resposta e de reconhecimento (responsiveness3) constitui um importante critrio de avaliao do desempenho dos sistemas de sade, atravs do Health System Performance Assessment4 (Veillard, 2009).

    2) O conceito de responsiveness Segundo a OMS (2000), o conceito de responsiveness incorpora sete dimenses: (1) dignidade, (2) autonomia, (3) confidencialidade, (4) disponibilidade, (5) apoio social, (6) amenidades e (7) escolha. Pode, ainda, ser abordado de duas formas: i) numa perspectiva de mercado, situando o cidado como consumidor de servios, cuja escolha um importante driver para a melhoria da qualidade; ii) numa perspectiva democrtica, estando relacionado com a salvaguarda de direitos, e situando o cidado num contexto alargado cuja participao activa dever influenciar a tomada de deciso (De Silva, 2000; Coulter, 2007a). 3) O que querem os utilizadores? Segundo o Picker Institute Europe, especializado em investigao sobre necessidades, expectativas e experincias em sade, os aspectos mais valorizados pelos utilizadores de servios de sade so (Coulter, 2007b):

    1) Rapidez de acesso aos cuidados de sade 2) Tratamento correcto prestado por profissionais competentes 3) Participao nas decises e respeito pelas suas preferncias 4) Informao clara, compreensvel e apoio autonomia 5) Ateno s necessidades fsicas e ambientais (amenidades) 6) Apoio emocional, empatia e respeito 7) Envolvimento de, e suporte a, familiares e cuidadores 8) Continuidade de cuidados

    4) Os direitos e os deveres A nvel Europeu, o art. 35 da Carta dos Direitos Fundamentais da Unio Europeia postula a garantia de um alto nvel de proteco Sade (www.europarl.europa.eu/charter).

    3 The ability of the health system to meet the population's legitimate expectations regarding their interaction with the

    health system, apart from expectations for improvements in health or wealth" 4 Est a ser utilizado, presentemente, para avaliao do sistema de sade portugus, atravs do ACS.

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    Em 2002, a proposta de uma Carta Europeia dos Direitos dos Pacientes (pela Active Citizen Network) visou o reconhecimento, por parte de todos os sistemas de sade da Europa, de 14 Direitos fundamentais, dos quais seleccionamos trs no mbito da presente anlise: 3) direito a informao; 4) direito de consentimento; 5) direito de livre escolha. Em 2009, o Euro Health Consumer Index colocou Portugal em 15 lugar, a par do Reino Unido5 e da Alemanha, no que respeita a direitos do paciente e informao (www. heathpowerhouse.com). A Carta dos Direitos e Deveres dos Utentes constituiu a fonte de referncia no caso portugus. No entanto, em 2006, a OMS dava conta de que Portugal dever dar mais ateno legislao sobre os Direitos dos Utentes. J em 2000, o Conselho da Europa apelava criao de estruturas de participao dos cidados em todos os aspectos do sistema de sade, suportadas por polticas e legislao adequadas ao exerccio desse direito.

    5 Supe-se que a recolha de informao para este estudo no reflectiu a criao da Constituio do NHS, a qual teve efeitos

    a partir de 1 de Abril de 2009 e que garante aos cidados britnicos o direito a exercer escolhas dentro do Servio Nacional de Sade e a obter informao de suporte a essas escolhas http://www.dh.gov.uk/dr_consum_dh/groups/dh_digitalassets/documents/digitalasset/dh_093451.pdf

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    3. TENSO entre NECESSIDADES, EXPECTATIVAS e SUSTENTABILIDADE DOS SISTEMAS DE SADE Situao actual De acordo com o INE, em 2006 os gastos em sade representavam 9,5% do PIB, sendo de 71,2% o peso dos gastos pblicos (INE, 2008). Admitindo estarmos actualmente perto dos 10%, como valorizar este nmero? socialmente aceitvel ir alm dele? Qual a percepo dos cidados? O estudo O Estado da Sade em Portugal - Acesso, Avaliao e Atitudes da Populao Portuguesa em relao ao Sistema de Sade d-nos conta do seguinte (Cabral e Silva, 2009):

    A Sade o sector para o qual, na opinio de 55% dos inquiridos, deve ser canalizado mais dinheiro pblico.

