Nissan_central de Cases - Espm

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7/14/2019 Nissan_central de Cases - Espm http://slidepdf.com/reader/full/nissancentral-de-cases-espm 1/5 Nissan: o forasteiro Um case de estratégia de renascimento de uma empresa, a partir de um choque cultural Case elaborado pelo professor Francisco Gracioso Texto baseado no artigo publicado por Exame em 17/5/2000 Junho/2000 Destinado exclusivamente ao estudo e discussão em classe, sendo proibida a sua utilização ou reprodução em qualquer outra forma. Direitos reservados ESPM/EXAME.  www.espm.br [email protected] (11) 5085-4625

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  • Nissan: o forasteiro

    Um case de estratgia de renascimento de uma empresa, a partir de um choque cultural

    Case elaborado pelo professor Francisco Gracioso Texto baseado no artigo publicado por Exame em 17/5/2000

    Junho/2000

    Destinado exclusivamente ao estudo e discusso em classe, sendo proibida a sua utilizao ou reproduo em qualquer outra forma. Direitos reservados ESPM/EXAME.

    www.espm.br [email protected]

    (11) 5085-4625

  • *Resumo

    www.espm.br/publicaes

    Este caso descreve as mudanas na empresa japonesa Nissan com a gesto do brasileiro Carlos Ghosn a partir de 1999. Carlos Ghosn tinha a misso de resolver os problemas de prejuzo e globalizar a empresa. O estudo em discusso tambm focaliza que as diferenas culturais favoreceram essas mudanas na Nissan.PALAVRAS-CHAVE: Nissan, indstria automobilstica japonesa, estilo de gesto

    *Abstract

    This case describes the changes in the Japanese company Nissan under the management of Carlos Ghosn, who is Brazilian, from 1999 on. Carlos Ghosn was supposed to carry out the mission to solve problems related to damages and promote globalization. The discussed study focus the cultural differences that propelled changes in Nissan KEYWORDS: Nissan, Japanese automobile industry, management style

    * Ana Lcia Moura Novais

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    Se algum pode mudar uma grande empresa japone-

    sa, esse algum tem de vir de fora. Essa, pelo menos,

    a lio que nos d Carlos Ghosn, o brasileiro que

    assumiu a direo da grande montadora NISSAN em

    maio de 1.999, com a misso de reverter os prejuzos

    e globalizar a empresa. S algum que no esteja

    imbudo da rgida cultura empresarial japonesa teria

    coragem para fazer o que Ghosn est fazendo.

    1. INTRODUO

    A Nissan j foi a maior montadora japonesa e smbolo

    da indstria automobilstica do pas. Era uma espcie

    de General Motors de olhos oblquos. Mas encaste-

    lou-se em si mesmo e recusou-se a aceitar o desa-

    fio da globalizao. Fazia as coisas bem feitas, mas

    sempre da mesma maneira e nem tinha pressa. As

    decises s eram tomadas por consenso e no po-

    diam contrariar os interesses de nenhum dos grupos

    envolvidos no processo. Como conseqncia, apesar

    de ter fbricas produtivas e alto nvel de qualidade,

    a NISSAN deixou de atender aos desejos do compra-

    dor. Lanava carros inspidos, meras cpias (mal fei-

    tas) da TOYOTA. No Japo, a NISSAN vem rendendo

    participao no mercado h dcadas e seus modelos

    so vendidos com desgio de US$400 em relao aos

    concorrentes.

    A sade financeira da Nissan, devido aos sucessivos

    prejuzos, hoje precria. Tem dvidas acumuladas

    de US$13 bilhes, mesmo depois de vender 35% de

    seu capital Renault francesa.

    2. A CHEGADA DO FORASTEIRO

    Foi justamente a Renault que indicou Carlos Ghosn,

    um brasileiro radicado em Paris, para o cargo de in-

    terventor e salvador da Nissan. Aps a compra da

    sua participao na empresa japonesa, a Renault

    convidou Ghosn (ento seu vice-presidente de ope-

    raes) para assumir a empreitada. Ghosn aceitou e

    foi para Japo em maio de 1.999. Recebeu todos os

    poderes e toda a ajuda necessria, mas sabia que a

    sua era uma misso sem volta. Ou vencer, ou morrer.

    A Nissan no teria outra chance e a sua carreira esta-

    ria comprometida para sempre.

    3. A SITUAO ENCONTRADA POR CARLOS GHOSN

    Carlos Ghosn viajou para o Japo, diretamente de

    Paris e assumiu imediatamente a direo da Nissan,

    com plenos poderes. Na verdade, sou um interven-

    tor, diz ele. A empresa que ele encontrou j havia

    sido a maior montadora japonesa, mas ainda tinha

    propores gigantescas. Em 1.998, suas vendas atin-

    giram US$54 bilhes. A crise se instalou na Nissan

    h sete anos e desde ento tem prejuzos todos os

    anos.

    Naturalmente, vrias tentativas j haviam sido feitas

    para reverter a situao, antes da chegada de Ghosn.

