Nelson de Luca Pretto (Org.) - Tecnologias e Novas Educações
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1Nelson De Luca Pretto(organizador)
coleo educao, comunicao e tecnologias
Volume I
Tecnologia e novas Educaes
Uma coleo organizada pelo grupo de pesquisa Educao, Comunicao e Tecnologias
Contemporneas (GEC)
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2www.faced.ufba.br/gec
apoio do CNPq (bolsa de pesquisa e iniciao cientfica) e FAPESB, apoio ao projeto
guarda-chuva do GEC
Universidade Federal da Bahia
Faculdade de Educao
www.faced.ufba.br
Ficha Tcnica:
XXXXX
XXXXX
Bolsista de Pesquisa: Darlene Almada Oliveira Soares
Apoio: Nelmeiry Pinho
Verso 2.5
Arquivo:ultimo
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3Somos iguais em potncia e singulares nos acontecimentos.
Todos os acontecimentos vivenciados nesses 68 anos de vida forjaram o meu processo identitrio, instvel, catico e dissipativo e, assim, estou sempre sendo sem ser. Em qualquer momento da minha vivencia da tenso jogojogante-jogojogado estou sendo atravs dos acontecimentos, que se realizam na vivencia de contextos e no pensamento, que se expressa atravs das linguagens, que do sentido ao meu ser.
...sinto-me eterno em potncia e transitrio nos acontecimentos, ou seja, sou virtualmente eterno, sem princpio ou fim, e transitrio na realidade criada pela minha vivncia dos acontecimentos.Luis Felippe Perret SerpaRio de Janeiro, 1935 Salvador, 2003
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4[imagem felippe foto Nalva Santos]
homenagem do grupo de pesquisa educao,
comunicao e tecnologias a nosso grande
mestre Felippe Serpa.
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5ndice comentado
Apresentao da Coleo - Recuperando a histria de um caminhar coletivoNelson De Luca Pretto
Volume I
TECNOLOGIA E NOVAS EDUCAES
1 - A possibilidade de uma nova cinciaLuiz Felippe Perret Serpa
Discute o desenvolvimento cientfico desde o surgimento da cincia moderna, levantando questes sobre a crise contempornea do conhecimento cientfico. Crise esta que , na verdade, a crise da prpria sociedade moderna. Finalmente o captulo prope um novo carter do modo de produo do conhecimento.
2 - Conhecimento humano: a diversidade e a no-identidadeArnaud de Lima Jr.
Discute o conhecimento humano enquanto um processo criativo, dinmico, complexo e rizomtico, levantando questes contemporneas como a virtualizao do mundo atravs das novas tecnologias de comunicao e informao.
3 - Isto no uma rima, uma soluo: aforismos sobre a crise da crtica ps-moderna cinciaJuliano Matos
Atravs de 60 aforismos pequenas sentenas afirmativas e contundentes faz-se uma crtica ao conhecimento cientfico, a partir dos autores que discutem a modernidade, a ps-modernidade e o desenvolvimento do conhecimento cientfico.
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64 - Comunidades Virtuais: herana cultural e tendncia contemporneaDayse Fonseca e Edvaldo Couto
Uma anlise da experincia das comunidades virtuais, sejam elas as formais,
ligadas educao, seja as informaes usadas pela meninada e que so
transformadas a partir do seu prprio uso cotidiano.
5 - A prxis pedaggica presente e futura e os conceitos de verdade e realidade frente s crises do conhecimento cientfico no sculo XXMaria Helena Bonilla
Discute possibilidades de organizao curricular que potencializam os modos de conceber, produzir e acessar o conhecimento da contemporaneidade. Os pontos de partida foram novas formas de articulaes entre as TIC's e as prticas educativas em cursos concebidos pela Faculdade de Educao da Universidade Federal da Bahia, na ltima dcada.
06 - Escola: uma rede de complexidadeMaria Inez da S. S. Carvalho
Neste captulo, considerando que as relaes tempo-espaciais so uma Rede de Complexidade, na qual possibilidades vo se atualizando, aqui se faz uma anlise sobre as mudanas espao-temporais no cotidiano de uma escola estadual. Um amplo leque de observaes que abrange a artificial dicotomia entre a teoria e a prtica; a reao ao novo; a recente titulao dos professores em nvel superior; a mudana tecnolgica visvel, mas no percebida; a simples troca de nomenclatura ao lado de mudanas significativas. Uma verdadeira rede de complexidade sobre a qual a escola est inserida. Observaes que remetem a defesa, pautada na obra de Michel Maffesoli, do presentismo como forma de tornar possvel (re)significaes curriculares concretas.
07 - Educar transmitir cultura: breve histria de uma pesquisaFabio Giorgio de Azevedo
Um relato sobre o percurso de pesquisa de Fbio Giorgio que iniciou o seu processo investigando o uso das rdios livres e comunitrias e que terminou transformando-se num rico dirio de observao da ONG Fundao Casa Grande, da cidade de Nova Olinda/Cear com descries do uso das mdias na
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7formao da cidadania. O captulo apresenta quatro tpicos-concluses que abordam a relao do sagrado e do profano, o uso das TIC's, os mtodos e, por fim, o funcionamento institucional da Fundao Casa Grande.
08 - Ambientes Computacionais e Telemticos na Educao de Alunos com Necessidades EspeciaisTefilo Alves Galvo Filho
Uma anlise das teorias educacionais e do uso das tecnologias da informao e comunicao na educao dos portadores de necessidades especiais, num breve relato da experincia do Programa InfoEsp, do Centro de Reabilitao e Preveno de Deficincias (CRPD) das Obras Sociais Irm Dulce, em Salvador/Bahia. Discute os diferentes contextos educacionais, dentro dos quais costumam ser introduzidas as tecnologias de informao e comunicao, e as implicaes dessas mltiplas realidades para o aluno com necessidades especiais. Introduz tambm uma anlise comparativa entre o que ocorre no mundo e nos processos interno de desenvolvimento do aluno, e o que ocorre tradicionalmente no interior da escola, fazendo uma crtica ao paradigma tradicional, baseado na repetio, na memorizao de informaes e na padronizao arbitrria de expectativas e resultados, e propondo um caminho que aponte para a autonomia e iniciativa do aluno, no pensar e no agir.
09 - Interatividade conceitos e desafiosAlessandra de Assis Picano, Andra Ferreira Lago, Maria Helena Silveira Bonilla, Sidnei
Alvaro de Almeida Lima e Tnia Maria Hetkowski, Nelson Pretto
Um texto coletivo produzido pelo grupo de pesquisa Educao, Comunicao e Tecnologias que discute os principais conceitos relacionados interatividade, num dilogo estabelecido entre os pesquisadores do GEC e os principais autores que tratam da temtica.
10 Currculo e Tecnologias: refletindoo fazer pedaggico na era digitalTelma Brito Rocha
Este captulo parte de uma anlise das caractersticas da cultura digital, onde as possibilidades trazidas pelo hipertexto e pela interatividade, modificam a forma de se produzir conhecimento, e faz uma anlise do papel do professor, do currculo e da avaliao. Novas possibilidades so apresentadas a partir de uma relao mais dialgica entre os atores educativos e os mais comunicveis nos espaos educativos.
11 - Escola: um espao de aprendizagem sem prazer?Lynn Rosalina Gama Alves e Nelson Pretto
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8A partir da experincia ocorrida na Faculdade de Educao da Universidade Federal da Bahia em agosto de 2000, so analisadas as maneiras como as crianas se relacionam com as tecnologias e qual a percepo das mesmas para a escola e para os processos educativos.
12 - Como so, o que fazem e o que pensam os garotos de ltima gerao?Cristiana Aguiar Serra
Num texto jornalstico Cristiana Serra traz depoimentos e anlises de jovens e adolescentes de classe mdia de Salvador/Bahia que convivem intimamente com as tecnologias digitais de comunicao e informao, particularmente com os video-games. O texto ofi escrito a partir de entrevistas com esses jovens e adolescentes em 1999 e, hoje, os adolescentes citados j esto bem grandinhos mas a abordagem e os comportamentos analisados continuam bem atuais.
13 - Desenvolvimento de objectos de aprendizagem para plataformas colaborativasPaulo Dias
Este captulo apresenta as novas possibilidades para a educao trazidas pelos sistemas de comunicao a partir da presenas das tecnologias de informao e comunicao. O sistemas de educao on-line se constituem portanto, em importantes elementos para a democratizao da educao e formao. Este apresenta as caractersticas dos ambientes presenciais e as possibilidades trazidas pelas plataformas colaborativas, analisando as concepes relativas aos objetos de aprendizagem. O captulo se encerra com uma anlise da plataforma colaborativa Future Learning Enviroment desenvolvida no mbito do Innovative Technology for Collaborative Learning and Knowledge Building da European Netschool.
14 - Educao On Line: a dinmica sociotcnica para alm da educao a distnciaEdma Oliveira dos Santos
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15 - Avaliao online: interfaces do aprender e do ensinarCleide Cleide Aparecida Carvalho Rodrigues
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9Daniela da Costa Britto Pereira Lima
Este captulo analisa as polmicas que circundam a educao a distncia. Refletir sobre educao a distncia online algo to dispendioso, pela atualidade da questo e da modalidade em voga, imagina ento, pensar na avaliao online: interfaces do aprender e do ensinar? O conceito de interface originrio da fsica e sua funo permitir a relao do ser humano com o hardware e o software, incluindo os aspectos relativos ao processamento perceptual, motor, viso-motor e cognitivo do usurio, ou seja, a interface responsvel pela interatividade realizada entre o usurio e os processos de aplicao. Aqui encontra-se reflexes sobre o referido tema, a partir de estudos e experincias prticas das autoras em cursos de educao a distncia, destinados formao de professores, refletindo sobre a relao interativa do aprender e do ensinar com a avaliao online.
16 - Desafios para o currculo a partir das tecnologias contemporneas Arnaud Soares de Lima Jnior e Nelson De Luca Pretto
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17 - Construindo novas educaesMaria Helena Bonilla e Alessandra Picano
Este captulo discute as possibilidades de organizao curricular que potencializam
os modos de conceber, produzir e acessar o conhecimento da contemporaneidade.
