Neuromodulação Sacral para a Bexiga Hiperativa Refratária

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4 UROLOGIA ESSENCIAL V.3 N.2 JUL DEZ 2013 MÁRCIO AUGUSTO AVERBECK EAU Clinical Fellowship – Universidade de Innsbruck | Áustria Comitê de Promoção da Neurourologia da ICS Unidade de Video-Urodinâmica do Hospital Moinhos de Vento LUIS AUGUSTO SEABRA RIOS Chefe do Serviço de Urologia do HSPE | SP Doutor em Urologia | Unifesp EPM Coordenador da Unidade de Urodinâmica do Hospital Albert Einstein www.urologiaessencial.org.br ATUALIZAÇÃO A bexiga hiperativa (BH) é uma síndrome definida pela Socieda- de Internacional de Continência (ICS) como urgência miccional, com ou sem incontinência urinária por urgência, usualmente acompanhada de polaciúria e noctúria, na ausência de infecção urinária ou outras condições metabólicas patológi- cas 1 . Urgência miccional é definida pela ICS como “um desejo súbito e desconfortável de urinar, que é difícil de controlar”. A BH determina impacto negativo na qualidade de vida e pode afetar indivíduos de ambos os sexos, em diferentes faixas etá- rias 2 . Estima-se que a prevalência de sinto- mas de BH no Brasil seja de 18,9% 3 . Os pa- cientes tendem ao isolamento social e estão em risco aumentado para desenvolvimento de sintomas depressivos. A noctúria pode estar associada a prejuízo à qualidade do sono e risco para ocorrência de quedas e fra- turas, em especial na população idosa 4 . Os custos gerados pela BH são provavelmente altos; contudo, o impacto financeiro ain- da não foi estudado no Brasil. Nos EUA, os gastos gerados no tratamento de pacientes com incontinência urinária chegaram a 26 bilhões de dólares em 1995. A incontinência urinária de urgência foi responsável por uma grande proporção desses gastos 2 . Múltiplas intervenções foram estudadas para o tratamento de pacientes com sin- tomas de BH 5 . O tratamento conservador representa a primeira linha de tratamento Neuromodulação Sacral para o tratamento da Bexiga Hiperativa Idiopática Refratária Introdução

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Artigo de revisão sobre a Neuromodulação Sacral (Implante de Interstim) como modalidade de tratamento da Bexiga Hiperativa refratária aos tratamentos conservadores. Descrição da técnica cirúrgica e avaliação dos resultados.

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4 UROLOGIA ESSENCIAL V.3 N.2 JUL DEZ 2013

MÁRCIO AUGUSTO AVERBECKEAU Clinical Fellowship – Universidade de Innsbruck | ÁustriaComitê de Promoção da Neurourologia da ICS

Unidade de Video-Urodinâmica do Hospital Moinhos de Vento

LUIS AUGUSTO SEABRA RIOSChefe do Serviço de Urologia do HSPE | SPDoutor em Urologia | Unifesp EPM

Coordenador da Unidade de Urodinâmica do Hospital Albert Einstein

www.urologiaessencial.org.brA T U A L I Z A Ç Ã O

A bexiga hiperativa (BH) é uma

síndrome defi nida pela Socieda-

de Internacional de Continência

(ICS) como urgência miccional, com ou

sem incontinência urinária por urgência,

usualmente acompanhada de polaciúria e

noctúria, na ausência de infecção urinária

ou outras condições metabólicas patológi-

cas1. Urgência miccional é defi nida pela ICS

como “um desejo súbito e desconfortável de

urinar, que é difícil de controlar”.

A BH determina impacto negativo na

qualidade de vida e pode afetar indivíduos

de ambos os sexos, em diferentes faixas etá-

rias2. Estima-se que a prevalência de sinto-

mas de BH no Brasil seja de 18,9%3. Os pa-

cientes tendem ao isolamento social e estão

em risco aumentado para desenvolvimento

de sintomas depressivos. A noctúria pode

estar associada a prejuízo à qualidade do

sono e risco para ocorrência de quedas e fra-

turas, em especial na população idosa4. Os

custos gerados pela BH são provavelmente

altos; contudo, o impacto fi nanceiro ain-

da não foi estudado no Brasil. Nos EUA, os

gastos gerados no tratamento de pacientes

com incontinência urinária chegaram a 26

bilhões de dólares em 1995. A incontinência

urinária de urgência foi responsável por uma

grande proporção desses gastos2.

