Nina - perse.com.br · torista desceu do monstro de metal, bateu duas palmas, abriu os braços de...

13
1 Nina

Transcript of Nina - perse.com.br · torista desceu do monstro de metal, bateu duas palmas, abriu os braços de...

Page 1: Nina - perse.com.br · torista desceu do monstro de metal, bateu duas palmas, abriu os braços de forma desafiadora. ... força ou do conhecimento de mundo. De mãos prontas para

1

Nina

Page 2: Nina - perse.com.br · torista desceu do monstro de metal, bateu duas palmas, abriu os braços de forma desafiadora. ... força ou do conhecimento de mundo. De mãos prontas para

2

Page 3: Nina - perse.com.br · torista desceu do monstro de metal, bateu duas palmas, abriu os braços de forma desafiadora. ... força ou do conhecimento de mundo. De mãos prontas para

3

Nina Victor Medeiros

Page 4: Nina - perse.com.br · torista desceu do monstro de metal, bateu duas palmas, abriu os braços de forma desafiadora. ... força ou do conhecimento de mundo. De mãos prontas para

4

Page 5: Nina - perse.com.br · torista desceu do monstro de metal, bateu duas palmas, abriu os braços de forma desafiadora. ... força ou do conhecimento de mundo. De mãos prontas para

5

Palavras Primeiras

Para o mundo:

Somente esta vez, para que não comece de forma pouco pes-soal, ou que desagrade os necessitados de palavras primeiras, mas sem formalidade, pois em hipótese alguma vejo a mim como molda-dor de realidades e aos leitores como meros receptivos, venho dizer que esta obra é (o todo), na verdade, epifania.

Começou como o resto das coisas que existe: com o vazio, o número zero, decepção.

Estava eu diante de O Encarte, a vê-lo, a revisar prólogos, adicionar vírgulas, sintetizar sinopses, a tê-lo como obra completa. Mas o que via não era obra completa: via páginas, o enredo termina-do, as ideias e verdades nas quais acredito explícitas, as horas pas-sando e o meu café no fim, mas não via o que queria.

E eu questionei-me: “Já acabou?!”. A mesma pergunta foi feita sob os curiosos olhos de minha

esposa a ler a palavra “fim” um dia depois que terminei (já que esta-va tarde na ocasião da data e ela precisava dormir. Leu no dia seguin-te). Olhos esmeralda me questionaram se aquele era, de fato, o fim.

E eu sabia que era. Se completo, por que mais? Por que de-senvolver mais sete contos? Foi o questionamento seguinte: eu tinha a capacidade, suposta habilidade, as ideias... Sim, as ideias, estas já estavam a me visitar e renovarem-se em minha mente por tantos anos que não resisti.

Disto, surgiu este livro. As páginas que seguem são a prova de que os contos também têm filhos, embora as inspirações sejam dife-rentes. O Encarte é o meu escrito favorito, e a ele eu sou agradecido, pois se não fosse por tamanha teimosia em mostrar-se inacabado, não teria legal paternidade sobre os demais.

Victor Medeiros São Paulo, Osasco, 04/03/2013 — 10/05/2014

Page 6: Nina - perse.com.br · torista desceu do monstro de metal, bateu duas palmas, abriu os braços de forma desafiadora. ... força ou do conhecimento de mundo. De mãos prontas para

6

Page 7: Nina - perse.com.br · torista desceu do monstro de metal, bateu duas palmas, abriu os braços de forma desafiadora. ... força ou do conhecimento de mundo. De mãos prontas para

7

Anjos Ela cambaleava; sem norte, perturbada com a visão dos car-

ros a ir e vir na avenida. O ruído resultante da velocidade, das buzi-nas, dos freios, dos aparelhos de som ligados em imponente volume estremecia seu pequeno corpo, seu pescoço frágil não tinha força e nem coragem para virar-se, para estudar o ambiente a fim de fazer uma manobra corporal segura.

