ninguem é inocente em SP

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BULA

,I

Contos pra mim sempre foram desabafos, ta ligado?

Se lidos sem precaucao, podem acarretar mais danos a

urn corpo ja cansa do, e a uma mente ja . tumultuada.

Depe ndendo da intencao, podern trazer alegria, ou tal-

vez somente urn leve sorri so.

Mas quem esc reve quase nunca pre senc ia nada disso .

A nao ser que sejam interpretados no cinema ou na

televisao.

No fundo sao amostras gratis.Comecos de urn romance que ja nasceu fracassado.

Eu os achava faceis, por i sso os descartava.

Depois a dificuldade apareceu, na hora de os prender

em um livro.

Continua a ser para mim uma forma de insultar ra pido

alguem ou c ontar uma pequena mentira.

Alguns eu fiz por desespero, urn bico que alguem ofereceu.

Assim como pintava a casa de alguem por dinheiro, eu

os faz ia melbor se a lguem pagasse rnais pOl ' i sso .

Mas de uma coisa sempre t ive certeza, todos foram t ira -

dos aqui de dent ro.

Il le s tern a lgo de born , sempre nasceram rapido , de uma

paulada s6.

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J

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A maioria e duro, desesperancado, porque assim foi vi-

vido ou imaginado.

No rastejar 0 ser mutante nao se contenta em ser

"normal".

Trechos de vida que catei, trapos de sentimentos que

juntei, fragmentos de risos que roubei estao todos at,

hist6rias diversas do mesmo ambiente, de urn mesmo

pais, urn pais chamado periferia.

Pessoas na maioria ja falecidas, eternizadas no meu

universo.

Eternos amigos que continuam a me contar suas histo-

r ias , que sempre estao ao meu lado.

o funcionario qut?ninguern nota, 0 vizinho que nin-

guem quer ter, 0 pedinte que ninguem quer ajudar, a

crianca que nao consegue brincar, 0 rep6rter que tern

guetofobia.

Oconto "Pao doce"foi publicado primeiramente na Ita-

l ia , "0 plano" foi publicado na revista Cara s Am igo s e

"Buba e 0 muro social" foi publicado na F olha d e S.

Paulo.

Mas a maio ria era inedita no papel, mas nao na vida.

FABRICA DE FAZER VILAO

Para T6, Wilsao, Arnaldo, Ale e

Nego Du

To cansado mae, vou dormir.

Estornago do carai, acho que e gastrite.

Cobertor fino, parece lencol, mas urn dia melhora.

Os ruidos dos sons asvezes incomodam, mas na maio-

ria ajudam.

Pelo menos sei que tern urn monte de barraco cheio,

monte de gente vivendo.

Ontem terminei mais uma letra , talvez 0 disco saia urn

dia, senao e melhor correr trecho.

Agradecimentos a Marcal Aquino pela correcao de "Vi-

zinhos" e a Marcelino Freire por todas as outras corre-

coes, Valeu, rapaz.

Acorda preto.

o que... 0 que ...

Acorda logo.

Mas 0 que...

Vamo logo, porra.

Ai, perai, 0 que ta acontecendo.

Levanta logo, preto, desce pro bar.

Mas eu...

Desce pro bar, porra.

To indo.

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Tento pegar 0 chinelo, cutuco com 0 pe embaixo da

cama, mas nao acho.

Todo mundo la embaixo, 0bar daminha mae ta fecha-

do, cinco homens, e a Dona Zica, a Rota.

E 0 seguinte, por que esse bar s6tem preto?

Ninguem responde, vou ficar calado tarnbem, nao sei

por que somos pretos, nao escolhi.

Vamos,porra, vamos falando, por que aqui s6tern preto?

Porque ... porque ...

Por que 0que, macaca?

Minha mae num e macaca.

Cala a boca, macaco, eu falo nesse caralho.

ohomem seirrita, arranca a caixa de som,joga no chao.

Fala, macaca.

E que todo mundo na rna e preto.

Ah! Ouviu essa,cabo, todo mundo na rua e preto.

Par isso que essa rna s6 tem vagabundo, s6 tem n6ia.

Penso em falar,sou do rap, sou guerreiro, mas nao paro

de olhar a pistola na mao dele.

Eo seguinte, voces vivem de que aqui?

Do bar, moco.

Moco e a vaca preta que te pariu, eu .sou senhor para

voce.

Sim, senhor.

Minha mae nao merece isso, 20 anos de diarista.E voce, neguinho, 0 que ta olhando ai, decorando mi-

nha cara para me matar, e? Vocepode ate tentar, mas a

gente volta aqui, poe fogo em crianca, queima os barra-

cos e atira em todo mundo nessa porra.

Ai! Meu Deus.

Minha mae comeca a chorar.

Voce trabalha de que, seu macaco?

To desempregado.

Ta e vagabundo, levar lata de concreto nas costas nao

quer, ne?

Ele talvez nao saiba que todo mundo na minha rua e

pedreiro agora, ele talvez nao saiba.

Sabe 0 que voce e?

Nao.

Voce e lixo, olha suas roupas, olha sua cara, magro que

nem urn preto da Etiopia, vai roubar, caralho, sai dessa.

Sou trabalhador.

Trabalhador 0 caralho, voce e lixo, lixo.

Cai cuspe da boca dele naminha cara, eu sou lixoagora.

Eu canto rap, devia responder a ele nessas horas, falar

de revolucao, falar da divisao errada no pais, falar do

preconceito, mas...

E 0 seguinte, seus montes de basta, vou apagar a Iuz, e

vou atirar em alguern.

Mas capitao ...

Cala a boca, caralho, voce e da corporacao, s6 obedece.

Sim, senhor.

Ou tern algum familiar seu aqui, algum desses pretos?

Tern nao,

Ah! Mas se eles te pegam na rua, comem sua rnulher,

roubam seus filhos sem do.

.erto, capitao.

Entao apaga a luz.

() tiro acontece, eu abraco minha mae, elae magra como

('II, ela treme como eu.

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Todo mundo grita, depois todo mundo fica parado, 0

ronco da via tura fica mais distante.

Alguern acende a luz.

Filho-da-pura do caralho, a ti rou no teto, grita a lguem.

o PLANO

o esquema ta mil grau, meia-noite pego 0 onibus, m6

viagem de role pra voltar , 0 trampo nern cansa mui to,

o que mais condena 0 trabalhador e 0 transporte

coletivo.

Muita gente no banzao, muitas de maquiagem pesada,

mas muitas tarnbem com os cadernos no braco, rnu-

lher de peri feria e guerreira, quero ver achar igual em

outro lugar.

o plano vai bem, dois manos de cadeira de rodas no

final do Capelinha, um outro de muleta, um cego entra

1 0 yodepois, essa porra e ou nao e uma guerra?

Os pes descalcos, sujos como a mente da elite, 0 plano

v ( 1 i hem, todos resignados, cada urn, uma sequela, cha-

mndos desgracados, nunca tern no bolso 0 dobro de

\ ill 0, nunca passaram na rua da Corifluencia da

11~II'qllilha,e, se passaram, parararn, entraram nos apar-

1 1 1 1 ~ : l1 t ·OS , fritaram rosbife, prepararam lindos pratos e

I III I'(ISa nem 0 ovo e esperado, cuidam da seguranca

dill, null's e em casa nem isso sonham ter.

t ~,'II 111' adrnira que 0 plano funcione, os pensamentos

III v.ulios, afinaI essa e a soma de tudo, quem? 0 rei do

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ponto? Esse ta sossegado, s6 contando 0 dinheiro. In-

formacao? Naol 0 povo e leigo, nao entende, entao nao

complica, 0 ass unto na favela aqui nao vinga seu ma-

nual pratico do odio, s6 Casa dos Artistas, discutir na

favela s6 se 0Corinthians e campeao ou nao.

Nada contra, sabe? Mas futebol nao e arte, futebol e bola

e homens correndo. Pra mim nao pega nada, desculpa

quem gosta disso mas e simples, e a regra da vida em

simples lances, eu quero mais, quero regras complica-

das, quero traces que tragam uma epoca que talvez nao

vivi, mas sin to, quero pa lavras que gerem vida , descul-

pa ai, meu, mas eu nao gosto disso ai, pra mim nunca

vogou nada , nunca entendi, nunca participei, s6 sei que

muitos de que gostei morreram por isso, mas nunca en-

tendi por que morrer por isso.

o meu povo e ass im, vive de paixao, 0 ideal revolucio-

nario tarnbem e pura paixao, muitos amam Lucimares,

muitos amam Marias , [osefas, Doroteias, e ,na transubs-

tanciacao da dor, urn tiro mata um emprcsario no posto,

o plano funciona.

E quer saber?

NINGUEM E INOCENTE EM sxo PAULO.

Somos culpados.

Culpados.

Culpados tambem,

omundo em guerra e a revista Epoca poe 0 Bambam

do B ig B r ot h er na capa, mas que porra de pais e este?

o mesmo pais que se dizima com armas de fogo e as

mantem pelo referendo.

Ah! E verdade, 0 plano funciona.

To no buzao ainda e um maluco me encara, vai se foder,

voce e meu espelho, nao vou quebrar meu reflexo, mas

a maioria quebra, faz 0que 0 sistema quer.

Quem gera preconceito e so quem tem poder, um sem

o outro nao existe, 0 onibus balanca que s6 a porra,

tenho a te desgosto de continuar a esc rever, mas comigo

o plano nao funciona .

Morar em periferia sempre me prejudicou, esgoto, be-

bedeira, tiro, e principalmente para se candidatar a al-

gum emprego. E do Capaoi Entao nao emprega.

Hoje a quebrada e usada contra mim, por mulheres

como a Mirisola, que acha que a vida do escritor e que

o define, polemico, saiba que 0Leao e mais importante

que a fauna, mas pensando bem vou falar de gente.

Finalmente 0 ponto, a porta abre bruscamente, desco,

todo mundo no pau, 0 motorista mal espera descer e

sai em disparada, an d o ate em casa, ja ta serenando,

pizzaria aberta.

Ch ga ai, Fenez!

V() nao, irrnao, tenho que resolver a lgumas coisas, che-

po em casa, deixo a bolsa e pego 0 livro do Dr. Lair Ri-

bciro, e olho para os lados para ver se alguem esta no-

t.indo, tenho vontade de rasgar, mas vou deixar la na

hihli teca, deve servir pra alguern, sei la, vai saber, tem

111I1~'O pra tudo, ne nao?

1 ' 1 ' 1 ' , 0 0 Mem6 ri as d e u rn S ob re vi ve nt e, isso e l ivro de ver-

d,lti(·, orneco a folhear, decido ir pra casa do Andre,

'I,ll l' .rrar um cafe por la mesmo, um outro, 0 meu

1 1 1 1 i l' ,n pa rceiro pipocou, me decepcionou, se entregou

1 '1 " I H l l l '(1 coisa, que se foda entao, ficar perto de fraco

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da fraqueza, subo a rua, charno, ele aparece e diz que ta

indo pra casa do Duda, decidimos ir, chegarnos Ia, a

Dona Geni ja comec;:aa fazer 0 cafe, a gente senta no

confortavel sofa da sala, a Mel vern brincando, que ca-

chorrinha da hora, a Fabiane ligaa TV e 0plano come-

eraa funcionar de novo.

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PEGA ELA

Longe, hein?

E estrada, nego, e assim mesmo.

E como anda a Suzana?

A loira ta da hora.

Firmeza?

Por que a pergunta?

Saudade de ver voces dois, porra.

Lipo , ha quanta tempo a gente se conhece?

A ho que mais de dez.

Po e dez nisso, tu comecou a andar comigo aos 12.

Iimesmo, so de baralho temos varies.

