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Futebol brasileiro como Soft Power: pistas na cobertura da Folha de S. Paulo
durante a Copa 20141
Rodrigo Nascimento Reis2
Universidade Federal Fluminense
Resumo: O modo de influenciar outra nação via aportes culturais ou ideológicos é
conhecido como Soft Power, termo cunhado pelo cientista político norte americano,
Joseph Nye (2004). Em português, a expressão pode ser compreendida como “poder
suave” ou “poder brando”. Nye já sinalizou que o Brasil possui o futebol e o carnaval
como ferramentas de poder brando na geopolítica das nações. Nessa perspectiva, o
artigo analisa o discurso de 14 editoriais do jornal Folha de S. Paulo durante a Copa do
Mundo 2014 para perceber como o jornalismo associa e promove o futebol brasileiro
como um importante Soft Power do país.
Palavras-Chave: Seleção Brasileira; Futebol; Soft Power; Folha de S. Paulo; Copa
2014.
Introdução
As narrativas da impressa brasileira a respeito do futebol como constituinte da
identidade e nacionalismo do Brasil são objeto de inúmeras pesquisas, e de fato,
apontam como esta modalidade esportiva permeia o imaginário popular de milhares de
torcedores. Um dos pioneiros na literatura acadêmica sobre o futebol no país, DaMatta
(1982), utilizou esta modalidade esportiva para interpretar a sociedade brasileira.
Segundo ele, o futebol contribui para a construção da identidade nacional, pois
dramatiza em campo a vida social reunindo pessoas distintas para assistir o „momento
do jogo‟. Interessante destacar, que parte da apreensão que o antropólogo Roberto
DaMatta tem do futebol quando escreveu a obra “O Universo do Futebol: esporte e
sociedade brasileira” advém da cobertura jornalística feita por Henry Fairlie, Nelson
Rodrigues e José Lins do Rego.
Nesta perspectiva, Helal (1997, p.5) aponta o futebol “como uma forma cultural
que promove a integração do país, fazendo com que a sociedade encontre um sentido de
totalidade raramente encontrado em outras esferas da vida social”. Conforme este autor,
as narrativas da imprensa sobre a seleção brasileira a colocam como fator aglutinador do
que seria ser nação, porém trata-se de uma crença, pois afinal são apenas onze jogadores
em campo. Gastaldo (2001) também compartilha do sentido de que futebol no Brasil,
1 Trabalho apresentado no GP Comunicação e Esporte, XVIII Encontro dos Grupos de Pesquisas em Comunicação,
evento componente do 41º Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação. 2 Doutorando pelo Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Federal Fluminense.
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representado pela seleção brasileira, desempenha papel significativo para constituição
de uma identidade nacional à medida que a seleção permite crer em um ideal de unidade
por meio da seleção brasileira.
Um dos trabalhos recentes que tangencia a temática apresentada é a tese de
Brinatti (2015), intitulada “Maracanazo e Mineiratzen: Imprensa e Representação da
Seleção Brasileira nas Copas do Mundo de 1950 e 2014”. A pesquisa revela que a
seleção de 1950 foi representada como símbolo nacional pela imprensa, enquanto a
equipe de 2014, devido a derrota para Alemanha, contribuiu para a desconstrução dessa
crença a partir de narrativas dos jornais Folha de S. Paulo e O Globo. Todavia, o autor
ressalta que seria o início de uma possível ruptura da equação futebol/nação, sendo que
ainda é muito cedo apontar para este horizonte.
Percebe-se, portanto, um encaminhamento recorrente nas pesquisas de
comunicação em identificar os enquadramentos da cobertura noticiosa para verificar a
vinculação entre futebol e nacionalismo brasileiro, o que tem inclusive gerado
polêmicas como a retratada por Helal e Gordon Jr (2001), na qual os autores defendem a
legitimidade da obra “O negro no futebol brasileiro” do jornalista Mário Filho como
aparato histórico para conhecer questões raciais na história do futebol brasileiro,
requisito importante para compreender a integração nacional. Desse modo, os autores
discordam da tese de Soares (1998) que considera a obra de Mário Filho como romance
e responsável pela criação de um discurso de identidade nacional.
Diante este cenário de pesquisas crescentes envolvendo Comunicação e Esporte,
Helal (2012) afirma que houve uma consolidação das pesquisas com o futebol,
destacando o fato do XXXV Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação –
Intercom 2012, ter proporcionado como debate principal o tema “Esportes na Idade
Mídia – diversão, informação e educação”. Para o autor, também o grupo de pesquisa
“Comunicação e Esporte” da Intercom tornou-se um lugar profícuo na quais mais
estudos sobre múltiplos ângulos de análise estão se desenvolvendo.