Os pontos de partida foram novas formas de articulaes entre as TIC's e as prticas
educativas em cursos concebidos pela Faced/UFBA na ltima dcada, e em andamento nos municpios de Irec e Salvador, na Bahia.
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Apresentao da Coleo - Recuperando a histria de um caminhar coletivo
Nelson Pretto
No incio dos anos 90, a Faculdade de Educao da UFBA tinha um pequeno nmero de
professores, verdadeiros heris que iniciavam um esforo de introduzir na formao das
futuras professoras um pouco dos recursos tecnolgicos disponveis naquele momento.
Eram, entre outros, os professores Antonio Estrela, Expedito Nogueira, Manoelito
Damasceno e Menandro Ramos, que levavam para o cotidiano das estudantes de pedagogia
e das demais licenciaturas da UFBA um pouco dos recursos audiovisuais e, de forma muito
tmida, como tmido era o prprio movimento tecnolgico, a informtica. Com meia dzia
de dois ou trs computadores Itautec, se minha memria no me trai, essa turma fazia
verdadeiros milagres numa disciplina chamada Introduo Informtica na Educao. Era
o tempo que vivamos ainda os primeiros resultados dos pioneiros projetos de uso de
tecnologias da educao, como o Educom/MEC, criado em 1986 a partir de um conjunto
de seminrios que aconteceram na dcada de 80 em diversas Universidades do Brasil,
especialmente Unicamp, USP e Ufrgs, sendo que, inclusive, um desses eventos aconteceu
na Bahia em .
Nesse perodo, eu trabalhava como professor do Instituto de Fsica da UFBA, onde entrei
como professor colaborador em 1978, sempre muito voltado para a educao, mais
particularmente sobre o ensino de cincias. Com um grupo de jovens professores, entre
eles Cristina Miranda e Srgio Esperidio e junto com veteranos como Judite Almeida,
trabalhvamos na fsica introdutria para diversos cursos da UFBA. Esse movimento
inicial me levou de volta Faculdade de Educao da UFBA onde alguns anos antes, na
graduao, tive o prazer de me aproximar daquele que seria o companheiro profissional e
pessoal para toda minha vida, o querido professor Felippe Serpa. No meu mestrado
estudei os livros didticos de cincias e, com isso, comecei, j neste perodo, a pensar na
comunicao e nas tecnologias associadas educao. O doutorado na USP, com Ismar de
Oliveira Soares, me levou da inicial proposta de ajudar o jornalismo cientfico, e a
divulgao da cincia para um maior aprofundamento das questes de uma rea de
interseco entre a educao e a comunicao rea que comeava a ganhar fora no meio
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universitrio. Fui me aproximando cada vez mais desta rea e, a partir do apoio da CAPES
que me concedeu uma bolsa sanduche, parti para um maravilhoso ano no Centro de Tv
Universitria da Universidade de Milo (CTU)1, para trabalhar com Luca Toselli e Patrizia
Ghislandi. Um tempo que a internet, alm de escrito com masculo era, na verdade, Bitnet.
Uma loucura! A velocidade de 9.600 kbps era uma coisa alucinada... Se pensarmos que
hoje, quando estamos a menos de 128 Megas j comeamos a reclamar, era de fato, uma
velocidade incrvel. Praticamente tudo era feito atravs da linha de comandos, com
comandos absolutamente esquisitos para ns que no ramos da computao.
Da Itlia fui concluindo o doutorado e preparando um retorno para que estas questes
ganhassem uma maior dimenso na UFBA. Voltei ao Instituto de Fsica e Ps-graduao
em Educao. Meu trabalho cada vez mais se aproximava do cotidiano da Faculdade de
Educao e, em 1995, ocorreu minha transferncia definitiva para o Departamento de
Educao II da FACED, que abriga, terica e politicamente estas questes. Para esse
movimento foi fundamental o esforo feito pelo ento Diretor da FACED, Prof. Hermes
Teixeira, que ajudou a viabilizar essa minha transferncia. A partir da, fomos montando
um grupo, pequeno no incio, com os professores Estrela - j a caminho da aposentadoria,
Menandro e eu. Tnhamos os velhos computadores, numa salinha no primeiro andar, atrs
da central telefnica, as experincias com o audiovisual e as disciplinas voltadas para as
tcnicas de ensino continuavam regularmente e ainda havia uma experincia em educao
a distncia no Departamento I, sob o comando do Professor Fernando Floriano, j falecido
e da Professora Ktia Freitas.
Esse pequeno grupo foi se aproximando, modificando algumas emendas das disciplinas
oferecidas na graduao, criando, na ps, um disciplina que enfrentasse de forma mais
contempornea a relao entre a educao e a comunicao, entendida agora j como
muito mais do que apenas televiso e rdio. Nascia, inserido no antigo Ncleo de Estudos e
Pesquisa em Currculo (NEPEC), coordenado pela Profa. Teresinha Fres Burnhan, o
Grupo de Pesquisa Educao e Comunicao, o GEC, como passamos a denomin-lo,
nome que mantemos at hoje.
Estvamos no ano de 1995, comearam a aparecer os primeiros candidatos ao mestrado em
nosso grupo e tambm as primeiras pesquisas envolvendo estudantes de graduao com
1 http://www.ctu.unimi.it
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bolsas de iniciao cientfica (PIBIC). Eram estudantes de Pedagogia e de Cincia da
Computao que passaram a conviver nos espaos da FACED, intensificando as pesquisas
sobre a internet, softwares, vdeo e televiso educativa, entre tantos outros temas. Em
paralelo, eu e Menandro amos dotando a FACED de uma infra-estrutura de rede sem
precedentes na histria da unidade. Com nossas prprias ferramentas, mquinas de furar e
escadas, amos passando cabos, ns mesmos, da sala improvisada para o servidor de rede,
um Linux que foi instalado por nosso bolsista Ivo Peixinho e que comeou a abrigar as
primeiras pginas da FACED na rede internet e atender a meia dzia de salas. No sei
dizer exato quantos eram os computadores que conseguimos ligar com os cabos que
puxvamos pelas paredes, pelos furos que ns mesmos fazamos e montamos um
monumental laboratrio de umas 15 mquinas. L mesmo, num canto da sala, ficava um
concentrador de rede que distribua os cabos pelo fundo das mesas, mesas essas que
trouxemos dos antigos laboratrios de cincias que estavam desativados, no terceiro andar
da FACED. Cortamos os ps das mesas para ficarem mais baixas, nela colocamos as
mquinas e, pronto: a FACED caiu na rede!
Esse era um rico e animado perodo, pois vivamos a poca em que a internet ganhava o
mundo de forma literal, espalhando-se pelas casas daqueles que tinham mais recursos e
impondo aos governos a adoo de polticas pblicas para viabilizar que a maior parte da
populao, exatamente aqueles que ocupam a enorme base da nossa injusta pirmide
social, pudesse ter acesso aos encantos dessas novas mquina de comunicao. Ser que
era s isso mesmo? Claro que no... e exatamente por conta de acharmos que era muito
mais do que isso que nossas reflexes foram sendo definidoras dos rumos do GEC.
Comeamos a pensar em um novo conceito, o da cibercultura, que mal comeava a ser
difundido. Nosso colega Andr Lemos, hoje na FACOM, estava na Frana estudando essa
temtica e aproveitamos uma das suas vindas Bahia para convid-lo a bater um papo
sobre o tema nas nossas aulas de graduao com os integrantes do incipiente grupo de
pesquisa. L chegou Andr, com seu estilo a la meio contra-cultura, trazendo as novidades
da Europa, de uma Frana que j conhecia e vivia plenamente o Minitel, experincia que
podemos considerar como precursora da internet enquanto sistema, enquanto rede pblica,
e percebamos que estalvamos sintonizados com essas idias. Os primeiros livros de Lvy
estavam sendo traduzidos e chegando s universidades. Comevamos a pensar mais
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intensamente na idia da internet e de todas essas tecnolgicas enquanto elementos de
cultura e no como meros aparatos tecnolgicos a servio da mesma educao, da mesma
cultura, de mesma economia.
Ainda por cima, tnhamos, agora, tambm, um desafio maior, pois ramos, justamente ns,
quem ajudvamos o novo Reitor da UFBA, colega da FACED e dos velhos tempos da
Fsica e do CECIBA2. Felippe Serpa chegou Reitoria e, to logo eu retornava do meu
doutorado na USP, me levou para atuar como seu assessor, com a especial tarefa de ajudar
a equipe do Centro de Processamento de Dados (CPD), que abrigava o Ponto-de-Presena
(POP) da Rede Nacional de Pesquisa (RNP). A RNP se implantou desde o comeo da
dcada de 90 como sendo um dos projetos mais bem sucedidos em termos de polticas
pblicas horizontais, envolvendo grande nmero de Universidades pblicas e o Ministrio
da Cincia e Tecnologia (MCT) na montagem do backbone nacional que, com isso, foi
viabilizando o acesso das Instituies Federais de Ensino Superior internet. Ns
estvamos fortemente inseridos nesse movimento, com enorme mrito da minscula
equipe do CPD, com forte liderana de Claudete Alves.
Esses movimentos constituiram-se em importantes possibilidades para que a pesquisa
acadmica que desenvolvamos na FACED e as aes polticas que eram implantadas pela
UFBA num esforo muito grande de articulao com diversas instituies e rgos dos
governos federal, estadual e municipal, pudessem andar a passos largos e em conjunto,
fazendo com que o nosso grupo, a medida que crescia numericamente, tambm
intensificasse a reflexo terica e a atuao poltica na busca de compreender as
tecnologias da informao e comunicao, que naquele tempo denominvamos de novas,
tivessem uma relao com a educao que fosse muito alm de um mera perspectiva
instrumental. Foi assim que formos implantando a Rede Bahia, um consrcio envolvendo a
UFBA, o governo do Estado da Bahia, a antiga Telebahia, as Federaes das Indstrias,
Comrcio e Agricultura do Estado, alm de Organizaes no governamentais, articuladas
em torno de um coletivo com forte liderana do Padre Heitor Frizotti. Um dado curioso
2 O CECIBA foi uma riqussima experincia de formao que vivi extamente com os professores Felippe e Bela Serpa, Estrela, Hermes e tantos outros, se constituindo numa experincia de formao de professores de cincias, a partir de um projeto nacional que articulava de forma intensa a formao universitria com o desenvolvimento de prticas laboratoriais envolvendo tambm os professores das redes pblicas. Funcionava no fundo da antiga Faculadade de Filosofia e Cincia Humanas, localizada no bairro de Nazar, em Salvador.