A s madrugadeiras no bar do Domingos, ne?

I'IIII crer.

1 1 11 1 : 0 faz mais de 15 anos, tu ta com quanto?

"1,

1 ' , 1 1 1 1 1 0 tern isso nao, tern uns 13.

II , Itlc rer, Alemao, desde 0 dia em que te vi quis ser teu

1111 i , ;o,

I',II ql1~,cadi?

1',11q II~' voce sempre foi 0 linha de frente, ne?

I ', 1 , 1 " l r T, mas voce ja demonstrava apetite.

I II.IN esse carai nao chega.

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Vive com 0 carai na boca.

Piada antiga , hein, nego?

Lipo?

o que?Voce sempre foi firmeza comigo.

Ih! Esses papos me incomodam, 0 que pega?

Pega nada nao.

E ent re voce e a Suzana?

Nao.

Ah!

Ah! 0 que?

Nada nao, parece que ta boladao.

Estou mesmo, tem uns papos paralelos ai,

Envolvendo quem? Posso saber?

Voce mesmo.

Para com essas coisas, Alemao, 0que pega?

Aquela mina la do irmao.

Ih! Deixa isso quieto.

Por que?

T6 a fim de falar nao,

Mas temos que falar.

Lipo, voce comeu a mulher do cara?

Alemao, carai, voce e meu irrnao, guarda essa porra .

Guardo nao nego, vamos ter que sumariar.

Mas que carai e esse?

Sei nao, sei que 0 cara era i rrnao, vai ter que sumariar.

Mas cate i nao,

Catou.

Catei ...

Fala logo, porra.

Carai , Alemao, engat ilhouo bagulho, voce e meu irrnao.

Irmao eu sou, so que tambern dos outros, voce sabe 0

codigo.

Mas ...

Mas 0 que, fala?

Ta born, eu dei um beijo.

Para de palhacada, cadi, eu vou te assassinar.

Paz isso comigo nao, Alernao, e la que m.e beijou.

' 1 \ . 1 ficou la para ser guardado, nao para catar a mulher

do irrnao.

M u s essa vadia, eu tava no banheiro e ...

l I a l n tudo, porra!

1 ' : 1 1 lava tomando banho, ela entrou, tava de espartilho e

I) carai, eu dei um beijo.

' ; ' l l t O muito, Lipo.

Temos que falar.

Pra que remoer?

Temos que sumariar.Vamos parar para mi jar?

Vamos.

Ahl Nada mais gostoso do que mijar.

Ainda mais nesse mato verde, queria viver aqui.

E mesmo.

E , ficar de boa, andar de cavalo, plantar uns baratos.

t I ,1 h I!

I' n AI 'mao.

I II (

fv i IIIt'i 111 II melhor amigo, meu companhei ro, so que

II 1 1 I I 1 I I h r tambern vacilou.

I II I't, vo u dar urn COl'O nela.

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Nao basta, eu perdi meu irrnao, voce vai ter que matar

ela.

Mas ela ta gravida.

Foda-se, de repente nem e seu, ce sabe a c6digo, se nao

pegar, a gente pega voces.

Ta, ta born, carai, you pegar. o GRANDE ASSALTO

Avenida Santo Amaro. As 13 horas.

Urn homem malvestido para em frente a uma concessi-

onaria de autom6veis fechada e nota as bolas promo-

ionais amarradas a porta.

Urn policial desce da viatura, olha para todos as lados e

observa urn suspeito parado em frente a uma concessio-

11 : ria. 0 suspeito esta malvestido e descalco,

lima senhora sentada no banco do onibus que para na

.IVonida para pegar passageiros comenta com a moya

'It'nl;lda ao seu lado que tem um mendigo todo sujo

1, .II· ,Hloem frente a uma loja de autom6veis .

lit II scnhor passa par um homem todo sujo. Segura a

I IIkll'a e comeca a andar apressado. Logo que nota

I VI,IIIII':I estacionada rna is a frente.se sente segura, ame-

III .1I,do as passos.

IIll uv cm tenta desviar detras do onibus parado, as

1",1111.11,'u ele ve logo a frente the trazem des con for-

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to, pois seu carro esta reple to de drogas que serao comer-

cializadas na faculdade onde estuda.

I

I

I

o homem malvestido resolve agi r, da t res passos a fren-

te, levanta as maos e agarra duas bolas promocionais;faz a conta rapidamente e se sente realizado, quando

pensa que ao vender as bolas comprara algo para beber.o POBREMA E A CURTURA, RAPAZ

Para Paulo Lins

Uma moca, alertada pela senhora ao seu lado no oni-

bus, chama a atencao de varios passageiros para 0 ho-

mem que, segundo ela, e urn mendigo, e diz alto que ele

acabou de roubar algo na concessionaria.Certo ... certo, ta dificil pra voce, ta diticil pra rnim, fa-

zer 0 que? A vida e assim.

Mas 0praiboy ja tava zoando com a gente, esses dia ai,

que tava escrito no Audi dele mesmo?

cc e ta dificil pra mim, imagina pra voce?"

I, ai e ernbacado, hein? A rapaziada tinha que dar um

pan mesmo.

Mas num deu nao, rapaz.

NOlo?0 que fizeram?

S() fizeram ele tirar 0 adesivo, e deram uns xingo nele

1 . 1 ,

' 1 ' , 1 mole, hein? A rapaziada ta mole.

1:lIllb611 esse barato de pobreza al ja ta dando no saco,

I.d'i trabalhar mais.

1)111'

nadal Ta dificil mesmo. Na epoca do meu pai, ele1 1 1 1 dl' LII11 t rampo e entrava noutro, assim, oh, rapidim.

I JI I ['PO-~do seu pai, picole era lambido ainda quente,

I II'"l:t" Iu t a de vacilo.I.,11.10,0 que falta eo povo tarnbern baixar 0 padrao,

1111IIIIIwguim de carro novo ai, ta ligado? Ta no barraco

.I, 1,111'0,

Urn jovem com 0 carro cheio de drogas para vender na

sua faculdade nota 0homem correndo com duas bolas e

da re no carro ao vel' os policiais vindo em sua direcao.

Um policial alcanca 0 homem malvestido e bate com 0

cabo do revolver em sua cabeca varias vezes: 0homem

tido como mendigo PelOSpassagei ros de um onibus em

frente cai e as bolas rolam pelo asfalto.

Um motorista que dirige na mesma linha ha oito anos

tenta ficar com 0 onibus parado para vel' os policiais

darem chutes e socos em um homem malvestido

que esta caido na calcada, mas 0 transi te esta livre e ele

avanc,:a passando por cima e estourando duas bolas

promocionais.

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Baixar como, carai? A pessoa tern que viver tarnbern,

nao tern nem como comer mais. ]a tiro passeio com os

filho, ja tiro a alegria da patroa de urn sambao, vai tirar

o que mais, rapaz? Sua cerveja ce nao para, ne?

Ah, ai tarnbem nao. Deixa a loira quieta, eu fomento 0

comercio local.

Comercio local? Ta estagnado, ta paradao, ta ligado? Ate

no trafico ta foda, mano.

Ta foda porque tern muito zumbi pra pouco palmares,

como diz 0 Sergio, liga 0 poeta?

o dos pensamento e vadio?E esse mesmo, 0 homi rima bem, mas ta foda mesmo,

todo mundo querendo ser patrao.

E . .. 0 pior e 0 tiozinho la, deu sopapo no ouvido.

Com qual motivo?

A filha pediu um presente de Dia das Criancas, elenao

tinha um dinheiro, deixou um bilhete tipo triste, pe-

dindo desculpa, amarrou um pano na mao e no berro

pra abafar a bala e meteu na cachola.

Parra, nao quis incomodar nem na hora da morte.

E , ha, ha.

Rinao, rapaz, e triste, mas 0 t rafico tava dando uns brin-

quedo ali, por que ele num pegou?

Quis nao.

POl'que de nao quis?

Diz que era honesto, nao queria esmola de trafico,Feio, hein? Ainda por cima orgulhoso, to falando. Falta

baixar 0 padrao.

A fita ta na curtura.

Que curtura, rapaz?

Pra voce ve , e isso que tu nem sabe, tem acesso a nada,

sem alimentacao, nunca vai ser criativo, carai,

!I!

IiI',I

I

I

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Criativo, 0mundo e rico e pobre.

Nada disso, 0mundo e tres, rico, pobre e criativo.

Entao voce equal?

Criativo, carai, nao dou meus pulo?

Faz 0 que, rapaz?

Conserto video, arrumo encanarnento, face bico, esse

barato ai,

Tu ta de conversa, aqui s6 vira lobi, complo, esses bara-

to de oportunista, ta ligado?

Sei; eu dou meu trampo, mas eles s6vive de explorar, ve

ai, 0 crime chega com uns agrado pra crianca e a sub-

prefeitura tem cerca eletrificada, funcionario tudo fol-

ado, que nem tai pra nada.

I~esses merda mora tudo aqui tambem, cu de burro

csses ai, se eu trombo, logo arrebento na bala.'I 'a tudo fudido mesmo, tem que ter curtura.

(.urtura 0 que, rapaz? Vem voce com esse papo, ta tudo

<'Ilt regue ai, pra voce ver, ate os barato das arma.

Ma isso 0povo nao entendeu, eu entendi tudo, osban-

d ido ia ficar armado.

I: vo num e bandido, rapaz?

';()(j na.o,ve se to de terno e gravata.

I 1111'11'10, ha, ha, ha.

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pAa DaCE

Para South e Ronaldo

Acordo sempre as seis.

Hoje nao sei por que dormi ate as seis e vinte.

Cuspi na pia a pasta de dente que esfreguei rapidamen-

te com 0 dedo.

Faco isso todos os dias.

Ieguei 0 onibus lotado, passei por uma dona e meu pau

dell uma fisgada.

l.cmbrei da noticia do Cidade Alerta: "Tarado leva 50

('slocadas com estiletes no cadeiao,"

Ml'lI pau murchou na hora.

I ' .INS 'ipara a parte de tras.

t\ II' npoiei na barra de aluminio, que alguem trouxera,

1 1 1 1 ' . stava antes do ultimo banco.

II I IH'i para os peitos de uma gordinha sentada logo a

IIIII! li n frente.

1 1 I 1 t 1 1 ' , i l l 'j uma espanhola.

\ 1 11 11 ( I cspanholas, ainda mais quando os seios sao fartos.

I "I'.' I l cmhro de minha mulher. Ela tern os peitos pe-

III IIIH., 11.rn nisso dou sorte.

II1I III, (III rante a discussao que ja e rotina, percebi queII I I II I' I" ' las terem nOS50 tempo, nOS50 corpo, elas

1IIII IIIIlIlIis, las que rem nossa alma.

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o que voce esta pensando ai? E noutra vadia, nei

Eu estava pensando 0que tinha ganho de seis anos na-

quele emprego, e nao numa vadia, embora nao fosse

rna ideia.

Amaioria das traicoes sao asmulheres que provocam na

gente, elas estimulam a gente com essasperguntas, ate 0

dia em que voce realmente come<;:aa pensar em vadias.

Cheguei no trabalho e fui tomar cafe.

o gerente e baiano, eu sempre humilhava os meninos

que tambem eram baianos.

Deus e muito sacana, hoje estou pagando.

o gerente me olha eno olhar diz:"Eu seique vocechegouatrasado, eu sei que voce me humilharia sepudesse, mas

eu sou a porra do gerente, e se voce moscar euvou fuder

a sua vida e vai comecar sevoce decidir tomar cafe."

Tudo isso num olhar, hein? Nao sou burro, fingi que ia

beber urn copo d'agua e sai sem tomar cafe.

