NITERÓI PODER a cidade como centro político · 2019. 8. 28. · fusão do Rio de Janeiro,...
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NITERÓI PODER
a cidade como centro político
MAR1BTA DE .MORAES FERREIRA'
o retorno mais uma vez da discussão sobre a fusão do Rio de Janeiro, realizada em 1975, expressa os problemas que envolvem a identidade do estado do Rio e recoloca em pauta o destino e o estatuto da velha capital fluminense: Niterói. J
A aprovação do projeto do deputado federal do PSB, Alexandre Cardoso, na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara Federal, propondo a realização de um plebiscito para consultar os cariocas e fluminenses acerca da separação/união dos dois antigos estados e a suposição de que os resultados da consulta darão vitória à tese da desfusão abre novas opções para rearranjos geopolíticos. É recolocada na ordem do dia a recriação da Guanabara, subdividida em cerca de dez municípios e do estado do Rio, tendo sua capital em Petrópolis. Tem sido também veiculado o retorno da capital para Niterói.
Essas propostas ainda estão muito longe de tornarem-se realidade. O projeto do deputado Alexandre Cardoso não foi aprovado no plenário da Câmara e talvez nunca o seja, mas a sin1ples discussão desses temas são elementos importantes para nos permitir desvendar
. Coordenadora do Setor de HIstória Oral do CPDOC!FCV. Professora Doutora do Departamento de História da URJ. I [ornaI do, Brasil, 4 de setembro de 1995, p. 2.
Marieta de Moraes Ferreira
mitos políticos, representações a respeito de nossas cidades e do nosso estado.
E aí cabe a pergunta: Qual a trajetória e o estatuto de Niterói, cidade que abrigou a capital da província e depois do estado do Rio, de 1835 até 1975, com uma interrupção de 1894 a 1903, na memória política fluminense?
A proposta deste artigo é apresentar algumas reflexões acerca das visões e representações existentes sobre a cidade de Niterói, enfatizando especialmente o período da Primeira República (1889-1930), bem como contribuir para um melhor entendimento das relações entre o estado e a cidade do Rio de Janeiro.
A chamada "região do Rio de Janeiro", na definição da geógrafa Lísia Bernardes, envolve a
idéia de uma cidade-porto, a qual, comandando o escoamento da produção regional, que exporta para mercados remotos, serve como intermediário único e direto entre sua hinterlândia e o mundo exterior. 2
Mas não foi apenas na drenagem e na exportação da produção que se apoiou a influência da cidade do Rio de Janeiro sobre o espaço regional mais próximo (baixada da Guanabara, baixada Campista e extensa faixa da encosta do planalto). A cidade comandou diretamente a ocupação inicial da maior parte do que então era a província do Rio de Janeiro. Foi também o centro que apoiou todas as atividades, posteriores à ocupação, de construção do espaço regional, constituindo-se num grande mercado consumidor para
2 Lísia Bernardes, Considerações sobre a região do Rio de Janeiro, Revista Brasileira de Geografia, vol. 33, n!! 2, p. 107.
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o binterland. As funções que cada área exerceu marcaram de forma definitiva as relações entre a cidade e o estado do Rio de Janeiro.
Ao lado dessas considerações de ordem econômica, devem ser pensadas igualmente as relações político-administrativas que marcaram a evolução da "região do Rio de Janeiro". Durante grande parte do Período Colonial, o território do atual estado do Rio correspondeu à capitania do Rio de Janeiro. Seu principal centro urbano era a cidade do Rio de Janeiro, que a partir de 1763 passou a sediar a administração portuguesa no Brasil. Com a promulgação do ato adicional em 1834, a cidade do Rio de Janeiro passou a constituir o Município Neutro da Corte, desvinculando-se da província do Rio de Janeiro. Se, por um lado, a provincia deixava de abrigar a maior cidade, o principal porto e o centro político do Império, por outro lado conquistava sua autonomia política e administrativa, e em breve ganharia uma nova capital a Vila Real da Praia Grande situada do outro lado da baía de Guanabara e que em 1835 receberia o nome de Niterói.
José Antõnio Soares de Souza3 descreve minuciosamente em seu livro as primeiras décadas de Niterói e as transformações que tiveram lugar na cidade, de maneira a transformá-Ia em efetiva sede do governo de província do Rio de Janeiro. O acompanhamento desse processo nos permite perceber um crescimento demográfico, econômico e urbano para Niterói. Mas também, mostra as dificuldades para a sua afirmação enquanto cidade capital, decorrentes de características
1 José Antônio Soares de Souza, Da Vila Real da Praia Grande à Imperial Cidade de Niterói.
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específicas, resultantes de sua localização, e também fruto da situação da própria província onde estava ínserida.
A verdade é que a autonomia concedida à província fluminense mostrava-se extremamente limitada e não foi suficiente para libertá-Ia do peso da cidade do Rio de Janeiro na sua vida política e econômica. A centralização monárquica acentuava a relação de dependência da província para com a capital do país, o que resultava no carreamento para a Corte de vultosos recursos econômicos e tributários, além de permitir constante interferência da Corte nos negócios fluminenses.'
