NEYMAR VERSUS PELÉ: A CONSTRUÇÃO NARRATIVA … · known that there’s a new kind of people in...
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FACULDADES INTEGRADAS DO BRASIL
ROSIELLEN THAÍS LAURINDO
NEYMAR VERSUS PELÉ: A CONSTRUÇÃO NARRATIVA DO NOVO MITO NO
FUTEBOL PELA ÓTICA DA JORNADA DO HERÓI – UMA ANÁLISE DISCURSIVA DA REPORTAGEM ‘ENCONTRO REAL’
CURITIBA 2011
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FACULDADES INTEGRADAS DO BRASIL
ROSIELLEN THAÍS LAURINDO
NEYMAR VERSUS PELÉ: A CONSTRUÇÃO NARRATIVA DO NOVO MITO NO
FUTEBOL PELA ÓTICA DA JORNADA DO HERÓI, UMA ANÁLISE DISCURSIVA DA REPORTAGEM ‘ENCONTRO REAL’
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado como requisito para a obtenção do grau de bacharel em Jornalismo, Escola de Comunicação das Faculdades Integradas do Brasil – UniBrasil.
Orientadora: Profª. Maura Oliveira Martins
CURITIBA 2011
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AGRADECIMENTOS
Difícil esta coisa de descrever sentimento, ainda mais ao término deste
trabalho, e, num plano ainda maior, ao fim desta jornada, em que tantas coisas
deixei, a fim de conquistar um “bem maior”. Porém percebi que sou sim capaz de
colocar por extenso o que se é intangível, pois foi exatamente o que me moveu a
realizar esta monografia – a busca por algo que eu “senti” haver na reportagem
“Encontro Real”, e baseando-me em aparatos teórico-metodológicos, encorajei-me a
descobrir, e, por fim constatar que aquela minha sensação, transformada em
hipótese, estava correta. E por isto devo agradecer a todos os que, além de
conceitos, técnicas ou teorias, cederam-me o apoio e a orientação de que eu
precisava para seguir em frente, aguçando minha curiosidade, despertando minha
vontade e me auxiliando em diversos momentos, como manifestações eufóricas de
incertezas e entusiasmos.
Maura Oliveira Martins, obrigada! Obrigada por ter me chamado a esta
aventura, por esta caminhada de um ano, por ser uma “mentora” tão dedicada e
disposta a auxiliar em inúmeras provações, sobretudo em um semestre em que tive
tantas interferências – o que também se aplica a compreensão de todos os
professores que tive neste período. E independentemente de avaliações, sei que
ganhei conhecimento, e pretendo repassar a todos que de minha pesquisa precisar,
assim como tem feito em tua jornada como educadora.
Agradeço, claro, todos os professores que tive nestes oito períodos, incluindo
os que estavam lá, sentados em minha banca de qualificação apontando meus erros
e acertos. Os que acreditaram no meu sonho do jornalismo esportivo e na sua
contribuição para o campo da comunicação social. Aqui prefiro não citar nomes, pois
todos sem dúvida contribuíram com um pouco de si em minha trajetória profissional
e humana. Todo meu carinho também a todos os companheiros que tive ao meu
lado por quatro anos, todos heróis do cotidiano, em suas inúmeras jornadas de
trabalho, estudo, família etc. E como não poderia faltar: à minha família, mãe, avó,
irmãos e todos os outros que me despedi há quatro anos para poder ingressar nesta
jornada acadêmica, e eu sei que agora estou realizando o sonho deles.
Muito obrigada!
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RESUMO
Por meio desta monografia são analisadas as estratégias discursivas na narrativa de construção da imagem do jogador de futebol Neymar, utilizando o contraponto com o já consagrado Pelé, através da reportagem Encontro Real, publicada na revista Placar. O objetivo é verificar, por meio de recursos da análise de discurso, os novos arquétipos de construção do mito moderno no futebol pelo jornalismo esportivo, considerando, para tal, a clássica estrutura da Jornada do Herói, de Joseph Campbell. Entende-se que esteja vigorando um novo modelo de sujeito em sociedade, atendendo as novas demandas culturais, que sem dúvida a mídia acompanha.
PALAVRAS-CHAVE: Análise do discurso, espetacularização, jornalismo esportivo, Jornada do Herói, Indústria Cultural, mito, Neymar, olimpianos, Pelé, revista Placar.
ABSTRACT
This work intends to analyze the discursive strategies in narrative of the image construction of the soccer player Neymar, using the contrast with already famous Pelé, through the article Encontro Real, published in the Placar magazine. The objective of this work is to research, through the discourse analysis, the new archetypes of construction of the modern myth in the soccer for sports journalism, considering the classical structure of the Hero’s Journey by Joseph Campbell. It’s known that there’s a new kind of people in society, which is aware of the new cultural demands, which came with the media. KEYWORDS: Discourse Analysis, Society Spectacle, sports journalism, Hero’s Journey, Cultural Industrie, myth, Neymar, olimpianos, Pelé, Placar magazine.
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SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO ........................................................................................................ 6
2 A MIDIATIZAÇÃO DO FUTEBOL ........................................................................ 12
2.1 A mitificação do jogador de futebol ................................................................................. 15
3 INTERVENÇÃO MIDIÁTICA E A PAIXÃO NACIONAL: DE ESPORTE A ESPETÁCULO .......................................................................................................... 17
3.1 Jornalismo esportivo e entretenimento........................................................................... 18
3.2 Os conceitos de Sociedade do Espetáculo e da Indústria Cultural no esporte ... 20
3.3 Fanatismo e Comunidade Imaginada ............................................................................... 22
4 A CONSTRUÇÃO DO HERÓI NO DISCURSO JORNALÍSTICO .......................... 23
5 A JORNADA DO HERÓI ....................................................................................... 25
5.2 A Jornada do Herói na comunicação ............................................................................... 29
5.4 Construindo o herói .............................................................................................................. 34
6 A ANÁLISE DO DISCURSO DE LINHA FRANCESA COMO MÉTODO PARA QUE SE IDENTIFIQUE A JORNADA DO HERÓI .................................................... 35
6.2 Escola Francesa de Análise do Discurso ...................................................................... 36
6.3 Abordagem qualitativa do discurso ................................................................................. 37
6.4 As mudanças na Jornada do herói pela ótica da pesquisa exploratória ............... 39
7 ANÁLISE DA REPORTAGEM ‘ENCONTRO REAL’: REI VS. PRÍNCIPE ............ 41
7.1 Cara a cara: Breves movimentos da reportagem ‘Encontro Real’ ........................... 43
7.2 A Jornada do Herói como estrutura narrativa na construção dos personagens Pelé e Neymar: uma análise comparativa .............................................................................. 48
7.3 Herói moderno, a relação entre Neymar e o monomito: Partida, separação ........ 57
7.3.1 Descida, iniciação, penetração ................................................................................... 60
7.3.2 Caminho de volta ............................................................................................................ 64
8 Considerações finais: o mito como narrativa simbólica e de representação social ........................................................................................................................ 67
ANEXOS ................................................................................................................... 72
REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 85
6
1 INTRODUÇÃO
Mesmo nos romances populares, o protagonista é um herói ou uma heroína que descobriu ou realizou alguma coisa além do nível normal de realizações ou de experiência. O herói é alguém que deu a própria vida por algo maior que ele mesmo. (...) há dois tipos de proeza. Uma é a proeza física, em que o herói pratica um ato de coragem, durante a batalha, ou salva uma vida. O outro tipo é a proeza espiritual, na qual o herói aprende a lidar com o nível superior da vida espiritual humana e retorna com uma mensagem. (Campbell apud Moyers, 2009, p. 131)
A paixão massiva pelo futebol concedeu a certos atletas desse esporte um
status aproximado a uma espécie de semideuses, que – embora pessoas comuns,
no mesmo plano físico de seus discípulos – possuem, no imaginário popular,
características atribuídas aos heróis imortais. Esses jogadores defendem, nesse
imaginário, mais do que o patrimônio de um determinado clube de futebol, uma
nação (torcedores), defendendo paixões e anseios de milhares de pessoas que
consideram aquelas partidas como batalhas, árduas lutas entre nações adversárias
em uma guerra simbolizada pelos campeonatos disputados ao longo do ano. O
troféu levantado pelo campeão é o símbolo máximo da supremacia de um
determinado time. Mais do que vestir uma camisa, a torcida cobra que esses
jogadores tenham o mesmo amor que eles – os torcedores – têm pelo escudo que
carregam no peito; aliás, escudo esse fixado ao lado esquerdo da camisa, o que
ilustra, muitas vezes, frases como: “Meu coração é do time x”.
É sob esse cenário que se dá este estudo. A mídia foi uma das responsáveis
pela veloz popularização do futebol no Brasil, porém, claro, antes das investidas da
imprensa, o esporte já proliferava pelo mundo, angariando adeptos e outros tantos
descrentes no futebol como um esporte com potencial para atingir a grande massa.
É nesse sentido em que a mídia – de início receosa, mas depois com perspicácia –
tornou-se sua efetiva disseminadora.
No decorrer do presente estudo verifica-se de que forma se deu esse
processo por meio da espetacularização do futebol, ou seja, essa veloz e até
dramática – no sentido de que visou despertar emoções e sensações, surtindo um
resultado apaixonado – ocorre dentro de um cenário identificado por Debord (1997)
como Sociedade do Espetáculo, uma nova conjuntura social que se adequa aos
pilares da Indústria Cultural, estudada por Adorno e Horkheimer.
7
Desse modo, assim como no mundo das celebridades, seja nas telas do
cinema, ou em suas trajetórias de vida, a mídia apropriou-se do discurso usado para
construir as imagens desses astros e estrelas, por exemplo, pelos quais havia um
número incontável de fãs apaixonados, fiéis e efetivamente consumidores da
imagem vendida pela mídia, para moldar as figuras dos jogadores de futebol. Antes
disso, essas mesmas narrativas davam conta de narrar à trajetória de tantos outros
heróis da mitologia grega, da Bíblia etc.
Os mitos são metáforas da potencialidade espiritual do ser humano, e os mesmos poderes que animam nossa vida animam a vida do mundo. Mas há também mitos e deuses que têm a ver com sociedades específicas ou com as deidades tutelares da sociedade. Em outras palavras, há duas espécies totalmente diferentes de mitologia. Há a mitologia que relaciona você com sua própria natureza e com o mundo natural, de que você é parte. E há a mitologia estritamente sociológica, que liga você a uma sociedade em particular. Você não é apenas um homem natural, é membro de um grupo particular. (Campbell apud Moyers, 2009, p. 24)
Muitos estudos já demonstraram como se dá a estrutura da narrativa de
construção desses mitos, tornando-os figuras heroicas, que, embora de carne e
osso, o caso das celebridades, por exemplo, tornam-se seres supremos e imortais,
não no sentido literal, mas enquanto imagens simbólicas1
1 “O símbolo não é uma coisa singular, mas um tipo geral. E aquilo que ele representa também não é individual, mas um geral. Assim são as palavras. Isto é: signos de lei e gerais”, explica Santaella (1999, p. 67). Por sua vez, “o signo é uma coisa que representa outra coisa: seu objeto. Ele só pode funcionar como signo se carregar esse poder de representar, substituir uma outra coisa diferente dele” (id., p. 58). Ou seja, esses personagens representam simbolicamente – a partir de uma construção realizada coletivamente dentro da cultura, mais especificamente nos instrumentos midiáticos – o sentimento/a essência da nação.
, pois, embora disponham
das mesmas características físicas comuns a qualquer ser humano, tornam-se
aparentemente intangíveis à grande massa e são eternizados através de canções,
filmes, gols ou qualquer outra obra da qual tenham participado de alguma forma,
estando em um conceito próximo ao tratado por Fausto Neto (2000) em seus
estudos sobre os olimpianos. Se compararmos, assim como fez Campbell (1995), as
estruturas presentes em diversas narrativas de diferentes personagens, nota-se que
elas se dão em uma trajetória análoga, portanto, um ciclo de vida, por assim dizer,
similar. Essa é a Jornada do Herói, uma estrutura representativa a diversas
narrativas de construção do mito/herói, independente de ocasiões, locais ou
personagens.
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Sabe-se que Pelé foi – e ainda é – o principal nome do futebol no mundo,
sendo considerado o herói supremo do esporte. A revista Placar, uma das mais
importantes publicações jornalísticas esportivas no Brasil2
Quanto à escolha da citada edição como nosso objeto de análise, ela se deu
devido a uma somatória de considerações: 1- por considerá-la representativa das
estratégias utilizadas pela imprensa esportiva na construção do mito, em especial,
do mito Neymar; 2- o período de tempo entre o início da carreira desses jogadores;
3- por se tratar de uma importante edição de um dos principais veículos do
segmento de esporte no país, a revista Placar, visto ser uma edição especial de
aniversário, e veiculada a título de colecionador (o que constata o peso dos
personagens estampados na capa); 4- os personagens envolvidos: o maior jogador
do século XX, o Rei
, já teve inúmeras capas
estampadas pelo ex-jogador, como a primeira edição em 1970. Pelé retorna à capa
da Placar, agora, junto a Neymar, o promissor jogador do Santos; os dois estampam
a edição de aniversário dos 40 anos da revista, intitulada Encontro Real (edição
1341). Nesta ocasião, essa edição servirá como nosso objeto de estudo para a
realização de uma apreciação munida de recursos da análise do discurso para que
se entenda a aplicabilidade do conceito da Jornada do Herói nas narrativas de
construção das figuras dos jogadores de futebol – representados nesta análise por
Pelé e Neymar.
3
O estudo pretende, nesse sentido, analisar algumas características que
demonstrem se há ou não essa mudança na construção do herói, tendo como base
o processo de mitificação da imagem de Pelé, já consolidada, e, agora, de Neymar,
na qual a mídia parece se escorar em semelhanças e diferenças com o Rei, para
moldar a personalidade e compor o personagem Neymar frente ao público.
Pelé, e o considerado, hoje, seu possível sucessor, sendo um
dos nomes mais comentados no futebol atualmente, o príncipe Neymar; 5- a
mudança dos hábitos sociais entre o século XX e a primeira década do século XXI,
que pode ser observada na construção do discurso da mitificação do atleta de
futebol, tendo como exemplo e objeto de estudo, o discurso dessa publicação.
2 “Primeira publicação de esportes a cobrir, além dos campeonatos regionais, a Seleção Brasileira de futebol (...) surgiu em meio à euforia da Copa do Mundo de 1970, no México, teve na capa de sua primeira edição o jogador ídolo da época, Pelé. A número 1 vendeu mais de 200 mil exemplares. No entanto, a venda cresceria conforme o desempenho da Seleção Brasileira”. (Portal imprensa, 2008, s/p) 3 Em maiúsculo tal como é tratado pela revista Placar.
9
Para tal, há de se observar à narrativa utilizada na reportagem Encontro Real,
sobretudo do que está oculto, a fim de que se identifique, por meio da análise da
construção das imagens de Neymar em contraposição à de Pelé – através da
Jornada do Herói – sua contribuição para o campo do jornalismo esportivo.
Neymar vem sendo tratado pela mídia esportiva como o príncipe – uma
analogia a Pelé, denominado de Rei do futebol. Assim, Neymar recebe diariamente
comparações com o Rei, provindas especialmente por ele se tratar de um jovem
jogador do Santos, unido ao bom futebol por ele apresentado – características
marcantes na jornada/trajetória de Pelé. Porém, apesar das semelhanças, a edição
1341 coloca um traço especial de Neymar em evidência: seu mau comportamento,
mesmo frente a Pelé.
Para ilustrarmos as divergências nas narrativas dos heróis modernos,
representados por Neymar, em relação aos heróis do passado, simulados por Pelé,
no esporte, utilizaremos como subsídio – objeto de apoio – outra edição da revista
Placar – que servirá como um contraponto – mais antiga, publicada em maio de
1999, uma edição temática dedicada a um único jogador, Pelé, denominada: Ele:
Pelé – O herói do século (edição 1149). Nela, nota-se um apelo de discurso para
que se demonstre o porquê de Pelé representar um verdadeiro herói. Assim, a forma
como a narrativa é estruturada acaba por obedecer a um ciclo: a Jornada do Herói.
Esse ciclo, chamado de monomito (Campbell, 1995), vem sendo identificado nos
mais variados discursos, sob diferentes finalidades, sentidos, suportes etc., porém,
aparentemente, com o passar dos tempos, o modo como os passos vêm sendo
interpretados tem sofrido alterações. O motivo dessa mutação, levantado por esse
estudo, seriam as mudanças nos hábitos culturais ao decorrer dos anos,
ocasionado, entre outros motivos, pelo processo de constante midiatização sofrido
pela sociedade – enfatizado pelos estudos de Thompson (2001) –, que pedem por
novas narrativas para sustentá-los.
Sodré (2002) discorre sobre as novas tecnologias como modos que transformam a pauta de interesses costumeiros em direção a uma qualificação virtualizante da vida. O autor entende a globalização como a teledistribuição mundial de pessoas e coisas, considerando a Revolução da Informação contemporânea como sucessora da Revolução Industrial; considerando que os avanços técnicos trazem a capacidade de acumular dados, transmiti-los e fazê-los circularem rapidamente. Processo que propicia a midiatização e traz à tona um novo tipo de formalização da vida social, que implica em uma outra dimensão, ou seja, em formas novas de
10
perceber, pensar e contabilizar o real. (Barichello; Stasiak, 2007, p. 108-109)
Se antes o herói era apresentado como defensor da nação, assim como,
segundo os discursos analisados, foi Pelé; hoje, mais uma vez considerando os
discursos estudados, é possível configurar uma narrativa em que o herói se
apresenta como um jovem ostentador, que sente prazer em demonstrar essa
superioridade, o que se nota pela forma como Neymar é apresentado na reportagem
Encontro Real. Assim, teria a mídia criado, por meio da figura de Neymar, um novo
herói, agora atualizado, reinterpretando, para tal, a clássica estrutura narrativa da
Jornada do Herói? Esta é a hipótese levantada por este trabalho. Hoje,
aparentemente, além das conquistas que o fazem um verdadeiro herói, espera-se
muito mais que esses personagens se identifiquem com o seu público, do que lhes
levem novos ensinamentos ou lições de vida. Nota-se, pelos novos discursos
utilizados pela mídia para comporem seus heróis, não só no futebol, que esse
público está mais interessado em presenciar momentos de glória, do que de luta de
seus heróis.
Para ilustrarmos a aplicação destes questionamentos dentro da Jornada do
Herói, primeiro deve-se explicar o que de fato é este conceito e quais suas
aplicações. Nesse sentido, a forma como o conceito de Campbell (1995) é utilizado
na comunicação, surgiu como o meio mais adequado e esclarecedor a este trabalho.
Também serão realizadas diversas averiguações abrangentes acerca da reportagem
Encontro Real, para então chegarmos ao ponto auge desta monografia, que é a
análise de discurso da citada reportagem, considerando também objetos de apoio
que complementam o conteúdo da revista e intensificam nosso trabalho, dividida e
baseada nos três eixos que compõem o monomito de Campbell (1995), são eles:
Partida, separação; Descida, iniciação, penetração; e Caminho de Volta. Dessa
maneira poderemos verificar se a forma como a narrativa sobre Neymar foi
construída na reportagem atende ou não – seja fielmente, reinterpretando ou
rejeitando – à clássica estrutura da Jornada do Herói.
Antes disso, porém, traçaremos todo o aparato teórico que nos serviu de
subsídio para levantarmos e trabalharmos a hipótese que movimenta este trabalho.
