Newsletter Junho 2015

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Newsletter mensal da organização não governamental moçambicana Justiça Ambiental

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Conselho EditorialAnabela Lemos, Daniel Ribeiro, Janice Lemos, Ruben Manna e Vanessa Cabanelas

Boletim informativo com a autorização Nr. 17/GABINFO-DEC/2007

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Em todos os campos de governação, as escolhas que têm sido feitas em nosso nome, e em nome de um “desenvolvimento” que franca e visivelmente não nos serve, têm claramente saído todas das propostas e ofertas empilhadas na secretária do nosso executivo. É notória a sua falta de iniciativa em procurar soluções melhores, diferentes e em priorizar o óptimo em detrimento do rentável.Mas nós também temos a nossa cota de responsabilidade, porque somos nós que permitimos que este modelo de (des)governação se perpetue. “Essa é a vontade do governo, por isso teremos que aceitar” – ouvimos perplexos um funcionário do Estado dizer recentemente. Não amigo, não nos podemos dar ao luxo de aceitar sem questionar tudo o que nos é apresentado como solução para os nossos problemas. E essa premissa está ao contrário: é a nossa vontade que deve imperar, não a do Estado.Para mais, há assuntos que transcendem a vontade de seja quem for, e mais cedo ou mais tarde o Governo terá de perceber que a conservação ambiental não é uma opção, pois se não for priorizada de nada vai nos valer todo o desenvolvimento hipoteticamente alcançado, porque mesmo que algum dia nos livremos da pobreza, sem água em quantidade e de qualidade, sem terra para produzir alimento, sem ar limpo e sem recursos naturais, não vamos sobreviver de certeza. Somos nós quem depende do ambiente, não o contrário!

(Des)governação na Gestão e Conservação da Biodiversidade e do Meio Ambiente

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CAÇA FURTIVAPara não fugir à regra do que é a gestão dos recursos naturais em Moçambique – claramente desinteressada em conservar e salvaguardar o futuro e focada num extrativismo desenfreado a qualquer custo e a qualquer preço – a situação da caça furtiva está descontrolada. O exemplo mais grave e flagrante tem sido o sistemático abate de rinocerontes e elefantes, que pelos seus contornos e proporções já se percebeu há muito tratar-se de crime organizado. Se não agir em breve, o nosso governo poderá nem sequer ter oportunidade de o fazer, uma vez que estas espécies estão mesmo a um passo da extinção no nosso território. E este é apenas UM exemplo.No que aos recursos pesqueiros diz respeito, a pilhagem também é imensa. Espécies protegidas por lei, como as tartarugas e os dugongos, continuam a ser depredadas indiscriminadamente. Por sua vez, os tubarões continuam a ser dizimados para alimentar os fetiches e superstições ridículas dos asiáticos que os importam ilegalmente com a nossa ajuda. Há anos que são capturados e mortos simplesmente pelas suas barbatanas, e apesar das inúmeras denúncias, continua a não haver legislação que os proteja. Não é fácil obter simpatia para proteger animais como os tubarões, mas a verdade é que estes são predadores de topo e a sua escassez e/ou desaparecimento certamente que trará consequências sérias a todo o ecossistema.

FLORESTAS46% da superfície da Terra era coberta por floresta. Metade já desapareceu, e somente 20% da restante floresta permanece intacta.1 A taxa de desflorestação a nível global aumentou drasticamente e estima-se que cerca de 13 milhões de hectares de floresta são destruidos anualmente para dar lugar a outros usos.2 Em Moçambique, cerca de 220 mil hectares de floresta são destruídos por ano, o que corresponde a cerca de 603 hectares por dia, equivalente a 25 hectares por hora,

