New Futebol brasileiro como Soft Power: pistas na cobertura da … · 2018. 7. 11. · além de...

15
Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação 41º Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação – Joinville - SC – 2 a 8/09/2018 1 Futebol brasileiro como Soft Power: pistas na cobertura da Folha de S. Paulo durante a Copa 2014 1 Rodrigo Nascimento Reis 2 Universidade Federal Fluminense Resumo: O modo de influenciar outra nação via aportes culturais ou ideológicos é conhecido como Soft Power, termo cunhado pelo cientista político norte americano, Joseph Nye (2004). Em português, a expressão pode ser compreendida como “poder suave” ou “poder brando”. Nye já sinalizou que o Brasil possui o futebol e o carnaval como ferramentas de poder brando na geopolítica das nações. Nessa perspectiva, o artigo analisa o discurso de 14 editoriais do jornal Folha de S. Paulo durante a Copa do Mundo 2014 para perceber como o jornalismo associa e promove o futebol brasileiro como um importante Soft Power do país. Palavras-Chave: Seleção Brasileira; Futebol; Soft Power; Folha de S. Paulo; Copa 2014. Introdução As narrativas da impressa brasileira a respeito do futebol como constituinte da identidade e nacionalismo do Brasil são objeto de inúmeras pesquisas, e de fato, apontam como esta modalidade esportiva permeia o imaginário popular de milhares de torcedores. Um dos pioneiros na literatura acadêmica sobre o futebol no país, DaMatta (1982), utilizou esta modalidade esportiva para interpretar a sociedade brasileira. Segundo ele, o futebol contribui para a construção da identidade nacional, pois dramatiza em campo a vida social reunindo pessoas distintas para assistir o „momento do jogo‟. Interessante destacar, que parte da apreensão que o antropólogo Roberto DaMatta tem do futebol quando escreveu a obra “O Universo do Futebol: esporte e sociedade brasileira” advém da cobertura jornalística feita por Henry Fairlie, Nelson Rodrigues e José Lins do Rego. Nesta perspectiva, Helal (1997, p.5) aponta o futebol “como uma forma cultural que promove a integração do país, fazendo com que a sociedade encontre um sentido de totalidade raramente encontrado em outras esferas da vida social”. Conforme este autor, as narrativas da imprensa sobre a seleção brasileira a colocam como fator aglutinador do que seria ser nação, porém trata-se de uma crença, pois afinal são apenas onze jogadores em campo. Gastaldo (2001) também compartilha do sentido de que futebol no Brasil, 1 Trabalho apresentado no GP Comunicação e Esporte, XVIII Encontro dos Grupos de Pesquisas em Comunicação, evento componente do 41º Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação. 2 Doutorando pelo Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Federal Fluminense.

Transcript of New Futebol brasileiro como Soft Power: pistas na cobertura da … · 2018. 7. 11. · além de...

  • Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação 41º Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação – Joinville - SC – 2 a 8/09/2018

    1

    Futebol brasileiro como Soft Power: pistas na cobertura da Folha de S. Paulo

    durante a Copa 20141

    Rodrigo Nascimento Reis2

    Universidade Federal Fluminense

    Resumo: O modo de influenciar outra nação via aportes culturais ou ideológicos é

    conhecido como Soft Power, termo cunhado pelo cientista político norte americano,

    Joseph Nye (2004). Em português, a expressão pode ser compreendida como “poder

    suave” ou “poder brando”. Nye já sinalizou que o Brasil possui o futebol e o carnaval

    como ferramentas de poder brando na geopolítica das nações. Nessa perspectiva, o

    artigo analisa o discurso de 14 editoriais do jornal Folha de S. Paulo durante a Copa do

    Mundo 2014 para perceber como o jornalismo associa e promove o futebol brasileiro

    como um importante Soft Power do país.

    Palavras-Chave: Seleção Brasileira; Futebol; Soft Power; Folha de S. Paulo; Copa

    2014.

    Introdução

    As narrativas da impressa brasileira a respeito do futebol como constituinte da

    identidade e nacionalismo do Brasil são objeto de inúmeras pesquisas, e de fato,

    apontam como esta modalidade esportiva permeia o imaginário popular de milhares de

    torcedores. Um dos pioneiros na literatura acadêmica sobre o futebol no país, DaMatta

    (1982), utilizou esta modalidade esportiva para interpretar a sociedade brasileira.

    Segundo ele, o futebol contribui para a construção da identidade nacional, pois

    dramatiza em campo a vida social reunindo pessoas distintas para assistir o „momento

    do jogo‟. Interessante destacar, que parte da apreensão que o antropólogo Roberto

    DaMatta tem do futebol quando escreveu a obra “O Universo do Futebol: esporte e

    sociedade brasileira” advém da cobertura jornalística feita por Henry Fairlie, Nelson

    Rodrigues e José Lins do Rego.

    Nesta perspectiva, Helal (1997, p.5) aponta o futebol “como uma forma cultural

    que promove a integração do país, fazendo com que a sociedade encontre um sentido de

    totalidade raramente encontrado em outras esferas da vida social”. Conforme este autor,

    as narrativas da imprensa sobre a seleção brasileira a colocam como fator aglutinador do

    que seria ser nação, porém trata-se de uma crença, pois afinal são apenas onze jogadores

    em campo. Gastaldo (2001) também compartilha do sentido de que futebol no Brasil,

    1 Trabalho apresentado no GP Comunicação e Esporte, XVIII Encontro dos Grupos de Pesquisas em Comunicação,

    evento componente do 41º Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação. 2 Doutorando pelo Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Federal Fluminense.

  • Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação 41º Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação – Joinville - SC – 2 a 8/09/2018

    2

    representado pela seleção brasileira, desempenha papel significativo para constituição

    de uma identidade nacional à medida que a seleção permite crer em um ideal de unidade

    por meio da seleção brasileira.

    Um dos trabalhos recentes que tangencia a temática apresentada é a tese de

    Brinatti (2015), intitulada “Maracanazo e Mineiratzen: Imprensa e Representação da

    Seleção Brasileira nas Copas do Mundo de 1950 e 2014”. A pesquisa revela que a

    seleção de 1950 foi representada como símbolo nacional pela imprensa, enquanto a

    equipe de 2014, devido a derrota para Alemanha, contribuiu para a desconstrução dessa

    crença a partir de narrativas dos jornais Folha de S. Paulo e O Globo. Todavia, o autor

    ressalta que seria o início de uma possível ruptura da equação futebol/nação, sendo que

    ainda é muito cedo apontar para este horizonte.

    Percebe-se, portanto, um encaminhamento recorrente nas pesquisas de

    comunicação em identificar os enquadramentos da cobertura noticiosa para verificar a

    vinculação entre futebol e nacionalismo brasileiro, o que tem inclusive gerado

    polêmicas como a retratada por Helal e Gordon Jr (2001), na qual os autores defendem a

    legitimidade da obra “O negro no futebol brasileiro” do jornalista Mário Filho como

    aparato histórico para conhecer questões raciais na história do futebol brasileiro,

    requisito importante para compreender a integração nacional. Desse modo, os autores

    discordam da tese de Soares (1998) que considera a obra de Mário Filho como romance

    e responsável pela criação de um discurso de identidade nacional.

    Diante este cenário de pesquisas crescentes envolvendo Comunicação e Esporte,

    Helal (2012) afirma que houve uma consolidação das pesquisas com o futebol,

    destacando o fato do XXXV Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação –

    Intercom 2012, ter proporcionado como debate principal o tema “Esportes na Idade

    Mídia – diversão, informação e educação”. Para o autor, também o grupo de pesquisa

    “Comunicação e Esporte” da Intercom tornou-se um lugar profícuo na quais mais

    estudos sobre múltiplos ângulos de análise estão se desenvolvendo.

    A partir deste quadro de pesquisa da área, este artigo questiona se as narrativas

    além de revelar a ideia de futebol como representante de nação – não estariam também

    projetando o esporte como uma espécie de Soft Power na geopolítica das nações. Para

    efetivar essa questão, analisa-se 14 editoriais do jornal Folha de S. Paulo publicados

    nos meses de maio, junho e julho de 2014, período que compreende momentos pré,

    durante e pós Copa do Mundo de Futebol. O jornal foi escolhido porque entre os

  • Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação 41º Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação – Joinville - SC – 2 a 8/09/2018

    3

    impressos mais antigos do país é o que possui maior circulação no Brasil, segundo

    dados da Agência Nacional de Jornais (ANJ).

    O caminho metodológico está ancorado no protocolo de Análise do Discurso em

    Jornalismo apresentado por Benetti (2008). Segundo a autora, a análise dos textos em

    jornalismo pode ser feitas a partir do „estudo de sentidos‟ e „estudo das vozes‟. Como o

    gênero jornalístico escolhido foi o “Editorial”, aplica-se aqui apenas a lógica do estudo

    de sentidos, uma vez que se crê que o editorial representa apenas uma voz: a do veículo.

    Dessa maneira, o objetivo do artigo é identificar nos editoriais as marcas, estereótipos e

    ideologias que sinalizam para „formação discursiva‟ do futebol brasileiro como

    ferramenta de Soft Power do Brasil.

    O futebol como soft power nas pesquisas em comunicação

    O conceito de Soft Power foi cunhado pelo cientista político norte americano,

    Joseph Nye (2004). Em português, a expressão pode ser compreendida como “poder

    suave” ou “poder brando”, tratando-se dentro da Teoria das Relações Internacionais

    como um modo de influenciar outra nação via aportes culturais ou ideológicos. Segundo

    Nye (2004), o Soft Power contrasta ao Hard Power (poder duro, coercitivo), pois busca

    impor sua vontade por intermédio não de meios físicos, armamento ou poderio

    econômico, mas por meio da persuasão.

    No campo da Comunicação, não há pesquisas sobre o futebol brasileiro como

    Soft Power no banco de Teses de Dissertações da Capes. Outrora, o assunto surge como

    objeto de pesquisa nas Relações Internacionais, mas não com base nas construções

    midiáticas e sim em ações governamentais. Nesse sentido temos uma oportunidade de

    explorar o assunto na Comunicação por uma perspectiva diferente, o que certamente

    amplia o olhar sobre o futebol apenas como símbolo nacional.

    Mesmo em outros campos, o futebol como Soft Power é um objeto escasso.

    Foram encontrados no banco de dados da Capes apenas duas dissertações sobre o tema:

    A primeira “FIFA e Governança Global: atuação a partir da análise do Soft Power

    (1990-2015)” defendida por Juliano Oliveira Pizarro em 2015 no Programa de Ciência

    Política da Universidade Federal de Pelotas, parte do principio de que a Fifa é uma

    organização de oligopólio internacional, que sob a perspectiva do Soft Power produz

    discursos e atos estratégicos para alinhar-se a discursos democráticos. A segunda

  • Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação 41º Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação – Joinville - SC – 2 a 8/09/2018

    4

    pesquisa, “Esporte e Relações Internacionais: a diplomacia futebolística como

    ferramenta de Soft Power – o caso do Brasil”, de autoria de Márcio Roberto Coelho dos

    Reis do Programa de Relações Internacionais da Universidade do Estado do Rio de

    Janeiro. O trabalho afirma que o Governo Lula, principalmente a partir dos preparativos

    para Copa 2014, buscou utilizar o futebol como instrumento de poder, projetando

    valores e imagens positivas na comunidade internacional.

