NIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO...

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO ESCOLA DE ENFERMAGEM ANNA NERY PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA NÚCLEO DE PESQUISA DE FUNDAMENTOS DO CUIDADO DE ENFERMAGEM NUCLEARTE ESTILOS DE CUIDAR NA TERAPIA INTENSIVA EM FACE DAS TECNOLOGIAS: UMA CONTRIBUIÇÃO À CLÍNICA DO CUIDADO DE ENFERMAGEM Rafael Celestino da Silva Rio de Janeiro AGOSTO- 2012

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO

ESCOLA DE ENFERMAGEM ANNA NERY

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA

NÚCLEO DE PESQUISA DE FUNDAMENTOS DO CUIDADO DE ENFERMAGEM –

NUCLEARTE

ESTILOS DE CUIDAR NA TERAPIA INTENSIVA EM FACE

DAS TECNOLOGIAS: UMA CONTRIBUIÇÃO À CLÍNICA

DO CUIDADO DE ENFERMAGEM

Rafael Celestino da Silva

Rio de Janeiro

AGOSTO- 2012

RAFAEL CELESTINO DA SILVA

ESTILOS DE CUIDAR NA TERAPIA INTENSIVA EM FACE DAS

TECNOLOGIAS: UMA CONTRIBUIÇÃO À CLÍNICA DO CUIDADO

DE ENFERMAGEM

Tese de Doutorado* apresentada ao

Programa de Pós-Graduação e Pesquisa

da Escola de Enfermagem Anna Nery-

Universidade Federal do Rio de Janeiro,

como parte dos requisitos necessários à

obtenção do título de Doutor em

Enfermagem.

Orientadora: Profª. Drª. Márcia de Assunção Ferreira

Rio de Janeiro

AGOSTO- 2012

*Pesquisa financiada pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico-CNPq

através de bolsa doutorado sanduíche na Université de Provence-França (Laboratoire de Psychologie

sociale), sob tutoria do Prof.º Dr.º Thémis Apostolidis.

SILVA, Rafael Celestino. Estilos de cuidar na terapia intensiva em face das tecnologias:

uma contribuição à clínica do cuidado de enfermagem. / Rafael Celestino da Silva. Rio de Janeiro: UFRJ/EEAN, 2012.

xiv, 266 f: il; 31 cm.

Orientadora: Márcia de Assunção Ferreira. Tese (Doutorado em Enfermagem) – Universidade Federal do

Rio de Janeiro – UFRJ - Escola de Enfermagem Anna Nery – EEAN - Programa de Pós Graduação e Pesquisa em Enfermagem, 2012.

Referências Bibliográficas: f. 250-260. 1. Tecnologia biomédica. 2. Unidades de Terapia Intensiva. 3.

Enfermagem. 4. Cuidados de Enfermagem. 5. Psicologia social - Tese. I Ferreira, Márcia de Assunção. II Universidade Federal do Rio de Janeiro, Escola de Enfermagem Anna Nery, Programa de Pós-Graduação e Pesquisa em Enfermagem. III Título

CDD: 610.73

CDD:

ESTILOS DE CUIDAR NA TERAPIA INTENSIVA EM FACE DAS

TECNOLOGIAS: UMA CONTRIBUIÇÃO À CLÍNICA DO CUIDADO DE

ENFERMAGEM

RAFAEL CELESTINO DA SILVA

Tese de Doutorado apresentada ao Programa de Pós-Graduação e Pesquisa da

Escola de Enfermagem Anna Nery, Universidade Federal do Rio de Janeiro como

parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Doutor em Enfermagem.

APROVADA POR:

_________________________________________

Prof.ª Dr.ª Márcia de Assunção Ferreira – Presidente

________________________________________

Prof.º Dr.º Luiz Fernando Rangel Tura - 1º Examinador

________________________________________

Prof.ª Dr.ª Angela Arruda - 2ª Examinadora

________________________________________

Prof.ª Dr.ª Mara Ambrosina de Oliveira Vargas - 3ª Examinadora

________________________________________

Prof.º Dr.º Marcos Antônio Gomes Brandão - 4º Examinador

________________________________________

Prof.ª Dr.ª Ana Beatriz de Azevedo Queiroz - Suplente

________________________________________

Prof.ª Dr.ª Lolita Dopico da Silva - Suplente

Rio de Janeiro

AGOSTO- 2012

Terraço do café na Place du Forum (Arles-sul da França)-Van Gogh

DEDICATÓRIA

“Não sei se viajei nos seus sonhos, se sonhei

seus desejos, mas aqui cheguei, guiado pelo

amor que vocês me impulsionaram. Porém, se

algum dia sentir que a terra cede a meus pés,

que minhas conquistas desmoronam, que não

há ninguém para me estender a mão, esquecerei

a maturidade, passarei pela mocidade, voltarei

à infância e chamarei por vós, meu pai, minha mãe!!"

Dedico essa tese a vocês!!

Agradecimentos............

-Agradeço em primeiro a Deus por esta etapa concluída, de onde recebi força quando sentia-me

fraco, e apoio quando pensava em desistir. “Porque dele, por ele e para ele são todas as

coisas”!

-A minha “quase-esposa” Alanna Fersi, com quem divido uma vida “quase-matrimonial”. Você

é o meu aconchego e meu porto-seguro aqui no Rio de Janeiro. “Na alegria e na tristeza” você

faz parte dessa tese! Amo muito.....

-Prof.ª Márcia de Assunção Ferreira,

Querida orientadora e amiga, ainda lembro do nosso primeiro encontro nos corredores do

subsolo do Centro de Ciências da saúde, quando conversávamos as primeiras ideias para uma

pretensa pesquisa de mestrado. Quase 6 anos se passaram e hoje estou aqui defendendo uma

tese de doutorado sob sua orientação. Muitas histórias aconteceram, horas de trabalho, viagens

juntos, dificuldades pessoais, provas de concurso e até na França acabei indo parar!!! Assim,

não tenho como deixar de agradecer o carinho e a confiança sempre em mim depositada. Você

sabe e não canso de ressaltar a admiração que tenho por ti, pois para mim és a titular das

titulares, exemplo de competência e ética.

Muito idealizei para este momento, construído com muita dedicação e esforço. Enfim ele chegou!

Agradeço a você por te me desafiado a atravessar essa estrada e ter me conduzido pelos

melhores caminhos!!

-Aos meus familiares e amigos, de perto e de longe, que ansiosos e alegres aguardavam a

realização deste momento tão especial.....Gostaria de dizer a vocês: “......que ainda há tempo,

para trocar o silêncio pelo sorriso, os punhos fechados pelos braços abertos, para dispensar a

distância e acolher a cumplicidade, ainda há tempo....porque temos a vida inteira para

continuarmos amigos....”!!

-Ao Prof.º Dr.º Thémis Apostolidis da Université de Provence, pelo carinho com que me recebeu

em Aix-Marseille e pelos ensinamentos teóricos, fundamentais no processo de desenvolvimento

da pesquisa. Sua presteza e receptividade foram os ingredientes para o sucesso do estágio

sanduíche. Saiba que a este período devo um grande progresso pessoal e profissional. Não

esquecerei também os belos encontros franceses, sempre alegres, divertidos e regados a bons

vinhos;

-Ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico-CNPq, pelo financiamento

que possibilitou 6 meses de intercâmbio científico e cultural na Europa, de grande importância

para meu desenvolvimento acadêmico;

-Aos colegas do Laboratoire de Psychologie sociale, em especial Lionel Dany, Séverin Guignard

e Anna Liguouri, pelo compartilhamento de experiências e conhecimento diários. Aos colegas

brasileiros Renata Aléssio, Filipe Aléssio e Lenira Haddad, que me acolheram e foram

verdadeiros amigos durante a estada na França, neste desafio de estar longe de casa;

-À chefia do Departamento de Enfermagem Fundamental- DEF/EEAN, na pessoa da Prof.ª

Lúcia Helena Corrêa Lourenço, que não mediu esforços para a realização de todos os trâmites

necessários à efetivação do estágio sanduíche. Muito Obrigado!! Agradeço também ao Corpo

deliberativo do DEF pelo incentivo constante à qualificação profissional e acadêmica,

fornecendo meios e recursos ao aperfeiçoamento docente;

-À diretora da Escola de Enfermagem Anna Nery, Prof.ª Neide Aparecida Titonelli Alvim,

pelo apoio ao intercâmbio científico na França, e nos trâmites acadêmicos envolvidos na sua

ocorrência;

-Ao NUCLEARTE, pela possibilidade de realização do estudo alinhado a uma de suas linhas

de pesquisa;

-Aos professores do Programa Curricular Interdepartamental VII, Juliana Faria Campos,

Marta Sauthier, Graciele Oroski e Flávia Pacheco pela parceria e ajuda frente às demandas

das atividades profissionais vinculadas à disciplina;

-Às alunas de graduação em enfermagem, Zaira Andressa e Rute Almeida pela ajuda

primordial no processo de transcrição das entrevistas que integram a pesquisa;

-Agradeço ainda, em especial e com muito carinho aos meus alunos, fonte de inspiração e

energia na busca constante por uma Enfermagem- ciência e arte- de vanguarda.

RESUMO

SILVA, Rafael Celestino. Estilos de cuidar na terapia intensiva em face das

tecnologias: uma contribuição à clínica do cuidado de enfermagem. Rio de

Janeiro, 2012. Tese (Doutorado em Enfermagem) - Escola de Enfermagem Anna

Nery, Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2012. Orientadora: Prof.ª Dr.ª Márcia

de Assunção Ferreira

A problemática do estudo em tela situa-se nos indicativos de existência de duas

perspectivas/linhas condutoras da ação da enfermeira na terapia intensiva junto ao

cliente que se utiliza do maquinário, o “cuidado tecnológico” e a “ação tecnológica”,

as quais trazem implicações diretas na assistência de enfermagem prestada. Neste

sentido, levanta-se o pressuposto de que a tecnologia (maquinário) inerente aos

ambientes de terapia intensiva possa estar orientando a formação de estilos de

cuidar na enfermagem. Objetivou-se identificar as representações sociais de

enfermeiras que atuam na terapia intensiva sobre as suas práticas de cuidado, face

à tecnologia; descrever os elementos que integram as práticas de cuidado das

enfermeiras intensivistas, à luz de suas RS; analisar as práticas de cuidado das

enfermeiras tendo em vista suas RS sobre tais práticas. Pesquisa de campo, do tipo

descritivo-explicativa, de abordagem qualitativa e cunho etnográfico, com aplicação

da Teoria das Representações Sociais. O campo de estudo foi um hospital federal

localizado no município do Rio de Janeiro, e o lócus foi a Unidade de Terapia

Intensiva. Os participantes foram 21 enfermeiros, 17 mulheres e 04 homens

atuantes diretamente na assistência ao cliente internado na UTI. Os dados foram

coletados através de observação etnográfica e entrevista individual. Os dados

provenientes das entrevistas foram analisados através do software Alceste, e da

técnica de análise de conteúdo temático, enquanto aqueles oriundos dos registros

de observação passaram por análise etnográfica. Evidencia-se que as práticas de

cuidado no CTI se apresentam como um fenômeno complexo, o qual gera

representações sociais nas seguintes dimensões: tecnologia, paciente e trabalho.

Tais dimensões compõem uma rede de significados articulados que abarcam o

sentido funcional da tecnologia aplicada ao CTI; os afetos produzidos pelo paciente

no profissional e a imagem do paciente ideal organizada durante a formação; a

experiência subjetiva do trabalhador. A maneira como tais representações se

elaboram dá forma a dinâmica da prática dos sujeitos frente o objeto, a qual,

considerando seus aspectos constituintes, delimita estilos de cuidar. Defende-se,

portanto, a tese de que a tecnologia orienta a organização de estilos de cuidar das

enfermeiras na terapia intensiva - cuidado e ação tecnológica, que se constroem e

se reconstroem no cotidiano da assistência, onde estão o cliente hospitalizado e o

contexto do trabalho, os quais, por sua vez, influenciam nos sentidos atribuídos por

tais profissionais às suas práticas, permitindo-os elaborarem e (re)elaborarem os

seus modos de fazer profissional em face das tecnologias, e constituindo, por fim,

uma clínica que responde pela especificidade da terapia intensiva. Estes resultados

alcançados contribuem para a geração potencial de políticas públicas acerca da

contratação de pessoal para atuar no CTI, e reforçam a importância do perfil

profissional congruente ao cenário por ocasião desta contratação, alinhando-se às

exigências da especialização do conhecimento. Além disso, suscitam intervenções

voltadas à mudança no modelo de organização da assistência de enfermagem, e a

formação permanente das enfermeiras intensivistas. Recomenda-se ainda maior

investimento em ações da Política Nacional de Humanização que valorizem a

enfermeira como (co)partícipe do processo de saúde.

Palavras-chave: Enfermagem. Cuidados de enfermagem. Tecnologia biomédica.

Unidades de Terapia Intensiva. Psicologia social.

ABSTRACT

SILVA, Rafael Celestino. Different Styles of care in intensive therapy facing the

technology: a contribution to the clinical in nursing care. Rio de Janeiro, 2012.

Thesys (Doctorate in Nursing) - Escola de Enfermagem Anna Nery, Universidade

Federal do Rio de Janeiro, 2012. Advisor: Prof.ª Dr.ª Márcia de Assunção Ferreira.

The issue of the study on a screen is situated in the indicatives of the existence of

two perspectives/conductive lines of the nurse actions when applying an intensive

therapy to the patient who uses the machinery, the “technological care” and the

“technological action”, which bring direct implications to the nursing care provided. In

this sense, it comes up the presumption that the technology (machinery) inherent to

the intensive therapy environment may be guiding the formation of care styles in

nursing. The objective was to identify the social representations (SR) of nurses that

work with intensive therapy, their care practices, facing the technology; describe the

elements that integrate the care practices from the intensivists nurses, according to

their SR; analyze the care practices from the nurses based on their SR about such

practices. Field research was descriptive-explanatory, with a qualitative and

ethnographic approach, based on the Social Representations Theory. The field study

was a federal hospital located in the municipality of Rio de Janeiro, and the locus

was the Intensive Care Unit. The subjects were 21 nurses, 17 women and 4 men that

provide directly the care to the patient at the ICU. Data were collected through the

ethnographic observation and individual interview. The data from the interviews were

analyzed through the Alceste software, and the technique of thematic content

analysis, while those from the records of observation passed by ethnographic

analysis. It is evident that the practices of care in the ICU are presented as a

complex phenomenon, which generates social representations in the following

dimensions: technology, patient and work. Such dimensions are composed by a

network of meanings articulated covering the functional sense of the technology

applied to the ICU; affections produced by the patient at the professional and image

of the ideal patient organized during the training; the subjective experience by the

worker. The way such representations are elaborated shapes the dynamics of the

practice from the subjects facing the object, which, considering their constituents

aspects, delimit care styles. It is argued, therefore, the thesis that technology guides

the organization of care styles by the nurses at intensive therapy – care and

technological action that are constructed and reconstructed on an everyday care,

where the patient is hospitalized and the context of work, which, on the other hand,

influence the meanings attributed by these professionals to their practices, allowing

them to develop and (re) develop their ways of training a professional facing the

technologies, and building, finally, a clinic that is responsible for the specificity of

intensive therapy. These reached results contribute to a potential generation of public

policies regarding the hiring of personnel to work at ICU, and reinforce the

importance of a professional profile congruent to the scenario due to this hiring and

aligning itself to the demands in specialization of knowledge. Besides, interventions

come up focused to the change of the organization format in nursing care, and the

permanent training for intensivists nurses. It is also recommended a higher

investment in actions of National Humanization Policy that give the proper value to

the nurse as (co) participant in the health process.

Keywords: Nursing. Nursing Care. Biomedical Technology. Intensive Care Units.

Social Psychology.

RESUMEN

SILVA, Rafael Celestino. Estilos de cuidar en terapia intensiva frente a las

tecnologías: una contribución a la clínica del cuidado de enfermería. Rio de

Janeiro, 2012. Tesis (Doctorado en Enfermería) - Escola de Enfermagem Anna Nery,

Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2012. Orientadora: Prof.ª Dr.ª Márcia de

Assunção Ferreira

La problemática del estudio en evidencia se sitúa en los indicativos de existencia de

dos perspectivas/líneas conductoras de la acción del enfermero en la terapia

intensiva junto al cliente que se utiliza de la maquinaria: el “cuidado tecnológico” y la

“acción tecnológica”. Ambas las perspectivas poseen implicaciones directas en la

asistencia de enfermería prestada. En este sentido, se acrecienta la premisa de que

la tecnología (maquinaria) inherente a los ambientes de terapia intensiva pueda

estar orientando la formación de estilos de cuidar en la enfermería. Se objetivó

identificar las representaciones sociales de enfermeros que actúen en la terapia

intensiva sobre sus prácticas de cuidado delante de la tecnología; describir los

elementos que integran las prácticas de cuidado de las enfermeras intensivistas, a la

luz de sus RS; analizar las prácticas de cuidado de los enfermeros teniendo en

cuenta sus RS sobre tales prácticas. Se trata de una investigación de campo, del

tipo descriptivo-explicativa, de abordaje cualitativo y cuño etnográfico, con aplicación

de la Teoría de las Representaciones Sociales. El campo de estudio fue un hospital

federal localizado en el municipio de Rio de Janeiro, y el locus fue la Unidad de

Terapia Intensiva (UTI). Los participantes fueron 21 enfermeros, 17 mujeres y 04

hombres, que actuaban directamente en la asistencia al cliente ingresado en la UTI.

Los datos fueron recolectados por medio de observación etnográfica y entrevista

individual. Los datos provenientes de las entrevistas fueron analizados por el

software Alceste y por la técnica de análisis de contenido temático, mientras

aquellos originarios de los registros de observación pasaron por análisis etnográfico.

Evidenciase que las prácticas de cuidado en el CTI se presentan como un fenómeno

complejo, el cual genera representaciones sociales en las siguientes dimensiones:

tecnología, paciente y trabajo. Tales dimensiones componen una red de significados

articulados que combinan el sentido funcional de la tecnología aplicada al CTI; los

afectos producidos por el paciente en el profesional y la imagen del paciente ideal

organizada durante la formación; la experiencia subjetiva del trabajador. El modo

como tales representaciones se elaboran da la forma a la dinámica de la práctica de

los sujetos frente al objeto, la cual, considerando sus aspectos constituyentes,

delimita estilos de cuidar. Se defiende, por lo tanto, la tesis de que la tecnología

orienta la organización de estilos de cuidar de los enfermeros en la terapia intensiva

– cuidado y acción tecnológica, que se construyen y se reconstruyen en el cotidiano

de la asistencia, donde están el cliente hospitalizado y el contexto del trabajo, los

cuales, por su parte, influencian en los sentidos atribuidos por tales profesionales a

sus prácticas, permitiéndolos elaborar y (re)elaborar sus maneras de hacer

profesional frente a las tecnologías, y constituyendo, por fin, una clínica que

responde por la especificidad de la terapia intensiva. Estos resultados alcanzados

contribuyen para la generación potencial de políticas públicas sobre la contratación

de personal para trabajar en el CTI, y refuerzan la importancia del perfil profesional

congruente al escenario por ocasión de esta contratación, alineándose a las

exigencias de la especialización del conocimiento. Además de eso, suscitan

intervenciones vueltas al cambio en el modelo de organización de la asistencia de

enfermería, y la formación permanente de los enfermeros intensivistas. Se

recomienda aún mayor inversión en acciones de la Política Nacional de

Humanización que valoren el enfermero como (co)partícipe del proceso de salud.

Palabras clave: Enfermería. Atención de enfermería. Tecnología biomédica.

Unidades de Terapia Intensiva. Psicología Social.

SUMÁRIO

Págs.

CAPÍTULO 1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS 15 1.1 O começo.................................................................................................. 16 1.2 Tecnologia e práticas de cuidado da enfermagem na terapia intensiva.........................................................................................................

18

1.3 Focalizando as práticas de cuidado da enfermagem na terapia intensiva como objeto de representação social........................................

21

1.4 Questões norteadoras............................................................................ 27 1.5 Objetivos.................................................................................................. 1.6 Relevância e Contribuições do estudo ................................................

28 29

CAPÍTULO 2 BASES TEÓRICO-CONCEITUAIS 33 2.1 Sobre a ideia dos estilos de cuidar na enfermagem: uma aproximação inicial em vista à clínica do cuidado.....................................

34

2.1.1 O estilo nos campos do saber............................................................. 34 2.1.2 Dos estilos de cuidar à clínica do cuidado de enfermagem............. 39 2.2 A tecnologia no ambiente da terapia intensiva e a emergência de estilos de cuidar que conformariam uma clínica.......................................

48

2.2.1 O ponto de partida: o significado do termo tecnologia em saúde e suas relações com a terapia intensiva........................................................

48

2.2.2 A chegada: a tecnologia e as dimensões subjetivas e objetivas do cuidado de enfermagem – os estilos.....................................................

52

2.3 A teoria das representações sociais..................................................... 58 CAPÍTULO 3 REFERENCIAL METODOLÓGICO 63 3.1 Tipo de estudo ........................................................................................ 64 3.2 Campo de pesquisa................................................................................. 65 3.3 Participantes da pesquisa...................................................................... 67 3.4 Produção dos dados............................................................................... 67 3.5 Análise dos dados .................................................................................. 72 3.6 Aspectos éticos ...................................................................................... 80 CAPÍTULO 4 RESULTADOS E DISCUSSÃO 4.1 Dados sociodemográficos...................................................................... 4.2 Análise textual através software Alceste (parte I)................................ 4.2.1 O sentido da tecnologia na terapia intensiva e a organização dos estilos de cuidar............................................................................................ 4.2.1.1 Classe 1: Funcionalidades da tecnologia....................................... 4.2.1.2 Classe 2: Elementos organizativos dos estilos de cuidar............. 4.2.1.3 Classe 4: Fatores estruturais externos ao cuidado....................... 4.2.2 Discussão............................................................................................. CAPÍTULO 5 RESULTADOS E DISCUSSÃO 5.1 Análise textual através do software Alceste (parte II).......................... 5.1.1 A condição do cliente e suas repercussões nas práticas de cuidar das enfermeiras.................................................................................. 5.1.1.1 Classe 3: Cotidiano assistencial.....................................................

82 83 86

91 92

101 109 115

140 141

141 142

5.1.1.2 Classe 5: Prática de cuidar com a tecnologia................................ 5.1.1.3 Classe 6: As características do paciente como indicador do trabalho no CTI.............................................................................................. 5.1.2 Discussão.............................................................................................. 5.2 Análise de conteúdo............................................................................... 5.2.1 Elementos da prática de cuidar das enfermeiras na terapia intensiva......................................................................................................... 5.2.1.1 A enfermeira e o lidar com as tecnologias nas práticas de cuidar na terapia intensiva........................................................................... 5.2.1.2 As formas de assistir ao cliente na terapia intensiva.................... 5.2.2 A complexidade do trabalho na terapia intensiva............................. 5.2.2.1 Os sentidos atribuídos pela enfermeira ao trabalho na terapia intensiva ........................................................................................................ 5.2.2.2 Requisitos profissionais para o trabalho no CTI............................ 5.2.3 Discussão.............................................................................................. CAPÍTULO 6 CONSIDERAÇÕES FINAIS REFERÊNCIAS..............................................................................................

150

157 164

192

194

194 203 211

211 216 218

234

250

APÊNDICES .................................................................................................. 261 Roteiro de observação sistemática............................................................. 262 Roteiro de coleta dos dados sociodemográficos...................................... 263 Roteiro de entrevista semiestruturada........................................................ 264 Termo de Consentimento Livre e Esclarecido........................................... 266

LISTA DE ILUSTRAÇÕES QUADROS Quad.1: Classif. dos participantes 2º variáveis psicos. e demog....... Quad.2: Classes do discurso associadas ao bloco 1.......................... Quad.3: Classe 1 Alceste........................................................................ Quad.4: Classe 2 Alceste........................................................................ Quad.5: Classe 4 Alceste........................................................................ Quad.6: Classes do discurso associadas ao bloco 2.......................... Quad.7: Classe 3 Alceste........................................................................ Quad.8: Classe 5 Alceste........................................................................ Quad.9: Classe 6 Alceste........................................................................ Quad.10: Análise cruzada 2º a variável turno de trabalho................... Quad.11: Análise cruzada 2º a variável tempo de formação............... Quad.12: Análise cruzada 2º a variável sexo........................................ Quad.13: Unidades de registro: tecnologias no CTI............................ Quad.14: Unidades de registro: formas de assistir na TI.................... Quad.15: Unidades de registro: trabalho no CTI.................................. Quad.16: Unidades de registro: requisitos profissionais.................... FIGURAS Fig. 1: Dendograma da CHD do Alceste................................................ Fig. 2: Repartição das uce nas classes Alceste................................... Fig. 3: Nº de palavras analisadas por classe Alceste.......................... Fig. 4: CHA da classe 1........................................................................... Fig. 5: Composição da classe 1 Alceste................................................ Fig. 6: CHA da classe 2........................................................................... Fig. 7: Composição da classe 2 Alceste............................................... Fig. 8: CHA da classe 4........................................................................... Fig. 9: Composição da classe 4 Alceste............................................... Fig. 10: Esquema explicativo 1 das RS................................................. Fig. 11: CHA da classe 3......................................................................... Fig. 12: Composição da classe 3 Alceste............................................. Fig. 13: CHA da classe 5......................................................................... Fig. 14: Composição da classe 5 Alceste............................................. Fig. 15: CHA da classe 6......................................................................... Fig. 16: Composição da classe 6 Alceste............................................. Fig. 17: Esquema explicativo 2 das RS................................................. Fig. 18: Esquema explicativo 3 das RS................................................. Fig. 19: Esquema explicativo do campo das RS.................................. Fig. 20: Modelo explicativo da clínica na TI..........................................

85 91 92

101 109 141 142 150 157 186 188 190 194 203 211 216

89 90 90 95

100 104 108 112 115 139 145 149 152 156 160 164 183 233 241 245

(Torre Eifel- Paris)

CAPÍTULO 1

Considerações Iniciais

16

1.1 O COMEÇO

O ponto de partida para a realização deste estudo que ora se apresenta, foi

a dissertação do Curso de Mestrado em Enfermagem sobre as representações

sociais da tecnologia no ambiente de terapia intensiva. Na dissertação evidenciou-se

que a ideia que as enfermeiras atuantes em cenários de terapia intensiva constroem

sobre a tecnologia lá inserida implica em uma ação (cuidado) marcada pelos

elementos que expressam este pensamento sobre a tecnologia (SILVA; FERREIRA,

2009; 2011).

Deste modo, no estudo supracitado, a análise de conteúdo aplicada aos

dados empíricos mostrou vários elementos que, articulados, delinearam uma

tipologia específica de cuidado que ocorre na dependência da utilização da

tecnologia no cliente, e outra forma diferenciada de cuidar dirigida aos demais

clientes (SILVA; FERREIRA, 2009; 2011).

Este cuidado específico foi categorizado na dissertação como “cuidado

tecnológico”, e caracterizou-se no discurso das enfermeiras por ser diferenciado,

marcado pela aplicação de um conhecimento especializado, o qual orienta sua

atenção na busca de dados objetivos e subjetivos oriundos do cliente, bem como

objetivos provenientes do uso do maquinário.

Nesta perspectiva, é o tipo de conhecimento empregado pela enfermeira

para cuidar de tais clientes que diferencia o cuidado daquele que precisa de

tecnologia para o que não precisa. Assim, a enfermeira demanda um aporte de

conhecimentos especializados, em quantidade e qualidade, que lhe possibilite não

somente manusear as aparelhagens, como também interpretar as informações

emitidas por estas, associando-as ao conjunto de sinais e sintomas que o cliente

apresenta.

17

É requerido então que a enfermeira seja capaz de deter um conhecimento

em relação às máquinas (manuseio/domínio), aos aspectos fisiopatológicos da

doença em curso, bem como um conhecimento semiológico. Isto possibilitará

estabelecer as interfaces entre os sinais e sintomas com as informações enviadas

pela máquina e as manifestações clínicas da doença, aliando-os aos elementos

fundamentais do cuidado de enfermagem que incluem o toque, a audição, a

observação. Ao reunir tais habilidades, ela consegue realizar o cuidado

caracterizado na pesquisa-dissertação pelas enfermeiras como “cuidado

tecnológico”.

Este cuidado se dá através da articulação do saber inerente ao maquinário

(tecnológico) aos saberes próprios dos cuidados de enfermagem, conformando a

ação de cuidar das enfermeiras intensivistas (SILVA; FERREIRA, 2009; 2011).

Contudo, uma linha de ação possível destacada pelos entrevistados, que

também sobressai quando se pensa o cuidado nestes cenários, refere-se a uma

“supremacia da máquina”, ou seja, ao direcionamento das ações da enfermeira

pelas informações advindas do aparato tecnológico, deixando-se de observar os

dados fornecidos pela atenção dirigida ao cliente.

Sob esta ótica, identifica-se a hierarquização do saber tecnológico sobre o

agir da enfermeira, sendo esta orientada somente tendo em vista a máquina, na

crença de que apenas seu manuseio correto e as respostas que ela dá são

suficientes para cuidar do cliente. Neste caso, não se teria propriamente o ‘cuidado

tecnológico’ mas uma ‘ação tecnológica’, uma vez que esta mostra ser destituída de

elementos que constituem os saberes próprios ao cuidado de enfermagem.

Na ação tecnológica não existe uma interlocução entre o olhar que se volta

ao cliente e aquele que se dirige para a aparelhagem, o que pode trazer malefícios,

18

uma vez que a máquina também falha. Além disso, o cuidar instruído estritamente

pela tecnologia não responde pela totalidade do indivíduo, não sendo, portanto,

integral (SILVA; FERREIRA, 2009; 2011).

Logo, é negligenciada a busca por necessidades originadas a partir da

vivência de sentimentos como medo da morte, susto, estranhamento, as quais

podem interferir no estado de doença, já que abarcam subjetividades que não são

captadas pela máquina. Desta maneira, o cliente não consegue comunicar todas as

suas demandas à enfermeira, e esta, por sua vez, não o atende integralmente,

resultando numa ação que não se configura como cuidado.

Considerando os resultados deste estudo, é possível pensar que os

elementos destacados apontam indícios da existência de estilos de cuidar na terapia

intensiva, compostos de aspectos característicos. Tais estilos de cuidar, numa noção

primeira, podem ser entendidos como as diferentes perspectivas de ação adotadas

pela enfermeira em determinados ambientes de cuidado.

Além disso, os dados apresentados levam à reflexão acerca das

repercussões que as tecnologias exercem no âmbito das práticas de cuidado em

saúde em geral e no de enfermagem em particular, sobretudo, na terapia intensiva.

1.2 TECNOLOGIA E AS PRÁTICAS DE CUIDADO DA ENFERMAGEM NA

TERAPIA INTENSIVA

Ao refletir então sobre as influências da tecnologia nas práticas de cuidado

da enfermagem, destaca-se o pensamento de Silva (2006), quando ressalta que o

uso dos recursos tecnológicos pode colocar o cliente em risco se eles não forem

corretamente “vigiados”. Assim, reitera-se a importância de que se “assista” e se

cuide também da máquina, com o propósito final de manter a vida dos clientes. Este

19

cuidado envolve conhecimentos técnicos e racionais, que possibilitem fundamentar

as ações perante as tecnologias.

De acordo com este autor (op. cit.), a Enfermagem, ao acompanhar o

avanço tecnológico, necessitou aprender a trabalhar com muito mais aparelhos.

Contudo, a atividade realizada, por exemplo, pelas bombas infusoras, do controle

preciso do número de gotas e do volume infundido, não dispensa a presença do ser

humano, capaz de detectar através de sua sensibilidade e perícia técnica que algo

não está bem com o cliente ou com o maquinário. Portanto, é fundamental que se

supervisione e se cuide também das máquinas usadas na assistência ao cliente.

Para Barbosa (1999), muito embora as máquinas se expressem através de

valores objetivos, os mesmos precisam ser complementados com aqueles referentes

à subjetividade humana, denotando o papel do profissional no sentido de interpretar

tais informações. Vargas e Ramos (2008) situam a Unidade de Terapia Intensiva

(UTI) como um setor em que as atividades de enfermagem estão sucessivamente

sendo alteradas e suplantadas. O conhecimento que era aceito hoje como válido

acaba deixado numa segunda instância ou abandonado, ao tempo em que um novo

conhecimento é validado.

Referem ainda, que a cada dia é aprimorada a capacidade da equipe em

observar o paciente. A enfermagem “conectada” aos aparatos tecnológicos tem

conseguido traduzir o “profundo” do corpo do paciente em informações, que

conseguem direcionar o cuidado prestado a eles. Para as autoras (op. cit.), para que

esta tradução não tenha erros, o corpo da enfermeira precisa estar interagindo com

a máquina, sendo, portanto, fundamental se ter múltiplas aprendizagens.

Nesta discussão, Sibília (2002) afirma que as ferramentas tecnológicas com

as quais os profissionais convivem nos ambientes tecnológicos tornaram-se um

20

segundo doente, precisando serem assistidas, tocadas e cuidadas, de modo a

assegurar um desempenho adequado. Com isso, passam a exigir novas habilidades,

destrezas e modos de conceber o cuidado, o ambiente, o cliente, e as relações que

se estabelecem entre eles.

Contudo, apesar destes requisitos, não significa dizer que o foco de atenção

seja somente a máquina, relegando o cliente, sujeito do cuidado, a segundo plano.

Sobre isso, Silva (2006) nos diz que a utilização de aparatos tecnológicos que

facilitam a assistência ao cliente crítico e que requerem vários cuidados para garantir

a fidedignidade dos dados não deve invalidar uma compreensão acerca dos

cuidados de enfermagem, considerando o uso de tecnologias como uma ação

humana.

Conforme relata Oliveira (2002), há expressões de cuidado humano mesmo

em um setor repleto de tecnologias. O fato de a enfermeira em determinados

momentos atribuir maior atenção à máquina, não significa necessariamente falta de

dedicação ao cliente, mas pode refletir uma preocupação com seu bem-estar e

manutenção de suas funções vitais. Nesta perspectiva, entende-se que a essência

da enfermagem no âmbito dos cuidados intensivos está centrada no processo de

tomada de decisões, e este, por conseguinte, deve basear-se nas condições

fisiológicas e psicológicas do paciente.

Acredita-se, portanto, que as práticas de cuidar da enfermagem nestes

cenários, ao tempo em que se apresentam como tecnológicas, na medida em que

envolvem conhecimento e sua aplicação no domínio das máquinas, abarcam

elementos do cuidado humano, uma vez que representam toda a expressividade de

cuidar neste momento de encontro, intermediado pelas máquinas. Estas

peculiaridades implicam na necessidade de se empreender esforços para manter um

21

equilíbrio entre tais elementos expressivos do cuidar e os aspectos

técnicos/instrumentais, principalmente no que se refere a aplicação de tecnologias

no cuidado.

1.3 FOCALIZANDO AS PRÁTICAS DE CUIDADO DA ENFERMAGEM NA

TERAPIA INTENSIVA COMO OBJETO DE REPRESENTAÇÃO SOCIAL

Face o exposto, é possível perceber que as características das práticas de

cuidado inerentes a ambientes marcados pelas tecnologias avançadas, repercutem-

se de imediato no sujeito que cuida – a enfermeira. Isso em sua tentativa de atender

às diferentes demandas que se apresentam neste processo numa perspectiva

holística. Afirma-se deste modo, que os requisitos das práticas de cuidado da

enfermagem em terapia intensiva, pelos seus atributos, mormente por serem

intermediadas pelas máquinas, suscitam diálogos nas enfermeiras, internos e

externos, que acabam por produzir sentidos de ação diferenciados frente ao cliente.

Então, as enfermeiras elaboram representações sociais sobre suas práticas

de cuidado na terapia intensiva, que acabam por orientar as ações perante o cliente,

constituindo-se assim num objeto de conhecimento psicossociológico. Isto porque,

os modos de agir da enfermeira neste contexto, em vista das características dos

clientes, é alvo de debates, gerando posicionamentos, reflexões, ideias contrárias,

enfim, conformando opiniões.

Estes debates se pautam no fato de ter que cuidar de clientes

frequentemente em risco de morte, os quais se utilizam de aparelhos que mantêm

ou ajudam no funcionamento de vários órgãos, e que suscitam saberes para o seu

correto manuseio e interpretação dos dados produzidos, aliado à necessidade de se

preservar os aspectos humanos.

22

Significa dizer, que as diferentes formas que o cuidado do cliente no Centro

de Terapia Intensiva – CTI - pode assumir, gera uma mobilização de informações

junto ao grupo das enfermeiras intensivistas, e naquelas que lá irão atuar. Logo, já

que a representação é elaborada coletivamente a partir das trocas e práticas

cotidianas de um determinado contexto histórico, ela acaba fornecendo subsídios

para os julgamentos e atitudes. A representação funciona como pano de fundo das

atitudes dos indivíduos, dando sentido ao universo vivido (ESPÍNDULA; SANTOS,

2004).

À luz desta compreensão, considera-se que as representações sociais sobre

as práticas de cuidado da enfermagem na terapia intensiva possuem uma dimensão

do afeto (psi) e outra social, ou seja, elas se amparam nas experiências prévias,

conhecimentos acumulados, valores, cultura, os quais, a partir das relações sociais,

onde se processa a troca de informações e ideias tais elementos se transformam e

contribuem para a organização do pensamento que conduz às perspectivas de ação

da enfermeira.

Acrescenta-se ainda que a representação é uma estrutura que medeia a

relação entre o sujeito-outro, sujeito-objeto, através da ação comunicativa. Assim, a

representação social está imersa na ação comunicativa, isto é, a ação comunicativa

a forma, ao mesmo tempo que forma em um mesmo e único processo, os

participantes da ação comunicativa. O trabalho comunicativo da representação gera

símbolos que fornecem sentido. Desta forma trabalha colocando algo no lugar de

algo, promovendo um deslocamento simbólico (JOVCHELOVITCH, 2004).