Agradecia aos sinais de trânsito, a ajudá-la na travessia, a cessar por instantes o gigantesco fluxo de automóveis que poderia matá-la. O verde, vermelho e amarelo, sempre brilhantes, seriam anjos? O que seriam anjos? Por que anjos? Assustada, temia o frus-trante recomeçar do movimento. Os monstros de quatro rodas ber-ravam-lhe maldições aos ouvidos, julgavam-na, davam-lhe a sentença de culpada.

O escuro não era somente escuro, o habitual enegrecer do céu, mas sim presságio cosido por estrelas. Os luminosos pontos ob-servavam-lhe do alto e manifestavam-se na face dos poucos tran-seuntes da tardia hora. Analíticos espectadores, mais um punhado de sombras. Queriam fazer-lhe mal, muito mal, dor. Os sorrisos tão lar-gos quanto o cinto, a satisfação do opressor a arrancar-lhe lágrimas doídas. Eram eles, sim! Quem mais? No exterior da gaiola havia uma jaula! Além da jaula, uma prisão, além da prisão, o universo, cosido por correntes, assim como o céu enegrecido por estrelas.

Corre! Dizia o cérebro, corre! Acelera teus passos! De nada te vale ceder agora que estás com os pés no mundo. Corre! Mas se fu-gisse da presença, que não a perturbava tanto, estaria ainda no con-

Page 8: Nina - perse.com.br · torista desceu do monstro de metal, bateu duas palmas, abriu os braços de forma desafiadora. ... força ou do conhecimento de mundo. De mãos prontas para

8

templar das estrelas da face humana, nos buracos cosidos no infinito azul negro.

Azul como os olhos da dona. Perto ou longe, próxima ou afastada, na mente ou no físico

ali estaria, ali cederia. Corre! Insistia o órgão, instigado por neurônios interligados, de forma sutil, imperceptível até para a dona da mente. A cabeça era apartada do corpo, ambos com vontade própria.

Viu-se correndo, enfim. Tão ágil quanto os automóveis que lhe perturbavam minutos

antes. Por mais que corresse, não fugia dos olhos analíticos, dos sor-risos largos como cintos, nem do ruído amedrontador. Não estava ao seu alcance romper as correntes do universo. As pernas eram inde-pendentes do corpo também: antes se recusavam a mover-se, agora, não cessavam. Para onde ia? Rumo às luzes angelicais dos semáforos que lhe davam segurança, pois estes eram anjos. Coloridos, presen-tes, não como as estrelas no negro céu, que sumiam com o raiar do dia. Como era belo o vermelho! Iluminando as listras do chão, próxi-mas ao posto de gasolina, ainda aberto, cujos funcionários eram os donos do assustador olhar. Da travessa, vinha um caminhão.

O vermelho continuava bonito. Era um anjo, um querubim. O caminhão a se aproximar, as pernas a correr, o cérebro, calado desde o momento em que teve sua solicitação atendida, o frágil pescoço ainda a temer o mais simples movimento. De repente, a buzina, de novo o som assustador; ela parou, colocou as mãos nos joelhos, não aguentava mais correr, não aguentava mais o medo.

Seus olhos fitavam o listrado do asfalto abaixo de si. Muito lhe lembravam das barras de ferro das celas. A gaiola dentro da jaula, da prisão, do universo acorrentado. E por mais que fugisse da pre-sença, ainda estaria no contemplar dos olhos analíticos.

O ruído da buzina continuava, em intervalos menores. Fica-ram desesperados. Num ato de bravura, ela virou a atenção para a esquerda: o gigantesco veículo estava a poucos passos de esmagá-la. Observou o mostro de metal, sobre tantas rodas, iria devorá-la, des-pedaçá-la.