A partir deste quadro de pesquisa da área, este artigo questiona se as narrativas
além de revelar a ideia de futebol como representante de nação – não estariam também
projetando o esporte como uma espécie de Soft Power na geopolítica das nações. Para
efetivar essa questão, analisa-se 14 editoriais do jornal Folha de S. Paulo publicados
nos meses de maio, junho e julho de 2014, período que compreende momentos pré,
durante e pós Copa do Mundo de Futebol. O jornal foi escolhido porque entre os
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impressos mais antigos do país é o que possui maior circulação no Brasil, segundo
dados da Agência Nacional de Jornais (ANJ).
O caminho metodológico está ancorado no protocolo de Análise do Discurso em
Jornalismo apresentado por Benetti (2008). Segundo a autora, a análise dos textos em
jornalismo pode ser feitas a partir do „estudo de sentidos‟ e „estudo das vozes‟. Como o
gênero jornalístico escolhido foi o “Editorial”, aplica-se aqui apenas a lógica do estudo
de sentidos, uma vez que se crê que o editorial representa apenas uma voz: a do veículo.
Dessa maneira, o objetivo do artigo é identificar nos editoriais as marcas, estereótipos e
ideologias que sinalizam para „formação discursiva‟ do futebol brasileiro como
ferramenta de Soft Power do Brasil.
O futebol como soft power nas pesquisas em comunicação
O conceito de Soft Power foi cunhado pelo cientista político norte americano,
Joseph Nye (2004). Em português, a expressão pode ser compreendida como “poder
suave” ou “poder brando”, tratando-se dentro da Teoria das Relações Internacionais
como um modo de influenciar outra nação via aportes culturais ou ideológicos. Segundo
Nye (2004), o Soft Power contrasta ao Hard Power (poder duro, coercitivo), pois busca
impor sua vontade por intermédio não de meios físicos, armamento ou poderio
econômico, mas por meio da persuasão.
No campo da Comunicação, não há pesquisas sobre o futebol brasileiro como
Soft Power no banco de Teses de Dissertações da Capes. Outrora, o assunto surge como
objeto de pesquisa nas Relações Internacionais, mas não com base nas construções
midiáticas e sim em ações governamentais. Nesse sentido temos uma oportunidade de
explorar o assunto na Comunicação por uma perspectiva diferente, o que certamente
amplia o olhar sobre o futebol apenas como símbolo nacional.
Mesmo em outros campos, o futebol como Soft Power é um objeto escasso.
Foram encontrados no banco de dados da Capes apenas duas dissertações sobre o tema:
A primeira “FIFA e Governança Global: atuação a partir da análise do Soft Power
(1990-2015)” defendida por Juliano Oliveira Pizarro em 2015 no Programa de Ciência
Política da Universidade Federal de Pelotas, parte do principio de que a Fifa é uma
organização de oligopólio internacional, que sob a perspectiva do Soft Power produz
discursos e atos estratégicos para alinhar-se a discursos democráticos. A segunda
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pesquisa, “Esporte e Relações Internacionais: a diplomacia futebolística como
ferramenta de Soft Power – o caso do Brasil”, de autoria de Márcio Roberto Coelho dos
Reis do Programa de Relações Internacionais da Universidade do Estado do Rio de
Janeiro. O trabalho afirma que o Governo Lula, principalmente a partir dos preparativos
para Copa 2014, buscou utilizar o futebol como instrumento de poder, projetando
valores e imagens positivas na comunidade internacional.
Aprofundamento sobre o conceito de Soft Power, ele começou a ser utilizado no
final da década de 1980 pelo cientista político norte americano Joseph Nye. A obra que
melhor desenvolve o conceito é “Soft Power: The Means to Sucesses in World Polítics”,
com versão apenas em inglês. Antes de chegar a ideia de Nye, é importante
compreender que a definição básica de „poder‟ que consta em dicionário. Segundo o
Aurélio (2002), poder significa, “força física, vigor do corpo ou da alma, império,
soberania, mando, autoridade e força ou influencia”.
