Neoliberalismo e crise do trabalho em moçambique: O …Pretendemos, no presente trabalho, analisar...
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Neoliberalismo e crise do trabalho em moambique:
O caso da indstria do caju
Andr Cristiano Jos
2005
O Cabo dos Trabalhos: Revista Electrnica dos Programas de Mestrado e Doutoramento do CES/ FEUC/ FLUC, N 1, 2006.
http://cabodostrabalhos.ces.uc.pt/n1/ensaios.php
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Neoliberalismo e Crise do Trabalho em Moambique
1. Introduo
Dois diferentes modelos de desenvolvimento vigoraram em Moambique desde a
independncia nacional, com consequncias importantes para a economia nacional e
para as relaes de trabalho. O primeiro, desenvolvimentista, de orientao
socialista, representou uma ruptura com o sistema colonial portugus, ao propor
construir uma sociedade sem classes, livre da explorao do homem pelo homem.
O segundo, neoliberal, vigora desde meados dos anos 80, altura em que Moambique
aderiu aos programas de reajustamento estrutural preconizados pelo Banco Mundial
(BM) e Fundo Monetrio Internacional (FMI). Este modelo, que implicou a privatizao
e liberalizao da economia, conduziu a alterao profunda das relaes laborais e
do papel do Estado enquanto agente de desenvolvimento.
Aos processos de transformao poltica e econmica levadas a cabo em
Moambique so inerentes conflitos e tenses entre diferentes plos de interesses e
de poder, reflectindo as vicissitudes da conjuntura internacional e as dinmicas
polticas e sociais internas. No perodo imediatamente aps a independncia, esses
conflitos e tenses ocorreram no contexto da guerra fria, em que no caso da frica
Austral traduziu-se em confrontos armados em vrios pases (Gentili, 1999: 362-363).
A transio para o neoliberalismo est associada crise econmica nacional e
internacional, queda do Bloco socialista e consequente expanso capitalista, bem
como s presses internas no sentido de adequar os quadros polticos e institucionais
economia de mercado.
Pretendemos, no presente trabalho, analisar as alteraes produzidas na
economia moambicana e nas relaes de trabalho, no processo de transio do
socialismo para o neoliberalismo, tendo como exemplo paradigmtico a indstria do
caju. Propomos mostrar que a estratgia econmica adoptada pelo governo
moambicano, seguindo as imposies do Banco Mundial, foram prejudiciais para a
economia do caju, com consequncias desastrosas para milhares de trabalhadores.
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Neoliberalismo e Crise do Trabalho em Moambique
Temos presente que a emergncia do sector privado em Moambique, acompanhada
pela desregulao dos mercados, atiou as velhas tenses e clivagens, no apenas
entre trabalhadores e patres, mas tambm entre os sectores comercial e industrial
(Leite, 1999).
Procuraremos tambm mostrar que, perante a fragmentao e fragilizao dos
sindicatos, a imprensa privada apresenta-se como um espao alternativo de debate
pblico sobre o problema e, nesta medida, constitui-se como um imprescindvel
instrumento de aco poltica e de construo da democracia moambicana.
Restringimos a nossa anlise s publicaes do jornal Metical, entre 25 de Junho de
1997 e 28 de Dezembro de 2001, que corresponde ao perodo de existncia do jornal.
Sem termos a pretenso de esgotar as possibilidades de anlise que o jornal suscita,
procuraremos simplesmente fornecer exemplos da estratgia de denncia e de
resistncia seguida no Metical e do modo como contribuiu para a formao da
opinio pblica sobre o problema do caju.1
Antes de analisar as transformaes ocorridas nos ltimos anos, so necessrias,
no entanto, algumas referncias histricas, na estrita medida em que sejam
necessrias para a compreenso da natureza, intensidade e complexidade dos
problemas em causa.
2. Rumo ao socialismo: Entre o Mito e a Utopia
Aps a II Guerra Mundial, o movimento internacional favorvel s independncias
tornou-se mais expressivo, desencadeando-se uma nova vaga de descolonizao.
Particularmente em frica, a generalidade das independncias foi alcanada em
consequncia de longos processos de reivindicao e de luta armada, desenvolvidos
fundamentalmente com o apoio dos pases socialistas. Apesar da diversidade
ideolgica deste grupo de apoiantes parece ser consensual que as condies
concretas do combate anticolonial, tanto em termos internacionais, como internos, e
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Neoliberalismo e Crise do Trabalho em Moambique
particularmente a opo pela via da luta armada, contriburam fortemente para que
a organizao se tornasse um movimento revolucionrio de inspirao marxista
(Brito, 2001: 40). As zonas libertadas2 desempenharam um papel fundamental para
a construo ideolgica da Frente e para a experimentao de modelos de
desenvolvimento tendentes a eliminar todas as de explorao e de excluso inerentes
ao sistema colonial. Nas zonas libertadas desenvolveram-se as primeiras iniciativas
de produo e comercializao colectiva e testaram-se formas de participao
popular nas decises.
As independncias de Moambique e de Angola, juntando-se a de outros pases
da frica Austral, significaram um avano importante do bloco socialista na regio,
contra o capitalismo representado pela frica do Sul, Nambia e Rodsia.3 O projecto
poltico, econmico e social prosseguido pelo Estado moambicano ficou, desde logo,
patente na Constituio que fixou como objectivo fundamental do Estado a
eliminao das estruturas de opresso e explorao coloniais e tradicionais e da
mentalidade que lhes est subjacente; extenso e reforo do poder popular
democrtico; a edificao de uma economia independente e a promoo do
progresso cultural e social; e edificao da democracia popular e a construo das
bases material e ideolgica da sociedade socialista.4
A concretizao destes objectivos pressupunha a eliminao das estruturas
econmicas e interdependncias coloniais e de todas as formas de discriminao
social em que o sistema assentava. A economia colonial de Moambique foi, pois,
construda na extrema dependncia de Portugal e frica do Sul. Por exemplo, em
1969, do total do volume das exportaes e importaes moambicanas, cerca de
41% e 31%, respectivamente, resultava das relaes comerciais com os dois pases.
Particularmente a rea dos servios, transportes e fornecimento de mo-de-obra,
produzia aproximadamente 30% do total de receitas em divisas (Mosca, 1999: 40). Por
seu turno, o desenvolvimento industrial era incipiente, descapitalizado, com
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Neoliberalismo e Crise do Trabalho em Moambique
maquinaria obsoleta (no geral, importada em segunda mo da Europa) e concentrava-
se na transformao primria de produtos para exportao (Mondlane, 1995; Hanlon,
1984: 74). Como prprio do sistema colonial, a estrutura da economia assentava
sobre uma sociedade com uma forte estratificao social e racial, ocupando os
negros as camadas mais baixas, com direitos reduzidos ao mnimo necessrio para
sustentar o sistema (Mondlane, 1995).
A concretizao dos objectivos definidos pelo Estado independente implicou,
em primeiro lugar, uma forte interveno do Estado na economia. A Nacionalizao
dos principais servios e bens (terra, sade, educao, habitao, transportes,
banca, seguros, fbricas) foi um instrumento jurdico-poltico de extrema
importncia neste processo. Ao mesmo tempo que permitia o controlo directo das
principais reas econmicas e de servios por parte do Estado, cumpria as promessas
de uma maior redistribuio e de democratizao do acesso aos servios pblicos.
A par das Nacionalizaes, foi imperioso intervencionar diversos
estabelecimentos, de modo a dar continuidade s actividades econmicas das
empresas abandonadas aps a independncia. Tem sido sobejamente mostrado que,
desde o perodo de transio para a independncia, milhares de cidados
abandonaram (ou fora forados a abandonar) o pas, entre os quais muitos
proprietrios de unidades fabris e comerciais e profissionais qualificados.5 Nalguns
casos, o abandono foi acompanhado de sabotagem de equipamentos e edifcios, o
que conduziu ao rompimento dos sistemas de controlo da assistncia de rotina, o
desempenho das tarefas dirias, a manuteno ou a reposio de stocks (Eger,
1992:160). Joseph Hanlon descreve a situao nos seguintes termos:
Production was falling rapidly. The rural marketing network
collapsed, as Portuguese and Asian traders either fled to Portugal
or moved to the cities to take over business there. Peasants
could not sell their surpluses or buy consumer goods, so peasant
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Neoliberalismo e Crise do Trabalho em Moambique
production plummeted. Most Portuguese settlers abandoned their
farms, usually killing their cattle and destroying the tractors or
driving them over the border. Industrial production dived as
owners and skilled workers left, machinery was damaged, and no
spares or raw materials were imported (1984: 72).