Referindo-se ao passado monárquico, Miguel de Carvalho assim retratava a situação fluminense:
A grande máquina administrativa movia-se pesadamente, nem sempre impulsionada por fluminenses, como fora de desejar, com a capital Niterói a meia hora de viagem da Corte, a província sofria dessa proximidade em vez de auferir vantagens, mais imediatamente centralizada sua direção por esse fato que a de qualquer outra, torna
vam-se seus presidentes os mais dependentes do governo central e assim atrofiavam-se seus meios de desenvolvi
mento. Não lhe restavam nem aparências de autonomia.
Enteada, e não filha, sem nunca ter gozado os delicados
extremos dispensados pelos pais carinhosos, nem mesmo
se aproveitado dos mais vulgares deveres destes para com a prole, temia a possibilidade de filína trazida pela desorganização do trabalho agrícola, pelo definhamento do comércio e de suas nascentes indústrias.
A situação econômica tinha feição igual à política,
estavam todos fatigados de haver tanto tempo percorrido incessante e infrutiferamente o mesmo caminho áspero,
tortuoso e interminável.
4 Marieta de Moraes Ferreira, Em busca da Idade do Ouro, p. 98.
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Moral e materialmente sentia-se o desfalecimento e a agonia, o cambaleio de uma natureza forte debatendose em meio asfixiante.
Eis o que era, a traços largos, o Rio de Janeiro em 15 de novembro de 1889.'
E continua Miguel de Carvalho, agora referindose aos novos problemas trazidos pela República:
[ ... ] continuou o Rio a ser tratado pelo governo central da mesma forma ou pior que a antiga província, e assim anunciava o presente que no futuro se burlaria uma das mais ardentes aspirações fluminenses, aliãs da essência do regime republicano federativo, a de livremente governarem a si mesmos, de acordo com os próprios interesses e necessidades.6
Este discurso de Miguel de Carvalho, proferido em 1894, mostra com clareza não só o ressentimento dos conservadores fluminenses diante da política dos últimos tempos da monarquia, certamente provocada pela questão da mão-de-obra, mas principalmente a rede complexa de relações que envolviam a cidade e a província. Na visão do político fluminense, a província do Rio de Janeiro, mesmo durante seus momentos de apogeu econômico e político, viveu uma situação particular de maior controle por parte do poder central que as demais, o que lhe trazia inúmeros problemas. No entanto, seu potencial econômico e político contrabalançava essas limitações. Mas com a crise da escravidão e da cafeicultura essa situação se agravou na medida em que as políticas implementadas pelo poder central cho-
5 Ibidem. , Ibidem.
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cavam-se com as demandas dos conservadores fluminenses. Restavam então apenas as desvantagens do intervencionismo centralizador. Com a República, o novo estado do Rio de Janeiro, enfraquecido política e economicamente, continuou a ser objeto de intervenções da política nacional, sem condições de exercer a autonomia que o novo regime preconizava.
De fato a implantação da República Federativa, ao promover a descentralização político-administrativa do país, gerou expectativas de uma efetiva autonomia no agora estado do Rio de Janeiro, mas, por si só, não foi capaz de assegurá-Ia. O governo federal, sediado na cidade do Rio de Janeiro, intervinha constantemente nos negócios internos fluminenses. A cidade, como centro de convergência das principais questões do país, atuava como um pólo de atração sobre o estado e sua capital. Essa dupla influência fez com que os políticos fluminenses fossem em boa parte absorvidos pela política nacional e pela vida na capital federal. Por esse motivo as lideranças regionais tiveram dificuldades de se reunir em torno de projetos comuns que facilitassem a construção de um acordo interno e beneficiassem o estado do ponto de vista econômico.
É partindo desse quadro que pretendemos analisar as relações entre o estado e a cidade do Rio de Janeiro tendo como eixo central o papel desempenhado por Niterói. Melhor dizendo, como nestas circunstâncias Niterói poderia constituir sua identidade como capital da provincia e depois do estado do Rio de Janeiro?
Para avançar nesta direção cabe uma nova pergunta: que significa ser capital? Niterói pode reunir as condições para exercer tal papel?
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Uma cidade capital é o loeus privilegiado de construção da identidade de uma nação, de um estado, de uma região e tem como função socializar as elites estaduais e ou municipais de modo a produzir um padrão de comportamento que deverá ser imitado.' Como os fluminenses no começo da República construíam as representações sobre sua identidade política e da sua capital - Niterói - e também como eram vistos pelos seus vizinhos, os cariocas?
Se é mais fácil detectar e captar as formas de intervenção do governo federal nos negócios internos fluminenses, há um outro tipo de influência, fruto da proximidade da capital e do fascinio que a metrópole exercia sobre a provincia, que, por ser informal e fora dos limites da ação do poder público, é mais problemático e difícil de ser apreendido.