Desse modo, Nye (2004), desenvolve a noção de poder, no âmbito das relações
internacionais, de duas formas: Hard Power e Soft Power. O primeiro está relacionado a
indução, coação, uso da força, ameaça, barganha e o segundo associa-se a ideia de
influência sutil, atraindo o outro (país) a realizar de modo pacífico o que se deseja. Nas
palavras do autor: “Soft power uses a different type of currency (not force, not money)
to engender cooperativo an attraction to shared values and the justness and duty of
contributing to the achievement of those values”3 (NYE, 2004, p. 7).
Pizarro (2015) ao analisar o pensamento de Joseph Nye acerca do Soft Power,
identifica que a cultura, os valores políticos e a política externa são utilizadas como
forma de poder brando nas relações entre os países, e aponta o esporte como fonte de
Soft Power. Pizarro sustenta que o esporte auxilia na troca cultural entre as nações,
sendo os megaeventos Copa do Mundo FIFA e Olimpíadas lugares de exercício de
poder, devido a visibilidade para bilhões de pessoas ao redor do mundo.
Nota-se que um dos meios que organismos internacionais se utilizam
para atuar através do soft power é o esporte. Utilizado pelos grandes
órgãos de governança desportiva, o esporte é um importante elemento
cultural, social e simbólico, o qual está presente no dia-a-dia das
sociedades, tanto a nível amador como a nível profissional,
reproduzindo a lógica da governança global (PIZARRO, p.92, 2015).
3 Soft power usa um tipo diferente de moeda (nem força, nem dinheiro) para engendrar cooperação: uma
atração a valores em comum e à justiça e dever de contribuir para alcançar esses valores (NYE, 2004, p.
7, tradução do autor)
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Para exemplificar o conceito de Soft Power na atualidade, Guimarães e
Amazarray (2011) ressaltam que além dos governos, empresas multinacionais e
celebridades também são ferramentas de poder. “Exemplos disso seriam a Microsoft
para os EUA, a Adidas para a Alemanha e o Ronaldinho Gaúcho para o Brasil”
(GUIMARÃES E AMAZARRAY, p. 148, 2011). Estes autores lembram que os efeitos
do Poder Suave são de longo prazo devido se tratar de influência e não ordem, desse
modo o Soft Power pode demorar anos até provocar atração na geopolítica das nações.
Este dado é pertinente porque o projeto aqui apresentado vai investigar a construção
midiática do futebol brasileiro como Soft Power ao longo da história devido justamente
aos efeitos demorados dessa estratégia de poder. Uma questão interessante a destacar é
que em obra traduzida para o Brasil, Nye (2012) cita o carnaval e ao futebol brasileiro
como dois elementos basilares de Soft Power do país.
O potencial da função do futebol como meio de soft power se faz
presente no fato de que ele é um esporte mundial assistido por bilhões
e praticado por centenas de milhões. As seleções nacionais são vistas
como representantes quase oficiais do país, portanto, cada vez que um
jogo é realizado, tem-se a impressão de que é o país todo em campo
(GUIMARÃES E AMAZARRAY, p. 158, 2011).
Biazzi e Franceschini Neto (2007) relatam um exemplo do futebol brasileiro
atuando como Soft Power. Segundo os autores, uma missão de paz das Organizações
das Nações Unidas, liderada pelo Brasil em 2004 teve êxito graças ao futebol. Ao invés
do Brasil intensificar a intervenção militar com uso de armas e equipamentos de guerra
– hard news, preferiu realizar um “Jogo da Paz” contra a seleção haitiana, tendo em
vista uma boa recepção do futebol na região. O jogo contribuiu para facilitar a
estabilização do Haiti tendo em vista que a população local se uniu em torno do esporte.
De forma intencional ou não, os jogadores brasileiros que atuam no
exterior e o sucesso da seleção nacional criam e divulgam uma forte
imagem do que é o Brasil. Esta identificação chega a ponto de muitos
jovens no mundo inteiro gostarem mais da seleção brasileira do que de
suas próprias seleções nacionais, e passem com isso a admirar o país,
se interessar por sua cultura e idioma. Apesar dos efeitos difusos e
complexos destas interações internacionais a metáfora de que o
futebol brasileiro é a nossa Hollywood não nos parece exagerada. Esta
espécie de soft-power, vende camisas e produtos com a marca
"Brazil", mas pode ter também reflexos políticos para a imagem
externa do país (Biazzi e Franceschini Neto. 2007).
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Características da Copa do Mundo de 2014 no Brasil
Os interesses conjuntos da FIFA e do governo brasileiro foram os responsáveis
para a escolha do Brasil para sediar a Copa de 2014, aponta Damo e Oliven (2013).