Face a este cenrio, o Estado foi obrigado a estender a sua interveno para
reas inicialmente no previstas, abrangendo sectores amplos e bastante
diversificados. Estas contingncias foraram-no a dispersar-se na gesto das
empresas, no lugar de controlar os mecanismos de acumulao e de garantir uma
maior racionalidade e operatividade na distribuio dos recursos (Mosca, 1999: 97).
De facto, o Estado foi obrigado a gerir desde a mais pequena mercearia de
comercializao de produtos de primeira necessidade, at os estabelecimentos
industriais de grandes propores. A criao de empresas estatais,6 lojas do povo,7
cooperativas8 e aldeias comunais foi importante quer para assegurar a continuidade
da produo agrcola e industrial e da comercializao dos produtos, quer para
promover a participao popular no processo produtivo.
Vencer a dependncia econmica, subverter a tradicional posio perifrica no
sistema-mundo (Wallerstein, 1974) era (e ) o principal objectivo de Moambique
ps-colonial:
Recusamo-nos a ser eternos fornecedores de matria-prima. Recusamo-nos que
permaneam as velhas relaes coloniais, ainda que com nova roupagem.
Recusamo-nos a participar na diviso internacional do trabalho numa posio
subordinada, pagando mais por produtos industrializados e vendendo a nossa
fora de trabalho a preos cada vez mais baixos (Samora Machel, 1979, apud
Hanlon, 1984: 82).
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Neoliberalismo e Crise do Trabalho em Moambique
Para concretizar o objectivo, Moambique contava sobretudo com as suas
prprias foras, uma vez que beneficiava de apoio internacional limitado. Com a
independncia do Zimbabwe, nove pases9 criaram a Southern Africa Development
Coordinating Conference (SADCC), com objectivo de eliminar a dependncia
econmica em relao a frica do Sul. Esta organizao concebeu um programa de
aco concreta, incidindo a cooperao nas reas de transportes, comunicaes,
alimentao, agricultura, indstria, energia e desenvolvimento dos recursos
humanos.
A poltica de socializao do campo foi assumida como central para ao
desenvolvimento do campo e para a articulao estreita entre os meios rural e
urbano. A construo das aldeias comunais permitiria no apenas integrar o sector
produtivo tradicional na economia nacional, assim como seria imprescindvel para a
articulao estreita entre a agricultura e a indstria e, ainda, para a organizao
poltica das comunidades.
Most important is the political transformation that comes only through
production: state farms can create a rural working class to lead the revolution,
while co-ops should instil a spirit of cooperative work to improve peoples own
lives. Central to this economic and political transformation must be a social
transformation which breaks the rural-urban divide and makes country life
sufficiently attractive to stop migration to the cities. This is to be done through
villagization. Mozambique is sparsely populated and most of the 10 million
peasants still live on widely scattered family plots. Both because traditional
farming methods require large tracts of land and because peasants fled further
and further into the bush to escape forced labour and taxation. If they remain
dispersed, there can be no cooperative farming. Only with villages nearby can
state farms build up a permanent instead of a migrant workforce. Also, only in
villages is it possible to make the necessary investments to raise the peasants
living standard a school, health post, shop and water supply- and to organize
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Neoliberalismo e Crise do Trabalho em Moambique
social and cultural activities. Villagization is hardly a new idea. Tanzania has
implemented it, and the colonial authorities moved peasants into fortified
villages and along cotton roads where they could better control them. But
Frelimos communal villages also have a central political point: only in a village
can country people organize politically and create viable democratic institutions
(Hanlon, 1984: 98-99).
Com a independncia do Zimbabwe, aumentaram as expectativas de incremento
da produo. As indstrias metalrgicas, txteis e alimentares, implantadas nas
diferentes provncias do pas, ganhariam nova dinmica. A prestao de servios
porturios para os pases vizinhos faria do corredor da Beira uma das principais fontes
de receitas. Face s perspectivas de multiplicao dos resultados alcanados (ainda
que modestos), o governo aprovou o Plano Prospectivo Indicativo (PPI), que previa
ultrapassar o subdesenvolvimento em 10 anos: dcada de 80 de 90; dcada da
vitria contra o subdesenvolvimento.10 No mbito este programa, as empresas e as
machambas deviam estrita obedincia a planos e metas de produo muito
ambiciosos, por vezes ilusrios, definidas centralmente pelo poder estatal. A
materializao destes objectivos requeria uma disponibilidade financeira que no
existia no pas e que, naquele contexto, se revelou difcil de mobilizar.
It was a lovely dream and a rude awakening. Investors did not flood in with
money in suitcases. Even in the best of times the necessary money, would not
have been available, but with a worsening world recession here was no hope.
Despite brave Third World talk of a new international economic order, foreign
investment was not going to countries which were serious about breaking the old
colonial relations. Super-profits were still the name of the game, and if
Mozambique would not play, neither would international capital (Hanlon, 1984:
84-85).
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Neoliberalismo e Crise do Trabalho em Moambique
Finalmente, a transformao radical das estruturas econmicas e sociais
enquadrava-se num processo de luta de classes. O poder do Estado radicava do povo,
era exercido em nome do povo e com o povo, assumindo-se a aliana operrio-
camponesa como vital para a construo do socialismo. Foram criadas e implantadas
vrias estruturas e formas de exerccio do poder popular, nomeadamente, assembleias
populares em todas circunscries administrativas; organizaes democrticas de
massas; tribunais populares; conselhos de produo.
Dos Conselhos de Produo Unidade Sindical
Como afirmmos, desde o perodo de transio para a independncia, milhares de
cidados abandonaram o pas, realidade que forou o Estado no apenas a nomear
comisses administrativas para a gesto das empresas, como a implantar uma estrutura
organizativa (Conselhos de Produo) que assegurasse o cumprimento dos planos
econmicos e que promovesse a organizao colectiva dos trabalhadores e o aumento
da conscincia de classe. Contudo, mais do que institucionalizar uma estrutura
organizativa eficaz para efeitos produtivos, as comisses de produo visavam pr em
prtica o exerccio democrtico e popular do poder na esfera produtiva, eliminando
todas as formas de organizao capitalista.11
Aponta-se como marco institucional da criao do Conselhos de Produo data
de 13 de Outubro de 1976, dia em que o Presidente da Repblica fez um discurso
dirigido aos operrios, reclamando a necessidade de transformao radical das
relaes de produo (Colao, 1991; Assis, 1997: 34-35; Machungo; 1977: 64).
A VIII Sesso do Comit Central da FRELlMO, estudando profundamente esta
situao, lanou palavra de ordem da Ofensiva Poltica e Organizacional
Generalizada na Frente e Produo e o Camarada Presidente, Samora Moiss
Machel, no seu discurso de 13 de Outubro de 1976, deu orientaes para a classe
trabalhadora assumir a sua responsabilidade histrica, na etapa da Revoluo
Democrtica Popular (Machungo, 1977: 64).
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Neoliberalismo e Crise do Trabalho em Moambique
De acordo com Assis (1997: 35), a instalao de conselhos de produo esteve a
cargo da Comisso Nacional de Implementao dos Conselhos de Produo. Iniciou
com uma experincia piloto em 47 empresas da cidade de Maputo, estendendo-se,
posteriormente, para as restantes provncias. Em cada empresa, implantou-se um
Conselho de Produo da Unidade de Produo (CPUP). Foram igualmente criados
conselhos de produo nas provncias, distritos e localidades, com vista a permitir
uma programao e planificao profunda da nao base e aplicao correcta das
directivas econmicas e sociais (Comisso de Implementao dos Conselhos de
Produo, 1977: 34). Em todos os nveis, os conselhos de produo estavam divididos
em departamentos, compreendendo a cada um basicamente o cumprimento das
seguintes funes:
assuntos econmicos: estudar e propor superiormente metas de
produo; Estudar a criao das condies para o cumprimento dessas
metas; promover, estimular e controlar a prtica de emulao socialista ao
nvel geral e individual; Organizar palestras, sobre assuntos relacionados
com a economia e produo;
assuntos sociais: solucionar os litgios entre os trabalhadores; estudar
com os restantes departamentos e estruturas da empresa, a criao de
benefcios para os trabalhadores (creches, transporte, frias, centros
sociais); estudar e propor medidas, normas e aces a realizar para o
seguro social (reforma, centros de frias, seguros);
higiene e segurana: zelar pela garantia das condies necessrias
higiene do trabalhador; estudar, divulgar e fazer aplicar as normas de
segurana estabelecidas;
assuntos culturais: organizar grupos culturais dos trabalhadores e
promover trocas de experincias e sua divulgao;
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Neoliberalismo e Crise do Trabalho em Moambique
formao profissional: estudar o processo de transformao de todos
os valores culturais, cientficos e tcnicos, em benefcio dos trabalhadores,
promovendo a elevao do seu nvel de instruo e qualificaes
profissionais;
controle e disciplina: controlar o trabalho de cada departamento,
assim como as actividades realizadas pelos trabalhadores; elevar a
conscincia dos trabalhadores, de modo a observarem as regras de
disciplina, assim como a conservarem os bens e equipamentos da empresa;
zelar pelo cumprimento dos direitos dos trabalhadores; detectar e canalizar
para as estruturas competentes qualquer tipo de sabotagem.