    As mulheres, os seniores (mais de 65 anos) e os menos escolarizados so os grupos que

    mais defendem o aumento do investimento em sade, correspondendo ao perfil dos que apresentam pior estado de sade. Estes so, contudo, quem tende a experienciar a pior resposta por parte da generalidade dos sistemas de sade (Smith, s/data), embora em Portugal se verifique que so os que mais recorrem ao SNS.

    O financiamento directo da sade sob a forma de seguros, de contribuies sociais ou taxas

    moderadoras no bem aceite pela populao portuguesa. Por outro lado, parece reunir concordncia (69%) a ideia de que o servio pblico de sade

    poder ser utilizado gratuitamente apenas por pessoas com recursos econmicos baixos; no obstante, este apoio mercadorizao parcial do sistema mais aparente do que real, uma vez que a maioria dos portugueses entrevistados no estudo tende a auto-incluir-se no grupo de baixos rendimentos.

    Para alm disso, o estabelecimento de prioridades no acesso a cuidados de sade, de difcil

    aceitao em pases onde vigoram sistemas universais de sade, como o portugus, obtm a concordncia declarada de cerca de 80% dos portugueses, desde que o critrio adoptado seja a gravidade da situao.

    Estudos noutros pases apontam para algum desconhecimento e insensibilidade face a questes de eficincia nas decises sobre medicamentos ou tratamentos (Rankin e Allen, 2007). Na opinio dos peritos participantes no think tank, o acesso actualmente a principal preocupao dos cidados no que respeita sade, sendo reconhecida a existncia de desigualdades na distribuio de recursos.

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    Evoluo previsvel Num futuro prximo, o sistema de sade portugus continuar a deparar-se com um aumento das necessidades em sade, potenciado pelo envelhecimento da populao, pela alterao dos estilos de vida e aumento da esperana de vida, pelas doenas crnicas e multimorbilidade de longa durao, pelos tratamentos mais avanados e dispendiosos e pela evoluo da tecnologia. Consequentemente, aumentaro tambm as expectativas criadas pelos progressos nas cincias biomdicas, que no caso concreto do cancro, por exemplo, sero insuportveis para a bolsa da grande maioria da populao (Sobrinho Simes in Escoval, 2008). Por outro lado, as expectativas crescentes do cidado esto associadas ao maior e mais facilitado acesso informao, pelo uso da internet6, pelas mensagens veiculadas nos meios de comunicao social, sobretudo junto de quem no tem experincia prpria sobre o que est em causa (Cabral e Silva, 2009). O cidado, mais exigente que nunca (Rankin e Allen, 2007), querer ter acesso ao que conhece e ao que tem direito, criando presso sobre a deciso poltica. No obstante o aumento previsvel dos gastos, as limitaes de recursos manter-se-o, ainda que possa esperar-se alguma margem de elasticidade desde que percepcionada a aquisio de valor. Face a estes desafios e constrangimentos, expectvel, na opinio dos peritos consultados, que o sistema de sade responda atravs de uma maior integrao dos cuidados, suportado na estabilidade e sustentabilidade das reformas em curso. Adicionalmente, prev-se ainda que o sistema e as organizaes de sade se tornem gradualmente mais abertos e mais dialogantes, quer atravs do desenvolvimento dos sistemas de informao quer por uma maior ateno ao cidado, nomeadamente, atravs da realizao de estudos que possam apoiar ou fundamentar a tomada de deciso. Factores crticos As dificuldades de ordem financeira com que se depara o sistema de sade portugus, potenciadas pela crise econmica global que se vive actualmente, constituem, segundo os peritos do think tank, uma ameaa capacidade de resposta do sistema.

    Algumas das medidas em debate para solucionar os problemas relacionados com a sustentabilidade do sistema de sade passam pela adopo de um modelo discriminatrio nos servios pblicos (Medina Carreira em Escoval, 2008), defendendo-se que se dever manter gratuito apenas para os cidados de rendimentos mais baixos.