ou seja, a cada hora que passa perdemos o equivalente a 50 campos de futebol de floresta.3Os factores que contribuem para esta alarmante taxa de desflorestação são vários, mas entre os mais graves estão a exploração ilegal de madeira, a exploração para carvão e lenha, o desmatamento para agricultura e as queimadas.Ano após ano, apelamos ao nosso governo que tome medidas sérias para estancar este problema crescente. Denunciamos falhas, irregularidades e ilegalidades no sector, denunciamos fragilidades do sistema de fiscalização, fazemos recomendações e solicitamos informações. Mas de nada tem servido, a verdade é que a situação do sector florestal só tem vindo a piorar e pouco tem sido feito para resolver a questão.No início deste ano, ouvimos de viva voz um representante do governo reconhecer que, de facto, a situação é alarmante, e que a solução pode passar mesmo pela tal moratória à emissão de novas licenças de corte pela qual há anos andamos a pedir. Pode até ter sido só conversa, mas temos esperança que finalmente se possa dar a este assunto a atenção que precisa e merece.Mas se vamos fazer algo, porque não aproveitar para fazê-lo correctamente? Porque não suspendemos o corte comercial por um determinado período até que seja feito um inventário florestal sério e sejam implementadas as condições adequadas para fiscalizá-lo e controlá-lo? Será desta feita que o nosso governo tomará uma acção dura e concreta que reflita os inúmeros discursos dos seus representantes sobre a importância da conservação da biodiversidade? Terá o novo Ministério da Terra e do Desenvolvimento Rural a coragem e a ousadia necessária para fazer o que se impõe? Ou estará a pilhagem indiscriminada dos nossos recursos florestais longe de conhecer o seu fim? Apesar dos impactos sérios na biodiversidade, nas reservas de água doce e na vida da larga maioria dos moçambicanos (que dependem directamente dos recursos

1 http://www.worldrevolution.org/projects/globalissuesoverview/overview2/EnvironmentNew.htm2 http://www.unep.org/vitalforest/Report/VFG-02-Forest-losses-and-gains.pdf3 Inventário Nacional 2007

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naturais para sobreviver), a gestão deficiente das nossas florestas é apenas um dos vários problemas ambientais com que nos deparamos.

PLANTAÇÕES FLORESTAISAs plantações são uma das grandes apostas do governo, e conforme explicaremos mais adiante, estão fortemente aliadas a mecanismos como o REDD. Segundo os dados mais recentes, os DUATS atribuídos a plantações de espécies exóticas no país totalizam 756,058 hectares, dos quais 58,763 já estão plantados. Porque o sonho de muitos dos nossos (des)governantes é que Moçambique se transforme num dos maiores produtores e fornecedores de madeiras exóticas a nível da África Austral, seguindo os exemplos de “sucesso” de países como a África do Sul ou o Uruguai, uma teoria bastante propalada em Moçambique é que as plantações florestais reduzem a pressão exercida sobre as florestas nativas, na medida em que fornecem madeira. Ora, esta teoria é, no mínimo, ridícula.Primeiro, porque são as nossas madeiras preciosas que são objecto de elevada demanda e não o eucalipto ou o pinheiro;Segundo, porque existem várias espécies nativas com potencial comercial que não estão a ser usadas, e cujo devido aproveitamento poderia permitir-nos evitar recorrer a espécies exóticas e reduzir a procura por madeiras nobres;E terceiro e último, porque há todo um movimento a nível global que defende uma tese bem diferente da visão simplista e idílica que nos é apresentada pelos nossos representantes. Uma breve pesquisa na internet sobre o tópico, prontamente revela um mar de informação sobre os já tão conhecidos impactos ambientais das plantações florestais e sobre os inúmeros conflitos de terra que resultam da ocupação de enormes extensões de áreas férteis e produtivas (outrora floresta nativa ou usadas para a produção de alimentos).Moçambique não é excepção e no nosso país o modus operandi das empresas que promovem plantações florestais não é diferente. Solicitam enormes extensões de

terra, porque segundo elas para que uma plantação seja economicamente viável tem de ser grande... e o governo atribui o DUAT.

REDDO REDD (Redução de Emissões por Desmatamento e Desflorestação) é um mecanismo de mercantilização de carbono que funciona da seguinte forma: o governo delimita uma área de “preservação”, suprime o acesso e o uso dessa área, determina que uma taxa ridiculamente baixa – calculada mediante a quantidade de carbono supostamente capturado – seja paga a meia dúzia de indivíduos pela manutenção da área em questão, e em contrapartida ganha o direito de vender o carbono alegadamente capturado.Falsamente propagandeada como uma medida inovadora para a conservação de florestas nativas, se não pararmos para pensar devidamente nela, a ideia de que alguém nos pagará para conservarmos uma área florestal não parece nada má. No entanto, o objectivo dissimulado da iniciativa não é conservar coisa nenhuma, até porque em muitos casos, este mecanismo cujo foco é o carbono, chega mesmo a promover a remoção de florestas nativas para dar lugar a plantações de espécies exóticas. Na verdade, o que o REDD pretende é legitimar que se continue a poluir no resto do mundo a troco de míseros tostões. A factura social do REDD, quem a paga são as comunidades que ironicamente se vêm desapropriadas das florestas que usam sustentavelmente há milénios. A ambiental paga todo o planeta.Não há ainda entendimento de como irá funcionar o REDD em Moçambique, certo é que o Conselho de Ministros em Agosto de 2013 votou positivamente o Regulamento dos Procedimentos para a Aprovação de projectos REDD+ e que os tristes exemplos de conflitos gerados por projectos REDD em outros países africanos têm sido completamente ignorados.