Cobriu os olhos com as palmas das mãos. Escondeu-se em tal poderosa proteção. Era o que tinha. Sua única defesa contra o gigan-

Page 9: Nina - perse.com.br · torista desceu do monstro de metal, bateu duas palmas, abriu os braços de forma desafiadora. ... força ou do conhecimento de mundo. De mãos prontas para

9

te de ferro e o respectivo condutor. Frio correu-lhe o corpo, avisan-do-a de que era o fim. O impacto forçado do pneu no asfalto em res-posta ao freio emergencial do motorista seguido de silêncio, mas não o pacífico silêncio da morte, um controverso silêncio indiferente, incógnito, que foi imediatamente ceifado pelo grito:

— Menina! Fitou o dono da voz, ouviu: — Quer morrer, desgraçada?! O discurso seguinte fora incompreensível. O corpulento mo-

torista desceu do monstro de metal, bateu duas palmas, abriu os braços de forma desafiadora. Que mal ela fizera? Não sabia. À frente, aquele que poderia vir a ser o algoz agora cobrava dela uma resposta, uma justificativa. O que fazia ela ali, parada ante a calçada, sobre a faixa de pedestres, protegendo-se.

Ainda confusa, ela sentia grande alivio. Seu anjo (agora ver-de) a salvara com certeza. Nenhuma outra explicação seria lógica, faria sentido. Mas o obeso homem ainda precisava de satisfações. E mesmo que em passos lentos, a cada segundo, mais próximo, estava. Agora ela era também vítima de sonoros risos dos espectadores de outrora, divertindo-se com a falta de reação da parte dela e o dema-siado nervoso discurso do homem, que suspendeu a mão, pronto para nela bater.

A palma levantada. Juiz? Algoz? Agora tanto faria. O corpu-lento homem, a lhe intimidar, a cobrar-lhe por respostas para per-guntas que sequer conhecia; imponente, dono da razão, indiferente ao fato de ser uma mulher, uma criança, que não possuía metade da força ou do conhecimento de mundo. De mãos prontas para puni-la. Em silêncio, pediu proteção. Queria ser guardada. Se fosse vítima do violento ato, que pelo menos tivesse a dor amenizada, que pelo me-nos fosse um murro só, não uma sessão deles.

— Por que você não me responde, maldita? Eu já perdi a pa-ciência com você!

Mas a dor fora igual às outras, sem o menor alívio, sem dó, complementada pelo impacto contra o chão. A ferida agora aberta, dominando parte da mão, parte do cotovelo. Ali, indefeso o corpo estava para o segundo golpe, vulnerável a maltrato.

Page 10: Nina - perse.com.br · torista desceu do monstro de metal, bateu duas palmas, abriu os braços de forma desafiadora. ... força ou do conhecimento de mundo. De mãos prontas para

10

Dali, ela observou mais um automóvel a correr com imensu-rável velocidade, muito próximo a ela. Detrás do gigante automóvel, diversos motoristas em fila, partes coesas do engarrafamento causa-do pelo caminhão, exigindo que ele saísse do caminho.

— Anda logo, infeliz! — gritavam. — Vão para o inferno, pestes! E para a garota: — Você deu sorte! Estou com ótimo humor hoje. Sai do meio

da rua antes que eu te atropele, vadia. Graças à fraqueza que estava com muito esforço ela atendeu

à solicitação. Foi para a calçada do outro lado. Apertou a mão, como se o ato fosse fazer a dor passar, o sangue parar de correr. O cotove-lo, muito dolorido, perturbava-lhe. O motorista deu partida e seguiu.

Livre da avenida se viu perdida. Não conhecia a cidade, as ho-ras, dias da semana, meses do ano, nem a si. Perambulava, somente. Tentando diferenciar e dar razão às sombras dos becos sem ou com saída. Onde quer que fosse, estava longe das vozes que a perse-guiam. Dos males que a importunavam.

Passo a passo, ela investigava o que havia ao redor de si. Choros e risos abafados, gemidos, garrafas quebradas, cacos de vidro espalhados pelo chão. Frio, muito frio. A habitual temperatura do começo do ano. Ela, sem agasalhos, se abraçava, ignorando a dor da mão.

As luzes de uma casa estavam acesas. Ela se encostou a pa-rede na qual se situava a janela. Parecia ser confortável. Se quieta permanecesse, não chamaria a atenção dos donos do domicílio.