A opção por abrirmos a monografia com o conceito de midiatização, sobretudo
explorando Thompson (1998), surgiu da necessidade de enfatizarmos o papel
crucial da mídia no resultado deste projeto, incluindo o processo interacional de
11
referência (Braga, 2007), seguido dos conceitos de espetacularização (Debord,
1997) e Indústria Cultural (Adorno e Horkheimer, 1947), imprescindíveis para o
esclarecimento de muitos fenômenos dentro da comunicação. Tudo, obviamente,
contemplando o jornalismo esportivo e, em especial, seu apego pelo futebol no
Brasil. Esta é, portanto, a estrutura de construção desta monografia.
12
2 A MIDIATIZAÇÃO DO FUTEBOL
Mais do que a modernização dos meios de comunicação – considerando seu
aspecto técnico – para entendermos todos os fenômenos comunicacionais que
permeiam esse estudo, é necessário enfatizar o processo de midiatização que a
sociedade tem sofrido ao longo dos anos – ou seja, seu aspecto social. Desde o
surgimento da imprensa, e o advento da tipografia – a prensa de tipos móveis criada
por Johannes Gutemberg –, a população ao longo dos tempos vem sofrendo
gradativas mudanças de comportamento, especialmente no que diz respeito às
formas de interação, já que a sociedade recebe a cada dia mais interferência
midiática. Dessa forma, a sociedade atual configura-se como uma sociedade
midiatizada.
O desenvolvimento dos meios de comunicação se entrelaçou de maneira complexa com um número de outros processos de desenvolvimento que, considerados em sua totalidade, se constituíram naquilo que hoje chamamos de ‘modernidade’. Por isso, se quisermos entender a natureza da modernidade – isto é, as características institucionais das sociedades modernas e as condições de vida criadas por elas – deveremos dar um lugar central ao desenvolvimento dos meios de comunicação e seu impacto. (Thompson, 2001, p. 12)
A indústria da mídia como uma entidade com poder simbólico4
surgiu, então,
no século XV, no período em que as técnicas de impressão de Gutemberg se
espalhavam pelo mundo. Das primeiras máquinas impressoras, os primeiros
conteúdos impressos, às redes de relacionamento virtual, as mídias sociais do
século XXI. O termo poder simbólico é encontrado em Thompson (id.) para se referir
à capacidade de influência dos acontecimentos, ou seja, as notícias são capazes de
influenciarem as ações de outros e produzirem eventos por meio da transmissão de
formas simbólicas – através dos “sentidos postos em circulação pelos textos
midiáticos, e, em menor proporção, as audiências, compreendidos nesse âmbito os
usos sociais da mídia, seus efeitos e influências” (Escosteguy, 2007, p. 117).
4 “O exercício do poder simbólico muitas vezes implica uma crença comum e ativa cumplicidade e em alguns casos estas crenças podem estar erroneamente enraizadas numa compreensão limitada das bases sociais do poder, mas estas deveriam ser vistas mais como possibilidades contingentes do que pressuposições necessárias” (Thompson, 2001, p. 230).
13
A apropriação das formas simbólicas – e, em particular, das mensagens transmitidas pelos produtos da mídia – é um processo que pode se estender muito além do contexto inicial da atividade de recepção. As mensagens da mídia são comumente discutidas por indivíduos que podem ter participado (ou não) do processo inicial de recepção. (Thompson, 2001, p. 45)
Junto à modernização – tecnológica, social e simbólica – dos meios de
comunicação, surgem novas formas de interação – agora mediadas – e novos perfis
de consumidores5
, menos conformistas, e mais capazes de alterarem o fluxo de
informação, no sentido de que passam a serem mais ativos, tendo a oportunidade
de, por exemplo, selecionar o tipo de conteúdo que quer ou não receber.
De dois séculos para cá (pós-revolução industrial), as invenções de máquinas capazes de produzir, armazenar e difundir linguagens (...) povoaram nosso cotidiano com mensagens e informações que nos espreitam e nos esperam. Para termos uma ideia das transmutações que estão se operando no mundo da linguagem, basta lembrar que ao simples apertar de botões, imagens, sons, palavras (a novela das 8, um jogo de futebol, um debate político...) invadem nossa casa. (Santaella, 1999, p. 12)
Esse consumidor, ainda, pode manter uma espécie de contato direto, apesar
de mediado, com os veículos de comunicação ou seus representantes, seja por
meio de cartas ou de redes de relacionamento virtual, como o Twitter. Assim, o
processo de midiatização faz surgir vínculos entre pessoas e coisas, sem a
necessidade de um lugar comum, criando novas formas de interação social, e,
ainda, em outros casos, em um aspecto lúdico, como com personagens e narrativas
fictícias – novelas, filmes etc. Essa relação configura-se como uma espécie de
intimidade à distância, entendida por Thompson (2001) como uma quase-interação
mediada que se estende pelo espaço e tempo, ou seja, uma forma de intimidade
que não possui caráter recíproco como o da interação face a face. Muitos indivíduos nas sociedades modernas estabelecem e sustentam relações de intimidade não recíprocas com outros distantes. Atores e atrizes, astros e estrelas e outras celebridades das mídias se tornam familiares e íntimas figuras muitas vezes assunto de discussão e de conversa rotineira na vida diária dos indivíduos. (Thompson, 2001, p. 191)
Há casos em que essa relação pode passar a representar um dos pontos
cruciais na vida de um indivíduo, que começa a enxergar, e até mesmo idolatrar,
5 Os meios de comunicação enquanto suportes e ferramentas são produtos. O que se tornou alvo de críticas, na verdade, é a mercantilização e comercialização da informação e de seu simbolismo/significados. Sendo assim, justamente por se tratarem de veículos de/para massa, há um público, denominado de consumidor, já que consome tanto o suporte – que também vem passando por diversas alterações e reformulações – quanto o conteúdo dos meios de comunicação.
14
aquela figura como um símbolo de identidade – dentre sua determinada concepção.
E assim se configura o fanatismo. No caso do futebol, o fanatismo por um time é
entrelaçado ao conceito de nação6
inerente ao esporte, o que muitas vezes justifica
a transformação simbólica de um jogador em um herói, defensor dos anseios e
paixões de milhares de indivíduos – uma nação – fanáticos por um determinado
clube de futebol. É desse modo que as barreiras espaciais e temporais declinam, e
todo o mundo se interliga.
O uso dos meios de comunicação implica a criação de novas formas de ação e de interação no mundo social, novos tipos de relações sociais e novas maneiras de relacionamento do individuo com os outros e consigo mesmo. Quando os indivíduos usam os meios de comunicação, eles entram em formas de interação que diferem dos tipos de interação face a face que caracterizam a maioria dos nossos encontros cotidianos. Eles são capazes de agir em favor de outros fisicamente ausentes ou responder a outros situados em locais distantes. De um modo fundamental, o uso dos meios de comunicação transforma a organização espacial e temporal da vida social, criando novas formas de ação e interação social, e novas maneiras de exercer o poder, que não está mais ligado ao compartilhamento do lugar comum. (Thompson, 2001, p. 13-14)
Ainda de acordo com Thompson (id.), o que chamamos de comunicação de
massa é um grande fenômeno oriundo do desenvolvimento e maturação de
instituições que perceberam o poder de compra e venda pela disseminação de
conteúdo simbólico. Dessa forma, essas instituições passaram a reproduzir formas
simbólicas e a comercializarem notícias em troca de uma remuneração financeira.
Assim, o desenvolvimento dos meios de comunicação alterou as formas de
transmissão de mensagens simbólicas, que “tornaram-se mercadorias que podem
ser compradas e vendidas no mercado; ficaram acessíveis aos indivíduos
largamente dispersos no tempo e no espaço” (ibid., p. 19).
A veloz reprodutibilidade desse conteúdo disseminado pelos meios de
comunicação aparece como uma das bases comerciais da mídia. Com essa virtude,
a da rápida disseminação, fazer comércio por meio de veículos de mídia é
facilmente percebido como lucrativo. E, dessa forma, o conteúdo vira mercadoria, e
o público o consumidor.
Ainda não considerando apenas a modernização dos aparatos tecnológicos
na comunicação, mas, sobretudo, seu potencial massivo – seu caráter social – a
6 As torcidas são tratadas pelos veículos de mídia no Brasil, dentro de um conceito de nação: Nação Corintiana, Nação Santista etc.
15
midiatização também altera o processo interacional de referência debatido por Braga
(2007), em que as relações, antes concebidas face a face, passam a se
desenvolverem em um ambiente midiático/midiatizado.
Contextualizando: o futebol, em sua essência, trata-se de um esporte
motivado pela competição entre times adversários dentro de certo limite geográfico,
que é o campo de futebol. Com as investidas da mídia, esse passa, em um
determinado momento, a ser mostrado ao público, sem que ele necessite estar
fisicamente presente nos arredores desse campo. Com o passar dos tempos, o
futebol começa a ganhar mais destaque dentro da mídia, passando a ser explorado
por meio de diversas pautas, que, em muitos casos, não dizem respeito
necessariamente à partida de futebol – como os cortes de cabelo, o lazer, ou até
mesmo as paixões de determinado jogador. O que Umberto Eco (apud Silva, 2011)
chama de inesgotável falação esportiva, consequente de “todo o gigantesco aparato
de comunicação que se constrói em torno dos espetáculos esportivos” (id., p.06).
Mais tarde o futebol passa não só a ser difundido pela mídia, como a se
organizar para ela. Se o jornalismo esportivo é pautado pelo futebol, muitas vezes o
contrário também acontece, e o futebol passa a ser pautado pela mídia. A
programação de campeonatos de futebol no Brasil, por exemplo, é organizada junto
às emissoras de TV que possuem os direitos de transmissão desses jogos, para se
adequar à grade de programação da instituição. Ou seja, o futebol aparentemente se
midiatiza e se espetaculariza para atender a demanda televisiva, o que também
atende aos interesses dos próprios times em diversos aspectos, o que pede por,
mais que uma partida, um show de imagens; assim, tanto o jornalismo esportivo
quanto o futebol se sustentam em uma relação mediada compartilhada.
2.1 A mitificação do jogador de futebol
Chegamos, então, ao ponto da união entre a Jornada do Herói, o futebol e a
midiatização. Essa mitificação da figura do jogador de futebol se dá a partir de uma
construção narrativa já visando esse resultado. Percebe-se que um dos pontos mais
interessantes em se realizar uma análise que envolva os personagens Pelé e
Neymar se dá justamente devido a esse processo de midiatização, considerando as
16
diferenças sócio-tecnológicas, fato a figura de Pelé ter surgido em uma sociedade
em um processo de midiatização – em que a sociedade ainda não estava
amplamente conectada como é hoje, graças ao advento da Internet e a
popularização do suporte tecnológico para tal; já Neymar é um personagem fruto
dessa midiatização, tendo despontado em uma sociedade já midiatizada/conectada.
As narrativas que envolvem esses jogadores de futebol, por sua vez, são
construídas e disseminadas pelos veículos midiáticos. Dessa forma, por meio do
processo de midiatização, sobretudo de sua propagação e de seus efeitos sociais
em grande escala, essas mensagens (narrativas simbólicas) são disseminadas ao
grande público visando despertar sensações. Essas sensações são exploradas pela
mídia, permitindo a criação de novas pautas e prolongando determinado conteúdo, o
que beneficia a grande mídia, e isso é possível devido a esse processo de interação
cada vez mais estreito entre os veículos de mídia e seus consumidores. Como uma
fã de Neymar que tatuou o nome do jogador dentro dos lábios e rendeu diversas
pautas à grande imprensa7
, entre outros muitos casos.
7 Um exemplo das inúmeras pautas extraídas desse caso: http://ego.globo.com/Gente/Noticias/0,,MUL1659250-9798,00-APOS+TATUAR+NA+BOCA+O+NOME+DE+NEYMAR+FA+PERDE+O+NAMORADO.html
17
3 INTERVENÇÃO MIDIÁTICA E A PAIXÃO NACIONAL: DE ESPORTE A ESPETÁCULO
O futebol, trazido da Inglaterra para o Brasil por Charles Miller em 1894 foi,
por tempos, considerado como um esporte elitizado, apreciado apenas pela classe
superior da esfera social. Não se imaginava, ainda, a dimensão que tal esporte
tomaria, chegando a ganhar status de paixão nacional. Muitos, à época, partilhavam
à opinião do escritor Graciliano Ramos: "Futebol não pega, tenho certeza;
estrangeirices não entram facilmente na terra do espinho.” (apud Coelho, 2004, p.
7).
O status de paixão nacional foi construído ao decorrer dos anos, inicialmente
com a Seleção Brasileira de Futebol conquistando o título de bicampeã Sul-
Americana em 1919, assim, em 1925 o futebol já era considerado o esporte
preferido no Brasil (id.). O que se concretizou, especialmente, com a realização da
primeira Copa do Mundo de Futebol em território brasileiro no ano de 1950, em que
a Seleção Brasileira disputou as finais contra a Seleção do Uruguai, levando 200 mil
torcedores ao recém-construído estádio Maracanã. O Brasil foi derrotado por 2 a 1
no jogo final, porém, finalmente ergueu a taça oito anos depois, consagrando-se
campeão da Copa do Mundo de 1958 realizada na Suécia. Copa essa que revelaria
ao mundo a figura que seria considerada o Rei do futebol, o brasileiro Edson Arantes
do Nascimento – o Pelé.
É sob esse cenário glorioso para o futebol brasileiro na década de 50, que os
veículos midiáticos iniciam o processo de espetacularização do futebol, valorizando,
sobretudo, a transmissão televisiva na busca da intensidade de cores, gritos,
olhares, que protagonizariam um show audiovisual. Os princípios que rumam esse
processo de espetacularização foram antes explicados por Debord (1997):
O princípio do fetichismo da mercadoria, a dominação da sociedade por “coisas supra-sensíveis embora sensíveis”, se realiza completamente no espetáculo, no qual o mundo sensível é substituído por uma seleção de imagens que existe acima dele, e que ao mesmo tempo se faz reconhecer como o sensível por excelência. (id., p. 28)
Para Debord (ibid, p. 39), “a raiz do espetáculo está no terreno da economia
que se tornou abundante, e daí vêm os frutos que tendem afinal a dominar o
18
mercado espetacular”. O futebol como mercadoria espetacular traria, desse modo, o
lucro.
Dessa forma, o futebol se tornou um grande aliado da Indústria do
Entretenimento junto ao marketing e a propaganda, vendendo e ajudando a vender.
O esporte é tratado atualmente como um negócio e está sendo oferecido ao consumidor para satisfazer seus desejos e necessidades. Tornou-se um excelente produto para todas as organizações empresariais que buscam atingir um público-alvo que direta ou indiretamente está ligado ao esporte, utilizando-o como mídia alternativa. (Savegnaro e Carvalho, 2000, p. 107)
Como um negócio, o futebol deve seguir, também, tendências
mercadológicas. Helal (1999) identifica que um fenômeno de massa, como o futebol,
se sustenta na criação de estrelas. Figuras que, assim como nos campos da
propaganda, publicidade e marketing, autenticam um determinado produto e tornam-
se referência ao público, que atrela a mercadoria ao personagem. São essas figuras
as responsáveis por atraírem o público, e se transformam, assim, em referenciais
para os fãs.
3.1 Jornalismo esportivo e entretenimento
Dessa forma, a imprensa esportiva atraiu mais e mais torcedores para dentro
dos estádios, que ajudaram a criar a massa que deu a intensidade ao processo da
comunicação esportiva como espetáculo midiatizado, fato à consideração de o
futebol ser um dos maiores fenômenos sociais do século 20, capaz de socializar,
encantar e gerar bem-estar e lucro (Cazorla, Cotta apud Carauta, Carvalho, 2009).
Dessa forma se dá outro fenômeno, o fenômeno das torcidas. Embora algumas já
existissem, é no inicio da década de 70 que elas começam a despontar como podem
ser observadas hoje. Compreendemos isso no discurso de Murad (2010, s/p)8
8 Em entrevista cedida ao site www.portalesportivo.com.br, visualizado em 31/05/2010.
: “As
torcidas entre o início dos anos 1940 e o final dos anos 1960 eram torcidas
‘carnavalizadas’. Famílias iam para o estádio fazer festa, cânticos, batucadas”.
19
A esse conceito de carnavalização9
O futebol como mercadoria da Indústria do Entretenimento gera lucro, e esse
lucro beneficia a própria Indústria e “enquanto negócios, seus fins comerciais são
realizados por meio de sistemática e programada exploração de bens considerados
culturais” (Adorno, 1999). Assim, o fanatismo incitado por esses veículos a fim de
obterem o lucro, como causa, geram consequências que também podem ser
negativas
foram somados novos agentes, como a
própria cobertura jornalística, fazendo da partida de futebol um grande evento
midiático. O futebol aproxima-se cada vez mais do espetáculo (Kearney, 2003). A
partida de futebol se torna um show de imagens, um produto veiculado pela Indústria
do Entretenimento, uma das vertentes da chamada Indústria Cultural, cunhada por
Adorno e Horkheimer (1947).
10
Pozzi (1998) identifica a ocupação do esporte dentro do segmento de
entretenimento, destacando sua importância crescente. Gorito e Nascimento (2010)
também observam em seus estudos a importância de se compreender o papel e o
significado do futebol na cultura brasileira:
ou positivas, de acordo com a ótica e a finalidade em que são
observadas, que se concretizam em ações: produtos indiretos do capitalismo
intrínseco da Indústria do Entretenimento.
Através do futebol, a sociedade brasileira conheceu um sentido singular de totalidade e unidade, capaz de mobilizar milhões de pessoas. O discurso igualitário e democrático deste esporte, que enfatiza vitórias baseadas em méritos, vai ao encontro dos anseios da população. (id., p. 01)
Assim se dá o processo de identificação da massa com o esporte, e,
sobretudo, com os heróis do esporte, observando, nesse fenômeno, alguns dos
passos identificados por Campbell (1995) na Jornada do Herói.
9 O conceito de carnavalização pode ser encontrado em Bakhtin, como um fenômeno que rompe com as hierarquias populares, livrando a sociedade (dentre certo acontecimento) de restrições convencionais, impostas pelas instituições sociais repressivas. Assim, a liberação de energias, a celebração ao riso, as festividades, por exemplo, subvertem ordens impostas. A carnavalização se relaciona, dessa forma, ao “aspecto festivo do mundo inteiro, em todos os seus níveis, uma espécie de segunda revelação do mundo através do jogo e do riso” (Bakhtin apud Pacheco, 2011, s/p). 10 Bakhtin (1999) também define o espaço de carnavalização como o do grotesco, da liberação da energia no sentido de liberar seus instintos castrados pela ordem social etc.
20
3.2 Os conceitos de Sociedade do Espetáculo e da Indústria Cultural no esporte
O espetáculo nos meios de comunicação está presente não só no jornalismo
esportivo, como em diferentes segmentos e suportes. Leal Filho (2005) concorda
com a noção de que uma das explicações a esse processo de espetacularização
seja o lucro. Mas a questão, afinal, é: como podemos conceituar o espetáculo
midiatizado?
É a Guy Debord a quem devemos o apadrinhamento de tal termo, deixando
claro aqui que Debord não seria o pai de tal prática, mas seria ele o responsável por
nomear, conceituar e explicar essa chamada espetacularização, em sua obra: A
Sociedade do Espetáculo – Comentários sobre a sociedade do espetáculo.
Publicado pela primeira vez em 1967, o livro ainda gera variados debates em todo o
mundo, como sobre o que hoje podemos identificar como espetáculo baseando-nos
em conceitos subsidiados pelos meios de comunicação dos anos 1960/70.
O espetacular passou a ser, nos estudos de comunicação – do jornalismo, em
especial, levando em consideração seu peso político e social –, uma constante. Um
termo usado, por vezes, para designar casualidades, tais como exageros. Assim,
para Debord (1997, p. 171), o “espetáculo nada mais seria que o exagero da mídia,
cuja natureza, indiscutivelmente boa, visto que serve para comunicar, pode às vezes
chegar a excessos”.