Respondendo s necessidades do operariado moambicano, o mbito das tarefas
dos conselhos de produo alargou-se para incluir aulas de alfabetizao, formao
no trabalho, transporte de e para casa, fornecimento de refeies, creches e outras
questes relacionadas com a segurana social e econmica dos trabalhadores (Eger,
1992: 161).
semelhana do que acontecia com outras estruturas e organizaes criadas
pelo Estado, no havia qualquer separao entre os Conselhos de Produo e o
partido FRELIMO. As duas entidades, os conselhos de produo e o partido FRELIMO,
partilham no apenas os membros e as estruturas hierrquicas e organizativas, como
tambm os pressupostos poltico-ideolgicos de aco. Ainda que se considere que
esta relao foi forada pelos imperativos de unidade de luta, por novo tipo de
relaes laborais e por necessidade de eficcia (Eger, 1992: 160), a verdade que
ela determinou modo significativo o perfil do sindicalismo moambicano e marcou
decisivamente a sua aco poltica at a actualidade.
Por deciso do IV Congresso do partido Frelimo, em 1983 os Conselhos de
Produo foram transformados na Organizao dos Trabalhadores Moambicanos
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Neoliberalismo e Crise do Trabalho em Moambique
(OTM). Por seu turno, a OTM encarregou-se da criao de sindicatos nacionais,
coordenando no apenas a elaborao dos programas dos sindicatos, como a
nomeao dos seus corpos directivos e a eleio dos outros rgos (Mosca, 1999: 78).
Todas as estruturas representantes dos trabalhadores em cada empresa eram
tutelados pela OTM, que coordenava e fiscalizava as suas actividades e tinha sobre
eles poderes de direco.
Em Moambique, a criao dos sindicatos no surge, pois, enquanto processo
endgeno dos trabalhadores pela necessidade de defesa dos seus direitos contra o
patronato, mas como uma iniciativa do prprio Partido-Estado-Governo12 (Assis,
1997: 43), principal agente econmico e detentor formal do monoplio da aco
poltica. Tendo sido concebidos como tentculos das estruturas partidrias,
semelhana do que acontecia com as organizaes democrticas de massas,13 a aco
dos sindicatos visava, exclusivamente, colaborar com o governo e nunca confront-
lo. Coerentemente, a unidade sindical, como apoteose da unidade ideolgica e
partidria, imps-se com naturalidade.
Em conformidade com este quadro, foram criadas Comisses de Trabalho, com
funes de resoluo de conflitos laborais, em substituio dos tribunais judiciais. As
Comisses de Trabalho eram constitudas por juzes sem formao tcnico-jurdica,
escolhidos entre os membros das estruturas orgnicas das empresas e dos conselhos
de produo, desde que tivessem sentido de justia, bom senso e uma formao
poltica equilibrada. Respondendo carncia de licenciados em direito, as
Comisses visavam garantir o acesso a uma justia clere, e que aplicasse
correctamente os princpios que inspiram a construo da nova sociedade.
A indstria do caju na economia socialista
Antes da independncia, o caju j assumia extrema importncia na economia de
Moambique, sendo uma das mais importantes fontes de divisas. No final do perodo
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Neoliberalismo e Crise do Trabalho em Moambique
colonial, a importncia do caju na economia nacional era superior que a do algodo e
do acar, representando 21,3% do total das exportaes (Leite, 1999: 2-3). Em
1974, Moambique impunha-se como o maior produtor mundial de castanha de caju,
com uma produo de cerca de 42,7% do total, permitindo fornecer o produto
indstria local, sem prejudicar a exportao.
Depois da independncia, o governo adoptou medidas proteccionistas para a
indstria nacional, limitando as exportaes da castanha em bruto e regulando os
preos de comercializao.14 A mediao entre estes agentes econmicos passou a
ser feita fundamentalmente pelas lojas de povo e cooperativas entretanto criadas.
Apesar desta poltica, no foi possvel evitar o declnio da indstria de
processamento do caju, estando esta confrontada com problemas financeiros e de
ineficincia, sobretudo nas unidades estatizadas (Leite, 1999:6). A crise da indstria
est igualmente associada reduo da produo agrcola e destruio de rede de
comercializao.
Primeiro, se a nacionalizao da terra foi importante para evitar a emergncia
de cidados sem terra em Moambique, o processo de construo de aldeias
comunais (inspiradas na ujamaa de Julius Nyerere)15 teve resultados modestos e,
nalguns casos, efeitos perversos. No se registou, no geral, qualquer incremento na
produtividade, e muito menos se efectivaram as promessas de eliminao da
explorao do homem pelo homem. Segundo, a guerra foi um factor de destruio
da produo agrcola e a rede comercial foi destruda. Entre 1976 e 1990, a produo
agrcola do caju decresceu em 81,7% e, no incio dos anos 90, apenas uma das 15
fbricas existente nos primeiros dois anos da independncia continuava a funcionar
e era uma das poucas que manteve a gesto privada (Leite, 1999: 6-7).
O ano de 1991, estando iminente o fim da guerra e num contexto em que o
neoliberalismo se implantara, representa a viragem definitiva da poltica sobre o
caju. Neste ano, foi reautorizada a livre exportao da castanha em bruto, reacendo-
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Neoliberalismo e Crise do Trabalho em Moambique
se os velhos conflitos entre os comerciantes (com interesse na exportao, porque
mais rentvel) e os industriais (com interesse no processamento da castanha para
exportao e para o mercado interno). As intervenes do Banco Mundial e do
governo moambicano foram decisivas para o agravamento deste conflito, com
prejuzos para a indstria nacional e para os trabalhadores.
3. Guerra Quente e a Morte da Utopia
Os esforos de concretizao do ideal socialista desenvolveram-se num contexto que,
no devendo ser desprezado ou minimizado, constituiu um constrangimento de
extrema importncia que teve de ser enfrentado: a guerra e o chamado inimigo
interno. A guerra marcou decisivamente a histria de Moambique no perodo ps-
colonial, at 1992, altura em que foram assinados os Acordos de Paz entre a FRELIMO
e a RENAMO.16
Poucos meses depois da independncia, em Agosto de 1975, o exrcito
rodesiano desencadeou ataques militares contra Moambique, que se prolongaram
at a queda do governo de Ian Smith em 1980. Estes ataques intensificaram-se, em
resposta ao explcito apoio militar e diplomtico do governo moambicano aos
movimentos de libertao da Rodsia (Christie, 1996: 145-155).
Em paralelo com a aco militar, Moambique aplicou sanes econmicas
Rodsia,17 fechando-lhe o acesso aos portos, ainda que esta medida implicasse
abdicar de uma das mais importantes fontes de receitas do pas. Segundo Christie
(1996: 149), como consequncia dos confrontos entre Moambique e Rodsia, as
Naes Unidas estimam que Moambique sofreu prejuzos em 600 milhes de dlares
americanos, correspondentes a mais de duas vezes o valor das exportaes anuais
[] no seu melhor ano de comrcio externo, 1981.
Com a independncia de Zimbabwe, Moambique tinha que continuar a
enfrentar outro problema to ou mais destrutivo e dramtico: a aco militar da
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Neoliberalismo e Crise do Trabalho em Moambique
RENAMO e da frica do Sul. Esta guerra desenvolveu-se com muita intensidade em
todas as regies do pas, causando danos colossais na economia nacional e na vida
das pessoas. Apesar do Acordo de No-agresso e Boa Vizinhana (Acordo de
Nkomati)18 assinado entre Moambique e frica do Sul, os ataques militares directos
do exrcito sul-africano no cessaram, nem o seu apoio RENAMO. A frica do Sul
contava, ainda, com o apoio militar de alguns pases da NATO, particularmente da
Inglaterra e dos EUA, que incorporavam militares no seu exrcito (Christie, 1996:
161).