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que merece registro para nossa histria que, erroneamente, no nos preocupamos com as
questes de mercado e no tivermos o cuidado de registrar a marca Rede Bahia para essa
fenomenal rede de educao, cultura, comunicao, cincia e tecnologia que estvamos
montando no Estado, ficando, alguns anos depois, esse nome e o seu domnio na internet,
assumido pelas empresas afiliadas da rede Globo de Televiso na Bahia. Os dois ltimos
textos deste volume buscam trazer exatamente um pouco desta histria, a partir de dois
artigos publicados na poca e que so aqui reproduzidos fielmente.
O GEC, ao longo desse tempo, foi crescendo com a chegada dos primeiros mestrandos e
doutorando, alguns dos quais professores da prpria UFBA o que, a medida que essa
qualificao iam se dando, engrandecia, simultaneamente, o prprio grupo de pesquisa e a
Universidade. O Programa de Ps-Graduao em Educao da FACED foi crescendo,
refletia sobre seus prprios caminhos e, com isso, re-configurava grupos e linhas de
pesquisas, verdade que a partir de uma forte influncia e quase ingerncia dos organismos
externos de avaliao, mais particularmente a CAPES. Essas mudanas fizeram com que o
GEC ganhasse mais autonomia constituindo-se como um grupo de pesquisa prprio,
registrado no CNPq, e integrado Linha de Pesquisa Currculo, Comunicao e
Tecnologias, implantanda no Programa no ano de 2000. H esta altura, o GEC j era
Grupo de Pesquisa Educao, Comunicao e Tecnologias, e j tinha a participao dos
professores Luis Felippe Serpa, Maria Inez Carvalho e, logo depois, Edvaldo Couto,
professor da Faculdade de Filosofia e credenciado em nosso Programa. Apesar da mudana
do nome, mantivemos o GEC como sendo nossa referncia.
Novos doutores e mestres foram sendo formados pelo GEC, alguns deles partindo para um
trabalho mais intenso nesta rea na Universidade do Estado da Bahia (UNEB), onde eram
professores ou, logo aps os mestrados e doutorados, passaram a integrar o quadro da
UNEB atravs de concursos pblicos. Na UNEB, esse grupo de professores foi se
incorporando e reforando o Mestrado em Educao e Contemporaneidade implantando
uma linha de pesquisa sobre Tecnologias Intelectuais e Educao.
No plano internacional mantivemos articulaes e parcerias com a Universidade de
Londres Goldsmiths College, onde fiz um ps-doutoramento no recm criado Centro de
Estudos Culturais, coordenado por Scott Lash. Na Universidade Paris X, Edvaldo Couto
mantm uma relao forte com o grupo de pesquisa [detalhar]. Com Espanha
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desenvolvemos um trabalho conjunto em regime de colaborao com o Mestrado em
Novas Tecnologias da Informao e da Comunicao3, coordenado por Roberto Aparici,
que esteve como professor visitante durante o seu perodo sabtico nesse primeiro semestre
de 2005 e atravs de minhas participaes em bancas finais de avaliao em dois perodos,
um em Belo Horizonte, em abril de 2003, e outro na Universidade de La Plata, na
Argentina, em maio de 2005. Com a Universidade do Minho, em Portugal, mantemos um
proveitoso programa de colaborao com o Professor Paulo Dias, que recebeu a Professora
Maria Helena Bonilla para um perodo sanduche no ano de 2002, e com a minha
participao abrindo o II Congresso Internacional Challenges 2001.4
Numa nova articulao com o grupo de pesquisa Educao Inclusiva e Necessidades
Educacionais Especiais, coordenada pela Professora Theresinha Guimares Miranda,
temos em pleno funcionamento um projeto de mobilidade estudantil de graduao e de
pesquisa, denominada Desenvolvendo habilidades entre pessoas com Necessidades
Especiais atravs da Tecnologia: solues culturalmente apropriadas, em parceria com a
Universidade Tuit do Paran e as Universidades Temple e Bridgewhater, dos Estados
Unidos, projeto este financiado pela CAPES/FIPSE para o perodo 2003/2006.
Ao longo dos quase 11 anos de existncia do GEC podemos identificar grandes frentes
temticas de investigao. A pesquisa guarda-chuva, que d sustentao ao grupo, e que
tem recebido apoio da FAPESB (anteriormente do CADCT) denominada Educao e
Tecnologias da Informao e Comunicao. Nessa pesquisa o objetivo maior ampliar a
reflexo terica sobre a relao da educao com a comunicao e com os sistemas
tecnolgicos de informao e comunicao, alm de identificar, analisar e desenvolver
experincias significativas de utilizao das TIC's nos processos educacionais, com
especial nfase na educao a distncia.
Abrigados por este guarda chuva podemos classificar nossa atuao nas seguintes grandes
frentes:
Educao e Sociedade da Informao
Educao a distncia, ensino virtual ou e-learning
3 http://www.uned.es/ntedu/4 http://www.iec.uminho.pt/nonio/challenges
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Televiso e vdeo educativo
Incluso digital e alfabetizao digital
Currculo e formao de professores
Polticas pblicas de educao, cultura, cincia e tecnologia, comunicao,
telecomunicaes.
Corpo e Cibercultura
Universidade e tecnologias contemporneas
Rdios livres, comunitrias e educativas
Software livre e Educao
Esse conjunto de pesquisas tericas, co-existe, com uma forte integrao com o ensino,
tanto de produo como de PG e da extenso universitria. Desde 1998 coordenamos
nacionalmente a Biblioteca Virtual de Educao a Distncia5, projeto do Prossiga/CNPq
que, lamentavelmente, sofreu um descontinuidade temporria a partir das profundas e
esquisitas mudanas que o programa sofreu ao ser transferido para o IBICT. IBICT esse
que viveu, ao longo dos primeiros anos do governo Lula um perodo de muita turbulncia.
Devido a inmeras dificuldades de articulao com as novas direes do IBICT, o projeto
da BVEAD continua parado aguardando uma soluo para a sua continuidade, j que se
constitui num importante projeto que o nosso grupo pode disponibilizar para a sociedade
brasileira e lusfona.
Nosso envolvimento com o Projeto Sociedade da Informao6 tambm foi intenso e,
tambm ele, sofreu uma grande descontinuidade a partir do governo Lula, no tendo sido
mais discutido e, nem mesmo, feito a sua crtica.
O projeto dos Tabuleiros Digitais7 considerado por ns o projeto linha de frente do
grupo, j que busca, de forma muito intensa e articulada, entender a incluso sociodigital
como um elemento fundamentais para o mundo contemporneo e, nesse sentido, incluir
uma faculdade de educao a da UFBA nesse universo tecnolgico para, com isso,
5 http://www.prossiga.br/edistancia/6 http://www.socinfo.org.br7 Http://www.tabuleirodigital.org
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possibilitar aos futuros professores e professoras uma maior intimidade com a internet e os
recursos das TIC's algo de fundamental importncia para as propostas que estamos aqui
apresentando.
Esse projeto e as reflexes que estamos fazendo nos ltimos anos levou-nos ao software
livre da mesma forma que o software livre veio at a FACED e, numa reunio histrica nas
dependncias da FACED, em outubro de 2003, foi instalado o Projeto Software Livre da
Bahia (PSL/BA). Desde esse momento, a FACED passou a implantar, gradativamente,
softwares no proprietrio em muitas de suas mquinas, alm dos tabuleiros digitais que
so totalmente em software-livre. Esse tem sido um percurso interessante, com muitas
dificuldades, mas que estamos levando com muita tranqilidade, j que acreditamos ser de
importncia vital para a educao a liberdade de acesso ao cdigo fonte pelos especialistas
da computao e a possibilidade de instaurao de processos colaborativos.
Os captulos desse livro so em grande parte verses adaptadas de textos produzidos pelos
integrantes do GEC que j foram integral ou parcialmente publicados. Nossa idia em
reuni-los nesse primeiro volume desta coleo , justamente a de poder dar aos nossos
leitores uma panormica do nosso percurso. O ndice comentado lhe indicar claramente
quais os captulos originais e as referncias sobre os demais.
Esta coleo, e este livro em particular, busca exatamente, fazer um apanhado das
reflexes tericas que temos realizado ao longo destes ltimos 11 anos e, com isso,
possibilitar que cada leitor possa, de forma mais direta interagir conosco.
Salvador, agosto de 2005.
Nelson Pretto
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1 - A possibilidade de uma nova cincia*
Luiz Felippe Serpa
I Crise Contempornea
A crise contempornea do conhecimento cientfico , na verdade, uma crise do todo da
sociedade moderna. uma crise societria. Tomando-se como base a concepo de
Toynbee de ciclo civilizatrio (1986), as descontinuidades vo explicar a dinmica dos
ciclos. Por outro lado, o carter incompleto da modernidade, desde sua gnese, indica a
necessidade de crise permanente nessa sociedade, a fim de alimentar sua dinmica,
superando a regularidade histrica baseada nos ciclos e, assim, inaugurando uma nova
histria. Outras fontes dessa dinmica so a desigualdade, a fragmentao, a manipulao e
a lgica da acumulao.
Os indicadores que caracterizam a crise societria so vrios. Dentre eles, a questo do
paradigma cientfico ser o que privilegiaremos nesse texto, pois, para se compreender a
crise, preciso analisar o surgimento da cincia, forma de conhecer da modernidade, que
se d no sculo XVII.