Alain Corbin, em seu artigo "Paris-province ",' oferece indicações interessantes para pensar esta questão. Para este autor, a noção de província se funda na percepção de uma carência, de um distanciamento, de uma privação, de uma exclusão, é o lugar do exílio interior, do esquecimento, da zombaria dos elementos da capital. A província se identifica com a letargia, a hibernação longe da sociedade, do lugar real, dos salões, do mundo da academia. Ela se constitui, enfim, num espaço depreciado que se caracteriza pelo ridículo. O provinciano que se instala na metrópole deve se dessolidarizar do meio de onde vem. Depreciar a província constitui uma obrigação para aquele que quer obter a adesão da cidade. Esta
, Giulio Carlo Argan, História da arte como história da cidade. 8 Alain Corbin, Paris-province, pp. 777-779.
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relação sócio-cultural forte e complexa descrita por Corbin enquadra-se perfeitamente nas representações produzidas por cariocas e fluminenses acerca dos laços que envolvem o Distrito Federal, Niterói e o estado do Rio de Janeiro.
À visão depreciativa dos cariocas sobre os fluminenses somava-se, a visão dos fluminenses sobre si mesmos, especialmente os de Niterói, marcada por um enorme complexo de inferioridade frente ao grande centro cultural, político e econômico que era o Rio de Janeiro. O deputado Maurício Medeiros captou, com precisão, a complexidade dessa relação:
Por maior que seja, pois, o espaço fluminense, o estado do Rio é sempre aquele estado que se acha fronteiro à grande metrópole r..,] O mineiro pode ter seus hábitos e o carioca os respeita, assim como os outros estados. Mas o fluminense não pode ter. Se é certo que ele não evolui com a precipitação do carioca, porque não será submetido às mesmas influências, a verdade é que a proximidade da capital sempre exerce sobre o estado essa influência demolidora, que não lhe permite criar uma personalidade própria, um caráter étnico, moral ou social que o tipifique. O carioca toma-o então a sua conta e tudo quanto se refere ao estado do Rio, ao vizi
nho estado, é envolto nesta gaze de ironia que não permite apreciação verdadeira9
A elite fluminense partilhava dessa avaliação negativa e estava longe de querer fazer política em Niterói, uma cidade vista como sem atrativos e provinciana. Ao contrário, a cidade do Rio de Janeiro encarnava o ideal de modernidade e progresso, especialmente após a reforma urbana de 1905, quando tudo foi feito para apa-
, Assembléia Legislativa do Rio de Janeiro, Anais.
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gar sua face de cidade colonial e transformá-Ia no SÍm
bolo da nação moderna. 10
Com a Primeira República, o destino nacional do Rio se consolidou, tornando-se a capital federal uma cidade modelo, pelo poder de suas idéias renovadoras. No dizer da época, o Rio, "na constelação dos estados era a cidade sol."" Com esses atributos a cidade do Rio de ]aneiiu funcionava como um imã que atraía toda a elite fluminense nos mais diferentes aspectos, político, econômico, cultural, sugando sua energia vital que, ao invés de ser canalizada para o interior, deslocava-se para o plano nacional.
Pode-se argumentar que, por sua condição de capital e centro político, econômico e cultural, o Rio exercia um papel especial em relação a todos os estados. No entanto, no caso específico do estado do Rio, essa relação se manifestava de forma muito mais intensa e profunda, atingindo todos os setores da vida dos fluminenses, desde a vida privada das pessoas até questões maiores que envolviam decisões políticas. Assim, um grande número de deputados estaduais fluminenses e funcionários da administração estadual residiam e exerciam suas profissões liberais no Distrito Federal."
O resultado político desse tipo de relacionamento é facilmente verificável quando se examina a própria difusão das idéias republicanas na antiga provÚlcia do Rio de Janeiro. A despeito de ter produzido as mais eXpressivas lideranças republicanas no plano nacional, como Silva]ardim, Quintino Bocaiúva, Lopes Trovão, Alberto Torres e
10 Nicolau Svecenko, Literatura como missão. 11 Macly Motta, A nação faz cem anos, p. 40. 12 Consulta ao Almanaque Laemmert para localizações de residências e escritórios dos deputados estaduais fluminense revela em número expressivo de nomes radicados no Rio.
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Nilo Peçanha, os fluminenses só conseguiram articular um partido republicano às vésperas da proclamação. Ainda que outras variáveis importantes possam ser computadas para explicar tal situação, como a identificação da elite fluminense com o Partido Conservador e a monarquia, sem dúvida a militãncia política dos jovens republicanos fora das fronteiras da província e de uma capital é um dado relevante para explicar o fraco enraizamento das idéias republicanas no território fluminense.
o Rio era inevitavelmente o centro da vida da província e o que acontecia na cidade tinha repercussões imediatas ali. Às vezes, as atividades na capital tornavam desnecessárias ou desencorajavam atividades similares na província. Por exemplo, a fundação do Clube Republicano, em 1870, atraiu alguns provincianos e por volta de 1871, a maioria dos membros que não residiam no Rio era da província, o que veio a impedir também a formação de um verdadeiro movimento provinciano.13
Vivenciando essa relação conflituosa de amor e ódio com a cidade do Rio, como a elite política fluminense encarava a questão e pensava solucioná-Ia?