Segundo os autores, a FIFA buscava globalizar o mercado futebolístico, assim a Copa
deveria acontecer no continente americano para completar o rodízio de continentes, e ao
Brasil seria dada a oportunidade de projetar uma imagem positiva ao restante do mundo.
Dada a conjunção de fatores e sem que houvesse propriamente uma disputa, o
Brasil acabou sendo o país escolhido, em boa medida por falta de outras
opções. Isso veio à tona com certa antecedência, de forma que não houve
expectativa em relação ao anúncio oficial, que ocorreu em Zurique, em fins
de outubro de 2007. Nem por isso as autoridades brasileiras deixaram de
viajar à Suíça para acompanhar o anúncio. A delegação incluía dirigentes de
futebol, ex-jogadores, uma dezena de governadores, o então presidente Lula e
até o escritor Paulo Coelho. Os grandes jornais impressos deram destaque de
capa ao evento e diversas emissoras de televisão abriram espaço na
programação ordinária para transmitir o cerimonial em tempo real, mas não
havia multidão aguardando o anúncio, nem houve sobressalto com a decisão,
muito menos emoção (DAMO E OLIVEN, 2013, p. 24).
Porém, para que o anúncio fosse feito, o Brasil se comprometeu a atender várias
exigências da FIFA, descritas no manual “Football stadiums technical
recommendations and requirements”. O documento serve de guia para anfitriões de
Copas desde a realizada em 2006, na Alemanha. Segundo o manual, estudos de
viabilidade deveriam ser feitos nos estádios, com avaliação do nível de conforto e
capacidade de público, na qual a recomendação mínima é 30 mil assentos para jogos
internacionais e 60 mil para final da Copa do Mundo. Nas proximidades do estádio
devem constar hotéis, aeroportos, centros comerciais e acessibilidade por transportes de
massa. Além disso, é necessário que o estádio possa ter estacionamento ao redor para
carros e ônibus.
Quanto à segurança, o documento previa câmeras de vigilância interna e externa,
portões e corredores sinalizados e livres de obstáculos, sistema contra invasões, de
modo que a proteção do torcedor fosse prioridade. O conforto do público na
arquibancada também é um item com recomendações. Para a FIFA, os assentos devem
ter espaços para permitir a circulação de torcedores, além de boa visibilidade do campo.
Os pontos comerciais no estádio também deveriam estar projetados de modo a evitar
filas e obstrução de espaços no estádio. Todas as normativas também contêm regras
específicas para pessoas com deficiência.
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Os espaços de mídia também estão entre os pontos principais das exigências da
FIFA. O estádio deveria proporcionar ponto central para as cabines de imprensa, todas
com tecnologia digital de última geração. Além das cabines, deveriam haver locais para
coletivas de imprensas, com espaços próprios para transmissão televisiva e um
tratamento específico para os fotógrafos devido aos equipamentos sofisticados e
necessidade de boa visibilidade dos jogos.
Além destes quesitos, o manual versa também sobre energia, iluminação,
sustentabilidade, hospitalidade, área de jogo, vestiários, gramado e outros aspectos. As
condições estruturais e argumentos para sediar a Copa no Brasil foram entregues à
FIFA. “Num calhamaço de novecentas páginas, estavam depositadas as explicações e as
esperanças brasileiras para sediar a segunda Copa do Mundo de nossa história”
(HELAL, CABO E SILVA, 2011, p. 205).
Quanto a conjuntura do Brasil nos anos de 2013 e 2014, registra-se que o
período corresponde à segunda metade do final do primeiro mandato da presidente da
República do Brasil, Dilma Rousseff. Segundo dados do Instituto de Pesquisa
Econômica Aplicada (IPEA), a conjuntura econômica de 2013 teve crescimento do
Produto Interno Bruto (PIB) em relação aos últimos trimestres do ano anterior, todavia,
a taxa de desemprego manteve-se em queda contínua, a inflação permaneceu acima da
meta oficial e houve desaceleração do consumo de forma sútil em relação a ciclos
anteriores. A economia começava a apresentar momentos de recuperação, mas precisava
impulsionar o frágil ritmo de crescimento econômico, preservar a robustez do mercado
de trabalho e o governo precisava manter o equilíbrio fiscal. No balanço final do ano, a
atividade econômica foi caracterizada como inconstante, tendo inclusive os protestos
influenciado esses dados.