No processo de produo, podem acontecer duas coisas: reproduzir o carter da prpria
produo ou mudar esse carter. Assim, existem determinados momentos histricos em
que o processo de produo transforma o carter da produo e por este transformado.
o caso ocorrido no sculo XVII. A transformao no sculo XVII se fez pela contradio
principal entre o carter vigente na poca e aquele proposto por Galileu. O processo de
produo do conhecimento no medievo enfatizava a essncia do objeto e o modo de
conhecer se dava atravs da observao do comportamento deste, segundo determinadas
categorias de pensamento. Era pela qualidade desse comportamento, a partir de categorias
* Texto foi originalmente publicado no Rascunho Digital da Faculdade de Educao da UFBA [http:www.faced.ufba.br/rascunhodigital] e depois no livro Rascunho Digital: dilogos com Felippe Serpa, pela EDUFBA, em 2004 tendo esta verso sofrida pequenas modificaes por Nelson Pretto e Maria Helena Silveira Bonilla
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lgicas, que se inferia a essncia. O carter da produo localizava-se, portanto, na
essncia e na qualidade, submetendo as categorias do pensamento s observaes
empricas.
Galileu introduziu um novo carter ao processo de produo do conhecimento, a partir de
novos critrios que eram a relao e a quantidade. A partir de ento, conhecer o objeto
significou explicitar as relaes com o contexto em que se encontrava o objeto e,
conseqentemente, a natureza teria uma relao fundamental com as estruturas
matemticas, a quantidade. Pela primeira vez vincula-se a matemtica a uma cosmoviso
ligada aos processos que ocorrem na natureza. Naquele mesmo momento, houve uma
completa elaborao sobre o mtodo para a produo do conhecimento, que passou a
privilegiar a razo, conhecido posteriormente como o racionalismo de Descartes. Com isso,
inverteu-se a relao, no sendo mais a observao do universo emprico que comandava
as categorias do pensamento, e sim a razo, porque esta selecionava as relaes e, ao
selecion-las, privilegiava determinadas relaes em detrimento de outras. Assim, era a
razo que comandava o processo de produo do conhecimento, ou seja, submetia-se o
emprico razo. por isso que o conceito de experincia no tem a conotao da
observao da cincia no medievo. Na nova perspectiva que se instala, tornou-se
necessrio elaborar toda uma explicitao de relaes que daro o conhecimento sobre o
objeto. Assim, o conceito de experincia significa a forma de obter relaes e as
observaes so feitas nesse contexto. Sob o ponto de vista da reflexo e do mtodo, foi
Descartes quem complementou a viso relacional de Galileu. A separao da emoo e da
razo foi realizada tambm por Descartes e essa foi a ruptura do modo de produo do
conhecimento que se deu no sculo XVII.
Needham mostra que o nico fator que diferenciava a sociedade do mediterrneo da
sociedade chinesa, que nesta havia uma estrutura social estvel, burocrtica, agrria e
hierarquizada, enquanto no mediterrneo surgia o mercantilismo associado ao
expansionismo. essa a diferena essencial entre ambas e, isso, sem constituir-se em uma
fonte causal do surgimento da cincia moderna.
Em sntese, foi na civilizao ocidental que se articulou uma cosmoviso que associou as
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estruturas matemticas ao conhecimento da natureza.
II - O que seria uma nova cincia nos tempos atuais?Na perspectiva contempornea, a nova cincia se caracterizaria, no modo de produzi-la,
pela nfase na historicidade e na ordem. Construir-se-ia a unidade homem-natureza e o
elemento fundamental dessa unidade seria a percepo. Uma nova percepo, desenvolvida
na historicidade e na ordem, e no na relao e na quantidade. A isso chamaramos de
vivncia do processo. Esta vivncia seria o caminho para se obter uma percepo ligada
com a historicidade e com a ordem. A percepo teria o papel que a experincia
desempenhou em Galileu. Essa percepo seria uma elaborao terica tal como foi a
experincia em Galileu. Esta deu a forma de como a razo manipularia a natureza,
enquanto a percepo indicaria a forma de se construir a unidade homem-natureza.
Com o modo de produo dessa nova cincia, tanto a historicidade como a ordem e a
unidade homem-natureza, estariam centradas em uma percepo, que, por sua vez, estaria
baseada na historicidade e na ordem. No caso medieval, a percepo era centrada na
essncia e na qualidade e seu substrato era teolgico. No caso moderno, a percepo
centrada na quantidade e na relao, e seu substrato tecnolgico.
A nova cincia teria como base a ordem e a historicidade e o substrato da percepo seria a
prxis, compreendida como atividade humana que converge no sentido da vivncia de
contextos e da convivncia entre sujeitos.
Assim, se verdadeiro, o conhecimento no se apoiaria nem no sujeito e nem no objeto, mas
na prxis, na atividade humana. Se homem e natureza formam uma unidade, a percepo
envolveria uma atividade cclica dos sentidos e da mente, em face da disposio total da
mente e do corpo que se relacionariam de forma significativa com o todo scio-histrico.
A vivncia seria o mecanismo que desenvolveria essa percepo e envolveria o sentir.
Piaget, por exemplo, atribui criana o estgio operatrio concreto entre 2 e 7 anos de
idade. Nessa fase, a percepo da criana no lgica, mas se educa para a lgica. Na nova
cincia, a educao dever desenvolver a percepo, que est associada vivncia de
contextos e convivncia entre sujeitos, a sociabilidade. A criana conheceria pela
vivncia e pela convivncia e no pela lgica. a essa percepo que estamos nos
referindo, o que significa uma mudana radical no processo educativo. A criana consegue
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perceber com sagacidade o que est a sua volta, porque tem o sentido da sincronicidade. Se
considerarmos a lgica como base, dirigimos a criana por um caminho bem definido; no
entanto, se consideramos a historicidade, o caminhar da criana est entre o todo e a parte,
o entre - lugar. A criana caminha anarquicamente.
A capacidade de ver o todo na parte evidencia-se quando entramos em uma floresta. Na
primeira vez, somos incapazes de ter a ateno do que est acontecendo ao nosso redor,
pois temos uma primeira sensao de que necessitamos estar atentos ao que est a nossa
frente. Com o tempo, vamos adquirindo o domnio da floresta. Quando samos dela,
fechamos os olhos e conseguimos v-la. Devemos estar com a percepo aberta vivncia
de contextos.
Assim, atravs da percepo, poderamos construir o homem naturalizado e a natureza
humanizada. A percepo proporcionaria o carter do modo de produo da nova cincia
que se caracteriza pela historicidade, em funo da dependncia com a gnese do processo,
e pela ordem, pelos graus de liberdade envolvidos na percepo. E esta proporcionaria a
emergncia de ordens a partir dos graus envolvidos.
IIIUma questo importante a passagem da logicidade para a historicidade, pois esta
passagem significa uma ruptura de fundao. Enquanto a logicidade pressupe como
fundante a identidade e, consequentemente, uma linguagem baseada na representao, a
historicidade tem como fundante a diferena e, assim, como base, o acontecimento, este
ganhando sentido atravs da linguagem enquanto jogo. Na verdade, sai-se de um contexto
onde a identidade dada e a diferena conceitual, para um novo contexto em que no h
identidade, e sim, processos identitrios.
Enquanto no universo da identidade temos coisas concretas, no universo da diferena
temos possibilidades, que se precipitaro em acontecimentos. No primeiro caso, o real
composto pelas coisas, enquanto, no segundo caso, as possibilidades constituem um
universo virtual, onde a precipitao ocorre com os acontecimentos, os quais geram o real.
Neste caso, o real est envolvido pela intensidade, pela singularidade e pelo sentido,
diferente do primeiro caso, em que o real est embebido na representao, no conceito e na
contradio. No primeiro caso, o tempo um parmetro externo ao processo, enquanto no
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segundo caso, o tempo emerge com o acontecimento, mantendo-se como possibilidade
virtual no universo da diferena.
Ento, na nossa interpretao, no haveria o problema relacional e, muito menos a questo
do todo e da parte, pois estariam envolvidos os graus de ordem de percepo. Por exemplo,
a criana tem uma estrutura de ordem de percepo diferente do adulto. Este supe a
percepo segundo um substrato logicista e de relao, ou seja, o todo formado pelas
partes. Toda ao de ordenao da criana encontrar-se-ia inseparavelmente ligada
percepo, que operaria dentro do contexto geral de cada estrutura da dinmica social. A
ordem seria um processo dinmico que envolveria o sujeito, o objeto e o ciclo de
percepo que os une e os relaciona.
Por estas razes, o holismo no se constituiria em uma superao do reducionismo, desde
que seja possvel se produzir conhecimento com este, pois nas questes de localidade
trabalha-se com relaes, porm estas no faro parte do carter do modo de produo do
conhecimento, e sim sero apenas instrumentos deste.
A percepo teria que ser fundamentalmente baseada nos ciclos. Se focarmos a natureza,
verificar-se- que h mudanas contnuas e percebe-se um universo em ciclos e os
indivduos pertencendo a inmeros ciclos ao mesmo tempo. Ciclos emergem de ciclos.
uma ordem aleatria, e esta ordem do universo em ciclos, indivduos pertencendo a
mltiplos ciclos, ciclos do passado, do presente, ciclos do passado que pertencem ao
presente e o relacionamento entre os ciclos to complexo, de forma que as ordens
emergentes so imprevisveis.
Deve-se, ento, abandonar a previsibilidade determinista pelo dilogo com os contornos,
descrever os ciclos e entend-los pelos padres, pelas escalas, enfim, por suas topologias e
geometrias fractais. A previsibilidade pressupe uma relao causal. O que se pode
compreender, a partir da historicidade, so os contornos e todos os ciclos dentro do
processo autnomo e no determinista. A ordem depende do contexto e no nem
subjetiva e nem objetiva. As noes de ordem de grau muito baixo dependem do contexto
geral em que se inserem. A ordem aleatria um caso especial do caos. uma ordem com
grau infinito que no tem correlaes significativas com ordens de baixo grau e tem um
comportamento mdio constante. A ordem aleatria possui uma invarincia e, ao mesmo
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tempo, uma imprevisibilidade completa. Por exemplo, em um computador, se fizermos um
programa a partir de nmeros aleatrios, existir uma ordem de baixo grau entre o sujeito e
o computador, entre o computador e o programa, e o sujeito se relacionar com o programa
via computador. Se esta ordem no for mudada, mantendo-se os mesmos nmeros
aleatrios, depois de interagir durante muito tempo com o computador, o sujeito descobre a
ordem, porque esta tem uma invarincia. Fecha-se o ciclo: computador, sujeito, programa.
por isso que dizemos que a ordem aleatria depende do contexto. O ponto de vista da
logicidade imagina que a falta de conhecimento conduz ordem aleatria; no entanto, a
historicidade traduz a ordem aleatria como incompleticidade de ciclos.