Comecei a mexer nos pallets.

Os pallets sao estruturas de madeira, onde eles arrnaze-

nam as mercadorias.

Asvezes os caminhoes encostam e ha dezenas de pallets

cheios de arroz, pallets com feijao.

Esses dias descarreguei dois caminhoes sozinho. Quan-

do tentei parar urn pouco, olhei para tras e la estava 0

gerente.

Seus olhos me diziam: "Se voce encostar para descansar,

eu you fuder sua vida, vou comer sua mulher na sua

frente."

Trabalhei ate 11 horas. Estava quase desmaiando de

fome, 0mercado cheio de comida, tudo que etipo de ali-

mentacao, mas se nos virem comendo e justa causa.

Pode ser urn Danone ou pode ser urn caroco de feijao.

Uma vez, urn menino foi mandado embora, devia ter

uns 18anos e tinha urn filho recern-nascido.

Pegaram ele comendo uma goiaba, ele foi mandado pOl'

justa causa.

Com 18 anos e sujou a carteira, nunca mais arruma

emprego na vida.

Era mais justo sedessem urn revolver para elejunto com

a devolucao da carteira de trabalho.

[a vi dezenas de bacanas roubando.

Asvezes eIespegam queijos caros, as vezes roubam do-

es ou latinhas de pate.

Uma vez, 0 seguranca pegou urn velhinho que estava

roubando uns chocolates finos,

l , vou ele, falando alto e tudo, no meio de todo mundo,

, II - chegar no gerente.

() cguranca foi mandado embora no outro dia, 0 ve-

II d nho era gente bacana, cheio da grana, e nessa gente auossa gente nao encosta, ele ja devia saber disso.

I'll rn smo preparei uma cesta cheia de coisas caras para

I I 1 ' lI lt " gador levar a casa do velho.

I I" 11m presente do mercado, e urn pedido de descul-

1 1 1 1 p -1 0 "engano".

I"I liNpobres nao tern 0 mesmo tratamento.

11111" v '7., pegaram uns meninos roubando chocolates,

11111 '''V,I om uma barra dentro da cintura e 0 outro

'!lIIIIIII:l aixa.

I I I\' 1I'llle hamou todos os funcionarios para presen-

I I I dl'pois 0 seguranca cornecou a humilhar os me-

1 1 1 1 1 11'/ «lcs comerem 0 chocolate de uma vez, e de-

' 1 1 1 1 1 1 1 , 1 1 " .

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A gente nao queria ver, mas 0 gerente mandava olhar,

Os meninos vomitaram tudo, e 0 mercado perdeu os

chocolates de todo jeito.

Eu estava na minha secao e nao conseguia dar conta,

quanta mais eu repunha a mercadoria, mais as pessoas

compravam.

Acabava 0macarrao, eu buscava 0palete e,quando che-

gava 0 arroz, tambern estava no fim.

Logo que repus 0 arroz, 0feiiao e 0oleo estavam no fim

tarnbem. Toda vez que eu tentava passar com 0 carri-

nho, as pessoas reclamavam. Estava incomodando todo

mundo.

Eu estava todo suado quando 0 dono da rede de merca-

dos parou na minha frente junto com 0 gerente.

Euli nos olhos do gerente: "Agoraeu yOUfuder sua vida,

you arrancar seus dois olhos, you colocar no meio doseu rabo."

o dono da rede ia de surpresa fazer uma fiscalizacao,

sabe, ne? POl'os pingos nos is.

Ele me olhou dos pes a cabeca,

Em seguida, comentou algo com 0gerente.

o gerente disse: "E , doutor, infelizmente a gente avisa

para elesmanterem a higiene pessoal, mas esse povo e

meio burro:'

o dono da rede disse: "Certo, mas tudo tem limite, esse

homem esta fedendo."Foi entao que 0 gerente me mandou para 0 banheiro e

pediu para que eu tomasse urn banho e colocasse urn

perfume, eu fui.

Me lavei por uns dez minutos, peguei um perfume do

acougueiro emprestado e usei nas axilas, tive que colo-

car as mesmas roupas suadas e fedidas.

Caminhei pelo corredor, era final de mesoAspessoas se

arnontoavarn, eu ja nao conseguia conter minhas lagri-

mas, seeu visse 0gerente acho que Ihe daria um soco.

Foi entao que comecei a andar pelo corredor cada vez

mais rapid a e cheguei na porta do mercado, olhei para

a claridade la fora e continuei carninhando, fui andan-

do ate 0 final da rua, eu estava livre, livre de verdade.

Nao voltei para buscar meus direitos, mas minha mu-

lher estava enchendo a saco, cornecou a insistir para

que eu fosse buscar ao men os a cesta basica.

Cheguei na recepcao, perguntei pela cesta basica, A

atendente me olhou como se eu tivesse roubado algo

seu e me disse: "Voce nao tem direito."

lIuinsisti e disse que havia trabalhado quase 0mes todo.

lila repetiu: "Voce nao tem direito,"

Sn(, resolvi pegar um onibus e irao Parque do Ibirapuera,

,~l 'npre achei tao bonito aquele parque. La,vi uma fon-

ti' muito linda que jogava a agua para 0ar, ela era como

I'll,jogando as coisas para 0ar.

AliOS mais tarde, soube de um amigo que aquela fonte

'lli muito cara e que havia sido paga pelo dono da rede

tI,· uicrcados que nao quis me dar a cesta basica.

32 33

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NOVAGA

Para Jose Carlos Andrade

E ai, encontrou?

Encontrei nada.

I' : 0negocio do purificador?

1 ' , 1 " ' ) tudo ilusao, fiz curso de tres dias e depois descobri.

1 , ' 1 ei , de porta em porta de novo.

1 \ , . le s falam que e fixo, mas na real e de porta em porta.

I'iIV O pilantra.

l'ilnntra e pouco, ate a conducao eu tinha que pagar.

I', l hcgou a fazer 0 dito estagior

I'i~sirn, comprei ate roupa no cartao.

I .I) (Ill fode tudo.

1'1111 (oi 0 Deusdete.

I I 'illl' lei?

I 1 1 1 11 I 1 I' ( )1 . . 1 uma rnaquina de fralda.

I. II I i e u s , esse homem nao aprende.1'" l id, IJaO, nao chega aquela das camisas, lembra?

II Ii 11 11 , sim. Fez meia duzia de estampas e depois foi

IIhId maquina.

I IIIdliH piores e fazer os books.

1' 1 1110 , roda mae acha que 0 filho e 0 mais bonito.

I" ,'. 1111 a fazer ate curso com as meninas.

I,

'I

1\

35

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Tudo rnentira, ate a filha zarolha da Lucia entrou nessa.

J a viu modelo zarolha?

Depois e1aspagarn mo dinheiro e ficarn com as fotos

guardadas.

E mesmo, porque vaga na TV, meu mho, ja ta tudo

prometido.

Tudo conversa fiada de televisao.

Nao sei por que tem gente que ainda cai nisso.

Desespero, eu acho.

E mesmo, 0povo chega ate a fazer colar.

E quem compra colar na favela,Meu Deus?

Que nern as antenas parab6licas.

Quem caiu nessa?

o Zinho, 1ada Rua 10,vendeu rneia duzia, nao ganhou

nem 0 do sal.

To falando, depois eles anunciam que tem muita vaga.

Tem vaga para ser explorado.

E mesmo, agora amanha eu YOU ver urn bom.

Qual que e?

E um plano dentario, sevender tres, 0 emprego e seu.

Nossa! Nao tem como me envolver?

S6 sevoce quiser comprar urn meu.

E quanto e ?

Deu 0horario.

H la foi dormir.

l'rimeiro tirou toda a maquiagem.

I Ii .ou natural e desviou os olhos do espelho.

() mijo era um jato barulhento.

( 'olocou os grampos no cabelo.

( )rol.l pelo pai doente.

( I' I, 'OU 0 joelho, a mesma verruga.

lit· notou a1uz se apagando no quarto.

I I II' podia esperar nem mais um segundo, ainda bem

Il'lt' ('ItIhavia ido dormir, era a me1hor parte do dia.

I '1I.llIdo chegou da mecan i c a havia tomado um banho

, q III In .

r 1"IIIII'N, cambios, urn Audi com a suspensao ruim, ti-

1 1 1 1 1 1 Ipl' t irar tudo da cabeca.

Igilli t inha caido rnais em suas costas.1 1 1 1 " 1 ' It'slao de urn maldito ser sistematico que mora-

I I. Iti ll, dele.

III ,Iv ida,toda ela havia sido assim, nao conseguia

III I Westivesse algo fora do lugar, e ultimamente

I Illl'd r para as coisas, urn quadro tor to, urn pano

1 •• 1 1 1 "do, I LIdo 0 fazia levan tar e organizar.

RASTEJAR

Para Isa

36 37

,

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;I('»;'~ -L-'_-- _' _~ ~ ,::_. ,,- •. ' -'

--------

Quando saiu de baixo do chuveiro, girou a chave lenta-

mente ate 0 final, pegou a toalha e comecou a sesecar.

Por que estava na sala sentado e via tudo novamente?

Por que relembrava cada passo?

Procurava ha tempos nao olhar para as coisas, isso 0

incomodava muito, luta intern a era 0 que enfrentava,

todos os dias urn duelo contra sua pr6pria loucura, vira

e mexe chateava os outros,

Fulano, para com essachave, sicrano, pelo amor deDeus,

para de balancar esse pe.

Uma vez perdeu a paciencia no cinema, alguern cochi-

chando, perdeu a linha, desceu a porrada no cara, foi a

ultima vez que foi ~o,cinema na vida.

Foi para a sala apenas de bermuda.

Pegou 0 livro, abriu no capitulo exato em que tinha pa-rado, as pernas comecaram a se mexer, ele sabia 0 que

vma.

Mas ja tinha feito tudo isso antes, por que nao parava

de relembrar?

Se juntaram, de sua bar riga saiu urn liquido viscoso,

passo a passo, a bermuda saiu, caiu como se estivesse

somente numa perna, comecou a sentir as do res, 0

quarto estava todo quieto, ele prestava muita atencao

nos ruidos, e nao tinha nenhum, s6 os ossos estala-

yam agora.A coisa se completou, agora as escamas estavam la, os

olhos viraram, a visao dobrou, tambem 0 tato havia

melhorado bastante, abaixou 0 queixo e deslumbrou ()

novo corpo, liso, analogo.

Comecon a deslizar, no inicio com dificuldade, depois

com mais desenvoltura.

Passou pelo quarto, os tacos encerados nao 0 denun-

ciavam, 0 liquido viscoso marcava todo lugar por onde

passava, chegou a cozinha, entrou no banheiro e fez a

cauda ficar firme, ficou ereto, assim conseguiu acender

a luz, sentou no vaso, abriu 0 l ivro e comecou a ler,

38 39

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BUBA E 0 MURO SOCIAL

Para Paulo (Magrelas)

Eu ate tinha muitas coisas legais para brincar, um ursi-

nho de pelucia que eu sempre mordia logo pela manha

(' durante 0 resto do dia.

'Ihmbem corria para comer a racao que vinha sempre

ru n ia, pois meu dono a mergulhava em agua morna,

I'" Iambern ficava fingindo que estava guardando 0

1'111'110.

illli m u pai que me ensinou, ele disse assim: "Filho, a

1111' sn raya e muito conhecida por ser tranquila, mas

I'" Ii:nmos ser mais do que somente des bonitinhos e

I Iitli l~':,dinhos, 0mundo moderno exige que tenhamos

III II scrventia do que somente nossos olhos caidos e

I.II"I l'~orrendo, a realidade, filho, e que os pit bulls

I \11 un moda, e n6s estamos ficando pra escanteio,

IIll, (1'1'10 que a gente ja sabe onde isso vai dar, que,

III IIIdII l I 'Squerem um carinho, eles vern para n6s, os

II I I. !jIll' sa.oos melhores, os Hound."