USURPAÇÃO E CONFLITOS DE TERRAPor todo o país, inúmeras são hoje as comunidades rurais que se encontram em situações bastante complicadas e sem saber

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a quem recorrer. A ideia de um Moçambique imenso, repleto de terra desocupada, é uma ilusão. Com maior ou menor densidade populacional, há gente a viver em todos os recantos habitáveis do país. E com o agronegócio, as plantações florestais e a exploração de recursos minerais a estabelecerem-se a velocidade vertiginosa, as comunidades rurais vêem-se forçadas a competir com estes investimentos pelas mesmas terras férteis que outrora garantiam a sua subsistência. É uma luta desigual, fruto da invariável aliança do governo ao capital de investimento, e o guião é sempre o mesmo: consultas comunitárias mal conduzidas e documentadas, onde governo e investidores prometem mundos e fundos, para depois cumprirem muito pouco, darem o dito por não dito e entregarem as pessoas à sua sorte.

MINERAÇÃOMoçambique é, pelo menos desde o ano 2000, uma referência internacional no que diz respeito a oportunidades de investimento. Essa notoriedade, infelizmente, não é apenas resultado da descoberta de gigantescas reservas de diversos recursos minerais no país, é também produto de uma conjugação de lamentáveis fragilidades políticas, legais e sociais que nos tornam numa espécie de paraíso idílico para qualquer investidor. A corrupção, a falta de capacidade e de interesse do Estado na fiscalização e monitoria desses projectos e os descabidos benefícios fiscais cedidos a esses investidores, são apenas algumas dessas apelativas fragilidades.Propagandeada pelo governo e alguns dos seus parceiros internacionais, a ideia de que a exploração de recursos minerais é a porta para uma economia sadia, que nos trará prosperidade e será a nossa mais eficaz arma no combate à pobreza, não poderia estar mais longe da verdade. Pois à semelhança do que acontece em outras áreas, os ditos benefícios da exploração mineira no nosso país estão estritamente reservados a uma elite, enquanto a aqueles que são directamente afectados pelos projectos se reservam apenas as suas consequências.

Há seis anos que monitoramos projectos de mineração de carvão na Província de Tete, onde actuam (entre outras) a mineradora brasileira VALE e as indianas JINDAL STEEL e INTERNATIONAL COAL VENTURE LIMITED (detentora da mina de Benga, anteriormente concessionada à Rio Tinto e antes disso à Riversdale). Há seis anos que documentamos e denunciamos violações de direitos humanos; violência contra membros das comunidades locais; falta/inadequação de monitoramento ambiental e social; degradação do meio ambiente (contaminação de água, solo e poluição do ar); danos à saúde pública (incluindo a dos seus funcionários); destruição de meios de subsistência das comunidades; reassentamentos forçados; desflorestamento ilegal; usurpações de terra; destruição de ecossistemas; intimidação de grupos sindicais; incumprimento fiscal generalizado; obstrução à justiça; intimidação da imprensa independente, de organizações da sociedade civil e de activistas de direitos humanos; marginalização e consequente empobrecimento crónico das famílias directamente afectadas.As injustiças resultantes da industria extractiva, em particular a mineração do carvão em Tete, ocorrem quase que diariamente. É por estes e outros motivos que distúrbios ocorreram e continuam a ocorrer nas zonas onde há projectos de mineração, chegando a ser registadas em média 6 a 8 greves/manifestações por ano. O exemplo mais recente ocorreu dia 12 de Maio, quando centenas de membros das cerca de 500 famílias que desde meados de 2013 se veem forçadas a viver dentro da área de concessão da mina de carvão a céu aberto da JINDAL STEEL, paralisaram as actividades da empresa, protestando contra a violação dos seus direitos e contra o incumprimento das promessas feitas quando da chegada da mineradora à região. Tão ridículo quão inaceitável é o inabalável apoio do governo a estas empresas. Literalmente sempre que é chamado a intervir, o governo intercede a favor destas, chegando frequentemente a recorrer ao uso de violência das forças