Conclui-se que as representações sociais (RS) são uma forma de

conhecimento prático, que estabelece os nexos entre o pensamento e as ações dos

sujeitos, ajudando-os a se orientarem no mundo (JODELET, 2001). Os objetos de

23

RS são socialmente relevantes e fazem parte das discussões e conversas cotidianas

dos sujeitos sociais (SÁ, 1998). As práticas de cuidado da enfermagem no universo

da terapia intensiva importam para as enfermeiras, sobretudo para aquelas que

lidam com elas no cotidiano profissional. Há um imaginário sobre os modos de agir

da enfermeira frente ao cliente na terapia intensiva, com destaque para a relação

que esta estabelece com a tecnologia no cuidado. Consideradas complexas,

desafiadoras, admiradas ou temidas, as práticas de cuidado na terapia intensiva se

configuram em objeto de RS para o grupo de enfermeiras.

E então a problemática

Como parte da discussão sobre as práticas de cuidado da enfermagem na

terapia intensiva, reconhece-se a partir do debate, o forte impacto da incorporação

de tecnologias no campo da saúde, incidindo nos modos de agir dos indivíduos.

Acerca destas repercussões, Maftum (2004, p.116) cita que nas últimas cinco

décadas o acirrado desenvolvimento biotecnológico vem acontecendo numa

“velocidade avassaladora que mal conseguimos acompanhá-lo e fazermos uma

reflexão profunda dos significados e da importância das várias consequências

advindas desse crescente processo de evolução”.

Como afirma Dias (1996), a escolha e a adoção de tecnologias não é algo

isolado, tem a ver com a ordem política, econômica e social e, na soleira de um novo

século, essa escolha e adoção têm indícios de mutação, fazendo brotar uma

renovação de valores humanos fundamentais. Desta forma, o avanço tecnológico

produziu mudanças no modo como as pessoas passaram a entender e a agir diante

das questões relativas ao cuidado em saúde.

24

Um estudo pioneiro nesta área foi feito por Peixoto (1994) abordando tal

temática. Esta pesquisadora considera que a partir da difusão de uma ideologia

revestida por uma noção de eficiência e qualidade, a qual nem sempre é verdadeira,

as tecnologias acabaram por criar falsas expectativas na sociedade de resolução

dos problemas de saúde. Tal concepção trouxe implicações de vulto nos

profissionais e nos usuários dos serviços.

Peixoto (1994) então, ao investigar o uso da tecnologia no processo

diagnóstico terapêutico, destacou a perspectiva do cliente que as utiliza, assim como

a dos profissionais. Um dos pontos positivos apontados refere-se ao fato da

tecnologia proporcionar precisão, rapidez e segurança. Além disso, os usuários

indicaram como fator favorável a possibilidade dela “salvar vidas” ou “garantir a vida”

em determinados momentos.

Alguns dos clientes reconheceram ainda que as tecnologias possuem uma

positividade em si, ou seja, seu uso é sempre bom e vantajoso, sendo entendida

como fundamental no cuidado. Já quanto aos aspectos negativos sobressai o

distanciamento na relação profissional/cliente, no qual o profissional torna-se um

sujeito “frio” e o cuidado marcado por ações mecanizadas e repetitivas.

Segundo a autora (op. cit.), embora estes fatores negativos tenham sido

mencionados, os resultados denotam uma tendência de valorização da tecnologia

no cuidado. Isto porque dos 338 aspectos elencados relativos ao seu emprego nos

procedimentos diagnósticos e terapêuticos, cerca de 64% eram positivos.

No momento em que se busca uma explicação para tal tendência de

avaliação positiva, vê-se que ela está amparada no sistema capitalista, que

internaliza nos indivíduos através da socialização e educação formal o valor da

25

tecnologia, uma vez que ela gera lucro e produtividade. Assim, este valor é

estimulado por um “marketing” leigo e profissional.

Entende-se, portanto, que existe uma vinculação entre os interesses

capitalistas na saúde e a incorporação tecnológica no processo de produção dos

serviços. Os avanços tecnológicos fazem parte da dinâmica do setor saúde, sendo

possível observar a expansão industrial na produção de instrumentos e o

crescimento da importação de tecnologia para suprir a demanda. Tal questão é

basicamente de ordem político/econômica que, se por um lado é sustentada por

posições ideológicas de atores sociais que detêm o poder no setor, por outro é

analisada e questionada face às inúmeras contradições que acarreta no plano social

(PEIXOTO, 1994).

Na sustentação desta linha de pensamento, verifica-se que, cotidianamente,

através dos meios de comunicação, evidências de pesquisas demonstram os pontos

positivos de novas tecnologias, novos meios diagnósticos e de tratamento, com uma

disseminação precoce dos dados. Esse processo de legitimação da tecnologia

atinge tanto aqueles que convivem diretamente com elas (os profissionais), quanto

indiretamente aos consumidores dos serviços.

Essa difusão dos seus “atributos” termina por produzir, de acordo com

diversos autores, uma fé cega na ciência e na tecnologia. Como consequência, os

indivíduos acreditam que a qualidade do tratamento depende da utilização de

recursos sofisticados, recém-lançados, o que se reflete em ações de cuidado que

reproduzem essa lógica.

Na interface destas considerações pautadas na positividade da tecnologia

com os resultados da pesquisa-dissertação emerge a problemática do estudo em

tela, situada nos indicativos de existência de duas perspectivas/linhas condutoras da

26

ação da enfermeira na terapia intensiva junto ao cliente que se utiliza do maquinário:

o “cuidado tecnológico” e a “ação tecnológica”. Estas linhas trazem implicações

diretas na assistência de enfermagem prestada, e parecem ter relação com o modo

pelo qual a enfermeira elabora a ideia sobre as práticas de cuidado, mediada,

obviamente, pela presença da tecnologia.

Tomando como referência estas primeiras aproximações com a questão que

se coloca, levantou-se o pressuposto de que a tecnologia (maquinário) inerente aos

ambientes de terapia intensiva possa estar orientando a formação de estilos de

cuidar na enfermagem. Torna-se fundamental investigar, que elementos integram as

representações sociais das enfermeiras sobre suas práticas de cuidado em face às

tecnologias no CTI, no intento de melhor conhecer como se conformam

determinadas ações/estilos de cuidado diante do cliente neste cenário, às quais por

sua vez impactam na qualidade assistencial.

Deste modo, parte-se do princípio que estas práticas de cuidado assumem

uma importância para estes sujeitos, impregnando-se de tal maneira no seu

cotidiano que terminam por gerar um trânsito de informações acerca do cuidado do

cliente, da participação da enfermeira e sobre a aplicação de estratégias neste

cuidado.

Corrobora-se com as afirmações de Wagner (1998, p.03), quando define o

termo “representação social” como um conteúdo mental estruturado - isto é,

cognitivo, avaliativo, afetivo e simbólico - sobre um fenômeno social relevante, que

toma a forma de imagens e metáforas, e que é conscientemente compartilhado com

outros membros do grupo social. Portanto, diz o autor (op. cit.), representações

sociais surgem apenas mediante a objetos ou questões socialmente relevantes, ou

27

seja, que promovem uma mudança no padrão de comportamento dos indivíduos ou

grupos.

Sob esta ótica, reforça-se a compreensão de que os objetos de pesquisa em

RS são psicossociológicos, guardando relações entre o universo subjetivo e social

dos sujeitos. Uma das premissas desta teoria é que, na formação das RS, os

sujeitos processam as informações advindas do universo científico com as que

circulam nas conversações cotidianas e com os saberes de suas próprias

experiências sensíveis. Reelaboram o conhecimento que o ajuda a orientar suas

ações (JODELET, 2001).

Então, o imaginário que circula no meio profissional acerca da figura da

enfermeira de terapia intensiva e dos seus modos de atuar, a ideia de complexidade

que se organiza durante a formação profissional sobre os cuidados intensivos de

enfermagem, a concepção da tecnologia articulada ao cuidado do cliente, o avanço

do conhecimento científico próprio deste local são elementos que contribuem para

gerar a necessidade de se pensar sobre as práticas de cuidar pelas enfermeiras que

com elas se interrelacionam. Isto, por sua vez, se dá mediado pela esfera cognitiva e

social. No final, há sua reinterpretação possibilitando conduzir os atos e operações

de cuidar.

Baseando-se no exposto, o objeto desta pesquisa se delineia em torno das

práticas de cuidado em face das tecnologias ao cliente hospitalizado na terapia

intensiva, tendo em vista as representações sociais das enfermeiras que dele cuida.

1.4 QUESTÕES NORTEADORAS

Tal objeto será explorado a partir das seguintes questões centrais,

norteadoras da pesquisa: O que pensam as enfermeiras sobre a sua prática em

28

face das tecnologias presentes no cenário da terapia intensiva? A partir daí, como

agem no cuidado aos clientes hospitalizado neste cenário?

As questões secundárias são: As práticas de cuidado das enfermeiras nos

ambientes tecnológicos apresentam características que conformariam

perspectivas/linhas de ação diferenciadas? As representações sociais das

enfermeiras sobre a sua prática na terapia intensiva implicam em estilos de cuidar,

característicos de tais ambientes?

1.5 OBJETIVOS

Tais questões serão respondidas através do atendimento dos seguintes

objetivos:

Geral:

-Identificar as representações sociais de enfermeiras que atuam na terapia

intensiva sobre as suas práticas de cuidado, face à tecnologia.

Específicos:

-Descrever os elementos que integram as práticas de cuidado das

enfermeiras intensivistas, à luz de suas RS;

-Analisar as práticas de cuidado das enfermeiras tendo em vista suas RS

sobre tais práticas;

-Caracterizar os estilos de cuidar das enfermeiras da terapia intensiva,

tomando como referência suas representações e práticas de cuidado de

enfermagem.

29

1.6 RELEVÂNCIA E CONTRIBUIÇÕES:

O “cuidado terapêutico” possui dimensões científicas e tecnológicas, éticas e

filosóficas, estéticas e interacionais cujo objeto é o ser humano, considerado como

organismo físico, social, cultural e sensível. Nesse sentido, o que diferencia o

cuidado de enfermagem de outras formas de cuidar é que ele representa um ato

com intenção terapêutica que exige competência técnica, compromisso e ética dos

seus agentes que interagem entre si.

Conforme cita Leopardi (2001), quando se fala em cuidado, existe uma

perspectiva terapêutica sobre um sujeito que tem uma natureza física e mental

sendo, portanto, uma ação com a finalidade de transformar um estado de

desconforto ou dor em outro de mais conforto e menos dor.

Tal cuidado sustenta-se basicamente na interação mútua e na relação

estabelecida entre enfermeira e cliente, sem as quais ele não ocorre. Por outro lado,

demanda um profissional para desenvolvê-lo baseado em conhecimento técnico-

científico e prático. Deste modo, é fundamental uma concepção de cuidado na qual

valorize-se o envolvimento entre profissionais e clientela, e que não seja reduzida

nem ao seu aspecto relacional, nem ao técnico (LEOPARDI; SANTOS; SENA,

2000).

No caso dos setores de cuidados intensivos, a assistência de enfermagem

requer, além desses aspectos, uma capacidade para lidar com situações complexas,

com velocidade e precisão que geralmente não são necessárias em outras partes do

hospital. Logo, exige competência para integrar as informações, construir

julgamentos e estabelecer as prioridades. Isso porque existem particularidades em

Unidades de Terapia Intensiva (UTI), uma vez que além da utilização de

30

equipamentos e materiais, os clientes possuem características que lhes são

inerentes, diferentes dos clientes internados em outras unidades hospitalares.

Assim, as práticas de cuidado da enfermagem nestes cenários abarcam

diferentes dimensões relacionadas à presença da tecnologia, ao acompanhamento

da velocidade de avanço do conhecimento, ao equilíbrio entre o humano e o

tecnológico, à interpretação dos dados sobre o cliente, as quais impactam sob a

forma de exigências na atuação profissional da enfermeira.

O sentido conferido a cada uma de tais dimensões pode influenciar de

variadas maneiras os sujeitos que prestam os cuidados, refletindo-se nos modos de

agir profissional. À luz disso, compreende-se as práticas de cuidado da enfermagem

na terapia intensiva como um fenômeno multifacetado, que determina requisitos à

atuação profissional no intuito de atender ao cliente integralmente e conforma

comportamentos diversificados que podem trazer benefícios ou prejuízos à

assistência que é prestada.

Desta feita, conhecer o modo como as enfermeiras representam suas

práticas em face das tecnologias fornece subsídios para entender que elementos

integram seu pensamento sobre tais práticas, e os nexos que guardam com a forma

como agem diante do cliente que encontra-se hospitalizado.

Além disso, possibilita debater sobre a objetividade e a subjetividade

envolvidas no cuidado da enfermagem no CTI, muitas vezes colocadas em

oposição. No contexto em destaque, alguns resultados de investigações vêm

demonstrando implicações da objetividade/subjetividade relacionadas ao uso da

tecnologia nas práticas de cuidado da enfermagem como é o caso de Oliveira

(2007); Silva (2008); Cunha e Zagonel (2008); Ramos e Vargas (2008); Silva (2009)

dentre outros, os quais apontam sejam para a desvalorização da esfera expressiva

31

do cuidado que é mediado pela presença da tecnologia, sejam para os riscos

trazidos pelo seu uso inadequado pelos profissionais de saúde, ocasionando danos

à vida do cliente.

Então, a caracterização dos estilos de cuidar específicos à terapia intensiva

proporciona desvelar, a partir dos sujeitos que realizam este cuidado, quais aspectos

compõem tais estilos, que importância a objetividade/subjetividade assumem para a

efetivação da assistência, e como isso se traduz em qualidade no âmbito destes

cenários. Deste modo, será possível pensar acerca do conhecimento especializado,

da figura da enfermeira-tipo ideal, da gestão do cuidado, da formação profissional

dentre outros.

Estas reflexões acerca dos estilos são de grande relevância na atualidade,

uma vez que um número significativo dos estudos veiculados na literatura brasileira

nesta área detém-se em abordar a questão da humanização, isto é, a estreita inter-

relação da tecnologia com a ideia de desumanização, dita característica, da

assistência na terapia intensiva. Sob esta ótica, é deveras interessante propiciar

meios a uma discussão mais ampla acerca dos processos que conformam os estilos

de cuidado na terapia intensiva.

Vale acrescentar que, conforme diz Carvalho (2003, p. 669), “o cuidado se

estabelece como essência do que seja fundamental na enfermagem”. De acordo

com Ferreira (1999, p. 03), o cuidado fundamental é aquele que traduz “a verdadeira

essência da enfermagem”, ou seja, “visa promover a preservação e proteção da

vida, a promoção do conforto e bem-estar ao ser humano”. Nesta linha é

experimentado pelo cliente como uma ação técnica e sensível, pois implica em um

encontro entre pessoas – quem cuida e quem participa do cuidado (FERREIRA,

32

2002). No caso em tela, este cuidado se dá com o auxílio de aparelhos e máquinas

que mantêm suporte à vida do cliente.

Nesta pesquisa investe-se em delimitar as características e peculiaridades

dos modos como as enfermeiras cuidam dos clientes, contribuindo para um melhor

delineamento da prática assistencial neste campo de atuação, na interface com os

cuidados fundamentais. Alinha-se, portanto, aos estudos da Enfermagem

Fundamental, sobretudo na Linha de Pesquisa que trata acerca dos Cuidados

Fundamentais e Tecnologias de Enfermagem, trazendo avanços teóricos para o seu

marco conceitual.

Espera-se ainda como contribuição demarcar uma clínica do cuidado de

enfermagem que responda pela especificidade da terapia intensiva, isto é, intenta-se

a partir dos resultados da pesquisa poder descrever a forma habitual de agir das

enfermeiras frente ao cliente, na tentativa de aprofundamento do cuidado de

enfermagem, “pedra de toque” da enfermagem fundamental, e crescimento científico

nesta área do saber.

(Gioconda-Louvre)

CAPÍTULO 2:

Bases teórico-conceituais

34

2.1 Sobre a ideia dos estilos de cuidar na enfermagem: uma

aproximação inicial em vista à clínica do cuidado

2.1.1 O estilo nos campos do saber

Numa retrospectiva histórica, é possível perceber a evolução do significado

da palavra estilo. Cipiniuk (1997) diz que o termo estilo provém do latim stylus, que

na Antiguidade Clássica era usado para nomear um mecanismo de redação escrita.

Na Antiguidade, escrever de uma determinada forma foi aplicado para se referir ao

modo de falar: a ciência da retórica. A expressão genres ou genera foi utilizada nas

artes visuais por Plínio e Vitrúrio para classificar os estilos dórico, jônico e coríntio. O

gênero ainda perdura até a atualidade com o mesmo sentido de classificar classes

biológicas.

No século XVI, Vasari usava a palavra maniera para nomear o que hoje em

dia o senso comum designa como estilo, ou seja, o estilo de um artista, período ou

de uma nação. O termo genre foi adotado pela cultura francesa no fim do século XVI

e durante o XVII como equivalente ao estilo, no campo da pintura em particular e

arte em geral. No século XVIII, Winckelman estabeleceu como o estilo era

compreendido pela história da arte, o qual significava a expressão de toda uma

cultura em um determinado período de desenvolvimento (CIPINIUK, 1997).

O autor (op. cit.) refere ainda, que no século XVIII e em especial no XIX, o

termo adquiriu uma função heurística, passando a ser visto como um instrumento de

classificação e valoração dos artefatos artísticos. Desta forma, assinalava as

manifestações artísticas provenientes de diferentes procedências, bem como

permitia julgar ou avaliar os padrões de beleza de acordo com sua proximidade com

35

o estilo clássico. Assim, quanto mais próximo ou derivado das formas clássicas,

mais belo era o estilo.

Embora venha sendo incorporado no âmbito das artes para indicar uma

coerência entre obras de arte que são fruto de uma escola ou grupo de artistas, de

certo período de tempo ou região geográfica, o conceito de estilo é muito empregado

para descrever fenômenos e ações em diversas áreas das ciências. A ideia dos

paradigmas nas ciências pode ser concebida como um estilo de pensamento

científico, afirma Thomas Kuhn (1991).

Quando define-se um estilo, na verdade reúne-se elementos para organizar

ou classificar objetos e ações humanas que estariam distribuídos de forma

desorganizada pelo mundo fenomenal. Somente é possível falar em objetos

individuais, quando existe uma classe a qual ele pertenceria, estabelecendo um

limite conceitual para sua existência enquanto indivíduo. Caso não haja classe para

incluí-lo, supõe-se sua originalidade e talvez o início de uma nova classe de objetos

(CIPINIUK, 1997).

No campo da linguística, Brait (2005) comenta que a noção do estilo gera

interesse de correntes preocupadas com as particularidades expressivas de

determinados autores, poetas, artistas em geral, ou nos conjuntos de características

que delimitam os movimentos artísticos – estilos de época - caso do romantismo, do

impressionismo, do cubismo etc. Embora não esteja ligado apenas às artes, há uma

estreita relação entre estilo e individualidade, ou seja, refere-se às idiossincrasias, à

maneira de se expressar de uma pessoa. Sob a ótica da linguística, os estudos

sublinham que a ideia de estilo sinaliza para seu entendimento em função do texto e

de suas formas de organização em relação às possibilidades oferecidas pela língua.

36

A autora (op. cit) pontua que nesta área há duas vertentes para se pensar o

estilo, isto é, por um lado está diretamente relacionado às produções individuais ou a

um conjunto de produções de determinados momentos, vinculados à arte em geral

ou exclusivamente à personalidade de alguém. Por outro lado, articula-se, de

maneira mais ousada, com as diferentes instâncias textuais que implicam escolhas,

no que tange às opções oferecidas pelo sistema linguístico.

No dicionário de termos literários, Shaw (1982, p. 187-188) aborda estilo

como “a maneira de traduzir os pensamentos em palavras; modo característico de

construção e de expressão na linguagem escrita e oral; característica de uma obra

literária, mais no que respeita a sua forma de expressão do que às suas ideias”. Ela

cita (op. cit.) que não se pode definir satisfatoriamente estilo, embora diversos

peritos já o tentaram, tratando-o como “o traje do pensamento”; “a moralidade mais

elevada do espírito”; “o pensamento em linguagem”; “as palavras próprias nos

lugares próprios”; “o estilo é o homem”.

Segundo Shaw (op. cit.), a maioria dos críticos está de acordo em que

“aquilo que alguém diz”, a “maneira como o diz” são elementos básicos do estilo.

Pode-se considerar, então, o estilo como sendo a marca (influência) da

personalidade do escritor na matéria por ele versada.

No dicionário Enciclopédico das Ciências da Linguagem, Ducrot e Todorov

(1977, p. 287-288) denominam o estilo como as escolhas que são realizadas em um

texto a partir dos aspectos disponibilizados pela língua. À luz disso equivale aos

registros da língua, a seus subcódigos; configura-se numa das explicações para as

expressões “estilo figurado”, discurso emotivo etc; permite captar as propriedades

verbais a partir da descrição estilística de um enunciado.

37

Pacheco (2008) acrescenta que na Arqueologia, a acepção de estilo também

vem sendo amplamente debatida, em virtude da infinita variabilidade de

características dos artefatos resgatados nos sítios arqueológicos. Esta autora

propõe uma discussão ampla amparando-se em diversos teóricos, no sentido de

mostrar que a descrição física dos objetos é condição essencial para o seu estudo,

pois somente por meio dela é possível o desenvolvimento de terminologias e

princípios classificatórios, que possam ser de compreensão e utilização generalizada

entre os diferentes pesquisadores. No processo de categorização de tais artefatos,

arqueólogos, antropólogos e os historiadores podem utilizar a referência de estilo.

Porém, tal concepção é alvo de intensos embates nesta área, seja porque

existe uma variedade de abordagens não integradas sobre o estilo, que são usadas

por pesquisadores para análise e interpretação do registro arqueológico, seja no que

tange às discordâncias sobre os fatores que determinam o estilo (PACHECO, 2008).

Como parte deste processo, alguns estudiosos demarcam o estilo na linha

da Arqueologia. Para Roe, por exemplo, (apud Pacheco, 2008, p. 397) estilo

é um sistema estruturado e intencional de seleção de certas dimensões de forma, processo ou princípio, função, significância e influência, dentre as possibilidades conhecidas, na criação da variabilidade dentro de um corpus comportamental/artefatual.

Hegmon (1998, p.518) contribui dizendo que o estilo pode ser conceituado

“como um modo de fazer algo [...] e envolve uma escolha feita dentre várias

alternativas”. Numa revisão de estilo entre os etnoarqueólogos, destaca-se: “Estilo é

a designação de um evento individual a uma maneira geral de se fazer algo”; “Estilo

é a variação formal na cultura material que transmite informações sobre a identidade

pessoal e a social”; “Estilo é uma maneira altamente específica e característica de

se fazer algo [...] sempre peculiar a específicos tempo e espaço [...]”; “Estilo é a

parte da variabilidade formal, na cultura material, que pode ser relacionada à

38

participação dos artefatos nos processos de troca de informação; “O estilo é uma

manifestação formal e extrínseca do padrão intrínseco [...] a expressão manifesta,

na categoria comportamental, do padrão cultural que, frequentemente, não é nem

cognitivamente conhecido, nem mesmo reconhecível por membros de uma

comunidade cultural, exceto por artistas” (WOBST, 1977; SACKETT, 1977;

LECHTMAN, 1977; WIESSNER, 1983; HODDER, 1990a APUD DAVID; KRAMER,

2001, p. 170-171).

Na saúde, investe-se também nos estudos acerca do estilo, principalmente

quanto ao estilo de vida dos sujeitos na questão do processo saúde/doença. Desta

feita, tal estilo de vida está ligado aos hábitos que se constroem ao longo do

processo de socialização, que, via de regra, têm a ver com o livre arbítrio, no âmbito

do qual as pessoas exercem certo controle sobre suas opções. A adoção de

determinados modos de cuidar do corpo, a atividade, o sedentarismo, higiene, tipos

de alimentos ingeridos e maneiras de se alimentar, respeito aos horários, sono e

repouso, uso e abuso de bebidas alcoólicas, fumo e outras drogas, formas de

relacionamento, uso de medidas de segurança para prevenção de acidentes são

alguns dos exemplos que compõem os estilos de vida das pessoas e que guardam

importantes nexos com as condições de saúde da população.

De acordo com a Organização Pan-Americana da Saúde (2009), o estilo de

vida remete a forma como as pessoas vivem e as escolhas que fazem, as quais são

influenciadas pelo contexto situacional, cultura regional, hábitos familiares e sociais,

bem como pelo conhecimento acumulado acerca da saúde. Estilo de vida denota,

então, distinguir os modos pelos quais o sujeito se relaciona consigo próprio, com a

natureza e com os outros. Logo, a construção de uma vida saudável tem estreita

relação com os hábitos adotados pelo indivíduo no cotidiano.

39

2.1.2 Dos estilos de cuidar à clínica do cuidado de enfermagem

Na enfermagem, a compreensão do estilo se aglutina em torno dos

diferentes estilos de cuidar adotados pela enfermeira nos setores de cuidado em

saúde. Cruzalegui (2003), em sua tese de doutorado, buscou investigar quais são e

como são os estilos de cuidar/cuidados que desenvolvem as enfermeiras e sua

equipe de enfermagem para o cliente com crise asmática aguda.

Tal pesquisadora percebeu inicialmente, com base em observações

empíricas, que existem diversos estilos de cuidar/cuidados realizados pela

enfermeira para o cliente com crise asmática. Segundo a autora (op. cit.), há

enfermeiras que realizam o cuidado seguindo estritamente o protocolo de cuidados

de enfermagem para clientes com insuficiência respiratória, enquanto existe outro

grupo de profissionais que além de cumprir o protocolo desenvolvem um cuidado

personalizado, sustentado pela sensibilidade e empatia, respeitando a pessoa; e um

terceiro grupo de profissionais que aplica apenas uma parte do protocolo.

Nesta discussão, afirma (op. cit.) que para cuidar de um cliente em quadro

emergencial, a enfermeira necessita dominar o conhecimento científico,

principalmente aquele que se refere ao avanço tecnológico, bem como ter

habilidades para lidar com os aspectos expressivos do cuidado de enfermagem, os

quais possibilitam o respeito à dignidade humana e sensibilidade frente ao

sofrimento do cliente e família.

Os resultados revelaram que as enfermeiras têm formas concretas e

maneiras de pensar, sentir e agir no cuidar e nos cuidados cotidianos na Unidade de

Emergência. Essa situação determina estilos de cuidar e cuidados que realizam as

enfermeiras, os quais se configuram em um processo dinâmico, de simultaneidade e

complementaridade. Nos achados da pesquisa referenciada (op. cit.) foram

40

encontradas cinco vertentes ligadas ao estilo de cuidar e cuidado pela enfermeira e

equipe para o cliente: conhecendo o cliente; os sinais e sintomas do corpo; o

cuidado como ação terapêutica clínica; o diálogo como cuidado e o toque como

cuidado terapêutico.

Defende, portanto, a tese de que há um estilo de cuidar e de cuidado que

fazem as enfermeiras e sua equipe de enfermagem na Unidade de Emergência para

o cliente com crise asmática aguda, o qual envolve dimensões subjetivas (sensíveis)

e objetivas (concretas) e que contribui para melhorar a evolução do quadro clínico

do cliente asmático (CRUZALEGUI, 2003).

Em outra pesquisa, Moreno (1999) descreveu os estilos de ensinar o

cuidado de enfermagem ao cliente hospitalizado em situações de maior

complexidade no Brasil e no Peru. Deste modo, estava de acordo com a ideia de

que existiam semelhanças e diferenças nos estilos de ensinar-cuidar em

enfermagem para o cliente hospitalizado em situações de maior complexidade no

Brasil e Peru, e que o modo como o ensino era desenvolvido nas duas realidades

concretas, socialmente definidas, determinava profissionais distintos. Partiu-se do

entendimento de estilo como algo dinâmico, libertador e em constante

reorganização.

Evidenciou-se, com base na análise (op. cit.), que os diferentes estilos de

ensino, através de sua dinâmica, geram diferentes estilos de cuidado do cliente

hospitalizado com problemas de maior complexidade, os quais, no entender de

professores e alunos, se configuram como complexo, emergente, situacional e por

competências no Brasil/Escola de Enfermagem Anna Nery-Programa Curricular

Interdepartamental (PCI) IX, enquanto no Peru é complexo, especializado e por

funções.

41

O cuidado complexo é definido no PCI IX como as ações voltadas aos

clientes que estão em estado crítico com maior risco de morte, demandando dos

acadêmicos conhecimentos específicos e manuseio de técnicas sofisticadas. Na

disciplina de Enfermagem Médico-Cirúrgica Especial (EMCE), no Peru, é

compreendido como as ações dirigidas ao cliente, do ponto de vista biopsicossocial,

em casos complexos e críticos (médico-cirúrgicas), de emergência e/ou desastres

(MORENO, 1999).

A diferença do ensino no Brasil e Peru reside nos outros dois estilos de

cuidado, ou seja, no PCI IX eles são emergente/situacional e por competências,

enquanto na disciplina EMCE o cuidado é especializado e por funções. O cuidado

por competências abrange além das habilidades psicomotoras, as cognitivas, isto é,

a capacidade de desenvolver consciência crítica, reflexiva e transformadora,

considerando as necessidades psicobiológicas, psicossociais e psicoespirituais dos

clientes e família. Em contrapartida, o cuidar por funções reproduz as rotinas

instituídas pelos serviços médicos.

Moreno (op. cit.) conclui que o cuidado por competências no PCI IX

proporciona ao aluno desempenhar os diferentes papeis envolvidos na prática

profissional, através da atenção direta, atividades educativas, liderança e de

pesquisa, manifestadas como habilidades cognitivas, afetivas e psicomotoras. Há

um foco nas atitudes e valores que permeiam o cotidiano pessoal e profissional. O

cuidado por funções capacita o aluno para a realização das diferentes funções como

futuro profissional, através da atenção direta, atividades educativas, de liderança e

pesquisa, desenvolvendo basicamente atividades e tarefas.

No bojo desta discussão acerca dos estilos de cuidar, Cabral e Tyrrel (1995)

declaram que o estilo de cuidar das mães para atender às demandas de seus filhos

42

e socializá-los, integrando-os ao mundo dos adultos, é resultado de um processo de

acumulação de informações que são transmitidas de geração em geração. A

transmissão de conhecimentos varia em razão do contexto social, cultural e dos

valores presentes numa determinada sociedade num momento histórico específico.

Então, as enfermeiras precisam aprender a trabalhar com as crenças e práticas dos

clientes, respeitando as atitudes, os comportamentos, no sentido de rastrear as

lógicas que permeiam o estilo de cuidar da mãe, no intento de evitar avaliações

depreciativas ou de menosprezo.

Percebe-se, desta forma, que o processo de socialização é marcado por

diferenças, relacionadas às divergências culturais inerentes aos grupos sociais nos

quais as pessoas estão inseridas. Isto significa dizer, que os grupos sociais

socializam seus filhos de forma coerente às suas regras de sobrevivência e

interesses sociais particulares. Afirma-se, então, que o estilo de cuidar emerge como

um produto da cultura em que a criança interagiu, socializou-se e educou-se. Logo,

o trabalho da enfermagem que cuida de crianças deve respeitar as diferenças

culturais existentes dentro dos grupos sociais, e, sobretudo, aliando-se ao estilo de

cuidar da mãe (CABRAL; TYRREL, 1995).

Ainda contribuindo ao debate, Silva (2009), ao estudar as representações

sociais das enfermeiras sobre a tecnologia existente no ambiente da terapia

intensiva, pôde evidenciar que na dependência do domínio do saber especializado,

inerente à enfermagem e ao maquinário, as enfermeiras adotam formas particulares

de agir frente ao cliente portador de aparatos tecnológicos. Sendo assim, as

enfermeiras se diferenciam em duas categorias de acordo com o tempo de

experiência profissional, as novatas e veteranas, com características opostas, tais

como: afastamento/aproximação; medo/segurança; malefícios/benefícios;

43

desconhecido/familiaridade. Estes elementos, por sua vez, produzem repercussões

positivas e negativas, e parecem conformar a possibilidade de existência de estilos

de cuidar também no ambiente da terapia intensiva.

Com base no exposto, é possível situar a noção dos estilos de cuidar na

enfermagem. O cuidado de enfermagem configura-se no objeto de trabalho da

profissão, e pertence a duas dimensões distintas, uma objetiva e outra subjetiva. A

objetiva relaciona-se à esfera dos saberes especializados, das técnicas e dos

procedimentos instrumentais. Já a subjetiva, diz Figueiredo, Machado e Porto (1995)

ampara-se na sensibilidade, criatividade e intuição para cuidar do outro ser. São

fundamentais ao cuidado a forma, o jeito de cuidar, a sensibilidade, a intuição, o

‘fazer com’, a cooperação, a disponibilidade, a participação, o amor, a interação, a

cientificidade, a autenticidade, o envolvimento, o vínculo compartilhado, a presença,

a empatia, o comprometimento, a compreensão, a confiança mútua, o

estabelecimento de limites, a valorização das potencialidades, a visão do outro como

único, o toque delicado, o respeito ao silêncio, a receptividade, a observação, a

comunicação, o calor humano, o sorriso.

Ressalta-se também, a sua dimensão ético-política e histórico-filosófica. Na

dimensão política, releva-se sua importância na promoção da cidadania, ou seja, o

cuidado de enfermagem deve visar a manutenção ou restauração de um estado

ótimo de saúde, no intuito do indivíduo exercer o seu direito de cidadão,

potencializando a sua existência social. Deve buscar a autonomia do sujeito em sua

vida social, num processo de humanização da vida. Assim, o cuidado de

enfermagem agrega ações profissionais da natureza própria da profissão, fruto de

um preparo teórico e filosófico, que se pauta também em outras ciências, e que se

materializa numa prática multidisciplinar (SOUZA et al, 2005).

44

Destarte, ao refletir sobre os estilos de cuidar em enfermagem, conforme diz

Souza et al (2005), ganha força a análise do sentido e significado que é conferido a

este cuidado, que dimensão do ponto de vista político e social assume, como implica

na vida dos cidadãos. Logo, o cuidado não se constitui apenas como um ato

instrumental, mas um processo que possui uma finalidade para a vida humana.

Nesta ótica, os estilos de cuidar em enfermagem não são neutros, devendo

ser pensados a partir de um referencial teórico-filosófico, o qual deriva-se de

reflexões pessoais e coletivas, bem como perpassa a relevância do cuidado no

contexto sócio-político que se insere. Estes referenciais terminam por orientar as

escolhas feitas por quem o executa.

Tudo isso permite definir estilos de cuidar na pesquisa em tela, como as

diferentes perspectivas de ação que as enfermeiras adotam para assistir os clientes

em determinados ambientes de cuidado. O ambiente, de acordo com suas

peculiaridades, fornece elementos que integram tais estilos, e estes se expressam

em referência ao sentido que as práticas de cuidado tomam para o sujeito. Portanto,

os estilos congregam elementos específicos, de acordo com o cenário em que o

cuidado se processa.

Apoiando-se numa base sócio-construcionista resultam da forma de pensar

as práticas de cuidado da enfermagem, materializada nos modos de fazer.

Envolvem características e marcas que formam um sistema deliberadamente

estruturado pela enfermeira para cuidar dos clientes.

Os diferentes estilos de cuidar, com seus atributos distintivos conformam

uma clínica do cuidado. A ideia de clínica tem origem na área médica, sendo

entendida como as diferentes formas habituais de atuar, constituídas por aspectos

particulares, na qual os médicos realizam o diagnóstico e tratamento das doenças

45

visando o restabelecimento do corpo sadio. Nesta linha argumentativa, posiciona-se

a favor de uma noção de clínica do cuidado de enfermagem, a qual perpassa o que

fazem as enfermeiras ou o que precisa ser feito numa determinada área de atuação,

para alcance do objetivo da enfermagem: o cuidado aos sujeitos.

Sobre a clínica, poucos autores já trataram desta temática na enfermagem.

Oliveira (2005), por exemplo, investiu na discussão sobre a clínica de enfermagem,

mais especificamente na da Enfermagem Psiquiátrica. Segundo a autora (op. cit.), a

clínica da Enfermagem Psiquiátrica opta por certa indisciplina, sendo fiel à abertura,

à tolerância, ao diferente e à diversidade característica da psiquiatria. Nessa clínica,

a doença mental, o tratável, ou seja, o que é possível tratar, não está marcado na

especificidade da doença, e sim na pessoa que está doente. A doença mental tem

como base do cuidado, a singularidade da relação pessoa-pessoa. É a busca de

fazer emergir o sujeito.

Nesta clínica a atenção não está voltada para o maquinário ou aparelhos

avançados, pois a maior sofisticação está na atenção que é direcionada a pessoa

humana, e ao que é possível fazer por ela e com ela, num cuidado crítico e criativo.

A autora levanta uma discussão acerca do pouco entendimento da clínica da

enfermagem psiquiátrica para as outras clínicas, uma vez que são constantes as

avaliações de que não há complexidade na assistência de enfermagem psiquiátrica,

ou de que o cuidado resume-se a atividades pouco científicas, resolutivas e

demonstráveis. Isto faz com que a enfermagem psiquiátrica não seja vista com o

mesmo estatuto das outras especializações na enfermagem (OLIVEIRA, 2005).

Oliveira (op. cit.) refere ainda, que o termo empatia está diretamente ligado

ao que considera clínica da Enfermagem Psiquiátrica, uma vez que a partir dele,

compreende-se todos os outros elementos constitutivos de tal clínica. O sentido do

46

termo empatia tem estreita relação com o fazer da enfermeira psiquiátrica, devendo

ser foco de sua atuação.

Moreira (2008), ao estudar o cuidado de enfermagem prestado a clientes

com distúrbios psiquiátricos a partir de uma internação involuntária, retomou a

clínica da enfermagem psiquiátrica descrita por Oliveira (2005), a qual apresenta

todas as sutilezas e peculiaridades que não se encontra em outras áreas da

enfermagem. Ela se apoia em quatro pressupostos: escuta qualificada, na qual é

valorizada a narrativa do sujeito; tempo do paciente para o sintoma; o cuidado só

existe pós-demanda e o foco é o sujeito e não a doença, uma ação a ser realizada

com ele, respeitando seus desejos e necessidades; a enfermeira deve ter prontidão

para cuidar, ou seja, disponibilidade que implica em conhecê-lo e estar ao seu lado,

construir caminhos possíveis com ele e não para ele (LOYOLA apud OLIVEIRA,

2005).