I III u u - u pai era um cara muito inteligente, mas perdi

II( 1 1 . 1 10m ele assim que seu dono me vendeu, en-

II \ 1111 morar com 0 Moza, que e um cara super 10.

I 11.1" . noite para as baladas e eu tenho um puta

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medo de ficar sozinho, mas seguro as pontas, pego meu

ursinho e, sem ninguern ver, eu 0 agarro com todas

minhas forcas,

E , pessoal , minha vida ate que estar ia sendo boa senao

tivesse acontecido do Moza precisar de dinheiro e ter

me vendido.

Cara, ces num vao acreditar, eu tinha saido de uma pet

shop chiquerrima ha poucos minutos, tinha tornado urn

banho chapado e ate uma gravatinha tinha ganhado,

confesso que uma cadelinha ficou pagando urn pau, mas

eu fingi que nao vi. Voces sabem, ne?

A gente tern que dar uma de difici l, e tambem confesso

uma coisa: eu fuioperado quando era bern pequenini-

nho e nao posso cruzar, mas faz favor, hein? Comenta

com ninguern nao,

Veio urn Fusca, urn cara muito mal-encarado e me pe-

gou nos braces, depois deu urn papel para meu ex-dono

e saiu comigo no carro. 0 cara dirigia mal pra cacete, e

eu fiquei com uma vontade de fazer pipi mas me segurei.

Cara, voce nao imagina 0 medo que me deu, eu fui

saindo de perto daqueles predios bonitos e umas casas

grandes de cachorro foram aparecendo. Nossa! Parecia

que eutava indo para uma terra de gigantes, fiquei ima-

ginando 0 tamanho que eles mediam, mas depois me

espantei quando vi gente saindo daquelas casas, depois

os cachorros que conheci na rua me explicaram que ell

estava entrando numa favela.

Sabe aqueles banhos no veterinarior Nem pensar, e a

racao gostosa e umida, nunca mais. Depois desse din,

estou vivendo somente com racao de comb ate e algo

louco aconteceu. Eu posso ficar dentro de casa, e ; 1 f t ·

dentro do lugar em que meu novo dono trabalha. Ele

fica 0 dia todo em frente a uma especie de televisao e

fica mexendo os dedos. Ja ouvi alguem dizer que ele e

escritor, mas nunca consegui ler 0que ele escreve. Toda

vez que chego perto, ele logo me da urn carinho e para

o que esta fazendo para ficar me olhando com ternura.

Sabe, a primeira vez que choveu, eu tomei urn puta sus-

to, pois comecou a encher 0 quintal de barro, e depois

tam bern fiquei sabendo que aquilo era uma enchente.

Segundo alguns cachorros, uns bichinhos que eu vi e

queria brincar, na verda de, eram ratos - e me orienta-

ram a nao chegar perto.

Born, minha vida mudou muito, as vezes tenho sauda-

d do meu ursinho, mas aprendi a sobreviver aqui e te-

nho exemplos de muita vit6ria, como sao os vira-latas ,

linsa! Eles passam cad a situacao.

1 \11 quase nao faco barulho, tambem nao olho 0 portae,

pOl'que nao precisa, e todo mundo conhecido e fica en-

II,llIdo gente 0 dia inteiro. Elesbebem cafe e conversam

d Ill'ante horas, eu fico esperando a noite chegar, pois

1 1 1 1 l)j' dio em que eu morava eu nao via umas luzinhas

1 1 1 1 ( ( 0 \ 1 , e aqui eu consigo vel '.E, de vez em quando, apa-

I,II' II rna bola prateada muito bonita. Eu adoro viver

," II () eu e azul e nao cinza como lao

1 1 1 1 1 1 II

I I .11.Vo u sair daqui agora. Se meu dono me pega es-

I, , 1 1 1 1 , I , cu to perdido.

I

II

",

II

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ERA UMA VEZ

Para Robson Canto e toda Heliopolis

Antes de chegar ao bar, Era Uma Veztirou os oculos.

o sereno cala e ele nao enxergava.Havia decidido nao pensar em nada naquela noite.

E tava proximo ao bar.

ornecou a seperguntar por que os seres humanos nao

podem guardar momentos.

(:h gou ao bar e comecou a olhar para 0 ambiente.

N , I O t inha nada para fazer ali.

Nun c a havia feito amizade com ninguern fora de sua

hunilia.

I '"d( 'iras cheias de carne morta, sonhadores de um fu-

IIII()agora ja primitivo.

1IIIou para 0 ponto, ato continuo, notou que entre a

,. I 1111 de ferro e 0 ponto havia duas teias de aranha.

1 1 1 1 1 " I.ia era inclinada para cima, a outra para baixo.IIuu-io, a pequena aranha.

I " I . I S pareciam ser feitas de diamante devido ao sere-

1111i"l' nclas caia,

I IHuhll,' hegou, Era Urna Vez entrou rapidamente,

II 1""11'111 asa, sentou no sofa e sentiu falta do brilho

I "il. pI'llsar nisso doia demais.

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Nao conseguia parar de pensar.

Abriu a geladeira, pegou urn cuba de gelo, foi para a

sala e arremessou-o contra a parede. Viu 0 brilho por

alguns instantes, era quase 0mesmo brilho que havia

visto na teia.Correu para a geladeira, pegou a bandeja de gelo, foi

para a sala novamente, comecou a arremessar urn a urn

os cubos de gelo na pare de,via 0brilho e queria ver de

novo, e de novo, e de novo...

o chao da sala ja se encontrava encharcado.

Para Era Uma Vez nenhum momenta era como 0 pri-

meiro, satisfacao prorrogada, mas nao era a mesma coi-

sa, 0primeiro ate foi 0 unico.

Passadas algumas horas, pegou urn balde de tinta e co-

mecou a pintar0

lugar onde0

primeiro cuba haviasequebrado.

Onde 0primeiro brilho teve vida.

Comecon a seperguntar por que osseres humanos nao

podem guardar momentos.

E logo tinha pintado toda a sala, a cozinha, e logo joga-

va tinta nos m6veis, e via 0brilho por alguns segundos.

o momenta tinha sido preservado.

Mas havia outros momentos.

Nunca podia parar.

Fotos, filmagens, anotacoes, imagens, lembrancas, coi

sas que arquivamos em n6s mesmos.

Os momentos fugiam.

Nao era 0brilho que Era Vma Vezprocurava.

Nao eram osmomentos bons.

Naquela noite, dormiu como uma crianca ap6s ouvir I 1 1 1 1 1

linda hist6ria de alguern que ele ainda nao conhccia,

Acordou cedo e foi para 0bar novamente.

Cbegou e todos ficaram olhando para aquele homem

com urna picareta na mao.

Come<;:oua cavar em volta do ponto de onibus.

Conseguiu tirar e 0 colocou nas costas.

Chegou em casa e deitou 0ponto no meio da sala.

A teia estava pendurada nele.

Deitou do lado do poste e ficou olhando fixamente paraa teia.

III

I I

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o ONIBUS BRANCO

Para Iardim Comercial

Entrei, ja estava lotado, nao havia notado a semelhanca

dos passageiros, estava esgotado.

Nao sabia rnais por onde correr, os dois inimigos atras

de mim nao acertaram os tiros, estou intacto.

N e rn vide onde elessairarn, vieram cobrar treta do cara

-rrado, eu num tinha nada a ver com aquelas fitas, vou

IIImariar tudo isso hoje mesmo quando chegar na

'1l1ebra.

( 1111ipara 0 lade e vi 0meu parceirinho, nao acreditei,

t\ l .irquinhos ali do meu lado.

I . t l , parceiro, como vai?

111110 indo, mo saudade, Nal, me da urn abraco aqui.

1.,10\ so voce mesmo pra me chamar de NaI, porra,

'1111 '"lliciade, por onde tinha andado?

III I It's: l aquele dia da pizzaria que meu anjo da guar-II I .llstraiu eu fiquei por aqui, to nesse onibus, junto

"III t 1111ro , o lha la 0 China, ja ta tentando abrir a por-

H 1 1 1 1 1 1 orista fica que fica louco,

" I. I1('1'1 h! China ...

It 't I 1l"1.?

I I 1 11 11 10 vai voce, cara?

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To indo, essa porra desse motorista num abre a porta,

eu vou zoar ele.

Meu, mas voce e 0Marquinhos no mesmo onibus, aijs.

e coincidencia demais.

Nada e coincidencia, Ferrez, como ta indo meu irmao

la, e 0meu velho e minha mae?

Tao bern, eles ficaram bern tristes, ne? Mas tao indo, 0

Chininha tala,andando de moto como sempre, ele anda

muito com 0Dentinho.

Fala uma coisa pra ele,veio.

Fala 0 que, China?

Fala que nao compensa, nao compensou pra mim, eu

to com saudade, abraca elespra mim.

Pode deixar, esse onibus ta indo pra onde?

E bom voce nao saber.

Mas, Marquinhos ...

Ferrez, se liga quem ta leino banco da frente.

Quem?

o William.

Porra, nao acredito, chama ele aqui, fomos todos cria-

dos juntos, nao acredito que ele ta aqui tambern.

S6tem urn problema, ele num pode passar pra essapart'

do onibus, ele tern que ficar leina frente, voce sabe, n '7

Ele aprontou um pouco.

Nao to entendendo, Marquinhos, como assim?

Born, leicom ele estao 0Rodriguinho, 0Tata, 0 Dungn.

o Edinho.

Puxal Ta todo mundo aqui, 0 Rodriguinho eu ( n h u

que ver,ele foi urn dia depois que tomamos refrigerant.

e comemos mo churrascada em frente a padaria, qUl'IIII

P irguntar pra ele se. ..

Nada disso, Perrez, a gente nao pode falar com eles,mas

o onibus ta lotado de amigo nosso ate la na frente, vai

reparando ...

Pode crer! Olha 0 Peixe la, eita, mano, firmeza? Olha 0

Boca de Lata, que legal, putz! 0 Ratao tinha que estar

aqui, os parceiros dele tao de monte aqui tambern, mas

como ta todo mundo junto assim se...

0, barato e esse, Nal. Desculpa, agora e Ferrez, ne?

Pode chamar de Nal mesmo, com a gente nao tem essa.

Entao manda urn abraco la pra minha irma Fabiana,

pra Ana Lucia e pra Mimi, diz pra minha mae se cuidar

que eu amo ela de montao, e ve se lembra disso, eu vou

voltar, quando voce tiver a maior aJegria da sua vida, 0

rcsto dos parceiros nao pode falar com voce, eles sern-

pre escolhem urn pra falar, entao e isso, agora chegou

su a hora de descer, irrnao, jeideram 0 sinal.

M: ' Is eu queria te dizer que ...

I>l'sce,Nal, eu sei que voce sente minha falta, nos senti-

mos a sua tarnbern, mas esse onibus por enquanto nao

kll destino pra voce, vamos pegar outro ali na frente,

I.h . i u , Nal.

50 51

!

III,"i, andei por U111aua escura muito tempo, estra-

Iiw i ( ) silencio da que bra, achei uma claridade, parei e

111I tll·j onta de que a maior alegria da minha vida vai

'I Il!lando meu filho nascer. Fechei os olhos e abracei

1 1 11 1 11 " 1 ( )~ rneus amigos que se foram.

I II I }"IIei em casa e ainda nao consegui parar de chorar,

1'"1 . I, l que 0 onibus vai continuar tendo novos passa-

11 11 , I, -mpre, sempre, sempre.