    Aprofundamento sobre o conceito de Soft Power, ele começou a ser utilizado no

    final da década de 1980 pelo cientista político norte americano Joseph Nye. A obra que

    melhor desenvolve o conceito é “Soft Power: The Means to Sucesses in World Polítics”,

    com versão apenas em inglês. Antes de chegar a ideia de Nye, é importante

    compreender que a definição básica de „poder‟ que consta em dicionário. Segundo o

    Aurélio (2002), poder significa, “força física, vigor do corpo ou da alma, império,

    soberania, mando, autoridade e força ou influencia”.

    Desse modo, Nye (2004), desenvolve a noção de poder, no âmbito das relações

    internacionais, de duas formas: Hard Power e Soft Power. O primeiro está relacionado a

    indução, coação, uso da força, ameaça, barganha e o segundo associa-se a ideia de

    influência sutil, atraindo o outro (país) a realizar de modo pacífico o que se deseja. Nas

    palavras do autor: “Soft power uses a different type of currency (not force, not money)

    to engender cooperativo an attraction to shared values and the justness and duty of

    contributing to the achievement of those values”3 (NYE, 2004, p. 7).

    Pizarro (2015) ao analisar o pensamento de Joseph Nye acerca do Soft Power,

    identifica que a cultura, os valores políticos e a política externa são utilizadas como

    forma de poder brando nas relações entre os países, e aponta o esporte como fonte de

    Soft Power. Pizarro sustenta que o esporte auxilia na troca cultural entre as nações,

    sendo os megaeventos Copa do Mundo FIFA e Olimpíadas lugares de exercício de

    poder, devido a visibilidade para bilhões de pessoas ao redor do mundo.

    Nota-se que um dos meios que organismos internacionais se utilizam

    para atuar através do soft power é o esporte. Utilizado pelos grandes

    órgãos de governança desportiva, o esporte é um importante elemento

    cultural, social e simbólico, o qual está presente no dia-a-dia das

    sociedades, tanto a nível amador como a nível profissional,

    reproduzindo a lógica da governança global (PIZARRO, p.92, 2015).

    3 Soft power usa um tipo diferente de moeda (nem força, nem dinheiro) para engendrar cooperação: uma

    atração a valores em comum e à justiça e dever de contribuir para alcançar esses valores (NYE, 2004, p.

    7, tradução do autor)

  • Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação 41º Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação – Joinville - SC – 2 a 8/09/2018

    5

    Para exemplificar o conceito de Soft Power na atualidade, Guimarães e

    Amazarray (2011) ressaltam que além dos governos, empresas multinacionais e

    celebridades também são ferramentas de poder. “Exemplos disso seriam a Microsoft

    para os EUA, a Adidas para a Alemanha e o Ronaldinho Gaúcho para o Brasil”

    (GUIMARÃES E AMAZARRAY, p. 148, 2011). Estes autores lembram que os efeitos

    do Poder Suave são de longo prazo devido se tratar de influência e não ordem, desse

    modo o Soft Power pode demorar anos até provocar atração na geopolítica das nações.

    Este dado é pertinente porque o projeto aqui apresentado vai investigar a construção

    midiática do futebol brasileiro como Soft Power ao longo da história devido justamente

    aos efeitos demorados dessa estratégia de poder. Uma questão interessante a destacar é

    que em obra traduzida para o Brasil, Nye (2012) cita o carnaval e ao futebol brasileiro

    como dois elementos basilares de Soft Power do país.

    O potencial da função do futebol como meio de soft power se faz

    presente no fato de que ele é um esporte mundial assistido por bilhões

    e praticado por centenas de milhões. As seleções nacionais são vistas

    como representantes quase oficiais do país, portanto, cada vez que um

    jogo é realizado, tem-se a impressão de que é o país todo em campo

    (GUIMARÃES E AMAZARRAY, p. 158, 2011).

    Biazzi e Franceschini Neto (2007) relatam um exemplo do futebol brasileiro

    atuando como Soft Power. Segundo os autores, uma missão de paz das Organizações

    das Nações Unidas, liderada pelo Brasil em 2004 teve êxito graças ao futebol. Ao invés

    do Brasil intensificar a intervenção militar com uso de armas e equipamentos de guerra

    – hard news, preferiu realizar um “Jogo da Paz” contra a seleção haitiana, tendo em

    vista uma boa recepção do futebol na região. O jogo contribuiu para facilitar a

    estabilização do Haiti tendo em vista que a população local se uniu em torno do esporte.

    De forma intencional ou não, os jogadores brasileiros que atuam no

    exterior e o sucesso da seleção nacional criam e divulgam uma forte

    imagem do que é o Brasil. Esta identificação chega a ponto de muitos

    jovens no mundo inteiro gostarem mais da seleção brasileira do que de

    suas próprias seleções nacionais, e passem com isso a admirar o país,

    se interessar por sua cultura e idioma. Apesar dos efeitos difusos e

    complexos destas interações internacionais a metáfora de que o

    futebol brasileiro é a nossa Hollywood não nos parece exagerada. Esta

    espécie de soft-power, vende camisas e produtos com a marca

    "Brazil", mas pode ter também reflexos políticos para a imagem

    externa do país (Biazzi e Franceschini Neto. 2007).

  • Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação 41º Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação – Joinville - SC – 2 a 8/09/2018

    6

    Características da Copa do Mundo de 2014 no Brasil

    Os interesses conjuntos da FIFA e do governo brasileiro foram os responsáveis

    para a escolha do Brasil para sediar a Copa de 2014, aponta Damo e Oliven (2013).