Nem todas as ordens de grau infinito so aleatrias. Aquelas que apresentam ordens de
baixo grau so denominadas caticas. A diferena da ordem catica para a ordem aleatria
que a primeira pressupe a existncia de ordens de baixo grau, enquanto na segunda no
h ordens de baixo grau.
H um entrelaamento de ordens finitas de necessidades com ordens infinitas aleatrias em
uma estrutura de leis de complexidade potencialmente infinitas. O aleatrio um aspecto
da dependncia da ordem em relao ao contexto. Na verdade, o aleatrio um aspecto da
dependncia da ordem com a no localidade.
Dessa forma, o movimento mais largo da razo basicamente um ato perceptivo. A lgica
formal uma abstrao relativamente gerada por esse mesmo movimento. o
reducionismo. No entanto, a ordem do universo aleatria e a reduo, usando a lgica,
implica no determinismo probabilstico. Com a historicidade, a ordem aleatria
compreendida pelos ciclos.
Deixaria para reflexo uma afirmativa, seguida da questo que abordamos: uma onda
simples representa uma ordem global e a superposio de ondas simples produz uma
complexa ordem local. Assim, uma ordem local pode emergir da superposio de ordens
globais.
Qual o carter de produo de conhecimento capaz de gerar paradigmas que dem conta
dessa complexidade?
Propusemos um novo carter do modo de produo do conhecimento. simplesmente uma
das muitas possveis construes.
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2 - Conhecimento humano: a diversidade e a no-identidade#
Arnaud S. Lima Junior.
Este captulo busca apresentar um esforo de problematizao da questo que me tem
inquietado sobre o conhecimento humano. Levanto alguns elementos o conhecimento
humano, ou da epistemologia, como um processo criativo e, consequentemente, dinmico,
complexo e rizomtico, modificando-se ou recriando-se constantemente.
Evidentemente, no pretendo desenvolver suficientemente tais indicaes, visto no ser
possvel esgot-las e, sobretudo, por apenas querer denotar que o aspecto mental humano
no pode ser isolado do social e do ecolgico, nem to pouco ser reduzido sua dimenso
intelectiva, compreensiva, significativa, como aparece em nossa percepo e discurso, bem
como em qualquer outra forma de representao que fazemos, j que estas nos remetem
aos seus referentes histricos, os quais so redes de possibilidades abertas, indescritveis
em termos absolutos, heterogneas e instveis.
Tudo isso, permite-me aproximar que o conhecimento humano tem sua gnese na
diversidade, no movimento, na instabilidade, na metamorfose, caracterizando-se,
fundamentalmente, por um processo continuamente criativo, aberto e virtual.
Penso ser extremamente relevante para dar incio s reflexes sobre o currculo, uma vez
que, entre outras coisas, ela se diferencia da concepo epistemolgica que singulariza a
prxis curricular vigente.
Bohm e Peat (1989) nos oferecem algumas pistas que, uma vez transpostas para minha
reflexo, ajudaro a evidenciar o carter criativo do conhecimento humano, o qual, sem
# Este texto foi originalmente publicado com o ttulo "Reflexes sobre o conhecimento humano" na Revista da FAEEBA/Universidade do Estado da Bahia, Faculdade de Educao do Estado da Bahia - Ano 1, n 1 (Jan/jun, 1992) - Salvador: UNEB, 1992. ISSN 0104-7043.
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dvida, est ligado a uma dimenso cognitiva, isto , a um modo de conhecer que, por sua
vez, refere-se a percepo humana, mais ampla. Quero dizer, com isso, que o
conhecimento humano relativo percepo humana, assumindo suas caractersticas e
princpios de funcionamento, de forma que toda vez que se concebe o conhecimento
humano e, a nvel social, produz-se e distribui-se o conhecimento sem se levar em
considerao o modo humano de conhecer, instaura-se um processo desumano ou fere-se
sua humanidade.
O que tentarei dizer que esse modo de conhecer criativo e aberto, de forma que o
conhecimento , necessariamente, transitrio, parcial e insuficiente, simultaneamente
revelador/velador, operado/operativo, signitivo/significativo e no verdadeiro em
definitivo. Para Bohm e Peat,
[...] a percepo comea pela colheita de diferenas como primeiros dados da viso [eu diria dos sentidos], a partir das quais se constrem depois semelhanas. A ordem da viso [dos sentidos] processa-se pela percepo de diferenas e pela criao de semelhanas dessas diferenas (Bohm e Peat, 1989: 151).
J podemos destacar aqui que o conhecimento da ordem da dinmica, da diferena e da
criao de semelhanas na nossa percepo. O que nos leva a compreender que o que
conhecemos no existe como tal, uma vez que sempre mais do que dizemos ser e que,
fora do mundo mental, no existe semelhana, mas diferenas. Ou ainda, podemos dizer
que o conhecimento humano simultaneamente objetivo e subjetivo, uma vez que sendo
objetivo, em verdade, no totalmente objetivo porque somos ns que criamos as
semelhanas dos objetos que dizemos conhecer. Tudo isso porque, o que quer que
digamos que qualquer coisa ela no o porque tambm algo de mais e diferente.
(Bohm e Peat, 1989: 177).
Portanto, tambm j podemos supor, minimamente, que as normas que regulam o modo de
produo e circulao de conhecimento no podem ser rgidas e uniformes e no podem se
referir reproduo de algo que j est dado, mas implica num processo criativo, gnese
diferencial e histrica.
Estes autores, atravs de vrias demonstraes, remetem a natureza criativa desse processo
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inteligncia, [...] palavra que atualmente usada de modo muito livre e genrico, mas
cuja fora original podemos ainda encontrar um pouco na raiz latina intelligere, que tinha o
sentido de 'colocar entre' [...] Neste sentido, a inteligncia a capacidade da mente de
perceber o que est 'entre' e criar assim novas categorias" (Bohm e Peat, 1989: 154).
Note-se que no se trata apenas de percepo dos sentidos, mas da mente, e de criar em
meio ao existente. A formao na mente de categorias, atravs do movimento entre atos,
seleo e coleo, segundo Bohm e Peat, supe criao e uma ao signitiva que tambm
se liga a uma ao social, fora da mente, como veremos depois. Tal processo inteligente
implica em uma transformao, j no nvel da representao, uma vez que sua dinmica
criativa.
Consequentemente, o conhecimento humano relativo inteligncia, ao ato de criao, de
um lado numa dimenso signitiva ou discursiva e, de outro, na dimenso social e histrica,
implicando a as aes do homem sobre as coisas e sobre tudo o que existe, incluindo, ele
mesmo, nas suas mais variadas formas de expresso e manifestao.
De fato, em Bohm e Peat j podemos inferir tanto a criatividade do mundo mental que
condiciona o conhecimento quanto seu vnculo com o social.
Sem dvida aquilo a que nos referimos [mudanas na ordem social] uma espcie de jogo livre tanto no nvel do individual como no coletivo, e em que a mente no fique rigidamente comprometida num conjunto limitado de hipteses ou seja colhida pela confuso e jogo falso. E deste jogo livre pode emergir o verdadeiro potencial criativo da sociedade (Bohm e Peat, 1989: 150, grifos meus).
Em outra parte Bohm e Peat diro que toda aco de categorizao [criao mental]
encontra-se inseparavelmente associada percepo-comunicao que opera dentro do
contexto geral de cada estrutura dinmica social (1989: 155). Aqui podemos considerar
tambm que a inteligncia opera num plano mental que perceptivo-comunicativo e num
plano social ao qual est associado, criando em ambos algo novo, portanto, produzindo ou
operando transformaes. esta caracterstica mental que se amplia com as tecnologias
digitais de informao e comunicao, as quais, por esse motivo, podem adjetivar de
inteligentes ou intelectuais.
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Dessas consideraes, retiradas de Bohm e Peat, para a reflexo propriamente
epistemolgica, guardemos a idia-valor de que a percepo humana deve ser criativa num
contexto sempre em mutao, o que nos leva a compreender, consequentemente, que o
conhecimento humano se caracteriza fundamentalmente pela criatividade.
Em geral, na cultura ocidental e moderna, o conhecimento humano relativo razo ou ao
racional que, com o positivismo e a lgica cartesiana, passou a se identificar,
exclusivamente, com a lgica formal. Mas, ainda, segundo esses autores, a razo relativa
a compreenso e expresso da estrutura no pensamento e na linguagem e que, neste
processo, a lgica formal apenas um aspecto limitador de um movimento mais vasto e
global da razo: [...] pode-se dizer que o movimento mais largo da razo basicamente
um acto perceptivo, e que a lgica formal uma abstrao relativamente fixada desse
mesmo movimento (Bohm e Peat, 1989: 194).
E, de modo mais contundente ainda, diz:
Mas este manter-se firme [da lgica formal] tem de encontrar o seu lugar adequado no contexto mais vasto do fluir da razo intuitiva. S neste contexto pode o pensamento tornar-se o veculo da percepo criativa. Na verdade, quando h jogo livre da mente, o pensamento tem a sua origem ltima em tais percepes e desdobra-se com naturalidade em proposies, composies, suposies e disposies [...] a lgica formal tem de estar pronta a diluir-se na razo fluente, sempre que se desenvolva uma contradio inamovvel ou uma oposio na aplicao das suas formas relativamente fixadas. Em tais casos, a mente ser capaz de responder com inteligncia criativa, de perceber novas ordens e novas categorias, que em geral se situam entre os extremos estatsticos e no relacionados apresentados pela lgica pura [...] (Bohm e Peat, 1989: 194, grifos meus).
Ento, podemos pensar e admitir que a questo epistemolgica diz respeito a esse jogo
livre da mente e a um processo de percepo inteligente e criativo, e no meramente a um
conjunto de regras fixas que delimita as reas de conhecimento especficos e, neste caso,
devemos falar de epistemologias enquanto instituies scio-hitricas, ou seja enquanto
criaes humanas e enquanto formas de abstraes multideterminadas, pois so elaboradas
mentalmente a partir das conexes entre os diversos componentes da percepo mental
humana. E que o conhecimento, do ponto de vista do produto, situa-se mais na ordem da
produo simblica e na produo de significados, como possibilidades de singularizao
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da atribuio de sentido do que na sua exclusiva padronizao por uma forma de abstrao
lgica qualquer.