Arbex Jr. identifica e expõe algumas outras questões relevantes para o
entendimento acerca do conceito de espetáculo criado por Debord: O espetáculo – diz Debord – consiste na multiplicação de ícones e imagens, principalmente através dos meios de comunicação de massa (...) É a forma mais elaborada de uma sociedade que desenvolveu ao extremo o ‘fetichismo da mercadoria’ (felicidade identifica-se a consumo). Os meios de comunicação de massa – diz Debord – são apenas “a manifestação superficial mais esmagadora da sociedade do espetáculo, que faz do indivíduo um ser infeliz, anônimo e solitário em meio à massa de consumidores”. (Arbex Jr., 2002, p.69)
O espetáculo seria, assim, um fenômeno para a massa – diferente de um
fenômeno de massa, como o futebol. Dá-se através de um processo de excessos de
acontecimentos ou notícias, seja os dramatizando, alegrando, embelezando etc. Em
21
relação ao esporte, esse fenômeno se dá em tornar algo que já é naturalmente
massivo, algo lucrativo, por meio de excesso de informações. Tornando-se uma
exposição constante de um evento aproximado a um grande show, em que são
criadas celebridades e há um grande público – consumidor do produto-espetáculo. E
essa é uma das características inerentes ao jornalismo esportivo, o que se nota, por
exemplo, no formato dos principais programas de temática esportiva, sobretudo do
futebol, em especial da TV aberta brasileira. Ao decorrer da mesma semana, são
repetidas exaustivamente as mesmas imagens, sob pautas aparentemente
diferentes.
Para entendermos o futebol midiatizado como produto da Indústria do
Entretenimento, devemos, primeiramente, entender a própria Indústria, seus
produtos e, sobretudo, interesses. Para tal, podemos nos apoiar na teoria da
Indústria Cultural, cunhada por Adorno e Horkheimer na Dialética do Esclarecimento
(1947), fruto do capitalismo liberal (Carletto, 2009), tal quais as motivações da mídia
para transformarem, cada vez mais, o futebol em um fenômeno para a massa.
Na Indústria Cultural, a quantidade de informação determina a qualidade dela,
o que pode ser contextualizado com o espetáculo projetado na cobertura esportiva.
Outro ponto semelhante se dá no conformismo funcional, já que seus produtos são
repetidos até a exaustão, levando assim ao conformismo no entretenimento. Freitas
Jr. (2006, s/p) diz que “o conceito de Indústria Cultural diferencia o produtor do
consumidor, pois o primeiro normalmente acaba conseguindo transformar o
imaginário do segundo”. Dessa forma, exemplifica:
As idéias de ordem que ela (a Indústria Cultural) inculca são sempre as do
status quo. Elas são aceitas sem objeção, sem análise, renunciando à dialética, mesmo quando elas não pertencem substancialmente a nenhum daqueles que estão sob sua influência (...) Através da ideologia da indústria cultural, o conformismo substitui a consciência. (Adorno apud Freitas Jr., 2006, s/p)
Mas se a indústria da mídia possui seus interesses, o futebol também, e essa
troca mantém essa relação. Marques (1999) diz o esporte ser belo em si mesmo e
para si mesmo. “Trata-se (o esporte) de um espetáculo, uma comunicação entre
indivíduos competidores e indivíduos espectadores, que se comunicam e se
projetam um nos outros” (id., p. 54). E justamente por depender dessa interação,
não se sustenta sozinho. E é no sentido da interação, e, sobretudo da projeção entre
22
torcida e time, que o futebol torna-se um campo ideal para o surgimento de heróis,
seres que apesar de supremos se identificam com o povo, defendendo suas paixões
e seus ambições.
3.3 Fanatismo e Comunidade Imaginada
Certamente os veículos de mídia aproximam fatos ou coisas do cotidiano das
pessoas, tornando-as parte daquilo ou daquele acontecimento. Com o futebol não foi
diferente. A cobertura de mídia sobre o esporte, em relação a times, partidas,
informações etc., aproximou o público do universo futebolístico, dando a essas
pessoas uma noção de pertencimento àquele universo, como se delas
dependessem, em parte, os times de futebol – escolhidos não de forma aleatória, e
sim, com dependência ao ambiente em que se vive e as informações que recebe,
tendo a mídia, também nesse caso, considerável influência.
Desse modo, as pessoas são envoltas por uma sensação de comunidade,
com ênfase à relação de vínculos, por torcerem pelo mesmo time, crerem nas
mesmas coisas e buscarem as mesmas situações (Martins, 2010); compilam-se
elementos em comum para se chegar a apenas um elemento: a paixão por um
determinado time. Observamos aí a ideia de comunidade imaginada conceituada por
Anderson (apud Martins, id.), em que “a nação é sempre concebida como um
companheirismo profundo e horizontal” (p. 05).
Esse conceito, embora simbólico, configura-se em ações reais (ibid.), como
podemos observar nas arquibancadas dos estádios de futebol. A mídia, nesse
sentido, também é participante desse processo para se chegar à noção de união
entre essas variadas pessoas, que, em muitos casos, antes, não possuíam nenhum
outro vínculo, seja ele social, familiar etc. Martins demonstra:
No conceito de nação (...) a grande imprensa desempenharia um papel central, explicitando a necessidade dos homens de vincular fraternidade, poder e tempo de uma forma significativa. O capitalismo contribuiria definitivamente para a afirmação do imaginário nacional, ao possibilitar que as pessoas pudessem pensar sobre si mesmas e se relacionassem entre si pelo sentimento de uma identidade coletiva.(2010, p. 05)
23
No Brasil, essa noção de pertencimento em relação ao futebol torna-se ainda
mais efetiva. Como entende Bitencourt:
Por meio do futebol – mais especificamente da seleção brasileira –, temos nos pensado como nação e povo: ora positivamente, incluindo, nas vitórias, os diversos modos de ser brasileiro em nossa “comunidade imaginada”, ora negativamente, expulsando de nossa brasilidade os “responsáveis” pelos fracassos (...) É um coletivo de afetos. (2009, p. 174)
É sobre esse coletivo que a mídia esportiva age, coordenando o que é bom ou
ruim, certo ou errado, no futebol.
4 A CONSTRUÇÃO DO HERÓI NO DISCURSO JORNALÍSTICO
24
Por meio desta monografia são enfatizados dois pontos importantes tanto
para o estudo da comunicação quanto como um fator de relevância social. Primeiro
quanto à sociedade, Helal (1999) argumenta que, diferentemente dos ídolos de
outras área, como música ou dramaturgia, apenas os ídolos do futebol são
considerados heróis. Há diferenças também entre celebridades e heróis, debatidas
por Morin (apud Helal, 1999) e Campbell (1995). Ambos explicam, resumidamente,
que celebridades, como as do mundo artístico, vivem para si, enquanto heróis, como
os do futebol, vivem para a sociedade. Para Campbell (id.), ainda, o herói se
aventura para trazer benefícios aos seus semelhantes; ou seja, o jogador, em
campo, defende, no imaginário popular, não só o seu time, enquanto uma instituição
lucrativa, mas o escudo que carrega no peito e, sobretudo, uma nação, seja ela
representada por todo o povo brasileiro, enquanto Seleção Brasileira, ou mesmo
uma torcida específica de um time x. É como se dependesse desses
jogadores/heróis a redenção daquela parcela de pessoas. Assim, podemos
contextualizar uma partida válida por um determinado campeonato como uma
batalha em uma guerra.
Essas características que fazem do ídolo um herói, explica Helal (1999),
transformam o futebol em um terreno fértil para a produção de mitos relevantes para
a comunidade, por serem dotados de talento e carisma, o que os destaca dos
demais. Porém, o que devemos observar é que, geralmente, essas discutidas
características são criadas ou ressaltadas, e transmitidas pela mídia.
Ribeiro (2010) explica os novos conceitos adicionados à significação do mito
em nossa sociedade:
Na sociedade atual, mito é uma palavra que pode ter vários significados. Pode-se falar do mito de Édipo Rei, mas também sobre o mito Pelé. Não significa, contudo, que a clássica cultura grega tenha perdido seu valor mitológico. Apenas agregaram-se ao antigo conceito novos paradigmas que, por sua vez, trataram de ampliá-lo. A indústria cultural é apontada como responsável pelo advento desses paradigmas. (2010, s/p)
O futebol é uma das principais atrações exploradas pela mídia, especialmente
no Brasil, país em que o esporte em questão alcançou status de paixão nacional.
Dessa forma, cativou os espaços reservados ao jornalismo esportivo quase todo
para si, com exceções de produtos e programas estritamente especializados em
25
outros determinados esportes. Tal questão já revela um traço do fanatismo criado
em torno do futebol, o que, superficialmente, justificaria a importância de se tratar da
mitificação do esporte, sobretudo em solo brasileiro e tendo como base o maior
jogador nacional – e do mundo – de todos os tempos, segundo dados e pesquisas
realizadas por diversos veículos entre os séculos XX e XXI, Pelé; além do jovem
jogador Neymar, um dos nomes mais comentados do futebol brasileiro na
atualidade.
Estudar o jornalismo esportivo, em relação ao futebol, e tentar desvendar
algumas características inerentes ao processo de midiatização do esporte –
entendimento essencial para se explorar o tema abordado neste projeto –, já foi
tarefa de muitos outros estudiosos, como os explorados ao longo deste estudo.
Porém, para se alcançar o resultado é necessário que se encontrem os meios em
que os fenômenos estudados se desenvolveram, o que viabiliza a realização do
projeto; neste estudo, observa-se a espetacularização11
e a midiatização do esporte,
como um dos principais meios que rumam à mitificação do futebol, em especial dos
atletas, observando os passos identificados por Campbell (1995) na Jornada do
Herói.
5 A JORNADA DO HERÓI
11 O que se explica por um aspecto agonístico, como os dos combates atléticos da Grécia antiga, assim, o sucesso de um atleta depende do fracasso do outro, e essa competição, da forma em que é apresentada, ocorre numa ação de espetáculo (Helal, 1999).
26
Publicado pela primeira vez em 1949, O Herói de Mil Faces, de Joseph
Campbell, observa a estrutura de mitos, lendas e fábulas (Dahoui, 2010),
considerando que, independentemente de suas origens, as narrativas dos heróis
presentes em todas as culturas atravessam as mesmas etapas, portanto esses
heróis vivem ciclos similares. Dessa forma notam-se constantes nos modos em que
os mitos são estruturados e narrados. A Jornada do Herói representa, então, a
estrutura da trajetória dos heróis – identificada por Campbell (1995).
Oliveira (et al.) exemplificam: Estas semelhanças ilustram a hipótese do autor de que todos os heróis seguem uma mesma trajetória (...) Moisés12 ao adentrar o limiar da aventura e seguir rumo ao Monte Sinai, de onde retorna com os 10 Mandamentos, possui uma aventura similar a de Teseu13
. Este, ao partir para enfrentar o Minotauro no labirinto, retorna e, assim como o herói bíblico, salva a nação. Campbell identificou uma série de etapas pelas quais todo o herói atravessaria, que passaram a constituir, desde então, a “jornada do herói”. Para o autor, Joseph Campbell, os elementos da jornada do herói, presentes nos mitos, são facilmente compreensíveis, pois representam temas universais, ou energias, que já fazem parte do inconsciente coletivo de todos os indivíduos. A narrativa, por estar repleta destes elementos universais já imbuídos na mente do indivíduo, cria uma ressonância para com o leitor que por sua vez assimila com maior facilidade o conteúdo proposto. (2008, p. 06 e 07)
Portillo explica, baseando-se no conceito criado por Carl Gustav Jung, o que
se entende por inconsciente coletivo: Segundo ele (Jung), o inconsciente coletivo é a camada mais profunda da psique e constitui-se dos materiais que foram herdados da humanidade. É nesta camada que existem os traços funcionais como se fossem imagens
12 “Moisés (1592 a.C. - 1472 a.C. em hebraico, Moshe, השמ), profeta israelita da Bíblia Hebraica (conhecida entre os cristãos como Antigo Testamento), da Tribo de Levi. De acordo com a tradição judaico-cristã, Moisés foi o autor dos 5 primeiros livros do Antigo Testamento (veja também Pentateuco). É encarado pelos judeus como o principal legislador e um dos principais líderes religiosos. Para os muçulmanos, Moisés (em ár. Musa, ىسوم) foi um grande profeta”. Definição extraída do site: www.wikipedia.com.br. Acessado em: 03/11/2010. 13 “Teseu (em grego: Θησεύς) foi, na mitologia grega, um grande herói ateniense. Corresponde, para a Ática, o que o dórico Héracles era para o Peloponeso. Seu nome significa ‘o homem forte por excelência’. Embora não haja registros históricos que provem indiscutivelmente que Teseu existiu, alguns historiadores supõem que ele governou Atenas entre 1234 a.C. e 1204, como consta na lista tradicional dos Reis de Atenas”. Definição extraída do site: www.wikipedia.com.br. Acessado em: 03/11/2010.
27
virtuais, comuns a todos os seres humanos e prontas para serem concretizadas através das experiências reais. É nessa camada do inconsciente que todos os humanos são iguais. A existência do inconsciente coletivo não depende de experiências individuais, como é o caso do inconsciente pessoal, porém, seu conteúdo precisa das experiências reais para expressar-se, já que são predisposições latentes. (2007, p.01)
Dessa forma, essas etapas representam as narrativas esperadas pelo público
– de maneira coletiva –, que, por sua vez, busca a identificação com esses heróis. É
nesse conceito de inconsciente coletivo, também, que a Indústria Cultural e a
Sociedade do Espetáculo parecem agir.
Há duas explicações. Uma é que a psique humana é essencialmente a mesma, em todo o mundo. A psique é a experiência interior do corpo humano, que é essencialmente o mesmo para todos os seres humanos, com os mesmos órgãos, os mesmos instintos, os mesmos impulsos, os mesmos conflitos, os mesmos medos. A partir desse solo comum, constitui-se o que Jung chama de arquétipos, que são as idéias em comum dos mitos. (...) São idéias elementares, que poderiam ser chamadas idéias “de base”. Jung falou dessas idéias como arquétipos do inconsciente. “Arquétipo” é um termo mais adequado, pois “idéia elementar” sugere trabalho mental. Arquétipo do inconsciente significa que vem de baixo. (Campbell apud Moyers, 2009, 54-55)
Dentro dessa trajetória, Campbell (1995), para construir sua hipótese, observa
pontos em comum entre variadas histórias, ou seja, observa diferentes narrativas
para, então, traçar os passos da Jornada do Herói, dispostos em três diferentes
eixos. São eles:
1- Partida, separação - Mundo quotidiano - o herói como uma pessoa comum, vivenciando seus
hábitos e ambientes cotidianos;
- Chamado à aventura - o primeiro evento; o herói é chamado por algo ou
alguém para a jornada;
- Recusa do chamado - o herói reluta quanto à aceitação do chamado;
- Ajuda sobrenatural - surge um conselheiro/mentor que iniciará o herói na
jornada;
- Travessia do 1º limiar - o herói passa pelo guardião e adentra em um
“portal”, deixando seu mundo cotidiano e dando início às suas aventuras;
28
- Barriga da baleia – uma descida às trevas; isolado, tem de passar por testes
e, em consequência, por um processo de internalização, em que a barriga simboliza
uma fonte de energia/superação.
2- Descida, iniciação, penetração - Estrada de provas - as provações ao longo da jornada;
- Encontro com a Deusa - o encontro e o casamento com sua contraparte, à
contraposição/oposição – aqui também se simboliza o amor/ paixão;
- A mulher como tentação - a busca do equilíbrio; o sexo oposto não deve ser
visto como mero elemento carnal;
- Sintonia com o pai - rompem-se os antigos valores; o “personagem” passa a
visualizar sua missão como “herói”, superando seus medos e não precisando mais
de proteção, passa agora a compreender a jornada do “pai”, passando a compor o
mesmo estágio de seu protetor;
- Apoteose - o herói está livre para agir e pensar conforme seus julgamentos;
- A grande conquista - o desafio final: indo além do que se é tangível, ele tem
como objetivo final transcender os símbolos.
3- Caminho de volta - Recusa do retorno - assim como recusou o chamado, agora surge à recusa
do retorno, em que deve voltar ao mundo cotidiano, e transmitir os poderes e
conhecimentos adquiridos ao longo de sua trajetória em um “mundo místico”;
- Voo mágico - alguns heróis precisam de auxílio para retornar;
- Resgate de dentro - o auxílio;
- Travessia do limiar - a (re)passagem: do “mundo místico” ao cotidiano;
- Retorno - à volta ao comum, ao mundo cotidiano;
- Senhor de dois mundos - mais sábio e conhecedor de “energias místicas”, o
herói é visto como um ser mentalmente superior, que pode trazer benefícios aos
seus contemporâneos;
- Liberdade de viver – de volta ao mundo cotidiano, o herói renasce enquanto
uma pessoa comum, e reescreve uma nova biografia, tendo a possibilidade de se
abrir às novas experiências.
29
Dessa forma, o herói passa por diversos estágios, como: cotidiano; situações
incomuns; surpresas; conformismo; aprendizado; amadurecimento; batalhas;
paixões; desejos; sofrimento; sucesso; crise; retorno; recompensa; satisfação;
transformação etc.
5.2 A Jornada do Herói na comunicação
Foi no cinema em que a estrutura da Jornada do Herói tomou um corpo mais
evidente dentro da Comunicação, passando a compor a trajetória de muitos enredos
fílmicos para moldar a história de personagens-heróis. Um dos mais clássicos
exemplos é o do roteirista hollywoodiano Christopher Vogler. Trabalhando no
departamento de criação da famosa empresa The Walt Disney Company, Vogler
criou uma espécie de memorando interno aos estúdios Disney, baseando-se no
monomito criado por Joseph Campbell (1995). Um guia prático para o Herói de Mil
Faces era o nome do memorando interno de sete páginas que visava à
compreensão da Jornada do Herói entre os roteiristas da companhia. Esse
entendimento, passado ao público, poderia alavancar o apelo comercial dos filmes,
que passariam a obedecer a um ciclo composto por narrativas com apelo humano, e
que atendiam aos conceitos de inconsciente coletivo defendidos por Jung.
Essa estrutura acompanhou o roteiro de dez filmes criados nos estúdios
Disney entre 1989 – A Pequena Sereia – e 1998 – Mulan –, além da trilogia Matrix.
Em 1992, o memorando serviu de ponto de partida para a criação do livro A Jornada
do Escritor, sendo amplamente cultuado como uma espécie de Bíblia para futuros
roteiristas de cinema. Mais do que um guia de roteiros, o manuscrito/livro convida o
leitor a um passeio criativo entre os 12 passos selecionados pelo autor, Vogler,
baseando-se no conceito da Jornada do Herói. Esses passos são14
:
Jornada do escritor Proposta pro Vogler
14 Extraído do livro Jornada do Herói: A estrutura narrativa mítica na construção de histórias de vida em jornalismo (Martinez, 2008, p. 59).
30
Primeiro ato
1. Mundo comum 2. Chamado à aventura 3. Recusa do chamado 4. Encontro com o mentor 5. Travessia do primeiro limiar
Barriga da baleia
Segundo ato 6. Testes, aliados, inimigos 7. Aproximação da caverna oculta 8. Provação suprema
A mulher como tentação Sintonia com o pai
9. Recompensa
Terceiro ato 10. Caminho de volta
Resgate de dentro Travessia do limiar
11. Ressurreição 12. Retorno com elixir
Em trechos do livro, Vogler explica a relação entre o monomito de Campbell
(1995) e o cinema hollywoodiano criada por ele a partir de seu memorando, em que
diz que o modelo da Jornada do Herói continuou a servi-lo ao decorrer de sua
carreira, em muitas outras situações, agindo como uma espécie de mapa para as
jornadas de personagens por ele criados. Essa ligação começou durante a
concepção de A Pequena Sereia, e A Bela e a Fera, e desde então auxiliou na
composição de inúmeras narrativas fílmicas.