Para alm dos efeitos devastadores para as populaes, os ataques militares
atingiam alvos econmicos estratgicos, inviabilizando os projectos de
desenvolvimento traados no pas e no mbito da SADCC. Os seguintes exemplos so
elucidativos:
South Africa also backs up its economic muscle with force. It works mainly
through the Mozambique National Rasistance (MNR) to try to keep the railways
from Zimbabwe to Beira and Maputo closed. Sometimes it works directly. For
example, during the month before the second major SADCC conference (in
Blantyre in November 1981) the bridges carrying the road, railway and oil
pipeline from Beira to Zimbabwe were expertly sabotaged [] (Hanlon, 1984:216)
In the month before [the third SADCC conference in Maseru in January 1983],
South African forces actually attacked Maseru. And the oil storage depot in Beira
was sabotaged, causing more than 10 million damage to oil and facilities []
This was the base of oil supplies for Zimbabwe oil pipeline. To fill the gap,
Zimbabwe tried to import oil products from Maputo. The MNR closed the railway
from Maputo to Zimbabwe, and South Africa refused to carry oil from Maputo to
Zimbabwe (Hanlon, 1984: 216-217)
Armed bands destroyed 1,000 rural shops, 20 sawmills, cotton gins, and tea
factories. 1,OOO rural shops, 20 sawmills, cotton gins, and tea factories.
Hundreds of cars and trucks and more than 20 locomotives were also destroyed.
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Neoliberalismo e Crise do Trabalho em Moambique
More than 40 foreign technicians were kidnapped and four killed. Sweden was
forced to abandon the showpiece Ifloma forest Industries complex after it was
built, leaving it paralysed due to lack of operating staff. Hundreds of villages
were burned. Crops were burned in he fields and in peasant grain stores, and
agricultural marketing lorries and farm machinery were destroyed; an estimated
one-quarter of the normally marketed grain was lost due to MNR action (Hanlon,
1984:87)
A frica do Sul procurou explorar ao mximo a vulnerabilidade da economia
moambicana. Por exemplo, em 1980, a Cmara de Minas da frica do Sul reduziu
para cerca de 30% o recrutamento de mo de obra moambicana para as minas e
revogou um acordo de 1928, segundo o qual o governo de Moambique podia usar 60%
dos salrios dos mineiros para comprar ouro a um preo preferencial (Christie, 1996:
172). Cortando uma das tradicionais e principais fontes de divisas, esta deciso
provocou danos avultados na economia de Moambique, colocando o governo perante
dois dilemas imediatos: que alternativas seguir; e que destino dar aos potenciais
trabalhadores que j no podiam ir para as minas e aos que entretanto tinham sido
despedidos em consequncia da crise causada pelas sanes decretadas contra a
Rodsia.
No contexto da guerra, era urgente para Moambique reforar o poder militar e
angariar maior capital possvel. De acordo com Hanlon (1984: 234-235), o interesse
estratgico da Unio Sovitica na regio da frica Austral ficou prejudicado porque
Moambique ops-se constituio de uma base militar, defendendo o princpio da
conservao do oceano ndico como zona de paz e sem armas nucleares.
Consequentemente, tanto o apoio militar, como o econmico, por parte da Unio
Sovitica (e do bloco do Leste) estiveram muito aqum das necessidades.
Com a rejeio da candidatura de Moambique ao Council for Mutual Economic
Assistance (COMECON) no incio dos anos 80, agravaram-se os constrangimentos para
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Neoliberalismo e Crise do Trabalho em Moambique
a implementao dos planos de desenvolvimento. Ao nvel da SADCC, a comunidade
internacional disponibilizou apenas 1/3 do valor necessrio para a reconstituio da
rede de transportes e comunicaes (Hanlon, 1984: 214).
O primeiro sinal de que a adeso ao BM e ao FMI era uma condio
imprescindvel para beneficiar de apoio para enfrentar a crise, foi dado em 1983
quando, por causa da seca, Moambique solicitou ajuda alimentar comunidade
internacional. Contra todas as expectativas, a ajuda foi, antes, reduzida (Hanlon,
1996:15). Em 1984, o governo acabou por assinar um acordo com o BM, do qual
resultou a disponibilizao imediata de 45 milhes de dlares para Moambique.19
A guerra por outros meios
Os conflitos armadas em Moambique estavam associados a outras formas de fazer a
guerra. Nos centros urbanos, destacam-se dois grupos de presso contra o projecto
socialista: empresrios e burocratas do aparelho do Estado, muitos dos quais
ocuparam os lugares da burguesia e pequena burguesia colonial. Trata-se, no
entanto, de grupos dinmicos, fluidos, que criam diversos tipos de alianas, em
funo dos contextos. Como explica Joseph Hanlon,
Sometimes bureaucrats and traders seem allied; at other times,
the bureaucrats seem to ally with the workers and peasants
against the traders. Sometimes the conflicts are expressed as
between Party and state, sometimes as within Party or state, and
sometimes as between state and private (1984: 187).
No atingir as metas de produo trouxe carncias de tipos de bens de consumo
no mercado, e especulao. Com a escassez dos produtos e o controle administrativo
dos preos, floresceu uma economia paralela que transformou a candonga num dos
principais meios de acumulao de capital, margem das regras do Estado.
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Neoliberalismo e Crise do Trabalho em Moambique
Tambm nas zonas rurais, o projecto socialista no vingou como se esperava.
Nalguns casos, as aldeias comunais significaram uma rplica de formas coloniais de
produo e de organizao social, ainda que se defenda que estes seriam casos
excepcionais, de desvirtuamento da poltica oficial (Mosca, 1999: 137).20 Esta
circunstncia proporcionou o aparecimento (ou at o crescimento) de uma classe de
privilegiados (autoridades tradicionais, membros do GD e outros notveis) que
controlava o acesso terra e os processos produtivo e de comercializao de
produtos, como recuperou (e, noutros casos, subverteu) as antigas hierarquias
tradicionais (Dinerman, 1999; Geffray, 1991). Cedo emergiram e agravaram-se as
tenses entre as experincias embrionrias de democracia participativa e o
autoritarismo das autoridades tradicionais e do Estado. Por outro lado, a criao de
atractivos (escolas, postos de sade, sistemas de abastecimento de gua e de bens
de consumo, etc.) para que as populaes permanecessem nas aldeias, provocou
maior concentrao de pessoas e, com ela, a intensificao na explorao dos
recursos naturais, com consequentes prejuzos para o ambiente e para a produo
(Mosca, 1999: 138).
A reaco do governo, reforando o controlo e o aparelho repressivo (Ofensiva
Poltica e Organizacional;21 publicao de leis de defesa da economia, com penas
severas; reforo da vigilncia popular), ou recorrendo propaganda e ao discurso
ideolgico, no conseguiu reverter os problemas e no conseguiu travar as presses
das emergentes elites urbanas e rurais, que reivindicavam um espao de actuao na
poltica e na economia moambicana.
Neste contexto, a adeso s instituies de Bretton Woods configurou-se como
o nico rumo acessvel para fazer face imediata s situaes de emergncia que o
pas atravessava. A implementao dos programas de reajustamento estrutural nos
anos subsequentes representa, na retrica do Estado, um passo importante para a
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Neoliberalismo e Crise do Trabalho em Moambique
reconstruo nacional. Provavelmente ter tambm sido uma condio indispensvel
para a paz no pas e na regio. A morte da utopia foi o preo.
4. Neoliberalismo e crise do trabalho
Com a adeso aos programas de reajustamento estrutural em 1987,22 a ajuda
externa aumentou de 360 milhes de dlares em 1985, para 700 milhes em 1987 e,
pelo menos, 1 bilio por ano a partir 1990, transformando Moambique no maior
beneficirio da frica sub-sahariana (Hanlon, 1996: 16).