O estudo pôde concluir que o fato do cliente estar internado

involuntariamente, não implica em definições na Clínica da Enfermagem

Psiquiátrica, isto é, nas maneiras de cuidar da enfermagem, uma vez que a

enfermagem entende que a demanda que irá diferenciar essa clínica encontra-se no

psíquico e nas manifestações dos sintomas, e não no tipo de internação do paciente.

Sendo assim, não há reação da equipe de enfermagem em relação ao paciente de

internação involuntária, pois a equipe não reconhece a internação psiquiátrica

involuntária (IPI) como um evento diferenciado, mas como um somatório de

manifestações clínicas apresentadas na admissão e no decorrer da internação deste

indivíduo (MOREIRA, 2008).

Teixeira (2008) empreendeu esforços para apreender os saberes e práticas

dos acompanhantes de idosos hospitalizados sobre a prevenção e tratamento das

47

úlceras por pressão. Tal pesquisadora defendeu a tese de que o desenvolvimento

de uma tecnologia de processo sustentada no debate teórico de valorização da

cultura poderia trazer contribuições à clínica do cuidado de enfermagem.

Tal tecnologia de processo se efetiva em cinco etapas, a saber: inicialmente

ocorre o encontro da enfermeira com o cliente e seu acompanhante, ou seja, do

sistema profissional e popular, no qual a enfermeira estabelece a comunicação

inicial no intuito de proporcionar o conhecimento mútuo e iniciar uma relação de

confiança. Na segunda fase ocorre a captação dos dados clínicos através do exame

físico, bem como de dados sócio-econômicos-culturais com base no histórico. A

partir da terceira etapa, o diálogo com o acompanhante passa a centrar-se na

temática foco, no caso, a úlcera por pressão, onde o mesmo verbaliza seus saberes

e práticas, e a partir de então, inicia-se o processo de problematização e de

compartilhamento dos saberes e práticas entre enfermeira e acompanhante.

À medida que esta fase progride, o acompanhante elabora um plano de

cuidados a ser implementado por este durante sua estada no hospital.

Posteriormente, a enfermeira acompanha a implementação do plano pelo

acompanhante, mantendo diálogo e reflexão durante a observação, configurando-se

esta a quarta fase. A última fase se relaciona a observação após a alta do idoso

através de visita ao domicílio (TEIXEIRA, 2008).

Evidenciou-se assim, que esta proposta deve fazer parte dos modos de agir

da enfermeira no cuidado ao idoso hospitalizado, configurando-se como um dos

elementos que compõem a clínica do cuidado de enfermagem. Nesta perspectiva,

reforça-se a noção de um cuidado compartilhado, no qual profissional, cliente e

acompanhante aparecem como sujeitos coletivos, ativos e produtores de

48

conhecimento, através da valorização da dialogicidade e a reflexão crítica das

vivências e experiências diárias.

A clínica do cuidado de enfermagem é, pois, compreendida no estudo-tese

em tela como composta pelos estilos de cuidado das enfermeiras que, amparados

em determinados elementos, e a partir de um referencial teórico e filosófico,

possibilitam o cuidado ao cliente.

2.2 A tecnologia no ambiente da Terapia Intensiva e a emergência de

estilos de cuidar que conformariam uma clínica

2.2.1 O ponto de partida: o significado do termo tecnologia em saúde e suas

relações com a terapia intensiva

A origem do conceito de tecnologia, conforme destaca Schraiber; Mota e

Novaes (2006), está bem próxima do de técnica. No campo da saúde, a tecnologia

está comumente associada a equipamentos médicos. Reconhece-se, contudo, a

necessidade de uma definição mais abrangente, na qual a tecnologia é vista como

uma ferramenta, incluindo aí as ações de trabalho, que transforma uma determinada

realidade ou natureza. Neste sentido, envolve além dos equipamentos os

conhecimentos e ações necessários para operá-los: o saber e seus procedimentos.

Na contemporaneidade, a tecnologia é percebida como os recursos

materiais e imateriais dos atos técnicos e processos de trabalho. Vale ressaltar que,

em virtude do avanço do saber técnico científico na atualidade, o saber da

tecnologia também ganha um sentido a mais (SCHRAIBER; MOTA; NOVAES,

2006). Schraiber et al (1999) consideram a tecnologia, como um saber valorizado

pelo que possui de conhecimento complexo, além, obviamente, da sua capacidade

49

de propiciar atos técnicos (transformação das coisas por sua intervenção manual). É

então “um conhecimento do tipo teoria, uma teoria sobre práticas ou modos de

praticar” (SCHRAIBER et al, 1999, p. 227) Alguns autores chamam este saber de

teoria científica das técnicas ou tecnologia.

Técnica (techné) de acordo com Novaes (1996), é um termo grego que

significa “ordem de produção”, pressupõe um engendramento, uma criação de

modos de fazer, “engenho e arte”. Refere-se a um saber-fazer, que é ao mesmo

tempo um saber e um fazer. Quanto ao fazer, a técnica é tomada na qualidade de

engenho humano: “faculdade da arte, de criação daquilo que ela própria não o faz (a

natureza) (...)” (NOVAES, 1996, p.25). O saber está ligado à obra criada (saber

poiético).

Com o avanço do saber científico, ocorre uma mudança no sentido da

palavra técnica, passando agora a uma intervenção manual fundamentada em um

saber complexo e produzida para o mundo prático, e que ganha um estatuto de

verdade a partir da ciência moderna. Deste modo, abandona a concepção de técnica

como uma intervenção que envolve um saber imediato e prático (SCHRAIBER;

MOTA; NOVAES, 2006).

O fazer gera produtos, é um trabalho, um ‘ofício’. O produto “é uma obra

exterior ao agente, ainda que intelectualmente maquinada” (NOVAES, 1996, p.26). A

partir dos séculos XV e XVI com a valorização do trabalho (ato de produzir produtos)

e, enquanto parte do desenvolvimento histórico do capitalismo, observam-se

transformações das relações entre a filosofia e a ciência, o trabalho manual e

intelectual, a teoria e a técnicas, das quais origina-se um significado de ciência não

como verdade desinteressada, mas como um conhecimento que é produzido para o

50

atendimento das coisas necessárias à vida. Isto, por sua vez, impulsiona no século

XIX a concepção do trabalho como fundamental para a vida econômica e social.

Neste ínterim, os saberes técnicos são incorporados como conhecimento

erudito, ao tempo em que a ciência, no século XVIII e XIX separa e rejeita o saber

prático. O trabalhador manual da indústria é, então, um agente de trabalho sem

saber (útil) (SCHRAIBER et al, 1999). Segundo Ayres (1995), a ciência apoiou-se

neste caráter técnico, de noção científico-tecnológica, sendo mais valorizada à

medida que represente uma razão tecnológica orientando a produção de

conhecimento. Na segunda metade do século XX, com o rápido surgimento de

equipamentos, a técnica reveste-se de ciência (conhecimento complexo) e expulsa

saberes de outro tipo. Assim, a estreita ligação entre ciência e técnica deixa de lado

os saberes práticos, ou artes (técnicas) que se diferenciam da técnica científica

moderna.

Schraiber; Mota e Novaes (2006) mostram que na saúde, tal movimento de

reorientação e nova qualificação da técnica resulta no trabalho do médico moderno,

isto é, no âmbito do trabalho manual, a sua interligação com a técnica conduz a uma

transformação do ofício, agora visto como “arte de curar”. Nesta perspectiva, os

médicos conferem um novo senso para o uso dos equipamentos, muitos deles

oriundos e reaproveitados das artes de cura gregas e medievais, enquanto outros

são criados no século XIX.

Logo, na segunda metade do século XX verifica-se um movimento grande de

criação e incorporação de equipamentos e medicamentos, a chamada “tecnologia

em saúde”, mais especificamente, a ‘tecnologia de curar’. Portanto, a tecnologia em

saúde se confunde com a da medicina, sobretudo pela possibilidade de intervir, a

51

qual passa a ser vista como um bem em si mesmo, corporificado na existência de

medicamentos e equipamentos, referências da noção de tecnologia.

No Brasil, a partir da década de 1930, em virtude da influência de países

industrializados, principalmente no que tange ao ensino médico e infra-estrutura, é

que a tecnologia no setor saúde ganha vulto. Nos anos 1950, ocorre assim a fase de

industrialização da medicina, culminando na especialização e tecnificação do ato

médico. Já na década de 1960, predomina o discurso da racionalidade, no intento de

expandir a assistência curativa no âmbito hospitalar (MAIA, 1984).

Como resultado deste percurso histórico, na década de 1970 o setor saúde é

reconhecido como um novo ramo industrial em relação à produção de equipamentos

e fármacos, gerando a entrada de capital no país, o qual não significou melhoria nas

condições de saúde da população.

No âmbito dos cuidados em saúde, o ambiente que mais expressa as

tecnologias são os setores de terapia intensiva. Tais unidades ganharam evidência a

partir da década de 1920 no Hospital Johns Hopkins, com a criação das salas de

recuperação para pacientes de neurocirurgia (WEIL; PLANTA; RACKOW, 1992),

bem como nos anos 1930 na Alemanha, com a assistência intensiva pós-operatória.

Na década de 1940 surgiram as salas de recuperação cirúrgica em Rochester,

Minnesota, Nova Iorque e Nova Orleans (HILBERMAN apud NISHIDE; MALTA;

AQUINO, 2005).

Outro ponto que contribuiu para o rápido desenvolvimento das Unidades de

Terapia Intensiva foi a epidemia de poliomielite nos anos 1950, que gerou a

necessidade de criação de outros centros de atendimento à doença, em decorrência

do grande número de casos que chegavam aos hospitais. Isto significou a

incorporação de modernas técnicas de ventilação mecânica prolongada fora das

52

salas de cirurgia, impactando na atuação dos profissionais, como é caso da

enfermeira, que precisou lidar com os equipamentos além dos cuidados manuais

direcionados aos clientes (ADLER, 1992).

No fim da década de 1950, surge em Los Angeles a primeira unidade de

choque, onde há a introdução da monitorização cardiovascular invasiva em

pacientes críticos e com traumatismo (DAY apud NISHIDE; MALTA; AQUINO, 2005).

Em 1962, os pacientes vítimas de Infarto Agudo do Miocárdio ganham em Kansas

City uma unidade de vigilância, sendo o nascedouro das atuais Unidades

Coronarianas. Nos anos subsequentes, outros clientes foram ganhando unidades

especiais como: cirúrgicos, com problemas neurológicos, queimaduras etc (WEIL;

PLANTA; RACKOW, 1992).

Silva; Silva e Francisco (2006) situam que no Brasil, a implantação das

Unidades de Terapia Intensiva teve início na década de 1960, e, atualmente, são

unidades presentes no contexto hospitalar. Com pouco mais de 50 anos de

existência, essas unidades retratam a evolução técnico-científica dos últimos anos.

O papel destas unidades, que concentram recursos humanos e materiais

especializados, é o restabelecimento da saúde/vida, associando tecnologia de ponta

(equipamentos/materiais), cuidados intensivos de enfermagem e medicina

“intensivista”. Constitui-se, por fim, em um território com linguagens e ações

próprias, incompreensível para aqueles que não estão familiarizados com este

contexto, no qual os profissionais de saúde e tecnologias sofisticam-se a cada dia.

2.2.2 A chegada: a tecnologia e as dimensões subjetivas e objetivas do

cuidado de enfermagem – os estilos

53

As tecnologias e sua relação com o cuidado de enfermagem vêm sendo

discutidas em razão das influências nas formas de agir da enfermeira frente ao

cliente. Uma de suas características que ajuda a explicar isso é o fato de mediar a

racionalidade e a subjetividade, o que torna necessário a utilização de ferramentas

ligadas à razão e à sensibilidade, de maneira a fortalecer e qualificar o cuidado de

enfermagem.

Acerca da subjetividade e suas interfaces com a tecnologia, Sandelowski

(1998) afirma que a revolução tecnológica no tratamento em saúde impactou no

modo de abordagem em setores de terapia intensiva, isto é, ao tempo em que as

enfermeiras passam a ter uma atuação mais aperfeiçoada tecnicamente, há certo

afastamento do cliente, já que pelos muitos aparelhos usados, o contato entre ela (a

enfermeira) e o paciente diminui. É fundamental então nortear-se no relacionamento

com o cliente pelos princípios humanísticos, em vista dessas repercussões trazidas

à assistência pela tecnologia.

Este relacionamento humano, segundo Lucena e Crossetti (2004), apoia-se

na subjetividade, a qual refere-se a singularidade do sujeito. Singularidade significa

dizer que o ser humano é pessoal, particular, reservado, privado, mas ao mesmo

tempo interrelaciona-se com outro singular através de encontros, onde ocorre a

relação intersubjetiva. Logo, toda relação é um encontro de subjetividades (MELO,

2008).

A intersubjetividade se manifesta como história relacional vivida, como

linguagens, intercomunicação, conhecimento, valores, crenças, emoções, desejos,

temores, perspectivas, projetos. Compreender determinada realidade envolve

acessar a subjetividade e a objetividade nela imbricada, pois quando se concebe o

indivíduo como objeto, ele perde sua subjetividade (MANDÚ, 2004).

54

Diversos trabalhos no âmbito da enfermagem vêm, por sua vez, discutindo

esta questão ao considerar o uso de tecnologias para cuidar. Isto aponta que tal

elemento possa fazer parte de um estilo de cuidar das enfermeiras no ambiente da

terapia intensiva (OLIVEIRA, 2002; NASCIMENTO; TRENTINI, 2004; CUNHA;

ZAGONEL, 2008).

Um exemplo ilustrativo de uma possível linha de ação é trazido por Cunha e

Zagonel (2008), ao estudarem como se estabelecem as relações interpessoais no

cuidar em ambiente tecnológico hospitalar. Tais autoras (op. cit.) relatam que o

distanciamento entre tecnologia e humanização está presente num setor de

cuidados intensivos à criança desde sua criação e que, a partir desse período, o

desenvolvimento tecnológico, que propicia a qualidade da assistência à criança

criticamente enferma, sobrepõe-se à dimensão humana do cuidar.

Diante disso, defende-se que o encontro entre a enfermeira e o cliente deve

ser baseado na interação, em respeito a dimensão existencial do ser, valorizando-se

suas experiências de vida no momento do cuidar. Assim, o cuidado implica diálogo

entre profissional e sujeito do cuidado, num processo que engloba sentimentos,

ações e reações, possibilitando o exercício da intersubjetividade humana. Este

cuidado, realizado de forma calorosa, atenciosa e humana, abarcando tanto as

percepções técnicas dos profissionais quanto as emoções, pode melhorar o estado

do cliente (CUNHA; ZAGONEL, 2008).

Nesse sentido, a “intersubjetividade viva do momento assistencial permite

escapar a uma objetivação desubjetivadora, exatamente porque ali se efetiva uma

troca, um espaço relacional, que extrapola o tecnológico. Apoia-se na tecnologia,

mas não se subordina a ela, subverte-a” (AYRES, 2000, p. 119).

55

Contudo, apesar da existência desta perspectiva de ação exposta,

investigações mostram que também há reconhecimento pelos profissionais da

importância de valorização dos aspectos subjetivos quando o cuidado se dá

mediado pela tecnologia. Assim, existem profissionais que mantêm relações

interpessoais durante este cuidado, pois percebem ser necessário não somente a

realização de atividades técnicas, mas também vincular a ele a presença de

sentimentos humanos (OLIVEIRA, 2002).

Isto revela a espessura da esfera subjetiva quando tratada no contexto das

práticas de cuidado da enfermagem em setores como este, permitindo entender a

relevância de tal aspecto na compreensão dos estilos de cuidar inerentes à terapia

intensiva. Com base nisso, pensa-se nas dimensões objetivas, pois, conforme diz

Ribeiro; Carandina; Fugita (1999, p. 19):

não adianta ser um humanista e observar o homem que morre por falta de tecnologia, nem ser rico em tecnologia para observar os homens que vivem e morrem indignamente. É necessário o equilíbrio entre o cuidar de maneira humana sem desprezar os benefícios da técnica.

Sobre esta objetividade, no caso de um pós-operatório de cirurgia cardíaca,

cita Silva (2006), as máquinas que fornecem suporte avançado à vida também

precisam de assistência e cuidado. Desta feita, a atenção e o cuidado com os

aparelhos importam às enfermeiras, com o propósito final de manter a vida dos

clientes.

Como consequência é fundamental conhecer, dominar e refletir sobre o uso

de tecnologias no CTI, de maneira que os cuidados prestados ocorram com

segurança. Esta característica de conhecimento e domínio das máquinas ocupa

lugar de destaque no campo dos cuidados intensivos de enfermagem, uma vez que

os aparelhos resultam da ciência, são produtos de um determinado saber

tecnológico. Logo, no intento de que os equipamentos sejam utilizados pelos

56

profissionais no cotidiano de sua prática de modo cada vez mais aperfeiçoado,

objetivando a qualidade do cuidado ao cliente, é primordial atenção a tais

conhecimentos (MARTINS; NASCIMENTO, 2005).

Nesta ótica, o preparo dos trabalhadores para entender o funcionamento das

tecnologias com vistas ao trabalho eficiente é condição para que estas sejam

percebidas como um recurso da enfermagem. Em virtude do avanço do

conhecimento e da produção acelerada de inovações tecnológicas, a capacitação e

atualização profissional para o cuidado é mister, requerendo, portanto, qualificação

continuada dos trabalhadores em saúde, já que na sua formação esta abordagem

ainda é bastante superficial (MARTINS; NASCIMENTO, 2005).

A existência de uma linguagem tecnológica objetivada na amplificação dos

sinais que emanam do corpo do cliente por meio do maquinário e que se traduzem

em códigos de manipulação é outra ideia defendida no contexto em tela. Há que

observar e entender os códigos emitidos pela máquina, para se direcionar o cuidado

aos clientes sem prejuízos a eles. Para evitar o manuseio equivocado das máquinas,

se releva a observação rigorosa, a tradução/interpretação correta desta linguagem,

já que erros podem trazer danos e causar a morte do cliente, sendo fato, pois,

importante observar a linguagem tecnológica para o cuidado de enfermagem ao

cliente (SILVA, 2009).

Contribuindo para este diálogo, Florence e Calil (2005) mencionam que a

evolução da medicina traz em seu bojo, o crescimento cada vez mais rápido da

complexidade dos aparelhos eletromédicos (EEM) que, por sua vez, possibilitam o

aumento da eficácia do tratamento médico hospitalar. Isto pode ser evidenciado pelo

aparecimento das técnicas cirúrgicas minimamente invasivas, novos equipamentos

de diagnósticos e procedimentos, avanços farmacológicos e melhor conhecimento

57

dos mecanismos das doenças, dentre outros. Entretanto, esta maior complexidade

traz como uma das consequências, o aumento significativo de erros de operação do

uso da tecnologia. Segundo os autores (op. cit.), uma grande parte das notificações

de incidentes com tecnologias, como, por exemplo, os desfibriladores, indicam que a

falha ocorreu por conta de erro de operação do equipamento.

Tal questão, além de comprometer a vida do cliente traz também

implicações financeiras, já que é grande o número de ações legais movidas por

pacientes que sofreram danos, em busca de indenizações. O uso seguro dos EEM

se relaciona com fatores como infraestrutura hospitalar, treinamento da equipe de

saúde na utilização de EEM, prestação de serviços técnicos de manutenção, e

adoção de uma política de segurança no hospital. O gerenciamento dos riscos de

uso da tecnologia médico-hospitalar, focando os fatores que interferem na

segurança, como é o caso da atuação de enfermagem torna-se imprescindível.

Portanto, um sistema de vigilância constante pela enfermeira ou de

tecnovigilância, a fim de prevenir a ocorrência de erros no manejo da tecnologia e

minimizar os riscos à população é de grande valia para o cuidado de enfermagem.

O termo tecnovigilância surge da junção entre as palavras tecnologia e

vigilância. No caso da tecnologia refere-se aos produtos de uso médico-hospitalar,

odontológico e laboratorial, enquanto vigilância é utilizada com sentido de

monitoração destes produtos, na sua fase de pós-comercialização (OLIVEIRA,

2007). O intuito principal é acompanhar as condições de segurança oferecida pelos

produtos de uso médico-hospitalar, após estarem disponíveis para consumo,

identificando rapidamente aqueles que oferecem riscos, e captando informações que

subsidiem a tomada de decisão para minimizar tais riscos.

58

Os elementos elencados exprimem os reflexos que a incorporação de

tecnologia na atenção ao cliente traz ao cuidado de enfermagem, suscitando

conhecimentos, destrezas, habilidades técnicas, preparo e qualificação por parte da

enfermeira. Estes aspectos objetivos devem integrar as práticas de cuidado da

enfermagem, ajudando a conformar os estilos de cuidar das enfermeiras frente ao

cliente.

2.3 A Teoria das Representações Sociais

A teoria das representações sociais (TRS), segundo Arruda (2002), põe em

prática um conceito que trabalha com o pensamento social em sua dinâmica e

diversidade. Um dos pressupostos básicos é o de que as pessoas usam formas

diferentes de conhecer e de se comunicar frente às questões que o mundo nos

coloca, as quais são móveis e norteadas por objetivos diferentes. Destaca, então,

duas delas: a consensual e a científica. O universo consensual é marcado pelas

conversações de cunho informal, enquanto o universo reificado se constroi no

espaço científico, caracterizado pelo que chama de cânones da linguagem e

hierarquia interna.

Ambos universos, com intuitos diferentes, possuem uma funcionalidade para

a vida humana. Nesta concepção, não há hierarquia nem isolamento entre eles,

apenas propósitos diversos (ARRUDA, 2002).

As representações sociais se elaboram no âmbito consensual, onde não

existem fronteiras, todos podem falar de tudo. Sobre isso, a autora (op. cit.) lembra

Moscovici, ao referir-se a sua afirmação de que todos poderíamos ser “sábios

59

amadores”, capazes de opinar sobre diferentes temas. Isto se diferencia dos meios

científicos, nos quais a especialidade determina quem pode falar o quê.

A representação social é uma forma de conhecimento das sociedades que

produzem uma “avalanche” de novidades, gerando a necessidade de processá-las,

a partir do olhar de quem vê. Isto faz com que não haja tempo para a cristalização

das tradições. Implica em dizer que a representação social não é uma cópia

conforme, uma simples fotografia da realidade, mas trata-se de uma versão desta,

amparada em elementos individuais e sociais. Logo, o sujeito do conhecimento é

ativo e criativo, não sendo visto como uma tabula rasa que recebe passivamente o

que o mundo lhe oferece (ARRUDA, 2002).

Diversos autores vêm propondo uma definição para a representação social,

de acordo com seu foco de interesse e posição teórica. Segundo Arruda (2004, p.

335-350), por exemplo, em estudo sobre o meio ambiente:

as representações sociais constituem uma espécie de fotossíntese cognitiva: metabolizam a luz que o mundo joga sobre nós sob a forma de novidades que nos iluminam (ou ofuscam) transformando-a em energia. Esta se incorpora ao nosso pensar/perceber este mundo, e a devolvemos a ele como entendimento, mas também como juízos, definições, classificações. Como na planta esta energia nos colore, nos singulariza diante dos demais. Como na planta, ela significa intensas trocas e mecanismos complexos que, constituindo eles mesmo um ciclo, contribuem para o ciclo de renovação da vida [...] minha convicção [é] que nesta química reside uma possibilidade de descoberta da pedra filosofal para o trabalho de construção de novas sensibilidades ao meio ambiente. Ou seja, é nela que residem nossas chances de transformar ou, quando menos, de entender as dificuldades de transformação do pensamento social.

Jodelet (2001, p. 22) traz uma definição bem aceita entre os pesquisadores:

“as representações sociais são uma forma de conhecimento socialmente elaborado

e compartilhado, com um objetivo prático e que contribui para a construção de uma

realidade comum a um conjunto social”.

60

A construção do saber, de acordo com Arruda (2002), baseando-se na obra

seminal de Moscovici, proponente da TRS, ampara-se em dois processos: o primeiro

é a objetivação, a qual ocorre em três etapas: inicialmente seleciona e

descontextualiza elementos do que vai representar, retirando o excesso de

informação, visto que não se consegue lidar com o todo da informação transmitida.

Este enxugamento se dá baseado nos valores, experiência e informação prévia; em

seguida aos recortes, os fragmentos são ligados num esquema que se torna o

núcleo figurativo da representação, apresentando um aspecto imagético, cerne da

representação. O que era obscuro, desconhecido, algo misterioso foi destrinchado,

recomposto e por fim, tornado objetivo, palpável e naturalizado (terceira etapa).

O segundo processo é a ancoragem, que confere sentido ao objeto

apresentado à nossa compreensão. Assim, recorre-se ao familiar para converter o

novo, ou seja, “trazê-lo ao território conhecido da nossa bagagem nocional, ancorar

aí o novo, o desconhecido, retirando-o de suas navegações às cegas pelas águas

do não-familiar” (ARRUDA, 2002, p. 07).

Para abarcar os elementos e relações contidos numa representação social,

é necessário responder a três questões: quem sabe, e a partir de onde sabe? O que

e como sabe? Sobre o que sabe, e com que efeitos? A partir de tais perguntas, é

possível então chegar a 3 planos: 1- das condições de produção e circulação das

representações sociais; 2- os processos e estados das representações sociais; 3- o

estatuto epistemológico das representações sociais (JODELET, 2001).

Os processos e estados da representação social implicam no estudo dos

fenômenos de ordem cognitiva, orientada pelas marcas sociais e as condições da

sua gênese. Tal estudo se dá amparado no conteúdo dessas representações, a

partir da linguagem contida em documentos, práticas, falas, imagens etc. Ao estudar

61

o conteúdo é possível abarcar o campo das representações sociais, enquanto um

campo estruturado de significações, saberes e informações. Envolve as expressões,

imagens, ideias e valores presentes no discurso sobre o objeto (JODELET, 2001).

Tem-se, assim, um tipo de abordagem das representações sociais, a

dimensional ou processual, por abarcar as dimensões da representação: seu campo

estruturado, a atitude que carrega e que lhe dá o componente afetivo, o elemento da

informação que ela contém. É chamada processual, pois preocupa-se com a

construção da representação, sua gênese, processos de elaboração e maneja os

aspectos constituintes.

Quanto às condições de produção da representação, possibilitam explicar o

sentido que os grupos atribuem ao objeto representado. Parte-se assim do

entendimento de que toda representação se origina de um “alguém”, que é um

sujeito social, imerso em condições específicas de seu espaço e tempo, e refere-se

a um objeto. As condições de produção expressam a cultura, no sentido amplo e

restrito, a comunicação e linguagem (intragrupo, entre grupos e massas), e a

inserção econômica, institucional, educacional e ideológica. Desta forma, as

condições de produção reafirmam a marca social das representações (JODELET,

2001).

Já o estatuto epistemológico da representação está ligado a relação desta

com o real, isto é, a representação se forma na tentativa de atender às

necessidades, interesses de um determinado grupo, sendo, portanto, um

conhecimento sociocêntrico. Isto conduz a compreender, que quando se percebe

certa defasagem entre o objeto e sua representação, revela-se uma marca

grupal/cultural.

62

A subtração ou acréscimo de determinados elementos ao objeto

representado tem a ver com os aspectos normativos e valores de quem representa,

bem como pelo envolvimento ou imaginário do sujeito. Assim, pensar o estatuto

epistemológico é observar com mais cuidado como e por que acontecem

determinadas modificações, o que elas indicam e como elas constituem a

representação, conferindo-a um sentido de verdade e eficácia simbólica (JODELET,

2001).

(Escola de Atenas-Vaticano)

CAPÍTULO 3:

Referencial metodológico

64

3.1 Tipo de Estudo

Trata-se de uma pesquisa de campo, do tipo descritivo-explicativa, de

abordagem qualitativa e cunho etnográfico, com aplicação da Teoria das

Representações Sociais (TRS) na sua vertente processual.

Entendendo que o intuito deste estudo é descrever as representações

sociais das enfermeiras intensivistas sobre suas práticas de cuidado, bem como

caracterizar os elementos que influenciam na produção de tais representações, na

tentativa de explicar determinados estilos de cuidar das enfermeiras, optou-se pelo

tipo de pesquisa descritivo-explicativa, uma vez que suas características alinham-se

aos objetivos propostos nesta investigação, possibilitando o alcance dos mesmos.

Nesta pesquisa são valorizadas as relações que as enfermeiras

estabelecem com os clientes e demais membros da equipe, as quais são permeadas

por emoções, subjetividades, intuição e percepção. Isto porque possibilitam

apreender as representações sociais, já que estas abarcam elaborações dos

indivíduos tanto a nível individual, envolvendo afeto, como no âmbito social a partir

das conversações cotidianas. Logo, a natureza da abordagem é qualitativa, pois

mostra-se como a mais apropriada para compreender a organização das

representações sociais no grupo selecionado.

No que se refere à etnografia, aplica-se, pois, no intento de retratar o

cotidiano prático das enfermeiras intensivistas no cuidado ao cliente criticamente

enfermo, ou seja, destacar o que dizem, o que fazem e o que pensam que deveriam

fazer. Neste sentido, são descritos os comportamentos, crenças, valores, elementos

materiais, permitindo conhecer as linhas de ação predominantes neste ambiente.

Em se tratando da TRS, parte-se do princípio que, o avanço tecnológico em

saúde, e, como consequência, a rápida transformação do conhecimento que a ele

65

acompanha, repercute-se fortemente no agir da enfermeira frente ao cliente na

terapia intensiva, demandando destrezas e habilidades de cunho objetivo e

subjetivo. Isto, por sua vez, faz com que as práticas de cuidado da enfermagem ao

cliente neste cenário, o modo, a forma de cuidar, passe a fazer parte das rodas de

conversa das enfermeiras, tornando-se assunto importante, em voga. Há, então,

troca de informações e experiências, compartilhamento de ideias, reflexões sobre

elas que, em conjunto com valores pessoais, crenças, afeto, conduzem a uma

elaboração cognitiva que passa a orientar as ações, com vistas a atender seus

interesses. Defende-se, portanto, que as práticas de cuidado da enfermagem na

terapia intensiva se conformam como fenômeno de representação social para as

enfermeiras, justificando a utilização da teoria na pesquisa em tela.

Nesta direção, optou-se pela abordagem processual da TRS, investindo-se

em desvelar seu processo de elaboração, que elementos a constituem, como se

interrelacionam e que influência exercem na sua conformação. Além disso,

empreende-se esforços para caracterizar o lugar social dessas representações, isto

é, quem são os sujeitos, de onde vêm, e de onde falam, no intento de apontar as

condições de produção e melhor entender o estatuto epistemológico.

Para que estas metas sejam alcançadas, torna-se necessário definir critérios

e meios coerentes para coleta e obtenção das informações, que possam contribuir

para o estudo do objeto em discussão.

3.2 Campo de Pesquisa

O campo de estudo foi um hospital federal localizado no município do Rio de

Janeiro. O lócus foi a Unidade de Terapia Intensiva da referida instituição. A escolha

por este local de pesquisa justifica-se porque tal setor apresenta características

66

semelhantes ao cenário inicial em que foram delineados os construtos na pesquisa-

dissertação, fornecendo condições, em termos qualitativos, para conduzir esta

investigação.

O CTI fica situado no segundo andar do edifício central do hospital estudado,

sendo composto por 10 leitos de terapia intensiva, dos quais dois deles destinam-se

a clientes portadores de patologias que necessitam de isolamento

(respiratório/contato). Apresenta um formato no qual o posto de enfermagem fica

centralizado, tendo 4 leitos à sua direita, 3 à esquerda e 3 numa posição de fundo

(isolamento), o que lhe confere uma visibilidade de aproximadamente 80% da

unidade.

A equipe é composta por enfermeiras, médicos, técnicos de enfermagem,

fisioterapeutas e funcionários da limpeza, os quais permanecem 24 horas no setor.

Durante o período diurno esta equipe é complementada por nutricionistas,

assistentes sociais, psicólogos, fonoaudiólogos e outras especialidades médicas e

de enfermagem. A equipe de enfermagem se reveza numa escala de trabalho de 12

por 60 horas, com uma média de 2 a 3 enfermeiros e 5 a 6 técnicos de enfermagem

por turno. Além disso, durante o dia a equipe é acrescida por duas enfermeiras

responsáveis pela chefia da unidade.

Quanto à estrutura física dos leitos, observa-se que estes são compostos

por uma cama, um monitor multiparamétrico, uma mesa de cabeceira, uma mesa de

alimentação, duas prateleiras, um ventilador artificial, dispositivos de gazes e

bombas infusoras de acordo com a demanda. O posto de enfermagem possui uma

área destinada à realização de atividades administrativas e outra voltada

especificamente ao preparo de medicamentos. Há ainda uma sala para a reunião

clínica da equipe e de guarda dos equipamentos.

67

A dinâmica de trabalho da equipe de enfermagem se inicia quando da

passagem de plantão pelos profissionais do turno anterior, seguido pela divisão de

atividades conforme escala por paciente, envolvendo um técnico de enfermagem e

uma enfermeira. Em média cada enfermeira responde pela assistência direta de 3

clientes, existindo um funcionário destinado exclusivamente ao preparo das

medicações. Tal processo demarca o início de organização da assistência diária.

3.3 Participantes da pesquisa

Os participantes foram 21 enfermeiras, 17 mulheres e 04 homens, sendo 12

que atuam no período diurno e 9 no noturno na Unidade de Terapia Intensiva da

instituição escolhida como campo de estudo.

Fizeram parte da pesquisa os participantes que atenderam aos seguintes

critérios de inclusão: ser enfermeira com atuação em UTI; estar em atividade no

setor de estudo durante o período destinado à pesquisa; atuar diretamente na

assistência ao cliente internado neste setor; aceitar participar da pesquisa.

Considerando um universo composto por 24 enfermeiras, 03 participantes

não atenderam a estes critérios previamente estabelecidos, sendo excluídos da

pesquisa. Deste modo trabalhou-se com o quantitativo possível de enfermeiras,

porém, a pré-análise qualitativa dos dados empíricos indicava que os mesmos eram

suficientes no atendimento aos objetivos inicialmente propostos pela pesquisa.

3.4 Produção dos dados

Optou-se pela triangulação no processo de produção dos dados. A ideia de

triangulação ampara-se no princípio de validação dos resultados pela combinação

de diferentes métodos, visando verificar a exatidão e a estabilidade das

68

observações. A estratégia de triangulação busca conferir aos procedimentos

qualitativos não somente a validade, mas também o rigor, a amplitude e a

profundidade (APOSTOLIDIS, 2006).

Neste sentido, a triangulação é antes de tudo uma estratégia indutiva de

pesquisa tendo por objetivo geral construir um saber pertinente e consistente sobre

o fenômeno, a partir de diferentes operações de cruzamento sob o plano teórico,

metodológico e de produção de dados (APOSTOLIDIS, 2006).

Tal triangulação se alinha com o enfoque das representações sociais. Isto

porque estudar, como sugeria Moscovici, o conhecimento que os indivíduos têm de

um objeto e a maneira como ele é organizado e utilizado pelos indivíduos e grupos,

implica em uma perspectiva plurimetodológica. Essa perspectiva ganha força

principalmente no estudo do conteúdo das representações sociais, pois mostra-se

apropriada à sua especificidade epistemológica, que se interessa por um conjunto

de fenômenos complexos e determinados pela interdependência dinâmica de fatores

psicológicos, relacionais e sociais (APOSTOLIDIS, 2006).

Então, foram utilizadas duas técnicas para produção dos dados:

3.4.1- Observação etnográfica

Realizou-se na primeira fase da produção dos dados, denominada

exploração de campo, conforme roteiro pré-estabelecido (Apêndice 1). O uso da

observação nesta etapa objetivou realizar uma primeira aproximação da realidade

estudada, no sentido de identificar determinados aspectos das práticas de cuidar

das enfermeiras intensivistas que, posteriormente, num segundo momento,

pudessem ser aprofundados durante a realização das entrevistas. Utilizou-se como

referência para orientar tal observação inicial, alguns elementos preliminares

69

caracterizadores de uma possível linha de ação adotada pela enfermeira diante do

cuidado ao cliente na terapia intensiva (TI):

Cuidado tecnológico: enfermeiras que, frente ao cuidado do cliente na TI,

agem amparando-se nos elementos: objetivos - baseiam-se nos dados provenientes

do uso do maquinário, bem como da sua interpretação, articulando-os àqueles

oriundos da avaliação semiológica dos sinais e sintomas do cliente em conjunto com

os aspectos fisiopatológicos das doenças por ele acometidas; subjetivos -

consideram os dados de cunho emocional, psíquico, experiencial, expressivos,

produzidos a partir da relação intersubjetiva com o cliente. Fundamentam-se no

saber tecnológico e da enfermagem, guiados pela observação acurada.

Ação tecnológica: enfermeiras que, frente ao cuidado do cliente na TI,

agem amparadas no seguinte elemento: objetivo - baseiam-se nos dados

provenientes do manejo e interpretação do maquinário, articulados com o

conhecimento do mecanismo das doenças. Fundamenta-se no saber tecnológico e

no saber clínico.

A observação orientada por tais aspectos se deu na tentativa de iniciar o

processo de validação dos construtos delineados na pesquisa-dissertação. A

observação etnográfica foi realizada ainda na segunda fase de produção dos dados,

objetivando captar mais profundamente a dinâmica das práticas de cuidar destas

enfermeiras, de tal modo a descrevê-las e analisá-las.

A escolha pela observação etnográfica justifica-se pelo fato de que, captar o

que pensam e como agem as enfermeiras em relação às práticas de cuidado frente

ao cliente na terapia intensiva ganha mais fundamento a partir da imersão do

pesquisador neste contexto cultural, objetivando conhecer os conteúdos que

estruturam as representações, as imagens, símbolos, referências, informações.

70

Logo, a utilização desta técnica permite partilhar da vida cotidiana no

contexto da terapia intensiva, na tentativa de apreender as normas e valores das

enfermeiras, as percepções e significados dos seus comportamentos, as lógicas e

os significados socioculturais de suas práticas. Portanto, possibilita uma riqueza e

profundidade de dados a partir do próprio contexto e espontaneidade.

A fase de observação iniciou-se no dia 19/11/2010. Tal estratégia foi

realizada no decorrer do turno diurno de trabalho das enfermeiras, tendo uma

duração média de 5 a 6 horas cada período de observação e abarcando tanto a

parte da manhã quanto da tarde, na tentativa de visualizar a dinâmica das atividades

no maior intervalo de tempo possível. A chegada no campo acontecia entre 8 e 9

horas da manhã ou entre 13 e 14 horas da tarde.