    Isto torna as coisas ainda mais difceis, pois agora

    os funcionrios tornaram-se incrdulos e dizem:

    apenas mais um que vai tentar e falhar.

    Mas, por que a Nissan chegou ao fundo do poo? Eles

    fazem tudo direitinho, so campees japoneses de

    produtividade e qualidade total. Nas linhas de mon-

    tagem, os operrios instalam um motor com a mes-

    ma rapidez dos mecnicos nos pits da Frmula 1.

    Mas, h muitos anos, a Nissan perdeu a vontade e a

    capacidade de introduzir inovaes e mudanas re-

    almente importantes. Seus modelos so inspidos e

    chegam sempre tarde ao mercado, porque copiam

    as tendncias lanadas pela Toyota e pela Honda.

    Quando Ghosn chegou, a lei do consenso (pela qual

    as decises devem ser tomadas por unanimidade)

    dominava soberana. Assim, s eram tomadas as de-

    cises que no afetassem os interesses das pessoas

    envolvidas.

    As primeiras medidas de Ghosn foram traumticas.

    Fechou cinco fbricas da Nissan e iniciou um proces-

    so de enxugamento da empresa que vai eliminar

    21.000 postos de trabalho (14% do total de empre-

    gados) em trs anos. Finalmente, instituiu um sis-

    tema de promoo por desempenho, desprezando o

    antigo sistema baseado na antigidade.

    O compromisso que Ghosn assumiu, e pelo qual ser

    avaliado ao final, o seguinte:

    Compromisso bsico de Carlos Ghosn

    Estancar as perdas at abril/2001 e voltar aos lucros

    no ano seguinte, transformando a Nissan em corpo-

    rao global.

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    Como se v, um trabalho de Hrcules que um ho-

    mem jamais poder executar sozinho. Desde o incio,

    Ghosn tornou claro que as decises difceis e a sua

    implementao seriam tarefas de todos os principais

    executivos. At mesmo as medidas iniciais (cortes de

    pessoal) foram tomadas por comits de executivos

    especialmente criados.

    Na verdade, Ghosn j aprendeu muito sobre a cultu-

    ra da Nissan. E compreendeu que o seu grande desa-

    fio (implcito nos compromissos que assumiu com os

    acionistas) a transformao cultural da empresa.

    Ou Ghosn transforma a Nissan ou ela o devora.

    A Nissan pr-Ghosn era um conjunto de feudos. Cada

    departamento tinha os seus prprios objetivos.

    Consenso

    A mdia gerncia, apoiada no nemawashi (regra do

    consenso) dominava a situao. Era uma espcie de

    time do Corinthians no tempo de Scrates, sem lide-

    rana. As decises s eram tomadas por consenso

    geral. Certa vez, para fechar uma fbrica, levaram

    26 meses. A casta mais poderosa era a dos enge-

    nheiros, que desenvolviam modelos que nunca eram

    produzidos.

    Os carros efetivamente lanados copiavam (mal) a

    Toyota enquanto a Honda explodia. H 26 anos a Nis-

    san perdia participao, mesmo com modelos mais

    baratos. O curioso que as fbricas da Nissan esto

    entre as mais produtivas do mundo. Ganham prmios

    de qualidade. Mas... faltava comando e agilidade.

    Tratamento de choque

    Diante dessa situao, Ghosn no tinha escolha. Op-

    tou por um tratamento de choque, simplesmente

    porque no havia outro caminho a tomar. No entan-

    to, de uma forma sutil est respeitando (e utilizando

    em seu proveito) algumas caractersticas essenciais

    da cultura empresarial japonesa. Por exemplo, ele

    est dando nfase aos grupos matriciais (por ele

    criados) para discutir e implementar as mudanas

    necessrias. Da mesma forma, estimulou todos os

    funcionrios a dar sugestes diretoria, coisa tam-

    bm tradicional no Japo.

    Mas no resta dvidas de que o problema essencial

    est longe de ser resolvido. A Nissan era (e ainda )

    uma empresa fechada s inovaes e s mudanas.

    As solues adotadas por Ghosn so as mais indica-

    das para esses casos, mas o risco do fracasso muito

    alto, principalmente quando h muitos executivos

    fazendo resistncia passiva, como parece ser o caso

    da Nissan.

    Descrio do trabalho realizado por Ghosn

    Descreveremos abaixo as primeiras medidas toma-

    das por Ghosn, logo aps assumir a direo.

    1. Escolheu um supertime com cerca de 1.000 exe-

    cutivos, jovens e talentosos. No trouxe ningum de

    fora da Nissan.

    2. Decretou o fim dos feudos e vacas sagradas.

    3. Do supertime de 1.000 executivos, selecionou 200

    a quem encarregou de fazer o diagnstico da situa-

    o. Eis as perguntas que eles deveriam responder,

    cada grupo numa rea ou setor determinado:

    1. Que custos podem ser eliminados?

    2. Em que reas?

    3. Como unificar a gesto da montadora em

    todo o mundo?