    Segundo os autores, a FIFA buscava globalizar o mercado futebolístico, assim a Copa

    deveria acontecer no continente americano para completar o rodízio de continentes, e ao

    Brasil seria dada a oportunidade de projetar uma imagem positiva ao restante do mundo.

    Dada a conjunção de fatores e sem que houvesse propriamente uma disputa, o

    Brasil acabou sendo o país escolhido, em boa medida por falta de outras

    opções. Isso veio à tona com certa antecedência, de forma que não houve

    expectativa em relação ao anúncio oficial, que ocorreu em Zurique, em fins

    de outubro de 2007. Nem por isso as autoridades brasileiras deixaram de

    viajar à Suíça para acompanhar o anúncio. A delegação incluía dirigentes de

    futebol, ex-jogadores, uma dezena de governadores, o então presidente Lula e

    até o escritor Paulo Coelho. Os grandes jornais impressos deram destaque de

    capa ao evento e diversas emissoras de televisão abriram espaço na

    programação ordinária para transmitir o cerimonial em tempo real, mas não

    havia multidão aguardando o anúncio, nem houve sobressalto com a decisão,

    muito menos emoção (DAMO E OLIVEN, 2013, p. 24).

    Porém, para que o anúncio fosse feito, o Brasil se comprometeu a atender várias

    exigências da FIFA, descritas no manual “Football stadiums technical

    recommendations and requirements”. O documento serve de guia para anfitriões de

    Copas desde a realizada em 2006, na Alemanha. Segundo o manual, estudos de

    viabilidade deveriam ser feitos nos estádios, com avaliação do nível de conforto e

    capacidade de público, na qual a recomendação mínima é 30 mil assentos para jogos

    internacionais e 60 mil para final da Copa do Mundo. Nas proximidades do estádio

    devem constar hotéis, aeroportos, centros comerciais e acessibilidade por transportes de

    massa. Além disso, é necessário que o estádio possa ter estacionamento ao redor para

    carros e ônibus.

    Quanto à segurança, o documento previa câmeras de vigilância interna e externa,

    portões e corredores sinalizados e livres de obstáculos, sistema contra invasões, de

    modo que a proteção do torcedor fosse prioridade. O conforto do público na

    arquibancada também é um item com recomendações. Para a FIFA, os assentos devem

    ter espaços para permitir a circulação de torcedores, além de boa visibilidade do campo.

    Os pontos comerciais no estádio também deveriam estar projetados de modo a evitar

    filas e obstrução de espaços no estádio. Todas as normativas também contêm regras

    específicas para pessoas com deficiência.

  • Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação 41º Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação – Joinville - SC – 2 a 8/09/2018

    7

    Os espaços de mídia também estão entre os pontos principais das exigências da

    FIFA. O estádio deveria proporcionar ponto central para as cabines de imprensa, todas

    com tecnologia digital de última geração. Além das cabines, deveriam haver locais para

    coletivas de imprensas, com espaços próprios para transmissão televisiva e um

    tratamento específico para os fotógrafos devido aos equipamentos sofisticados e

    necessidade de boa visibilidade dos jogos.

    Além destes quesitos, o manual versa também sobre energia, iluminação,

    sustentabilidade, hospitalidade, área de jogo, vestiários, gramado e outros aspectos. As

    condições estruturais e argumentos para sediar a Copa no Brasil foram entregues à

    FIFA. “Num calhamaço de novecentas páginas, estavam depositadas as explicações e as

    esperanças brasileiras para sediar a segunda Copa do Mundo de nossa história”

    (HELAL, CABO E SILVA, 2011, p. 205).

    Quanto a conjuntura do Brasil nos anos de 2013 e 2014, registra-se que o

    período corresponde à segunda metade do final do primeiro mandato da presidente da

    República do Brasil, Dilma Rousseff. Segundo dados do Instituto de Pesquisa

    Econômica Aplicada (IPEA), a conjuntura econômica de 2013 teve crescimento do

    Produto Interno Bruto (PIB) em relação aos últimos trimestres do ano anterior, todavia,

    a taxa de desemprego manteve-se em queda contínua, a inflação permaneceu acima da

    meta oficial e houve desaceleração do consumo de forma sútil em relação a ciclos

    anteriores. A economia começava a apresentar momentos de recuperação, mas precisava

    impulsionar o frágil ritmo de crescimento econômico, preservar a robustez do mercado

    de trabalho e o governo precisava manter o equilíbrio fiscal. No balanço final do ano, a

    atividade econômica foi caracterizada como inconstante, tendo inclusive os protestos

    influenciado esses dados.

    Diante deste cenário político/econômico várias manifestações da sociedade em

    geral aconteceram no país, principalmente no mês de junho de 2013, durante a Copa das

    Confederações, considerada pela FIFA, um pré-teste da Copa do Mundo. Os protestos

    foram nomeados posteriormente de “Manifestação dos 20 centavos” e “Jornadas de

    Junho”. O aumento de R$ 0,20 centavos nas tarifas de transportes públicos foi o

    primeiro foco de protesto no país liderado pelo Movimento Passe Livre, em São Paulo.

    A visibilidade que o movimento ganhou fez surgir no país dezenas de mobilizações

    desde educação, saúde, até transparência com os gastos da Copa do Mundo no Brasil,

    com palavras de ordem nas ruas e na internet: #nãovaitercopa.

  • Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação 41º Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação – Joinville - SC – 2 a 8/09/2018

    8

    Mesmo sem superar todas as divergências, a Copa do Mundo de 2014 iniciou dia

    12 de junho com uma cerimônia de abertura no estádio do Itaquerão, Arena do

    Corinthians, na zona leste de São Paulo. A festividade teve a participação de mais de

    600 pessoas, que, por meio da arte, buscaram homenagear as riquezas naturais, a cultura

    e o futebol brasileiro. Com a participação de cantores nacionais e internacionais, o

    momento buscou mostrar o ritmo da “brasilidade” e cativar o público das arquibancadas

    e, principalmente, aos que assistiam pela televisão. Segundo a Agência Brasil, o evento

    quis mostrar também a paixão do brasileiro pela música e dança com a entrada de

    baianas, capoeiristas, gaúchos, dançarinos de frevo e forró. Teve destaque na abertura,

    um chute simbólico feito por um jovem paraplégico para apresentar ao mundo avanços

    em pesquisas com o uso de exoesqueleto.

    Ao lado do presidente da FIFA, Joseph Blatter, e do secretário-geral da ONU,

    Ban Ki-moon, a presidente Dilma Rousseff, mesmo sem discursar, foi hostilizada

    durante a cerimônia com vaias e xingamentos da torcida. A abertura, que durou cerca de

    meia hora, custou cerca de 18 milhões de reais, segundo o Comitê Organizador Local.

    Após as apresentações iniciou o primeiro jogo da Copa: Brasil e Croácia, com vitória

    brasileira de 3 x 1.

    As partidas do Mundial aconteceram em 12 estádios e foi disputado por 32

    países. Segundo o balanço4 da Copa feito pelo Governo, houve mais de 11 milhões de

    pedidos de ingressos e um público total de 3,43 milhões. As Fan Fests, pontos para que

    os torcedores que não conseguiram ingressos pudessem assistir aos jogos por telões,

    reuniram mais de 5,15 milhões de pessoas. No gramado, a média de gol por partida foi

    2,67 e o número total de gols foi 171, maior número da história das Copas junto com a

    Copa da França, em 1998.

    O evento atraiu mais de um milhão de turistas de 202 países e três milhões de

    turistas brasileiros em deslocamento para as cidades sede. A cobertura midiática

    englobou cerca de 20 mil profissionais de comunicação. Nas redes sociais, esta edição

    da Copa bateu recordes com mais de três bilhões de interações no Facebook e Twitter.

    Os centros de mídia abertos nos estádios abrigaram mais de 10 mil jornalistas de 83

    países. A fonte oficial de informações do Governo Federal para a imprensa nacional e

    4 Documento disponível em: http://www.copa2014.gov.br/pt-br/brasilecopa/sobreacopa/balancos

  • Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação 41º Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação – Joinville - SC – 2 a 8/09/2018

    9

    internacional foi o Portal da Copa5. Segundo o portal, o balanço final do evento,

    publicado em dezembro de 2014, mostra que as expectativas foram alcançadas:

    O sucesso na operação da Copa 2014, esperado pelas três esferas de

    Governo, foi sentido já nas primeiras semanas do evento. A “Copa

    das Copas” deixou o mundo encantado com o carisma do Brasil e dos

    brasileiros e o fez reconhecer a nossa capacidade em organizar um

    grande evento. O Modelo de Governança estabelecido e os Planos

    Operacionais elaborados foram capazes de suprir as demandas durante

    todo o período do evento. O Governo Federal estruturou um modelo

    de acompanhamento da operação em cada cidade-sede para apoiar os

    governos locais em suas necessidades, bem como a avaliação de riscos

    e ocorrências diárias (Balanço Final para as Ações da Copa do Mundo

    da FIFA Brasil 2014).

    Segundo os dados do Governo Federal, a reforma de estádios, obras de

    infraestrutura em aeroportos, sistemas de transportes e urbanização tiveram

    investimentos de 25 bilhões de reais.

    O encerramento do mundial ocorreu no dia 13 de julho no estádio do Maracanã.

    A Alemanha foi a campeã, Argentina vice-campeã, Holanda em terceiro lugar e Brasil

    em quarto. O fato mais comentado do mundial e explorado pela mídia foi a derrota do

    Brasil para a Alemanha pelo placar de 7 x 1.

    Pistas sobre o futebol como Soft Power na cobertura da Folha de S. Paulo

    A questão central do artigo é encontrar pistas sobre o futebol brasileiro como

    soft power. Escolhemos o jornal Folha de S. Paulo para análise, por ele, configurar no

    ano de 2014 como o impresso de maior circulação paga no Brasil, segundo dados da

    Agência Nacional de Jornais (ANJ). Além deste motivo, outro também relevante, é o

    fato do veículo estar acoplado à rotina produtiva da respectiva agência de notícia

    nacional, Folhapress, isto significa, que o material do impresso repercutia para outros

    jornais do território nacional. Após a escolha do meio, decidimos pelo recorte temporal

    de três meses, maio, junho e julho de 2014.

    Sabe-se que a Copa no Brasil ocorreu entre os dias 12 de junho e 13 de julho de

    2014, assim a opção por três meses é uma forma de capturar informações pré e pós-

    evento que podem ajudar a compreender melhor o objeto. Em seguida, decidimos por

    analisar os editoriais da Folha de S. Paulo, por entender, que neste espaço opinativo

    seria mais visível o posicionamento do jornal a respeito da seleção brasileira. Como

    5 O site está disponível no endereço copa2014.gov.br

  • Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação 41º Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação – Joinville - SC – 2 a 8/09/2018

    10

    seria denso fazer a leitura de cerca de 90 editoriais para identificar a presença da seleção

    brasileira e aí aprofundar-se na análise, optamos por verificar as chamadas de editoriais

    que vinham na capa do veículo, por entender este espaço como privilegiado do jornal.