Múltiplas intervenções foram estudadas

para o tratamento de pacientes com sin-

tomas de BH5. O tratamento conservador

representa a primeira linha de tratamento

Neuromodulação Sacralpara o tratamento da BexigaHiperativa Idiopática Refratária

Introdução

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ATUALIZAÇÃONEUROMODULAÇÃO SACRAL PARA O TRATAMENTO DA BEXIGA HIPERATIVA IDIOPÁTICA REFRATÁRIAMÁRCIO AUGUSTO AVERBECK LUIS AUGUSTO SEABRA RIOS

e inclui a reabilitação do assoalho pélvico, o trata-

mento comportamental e o uso de antimuscarínicos

via oral. Tendo em vista que a gênese dos sintomas

de BH é multifatorial e ainda não completamente

compreendida, o tratamento multimodal pode ser

necessário2, 5, 6.

Apesar de a epidemiologia da BH refratária ser

desconhecida, acredita-se que os indivíduos que

sofrem desta condição representam uma mino-

ria da população acometida por sintomas de BH.

Segundo as diretrizes da Associação Canadense

de Urologia7, a definição de refratariedade deve

ser utilizada para os pacientes que apresentaram

falha de pelo menos 2 esquemas de antimuscarí-

nicos, em doses adequadas. A BH refratária per-

manece como um problema clínico complexo e

desafiador na prática urológica. Apesar do surgi-

mento de novos medicamentos antimuscarínicos

e sistemas de liberação programada (para admi-

nistração VO), a taxa de suspensão do tratamento

com estas drogas é extremamente alta e está rela-

cionada, principalmente, aos efeitos adversos, falta

de eficácia e custos do uso crônico8. Desta forma,

há uma demanda de tratamentos alternativos para

este grupo de pacientes. Os avanços neste con-

texto incluem a aplicação de toxina botulínica no

detrusor, a neuromodulação periférica do nervo ti-

bial posterior e a neuromodulação sacral (SNM).

As indicações, a técnica e os resultados da neuro-

modulação sacral são os temas que serão discuti-

dos no presente artigo de revisão.

Neuromodulação SacralO conceito de neuromodulação de raízes sa-

crais para o tratamento da BH surgiu a partir das

pesquisas de Schmidt e Tanagho na Universidade

da Califórnia, em San Francisco (UCSF), com o ob-

jetivo de tentar desenvolver um “marcapasso da

bexiga”, destinado ao tratamento de disfunções

miccionais9. A partir deste primeiro estudo expe-

rimental em modelo animal, a terapia InterstimR

foi desenvolvida pela Metronic (Minneapolis, MN,

EUA) para uso em humanos, tendo recebido apro-

vação inicial para uso na Europa em 1994. A neu-

romodulação sacral (SNM) foi aprovada pelo Food

and Drug Administration (FDA) para o tratamen-

to da incontinência urinária de urgência e para a

síndrome de urgência-polaciúria em 1997. Mais

recentemente, o FDA também estendeu a aprova-

ção da SNM para a retenção urinária crônica não

obstrusiva (Síndrome de Fowler) e para a inconti-

nência fecal crônica.

Mecanismo de AçãoApesar do mecanismo de ação da SNM não

ser completamente entendido, acredita-se que a

estimulação elétrica das raízes sacrais modula as

vias neurais aferentes e eferentes do assoalho pél-

vico, bexiga e uretra. Além disso, a inibição direta

dos neurônios pré-gangliônicos parassimpáticos

e da transmissão interneural aferente podem re-

presentar um papel importante neste processo de

neuromodulação. A eletroestimulação das raízes

sacrais promove melhora da capacidade de arma-

zenamento da bexiga e da pressão de fechamento

uretral, levando à atenuação dos sintomas uriná-

rios (urgência, polaciúria, incontinência urinária

de urgência)10. De outro lado, exames funcionais

do sistema nervoso central demonstraram que o

centro pontino da micção e áreas do córtex cere-

bral também são responsivos à SNM11.