Os problemas colocados pelas interferências do governo federal e pela influência da cidade do Rio de Janeiro sobre a vida política fluminense e naturalmente sobre a cidade de Niterói foram objeto de preocupação e discussão das elites fluminenses, especialmente na primeira década republicana.
A implantação do federalismo trazido pela República colocou a necessidade de se construir novos padrões de relacionamento entre poder central e gover-
13 George Borher, Da monarquia à Republica: história do Partido Republicano no Brasil, p. 67.
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nos estaduais. É neste contexto que se dá a emergência da discussão sobre transferência da capital do estado de Niterói para o interior, sob o argumento de que era fundamental afastar a política fluminense das más influências da capital do país.
Dos argumentos apresentados até aqui ficava evidenciada que a constante interferência do governo federal e da cidade do Rio de Janeiro nos negócios fluminenses em geral, e em Niterói em particular, eram motivos para questionar o estatuto da capital fluminense. Além desse argumento levantava-se ainda razões específicas que desqualíficavam Niterói como portadora de condições para forjar a identidade fluminense e articular seus interesses regionais dentro do jogo federalista implantado com a República.
À semelhança de um discurso construído para desqualificar a cidade do Rio de Janeiro como capital do país na primeira década republicana, Niterói também seria alvo de avaliações desabonadoras.
O Rio de Janeiro, em virtude da agitação de suas massas urbanas e da instabilidade que esses fatos traziam para a consolidação do novo regime, não reunia as condições para ser sede de nacionalidade. Daí a necessidade da interiorização da capital introduzida na Constituição de 1891 que dava ao Distrito Federal um estatuto provisório e com sua autonomia totalmente cerceada. 14
As elites fluminenses transportavam este tipo de raciocínio para a realidade de Niterói. A capital fluminense era um foco de agitação e deveria ser neutralizada. A alternativa era promover a interiorização da capital.
14 Ana Marta Bastos, O Conselho de Intendência Municipal: autonomia e Instabilidade (1889-1892).
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o início desta discussão, que teve continuidade ao longo das duas primeiras décadas republicanas, pode ser localizado logo após a proclamação da República, quando o município de Campos passou a reivindicar abrigar a sede do governo estadual. Sem ter tido maiores desdobramentos, a questão permaneceu em aberto até agosto de 1890, quando o governador Francisco Portela também adotou a bandeira da transferência de capital, mas agora para Teresópolis15 A escolha deste município, que na época estava longe de reunir condições mínimas para abrigar a capital, refletia as intenções do governador de livrar -se não só das pressões e influências da política do Distrito Federal, mas também de grupos regionais fluminenses localizados em Niterói que o hostilizavam. O governador fluminense acabou sendo deposto sem que nada de concreto ocorresse neste sentido, permanecendo em aberto os debates acerca do destino da capital fluminense.
Sob novo governo, Niterói continuou sendo foco de preocupações. Nas eleições municipais de 8 de junho de 1892, na qual foram eleitos vereadores e juízes de paz, o Partido Republicano Fluminense ePRF) obteve vitória tranqüila em todo o estado, com a significativa exceção de três municípios, Niterói, Campos e Resende. Na capital do estado, a eleição provocou a cisão do diretório local do PRF, constituído na época pelo ex-conservador Carlos Castrioto, o ex-liberai Luís Carlos Fróes da Cruz e o republicano histórico Alberto Torres. Valendo-se da antiga influência liberal em Niterói, Fróes da Cruz, que também não
15 Marieta de Moraes Ferreira Ccoord.), A República na velha província, pp. 79-81.
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rompera totalmente com o ex-governador PorteI a, apresentou chapa independente e venceu. Este fato, ao confirmar a força remanescente do portelismo em Niterói, veio indicar as dificuldades que o novo situacion ismo encontraria para se firmar na capital.
Outro indício grave dessas dificuldades se apresentou na manhã de 14 de dezembro de 1892, quando o regimento policial do estado, sediado em Niterói, rebelou-se em virtude dos castigos sofridos por praças desligados. Os revoltosos chegaram a tomar de assalto o palácio do governo e a anunciar a volta de Portela, mas Porciúncula recebeu pronta ajuda militar de Floriano. Após terrível tiroteio, restabeleceu-se a ordem, mas evidenciou-se o isolamento do presidente do estado em Niterói.
Esses acontecimentos sem dúvida influíram para que, em janeiro de 1893, se reiniciasse a discussão sobre a transferência da capital. Imediatamente, após a revolta do regimento policial, a imprensa campista, em face dos rumores que davam como decidida a mudança da capital para Nova Friburgo, iniciou uma campanha pela escolha de Campos para suceder a Niterói. A Associação Comercial e os principais jornais do município - Monitor Campista, A República e Gazeta do Povo - enviaram representação à Alerj, e a campanha ganhou as ruas, sob a liderança do barão de Miracema. Este, secundado por Nilo Peçanha, estabeleceu contatos com os grupos situacionistas de São João da Barra, Macaé, São Fidélis e Haperuna, fazendo da bandeira campista o embrião de um movimento regional.