    Desse modo, encontramos 17 chamadas para editoriais na Folha de São Paulo focados

    no Copa 2014. Destes, excluímos ainda três por tratarem apenas da Copa sem menção a

    seleção brasileira.

    Esta construção do corpus de análise segue as orientações de Orlandi (1999) que

    diz que o corpus é uma construção do próprio analista para permitir chegar a

    compreensão do objeto. Porém, é preciso com base nesse material, sugerir perguntas (s)

    para guiar a análise. Neste trabalho, portanto, queremos saber se nos editoriais da Folha

    de S. Paulo é possível perceber a presença do futebol brasileiro como importante Soft

    Power, para isso vamos utilizar análise discursiva dos editoriais tentando identificar os

    sentidos com base em expressões, palavras, frases e outros termos que possam

    direcionar ou não para a seguinte formação discursiva: “O futebol Brasileiro como

    ferramenta de Soft Power”.

    Tabela 1 – Editoriais que tiveram chamadas de capa na Folha entre maio e julho de 2014

    Data Título Editorial +

    posição

    08.05.14 Editorial: Os 23 de Felipão E1

    14.05.14 Entre Copa e Carnaval E2

    15.05.14 Protestos legais E3

    18.05.14 Bate-bola presidencial E4

    12.06.14 Vai ter Copa E5

    14.06.14 "Sem triunfalismo" E6

    21.06.14 Torneio de Surpresas E7

    24.06.14 "Grandes esperanças" E8

    04.07.14 Humor da Copa E9

    08.07.14 "Sem ele, por ele" E10

    09.07.14 Pátria sem chuteiras E11

    13.07.14 Hora de virar o jogo E12

    16.07.14 "Copa do Mundo" E13

    23.07.14 A seleção gira em falso E14

    Fonte: O autor (2018)

    Os editoriais E2, E6, E7, E11, E13, da Folha de S. Paulo apontam a Copa do

    Mundo 2014 como importante lugar de visibilidade para o Brasil. Pode-se inferir, que o

  • Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação 41º Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação – Joinville - SC – 2 a 8/09/2018

    11

    fato do megaevento ser realizado no Brasil foi considerado mais significativo do que a

    atuação da seleção brasileira. Porém, o jornal, embora reconheça que a Copa no Brasil

    era lugar de projeção internacional, considerou que a oportunidade brasileira não foi

    aproveitada.

    Perde-se a oportunidade de o país do futebol mostrar-se confiável,

    comprometido com a melhoria da infraestrutura e zeloso com os

    recursos públicos. Prevalece a outra face do estereótipo nacional: a

    descompromissada imagem de país do Carnaval (Entre a Copa e o

    Carnaval. p. A2. 08 de maio de 2014. Folha de S. Paulo).

    Nesses editoriais ficou perceptível a preocupação do veículo em dizer que o

    olhar estrangeiro estava sobre o megaevento e que o „turista‟ poderia se afastar de

    estereótipos „solares, complacentes e pitorescos‟, diante a desorganização do Mundial

    ocasionada principalmente por obras de mobilidade não entregues no prazo. Depois da

    derrota do Brasil para Alemanha por 7x1, o veículo destacou pontos positivos do

    evento, segundo entrevistas de turistas dada ao DataFolha. De acordo com o instituto, o

    torcedor estrangeiro sentiu-se acolhido no Brasil e pôde desfrutar dos jogos com

    tranquilidade. Provavelmente, o momento em que podemos perceber um

    reconhecimento da seleção brasileira como importante soft power ocorreu no dia 09 de

    setembro de 2014 após a derrota do Brasil para Alemanha.

    A paixão futebolística sobreviverá, é claro, ao pesadelo de ontem. Mas

    o massacre, no que teve de brutal e inesquecível, não maculou

    apenas a mística da camisa verde-amarela; talvez venha a significar

    também o encerramento de uma época em que o país e estádio, povo e

    torcida, governantes e técnicos, nação e seleção tendem a ser vistos

    como a mesma coisa. (...) Talvez possa dizer, a partir de agora, que o

    Brasil é maior que o seu futebol – e que tem desafios mais

    importantes, e maiores a vencer (Pátria sem chuteiras. p.A2. 09 de

    setembro de 2014. Folha de S. Paulo).

    O tom crítico do editorial revela que o futebol brasileiro possui aspecto místico,

    certamente pelo histórico de participação da seleção em todas Copas e o fato de ser

    pentacampeã, além da formação de bons jogadores. Nesse sentido, o editorial confirma

    que há uma equação entre nação e seleção, e que isso representava o Brasil. Todavia

    este reconhecimento do poder que o futebol brasileiro representa ao Brasil ocorre

    justamente para dizer que isto pode está chegando ao fim e que o país precisa superar

    esse emblema de querer ser o melhor no futebol.

  • Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação 41º Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação – Joinville - SC – 2 a 8/09/2018

    12

    A ideia do futebol como símbolo do país, como representante da identidade

    nacional, foi um dado repetido nos editoriais E1,E2, E4, E5, E8, E9, E11, E12 e E14. A

    expressão „país do futebol‟ repercutiu bastante nos textos. A obra “O Negro no Futebol

    Brasileiro” do jornalista Mário Filho é citada em um dos editoriais para reforçar o fardo

    „histórico, esportivo e social‟ que é colocado na seleção brasileira. O histórico esportivo

    como “maior detentor de títulos em Mundiais e formador de jogadores talentosos” é

    utilizado para ressaltar a força do esporte para o país (Bate-bola presidencial. A2. 18 de

    maio de 2014. Folha de S. Paulo).