No mbito do PRE, a onda de privatizaes alargou-se para todos sectores que
tinham sido objecto de intervenes e nacionalizaes na poca do socialismo
(educao, sade, educao, sade, habitao, transportes, banca, seguros, entre
outros). Nalguns casos, o Estado manteve a sua actividade, concorrendo, embora nas
piores condies, com agentes privados, noutros, o mercado passou a ser
exclusivamente dominado por privados, como acontece caso da banca. At ao ano
2000, tinham sido privatizadas cerca de 1000 empresas (Pitcher, 2002: 147), sendo
que as de pequena e mdia dimenses eram destinadas aos empresrios nacionais (na
sua maioria, polticos e militares) e as grandes empresas ficaram sob a alada dos
interesses estrangeiros (Francisco, 2003: 164).23
Moambique seguiu religiosamente as prescries do Banco Mundial, a ponto de
ser considerado pelos doadores ocidentais, o bom aluno do BM, o melhor
exemplo africano a ser seguido por outros pases. O que lhe confere essa
singularidade , naturalmente, o nmero alargado de empresas privatizadas num
curto espao de tempo. Se h diferentes percepes sobre os resultados econmicos
do programa de reajustamento estrutural, havendo quem inclusivamente desconfie
da iseno dos mtodos e dos resultados de avaliaes optimistas das agncias
financeiras internacionais (Abrahamsson e Nilsson, 1995: 31), o mesmo no acontece
em relao aos seus efeitos sociais. geral a constatao de que aquele programa
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Neoliberalismo e Crise do Trabalho em Moambique
acarretou consequncias sociais graves para a sociedade moambicana, devendo o
seu impacto ser analisado em conjunto, tendo em conta tanto critrios econmicos,
como os de natureza social, poltica e at cultural.
Entre 1987 e 2000, foram despedidos pelo menos 100 mil trabalhadores, a maior
parte destes sem que tivessem recebido salrios h mais de dois anos de trabalho e,
evidentemente, sem que tivessem beneficiado de qualquer indemnizao (Pitcher,
2002: 170). Nos pases perifricos como Moambique os custos sociais das
privatizaes fazem-se sentir com maior acuidade, manifestando-se no apenas na
insegurana ou perda dos postos de trabalho, como tambm atravs do aumento da
violncia urbana e da instabilidade e social.
Contudo, os efeitos do neoliberalismo moambicano no se distribuem de igual
forma por todos os cidados, havendo, pelo contrrio, quem dele se beneficie. Como
afirma Francisco (2003: 143), as privatizaes foram importantes para a
recomposio e estruturao de uma burguesia de Estado, constituda em torno do
complexo poltico-burocrtico. Por sua vez, Pitcher (2002: 6) usa a expresso
transformative preservation para realar a capacidade do partido Frelimo de
sobreviver s profundas transformaes polticas e econmicas que o pas atravessa,
assegurando que as suas elites adquiram vantagens dos programas de reajustamento
estrutural, conservando, desta maneira, o controlo poltico e econmico do pas,
desde 1975. Para caracterizar as formas de imposio econmica do BM e do FMI e as
vantagens colhidas pelas elites nacionais, Saul (1994) diz que Moambique est num
processo de recolonizao.
A destruio da indstria do caju
O programa de reajustamento estrutural relanou os investimentos nos diversos
sectores da economia moambicana, tendo os empresrios do ramo industrial
apostado tambm no processamento do caju. Como legitimamente esperavam os
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Neoliberalismo e Crise do Trabalho em Moambique
industriais, a viabilidade destes investimentos s seria possvel se o governo
mantivesse a poltica de restrio exportao da castanha em bruto.
No entanto, nos primeiros anos de recuperao, a indstria moambicana
debatia-se com problemas financeiros e de ineficincia. As dificuldades de
funcionamento das unidades industriais no permitiram a absoro de uma parte
considervel da castanha produzida. Este foi o pretexto necessrio para o governo
(re)autorizar a exportao de castanha de caju, a partir de 1991. Ainda que o
governo afirmasse que a exportao neste ano seria a ttulo excepcional, a
reduo das restries acabou por se repetir progressivamente nos anos seguintes,
tendo o BM sido determinante neste processo.
Um estudo do BM sobre o desenvolvimento do sector privado,24 seguindo a
teoria ricardiana das vantagens comparativas, chegaria concluso de que mais
vantajoso para Moambique no investir na industrializao (dado tambm o
funcionamento precrio das fbricas) e dedicar-se exclusivamente exportao da
castanha no processada. Alegadamente, dessa transferncia de investimentos criar-
se-iam novos postos de trabalho e seria a forma mais eficaz para assegurar maior
financiamento do Oramento do Estado e maiores amortizaes da dvida externa,
assim como aumentaria a procura (e, consequentemente, os preos) da castanha em
bruto, em benefcio dos agricultores.
Leite (1999: 29) afirma que a liberalizao do comrcio do caju no foi
determinada pelo BM, uma vez que o governo iniciaria antes da interveno daquela
instituio. Na verdade, aquele estudo aparece apenas como uma fundamentao
formal de uma poltica previamente imposta pelo BM, como veio a reconhecer esta
instituio quando assumiu as responsabilidades pelo erro cometido na poltica
sector do caju.
No passou muito tempo at que as recomendaes do estudo se
transformassem em imposies ao governo moambicano, refm da dvida externa.
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Neoliberalismo e Crise do Trabalho em Moambique
Entre as campanhas agrcolas de 1991/92 e 1998/99, a taxa de exportao de
castanha de caju baixou de 60% para 14%. Face ao aumento dos protestos contra a
reduo das taxas, esta voltou a subir para 22%, em 1999 (Leite, 1999: 19-38;
McMillan et al., 2002: 1-6).
Como afirmmos, nos primeiros 15 de independncia, Moambique seguiu uma
poltica de proteco da indstria de caju, autorizando apenas a exportao de
castanha de caju processada. Os principais destinos deste produto eram os EUA (que
adquiria 76% do total) e a Europa. Ao deixar de apostar no processamento da
castanha, Moambique colocou-se numa posio muito difcil, passando a contar
apenas com a ndia, como o maior comprador mundial de castanha bruta.
Tendo em conta os ganhos que advm da colocao do produto no mercado
internacional, os comerciantes que operam em Moambique tm interesse em
exportar castanha de caju bruta para a ndia, em detrimento da sua colocao nas
fbricas nacionais que no esto em condies de competir com os importadores
indianos. Por exemplo, na campanha agrcola 1992/1993, o preo Free On Board
(FOB)25 da castanha atingia os 689 dlares americanos por tonelada, contra 271
dlares pagos pelos industriais (Leite, 1999: 9).
Os preos praticados pela ndia podem explicar o interesse dos comerciantes em
exportar castanha no processada para a ndia, mas no explicam o interesse daquele
pas no produto moambicano. Isto tendo em conta que a ndia tambm,
simultaneamente, produtora e exportadora de castanha de caju, processada ou no e
que, por outro lado, existem outros pases produtores na costa oriental africana e no
sudeste asitico. Avanamos com algumas hipteses cuja verificao pressupe, no
fundo, analisar a natureza dos interesses subjacentes economia do caju: a castanha
de caju moambicana de melhor qualidade; o preo da castanha moambicana
muito baixo; a produo agrcola indiana (e do sudeste asitico) no suficiente para
satisfazer as necessidades do parque industrial; os custos da produo industrial na
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Neoliberalismo e Crise do Trabalho em Moambique
ndia so to baixos que compensam o custo das importaes; o controle do mercado
mundial permite jogar em melhores condies com as dinmicas do mercado
internacional.
Entretanto, devemos tomar em conta que, ao contrrio de Moambique, a ndia
regulou fortemente o mercado do caju. Por exemplo, Kerala produz mais de 50% do
total da produo nacional, a distribuio garantida por uma rede ampla de
cooperativas e o Estado fixa os preos de comercializao e as tarifas de importao
de castanha (McMillan et. al., 2002: 19-21). A propsito, intrigante que depois de o
BM reconhecer que a sua poltica de liberalizao foi desastrosa, tenha sido
anunciado que, em Fevereiro de 2005, duas empresas multinacionais, a OLAM (de
Singapura) e a TechnoServe (com sede nos EUA) fizeram uma parceria para revitalizar
a indstria do caju em frica, incluindo Moambique. A OLAM a maior empresa do
mundo de processamento de caju e controla tambm o mercado indiano. A
TechnoServe possuidora da tecnologia mais avanada nesta actividade.26 No seria
surpreendente que nos prximos tempos comeasse a vigorar em Moambique uma
poltica proteccionista da economia do caju, conjugada com flexibilizao das
relaes de trabalho.
A liberalizao da exportao da castanha de caju em bruto implicou tambm o
fim do racionamento das licenas de exportao, podendo todos os cidados requerer
que estas lhes sejam passadas. Esta circunstncia provocou a proliferao de
exportadores e o aumento da interveno de intermedirios formais e informais. A
economia do caju passou, por conseguinte, a funcionar tambm ao sabor das disputas
dos diferentes agentes e condicionada pelos interesses dos intermedirios e
armazenistas. Entre os agricultores e o mercado internacional, passaram a existir
mais trs nveis de interveno na cadeia do caju: pequenos intermedirios,
armazenistas e, finalmente, exportadores e industriais. Para alm dos elevados
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Neoliberalismo e Crise do Trabalho em Moambique
custos de transporte que no podiam suportar, os agricultores passaram a ser vtimas
da presso dos intermedirios, formais e informais.