    No entanto, tambm defendido que a introduo de mecanismos de mercado em contextos onde os sistemas pblicos de sade so muito fortes, como o caso de Portugal, dever ser acautelada, sob pena de se perder a confiana dos cidados.

    6 Em 2006, cerca de 20% da populao portuguesa utilizadora de internet afirmou utilizar esta plataforma para se informar sobre questes de sade (Espanha, 2009).

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    Alguns autores defendem a ideia de que para manter ou recuperar a confiana dos cidados e responder s suas elevadas expectativas torna-se necessrio legitimar as decises em sade (Rankin e Allen, 2007) e democratizar o sistema. O que poder passar por:

    Informar o pblico da dificuldade das decises que tm de ser tomadas, levando-o a compreender os limites da capacidade financeira dos sistemas de sade, o que remete para a necessidade de transparncia e de prestao de contas (accountability).

    Envolver o cidado e a comunidade no debate e na tomada de deciso sobre prioridades em sade.

    Fazer cumprir os mecanismos de participao j existentes, e nomeadamente, revitalizar e

    tornar consequente a carta de direitos de deveres do cidado, atravs de medidas concretas. A auscultao sistemtica das necessidades, expectativas e preferncias do cidado um caminho fortemente defendido pelos peritos no combate ao deficit democrtico e s desigualdades do sistema de sade.

    fundamental proceder realizao de estudos de avaliao das necessidades e expectativas, tanto a nvel nacional como local, enquanto forma de identificar inequidades na doena e no acesso aos servios, e determinar prioridades que possibilitem a melhor alocao possvel de recursos (Wright et al., 1998).

    Os mtodos de avaliao de necessidades podero envolver abordagens epidemiolgicas e de custo-eficincia, corporativas (procurando ouvir actores e grupos-chave) ou comparativas (especialmente teis na avaliao e comparao institucional e geogrfica da qualidade dos servios prestados), sendo que uma combinao entre elas resultar em maiores benefcios (Stevens e Gillam, 1998).

    O pblico poder ser envolvido atravs jris de cidados (citizens juries), painis consultivos,

    focus groups, questionrios e inquritos, entre outras metodologias (Jordan et al., 1998).

    Os utilizadores, em particular, devero ser ouvidos em relao s suas experincias concretas de contacto com os servios de sade, quer a nvel quantitativo (inquritos de satisfao, por exemplo) quer qualitativo (entrevistas narrativas, focus groups, reclamaes, mistery-shopping), constituindo a sua avaliao a verdadeira medida de desempenho do sistema de sade (Picker Institute Europe, 2009).

    No obstante o imperativo de orientar o sistema para o cidado, h que ter em ateno que as preferncias declaradas podero no traduzir a melhor qualidade de cuidados, no pressuposto de que existem deficincias ao nvel da informao e do conhecimento detidos pelos indivduos (Elwyn et al., 2007).

    Algumas questes em aberto Como deve ser promovida a transparncia? Como envolver o cidado no debate e na deciso, sem descredibilizar o sistema de sade? Como implementar sistemas adequados de accountability?

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    4. GAP entre EXPECTATIVAS e ESCOLHA Situao Actual Em Portugal, o exerccio de escolha de prestador est ainda confinado a quem opta pelo sector privado: em 2008, o recurso dos portugueses medicina privada, em alternativa aos servios pblicos, nas reas de medicina geral, medicina especializada, e mais concretamente, oftalmologia e estomatologia foi respectivamente de 16%, 35%, 45% e 57% (Cabral e Silva, 2009), pondo em evidncia o maior recurso aos servios do SNS comparativamente aos valores obtidos no estudo idntico realizado em 2001. Na opinio do grupo de peritos, a realidade em Portugal a de um sistema de sade marcadamente fechado ao exterior, ainda pouco centrado no cidado, e no qual a deciso se encontra centralizada. Qual a percepo dos cidados? No dispondo de evidncias sobre o que pensa o cidado portugus sobre a liberdade de escolha de prestador7, debruar-nos-emos sobre a situao no NHS Britnico, onde esta possibilidade vigora a ttulo parcial desde 2006, tendo sido consagrada como direito em 2009 com a Constituio do NHS. Um estudo realizado em 2009, junto de utentes referenciados ou agendados para consultas de especialidade (Robertson e Dixon, 2009), mostrou que:

    Somente 49% dos utentes inquiridos confirmou que lhe tinha sido dado a escolher o hospital onde iriam receber cuidados; destes, metade escolheu entre duas opes apenas.