Nos primeiros dias desta etapa de produção de dados buscou-se apreender

as características iniciais da unidade, obter as primeiras impressões acerca do

cotidiano assistencial dos profissionais, e através de conversas informais com eles e

clientes tentou-se alcançar uma aproximação e familiaridade suficiente para iniciar a

produção efetiva dos dados. Neste contexto, percebeu-se nas semanas iniciais de

observação que os profissionais sentiam-se incomodados com a presença do

pesquisador, tido como um “vigia” ou avaliador dos afazeres das enfermeiras,

sobretudo pelas constantes anotações no diário de campo de forma concomitante

com o desenrolar dos fatos.

Optou-se nesta fase preliminar por apenas observar o desenvolvimento das

atividades, sem uma participação direta do pesquisador, e num segundo momento

realizou-se a observação participante. Entre o primeiro e o segundo mês entendeu-

se que o pesquisador já era visto como “nativo”, fornecendo condições para o

aprofundamento dos dados da observação. Assim, as observações eram compostas

71

pelos seguintes tipos de registros: sobre as situações incluindo o relato dos sujeitos

que dela participaram de maneira ipsis literis; impressões do pesquisador; respostas

dos sujeitos aos questionamentos do pesquisador sobre pontos previamente

identificados; narrativas dos fatos pelo pesquisador.

À medida que eram percebidos determinados aspectos caracterizadores de

estilos de cuidar da prática das enfermeiras, buscava-se detalhar a observação

orientando-se pelos critérios previamente delineados (cuidado e ação tecnológica).

Evitou-se ao máximo interferir na dinâmica dos acontecimentos, salvaguardando-se,

entretanto, a segurança do cliente hospitalizado. Então, manteve-se o olhar atento

aos comportamentos, atitudes, conteúdo das conversas entre os membros da

equipe multiprofissional, diálogos com os clientes, expressões não verbais, registros

escritos dentre outros, buscando descrever o que diziam, o que faziam e o que

pensavam os enfermeiros no CTI, a partir de respostas às seguintes perguntas:

Quem? Como? Quando? Aonde?

As situações comumente retratadas no diário de campo envolviam

majoritariamente cuidados para o atendimento das necessidades biológicas, cenas

de admissão e transferência de clientes no setor, realização de procedimentos e

técnicas por diferentes membros da equipe, reunião clínica da equipe de

enfermagem, cuidados gerenciais realizados no posto de enfermagem, atuação em

momentos de intercorrências clínicas.

Ao final da primeira etapa de observação (entre o terceiro e quarto mês) foi

possível com base na leitura e análise dos registros nos diários de campo traçar um

conjunto de características preliminares dos participantes relacionadas ao objeto em

estudo, de maneira a discutir tais questões identificadas na entrevista em

profundidade. A observação foi finalizada no mês de maio de 2011, compondo um

72

quantitativo de aproximadamente 150 horas de observação registradas em diário de

campo.

3.4.2- Entrevista individual

Constituiu-se na segunda etapa de produção dos dados, a qual foi realizada,

considerando as informações oriundas desta observação prévia das enfermeiras

pautada nos critérios destacados, com a aplicação de dois instrumentos: o roteiro de

produção de dados sociodemográficos (Apêndice 2), composto de questões

objetivas e discursivas, com o propósito de descrever o perfil dos sujeitos

(caracterização do grupo de pertença); e o roteiro de entrevista semiestruturada

(Apêndice 3), composto de questões abertas para a exploração do objeto de estudo,

considerando a etapa de observação.Tais dados oriundos da entrevista foram

registrados em fita magnética.

O uso da entrevista possibilita a observação dos sujeitos em seu território,

interagindo com estes através de sua própria linguagem e em seus termos. É então

um diálogo intersubjetivo entre o pesquisador e a enfermeira. Compreende-se que

as representações sociais são resultantes de um contínuo burburinho e um diálogo

permanente entre indivíduos, um diálogo que é tanto externo quanto interno, durante

o qual as representações sociais ecoam ou são complementadas (SPINK, 1995).

Logo, a entrevista possibilita que o pesquisador acesse este diálogo.

3.5 Análise dos dados

Aplicou-se a triangulação na análise dos dados, isto é, àqueles provenientes

das entrevistas foram submetidos a um software para processamento dos dados e a

análise de conteúdo temático; os oriundos da observação sofreram análise

etnográfica.

73

3.5.1- Análise etnográfica

Os dados produzidos pela observação participante passaram por análise

etnográfica, visando descrever, traduzir, explicar e interpretar a cultura e as relações

sociais de maneira densa, delineando os sentidos da realidade sociocultural para os

agentes implicados nela. Tais resultados estão apresentados em conjunto com os

que foram gerados pelo software Alceste, proporcionando um contraste das

questões que emergiram no conteúdo das narrativas com o cotidiano prático da

assistência das enfermeiras.

3.5.2- Uso do software Alceste (Análise Lexical Contextual de um conjunto

de segmentos de texto)

Fundamentos teóricos

O Alceste é um método informatizado para a análise de textos criado por

Max Reinert em 1986, no marco da investigação sobre o desenvolvimento de

métodos de análise de dados linguísticos iniciado por Benzecri em 1981 na França,

e que vem ao encontro das necessidades de cientistas sociais, geralmente

confrontados com a análise de materiais linguísticos oriundos de perguntas abertas.

A tese principal de Reinert é a de que todo discurso expressa um sistema de

mundos lexicais, que organiza uma racionalidade e dá coerência a tudo que o

locutor enuncia. O termo mundo lexical é uma noção primária que remete a

conceituação das palavras que constituem uma frase ou um fragmento do discurso

(ALBA, 2004)

Reinert (1997) se propõe a observar a noção de mundo lexical a partir da

análise estatística do uso do vocabulário em um ou mais textos. Ele afirma que o

74

objetivo do método é pôr em evidência através de um conjunto de textos os mundos

lexicais usuais evocados pelos enunciadores. É a redundância da sucessão de

palavras que permite localizar os mundos lexicais frequentes, ou comuns no sentido

de frequentemente habitado pelo enunciador (ALBA, 2004).

Os mundos lexicais podem ser então estudados através da análise da

organização e distribuição das palavras principais coocorrentes dos enunciados

simples de um texto. A metodologia focaliza a distribuição estatística de sucessões

de palavras sem tomar em conta a sintaxe e semântica do discurso (análise

temática), mas unicamente a coocorrência ou presença simultânea de várias

palavras funcionais (substantivos, adjetivos, verbos) em um mesmo enunciado,

eliminando palavras suplementares (conjunções, artigos, preposição).

Esta metodologia parte do pressuposto de que a análise da sucessão de

palavras principais em um conjunto de enunciados permitirá diferenciar globalmente

os lugares de enunciação ou mundo lexicais mais significativos do discurso. Alguns

mundos lexicais são mais enunciados do que outros e para observá-los é necessário

analisar a frequência de aparição do conjunto de palavras principais associadas

entre si que compõe o texto. A ideia é que ao utilizar um vocabulário determinado o

locutor evoca um lugar comum de enunciação, o qual se define por oposição a

outros lugares, de sorte que um mundo lexical não se define em si mesmo, mas em

relação aos outros (ALBA, 2004).

Funcionamento do programa

Pelas dificuldades para definir com exatidão o que é um enunciado simples,

o programa utiliza uma heurística estatística que delimita nos enunciados somente

unidades de contexto elementar (uce), que são segmentos de texto compostos por

75

sucessões de palavras principais, cujo tamanho é definido pelo utilizador do

programa (8 a 20 palavras).

Do mesmo modo que o enunciado é substituído por uce, as palavras do

texto são substituídas por formas simples: as palavras principais e as

suplementares, estas últimas que servem a construção sintática da frase (artigos,

conjunções, preposições etc) serão eliminadas da análise principal. Tal análise

realizar-se-á a partir de palavras principais (substantivos, adjetivos, advérbios) que

serão submetidos a uma redução às suas raízes – morfemas lexicais, enriquecendo

as relações estatísticas implicadas na coocorrência das formas simples e eliminando

a variabilidade de formas de uma palavra (ALBA, 2004).

O conjunto de cálculos que realiza o programa se desenvolve em 3 etapas:

1-Durante a primeira etapa o programa divide o texto em uce, realiza uma

diferenciação das palavras principais e suplementares para proceder a redução às

raízes das primeiras, a qual permite calcular a tabela binária com as uce em linha e

os morfemas lexicais em coluna. Este é o procedimento de base para os demais.

2-Num segundo momento efetua a classificação das unidades de contexto

em função da similaridade ou diferenciação do seu vocabulário. Um duplo

procedimento de classificação permite comprovar a estabilidade das classes: uma

primeira classificação com a unidade de contexto de determinado tamanho é feita e

uma segunda com tamanho superior. A classe é estável se esta variação no

tamanho do vocabulário da uce não modifica a estrutura ou distribuição das classes,

nem seu conteúdo.

3-A terceira etapa descreve as classes obtidas com os procedimentos

estatísticos empregados: seleção do vocabulário específico de cada classe, seleção

das unidades de contexto representativas de cada classe, cálculo dos segmentos

76

repetidos por classe, de formas reduzidas e suas terminações, análise fatorial de

correspondência, classificação hierárquica ascendente de cada classe.

Organização e tratamento dos dados do software Alceste

Após o preparo inicial do arquivo contendo as entrevistas, o mesmo foi

submetido ao software Alceste na versão 2010, gerando um relatório no qual obteve-

se 58% de aproveitamento.

Optou-se no decorrer do estudo por explorar a análise através da

Classificação Hierárquica Descendente (CHD) e da Classificação Hierárquica

Ascendente (CHA). A CHD tem por objetivo a repartição dos enunciados em classes

marcadas pelo contraste do vocabulário. Deste modo, a partir do cruzamento das

formas reduzidas e uce, obtém-se classes de uce que tem vocabulário semelhante

entre si e diferente das uce de outras classes. Para tanto utiliza-se um conjunto de

procedimentos estatísticos.

A CHA é um recurso fornecido pelo programa Alceste que permite o estudo

das relações das formas lexicais no interior de cada classe. Segundo Reinert (1998,

p. 33) os “laços de vizinhança ou sinônimos” das palavras dentro da classe são

indicativos do que chama “núcleos”, que auxiliam a entender a dinâmica de

formação da classe. Quanto mais próximo do eixo estiver o traço de ligação entre as

palavras, maior é o número de vezes que aparecem juntas.

Nesta medida, com base na CHD é possível apreender as relações entre as

classes, de oposição e similaridade, a partir da distribuição do seu vocabulário,

enquanto no caso da CHA, capta-se a dinâmica das coocorrências no interior de

cada classe. Então, ambas concorrem para identificar os mundos lexicais implicados

na organização das representações sociais do objeto em tela, justificando sua

utilização na análise.

77

Tomando como referência as 6 classes produzidas, a análise organizou-se

em dois blocos, sendo um contendo as classes 1, 2 e 4 e outro as 3, 5 e 6. Cada

classe é composta pela análise da temática referencial e dos seus respectivos

subtemas, ilustrados pelos trechos típicos de entrevista.

Estes procedimentos de análise permitiram formalizar os dois blocos da

seguinte maneira: o primeiro intitula-se “O sentido da tecnologia na terapia

intensiva e a organização dos estilos de cuidar”, do qual fazem parte os

elementos abaixo, considerando o tema geral da classe:

Classe 1: Funcionalidades da tecnologia no CTI;

Classe 2: Elementos organizativos dos estilos de cuidar;

Classe 4: Fatores estruturais externos à prática de cuidado das enfermeiras

O segundo foi denominado: “A condição do cliente e suas repercussões

na prática de cuidar das enfermeiras” envolvendo os aspectos:

Classe 3: Cotidiano assistencial da enfermeira no CTI;

Classe 5: Prática de cuidar com a tecnologia;

Classe 6: As características do paciente como indicador do trabalho no CTI.

Os resultados provenientes da análise textual realizada pelo emprego do

Alceste foram interpretados à luz da teoria das representações sociais, bem como

do levantamento bibliográfico pertinente às temáticas evidenciadas. Após esta

etapa, a partir das hipóteses empíricas que surgiram neste processo, realizou-se

uma testagem experimental das variáveis sexo, turno de trabalho e tempo de

formação profissional, na tentativa de verificar se no material oriundo das entrevistas

existiam diferenças na produção do discurso em função destas variáveis. Assim, o

arquivo contendo as entrevistas foi novamente submetido ao Alceste para uma

análise cruzada (tri-coisée). O conjunto destes dados está apresentado de maneira

78

comparativa após a discussão do segundo bloco de classes e analisados sob a ótica

do objeto da pesquisa.

3.5.3 Análise de conteúdo

A técnica de análise de conteúdo foi aplicada aos dados provenientes das

entrevistas após a análise textual efetuada a partir do programa Alceste, na tentativa

de complementá-la. A justificativa para esta escolha pauta-se no argumento de que,

conforme o resultado obtido pela rodagem do corpus das entrevistas no programa

Alceste, e tendo por base os fundamentos teóricos que lhe dão sustentação, 58% da

narrativa dos participantes sobre suas práticas se constroem em torno das

diferenças no discurso acerca deste objeto. Estas diferenças foram identificadas

pelo Alceste e polarizadas na organização das classes lexicais.

Como consequência, isto significa dizer que 42% desta narrativa é composta

por um conteúdo comum veiculado pelos participantes sobre o objeto representado.

Nesta direção, através da análise de conteúdo, investe-se em desvelar tais sentidos

comuns que integram o discurso sobre a prática de cuidar.

A análise de conteúdo encontra respaldo em diferentes autores, para os

quais este tipo de análise consiste na aplicação de técnicas pautadas pela

objetividade, sistematização e utilização de indicadores quantitativos com o intuito

de fazer sobressair o conteúdo presente nas mensagens, de tal modo a possibilitar

sua interpretação ou inferência de conhecimentos. Esta técnica situa os significados

manifestos em estruturas sociológicas, a exemplo das variáveis psicossociais e

contexto (OLIVEIRA, 2008).

A unidade utilizada para interpretação das respostas foi o tema, isto é, uma

asserção sobre determinado assunto, envolvendo seja uma simples sentença

79

(sujeito e predicado) ou um conjunto delas ou um parágrafo. Na análise de conteúdo

temático capta-se o aspecto pessoal e social que encontra-se investido nas

respostas do sujeito acerca do significado de uma palavra ou um conceito,

abarcando aspectos racionais, ideológicos, afetivos e emocionais (FRANCO, 2005).

No caso desta investigação, alinha-se com o objetivo de analisar as

representações sociais em torno do objeto de pesquisa. Em atendimento as etapas

que integram esta técnica realizou-se os seguintes procedimentos de análise:

1- Pré-análise

Constituiu-se numa fase de organização, na qual ocorreu uma aproximação

inicial com o material a ser analisado, no sentido de preparar um esquema prévio

para o desenvolvimento das operações. Envolveu as seguintes atividades:

-Leitura flutuante: estabelecimento de contato com o material, observando as

mensagens/informações nele contido, levantando impressões, emoções,

expectativas, representações;

-Levantamento dos indicadores: identificação dos temas mais importantes, a

partir da frequência em que eram sendo mencionados. Constituiu-se numa análise

quantitativa, rastreando-se os depoimentos na busca da ocorrência e coocorrência

dos temas, no intuito de se dar densidade aos resultados. Utilizou para tanto a

frequência relativa e absoluta, e a proporção de determinado tema em relação aos

outros presentes. Considerou-se ainda aspectos particulares de um sujeito ou típicos

de um grupo que fossem importantes para entender o objeto, independente da

frequência de ocorrência.

2- Categorização

Configurou-se numa operação de classificação dos elementos que faziam

parte do conjunto, inicialmente por diferenciação e posteriormente houve um

80

reagrupamento por analogias, de acordo com o critério semântico. Deste modo, o

tratamento analítico do material foi feito a partir do mapeamento dos conteúdos, à

luz do que os participantes veicularam. Inicialmente foi feita a descrição do sentido

atribuído pelos respondentes de uma parte das entrevistas, destacando as nuances

observadas. Procedeu-se a classificação das divergências e convergências, criando-

se um código para a leitura das demais respostas. Assim, as categorias e

subcategorias foram sendo definidas de modo a traduzir o conteúdo expresso e

latente dos discursos dos participantes.

Deste modo, a confluência das unidades temáticas que integram as

categorias de análise origina dois eixos temáticos, assim constituídos:

1º eixo: Elementos da prática de cuidar das enfermeiras na terapia intensiva

*A enfermeira e o lidar com as tecnologias nas práticas de cuidar na terapia

intensiva

*As formas de assistir ao cliente na terapia intensiva

2º eixo: A complexidade do trabalho na terapia intensiva

*Os sentidos atribuídos pelas enfermeiras ao trabalho na terapia intensiva

*Requisitos profissionais para o trabalho no CTI

Os dados a eles ligados estão dispostos sob a forma de descrições cursivas,

acompanhadas pelos fragmentos de entrevista mais significativos. A discussão

sustentada pela TRS e estudos que servem de referência ao debate se estrutura na

interface com os resultados originados pelo Alceste e observação participante

3.6 Aspectos Éticos

Em atendimento a resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde/CNS,

que dispõe sobre as pesquisas envolvendo seres humanos, o projeto foi submetido

81

ao Comitê de Ética em Pesquisa no hospital lócus do estudo, sendo aprovado sob

número de protocolo 35/10.

Além disso, foi solicitado o aceite de participação dos sujeitos, mediante a

assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (Apêndice 4). A

confidencialidade dos participantes foi garantida através da identificação numérica

deles, a partir da ordem sequencial em que se organizou a observação participante.

(Coliseu-Roma)

CAPÍTULO 4:

Apresentação dos resultados

83

4.1 Dados sociodemográficos

Em atendimento às condições de produção da representação social, através

da qual é possível caracterizar os sujeitos quanto à pertença grupal, apresenta-se

neste momento os dados relativos ao perfil dos entrevistados, composto por

informações de cunho pessoal e profissional. Ao entender que no processo de

elaboração das representações sociais sobre determinado objeto o lugar social que

os sujeitos ocupam ou as funções que assumem exercem influências nos conteúdos

representacionais e sua organização, valorizam-se as variáveis psicossociais e

demográficas que encontram-se implicadas no grupo estudado.

Todavia, tais variáveis importam à discussão quando articuladas à narrativa

em torno do objeto, permitindo compreender as representações sociais a partir do

contexto que as engendram. É então sob esta perspectiva que optou-se por uma

apresentação preliminar destes dados sociodemográficos, aprofundando-se o

debate relacionado a eles na interface com as produções feitas pelos sujeitos sobre

o fenômeno em tela.

A tabela 1 em seguida ilustra a frequência absoluta e porcentual das

características que constituem os dados pessoais e profissionais. Numa primeira

análise verifica-se um equilíbrio quantitativo na população estudada quanto a

aspectos como: horário de trabalho (turno diurno/turno noturno), idade (mais

jovens/menos jovens), religião (católicos e não católicos) e presença ou não do título

de especialista. Observa-se ainda no grupo um predomínio das mulheres, mais

jovens na profissão em relação ao tempo de formação, que escolheram trabalhar no

setor e tendo no momento majoritariamente dois empregos.

84

Tabela 1: Perfil sociodemográfico dos sujeitos investigados

Variáveis Psicossociais n

%

DADOS PESSOAIS

Sexo

Feminino

Masculino

17

4

80,95

19,05

Idade

Até 35 anos

Mais de 36 anos

11

10

52,39

47,61

Religião

Católicos

Não católicos

DADOS PROFISSIONAIS

12

9

57,14

42,86

Tempo de formação

Até 10 anos

Mais de 10 anos

Número de empregos

1 emprego

2 empregos

3empregos

Turno de trabalho

Diurno

Noturno

Especialização

Especialistas

Não especialistas

Escolha do CTI como local de trabalho

Escolheu

Não escolheu

13

8

3

12

6

12

9

12

9

14

7

61,90

38,10

14,29

57,14

28,57

57,14

42,86

57,14

42,86

66,67

33,33

O quadro 1, por sua vez, retrata as variáveis psicossociais e demográficas

ligadas a cada participante da pesquisa.

Em outro estudo que também aplicou-se a teoria das representações sociais

(SILVA, FERREIRA, 2011), já demonstrou-se, por exemplo, como características de

formação e qualificação das enfermeiras atuantes em unidades de cuidados

intensivos, como essas em evidência nesta pesquisa-tese, interferem na

interpretação dos fenômenos sociais presentes neste cenário, repercutindo-se na

assistência aos clientes internados. Neste sentido, é que se faz importante conhecer

85

os conteúdos que integram o discurso das enfermeiras sobre a prática de cuidar no

CTI na tentativa de desvelar suas representações sociais, tendo como referência

para balizar esta análise tais variáveis psicossociais e demográficas.

Enf. 1 Feminino; até 35 anos; mais de 11 anos de formado; 2 empregos, turno diurno; não escolheu trabalhar no setor; não especialista; não católico

Enf. 2 Feminino; mais de 36 anos; mais de 11 anos de formado; 3 empregos; turno diurno; escolheu trabalhar no setor; especialista; não católico

Enf. 3 Masculino; mais de 36 anos; até 10 anos de formado; 3 empregos; turno diurno; não escolheu trabalhar no setor; especialista; não católico

Enf. 4 Feminino; mais de 36 anos; mais de 11 anos de formado; 3 empregos; turno diurno; escolheu trabalhar no setor; especialista; católico

Enf. 5 Feminino; mais de 36 anos; mais de 11 anos de formado; 2 empregos; turno noturno; escolheu trabalhar no setor; especialista; católico

Enf. 6 Feminino; até 35 anos; até 10 anos de formado; 2 empregos; turno diurno; escolheu trabalhar no setor; não especialista; não católico

Enf. 7 Masculino; até 35 anos; até 10 anos de formado; 3 empregos; turno noturno; escolheu trabalhar no setor; não especialista; católico

Enf. 8 Feminino; até 35 anos; até 10 anos de formado; 3 empregos; turno diurno; escolheu trabalhar no setor; não especialista; católico

Enf. 9 Feminino; até 35 anos; até 10 anos de formado; 1 emprego; turno diurno; escolheu trabalhar no setor; especialista; católico

Enf. 10 Feminino; mais de 36 anos; até 10 anos de formado; 2 empregos; turno diurno; escolheu trabalhar no setor; especialista; católico

Enf. 11 Feminino; até 35 anos; até 10 anos de formado; 2 empregos; turno diurno; escolheu trabalhar no setor; especialista; não católico

Enf. 12 Feminino; mais de 36 anos; até 10 anos de formado; 2 empregos; turno noturno; não escolheu trabalhar no setor; não especialista; não católico

Enf. 13 Feminino; mais de 36 anos; mais de 11 anos de formado; 2 empregos; turno diurno; não escolheu trabalhar no setor; não especialista; católico

Enf. 14 Feminino; mais de 36 anos; mais de 11 anos de formado; 1 emprego; turno diurno; escolheu trabalhar no setor, especialista; católica

Enf. 15 Masculino; até 35 anos, até 10 anos de formado; 3 empregos; turno noturno; escolheu trabalhar no setor; especialista; não católico

Enf. 16 Feminino; até 35 anos; até 10 anos de formado; 1 emprego; turno diurno; escolheu trabalhar no setor; especialista; católico

Enf. 17 Feminino; até 35 anos; até 10 anos de formado; 2 empregos; turno noturno; não escolheu trabalhar no setor; não especialista; não católico

Enf. 18 Feminino; até 35 anos; até 10 anos de formado; 2 empregos; turno noturno; não escolheu trabalhar no setor; especialista; católico

Enf. 19 Feminino; mais de 36 anos; mais de 11 anos de formado; 2 empregos; turno noturno; não escolheu trabalhar no setor; não especialista; católico

Enf. 20 Feminino; mais de 36 anos; mais de 11 anos de formado; 2 empregos; turno noturno; não escolheu trabalhar no setor; não especialista; não católico

Enf. 21 Masculino; até 35 anos; até 10 anos de formado; 2 empregos; turno noturno; escolheu trabalhar no setor; não especialista; não católico

Quadro 1: Classificação dos participantes segundo variáveis psicossociais e demográficas

Destaca-se, por fim, em face do número de participantes e de suas

características, que nesta pesquisa trabalha-se com um quantitativo limitado de

investigados, o que conduz a evitar generalizações e relativizar determinadas

86

afirmações, sobretudo no que tange a análises mais específicas, como é o caso da

variável gênero, considerando a constituição do grupo.

4.2 Análise textual através do software Alceste (parte I)

O programa Alceste obteve uma classificação do enunciado das enfermeiras

em função da semelhança e da não semelhança estatística do vocabulário

(palavras) que o compõe, a fim de colocar em evidência os mundos lexicais.

Conforme visto, a hipótese geral do programa consiste em considerar as leis de

distribuição do vocabulário no enunciado de um corpus, como um traço linguístico de

um trabalho cognitivo de reconstrução de um objeto por um indivíduo.

Assim, o Alceste procedeu uma divisão do texto em enunciados ou unidades

de contexto elementar (uce) e explorou a distribuição do vocabulário nestas uce,

para extrair do corpus as classes lexicais tendo um vocabulário próprio. O perfil de

cada classe correspondeu ao conjunto de palavras mais significativamente

presentes nestas. O grau de associação de uma palavra ou uma variável a uma

classe foi calculado por um Chi² (qui-quadrado) de associação.

Esta análise permitiu colocar em evidência os diferentes conteúdos do

discurso das enfermeiras sobre sua prática de cuidar na terapia intensiva. Ela

possibilitou ainda isolar as temáticas em torno das quais se articula tal discurso,

identificar o papel de algumas variáveis na sua organização, e as ligações entre as

classes.

Diante desta explicação, torna-se pertinente descrever o tratamento dado

pelo programa ao corpus de 21 entrevistas submetido à análise. No que se refere ao

cálculo do dicionário, obteve-se 7992 formas distintas ou palavras diferentes, com

um número de ocorrências de 181408, sendo a média por forma distinta igual a 23.

87

Além disso, 3623 palavras tiveram frequência igual a 1. Após a redução das

palavras às suas raízes alcançou-se 1384 palavras analisáveis (que ocorreram

119016 vezes), com frequência mínima igual ou maior que 4, bem como 38 palavras

instrumento e 38 palavras com asterisco (variáveis).

O corpus foi dividido em 3855 uce, das quais 2244 apareceram numa

mesma classe em duas classificações hierárquicas descendentes, equivalendo a

58,21% do total e denotando a estabilidade das classes. Desta maneira, de acordo

com a figura 1, se observa que o corpus sofreu uma primeira divisão em duas

partes, de um lado aquela que vai originar as classes 3, 6 e 5 e do outro as 1, 2 e 4.

No prosseguimento do processo de análise, a primeira parte origina a classe 5 e

sofre uma nova partição para gerar as classes 3 e 6. Logo após, a segunda parte

inicialmente deriva a classe 1, e novamente se divide para produzir as classes 2 e 4,

últimas a serem formadas.

A figura 1 apresenta ainda o perfil das classes através do dendograma da

classificação hierárquica descendente. Os critérios utilizados para a seleção das

palavras foram: a) o valor do Chi² de associação da forma lexical à classe (calculado

a partir do cruzamento da presença/ausência da forma em uma uce, e a associação

dessa uce à classe lexical); b) porcentagem de cada palavra na classe, calculado

levando-se em conta a sua frequência na classe em relação ao corpus total; c) força

de associação (coocorrências) das palavras características de cada classe através

da classificação hierárquica ascendente; d) vocabulário específico de cada classe.

As figuras 2 e 3 que se seguem mostram também a importância de cada

classe na constituição do corpus, bem como o número de palavras que as integram.

Reitera-se, segundo Kalampalikis (2003), que os mundos lexicais têm um

sentido e se emprestam à interpretação apenas em um contexto de oposição, num

88

sistema de relações de antítese. Assim, sua autonomia é proporcional às suas

ligações, e de maneira complementar às relações de força que a tornam diferentes.

Baseando-se nisso, o dendograma da classificação hierárquica descendente

oferecido pelo Alceste conduz dizer numa primeira análise, que de um lado o

discurso das enfermeiras sobre sua prática de cuidar se constroi amparado pelo seu

cotidiano do fazer e de assistir o cliente em face das tecnologias neste cenário,

agregando uma característica mais feminina, e marcado pelo fator da experiência

profissional, além de ter sido mais veiculado pelas enfermeiras do turno diurno e de

religião católica. Do outro lado, através das classes 1, 2 e 4 possui um tom mais

conceitual, crítico-avaliativo articulado ao uso da tecnologia, com um olhar mais

masculino e jovem dos enfermeiros que trabalham no período noturno e não

católicos na organização do seu conteúdo.

A partir desta aproximação inicial, com o intuito de melhor sistematizar a

apresentação dos resultados será feita a descrição do primeiro bloco de classes

gerado pelo Alceste, e, após, do segundo. Cada bloco de classes foi intitulado em

função do sentido a que remetia às temáticas referenciais contidas nas classes. Em

ambos os casos, optou-se por uma estrutura, na qual a descrição de cada classe é

precedida por um quadro contendo as palavras características e seus respectivos

valores de Chi² e porcentagem na classe, variáveis associadas e tema referencial.

Em seguida é feita a análise descritiva de tais temáticas referenciais e dos seus sub-

temas, ilustrando-os através dos trechos das entrevistas típicas à cada classe (uce).

Na tentativa de rastrear pensamento e ação no processo de elaboração das

representações sociais acerca do objeto em tela, a análise será acompanhada pelos

dados da observação etnográfica, de maneira a fornecer uma fonte comparativa de

informação.

89

Classe 1 233 uce

Classe 2 224 uce

Classe 4 427 uce

Classe 3 406 uce

Classe 6 694 uce

Classe 5 260 uce

Chi² Chi² Chi² Chi² Chi² Chi² Tecnologia Creio Cuidado Tecnológico Hoje Administrativ Elemento Questões Ano Favor Direto Distante Utilização Instrumento Exercício Maquinário Aliar Facilitador Execução Avanço

275,7 172,3 116,8 102,9 100,3 96,8 95,3 83,7 77,3 75,0 75,0 66,7 60,6 60,6 59,8 54,1 51,9 51,9 51,3 51,3

Cada Cuida Buscar Conhecimento Acho Busca Cuidar Adaptar Religião Perfil Manipular Maneira Modo Personalidade Envolve Querer Acordo Individualid. Emocional Dominar

136,2 82,1 78,9 72,4 62,7 51,0 50,4 44,9 41,9 39,7 37,7 36,3 36,1 34,8 33,4 32,5 32,3 31,3 31,3 29,5

Enfermeiro Profissionais São Estrutura Acho Terap. intensiva Assistência Grande Serviço Trabalham Hospital Interação Setor Lidar Enfermagem Médicos Diferente Geral Maioria Relacionamento

157,7 95,9 95,6 70,2 70,0 69,1 64,0 63,5 51,6 48,9 41,5 40,3 40,2 39,7 38,6 36,6 36,5 35,7 33,2 32,4

Medicação Fazer Horário Banho Curativo Hora Prescrição Farmácia Médico Dou Livro Sonda Técnico Chata Dei Exame Dez Junto Cima Manhã

201,7 111,0 96,9 89,8 88,1 76,9 74,1 43,4 43,0 39,3 39,0 39,0 36,2 35,0 31,7 31,1 30,9 30,6 29,1 28,8

Falar Paciente Ele Aqui Acordado Sei Foi Sair Estava Sedado Deu Lúcido Intubado Bem Teve Fulano Agradecer Fala Ficou Gratificant.

76,3 67,7 55,8 54,2 53,0 51,1 51,0 49,7 47,6 41,2 40,3 39,6 35,4 35,4 32,8 31,9 31,4 31,2 29,7 27,5

Monitor Pressão Alarme Dado Saturação Correlacionar Eletrodo Mostrando Verificar Respiratório Respirador Preciso PAM* Oxímetro Parâmetro Apresentando Curva Vitais Sinais Monitorização

414,4 169,8 129,4 112,2 107,5 100 98,5 92,0 92,0 90,9 87,6 85,3 83,7 83,1 79,4 76,9 76,6 75,5 63,6 54,0

Variáveis:

Sexo masculino, menos tempo de

formado, mais jovens, escolheu o setor, 3 empregos,

turno noite, especialista, não

católico

Variáveis:

Sexo feminino, mais tempo de formado, menos jovens, não escolheu o setor, turno noite, não especialista, não

católico

Variáveis:

Sexo masculino, menos tempo de

formado, mais jovem, escolheu o setor, turno noite, não especialista,

não católico

Variáveis:

Sexo feminino, mais tempo de

formado, menos jovens, turno

diurno, católico, não escolheu o

setor

Variáveis

Sexo feminino, mais tempo de

formado, menos jovens, turno

diurno, católica escolheu o setor

Variáveis

Sexo feminino, menos jovens, 2 empregos, não

especialista, turno diurno, não escolheu

o setor

Funcionalidades da tecnologia no

CTI

Elementos organizativos dos estilos de cuidar

9,98%

Fatores estruturais externos ao cuidado

19,03%

Cotidiano assistencial

18,09%

As características

do paciente como indicador do trabalho no

CTI

30,93%

Prática de cuidar com a tecnologia

11,59% 10,38%

O sentido da tecnologia na TI A condição do cliente e suas

e a organização dos estilos de cuidar repercussões na prática de cuidar

Figura 1: Dendograma da classificação hierárquica descendente efetuada pelo programa Alceste *PAM: pressão arterial média

90

Figura 2: Repartição das uce nas classes Alceste Figura 3: Número de palavras analisadas por

classe Alceste

91

4.2.1 O sentido da tecnologia na terapia intensiva e a organização dos

estilos de cuidar

Este primeiro bloco que se estrutura ao redor das classes 1, 2 e 4 tem o

objetivo de trazer a discussão quais funções são atribuídas à tecnologia pelas

enfermeiras no cuidado ao cliente no ambiente da terapia intensiva, e a partir destes

usos como organizam sua prática considerando determinados elementos, de

maneira a sistematizar estilos de cuidar. O quadro sinóptico em seguida fornece um

panorama geral deste conjunto de classes.

N° da classe de discurso CLASSE 1 CLASSE 2 CLASSE 4

Tema geral da classe

Funcionalidades da

tecnologia no CTI

Elementos organizativos

dos estilos de cuidar

Fatores estruturais externos

à prática de cuidar das

enfermeiras

Porcentagem em relação

ao discurso total

10,38% do discurso 9,98% do discurso 18,9% do discurso

Variáveis Associadas

Sexo masculino, menos

tempo de formado, mais

jovens, escolheu o setor,

3 empregos, turno noite,

especialista, não católico

Sexo feminino, mais

tempo de formado,

menos jovens, não

escolheu o setor, turno

noite, não especialista,

não católico

Sexo masculino, menos

tempo de formado, mais

jovem, escolheu o setor,

turno noite, não especialista,

não católico

Sub-temas

Face funcional

organizativa

Diferenças dos

estilos

Equipe multiprofissional

Administrativa, distante,

facilitador, instrumento,

ano, hoje, utilização

Cada, cuida, cuidar

maneira, modo

individualidade,

personalidade,

Enfermeiro, profissionais,

interação, médicos, lidar,

enfermagem,

relacionamento

Face funcional

cuidativa

Elementos pessoais-

profissionais

Condições de trabalho

Tecnologia, cuidado,

tecnológico, avanço, aliar,

execução, exercício,

favor, questão

Buscar, conhecimento,

busca, perfil, adaptar,

querer, emocional,

dominar

Estrutura, hospital, terapia

intensiva, assistência,

serviço, cansaço,

sobrecarga

Quadro 2: Classes do discurso associadas ao bloco 1

92

4.2.1.1 Classe 1

Classe 1 233 uce Chi² Porc. Tecnologia Creio Cuidado Tecnológico Hoje Administrativo Elemento Questões Ano Favor Direto Distante Utilização Instrumento Exercício Maquinário Aliar Facilitador Execução Avanço

275,7 172,3 116,8 102,9 100,3 96,8 95,3 83,7 77,3 75,0 75,0 66,7 60,6 60,6 59,8 54,1 51,9 51,9 51,3 51,3

45,7 88,4 29,6 87,5 40,4 78,9 82,3 59,3 44,2 65,2 65,2 70,5 81,8 100 88,8 75,0 100 100 87,5 87,5

Variáveis:

Sexo masculino, menos tempo de formado, mais jovens, escolheu o setor, 3 empregos, turno noite, especialista,

não católico

Funcionalidades da tecnologia

10,38%

Quadro 3: Classe 1 Alceste

A classe 1 obteve uma representatividade de 10,38% do material que foi

classificado para análise, e se expressa pelas palavras de maior significado para sua

organização, a partir da identificação do valor do qui-quadrado/porcentagem. A

análise de tais elementos permite afirmar que esta classe, com um traço mais

conceitual, se relaciona às funcionalidades da aplicação da tecnologia na assistência

de enfermagem na terapia intensiva. As palavras tecnologia (chi²: 275,74), cuidado

(chi²: 116,89) e tecnológico (chi²: 102,99) são ilustrativas disso, na medida em que

indicam que uma das faces funcionais da tecnologia é a cuidativa, mais relacionada

à pragmática de assistência e cuidado ao paciente através da avaliação,

identificação, direcionamento e previsão dos acontecimentos. O enfermeiro 15 se

associa de maneira típica a classe 1 (chi²: 870,13), demonstrando esta visão da

tecnologia, conforme se observa nos extratos de uce que foram selecionados.

93

A tecnologia eu vejo como fundamental, uma vez que favorece uma melhor avaliação, te dá maior segurança no cuidado e te possibilita questões adiante, muito mais concretas do que quando você não tem ela a seu favor. (uce 2210, enf. 15) E no cuidado de enfermagem a tecnologia, creio que possibilita pelas alterações evidenciadas no paciente o melhor direcionamento do cuidado em si (....) acho que tem como está sendo utilizada a nosso favor, na medida em que você perceba as alterações e implemente aquele cuidado preconizado para o paciente. (uce 2212, enf. 15) E aí você conseguia vislumbrar paciente com alterações respiratórias, padrão de gases e você fazia alterações, a questão da visualização das arritmias no monitor, então assim, no meu tempo eu conseguia atrelar a questão da tecnologia com o cuidado. (uce 2267, enf. 15)

No entanto, o alcance desse tipo de uso da tecnologia dirigido para o

cuidado implica estar próximo do paciente para observá-lo, tocá-lo, sentir e

identificar suas reações. As palavras ‘questão’ com chi² de 83,07 e ‘aliar’ com chi²

51,9 estão presentes nestes excertos, e ao mesmo tempo que remetem a esta ideia

de proximidade ao cliente também denotam existir uma zona de tensão que envolve

o debate sobre a utilização da tecnologia, pois parece que esta última, a despeito de

seu uso tratar-se de uma exigência da atualidade, por si só não é suficiente quando

é pensada no âmbito da assistência de enfermagem, sendo de igual modo

necessário o desenvolvimento de uma relação interpessoal.

