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NEM TUDO É TÃO CERTO COMO PARECE SER:
A MATEMÁTICA FUZZY COMO LINGUAGEM
Renato Francisco Merli
Lourdes Maria Werle de Almeida
LINHA DE PESQUISA
Filosofia da Educação Matemática
RESUMO
Nesse texto apresentamos um ensaio de articulação entre matemática fuzzy e
Educação Matemática utilizando como metodologia a revisão bibliográfica. Iniciamos
com breves considerações históricas sobre conjuntos fuzzy, a partir de textos de
Kosko (1993). Com a finalidade de ilustrar ideias e conceitos importantes na
matemática fuzzy, apresentamos inicialmente, algumas concepções fundamentais e
exemplos ilustrativos. Com a perspectiva de trazer a discussão sobre a importância da
inclusão desta linguagem matemática para o âmbito escolar, enunciamos algumas
possíveis relações com a Educação Matemática. Com esta finalidade buscamos em
Gottschalk (2004/2008) e Vilela (2007) elementos dos estudos de Wittgenstein para
pensar em “matemática fuzzy” como um tipo de jogo de linguagem.
Palavras-chave: conjuntos fuzzy; linguagem; educação matemática
1 INTRODUÇÃO
Qual é o conjunto dos “homens altos”? O número três pertence ao conjunto dos
“números pequenos”? Perguntas como essas, aparentemente simples, carregam uma
linguagem matemática diferente daquela que normalmente se apresenta em âmbito escolar.
Um dos conteúdos integrantes da teoria empregada nestas linguagens diz respeito
a conjuntos fuzzy e lógica fuzzy. No contexto desta matemática fuzzy, expressões como
“aproximadamente”, “em torno de”, “abaixo de”, entre outras, definem o tom das
respostas.
Considerando essa situação, educadores matemáticos1 podem empreender
esforços para que este tipo de linguagem, menos „precisa‟, seja utilizada em sala de aula.
1 Entendemos „educadores matemáticos‟ como aqueles que promovem a educação por meio da matemática.
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Assim, nesse trabalho apresentamos alguns conceitos fundamentais de matemática
fuzzy e alguns exemplos para ilustrar estes conceitos. Com a perspectiva de trazer a
discussão sobre a importância da inclusão desta linguagem matemática no âmbito escolar,
enunciamos algumas possíveis relações com a Educação Matemática2.
2 CONJUNTOS FUZZY
2.1 A ORIGEM
Lidar com fatores como ambiguidade, incerteza e informações vagas para a
resolução de problemas é uma característica do pensamento humano, articulado por meio
de conhecimentos prévios e experiências. As ações humanas controlam os mais diversos
sistemas do mundo real por meio de informações imprecisas e segundo Kosko (1993), é
desta necessidade de resolver problemas com características ambíguas e vagas que surge a
teoria dos conjuntos fuzzy. Lotfi Askar Zadeh publicou em 1965, o artigo Fuzzy Sets no
Journal Information and Control, tornando públicas suas primeiras considerações a
respeito dessa teoria. Este artigo (de Zadeh) teve como base a lógica multivalorada de Jan
Lukasiewicz, cujo trabalho foi continuado por Max Black, que muito contribuiu para o que
na lógica fuzzy atual se chama „funções de pertinência de conjuntos fuzzy‟.
Ainda de acordo com Kosko (1993), a teoria fuzzy teve muitos problemas no
início de seu desenvolvimento, principalmente nos Estados Unidos, pois:
[...] agências governamentais não deram importância para a pesquisa fuzzy.
Poucos jornais ou conferências aceitaram artigos sobre fuzzy. Departamentos
acadêmicos não promoveram as ideias fuzzy, pelo menos aquelas que tratavam
apenas de lógica fuzzy. A pesquisa fuzzy naquela época foi muito escassa e
secreta. Ela cresceu e amadureceu sem o suporte habitual de subsídios científicos
[...] (KOSKO, 1993, p. 20)
Neste contexto Barros e Bassanezi (2006, p. 3) afirmam que “muitos matemáticos
acreditam que a falta de rigor dos processos fuzzy poderia causar uma perda irremediável
para o avanço da matemática, desenvolvida ao longo dos séculos e entendida como uma
evolução do pensamento lógico”.