    A grande maioria (75%) considera importante a possibilidade de escolha, embora apenas 46% tenha admitido que conhecia antecipadamente esse direito.

    De uma forma geral, recorreram experincia pessoal ou opinio do mdico assistente (GP) de forma a obter informao de suporte deciso.

    Apenas uma minoria (9%) utilizou as linhas de aconselhamento telefnico ou sites para comparar os indicadores de desempenho das unidades hospitalares, no obstante considerarem a qualidade um importante factor no processo de escolha.

    Dos utentes a quem no foi dada a possibilidade de escolha, apenas 10% revelou

    descontentamento com o hospital para onde foi encaminhado, o que, de certa forma, no deixa de ser incongruente com o grau de importncia atribudo escolha.

    Outras evidncias sugerem ainda que, embora a maioria dos cidados no se sinta confiante para fazer uma escolha (Magee et al. 2003), prefervel ter a opo de escolher do que no a ter (Ogden et al., 2008). A questo colocar-se-, ento, entre ter escolhas (dispor de opes) e escolher (o que implica uma deciso pessoal).

    7 Apurou-se, apenas, que cerca de 30% dos utentes das novas USF no esto satisfeitos com o grau em que lhe permitido

    escolher o seu mdico (CEISUC, 2009).

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    Evoluo previsvel Embora nos anos mais prximos no seja de prever que o princpio da liberdade de escolha em sade seja uma realidade em Portugal, pelo menos formalmente, h quem defenda que o pas deveria iniciar um novo ciclo de polticas pblicas de sade (); as escolhas individuais determinaro a quem e de que forma o Estado dever contratar os servios e os cuidados para satisfazer a populao, potenciando a qualidade e a eficincia do SNS (Ribeiro, 2009). Na gnese de uma procura orientada para os valores de mercado, e a avaliar pelas opinies dos peritos consultados, poder-se- esperar, quando muito, uma maior abertura do sistema e das organizaes de sade divulgao de mais e melhor informao institucional. Por outro lado, o cidado portugus depara-se igualmente com as vrias realidades existentes no espao europeu, no qual a liberdade de escolha tem uma importante presena, mesmo em sistemas com base universal como o NHS no Reino Unido. Adicionalmente, o Tribunal Europeu de Justia decretou o direito de qualquer cidado europeu poder obter tratamento num outro pas da EU (no caso de no seu se verificarem longas listas de espera). Embora este direito seja ainda pouco conhecido, o expectvel que o seu exerccio venha a exigir liberdade de escolha do prestador e da localizao (Coulter e Jenkinson, 2005). Factores crticos Dois racionais, sobretudo, suportam a defesa da liberdade de escolha em sade: o racional democrtico e o racional de mercado. Numa perspectiva econmica ou de mercado, defendido que a escolha constitui um mecanismo de presso sobre os prestadores no sentido de uma melhoria da resposta e da eficincia. No entanto, os seus efeitos sobre a equidade no so to claros:

    Se, por um lado, expectvel que a escolha contribua para a reduo de desigualdades, especialmente as decorrentes de situaes scio-economicas mais desfavorveis (Dixon e Le Grand, 2006);

    Por outro lado, o exerccio da escolha pode ainda afectar a equidade, sobretudo nos sistemas de sade que impem limites s possibilidades de escolha (Angelmar e Berman, 2007), ou quando existe algum tipo de constrangimento financeiro causado pela necessidade de deslocaes e transporte ou, ainda, nas situaes em que a escolha no suportada por suficiente informao (Dixon e Le Grand, 2006).