E hoje não tem como fugir da questão da tecnologia em terapia intensiva (....) creio que nossa grande preocupação é tentar aliar a questão do cuidado aos avanços tecnológicos, aliar no sentido de não fugir da nossa essência que é a questão de estar próximo do paciente, tocando, sentindo o que ele sente. (uce 2209, enf. 15) Creio que o cuidado de enfermagem ele não pode ser deixado de lado, no sentido de prevalecer a questão da tecnologia em detrimento daquela questão de estar próximo do paciente, cuidando. (uce 2211, enf. 15) Acho que ele tem que saber entender as reações humanas que o paciente da terapia intensiva pode ter durante esse processo de internação e da dependência do cuidado. (uce 2365, enf. 15)

A articulação desses aspectos apresentados está associada na classe 1

pela palavra favor, com chi²: 75,09. Significa dizer que a aplicação da tecnologia no

cuidado de enfermagem remete ao uso das informações oriundas dela como

orientadoras das ações profissionais, tomando como referência as respostas

emitidas pelo cliente e captadas pela enfermeira a partir de uma assistência

prestada ao seu lado, focada no sujeito. Nesta perspectiva a palavra favor ganha

94

sentido, uma vez que significa o uso a favor da enfermeira e do cliente, quando se

busca um equilíbrio entre os elementos que integram o cuidado de enfermagem,

revelando a existência de um modo de agir na terapia intensiva.

É a visão do profissional que consegue utilizar a seu favor questões da prática profissional mais ligadas àquelas questões dos avanços que a tecnologia no CTI lhe proporciona. A minha preocupação enquanto profissional de terapia intensiva é fazer com que a gente hoje consiga distribuir melhor essas energias aí nas diversas atividades que desempenhamos na terapia intensiva. (uce 2343, enf. 15)

Por outro lado, a presença das palavras hoje, administrativo e ano, com chi²

respectivamente de 100,31, 96,81, 77,35 demarcam a outra funcionalidade da

tecnologia, ou seja, a sua face funcional organizativa do trabalho da enfermeira,

mais aproximada ao estrutural das atividades. Assim, tais palavras indicam uma

questão temporal, e sugerem que a evolução científica e tecnológica dos dias atuais

impactou no setor saúde e repercutiu-se no cotidiano assistencial, isto porque

implicou em dividir a atenção da enfermeira com atividades administrativas. Em vista

disso, neste caso então, o emprego de tecnologias se dá na lógica do

gerenciamento das respostas do cliente e, como consequência, pode gerar o

afastamento/distanciamento da enfermeira em relação ao cliente.

Mas hoje essa tecnologia é dividida na verdade, essa questão da tecnologia no cuidado ela é muito mais dividida com as questões administrativas (....) então acaba assim, na minha geração de trabalho no CTI, meu cuidado ele era muito mais leito do que propriamente com administração, administração ela vem de um curto espaço de tempo, dois anos. (uce 2273/ 2239, enf. 15) No meu início de trabalho eu não saía praticamente do leito, eu permanecia no leito durante muito tempo das minhas doze horas, acredito que as paradas eram apenas para almoço, para alguma atividade administrativa. (uce 2264, enf. 15)

Logo, este possível afastamento para a resolução de atividades de teor

administrativo faz com que a enfermeira se aproveite das vantagens e facilidades

resultantes da implementação dos recursos tecnológicos, conferindo a estes uma

conotação de facilitador do processo de trabalho. A palavra distante (chi²: 66,7) traz

em si este senso de afastamento.

95

Creio que existam profissionais que com a tecnologia se afastam mais do cuidado e preferindo visualizar as vantagens que a tecnologia dá no sentido de permanecer mais distante e estabelecer outras prioridades do que não o cuidado na essência. (uce 2213, enf. 15) O que acontece ultimamente, é que como o enfermeiro permanece mais distante do leito no seu trabalho, deixando a cargo do técnico de enfermagem essa execução, acho que nesse sentido o procedimento fica mais descoberto da observação coerente que o enfermeiro tem, embora muitos profissionais de repente o fazem por comodidade, por facilidade. (uce 2218, enf. 15)

À luz destas ideias, a palavra favor neste caso expressa apenas o uso a

favor da enfermeira, como um instrumento facilitador (chi²: 51,9) que propicia maior

agilidade no desempenho das suas atividades diárias, mas que parece estar

desprovida dos elementos mais próprios ao cliente.

Assim, poucos sabem utilizar a seu favor, acho que ela é utilizada muito mais como um facilitador do trabalho, do que basicamente a seu favor, hoje eu vislumbro enfermeiros que usam a tecnologia para adiantar o seu trabalho. (uce 2310, enf. 15)

As partes selecionadas da CHA da classe 1 apontam as duas

funcionalidades da tecnologia. Na primeira figura, as palavras alterações, avaliação,

observação e segurança se aproximam de cuidado e tecnologia e se inter-

relacionam com um segundo bloco que contém as palavras exercício e favor,

trazendo marcada a questão prática-assistencial. Enquanto na segunda, as palavras

hoje, passado, questão, trabalho e administrativo ilustram o sentido gerencial da

tecnologia.

96

Figura 4: Classificação hierárquica ascendente da classe 1

O enfermeiro 15 dá a impressão de revestir suas ideias por uma reflexão

mais crítica e abrangente, acerca da relação das enfermeiras com a tecnologia. Ele,

ao tempo em que faz menção a uma prática mais idealizada, estabelece um paralelo

com aquela que vem sendo realizada, delimitando a sua fala por uma comparação

entre o passado e o presente. É provável que sua experiência docente-gerencial

favoreça esse caráter mais avaliativo dado à classe.

O tema geral relativo às funções atribuídas à tecnologia identificado na

classe lexical 1 produzida pelo programa Alceste, pode ser aprofundado com base

nas nuances encontradas no contexto cultural da terapia intensiva a partir da sua

atenciosa observação. Esta estratégia dá condições para proceder uma análise

comportando os conteúdos presentes nos discursos e as características que fazem

parte das ações habituais das enfermeiras. Levando-se em conta esta linha de

pensamento, afirma-se que embora se reconheça a utilidade da tecnologia dirigida

para o cuidado direto no âmbito da assistência de enfermagem, na prática, ela

aparenta ter importância relativa, pois em diversas situações as informações

provenientes dos aparatos tecnológicos não eram captadas ou passavam

despercebidas, indicando a existência de outros focos de atenção da enfermeira.

Um exemplo registrado com bastante frequência que retrata isso se refere

ao banho no leito do paciente crítico, onde muitas vezes a monitorização era

completamente retirada, impossibilitando um acompanhamento mais intensivo. No

97

decorrer da observação de campo, o comentário do enfermeiro 3 sobre esse tipo de

ocorrência, no contraponto com o sentido da tecnologia no seu cuidado, coloca em

evidência a ação pautada no procedimento/tarefa e o excesso de atividades da

enfermeira impedindo uma supervisão mais próxima da assistência.

_Ela é primordial, é primordial para o cuidado que presto, principalmente aqui no CTI, se fosse na enfermaria acho que não, mas aqui no CTI ela é primordial (....) ela nos fornece informações que direcionam o banho, se eu tenho as informações eu sei se o cliente está instável, se vou dar o banho ou não (....) se eu implemento o processo de enfermagem em todas as etapas, que é lógico que vai mudando diariamente, eu tenho como decidir e ela ajuda (....) não só no banho, mas em intercorrências, nas intervenções. (trecho de diário de campo, enf. 3, 02/02/2011, de 08:50 às 14 hs)

Quando peço para que ele olhe para o leito ao lado, e fale sobre o fato da

equipe estar realizando os cuidados de higiene sem o auxílio da tecnologia, ele

continua:

_Isso é a praga da rotina, a rotina, as pessoas estão muito mais preocupadas com o procedimento técnico do que com outras coisas (....) aí depois acontece alguma coisa e a culpa vai recair sobre quem? Hoje sou eu e mais uma colega e é muita sobrecarga sobre o profissional de nível superior (....) o pessoal faz aquilo há muito tempo (....) eu acho que tem que morrer uma geração dos profissionais de enfermagem para as coisas mudarem. (trecho de diário de campo, enf. 3, 02/02/2011, de 08:50 às 14 hs)

Essa sobrecarga de que trata o enfermeiro 3 dá indícios de ter relação com

a participação da enfermeira em um conjunto de atividades de cunho administrativo,

o qual toma de modo considerável a sua atenção e concentração durante o trabalho,

e que pode repercutir-se na não detecção de determinados problemas clínicos com

o cliente. A explicação para isso é que o maior envolvimento com esse tipo de

demanda conduz automaticamente a um certo grau de distância do cliente e a

realização de ações pontuais, como ocorre com as enfermeiras 6 e 1 em um dia da

pesquisa. Elas estiveram no posto de enfermagem até próximo do meio dia,

manipulando as prescrições médicas e dando encaminhamento à terapêutica

medicamentosa, além de promover os registros clínicos. Durante esta permanência

das enfermeiras no posto central, escuta-se um dos técnicos que encontra-se no

leito 10 chamando:

98

_Quem é o enfermeiro que está aqui? Enfermeira (....) [tom de voz alto].

Uma pessoa no posto responde: _é a enfermeira 1. Esta rapidamente se pronuncia:

_é a hiperemia que estava na região sacra? Já vi, parece que é de antes de chegar

ao CTI. Ela se encaminha ao leito 10, e a técnica de enfermagem executa o teste de

reatividade da pele, chegando a conclusão de que trata-se de uma hiperemia não

reativa. Ao final a técnica questiona: _não tem um dersani, um hidratante ou algo

assim? A enfermeira 1 vai em busca dos produtos solicitados e retorna com dois

pacotes de gaze embebidos com as soluções. Logo em seguida volta ao posto de

enfermagem e dá continuidade aos afazeres anteriores. (trecho de diário de campo,

enf. 1, 19/01/2010 de 08:50 às 14:00 hs)

Em outro plantão dessas mesmas enfermeiras, acompanha-se a evolução

clínica do cliente do leito 1 por aproximadamente uma hora, o qual apresentava

descompensação da frequência cardíaca, com oscilação entre 36 e 45 batimentos

por minuto. Neste período não se observou movimentação das enfermeiras com

vistas às intervenções. A médica então, ao verificar tal anormalidade, solicita o início

de solução vasoativa, objetivando a estabilização cardíaca. (trecho de diário de

campo, enf. 1 e 6, 28/01/2011 de 9 às 14:30 hs)

De outro modo, o ambiente da terapia intensiva, pelas peculiaridades dos

clientes que lá estão internados, marcados pela criticidade, gravidade clínica e

instabilidade, oferece ao expectador uma variedade de situações, as quais põem em

destaque a importância do uso de tecnologias, contribuindo para a compreensão do

papel e do lugar que ela ocupa no cuidado neste cenário.

É o que acontece durante o desenvolvimento do banho ao cliente do leito 1,

quando se constata através da monitorização uma alteração no valor da pressão

arterial. A enfermeira 4 vai até o leito, manipula o dispositivo de pressão arterial

99

invasiva, observa a curva de pressão, e resolve por enquanto manter vigilância

constante. Na continuação do procedimento, o valor sistólico alcança 60 mmHg, se

traduzindo em uma conduta clínica da equipe, que decidem pelo uso de um

reexpansor de volume endovenoso. A intercorrência evolui de maneira desfavorável,

com queda drástica da pressão arterial e diminuição progressiva da frequência

cardíaca.

Há um clima de agitação, correria e tensão, e a equipe baseada nos dados

fornecidos pelas tecnologias e naqueles provenientes da avaliação clínica

direcionam as decisões. Tal cliente passa a requerer um novo procedimento de

intubação endotraqueal e restabelecimento da ventilação artificial, porém após a sua

execução, entra em quadro de parada cardiorespiratória, desencadeando um novo

ciclo de ações. Os profissionais de enfermagem participam ativamente do

transcorrer desta cena, através da manipulação das tecnologias e instrumentos,

observação dos resultados das intervenções e interpretação dos dados clínicos,

demonstrando a aplicação de conhecimentos científicos de modo a prever as novas

condutas e produzindo, ao final, um retrato da implementação da tecnologia nas

práticas de cuidar da enfermagem. (anotação geral do diário de campo, 19/05/2011

de 10:20 às 15 hs)

100

Avaliar/ Identificar Direcionar / Prever

Proximidade do cliente: tocar, sentir, observar

entender as reações

Tecnologia no cuidado de

enfermagem na TI

Facilitador do processo de trabalho a partir de

suas vantagens e facilidades

Afastamento do cliente: questões institucionais-

administrativas; e pessoais

Uso a favor da enfermeira e do cliente

Uso a favor da enfermeira

Figura 5: Composição da classe 1 Alceste; Fonte: produção do pesquisador

Modo de agir: equilíbrio

entre as atividades Modo de agir: maior

atenção às atividades

administrativas

FACE CUIDATIVA FACE GERENCIAL

101

4.2.1.2 Classe 2

Quadro 4: Classe 2 Alceste

Na classe em tela, composta por 9,98% do discurso analisado, sobressai-se

a noção dos elementos pessoais e profissionais que possibilitam a organização dos

estilos de cuidar em enfermagem na terapia intensiva. A afirmação acerca da

existência de diferenças nos estilos ganha substância com base nas palavras cada,

cuida, maneira, todas com chi²: 136,24, 82,10 e 36,3 respectivamente, expressando

o entendimento de que existem diferentes estilos de cuidar das enfermeiras no

ambiente da terapia intensiva, considerando as particularidades inerentes a este

sujeito.

Cada um tem suas especificações, mas eu acho que cada um tem um olhar sim, e dentro do CTI cada um cuida de uma forma (....) todo mundo visualiza a mesma coisa acredito, mas cada um tem um jeito de cuidar. (uce 784, enf. 6) Têm pessoas, eu acho que de uma forma positiva, uma forma tranquila, ninguém é igual a ninguém, mas assim, cada pessoa tem uma forma de pensar, agir, atuar, trabalhar. (uce 1236, enf. 8) Eu acho que cada um cuida da sua maneira, eu acho que não existe uma unificação, um padrão, até porque a sua vida, o teu comprometimento profissional, o grau de satisfação pessoal e profissional influencia a sua maneira de cuidar, na sua maneira de lidar com o outro. (uce 149, enf. 2)

Classe 2 224 uce Chi² Porc. Cada Cuida Buscar Conhecimento Acho Busca Cuidar Adaptar Religião Perfil Manipular Maneira Modo Personalidade Envolve Querer Acordo Individualidade Emocional Dominar

136,2 82,1 78,9 72,4 62,7 51,0 50,4 44,9 41,9 39,7 37,7 36,3 36,1 34,8 33,4 32,5 32,3 31,3 31,3 29,5

42,9 64,0 65,2 41,9 17,2 69,2 30,6 85,7 46,4 44,8 75,0 26,5 44,4 57,1 47,6 44,0 50,0 58,3 58,3 71,4

Variáveis:

Sexo feminino, mais tempo de formado, menos jovens, não escolheu o setor, turno noite, não especialista,

não católico

Elementos organizativos dos estilos de cuidar

9,98%

102

A gente está trabalhando com indivíduos completamente diferentes, entendeu, se nós quisermos que seja um atendimento igual, você não vai estar trabalhando com o ser humano. Tem que ser de forma diferenciada, porque são pessoas diferentes que prestam o atendimento. (uce 1778, enf. 12)

As palavras que se apresentam na sequência da classe 2 são buscar (chi²:

78,90), conhecimento (chi²: 72,45), busca (chi²: 51,08), querer (chi²: 32,5)

conduzindo ao argumento de que um aspecto que distingue tais estilos de cuidar é a

capacidade individual de busca e domínio constante do conhecimento. O

conhecimento se coloca de uma maneira particular na classe, pois se mostra como

um elemento pessoal-profissional destacado na organização dos estilos de cuidar,

ou seja, a necessidade de busca do conhecimento para subsidiar as ações em face

das tecnologias extrapola o perfil profissional para trabalhar na UTI, e se constitui

como uma obrigatoriedade para enfermeira por si só, independente de outras

características.

Acrescenta-se também que o uso do verbo buscar situa o lugar da ação da

enfermeira, da iniciativa, isto é, sua forma de cuidar tem a ver com essa vontade de

buscar, de ser um agente ativo e criativo que se inquieta diante das novidades que o

ambiente lhe proporciona, impulsionando-se em direção ao conhecimento. A

enfermeira 20 (chi²: 140,27) participa ativamente desta elaboração, fornecendo

subsídios à classe 2.

Primeiro você tem que ter vontade de aprender um pouquinho, mas depois que essa vontade passa, que você domina, você vira tarefeiro entendeu, aí você tem que buscar mais, mas vai de cada um querer buscar mais ou não. (uce 3405, enf. 20) Acho que quem gosta de terapia intensiva mesmo, se você quiser você consegue agregar muito conhecimento, mas acho que vai de cada um querer agregar ou não, vai de cada enfermeiro querer buscar, querer crescer, querer saber. (uce 3407, enf. 20) E às vezes os colegas falam mal um do outro e isso é uma coisa bem normal que a gente encara com muita naturalidade, porque o padrão de cuidar de cada um é bem diferenciado, e as vezes a gente tem que respeitar o colega que cuida de uma forma diferente da sua, diferente não tecnicamente, mas assim, você respeita o conhecimento dele. (uce 230, enf. 3) Então assim, não é só ter o conhecimento, mas você saber manejar bem tudo isso na assistência ao teu cliente, para você realmente poder ter um cuidado de qualidade para ele (....) você tem que saber manejar, tem que saber dominar. (uce 3216, enf. 20)

103

Esta configuração que as práticas da enfermagem assumem na terapia

intensiva, na qual o conhecimento desempenha um papel importante na organização

dos estilos, é o que direciona a questão do perfil profissional para trabalhar neste

setor, representada na classe pelas palavras adaptar (chi²: 44,82) e perfil (chi²:

39,70). Logo, o que justifica uma linha de ação marcada pela procura incessante do

saber para o domínio dos instrumentos articulados a este local, é a existência do

perfil profissional e consequente adaptação da enfermeira à assistência.

Ele tem a opção de tapar o buraco, de ser mais um para agregar na equipe, e nem sempre essa pessoa tem perfil. Muitos se adaptam, mas muitos realmente não têm esse perfil, e aí lá na frente dão um problema e você acaba tendo que trocar (....) então eu me adaptei na terapia intensiva, mas eu acho que na hora que você faz uma seleção, você tem que fazer uma seleção de acordo com o perfil de cada um, porque realmente se não tem perfil não vai se adaptar, não se adapta. (uce 3336/3329, enf. 20)

A variável escolha do CTI como local de trabalho é um ponto interessante

para análise, pela sua conexão com a classe ora discutida. Isto porque não optar por

lá atuar pode ter estreitas relações com a existência do perfil profissional, trazendo

influências na ação. A enfermeira 20, por exemplo, que não havia escolhido o CTI

voluntariamente tem um relato que traz implícito a importância do gerenciamento

das competências das enfermeiras intensivistas no processo de admissão, talvez

pelas dificuldades enfrentadas e também pela sua experiência no desempenho de

cargos de direção técnica.

Portanto, a partir da presença dos atributos pessoais/profissionais que

compõem a figura da enfermeira intensivista é possível o seu ajustamento a este

ambiente, refletindo-se em um estilo de cuidar orientado pela busca e posterior

junção de conhecimentos que atendam às demandas integrais do cliente na

interface com a tecnologia, apreendidas pela sua proximidade a ele. Então, os

caracteres requeridos à enfermeira que vão propiciar tal articulação do

conhecimento devem responder por aspectos relativos ao cliente e à máquina, como

por exemplo, gostar, agilidade, estabilidade, responsabilidade, manejo/interpretação

104

dentre outras. Ao contrário disso, a ausência de perfil gera a não adaptação da

enfermeira, a qual passa a não agregar valor à equipe de trabalho, produzindo um

estilo de cuidar passivo, guiado pela tarefa, com menor utilização do conhecimento,

e, possivelmente mais distante do cliente. Essas qualidades profissionais são

visíveis nas uce abaixo:

Então acho que o clima também, o ambiente do hospital, você tem que gostar disso e eu acho depois você ter o comprometimento teu, não só teu, mas de toda uma equipe, para você cuidar bem desse doente. (uce 3500, enf. 20) Então tem que ter estabilidade emocional para trabalhar lá, tem que saber trabalhar em equipe, você lida com diversos profissionais e com várias pessoas (....) ter agilidade, agilidade em determinadas situações, não é só agilidade, tem que saber manusear as coisas, tem que saber interpretar as coisas, tem que saber lidar com as coisas, manipular as coisas . (uce 1435, enf. 9) Acho que tem que ter respeito e responsabilidade, comprometimento, conhecimento, ser humano, humanização, tratar o paciente como ser em todos os aspectos e companheirismo. (uce 2553, enf. 16)

A força associativa destes elementos da classe 2 pode ser vista na

classificação hierárquica ascendente, onde o primeiro conjunto de palavras (cada,

um, tem) retrata as diferenças no cuidar; o segundo, através da coocorrência entre

busca, buscar e conhecimento traz as marcas de tais diferenças; e o terceiro (ter,

ser, trabalhar) indica os atributos profissionais, ou seja, o que se deve ter, ou como a

enfermeira tem que ser para trabalhar na UTI.

Figura 6: Classificação hierárquica ascendente da classe 2

As diferentes perspectivas de ação que as enfermeiras assumem na

condução de suas práticas e que revelam a presença dos elementos pessoais-

105

profissionais que levam à composição de estilos de cuidar, se expressam de modo

bastante claro quando o olhar se concentra sobre o fazer destes profissionais. Desta

maneira, os dados provenientes da imersão etnográfica no CTI permitem um

cotejamento com aqueles presentes na classe 2 gerada pelo Alceste, fomentando

uma discussão mais fundamentada sobre este subtema. A conformação de estilos

de cuidar enunciados na classe Alceste pode encontrar respaldo nesta

circunstância, a qual fornece uma imagem que vai ao encontro deste ponto de vista.

Ao conversarem sobre a dinâmica de cuidado das enfermeiras, um membro

da equipe de enfermagem descreve:

_Tem enfermeiro que entra nos cuidados, que gosta de participar do banho, que não precisa a gente chamar, que quando a gente vê ele já está lá, principalmente paciente após cirurgia, com curativos (....) existem outros que a gente olha assim e a gente já fala: “_aquele ali, nem vamos chamar!” Mas assim, após o banho, os cuidados, a maioria das coisas é com a gente mesmo, a gente identifica que o paciente está com bradicardia, aí a gente já vai lá e chama, quando tem uma punção profunda a gente auxilia (....) tem diferentes tipos de enfermeiros aqui. (trecho de diário de campo, técnicas de enfermagem, 19/01/2011 de 08:50 às 14 hs)

Tal diálogo pode ser complementado pelo relato da enfermeira 4, que

imprime à sua fala sobre os leitos de isolamento um tom de reclamação, pelo fato de

ficarem afastados do posto de enfermagem e de uma maior vigilância da equipe

multiprofissional. Assim, no seu conteúdo diferencia algumas características que

parecem delimitar os estilos de cuidar, como o comprometimento e o conhecimento.

Quando expõe sua opinião no que concerne à presença de uma central de

monitorização de todos os leitos do CTI no posto de enfermagem afirma:

_Com a central de monitorização ou não os problemas continuariam, pois isso depende do comprometimento da equipe. Esses dias vim colher um sangue aqui no leito ao lado [referindo-se a um dos leitos de isolamento], e acabei passando neste leito para observar a cliente. Quando vi o respirador estava desconectado, a cliente em parada cardíaca e o alarme estava tocando e ninguém viu. Tem gente que diz ser intensivista, faz pós-graduação, diz que tem vinte anos de CTI, e? Se realmente você não tiver um acompanhamento intensivo de nada adianta. Eu dava aula de emergência e CTI, e eu dizia aos meus alunos que a tecnologia é burra, ela precisa de cuidados, de manutenção (....) você precisa utilizar os seus conhecimentos, os sinais que o cliente está apresentando. (trecho de diário de campo, enf. 4, 12/01/2011 de 08:30 às 14 horas)

Esta necessidade de comprometimento com a assistência ao cliente no

cenário em debate, como um atributo profissional, se configura como um argumento

106

recorrente utilizado por esta enfermeira quando apresenta sua maneira de ver

alguns aspectos do cuidado de enfermagem. Ela então continua:

_Olha, o plantão de sábado foi super pesado, deu oito horas da noite, fui embora e não consegui olhar na cara do cliente do leito seis, me senti até mal por isso. A enfermeira 11 me ligou e disse à ela que ainda não havia conseguido ir lá no leito, pois passei a maior parte do tempo no leito, sete, oito e nove (....) acho que poderíamos fazer mais pelos pacientes (....) mas falta comprometimento, falta envolvimento de alguns profissionais, não adianta somente eu e você fazermos pois não vai adiantar. (trecho de diário de campo, enf. 4, 17/01/2011 de 08:30 às 14 hs)

Ao considerar este excerto reitera-se a concepção de que alguns caracteres

que compõem o perfil podem dar sentido à configuração dos estilos de cuidar na

terapia intensiva, se refletindo sob a forma de ações ou condutas que anunciam

através de gestos e comportamentos a presença de tais qualidades, bem como uma

maior ou menor aproximação do cliente. É o que acontece com os enfermeiros 8 e 3.

Nas ações da enfermeira 8 aparece de modo repetido características como o

respeito à subjetividade, interesse pelo outro, envolvimento.

Esta descrição clínica assinalada é a história de uma cliente acamada, do

sexo feminino, vítima de soterramento, lúcida e orientada, com fratura em membro

inferior direito e lesão com fasciotomia no membro esquerdo. Na cena verifica-se

que existe uma reunião médica em torno do leito desta cliente, discutindo-se acerca

da conduta terapêutica a ser implementada. A enfermeira 8 se aproxima da cliente,

segura a sua mão e começa a acariciá-la, permanecendo ao seu lado enquanto os

demais membros da equipe continuam conversando. Após alguns minutos a equipe

médica decide por uma intervenção cirúrgica, e a enfermeira resolve então promover

cuidados preparatórios de higiene. A cliente sentindo-se acolhida pela enfermeira e

com tom carinhoso se dirige a ela pelo nome: _será que teria possibilidade de

escovar os dentes? Durante todo período percebe-se preocupação com a possível

experiência de dor à manipulação física. A enfermeira 8 com ar de consternação

vira-se ao pesquisador e diz:

107

_Ela [a paciente] foi, abraçou a filha e conseguiu permanecer por seis horas soterrada (....) no plantão passado (....) nossa quando cheguei em casa não consegui fazer mais nada, fiquei com aquela história na minha cabeça. (trecho de diário de campo, enf. 8,17/01/2011 de 08:30 às 14 hs)

Já a anotação do enfermeiro 3 parece mostrar um menor envolvimento e a

valorização de outros assuntos implicados na assistência. No boxe de número 2,

duas técnicas de enfermagem realizam os cuidados de uma cliente idosa,

hospitalizada há algum tempo no CTI, encontrando-se sob uso de ventilação artificial

e com quadro de rebaixamento do nível de consciência. Em determinado instante

uma das técnicas de enfermagem pergunta: _quem está aqui? [aludindo-se ao

enfermeiro responsável na escala por este leito]. Alguém então responde: _o

enfermeiro 3. A técnica se direciona a ele: _enfermeiro 3, ela está vomitando [não

observa-se movimentação deste enfermeiro em relação à cliente]. Pouco tempo

depois a técnica de enfermagem solicita a um integrante da equipe que está no

posto central um cateter nasogástrico e novamente alerta: _gente ela está

vomitando muito, já saiu até pela traqueostomia! A enfermeira 4 ao passar próximo

ao leito e percebendo o desenrolar da situação se dirige até lá. Neste momento a

cliente evolui com queda da oxigenação e pressão arterial, e a enfermeira propõe

um chamado médico. A técnica de enfermagem em tom de reclamação completa:

_sabe o que é pior de tudo, é que o enfermeiro 3 está vendo isso tudo e está no

telefone! Após a passagem de um cateter nasogástrico de maior calibre e a

administração de medicações sedativas e antieméticas a cliente apresenta melhora

clínica. (trecho de diário de campo, enf. 3, 02/02/2011 de 08:50 às 14 hs)

Destaca-se neste trecho ilustrativo do diário de campo que o comportamento

do enfermeiro 3 não expressa diretamente o seu estilo de cuidar, mas a ausência de

cuidado em relação ao cliente, situação esta que do ponto de vista ético significa

negligência.

108

Com perfil – adaptação

(Atributos relativos ao

cliente e máquina)

Estilo de cuidar orientado

pela busca e junção de

conhecimentos: cliente x

máquina

Proximidade do

cliente x máquina:

atendimento das

demandas

Conhecimento ( busca/domínio) elemento diferenciador

Perfil profissional

Sem perfil - não se

adapta

Estilo de cuidar

orientado pela tarefa;

protocolizado

Menor aproximação do

cliente

Figura 7: Composição da classe 2 Alceste; Fonte: produção do pesquisador

Estilos de cuidar na

TI

AGENTE ATIVO E

CRIATIVO AGENTE PASSIVO

109

4.2.1.3 Classe 4

Quadro 5: Classe 4 Alceste

Com um número de 427 uce, o equivalente a 19,03% do total analisado, a

classe 4 apresenta relevante importância na constituição do corpus de análise e no

fornecimento de evidências que contribuem à compreensão da questão posta em

discussão neste estudo. Trata-se assim, da interrelação dos fatores

externos/estruturais com as práticas próprias da enfermeira na terapia intensiva, e

suas implicações nos estilos de cuidar. Isto se exemplifica inicialmente nesta classe

pelo uso das palavras enfermeiro e profissionais, chi²: 157,77 e 95,98, interação e

lidar, chi²: 40,3 e 39,7, as quais apontam a interface da enfermeira com os outros

profissionais que integram a equipe de saúde neste campo, como é possível

observar nas uce selecionadas.

Em terapia intensiva ela é boa, porque assim, a gente trabalha muito junto, muito em conjunto, a ação de um depende da ação do outro, então é uma interação muito boa com a equipe multiprofissional interna. (uce 2966, enf. 18)

Classe 4 427 uce Chi² Porc. Enfermeiro Profissionais São Estrutura Acho Terapia intensiva Assistência Grande Serviço Trabalham Hospital Interação Setor Lidar Enfermagem Médicos Diferente Geral Maioria Relacionamento

157,7 95,9 95,6 70,2 70,0 69,1 64,0 63,5 51,6 48,9 41,5 40,3 40,2 39,7 38,6 36,6 36,5 35,7 33,2 32,4

46,3 61,2 44,4 90,4 29,1 44,2 47,0 53,8 57,6 77,2 52,7 57,1 45,3 46,7 42,0 65,3 42,7 47,0 51,0 78,5

Variáveis:

Sexo masculino, menos tempo de formado, mais jovem, escolheu o setor,

turno noite, não especialista, não católico

Fatores estruturais externos à prática de cuidar das enfermeiras

19,03%

110

A gente tem um pouco de briga com esses profissionais externos, mas os profissionais que ficam dentro do CTI, de modo geral o relacionamento é bom (....) com certeza se algum enfermeiro escutasse isso ele iria falar, ainda mais se eu conheço a equipe que tem lá (....) eu sou brigona, mas não sou tanto, tem gente que é muito pior do que eu. (uce 2756, enf. 17) Você não tem que ter medo de falar o que você pensa, eu acho que muitas vezes a pessoa se retrai um pouco, mas em sua maioria não, a maioria da equipe de enfermagem, eu percebo que eles lidam muito bem com os outros profissionais das outras áreas. (uce 2021, enf. 13) Acho que o que me dificulta é a falta de interação profissional, eu acho que as outras profissões não têm a mesma. (uce 1156, enf. 7)

Os trechos ilustrativos destas uce servem para mostrar que a relação da

enfermeira com a equipe multiprofissional que compõe a estrutura externa ao CTI do

hospital é demarcada nos discursos por um aspecto espacial, os de dentro e os de

fora, da qual emergem possíveis conflitos que podem dificultar o exercício do

profissional, retraí-lo e impactar nos seus estilos de cuidar. Por sua vez, o uso

frequente da palavra médico (chi²: 36,6) dá a entender que este profissional ocupa

posição central no relacionamento da enfermeira com a equipe.

(...) Existem alguns profissionais que são assim, em contrapartida existem outros profissionais médicos que não são assim, eles simplesmente tomam as condutas deles e não repassam para gente (uce 1416, enf.9) Não acho que seja uma constante, nem algo que seja de todos os médicos, você nota aqui que tem médicos que tem uma postura boa em relação à enfermagem e aos procedimentos que são feitos. (uce 3747, enf. 21) Eu acredito que seja boa sim, porque a maioria, tanto profissionais fisioterapeutas, os médicos, na sua grande maioria são bons médicos, porque às vezes eu achava até que não eram e quando eu fui trabalhar em outro lugar eu quase morri. (uce 2749, enf. 17)

Essa influência de determinantes externos nas práticas assistenciais da

terapia intensiva se materializa também na existência de outros assuntos, como é o

caso das condições de trabalho, que ocupa a atenção e concorre para uma

sobrecarga da enfermeira. Embora não estejam presentes no quadro inicial da

classe 4, as palavras cansaço e sobrecarga, ambas com porcentagens de 83,33%

parecem ser um vocabulário típico a esta classe, remetendo a tais condições de

trabalho.

Uma coisa também é a sobrecarga de trabalho deles, que eu acho que eles estão sobrecarregados, as equipes estão muito sobrecarregadas, e acabam sobrecarregando também a equipe, os enfermeiros estão sobrecarregados.(uce 2477, enf. 16)

111

Mas a gente nota também que em alguns momentos o cansaço é forte, e isso acaba sendo nítido assim, nessas nossas, não só nas conversas, mas até na figura do profissional enfermeiro, e como eu falei, as questões fora da assistência acabam interferindo nesse cansaço. (uce 3769, enf. 21)

Esta ideia das condições do trabalho é evidenciada no arranjo da classe 4

pelas palavras estrutura (chi²: 70,23), terapia intensiva (chi²: 69,11), serviço (chi²:

51,06), hospital (chi²: 41,5), que sinalizam a presença de problemas relacionados à

estrutura institucional, a exemplo do quantitativo de membros da equipe de

enfermagem em comparação ao número de leitos no CTI, disponibilidade de

material, bem como no que tange às questões salariais e à necessidade de outras

atividades rentáveis, e têm fortes reflexos no nível de desgaste, cansaço e talvez

motivação das enfermeiras.

E seja por falta de pessoal, pela estrutura deficiente que está bem aquém do que a gente precisaria, e eu acho que em alguns momentos a gente está lidando com uma equipe que está realmente desgastada, cansada. (uce 3770, enf. 21) Hoje a gente tem dez leitos de terapia intensiva geral no hospital, é muito pouco para demanda que nós temos, outra coisa também em relação a essa questão estrutural, número de vagas e a questão do número de pessoal. (uce 3696, enf. 21) As questões de problemas que existem no serviço público, sejam pela falta de pessoal, material (uce 3642, enf. 21) Como também a questão salarial também vai interferir no meu humor. (uce 2749, enf. 17)

O grupo dos enfermeiros mais jovens e com menor tempo de formação,

como ocorre com o enfermeiro 21, possui correlação especial com esta classe.

Presume-se que tais características os façam rapidamente perceber o impacto que

as dificuldades estruturais têm sobre a atuação dos membros da equipe de

enfermagem que estão há mais tempo trabalhando, os levando a produzir então um

discurso nesta linha de argumentação.

Os dois cortes executados na CHA desta classe amplificam tais fatores, os

quais na árvore colocam de um lado a interação com a equipe médica, visto pela

relação da palavra médicos e relacionamento, que se liga a enfermagem e

112

profissionais, e de outro lado os aspectos estruturais identificados pelo cruzamento

entre estrutura, hospital, serviço e assistência.

Figura 8: Classificação hierárquica ascendente da classe 4

Estes elementos externos à prática direta de cuidar da enfermagem, mas

com implicações no seu desenvolvimento, também possuem partes interessantes

para serem discutidas quando se visualiza essas relações durante o seu desenrolar

imediato, como feito na observação sistemática, enriquecendo o debate em torno da

classe 4 do Alceste. No caso da equipe multiprofissional, percebe-se um convívio

permeado em alguns momentos por contingências e discordâncias que denotam ter

efeitos no contexto da assistência de enfermagem, sobretudo do que se refere aos

profissionais médicos. O conjunto de registros selecionados traz um quadro disso.