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o BARCO VIKING

Para Gordo e Dinoitinha

Quando Alberto Saraiva criou a rede Habib's, certamente

nao imaginaria a cena.

Dois meninos, 9 e 11 anos.

Moradores do mesmo bairro onde esta instalada a loja

d comida arabe mais famosa do mundo.

Os brinquedos la fora sao atrativos, divertem os filhos

dOl;) dientes, que pagam pouco mais de cinquenta cen-

LIV spor esfiha. Entre eles esta urn escritor e sua esposa.

()s dois meninos olham os brinquedos.

P i e H ram na fila, mas a funcionaria nao os deixou em-

I" 'I carem no barco viking.

I 111111\ presos a sua realidade.

I )Iigarro talvez, 0 baseado nao. Cuidar de carro talvez,

IIIIIh l1 r nao.

I) Ihli de urn e pernambucano - filho meu se aprontar

IIqlldwo no pau. 0 pai de outro e mineiro - sempre

I. I bOil! xemplo pra esse menino, se vira coisa ruim

'IIII IIulpa minha,

1 1 1 1 1 1 ionaria, que tarnbem e do bairro, nao hesita, se-I d o l l il a.

" , . 1 , IIlal queiro?Talvezfoiissoqueosban'ounafila.

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~~~~,;~;, .. ,. , . - -

------===---------------= - -----. .-.

Mas a desculpa e padrao,

- Desculpe, menmos, mas e so para quem esta

consumindo.

Consumir.

Consumir.

Consumir.

Eles me veem.

E ai? Tudo bem?

Sao da minha vila.

Chamo pra minha mesa.

- Quer algo?

Nao.

- Pede ai uma esfiha, um refri.

Os dois abaixam a cabeca.

Nao.

Entao quando levantam a cabeca, percebo 0 olhar.

o barco viking.- Ja, sei... garyom ... faz favor.

- Sim, senhor.

- Leva elesai no barco, elesquerem brincar,

o garyom os acompanha, com um grande sorriso no

rosto.

Consumir.

Consumir,

Consumir.Alguns minutos e olho elesno barco, um cutuca 0outro.

- Chapado ... que louco!

Lembrei de quando era pequeno, fui numa excursao da

escola para 0 playcenter, um amigo meu deu um so o

num cara vestido de Mickey. Quando a diretora vein

lhe chamar a atencao, ele gritou.

- Era um cara, porra, e apenas um cara vestido de

Mickey.

E , garoto, eles sempre mentem pra nos, eu pensei, as-

sim como tudo nessa vida, politica, escandalos, carros,

cerveja, sexo, um grande elo, nao devia ser assim.

Mas ascriancas no barco viking nao filosofam, elas ape-

nas sorriem, e cutucam uma a outra.

- Que louco, puta que pariu, que chapado!

Eu consumi, paguei, fingi que estava feliz, era sabado

nei, dia de trabalhador curtir com a esposa. Estampei

um sorriso padrao na cara, dei tchau pros meninos, fu-

ramos 0 sistema, eles estao no barco ainda.

Pra sempre.

54 55

f :;=: m e t,St.'W"Hftn ?+

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PEGOUUMAXE

Cheguei cedo naquele encontro.

Minhas maos estavam suadas.

o nervosismo sempre me acompanhou, desde a epoca

do colegio.

Quem diria que fosse terminar a faculdade tao cedo?

E ninguem acreditava que aquele garoto acanhado fos-

se entrar no maior jornal do pais.

Tambem as coisas nao foram tao trabalhosas.

Uns telefonemas do meu pai e pronto.

Mas saiba que eu estudei pra caralho, viu?

Trabalhou a vida inteira no meio, entao nada mais jus-

to que indicar 0 filhao.

Profissao filho 0 caralho, eu ralei, mane.

Eu ralei pra caramba mesmo, uma vez ate tive que lavar

banheiro num acampamento.

Poium dia que a empregada seinjuriou com a bebedei-

ra da gente.

H 111, so sei que estou quase indo.

V u i ser a maior aventura da minha vida.

liol' isso fumei um baseado antes.

Mcreco um pouquinho de emocao.

1, 1

~, __:_ ~"""" ---===-i.......J

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Todo dia ficar naquela redacao da nos nervos.

Tudo isso para pagar a casa na prala. .

Pra ser sincero, se tivesse uma maconha e uma fannha

de vez em quando tava bom.

Mas fui arrumar mulher, e ai ja viu, elas sempre querem

alguma coisa. _

belo e fichinha perto da nova decoracaoo gasto com ca

que ela quer na casa. .

As amigas fazem 0mesmo com os mandos. . ,

Meu tio me dizia que putas sao mais honestas, J3 co-

bram logo adiantado,

Isso forma uma rede, onde elas q uerern, n6s damos e

ninguem e feliz.

Todas as amantes estao esperando 0casamento dos se u s

pretendentes chegarem ao fim. .

Conheci uma mina na facu que ficava molhadinha

quando via homem casado.. . ,

Devia ter urn museu para os var ios trpos de mulher ne ssc

mundo.

Bom, acho que e ele.

Preto com roupa 1arga, so pode ser.

E ai, tudo bem?

Tudo bern, rapaz, demorou urn pouco.

'r :I?E que 0 relogio da rua e de outro ritmo, ta 19a(O.

Sei. I I I

Odiava aquele tipo de conversa, mas par uma mal

gente ate conversa com eles. . .. s qu ' 'tl C ' II ICornecamos a andar, eram tantas gma.

prestando atencao somente nos fi na is d as rl'i111l'

Acho gue eles sao todos iguais.

No final, se essa reportagem ficar muito boa, posso ate

continuar e desenvolver uma pesquisa.

De repente fazer urn livro, afinal esse assunto esta na

moda. E, melhor ainda, aprovar na lei de incentivo e ja

sair com 0 livro pago, isso e que e malandragem.Figura estranha, nao para de falar, tambern sao 500anos

de pobreza.

FaIta de dinheiro deve gerar uma depre neles do caralho.

Por isso eles tambem usam tanta droga.

Vai ver 0 pai deles nao trabalhou que nem 0meu.

Fiquei sabendo que eles ficam s6 bebendo e jogando

bola.

A visao vai ficando pior, quanto mais a gente anda, mais

barraco vai aparecendo.

orneco a me arrepender de ter insistido na ideia.1\ se isso virar urn pesadelo, 0 que yO U fazer?

Asruas sao inacreditaveis, buraco por todos os lados.

110m, qualquer coisa eu digo que ajudo uma ONG.

I s so , posso ate pensar em fazer uma ONG, isso da di-

n Ii io demais.

I (I/lSO ate dizer que tenho urn policial na familia.

r ~ 10, melhor nao, sei que eles tern odio de policia,

1 " 1 1 0 1 ' rapaz nao deve ser mau, afinal foi minha tia que

11Idkou.

I 1 I I u -m una empregada que e vizinha dele.

I 1 1 1 1 I nal esse pessoal do hip-hop acha que pode mu-

o III d,~ c o i sa s .

II It I l 'o t i t' l11 nem pagar a pensao pros mhos e querem

1111.111 .tlguma oisa.

IlI'f'6cio d sistema, d jogo.

1111 ,iii' , 'I ,' s u '0 rd < l 111 c !lOI n m qu e a co isa I a s si r n r ne smo .

Ii

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Pra uns terem muito, a maioria tern que sefuder sem nada.

Born, parece que finalmente chegamos.

Bar do Zezinho eo que ele disse.

Comecou a me apresentar para a rapaziada.

Pirme e forte.

To legal e voces?

Entao, 0 doutor e jornalista.

Sou, sim, mas sou do bern.

Do bern era aquele tal de Tim Lopes, ha, ha, ha.

A risada ficou generalizada, nao conseguia achar graya

mas comecei a nr.

Sei la 0que passava na cabeca daquela gente, estava quase

todo mundo chapado. '

Se eu escapasse dessa talvez nunca mais iria para urn

buraco daquele.

o neguinho que era meu contato pediu para que eu

entrasse.

Fomos caminhando para 0balcao do bar.

La, ele me serviu urn refrigerante.

Disse que os outros caras do grupo logo estariarn lao

Fiquei mais aliviado, pelo menos nao demoraria mais.

Seeles nao tivessem chegado logo eu teria saido fora.

Bandas de rock sao tao legais de entrevistar.

E eu pagando mo veneno ali, naquele boteco fedido.

De repente chegaram mais tres neguinhos.

Eles falaram os nomes, e seguraram firme na minha

mao.

Comecei a entrevista.

Asprimeiras perguntas foram sobre a profissionalizacu«

do rap.

Mils eu queria logo e partir para a violencia.

Eles deveriam ter dezenas de historias desgracadas.

Eu ja tinha as perguntas na ponta da lingua.

o que os policiais tanto procuram aqui?

Por que eles agridem voces?

Eles discriminam voces pela cor?

Quem comanda 0 traficorMas para isso eu tinha que ir devagar.

A Edilene disse que eles sao bem sistematicos.

E eu sabia que ia conseguir que eles abrissem a boca.

Eram meio ingenues.

E por tras daquela marra toda so tinha quatro meninos

com urn sonho.

Ser urn grupo de rap famoso.

Foi quando vi aquele menino com urn facao nas maos

subindo a escada para 0 andar de cima do bar.

Pensei em perguntar, mas, quando ele ja estava no ulti-mo degrau, disse:

Desse nolosobra nada.

Comecei a tremer, mas tentei disfarcar, fiz logo va-

rias perguntas sobre 0 tal do hip-hop e eles foram

respondendo.

Confesso que nolo entendia nada, s o via as bocas se

mexendo.

Noloconseguia parar de pensar.

Era assim que eles eram.

om certeza havia urn cara sequestrado la em cima e

nquele menino talvez fosse machuca-lo,

o que eu poderia fazer?

'Icntei lembrar das propagandas do Disque-Denuncia,

I)numero era muito comprido, nao vinha inteiro na

minha mente.

606]

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E se eu pegasse 0meu celular, talvez ate me roubassem.

Mas nao me deixariam vivo, roubo seguido de morte.

Foi quando urn homem se aproximou com uma

serrinha de cortar cano e tambem subiu.

Meu Deus, coitado daquele homem, talvez fosse ate urn

ex-amigo de faculdade.

Talvez 0 pai da Cam, minha esposa.

Afinal 0 pai dela era banqueiro.

Os negrinhos continuavam a responder as perguntas,

divagando sobre a cultura da periferia. .

Eu estava suando frio e quase desmaiei quando Vi 0

homem com a serrinha descer ja todo sujo de sangue.

Tentei lembrar de algum trecho da musica do Racio-

nais que me servisse para argumentar a favor da minha

vida, mas tudo sumiu da minha mente.

Eu s6 escutava essas music as quando tava na balada.

Por um momento minha vista escureceu.

Eu fiz urn grande esforco para nao desmaiar.

Lembrei do meu cachorro Frank.

Dos meus peixinhos Josef e Ernesto.

Lembrei dos filmes do Woody Allen.

Eu s6 que ria comer uma Pizza-Hut novamente.

Talvez mais uma ida ao Caribe. .

Agora no fundo da minha alma eu sabia que nao sairia

dali com vida.

Euficava ouvindo Korn 0 dia inteiro e agora nao sabia

uma frase de rap para salvar minha vida.

Uma vez vium neguinho na TV,ele era do rap tambern,

mas nao lembro 0 nome dele.

Os meninos do hip-hop agora estavam parados a 1 1 1 1

1 1 1 1 : 1 [rente.

Certamente nao entendiam 0 que estava acontecendo

comigo.

Eu sei que estava quase entrando em choque.

Tinha que me acalmar.