    Numa perspectiva democrtica ou de empowerment do cidado, o direito liberdade de escolha pode ser visto como um fim em si mesmo (Smith, 2003). Na opinio do grupo de peritos consultados, a escolha s poder ser praticada se e quando suportada por sistemas de informao integrados e pela divulgao de informao necessria de apoio deciso dos cidados, o que dever passar pela publicao de indicadores de desempenho operacionais e avaliativos (feedback dos cidados), entre outras fontes mais ou menos formais. Questes em aberto Poder o exerccio da livre escolha em sade conviver facilmente com o SNS, e mesmo, dinamiz-lo, ou pelo contrrio, ameaa aquilo que so os seus valores fundamentais: a universalidade e a equidade? Como gerir a tenso entre as perspectivas democrtica e consumista?

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    5. GAP entre EXPECTATIVAS DE PARTICIPAO e PARTICIPAO EFECTIVA NA TOMADA DE DECISO

    A participao na tomada de deciso tem vrios enquadramentos possveis: a participao colectiva ou democrtica, cujo propsito ser o de influenciar a deciso a nvel macro (poltico) ou meso (organizacional) e a participao individual, visando questes de sade pessoal. sobre o ltimo que nos iremos debruar neste ponto. Situao Actual

    As opinies dos peritos convergem no sentido das evidncias que sugerem que a partilha da tomada de deciso ainda escassa. De facto, vrios estudos, sobretudo a nvel internacional, mostram um descontentamento do cidado com o grau em que lhe permitido participar na deciso sobre questes relacionadas com a sua sade (Coulter e Ellins, 2006). No obstante, o tema no novo e a sua relevncia tem sido amplamente discutida, quer por questes meramente humanistas, quer pelo criticismo sobre a pobreza da comunicao profissional-doente (Elwyn et al., 1999 citados por Ridley e Jones, 2002), quer, ainda, pela crena de que o envolvimento do cidado beneficia os resultados teraputicos. O que pensam os cidados?

    Segundo Coulter e Jenkinson (2005), o paciente valoriza o interesse demonstrado pelo seu mdico, assim como o tempo que este dispe para responder a questes e dar esclarecimentos sobre os tratamentos e opes disponveis.

    Dois estudos realizados a nvel europeu reflectiram as preferncias manifestadas por indivduos e profissionais quanto participao na deciso:

    Do lado dos cidados, 51% manifestaram preferncia pela partilha da tomada de deciso; 26% admitiram preferir o modelo paternalista e 23% declararam preferir autonomia na deciso (Coulter e Magee, 2003).

    Do lado dos profissionais, as preferncias situaram-se em 75% para a deciso partilhada, 14% para o modelo paternalista e 11% para o modelo consumista (Murray et al., 2007).

    Contudo, estas preferncias no se traduzem necessariamente na sua aplicao na realidade.

    E em Portugal?

    No dispondo de dados sobre preferncias ou expectativas, apresentamos algumas evidncias sobre o grau de satisfao declarado pelos utentes dos centros de sade quanto sua relao com os profissionais de sade, particularmente, com os mdicos:

    No estudo sobre o Estado da Sade em Portugal, de 2008, os indivduos entrevistados admitiram maioritariamente, e em relao ltima consulta tida, que o mdico lhes deu todo o tempo de que necessitavam, que respondeu a todas as questes que os preocupavam e que as explicaes sobre os exames/tratamentos prescritos tinham sido claras (Cabral e Silva, 2009).

    Por sua vez, o Estudo de Monitorizao da Satisfao com as USF (unidades de sade

    familiar), apresentado em 2009 pelo CEISUC (Ferreira et al., 2009), revela-nos igualmente que a maioria dos utentes se encontra muito ou bastante satisfeito com questes de ordem relacional, nomeadamente e por ordem decrescente dos valores mdios obtidos para cada aspecto ou dimenso, numa escala de 0 a 100%:

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    1 Confidencialidade (82%) 2 Respeito (80%) 3 Envolvimento (79%) Envolvimento na deciso (77%) 4 Humanidade (78%) 5 Informao recebida (74%) 6 Aconselhamento e apoio emocional (72%) 7 Tempo disponvel (71%)