O filsofo Marie-Dominique Philippe, em sua releitura de Aristteles, de certo modo,
coloca o mesmo fundamento ao se referir a unidade e no identidade na diversidade, da
experincia:
[...] quanto mais h diversidade mais eu sou pobre, porque vejo que a realidade bem mais rica do que aquilo que eu conheo dela. Se tenho cinco contatos com essa realidade, isso prova que essa realidade possui tudo aquilo na unidade, enquanto que eu a possuo na diversidade. Minha inteligncia, pois, relativa a essa realidade (Philippe, 1996: 29).
Quero dizer que o conhecimento diversidade e criatividade, que a epistemologia no
um problema de lgica apenas, mas diz da percepo humana e do jogo-relao-
combinao de seus elementos, e no meramente no sentido de captao do dado, mas de
criao transformadora, de inovao. O conhecimento surge como veculo ou vitico do
processo criativo da mente humana, com suas redes internas, entrelaadas na rede externa
do social e do cosmos do qual participa.
Para mim, em termos epistemolgicos, est se processando uma mudana qualitativa, pois
antes, o procedimento epistemolgico se baseava num princpio de identidade e de
identificao, a partir dos quais se reduzia a realidade a modelos lgicos ou abstratos,
estabeleciam-se rgidos limites s esferas do conhecimento e para se caracterizar
uniformemente a prpria natureza ou a essncia do conhecimento, reduzindo-a a dimenso
meramente formal. Atualmente, com a compreenso da instabilidade da natureza fsica,
com o carter virtual da realidade exacerbado pela digitalizao do globo, a questo
epistemolgica consiste em criar singularidades no devir, na heterogeneidade, na
diversidade, na incerteza e insegurana enquanto traos fundamentais da vida e da
existncia de um modo geral.
O desafio do pensamento hoje a virtualizao, ele mesmo devendo existir como
possibilidade e atualizao singular. O que se produz nesse processo, rigorosamente, no
mais cincia, pois est fora de seus cnones tradicionais, ao passo que a perspectiva que se
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tem tambm no a de restabelecer uma outra grande narrativa em substituio cincia,
pois o avano estaria em fluir na diferena, mantendo-a e no a eliminando.
Uma nova perspectiva epistemolgica no poderia querer fazer do conhecimento algo
regular, globalizador, definitivo, real, mas uma dinmica criativa que tece a rede vital e que
entrelaa o que Felix Guattari (1990) expressa em termos do registro do mundo da
subjetividade humana o mundo mental e das produes simblicas, da linguagem, da
significao, dos movimentos sociais e da ecologia. Nessa perspectiva entram em crise o
homem, a conscincia, a autonomia, a cincia, e tudo o mais que se sustentava com base na
afirmao ou fixao da identidade do humano.
No discurso epistemolgico, Paul Feyerabend j considerava que a histria mais rica que
aquilo que os historiadores e metodologistas dizem dela. Para ele, a histria est repleta de
acidentes, conjunturas, justaposies de eventos, patenteando a complexidade das
mudanas humanas e o carter imprevisvel das decises e atos humanos" (Feyerabend,
1977: 19).
A postura metodolgica, ento, consiste na participao oportunista, que no se prenda a
filosofia alguma e que adote a diretriz que a ocasio indicar. Ou, dito de outra forma, fazer
da metodologia um processo criativo, um fluxo inventivo de estratgias. Nesse sentido,
considerar que o conhecimento ser tanto mais rico quanto maior for a multiplicidade dos
padres, o que implica em opor-se ao princpio de hegemonia da cincia e a utilizao de
um mtodo homogeneizador no seu processo de produo.
Assim, como vimos em Feyerabend, o conhecimento humano tendo uma gnese plural na
diversidade e na no-identidade, supe a existncia/convivncia de mltiplas lgicas e
racionalidades, devendo todas elas serem fundadas na criatividade e mudana e no h
reproduo/manuteno de modelos, valores, estratgias, realidades.
Referncia
BOHM, David. e PEAT, F. D. Cincia, ordem e criatividade. Lisboa: Godovia
Publicaes, 1989.
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30
FEYERABEND, Paul. Contra o Mtodo. Rio de Janeiro: Livraria Francisco Alves, 1977.
GUATTARI, Flix. As trs ecologias. So Paulo: Papirus, 1990.
PHELIPPE, Marie-Dominique. As trs sabedorias I sabedoria filosfica. Salvador:
Congregao So Joo, 1996. Trad. Cong. So Joo.
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3 - Isto no uma rima, uma soluo: aforismos sobre a crise da crtica ps-moderna cincia.
Juliano Matos
Mundo mundo vasto mundo,Se eu me chamasse RaimundoSeria uma rima, no seria uma
soluo.
Carlos Drummond de Andrade Poema de Sete Faces
H sem dvida quem ame o infinito,H sem dvida quem deseje o impossvel,
H sem dvida quem no queira nada Trs tipos de idealistas, e eu nenhum deles:
Porque amo infinitamente o finito,Porque desejo impossivelmente o possvel,
Porque quero tudo, ou um pouco mais, se puder ser,Ou at se no puder ser...
Fernando Pessoa
1
O ps-moderno resulta do que no h de ex moderno no neo moderno (ps = neo - ex).
Assim, o ex desiste em retaguarda, o neo resiste com a retaguarda e o ps insiste em
uma vanguarda sem retaguarda.
2
Da parania mistificao: a ontognese do sujeito ps-moderno. O sujeito ps-moderno
no seu encontro com o que torna-se um paranico metafsico: passa a desconfiar do Ser.
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3
Da descrio da parania metafsica: o sujeito ps-moderno admite que h no homem um
excesso que o prprio homem desconhece. Suas habilidades simblicas, racionais e
culturais produziram uma ordem radicalmente sistmica que o domina de forma
involuntria e silenciosa. O homem est condenado exatido, ao sistema, generalizao,
a se apropriar da natureza, do universo, da prpria cultura e os escravizar impiedosamente.
O homem, ao longo de sua histria, teceu involuntariamente uma estrutura de dominao
da natureza e de si mesmo, sem o saber, enquanto desvelava as leis do cosmo atravs da
cincia. Ento, de repente, e no mais que de repente, a trama conceitual, de poder
totalitrio nunca imaginado, ganhou vida e envolveu toda a humanidade em uma viso
redutora da vida. Silenciosamente. Hoje somos dependentes da apropriao nefasta que o
homem realizou do todo. H um fundo, h uma profundidade que escapa a todos os seres
tpicos e ingnuos da superfcie. H um maquinrio semitico-csmico hegemnico que
perverte a individualidade, a subjetividade e retira o homem de seu caminho, onde o
acontecimento livre e autnomo. Um grande pai maligno e oculto, de alguma forma,
no permite que as coisas aconteam por si mesmas. Controla, como um funesto demiurgo,
todos os largos passos da humanidade. Permanece oculto nas instituies universitrias,
nos sistemas econmicos e de governo, em salas de aula, em bancas de doutorado, no
processo histrico, no sistema solar, na lngua falada ou escrita, no inconsciente... Espia
como um ogro de rapina a possibilidade de liberdade...
4
Na segunda etapa do seu desenvolvimento, o sujeito ps-moderno um mstico militante,
que pensa restituir ao passado sua verdadeira lgica causal. Dizem: vistamos um luto
proftico diante dos significados profundos escondidos do vulgo, significados que s ns,
que conseguimos decifrar e sofrer decifrando (em um doce delrio intelectual-masoquista)
o cdigo dos cdigos, o meta-cdigo fundamental. No estrondoso (para os sujeitos ps-
modernos um mito de origem) sucesso de A Condio Ps-moderna (1998), publicado
em 1979, Jean-Franois Lyotard engendrou uma diversidade de escolas nos quatro cantos
do mundo. No constituiu, at onde se sabe, uma escola diversa, j que os gnios
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filosficos proliferaram de forma nunca vista no conjunto dos iluminados ps-modernos e
nada mais justo que cada um possuir sua prpria escola. Vestindo uma densa capa, que
suponho negra, de profundidade abismal, como se falasse do prprio Hades, Lyotard
vocifera mximas e compreenses muito alm dos mortais. O intrprete dos intrpretes
havia surgido e a exegese ltima do mundo e, mais importante, dos seus desenganos, logo
estaria completa, realizada como uma revelao. Como pano de fundo um cenrio de filme
noir, muitas ndoas em todo o texto, a mancha grfica desliza sobre um fundo sombrio e
de uma melancolia que no assusta, no dionisaca, pois no se pode perder a razo para
compreender que no h razo. Uma segunda parania, agora sutil, faz um remendo de
conceitos e est pronta uma teoria, uma meta-narrativa de conspirao universal contra o
homem e sua essncia. A natureza ltima das coisas do mundo ser revelada aos que
acreditarem. Uma conspirao universal foi decifrada, antes que pudesse manipular os
homens e seus destinos. Mas, de sua hermenutica mgica e de sua tribo de rebentos ainda
intolerantes, uma realidade nova, sempre nova, brotava de suas palavras. Lyotard lanava
seu nico grande ensinamento, capaz de desvendar todos os mistrios, sobretudo os que
ainda no existem. Ensinava: acreditem na prpria mentira! Muitos ouviram e praticam o
ensinamento. Outros, os piores, passaram a acreditar na mentira dos vizinhos, incapazes de
mentir e de desobedecer.
5
Parania totalitria: psicopatologia ps-moderna que produz os curiosos sintomas da
alucinao negativa (no ver o que est presente) e do imaginrio furioso, confabulador de
hegemonias ameaadoras.
6
Mistificao totalitria ps-moderna: a parania totalitria como ideologia e princpio
natural.
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O ldico dialtico: propor uma Nova Aliana (Prigogine e Stengers, 1997) para em seguida
romp-la !
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O ps-moderno em ao contra a cincia ao lado da psicanlise do Dr. Lacan. Em uma
extenso clssica do conceito de sujeito do inconsciente, trabalhada na dcada de 70 no
Seminrio 21, o ortodoxo psicanalista de si mesmo acusava a cincia de suturar o sujeito.