Diante deste cenário político/econômico várias manifestações da sociedade em
geral aconteceram no país, principalmente no mês de junho de 2013, durante a Copa das
Confederações, considerada pela FIFA, um pré-teste da Copa do Mundo. Os protestos
foram nomeados posteriormente de “Manifestação dos 20 centavos” e “Jornadas de
Junho”. O aumento de R$ 0,20 centavos nas tarifas de transportes públicos foi o
primeiro foco de protesto no país liderado pelo Movimento Passe Livre, em São Paulo.
A visibilidade que o movimento ganhou fez surgir no país dezenas de mobilizações
desde educação, saúde, até transparência com os gastos da Copa do Mundo no Brasil,
com palavras de ordem nas ruas e na internet: #nãovaitercopa.
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Mesmo sem superar todas as divergências, a Copa do Mundo de 2014 iniciou dia
12 de junho com uma cerimônia de abertura no estádio do Itaquerão, Arena do
Corinthians, na zona leste de São Paulo. A festividade teve a participação de mais de
600 pessoas, que, por meio da arte, buscaram homenagear as riquezas naturais, a cultura
e o futebol brasileiro. Com a participação de cantores nacionais e internacionais, o
momento buscou mostrar o ritmo da “brasilidade” e cativar o público das arquibancadas
e, principalmente, aos que assistiam pela televisão. Segundo a Agência Brasil, o evento
quis mostrar também a paixão do brasileiro pela música e dança com a entrada de
baianas, capoeiristas, gaúchos, dançarinos de frevo e forró. Teve destaque na abertura,
um chute simbólico feito por um jovem paraplégico para apresentar ao mundo avanços
em pesquisas com o uso de exoesqueleto.
Ao lado do presidente da FIFA, Joseph Blatter, e do secretário-geral da ONU,
Ban Ki-moon, a presidente Dilma Rousseff, mesmo sem discursar, foi hostilizada
durante a cerimônia com vaias e xingamentos da torcida. A abertura, que durou cerca de
meia hora, custou cerca de 18 milhões de reais, segundo o Comitê Organizador Local.
Após as apresentações iniciou o primeiro jogo da Copa: Brasil e Croácia, com vitória
brasileira de 3 x 1.
As partidas do Mundial aconteceram em 12 estádios e foi disputado por 32
países. Segundo o balanço4 da Copa feito pelo Governo, houve mais de 11 milhões de
pedidos de ingressos e um público total de 3,43 milhões. As Fan Fests, pontos para que
os torcedores que não conseguiram ingressos pudessem assistir aos jogos por telões,
reuniram mais de 5,15 milhões de pessoas. No gramado, a média de gol por partida foi
2,67 e o número total de gols foi 171, maior número da história das Copas junto com a
Copa da França, em 1998.
O evento atraiu mais de um milhão de turistas de 202 países e três milhões de
turistas brasileiros em deslocamento para as cidades sede. A cobertura midiática
englobou cerca de 20 mil profissionais de comunicação. Nas redes sociais, esta edição
da Copa bateu recordes com mais de três bilhões de interações no Facebook e Twitter.
Os centros de mídia abertos nos estádios abrigaram mais de 10 mil jornalistas de 83
países. A fonte oficial de informações do Governo Federal para a imprensa nacional e
4 Documento disponível em: http://www.copa2014.gov.br/pt-br/brasilecopa/sobreacopa/balancos
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internacional foi o Portal da Copa5. Segundo o portal, o balanço final do evento,
publicado em dezembro de 2014, mostra que as expectativas foram alcançadas:
O sucesso na operação da Copa 2014, esperado pelas três esferas de
Governo, foi sentido já nas primeiras semanas do evento. A “Copa
das Copas” deixou o mundo encantado com o carisma do Brasil e dos
brasileiros e o fez reconhecer a nossa capacidade em organizar um
grande evento. O Modelo de Governança estabelecido e os Planos
Operacionais elaborados foram capazes de suprir as demandas durante
todo o período do evento. O Governo Federal estruturou um modelo
de acompanhamento da operação em cada cidade-sede para apoiar os
governos locais em suas necessidades, bem como a avaliação de riscos
e ocorrências diárias (Balanço Final para as Ações da Copa do Mundo
da FIFA Brasil 2014).
Segundo os dados do Governo Federal, a reforma de estádios, obras de
infraestrutura em aeroportos, sistemas de transportes e urbanização tiveram
investimentos de 25 bilhões de reais.
O encerramento do mundial ocorreu no dia 13 de julho no estádio do Maracanã.