McMillan et. al. (2002: 10-16), fazendo uma avaliao estritamente econmica
da liberalizao do comrcio do caju, concluem que, ao contrrio do que supunha o
BM, os seus resultados so flutuantes ao longo dos anos, representando, no geral,
ganhos mnimos para os agricultores. Efectivamente, o aumento da procura, longe de
proporcionar ganhos substanciais para os agricultores, apenas acentuou a sua
fragilidade econmica e social.
Os efeitos da poltica de liberalizao foram particularmente desastrosos para
os trabalhadores da indstria do caju, naturalmente, com consequncias sociais
graves. Em 1998, j existiam entre 8.000 e 10.000 trabalhadores sem postos de
trabalho. Alguns destes trabalhadores no foram tecnicamente despedidos,
simplesmente deixaram de receber os seus salrios desde a altura em que as
empresas reduziram ou suspenderam as actividades (Pitcher, 2002: 170).
A complexidade deste problema aumenta quando temos presente que alguns
industriais, atrados pelas possibilidades de colher maiores lucros em pouco tempo,
lanaram-se para a exportao do caju no processado. Nestes casos, a retrica da
crise da indstria serviu puramente para legitimar o desrespeito dos direitos dos
trabalhadores. Na luta pela conservao dos postos de trabalho e por assegurar o
exerccio de direitos de cidadania, os sindicatos e os trabalhadores do caju so
obrigados a enfrentar o fogo cruzado de interesses poderosos e avassaladores.
5. Sindicatos: Resistncia Silenciada?
A Constituio moambicana de 1990 introduziu a democracia liberal,
multipartidria, e alargou o leque dos direitos e liberdades individuais e colectivos,
entre os quais a liberdade sindical. A nova conjuntura poltica teve duas
consequncias imediatas para o sindicalismo moambicano: a OTM deixou de ser uma
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Neoliberalismo e Crise do Trabalho em Moambique
organizao filiada no partido FRELIMO, transformando-se numa central sindical
(OTM-CS); e nasceu uma outra central sindical, a Confederao Nacional dos
Sindicatos Livres de Moambique (CONSILMO).
A implementao do PRE tem sido acompanhada de reformas legislativas no
sentido de criar um ambiente favorvel aos negcios. Esta nova filosofia tem
conduzido a um questionamento dos direitos e garantias elementares dos
trabalhadores, alegadamente para atrair investimentos estrangeiros e aumentar a
competitividade nacional. Actualmente, vigoram regimes de excepo s leis gerais
do Estado (condies de trabalho, regime cambial e fiscal, etc.), sobretudo nas zonas
francas industriais, onde se implantaram empresas com capacidade para contratar
milhares de pessoas. Autores como Hiplito Hamela (2003: 1-16), por exemplo,
consideram que a fixao do salrio mnimo nacional por via da concertao social
no serve para Moambique, porque desadequada economia de mercado. Por
imposio do Banco Mundial, est em curso a reforma da lei do trabalho
moambicana, com vista a acolher as novas exigncias do capitalismo.
Os sindicatos moambicanos enfrentam com extremas dificuldades os novos
problemas do mundo laboral. O novo contexto poltico transformou-os em rfos do
governo e do Estado, provocando uma crise identitria ainda no ultrapassada. 27 A
aco dos dirigentes sindicais ambgua, repartida entre as velhas alianas poltico-
partidrias e a necessidade de defesa dos trabalhadores. O distanciamento das bases
por parte dos dirigentes sindicais sintoma desse posicionamento ambguo, o que se
torna num elemento de intensificao da crise de legitimidade de que sofrem.
As dificuldades dos sindicatos prendem-se tambm com a prpria natureza e
complexidade dos problemas actuais. Como afirma Arthur (2004: 299), os sindicatos
so confrontados com situaes que no entendem e que no tm meios para
controlar, como o caso das privatizaes. Ora, enfrentar estas questes pressupe,
por um lado, ter argumentos cientficos e polticos suficientemente consolidados e
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Neoliberalismo e Crise do Trabalho em Moambique
capacidade retrica necessria para o efeito. Por outro lado, adoptar estratgias
inovadoras de luta e de mobilizao social, integrando a luta dos trabalhadores e
pelo trabalho numa reivindicao mais ampla por direitos de cidadania. Ao contrrio
do que se tem proposto com vista a ampliar o cnone do internacionalismo
operrio (Santos, 2004), os sindicatos moambicanos tm estado fechados sobre si
prprios, embora estabeleam relaes formais com organizaes congneres da
frica Austral e de outras partes do mundo. A avaliao dos resultados dessa
cooperao est, no entanto, por fazer.
De acordo com os dados do Ministrio do Trabalho (DNPET, 2005: 17), o nmero
de greves organizadas em Moambique tem sido intermitente, embora no geral tenda
a decrescer consideravelmente entre os anos 2000 e 2004, apesar das condies de
trabalho se degradarem progressivamente. A baixa capacidade de reivindicao dos
sindicatos poder estar associado ao controlo poltico que sobre eles ainda
exercido, assim como poder ser uma consequncia da condio de precariedade em
que se encontram os trabalhadores (que inibe a sua participao) e, igualmente,
resultado das dificuldades de envolvimento das lutas locais num contexto mais amplo
(nacional, regional e global) de luta por direitos de cidadania. No caso do caju, a
imprensa privada, com destaque para o jornal Metical, foi um dos aliados mais
importantes dos trabalhadores e dos industriais, dando visibilidade nacional e
internacional sua luta.
O Papel da Imprensa: O caso do Jornal Metical
A liberdade de imprensa, formalmente consagrada na CRM de 1990, resulta de um
longo processo de luta que iniciou no perodo colonial e atravessou a poca do
jornalismo militante, mas que no est concludo. No perodo do socialismo, apesar
de no faltarem exemplo de uma imprensa crtica,28 consensual que, no mbito do
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Neoliberalismo e Crise do Trabalho em Moambique
centralismo democrtico, ela era concebida como um instrumento importante ao
servio do partido e do Estado (Graa, 1996; Lima, 1996; Vasconcelos, 1996).29
No contexto da democracia multipartidria, a imprensa palco privilegiado de
disputa poltica e de formao da opinio pblica. Em Moambique, a imprensa
privada, escapando da alada do poder poltico, constitui-se como um espao
alternativo (nalguns casos, exclusivo) de debate de temas normalmente descurados
pelas elites polticas e econmicas. atravs da imprensa privada que muitos
assuntos de interesse pblico, como por exemplo os casos de corrupo, so trazidos
ao conhecimento dos cidados, contra a vontade do governo e dos detentores do
poder econmico. No caso da guerra do caju, os industriais e os sindicatos
moambicanos encontraram na imprensa privada um aliado que foi determinante
para a denncia pblica da teia composta pelo Banco Mundial, governo e
comerciantes.
Entre os jornalistas da imprensa privada, destaca-se a aco protagonizada por
Carlos Cardoso, primeiro no Mediafax e depois Metical, neste caso como editor.30
Carlos Cardoso foi percursor na luta pela defesa da indstria do caju, tendo seguido a
fundo o problema durante muitos anos, at a sua morte. Como afirmam Fauvet e
Mosse (2004: 340), Carlos Cardoso acreditava que Moambique s podia avanar
atravs da industrializao e que as receitas do Banco Mundial eram uma garantia de
que Moambique seria eternamente um pas exportador de matrias-primas. Aqueles
autores acrescentam que no Mediafax as posies da AICAJU31 e do SINTIC32 eram
expostas com clareza num momento em que a maior parte da imprensa no tinha
percebido a importncia da batalha do caju.
No jornal Metical encontramos 32 nmeros que abordam a temtica do caju,
sendo que em vrios nmeros h mais do que um artigo sobre a questo. As notcias
produzidas em torno do caju resultam principalmente de decises, conferncias de
imprensa e opinies dos polticos moambicanos ou de representantes do BM e do
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Neoliberalismo e Crise do Trabalho em Moambique
FMI. Nestes casos, quando no feito o contraditrio no mesmo artigo, cruzando
as fontes, o editorial ou um artigo de opinio evidenciam o ponto de vista dos
industriais e dos trabalhadores. Por exemplo, numa altura em que os efeitos
desastrosos da liberalizao do caju eram evidentes, o Secretrio de Estado do
Tesouro dos EUA em visita a Moambique, afirma que concorda com a
industrializao do acar e com o financiamento do sector privado, mas que
continua a crer que a industrializao do caju s pode ser feita custa dos
camponeses.33 Neste nmero, o jornal reala que o assunto sobre a crise do caju era
perifrico na visita do Secretrio de Estado americano, tendo vindo luz por presso
dos movimentos anti-globalizao. Em simultneo, o artigo expe a posio da
AICAJU, naturalmente favorvel proteco da indstria nacional.