O avanço da teoria fuzzy se deu a partir de 1970, principalmente pelo interesse
comercial e industrial que essa nova pesquisa despertou, com destaque para os processos
2 Referimo-nos, neste momento, à „Educação Matemática‟ como uma área científica relativa à promoção e
ao desenvolvimento da educação por meio da Matemática.
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de controle industrial. Ainda neste período o professor Ebrahim Mandani do Queen Mary
College de Londres utilizou a teoria fuzzy para construir um sistema que controlasse um
motor a vapor. Na década seguinte, surgiram inúmeros processos controlados por sistemas
fuzzy, dentre eles Ortega (2001, p. 8) aponta os “controladores de fornos de cimento, de
usinas nucleares, de processos químicos e biológicos”.
Foi na década de 1990 que os sistemas fuzzy ganharam popularidade, pois de
acordo com Resnick apud Ortega (2001, p. 8), “[...] nesse ano a Matsushita Electric
Industrial Co. lançou no mercado japonês a primeira máquina de lavar roupa baseada nas
teorias fuzzy”. A disseminação desta tecnologia usando a matemática fuzzy pode ser
percebida atualmente em muitos objetos eletroeletrônicos e eletrodomésticos como micro-
ondas, aspirador de pó, máquina fotográfica, televisão ou uma panela de pressão elétrica,
cujo sistema de controle é baseado em sistemas fuzzy. Isso se tornou possível graças aos
laboratórios criados especialmente no Japão, dedicados à pesquisa em sistemas fuzzy.
No Brasil, as teorias fuzzy têm sido muito utilizadas nas áreas médica e
epidemiológica para resolver problemas de diagnósticos médicos e controle de pragas,
áreas em que o grau de incerteza é muito grande. Um diagnóstico médico, por exemplo,
deve considerar diversos sintomas do paciente para “tentar” chegar a um laudo conclusivo.
O raciocínio médico baseia-se muito mais em graus de possibilidade do que em graus de
probabilidade. Os médicos, normalmente não expressam suas conclusões por meio de
números, mas utilizam termos linguísticos para associar o quanto os sintomas dos
pacientes estão ligados à doença. Além disso, o paciente que procura um médico não está
interessado em saber qual a chance de ter a doença, mas sim, se ele está ou não com ela.
Considerando esta aplicabilidade da matemática fuzzy, é adequado que aspectos
dessa teoria sejam introduzidos na formação matemática dos estudantes.
2.2 CONCEITOS FUNDAMENTAIS DA MATEMÁTICA FUZZY
Os conjuntos fuzzy foram introduzidos por Zadeh em 1965 “[...] com a principal
intenção de dar um tratamento matemático a certos termos linguísticos subjetivos, como
“aproximadamente”, “em torno de”, dentre outros [...]” (BARROS E BASSANEZZI,
2006, p. 12)”. Os autores formalizaram o conceito de conjunto fuzzy baseando-se na ideia
de que todo conjunto clássico pode ser caracterizado por uma função, chamada função
característica. Essa função, de acordo com eles é definida como:
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Seja U um conjunto e A um subconjunto de U . A função característica de
A é dada por 1, se ( ) 0, se
A
x A x
x A
. Esta função está definida para todos os
elementos do universo U . Assim, ela mapeia U aos seus dois únicos elementos 0,1 , ou seja, : 0,1A U (BARROS E BASSANEZI, 2006, p.
13).
Nos conjuntos clássicos, um elemento pode apenas pertencer ou não pertencer a
um dado conjunto. Assim, dado um conjunto A e um elemento x , dizemos que x A ou
que x A . Por exemplo, considere o conjunto dos números naturais . Sabemos que
2 e que 0,5 . Mas existem casos em que os elementos de um conjunto não estão
bem definidos quanto a sua pertinência. Agora imagine um conjunto formado pelos
números naturais que são muito pequenos, representados por,
B x x é muito pequeno
Será que os números um e 15 pertencem a B ? A resposta é incerta, pois não
sabemos quão pequenos devem ser os números a ponto de pertencerem ao conjunto B . O
que podemos fazer é associar graus de pertinência aos números um e 15 dentro do que está
proposto no conjunto. Neste exemplo, podemos dizer que o número 1 tem grau de
pertinência 0,9 e o número 15 tem grau de pertinência 0,2, em uma escala que vai de zero a
um, sendo zero para nenhuma pertinência e um para total pertinência ao conjunto.
Assim, podemos caracterizar conjuntos que não possuem fronteira definida por
meio de um