Em meio aos protestos da imprensa niteroiense, entre 13 e 26 de janeiro de 1893, a Alerj reuniu-se em sessão extraordinária, com fim exclusivo de debater a
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questão. A comissão formada para dar parecer sobre o assunto, incluindo representantes de Niterói e Campos, acabou por opinar favoravelmente - embora não por unanimidade - à transferência para Teresópolis, já indicada no governo Portela, e agora justificada por "sua posição central, por seu clima, pela abundância d'água para abastecê-Ia e pela facUidade da sua ligação com a rede de viação férrea."
As discussões que se seguiram dividiram a representação niteroiense na Alerj. Enquanto o deputado Belisário Augusto tomou a defesa de Niterói, embora reconhecendo a força da oposição na cidade. Alberto Torres, na condição de líder do governo na Assembléia, defendeu o parecer da comissão. Para Belisário Augusto, o resultado da mudança para Teresópolis seria
atrairmos contra nós esta honrada e laboriosa cidade de Niterói, seria atraírmos contra nós Campos, núcleo comercial do estado, seria atrairmos contra nós Vassouras.
Para Alberto Torres, três poderosas razões indicavam a necessidade da mudança: o alheamento da heterogênea população de Niterói, "de pronunciada tendência industrial", em relação aos interesse do estado, sua submissão aos interesses da vizinha capital federal e a ameaça a sua autonomia que essa proximidade representava. Era razoável, portanto, que o PRF projetasse transferir o centro político-administrativo do estado para uma localidade onde pudesse exercer a plenitude de sua hegemonia política.
O parecer da comissão da A1erj transformou-se em projeto de lei e desencadeou intensa disputa entre os interesses locais. Contando com o apoio dos demais municípios do norte fluminense, a reivindicação cam-
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pista tornou-se, além de regional, autonomista. O Monitor Campista chegou a veicular proposta no sentido da formação de um "estado campista", incluindo os municípios vizinhos, sob a presidência do barão de Miracema. Ainda que tal proposta não passasse de uma forma suplementar de pressão sobre o PRF e o governo do estado, sem dúvida revelava um foco de tensão importante. Também em Vassouras, embora com expressão mais reduzida, delineou-se um movimento pelo direito de sediar a capital.
A Alerj não recuou de sua decisão, mas a transferência da capital para Teresópolis não chegou a se realizar. De um lado, eram trabalhosas as providências de ordem material e administrativa necessárias, e, de outro, certamente o conflito de interesses em jogo retardou-a. No entanto, a eclosão da Revolta da Armada em 6 de setembro de 1893 precipitou os acontecimentos. Niterói foi palco de violentos combates e o que é mais importante, a maioria da população locaI, assim como a Câmara Municipal presidida por Luís José de Meneses Fróes, apoiou os rebeldes liderados pelo almirante Custódio de Melo. Diante disso, e da ameaça de bombardeio à cidade, a Alerj decidiu transferir provisoriamente a capital não mais para Teresópolis, mas para Petrópolis, base política - é bom lembrar - do presidente do estado, Porciúncula. A mudança seria consumada em fevereiro de 1894 e a volta da capital para Niterói só se efetuaria anos depois.
Toda essa discussão que mobilizou diferentes lideranças regionais fluminenses, visando não só fortalecer a posição de seus municípios, mas também promover uma interiorização da política, terminou por não ter nenhuma eficácia. Mesmo durante a permanência da ca-
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pital em Petrópolis as relações entre a cidade e o estado do Rio não mudaram de forma substantiva, mas sem dúvida avançou-se no controle das oposições.
Retirar a capital de Niterói no final do século representou efetivamente, um passo importante no processo de neutralização de focos oposicionistas e da consolidação da tão almejada conciliação política preconizada pela elite do estado do Rio. Mas essa situação não seria duradoura, e novamente a localização da capital voltaria a constituir-se instrumento de disputa para afirmação de outros grupos políticos.
Nilo Peçanha iria provocar uma reviravolta nesta situação. Interessado em esvaziar o poder político do chamado grupo de Petrópolis, liderado por Hermogêneo Silva, o político campista iria jogar todos os seus trunfos para trazer a capital de volta para Niterói. 16
O tema da transferência da capital fora colocado em discussão na Alerj pela última vez em novembro de 1899, quando o oposicionista Félix Moreira apresentou o projeto 1.017, que declarava Niterói capital do estado do Rio. Em virtude da resistência dos situacionistas, o projeto não foi votado naquela ocasião e tampouco foi examinado na sessão legislativa de 1900, só voltando a ser discutido em 1901, por iniciativa do deputado Laurindo Pitta. Entre seus defensores, além dos já citados colaboradores de Nilo Peçanha, incluíram-se Geraldo Martins, Baltasar Bernardino, Oliveira Belo, Oliveira Botelho e Bulhões Carvalho.