Fase de eletroestimulação de teste:“PNE vs Tined-Lead”

A SNM é uma opção de tratamento minimamen-

te invasivo para pacientes com bexiga hiperativa

idiopática refratária aos tratamentos de primeira

linha. Como não há critérios clínicos confiáveis

para predizer quais pacientes serão responsivos a

esta modalidade de tratamento, o único meio de

selecioná-los é a realização da “eletroestimulação de teste”, que é a primeira etapa do tratamento

e pode ser feita no consultório ou como um pro-

cedimento ambulatorial sob sedação/ anestesia

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6 UROLOGIA ESSENCIAL V.3 N.2 JUL DEZ 2013

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local. Se o paciente for responsivo após um pe-ríodo inicial de teste (usualmente 5 a 7 dias), é indicado o implante do gerador de pulsos (IPG / “implantable pulse generator”). Neste período,

é imprescindível a avaliação dos parâmetros do

diário miccional (número de episódios de inconti-

nência urinária, urgência e número de micções em

24 horas, capacidade vesical funcional) pré e pós-

-eletroestimulação de teste. Considera-se que me-

lhora superior ou igual a 50% nos sintomas clínicos,

comprovada pelos dados do diário miccional, seja

necessária para a indicação do implante do IPG.

A eletroestimulação de teste pode ser rea-lizada através do implante de eletrodos uni-polares PNE ou através do implante inicial de eletrodos crônicos (ou “permanentes”) quadri-polares, chamados “tined-lead” (Figura 1). Para

guiar o implante, o método de imagem mais fre-

quentemente utilizado é a fluoroscopia. Historica-

mente, o eletrodo agulha (PNE – peripheral nerve

evaluation) foi o primeiro dispositivo a ser utiliza-

do para eletroestimulação de teste. Essa alternati-

va é mais simples e barata e bastante utilizada na

América do Norte, especialmente em procedimen-

tos realizados em consultório. Testes clínicos com

o uso do eletrodo unipolar, entretanto, apresentam

maior risco de migração e, como consequência,

oferecem resultados inferiores aos observados

com o eletrodo permanente quadripolar12.

O implante inicial de um eletrodo “crônico”

quadripolar, com sistema de autofixação à fáscia

sacral (tined-lead) foi estudado com o objetivo de

melhorar a chance de resposta durante a eletro-

estimulação de teste. Borawski et al. randomiza-

ram 30 pacientes para a eletroestimulação de tes-

te com diferentes eletrodos e demonstraram que

a chance de identificar pacientes responsivos à

SNM é maior quando se utiliza o eletrodo tined-

-lead em comparação ao eletrodo convencional

PNE (88% vs 46%; P = 0,02)13.

Segundo estudo realizado na Unidade de Neu-

rourologia de Innsbruck/ Áustria, a eletroestimu-

lação de teste por período prolongado também

aumenta a chance de identificar pacientes res-

ponsivos14. Kessler et al. avaliaram prospectiva-

mente 20 pacientes submetidos à eletroestimula-

ção de teste por um período mínimo de 14 dias

e demonstraram 88% de pacientes responsivos à

técnica. Durante este período os pacientes rece-

beram antibiótico-profilaxia.

Eletrodo PNE convencional (wire electrode)

Eletrodo quadripolar com sistema de auto-fixação à fáscia sacral (tined-lead)

Eletrodos

Figura 1

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Descrição da técnica – Implante Inicialde Eletrodos “Tined-Lead”

A SNM evoluiu signifi cativamente após a introdu-

ção dos eletrodos quadripolares “tined-lead”, os quais

permitiram desenvolver uma técnica minimamente

invasiva para implante em estágios (“staged implant”).

O procedimento é realizado com o paciente em

decúbito ventral, guiado por fl uoroscopia póstero-

anterior e laterolateral (fi guras 2 e 3).

A referência anatômica do forame S3 pode ser

estimada medindo 9 cm a partir da ponta do cóc-

cix, 2 cm lateralmente ao plano sagital. A agulha de

eletroestimulação é inserida através da pele com an-

gulação de 60 graus, 1,5 a 2 cm acima do local de

marcação do forame S3. O correto posicionamento

da agulha no forame é confi rmado pela identifi cação

de respostas motoras e sensitivas típicas (tabela 1;

fi guras 4, 5 e 6). É importante ressaltar que a raiz sa-

Figura 2

Figura 3Figura 4

Incisura isquiática maior Foramen S3

Rx da pelve (a incisura isquiática maior é referência anatômica para o foramen S3)

Fluoroscopia laterolateral

Introdução da agulha de eletroestimulação (ângulo de 60 graus)