Descobri recentemente que o "Guia prático" tem sido leitura obrigatória para os executivos da Disney. Os pedidos diários de mais exemplares, bem como inúmeras cartas e telefonemas (...) mostram que as idéias da Jornada do Herói são cada vez mais usadas e se desenvolvem sem parar. (...) A longo prazo, é possível que se descubra que um dos livros mais influentes do século XX foi O herói de mil faces, de Joseph Campbell. As idéias que Campbell expressa em seu livro estão tendo um grande impacto nas narrativas. Os escritores estão cada vez mais cientes dos eternos padrões que Campbell identifica, e enriquecem seu trabalho com eles. Era inevitável que Hollywood se aproveitasse da utilidade da obra de Campbell. Cineastas como George Lucas e George Miller reconhecem seu débito para com Campbell, e sua influência pode ser percebida nos filmes de Steven Spielberg, John Boorman, Francis Coppola e outros. (...) Para o roteirista, produtor, diretor e cenógrafo, seus conceitos são como uma excelente caixa de ferramentas, cheia de instrumentos jeitosos, ideais para
31
a carpintaria da narrativa. Com essas ferramentas, é possível construir uma história para quase qualquer situação imaginável, uma história que, ao mesmo tempo, seja dramática, divertida e psicologicamente verdadeira. Com esse equipamento, é possível diagnosticar os problemas de praticamente qualquer enredo deficiente, e fazer as correções necessárias para levá-lo ao auge de sua performance. (Vogler, id., p. 28- 30)
O que fica claro se analisada a estrutura usada na composição do
personagem Luke Skywalker, figura heroica do clássico filme Star Wars, de George
Lucas, que percebeu “a relevância da jornada do herói, presente nos mitos e
narrativas épicas, e utilizou o modelo de etapas e personagens identificados por
Joseph Campbell para recriar um mito”. (Oliveira et al., 2008, p. 07)
A jornada do personagem Skywalker foi explicada por Missouri e Russin
(2010, s/p) por meio da Jornada do Escritor15
:
1- O MUNDO HABITUAL: Luke Skywalker é um rapaz, um fazendeiro entediado em um planeta distante. 2- A CHAMADA PARA A AVENTURA: A Princesa Léia e as forças rebeldes que resistem ao Imperador do mal estão em dificuldades. Ela manda uma mensagem holográfica pedindo ajuda a Obi Wan Kenobi que, por sua vez, pede para Luke se unir a ele. 3- O HERÓI RELUTANTE: Skywalker recusa-se a se unir a Obi Wan. Ele tem responsabilidades demais na fazenda, mas quando ele vai para casa, descobre que sua família foi massacrada pelas Stormtroopers do Imperador. 4- O VELHO SÁBIO: Um mentor sábio, Obi Wan Kenobi prepara Luke para a batalha à frente. Ele dá a ele um sabre de luz que um dia pertenceu ao pai de Luke, um cavaleiro Jedi. Ele conta a Luke sobre o lado negro da Força. 5- DENTRO DO MUNDO ESPECIAL: Luke decide deixar seu mundo habitual e ir acertar as coisas. 6- TESTE, ALIADOS E INIMIGOS: Luke entra num mundo perigoso, encontra estranhas criaturas no “limiar” (a área do bar), une forças com Han Solo, foge das Stormtroopers do Imperador e entra na briga, voando para o espaço para resgatar a Princesa Léia. 7- A CAVERNA SECRETA: Luke entra na Estrela da Morte, o lar e a arma suprema do maior guerreiro do Imperador do mal, Darth Vader. 8- A PROVAÇÃO SUPREMA: Luke, Han Solo e a Princesa Léia ficam presos na gigante prensa de lixo da Estrela da Morte; Luke é puxado sob a água por uma estranha criatura. Eles então são salvos por um aliado, R2D2. 9 – APODERANDO-SE DA ESPADA: Luke resgata a Princesa Léia e apodera-se das plantas da Estrela da Morte. 10- A ESTRADA DE VOLTA: Luke é perseguido por Darth Vader. 11- RESSURREIÇÃO: Luke é quase morto por Darth mas reage e vence. Luke destrói a Estrela da Morte. 12- RETORNO COM O ELIXIR: Luke é recompensado por todo o seu trabalho duro. O mundo está novamente em equilíbrio.
15 Extraído do blog: http://dicasderoteiro.com. Acessado em: 03/04/2011.
32
De igual modo, muitos outros cineastas basearam-se na estrutura criada por
Campbell (1995) para criarem personagens e enredos fílmicos. Pressupõe-se,
assim, o potencial de tal estrutura no que tange à bilheteria desses filmes, portanto
ao lucro, justamente por essas histórias se desenvolverem em um cenário-modelo,
ou seja, na estrutura da Jornada do Herói, trajetória que ao que tudo indica atende
às expectativas humanas (inconsciente coletivo).
O termo monomito, empregado por Campbell (1995), diz respeito, justamente,
às fases identificadas na Jornada do Herói, como já explicado, dividido em três
ciclos: Partida, separação (ainda almejando à jornada); Descida, iniciação,
penetração (as aventuras ao longo da jornada); Caminho de volta (o retorno a
casa/ao lugar de onde saíra – às vezes não literalmente –, agora com os
conhecimentos e poderes adquiridos ao longo da trajetória na jornada – com um
“elixir”, uma recompensa, normalmente útil em nível comunitário. Há nessa ocasião a
“morte” de uma parte da personalidade do herói para o nascimento de uma nova).
Monomito também identificado em tramas de novelas e, por vezes, na
Comunicação Social, como no jornalismo político, enfatizando a narrativa usada
para alavancar à imagem de um candidato às Eleições Presidenciais – por exemplo,
o que fica evidente se analisarmos a trajetória midiática do político Luís Inácio Lula
da Silva (presidente do Brasil entre 2002 e 2010). Ramos (2007) explica
rapidamente a trajetória de Lula por meio da Jornada:
O longo caminho de Lula começou quando não recusou o chamado da aventura em 1978. Lula era um simples operário e foi o líder de sua classe na primeira grande batalha contra a exploração dos patrões e a opressão do regime militar. Em 1980, acontece o mergulho no mar da escuridão; Lula é preso, e ao sair da cela, entra pro mundo da política, o cenário de sua grande aventura. Começa então o caminho das provações onde conhece o gosto amargo das derrotas eleitorais. Encontra o mago da publicidade, Duda Mendonça, que com seus conselhos e feitiços, ajuda Lula a passar pela transformação que o tornaria verdadeiramente apto para as grandes conquistas: o casamento com a deusa-mãe pátria, a ocupação merecida do trono presidencial e a apoteose nos braços do povo. O trabalho final foi a reeleição. Para restaurar a paz no mundo, abalada pela crise do mensalão, Lula evoca seu poder de renascimento a sua imagem como personificação da esperança na condição de Deus-Povo. (id., p. 85)
Mais uma vez recorrendo ao cinema, podemos identificar algumas das
situações dispostas acima em duas diferentes obras cinematográficas dedicadas a
Lula. Primeiro: Lula – O filho do Brasil, baseado no livro homônimo de Denise
33
Paraná, conta com a direção de Fábio Barreto, e é uma obra criada para atender a
massa, amplamente divulgada pela grande mídia, e exposta em grandes cinemas,
em que retrata a vida de Lula desde sua infância, com um enredo dramático e
sensível – o menino pobre que se tornou presidente do Brasil, um herói do povo.
Outro exemplo é o documentário Entreatos, de João Moreira Salles, uma obra
documental divulgada de forma mais estreita, com um caráter focado em mostras ou
até televisivo, e com um apelo mais político do que humano; Lula é retratado em sua
rotina de campanha em 2009, ano em que finalmente é eleito presidente da
República. Na obra é explorado, sobretudo, o papel da comunicação – e de Duda
Mendonça, em especial, que opera como o velho sábio/conselheiro com um
ensinamento que guia o herói, Lula, – em sua campanha, mas ainda assim
consegue-se observar uma construção de narrativa que demonstre o lado afetivo,
comportamental, familiar, amoroso, de provações, sofrimento, vitórias, por fim, de
heroísmo de Lula – e, assim, mesmo que retratando um determinado e curto período
da vida de Lula, concretiza os passos da Jornada.
Dessa forma, traços da clássica estrutura da Jornada do Herói podem ser
identificados, em grosso modo, tanto no cinema conceituado de mainstream ou
blockbuster16 quanto no cinema tido como alternativo17
Quanto à trajetória do herói na comunicação, Martinez opina:
. Para observarem-se esses
passos, deve-se, primeiramente, partir-se de um princípio de que todos os heróis
possuem uma narrativa/trajetória semelhante, já que todas elas são contadas da
mesma forma, embora recontadas em diversas variações, e sendo todas essas
narrativas identificadas a partir da unidade nuclear do monomito (Oliveira et al,
2008).
Talvez o ponto mais importante seja o de que os comunicadores sociais envolvidos na produção de biografias, perfis e grandes reportagens precisam transcender o mero domínio dos aspectos técnicos da profissão. Uma vez que sua missão é de captar fatos e seus desdobramentos, eles necessitam amplo conhecimento sobre a vida. Uma possibilidade é compreender a trajetória humana como uma sucessão de “crises previsíveis” (Sheehy, 1982), como a transição para a maturidade (...) O que
16 “Grandes produções ou películas de notáveis divulgações que vão para salas de cinema, com intuito de arrecadar bilheterias enormes, assim divertindo os espectadores que apreciam a arte”. Definição extraída do site http://willtage-cineview.tumblr.com, visualizado em 02/11/2010. 17 Filmes não divulgados largamente pela grande mídia, possuindo um apelo menos comercial e mais artístico, sem a necessidade de se seguir padrões hollywoodianos.
34
ocorre atualmente é a convivência de diversos modelos, muitos deles obsoletos, nem sempre adequados às necessidades pessoais ou comunitárias contemporâneas. A confusão é perpetuada pela mídia, podendo ser conferidas nas manchetes dos diários, nas chamadas das revistas semanais, masculinas ou femininas e nos sites da internet, que evidenciam a inexistência de indicadores claros de possibilidades de comportamento – um ícone da sociedade moderna. (2008, p. 39-40)
Entende-se, assim, que para se adequar a essas necessidades seja
necessário se reinterpretar constantemente a Jornada do Herói. Adequando as
narrativas às realidades.
5.4 Construindo o herói
O emprego da hipótese de que o monomito da Jornada do Herói seja uma
constante em diversas narrativas de construção de um herói é de essencial
importância para a realização da análise proposta neste projeto, em que se pretende
observar as transformações no discurso de construção do herói no futebol,
considerando para isso, as diferenças das narrativas de vida de Pelé, uma figura
mítica já consagrada; e de Neymar, um jogador que tem sua imagem lapidada pelos
veículos midiáticos.
Assim, a escolha se dá na observação de uma importante questão levantada
por Martinez (2008), em que fala da relação entre os termos empregados e a
associação entre narrativa e mitologia. O herói, então, apresenta-se como uma
narrativa simbólica, e é dessa narrativa simbólica que a mídia se apropria para
construir seus personagens, como explica Martinez:
A aplicação dessa estrutura narrativa mítica à área da comunicação não pressupõe o afastamento do pensamento lógico ou científico, porém soma a estes as contribuições das artes, da religião e da filosofia. Ele agrega à razão tributos subjetivos, como as sensações, os sentimentos e as intuições para a produção de relatos mais integrais. (id., p. 38).
O que talvez seja possível graças ao processo de midiatização a que nossa
sociedade vem passando ao decorrer da história.
35
6 A ANÁLISE DO DISCURSO DE LINHA FRANCESA COMO MÉTODO PARA QUE SE IDENTIFIQUE A JORNADA DO HERÓI
A análise do discurso (AD) aparece como o método mais eficaz para que se
compreendam os sentidos que permeiam o discurso da edição 1341 – considerando
a reportagem Encontro Real, escrita por dois jornalistas: Bernardo Itri e Ricardo
Perrone (2010), e o editorial da publicação, escrito por Sergio Xavier Filho.
Constituída entre os anos 1950/60, a expressão análise do discurso foi
concebida pelo norte-americano Harris (apud Iuan, 2010), “que a entendia como a
extensão dos procedimentos distribucionais a unidades que transcendem a frase”
(id., p. 28), ou seja, a AD, enquanto um estudo pretende explorar o discurso, de
forma a identificar mais do que a transmissão de informações, seu processo e
referências exteriores.
Ao se propor estudar o discurso, a AD busca ver a língua não apenas como transmissão de informações ou o simples ato de fala, mas a língua numa visão discursiva que busca a exterioridade da linguagem como a ideologia e o fator social. Orlandi (2005), ao discorrer sobre o objetivo da AD, menciona que na Análise do Discurso toma a linguagem como mediadora indispensável entre o homem e o meio social e natural em que vive, assim, a AD não toma a língua como um sistema abstrato, mas a língua como método de interação. (Queiroz, 2009, s/p)
Importantes para a formatação da AD como a entendemos hoje foram
também os estudos acerca da enunciação, que dizem respeito aos atos de produção
dos textos (Pinto, 1999), realizados por Benveniste, entre as décadas de
fortalecimento da AD. Segundo Queiroz (2009), o enunciado é o que estabelece
uma interpretação do discurso.
Parafraseando Mussalim (2004), o contexto sócio-histórico contribui essencialmente para parte da construção de sentido de um enunciado e não deve ser considerado como um mero acessório, já que para a AD, os sentidos também são construídos historicamente. Assim, a linguagem é a materialização do discurso e carrega consigo as manifestações ideológicas de ordem sócio-histórica enunciadas pelo sujeito do discurso. (id., s/p)
O jornalismo, considerando as características dessas diferentes linhas,
apropriou-se majoritariamente da AD francesa comentada por Pinto:
36
Define os discursos como práticas sociais determinadas pelo contexto sócio-histórico, mas que também são parte constitutivas daquele contexto (...) e tem privilegiado em suas análises principalmente textos impressos ou transcrições de textos orais, quase sempre tratados isoladamente, de modo independente de outros sistemas semióticos presentes, e cujas implicações político-ideológicas procuravam desvelar, de um ponto de vista crítico. (1999, p. 21)
Assim, nos apropriaremos de recursos provenientes do método de análise do
discurso de via francesa para que, então, possamos identificar as possíveis
mudanças ocorridas na construção das narrativas no jornalismo esportivo, por meio
da reportagem Encontro Real, e da figura de Neymar, sendo esse um resultado que
valha, hipoteticamente, para o fenômeno no jornalismo esportivo de modo geral.
6.2 Escola Francesa de Análise do Discurso
Foucault é um importante nome da chamada Escola Francesa de Análise do
Discurso, que tem também como um dos seus principais expoentes Pêcheux. Juntos
buscaram uma maneira de unir linguística e história, o que transformou os estudos
de análise vigentes até então, em que se analisavam apenas os textos (Iuan, 2010).
Bueno (2010, p. 01) explica:
Concebe-se a Análise do Discurso de linha francesa (AD) como um modelo metodológico que, segundo Maingueneau (1989), surgiu na década de 60 associada a uma tradicional prática escolar francesa: a explicação de textos. Trata-se, portanto, de uma metodologia que, privilegiando a interdisciplinaridade, articula pressupostos teóricos da Lingüística, do Materialismo Histórico e da Psicanálise.
Dessa forma, então, essa corrente visa mais do que a análise de textos, sua
explicação de uma forma completa, indo além das palavras; visando entender,
também, os complementos usados para que se chegue ao total de determinada
obra. Ou seja, busca-se a compreensão de um sentido total da obra, por meio da
interpretação do discurso enquanto texto, imagens, títulos, gravatas18
18 É a frase que vem logo abaixo do título ou de uma arte e que tem a função de explicar o que ela apresenta. A palavra serve também para designar o fio que separa o título do corpo de uma tabela. (Folha Online, 2011, s/p)
, destaques,
37
diagramação e o que mais for utilizado para se chegar ao sentido preferencial/para a
interpretação ou ilustração do discurso, o que acompanha a pretensão desse
estudo.
6.3 Abordagem qualitativa do discurso
A AD auxiliará na definição dos discursos utilizados em ambas as edições,
para que, por conseguinte, observemos a especulada mudança na narrativa da
construção do mito, com ênfase à Jornada do Herói, pela mídia atual, por meio da
figura do jogador Neymar em contraposição a Pelé, mais precisamente através do
discurso utilizado para compor a reportagem Encontro Real, indo além de uma
análise textual, sendo assim, seguindo o que se propõe como análise de discurso de
linha francesa.
O método de AD francês privilegia os sujeitos e as situações em que esses
discursos são produzidos, compreendendo a língua de uma forma a se interpretar
sentidos e intencionalidades. Assim, BELTRÃO (et al.) explica:
Na análise do discurso é necessário considerar que a linguagem não é transparente, existe uma relação entre ideologia e intencionalidades, ou seja, o discurso é opaco e não se resume apenas ao texto. Outra questão a considerar é o contexto histórico, já que ao longo da história são produzidos dizeres, o que conforme Orlandi, produz uma memória, um significado que mostra as relações políticas e ideológicas. (2010, p. 02)
Sendo assim, pretende-se por meio desse estudo analisar os sentidos
implícitos nessas narrativas concretizadas nas diferentes linguagens articuladas no
objeto de análise: texto verbal, imagens, diagramação etc., realizando, para tal, uma
análise qualitativa da reportagem dedicada a Pelé e Neymar utilizando-se de
recursos provenientes do método de análise do discurso. Esses recursos
possibilitam que entendamos não só a forma ou as intenções com que esses
discursos são dispostos, mas as estratégias usadas para tal. Desse modo, permite-
nos analisar se essas narrativas foram construídas ou não baseadas na trajetória da
Jornada do Herói. “A análise do discurso procura colocar ‘o dito pelo não dito’,
analisando o que é dito e o que não é dito, procurando não o sentido ‘verdadeiro’,
38
mas o real sentido em sua materialidade lingüística e histórica”. (BELTRÃO et al.,
2010 , p. 02).
O método qualitativo busca interpretações minuciosas acerca do discurso,
considerando todos os elementos presentes nele para que, assim, possam se
entender os sentidos inerentes àquela estrutura, sobretudo quanto à forma como foi
estratificada, enfatizando que, neste estudo, busca-se observar o sentido
preferencial, contemplando também a estrutura implícita no texto da reportagem
Encontro Real, para que assim possamos observar se houveram ou não mudanças
no discurso de construção do herói, respeitando ao monomito de Campbell (1995).
A abordagem qualitativa torna-se mais interessante por nos permitir que
analisemos detalhes que podem ser preciosos para a construção desta monografia,
visando assim darmos resposta à hipótese levantada. Uma análise quantitativa se
apresentaria como demasiadamente pobre para se compreender os passos da
Jornada do Herói, pelo discurso utilizado, interpretando, como já dito, seu sentido,
não intenções ou porquês. Porém, será realizada a contagem de quantas vezes
foram citadas as palavras Rei e Príncipe, o que não infere em uma abordagem
quantitativa, apenas serve como uma estratégia auxiliar no levantamento de pistas
para a análise.