    A avaliar pelos indicadores de satisfao referidos, poder-se-ia dizer que em Portugal, nas USF que entraram em funcionamento at Novembro de 2008, no existiam razes para grande preocupao a este nvel. Mas, traduziro estes resultados uma real satisfao com a qualidade da relao ou, por outro lado, reflectiro baixas expectativas geradas pela cultura prevalecente do sistema de sade portugus (Coulter e Jenkinson 2005) ou, at, as condies de vida e financeiras8 (Murray et al., 2001) daqueles utilizadores? Evoluo previsvel A perpetuao de um modelo predominantemente paternalista no parece possvel. O previsvel a evoluo para uma situao em que os profissionais e os servios de sade tenham em conta as preferncias dos utilizadores e, consoante as mesmas, adoptem uma postura de maior partilha ou de maior centralismo quanto deciso. Como referido por Gray (The Resourceful Patient, 2002): pessoas diferentes tm necessidades diferentes e uma mesma pessoa poder ter diferentes necessidades em diferentes fases da sua vida. Em Portugal, na opinio do nosso grupo de peritos, dever observar-se, nos prximos anos, uma maior aproximao e envolvimento dos utentes e das comunidades com os servios de sade, aproveitando particularmente as novas estruturas de participao a nvel dos cuidados de sade primrios. Espera-se, portanto, uma maior diversidade dos nveis de expectativa quanto participao na tomada de deciso, quer sobre a prpria sade, quer sobre questes de sade local ou nacional. Factores crticos O principal factor a reter , pois, a importncia de se respeitar a preferncia de cada um - envolver a pessoa at onde esta o deseje (Edwards e Elwyn, 2009) - sabendo-se que nem todos os cidados desejam participar na tomada de deciso, particularmente os mais idosos, com menos habilitaes ou com condio de sade mais debilitada (Coulter e Ellins, 2006). Por outro lado, participar, para alm de um direito, implica tambm responsabilidades acrescidas quer para o utilizador quer para o profissional: como garantir e reconhecer esses direitos e responsabilidades? Os peritos consultados sugerem como fundamental:

    8 A ttulo de curiosidade, de referir um estudo realizado para medir a satisfao de cidados de vrios pases com os

    cuidados de sade prestados (numa nica pergunta) e que mostrou que em pases como os EUA ou o Reino Unido os mais pobres estariam mais satisfeitos do que os mais abastados (estudo de Blendon et al., referido por Murray et al., 2007).

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    Criar estmulos participao necessrio adoptar uma abordagem mais pr-activa na relao com o utilizador, combatendo a tendncia habitual para a reactividade face a exigncias (Wright et al., 1998). O incentivo criao de redes e organizaes sociais deve ser promovido, assim como se dever potenciar as estruturas j existentes, como o gabinete do cidado, por exemplo. Educar para a sade e cidadania e educao teraputica Dever entender-se a educao para a sade como factor de promoo e proteco sade, mas tambm como instrumento de promoo do exerccio de cidadania e de defesa dos direitos e dos deveres em sade. A melhoria da literacia em sade dever assegurar a transmisso do conhecimento garantindo simultaneamente o desenvolvimento de competncias fundamentais para o empowerment e a auto-responsabilizao dos cidados (Nutbeam, 2000). Concretamente, as dificuldades relacionadas com a adeso ao tratamento podero ser minimizadas quando so discutidas de forma aberta e informada entre profissional e doente, no que poder constituir uma aliana teraputica (Coulter, 2002). Formar os profissionais O profissional dever adquirir novas competncias, atitudes e formas de comunicar9 no sentido de se adaptar a variados contextos e preferncias e a vrios tipos de deciso (Elwyn et al., 1999); para alm disso, cabe-lhe ainda a responsabilidade de orientar a deciso do doente, facultando a necessria informao de suporte (Coulter e Ellins, 2006).

    9 A Faculdade de Cincias Mdicas da UNL tem j uma ps-graduao disponvel para profissionais de sade sobre

    Comunicao e Relao Mdico-Doente e que tem como principal objectivo o seguinte Todos os profissionais de medicina que exeram actividade clnica devem receber treino clnico, sob a orientao de terapeutas experientes, quanto forma de fazer as consultas, comunicar com os pacientes individualmente e em grupo e entrevistar o doente conjuntamente com a sua matriz de relao" Professor Eduardo Corteso.