Respostas motoras e sensitivas da esti-mulação elétrica das raízes sacrais

Raiz Resposta motora Resposta sensitiva

S2 Contração do esfíncter anal, rotação do membro inferior, fl exão plantar do

pé, contração da lojaposterior da perna

Alteração sensorialna base do pênis

ou vagina

S3 “Bellows” (contração da musculatura do assoalho pélvico), fl exão plantar

do hálux

Alteração sensorial referida no reto, estendendo-se

ao escroto ou aos grandes lábios

S4 “Bellows” Alteração sensorial no reto

Resposta motora Resposta sensitivaRaiz Resposta motora Resposta sensitiva

60o

TABELA 1.

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8 UROLOGIA ESSENCIAL V.3 N.2 JUL DEZ 2013

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cral S3 cruza o respectivo forame no seu aspecto

súpero-medial. Após a confirmação do local de po-

sicionamento (Figura 7), um fio guia é introduzido

através da agulha no foramen S3 e a mesma é reti-

rada para permitir a colocação da bainha introdu-

tória do eletrodo tined-lead, com mandril dilatador

(figura 8). Realizada esta etapa, o fio guia e o man-

dril dilatador são retirados para possibilitar a pas-

sagem do eletrodo quadripolar através da bainha.

Figura 5

Figura 6

Modelo cadavérico da pelve (corte sagital) e demonstração da passagem da agulha de

eletroestimulação no foramen S3

Detalhe do posicionamento do paciente (pés expostos para avaliar a resposta motora da

estimulação da raiz S3: flexão plantar do hálux)

Figura 7

Agulha de eletroestimulação posicionada no foramen S3 (à direita). Extensão de

eletroestimulação tipo “J hook”coaptada à agulha.

Figura 8

Bainha introdutória do tined-lead (a ser inserida através do fio guia metálico)

O controle fluoroscópico permite verificar o

correto posicionamento do eletrodo através do fo-

rame S3 (Figuras 9 e 10). A bainha é então retraída

até que uma resposta motora seja observada em

pelo menos 3 dos quatro pólos do eletrodo, com

voltagem <= 5 V (idealmente nos quatro pólos,

com voltagem <= 2 V, para prolongar a vida útil

do gerador de pulsos que será implantado caso o

paciente seja responsivo ao tratamento).

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9V.3 N.2 JUL DEZ 2013 UROLOGIA ESSENCIAL

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Obtidas as respostas motora e sensitiva, a bai-

nha é completamente retirada e o eletrodo é tu-

nelizado no subcutâneo, em direção ao quadrante

súpero-lateral laterossuperior da região glútea (no

local é realizada uma pequena incisão, onde poste-

riormente poderá ser implantado o gerador de pulsos

- IPG). Uma extensão de eletroestimulação externa

é conectada à extremidade do eletrodo quadripolar

nesta incisão e esta conexão é mantida no subcu-

tâneo. A extensão de eletroestimulação externa é

tunelizada e exteriorizada através da região glútea

contralateral, para conexão com um gerador externo

de pulsos (Figura 11). A eletroestimulação de teste é

mantida por um período de 7 a 14 dias, para verificar

se o paciente será responsivo ao tratamento (>=50%

de melhora nos parâmetros do diário miccional).

Figura 9

Figura 10

Fluoroscopia transoperatória(eletrodo tined-lead)

Ilustração da passagem do eletrodo quadripolar (tined-lead) através do foramen S3 e seu posicionamento junto à raiz sacral

Figura 11

Eletroestimulação de teste, com geradorde pulsos externos

Futuro Local de implante do IPG Conexão do tined-lead

com a extensão deeletroestimulação externa

Local de exteriorização da extensãode eletroestimulação externa

Tined-lead

Nos casos responsivos, o gerador de pulsos defi-

nitivo (InterstimR) é implantado no subcutâneo do

quadrante superolateral da região glútea (através

da incisão previamente realizada) e programado

para proporcionar uma resposta clínica satisfatória

(Figuras 12 e 13).

Fatores preditivos e seleção de pacientesDiversos estudos procuraram identificar fatores

clínicos para predizer quais são os pacientes com

maior possibilidade de se beneficiar com a SNM15-21.