Assim, Chizzotti explica o que se entende por análise qualitativa:
A pesquisa qualitativa recobre, hoje, um campo transdisciplinar, envolvendo
as ciências humanas e sociais, assumindo tradições ou multiparadigmas de análise, derivadas do positivismo, da fenomenologia, da hermenêutica, do marxismo, da teoria crítica e do construtivismo, e adotando multimétodos de investigação para o estudo de um fenômeno situado no local em que ocorre, e enfim, procurando tanto encontrar o sentido desse fenômeno quanto interpretar os significados que as pessoas dão a eles. O termo qualitativo implica uma partilha densa com pessoas, fatos e locais que constituem objetos de pesquisa, para extrair desses convívios os significados visíveis e latentes que somente são perceptíveis a uma atenção sensível e, após esse tirocínio, o autor interpreta e traduz em um texto, zelosamente escrito, com perspicácia e competência cientificas, os significados patentes ou ocultos do seu objeto de pesquisa. (2010, p. 221)
Neste estudo podem-se observar, então, pessoas, fatos e locais. Neste caso,
as pessoas são Pelé e Neymar; os fatos se dão quanto ao processo de mitificação
pela mídia que as imagens dos dois passaram – mais precisamente que Pelé já
passou e Neymar está passando –, observando se há ou não uma mudança de
39
paradigmas quanto à estrutura clássica da Jornada do Herói; o local passa a ser
então, a mídia – os veículos midiáticos –, representada aqui pela revista Placar, por
compreendermos que essa publicação sirva como um suporte representativo para o
estudo desse fenômeno da construção dos mitos para o jornalismo esportivo como
um todo. Aliás, não só o local em que este estudo é realizado, mas também as
pessoas e os fatos aparecem como representações do todo, justamente pela
magnitude inerente aos personagens e às ocasiões, e, claro, às comparações já
cotidianamente realizadas pela imprensa; dessa forma, foi empregado esse estudo
por meio de análise do discurso.
6.4 As mudanças na Jornada do herói pela ótica da pesquisa exploratória
Assim como a análise do discurso aparece como o método mais eficiente
para se chegar ao resultado final deste projeto, esta depende da forma de pesquisa
adotada pelo autor para realizar-se. Desse modo, visto a problemática apresentada,
o método de pesquisa cabível (e fundamental) para este estudo é o exploratório,
escorado em uma estratégica pesquisa bibliográfica.
A pesquisa exploratória representa então o primeiro passo do trabalho
cientifico, segundo Lakatos (1983), que complementa:
Este tipo de pesquisa tem por finalidade, especialmente quando se trata de pesquisa bibliográfica, proporcionar maiores informações sobre determinado assunto; facilitar a delimitação de uma temática de estudo; definir os objetivos ou formular as hipóteses de uma pesquisa ou, ainda, descobrir um novo enfoque para o estudo que se pretende realizar. Pode-se dizer que a pesquisa exploratória tem como objetivo principal o aprimoramento de idéias ou a descoberta de intuições. (p. 18)
Ainda segundo o autor, a pesquisa exploratória envolve determinadas ações:
“a) levantamento bibliográfico; b) entrevistas com pessoas que tiveram experiências
práticas com o problema pesquisado; c) análise de exemplos que estimulem a
compreensão do fato estudado” (id, p. 18). Neste estudo pretende-se, então, a
realização de duas das três ações identificadas por Lakatos (ibid.), imprescindíveis
para o entendimento do fenômeno em questão: levantamento bibliográfico e análise
de exemplos.
40
Quanto à pesquisa bibliográfica, Lakatos:
A pesquisa bibliográfica procura explicar um problema a partir de referências teóricas publicadas em documentos. Pode ser realizada independentemente ou, também, como parte da pesquisa descritiva ou experimental, quando é feita com o intuito de recolher informações e conhecimentos prévios acerca de um problema para o qual se procura resposta ou acerca de uma hipótese que se quer experimentar. Em ambos os casos, busca-se conhecer e analisar as contribuições culturais ou científicas existentes sobre um determinado assunto, tema ou problema. A pesquisa bibliográfica abrange toda a bibliografia já tornada pública em relação ao tema de estudo. (1983, p. 18)
Para a realização de uma análise de discurso que abranja a problemática
apresentada, há de se levar em conta o conhecimento científico, resultado de uma
investigação metódica e sistemática da realidade (Galliano apud Lakatos, 1983),
mas também o vulgar (o senso-comum) (Lakatos, 1983), já que trabalharemos com
um processo realizado pela mídia massiva tendo como alvo, justamente, a massa.
Assim, o método empregado será o dedutivo que usa uma construção lógica
para se chegar a uma conclusão recorrente de duas outras premissas já existentes
(Lakatos, id.) como uma conexão de ideias, considerando trabalharmos com casos
particulares na busca de compreendermos o todo.
41
7 ANÁLISE DA REPORTAGEM ‘ENCONTRO REAL’: REI VS. PRÍNCIPE
Figura 1: Capa da revista Placar, edição 1341
Até o momento, nos utilizamos de aparatos teórico-metodológicos estudados
para levantarmos mais questionamentos, buscarmos pistas, e por fim, encorparmos
nossa hipótese a respeito do fenômeno explorado neste estudo – representado pela
reportagem Encontro Real, publicada na edição 1341 da revista Placar. Outro ponto
a ser enfatizado, também, é o constante subsídio de informações de outras
reportagens que apresentam narrativas que constroem os mitos esportivos – em
especial, o contraponto propiciado pela revista Placar 1149 – Ele, Pelé – o herói do
século –, o que nos dá a contraposição necessária para realizar-se uma análise
comparativa, devido ao seu conteúdo tão condizente à Jornada do Herói, o que
parece não se aplicar à construção de Neymar pela edição 1341.
É neste momento em que se chega ao ponto-chave deste projeto – a efetiva
análise. Até o momento, como dito acima, foram inseridos ao decorrer do estudo
alguns recortes do objeto de análise em questão, para situar o leitor acerca do
terreno explorado e de seu sentido preferencial – que é o que justamente nos
escoramos em nossas interpretações acerca do conteúdo da matéria, visto que a
pretensão desta pesquisa é apontar os sentidos que consensualmente se explicitam
nas estratégias utilizadas pela reportagem, sem inferir que outras leituras não seriam
possíveis.
42
Antes de iniciarmos nossa análise, porém, é necessário explicarmos de que
forma ela será conduzida, sob quais pilares e quais seus objetivos. A hipótese
trabalhada sugere que as mudanças nos hábitos culturais – os novos costumes e
valores sociais – e a mudança geracional entre os que viram o surgimento do mito
Pelé e o mito Neymar, sobretudo provindos do processo de midiatização, exigiram
uma reinterpretação da Jornada do Herói na construção do novo mito pelo
jornalismo esportivo, em que aparentemente se espera que um jogador possua
laços de identificação com os jovens, e não que sirva necessariamente como
exemplo de bom comportamento – discurso que se aplica a narrativa construtiva de
Neymar, por Itri e Perrone (2010), na matéria Encontro Real, com a utilização do
contraponto com a figura de Pelé. A análise servirá então para buscarmos resposta
ao problema já levantado, seja confirmando ou não esta hipótese.
Conforme já explicado nos capítulos anteriores que trataram dos
procedimentos metodológicos aplicados para a realização desta monografia, esta
análise abrangerá os diversos aspectos do discurso, como o texto – verbal e sua
estrutura narrativa –, e a linguagem gráfica representada por título e intertítulos19,
gravatas, imagens – a reportagem utilizou tanto as fotos feitas durante a sessão,
quanto fotos de arquivo –, diagramação – enfatizando boxes20, olhos21
Para direcionarmos nosso leitor na análise da reportagem sob a ótica da
Jornada do Herói, primeiro serão traçados os principais movimentos que constroem
a reportagem especial Encontro Real. Por conseguinte, dando continuidade à pré-
análise, será feita uma apreciação abrangente que demonstre as mudanças no
discurso de construção de ambos os jogadores, Pelé e Neymar, por meio das
edições 1341 e 1149 da revista Placar. A partir disso, então, poderá ser iniciada a
análise da matéria Encontro Real sob três eixos – as três fases da Jornada do Herói
do monomito de Campbell (1995): Partida, separação; Descida, iniciação,
penetração; e Caminho de Volta.
, a própria
escolha das imagens citadas anteriormente etc.
19 Pequenos títulos colocados no meio do texto. Esse artifício é usado para tornar o texto menos denso. (Ribeiro, 2011.) 20 “Recurso editorial que se reveste de forma gráfica própria” (Ribeiro, 2011, s/p). 21 “Frase destacada sob o título ou no conjunto da página” (id).
43
7.1 Cara a cara: Breves movimentos da reportagem ‘Encontro Real’22
Por se tratar de uma matéria especial – matéria de capa da edição –, a
reportagem conta com duas páginas de abertura (p. 48-49), aparentemente já
pensadas para transmitir, de forma resumida e ilustrada, os principais sentidos que a
permeiam. Em cada página dessa abertura é estampada uma foto: Pelé, na p. 48,
em preto e branco; Neymar, p. 49, em uma foto colorida de alta resolução. Em
ambas as fotos, os jogadores estão em ambientes – o campo de futebol – e ações –
buscando a bola – semelhantes, e trajando o manto sagrado, o uniforme do Santos
Futebol Clube, o que os coloca num mesmo patamar, e já nos cede um desses
principais sentidos: a comparação. Outro ponto a se analisar é justamente a
disposição das imagens dos dois nessas páginas – Pelé à esquerda, Neymar à
direita, o que parece respeitar a uma ordem cronológica.
Nas páginas de abertura, ainda, destacam-se o título – Encontro Real – e a
gravata, em que diz Pelé e Neymar escancararem “diferenças históricas” (p. 49).
Além disso, a página traz os nomes dos autores, Bernardo Itri e Ricardo Perrone, e
da designer responsável pela parte gráfica do especial, Bruna Lora – figura
importante, já que também serão tratados os aspectos gráficos da reportagem. O
projeto gráfico da Placar, aliás, prevê que os nomes dos designers sejam
destacados na abertura em uma mesma hierarquia dos repórteres, o que constata o
peso do design – da diagramação – na interpretação dos sentidos que abrangem o
conteúdo da revista.
22 Neste tópico será tratada apenas a reportagem Encontro Real publicada na edição 1341 da revista Placar, dessa forma, num esforço para que o texto não se torne repetitivo, optamos apenas por inserirmos os números das páginas a que estamos nos referindo, sem créditos de data ou autoria – informações já amplamente divulgadas ao decorrer do material. Nos tópicos que seguem, porém, quando trataremos de outras publicações, voltaremos a assinalar todos os créditos necessários e previstos pela ABNT (Associação Brasileira de Normas Técnicas) e pelas normas internas das Faculdades Integradas do Brasil (UniBrasil) que regem este trabalho.
44
Figura 2: páginas de abertura da reportagem “Encontro Real” (p. 48-49)
Na primeira página de texto, a cartola23 - “Rei e Príncípe24
Ainda na primeira página é ressaltada a simpatia e a popularidade de Pelé,
que, mais tarde, se contraporá à timidez, falta de atenção e aparente desinteresse
de Neymar. Ele que, aliás, é o ponto central da matéria. O que se nota com o
desenvolver das linhas, em que Pelé fala especialmente de Neymar, demonstrando
que o foco da entrevista é o garoto – o que reforça o papel de Pelé como o
conselheiro na jornada de Neymar. Também são estampados na p. 50 boxes com
dados financeiros da carreira do jovem jogador.
” (p. 50) –, já guia o
enredo da matéria, que se inicia com a data em que a entrevista e a sessão de fotos
aconteceram: “Segunda-feira, 1º de março” (id.). Logo no início do texto nota-se um
apelo em enfatizar Neymar como um personagem midiático, o que demonstra a
forma como o jovem jogador está inserido nesse meio, tanto em relação aos
suportes – o contato por telefone, por exemplo – quanto no que diz respeito à sua
ligação com a imprensa.
23 O mesmo que retranca ou chapéu. Uma ou mais palavras usadas para definir o assunto da matéria. (Ribeiro, 2011, s/p) 24 Apesar da cartola, a palavra “príncipe” aparece apenas uma vez durante o texto, enquanto Pelé é citado como “Rei”, 14 vezes.
45
Figura 3: Box com dados financeiros da carreira de Neymar (p. 50)
A primeira quebra do texto se dá com o intertítulo: Cara a Cara, na p. 51 –
uma referência à chegada de Neymar, que ficará frente a frente com o Rei. Assim,
conforme explicitado no texto, inicia-se a sessão de fotos.
Diante das lentes de PLACAR estão dois homens vaidosos. O mais velho usa tintura para esconder os cabelos brancos. Já o mais jovem corta o cabelo a cada 15 dias no máximo, além de receber no CT25 do Santos um cabeleireiro para passar cremes em seu moicano26
. (p. 51)
As escolhas de termos razoavelmente cifrados, como CT e moicano, já
trazem pistas de um potencial público dessa reportagem, os jovens e conectados
tanto com os termos do esporte como da moda, tendo em vista, especialmente, que
esses termos não são explicados na matéria. Podemos ressaltar isso com uma
passagem da reportagem: “Pelé brincou com o corte de cabelo do garoto. ‘Meu pai
usava um corte assim, chamava de mosca ré (...)’. Neymar fala baixinho: ‘O meu é
moicano’.” (p. 52). Nota-se aí uma barreira de diálogo entre a geração de um e
outro.
Cada um na sua – segundo intertítulo, assinalando uma nova fase da
reportagem. “Neymar está acanhado e Pelé, descontraído. A maneira como se
comportam e a forma como conseguiram seu primeiro carro são algumas das
diferenças entre os dois” (p. 52). Começa aí uma detalhada descrição das
conquistas financeiras de cada um dos personagens, trazida em dados, como “a
25 Centro de Treinamento. 26 Nome do corte de cabelo usado por Neymar. Remete aos índios americanos e foi posteriormente assumido pelos punks, sendo associado como um símbolo da contravenção e contracultura. A utilização por Neymar, a princípio, não sugere esses sentidos iniciais nem um apego às origens, e sim uma vaidade exacerbada, típica dos atuais jogadores de futebol – sentido ressaltado pela informação de que corta o cabelo a cada 15 dias.
46
primeira bolada27 na vida de cada um” (id.). Na mesma página ainda há um
infográfico28 intitulado de Outras Apostas, que traz outros jogadores que se
destacaram no futebol nacional, mas que não chegaram ao patamar de Pelé. Nas
páginas 54 (com Pelé) e 56 (com Neymar) dois boxes que ocupam mais da metade
das páginas, trazem, em formato pingue-pongue29
Comer, comer... representa a terceira e última fase da reportagem. O título faz
uma analogia ao principal conselho de Pelé a Neymar: “tem que se alimentar bem,
cuidar da saúde” (p. 55). Pelé ainda completa ao destacar o talento natural de
Neymar, porém, esse, distraído, sequer escuta o que seu mentor tem a dizer. No
entanto, mais tarde, Neymar revela a importância daqueles 15 minutos em que
passou ao lado do craque mor do futebol, Pelé. ”O encontro foi como um sonho pra
mim. Fiquei muito feliz” (id.). Como se naquele momento Neymar estivesse entrando
no mesmo plano real de Pelé.
, parte das entrevistas realizadas
com os esportistas.
Na saída, Neymar começa a brincar com a bola que ganhou durante a
entrevista, e, aí, notam-se importantes questões. Primeiro no que diz respeito à
riqueza de detalhes na descrição das cenas, e segundo em relação à ênfase no
comportamento imaturo do jogador. Após ser retratado como um menino tímido,
distraído e, por vezes, marrento30, mostra-se outro ponto de vista, Neymar como um
simples garoto de 18 anos, com atitudes condizentes a sua idade unida ao status
que alcançou. Segundo o pai de Neymar, o garoto é assim: “quando se sente à
vontade vai logo dando um jeito de se divertir” (p. 57)31
27 Gíria que refere-se à conquista de uma grande quantia de dinheiro.
. Quebra-se também a ideia
do sofrimento, das provações típicas da Jornada. Neymar não parece passar por
28 Artifício gráfico que envolve imagem e pequenas informações de texto que se complementam. (Ribeiro, 2011, s/p) 29 Matéria em forma de perguntas e respostas (Ribeiro, 2011, s/p). 30 Diz-se marrento, segundo o Dicionário inFormal (www.dicionarioinformal.com.br/), da “pessoa difícil de se dobrar; seca, que não se abre facilmente, com fama de durona, econômica em carinhos. Nota: ser marrento não é ser antipático nem tímido; é ser meio fechado, meio durão”. Ainda, segundo o portal R7 (www.r7.com) – ambos os sites acessados em 16/10/2010 –, “os dribles de Neymar e os seus comentários na internet, deram ao atleta a fama de marrento. Alguns torcedores, jogadores e técnicos dizem que falta humildade para o craque”. 31 Ênfase a um notável trabalho midiático sobre a figura do Neymar, em que a imprensa parece estar se esforçando em criar o discurso de “só um menino”, obediente ao pai, que só quer jogar bola, vide uma propaganda protagonizada por ele e seu pai, também chamado Neymar, para a campanha dos celulares Nextel. No sentindo de criar um contraesforço na descontrução da ideia do marrento.
47
conflitos profundos nem por aprendizados especiais por possuir tal dom, conforme
se esperaria tipicamente de alguém que ingressa numa Jornada do Herói.
Em relação aos planos de carreira exaltados na p. 57, vemos que eles não se
confirmaram. ”Os planos são que ele vá para a Europa em Agosto (de 2010)”. O
atacante renovou justamente em agosto de 2010 seu contrato com o Santos32
Os processos de modernização e midiatização social aparecem como um
ponto-chave na reportagem Encontro Real, como justificativa ao boom da carreira de
Neymar. A forma como surgiu no mundo do esporte, aliado tanto ao seu talento
quanto seu comportamento, parecem, se não fugir à Jornada do Herói, de Campbell
(1995), exigir uma reinterpretação dos passos, conforme as demandas da sociedade
e da mídia atual.
.
A p. 57 ainda traz mais uma das ações de Neymar dentro de campo, que
geraram inúmeros comentários para a imprensa especializada. A paradinha33 antes
de bater um pênalti contra o rival São Paulo, em que fez o experiente jogador são
paulino Rogerio Ceni34
As escolhas dos intertítulos também aparecem como um ponto a se pensar
em relação à reportagem. Aparentemente eles parecem remeter ao século passado,
sobretudo a ações midiáticas, justamente num período em que a mídia vivia um
processo gradual para se chegar ao patamar que a encontramos hoje. Como o
clichê de linguagem: “cara a cara”, que também remete a telenovela homônima
exibida pela Rede de TV Bandeirantes em 1979. Já a frase “cada um na sua” ficou
“perder a pose” (p. 57). Um grande box ao lado esquerdo
ainda demonstra a cobiça de olheiros internacionais em levarem Neymar para o
exterior. E dessa forma encerra-se a matéria.
32 Matéria sobre a renovação do contrato em: http://oglobo.globo.com/esportes/brasileiro2010/mat/2010/08/19/neymar-aceita-proposta-do-santos-renova-contrato-diz-nao-ao-chelsea-917435140.asp 33 Técnica utilizada por jogadores ao bater pênaltis, em que ele simula o chute, mas o retarda, com o intuito de que o goleiro se antecipe na defesa, para depois efetivamente chutar. 34 Um jogador tipicamente associado a um mentor, por estar no mesmo time desde 1990, sendo o titular absoluto de sua posição – goleiro – desde 1997. Ceni também é considerado o goleiro com o maior número de gols marcados, devido a sua especialidade em cobranças de bola parada, como faltas ou pênaltis. Porém, além disso, Ceni é lembrado como um bom moço, apontado como um jogador sereno e inteligente, sendo um dos conselheiros do time do São Paulo. A escolha de se utilizar a imagem da paradinha que literalmente derrubou o goleiro, portanto, aparece carregada de sentido, demonstrando, mais uma vez, um sintoma de desrespeito do mito Neymar.