Controlando os postos-chaves da mesa da Assembléia, o grupo de Petrópolis conseguiu impedir que o projeto 1.017 fosse posto em votação. Além disso, ma-
" Idem, pp. 120-121.
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joritários na Comissão da Guarda da Constituição, das Leis e Poderes, os antimudancistas emitiram um parecer declarando o projeto inconstitucional. O parecer destacava as deficiências sanitárias de Niterói e a perda de autonomia que o estado sofreria caso a capital voltasse à vizinhança do Distrito Federal, já que "Niterói é um
. prolongamento da rua do Ouvidor". Petrópolis, ao contrário, não apenas se localizava a maior distância do Distrito Federal, o que a deixava "menos exposta a [ . .. ] seus abalos e vicissitudes", como também contava com uma infra-estrutura urbana satisfatória e era menos atingida pelas epidemias.
Embora a sessão legislativa de 1901 tenha chegado ao fim sem que o projeto 1.017 tivesse sido posto em votação, nesse momento a Alerj já estava dividida em dois grupos equivalentes de deputados pró e contra a mudança. No primeiro semestre de 1902, com a Assembléia em recesso, mudancistas e antimudancistas procuraram fortalecer suas posições. Os primeiros, beneficiados pela participação decisiva de Nilo peçanha, levaram a melhor, garantindo o apoio de 35 das 48 municipalidades e obtendo a convocação de uma sessão extraordinária, em julho, para discutir a questão. Seu fortalecimento ficou patente desde o início dos trabalhos: contando com a maioria dos deputados, ganharam o controle da mesa, que passou a ser presidida por Geraldo Martins. Na mesma ocasião, Henrique Borges tornou-se líder do governo, substituindo o antimudancista Sá Earp.
Em sua mensagem à Assembléia, lida na abertura da sessão extraordinária, o próprio Quintino Bocaiúva declarou-se favorável à mudança. Aprovado em primeira e segunda discussões, o projeto foi objeto, durante a terceira discussão, de emendas apresentadas por
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antimudancistas visando dificultar na prática a transferência. Tais emendas foram rejeitadas, e finalmente, nos últimos dias de julho, o líder Henrique Borges apresentou um substitutivo ao projeto. Segundo a nova versão, Niterói seria declarada capital do estado e o presidente transferiria as repartições na medida em que julgasse conveniente. O substitutivo foi aprovado por 33 votos contra 14, com a ausência de 13 deputados, dentre os quais Hermogêneo Silva.
Novamente sede do governo estadual, Niterói durante o governo Nilo peçanha 0903-1906) seria objeto de atenção. Visando acompanhar os ventos que sopravam na capital da República, Nilo Peçanha realizou uma reforma urbana na capital fluminense nos moldes da obra de Pereira Passos, no Distrito Federal. Ao lado do alargamento e calçamento de ruas foi reconstruída a Câmara Municipal, a organização do Horto Municipal, a instalação da sede do governo no Palácio do Ingá, inauguração do teatro João Caetano, a criação do centro de serviços municipais, substituição do sistema de gás pelo de luz elétrica e estimulou uma reformulação dos serviços da Cantareira da Viação Fluminense, inaugurou novas linhas de bondes elétricos modernizando as comunicações marítimas com a capital. 17
Ao lado dessas iniciativas modernizadoras, Nilo Peçanha, de maneira semelhante ao prefeito do Distrito Federal, Pereira Passos, exercia sua ação no sentido de neutralizar a vida política de Niterói. Implementando seu projeto de centralização política no conjunto do estado, Nilo através da Reforma Constitucional de 1903
17 Idem, p. 147.
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poderia intervir na administração municipal nomeando prefeitos naqueles municípios em que o estado arcasse com os serviços de infra-estrutura. Niterói enquadravase nesse caso e a nomeação do prefeito pelo Executivo estadual era uma forma de controlar o maior núcleo urbano do estado e onde as forças oposicionistas ainda possuíam um peso expressivo. I'
Niterói, seguia de perto os passos de sua irmã mais velha a capital da República. Contaminada pela agitação política das massas urbanas cariocas, que se rebelavam fazendo eclodir a Revolta da Vacina, a terra de Araribóia também deveria ser alvo de uma política de controle estrito, tanto no sentido de neutralizar eventuais revoltas populares, mas também domesticar as dissidências da elite política que ousassem questionar a hegemonia do grupo nilista.
A refOrma constitucional de 1920 viria recolocar em pauta novamente a questão da autonomia municipal. Mais uma vez as forças políticas de Niterói, principal núcleo de oposição ao nilismo, levantaria a bandeira contra a intervenção do Executivo estadual na vida política da capital.
Novamente tal demanda seria derrotada. As palavras do deputado Maurício Medeiros expressavam o espírito da situação: Niterói possuía "um eleitorado constituído sem uma segura eficiência da disciplina partidária I . . . 1 e onde as correntes de opinião predominavam", o que significava dizer que a capital fluminense sede de um eleitorado urbano menos sujeito às pressões dos caciques políticos poderia eleger um prefeito de oposição.