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    O PAPEL DOS MEDIA

    Isa Galhordas Alves Alto Comissariado da Sade

    Os media e a democracia Um rgo de comunicao social opta por divulgar uma notcia, em detrimento de outra, porque, entre outras razes, acredita que essa informao tem interesse para o pblico e vai ao encontro das suas expectativas e necessidades. Mas ser, de facto, sempre assim? Os media so elementos fundamentais ao funcionamento da democracia, pois constituem os novos espaos pblicos de debate e do confronto de ideias. atravs da forma como recriam e difundem a realidade que se desenvolvem os processos sociais e as transformaes do status quo. A mediatizao feita pelos rgos de comunicao social condiciona a forma como o cidado entende o mundo, cada vez mais complexo, e modela a formao de opinies e o desenvolvimento individual e colectivo das concepes subjectivas da realidade. Nesse processo, espera-se dos media e do jornalismo um relato confivel e rigoroso, o distanciamento crtico e a independncia e tica. Mas necessrio entender que os media no so veculos neutros de difuso da informao veiculada pelas fontes. No trabalho de traduo, para o pblico, da informao que recebem tm de ser capazes de seleccionar o que pertinente e o que pode interessar vida dos cidados. Praticam, por isso, um importante exerccio de enquadramento. Se assim no o fosse, em vez de informao, estariam a difundir propaganda. Aos media so socialmente delegados dois poderes: 1) o da legitimidade da pergunta - quando um agente social questionado por um jornalista, dele se espera uma resposta; e 2) o da edio, isto , o enquadramento da informao sobre determinado enfoque. O que importa perceber se, no exerccio destes dois poderes, os media esto a corresponder s necessidades e expectativas dos cidados em matria de informao de sade e se influenciam a percepo de necessidades e a formao de expectativas quanto aos cuidados de sade, e em que sentido. Constrangimentos dos media Para melhor entendermos esta dinmica, necessrio ter em conta os constrangimentos da actividade jornalstica. Na sua maioria, os media so pertena de grandes grupos econmicos, que procuram deter jornais, rdios, televises e stios na Internet (Ramonet, 1999). Neste contexto, os jornalistas esto a deixar de ser, progressivamente, colaboradores de um determinado rgo para o serem de um grupo, significando que produzem, por vezes, contedos para mais do que um jornal, para a Internet, televiso, etc., em simultneo. A lgica do lucro aplicada aos media tem-se traduzido na degradao da qualidade da informao, porque impe dinmicas especficas nos prazos de produo, que so cada vez mais curtos. Esta forma de funcionamento tem impacto directo no tipo de contedos difundidos: d-se preferncia ao factual, novidade e estria curta. De fora, fica a reportagem e o jornalismo chamado de investigao. Consequentemente, as questes complexas da sociedade, como o desemprego, o racismo, a pobreza, a educao, a sade e as desigualdades, tm cada vez menos lugar nos media, porque exigem um tratamento mais aprofundado da informao, estudo no terreno e anlise, tarefas cada vez menos viveis no actual ritmo de trabalho vivido nas redaces.