Quem era, para onde iria como o faria e que gostoso seria ter calor ali: seriam os pensamentos de uma pessoa comum, mas ela focava-se no medo de ser vista, reconhecida talvez, forçada a voltar para a prisão, o claustro, as pancadas e os abusos; o cinto, proporci-onal ao sorriso, à satisfação de quem o empunhava. Pensamentos embebidos pela dor da mão e do cotovelo.

À janela, a mulher discutia com o que parecia ser o marido. O bebê chorava. Mas embora fosse muito parecido com o local de onde veio, não era a dona da casa, nem o dono do cinto ali, era um casal diferente; se os outros tivessem um bebê, seria diferente deste, um

Page 11: Nina - perse.com.br · torista desceu do monstro de metal, bateu duas palmas, abriu os braços de forma desafiadora. ... força ou do conhecimento de mundo. De mãos prontas para

11

endereço diferente. O volume, as ofensas trocadas, a necessidade de dali sair era semelhante: semelhante apenas, pois possuía particula-ridades.

Era o resumo do mundo: choros, discussões, dores, sangue, feridas, cintos e ofensas. O escuro, o céu enegrecido e as estrelas a cosê-lo. E agora estava longe das luzes: do vermelho, amarelo e ver-de. Seu cérebro com vontade própria, instinto e só, apartado do res-to, inclusive do estômago, que pedia comida. O discurso do cami-nhoneiro: “menina!”.

A porta abriu-se abruptamente, a mulher atirou uma panela à rua. Berrou maldições conjuminadas a xingamentos, mencionando a mãe do esposo, aparentemente cega de ódio, fato comum àqueles que se denominam adultos; evento tão banal aos pequenos olhos da moça que agora fugia assustada com a estrondosa abertura da porta, ciente de que, se ali permanecesse, mais pancadas levaria.

Levantou-se, rápida, sem pensar, calcular o gesto, tropeçou e caiu. A mulher, ao perceber o vulto, gritou:

— Ladrão! Ai de você se espreitar! Mato-te a tiros! Tiros! Sob a ameaça, ela tentou erguer-se, sem sucesso. Foi outra

vez ao chão. Ignorou a dor do cotovelo, pois dar-lhe prioridade não faria sentido agora. A dona da casa berrou outras maldições. Ela, inerte, foi invadida por medo, outra vez, algo que as pessoas comuns chamam de vontade de chorar, mas ela não sabia de tal nomenclatu-ra. Sabia somente que seus olhos encharcavam e que o escorrer da água em nada ajudava. Muitas vezes, foi o motivo de intensificar a surra.

— Safado! Vai procurar trabalho e deixa esta casa em paz! Se te pegar aqui de novo, eu te mato!

Não sabia cessar o barulho da respiração e isso a apavorou. Ela não quis proferir sons. Como não podia se erguer, queria pelo menos se fingir de morta. Assim o fez, sabendo que a mímica estava imperfeita, até que a mulher voltou para dentro de casa. Pôs-se de pé outra vez. Escondeu-se na sombra. A luz permanecia acesa. Seri-am as pessoas em geral autoritárias?

Afinal, que diferença isso faria? Uma lágrima, enfim, sob qual hipótese seria diferente? Se é que seria cabível diferença de qualquer

Page 12: Nina - perse.com.br · torista desceu do monstro de metal, bateu duas palmas, abriu os braços de forma desafiadora. ... força ou do conhecimento de mundo. De mãos prontas para

12

tipo. Há sim, amor, mas não necessariamente para todos. Não há comida o suficiente, paz o suficiente, justiça o suficiente, que dirá amor e compreensão.

Estas palavras eram inteligentes demais, estes raciocínios complexos demais, mas ela estava habituada com a vontade própria do cérebro, o seguir do instinto, que agora lhe forçava a dividir a solidão com as lágrimas, que não cogitava a serventia. Sabia somente que precisava expeli-las, por vontade ou não, automático, reação natural, assim como a fome que começava a sentir, que resultava em fraqueza. Habituada a não comer até cessar a fome, a alimentar-se grande parte pela raiva reprimida, o sorriso, o cinto, as discussões.