No primeiro, antes de fazer o relato sobre os temas que foram levantados

durante o round (reunião clínica da equipe), a enfermeira 9 se direciona às outras

enfermeiras e diz:

113

_Enfermeira 4 eu lembrei de você hoje na hora do round, eles [a equipe médica] estão fazendo tipo um roteirinho aonde eles vão checando, exemplo, prevenção de trombose ok, aí chegou a cabeceira elevada, o médico falou: “_ah, tem que ver com a enfermagem”. Aí eu disse: “_tem que ver com a enfermagem não, a cabeceira elevada qualquer profissional que ver pode fazer, até o próprio paciente, a gente já informou a ele”. Aí seguiu, a aspiração. Eu levantei o dedo e falei: “_a aspiração também não, não é só a enfermagem que realiza a aspiração (....) se for assim eu também vou andar com a prescrição vendo: “_ah você também não prescreveu a liquemine e sabia que não tinha heparina”. A enfermeira 4 comenta durante a conversa: “_eu fico me coçando com isso” [faz uma expressão corporal de inquietação]. (trecho de diário de campo, enf. 9, 08/04/2011 de 09:20 às 13:40 hs)

Na segunda situação a enfermeira 5, ao ver a aglomeração de profissionais

de enfermagem ao redor do leito 1, questiona sobre a admissão deste cliente. A

enfermeira 6 em conjunto com outros membros da equipe relatam o ocorrido com

gestos de descontentamento:

_O paciente chegou em cadeira de rodas com o maqueiro somente, saturando a 39% e sem oxigênio. Eu pedi para a técnica de enfermagem chamar o médico e quando sinalizei para ele no monitor, ele disse que era do aparelho. A técnica de enfermagem complementa: _ela colocou o saturímetro no dedo dela e estava 98% (....) mas ele é ortopedista. A enfermeira 6 conclui: gente ortopedista não é médico. (trechos de diário de campo, enf. 5 e 6, 18/03/2011 de 13 às 17 hs)

A última cena refere-se à presença no CTI de uma equipe de outro setor

para a realização do exame de endoscopia digestiva em uma cliente com quadro de

sangramento, que evoluía com descompensação do padrão hemodinâmico. Após

preparo e posicionamento da cliente, o médico a recomenda:

_A partir de agora a senhora pode deixar a saliva escorrer no lençol, não se preocupe que a enfermagem troca, eles gostam de trocar a roupa de cama, quanto mais sujo melhor. (anotação geral

do diário de campo, 25/03/2011 de 12:40 às 17 hs)

Um fato anterior a este é que a equipe de enfermagem há poucos minutos

tinha efetuado a troca da roupa de cama desta cliente em virtude do sangramento.

No contexto em foco, um item concernante à estrutura institucional que provoca

insatisfação das enfermeiras é a falta de materiais para a provisão de um cuidado

adequado. A ausência de recursos assistenciais causa desgaste e polêmica, como

se vê neste trecho do diário de campo acerca da roupa de cama. Uma técnica de

enfermagem pergunta sobre a quantidade de lençois: _enfermeira 4, quem recebeu

a roupa hoje, por que já acabou? Pouco tempo depois esta enfermeira faz contato

telefônico com o serviço de rouparia/lavanderia. Durante a conversa ela argumenta:

114

_olha só, vocês encaminharam vinte lençois para o setor, mas já acabou, a gente

não usa só dois lençois no cliente. Após a resposta do funcionário da rouparia, a

enfermeira 4 novamente explica, algo contrariada:

_Tem que dar não! Não é que tem que dar, aqui no CTI o paciente é diferenciado, a gente precisa de mais lençois! Após o término da ligação ainda continua: _tem que dar! Eu não gosto disso, aqui não é enfermaria não! Eu hein! Quando o ministro teve aqui tinha até edredon (....) são 10:40, se 11:00 horas a roupa não chegar eu vou ligar para a administração. (trecho de diário de campo, enf. 4, 02/02/2011 de 08:50 às 14 hs)

Ressalta-se ainda questões como a distribuição dos leitos de terapia

intensiva, e a redução no quantitativo de pessoal que são constantes objetos de

preocupação das enfermeiras. Acerca desta alocação de vagas no CTI, a enfermeira

8, por exemplo, mostra-se inquieta por não saber quem será o paciente a ser

admitido, e alega que existe a necessidade de que as vagas do CTI sejam reguladas

por um setor específico do hospital, pois quando isso não acontece as pessoas vêm

diretamente na unidade, criando um clima de indecisão. Sobre as idas e vindas

relacionadas à internação afirma: _está tudo certo e aos quarenta e cinco minutos

do segundo tempo tudo muda (referindo-se às constantes mudanças na distribuição

dos leitos). A enfermeira 11 também ratifica essa concepção quando diz:

_Ele ainda não percebeu que é ele quem tem que ver a vaga (....) mas hoje eu estou uma pessoa zen, não vou brigar com ninguém! Em outro momento, ao estar diante de uma situação inadequada identificada, expressa o excesso de atividades: _é por isso que eu tenho orgulho de ser da enfermagem. A gente identifica as coisas, a gente pode não saber fazer, mas a gente sabe que alguma coisa não está certa. E é tudo a gente cara, tudo a enfermagem que tem que resolver, ninguém vê nada, não resolve nada! (trechos de diário de campo, enf. 8 e 11, 24/01/2011 de 09:20 às 14:20; 03/02/2011 de 09 às 14 horas)

Já a redução do número de funcionários é uma matéria que também faz

parte das conversas das enfermeiras, como consequência do impacto que acarreta

na assistência de enfermagem. A enfermeira 5, pensando no clima de incerteza

relativo à dispensa de membros da equipe, e a mudança na escala de trabalho com

a vinda de enfermeiras do turno da noite para o dia com o intuito de suprir as

necessidades de pessoal, exprime o seu receio:

115

_Conversei com a chefia e eles disseram que muita coisa vai mudar (....) [fica um ar de incertitude] eu falei que posso ajudar, dar uma ajuda na rotina, mas dentro do possível. (trecho de diário de campo, enf. 5, 14/02/2011 de 11:30 às 16:30 horas)

Os de dentro x os de fora

Conflitos profissionais

Dificultam/Retraem Gera insatisfação

Sobrecarga profissional

Número de empregos, de membros da equipe/

salário/material

Desgaste/ Cansaço/Falta de

motivação

Figura 9: Composição da classe 4 Alceste; Fonte: produção do pesquisador

4.2.2 DISCUSSÃO

O debate no campo da saúde, e, em especial, na área da enfermagem sobre

a aplicação de tecnologias que dizem respeito aos equipamentos e máquinas, ocupa

na atualidade espaço importante no cenário internacional, discutindo-se, sobretudo,

os riscos e benefícios oriundos dos usos que se faz de tais tecnologias, bem como

as relações construídas pelos sujeitos com elas. Na pesquisa em tela, esta

discussão ganha destaque com foco no cuidado de enfermagem.

No caso do Brasil, algumas das produções recentes vêm abordando a

temática. O estudo de Schwonke e colaboradores (2011) traz uma reflexão acerca

Fatores externos às

práticas de cuidar

Relação com a equipe

multiprofissional/médicos Condições de trabalho

116

do uso da tecnologia no cuidado de enfermagem ao doente crítico em terapia

intensiva, na defesa de um cuidado com as máquinas. Nesta perspectiva,

posicionam-se a favor da necessidade de análise da função relacional dos aparelhos

com a enfermeira, o doente e o ambiente de cuidado, para que se obtenha uma

maior chance de efeitos terapêuticos positivos. Os autores propõem repensar as

tecnologias chamadas de duras como um estar com o doente crítico, ou seja,

significa deixar de lado o entendimento de que ao se cuidar da máquina se esquece

aquele que de certa forma depende dela.

Portanto, argumenta-se que a tecnologia dura não é contrária ao contato

humano, mas considerada um agente e um objeto desse encontro, podendo remeter

ao senso de humanizar mesmo em um local altamente tecnológico como é o de

terapia intensiva. É primordial então estabelecer novas relações harmônicas entre o

cuidado e a tecnologia, nas quais esta última seja percebida como um instrumento

de visualização do humano (SCHWONKE e colaboradores, 2011).

Méier e colaboradores na sua publicação de 2010 acrescentam a questão

ética como balizadora quando abordam sobre a tecnologia. Estes autores (op. cit.),

ao partirem de um conceito abrangente de tecnologia em enfermagem questionam a

sua interface com a ética. Define-se na investigação que a tecnologia no âmbito da

enfermagem ultrapassa a existência de um produto palpável, pois implica em utilizar

saberes, compreende métodos e processos envolvidos no cuidado, dos quais

emergem determinados dilemas éticos.

Dentre os resultados da pesquisa, do que importa para o que ora se

apresenta, salienta-se o eixo denominado a ética e o uso da tecnologia de

enfermagem, que engloba pontos como o conhecimento empregado, os benefícios

da sua aplicação e o acesso à tecnologia, e que ressalta a importância de um

117

exercício reflexivo e do amparo em princípios éticos que embasam a profissão

quando da utilização de tecnologias numa concepção ampliada, e na tomada de

decisões concernantes a ela (MÉIER e colaboradores, 2010).

Marques e Souza (2009) retomam o diálogo sobre a humanização em

ambientes intensivos, buscando articulações com a inserção da tecnologia neste

cenário. Neste ínterim, considera-se a utilidade das tecnologias na preservação do

estado clínico e manutenção da vida do cliente, favorecendo ações imediatas e

segurança à equipe. Todavia, acredita-se que ela possa contribuir para o abandono

do cliente, sendo necessário que haja a sua integração com os pilares da

humanização, através de elementos como o acolhimento, respeito ético e cultural do

paciente, satisfação dos profissionais e usuários.

A abordagem das tecnologias em investigações de outros países também

possui algumas similaridades. É o que mostra, por exemplo, este estudo divulgado

em 2009 pelo European Journal of Disability Research. O problema de partida que

se coloca é que o calor do cuidado é frequentemente posto em oposição à frieza da

tecnologia, mas seria esta uma oposição significativa? Segundo os pesquisadores

inúmeros trabalhos concebem a relação entre o homem e as tecnologias como

sendo puramente racional e instrumental, e nestes, as tecnologias são vistas como

meios funcionais a serviço de fins humanos (POLS, MOSER, 2009).

Entretanto, preferem se apoiar em um segundo grupo de dados de

pesquisas, os quais colocam em evidência a maneira como as tecnologias e seus

utilizadores se reconfiguram reciprocamente nas suas práticas particulares. Neste

sentido, com base em documentários e material etnográfico, a partir dos quais foi

feito o aprofundamento das relações estabelecidas com as tecnologias de cuidado,

dos valores em jogo, das identidades produzidas na interação, os autores alegam

118

que a oposição entre a frieza da tecnologia e o calor do cuidado não se sustenta,

pois existem diferentes conexões entre as pessoas e as tecnologias nos seus

contextos de uso, as quais permitem criar variados laços afetivos e sociais (POLS,

MOSER, 2009).

Já o artigo da Revue Européene de Psychologie Appliqué de 2010 propôs

uma crítica à noção de aceitação das tecnologias ao analisar o paradigma da

aceitação. Isto porque humanos e tecnologias estão ligados por relações estreitas, e

do que se pode falar de simbiose humano-máquina. A avaliação da aceitação das

tecnologias conduz a considerar que elas não devem ser entendidas como um corpo

estrangeiro que o homem deve aceitar ou recusar, mas como uma parte de nós

mesmos, que do ponto de vista metafórico se comporta como uma simbiose.

Quando o homem e máquinas começam a formar unidades coerentes e

indissociáveis, esta interface entre o homem, a máquina e a organização pode ser

apreendida como uma relação simbiótica, marcada por forte dependência, e sendo

esta a melhor perspectiva para explicá-las (BRANGIER; HAMMES-ADELÉ;

BASTIEN, 2010).

O aspecto moral implicado no emprego das tecnologias está presente nas

ideias de O’Keefe-McCarthy (2009) na revista inglesa Nursing Ethics, segundo a

qual há a necessidade de um exame moral dentro do contexto tecnologicamente

mediado da UTI. Por meio de uma análise reflexiva, pontua-se que ao informar e

direcionar a assistência de enfermagem, a tecnologia muda a dinâmica moral e

social do binômio enfermeira-paciente, pois quando as enfermeiras aplicam-na para

interpretar e avaliar os resultados produz-se uma distância que as coloca em

posições de poder como autoridade epistêmica constrangendo os pacientes. Desta

maneira, tenta-se mostrar como a tecnologia modifica a forma de compreensão das

119

enfermeiras, oferecendo subsídios para a discussão ética da tecnologia e seu

impacto na prática moral das enfermeiras.

À conta do exposto pelos estudos que servem de base à interpretação, bem

como tendo em vista os dados apresentados na interlocução da classe 1 do Alceste

com a observação sistemática, afirma-se que o discurso das enfermeiras sobre a

sua prática de cuidar no ambiente da terapia intensiva perpassa as

tecnologias/maquinários aplicadas às situações de atendimento ao cliente, a partir

das funções que são atribuídas a elas no contexto da assistência, qual seja quando

utilizada numa perspectiva pragmática de atenção direta ao cliente, ou ao ocupar um

papel destinado ao gerenciamento das ações de cuidar.

Sob esta ótica, ambos os usos feitos destes recursos tecnológicos pelas

enfermeiras vêm demarcado por uma atribuição de sentido, na qual sobressai uma

ideia de dualidade envolvendo os pólos aproximação e distanciamento do cliente,

onde estar próximo incute um sinônimo de ter melhores condições para o respeito às

suas necessidades físicas e psicossociais no intermédio com os aparelhos,

enquanto que a distância assume uma conotação negativa de desvalorização dos

aspectos humanos e manejo operacional das informações fornecidas, tendo esta

última um tom narrativo de desaprovação no exercício profissional.

Esta característica extraída na composição da fala das enfermeiras sobre a

prática que se reporta às tecnologias tem fundamento nas normas e valores próprios

que integram, desde a sua constituição histórica, a profissão de enfermagem no

mundo e que foi se configurando ao longo do desenvolvimento e evolução

profissional elemento fundamental da sua identidade, e que seria, inclusive, um

aspecto diferenciador da atuação de outros membros da equipe multiprofissional.

120

Um relato importante que sustenta esta análise é o de Carvalho (1997, p.10),

importante pensadora da enfermagem brasileira, quando diz:

os valores ético-profissionais estão integrados no corpus do conhecimento da enfermagem. Eles estão nas leis e nos códigos e fundamentam os processos éticos, disposições e normas que regulam a enfermagem (...). Na vida profissional somos obrigados moralmente a considerá-los, respeitá-los, a ponderá-los e a cumprir suas determinações. Tal como entendo, os valores da enfermagem fundamentam-se em uma ética da “dignidade do homem” e como princípios os que constam nos documentos básicos da profissão.

Ela cita ainda que no código de ética profissional consta o tipo de relação

que a enfermeira deve manter com o indivíduo, a qual sublinha: “exige-se da

enfermeira consideração aos cuidados de enfermagem, não só pela promoção do

conforto físico, emocional, espiritual, mas pelos requisitos adequados a um ambiente

terapêutico e propício ao respeito dos valores, costumes e crenças individuais” (op.

cit., p. 10).

Portanto, o uso da tecnologia, não obstante traga inúmeros benefícios,

sobretudo no que concerne à objetividade no cuidado prestado pela enfermeira ao

cliente, apela pelo respeito aos valores profissionais através de uma postura com o

cliente de resolução das suas necessidades de maneira integral, já que, ao

contrário, a valorização da dignidade humana seria posta em “cheque”. Isso exprime

ainda os limites da tecnologia e o fato dela não ser por si.

Assim, verifica-se que os argumentos em torno dos usos feitos pela

enfermeira da tecnologia se inscrevem em um território de pertença social e de

identidade. Tais aspectos têm relevante implicação quanto às representações

sociais. As concepções de Jovchelovitch (2008) contribuem neste trabalho

elucidativo. Ao entender a noção de comunidade como um espaço social que se

define pelos atores, refere que nestas comunidades se elaboram saberes comuns

que fornecem a seus integrantes referências e servem de baliza para uma

121

construção de sentido sobre as coisas ao seu redor, a partir das quais estabelecem

interface entre suas histórias individuais com a vida em comunidade. Estes saberes

comuns produzem um sentimento de pertencimento, de forma que as histórias

individuais estão imbricadas por acontecimentos, formas culturais e modos de se

comportar de toda a comunidade.

Por bem dizer, se referem ao quem da representação, por meio do qual se

conhece as condições de produção de um saber. Significa então, que quando fala-

se do quem recupera-se a questão da identidade e o fato de que nos atos de saber

as pessoas representam a si mesmo e aos outros. Desta maneira, representações

trazem em si identidade, cultura e história de um grupo de pessoas, são

impregnados de memórias sociais e pertencimento que atestam a inscrição do

sujeito no grupo (JOVCHELOVITCH, 2008).

A existência de formas de agir diversificadas das enfermeiras quando se

refere ao ambiente de cuidados intensivos tem sido veiculada em produções

recentes da área da enfermagem. Um dos objetos de preocupação dos profissionais

deste campo, acerca das diferenças na maneira de cuidar, diz respeito à

implementação de tecnologias na assistência. Silva e Ferreira (2011) ao

identificarem as representações sociais das enfermeiras sobre a tecnologia presente

no CTI, relacionando-as a formas particulares de agir destas no cuidado ao cliente,

traz evidências destas marcas pessoais do cuidado.

Nesta pesquisa referenciada (op. cit.) a tecnologia se apresenta como um

ente desconhecido a enfermeira novata, o qual possui especificidades relativas à

manipulação e consequente interpretação dos dados que se repercutem na

necessidade do seu domínio. Assim, sublinha a importância de uma espécie de

letramento tecnológico para esta enfermeira como um requisito para cuidar. A

122

justificativa para tal letramento é que para o domínio da tecnologia e o cuidado

integral ao cliente, a novata precisa aprender os modos de comunicação da

tecnologia, pois, caso contrário, o cuidado torna-se interditado. Contudo, frente à

esta demanda de aprender sobre a tecnologia tem aquelas que querem e as que

não querem investir na aprendizagem. As que aceitam adotam estratégias próprias

para conhecer, enquanto as que optam pela segunda alternativa se distanciam do

cliente ou se acomodam, alegando fatores como a escolha do setor, acolhimento

dos colegas, gosto pelo tipo de trabalho (SILVA; FERREIRA, 2011).

Ao encontro desta linha de pensamento, as interrogações de Santana e

Fernandes (2008) sobre o processo de capacitação profissional das enfermeiras de

UTI de um hospital geral da cidade de Salvador/Bahia acrescentam alguns

elementos interessantes. Entendendo o CTI como um setor onde as transformações

advindas da inserção tecnológica são velozes, introduzindo novos sistemas e

aparelhagens, a enfermeira se depara com a necessidade do processo de

capacitação, que se conforma como uma prática interna e social.

Dentre os núcleos de sentido apontados tomando como referência a análise

de conteúdo realizada, se destaca neste momento: a sofisticação tecnológica como

um fator, que inserido nas reformulações atuais da saúde e nos paradigmas

contemporâneos impulsiona a capacitação profissional da enfermeira na busca de

novos conhecimentos e habilidades técnicas que garantam a qualidade da

assistência; os aspectos individuais e coletivos da organização interferindo na

capacitação da enfermeira.

Quanto a este último núcleo, percebeu-se nos treinamentos oferecidos pela

instituição que a participação era baixa das enfermeiras, guardando explicações com

os aspectos organizacionais e individuais, tais como ausência de horário, falta de

123

recursos financeiros, dificuldade de conciliação com outras atividades, desmotivação

pelo tempo de trabalho e falta de interesse. Desta maneira, conclui-se que a

capacitação profissional da enfermeira intensivista está permeada de determinantes

históricos, sociais e também pessoais que impactam na aquisição de saberes frente

a um contexto de trabalho contraditório e complexo (SANTANA; FERNANDES,

2008).

Estas bibliografias sinalizadas ajudam a remarcar como o conhecimento

termina por se configurar um componente fundamental no contexto assistencial da

terapia intensiva, sobretudo quando pensado no contraponto com os avanços

tecnológicos. Esta afirmação é ratificada por uma investigação brasileira conduzida

sobre o enfoque das representações sociais acerca do trabalho da enfermeira no

CTI, mediante o rastreamento do núcleo central e periférico (SILVA; CRUZ, 2008).

Conforme as autoras (op. cit.), a dinâmica que se desenvolve neste local, onde

incidem aspectos como a interação com a equipe multiprofissional, a proximidade

com a morte, tensão e conflitos fornece condições para a construção de

representações sociais.

Com base nas evocações livres de 90 enfermeiras sobre a questão foco,

emergiram duas categorias centrais: o trabalho da enfermeira em UTI associado ao

estresse e responsabilidade, do qual participam elementos como conhecimento,

compromisso, atenção, exaustivo, cansativo; e trabalho da enfermeira em UTI

associado à assistência integral e gratificação, onde fazem parte a dedicação, o

amor, o trabalho em equipe e autonomia. A interpretação proposta pelo trabalho

indica que a característica de centralidade de ser uma prática estressante e de

responsabilidade, tem interface com o conhecimento adquirido pelos profissionais

124

diante das transformações e dos desafios impostos pela atualidade, dando

sustentação ao significado atrelado à categoria.

Além disso, o fato de ser cansativo e exaustivo justifica a qualidade de

estressante. Outro resultado que merece ser pontuado são os conteúdos periféricos,

os quais se organizam em torno do núcleo central. Assim, a despeito de ser um

trabalho estressante, de responsabilidade e englobando uma assistência integral,

faz sobressair os atributos pessoais e profissionais para quem lá vai atuar, tais como

competência, discernimento e união de um lado, e dinâmico, paciência, esforço de

outro (SILVA; CRUZ, 2008).

Este perfil profissional também encontra respaldo em pesquisas que

abordam avaliações da assistência de enfermagem na terapia intensiva

recentemente publicadas em periódicos conceituados na literatura, como é o caso

da de Balsaneli e colaboradores (2008), Bucchi e Mira (2010), Silva (2011). Há

confluência na discussão dessas produções científicas quando se pautam na

complexidade do cuidado intensivo, onde dimensões objetivas e subjetivas

impactam ativamente, para ressaltar a preocupação com a atuação da enfermeira, já

que esta precisa assistir de maneira segura, ética e com qualidade. Por conseguinte,

em virtude das peculiaridades do ambiente de cuidado acentua-se a questão das

competências e habilidades do profissional, formando o que poderia ser denominado

de figura tipo da enfermeira intensivista.

A competência das enfermeiras necessária para o desempenho do trabalho

no CTI tem assento em pesquisas internacionais, o que reforça a interrogação sobre

quem pode atuar neste local. As professoras norte-americanas Kendall-Gallagher e

Blegen (2009) realizaram uma pesquisa cujo objetivo era explorar a relação de

enfermeiras certificados na equipe e o risco de danos ao paciente. Elas explicam

125

(op. cit.) que o nível de conhecimento e julgamento desempenha papel importante

na prevenção dos eventos adversos, e, apesar de ser uma área nova, aconselham

sobre a associação entre a certificação na especialidade, competência clínica das

enfermeiras e segurança dos pacientes.

Embora tenham um discurso cauteloso e recomendem mais investigações,

demonstram que a proporção de enfermeiras certificadas foi inversamente

relacionada com a taxa de quedas, e o número de anos de experiência das

enfermeiras da unidade inversamente relacionado à frequência de infecções do trato

urinário, indicando que existem ligações entre a competência das enfermeiras e a

segurança dos pacientes (KENDALL-GALLAGHER; BLEGEN, 2009).

Em estudo francês de 2006, intitulado práticas avaliativas da formação da

enfermeira e competências profissionais (ROBERTON, 2006), o desenvolvimento de

competências pela enfermeira que deem conta das demandas sanitárias da

população em conformidade com as políticas de saúde ganha relevância. Neste

sentido, coloca como cerne a avaliação de tais competências, a qual deve ser

centrada na identificação das situações, dos conhecimentos teóricos associados,

nas capacidades profissionais desejadas, devendo ser pensada em termos de

processo e não simplesmente quanto a produto e métodos. Levanta-se, portanto, a

pergunta sobre o lugar das competências profissionais nos dispositivos atuais de

formação da enfermeira, denotando também a existência desta preocupação em

outros países (ROBERTON, 2006).

Os resultados da classe 2 do Alceste apoiados no debate atual da temática

permitem ilustrar o entrelaçamento do individual e social implicado na emergência

deste sub-tema ligado às práticas de cuidar das enfermeiras no CTI. A explicação

para isso tem o seguinte fundamento: por um lado as informações que circulam no

126

meio acadêmico/científico/profissional referentes ao campo especializado da terapia

intensiva vinculam a necessidade de conhecimento aprofundado sobre os domínios

de atuação profissional nesta área, bem como a busca pela renovação constante

dele para o atendimento das demandas do moderno. Além disso, reafirmam a

constituição de uma figura idealizada de enfermeira, a qual porta determinados

atributos que a qualifica como um tipo adequado ao fornecimento da assistência que

acontece neste ambiente.

Este “social” cria uma espécie de norma que regulamenta e serve de

referência para as enfermeiras intensivistas, principalmente quando analisadas em

relação às enfermeiras de outros campos de saber; por outro lado revelam como a

enfermeira se comporta diante disso, a esfera da singularidade, que posição ela

assume quando toma em consideração estes elementos socialmente

compartilhados, sem perder de vista a dimensão da experiência, dos valores e dos

afetos que este social mobiliza nelas.

Estes processos envolvidos nas perspectivas desenvolvidas pelas

enfermeiras para cuidar dos clientes leva a retomar alguns pontos trazidos por

Jovchelovitch (2008) ao tratar dos contextos do saber e interrelacioná-los com as

representações sociais. A autora (op. cit.) coloca os saberes partilhados como um

algo permeado de sentido que já está ali, pronto, algo definido que fornece aos

participantes deste espaço social (comunidade) normas, regulamentações e padrões

de comportamento, mas que também se reconstitui no cotidiano.

Sob esta ideia e apoiando-se em outros teóricos, utiliza-se do exemplo do

“pensar costumeiro” para fazer alusão ao estranho. Isto porque o estranho tem

dificuldade de entender regras de comportamento e modelos de pensamento que

são familiares àqueles que já fazem parte do grupo, e, consequentemente,

127

comporta-se de maneira “estranha” pela distância que existe em relação ao pensar

costumeiro desta comunidade, o que atesta o papel dos saberes comuns na

experiência do pertencimento (JOVCHELOVITCH, 2008).

Esses pontos de referência comuns podem ser utilizados para tomadas de

posição diferentes, o que responde pelas representações sociais, refere Doise

(2001). Doise (op.cit., p.193) continua, “representações sociais são tomadas de

posição simbólicas organizadas de maneiras diferentes (...) em cada conjunto de

relações sociais, princípios ou esquemas organizam as tomadas de posição

simbólicas ligadas a inserções específicas nessas relações”.

As representações sociais ao abarcarem tais posições retratam as atitudes

perante uma entidade social dada, as quais, por sua vez, apresentam uma

funcionalidade, qual seja a manutenção do vínculo entre membros do mesmo grupo.

É em parte neste solo da dimensão da atitude das representações sociais que se

situa a questão dos estilos de cuidar das enfermeiras na terapia intensiva, pois ao

tempo que tomam um posicionamento de singularidade, notadamente em termos de

investimento de cada cuidante na busca de informações e constituição de um perfil

profissional congruente às características do ambiente e do cliente, organizando

uma prática de cuidar influenciado por estes aspectos, fortalecem o pertencimento

ao grupo social dando sentido a ele. Entretanto, uma atitude inversa pode também

gerar um distanciamento deste “social” do grupo, com menor reconhecimento e

maior estranhamento pelos seus integrantes, mas que pode estar ancorada em

outros fatores.

A postura inquieta e ativa da enfermeira na busca pelo conhecimento

demonstra como o objeto toca estes profissionais e os impulsiona a um agir/iniciativa

em vista do reconhecimento do grupo que marca seu estilo de cuidar.

128

A interação da enfermeira com a equipe multiprofissional conforma-se em

um assunto que é encontrado na literatura associado com diferentes sub-temas tais

como a qualidade assistencial, motivação para o trabalho, estresse, sofrimento,

dentre outros. A recorrência deste tipo de inquietação possivelmente se ampara no

fato de que as unidades de terapia intensiva, como locais voltados ao tratamento e

recuperação de clientes com condições clínicas graves e complexas, reúnem no seu

interior uma variedade de profissionais e especialidades, os quais encontram na

imagem da enfermeira uma referência neste ambiente, e em torno da qual,

teoricamente, deveria se produzir um diálogo interdisciplinar. Porém, uma série de

evidências a nível mundial mostra que esta, por diversas razões históricas e sociais,

ainda é uma situação delicada no âmbito do fazer profissional da enfermeira.

Exemplo disso pode ser visualizado quando se observa os sentimentos de

sofrimento no trabalho das enfermeiras de UTI, apresentado por Martins e Robazzi

(2009). Estas consideram que a realização de uma atividade laboral com sofrimento

origina o estresse decorrente do trabalho, sendo que este último, em se tratando do

CTI, já envolve em si várias condições específicas que o tornam percebido como

desgastante. Através de entrevista a 8 enfermeiras, duas categorias foram

construídas: o sofrimento no trabalho das enfermeiras de UTI, e as estratégias

defensivas utilizadas pelas enfermeiras.

Nestas, identifica-se o trabalho em equipe como fonte do sentimento de

ansiedade e com interferência negativa no cuidado, principalmente em termos do

cumprimento das responsabilidades individuais. Portanto, diante disso, salienta-se a

importância da promoção do interrelacionamento entre os membros da equipe, como

um recurso que propicia um melhor compartilhamento de experiências e

comportamento colaborativo por meio do diálogo (MARTINS; ROBAZZI, 2009).

129

Tal relacionamento interpessoal também aparece em um inquérito feito com

235 enfermeiras de Portugal publicado no Brasil em 2011, e que retoma os fatores

geradores do estresse em enfermeiras de UTI. A coleta dos dados englobou

instrumentos para apreensão das variáveis sócio-demográficas e relacionadas ao

trabalho, escala de relações interpessoais e índex para o estresse. Dentre os

achados relevantes, verificou-se numa associação estatística significativa que

quanto pior é a relação interpessoal maior é o nível de estresse das enfermeiras, em

consonância com o que afirmam outros investigadores, devendo este ser foco de

intervenção (RODRIGUES; FERREIRA, 2011).

No centro do debate quando se trata da interação enfermeira versus equipe

estão os profissionais médicos, cujo saber lhes conferem uma estrutura de poder no

campo da saúde. Os reflexos desta hegemonia vêm sendo colocado à prova pelas

enfermeiras, todavia, este “jogo de forças” parece trazer implicações de vulto na

prática assistencial.

Como parte desta polêmica na França, o caso de dois hospitais foi estudado

em artigo presente na Revue Française des Affaires Sociales (2005) intitulado “Entre

médicos e pessoal de enfermagem no hospital público: uma relação social instável”.

Nele, considera-se as transformações das características sexuais dos profissionais

médicos e da área de enfermagem, em que constata-se uma feminização da

medicina e masculinização da enfermagem. O objetivo é então o de compreender

essa mudança social, ou seja, a divisão sexuada e seus efeitos sobre a construção

dessa relação social. Desta maneira, analisam-se os efeitos da modificação da

divisão sexual do trabalho na relação social entre médicos e pessoal de enfermagem

(PICOT, 2005).

130

Foi feita a observação de duas unidades de hospitalização e 70 entrevistas

semi-diretivas com o pessoal do serviço hospitalar. O conjunto de informações

demonstra um modelo de relação social muito mais complexa, no qual as novas

modalidades de gênero conferem um caráter de instabilidade. No primeiro cenário

estudado, com um predomínio de médicos homens, tal instabilidade se traduz por

um conflito direto entre as duas categorias, resultado de uma ordem sexuada

tradicional, onde os médicos são os homens e as mulheres as enfermeiras, numa

configuração fortemente hierarquizada em que existe uma divisão entre concepção e

execução que separa médicos e enfermeiras.

No outro, mais marcado pela presença de médicos do sexo feminino, e que

acreditava-se na tendência de uma solidariedade de gênero das médicas com as

enfermeiras em virtude dos valores femininos, evidencia-se um efeito inverso no

desenvolvimento da solidariedade entre gênero, isto é, as médicas mulheres tentam

se afirmar enquanto médicas, buscando se diferenciar das enfermeiras e de tudo

aquilo que possa remeter ao gênero feminino (PICOT, 2005).

Ainda no que tange ao contexto em que se insere a assistência de

enfermagem na terapia intensiva, encontra-se em forte ascensão a abordagem de

problemáticas que se repercutem no produto final que é ofertado ao cliente,

incluindo fatores organizacionais e estruturais como dimensionamento de pessoal,

carga de trabalho e disponibilidade de recursos materiais. Quanto ao primeiro item,

uma revisão recente da literatura mundial concernante à influência do

dimensionamento da equipe de enfermagem na qualidade do cuidado ao paciente

crítico (VERSA e colaboradores, 2011) traz dados que subsidiam o conhecimento da

magnitude deste aspecto.

131

Através de diferentes pesquisas captadas, as autoras sinalizam as

implicações da subestimação do quantitativo da equipe de enfermagem. Isto porque

a redução do número de funcionários contribuiu na produção de condições como:

alta taxa de extubação e aumento da necessidade de reintubação por extubação

acidental, com o aumento de complicações como a infecção hospitalar; elevação do

índice de quedas e das intercorrências oriundas dessas; aumento do risco de

infecção hospitalar. Logo, dimensionar a equipe de enfermagem levando-se em

conta as características de gravidade da clientela resulta pensar nos custos, na

prevenção das ocorrências, na satisfação dos profissionais, e, por fim, na qualidade

da atenção prestada (VERSA e colaboradores, 2011).

Este tema da satisfação/insatisfação veio à tona, por exemplo, quando

Salomé, Espósito e Silva (2008) perguntaram aos profissionais de enfermagem de

uma UTI como eles se sentem em trabalhar neste setor. A partir de uma análise

fenomenológica, dentre os objetos elencados como de insatisfação estavam a falta

de materiais e funcionários, a qual suscita sentimentos de frustração, impotência e

desvalorização em virtude das repercussões que gera nas ações profissionais.

Os sujeitos entrevistados associam tais déficits com os possíveis riscos

prejudiciais ao cliente, sobrecarga de atividades e aumento do desgaste físico e

mental, o que, por sua vez, se repercute sobre o modo de lidar com o cliente,

geralmente demarcado pela correria, falta de tempo e tendo como pano de fundo o

estresse. Então, entendem como primordial refletir sobre as condições de trabalho

(SALOMÉ; ESPÓSITO; SILVA, 2008).

A carga de trabalho dos profissionais da UTI também aparenta ser

interessante fazer parte dessa análise, já que a sobrecarga e o cansaço advêm

justamente pelo excesso de atividades frente às circunstâncias inapropriadas.

132

Algumas investigações vêm se mobilizando nesta direção, na tentativa de mensurar

a carga de trabalho, com vistas a melhorar/estruturar a distribuição de recursos

humanos nesta unidade.

Padilha e colaboradores (2011) retratam esta afirmação, já que estiveram

interessados em medir a carga de trabalho em uma UTI especializada, verificando

sua associação com determinadas variáveis. A carga de trabalho medida foi em

média 66,60%, isto é, os clientes requeriam em média 5,30 horas de trabalho direto

da enfermagem, entendida como uma carga elevada. Além disso, as variáveis

demográficas e clínicas não tiveram interferência na mensuração da carga de

trabalho, indo de encontro ao pressuposto inicial, embora haja limitações por tratar-

se de uma UTI especializada.

A conclusão que se chega a partir da apreensão dos dados da classe 4 em

paralelo com o conhecimento atual produzido pelos estudiosos desta área é que ao

falarem sobre sua prática de cuidar na terapia intensiva as enfermeiras revelam a

incidência de dois fatores contextuais a saber: um saber/poder médico

historicamente constituído, que se manifesta, sobretudo, em virtude da aquisição de

novos conhecimentos e habilidades pela enfermeira, a qual lhe capacita para

assumir determinadas tomadas de decisão no âmbito do cuidado, e que, nesta

medida, ao se confrontar com uma figura médica que supostamente estaria numa

posição hierárquica superior, responsável pela prescrição das atividades é origem

de desentendimentos e possíveis embates inter-profissionais; uma política

institucional inserida em um cenário sócio-econômico que exige um maior nível de

produtividade com o menor número de gastos possíveis, e, neste sentido, as

enfermeiras se deparam com o escasso número de recursos humanos e materiais.

133

Esta explicação é corroborada por diferentes autores que ajudam a fomentar

a interpretação. No que se refere ao fator institucional, aponta-se a interferência de

um modelo econômico baseado no capitalismo, o qual gerou uma mudança no

processo de organização do trabalho, caracterizado na atualidade por uma

expressiva precarização refletida no trabalhador (CAVALCANTE, 2006; SILVA,

2006; SOUZA, 2009).

No caso da relação social entre médicos e enfermeiras, Picot (2005)

compara-a a uma relação do tipo conjugal, na qual nesta ordem social as

enfermeiras devem se adaptar ao médico, a sua prática de trabalho, hábitos e

disponibilidade. As cuidantes, como as mulheres na esfera familiar estão em

disponibilidade permanente. O modelo do chefe de família e provedor de recursos, e

da mulher guardiã do cuidar está reproduzido, onde existe uma divisão sexuada das

tarefas, mas sem desfrutar do mesmo reconhecimento e visibilidade social, já que a

dependência profissional ao monopólio médico caracteriza a construção das

profissões que se localizam na periferia.

Este contexto de produção de sentidos tem papel fundamental na escolha de

uma forma de pensamento em detrimento da outra, conforme nos diz Moscovici

(2003). Segundo ele (op. cit.) a maneira como as pessoas tratam a informação

depende do contexto em que esta se inscreve e de todos os aspectos que se

encontram a ela articulados, fazendo emergir as diferentes causas. Newton, por

exemplo, ao falar da maçã pensou-a em um contexto que excluía o vento, a

maturação do fruto etc (MOSCOVICI, 2003).

Jovchelovitch (2008) o complementa afirmando que o significado e o

contexto são inseparáveis na representação, isto é, as representações são

elaboradas em um contexto de relação eu-outro, de característica emocional, social,

134

cultural e historicamente determinada. Assim, entende-se que os sujeitos constroem

uma forma de pensar tendo em vista as exigências do ambiente social, bem como

da sua configuração psicossocial.

Nesta direção então, ao se orientar por estes fundamentos teóricos

abarcados na teoria das representações sociais, reconhece-se que as relações

profissionais e condições de trabalho vivenciadas pelas enfermeiras estão situadas

em um campo macro-contextual que se delineia de especificidade, e que é acessado

por estas profissionais na estruturação de uma lógica que sustenta suas narrativas

sobre a prática de cuidar própria em face das tecnologias na terapia intensiva. Além

disso, os estilos de cuidar adotados podem ter como pano de fundo os reflexos da

sua interferência.

Ao pensar no objeto em causa nesta pesquisa a partir da articulação

metodológica efetuada, e em função dos resultados que esta conduziu a identificar,

afirma-se que as representações sociais das enfermeiras da terapia intensiva acerca

das suas práticas de cuidar neste cenário se organizam tendo como base a

atribuição de sentido que conferem à tecnologia e que a coloca em dois blocos

funcionais, um pragmático e um organizativo, entre os quais figura uma questão

valorativa e identitária da profissão que serve de referência para os usos que se faz

desta tecnologia, tendo em vista o grupo social de pertença.