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    Estes constrangimentos tm como consequncia uma tipificao dos contedos difundidos sobre Sade, que podem no estar a responder de forma mais adequada s necessidades e expectativas dos cidados nesta rea, designadamente daqueles que pertencem a grupos minoritrios, que no tm acesso comunicao social como os grupos sociais dominantes que se constituem como fontes organizadas de informao. As informaes difundidas pelos media perdem, assim, pluralidade. Em vez de encararmos esta realidade com pessimismo, devemos procurar utilizar estratgias que promovam um jornalismo mais cvico e orientado para as necessidades dos cidados. Isto significa desenvolver um esforo para entender o funcionamento e os constrangimentos sentidos pelos media e procurar trabalhar de perto e de forma proactiva com cada jornalista: fornecer-lhe informaes, fontes e estrias que representem e ilustrem realidades que urge divulgar. este o papel que cabe aos assessores de comunicao que representam, junto dos media, as diversas instituies da sociedade civil. A descodificao das realidades sociais complexas a que a organizao para que trabalham se dedica deve constituir matria do seu know-how, bem como o estabelecimento de relaes prximas com os jornalistas. sobretudo necessrio que os cidados e as vrias instituies da sociedade civil no encarem o jornalismo com descrena e no cedam tentao de acreditar que se esvaziou de valores e de qualidade e se vergou a interesses especficos. Desde sempre os media sofreram presses, primeiro dos interesses polticos e partidrios, que estiveram na gnese do seu surgimento, mais tarde dos econmicos. Em toda a histria do jornalismo, a independncia e a liberdade nunca foram dados adquiridos, mas sim conquistados no dia-a-dia, por cada jornalista (Chaparro, 2001). Manter a confiana nos media e nas organizaes jornalsticas fundamental para que continuem a existir fontes diversificadas a contactar com os jornalistas, garantido o pluralismo das informaes e das vozes. S num universo de informao variada e plural possvel responder s necessidades e expectativas dos cidados quanto informao de sade e modular adequada e realisticamente as suas necessidades e expectativas quanto ao recurso a cuidados e a servios de sade. A especificidade da Sade Nos ltimos anos, tem sido defendida a necessidade da especializao dos jornalistas em determinadas reas, como o caso da Sade, que comporta especificidades importantes e tem muito impacto na vida dos cidados. Na opinio do grupo de peritos, importante que essa especializao garanta um perfil de comunicao baseado no valor Sade, que incorpore a perspectiva da promoo, e no apenas a veiculao da informao com foco na doena. As expectativas dos cidados em relao Medicina so praticamente ilimitadas. So alimentadas pelas constantes revolues e descobertas da cincia, mas tambm pelas sries de televiso, como Anatomia de Grey ou Dr. House. A Internet, onde proliferam informaes sobre sade no validadas, tambm veio contribuir para a construo de expectativas irrealistas e para a desinformao. Esta realidade vem exigir uma maior responsabilizao social dos jornalistas no tratamento que do s notcias que relatam estudos cientficos acerca de teraputicas inovadoras e curas para determinadas doenas, que podero incutir falsas expectativas nos doentes.

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    Perspectivas futuras e redes sociais Durante dcadas, vivemos numa sociedade composta por fluxos de comunicao unidireccionais, traduzidos por Shannon e Weaver no modelo clssico de comunicao, que inclui o emissor, a mensagem e o receptor passivo (Breton e Proulx, 1997). At recentemente, a expresso media referia-se aos jornais, revistas, televiso, rdio e stios na Internet. Todos estes canais representam sistemas de difuso de informao unidireccional de um-para-muitos. Mas surgiu um novo tipo de media que est a revolucionar o actual paradigma da comunicao: as redes sociais. Os media sociais tm vindo a ganhar relevo e um impacto que no deve ser ignorado. Tomemos o Facebook como exemplo: se considerarmos o nmero de utilizadores, o Facebook seria hoje o 4 maior Pas do Mundo. O cidado j no necessita de ir banca comprar o jornal para ter acesso informao; esta vai ter directamente com ele ao seu perfil nas redes sociais. Assim que recebe uma informao, ele pode coment-la, partilh-la, reproduzi-la como entender. As novas formas de comunicar tero ter impacto na organizao social e contribuiro para estabelecer uma cultura diferente de envolvimento e participao. Os cidados tornar-se-o mais exigentes com a qualidade e disponibilidade da informao, bem como mais activos e engajados socialmente. Por um lado, vo estar numa relao de maior proximidade com os media e estes tero que ouvir, perceber e dar resposta s suas reais expectativas. Por outro lado, os cidados vo reivindicar activamente o seu espao na teia social, exigindo dos Governos, dos Estados, dos servios e dos profissionais de sade maior transparncia, rigor e qualidade. Consequentemente, tambm a administrao pblica, os governos e as empresas tero que acompanhar este processo. Caso contrrio, perdero credibilidade e competitividade, ficando cada vez mais distantes dos cidados.

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