1<1de cima vinha muito barulho, vozes misturadas.

Meu Deus, 0que estariam fazendo com aquele homem?

Pedi para que cada urn falasse urn pouquinho da sua

vida.

Eles cornecaram a contar dos primeiros empregos.

Imaginei 0 homem amarrado, implorando pela vida.

Nao lembrava do neguinho que vi na TV, eu nao tinha

nome nenhum para falar, para me valorizar.

Os neguinhos agora falavam das dificuldades com a

familia.

Principal mente com 0 pai que sempre bebia.

Eu nao conseguia me concentrar.

Talvez tivessem abrindo ele como se abre urn porco.

Uma senhora se aproximou da escada e gritou.

o rim e meu, 0Bahia me deve.

Foi nessa hora que minhas pernas fraquejaram.

Sempre pensei que todos merecem uma chance.

Eles mereciam, eu tambem, aquele homem tambem,

Porra, justica social do caralho, tao esquartejando 0

homem.

Os meninos me seguraram antes de eu cair por com-pleto no chao.

Me arrastaram pra uma cadeira.

1 I 1 I pensando nos rins do pobre do Bahia.

O que sera que esse tal de Bahia havia feito?

'lhlvez estupro.

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Os meninos do hip-hop tentavam me dar agua,

Talvez tivesse roubado algum morador, ouvi dizer que

eles nao perdoam isso.

Eu s6 conseguia imaginar as rins do homem nas maos

da velha.

Pizeram eu beber um pouco.

Percebi que a agua estava com acucar,

o homem com a serrinha que estava sujo de sangue se

aproxlmou.

Eu fingi nao ve-lo, ele perguntou se precisava de ajuda.

Tentei pronunciar alguma palavra, mas nada saia.

Meu pequeno cachorro Frank, como ele gostava de dor-

mir comigo.

Minha querida esposa reclamava, mas eu insistia em

dormir com ele.

o ultimo livro que estava lendo.

A prestacao do carro novo dela.

Tantas coisas, talvez um filho.

Mas fariam isso comigo antes.

Os malditos iam me picar tarnbem.

Me sentia como no filme 0 Massac re da Ser ra E l et ri ca.

Povo desumano.

Talvez seja par isso que eles viviam sofrendo.

Esse tipe de coisa eles traziam da Africa.

La era legalizada essa porra toda.

Meu pai dizia que eles eram amaldicoados.

Meus amigos nunca mais me veriam.

Comecei a notar os rostos dos meninos do rap denovo.

E tava voltando a mim.

M tade do pessoal do bar cornecou a subir as escad I ,

tlHlos pa savam par mim apressados.

I

64

Seria agora, era a hora que eu imaginava.

Aquela porra de lugar era como nos paises onde a pena

de morte e legalizada.

Todos queriam ver 0homem morrer como se fasse um

show.

Eu lembro de tel ' parado no terceiro Pai-Nosso.

Eu tinha tantos planos, talvez a meu pr6prio jornal.

Tanto estudo, tantos cursos, para acabar nesse buraco.

Cornecaram a descer, eu desmaiei de novo quando vi

todo aquele sangue nas maos deles.

Duas hams depois acordei.

Havia uma balanca no balcao do bar.

Uma faca cortava a todo momento uma grande pe<;:ade

carne.

Pessoas saiarn da fila com sacos cheios.

Os meninos do hip-hop haviam desistido da entrevista,

estavam todos ao meu lado.

Era uma coisa que a com un ida de sempre fazia, me

explicaram.

Cornprar um boi e dividir as partes.

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VIZINHOS

Para Elaine

Demorou para juntar todo 0 dinheiro, fiquei com urn

par de tenis e do is shorts. Foi muito duro comprar a

casa, t ive que usar camisas de atacado da Bresser, todas

brancas, me custavam tres reais e noventa centavos, e 0

minimo que se podia comprar era de dez pe<;as, so as-

sim para economizar.

Nao importava, eu queria mudar, a vizinhanca tinha

chegado no limite, depois que passei urn mes inteiro

seduzindo aquela morena, ela havia se deitado comigo,

transamos gostoso, embora os onibus que passavam a

toda velocidade fizessem meu quarto tremer.

Mas voltando ao assunto, depois que chegamos aos

finalmentes, veio a decepcao: assim que sai com ela do

meu quarto, urn vizinho barbudo (que seja arnaldicoa-

do seu nome) nos viu e disparou:

- Ha! Ta ate suado, ne?

I~lanunca mais olhou para minha cara.

Mas consegui substituir por outra bern parecida, em-

1)(>1'a0 umbigo tenha urn corte mais fino.

( )utra coisa que nao suporto mais e que ajanela do meu

quarto da de frente para quatro janelas e nessas quatro

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estao as piores familias. Numa delas, uma mulher com

o cabelo seco ficava apoiada 0dia todo. Quando 0 rna-

rido chegava, ela saiapor uma hora, provavelmente para

fazer a janta, e entao voltava, ficava olhando fixamente

para meu quarto durante todo 0 entardecer.

Uma vez levantei de madrugada e resolvi mijar nas es-

cadas mesmo, preguica de descer para 0 banheiro. As-

sim que comecei a me aliviar, notei uma pessoa abrin-

do uma janela, mas eu nao queria acreditar, ela estava

olhando, eu nao consegui parar de mijar, estava tao gos-

toso. Entao, assim que terrninei, segurei meu penis com

a mao esquerda e incJinei em sua direcao e comecei a

movimentar a mao. Apesar de estar com muito sono,

podia jurar que notei seu rosto setransformando elogo

ela saiu da varanda.

De noite sempre tinha algum amigo me gritando, era

aquele tipo de amizade que fica na sua casa de madru-

gada tomando cafe. Mas sempre foi assim, antes de eu

chegar a abrir a janela, escutava outras seabrindo, eram

eles olhando, talvez pensassem que iriamos fumar U111

baseado, sei la, eu tinha medo de pensarem que eu era

bicha. Entao nao abria rna is a minha janela, e meus

amicos forarn desistindo. 't> • .

Bati dezenas de vezes 0 portae na cara dos meus V1ZI-

nhos. Era s6 estar chegando com urna sacola e elesnan

paravam de olhar urn segundo, tentavam ver 0 que l~

nha dentro. Quando alugava fitas pornogr<ificas, pcdin

para 0 rapaz da locadora por duas sacolas com 0 i n t u i

to de esconde-Ias, mas eu sabia que eles enxergava III,

pois ascapas para os filmes pornos eram vermelhas l','

sacolas eram muito finas.

A vizinha da esquerda tinha urn cachorro que nao pa-

rewade latir um segundo, eu ja nao conseguia mais dor-

rnir, 0 latido dele ecoava dentro da minha cabeca. Deci-

di comprar veneno, mas quando cheguei em casa me

dei conta da mancada: 0 cara do bar que havia me ven-

dido era conhecido dela, se 0 cachorro morresse enve-

nenado eu podia ser acusado.

Tinha medo, muito medo, eles nao podiam ser provo-

cados, cansei de ver baixarias por muito menos, esse

povo quando fica bravo fala cada coisa, ja acordei com

gritos do tipo - Seu pica rnurcha, ce num me come ha

mais de meis - ou entao com frases tipo assim - Mi-

nha filha, foi ele que veio aqui me comer viu?, eu nao

fui la dar pra ele nao.

Entao eu tolerava 0 som alto da vizinha que morava a

minha direita, decorei todas as musicas da dupla Zeze

di Camargo e Luciano, e quando comprei uma estante

na Marabras levei 0 relogio de presente para ela, nunca

vi um sorriso tao meigo.

Mas dois dias depois disso, eu tive certeza de que estava

enlouquecendo, aquela mulher havia feito fofocas so-

bre rninha familia a vida toda, alern disso ano passado

tinha dito a todos que eu com certeza era uma bicha,

coisa que mais me deixa louco. Segundo osrumores dela,

ninguem que era homem ficava tanto tempo estudan-

do trancado dentro do quarto como eu.

dinheiro estava completo, procurei as imobiliarias,

nao podia mudar do bairro, gostava dele, so odiava a

minha vizinhanca, Vagabundos e vadias, com cada um

ell t inha um problema. Apedrejado desde a infancia so

por estar andando com gibis nas maos.

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Encontrei muitas casas legais, mas eram todas caras;

procurei por mais tres meses. E, durante esse tempo,

ameacei de morte 0vizinho da frente: ele ficava olhan-

do para minha boca enquanto eu conversava com meus

amigos, sabia que estava lendo meus labios.

Eu tinha certeza de que ele queria saber 0que eu falava,

nao resisti, mostrei 0 dedo para ele naquela tarde de

quarta-feira. Pensei em por ele no meu novo romance,

desisti: nao ia torna - 1 0 imortal.

Finalmente encontrei, tinha muitas especies de plantas

no vasto quintal, e era somente duas ruas abaixo da casa

da minha mae, 0pres:o era born, pois era desvalorizada

devido ao corrego-em frente.

Nao liguei para 0 detalhe, eu limparia 0barro quando

o rio transbordasse, eu limparia tudo todos os dias des-

de que ninguem estivesse tentando ler meus labios nem

reparando nas minhas sacolas de fitas pornos; eu ama-

va a Cicciolina.

Fui laver a casa mais uma vez para ter certeza, era sex-

ta-feira, os passaros entravam e saiam a todo momen-

to. Pisei pela primeira vez no quintal.

De dentro nao se via a rua, otimo. 0 vizinho do lado

tinha urn terreno vazio, morava longe. J a do outro lado

moraea uma prima da minha mae, era separada etinha

duas filhas, mas sempre ouviam som baixo.

Agradeci a Deus tambern pelo vizinho de tras: era ur n

galpao onde havia se instalado uma igreja evangelica.

Cultos somente aos sabados - isso eu aguento, nada (:

perfeito mesmo.

Sequei aslagrimas de minha mae, peguei meus livros I'

me mudei.

Meses depois, 0 terreno vazio ao Iado foi alugado para

uma especie de ferro-velho, mas me acostumei com 0

barulho da maquina de prensar garrafas pet, e so me

assusto ainda com 0barulho deles desamassando latas.

Tive uma discussao com a vizinha do lado, que e a pri-

ma da minha mae: ela fez um fogao a lenha na divisa do

muro que enche minha casa de fumaca todos os dias.

Tentei dizer que isso era errado, ela ameas:ou chamar a

policia e disse para todos da rua que sou ladrao, que

esse papo de escrever e conversa, e que nao tinha um

botijao de gas, por isso 0 fogao a lenha.

A igreja que fica aqui atras da casa aumentou a sessao

dos cultos, e eu sei agora quem foi Moises, quem era

Paulo e a importancia dos Salmos.

Esses dias, pela manha, fui buscar pao e, quando abri 0

portae, notei pela primeira vez0monte de lixo que es-

tavam jogando em frente ao corrego. Tentei nao pensar

mais, caminhei Ientarnente ate a padaria e,no meio do

caminho, vi um cachorro man cando. Parei pra fazer um

carinho em sua cabeca e ele tentou me morder. Grande

filho-da-puta.

Voltei para casa pensando em fazer cafe, mas 0 gas ha-

via acabado; pensei num fogao a lenha tambern, mas

daria muito trabalho, entao resolvi fazer uma caminha-

da: sai pelo parque mais proximo (e unico) e corri du-

rante quarenta minutos. Depois, fiquei sentado no banco

do parque por mais uns trinta, procurando esquecer a

imagem de um frango assado que estava na minha ca-

beca desde que comecei a correr.