" Idem, p. 134.
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Essa era a estratégia de Nilo Peçanha para neutralizar politicamente Niterói e domesticar suas oposiçôes.19 Mas a sucessão presidencial de 1922 opondo a chapa da Reação Republicana liderada por Nilo Peçanha, a candidatura de Arthur Bernardes, apoiada por Minas, São Paulo e pequenos estados traria uma reviravolta para a política fluminense. A derrota de Nilo Peçanha à presidência da República, provocaria a derrocada de seu grupo político no controle do estado do Rio, abrindo espaço para emergência de novas lideranças políticas cujas principais bases situavam-se em Niterói.
A inauguração do governo de Feliciano Sodré em 1924, à frente do Executivo estadual fluminense, inaugurava uma nova fase para Niterói. Interessado em firmar suas bases na capital fluminense, Sodré, antigo prefeito da cidade, elegeu como focos centrais de sua ação a construção do porto de Niterói e a implantação do plano de urbanização para a área portuária contígua. 20
A questão central para o governo de Feliciano Sodré não estava diretamente ligada à defesa da interiorização da política fluminense, mas à necessidade de neutralizar os malefícios trazidos pela preponderância econômica da cidade do Rio de Janeiro sobre o estado. Sua estratégia para enfrentar tal problema era a construção do porto de Niterói e a instalação de uma alfândega na cidade. A base principal de seu argumento era que como o estado do Rio não possuía nenhuma instância fiscal, toda a arrecadação das taxas cobradas sobre os produtos importados que ingressavam no ter-
19 Marieta de Moraes Ferreira, Conflito regional e crise política: a reação republicana, p. 24. 20 Môruca Almeida Kornis, A nova situação fluminense, pp. 275-288.
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ritório fluminense era feita pela coletoria e pela recebedoria do Distrito Federal. A construção de um porto estava assim ligada não só à entrada e saída de produtos no estado do Rio sem a intermediação do porto do Distrito Federal, mas também à criação de uma nova fonte de recursos fiscais. Tudo isso visava naturalmente maior autonomia estadual. 21
Embora tenham sido extremamente limitados, uma vez que o porto de Niterói não chegou a entrar em funcionamento efetivo na Primeira República, os resultados dessa proposta abriram espaço para a execução de um amplo programa de reformas urbanas, que incluía a desapropriação de vastas áreas, a abertura de ruas e avenidas, a construção de novos prédios e de áreas destinadas a uma ocupação popular .
Com essas iniciativas Sodré contava obter maior enraizamento e ampliar suas bases políticas em Niterói, o que efetivamente ocorreu. É importante esclarecer que o estatuto político de Niterói não foi alterado, permanecendo os limites a qualquer tentativa de ampliação de sua autonomia política. Nos anos seguintes, Sodré garantiu sua hegemonia política no estado conseguindo fazer seu sucessor e até cooptar setores da antiga oposição nilista. Este quadro foi interrompido pela eclosão da Revolução de 1930 que desalojou as oligarquias dominantes do poder, promovendo um revezamento de grupos no controle do estado.
Após 1930 não houve modificações substanciais para a situação política de Niterói. É verdade que desapareceram os argumentos que desqualificavam sua po-
21 Mary Cristina Pessanha, O porto de Niterói, uma promessa de autonomia.
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slçao como capital, mas permaneciam as afirmações sobre os malefícios trazidos pela proximidade do Distrito Federal. Especialmente a sucessão estadual de 1935, traria de volta um clima de grave instabilidade. A disputa acirrada pelo controle do Executivo estadual, agravada pela interferência de forças políticas oriundas de outros estados da Federação, que jogavam no sentido de controlar politicamente o estado do Rio, com vistas a fortalecer suas pretensões na política nacional para a sucessão presidencial de 1938, demonstrava a vulnerabilidade de Niterói. 22
Esse quadro foi alterado com a decretação do Estado Novo e a consolidação da interventoria Amaral Peixoto, que, com a conseqüente neutralização dos conflitos políticos internos, abriram finalmente a possibilidade de Niterói consolidar seu papel de centro político do estado. É bem verdade que, na primeira fase do governo Amaral Peixoto, o norte fluminense - e, em especial, o município de Campos - desempenhou funções importantes como eixo político do estado. No final do Estado Novo, especialmente na fase de organização partidária, o norte fluminense ocupava posição privilegiada no jogo político estadual, constituindo-se os políticos campistas a base de apoio principal do Partido Social Democrático (PSD), agremiação desenvolvida pelo interventor, o que criava limites para a afirmação de Niterói e acirrava a competição intra-regional.
Isso pode ser percebido claramente, por ocasião da constituinte estadual de 1946 quando foi relançado o
22 Protõgenes Guimarães, Verbete, em FGV, Dicionário Histórico Biográfico Brasileiro, 1930·1983, voi. 2.
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debate acerca da necessidade de interiorização da capital fluminense.'3 A velha tese da contaminação política de Niterói pelos conflitos permanentes existentes na cidade do Rio de Janeiro, bem como a influência da política federal nos negócios fluminenses, fruto da proximidade das duas capitais, foi mais uma vez retirada dos anais da A1erj, para justificar a transferência da capital para Campos. Como era de se esperar Petrópolis também candidatou-se à sede do governo do estado, engrossando o coro daqueles que desqualificavam Niterói como local apropriado para abrigar o do poder público.