48
famosa no slogan35 dos cigarros Free em uma propaganda dos anos 80 que dizia
“Cada um na sua, mas com alguma coisa em comum”, que de alguma forma refletia
o espírito jovem yuppie36
individualista típico da década. “Comer, comer” era refrão
de uma música infantil do grupo Gengis Khan, também nos anos 80. Assim como
podem se tratar de coincidências, independentemente da intencionalidade
referencial dos autores, expressões conhecidas como estas, utilizadas dentro ou
fora de seus contextos originais, parecem uma maneira de confortar o leitor, com
respiros perceptíveis, mantendo-o na leitura.
7.2 A Jornada do Herói como estrutura narrativa na construção dos personagens Pelé e Neymar: uma análise comparativa37
O herói mitológico, saindo de sua cabana ou castelo cotidianos, é atraído, levado ou se dirige voluntariamente para o limiar da aventura. Ali, encontra uma presença sombria que guarda a passagem. O herói pode derrotar essa força, assim como pode fazer um acordo com ela, e penetrar com vida no reino das trevas (batalha com o irmão, batalha com o dragão; oferenda, encantamento); pode, da mesma maneira, ser morto pelo oponente e descer morto (desmembrado, crucifixão). Além do limiar, então, o herói inicia uma jornada por um mundo de forças desconhecidas e, não obstante, estranhamente íntimas, algumas das quais o ameaçam fortemente (provas), ao passo que outras lhe oferecem uma ajuda mágica (auxiliares). Quando chegam ao nadir da jornada mitológica, o herói passa pela suprema provação e obtém sua recompensa. Seu triunfo pode ser representado pela união sexual com a deusa-mãe (casamento sagrado), pelo reconhecimento por parte do pai-criador (sintonia com o pai), pela sua
35 “Frases ou citações de fácil memorização usadas em contexto político, religioso ou comercial como uma expressão repetitiva de uma ideia ou propósito. São usadas por empresas e similares para anunciarem seu produto ou serviço. São uma das bases da propaganda” (Wikiquote, 2011). 36 “’Young Urban Professional’, ou seja, Jovem Profissional Urbano. (...) O termo ‘yuppie’ descreve um conjunto de atributos e traços de comportamento que vieram a constituir um estereótipo que se acredita ser comum nos EUA, Inglaterra e outros países do ocidente. De fato, as transformações pelas quais passou o mundo durante os anos 80 foram responsáveis por alterar profundamente a ideologia e as relações pessoais entre os grupos de jovens adultos. (...) são mais conservadores que a geração anterior, hippie. Deixando de lado as causas sociais abraçadas por aquela geração (a qual havia deixado de lado valores tradicionais), os yuppies tendem a ser antes de mais nada profissionais. Tendem também a valorizar bens materiais (especialmente objetos da última moda).(...) Porém, a perseguição em ritmo intenso destes bens materiais tem muitas vezes conseqüências indesejadas. Quase sempre com pressa, buscam itens e serviços de conveniência. A escassez excessiva de tempo pode prejudicar suas relações familiares. A busca pela manutenção de seu estilo de vida pode significar "stress" e exaustão mental. (Wikipedia, 2011, s/p) 37 Conforme explicado em ocasião anterior, como voltamos, a partir deste tópico, a tratarmos de outras publicações visando complementar nosso material, os créditos também voltam a vigorar conforme as normas já citadas.
49
própria divinização (apoteose) ou, mais uma vez - se as forças se tiverem mantido hostis a ele -, pelo roubo, por parte do herói, da bênção que ele foi buscar (rapto da noiva, roubo do fogo); intrinsecamente, trata-se de uma expansão da consciência e, por conseguinte, do ser (iluminação, transfiguração, libertação). O trabalho final é o do retorno. Se as forças abençoaram o herói, ele agora retorna sob sua proteção (emissário); se não for esse o caso, ele empreende uma fuga e é perseguido (fuga de transformação, fuga de obstáculos). No limiar de retorno, as forças transcendentais devem ficar para trás; o herói reemerge do reino do terror (retorno, ressurreição). A bênção que ele traz consigo restaura o mundo (elixir). (Campbell, 1995, p. 241-242)
Analisando o conteúdo das páginas direcionadas a Pelé e Neymar, pode-se
observar de primeiro alguns traços que identificam algumas diferenças entre os
heróis de ontem e os de hoje no esporte. Esses traços díspares no discurso da
matéria intitulada Encontro Real, iniciada na página 48, são notados na gravata:
“Juntos Pelé e Neymar escancaram diferenças históricas38
A gravata, assim como o título, Encontro Real, também já denuncia como a
mídia esportiva vem tratando o jovem jogador do Santos, assim como trata Pelé, em
relação aos títulos de realeza. Com o início da matéria, então, deparamo-nos com o
começo de uma narrativa estruturada sob os pilares da Jornada do Herói, em que
Campbell (1995) argumenta, entre outros, da narrativa de construção do herói – o
defensor da nação, que, por sua vez, possui uma trajetória similar a de grande parte
de seus, por assim dizer, discípulos (pessoas comuns).
entre o Rei e o candidato
à majestade” (Itri e Perrone, 2010, p. 49).
Cada indivíduo deve encontrar um aspecto do mito que se relacione com sua própria vida. Os mitos têm basicamente quatro funções. A primeira é a função mística – e é disso que venho falando, dando conta da maravilha que é o universo, da maravilha que é você, e vivenciando o espanto diante do mistério. (...) A segunda é a dimensão cosmológica, a dimensão da qual a ciência se ocupa – mostrando qual é a forma do universo, mas fazendo-o de uma tal maneira que o mistério, outra vez, se manifesta. (...) A terceira função é a sociológica – suporte e validação de determinada ordem social. E aqui os mitos variam tremendamente, de lugar para lugar. (...) Mas existe uma quarta função do mito, aquela, segundo penso, com que todas as pessoas deviam tentar se relacionar – a função pedagógica, com viver uma vida humana sob qualquer circunstância. Os mitos podem ensinar-lhes isso. (Campbell in Moyers, 2009, p. 32)
Nesse aspecto encontramos os olimpianos – os mitos modernos, projetados
pela mídia para se identificarem com a sociedade em suas realidades e, sobretudo,
38 Grifos da autora.
50
anseios, o caso dos jogadores de futebol – conceituados por Fausto Neto (2000).
Essa característica do olimpismo no futebol surge do imaginário popular frente ao
que julgam como um ato heroico. Ribeiro explica como as divulgações da vida
privada desses heróis garantem a identificação deles com o público, nessa ideia de
olimpismo:
Familiares e inacessíveis, os olimpianos, por meio de sua dupla natureza, divina e humana, efetuam a circulação permanente entre o mundo da projeção e o mundo da identificação. Eles se tornam modelos de vida encarnando os mitos de auto-realização. As estrelas, com suas vidas de lazer, espetáculo, amor, luxo e fama, simbolizam os tipos ideais da cultura de massa. São olimpianos da vida privada, os heróis que animam a imagem da verdadeira vida. (2010, p. 01)
Pelé não foi considerado um dos heróis do século XX somente por suas
proezas com a bola, mas graças a campanhas promovidas pelos veículos
midiáticos, como pela própria revista Placar. Nessas campanhas, além de seu
indiscutível talento para o futebol, eram ressaltados seus inúmeros aspectos
humanos nos mais variados sentidos, quase todos obedecendo aos princípios
salientados por Campbell (1995), ou seja, obedecendo a uma clássica estrutura
narrativa, em que o herói passa por diversas dificuldades e provações ao longo de
sua jornada. Havia, portanto, um viés pedagógico na história de Pelé como alguém
que passou por certas situações para obter algo, modelo que deveria ser repetido/
espelhado na vida de seus seguidores. Contraditoriamente, o mesmo não se
observa no discurso da edição 1341 sobre o promissor Neymar. Logo no início da
reportagem Encontro Real, na p. 50, começam a serem escancaradas as diferenças
entre o comportamento dos jogadores da época de Pelé (nos anos 50/60/70) e os de
hoje, como Neymar, porém sem deixar de enfatizar o quão ilustres são os
personagens tratados e a riqueza daquele encontro. O encontro histórico foi breve, mas ilustrou bem as diferenças entre a primeira geração de craques seguida pela revista e a mais recente, capitaneada pelo promissor atacante santista, que alimenta as esperanças daqueles que sonham em ver um novo Pelé. A turma mais antiga nasceu sem a pretensão de ser celebridade. Já Neymar, a joia mais reluzente do pelotão atual, preparou-se para os holofotes desde o berço. (Itri e Perrone, 2010, p. 52)
51
Nota-se que, mesmo tendo como destaque as diferenças entre Pelé e
Neymar, a todo o momento se atrela à imagem de um personagem a do outro. O
que é salientado pelas fotos escolhidas para comporem a reportagem.
Figura 4: Sessão de fotos exclusiva para os 40 anos da revista Placar (p.
51)
Porém, mesmo com tantas incorporações de semelhanças, trabalha-se um
texto de contraposições, do sábio versus o herói relutante – um herói da era da
visibilidade, o que é ressaltado na última parte da reportagem. Placar questiona:
“Desde os 13 anos Neymar dá entrevistas. Tanta exposição vai ajudar ou
atrapalhar?” (Itri e Perrone, 2010, p. 57). E é Pelé quem dá a resposta: “’Isso não
muda o caráter do jogador. Hoje isso é natural, tem muito meio de comunicação,
então sempre tem muita gente. Ele já foi criado nesse mundo39
Um exemplo desse tom de contraposição entre Pelé e Neymar adotado por
Itri e Perrone é o discurso utilizado para contar sobre como cada um dos
personagens conquistou o primeiro carro:
; é natural para ele,
não vai prejudicá-lo’” (id.).
Dias depois de completar 18 anos, Neymar ganhou de presente de aniversário um utilitário Volvo escolhido por ele e comprado por seu pai com o dinheiro do atacante. O carro vale cerca de 170 000 reais, quase o mesmo que seu salário mensal. (2010, p. 52)
Ao passar das linhas, Pelé começa, então, a contar sobre seu primeiro carro,
modelo Romiseta, que ganhou do prefeito de Bauru (SP), cidade em que iniciou sua
vida de atleta. “’Um carrinho para duas pessoas, uma decepção’” (id., p.52), conta
39 Grifos pela autora.
52
Pelé. Esse método de comparação usado pelos autores já revela as discrepâncias
entre a imagem de um e outro.
Já na edição 1149, o discurso é outro. Preferem-se, logo no início da
publicação, na p. 06, se exaltar as qualidades de Pelé como um ser supremo. O que
notamos na sessão Câmera Lenta, entre as páginas 06 e 11, em que são expostas
fotos do Rei com as seguintes legendas: “A realeza”, “Suprema perfeição” e “Acima
dos mortais”. Embora a edição seja de 1999, ela é trabalhada conforme os vários
discursos que percorreram a carreira de Pelé, entre o fim da década de 1950 e
1999. Hoje, nota-se pelo discurso acerca de Neymar, que se espera que um jogador
se identifique com os jovens, e não que sirva como exemplo sobre como eles devem
se comportar, enfatizando que nossos hábitos mudaram consideravelmente. Os
heróis aparentemente não deixaram de ser defensores da nação – enfatizados pela
fidelidade ao time que os revelaram, o Santos, em ambos os casos –, mas se tornou
um menino rebelde – um novo modelo de presença.
Sodré (2002) defende que está vigorando um novo tipo de controle moral, o publicitário-mercadológico, no qual a prescrição ética se encontra implícita no discurso, “aja assim porque é moderno, porque é melhor”. Enfim, o discurso ilumina fatos e constrói um real próprio do campo midiático, que se traduz também no novo modelo de presença do sujeito no mundo. (Barichello; Stasiak, 2007, p. 111)
A forma como a vida e carreira de Neymar são retratadas ao longo das linhas
aparece como uma contradição à de Pelé, sendo assim, procuramos saber se a
trajetória de Neymar não obedece aos passos identificados por Campbell (1995) ou
apenas exige uma reinterpretação desses passos, conforme os novos costumes e
valores sociais.
Neymar, ao contrário de Pelé, é um jovem ostentador que, na gíria do futebol,
é considerado marrento. Aí observamos uma nova construção de imagem, que
remete ao exibicionismo e aos novos comportamentos da juventude na atualidade.
Assim, seria Neymar uma espécie de sintoma de uma nova configuração do herói
moderno, conforme as demandas da sociedade as quais a mídia sem dúvida
acompanha? Destaque às coreografias criadas por Neymar na comemoração de
gols, ou, ainda, o polêmico (no jornalismo esportivo e entre interessados por futebol)
53
chapéu40 aplicado por Neymar no zagueiro do Corinthians, Chicão, durante jogo
válido pelo Campeonato Paulista de 2010, com a bola parada após ter seu
impedimento41
Para responder aos questionamentos levantados, deve-se analisar a forma
como o discurso de construção da imagem dos ícones do esporte, considerados
heróis, foi trabalhado no nosso objeto de análise, a reportagem Encontro Real,
possivelmente devido ao processo de midiatização.
marcado pelo árbitro da partida. Atitudes como essas já renderam
inúmeras pautas para a imprensa especializada.
Depois de elucidar a abordagem do mito, a segunda questão a analisar é: quem é o herói da Jornada? Não é, decerto, de um semideus inatingível (...) Tampouco de um herói mítico (...) Sugerimos aqui que o herói seja entendido como uma pessoa que, por um determinado motivo – seus feitos, seu valor ou sua magnanimidade –, seja escolhida para ser o protagonista de uma história de vida. Por isso, e apesar do nome de “herói”, a proposta apresentada não é a de reservar este espaço apenas a personalidades. Justamente porque, na falta de melhores modelos, a imprensa contemporânea dedica um espaço enorme aos olimpianos. (Martinez, 2008, p. 42)
Com mais de meio século de carreira, Pelé certamente já passou pela maioria
dos estágios expostos na Jornada do Herói, tendo sua história retratada por meio
dessa narrativa e, desse modo, a mídia já fez suas investidas em grande parte
desses passos traçados. Porém, Neymar ainda é um jovem, que acabou de
completar sua maioridade. Assim, a narrativa usada para construir a trajetória do
menino que aos 14 anos já conquistou seu primeiro milhão (Itri e Perrone, 2010) é a
mesma já usada para alavancar Pelé, obedecendo ao monomito de Campbell? É
nesse sentido em que se podem notar mudanças gradativas na construção do mito
no futebol, como observado na matéria Encontro Real.
Nas histórias primevas, os mitos eram as histórias transmitidas de geração em geração com o objetivo de explicar tanto os fenômenos cosmogônicos, isso é, a origem e a evolução do universo, como os fenômenos comuns à
40 Um tipo de drible em que o jogador lança a bola por cima da cabeça do adversário e a pega do outro lado. Dribles como esses são válidos durante a partida, porém, na ocasião, a atitude foi amplamente comentada, e mal julgada por muitos, pois o jogo já estava parado, devido à imprudência de Neymar. O que se fortifica ainda mais por se tratar de um clássico no futebol brasileiro: Santos X Corinthians. 41 Espécie de infração cometida pelo jogador de futebol, prevista na lei de número 11 do futebol.
54
espécie humana, entre eles o nascimento, a maturação sexual, a procriação e a morte. Pode ser difícil para um ser humano contemporâneo compreender o impacto da narração de um mito naquela época. É que o ouvinte dessas tradições orais estava longe de ser passivo. Ao contrário. Os rituais tinham como premissa reviver a primeira vez em aquela história supostamente havia sido encenada. Dessa forma, as iniciações integravam o adolescente ao universo dos homens porque permitiam ao jovem absorver diretamente na fonte mítica as forças necessárias para sua transformação. O mito era parte integrante e formadora da realidade. Com a sofisticação das civilizações, os mitos vão deixando o patamar dos deuses inatingíveis e aproximando-se dos mortais. (Martinez, id., p. 35)
Dessa forma, as narrativas de construção desses mitos estão em constantes
mudanças, não em sua fórmula, mas enquanto mensagens simbólicas –
representativas e interpretativas – para se adequarem às novas realidades, ou seja,
o que muda é a mensagem.
Um exemplo aplicado dessa mudança na mensagem na TV Brasileira, é o do
seriado teen: Malhação. Há 16 anos na grade fixa da TV Globo, o seriado já passou
por diversas reformulações, porém, é evidente que seu formato (sua fórmula) é
mantido, como a mocinha apaixonada pelo bad boy, impedidos socialmente de estar
juntos – remetendo, portanto, à Jornada, sobre um herói em dificuldades que passa
por uma aventura para conseguir algo valioso. O que se renova a cada temporada,
além dos personagens, são os focos narrativos, visando se adequar aos seus novos
telespectadores, que também se reciclam a cada temporada.
E nessa falta de histórias mitológicas com deuses inatingíveis, por exemplo, a
imprensa adaptou seus próprios discursos para construir seus mitos, que, por sua
vez, devem possuir uma trajetória interessante, com diferenciais, e que seja de fácil
identificação: o caso dos jogadores de futebol como Neymar.
Você não pode prever que mito está para surgir, assim como não pode prever o que irá sonhar esta noite. Mitos e sonhos vêm do mesmo lugar. Vêm de tomadas de consciência de uma espécie tal que precisam encontrar expressão numa forma simbólica. (...) E ele lidará exatamente com aquilo com que todos os mitos têm lidado – o amadurecimento do indivíduo, da dependência à idade adulta, depois à maturidade e depois à morte; e então com a questão de como se relacionar com esta sociedade e como relacionar esta sociedade com o mundo da natureza e com o cosmos. É disso que os mitos têm falado, desde sempre, e é disso que o novo mito terá de falar. (Campbell apud Moyers, 2009, p. 33)
Um outro exemplo é o discurso adotado na edição 1149, especial de Pelé, em
que a equipe de reportagem da Revista Placar traça as 10 razões que fazem do
camisa 10, Pelé, o herói do século (p. 28 a p. 49), são elas:
55
Ninguém marcou tantos gols; Ninguém foi tão completo; Ninguém conquistou mais títulos; Ninguém encantou mais; Ninguém reinou por tanto tempo; Ninguém foi mais profissional; Ninguém perdeu gols tão lindos; Ninguém jogou tanto pela Seleção; Ninguém foi mais atleta; Ninguém foi tão precoce.
A justificativa para se apontar essas razões são expostas na gravata: “Em um
mundo que revelou tantos e tão variados craques, Pelé tinha que ser muito especial
para se tornar, sem discussão, o melhor de todos” (Placar, 1999, p. 29). Assim, são
ressaltadas as principais aventuras vividas pelo herói Pelé ao longo de sua jornada –
sua carreira. Razões que remetem a determinados passos da Jornada do Herói,
como: o chamado à aventura, a estrada de provas, a mulher como tentação etc. Sendo assim, se apenas uma boa atuação em campo não garante a
mitificação desse jogador, o que faz de Neymar, segundo a revista Placar, o possível
sucessor de Pelé? Aparentemente, apenas as narrativas jornalísticas podem dar
conta disso nesse momento.