A Alemanha foi a campeã, Argentina vice-campeã, Holanda em terceiro lugar e Brasil
em quarto. O fato mais comentado do mundial e explorado pela mídia foi a derrota do
Brasil para a Alemanha pelo placar de 7 x 1.
Pistas sobre o futebol como Soft Power na cobertura da Folha de S. Paulo
A questão central do artigo é encontrar pistas sobre o futebol brasileiro como
soft power. Escolhemos o jornal Folha de S. Paulo para análise, por ele, configurar no
ano de 2014 como o impresso de maior circulação paga no Brasil, segundo dados da
Agência Nacional de Jornais (ANJ). Além deste motivo, outro também relevante, é o
fato do veículo estar acoplado à rotina produtiva da respectiva agência de notícia
nacional, Folhapress, isto significa, que o material do impresso repercutia para outros
jornais do território nacional. Após a escolha do meio, decidimos pelo recorte temporal
de três meses, maio, junho e julho de 2014.
Sabe-se que a Copa no Brasil ocorreu entre os dias 12 de junho e 13 de julho de
2014, assim a opção por três meses é uma forma de capturar informações pré e pós-
evento que podem ajudar a compreender melhor o objeto. Em seguida, decidimos por
analisar os editoriais da Folha de S. Paulo, por entender, que neste espaço opinativo
seria mais visível o posicionamento do jornal a respeito da seleção brasileira. Como
5 O site está disponível no endereço copa2014.gov.br
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seria denso fazer a leitura de cerca de 90 editoriais para identificar a presença da seleção
brasileira e aí aprofundar-se na análise, optamos por verificar as chamadas de editoriais
que vinham na capa do veículo, por entender este espaço como privilegiado do jornal.
Desse modo, encontramos 17 chamadas para editoriais na Folha de São Paulo focados
no Copa 2014. Destes, excluímos ainda três por tratarem apenas da Copa sem menção a
seleção brasileira.
Esta construção do corpus de análise segue as orientações de Orlandi (1999) que
diz que o corpus é uma construção do próprio analista para permitir chegar a
compreensão do objeto. Porém, é preciso com base nesse material, sugerir perguntas (s)
para guiar a análise. Neste trabalho, portanto, queremos saber se nos editoriais da Folha
de S. Paulo é possível perceber a presença do futebol brasileiro como importante Soft
Power, para isso vamos utilizar análise discursiva dos editoriais tentando identificar os
sentidos com base em expressões, palavras, frases e outros termos que possam
direcionar ou não para a seguinte formação discursiva: “O futebol Brasileiro como
ferramenta de Soft Power”.
Tabela 1 – Editoriais que tiveram chamadas de capa na Folha entre maio e julho de 2014
Data Título Editorial +
posição
08.05.14 Editorial: Os 23 de Felipão E1
14.05.14 Entre Copa e Carnaval E2
15.05.14 Protestos legais E3
18.05.14 Bate-bola presidencial E4
12.06.14 Vai ter Copa E5
14.06.14 "Sem triunfalismo" E6
21.06.14 Torneio de Surpresas E7
24.06.14 "Grandes esperanças" E8
04.07.14 Humor da Copa E9
08.07.14 "Sem ele, por ele" E10
09.07.14 Pátria sem chuteiras E11
13.07.14 Hora de virar o jogo E12
16.07.14 "Copa do Mundo" E13
23.07.14 A seleção gira em falso E14
Fonte: O autor (2018)
Os editoriais E2, E6, E7, E11, E13, da Folha de S. Paulo apontam a Copa do
Mundo 2014 como importante lugar de visibilidade para o Brasil. Pode-se inferir, que o
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fato do megaevento ser realizado no Brasil foi considerado mais significativo do que a
atuação da seleção brasileira. Porém, o jornal, embora reconheça que a Copa no Brasil
era lugar de projeção internacional, considerou que a oportunidade brasileira não foi
aproveitada.
Perde-se a oportunidade de o país do futebol mostrar-se confiável,
comprometido com a melhoria da infraestrutura e zeloso com os
recursos públicos. Prevalece a outra face do estereótipo nacional: a
descompromissada imagem de país do Carnaval (Entre a Copa e o
Carnaval. p. A2. 08 de maio de 2014. Folha de S. Paulo).