A psicanlise, de forma contrria, desataria o n fundamental do sujeito. Mas como
garantir a flexo de conceitos clnicos alm da prtica clnica? O que garante, por exemplo,
a sobrevida epistemolgica (alm da clnica) do conceito de sujeito do inconsciente ?
Como partir para a crtica de um sujeito da cincia com base em um sujeito do
inconsciente que, a rigor, s eficiente no contexto de uma psicanlise? Como um
conceito que designa um fenmeno especfico da situao analtica, um fenmeno
vinculado a um mtodo especfico de investigao psicolgica, pode operar sobre
construes intelectuais de base metodolgica e discursiva absolutamente distintas? Ora, o
sujeito do inconsciente s acessvel, de forma controlada, atravs dos mtodos da
clnica psicanaltica. Assim, a cincia e os cientistas, acusados de suturar o sujeito, no
podem acessar o elemento crucial que sustenta a crtica da psicanlise: s se tornando
psicanalista para saber do sujeito do inconsciente e avaliar a procedncia da crtica
(Matos, 1999b: 43). Espertalho.
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Uma proposta de ao engajada para os ps-modernos msticos militantes pode ser lida no
romance o Agente Secreto, de Joseph Conrad, na passagem destacada por Bradbury
(Bradbury, 1989: 88). No livro, o respeitvel Sr. Vladimir exige que Verloc organize um
atentado terrorista relevante: "O ataque deve ser contra a cincia, o tempo, a prpria idia
de ordem; da ser o alvo o observatrio de Greenwich". Um ataque ao primeiro meridiano!
Um ato contra a preciso, contra a dimenso que percorre todo o planeta e envolve a todos
sem distino e sem a possibilidade de fuga de seus saltos e morosidades. O atentado
contra o tempo revela-se um atentado contra a universalidade, contra uma referncia nica
-
35
dos processos, dinmicas e movimentos! Mas chegariam atrasados. O atentado j
aconteceu. As novas tecnologia digitais da informao e comunicao j implodiram
Greenwich. Ningum ouviu nada (Matos, 1999a: 35). De fato, Algumas vanguardas, de
eminente despreparo, chocam-se ingenuamente quando descobrem que o caos silencioso
(Matos, 1997: 28).
10
O ps-moderno a mistificao elevada categoria da moralidade: o mstico moralizado.
11
Um exemplo de distncia ps-moderna em cincia: a cincia poltica j no a cincia da
poltica.
12
Pardia Nietzschiana para os imprecisos temerosos da preciso: no olhe durante muito
tempo para o relgio, pois o relgio acaba olhando para dentro de voc!
13
Tautologia ingnua tatuada na medula anarquista ps-moderna: se no h regras e esta a
nica regra, esta nica regra tambm no vale, ou para falar de Feyerabend: se qualquer
coisa serve por que deve servir qualquer coisa serve? Em realidade Feyerabend um
pessimista tristonho e tudo o que sempre quis dizer foi: Este mundo no vale a pena ser
conhecido.
14
A universidade no estar entre o mosteiro e o mercado: a universidade estar, sobretudo,
entre os pecados capitais do mosteiro e os pecados de f do mercado.
-
36
15
A ponte estratgica e ingnua entre a crtica ps-moderna cincia e o engajamento
poltico: confundir razo instrumental com modo de produo capitalista.
16
Sobre o desejo de subverso desinformado da ps-modernidade. Deus est morto! Vocs
no sabiam? No possvel subverter, pois tudo possvel!
17
Dilogo ps-moderno: - Voc que vem de l, h luz no fim do tnel? O pessimista diz:
no h fim. O pessimista mstico diz: no h luz. O ps-moderno mstico ilude: no h
tnel. O ps-moderno radical: no h voc!
18
O fundo como figura, ou a revoluo conceitual a partir da noo de inconsciente e o poder
da mistificao ps-moderna: At ao sculo XX, a noo de conscincia no parecia
problemtica, e a noo de mente inconsciente passava por enigmtica, talvez mesmo por
contraditria. Desde ento, invertemos os papis. Depois de Freud, corrente invocar os
fenmenos mentais inconscientes para explicar os seres humanos, e achamos a noo de
conscincia enigmtica e talvez mesmo no cientfica. (Searle, 1992: 181). Freud e a
cincia: decifram-se ou devoram-se. A digesto no tem sido fcil: dispepsia
epistemolgica.
19
A luta invencvel do sujeito ps-moderno com seu sintoma: o invisvel sempre adere ao
visvel e o indizvel ao dito.
20
-
37
O que o universo no : uma ampulheta dialtica.
21
A pergunta correta seria: o relgio no um universo? Porque ainda que viver no seja
preciso e exato, navegar . H um universo navegvel.
22
Novalis e o diagnstico da ingenuidade ps-moderna: Procuramos por toda parte o
incondicionado e encontramos sempre apenas coisas (Novalis, 1988: 37).
23
O caos no a ausncia de estrutura como quer os ps-modernos, mas sim o mximo de
estrutura. o estado de mxima informao (Epstein, 1988: 07).
24
Exemplo de estratgia ps-moderna e relativismo metodolgico para produo de
verdades, equivalendo o fato a sua representao discursiva, por Carl Sagan: - Um drago
que cospe fogo pelas ventas vive na minha garagem. Suponhamos (estou seguindo uma
abordagem de terapia de grupo proposta pelo psiclogo Richard Franklin) que eu lhe faa
seriamente essa afirmao. Com certeza voc iria querer verific-la, ver por si mesmo. So
inumerveis as histrias de drages no decorrer dos sculos, mas no h evidncias reais.
Que oportunidade! - Mostre-me - voc diz. Eu o levo at a minha garagem. Voc olha para
dentro e v uma escada de mo, latas de tinta vazias, um velho triciclo, mas nada de
drago. - Onde est o drago? - voc pergunta. - Oh, est ali - respondo, acenando
vagamente. - Esqueci de lhe dizer que um drago invisvel. Voc prope espalhar farinha
no cho da garagem para tornar visveis as pegadas do drago. - Boa idia - digo eu -, mas
esse drago flutua no ar. Ento voc quer usar um sensor infravermelho para detectar o
fogo invisvel. - Boa idia, mas o fogo invisvel tambm desprovido de calor. Voc quer
borrifar o drago com tinta para torn-lo visvel. - Boa idia, s que um drago
-
38
incorpreo e a tinta no vai aderir. Assim por diante. Eu me oponho a todo teste fsico que
voc prope com uma explicao especial de por que no vai funcionar. (Sagan, 1996:
171). Espertalhes...
25
O princpio da dialtica metafsica ou metamstica do sujeito ps-moderno: o todo no
basta a si mesmo; o todo est repleto de si mesmo e da probabilidade de seu contrrio.
26
Foi o relgio, mquina odiada pelos ps-modernos, que criou os seus fundamentos: o
desencontro, o atraso e a inexatido.
27
O relgio uma chave, abriu o universo. O computador um microscpio de equaes:
agregou uma realidade virtual ao relgio.
28
Um prometeu ps-moderno traria um relgio aos homens, no o fogo.
29
O conceito de hegemonia, hoje, uma mistificao reacionria, fruto de um mal profundo
do esprito: a anemia metafsica.
30
A diferena entre regra e exceo est no fato de que a exceo deve ser justificada
(Bobbio, 1996: 10). O relgio uma regra que se justifica fundindo ato e representao.
-
39
31
Homilia tcnica: o relgio a contribuio moderna idia de perfeio divina.
32
Delrio teolgico positivista: Deus no um projetista de relgio. apenas um criador de
peas. Ns montamos o tempo e a ordem.
33
O produto intelectual ps-moderno: revoluo conceitual (explicar as mesmas coisas
antigas com palavras novas atravs do efeito retrico) com base no relativismo
metodolgico (qualquer dado emprico legtimo).
34
A ps-modernidade costuma confundir a entrada com a sada. Assim pode entrar pela sada
e sair pela entrada. Em ambos os casos no faltam entradas ou sadas: livre pensar.
35
Um relgio pan-crnico: uma objetivao da coisa em si.
36
O problema no o que h de ps-moderno na cincia. o que no h de cientfico na ps-
modernidade.
37
O que o sujeito ps-moderno sabe? Sabe que s as mentiras tcnicas sobrevivem.
38
-
40
O fundamento ou princpio geral para uma genealogia das hegemonias: os homens so
mais semelhantes que diferentes entre si.
39
Desculpem-me. Mas tem que haver algum para corrigir os erros de gramtica das cartas
de amor.
40
Segundo princpio para uma genealogia das hegemonias: o bvio, quando identificado,
irresistivelmente democrtico. O bvio uma potncia democrtica nica quando revelado.
41
O ps-moderno em cincia impe a derrota do pensamento atravs da fetichizao do
acaso: ritual que cultiva a excntrica revolta do equvoco e a organizao social da
obscuridade, onde se decidiu que a verdade e a objetividade no passam de lenda urbana.
42
A felicidade difusa, sem motivo aparente, da ps-modernidade mantida por um falso
ceticismo: O ceticismo que no contribui para a runa de nossa sade apenas um
exerccio intelectual (Cioran, 1991: 47).
43
Sobre o projeto dos radicais ps-modernos: compensar uma fora com sua antpoda de
mesma intensidade e carter. Primeiro passo para afirmar o paradoxo como fundamento
ontolgico.
44
-
41
Lgica da causalidade ps-moderna: tenho minha frente uma escada sem degraus. Irei
subir. Tambm no tenho ps.
45
A crise semntica e tautolgica produzida na ps-modernidade: a crise da palavra crise.
46
Segundo Pascal (PASCAL, 1986: 123) a virtude o resultado da oposio de dois vcios e
pecados contrrios. Os vcios e pecados ps-modernos: a cobia e a inveja. A virtude
possvel: cime niilista.