À luz destas funcionalidades da tecnologia, ou seja, dos sentidos que a

enfermeira constroi para ela considerando os valores profissionais, orientam sua

prática de cuidar diante do cliente. Implica em dizer assim que assumem um

comportamento frente ao socialmente instituído, acerca da necessidade de domínio

constante do conhecimento e aquisição dos atributos profissionais que irão sustentar

a aplicação das tecnologias em tal ambiente, e que o faz dar forma a um estilo

135

singular de cuidar. Para tanto, entra no lócus contextual, que está retratado no seu

cotidiano através do contato com outros profissionais e condições de trabalho, que

contribuem para explicar as escolhas feitas.

Nesta medida, as relações que se estabelecem entre as classes 1, 2 e 4

originadas pelo Alceste possibilitam destacar dois estilos de cuidar: um no qual a

enfermeira é um agente ativo e criativo, marcado pelo maior acesso à face funcional

cuidativa da tecnologia, através da avaliação/identificação/previsão/direcionamento

dos acontecimentos, considerando o fato da maior proximidade ao cliente e a

atenção às suas necessidades físicas e psicossociais (classe 1). Este uso é

mediado por um conhecimento constantemente renovado pelo profissional, reflexo

de determinadas qualidades/atributos adquiridos (classe 2). Tal formato assistencial

reforça os valores profissionais e se inscreve na identidade social do grupo na

terapia intensiva, fortalecendo o sentimento de pertencimento.

O outro estilo de cuidar em que o profissional assume uma postura mais

passiva expressa-se pela maior utilização à face funcional de cunho administrativo

da tecnologia, por meio da qual gerencia-se o cuidado do cliente à distância

(valorizando-se as ações administrativas), aproveitando-se dos benefícios advindos

da implementação dos recursos tecnológicos, os quais facilitam seu processo de

trabalho (classe 1). Este uso justifica-se por fatores como: ausência de certas

características que integram o perfil desejado de atuação no setor, e que

substanciariam um maior domínio do conhecimento, levando-o, como consequência,

a orientar-se pela tarefa, e fazer apenas aquilo que está programado/protocolizado

(classe 2); pelo apoio em aspectos estruturais que dizem respeito ao contexto em

que se circunscreve o trabalho das enfermeiras, e dos quais ganham evidência as

relações interprofissionais e condições de trabalho, como argumentos para uma

136

passividade diante da assistência ao cliente, gerenciando através da tecnologia a

evolução do cliente (classe 4).

Este estilo de cuidar, por sua vez, vai de encontro aos elementos que

reforçam a identidade da profissão, sendo, inclusive, foco de intensos debates ao

redor da atuação da enfermeira nesta área, bem como se distancia da atitude que se

espera dela quando analisada sob a ótica do vínculo compartilhado, já que nos

dados sobressai a noção de um uso não favorável da tecnologia.

Todavia, defende-se a ideia de que a prática de cuidar das enfermeiras na

terapia intensiva se constroi e reconstroi no cotidiano de assistir, e, neste sentido, é

que acredita-se que as enfermeiras elaboram e re-elaboram o uso que fazem da

tecnologia no seu dia-a-dia, onde incide o individual e o social, que influenciam na

maior utilização da face cuidativa ou organizativa, permitindo-as circular pelos dois

pólos em maior ou menor intensidade.

Este cruzamento entre as classes, na conformação das representações

sociais do fenômeno em estudo, também está expresso na classificação hierárquica

descendente, na qual se observa a formação inicial da classe 1 em separado,

seguida pela subdivisão entre as classes 2 e 4, mais próximas. Ao reportar tal figura

para análise verifica-se de um lado um relato sobre a tecnologia (classe 1),

acompanhado do outro pelos fatores que interferem no seu uso (classe 2 e 4), quais

sejam os pessoais/profissionais (classe 2) e os estruturais/contextuais (classe 4).

Ao mesmo tempo, quando toma-se em conta as variáveis psicossociais e

demográficas que se ligam com maior força nesta elaboração em torno do sentido

da tecnologia nota-se: sexo masculino, mais jovens e com menos tempo de

formado, turno noturno, não católicos e que escolheram o setor. Este conjunto de

variáveis permitem fazer um certo número de considerações e hipóteses. Quanto ao

137

gênero, revela-se nos homens a marca do tecnicismo ao se reportarem a uma

dimensão avaliativa dos usos da tecnologia, o que levanta o pressuposto, no

interesse da questão em discussão, da existência de diferenças entre homens e

mulheres na maneira como incorporam/lidam com as tecnologias no cuidado.

Este pressuposto pode se fundar em estudos que se baseiam na variável

gênero para abordar a análise das tecnologias. Nesta ótica, autores realçam

diferentes correntes que articulam tecnologia e gênero (BEVACQUA; SCHWARTZ;

MACHADO; VOLPATO; SILVA, 2003). Dentre elas, por exemplo, destaca-se uma

concepção em que o poder econômico, político e social masculino é visto como de

grande impacto nos modos como as mulheres têm contato com os conhecimentos

científicos e tecnológicos, criando um grupo de habilidades femininas que incitam a

subordinação das mulheres às mudanças tecnológicas.

Além disso, há uma linha argumentativa que compreende que as mulheres

têm demandas e valores que se diferenciam das dos homens, e então, utilizam a

tecnologia de forma particular (BEVACQUA; SCHWARTZ; MACHADO; VOLPATO;

SILVA, 2003). Os homens estariam, portanto, mais voltados à concepção enquanto

as mulheres à prática em relação à tecnologia.

No que tange à dimensão da experiência implicada, ao analisar as

representações sociais da tecnologia em vista das diferenças do tempo de

experiência das enfermeiras já demonstrou-se que estas profissionais organizam o

pensamento por lógicas contrárias (SILVA, 2011).

Na pesquisa em tela, não obstante as profissionais mais novas possam ter

maior dificuldade em lidar com questões assistenciais em consequência da menor

expertise, as mesmas conseguem facilmente contrastar a realidade vivida com

aquela recentemente aprendida, integrando inclusive à narrativa pontos polêmicos, o

138

que sustenta o tom mais crítico-reflexivo sobre a prática em face das tecnologias.

Acrescenta-se também que as enfermeiras com menos tempo de formação

geralmente buscam uma maior capacitação do que aquelas com mais tempo de

trabalho, cujo nível de motivação leva a uma tendência de acomodação.

Conjectura-se ainda que as enfermeiras noturnas teriam um “olhar” mais

periférico sobre a prática, englobando itens como perfil, estrutura institucional,

relações profissionais, conhecimento e análise dos modos de usar a tecnologia,

aspectos que estão no entorno do fazer profissional. As características do trabalho

deste turno, em que há uma continuidade das atividades iniciadas durante o período

matutino, com atenção especial às possíveis alterações do quadro clínico, e

envolvendo uma etapa de repouso, podem estar de permeio à esta forma de

elaborar o pensamento.

O esquema explicativo que se segue apresenta sinteticamente o processo

de organização das representações sociais, revelando, ao mesmo tempo, algumas

características ou elementos que ajudam a conformar a linha de ação do profissional

- estilos de cuidar, na interface com os construtos previamente delineados - cuidado

e ação tecnológica.

139

Pragmático

atributos

Uso da face funcional cuidativa da tecnologia

Proximidade do cliente Avaliar/ Identificar

Direcionar / Prever as necessidade

físicas/psicossociais na interface com a tecnologia

Orienta-se pelo saber especializado e apoia-se nos atributos profissionais

DIMENSÃO DO PENSAMENTO

Sentido da tecnologia na TI

Organizativo

Valor e identidade profissional

CONSTROI

COTIDIANO

RECONSTROI

Uso da face funcional administrativa da

tecnologia

Distância do cliente: valorizam-se as atividades

administrativas aproveitando-se da

tecnologia

Orienta-se pela tarefa e

apoia-se nos fatores estruturais

Figura 10: Esquema explicativo 1 das RS sobre as práticas de cuidado da enf.ª na TI; Fonte: produção do

pesquisador

Estilo de cuidar: elementos

do cuidado tecnológico Estilo de cuidar: elementos

da ação tecnológica

TOMADA DE ATITUDE

ENFERMEIRA

ATIVA

Busca do

conhecimento e

aquisição dos

atributos

profissionais

APROXIMA DO

GRUPO

Fortalece a identidade social Enfraquece a identidade social

ENFERMEIRA

PASSIVA

Comportamento

passivo quanto a

busca do

conhecimento e

aquisição dos

atributos profissionais

DISTANCIA DO

GRUPO

DIMENSÃO DA PRÁTICA

DIMENSÃO DO PENSAMENTO

CONTEXTO

Relações profissionais

Condições de trabalho

inadequadas

(Vieux Port- Marseille)

CAPÍTULO 5:

Apresentação dos resultados

141

5.1 Análise textual através do software Alceste (parte II)

5.1.1 A condição do cliente e suas repercussões nas práticas de cuidar

das enfermeiras

Neste bloco de análise, assim denominado com base nos temas de maior

relevância, encontram-se as classes 3, 5 e 6. Sua intenção situa-se em pontuar o

processo de construção do pensamento que as enfermeiras realizam sobre suas

práticas na terapia intensiva, tendo como referência o estado do cliente. Uma visão

geral preliminar é exposta no quadro que se segue.

N° da classe de discurso CLASSE 3 CLASSE 5 CLASSE 6

Tema geral da classe Cotidiano assistencial da

enfermeira no CTI

Prática de cuidar com a

tecnologia

As características do

paciente como indicador

do trabalho no CTI

Porcentagem em relação

ao discurso total

18,09% do discurso 11,59% do discurso 30,93% do discurso

Variáveis Associadas

Sexo feminino, mais tempo

de formado, menos jovens,

turno diurno, católico, não

escolheu o setor

Sexo feminino, mais

tempo de formado,

menos jovens, turno

diurno, católica, escolheu

o setor

Sexo feminino, menos

jovens, 2 empregos, não

especialista, turno diurno,

não, escolheu o setor

Sub-temas

Atividades burocráticas Dados do maquinário Positividade do

trabalho

Medicação, fazer, horário,

prescrição, farmácia,

médico, livro, manhã

Alarme, monitor, pressão,

saturação, pressão

arterial média, respirador,

oxímetro, curva

Gratificante, agradecer,

bem, voltar, sair, falar

Atividades

procedimentais/

assistenciais

Avaliação do cliente

O estado do cliente e a

ocupação no trabalho

Banho, curativo, hora,

sonda, dou, exame, técnico,

dez

Verificar, correlacionar,

dado, perto, clínica,

mostrando, sinal

Acordado, sedado, lúcido,

intubado, paciente, fala,

ele

Quadro 6: Classes do discurso associadas ao bloco 2

142

5.1.1.1 Classe 3

Quadro 7: Classe 3 Alceste

A classe 3 traduz o cotidiano das enfermeiras da terapia intensiva,

respondendo por 18,9% do material analisado, com um quantitativo de 406 uce. Tal

cotidiano está reproduzido nesta classe pelo uso do verbo fazer, bem como pela

presença nas unidades de contexto elementar do termo ter que. Neste sentido,

identifica-se que este dia-a-dia é sublinhado pela imperiosa urgência do

cumprimento de uma série de atribuições relativas ao desempenho do papel de

enfermeira neste ambiente, formado por questões burocráticas e assistenciais.

Assim, verifica-se que o uso do verbo fazer (chi²: 111,05) /ter que vem assinalado

por uma ideia de separação entre suas funções burocráticas e assistenciais. Além

disso, a palavra burocrática (chi²: 26,5) presente na classificação ascendente e

ilustrada nas uces é também indicativa desta separação.

Claro que devia ser todo dia, mas existem milhões de coisas para fazer como você observou muito bem, e, então eu tento, em primeiro cuidado, eu quero estar junto, só que tem a burocracia a ser feita. (uce 824, enf. 6)

Classe 3 406 uce Chi² Porc. Medicação Fazer Horário Banho Curativo Hora Prescrição Farmácia Médico Dou Livro Sonda Técnico Chata Dei Exame Dez Junto Cima Manhã

201,7 111,0 96,9 89,8 88,1 76,9 74,1 43,4 43,0 39,3 39,0 39,0 36,2 35,0 31,7 31,1 30,9 30,6 29,1 28,8

73,9 38,1 89,2 54,7 66,6 44,4 81,4 85,7 54,1 74,4 84,6 84,6 44,5 90,0 31,7 46,4 51,2 50,0 29,1 28,8

Variáveis:

Sexo feminino, mais tempo de formado, menos jovens, turno diurno, católico,

não escolheu o setor

Cotidiano assistencial

18,09%

143

E porque tinha gente que só queria fazer assistência, não, porque só burocracia é chato, não sei o quê, e vai para assistência. (uce 96, enf. 1) Tem que escrever o que você viu, o que você fez de procedimento, e você fica dividido entre essa rotina, essa parte burocrática, tem que agilizar para farmácia, para essa medicação vir logo para o paciente. (uce 507, enf. 6) Até porque é muita coisa, tentando despachar tudo para depois dar seguimento a assistência. (uce 3222, enf. 19)

Conforme se observa, a execução de atividades indiretas ao cliente,

intituladas pelos sujeitos como burocráticas, assume grande relevância nesse

cotidiano assistencial das enfermeiras de terapia intensiva. Dentre elas está a

medicação, com destaque na organização desta classe através de palavras como

medicação (chi²: 201,71), horário (chi²: 96,98), farmácia (chi²: 43,47), prescrição

(chi²: 74,10), em que é fundamental uma ordenação de ações prévias à

administração do medicamento ao cliente, que suscitam da enfermeira uma elevada

atenção e cuidado.

Existem enfermeiras que não tem o perfil de estar ali naquela parte burocrática, que as coisas as vezes não andam, eu preciso dar uma continuidade para o técnico da medicação, para ele fazer a medicação. (uce 830, enf. 6) Você tem um acompanhamento, a prescrição já está aprazada, você só vai tirar, ainda tem as tiras, que você tira a medicação para não atrasar o horário, para o técnico administrar a medicação, então essa coisa é pesada demais. (uce 1544, enf. 10) (...) O que é prioridade para o sistema hoje eu tenho que cumprir, porque se eu não faço aquilo de perder a manhã quase toda tirando a medicação, a medicação do horário da manhã não vai ser feita (uce 755, enf. 5) Você tem que fazer o medicamento às dez da noite, as vinte e quatro, às duas da manhã, então assim, se tem pedido para o banco de sangue você tem que ir lá pegar, se tem gasometria para levar ali dentro você faz. (uce 3523, enf. 20)

De outro lado, das funções que a enfermeira precisa também fazer, estão

aquelas de cuidado direto ao cliente, as quais passam a ter um cunho procedimental

na constituição da classe 3, exemplificada pela aplicação de palavras como banho

(chi²: 89,89), curativo (chi²: 88,12), hora (chi²: 76,94), sonda (chi²: 39,05).

Vai depender muito da dinâmica do dia (...) eu gostaria sempre de poder, de todos os dias poder acompanhar o paciente no banho junto com o técnico, realmente trocar os curativos do paciente e visualizá-lo de costas, eu gostaria de fazer isso. (uce 1342, enf. 9)

144

E porque aí na hora de virar eu já fico lá de vez, já faço todos os curativos que tem que fazer, já examino, já saio de lá sabendo o que eu vou fazer, então para você ir lá antes ficar só segurando, ai, jogando aguinha. (uce 846, enf. 6) E quem tem mais curativos, que vai demandar mais algum cuidado, eu normalmente eu peço, eu falo: “_você espera que vou entrar no banho do seu fulano”, como até o último plantão que eu dei de manhã aconteceu isso. (uce 2802, enf. 17) Então a gente costuma entrar nos banhos com os técnicos, a gente faz todos os procedimentos invasivos, a gente faz o exame clínico, a gente tira as medicações, estamos falando de cuidado. (uce 3032, enf. 19)

Outra ocupação que engloba a assistência ao cliente de maneira mais

genérica e desperta inquietação das enfermeiras durante seus afazeres diários são

os registros clínicos e a interlocução com a equipe médica, para os quais ela deve

se dividir em relação àquelas técnicas e procedimentos que tendem a causar um

efeito mais imediato ao cliente, e que também requer que ela os faça. As palavras

médico chi²: 43,07, livro chi²: 39,05 e exame chi²: 31,1 mencionam isso.

Solicitação de exame aonde a gente tem que deixar relato, já são três livros que você tem que estar de imediato com eles, aonde vem as prescrições (....) o outro enfermeiro está atuando ou auxiliando o próprio técnico dentro do boxe, ou o médico que veio dar uma avaliada. (uce 1539, enf. 10) E porque eles já terminaram de visitar os pacientes e cada um visita um paciente e vão lá fazer o round, e acaba chamando a enfermagem, só que eles não querem saber se está na hora de gente entrar para fazer o curativo. (uce 1413, enf. 9) Me incomoda, a gente chega e perde pelo menos duas horas de plantão lá em cima do posto, com tudo acontecendo lá embaixo, você tem que fazer papelzinho, fazer livrozinho. (uce 2995, enf. 18)

Essa dicotomia que os profissionais instituem durante sua atuação no

ambiente da terapia intensiva exposta na classe 3 induz a efeitos negativos no

cuidado prestado, uma vez que provoca a ocorrência de uma desarticulação

assistencial e a realização de atividades automáticas, ao contrário da perspectiva de

cuidado integral.

Vou dar meus banhos, dei três banhos no leito, acabou, não dou mais banho hoje, evolui meus pacientes, acabou, não faço mais nada, e assim, isso é uma coisa negativa, muito negativa, e não tem porque ser assim, as coisas poderiam ser programadas, e embora a gente dependa da prescrição médica, a gente deveria estar fazendo as coisas junto. (uce 2529, enf. 16) (....) Tudo isso vai gerando uma angústia muito grande, esse estar da gente de fazer as coisas, que as vezes a gente faz no automático, vou fazer uma medicação ali, foi ali onde está o acesso fiz. (uce 733, enf. 5)

145

Ao contrário do que ocorre na classe 4, a variável que congrega as

enfermeiras menos jovens em relação à idade média do grupo, e com maior tempo

de formação, foi a que mais incidiu na 3. Conjectura-se que esta maior experiência

em termos de prática colabore para que as enfermeiras ratifiquem através da fala a

tendência do fazer da profissão, o qual está traduzido durante seu exercício

profissional diário.

A CHA expressa de maneira clara essa classe, na medida em que as

relações de vizinhança entre as palavras curativo, procedimento, banho, hora, dez,

horário e manhã, indicam a necessidade de execução dos procedimentos no período

da manhã, sobretudo os banhos dos clientes e seus curativos; ao tempo em que

também precisa preparar/reservar/separar (“tirar”) o medicamento, a partir da

liberação da prescrição pelo médico, para encaminhá-la à farmácia, como sinaliza a

organização esquemática da árvore classificatória através das palavras tirar, medica

(medicamento), médico, farmácia e prescrição.

Figura 11: Classificação hierárquica ascendente da classe 3

Considera-se que a classe 3, formada sob o ponto de vista do cotidiano

assistencial das enfermeiras da terapia intensiva, impregnado de tudo aquilo que

elas têm para fazer, adquire também sentido pela apropriação em campo que foi

146

feita de tal cotidiano, onde o desempenho destas profissionais dá a oportunidade de

detalhar os aspectos inicialmente propostos para análise a partir do software

Alceste.

A preocupação da enfermeira com as inúmeras tarefas que precisa dar

conta é um exemplo a ser salientado. Após o toque do telefone, a enfermeira 8

reconhece que se trata do funcionário de um setor do hospital responsável pelo

controle das internações no CTI, solicitando maiores detalhes sobre os pacientes. A

enfermeira fica profundamente irritada argumentando que eles (a equipe de

enfermagem) estão cheios de coisas para fazer, e a obrigação deste funcionário é

vir ao CTI, posicionando-se contra a aquisição de informações pelo telefone. Ela

continua:

_Ninguém faz o serviço da enfermagem (....) olha, se vocês ligassem e perguntassem somente o nome dos pacientes por leito, mas vocês querem saber quem admitiu, quando, como, religião, cor (....) e isso a gente não consegue dar conta, pois o setor está tumultuado, é médico pedindo coisas. Então você me desculpa, mas a gente não tem como atender à isso, às vezes a gente precisa sair do posto para ir em busca do prontuário para responder à essas perguntas. Então sinceramente, vocês precisam vir até aqui, eu sei que vocês estão tumultuados, mas nós também estamos. (trecho de diário de campo, enf. 8, 17/01/2011 de 08:30 às 14 hs)

Essas “coisas” que a enfermeira tem que fazer são fragmentadas entre

ações ditas burocráticas e que se voltam diretamente ao cliente. Isso é reafirmado

na prática em vários momentos, certificando os pólos da assistência de enfermagem

na terapia intensiva. A enfermeira 8 quando aborda o round, momento de reunião da

equipe multiprofissional explicita isso. Com um tom de reclamação ela relembra:

_Olha hoje, passei a maior parte da manhã aqui, sentada, as prescrições demoram a sair, e aí fico tirando a medicação. Me perguntaram no round se havia secreção no óstio uretral e eu falei: “_gente, não sei, deixa eu perguntar ao pessoal que deu banho nela”. Então a manhã é complicada, a gente não consegue ter uma visão do cliente, porque a visão da enfermagem é diferenciada. (trecho de diário de campo, enf. 8, 26/01/2011 de 08:40 às 14:30 horas)

Tal desintegração se repercute na efetuação das ações de modo bastante

operacional e parcelar, com um senso executivo de mais uma tarefa, porém, sem

agregar todos os componentes que fazem parte do cuidado ao cliente, e

pressupondo uma não complementaridade dos saberes. Explora-se este fato em um

147

procedimento bastante comum no setor que é o banho no leito, visto em particular

neste determinado dia, em que a enfermeira 6 realizava ações administrativas no

posto de enfermagem, e, enquanto isso, a técnica de enfermagem iria iniciar os

cuidados de higiene e conforto no cliente que ambas estavam responsáveis naquele

plantão.

Logo que se dá conta da iniciativa da técnica de enfermagem, a enfermeira

alerta: _olha, quando chegar na perna você me chama! E assim a técnica o faz,

solicitando a presença da enfermeira, por precisar de auxílio durante a manipulação

do membro que portava grande lesão. Este tipo de sistemática assistencial se repete

em outros dias, quando diante de uma cliente com história semelhante, a técnica de

enfermagem situa a enfermeira 6: _a gente vai começar lá viu, na hora de virar a

gente chama! E ela faz um gesto de concordância. Na tentativa de participar junto à

equipe no desenvolvimento da assistência, ofereço-me a promover o banho no leito

em parceria com a técnica, ela (a enfermeira) rapidamente contrapõe: _não vai

agora não, é só na hora de virar! (trecho de diário de campo, enf. 6, 19/01/2011 de

08:50 às 14 hs; 31/01/2011 de 08:40 às 14:30 hs)

Um aspecto que se destaca é a interferência da terapia medicamentosa na

orientação das ações profissionais da enfermeira, a qual foi vista com muita

frequência no contexto das práticas na terapia intensiva. Destarte, à medida que tais

práticas eram detalhadas e aprofundadas, a suposição de que as enfermeiras

organizavam sua rotina de cuidados diários circunscritas pela prescrição

médica/medicamentosa, ocupando grande parte do seu tempo com esse

gerenciamento parecia confirmar-se. Isto porque aguardavam a recepção das

prescrições médicas para que pudessem aprazar as medicações, elaborar uma ficha

contendo os nomes das drogas a serem utilizadas durante as doze horas de

148

trabalho (incluindo a via de administração, dosagem e horário, de maneira a ser

encaminhada ao funcionário da equipe responsável pelo preparo e ministração), e

liberar e entregar tais prescrições ao serviço de farmácia, para que os referidos

medicamentos chegassem ao setor. (anotação geral do diário de campo, 26/01/2011

de 08:40 às 14:30 hs; 09/04/2011 de 09:20 às 18 hs)

Enquanto isso, os técnicos de enfermagem, subdivididos entre os leitos que

compõem o CTI, começavam os cuidados que estavam centrados no bem estar do

cliente e atendimento de suas necessidades básicas, e em momentos pontuais

requeriam o comparecimento da enfermeira para proceder exames, avaliações,

verificação da integridade da pele, dentre outros. Na grande parte dos registros, o

término da atividade administrativa relativa à terapia medicamentosa demarcava o

início da estada da enfermeira ao lado do cliente, prioritariamente para fazer

curativos deixados pelos técnicos de enfermagem, avaliação semiológica etc.

Num dia atípico na dinâmica de cuidar do CTI, a enfermeira 6, pelo fato de

poder estar mais próxima dos clientes surpreende-se:

_Nossa, os médicos de maneira extraordinária liberaram as prescrições cedo hoje. (trecho de diário de campo, enf. 6, 08/04/2011 de 09:20 às 13:40 hs)

Esse exercício do seu ofício diuturnamente declara a importância atribuída à

terapia medicamentosa no conjunto de atividades a fazer da enfermeira. Este zelo

com as prescrições continua durante toda a jornada, onde não invariavelmente ela

encontra-se manipulando-as. A enfermeira 11 demonstra tal sentimento: _gente, eu

preciso das prescrições! Depois de reuni-las, passa abraçada com as prescrições.

(trecho de diário de campo, enf. 11, 21/04/2011 de 10 às 15 hs)

Uma espécie de fenômeno, que poderia ser chamado de “ondas

assistenciais” caracteriza o CTI, cujos níveis de coisas a fazer aumentam e

diminuem no decorrer do dia, começando pelo turno da manhã com um alto nível,

149

quando a enfermeira se ocupa dos afazeres administrativos e procedimentos diretos

ao cliente, o qual é interrompido por uma fase de estabilização, mas que logo

reinicia-se com a operacionalização dos registros clínicos, e de técnicas como

mudança de decúbito, sinais vitais, fornecimento de alimentação.

Indiretas ao cliente (burocráticas)

Medicacão: aprazar, separar, encaminhar Cumprir os horários;

Registros clínicos

Orientam o cotidiano

COTIDIANO ASSISTENCIAL DAS ENFERMEIRAS NA TI

Diretas ao cliente (assistenciais)

Banho, Curativos,

Sonda, Exame

Cunho procedimental

Figura 12: Composição da classe 3 Alceste; Fonte: produção do pesquisador

AFAZERES

separação

Desarticulação das ações

Automatização

150

5.1.1.2 Classe 5

Quadro 8: Classe 5 Alceste

Construída com 11,59% das unidades de contexto elementar que foram

agrupadas pelo exame lexical, a classe 5 reflete o caráter da prática das enfermeiras

no manejo da tecnologia no cuidado, a qual demanda o estabelecimento de nexos

entre as informações que têm origem no maquinário com aquelas emitidas pelos

clientes como alicerce para as intervenções. Tal classe oportuniza um paralelo com

a classe 1, já que ela aborda este mesmo sub-tema, mas em uma linha mais

conceitual. O uso como meio de comunicação entre o corpo do cliente e o

profissional pode ser percebido a partir das palavras de maior representatividade

numérica na classe como é o caso, por exemplo, de monitor, alarme, respirador e

sinais com os respectivos chi² de 414,04, 129,41, 87,6, e 58,7, que dão uma

conotação centrada nas sinalizações que são feitas pelos recursos tecnológicos

incorporados ao cuidado do cliente.

Classe 5 260 uce Chi² Porc. Monitor Pressão Alarme Dado Saturação Eletrodo Mostrando Verificar Respirador Preciso PAM* Oxímetro Parâmetro Curva Vitais Respiratório Monitorização Correlacionar Sinais Apresentando

414,4 169,8 129,4 112,2 107,5 98,5 92,0 92,0 87,6 85,3 83,7 83,1 79,4 76,6 75,5 67,9 66,2 61,2 58,7 54,4

65,9 80,5 84,0 62,7 100 93,3 100 100 67,8 69,2 82,3 92,3 63,3 100 91,6 90,9 54,0 100 63,6 76,9

Variáveis:

Sexo feminino, menos jovens, 2 empregos, não especialista, turno

diurno, não escolheu o setor

Prática de cuidar com a tecnologia

11,59%

151

Tem que ter alguma coisa para te ajudar, então quer dizer que a tecnologia, quando um respirador fica alarmando, alarmando, alarmando, vai te dizer, vai te dá o alerta que alguma coisa, se é monitor, se é bomba, se é o respirador, então vai alarmar, te dizer alguma coisa. (uce 13, enf. 1) Então assim, se ele está mostrando algum sinal, é de alarme, de alguma coisa, mas assim, a gente está sempre, a gente tenta estar atento a esses sinais. (uce 3017, enf. 19)

As máquinas disparam um alarme ou dão um sinal sob a forma de um dado

codificado, seja ele relacionado à saturação do oxigênio/oxímetro, à alteração de

uma curva respiratória etc. Desta maneira, tomando como referência estes códigos

amplificados pelas tecnologias há a imediata aproximação da enfermeira, na

tentativa de buscar contextualizá-los a partir do olhar direcionado ao cliente,

fazendo-se primordial nesta situação o senso de observação. Este formato

empreendido ao cuidado na terapia intensiva materializa-se de igual modo na

palavra monitor, agora acrescentada das palavras dado chi²: 112,21, saturação chi²:

107,50, curva: 76,6. Além disso, a relação de vizinhança na árvore ascendente do

termo dado à palavra perto (chi²: 25,93) ratifica este sentido da proximidade.

E se o dado que vem do monitor é a dessaturação, e ele está alarmando lá essa dessaturação, eu vou olhar para o paciente para saber o que está acontecendo, essa dessaturação pode ser o oxímetro mal posicionado? Pode. A curva de saturação está boa? (uce 1947, enf. 13) Não, a distância você já alarma diante de um dado que você está vendo, sem olhar para o paciente entendeu. (uce 1884, enf. 13) (...) Não basta você olhar e ver uma ausência de curva, achar que aquilo é uma assistolia, correr, dizer que o paciente está parado, sem antes chegar perto do leito e perceber isso. (uce 1883, enf. 13) Então você tem que observar o doente (....) porque se você está ali, você vê que o paciente está taquicárdico, vamos ver o que está acontecendo, basta não olhar só para o monitor, você olha o monitor e chega perto do doente. (uce 2048, enf. 14)

Ao exprimir a importância da proximidade da enfermeira ao cliente, o acesso

a um dado reenvia também a necessidade de sua avaliação, à luz do exame clínico

de enfermagem, bem como do aporte teórico que serve de embasamento científico

às ações de cuidar. O uso dos verbos verificar (chi²: 92,0) e correlacionar (chi²: 61,2)

retratam isso. Um exemplo que pode ser citado é a correlação de um dado oriundo

de uma pressão (chi²: 169,8) elevada. O cumprimento destas etapas dará subsídios

152

para que o processo de reflexão e questionamento, início da fase interpretativa, se

efetive no profissional.

Não adianta você visualizar um dado e não correlacionar com a clínica do doente (....) tem que estar perto. (uce 1910, enf. 13) Uma pressão elevada e eu não vou procurar um sinal no meu exame clínico que justifique aquilo, então não adianta ter somente esse dado frio aí. (uce 3563, enf. 21) Você tem que detectar, você tem que detectar o problema e verificar as causas daquilo ali, mas para isso você tem que saber a clínica, e você tem que estar perto do paciente, tem que estar olhando para ele e junto dele (uce 1912, enf. 13) Eu preciso saber o que de repente costuma acontecer nessas situações de acordo com a literatura, e ver o que o doente está apresentando e vê o que a máquina está me dizendo, então são coisas que se entrelaçam. (uce 1673, enf. 11)

Essa correlação também é vista na figura de classificação ascendente

abaixo, onde 2 blocos de palavras se aproximam. Inicialmente as palavras alarme,

sinal, oxímetro e frequência cardíaca, e em outra, dado, perto, correlacionar e

máquina, ou seja, é necessário estar perto do paciente para correlacionar um sinal

de alarme emitido pela máquina, como ocorre com aqueles de oximetria e

frequência cardíaca.

Figura 13: Classificação hierárquica ascendente da classe 5

A estruturação da classe 5 favorece a compreensão de que essa junção dos

dados do cliente com os da máquina constitue a estratégia adequada para uma

interpretação correta, ou seja, para o alcance de um diagnóstico clínico situacional

153

apropriado, que, por sua vez, determinará as tomadas de decisão no que concerne

às intervenções de enfermagem.

Observando o que a tecnologia está mostrando e tentando resolver, diante do que ela mostra tentando resolver o problema, se é uma dessaturação, se é uma hipotensão (...) se é uma arritmia cardíaca ou se é um baixo débito urinário, porque está com baixo débito urinário? Se está hidratado, se não está. (uce 1906, enf. 13) O doente está fazendo febre, porque o doente está fazendo febre? O doente está taquicárdico, o doente está hipertenso, vamos aumentar a noradrenalina ou diminuir? Isso são coisas que eu preciso estar constantemente avaliando, porque eu preciso tomar iniciativa de algumas situações, e essas coisas servem para que eu possa intervir. (uce 1634, enf. 11) A tecnologia ajuda muito, mas você tem que saber interpretar o que a tecnologia está te mostrando. (uce 1884, enf. 13)

As profissionais que trabalham durante o turno diurno tiveram maior

participação na veiculação destas particularidades que definem o cuidado com a

tecnologia. Um motivo para isso é a realização de grande quantidade de

procedimentos e terapêuticas neste período, como exames diagnósticos,

manipulações e avaliações, os quais muitas vezes geram a ocorrência de eventos

inesperados que tornam mais ativa a imagem da atuação da enfermeira na

prestação dos cuidados intensivos com o auxílio das tecnologias. A enfermeira 13 é

uma destas, que ainda indica utilizar de sua experiência em lidar com as tecnologias

para conduzir seu pensamento sobre a prática de cuidar.

Essa forma como está disposta a classe 5 dá contornos a um tipo de

cuidado com a tecnologia que é ainda mais perceptível quando se avalia as práticas

rotineiras das enfermeiras. Isso porque no seu dia-a-dia experiencia uma variedade

de acontecimentos, fatos e episódios, os quais manifestam a dinâmica, bem como a

organização do cuidado que ela estabelece para dar conta das necessidades do

cliente captadas por intermédio do arsenal tecnológico empregado.

Na intercorrência descrita a seguir, alguns distintivos que caracterizam este

cuidado tecnológico aparecem em destaque. A enfermeira 11 está no posto de

enfermagem, enquanto no boxe de número 10 duas técnicas de enfermagem

154

realizam o banho no leito do cliente. A enfermeira volta-se aos técnicos e questiona:

_o que está acontecendo aí que não para de alarmar? Rapidamente ouve-se uma

explicação: _é que ele está fazendo esforço, tossindo. A enfermeira 11 após obter

essa informação permanece no posto. A enfermeira 13 passa próximo a este leito e

intrigada interroga: _por que está alarmando? A técnica repete: _ele não está bem

sedado! A enfermeira 13 complementa: _acho que ele está mordendo o tubo, vamos

colocar uma cânula de Guedel [sai em direção ao armário de materiais]. Ao retornar

com o dispositivo ela diz: _mas ele está com esforço respiratório. Imediatamente se

aproxima do cliente, pega o estetoscópio e realiza ausculta respiratória. No fim

chega ao diagnóstico da situação: mas ele está com sibilos expiratórios, ele tem

alguma nebulização prescrita? (trechos de diário de campo, enf. 13 e 11, 24/01/2011

de 09:20 às 14:20 hs)

Uma experiência semelhante acontece com a enfermeira 18, que ao

suspeitar de uma deterioração no estado clínico da cliente do leito 5 rapidamente se

mobiliza. Logo após chegar ao seu lado, constata que não há uma expansão

torácica adequada, comprovada ao monitor pela redução na saturação do oxigênio

de modo importante. A enfermeira chama a cliente pelo nome, a qual não responde,

em seguida olha para o monitor novamente, e ao analisar o quadro apresentado,

afirma acreditar que alguns daqueles dados não sejam fidedignos.

Em vista disso, decide desacoplar o circuito do respirador artificial da cliente

e iniciar uma ventilação manual através do uso do dispositivo Ambu. Procede na

sequência a ausculta pulmonar e conclui existirem secreções pulmonares, optando

então pelo procedimento de aspiração traqueal. O resultado das medidas

implementadas é visto por meio do retorno aos níveis de normalidade pela doente,

com estabilização dos valores relativos à respiração e pressóricos. A enfermeira

155

finaliza sugerindo a suspensão temporária da dieta enteral e realização de

gasometria arterial para acompanhamento dos gases sanguíneos. (trecho de diário

de campo, enf. 18, 07/05/2011 de 09:30 às 13:20 hs)

Assim como na classe 5 do Alceste, promover a interseção do dado

proveniente do maquinário com o padrão clínico mostrado pelo cliente, apoiada nos

conhecimentos da enfermeira e no seu raciocínio diagnóstico, constitui-se uma

estratégia de validação da informação, de modo a verificar a sua coerência, com

consequente integração ao contexto do cuidado, e posterior condução das ações.

O comportamento da enfermeira 19 é um exemplo, quando busca verificar a

fidedignidade de um parâmetro anormal, considerando a clínica do doente. Esta

profissional nota à distância, através do visor do boxe, que o cliente do leito 5 exibia

ao monitor pressão arterial equivalente à 191 x 107 mmHg. Sua imediata expressão

facial denotava uma sensação de estranhamento, pelo movimento de seus olhos. No

entanto, encaminhou-se de maneira apressada ao leito, centrou sua atenção sobre o

maquinário, e em seguida virou o corpo na direção do cliente, com um ar de

desconfiança frente àquele resultado. Minutos depois, opta por repetir a medição da

pressão arterial, cuja nova aferição indicava 120 x 70 mmHg. Com uma feição mais

tranquila volta ao posto de enfermagem. (trecho de diário de campo, enf. 19,

08/04/2011 de 09:20 às 13:40 hs)

Vale ressaltar que sob a ótica do cuidado tecnológico o sujeito do cuidado é

fundamental no envio de sinais que possam auxiliar no processo de interpretação.