    Em outros momentos, o editorial do veículo expõe de forma explicita a relação

    futebol e identidade nacional:

    O futebol, formador da identidade nacional, tem sido há um ano o

    ponto de fuga das demandas populares. Faz sentido, assim, que alguns

    se disponham a protestar mesmo durante a Copa. Os atos, desde que

    pacíficos, darão o testemunho do quanto o país amadureceu nestas

    décadas de democracia (Vai ter Copa. p. A2. 12.06.2014. Folha de S.

    Paulo).

    Baseado neste aspecto, a Folha sugere que embora a organização da Copa no

    Brasil tenha ocorrido de forma incompleta e irregular em vários pontos, a possível

    vitória da seleção brasileira ajudaria a projetar uma imagem positiva do país tanto

    nacionalmente quanto em âmbito internacional. Essa ideia foi reforçada várias vezes

    quando o veículo utilizou o termo “salvação” para cada vitória da seleção e diante as

    afirmativas sobre a „responsabilidade‟ dos jogadores a cada jogo perante os milhares de

    brasileiros. O discurso da seleção como redentora da pátria, favorita e ufanista parou na

    derrota para a Alemanha. De fato, o fiasco de 7x1 tornou-se um divisor de sentidos. Até

    antes da partida, mesmo com a saída de Neymar, a expectativa da vitória brasileira e

    orgulho nacional se mantinha.

    Com o fracasso, o jornal saiu com um editorial incisivo sobre o futuro do futebol

    brasileiro. Com o título “Pátria sem chuteiras” a Folha a trocava a preposição „de‟ por

    „sem‟ indicando o fim de uma das expressões mais utilizadas pela mídia e torcedores e

    que possuía uma história desde a primeira vez que foi utilizada pelo escritor Nelson

    Rodrigues. Ressalta-se que, o selo “Pátria de chuteiras” foi utilizado como peça

    publicitária na Copa de 2014, logo o editorial descontruía essa campanha desde o título

    bem como a expectativa de mobilização nacional por meio da seleção. Mais que o título,

    o jornal aprofundou-se em várias questões:

  • Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação 41º Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação – Joinville - SC – 2 a 8/09/2018

    13

    O vexame histórico, ainda que não numa final de campeonato, vem

    eclipsar o famigerado “maracanazo” de 1950. Naquela ocasião, com

    apenas um gol – o de desempate - o time do Uruguai destruiu os sonhos

    brasileiros. (...)

    A frustração - mas o termo é leve demais para descrever o que

    aconteceu – talvez possa, com o tempo, enquadrar-se num contexto

    diverso daquele que marcou, até hoje, as relações do brasileiro com seu

    esporte mais popular. (....)

    A ideia de uma „pátria em chuteiras”, na célebre formulação de Nelson

    Rodrigues, terá provavelmente sofrido um subterrâneo desgaste ao

    longo dos anos. Um país mais diversificado, plural e rico foi deixando

    de ver, nos campos de futebol, sua única fonte de compensação diante

    de muitos insucessos de seu projeto econômico e social. (...)

    Injustiçado, talvez, tenha se provado o hábito de depositarmos tanto de

    nossa identidade nacional num único esporte, num único campo, num

    único jogo –que sempre é o de hoje (Pátria sem chuteiras. (Pátria sem

    chuteiras. p.A2. 09 de setembro de 2014. Folha de S. Paulo).

    Os termos „vexame histórico‟, „frustração‟, „desgaste‟ e „foi deixando de ver,

    nos campos de futebol‟ legitimam o peso dado pelo editorial para a derrota brasileira e

    principalmente para a importância que o futebol possui para o país. Na tentativa de

    amenizar a derrota, o jornal indica que o „trauma‟ é ocasionado justamente por se ter

    depositado muita confiança e expectativa no futebol. Neste ponto, o jornal começa a

    descontruir a ideia do futebol como aglutinador da nação, uma percepção bastante

    divulgada até então pela imprensa em geral (Helal, 1997).

    Considerações

    A análise dos editoriais da Folha de S. Paulo apontam que não há uma discussão

    recorrente e explicita sobre o futebol brasileiro como importante Soft Power neste

    jornal. O debate, portanto, ao menos com base na cobertura deste veículo considerou

    apenas o fato do Brasil, sede do evento, como palco para atrair a atenção mundial.

    Todavia, este dado não chega a configurar Soft Power, pois para isso, precisaria se

    repetir ao longo da história.

    Todavia não se discute o potencial do futebol como instrumento de soft power,

    principalmente durante a Copa do Mundo, período em que o evento é transmitido e

    visto por milhares de pessoas (Guimarães e Amazarray, 2001). Houve uma troca

    cultural entre as nações, mediados pelo megaevento, porém a seleção brasileira não

    conseguiu, por meio da sua atuação, potencializar uma imagem positiva do país.

    Caminhando ao lado dessa constatação, a análise encontrou vários discursos que

    corroboram para a construção da identidade brasileira a partir do futebol. O termo „país

  • Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação 41º Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação – Joinville - SC – 2 a 8/09/2018

    14

    do futebol‟, por exemplo, figurou em vários editoriais e a expectativa da vitória da

    seleção brasileira em casa também permeou várias frases.

    Importante ressaltar, que o artigo trata-se de uma análise inicial na tentativa de

    buscar aspectos que podem configurar o futebol brasileiro como ferramenta de Soft

    Power. Nesse sentido, pôde-se perceber que ao menos em 2014 a discussão não é forte

    como se imagina que pudesse ser devido o campeonato mundial ter ocorrido no Brasil.