VoItei para casa e notei um Uno azul estacionado em

frente aomeu portae - cara abusado, com certeza. Pelo

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menos 0 ferro-velho havia parado de prensar as garra-

fas pet (amanha seria dia de quebrar as garrafas de vi-

dro, eles arremessavam todas elas contra 0 muro, um

dia voou um caco e quase atingiu minha cabeca. Meu

quintal sempre amanhecia com alguns cacos, mas isso e

detalhe, nao yOU esquentar).

A igreja cornecou 0 culto, logo agora que estava pen-

sando em me masturbar, deixa quieta.

Eles aumentaram a programacao e agora, alem de en-

saiarem todos os dias, tambem fazem a culto todos as

dias, eu ja sei todos as louvores, achei melhor dar uma

cochilada.

No outro dia levantei cedo, 0 carro ainda estava la so

que com as vidros laterais quebrados, so ai me dei con-

ta de que devia ser roubado. Liguei para a policia varias

vezes, a dia passou e ninguem apareceu.

A noite, 56 tive alguns incomodos com as ratos cavoucan-

do 0 forro do quarto, asunhas deles davam arrepio, mas

consegui dormir la pelas quatro da manha - a ferro-

velho comecou a quebrar as garrafas as sete em ponto.

Salpara comprar pao e,quando abri a portae, notei uma

Variante branca encostada no outro lade do meu muro.

Pronto, era a que faltava, a frente da minha casa agora

era unvcemiterio de autom6veis. Deixei as paes em casa,

resolvi visitar minha velha residencia e, quando passei

pela rua e olhei para meus antigos vizinhos, tivevontadc

de cumprimenta-los, ja nao pareciam tao ruins assim. 1\

rua tinha uma levecaida eme veio agua nos olhos quan

do percebi pela primeira vez que minha antiga casa niH)

era vizinha de um ferro-velho, nem dava para os fundo«

de uma igreja, e nunc a haviam entrada ratos.

Mas nao dava para voltar atras: a casa era minha e esse

era meu destino. Entao, quando cheguei no portae, olhei

para a Uno azul e vi que ele tinha lindos bancos pretos

e notei que 0 volante era modelo esportivo. Nunca me

apeguei muito a carros, mas decidi que queria aquele

volante no meu futuro carro. Entrei no Uno e comecei

a mexer, vique iaser dificil. Entao fui buscar uma chave

de fenda e um martelo.

Passados alguns minutos, eu j,'itinha tirado 0 volante,

comecei a olhar para a bolinha do cambio: tinha um

linda caranguejo desenhado. Quando toquei nela, es-

cutei a sirene. Eu ainda tentei explicar, mas 0 volante

estava no meu colo. A policia que eu havia chamado

finalmente apareceu.

No tribunal, alguns vizinhos testemunharam, mas to-

dos disseram que eu era novo na rua e que antes de eu

me mudar nunca teve nenhum carro roubado por ali.

o dono do ferro-velho estava la assistindo ao julgamen-

to, algumas pessoas da igreja tarnbem, e eu ate hoje nao

entendi quando fui condenado.

Agora me encontro num lugar sossegado. 0 problema

e so dividir 0banheiro e as vezester que dormir no chao,

quando perco na aposta e tenho que dar minha cama

para algum companheiro de cela.

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o pAo E A REVOLU<;=AO

Para Buzo, Sergio Vaz e Batista

Colararn dois universitarios no balcao, me afastei.

Estava no bar do Donato, urn tiozinho pela ordem.

Com 0 bar havia sustentado os cinco filhos, nenhum

virou malandro.

Notei os dois estudantes bebendo Coca-Cola e curtin-

do a vida agora.

Mais tarde, eles iam no "eu amo tudo isso", tomar urn

lanche, fodam-se.

Um homem man cando se aproximou.

- Me paga urn pingado e urn pao, moco.

- Pao com que? - perguntou um dos universitarios.

- Pode ser com manteiga.

- Esse e 0problema, meu amigo, pouca pretensao, por

que nao pede um pao com queijo?

- Preten ...0que?- perguntou 0homem que mancava.

- Deixa quieto - respondeu 0 outro estudante, meio

impaciente.

Donato olhava a cena enquanto lavava os copos.

- Nao pode ser assim. Inforrnacao e para ser distribui-

da, pretensao e voce querer ter algo - explicou 0outro

universitario.

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7677

_ Eu quero um pingado e um pao com manteiga -

falou 0 homem que mancava e tinha uma mancha no

olho.

_ Faz assim: por que voce nao pensa em vender uns

doces, sei la, fazer algo melhor com sua vida do que

pedir? - disse um dos caras.

_ Deixa 0 hornem, porral - falou 0 Donato, meio

alterado.

_ Mas a gente s6 ta tentando dizer que ele devia revo-

lucionar a vida dele .

_ E, por exernplo, estudar, se empenhar, ter prepara-

cao para quando chegar a oportunidade.

_ Mas e1e s6 'q{ler um pao com manteiga, gente! -

falou quase gritando 0Donato que havia criado cinco

filhos.

Eu fiquei de boa, tomando meu cafe com leite, pensava

num conto, mas me faltava algo.

_ Entao que ele se empenhe mais, isso e uma socieda-

de capitalista, nao tem espaco para todo mundo.

_ E isso mesmo, a vida e assim, a nao ser que facamos

a revolucao - brandiu 0 outro estudante.

_ Eu s6 queria um pingado e um pao com manteiga,

mO~0 - falou 0homem mancando com uma mancha

no olho e um curativo no brace.

- Mas e isso, meu amigo, que estamos falando.

_ E , de nao entende, tem que acontecer urna revolucao.

o Donato interrompeu a conversa, meu conto ta quasc

terrninando, deu um pingado para 0 moco. que abriu

urn sorriso e, mesmo antes de agradecer, foi-Ihe dado

tumhcm um pao com manteiga.

- Ta vendo, e isso que nao pode, tem que dar estrutura,

dar avara enao 0peixe- falou indignado 0 universitario.

- E isso mesrno, voce esta agindo com assistencialismo,

nao devia - completou 0 outro estudante. E, mesmo

antes de completar a frase, Donato 0 interrompeu e ter-minou a discussao,

- E 0seguinte, seus doutorzinhos, eu trabalho aqui ha

vinte a110S,todos voces tern esses papos, esse homem ta

nessa vida a todo esse tempo e quantas turmas ja pass a-

ram por aqui, e essa tal de revolucao 11aOveio ate hoje.

Terminei 0 cafe.

A faculdade da vida emil grau.

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ASSUNTO DE FAMILIA

Benca, Pai, como vai 0 senhor? Eu ainda estou aqui!

Escrevendo contra a elite que a cada dia exterrnina rnais

rninha gente. Pai, 0 senhor sabia que quando 0V o mor-reu eu senti muito odio, principalrnente quando visitei

ele com 0senhor hina Bahia, porra, ele s6tinha urna ca-

sinha mal acabada, urn sofazinho, uma cama euma hor-

tinha pra plantar, foi dificil pra mim ver ele carregando

tanto peso com aquela idade, e ele foi embora assim,

Pai, sem nada a mais, sem deixar quase nada, a nao ser

os conselhos e seu exemplo de honestidade. Pai, eu vou

parar de ser cristao, vou parar de perdoar essesque tan-

to nos humilham, a dor je i dominou tudo, a minha re-

volta s6 cresce.

Sabe, Pai, 0senhor deve estar jogando domino ou bara-

lho em algum barzinho, num canto de algum gueto, e 0

seu jeito, ne nao? 0 senhor lembra as noites que passa-

mos em claro no bar do Domingos? Pen a que ele ba-

leou aquele cara e 0 bar fechou, mas a nossa luta pros-

segue emuita coisa mudou por aqui. Pai, agora tern uma

pa de tiozinho que esta puxando carrinho de ferro-ve-

Iho, se para a maioria com mais de 50 anos, des nao

deram a sua sorte de arrumar um trampo registrado

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logo que chegaram aqui, e sao abandonados por essa

porcaria de pais colonizado.

Sabe Pai,tem uns caras que tao me ajudando nessa revo-

lucao que tanto quero, eles acreditam ern urn mundo

melhor, urn mundo como 0 senhor sempre falou pra

mim, urn mundo de educacao e estudo, 0 senhor batia

nessa tecla, e esta funcionando, tudo que tenho devo ao

estudo, aprendi que n6s nascemos devendo varios dola-

res para os americanos, e nossos artistas nao represen-

tam a revolta de um povo, que merecia melhores repre-

sentantes, as vezes acordo desanimado e quase acredito

no que 0 sistema diz, mas ai logo saio pra calcada e co-

mec;:oa observar a pivetada, correndo pra cima e pra bai-

xo, sem role, com uns olhinhos assim meio desacredita-

dos, e levanto a cabeca novamente e reafirmo pra mim

mesmo que a guerra nao acabou, penso em Conselheiro,

penso em Tiradentes, penso em Zurnbi, que morreram

por estar fazendo a coisa certa, e se alguern tern que cho-

ral', Pai, pode ser ate meus familiares, pois a guerra e essa

e, se depender de mim, nao vai inimigo sobrar.

o senhor lembra daquela estantezinha que 0pastor fez

pra mim? Ela ainda ta cheinha de livro, comprei mais

alguns do Plinio Marcos e varies do Ioao Antonio. 0

senhor gostava de literatura de cordel, ne naoi Eu lia

pro senhor direto, [ oa o A cab a Mu nd o e a Se rp en te N e-

gra, Lampiao no Purgatorio, Pavao Misterioso. Os mole-

ques aqui nao chegam nem perto de algum livro, mas

ficam 0 dia inteiro sern nada pra fazer, pensando no

que queriam comer, venda a mae chegando C0111 as

latinhas que catou durante 0dia inteiro e no total sod:

pra comprar um pacote de arroz.

80

Eu penso, Pai, no que eles pensam quando veem na TV

aqueles carroes, aquelas mulheres bonitas, imponentes,

e os playboys gozando, desfilando num primeiro rnun-

do de poucos.

Eu, 0 senhor e esses meninos somos 0 terceiro rnun-

do que fica olhando, medindo, maquinando, a maio-

ria sem um real na mao, sem a vitamina das frutas pra

ajudar no seu crescimento no cafe-da-manha, e sern

autovalorizacao.

Tenho certeza de que tem mais urn pobre em algum

barraco de Heli6polis tentando raciocinar, tentando

entender como ira ganhar dinheiro pra ter aque1e tenis,

sem urn trampo, sem poder pedir para sua familia, pois

sabe que 0 salario so da para 0 basico,

0,Pai, seliga ai, eu descobri que tern tanto soldado para

o nosso Exercito e as vezes creio que so falta um bam

exemplo, quem sabe urn homem com coragem e uma

bala, s6 uma bala no homem certo, sern tempo nem

para 0filha-da-puta pedir perdao, creio que 0povo bra-

sileiro num ta a fim de dar perdao pra ninguem,

Continuo andando Pai , epor isso nunca mais deu tem-

po pra gente se falar, eu continuo de escola em escola

de entidade em entidade, de show em show, tentando

espalhar inforrnacao, tentando cultivar 0prazer de ler e

de buscar algo rnelhor, e sei que 0 senhor tarnbem me

apoia e torce para que urn dia nos todos, brasi leiros so-

fredores, lutemos com as armas certas, urn livro, urn

caderno e um lapis , saberemos urn dia 0que e um livro,

pois e urn trecho de livro que nos coloca na cadeia, que

nos afasta do dinheiro e que nos jogou aqui ha qui-

nhentos anos.

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Querido Pai, a gente bateu muita cabeca, ne nao? 0 se-

nhor sempre saiu daqui as quatro e meia da madrugada

e so chegava a noite, sem tempo pra sair,sem tempo pra

gente curtir a familia junta, eu ficava nos livros, a mae

com os deveres domesticos, e a Jane estudando pra ser

auxiliar de enfermagem.