Amundsen et al. investigaram 105 pacientes

com incontinência urinária de urgência submetidos

à eletroestimulação de teste com PNE, dos quais 55

(52%) receberam implante do IPG. A idade inferior

a 55 anos esteve associada com maior chance de

sucesso (65% vs 37%; p < 0,05). A presença de 3 ou

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10 UROLOGIA ESSENCIAL V.3 N.2 JUL DEZ 2013

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mais comorbidades e o diagnóstico de doença neu-

rológica foram fatores preditivos de insucesso18.

Há também uma correlação forte entre dis-

túrbios emocionais e doenças psiquiátricas com

a ocorrência de sintomas sugestivos de BH. De-

monstrou-se que esses pacientes apresentam uma

menor possibilidade de resposta à eletroestimula-

ção de teste e que nessa população também exis-

te uma alta incidência de reoperações, quando os

pacientes são submetidos ao implante do IPG19,20.

A urodinâmica não parece ser útil na seleção

dos melhores candidados à SNM. Há evidências

sugerindo que a avaliação urodinâmica não pode

predizer a resposta à eletroestimulação de teste

ou estimar a chance de sucesso após o implante

definitivo. Estudo não-randomizado verificou que a

presença (ou ausência) de hiperatividade detruso-

ra durante a cistometria não se correlaciona com a

possibilidade de resposta durante a fase de eletro-

estimulação de teste21.

Resultados de Estudos ClínicosNos estudos clínicos que avaliaram os resulta-

dos da SNM, considerou-se uma melhora superior

ou igual a 50% dos sintomas dos pacientes (duran-

te a eletroestimulação de teste) para indicar o im-

plante do gerador de pulsos definitivo (IPG).

Um dos principais ensaios clínicos, que levou à

maior utilização da neuromodulação sacral foi um

estudo multicêntrico, prospectivo e randomizado,

envolvendo 16 centros na América do Norte e Eu-

ropa22. Neste estudo, 155 pacientes refratários ao

tratamento farmacológico foram recrutados para

implante ou não do dispositivo neuromodulador.

Com seguimento de seis meses, foi observada me-

lhora significativa em diversos parâmetros, como

número de episódios de incontinência urinária,

número de absorventes em 24 horas e severidade

das perdas. Estes resultados foram mantidos após

18 meses de seguimento.

Um estudo multicêntrico Europeu avaliou

94 pacientes com diferentes tipos de disfunções

miccionais idiopáticas e identificou 72 pacientes

responsivos à eletroestimulação de teste com tine-

-lead (76,6%). Após 6 meses de acompanhamento

foram avaliados dados clínicos de 41 pacientes (20

com incontinência urinária de urgência e 21 com

retenção urinária crônica não obstrutiva). Os pa-

cientes com incontinência urinária de urgência

obtiveram uma redução significativa no número

Figuras 12 e 13

Implante do gerador de pulsos definitivo (InterstimR) Chave de torque para conexão do eletrodo tined-lead ao gerador de pulsos (IPG)

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médio de micções diárias (p<0,001), episódios

de incontinência (p<0,005) e número de absor-

ventes utilizados (p = 0,006) neste período de

acompanhamento23.

Recentemente, Chartier-Kastler publicou estu-

do multicêntrico prospectivo, realizado entre 2003

e 2009, em 44 centros franceses, incluindo 1.418

pacientes que foram submetidos a implantes para

bexiga hiperativa (1.170 pacientes), retenção uri-

nária idiopática (151 pacientes) e outras disfunções

(97 pacientes). A análise de eficácia foi realizada

para as duas principais condições clínicas separa-

damente. Nos 1.170 pacientes com bexiga hipera-

tiva observou-se, no seguimento de um ano, me-

lhora clínica superior a 50% em 84,8% dos casos, e

superior a 90% em 24,1% deles. Após 60 meses de

acompanhamento, essas porcentagens de melhora

foram 75% e 28,9%, respectivamente24.

Segundo dados de outros estudos prospectivos,

a melhora clínica obtida com a SNM é mantida

após períodos de até 5 anos de acompanhamento,

comprovando a durabilidade de seu efeitos. Taxas

de sucesso de 60 a 77% são relatadas no seguimen-

to de longo prazo15, 25-32.

No contexto da incontinência urinária de

urgência, a técnica de neuromodulação sacral

promove taxas de cura de 47% após 6 meses de

acompanhamento, mantidas por pelo menos 18

meses 29. Depois de 3 anos, demonstraram-se

taxas de cura de 32%25.