Ao tomar abertamente posio sobre o problema do caju, Carlos Cardoso, em
consequncia das declaraes do Presidente da Repblica segundo as quais
Moambique no tinha alternativa ao Banco Mundial (Fauvet e Mosse, 2003: 341-342),
prope trs medidas pragmticas: submeter uma lei AR, proibindo a exportao do
caju em bruto; procurar novos parceiros (provavelmente a China) para financiar a
indstria; cortar com o apoio do BM e virar para a Unio Europeia, que comeava a
ser sensvel ao problema de Moambique. 34
Procurando mostrar que nenhum processo poltico era irreversvel, que era
necessrio ter coragem para seguir o caminho que melhor servisse os interesses
nacionais, o Metical publicou um artigo sobre a revalorizao da indstria do caju na
Tanznia (Tanzania Decide Reindustrializar o Caju), numa tentativa de fazer uso
da importncia poltica e simblica deste pas em relao a Moambique.35
A par da exposio da inoperncia do governo, o Metical apoiou os sindicatos,
dando cobertura sua luta interna, assim como explorando as potencialidades das
articulaes existentes no seio do movimento sindicalista internacional. O Metical
publica, assim, na primeira pgina o artigo Campanha Mundial Pr-caju.36 Tratava-
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Neoliberalismo e Crise do Trabalho em Moambique
se de uma promessa de internacionalizao da luta por parte do Secretrio-geral da
Unio Internacional dos Trabalhadores da Agricultura, Alimentao, Hotelaria,
Restaurantes e Similares (UITA), em visita a Moambique.37
A campanha nacional e internacional a favor da industrializao reacendeu os
debates sobre os modelos de desenvolvimento impostos pelo BM e FMI e deu
visibilidade poltica a outros problemas que lhe esto associados noutros pases,
nomeadamente na ndia. A este respeito, o Metical publicou uma carta de 11
membros do Congresso dos EUA, dirigida ao Secretrio do Tesouro, apelando para o
fim da liberalizao do comrcio do caju em Moambique e denunciando o trabalho
infantil utilizado na indstria indiana do caju, sob a proteco do BM, FMI e do
governo americano.38
Outra estratgia seguida pelo jornal foi a de tentar beneficiar ao mximo das
divergncias internas do partido FRELIMO e do governo. Uma vez que nem todos os
membros do governo e deputados da FRELIMO subscreviam a poltica do caju do BM,
o Metical procurou explorar essas divergncias, expondo tambm interesses pessoais
dos membros do governo na questo. Assim, foram publicados artigos com os
seguintes ttulos: Poltica do Caju: Frelimo Contra o Governo;39 e Um Ministro no
Caju: A Poltica do Governo no Caju Virou-se Contra os Interesses de Agostinho de
Rosrio?.40
A investida do Metical sobre a classe poltica viria resultar numa tomada de
posio pblica do ento Vice-Presidente da Assembleia da Repblica, com um artigo
de opinio no Metical, defendendo a proibio da exportao da castanha de caju em
bruto, numa altura em que tinha sido apresentada naquele rgo uma proposta de lei
sobre o caju. O poltico em causa ops-se proposta de aplicao de uma sobretaxa
de exportao apenas a partir de determinadas quantidades, argumentando que s a
absoluta proibio de exportao de caju no processado podia salvar a indstria
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Neoliberalismo e Crise do Trabalho em Moambique
nacional, tal como acontecera com o Vietname, que se vinha a impor no mercado
mundial.41
O assassinato de Cardoso e o encerramento do Metical representam um revs
para a sociedade Moambicana ainda assombrada de silncios e silenciamentos. O
contributo de Carlos Cardoso para a construo da democracia moambicana
inquestionvel. Como testemunha Santos (2000),
Carlos Cardoso transformara o Metical na voz dos que no tinham voz ou tinham medo
de falar. Um entusiasta do processo de paz e de democratizao, Cardoso previra
antes que ningum o perigo de vincular o objectivo nobre da democracia, s
imposies violentas da globalizao neoliberal, ao desmantelamento das frgeis
estruturas produtivas, privatizao atribiliria, incubadora de corrupo, perda
das referncias ideolgicas e ticas da luta por uma sociedade melhor e mais justa
com que Samora Machel tinha inspirado toda uma gerao de jovens moambicanos.
A aco poltica de Carlos Cardoso estende-se para alm das pginas do
Metical, envolvendo-se no apenas na discusso de diversos problemas do pas, mas
sobretudo na procura de solues para os mesmos. A sua eleio como deputado da
Assembleia Municipal, integrado na lista de um grupo de cidados, fora dos quadros
partidrios, um testemunho do apoio que a sua luta conquistara. Devolveu o que
tem faltado a muito cidados moambicanos nos ltimos anos: esperana.
6. Concluso
A reconfigurao do Estado moambicano ao adoptar o neoliberalismo trouxe consigo
consequncias econmicas e sociais graves. Apesar dos discursos triunfalistas do
governo, do BM e do FMI ao avaliarem os resultados macroeconmicos, as
privatizaes e a liberalizao do comrcio no beneficiaram a esmagadora maioria
dos cidados moambicanos, muitos dos quais continuam a viver no limiar da pobreza
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Neoliberalismo e Crise do Trabalho em Moambique
e outros tantos na pobreza absoluta. Flexibilizao e precarizao do trabalho,
despedimentos colectivos, desemprego, insegurana, fome, drstica reduo das
prestaes assistencialistas do Estado so alguns dos efeitos devastadores dos
programas de reajustamento estrutural. O exerccio de direitos de cidadania cada
vez mais selectivo.
Os fenmenos de excluso no so construdos sem o seu reverso, sem o
fomento de uma burguesia nacional que, para o caso de Moambique emerge
principalmente das classes polticas que anteriormente lideraram o movimento
revolucionrio, de inspirao marxista-leninista.
A liberalizao da exportao do caju em bruto um exemplo incontestvel
de como as imposies do BM prejudicam o desenvolvimento dos chamados pases
perifricos do sistema mundial. Alegadamente destinada a aumentar as receitas do
Estado e a beneficiar os agricultores, as profecias da liberalizao no se
confirmaram. No s os ganhos dos agricultores foram mnimos, nos casos em que se
verificaram, como a liberalizao destruiu a indstria do caju, encerrando cerca de
10 mil postos de trabalho.
Infelizmente, o caso do caju no singular em Moambique, estando o pas
amarrado no colete de foras do BM e FMI, com alguma resignao (e
aproveitamento) do governo, certo. Como se tem afirmado, a globalizao neoliberal
transforma os Estados perifricos em simples caixas de ressonncia das agendas das
instituies financeiras internacionais.
Aos sindicatos coloca-se o desafio de se libertarem do apoio poltico do
governo e aprofundarem a democracia interna e de apostarem na articulao
nacional e internacional da luta, inserindo-a num contexto mais alargado de disputa
pelo exerccio de direitos de cidadania. Para o caso de Moambique, parece ser vital
a compreenso da importncia dos trabalhadores rurais e do sector informal para o
debate poltico. Contudo, o alargamento sistemtico e articulado da aco poltica
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Neoliberalismo e Crise do Trabalho em Moambique
para todas as classes e grupos sociais pode ser determinante para a construo de
novas alternativas democrticas para Moambique. Por isso, embora nos parea
imprescindvel que se discuta em que condies se podem concretizar, subscrevemos
algumas das propostas de Peter Waterman (2002: 47) relativas ao novo sindicalismo
operrio, nomeadamente que:
deve adoptar um modelo de organizao dinmico, descentralizado,
horizontal, democrtico e flexvel;
deve trocar o modelo da ajuda, pelo modelo da solidariedade,
praticado em funo das carncias quotidianas dos trabalhadores (e
no apenas dos seus lderes);
deve ultrapassar as meras declaraes de intenes, os apelos pblicos
e os congressos bem intencionados, para se traduzir em aces
polticas concretas;
deve articular com outros internacionalismos democrticos.