    4. O que h de errado com nossos produtos?

    5. Como se integrar com a Renault?

    6. O que querem nossos cliente?

    Plano de Renascimento da Nissan

    Foi com base no diagnstico preparado pelos seus

    200 Ghosn Boys que Ghosn desenvolveu o plano de

    ressurgimento da empresa. Este plano apoia-se nas

    seguintes premissas e concluses:

    Premissas

    1. Falta de compromisso de longo prazo dos funcio-

    nrios

    2. Crnico isolamento dos departamentos

    3. Falta de orientao para o lucro e falta de urgncia

    nas solues

    Concluses/Recomendaes

    1. Corte de 30% na capacidade de produo e fim do

    keiretsu (teia de participaes acionrias nos forne-

    cedores)

    2. Mudanas nos carros, em especial no design

    Oposio dentro e fora dos muros

    A gota dgua foi a decretao do ingls como lngua

    oficial. Evidentemente, aes dessa envergadura te-

    riam de encontrar opositores. Os piores so os exe-

    cutivos mais velhos e conservadores, que adotaram

    a postura da resistncia passiva. Lidar com eles (ou

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    afast-los) um dos prximos problemas que Ghosn

    vai enfrentar. Fora da Nissan, os maiores inimigos so

    os sindicatos. So comuns as manifestaes, presso

    na empresa e at ameaas de morte, que lembram

    o que certos sindicatos fizeram no Brasil, contra os

    presidentes das estatais recm-privatizadas.

    As lies que Ghosn nos d

    Sem dvida, foram trs as grandes lies de Ghosn:

    1. Liderana como possvel injetar otimismo e

    auto-confiana na organizao e estimul-la a renas-

    cer e prosperar, no ambiente novo da globalizao.

    2. Como cortar custos, sem prejudicar o core busi-

    ness da empresa.

    3. Sentido de urgncia como levar as pessoas que

    nos cercam a ter pressa, fazer as coisas acontecer e

    no se desviar dos objetivos traados.

    Tudo isso e mais uma coisa: coragem pessoal e f

    nas prprias convices.

    As primeiras vitrias de Ghosn

    Eis o que j foi conseguido:

    Economia na compra de peas e componentes (que

    correspondem a 60% dos custos totais da empresa).

    Os fornecedores foram solicitados a reduzir os custos

    em 20% em 3 anos sem perda de qualidade.

    Mas o grande desafio consiste em criar produ-

    tos mais competitivos.

    preciso colocar rapidamente os novos modelos no

    mercado e aumentar as vendas.

    Um novo estilista (Nakamura) foi contratado para

    criar uma famlia inteira de novos carros.

    As verbas de Pesquisas e Desenvolvimento passaro

    de 3,5% para 5% das vendas.

    Uma grande mudana na atitude da Nissan foi a de-

    ciso de ouvir mais o mercado.

    O que vai acontecer?

    Por enquanto, impossvel prever. Mas Ghosn acha

    que ainda vai levar 4 anos para mostrar resultados.

    Enquanto isso, inevitvel que se faam perguntas

    como estas:

    O diagnstico feito por Ghosn est correto? E as me-

    didas que tomou at agora esto no rumo certo? Aci-

    ma de tudo so suficientes para garantir o sucesso a

    mdio prazo?

    Essas so as grandes indagaes suscitadas por este

    caso e o prprio Ghosn ainda no tem respostas para

    elas. Curiosamente, a saga de Ghosn na Nissan nos

    evoca uma epopia parecida a de Lee Iacocca na

    Ford, nos anos sessenta. S que Iacocca partiu por

    um caminho inverso. Enquanto Ghosn escolheu como

    sua prioridade o corte dos custos, Iacocca comeou a

    partir do mercado, com a criao de um campeo de

    vendas o Maverick.

    O Maverick foi a sensao do mercado americano de

    sua poca. Era um novo conceito em carros com sa-

    bor esportivo. Foi um sucesso imediato de vendas

    e alavancou as mudanas que Iacocca introduziu na

    organizao.

    Com Ghosn, na Nissan, as coisas caminham ao in-

    verso. Ele comeou pela produo, cortando custos

    e apertando os fornecedores. Milhares de pessoas

    esto perdendo empregos que julgavam vitalcios,

    segundo a cultura japonesa. A cultura organizacional

    da Nissan os seus valores e crenas foram trans-

    formados em p de traque. Est ficando tudo pronto

    para receber a grande novidade as novas platafor-

    mas, ou famlias de veculos, a serem desenvolvidos

    conjuntamente pela Renault e pela Nissan. S que

    essas plataformas ainda no existem. E, quando

    ficarem prontas, ser preciso saber se agradam o

    consumidor.

    Coloque-se no lugar de Carlos Ghosn. O que faria se

    fosse ele? Acha corretas as medidas por ele toma-

    das? E o que poderia ser feito para apressar o pro-

    cesso e desenvolver mais rapidamente o Maverick

    que falta Nissan?

    Finalmente, a comparao entre Iacocca e Ghosn nos

    leva a uma comparao inevitvel: ser que Ghosn

    tem o mesmo gnio criador de Iacocca? E se no ti-

    ver (como parece que no tem), ser que esta falta

    poder ser suprida por um estilista chamado Naka-

    mura?