    Pelo contrário, o fato da Copa ser realizada no país ofuscou a cobertura esportiva da

    seleção brasileira. Como se não bastasse, a derrota histórica trouxe um novo arranjo

    midiático para o que se entendia como „Pátria de Chuteiras‟.

    Aposta-se, portanto, que é necessário perscrutar outros tempos históricos do

    futebol brasileiro e ir em busca de jornais internacionais para verificar se o futebol

    brasileiro “como melhor do mundo” ou como “representante da nação brasileira” é

    promovido como ferramenta de Soft Power do Brasil e se outros os jornais nacionais

    também contribuiriam para esta noção. Como a maioria dos editoriais fez memória a

    outras seleções e outras conquistas, é possível, portanto, apostar que a ideia do futebol

    brasileiro como Soft Power foi construída ao longo da história, chegando a um desgaste

    no ano de 2014.

    Outra questão pertinente diz respeito a possibilidade de modos diferentes de

    narrar a seleção brasileira e a brasilidade nos jornais nacionais e estrangeiros, pois em

    veículos internacionais a seleção brasileira pode aparecer com características de

    instrumento de Soft Power, divergente das veiculadas pela mídia nacional.

    Referências bibliográficas

    AURÉLIO, O mini dicionário da língua portuguesa. 4ª edição revista e ampliada do mini

    dicionário Aurélio. 7º impressão – Rio de Janeiro, 2002.

    BIAZZI, Alessandro; FRANCESCHI NETO, Virgílio. Futebol e política externa brasileira:

    entre o político-identitário e o comercial. EF Deportes. Buenos Aires, v.11, n.104, 2007.

    BENETTI, Marcia. Análise do discurso em jornalismo: estudo de vozes e sentidos. In:

    LAGO, Cláudio; BENETTI, Marcia (orgs). Metodologia de pesquisa em jornalismo. 2ª

    Ed. Petrópolis: Vozes, 2008.

    BRINATI, Francisco Ângelo. Maracanazo e Mineiratzen: Imprensa e representação da

    seleção brasileira nas Copas do Mundo de 1950 e 2014. 2015. 247 f. Tese (Doutorado em

    Comunicação Social) - Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social, Universidade do

    Estado do Rio de Janeiro, Rio de janeiro, 2015.

  • Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação 41º Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação – Joinville - SC – 2 a 8/09/2018

    15

    DA MATTA, Roberto. Esporte na sociedade: um ensaio sobre o futebol brasileiro. In: DA

    MATTA, Roberto (Org.). Universo do futebol: esporte e sociedade brasileira. Rio de Janeiro:

    Edições Pinakotheke, 1982.

    DAMO, Arlei Sander; OLIVEN, Ruben George. O Brasil no horizonte dos megaeventos

    esportivos de 2014 e 2016: sua cara, seus sócios e seus negócios, 2013. Disponível em<

    http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0104-71832013000200002&script=sci_arttext> Acesso:

    20 de Mar. 2014.

    GASTALDO, Édison Luís. Um Tempo Para Jogar: O 'Ser Brasileiro' na Publicidade da

    Copa do Mundo de 1998. Revista Campos, v. 1, p.123-146, 2001.

    GUIMARÃES, Bruno Gomes e AMAZARRAY Igor. O exercício do soft power: futebol e o

    caso brasileiro. Revista InterAção (UFSM), v. 2, p. 143-160, 2011.

    HELAL, Ronaldo; SOARES, Antonio Jorge; LOVISOLO, Hugo. A invenção do país do

    futebol: mídia, raça e idolatria. Rio de Janeiro: Mauad, 2001.

    _________________. Futebol, Comunicação e Nação: A Trajetória do Campo Acadêmico.

    In: MARQUES, José Carlos, DE MORAIS, Osvando J. (orgs). Esporte na Idade Mídia:

    diversão, informação e educação. São Paulo: Intercon, 2012

    _________________. Futebol, Cultura e Cidade. Logos (Rio de Janeiro), Rio de Janeiro, v. 5,

    p. 5-7, 1997.

    _________________; GORDON, César Júnior. Sociologia, História e Romance na

    construção da Identidade Nacional através do futebol. In: HELAL, Ronaldo; SOARES,

    Antonio Jorge; LOVISOLO, Hugo. A invenção do país do futebol: mídia, raça e idolatria. Rio

    de Janeiro: Mauad, 2001.

    _________________; Cabo, Alvaro; Carmelo da Silva. Pra Frente Brasil! Comunicação e

    identidade brasileira em Copas do Mundo. In: Ronaldo Helal; Hugo Lovisolo; Antonio Jorge

    Gonçalves Soares. (Org.). Futebol, Jornalismo e Ciências Sociais: interações. 1ed. Rio de

    Janeiro: Eduerj, 2011.

    NYE, Jr., Joseph S. Soft power: the means to success in world politics. New York:

    PublicAffairs, 2004.

    _________________. O futuro do poder. São Paulo: Benvirá, 2012.

    ORLANDI. Eni P. Análise de Discurso: princípios e procedimentos. Campinas: Editora

    Pontes, 1999.

    PIZARRO, Juliano Oliveira. FIFA e Governança Global : atuação a partir da análise do

    soft power (1990-2015). Dissertação (Mestrado em Ciência Política) - Programa de Pós-

    Graduação em Ciência Política. Instituto de Filosofia, Sociologia e Política. Universidade

    Federal de Pelotas, 2015.

    SOARES, A. J. G. Futebol, raça e nacionalidade no Brasil: releitura da história oficial.

    Tese de doutorado em Educação Física, Universidade Gama Filho. Rio de Janeiro, 1998.

    http://lattes.cnpq.br/8912160484639720http://lattes.cnpq.br/8912160484639720