A aprovação da constituição estadual de 1947 garantiu, no entanto, o estatuto da velha capital fluminense. A plena consolidação de Niterói como centro político fluminense só se concretizou nos anos 50, a partir do segundo governo Amaral Peixoto. As transformações demográficas e econômicas em curso no estado levaram a um deslocamento populacional do norte para a região da Baixada Fluminense, transformando as áreas contíguas a Niterói em pólos de crescimento e expansão que exigiam, cada vez mais, a atenção do governo do estado.
Amaral Peixoto, logo após sua posse, defmiu sua linha de governo voltada para a modernização de Niterói e São Gonçalo. As principais iniciativas estavam direcionadas para a criação de indústrias e reformas urbanas. Na esfera política, o líder fluminense tratou de centralizar a política em Niterói, fazendo com que esta cidade exercesse de fato o papel de centro político do estado.24
l3 Silvia Pantoja, Amaralísmo e pessedismo flumlnense:o PSD de Amaral Peixoto. z.I Amaral Peixoto Verbete, em FGV, Dicionário Histórico Biográfico Brasileiro, yol. 3, p. 2.655.
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Amaral inaugurou o serviço de trolleybus, concluiu a construção do ginásio esportivo Caio Martins, dos prédios das secretarias de estado, da Imprensa Ofi
cial; promoveu obras de saneamento em diversos municípios e instalou a adutora Niterói-São Gonçalo. No setor educacional, criou a Escola de Engenharia e oficializou a Escola de Veterinária, ambas da Universidade Federal Fluminense.
O processo de transferência da capital para Brasília, desencadeado no final dos anos 50, abriu o debate da fusão como uma alternativa para equacionar o futuro da cidade do Rio de Janeiro. Patrocinada por políticos da UDI\" carioca, a proposta da fusão en tre o Distrito Federal e o estado do Rio retiraria de Niterói a sede do novo estado. A resposta a essa iniciativa por parte de ampla parcela dos políticos fluminenses foi negativa. A união entre as duas unidades da federação acarretaria na visão das principais entidades de classes e políticos de então, um esvaziamento para o estado do Rio."
A efetivação da transferência da capital para Brasília, a criação do estado da Guanabara em 1960 e a ascensão do PTB no estado do Rio com a eleição de Roberto Silveira para o governo do estado em 1958, que detinha suas bases políticas em Niterói e na Baixada Fluminense, pareciam garantir, de forma duradoura, o estatuto de Niterói como centro político do estado.
Depois de muitas décadas, a terra de Araribóia parecia aproximar-se do conjunto de quesitos definidores
25 Marieta de Moraes Ferr eira e Mário Grynspan, O retorno do filho pródigo ao lar paterno? A fusão do estado do Rio de Janeiro, Revista Brasileira de História, n2 82.
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do modelo de capital proposto por Argan. Se continuava difícil funcionar como um modelo, um exemplo a ser seguido pelo interior fluminense, ou mesmo representar um locus de construção de identidade regional, Niterói, nos anos 60, consolidava seu papel de centro político e demonstrava melhores condições para servir de socializadora das elites municipais em torno de projetos estaduais mais abrangentes.
A partir de 1974 esse processo foi atropelado. A proposta de fusão retornaria à cena sob o patrocínio dos governos militares e apoiada por expressivos setores do empresariado e políticos da arena carioca. Os fluminenses em geral e Niterói em particular, não viam com bons olhos a nova iniciativa. Amaral Peixoto, principal liderança política do estado do Rio, percebia que a fusão traria uma subordinação das forças fluminenses aos interesses cariocas, como efetivamente aconteceu com o controle político do novo MDB do estado recém criado pelas forças políticas da cidade do Rio de Janeiro. Niterói perdeu o estatuto de capital do estado para a cidade do Rio de Janeiro.
Passados vários anos, volta e meia é relançada a idéia de desfusão e a proposta de Niterói como capital reaparece. É compreensível o interesse de jovens políticos fluminenses e de Niterói, nesse tema, frente a suas estratégias eleitorais de curto prazo. Eleger-se governador da velha província fluminense constituiu-se tarefa' mais fácil para essas novas elites, do que penetrar no eleitorado da antiga capital federal.
Por tudo isso, a idéia da desfusão - que pode parecer à primeira vista interessante e dar a impressão de que Niterói teria novas vantagens, recuperando sua antiga posição de capital do estado - é, em grande medida, ilusória e
·problemática.
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Niterói tem seu desenvolvimento econômico e modernização garantidos, independente de ser ou não capital. O direito de eleger seu prefeito e a garantia de sua autonomia política tem permitido a Niterói redefinir seu perfil como cidade e encontrar sua identidade.
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