Itri e Perrone questionam:
Apesar de tanta expectativa em torno de Neymar, nada é garantido. Em 40 anos de PLACAR, surgiram inúmeros jogadores com a alcunha de “novo Pelé”. Nenhum deles conseguiu substituir o Rei. Uma parte deles até construiu uma carreira vencedora. E Neymar? Será o destaque da Copa 2014, um novo Pelé, ou vai engrossar a lista de promessas que fazem bate-volta na Europa? (...) Pelé descarta ser superado pelo novato. (2010, p. 57)
Devemos, então, atentar-nos à última frase da reportagem: “A única certeza é
que Neymar é a bola da vez, e nada melhor que Pelé apadrinhá-lo na capa
comemorativa dos 40 anos de PLACAR” (id, 2010, p. 57) – reforçando Pelé como o
conselheiro de Neymar na reportagem, mais uma vez. Seria esse discurso uma
estratégia na construção da imagem de Neymar? Diferente de como foi tratado Pelé
na edição 1149, a reportagem Encontro Real não constrói Neymar baseando-se em
derrotas e vitórias, e dificuldades/provações, mas, pelo contrário, enfatizando sua
imaturidade, mesmo frente à magnanimidade de Pelé. Essa ênfase entre as
semelhanças e diferenças com o Rei, parecem transformar Neymar em uma espécie
de anti-herói, que, mesmo não possuindo uma trajetória próxima a dos grandes
56
heróis, consegue se destacar perante os demais, e como protagonista, ainda,
mesmo não seguindo os passos tidos como corretos, consegue salvar a nação
(santista, e nacional, enquanto Seleção Brasileira42) e ganha o carisma do povo –
algo como foi feito também com Romário, no futebol (talento natural x marra43
Mais tarde, essa estratégia se confirma, agora fora das páginas da revista,
com Neymar sendo o escolhido para trajar a camisa santista em comemoração aos
70 anos de Pelé
), ou
com Macunaíma, na literatura (o famoso “herói sem caráter”, criado como uma sátira
representativa ao povo brasileiro).
44
. Ou ainda, a comparação feita entre Neymar e Pelé por alguns
veículos de mídia, no ano de 2011, em relação à Neymar, com 19 anos, ter
engravidado sua ex-namorada – “O Rei do Futebol teve sete filhos. Três do primeiro
casamento e dois do último, além de duas filhas, que só foram reconhecidas depois
de 20 anos, uma delas na Justiça” (Jornal Metro Curitiba, 2011, p. 15). Este texto
vem estampado em um box ao lado da matéria principal, que se refere a paternidade
de Neymar, como se o jovem estivesse se encaminhando para uma história parecida
a de Pelé, com as filhas fora do casamento.
Figura 5: Neymar aos 18 anos atuando pela Seleção brasileira sub-20, e
Neymar, com a mesma idade, pela Seleção principal (p.54).
42 O jogador é titular absoluto pela Seleção Sub-20, para menores de 20 anos, do Brasil, conquistando o título de melhor jogador e campeão do Campeonato Sul-Americano em 2011, e também tem sido escalado para os amistosos da Seleção principal. No site oficial do jogador é possível encontrar uma listagem dos títulos já conquistados em sua carreira como profissional do futebol: www.neymaroficial.com/conquistas.php. 43 Mais uma gíria usada no futebol para se referir ao sujeito marrento, metido e indisciplinado – o que traduz em Romário, conhecido por suas noitadas e faltas em treinos. 44 “Neymar vence enquete e irá usar camisa 70 em homenagem a Pelé". Manchete da nota publicada no Portal Virtual da revista Placar, em 22/10/2010. Acessado em 08/11/2010.
57
7.3 Herói moderno, a relação entre Neymar e o monomito: Partida, separação
Como representar 40 anos em uma capa? Não havia como não ser Pelé, estrela da número 1, em 1970. Precisávamos do Rei não tem jeito. Pelé, na enésima demonstração de carinho para com a revista, abriu um buraco em sua agenda para as fotos. Só que PLACAR sempre foi uma revista de olhar comprido para o futuro. O que acontecerá lá adiante, aonde isso vai dar? Queríamos simbolizar na capa comemorativa esse olhar para a frente. Nosso redator chefe Arnaldo Ribeiro teve a sacada: por que não colocar o menino Neymar ao lado do Rei? (Filho, 2010, p. 06)45
Há pontos curiosos na curta trajetória heroica de Neymar, como o seu mundo
cotidiano – diferente das clássicas histórias de herói, pelo menos das que estão
inseridas no monomito de Campbell (1995), o ambiente da jornada de Neymar, o
futebol nesse caso, nunca foi um mundo distante e imaginário para ele. Diverso dos
heróis que iniciam suas jornadas num mundo cotidiano bem diferente do que está
por vir, Neymar nasceu num universo de futebol, em que seu pai era jogador – e ex-
companheiro de Pelé, conforme indicam Itri e Perrone (2010) – e, sobretudo, em que
“preparou-se para os holofotes desde o berço” (id., p.50). O que modifica também a
relação de sua carreira com o que se entende por Chamado à aventura pelo
monomito de Campbell (1995), embora tenha um talento indiscutível para o futebol,
desde muito cedo Neymar foi condicionado a desenvolver essas habilidades, à base
de muito treino e de boas estratégias comerciais, que lhe renderam ótimas
oportunidades para a maturação de seu futebol, como quando aos “14 anos, em
2006, após uma bem-sucedida manobra de Wagner Ribeiro” (ibid., p. 52) – seu
empresário – foi treinar nas categorias de base do time do Real Madrid, na Espanha
– um dos maiores clubes de futebol do mundo –, convivendo com ícones da bola
como Ronaldo (Brasil) e David Beckham (Inglaterra). Aliás, foi justamente nesse
período em que faturou seus primeiros milhões de reais – dois milhões, mais
precisamente.
Sobre isso, Pelé opina ser um dom natural: “Futebol é um dom, ele não fez
nada, ganhou esse dom de Deus. Tem que comer bem para encorpar” (ibid., p. 56) –
aí se ressalta a figura de Neymar como um herói, uma pessoa que por seu talento e
45 Trecho do editorial da revista Placar edição 1341, Encontro Real, escrito pelo diretor de redação Sergio Xavier Filho.
58
feitos com a bola se destaca dos demais. Essa é, portanto, a fase de Pelé como o
legítimo conselheiro chamando o herói à aventura – e as provações consequentes
dela, como ter de ganhar corpo e se doar menos ao mundo artístico e mais ao
futebol –, porém, esse se demonstra relutante a esse chamado, não no sentido de
não querer jogar futebol, mas de não depender de seu conselheiro. Um misto de
imaturidade, desrespeito e prepotência.
Neymar, distraído, nem escutou a dica de Pelé. O jovem agora parece aquela criança que começa a perder a timidez e passa a explorar o território novo. Enquanto Pelé fala sobre seu conselho, o jogador pede de presente duas bolas que encontrou no estúdio. (Itri e Perrone, 2010, p.55)
Ainda quanto ao Chamado à aventura, também podemos o entender como
um chamado à entrevista e à sessão de fotos, em que, nesse momento, tem de
passar por obstáculos para chegar ao destino final – já dentro da Jornada –, o que
se nota pelo início da matéria. Porém, os testes do herói dessa Jornada parecem
banais e fúteis. Mas poderiam ocasionar numa recompensa do tipo “fama não traz
felicidade”.
Às 17h41, um dos telefones na redação de PLACAR toca. Do outro lado da linha está o empresário Wagner Ribeiro. Ele avisa: “O Neymar acabou de entrar no carro. Estamos saindo. Às 19h30 ele chega aí”. O dia foi agitado para o atacante santista. Depois de brilhar no clássico contra o Corinthians, na véspera, recebeu uma avalanche de pedidos de entrevistas, treinou às 16h em Santos e se prepara para encontrar Pelé, nos Jardins, em São Paulo, exclusivamente para uma sessão de fotos para a capa de PLACAR comemorativa dos 40 anos da revista. (id., p. 50)
Recusa do chamado – como já dito, a recusa de Neymar não parece se dar
em relação a sua vontade de jogar futebol e de fato ser um herói, mas sim em níveis
de desobediência, como a recusa aos conselhos do mentor. O jogador, portanto,
não parece recusar a Jornada, porém, parece a tratar da mesma forma com que
tratou seu chamado à reportagem: “fica num canto esperando” (id., p. 51), como se
já soubesse seu destino, não parecendo fazer nenhum grau de esforço para
conquistá-lo. Porém, essa desobediência se contradiz em partes; um dos passos da
Jornada do Herói é o da Ajuda Sobrenatural, em que esse conselheiro/mentor o
iniciará na aventura, e, pelo que se entende, Neymar contou com muitos mentores
para tal: como seu pai, seu empresário e também Pelé – conselheiro do Santos
59
Futebol Clube e que vê em Neymar um grande potencial, porém, que se incomoda
com a ideia de ser superado pelo novato:
Nunca falei que Neymar me superaria. (...) O que costumo dizer é que, quando comecei, o máximo que queria era ser igual ao meu pai, bom jogador. O Neymar pode desejar muito mais. Que ele é especial, não tenho dúvida. Precisa amadurecer e ganhar corpo. Tem muita visão de jogo, muita rapidez, muita facilidade para tocar a bola. (Itri e Perrone, 2010, p. 54)
Porém, mesmo com tantos conselheiros, sua marra parece se exaltar. Vale
lembrar aqui, então, rapidamente, dos episódios protagonizados por Neymar e
Dorival Júnior – então técnico do Santos. As informações amplamente divulgadas
pela mídia apontam que Neymar foi o responsável pela demissão do técnico, que
não aprovava os atos de desobediência e má educação de Neymar, e o puniu com
multa e afastamento, o que desagradou à cúpula do Santos que demitiu o técnico.
“Era necessária a intervenção (afastar Neymar) para não perder o controle do grupo”
(Barros, 2010, s/p)46
A partir daqui é interessante nos focarmos exclusivamente na trajetória de
Neymar em ocasião da reportagem, para que, através disso, possamos ilustrar sua
carreira de um ponto de vista geral. É aqui que o herói passa pelo guardião e
adentra o portal, deixando seu mundo cotidiano que por si só já é o futebol, para
entrar em um mundo especial, que, no caso de Neymar, podemos nos atrever a
dizer que seja a mídia, pela qual transita seja por sua própria vontade ou não – a
espetacularização do esporte e da notícia unida ao conceito dos olimpianos. Esse é
o momento de sua chegada ao estúdio para o início do que viria a ser uma
experiência de conflitos de geração. “A porta do estúdio se abre e entra Neymar,
tímido e acompanhado por seu agente” (Itri e Perrone, 2010, p. 51).
.
A Barriga da Baleia é certamente um ponto-chave na trajetória de um herói.
Porém, embora sejam lembradas tantas histórias ao decorrer da matéria, como as
de luta e glória de Pelé, as informações dispostas acerca da vida e carreira de
Neymar parecem só transmitir a sensação de boa vida, de conquistas oportunas,
especialmente no que diz respeito às quantias milionárias que acompanham sua
jornada.
46 Quanto a isso, vale a pena visitar a página dedicada a Neymar no Wikipedia, em que trata de maneira resumida e livre de interesses, do caso em questão: http://pt.wikipedia.org/wiki/Neymar
60
Antes de completar 18 anos, Neymar já tinha comprado duas coberturas. Hoje, ganha 180 000 reais mensais do Santos, além, de 300 000 de luvas anuais. Investe a maior parte em imóveis. Sem ainda ter vestido a camisa da seleção principal47
, Neymar fez fortuna bem mais rápido que Pelé. “Eu ganhava bem no Santos. Recebia 5 000 por mês – nem sei mais qual era a moeda. Comprei uma casa para o meu pai em Bauru e outra para mim em Santos. Ganhar muito dinheiro cedo faz parte da geração do Neymar. Na minha época, o que eu ganhei deu para fazer meu pé de meia, planejar minha vida e a da minha família”, disse Pelé. (...) Neymar já ganhava 20 000 reais aos 13 anos. (id., p.53)
Dessa forma se dá o desfecho dessa etapa, em que, mesmo Neymar como o
herói da Jornada, possui como seus traços marcantes a rebeldia e a negação de
certos valores como o respeito e a obediência aos mais velhos. O comportamento
de Neymar parece, assim, se confundir com o de muitos outros jovens de sua idade,
como vemos retratados em jornais ou até mesmo em telenovelas. Surge assim um
herói um tanto quanto deturpado e com um viés pedagógico falho, não servindo
como modelo, mas como uma figura que se identifica com muitos de sua geração, e
isso em muito ajuda a compor o seu carisma, mesmo que isso pareça uma
afirmação contraditória, mas justamente o fato de ter conseguido alcançar grandes
patamares mesmo agindo de maneira rebelde e desinteressada, o torna um mito
para muitos desses jovens, que vislumbram a mesma oportunidade. É como se o
não só a Jornada do Herói, mas também o inconsciente coletivo estejam se
reinventando para se adequar às novas realidades.
7.3.1 Descida, iniciação, penetração
Pelé foi um jovem humilde nascido no município de Três Corações, no estado
de Minas Gerais, e que se mudou com a família para Bauru, estado de São Paulo,
aos 11 anos, onde encontrou no futebol uma profissão em ascensão, e num esforço
seguiu o rumo do esporte buscando o retorno financeiro de que precisava para
alavancar a sua vida e a de seus familiares. Como herói, porém, não lutou apenas
47 Neymar foi convocado pela primeira vez para atuar pela Seleção Brasileira principal em agosto de 2010 – a edição 1341 foi publicada em abril do mesmo ano.
61
em beneficio próprio, mas em atos de paixão, ajudou também a levantar o
patrimônio material e simbólico de uma nação – a do Santos Futebol Clube.
“Tive propostas para sair, mas fiquei porque gostava do Santos. Engraçado, as pessoas esquecem disso. No meu último ano no Santos, em 1973 ou 1974, jogava de graça porque adorava o Santos. Não gosto de falar, mas, quando eu ajudava a diretoria [na gestão de Marcelo Teixeira], fiz do meu bolso o vestiário do CT Rei Pelé, porque não tinha vestiário, os jogadores se trocavam num banco”. (Itri e Perrone, 2010, p. 54)
Assim como o pai de Neymar, o pai de Pelé também foi jogador de futebol,
porém de times menores, como o mineiro São Lourenço, já o pai de Neymar foi
jogador do Santos, e abriu as portas para seu filho brilhar. Claro, Neymar, pelo bom
futebol que apresenta é merecedor do espaço que conquistou, e, diferente do filho, o
pai não fez fortuna. “É fácil cuidar do dinheiro do Neymar. Difícil era quando ele
pedia as coisas e não tínhamos grana” (id., p.52) – nota-se, dessa vez, o jovem
jogador em um mundo de dificuldades, porém, o fato de ter faturado muito dinheiro
desde cedo, parece anular algumas provações que talvez tenha passado, não há,
aparentemente, em sua biografia, histórias de lutas, como na vida de Pelé, o que se
confirma em seu comportamento. Neymar parece não passar por nenhuma
provação – com exceção de seus árduos jogos em campo – que o faça um herói que
tenha de lutar contra as dificuldades em busca de uma recompensa final, que é o
bem maior. Perguntado sobre o que mais gosta no futebol, Neymar responde: “Ser
reconhecido por todo mundo. E o que é mais chato?48 Chato? Não tem nada de
chato. Nem concentração?49
A contraparte, neste caso, já se torna implícita na figura de um contra o outro,
Neymar versus Pelé, em relação ao passo do Encontro com a Deusa, o que, mais
uma vez, Neymar parece ignorar. Enquanto Pelé faz um longo discurso e dispara
muitos conselhos a Neymar, o jovem jogador parece ignorá-lo. “Neymar, distraído,
nem escutou a dica de Pelé” (p. 55). Porém, numa segunda interpretação acerca
Concentração é legal, a gente fica bagunçando” (Itri e
Perrone, 2010, p. 56). A última resposta de Neymar ainda indica, mais uma vez, a
forma imatura como encara sua profissão.
48 Em negrito, tal qual na revista, para designar uma pergunta do repórter. 49 “Em uma linguagem popular e de senso comum verificamos quase que totalmente a utilização do termo "concentração" para designar o ambiente de reclusão que antecede um evento esportivo seja para competição ou até para exibição” (Kocian; Kocian; Machado, 2005, s/p)
62
deste mesmo passo, podemos tratar do casamento de Neymar com a Nação
Santista (a Deusa), em relação ao seu envolvimento com o Santos, e, sobretudo,
com a torcida.
A mulher como tentação – embora não seja feita nenhuma alusão a isso
durante a reportagem, neste caso vale se fazer alguns adendos. Na edição 1149
(maio de 1999) da revista Placar há um conjunto de imagens das Cenas da vida
pública e privada de Pelé, com ênfase aos seus relacionamentos, alguns pouco
duradouros, sempre polêmicos e envolvendo belas mulheres. O primeiro casamento
de Pelé foi em 1966, com Rose Cholby Nascimento, em 1978 se separaram; aos
que pensavam que Pelé não mais se casaria, em 1994 o Rei subiu ao altar com
Assíria Lemos Seixas, revertendo uma vasectomia e tendo um casal de gêmeos,
provando a importância da contraparte no fortalecimento da história de um herói.
Quanto a Neymar, como já dito, o jogador anunciou no mês de junho de 2011 em
seu site oficial que será pai. Neymar com 19 anos engravidou uma ex-namorada de
17 anos. Embora tenha garantido que assumirá todos os deveres jurídicos e afetivos
de um pai, não manteve o relacionamento com a garota.
Sintonia com o pai – É nesse momento em que o herói da Jornada se
desprende de seu protetor e passa a encarar os desafios e provações de forma
madura, no mesmo patamar que seu superior. Aqui podemos realizar diversas
interpretações, literais ou não. Esse passo diz respeito à autovisualização do
personagem como um herói – o que parece não ser uma novidade para Neymar,
que desde que despontou para o futebol tem tomado para si grandes desafios em
campo, às vezes com exagero. Algo que aconteceu também com Pelé em certo
momento. Aliás, é estampada a foto do milésimo gol de Pelé durante a reportagem
na p. 56, antes disso, foi traçado um comparativo entre as médias de gols de cada
um: Pelé, 0,93 gol/jogo; Neymar, 0,39 gol/jogo até 29/03/2010 – número ainda
distante ao de Pelé. Sobre mais comparações trataremos adiante.
De volta as interpretações da Sintonia com o pai, entendemos também o
rompimento com antigos valores, que embora tenha uma conotação diferente na
Jornada do Herói – no sentido de se desprender de coisas e pensamentos ligados
ao mundo cotidiano – se traduz literalmente no comportamento de Neymar. Literal
também quanto a sua boa sintonia com seu pai, também chamado Neymar, de
quem herdou o nome; é ele quem cuida das finanças do filho, segundo mostra a
63
reportagem, e até mesmo já confrontou um dos principais conselhos de Pelé – o
conselheiro mor do futebol:
O pai da nova estrela se preocupa com essa história de ganhar músculos: “Ele não tem que encorpar. Isso deve ser natural. Estou me formando em educação física para entender esse processo do meu filho”, afirmou seu Neymar, que não estava no encontro. (Itri e Perrone, 2010, p.55)
Traços de sua subserviência ao pai, como quando questionado se fica
incomodado com seus pais administrarem seu dinheiro: “De modo algum. Eles
fazem o melhor para nossa família” (id., p. 56). E da autoridade de seu empresário:
“Parado, ele (Neymar) faz 21 embaixadas e perde o controle da bola. (...) Quando a
bola cai, Wagner Ribeiro decreta o fim da brincadeira” (ibid., p. 57). Demonstram um
Neymar não tão dono de si, não tão livre em sua jornada. Claro que isso se
contrapõe à forma marrenta com que muitas vezes se apresenta, e casos como o
que foi relatado entre ele e Dorival Júnior. Sendo assim, o menino parece estar
nesse meio termo entre a adolescência e a fase adulta, tanto em sua vida. num
aspecto humano, quanto em sua carreira, em sua Jornada do Herói.
Depois da Apoteose chega-se a Grande Conquista, ao menos é isso o que se
espera da jornada de um herói, o que não se confirma com o fim da reportagem.
Embora todas as comparações feitas entre o príncipe e o Rei do futebol, como as
fotos dos dois no barbeiro ou as que comparam os gestuais nas comemorações de
gols, nenhuma vitória é exaltada, e sequer chega-se a conclusão de que Neymar
realmente poderá representar um novo símbolo supremo do esporte.