Nesses editoriais ficou perceptível a preocupação do veículo em dizer que o
olhar estrangeiro estava sobre o megaevento e que o „turista‟ poderia se afastar de
estereótipos „solares, complacentes e pitorescos‟, diante a desorganização do Mundial
ocasionada principalmente por obras de mobilidade não entregues no prazo. Depois da
derrota do Brasil para Alemanha por 7x1, o veículo destacou pontos positivos do
evento, segundo entrevistas de turistas dada ao DataFolha. De acordo com o instituto, o
torcedor estrangeiro sentiu-se acolhido no Brasil e pôde desfrutar dos jogos com
tranquilidade. Provavelmente, o momento em que podemos perceber um
reconhecimento da seleção brasileira como importante soft power ocorreu no dia 09 de
setembro de 2014 após a derrota do Brasil para Alemanha.
A paixão futebolística sobreviverá, é claro, ao pesadelo de ontem. Mas
o massacre, no que teve de brutal e inesquecível, não maculou
apenas a mística da camisa verde-amarela; talvez venha a significar
também o encerramento de uma época em que o país e estádio, povo e
torcida, governantes e técnicos, nação e seleção tendem a ser vistos
como a mesma coisa. (...) Talvez possa dizer, a partir de agora, que o
Brasil é maior que o seu futebol – e que tem desafios mais
importantes, e maiores a vencer (Pátria sem chuteiras. p.A2. 09 de
setembro de 2014. Folha de S. Paulo).
O tom crítico do editorial revela que o futebol brasileiro possui aspecto místico,
certamente pelo histórico de participação da seleção em todas Copas e o fato de ser
pentacampeã, além da formação de bons jogadores. Nesse sentido, o editorial confirma
que há uma equação entre nação e seleção, e que isso representava o Brasil. Todavia
este reconhecimento do poder que o futebol brasileiro representa ao Brasil ocorre
justamente para dizer que isto pode está chegando ao fim e que o país precisa superar
esse emblema de querer ser o melhor no futebol.
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A ideia do futebol como símbolo do país, como representante da identidade
nacional, foi um dado repetido nos editoriais E1,E2, E4, E5, E8, E9, E11, E12 e E14. A
expressão „país do futebol‟ repercutiu bastante nos textos. A obra “O Negro no Futebol
Brasileiro” do jornalista Mário Filho é citada em um dos editoriais para reforçar o fardo
„histórico, esportivo e social‟ que é colocado na seleção brasileira. O histórico esportivo
como “maior detentor de títulos em Mundiais e formador de jogadores talentosos” é
utilizado para ressaltar a força do esporte para o país (Bate-bola presidencial. A2. 18 de
maio de 2014. Folha de S. Paulo).
Em outros momentos, o editorial do veículo expõe de forma explicita a relação
futebol e identidade nacional:
O futebol, formador da identidade nacional, tem sido há um ano o
ponto de fuga das demandas populares. Faz sentido, assim, que alguns
se disponham a protestar mesmo durante a Copa. Os atos, desde que
pacíficos, darão o testemunho do quanto o país amadureceu nestas
décadas de democracia (Vai ter Copa. p. A2. 12.06.2014. Folha de S.
Paulo).
Baseado neste aspecto, a Folha sugere que embora a organização da Copa no
Brasil tenha ocorrido de forma incompleta e irregular em vários pontos, a possível
vitória da seleção brasileira ajudaria a projetar uma imagem positiva do país tanto
nacionalmente quanto em âmbito internacional. Essa ideia foi reforçada várias vezes
quando o veículo utilizou o termo “salvação” para cada vitória da seleção e diante as
afirmativas sobre a „responsabilidade‟ dos jogadores a cada jogo perante os milhares de
brasileiros. O discurso da seleção como redentora da pátria, favorita e ufanista parou na
derrota para a Alemanha. De fato, o fiasco de 7x1 tornou-se um divisor de sentidos. Até
antes da partida, mesmo com a saída de Neymar, a expectativa da vitória brasileira e
orgulho nacional se mantinha.
Com o fracasso, o jornal saiu com um editorial incisivo sobre o futuro do futebol
brasileiro. Com o título “Pátria sem chuteiras” a Folha a trocava a preposição „de‟ por
„sem‟ indicando o fim de uma das expressões mais utilizadas pela mídia e torcedores e
que possuía uma história desde a primeira vez que foi utilizada pelo escritor Nelson
Rodrigues. Ressalta-se que, o selo “Pátria de chuteiras” foi utilizado como peça
publicitária na Copa de 2014, logo o editorial descontruía essa campanha desde o título
bem como a expectativa de mobilização nacional por meio da seleção. Mais que o título,
o jornal aprofundou-se em várias questões:
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O vexame histórico, ainda que não numa final de campeonato, vem
eclipsar o famigerado “maracanazo” de 1950. Naquela ocasião, com
apenas um gol – o de desempate - o time do Uruguai destruiu os sonhos
brasileiros. (...)