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Fotografia: Peter Steudner

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policiais para garantir a satisfação dos seus intentos.Ou seja, sem sequer incluirmos compreensivamente os factores ambientais na equação, são flagrantes as falhas nos modelos de implementação, desenvolvimento e operacionalização destes projectos, e tendo em conta os seus resultados, é difícil acreditar que algum dia estes possam contribuir para um desenvolvimento socioeconómico sustentável e homogéneo do país.Um outro exemplo de atropelos à lei e de danificação do meio ambiente, é o caso da americana Anadarko, cujas reservas de gás natural descobertas na Bacia do Rovuma estão entre as maiores encontradas no mundo na última década. Ora, para não se queixarem de espectativas defraudadas, a Anadarko gerou desespero e insegurança nas comunidades locais logo à chegada, quando os abalos sísmicos causados pela prospecção da empresa colocaram em cheque a subsistência dessas comunidades. Para piorar as coisas, durante essa fase de prospecção causaram um derrame cuja seriedade, responsabilidades e demais informação não conseguimos obter apesar das várias tentativas e cartas endereçadas às devidas entidades (supostamente) reguladoras.Hoje, as comunidades temem a usurpação de suas terras, sendo que com o apoio do Governo (e por vias questionáveis) a empresa tem estado, a todo o custo, a tentar convencer as comunidades a desocuparem os locais que pretende ocupar. Para mais, uma avaliação jurídica independente realizada a pedido da Plataforma da Sociedade Civil sobre Recursos Naturais e Industria Extractiva por alguns dos mais conceituados juristas do nosso país, considerou recentemente que a empresa americana obteve o seu DUAT de forma ilegal, o que o torna passível de impugnação.Mas a máquina capitalista não pára.

POLUIÇÃOQuanto à poluição resultante da actividade industrial na Matola, em Tete e em outras regiões do pais, preocupa-nos o facto do Governo continuar a tratar o assunto com

muita leveza. Não se percebe porquê que questões de interesse público, como por exemplo os níveis de poluição atmosférica em zonas residenciais, são tratados com total sigilo, sem que informação alguma seja facultada. É imperioso disponibilizar informação clara, verdadeira e detalhada sobre os impactos da actividade industrial no ambiente e saúde publica. Não basta apenas informar que algumas empresas foram multadas. De acordo com os princípios da colaboração da Administração com os administradores, da participação dos administrados e da transparência, conforme estabelecidos na Lei do Direito à Informação, é importante e necessário que ao se identificarem as empresas incumpridoras, se expliquem as suas lacunas e medidas tomadas. Seria ainda igualmente importante que o governo obrigasse as empresas a disponibilizarem os seus planos de gestão ambiental e respectivas medidas de mitigação de impactos à sociedade civil e outros interessados, não só para garantir uma melhor monitoria das suas actividades, mas também para acabar com o “à vontade” que estas gozam e frequentemente dá azo à noção de que podem agir impunemente. Do mesmo modo, é ainda imperioso que sejam também divulgados e tornados públicos os mecanismos desenvolvidos e usados pelo Governo para monitorar os trabalhos das empresas a nível nacional. Por exemplo: que medidas de mitigação estão a ser tomadas para minimizar os impactos da mineração no ambiente e na saúde publica na província de Tete?

RIOSOs nossos rios continuam a ser vistos como meros recursos económicos. Depois de chumbada em 2012, sabemos que a navegação do Zambeze volta este ano à agenda do executivo. (Como é que é possível? Qual é a ideia? Tentar até forçar?) O que não sabemos é o quão poluídos eles estão fruto da mineração, do uso de agrotóxicos, etc.Por sua vez, apesar dos avisos dispensados e de toda uma conjuntura internacional apontar em sentido oposto, os planos de construir megabarragens multiplicam-se.

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Resumindo, nada muda.

Apelamos e ninguém ouve.Recomendamos e ninguém lê.Escrevemos cartas e ninguém responde.E a cada passo que damos, mais longe nos sentimos de um futuro melhor.Estamos a cavar a nossa própria sepultura – dizemos nós, os alarmistas, enquanto os motivos para alarme são cada vez mais óbvios.

Feliz Dia Mundial do Ambiente amigos! Felicíssimo...

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