47
A confuso entre realidade e verdade. A semitica ajuda com a distino entre objeto e
coisa. A realidade o conjunto das coisas, do que existe. A verdade o conjunto dos
objetos, o que conheo como verdadeiros, existam eles ou no (Pinto, 1995: 38). Assim,
realidade e verdade podem se confundir em apenas dois pontos: na intercesso das coisas
(o que existe) com os objetos (quando passo a conhecer as coisas, o que existe)
(indutivismo/empirismo) ou nos objetos que eu conheo primeiro e s depois passam a
existir como coisa (dedutivismo/racionalismo). Diante do que eu conheo e no existe no
h problema (como um unicrnio) e do que existe e eu no conheo tambm. O que ocorre
que a cincia tem produzido realidades (coisas) de laboratrio e avana sobre a verdade
(objetos do conhecimento). Assim, a realidade cientfica se antecipa verdade declarada
em teoria. As coisas tm gerado objetos, ou melhor, os fatos esto alm das teorias.
Protagonismo do laboratrio sobre a reflexo. Estamos descobrindo sem teoria, somos
vanguarda sem retaguarda.
48
Discordo de Einstein. Deus joga dados. Dados viciados.
-
42
49
O caos ps-moderno e sua primeira queda hegemnica, como um atrator estranho.
Segundo Gleick, "As partculas numa coluna de fumaa de cigarro sobem como se fossem
uma, durante algum tempo" (Gleick, 1990: 126-153).
50
O caos ps-moderno e sua segunda queda hegemnica: o caos o absoluto. O caos nunca
altera sua forma.
51
Niilismo romntico e desavisado: j alertava Nietzsche sobre os falsos iconoclastas. No se
pode confundir querer o nada dos falsos iconoclastas e niilistas passivos com o nada querer
(Nietszche, 1987: 185) dos niilistas ativos.
52
O sujeito ps-moderno um ctico festivo, um adolescente deslumbrado com a potncia
intelectual da dvida e da negao.
53
Do relativismo epistemolgico: para Rorty devemos nos contentar com a concepo mais
atenuada de racionalidade (Rorty, 1997: 58), que estaria mais prximo de normas
civilizatrias do que metodolgicas. Como evitar a relativizao de um saber baseado
apenas no consenso coletivo? Assim, para um coletivo de homens brancos o tabuleiro de
xadrez branco pintado de negro, e para uma coletividade de homens negros, o tabuleiro
negro pintado de branco. E para uma coletividade mista, de homens brancos e negros, a
verdade poderia ser algo como: o tabuleiro de uma outra cor qualquer, pintado de branco
e negro. E a verdade?
-
43
54
Mas o mundo que no vale a pena conhecer teima em existir e insiste: [...] qualquer
pessoa que acredite que as leis da fsica so meras convenes sociais est convidada a
tentar transgredir tais convenes das janelas do meu apartamento. Moro no vigsimo
primeiro andar. (Sokal & Bricmont, 1999: 286).
55
Ps-modernidade e educao: insistir no que se aprende e no se pode ensinar. Pedagogia
do oculto.
56
Feyerabend pensa em uma autonomia da violao de regras epistemolgicas como nico
princpio que pode ser defendido em todas as circunstncias na busca da verdade cientfica,
e formula sua sentena fundamental: s a desconstruo propositiva!
57
Em cincia, a transgresso terica depende da anomalia das evidncias. O ps-modernismo
ao tornar relativas as anomalias (tudo pode ser justificado em micro-narrativas), inviabiliza
a possibilidade de transgresso: ao contrrio do que se pensa, [...] v-se que o ps-
modernismo e a transgresso so conceitos tericos incompatveis (Kaplan, 1993: 13).
58
A escuta potica em cincia libertar a natureza do automatismo cartesiano. A Nova
Aliana (Prigogine e Stengers, 1997) busca um adereo, uma linha de fuga esttica para
uma espcie de universo quntico, de complexidade insondvel. A Nova Aliana e a
obsesso por continuarmos ignorando a realidade, ou conhecendo atravs da verdade
subjetiva.
-
44
59
Feyerabend arrependido. Segundo Sokal e Bricmont (1999: 85) Feyerabend se arrepende
de suas formulaes com estas frases: Como pode um empreendimento [a cincia]
depender da cultura de tantas maneiras e, no entanto, produzir to slidos resultados? e
Lembrem-se sempre de que as demonstraes e a retrica usada no expressam
convices profundas de minha parte. Elas simplesmente mostram quo fcil dominar o
povo de modo racional.. Impressionante...
60
Drummoniana: Mundo mundo vasto mundo, o ps-moderno se chama Raimundo e uma
rima, no uma soluo. Mundo mundo vasto mundo, mais vasto o meu corao!
Referncia
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45
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-
46
filsofos ps-modernos. Rio de Janeiro: Record, 1999.
-
47
4 - Comunidades virtuais: herana cultural e tendncia contempornea
Daisy Oliveira da Costa Lima Fonseca
Edvaldo Souza Couto
Introduo
Com as transformaes ocorridas no final do sculo XX, especialmente as decorrentes da
conexo do sistema de telecomunicaes com a informtica, demarcam-se significativas
mudanas na relao entre tecnologia e sociedade. Nesse contexto, verifica-se uma
expanso exponencial das formas de comunicao, principalmente via computadores em
rede. Essa expanso ocorre sem delimitao de fronteiras, por diversos espaos, o que
propicia trocas de informaes e a emergncia de diferentes relaes sociais, que
interligam realidades reais e virtuais. Isso altera significativamente o meio e favorece o
surgimento de relaes antes no estabelecidas, que iro tecer uma complexa rede de
possibilidades. O endereo dessa complexa rede nomeado de ciberespao, que
proporciona uma reconfigurao da noo de tempo, tornando-o instantneo, e uma
desmaterializao do espao. No ciberespao, as pessoas edificam interfaces imersas numa
outra realidade, para se comunicar, relacionar e produzir saber, vindo a constituir o
chamado mundo virtual .
importante compreender o mundo virtual como um alargamento dos padres sociais
estabelecidos, no qual encontramos pessoas emergindo no universo ciberntico, em busca
de outras comunicaes, conhecimentos e relacionamento, sem se importarem como os
valores so formados, e que procuram meios de, livremente, expressarem suas idias,
desejos, conhecimentos e fantasias. Nesse cenrio, emergem as comunidades virtuais como
possibilidades de infinitas realizaes.
Essas questes levam ao desafio de pesquisar e explicitar aspectos tericos acerca do termo
-
48
comunidade. Inicialmente, fundamental alargar a compreenso desse conceito e demarcar
alguns elementos tericos oriundos da sociologia clssica. Em seguida, objetiva-se pontuar
as reflexes contemporneas sobre as comunidades virtuais, seus pressupostos tericos e
sua caracterizao. A nossa reflexo aponta que as comunidades virtuais so
potencializadas por uma herana cultural na contemporaneidade.
A reconstruo do conceito de comunidade
O conceito de comunidade possibilita diversos enfoques na constituio terica do homem
e seus relacionamentos sociais. Tal noo remonta aos primrdios da humanidade,
considerando-se que o homem sempre buscou se associar a outros da sua espcie para
suprir as diversas necessidades de sobrevivncia, como a proteo mtua, o prprio
conviver natural, a diverso, procriao e cuidado da prole. Levem-se ainda em conta
diversos aspectos que podem ser aqui acolhidos e, preliminarmente, constiturem-se no que
se chama de comunidades.
No mbito da sociologia clssica, sero contemplados os sentidos que o conceito de
comunidade assume. Ao analisar o conceito de comunidade nas sociedades, Weber (1974:
214-216) pontua que existe uma dicotomia entre o relacionamento comunal e o da
associao. O primeiro estabelecido a partir de sentimentos subjetivos, pertencimento,
laos significativos de solidariedade entre as pessoas. Quanto ao segundo, os
relacionamentos se fixam atravs de interesses ou acordos que possuam interesses comuns.
Para esse socilogo alemo, pode haver coexistncia dessas duas formas de relacionamento
nas relaes sociais. Esboam-se a as bases de um contrato, que pode alongar e tambm
prevalecer s aes prticas, e da fixao dos interesses individuais. O autor faz distino
entre comunidades e sociedade, explicitando que o equilbrio institucional da sociedade
advm da fixao e manuteno das relaes comunais.
Com Emile Durkheim (1997: 26-34), o conceito de comunidade se estrutura na anlise da
moralidade, da lei, do contrato, da religio e na natureza da mente humana, que age
diretamente como instrumento de anlise reflexiva do homem. Esses elementos reforam a
tradio moral explicitada pelos usos e costumes, tida como uma das questes bsicas da
comunidade; a conscincia coletiva, entendida como dotada de vida coletiva (integrada por
-
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fatos sociais), constituda por representaes coletivas, fenmenos que se diferenciam dos
fenmenos da natureza por suas caractersticas peculiares. Retomando a questo comunal,
esta antecede o conceito de conscincia coletiva definido como crenas e sentimentos
comuns. Na tica do autor, a comunidade ampliada fornece os alicerces da sociedade.
Articulando os conceitos de gesellchaft (sociedade) e de gemeinschaft (comunidade),
Tnnies (apud Bellebaum, 1995: 52-58) interpreta a sociedade como um tipo especial de
relao humana. Nessa relao, emerge um alto grau de individualismo, impessoalidade,
contratualismo, procedentes do desejo ou do mais puro interesse, mais do que dos
complexos estados efetivos, hbitos e tradies subjacentes comunidade. A comunidade
baseada na vizinhana, parentesco e na amizade, fundamentada no trabalho e na crena
comuns. Isso reflete um sentimento de pertencimento, e as pessoas continuam unidas. Por
sua vez, na sociedade as pessoas permanecem isoladas, e as aes no so derivadas da
vontade e do esprito de todos. Todos se encontram ss e em situao de tenso e conflitos.
Segundo Tnnies, a comunidade estabelecida atravs das relaes de amizade,
vizinhana e laos afetivos entre os membros, como os de uma famlia. Assim, apresenta
uma organicidade vinculada atravs das sucessivas interaes entre seus membros. Dessas
interaes, despontam valores sociais que orientam a ao social para a coletividade, cujos
estatutos so guiados por crenas, hbitos e costumes.
Delineia-se, desse modo, a comunidade como forma bsica da unio dos homens, desde o
nascimento e ao longo da existncia, ao compartilhar aes ntimas e vividas coletivamente
e em constante interao como um ato de sua prpria vontade. A sociedade, por sua vez,
demarcada pelo individualismo, frieza na