Existem revisões sistemáticas sobre neuromo-

dulação sacral publicadas na literatura que de-

monstram sua ampla utilidade clínica. Brazelli et

al., em 2006, reportam seus resultados em uma

revisão sistemática, incluindo estudos publicados

entre 1996 e 2003, em pacientes com incontinência

urinária de urgência, na qual verificaram taxas de

sucesso entre 67 e 80% e com resultados mantidos

após seguimento de 3 a 5 anos17.

Posteriormente Kessler et al. relataram as con-

clusões de nova revisão sistemática, na qual pu-

deram incluir 30 estudos publicados até abril de

2010. Nesta revisão sistemática foram avaliados

os resultados de 357 pacientes com idades que

variaram de 20 a 62 anos. A taxa de sucesso du-

rante a fase de teste foi de 68% (IC95%: 50-87%).

A taxa de sucesso após o implante do gerador de

pulsos definitivo foi de 92% (IC95%: 81-98%). Esse

levantamento não excluiu estudos com pacientes

neurogênicos, contando com os resultados de 88

indivíduos com diagnóstico de doença neurológica

(Esclerose Múltipla: 50, Parkinson: 6, AVC: 10, Dis-

copatia: 18, Meningomielocele: 2 e Paralisia Cere-

bral: 2). Os eventos adversos mais frequentes foram

migração do eletrodo (15 pacientes) e dor no local

do implante do gerador de pulsos (12 pacientes)33.

Especificamente em relação à bexiga hiperati-

va refratária, dois outros levantamentos sistemáti-

cos da literatura foram publicados em 2009 e 2010,

comprovando a efetividade do método nesse difícil

grupo de pacientes34,35.

Um fator limitante intrínseco da técnica é a

necessidade de substituição do gerador de pul-

sos implantável (IPG) após o esgotamento de sua

bateria. Gajewski et al. avaliaram retrospectiva-

mente os resultados em longo prazo da SNM e ve-

rificaram que a durabilidade média da bateria do

gerador de pulso foi de 93 meses32. Recentemente

introduzido, o dispositivo de segunda geração “In-

terstim 2” tem menores dimensões e avanço no

sistema de conexão do eletrodo, mas traz a des-

vantagem de ter menor durabilidade.

ComplicaçõesHijaz et al. analisaram o banco de dados da

Cleveland Clinic e publicaram uma interessante

revisão sobre as complicações da SNM em 214

pacientes submetidos ao implante de tined-

-leads36. A indicação do implante do gerador de

pulsos (IPG) ocorreu em 161 pacientes (75,5%).

Dezessete pacientes (10,5%) tiveram o dispositi-

vo completamente removido por infecção (n = 8)

ou ausência de resposta clínica (n = 9). Vinte e

seis pacientes (16,1%) foram submetidos à revisão

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12 UROLOGIA ESSENCIAL V.3 N.2 JUL DEZ 2013

ATUALIZAÇÃO NEUROMODULAÇÃO SACRAL PARA O TRATAMENTO DA BEXIGA HIPERATIVA IDIOPÁTICA REFRATÁRIAMÁRCIO AUGUSTO AVERBECK LUIS AUGUSTO SEABRA RIOS

cirúrgica devido à atenuação da resposta (n = 17),

infecção (n = 4), dor no local do implante do IPG (n

=4) e migração do eletrodo (n = 1).

ConclusõesA neuromodulação sacral representa uma mo-

dalidade bem estabelecida para o tratamento da

bexiga hiperativa refratária. Os avanços tecnológi-

cos permitiram o desenvolvimento de um procedi-

mento minimamente invasivo, seguro e com boas

taxas de sucesso neste difícil grupo de pacientes.

AgradecimentoA pedido dos autores, as figuras 2, 4, 10, 11 e 12

foram cedidas pela Medtronic para publicação na

Revista Urologia Essencial.

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Page 10: Neuromodulação Sacral para a Bexiga Hiperativa Refratária

13V.3 N.2 JUL DEZ 2013 UROLOGIA ESSENCIAL

ATUALIZAÇÃONEUROMODULAÇÃO SACRAL PARA O TRATAMENTO DA BEXIGA HIPERATIVA IDIOPÁTICA REFRATÁRIAMÁRCIO AUGUSTO AVERBECK LUIS AUGUSTO SEABRA RIOS

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