Figura 6: À esquerda foto de arquivo de Pelé no barbeiro, à direita Neymar
posa para Placar na mesma situação (p. 53)
64
Dessa forma, a matéria se desfecha em um último capítulo sem um grande
desfecho ou promessa em relação à Neymar, como talvez se esperaria visto seu
início, em que já trata do brilhantismo do garoto: “A jóia mais reluzente do pelotão
atual” (Itri e Perrone, 2010, p. 50). Baseados em aparentes achismos, os autores
intitulam Neymar, mesmo que nas entrelinhas, de mais uma dessas grandes apostas
que provavelmente não alcançarão à nobreza de Pelé: “’Acho que ele vai ser um
novo Robinho50’, diz o técnico Muricy Ramalho51
. Pelé descarta ser superado pelo
novato” (p. 57). Ainda sobre Robinho, em 1999, Pelé, em entrevista à revista Placar,
para a edição 1149, falou sobre o jogador, então nas divisões de base do Santos:
“Acompanho os treinamentos e dou instruções à garotada do Santos. Tem alguns
meninos que, se bem trabalhados, vão chegar lá. Por exemplo, o Robinho. Um
crioulinho. Ele sabe driblar e é inteligente” (Pereira; Unzelte, 1999, p.59). Visão
parecida a que ele tem de Neymar em relação às suas habilidades técnicas.
Figura 7: Neymar ao lado de Robinho, em 2005, nas obras do CT “meninos da
Vila” (p. 55)
7.3.2 Caminho de volta
A cada nova etapa da Jornada, nosso herói parece estar mais distante desse
esquema clássico já engessado. Por isso, ao passar das linhas, temos de nos ater
50 Assim como acontece com Neymar, hoje, Robinho também foi amplamente comparado à Pelé e coroado como um possível sucessor do Rei. Atualmente com 27 anos, Robinho se confirmou como um bom atleta, porém, sem grandes feitos como o de Pelé, e passando por fases de futebol irregular, o que culminou à sua volta ao Santos. No entanto, está de volta ao futebol europeu no time do Milan, Itália. 51 Hoje, Muricy treina Neymar como técnico da equipe do Santos.
65
mais e mais aos detalhes implícitos exclusivamente na reportagem, considerando
apenas leves interferências de informações exteriores, como breves adendos
complementares ao sentido principal. Detalhes como a Recusa ao chamado,
iniciando o Caminho de volta de Neymar ao seu mundo cotidiano. Se no começo se
mostrava relutante a aceitar os conselhos de Pelé – “O rei continua dando suas
opiniões sobre o novato, mas Neymar está mais disperso ainda” (Itri e Perrone,
2010, p. 55) –, ao fim da sessão, admite a importância daquele encontro: “Os
craques do presente e do passado se despediram com um longo abraço. ‘Foi como
um sonho para mim’” (id., p. 56), diz Neymar. No entanto, depois de tanto
desrespeito e desprezo mostrado por Neymar ao longo da reportagem, essa fala,
escolhida pelos autores, acaba ganhando um tom de cinismo, como algo não
espontâneo, mas sim voltado ao que ele sabe que esperam que diga. É nesse
momento também em que deve voltar ao Santos e transmitir a toda a equipe os
poderes e conhecimentos adquiridos ao longo de sua trajetória em um mundo
místico, simbolizado por seu encontro com o mentor, e, mais do que isso, traduzir
esses conselhos em boas apresentações em campo. Porém, isso pode ser
impossível já que aparentemente Neymar parece ignorar os chamados e conselhos
de Pelé. Assim ele se configura muito mais como um Senhor de dois mundos entre o
futebol e a mídia, do que em qualquer outro sentido.
Os passos do Voo Mágico e do Resgate de dentro parecem, na reportagem,
contarem com o auxílio de Wagner Ribeiro, o empresário, para que Neymar
finalmente se desvinculasse daquele mundo místico. Porém, isso só é conquistado
com a persistência de Ribeiro frente às atitudes imaturas do jovem jogador. O
empresário até mesmo chega a pedir uma ajuda ao mentor: “’O garoto precisa de
uma força sua’. De bate-pronto, o Rei devolve: ‘Ele é que tem que dar uma força
para mim’” (p. 55) – Pelé fala em relação ao Santos.
“Passaram-se cerca de 15 minutos desde a chegada de Neymar. Um dos
organizadores da aula de Pelé pede para que todos deixem a sala para o Rei se
trocar e descansar um pouco” (p. 55-56). E assim Neymar atravessa o limiar e
retorna ao cotidiano como um Senhor de dois mundos, porém sem os aspectos
pedagógicos (o elixir sagrado) que devem acompanhar um mito nesse retorno. Os
dois mundos de Neymar parecem se assemelhar muito mais ao conceito de
olimpianos, de Fausto Neto (2000), tratando de um mito moderno e projetado pela
mídia, do que das bases mitológicas da Jornada do Herói. Diferente do que se
66
espera essa passagem não é marcada por um grande evento ou alguma grande
conquista, e sim por mais um ato de ingenuidade do jogador.
Sem a malandragem demonstrada dentro de campo, saca do bolso, na rua, um relógio de ouro de sua coleção que havia tirado para as fotos e o coloca. Vai a caminho do estacionamento, num trajeto de cerca de 100 metros, fazendo embaixadinhas com uma das bolas que pediu. “Para com isso que vão pensar que você é mesmo o Neymar. Se passar um corintiano, vai te bater”, diz Wagner, tentando despistar”. (p. 56)
Chegamos ao ápice da Jornada, ao último passo da narrativa de construção
do herói: A liberdade de viver. De volta ao seu cotidiano, após um encontro próximo,
apesar de distraído, com seu mentor, Neymar tem a oportunidade de reescrever
certos trechos de sua biografia, tendo a possibilidade de se abrir a novas
experiências e mudar seu comportamento, porém, não é o que nota-se pelas
informações divulgadas pela imprensa especializada ou não acerca de sua carreira
e vida privada. De abril de 2010 – período da publicação – para cá, junho de 2011,
embora ele venha rendendo cada vez mais dentro de campo, seu comportamento
continua aparentemente o mesmo, como o desrespeito a outros jogadores e até as
regras que regem o futebol – como na final do Campeonato Paulista em 2011, que,
após gol marcado sobre o Corinthians, Neymar tirou a camisa em campo e foi
advertido com cartão amarelo – de atenção –, sem parecer dar à mínima 52
Com propostas para ir para a Europa, preferiu a fidelidade ao Santos,
assinando um contrato de plano de carreira em agosto de 2011 – assim como fez
Pelé –, mesmo mês em que vestiu pela primeira vez a camisa do time principal da
Seleção Brasileira, e, agora, trilha com a Seleção para a Copa das Américas, e tem
sido comparado pela imprensa esportiva brasileira ao atual melhor jogador do
mundo, o também jovem Messi, da Argentina, e atuante no time do Barcelona, da
Espanha. Mais uma história parecida com a vivida por Pelé, que tem como seu
principal rival, o argentino Maradona.
.
Mesmo não tão livre, como dissemos em ocasião passada, já que vive
cercado por pessoas que cuidam de sua carreira, além de todo o tumulto que sua
vida de celebridade gera, em campo, Neymar demonstra ao menos o quanto é livre
52 Sobre o assunto: http://esporte.uol.com.br/futebol/campeonatos/paulista/ultimas-noticias/2011/05/15/neymar-esquece-filho-em-comemoracao-tira-a-camisa-e-desperta-ira-da-fiel.jhtm
67
para fazer o que sabe e se diverte fazendo, que é jogar futebol. Sobre isso, aliás,
Neymar criou um lema: “Ousadia e alegria” 53
– o que parece realmente representa-
lo dentro e fora dos campos.
8 Considerações finais: o mito como narrativa simbólica e de representação social
53 Leitura complementar: http://globoesporte.globo.com/futebol/times/santos/noticia/2011/05/neymar-passa-receita-do-seu-sucesso-ousadia-e-alegria.html
68
Apresentada a análise das estratégias que percorreram o discurso de
caracterização de Neymar, ponderando o intencional contraponto com Pelé, na
reportagem Encontro Real, entende-se, mais do que nunca, o mito como uma
narrativa simbólica e de representação social; portanto, seu discurso deve
acompanhar a evolução e mudanças da sociedade a qual pertence. Eliade (apud
Martinez, 2008) refere-se ao mito como uma história verdadeira, por ele se referir
sempre a realidades. Essa identificação entre herói e povo se dá em dois sentidos:
primeiro quanto à história de vida, como se aplica a Jornada do Herói; segundo em
relação ao heroísmo na modernidade, em que pessoas com histórias comuns se
transformam em celebridades (os olimpianos, por exemplo), o que mexe com o
imaginário popular e representa os anseios de grande parte do povo. Sobre isso,
Pelé defende que a postura de um jogador tem de ser mais profissional e menos
artística.
Pelé não descarta a atuação de Neymar como preciosa para o futebol brasileiro, mas pelo que o Rei da Bola andou falando em entrevista, o atacante do Santos precisa entender que é um esportista e se portar como tal. Pelé acredita que o jogador anda muito mais preocupado com os holofotes, com a fama e com os eventos que pode participar devido à sua projeção no futebol do que com sua atuação dentro do gramado e que isso não é legal para sua imagem. (Portal Fatioupassou, 2011, s/p)
Esse fascínio gerado em torno do jogador de futebol é ilustrado por Falcão54
Garotos como foram Romário, Ronaldo, Robinho e, agora, Neymar. Porém ao
passar dos anos, mudam-se os modismos e as formas de comunicação voltadas aos
(1999, p. 24) na edição 1149 da revista Placar, na própria figura de Pelé, no artigo
intitulado: Quem nunca quis ser Pelé? O objetivo do artigo é justificar de maneira
concisa o “irresistível e inesgotável fascínio do maior craque de todos os tempos”
(id.). Assim, Falcão levanta a questão: “Quem nunca quis ser Pelé? Ele foi – e
continua sendo – o ídolo de várias gerações, um mito tão forte que mesmo garotos
nascidos muito depois de sua passagem pelos campos continuam a admirá-lo”
(1999, p. 24).
54 Atual técnico do time gaúcho Internacional, e antes comentarista esportivo, além de ex-jogador e ex-técnico da Seleção Brasileira de Futebol.
69
jovens. Nesse sentido, as narrativas usadas na década de 90, por exemplo, já não
conseguem atingir tão efetivamente aos jovens dos anos 2000, o que se dá devido a
mudanças ocorridas nos mais variados campos e escalas de nossa sociedade.
Assim, é possível observar constantes como a Jornada do Herói, em meio a essas
mudanças aceleradas? Como já dito, a resposta está na observação da construção
dos discursos usados.
Os impulsionadores que cercam as transformações na narrativa de
construção da imagem do jogador de futebol, como observamos na figura de
Neymar, por meio da reportagem Encontro Real, parecem ser justamente essas
mudanças de hábitos sociais. O que fica claro se observarmos as entrevistas que
compõem a reportagem. Na p. 56 há um box na parte inferior da página composto
por uma entrevista com Pelé, iniciada com: “Joguei de graça no Santos” – identifica-
se, então, uma estrada de provas em que teve de passar por privações e sacrifícios
–; já na p. 58, o entrevistado é Neymar, e o trecho escolhido pelos autores como
destaque do box enfatiza a diferença de hábitos e anseios entre Pelé e Neymar: “A
melhor parte é ser conhecido” – declaração que, primariamente, configuraria um ato
de anti-heroísmo, já que luta por interesse próprio, e não do coletivo/nação. No
entanto, se pensarmos estruturalmente quanto à Jornada do Herói, poderá ser
compreendido que esse reconhecimento concede ao jogador liberdade para circular
entre diferentes mundos, reinterpretados como sendo o do futebol e o da fama, o
que o configura como um Senhor de dois mundos, uma das fases da Jornada.
Porém, não nos importa se determinada situação vivida por ele se encaixa em um
específico passo da Jornada do Herói, mas se toda a narrativa utilizada para
construir Neymar na reportagem Encontro Real exige uma reinterpretação ou uma
rejeição da estrutura mítica da Jornada. Sobre essa projeção de Neymar na e para a
mídia, Pelé opina:
"(Neymar) É muito talentoso, joga muito bem, mas ele deve ter um pouco mais de personalidade e jogar para a equipe, já que se preocupa muito com o público e com a televisão. Mas é um dos melhores jogadores do Brasil", afirmou. (Uol Esporte, 2011, s/p)
Essa afirmação enfatiza o modo como Neymar destaca sua carreira, em
oposição à de Pelé. Embora opostas, nota-se que ambas se dão em um cenário de
espetáculo, seja quanto o exibicionismo de Neymar ou a paixão de Pelé. Perguntado
sobre as diferenças entre sua geração e a de Neymar, Pelé responde:
70
Hoje é bem diferente, eles (os jogadores) têm chuteira lilás, brinco de brilhante. O jogador quer fazer gol e dar tchauzinho para a câmera. A gente queria meter gol (...) O jogador (agora) gesticula para a torcida apoiar. A gente fazia a torcida levantar. (Itri, Perrone, 2010, p. 54)
Hábitos esses que ultrapassam os campos de futebol. Os brincos de
brilhante, cordões de ouro, o comportamento marrento, o exibicionismo, a ambição
etc., tendências entre os jogadores mais novos, tornaram-se constantes entre os
jovens, o que pode ser observado no cotidiano das cidades, baladas, redes sociais
da Internet, entre outros. Assim, a figura de Neymar representa mais do que um
jogador de futebol indiscutivelmente talentoso, uma figura em comum com grande
parte da população – ou ao menos como uma considerável parcela gostaria de ser.
Há também uma projeção do ambicioso (o marrento) frente ao humilde (o herói).
Mais do que a camisa do Santos, Neymar traja o visual de grande parte dos garotos
de sua geração, tendo, por exemplo, seu corte de cabelo copiado por muitos desses
jovens, que sonham em, assim como Neymar, tornarem-se jogadores profissionais
de futebol, ganhar milhões de reais e alcançarem o prestígio de uma celebridade.
Porém, ao representar os anseios desse povo, Neymar toma para si mais que um
papel de celebridade, tornando-se um mito, uma figura heroica – redentor da nação
santista, por exemplo. E é assim que, ainda que desobedecendo a todos os passos
tidos como certeiros para a construção de um herói, não servindo de fonte
pedagógica e com um exaltado mau comportamento, Neymar se projeta como um
verdadeiro herói. Conclui-se, portanto, que os passos da Jornada do Herói são reinterpretados
na história de Neymar, dentro e fora das páginas da revista. Embora numa lógica
praticamente contrária ao que se espera, os passos do monomito de Campbell
(1995) estão sim inseridos na reportagem, portanto na narrativa de construção de
Neymar, como demonstrado na análise anterior a este capítulo. Dessa maneira, a
mídia parece já ter percebido que a construção de um personagem com tantos
traços fortes como Neymar, e que tanto traduz o comportamento de sua geração,
não deve ser engessada, e sim flexível, baseando-se em um modelo que atenda ao
inconsciente coletivo em relação às novas demandas sociais, dando conta de que
71
estamos vivenciando uma era de visibilidade, em que os holofotes parecem
realmente chamar mais atenção do que histórias vividas no anonimato55
Por fim, a narrativa utilizada por Itri e Perrone na reportagem Encontro Real,
exige não um afastamento total da Jornada do Herói, mas uma reinterpretação deste
conceito, sobretudo dos passos que constroem um herói, atendendo a uma nova
demanda, em que o herói não precisa necessariamente transmitir seus
conhecimentos, mas tê-los e fazer bom proveito disso da forma com que mais se
identifique com o povo, em especial, no caso de Neymar, com os jovens. Como dito
num trecho anterior, parece vigorar uma nova ordem social dentro do conceito de
inconsciente coletivo, atendendo a novos arquétipos e a novos pontos de vista sobre
o que é certo ou errado, bom ou ruim, o que se projeta em um “novo modelo de
presença do sujeito no mundo”. (Barichello; Stasiak, 2007, p. 111) – novos
comportamentos e valores morais que se disseminam através da mídia.
.
Constata-se, assim, a conceituação de Campbell (1995), quanto à
estratificação da Jornada do Herói, como um meio possível e adequado na
realização desta análise. Aliás, nota-se que, mesmo com o distanciamento
interpretativo das narrativas modernas em relação à mitologia clássica, ordenando-
se os elementos que constituem o monomito aos recortes a que se referem nos
textos, diversas são as possibilidades de narrativas de construção de heróis se
desenvolverem, mesmo que implicitamente, a partir do monomito de Campbell (id.),
como o averiguado na reportagem Encontro Real e outras que serviram de objeto de
apoio para este estudo. Essa identificação exige, portanto, como o proposto e
realizado nesta monografia, uma análise de discurso, que tem como objetivo trazer à
tona o que não aparece óbvio nas narrativas, mas que pode ser base fundamental
de sua construção, apesar de oculta, como um enredo, traçando o caminho do
discurso.
Assim como não podemos desprezar em nossas considerações finais o
subsídio de todos os outros conceitos e métodos que guiaram esta monografia até
seu objetivo final, além da análise do discurso, e também a utilização de outras
55 Mais um exemplo disso tirado da Rede Globo de Televisão é o caso da última edição do reality show Big Brother Brasil – se antes os concorrentes se destacavam pelas histórias de luta e sofrimento, nesta última edição, em 2011, vimos uma vencedora atípica, que, apesar de infiel e com alguns desvios de caráter, além de seu apelo fortemente sensual, representou ali a ousadia da mulher reprimida por toda a história, representada na figura da campeã Maria. Configura-se assim uma nova espécie de herói, sintoma de um novo momento social cujo qual a mídia sem dúvida acompanha.
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publicações e conteúdos jornalísticos para que tentássemos entender, mesmo que
superficialmente, quem é Neymar fora das páginas da revista. Verificou-se, a partir
desta análise, a confirmação da hipótese inicial, em que a mídia, representada pela
revista Placar, parece estar criando novos modelos de heróis, aqui na figura de
Neymar. Este herói aparece como um ser atualizado, reinterpretando, para tal, a
clássica estrutura narrativa da Jornada do Herói.
Portanto, refletir, por completo, a realidade de um acontecimento é uma tarefa impossível para o jornalismo. Este, ao invés disso, constrói uma representação do real, inevitavelmente afetada pelos fatores ideológicos e discursivos intrínsecos a cada veículo jornalístico (...) E este fenômeno é verificável através de uma investigação sistemática dos elementos presentes nos textos de determinadas narrativas. (Iuan, 2010, p. 66)
E justamente pela averiguada livre reinterpretação da Jornada do Herói pelo
discurso jornalístico, atendendo às novas expectativas sociais, que este conceito se
torna um grande aliado para futuros projetos, nos diversos segmentos da
comunicação. Sobretudo em relação ao papel fundamental que a mídia exerce sobre
os passos identificados por Campbell (1995) na construção dos mitos atuais, tendo
em vista também a influência da mídia no cotidiano social. Esta união entre a
Jornada do Herói e o constante processo de midiatização em que nos encontramos
deverá levantar muitos outros questionamentos e pautar outros tantos estudos
acerca da criação e do papel do herói na modernidade, seja no esporte, como nesta
monografia, ou em qualquer outro ambiente no qual possa se desenvolver, e o
jornalismo seja capaz de capturá-lo.
ANEXOS
73
Anexo 1: Capa edição 1341
74
Anexo 2: editorial, p. 06
75
Anexo 3: abertura, p.48
76
Anexo 4: abertura, p. 49
77
Anexo 5: p. 50
78
Anexo 6: p. 51
79
Anexo 7: p.52
80
Anexo 8: p. 53
81
Anexo 9: p. 54
82
Anexo 10: p. 55
83
Anexo 11: p. 56
84
Anexo 12: p. 57
85
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