A frustração - mas o termo é leve demais para descrever o que
aconteceu – talvez possa, com o tempo, enquadrar-se num contexto
diverso daquele que marcou, até hoje, as relações do brasileiro com seu
esporte mais popular. (....)
A ideia de uma „pátria em chuteiras”, na célebre formulação de Nelson
Rodrigues, terá provavelmente sofrido um subterrâneo desgaste ao
longo dos anos. Um país mais diversificado, plural e rico foi deixando
de ver, nos campos de futebol, sua única fonte de compensação diante
de muitos insucessos de seu projeto econômico e social. (...)
Injustiçado, talvez, tenha se provado o hábito de depositarmos tanto de
nossa identidade nacional num único esporte, num único campo, num
único jogo –que sempre é o de hoje (Pátria sem chuteiras. (Pátria sem
chuteiras. p.A2. 09 de setembro de 2014. Folha de S. Paulo).
Os termos „vexame histórico‟, „frustração‟, „desgaste‟ e „foi deixando de ver,
nos campos de futebol‟ legitimam o peso dado pelo editorial para a derrota brasileira e
principalmente para a importância que o futebol possui para o país. Na tentativa de
amenizar a derrota, o jornal indica que o „trauma‟ é ocasionado justamente por se ter
depositado muita confiança e expectativa no futebol. Neste ponto, o jornal começa a
descontruir a ideia do futebol como aglutinador da nação, uma percepção bastante
divulgada até então pela imprensa em geral (Helal, 1997).
Considerações
A análise dos editoriais da Folha de S. Paulo apontam que não há uma discussão
recorrente e explicita sobre o futebol brasileiro como importante Soft Power neste
jornal. O debate, portanto, ao menos com base na cobertura deste veículo considerou
apenas o fato do Brasil, sede do evento, como palco para atrair a atenção mundial.
Todavia, este dado não chega a configurar Soft Power, pois para isso, precisaria se
repetir ao longo da história.
Todavia não se discute o potencial do futebol como instrumento de soft power,
principalmente durante a Copa do Mundo, período em que o evento é transmitido e
visto por milhares de pessoas (Guimarães e Amazarray, 2001). Houve uma troca
cultural entre as nações, mediados pelo megaevento, porém a seleção brasileira não
conseguiu, por meio da sua atuação, potencializar uma imagem positiva do país.
Caminhando ao lado dessa constatação, a análise encontrou vários discursos que
corroboram para a construção da identidade brasileira a partir do futebol. O termo „país
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do futebol‟, por exemplo, figurou em vários editoriais e a expectativa da vitória da
seleção brasileira em casa também permeou várias frases.
Importante ressaltar, que o artigo trata-se de uma análise inicial na tentativa de
buscar aspectos que podem configurar o futebol brasileiro como ferramenta de Soft
Power. Nesse sentido, pôde-se perceber que ao menos em 2014 a discussão não é forte
como se imagina que pudesse ser devido o campeonato mundial ter ocorrido no Brasil.
Pelo contrário, o fato da Copa ser realizada no país ofuscou a cobertura esportiva da
seleção brasileira. Como se não bastasse, a derrota histórica trouxe um novo arranjo
midiático para o que se entendia como „Pátria de Chuteiras‟.
Aposta-se, portanto, que é necessário perscrutar outros tempos históricos do
futebol brasileiro e ir em busca de jornais internacionais para verificar se o futebol
brasileiro “como melhor do mundo” ou como “representante da nação brasileira” é
promovido como ferramenta de Soft Power do Brasil e se outros os jornais nacionais
também contribuiriam para esta noção. Como a maioria dos editoriais fez memória a
outras seleções e outras conquistas, é possível, portanto, apostar que a ideia do futebol
brasileiro como Soft Power foi construída ao longo da história, chegando a um desgaste
no ano de 2014.
Outra questão pertinente diz respeito a possibilidade de modos diferentes de
narrar a seleção brasileira e a brasilidade nos jornais nacionais e estrangeiros, pois em
veículos internacionais a seleção brasileira pode aparecer com características de
instrumento de Soft Power, divergente das veiculadas pela mídia nacional.
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