Acho que cada urn conseguiu ascoisas a seu modo, todo

mundo tava esperando rna is de mim, mas to aqui da

mesma forma, Pai, e estou contente, sabe? Estou sendo

honesto com todo mundo, e estou ganhando respeito

com meu trabalho, 0 colchao ainda esta no chao, os li-

vros na mesma estante, mas pelo menos ja consegui

comprar urn computador, e estou ate escrevendo numa

revista mensal, fiquei sabendo que muita gente estuda a

vida inteira e nao chega a seexpressar assim, some per-

gunto onde esta 0 dinheiro de toda a correria que fiz

com 0 l ivro, mas ja me disseram que neste pais e assim,

cultura nao da dinheiro, aqui no nosso pais, Pai, 0 que

da dinheiro e contravencao, e isso 0 senhor nao me en-

sinou a fazer,e eu the agradeco por isso, 0 senhor sem-

pre falou que 0 crime comecava com urn palito de f6s-

foro, e eu acredito ate hoje nisso.

Vou aproveitar e falar para 0 senhor que as vezes acho

tudo muito confuso, afinal neste mesmo pais temos joa-

lherias sendo inauguradas com filapara entrar, com joiasque custam ate R$ 800.000,00. Temos casas com cercas

eletrificadas, festa pra cachorro e todo tipo de manifes-

tacao desse tal capitalismo.

Eu estou longe de ser algum tipo de exemplo como ()

senhor falou da ultima vez que nos vimos, afinal 0 V'I'

dadeiro exernplo que 0sistema planta esta de notebook

na mao sentado no aviao, fazendo planos para ler () re-

sultado do proximo painel de votacao do Congresso.

Sernpre penso nisso, Pai,sempre penso que quando esse

politico desliga 0 notebook ele relaxa, toma uisque e

nao tern nenhum arrependimento, afinal para ele Deus

e urn empresario, 0 diabo e um ex-socio fracassado, e

os anjos, representantes comerciais.

De vez em quando, Pai, eu recebo convite para almocar

de alguem que leu meu livro..Jaalmocei com gente muito

:am~sa, e eles ficam comentando do livro, dizendo que

e assim, que eassado, eu fico na minha, penso nos meus,

como aquela com ida estranha e me imagino de volta

na area, dentro do quartinho, junto dos meus amigos

comendo aquela pizza. Nao demora muito e 0 alrnoco

acaba, eles geralmente dao contatos e dizem que van

fazer um movimento tal para ajudar a comunidade, eu

volto para casa, e 0 senhor sabe que nao fico esperando

essas ajudas, faco minhas correrias, e parece que ta dan-

do c.e~to,a comunidade aqui esta devagar, mas ja esta

participando,

o senhor me criou assim e tarnbem nao ia ficar espe-

ran do um boyzinho que cursa faculdade, que come hot-

dog de R$ 2,50 e fuma maconha todo 0 entardecer te

ligar.

~cabei d,escobrindo que muita gente rouba para ter pis-

cma maior, para ter mais um carro, para aumentar 0

deposito bancario. Enquanto isso, tern mano preso por

tentar roubar uma carnisa.

Sabe quem ganha com 0 crime, Pai? Todo mundn, II

comecar pelo juiz, depois 0 delegado, d 'I niH II pili I

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ciais, s6 quem nao ganha e 0 contraventor, 0 individuo,

o meliante.

Imagina, Pai, eu vi esses dias uma mae levando 0carri-

nho cheio de compra e a madame rica ordenando -

Pega aquilo ali - ela trabalhou a vida inteira, tern as

maos finas de tanto lavar roupa e a madame passa cre-

me de R$ 300,00 para 0 amante de 18anos.

Quantos ricos estao trocando a j6ia do colar para com-

binar com a roupa, tirando 0 vinho da colecao e colo-

cando na mesa, rindo com 0marido da empregada que

nao sabe pronunciar as palavras direito, afinal a empre-

gada, assim como 0 senhor, vem de outra terra, uma

terra cheia de cultura e jogada nos poroes do america-

nismo imposto aqui. Nosso povo, Pai,e triste, sem idolos,

sem hist6ria, e 0pouco que tinharnos os representantes

e descendentes portugueses trataram de queimar, quei-

maram nosso exemplo.

Pai, deixa 0 filho-da-puta rir, pagar de gostoso, desfilar

de rel6gio de ouro, quando a PT for engatilhada, 0

moleque nao vai pedir dinheiro para comprar livro,

o mole que vai querer tudo, tudo, 0dinheiro, 0 rel6gio e

o sangue escorrendo.

Na hora da compra, tanta coisa, tao pouco dinheiro, 0

Pais do Carnaval e do B, da bunda e da bola, esta em

caso de emergencia, tao pouca compra no carrinho domercado, tanta carne no ayougue e sua mae compran-

do carcaca, se0 filho dela se negar a viver nessa mesma

vida eu s6 dou aplausos.

Quem e honesto no pais da contravencao s6 se fode,

tudo mentira, a melhora, a volta de urn salvador, ell

quero ver 0povo sofredor alcancar melhoras na terra e

nao num tao sonhado paraiso,

Ontem passei em frente ao Shopping Morumbi, sabe,

pai? Eu decidi boicotar aquele shopping, pois toda vez

que eu ia hi com algum amigo os segurancas ficavam

nos seguin do, era KSLprum lado, era KSLpro outro, e

a gente nao podia nem comer urn lanche em paz. Uma

vez seguiram a gente na rnaior cara-de-pau, ate chegar-

mos no ponto da lotacao, 0 senhor sempre falou pra

ter paciencia com esse tipo de situacao, mas as vezes

doi, Pai, asvezes machuca ser considerado diferente de

todo mundo, ser classificado e separado pela merda de

umas classes que eu nem sei quem inventou. 0pi or e

vel'no estacionamento do mercado do mesmo shopping

uma fila de carros importados, nao tinha um nacional,

e meu parceiro falou que se a gente tivesse parado 0

Opala la, eleslevariam Iapara 0estacionamento de cima,

que nem pagando 0carro fica ali na frente, entao puta-

que-la-rnerda eu num compactuo mais com isso, num

piso rnais nesse lixo de luxo.

Estou tendo que sair fora, Pai, vou ter uma pi de coisa

para fazer hoje, sabe? Ontem a noite teveshow do Chico

Cesar la na favela do Monte Azul, foi muito louco, ele

homenageou um amigo nosso que faleceu, 0Dunga. E

falou do lDasul, 0 cara e m6 barato, 0 senhor tinha

que conhecer a humildade dele, mas um dia a gente

marca um role, todo mundo junto, se Deus quiser.

Manda um abraco para 0 tio e diz pra ele nao desani-

mar nao, que a vida e assim mesmo, e as mar ,1S 110

rosto nao sao de alegria.

Seu filho, que faz 1116 car a q ue nao te v , 1' 1'1 II ' ,

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E ai, tiozao?

E ai, rapaz?

Salve, tudo firmao?

Tudo firrnao e salvado.

E isso al, meu querido.

Ta envolvido no que?

To numas pegadas de igreja.

E, ne? Jesus estupora tudo.

Pode crer.

Parei de ir nas tabiroscas.

Eu tarnbem, a ultima vez foi foda.

Levou fora, ne?

Foi, perguntei pra min a como e que faz,

E ai?

Ela disse que ja vern feito.

Carai, t inha urn tobinho bom.

Puta traseira, parecia urn Tempra.

E , esse tipo at e foda.

Mas agora t6 longe do rnundao.

E eu que parei ate com as pegadas.

Tava numas monstro, ne?

NA PAZ DO SENHOR

Para Tico, Helen e Pedro

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Tava vendo bicho.

Eu tarnbem, antes so andava virado.

Virado no Saci ou no jiraiya?

Nos dois, tava na cordinha.

Hoje to borocoxo, evito treta.

Eu pe<;:oate pelo amor de qualquer coisa.

Mas 0maior e Deus.

Pode crer, ele e 0 rei.

Esses dias colou urn prego.

Da onde?

De outra igreja, disse que 0 evangelho dele e 0 pa.

Ih! Se e comigo digo pra tomar no meio da sua porra.

E foi isso, falei pra.ele que to cheio de poder.

E ele?

Falou que 0ministerio dele era puro fogo.

Carai, ele levou uma mesmo, hein?

Falei, quem quiser testar 0poder de Jesus e so vir.

Ele disse que 0meu nao espanta os dernonios.

Nao?

Nao, 0vacilao disse que eles ficam s6 no alto, e depois

volta.

Carai, e 0ministerio dele? ,

Disse que acaba de vez com os encostos.

Mas e aii

No final, desci do buzao.

E ele nao falou mais nada?

Falou nao, so ficou me encarando.

Vacilao hein? Vma hora n6is tromba ele.

TERMINAL (NAZISTA)

Para Fabio Hon6rio (Cebola)

Calca jeans, camiseta branca, 0 logo do lado esquerdo

do peito.

Desci, so percebi que andava em fila varies metros a

frente.

Alguns paravam para ir ao banheiro, questao de segun-

dos, depois retornavam aos seus lugares, nao antes de

agradecer por alguem ter guardado a fila.

Outros tomavam cafe, urn atras do outro.

Problema com filho, problema com aluguel, problema

por ter muito problema.

Eu tentava olhar diretamente para os olhos, os que

nao tinham a cabeca muito baixa nao tinham globos

oculares.

Cheguei a um dos veiculos.

Estranhei quando ninguern colocou a mao no meuombro, os organizadores estavam ficando relaxados,

A fila se formou rapidamente, eu era 0 primeiro,

Alguem notou 0 inicio da desorganizacnn I' 111111111

aproveitar quando a porta se abriu,

V111 dos organizadores 0 agarro u pl'!(I 111111'1" I If I I II

para longe.

88 III)

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i'

II

Nesse momento todos cornecaram a rir.

Talvez a camara de gas, talvez valas comuns.

Olhei para tras e vi um que nao parecia judeu, tentei ver

o que pensava, mas estava fechado.

Comecei a duvidar do destino, sat da fila. Sendo visto

pela organizacao com desconfianca, fui para a parte dian-

teira, alguern estava bern colado comigo.

Olhei 0 letreiro, 0 destino era 0mesmo.

Gente que ia cedo, gente que vinha tarde.

Gente que ia cedo, gente que vinha tarde.

Gente que ia cedo, gente que vinha tarde.

Voltei a fila, alguem me puxou, estava cortando, esque-

ci de avisar que ia yoltar.

Final da fila, tanto faz, sentado ou em pe, 0 gas e pra

todos mesmo.

Ha anos era infectado em casa, compre mais, compre

mais, supere seu adversario.

Alguns sacavam maquinas dos bolsos, falavam com elas,

escutavam elas.

o piloto chegou, fomos andando vagarosamente. Uma

mulher com uma crianca no colo chegou no inicio da

fila, 0 organizador deixou ela entrar, 1.1arras alguem

gritou que na hora de gozar ninguern chamava a gente,

concordei, embora nao conseguisse demonstrar.

Nao diga 0 que passa pela sua cabeca, uma ideia vale

muita coisa, voce e pOl'voce, nao confie em ninguem, a

unica certeza e a duvida.Finalmente estamos sentados, urn ao lado do outro, Ul11

arras do outro.

Nem todos eram judeus, Meu Deus, ninguem era ju -

deu, desci sob a mira do motorista, olhei 0 letreiro no-

vamente e entao percebi, t ive um pensamento, fechei os

olhos para nao deixar ele crescer, e algo muito perigoso,

sabe? Pensar.

o destino do onibus era 0Terminal Bandeira.