A evidncia do potencial emancipatrio das mltiplas lutas travadas a nveis
local, nacional e internacional autoriza-nos a acreditar que possvel substituir o
Consenso de Washington por um Consenso da Esperana, por um Consenso da
Cidadania.
1 O Metical foi fundado por Carlos Cardoso, tem cerca de 7 pginas no mximo e distribudo
por fax. Este jornal tem sido considerado o percursor do jornalismo de investigao em
Moambique e fundamental para o aprofundamento democrtico no pas. Carlos Cardoso
iniciara a luta pela proteco da indstria do caju quando trabalhava no jornal Mediafax.
Aquele jornalista foi barbaramente assassinado no dia 22 de Novembro de 2000, quando
investigava vrios casos de corrupo em Moambique.
2 Circunscries territoriais conquistadas administrao colonial portuguesa, controladas
pela FRELIMO durante a luta de libertao.
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Neoliberalismo e Crise do Trabalho em Moambique
3 O Apartheid da frica do Sul vigorou at 1994; a independncia da Nambia foi alcanada
em 1990; e o regime colonial rodesiano de Ian Smith caiu em 1980.
4 Artigo 4. da Constituio da Repblica Popular Moambique de 1975, com as alteraes
introduzidas pela Lei n. 11/78, de 15 de Agosto.
5 Christie (1996: 135), diz que apenas entre os anos de 1974 e 1976, cerca de 200.000
brancos e indianos abandonaram Moambique.
6 Os princpios e normas de organizao, funcionamento e gesto das empresas estatais
foram, inicialmente, definidos pelo Decreto-lei n. 17/77, 28 de Abril e, posteriormente,
revogado pela Lei 2/81, de 30 de Setembro, que alterou a sua estrutura orgnica.
7 Decreto n. 24/76, de 17 de Junho.
8 Formalmente institudas pela Lei n. 9/79, de 10 de Julho.
9 Angola, Botswana, Lesoto, Malawi, Moambique, Swazilndia, Tanznia, Zmbia e
Zimbabwe.
10 Como veremos, o plano da vitria contra o subdesenvolvimento no foi implementado.
11 A participao popular foi alargada com a implantao de Grupos Dinamizadores (GDs) -
produto de um processo de transformao dos Comits do partido FRELIMO criados durante a
luta de libertao nas Zonas Libertadas no sector produtivo. Em virtude sua gnese, dos
objectivos para que foram criados e do perfil dos seus membros, as duas figuras (GD e
Conselhos de Produo) tendem a se confundir e a dissolver-se nas estruturas do partido
Frelimo. Os GDs exerciam uma diversidade de funes poltico-administrativas; de
administrao da justia; de mobilizao para tarefas poltico-partidrias, para a segurana
nacional, para a organizao de processos de produo colectiva, para a execuo de
programas de educao (Chichava, 1999; Resoluo sobre a organizao dos Grupos
Dinamizadores e Bairros Comunais, 1979).
12 Esta expresso sugere que o partido Frelimo, o governo e o Estado confundem-se, no se
discernindo com clareza os respectivos membros e os mbitos de actuao de cada rgo.
13 Como por exemplo, Organizao da Mulher Moambicana (OMM); Organizao da Juventude
Moambicana (OJM); Organizao da Criana Moambicana.
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Neoliberalismo e Crise do Trabalho em Moambique
14 A Comisso Nacional de Preos, mediante proposta da Secretaria do Estado do Caju, fixava
os preos a praticar pelos agricultores e pelos industriais.
15 Nyerere afirma que o retorno a ujamaa (familyhood) a base para a construo do
socialismo africano, supostamente porque nas sociedades tradicionais africanas os indivduos
cuidam da comunidade e vice-versa, no havendo, por isso, lugar para a explorao
(1967:166).
16 Resistncia Nacional de Moambique. No cabe neste trabalho analisar o processo de
criao da RENAMO, nem a complexidade das relaes este aquele movimento, frica do Sul,
Rodsia, Portugal e outros pases ocidentais. Neste ponto pretendemos apenas mostrar que a
guerra foi um determinante factor de desestabilizao de Moambique.
17 As sanes tinham sido decretadas pelas Naes Unidas, como parte da presso
internacional para a independncia de Zimbabwe.
18 O Acordo de Nkomati foi assinado em 1984. Preconizava, basicamente, o fim das agresses
militares da frica do Sul e do apoio deste pas RENAMO, em troca da retirada de apoio
militar do governo moambicano ao Congresso nacional Africano (ANC).
19 O Decreto n. 6/84, de 19 de Setembro autoriza a celebrao do acordo entre Moambique
e o BM e FMI. Neste ano, como vimos, Moambique assinou o Acordo de N`komati com a
frica do Sul, como sinal de abertura para o dilogo com o Ocidente.
20 A este propsito, Mosca (1999: 137) diz que, por exemplo, os mtodos coercivos
constituram excepes em Moambique e representaram desvios s directivas existentes. Por
outro lado, afirma que em zonas de guerra eram muito duvidosas as fronteiras entre a livre
circulao e a obrigao de residir nas aldeias.
21 Tratou-se de uma iniciativa do governo nos anos 80, que envolveu deslocaes dos seus
membros para os diferentes sectores produtivos e de organizao social, no sentido de
detectar os problemas de que o pas enfermava e apontar solues imediatas.
22 Em Moambique recebeu inicialmente o nome de Programa de Reabilitao Econmica
(PRE) e, posteriormente, Programa de Reabilitao Econmica e Social (PRES). Obedeceu ao
ao mesmo leque de medidas implementados noutros pases perifricos: austeridade
oramental, as privatizaes e a liberalizao dos mercados.
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Neoliberalismo e Crise do Trabalho em Moambique
23 Os nmeros referentes s empresas privativas no so coincidentes. Por exemplo, Cramer
(2001: 1), citando dados da Unidade Tcnica para a Reestruturao das Empresas, menciona
1400 empresas privatizadas, apenas nos anos 90.
24 Hilmarsson, 1995.
25 FOB Free on Board: o exportador deve entregar a mercadoria, desembaraada, a bordo do
navio indicado pelo importador, no porto de embarque. Todas as despesas, at o momento
em que o produto colocado a bordo do veculo transportador, so da responsabilidade do
exportador. Ao importador cabem as despesas e os riscos de perda ou dano do produto a
partir do momento que este transpuser a amurada do navio.
26 Magazine For Development and Cooperation, http://www.inwent.org/E+Z/content/arquiv-eng/05-2005/foc_art1.html (acedida no dia 23/05/2005) 27 Repare-se, por exemplo, na alterao de uma estrofe do hino dos trabalhadores, carregada
de simbolismo revelador da colagem ao projecto poltico da FRELIMO, partido do governo.
Onde se dizia que se sindicatos venceriam as manobras do imperialismo, passou-se a cantar
manobras do patronato.
28 Vasconcelos (1996: 139-143) d-nos exemplo de membros do governo que, no apogeu do
perodo socialista, consideravam que a oposio de Moambique era feita pela imprensa. O
mesmo autor d-nos conta que alguns nmeros da revista Tempo viram a sua circulao
interdita em Angola, por constiturem um mau exemplo do jornalismo crtico.
29 Actualmente existem 16 jornais em Moambique, sendo 3 do Estado (dois dos quais dirios e
um semanrio). Nove dos jornais privados so dirios, difundidos por fax. Os restantes so
semanrios.
30 Carlos Cardoso teve um longo percurso no jornalismo moambicano, chegando a ser
director da Agencia de Informao de Moambique (AIM).
31 Associao dos Industriais do Caju.
32 Sindicato Nacional dos Trabalhadores do Caju.
33 Metical n. 756, dia 19 de Junho de 2000.
34 Metical n. 697, dia 23 de Maro de 2000.
35 Metical n. 763, dia 29 de Junho de 2000.
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http://www.inwent.org/E+Z/content/arquiv-eng/05-2005/foc_art1.htmlhttp://www.inwent.org/E+Z/content/arquiv-eng/05-2005/foc_art1.html
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Neoliberalismo e Crise do Trabalho em Moambique
36 Metical n. 708, dia 12 de Abril de 2000.
37 A UITA uma organizao sindical composta por 330 sindicatos de 124 pases e conta com
um total de 2.700.000 filiados.
38 Metical n. 978, dia 02.05.2001.
39 Metical n. 107, dia 25 de Novembro de 1997.
40 Metical n. 411, dia 10 de Fevereiro de 1999.
41 Metical n. 569, dia 23 de Setembro de 1999.
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4. Neoliberalismo e crise do trabalho A destruio da indstria do caju
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6. Concluso