Dois, três, quatro passos, devagar, no ritmo que as poucas forças sobressalentes a condicionavam. No beco seguinte, seis meni-nos de rua a comer o que sobrava do lixo, a esmurrarem-se por so-bras, a estapearem-se, socarem-se, a idolatrar o troféu que a socie-dade fez questão de descartar.

Havia um muito alto, a brigar com outro magrelo. Os demais faziam torcidas.

Escondida, ficou a fitar-lhes, analisando o comportamento, a fim de perceber se a melhor decisão seria esperar que eles dali su-missem ou arriscar investida.

Apanharia, mas comeria. Na pior das hipóteses, os mais for-tes a obrigariam a fazer o que o homem do cinto se viciara. O maldito homem do cinto e a mulher dos olhos azuis, tão grandes, tão insaciá-veis. O cachorro dobermann, tão obediente quanto ela, mas com muito mais regalias. “Os cães são podres! Os cães são podres! Eu os odeio!”, dizia a dona dos olhos azuis, a cada ordem bem cumprida dada pelo homem do cinto.

Ela concordava. O cão tinha direito a três refeições por dia. Objetos barulhen-

tos, bonitos, que chamavam de “brinquedos”, cafuné sempre que se mostrava eficaz na tarefa solicitada e (pelo menos no período que lá ficou) jamais o viu vitimado pelo cinto. Sentia inveja dele; se soubes-se o que era raiva, saberia que sentia raiva também. A coleira, tão linda, reluzente: se pudesse a roubaria, tomá-la-ia para si, mas, se o fizesse, sua alma estaria perdida.

Page 13: Nina - perse.com.br · torista desceu do monstro de metal, bateu duas palmas, abriu os braços de forma desafiadora. ... força ou do conhecimento de mundo. De mãos prontas para

13

O mais alto dos garotos puxou um estilete. A garota quis que ele acabasse de vez com a vida do outro, pois assim cessaria a pre-sença deles ali e abriria as portas para a oportunidade de alimenta-ção. Ainda bem que era muito mais alto e estava armado. Um es-trondoso tapa no rival o atirou ao chão. Este, franzino e medíocre, demonstrava incoerente confiança. Puxou do bolso uma chave de fenda, fincou no pé do valentão, fazendo-o gemer de dor.

Seria muito mais proveitoso procurar pelo que comer em ou-tro lugar. A sessão de violência não acabaria por ali e, como estavam armados, matar-se-iam, certamente. Ela deu meia volta e saiu dali.

Cinco, seis, sete, oito passos. Ela foi invadida por uma verti-gem. O que poderia fazer, afinal? Fraca, com fome, sede, sem ter ideia sequer de onde estava. Pensou em roer as unhas que parece-ram apetitosas, pelo menos para atenuar a sensação, a vontade. Co-locou um dedo na boca, roeu-o levemente, dentou a cutícula, au-mentou a força um pouco, o estômago exigia alimento, mas a sua carne não possuía sabor, não possuía vida.

A visão embaçou. As memórias do homem do cinto e da mu-lher de olhos azuis já não lhe perturbavam. Por mais que a comida que lhe dessem fosse má, era mais saborosa que seus dedos. Mas os dedos era o que tinha. Sentou-se na calçada e, ao perceber o que fazia, chocou-se, intimidou-se pela imagem do dedo coberto em san-gue. Os anjos, onde estavam os anjos? Estava perdida, faminta, feri-da... Entregou-se à fraqueza. Dormiu.

Demônios

A visão da chama a esquentar a água que seria usada para

preparar café alegrava o triste semblante na face de Pietro. Pouco depois, iniciou o borbulhar, avisando que o líquido estava pronto para uso. Da mesa, ele (que estava com o queixo apoiado nas mãos, com os olhos fixos no notebook, à procura de notícias) levantou-se e abaixou o fogo, pegou um filtro de papel no armário e o coador, co-locou-os precisamente no bule e iniciou a coação.

Eu sou um bom marido, um ótimo marido! Atencioso, dedi-cado, trabalhador! Pensava, enquanto via o pó dissipar-se no filtro;