Um dos recursos que viabilizam essa apreensão dos dados é a interação, na medida

em que seja um instrumento de mediação ente a objetividade e subjetividade. A

enfermeira 9 diante da instabilidade respiratória, retorna várias vezes à unidade do

156

cliente do leito 9, detectando sua inquietude através da retirada constante da

máscara de macronebulização. A enfermeira expõe preocupação indagando a ele:

_Mas por que o senhor retira a máscara? Se o senhor retirar vai sentir mais desconforto, mais falta de ar! O elástico te incomoda? O senhor está cansado (....) evite falar muito para não ficar com falta de ar! (trecho de diário de campo, enf. 9, 14/02/2011 de 11:30 às 16:30 hs)

MÁQUINAS

CUIDADO COM A TECNOLOGIA NO AMBIENTE DA TI

CLIENTE

ENFERMEIRA

Avaliação clínica

Exame clínico x suporte teórico

Processo Interpretativo

REFLEXÃO/ QUESTIONAMENTO

Figura 14: Composição da classe 5 Alceste; Fonte: produção do pesquisador

SINAIS OBJETIVOS

(DADOS CODIFICADOS)

Articulação dos dados

OBSERVAÇÃO DO CLIENTE

SINAIS OBJETIVOS E

SUBJETIVOS

Diagnóstico clínico

situacional -

INTERVENÇÃO

157

5.1.1.3 Classe 6

Classe 6 694 uce

Chi² Porc.

Falar Paciente Ele Aqui Acordado Sei Foi Sair Estava Sedado Deus Lúcido Intubado Bem Teve Fulano Agradecer Fala Ficou Gratificante

76,3 67,7 55,8 54,2 53,0 51,1 51,0 49,7 47,6 41,2 40,3 39,6 35,4 35,4 32,8 31,9 31,4 31,2 29,7 27,5

65,8 41,2 41,7 49,6 88,2 50,8 55,8 70,7 59,0 83,8 68,3 91,3 84,6 49,5 69,5 86,3 100 59,4 76,6 93,3

Variáveis

Sexo feminino, mais tempo de formado, menos jovens, turno diurno, católica,

escolheu o setor

As características do paciente como indicador do trabalho no CTI

30,93%

Quadro 9: Classe 6 Alceste

Aparece como a classe principal desta investigação, visto agrupar 30,93%

da narrativa das enfermeiras sobre a sua prática de cuidar na terapia intensiva. Esta

classe lexical remete ao sujeito a que se destina o cuidado de enfermagem neste

setor, uma vez que o conteúdo que a integra veicula com clareza concepções das

enfermeiras sobre aspectos relacionados a ele. Assim, tais concepções articulam

determinadas características dos pacientes para se referir ao trabalho no CTI. Uma

das características que sobressai no material é a sua condição de comunicação, a

qual vem revestida de uma conotação tanto de gratificação do trabalho, quanto do

nível de ocupação.

No primeiro caso, falar e estar acordado, por exemplo, são indicativos de

positividade do trabalho, isto é, produz uma ideia de alcance do resultado, de

melhora clínica. Já quando as enfermeiras a abordam para tratar da ocupação,

diferenciam o cliente acordado e lúcido, daquele que está sedado e intubado,

158

trazendo em pauta a maior ou menor demanda de trabalho que cada um deles

suscita. As palavras falar (chi²: 76,32), paciente (chi²: 67,76), acordado (chi²: 53,08),

sedado (chi²: 41,2), lúcido (chi²: 39,6) dão suporte para essa afirmação.

Eu gosto de ver o paciente evoluir e sair daqui bem falando, então essa parte de ver o paciente falando e reclamando isso não me incomoda, muito pelo contrário, principalmente se ele chegou assim, mais grave, isso me deixa super satisfeita. (uce 2872, enf. 18) Essa é a questão da evolução que eu já falei tantas vezes, ver o paciente gravíssimo sair daqui bem, rindo, falando, isso é super super gratificante para mim, então é isso, não me vejo trabalhando de outra forma. (uce 2944, enf. 18) Eu falo por mim, porque eu não gosto muito de paciente lúcido, porque paciente conversa, fica naquela coisa, então eu não sou muito de, adoro, amo conversar, sendo que paciente para mim mesmo, depende de mim, eu não estou dizendo que ele não depende, mas paciente que é paciente está sedado, comatoso e paciente que não perturba. (uce 51, enf. 1) É que de repente tem pessoas, como eu já ouvi falar aqui: “_ah, não me coloca com paciente acordado, eu prefiro paciente sedado, não me coloca com esse paciente”. (uce 1227, enf. 8)

Os dados evocam ainda que o senso de obtenção do resultado é

“atravessado” por uma temporalidade, através dos contrários chegada e saída, que

reportam ao estado inicial e o modo como estão deixando o setor, a mudança, a

qual reflete um progressão satisfatória da condição de saúde e justifica todos os

esforços empreendidos pelas enfermeiras, gerando tal sentimento de gratificação e

satisfação. As palavras sair (chi²: 49,74), bem (chi²: 35,4) e gratificante (chi²: 27,5)

propiciam explicitar este sub-tema da classe 6.

Ele saiu daqui muito bem, saiu do CTI muito bem, cuidei dele muito bem, posso até falar para você que quando ele chegou aqui era um paciente moribundo, nós demos uma geral. (uce 277, enf. 3) Quando sai daquele quadro, depois retorna para te visitar e fala: “_olha aqui como eu estou!” É a melhor coisa, a parte mais gratificante que tem. (uce 57, enf. 1) Para mim assim é muito gratificante, porque muitas vezes eu vejo aquela criança, seja criança seja adulto, aquele paciente ali, chegar muito grave e às vezes, muitas vezes eu mesmo achei que não teria jeito, hoje em dia eu já não falo mais isso. (uce 2730, enf. 17) Então assim, para você é muito mais gratificante ver aquele paciente que teve aqui, que fez aquela parada difícil de reverter, que você conseguiu reverter, paciente que ficou grave muito tempo se recuperando. (uce 2468, enf. 16)

A visão que constroem sobre o nível de trabalho tendo como ponto de

partida o estado de comunicação do cliente, provavelmente se respalda no tipo de

demanda e de dificuldades a serem vivenciadas nesta relação de cuidado, como é o

159

caso daquelas oriundas da interação comunicativa, as quais levam aos profissionais

no momento de escolha preferirem cuidar de um cliente sedado que não a ocupará

com esse tipo de atividade, já que não fala e, consequentemente, não relata suas

necessidades, insatisfações, queixas. Estes trechos de uce fornecem condições, de

certa maneira, para o reconhecimento dessas contingências que se apresentam no

cuidado deste cliente.

Tem uns pacientes que são chatos mesmo. Então quando é chato o pessoal vai mesmo, vai deixar lá, vai ficar confinado, o pessoal nem vai aparecer, porque qualquer coisinha é dor, dor, dor, mas as vezes nem é dor, é mais atenção mesmo (...) por encher tanto a paciência quando for ver que é atenção mesmo, a pessoa não quer nem ficar lá, porque encheu o saco de todo mundo o tempo todo. (uce122/123, enf. 1) Não tinha sensibilidade de nada, foi quando eu perguntei para ele se estava doendo, ele foi e falou um palavrão, só que ele não estava falando porque ele estava intubado, aí eu percebi que ele falou um palavrão, eu falei: “_ah é, você vai falar isso para mim, você mal acordou e está falando isso para mim? Você não merece meu carinho”. (uce 1520, enf. 10)

À propósito destas considerações, afirma-se que a compreensão feita pelas

enfermeiras mediada pela capacidade interativa do cliente exerce influências nos

seus modos de atuar. As palavras falar/fala (chi²: 76,3, e 31,2) permitem captar

estas consequências, pelo sentido que é investido ao diálogo. No caso da

perspectiva relacionada à gratificação do trabalho, observa-se que o diálogo se

concretiza como instrumento para apreensão das necessidades do cliente com

vistas à obtenção do resultado, implicando na aproximação a ele. Quando a ideia

está situada na esfera da ocupação, pode representar um maior quantitativo de

solicitações, causando numa primeira impressão o afastamento da enfermeira.

E se ele tivesse acordando e verbalizando me falava: “_oh doutor, ou enfermeira, estou com dor no peito, meu coração está acelerado”, e isso vai me dar um olhar diferente para aquele paciente, se ele conseguisse falar isso para mim. (uce 1520, enf. 5) E a enfermeira que estava passando o plantão falou assim: “_ai fala baixo para ele não acordar, senão ele vai chamar”. Então quer dizer, é aquele paciente que se ele dormir ninguém vai acordar para conversar com ele, mas é verdade. (uce 3199, enf. 19)

A dialética deste exercício cognitivo das enfermeiras de estabelecimento de

lugar, e que engloba aproximação e afastamento, termina por impactar na

elaboração que o cliente passa a fazer sobre o setor e equipe, envolvendo inclusive

160

atitudes que exprimem a criação de vínculo ou não entre ele e a enfermeira, como

se confirma abaixo, por exemplo, pelo emprego da palavra agradecer (chi²: 31,4), a

qual coocorre com o verbo voltar.

É muito legal poder perceber que o paciente voltou para agradecer: “_estou no ambulatório, obrigado, eu estou bem, já melhorei, já operei!” Como também outros saem daqui odiando. (uce 740, enf.5) Você acha que eu recebi aquela criança lá e depois cuidei e depois o pai voltou para agradecer, então aquilo foi ótimo para mim, então assim o que prova que é bom e que se pudesse a gente cuidaria de todos assim. (uce 3488, enf.20) E saem com uma má impressão, porque as pessoas ali são frias, e eu chamava e ninguém me dava atenção, porque às vezes tem paciente que chama, mas chama menos, e aí acaba criando uma impressão ruim. (uce 1791, enf.17) Então acabava que criava vínculos, esse rapaz mesmo que ficou no leito quatro, o do acidente de moto, veio passar o natal com a gente. (uce 1831, enf. 12)

Tais relações abordadas na classe 6 também estão em evidência na

classificação ascendente, já que esta liga, por exemplo, sedado, intubado e

acordado, com fala e gosta, remetendo às escolhas da enfermeira com base nas

suas preferências. De outro modo, quando ele sai daqui bem, isso é gratificante, e

ele (o paciente) volta para agradecer.

Figura 15: Classificação hierárquica ascendente da classe 6

Alguns destes elementos constitutivos da classe 6 tiveram importante

inscrição nos registros de campo relativos às práticas de cuidar das enfermeiras,

161

estabelecendo coerência entre pensamento e ação acerca do objeto em estudo. A

construção ancorada no resultado ou na mudança tem forma na transcrição deste

acontecimento que abrange a participação do cliente. Durante um dia de

observação, chegou ao setor um cliente que havia ficado internado no CTI por longo

tempo, e este aparentava excelente estado geral. A enfermeira 4, assim que o vê,

corre em direção a ele, posiciona-se a minha frente e reforça: _anota isso. Isso que

é gratificante no CTI, a gente ver o paciente bem! Ela continua, olhando para o

cliente e sorrindo: _você se lembra do leito onde ficou? O cliente aponta em direção

ao leito 6. Era possível depreender um sentimento de alegria pela expressão facial

da enfermeira 4. Mais tarde, ao relembrar o encontro diz: _fiquei tão feliz de ver o L.

(trecho de diário de campo, enf. 4, 17/01/2011 de 08:30 às 14 hs)

Essa premência na mudança do cliente é uma característica que se

manifesta no cotidiano das enfermeiras, principalmente no que tange aos cuidados

de higiene e conforto, onde a modificação na aparência torna-se fundamental, pois

funciona como um indicador em direção à recuperação clínica e chegada ao produto

do trabalho esperado. A admissão de um paciente no CTI é bastante elucidativa

deste desejo dos profissionais, nesta em especial, onde após o posicionamento da

cliente no leito é feita uma espécie de “limpeza” nela, retirando todos os dispositivos

que estavam em uso prévio e sucedendo-se uma sequência de procedimentos como

cuidados estéticos, realização de swabs, troca de fralda, instalação da monitorização

etc. Após algum tempo, a enfermeira 8 que está no posto de enfermagem pergunta

aos profissionais que ainda permanecem no leito: _vocês estão precisando de

alguma coisa? O que vocês ainda estão fazendo lá? A técnica de enfermagem logo

se pronuncia: _passando creme! Ao me aproximar do leito visualizo uma feição

completamente diferente daquela que chegou e sinto um odor agradável. O

162

profissional finaliza: _isso é que é trato! (trecho de diário de campo, enf. 8,

25/02/2011 de 12 às 16:30 hs)

A recusa a priori do cliente a partir da sua fala também tem assento na

prática, trazendo à discussão outro aspecto interessante que é a condição física e

psicológica da enfermeira. Ao analisar o panorama de uma cliente que apresentava

baixa auto-estima a enfermeira 4 discorre:

_A gente tem que conversar, está ali do lado, tentar entender (....) a gente tem uma participação nisso, é óbvio, mas olha sexta-feira, o plantão foi o caos, um inferno, tinha procedimento da vascular no leito 7, traqueostomia ali (aponta para outro leito), e eu praticamente não tive tempo de ir no leito dela. Teve uma hora que eu disse: “_não, agora a gente tem que ir aqui!” Mas a gente tem que ver também como a gente está naquele dia, porque se eu não estiver bem eu peço logo:,”_ah, não quero ficar hoje com ninguém que converse ou interaja, me dá algum intubado!” [fazendo referência à escala de trabalho diário] Mas se eu estiver bem fico com paciente que interage. (trecho de diário de campo, enf. 4, 24/01/2011 de 09:20 às 14:20 hs)

Esta proposição na qual o cliente é ajuizado em virtude do maior número de

chamamentos e pedidos pode ser confirmada nesta conversa entre as enfermeiras 1

e 6. Na cena, são por volta das 13 horas e uma parte da equipe de enfermagem

deixou o setor para o almoço. Ainda na unidade, tais enfermeiras estão realizando

registros nos prontuários, até que um dos clientes solicita a ida de uma delas ao

leito. Imediatamente, elas cochicham, numa atitude de concordância entre si: gente,

por que não transfere logo (....) é chatice! A enfermeira 1 acrescenta: _mas o leito

não sei se está disponível, não tem maqueiro. A enfermeira 6 continua: _ah, liga

para neurocirurgia! Pouco tempo depois verificou-se que o cliente solicitava que

esvaziasse o patinho. (trechos de diário de campo, enf. 1 e 6, 19/01/2011 de 08;50

às 14 hs)

Ainda sobre os obstáculos e barreiras que podem vir à tona na relação com

um paciente acordado em condições de interação, o relato da enfermeira 9 ratifica

os resultados da classe Alceste, e facilita o seu melhor esclarecimento. Após

retornar do cuidado de um cliente, ela diz em tom de insatisfação:

163

_Eu fico agoniada quando eu fico com esse menino, eu não gosto de ficar com ele não, ele não se comunica, não interage, a gente fala e ele não faz nada (....) com algumas pessoas ele interage, mas com a gente ele não fala nada! (trecho de diário de campo, enf. 9, 25/02/2011 de 12 às 16:30 hs)

Tal registro serve para conhecer o porquê em algumas circunstâncias existe

a escolha pelo paciente sedado, já que o problema experimentado neste caso pela

enfermeira seria minimizado. Do mesmo modo, no tocante às preferências do

cliente, identifica-se que quando ele está impossibilitado de se comunicar há a

oportunidade para que a equipe de enfermagem tenha determinadas formas de agir

sem maiores preocupações com uma rejeição do cliente, como a que se desenvolve

em seguida, levando em consideração a advertência da enfermeira 4:

_Nossa, aquela hora estava uma confusão, essas duas aqui cantando lá no leito 10 [alusão às duas técnicas de enfermagem que estavam dando banho no cliente], aqui estava cheio de gente, essa aqui conversando. Essas duas cantando música evangélica para o paciente. A médica estava aqui comentando, que você cantando música evangélica, e se o paciente não gostasse, gostasse de macumba? A técnica retruca: _e eu com isso! Se ele não tivesse gostando ele tinha falado. A enfermeira 4 então contra-argumenta: _mas como ele ia falar, ele não podia falar [referindo-se ao estado do cliente]. A técnica mostra uma expressão não verbal de não preocupação com a preferência do cliente e a enfermeira 4 sinaliza: _mas você sabe que não pode ser assim! (trecho de diário de campo, enf. 4,02/02/2011 de 08:50 às 14 hs)

164

Gratificação do trabalho

Ideia de resultado

Mudança/Melhora/Saída

Gera satisfação

Influência positiva na

concepção do cliente

CONDIÇÃO DE COMUNICAÇÃO

Ocupação no trabalho

Ideia de maior/menor

demanda

Número de solicitações

Opta pelo sedado

Influência negativa na

concepção do cliente

Figura 16: Composição da classe 6 Alceste; Fonte: produção do pesquisador

5.1.2 DISCUSSÃO

A assistência de enfermagem na terapia intensiva no que se refere ao seu

modo de organização é uma das problemáticas que desperta a curiosidade dos

interessados em aprofundar a dinâmica estabelecida no dia-a-dia pelas enfermeiras

para cuidar dos clientes gravemente doentes. Neste sentido, um olhar mais

Sujeitos do cuidado

na TI

Estilo de cuidar: diálogo

como instrumento –

aproximação

Estilo de cuidar: diálogo

como demanda -

afastamento

165

detalhado sobre os processos de trabalho destas profissionais prende a atenção de

uma parte da literatura especializada. Este interesse já vem expresso há alguns

anos como revelam os estudos do início da última década.

Em 2002, por exemplo, perguntou-se aos trabalhadores de enfermagem de

um hospital escola, não-enfermeiros, sobre como eles percebem o trabalho na UTI,

utilizando como enfoque a teoria das representações sociais. Os conteúdos que

abordavam a organização do trabalho da enfermagem na UTI evidenciavam que os

modelos adotados estavam baseados nos fundamentos da administração científica

clássica (Taylor, Fayol e Ford) e da burocracia, de modo que favoreciam que as

atividades tivessem uma característica de trabalho parcial, pautado em normas e

regras, e centralizado em um ponto de comando. Assim, a investigação sublinha o

predomínio da lógica do parcelamento das atividades, muito embora reconheça as

contribuições que a sistematização do cuidar de maneira efetiva poderia trazer

(SHIMIZU; CIAMPONE, 2002).

O advento da Política Nacional de Humanização em 2004, e, por

conseguinte, dos seus princípios, impulsiona um novo conjunto de produções

preocupadas, sobretudo, com a ideia de clínica ampliada. Em 2011 duas pesquisas

que consideram esta proposição ao pensar sobre o processo de trabalho das

enfermeiras ganharam espaço em periódicos nacionais. Numa delas cujo objetivo é

refletir sobre a assistência de enfermagem na UTI tendo em vista a clínica ampliada,

alguns aspectos que importam para o debate em curso são pontuados.

Dentre as razões tomadas para sustentar a defesa em torno da clínica está

o fato de que existe uma preocupação exacerbada dos profissionais com prescrição

médica, banho no leito e exames, em detrimento de um maior fortalecimento do

diálogo, determinando o que se denomina de inversão dos valores, e que encontra

166

eco em um modelo hegemônico. Sob esta ótica é que se colocam a favor de uma

posição na qual supera-se uma clínica em pedaços, fragmentada, indo em direção à

noção de interdisciplinaridade, em que se respeita o caráter subjetivo e social dentro

da complexidade de cada sujeito. Então, o conceito de integralidade, que vê o

cliente na sua plenitude e no qual a autonomia tem papel central, exerce função

primordial para o alcance da mudança na estruturação da prática assistencial

(CAMPOS; MELO, 2011).

Esta linha de compreensão voltada à integralidade do cuidado na prática

inter-profissional na terapia intensiva foi foco do segundo estudo, cuja intenção era

analisar a atuação profissional à luz de tal premissa. A justificativa para isso é que,

no geral, as ações no hospital se caracterizam por estarem decompostas em

variados atos diagnósticos e terapêuticos desarticulados, implementados por

diversas pessoas. Utilizando um estudo de caso, e abrangendo observações da

prática e entrevistas a 10 sujeitos chegou-se a dois eixos temáticos: o cuidado

individual instrumental frente às instabilidades clínicas, e o cuidado coletivo

fragmentado por funções (PIROLO; FERRAZ; GOMES, 2011).

O primeiro eixo aponta para um cuidado que se fundamenta em um sentido

biomédico e fragmentado, no qual valoriza-se os métodos de tratamento. Assim, o

cuidado individual tem como foco a detecção de alterações no quadro clínico a partir

dos sinais e sintomas de modo a intervir visando a cura, e denota a ausência de

ações de cuidado voltadas a atender às necessidades coletivas de saúde. No

segundo eixo que ressalta o plano coletivo aparece uma organização de trabalho

funcionalista, baseada na tarefa, em que as ações são descontínuas, fundadas em

protocolos e centradas no profissional.

167

Deste modo, volta-se ao entendimento da doença e assume um formato

racional que tem assento na teoria geral da administração (marcada pelo trabalho

parcelar, o tempo é controlado, dividido por funções, e no qual há uma ruptura entre

concepção e execução). Ambas categorias, por sua vez, divergem da diretriz da

integralidade do cuidado, através da qual preconiza-se uma

articulação/interdependência das ações e a complementaridade dos saberes

(PIROLO; FERRAZ; GOMES, 2011).

O estudo clássico desenvolvido por Guimelli em 1994 na França com

enfermeiras aplicando a teoria das representações sociais, e reeditado

recentemente (2011) no livro Pratiques sociales et representations traz contribuições

interessantes para entender como estes profissionais representam sua própria

função, e, por consequência, dá indícios que propiciam desvelar os motivos que

explicam a dinâmica do seu processo de trabalho. Guimelli estava preocupado com

a mudança de estado das representações sociais, sua transformação a partir da

evolução das práticas. Assim, acreditava-se à época que o cuidado de enfermagem

comportava dois campos distintos: um campo tradicional, inerente à prescrição

médica, no qual a enfermeira executa atos prescritos pelo médico; um campo

relativo ao papel próprio, no qual ela tem real autonomia e aplica seu próprio saber.

Este campo próprio tem como foco a pessoa cuidada, tomada globalmente com

características físicas, psicológicas, sociais e culturais, e se conforma, segundo o

autor, como uma prática nova (ABRIC, 2011).

A execução de tarefas relativas ao papel próprio varia na prática em termos

de intensidade, o que permitiu o estudo de dois grupos, um onde os sujeitos são

estimulados regularmente a exercer o papel próprio, e então de implementar as

práticas novas; e outro onde os sujeitos exercem a sua função de maneira mais

168

tradicional centrada nas prescrições médicas. Partindo do pressuposto de que o

acesso às práticas novas é um determinante na transformação das representações

sociais, e tendo como enquadramento teórico o conceito de cognição prescritiva,

realizou-se três manipulações empíricas de maneira a explicitar como esse processo

ocorre.

Em um dos estudos realizado com 40 enfermeiras diplomadas em Marseille,

após caracterizar os grupos que exerciam o papel próprio ou não através de um

questionário de intensidade, foi procedida uma análise de similitude com base em

um instrumento de 20 itens. A análise confirmou a hipótese inicial de mudança na

estrutura das representações sociais quando os sujeitos acessam as práticas novas.

Então, nos indivíduos marcados pelas práticas tradicionais o papel prescrito ocupa

lugar importante na representação e integra algumas prescrições do papel próprio.

Ao passo que no momento que as práticas novas se tornam mais frequentes, as

prescrições relativas ao papel próprio se destacam no campo representacional.

Essas informações ajudam no fornecimento de pistas sobre os nexos que se

constroem pelas enfermeiras para justificar o arranjo conferido às práticas de cuidar

(ABRIC, 2011).

As evidências fornecidas tanto pela classe 3 gerada pelo Alceste quanto

pela observação de campo, bem como àquelas presentes neste arcabouço

conceitual conduzem a dizer que as enfermeiras, ao pensarem sobre sua prática de

cuidar circunscritas pelo cenário onde ela se desenvolve, se reportam ao seu

cotidiano de assistir o cliente, revelando, deste modo, a estrutura de um modelo

assistencial que serve de mola propulsora para a realização das suas ações diárias.

Este modelo, conforme atestam os dados, é delimitado na prática pelas

seguintes características: o cuidado é dividido/separado por tarefas a serem

169

executadas, entre as quais existe uma supremacia da terapêutica prescrita pelo

médico, e, a partir desta, as outras atividades a serem feitas são ordenadas,

principalmente às de atenção direta ao cliente, que possuem um cunho

procedimental. Este compilado de atribuições causa grande preocupação no

profissional, já que precisa dar conta de todos estes afazeres durante seu dia de

trabalho.

Nota-se assim um processo de ritualização deste aspecto nas práticas de

cuidar na terapia intensiva. Isto é deveras interessante, pois segundo cita

Jovchelovitch (2008) os rituais são ricos depósitos de sentido simbólico que indicam

sistemas representacionais colocados em ação, ou seja, a disposição que dão às

suas práticas e formas de agir são centrais para compreender as relações de

produção, gestos e não-ditos, que, por sua vez, possibilitam manter ou produzir os

saberes sociais. Jovchelovitch (op. cit.) continua afirmando que apreender o sentido

do comportamento ritualizado, através das rotinas e repetições implementadas,

permite captar o valor simbólico e afetivo investidos, que são bases do porquê da

representação social, mapeando a lógica que orienta a perspectiva adotada .

Ao remeter estes pressupostos teóricos à elucidação do objeto, percebe-se

que esta maneira do fazer profissional está alicerçada em um paradigma de

racionalidade que trouxe grandes influências no modelo de saúde que dele derivou,

fortemente marcado por uma fragmentação e com abordagem centrada nos órgãos

do corpo, entendidos como sistemas isolados. Então, constitui-se como reflexo de

um modelo biomédico no qual a saúde é vista como ausência de doença, e que

ainda repercute-se nos profissionais de saúde, mormente nas enfermeiras na sua

dinâmica de trabalho (SILVA, 2009).

170

Vale destacar, que as condições sociais onde os saberes se desenvolvem

são fundamentais no processo de formação do conhecimento, circunscrevendo a

experiência cotidiana. A produção das representações sociais está intimamente

ligada a estes contextos organizacionais, onde incidem complexos sistemas

administrativos, divisão de trabalho, hierarquia, acesso a poder.

No estudo das representações sociais sobre a prática tem efeito um ritual de

cuidar que ganha sentido a partir do momento que a enfermeira se inscreve em um

referencial biomédico de assistência, o qual circunda um ambiente atravessado pela

carga da doença e de predomínio dos instrumentais terapêuticos, exercendo “força”

sobre os profissionais na elaboração que fazem sobre a prática.

As pessoas incorporam e lidam com as tecnologias na sua vida diária de

variadas maneiras em função da utilidade que elas assumem nos diversos campos.

Esse traço confere um polimorfismo a tal fenômeno, que o classifica como uma

questão complexa na sociedade atual geradora de um debate público de grandes

dimensões. Alguns teóricos já ressaltaram essa influência das tecnologias na vida

das pessoas, a exemplo de Heidegger, Feinberg, enfatizando, principalmente, a sua

capacidade de controle sobre o ser humano no plano político, econômico, cultural,

social, ambiental, determinando no final o estilo de viver desses indivíduos.

Lahlou (2005), ao examinar o papel da tecnologia na reificação, avalia que

estas tecnologias formalizam o processo de reprodução dos objetos em nome da

ciência, sendo tomadas pela indústria e produzindo um fenômeno de reificação em

massa que faz parte de um sistema industrial globalizado. Assim, os consumidores,

cidadãos, agem diante destes objetos dentro de um contexto de forças políticas e

econômicas, no qual os vários interesses serão mobilizados para conduzir a forma

como irão lidar com eles.

171

Estas indagações em torno da maneira como as pessoas tratam a tecnologia

vem estimulando reflexões que giram ao redor das concepções que estão atreladas

a elas, em busca de uma compreensão mais abrangente que responda por todas as

dimensões do cuidado em saúde. Nesta corrente se encontram diferentes iniciativas

(KOERICH e colaboradores, 2006; AQUINO e colaboradores, 2010) que revisitam a

literatura pertinente à temática no intento de mostrar que na assistência à saúde

existe a necessidade de que os profissionais estejam imbricados com tecnologias de

cuidado que superem os equipamentos e saberes tecnológicos estruturados e

alcancem os processos de intervenção, as tecnologias do encontro e das

subjetividades, o próprio saber da profissão que é mediado pela experiência.

Isso atesta, ao mesmo tempo, a “espessura” social que as tecnologias

apresentam, dentro da qual os sujeitos se implicam continuamente, e, a este

processo, onde se inserem os elementos articulados às práticas grupais, o produto

da conversação e o acesso aos meios de comunicação se misturam afetos,

opiniões, sentimentos, valores e costumes que possibilitam explicar os modos como

as pessoas se relacionam com as tecnologias no seu cotidiano (SILVA, 2009).

Na saúde, e, em particular, em ambiente de cuidados intensivos, a prática de

cuidar com a tecnologia parece se revestir de um significado particular. Neste lugar,

considerando o seu domínio a partir da correta interpretação da linguagem emitida

pelas máquinas, tal aparelhagem é vista como uma aliada para o desenvolvimento

das ações de cuidar, que atua em benefício do cliente e do próprio profissional.

Desta forma, fornecem um olhar tecnológico através da amplificação dos sinais do

corpo do cliente, que alertam os sentidos destes agentes cuidantes para a

necessidade de tomada de decisão, o que termina por deixá-los mais seguros e

confiantes durante a sua jornada de trabalho. Este uso teoricamente imprime uma

172

maior velocidade às atividades, sobretudo na identificação das alterações clínicas e

aplicação das intervenções.

Apesar de geralmente serem destacados pelas suas qualidades positivas, os

equipamentos existentes nas UTI são origem de angústia e desconforto de uma

parcela dos profissionais. Isto porque, em muitas situações não encontram-se em

condições apropriadas ao uso, em virtude da sua deterioração com o tempo. O risco

de pane de funcionamento, incidentes, anomalias, causa uma visão negativa destes

recursos, já que ocasionam uma intensificação do trabalho e reorganização da sua

dinâmica. Como consequência os profissionais vivem em um estado de alerta

permanente, na tentativa de evitar a ocorrência de prejuízos à saúde do cliente

(MARTINS; NASCIMENTO, 2005; MARTINS; ROBAZZI, 2009).

Em outros locais do hospital, a incorporação das tecnologias e o modo como

isso se acontece também se enche de particularidades. Nos setores de clínica de

internação, a introdução de tecnologias informatizadas recaiu sobre trabalho

cotidiano da enfermeira e da sua subjetividade (FONSECA; SANTOS, 2007). Na

tentativa de verificar a interferência destas tecnologias no cuidado e de como o

profissional a vivencia é que se desenvolveu o estudo das autoras com sete

enfermeiras por meio de entrevistas e observação. A convivência da enfermeira com

este tipo de tecnologia remete aos seguintes aspectos: difícil, complicado, aumenta

a quantidade de serviço, afasta da enfermaria, falta de destreza, mais lento. Com

base no agrupamento que foi feito dos dados concluem que existe um desinteresse

pelo trabalho mediado pela tecnologia informatizada, rechaçando-a, já que é

esvaziada de significado para o seu trabalho (FONSECA; SANTOS, 2007).

Essa necessidade de entender a relação do homem com as tecnologias no

contexto de trabalho ainda impulsionou Silva, Alvim e Figueiredo (2008) a

173

investigarem a incorporação de tecnologias denominadas leves em setores de

internação pelas enfermeiras no hospital. Neste sentido, mostram que no seu dia-a-

dia a prática de cuidar com as tecnologias leves ocorrem por meio das tecnologias

de relação, como o acolhimento e a interação/comunicação, as quais, em vista do

ambiente onde o cliente se encontra e a situação de fragilidade quanto à saúde, vão

lhe possibilitar um cuidado mais eficiente e autêntico, na medida em que fornecerá

subsídios para a construção do vínculo entre os partícipes da ação de cuidar.

A ideia veiculada pelas enfermeiras na classe 5 de que no CTI a sua prática

se materializa pela inserção das tecnologias (aparelhos) no cuidar, reforça a

premissa de um saber técnico-prático – cuidado tecnológico, que se efetiva ao

articular os alertas oferecidos pelo maquinário com aqueles enviados pelo cliente

como base para um processo interpretativo, e que culmina com o diagnóstico e

intervenção de enfermagem frente à situação problema captada. Esta perspectiva

parece estar envolvida de forte cunho simbólico na construção das representações

sociais.

A função simbólica das representações é onde estão situadas as razões e

as lógicas, através das quais o sujeito confere uma racionalidade específica ao seu

sistema de conhecimento. Por meio de símbolos que dão sentido, incute-se na

representação uma complexa rede de significados que vão se repercutir na

mediação das pessoas com o objeto, abarcando os desejos e afetos nesse processo

de conhecer (JOVCHELOVITCH, 2008).

O que num primeiro momento pode parecer irracional/irreal ao observador

faz total sentido para os agentes implicados no conhecimento, os quais o produzem

dentro de uma realidade psicológica. Desta maneira, o simbólico, na ótica das

representações, apresenta o subjetivo e o intersubjetivo, expressando o lugar dos

174

desejos investidos, a dinâmica das interações que orientam os motivos e intenções

imbricados nos processos representacionais (JOVCHELOVITCH, 2008).

Acrescenta-se ao debate o fato de que a prática de cuidar com a tecnologia

se realiza em um cliente potencialmente recuperável, portador de uma condição

clínica em estado de criticidade que o fez ser internado em um setor que dispõe de

recursos terapêuticos de “última geração” e equipe dotada de saberes

especializados, que em conjunto cumpram a missão de serem capazes de promover

cuidados intensivos avançados voltados ao restabelecimento de melhores níveis de

saúde. Ao tempo que os profissionais devem responder a estes objetivos que

demarcam o ambiente de atuação, se situam também em relação aos princípios que

norteiam a profissão, e que, no caso da enfermagem, estão calcados em

pressupostos básicos de respeito à vida, à dignidade humana, alcance de ótimo

estado de saúde, os quais se encontram retratados nas posturas assistenciais.

Entende-se, por fim, que este saber técnico - cuidado tecnológico simboliza

um elemento importante articulado às práticas neste local, na medida em que

exprime por intermédio das ações realizadas pela enfermeira, que associa a estas a

importância do uso de tecnologias, o seu desejo de estar em consonância com as

características de especificidade do ambiente, bem como as que se pautam no

exercício profissional.

Assim, empreende os seus esforços na decodificação das informações

tornadas visíveis pela aparelhagem e na tradução das necessidades identificadas

pelo olhar direcionado ao cliente, que, em última instância, darão subsídios para as

intervenções, possibilitando conduzir à melhora ou recuperação em comparação ao

problema de saúde inicial. É então neste agir compartilhado que o cuidado

tecnológico tem espaço no CTI, oportunizando aos sujeitos construírem esta

175

realidade na qual encontram-se imersos. Quando este desejo se realiza, os

profissionais se investem de sensações de orgulho e de sentimentos positivos em

torno da sua prática.

A percepção da enfermeira acerca do seu exercício profissional na terapia

intensiva se constitui alvo de grupos de pesquisa voltados à gerência dos serviços,

com o objetivo de melhor entender como ela enfrenta/vivencia o seu trabalho diário

visando futuras intervenções. Neste ínterim, temáticas que frequentemente são

vinculadas ao desempenho da assistência neste local são a

satisfação/gratificação/motivação.

A qualidade de ser um trabalho gratificante é atribuída em razão de que

nesse espaço a enfermeira é dotada de um nível de autonomia para aplicar os

conhecimentos provenientes da sua formação teórico-prática no atendimento direto

ao cliente, o que propicia através de tal assistência observar sua melhora, e,

consequentemente, o resultado do trabalho, sendo assim fonte de gratificação e

prazer, e produzindo uma satisfação interior (CRUZ; SILVA, 2008).

Salomé, Espósito e Silva (2008) corroboram que há um sentimento de

satisfação quando se avalia o sentido de ser um profissional de terapia intensiva.

Nos excertos que ilustram o trabalho destes autores, verifica-se que isso se deve ao

fato de que para as enfermeiras essa prática de cuidar se apresenta como algo

diferente, na medida em que adquirem novos conhecimentos a cada dia que as dão

condições de evoluir enquanto profissionais, e, ao mesmo tempo, por lhes

proporcionar visualizar a qualidade do cuidado prestado através da alta do cliente do

setor, fazendo-a experimentar a sensação de valorização e satisfação.

Os fatores motivacionais também já começaram a ser estudados por

enfermeiras. Num destes estudos divulgado no ano de 2006, 53 funcionários da

176

equipe de enfermagem de uma UTI foram interrogados sobre os aspectos ligados à

motivação.

Algumas contradições são indicadas, pois embora 45% da equipe esteja

desmotivada em trabalhar na unidade, 100% se diz satisfeita no trabalho e 75% não

tem interesse em trocar de setor. Entre o que motiva, isto é, o que desperta uma

disposição positiva para realizar uma atividade, está principalmente a característica

de ser um trabalho desafiador e que promove uma realização profissional, além da

existência de uma imensa responsabilidade por conta das condições dos clientes

(MILANA; BUCARIA; CARTA; CONTRIN, 2006).

No caso internacional, encontra-se na França o exemplo de uma pesquisa

que trata a satisfação profissional como um dos motivos explicativos para que

muitas enfermeiras estejam abandonando a profissão. Parte-se então da hipótese

de que a satisfação depende da importância do papel próprio (reconhecimento das

competências específicas) na representação profissional da sua função, mormente

quanto ao valor da autonomia. Embasando-se em estudos já desenvolvidos,

Lheureux (2010) afirma que quanto mais eles têm a possibilidade de aplicar com

autonomia suas competências próprias mais eles são satisfeitos.

O resultado da abordagem a 120 enfermeiras confirma a hipótese inicial, ou

seja, quanto mais a representação está em torno dos elementos relativos à questão

humana das doenças (possibilidade de implementá-los com autonomia em relação

aos atos médicos) mais elas são satisfeitas, revelando as enfermeiras como pessoas

(valores) e enquanto profissionais (papel próprio) (LHEUREUX, 2010).

Continuando esta reflexão sobre o trabalho no CTI, observa-se com

regularidade que uma das justificativas utilizadas pelo profissional para explicar a

sua escolha por atuar neste setor está relacionada ao tipo de assistência que é

177

prestada e a especificidade da clientela hospitalizada. Esta inerência do cliente

atendido na terapia intensiva, geralmente em graves condições clínicas e na qual a

capacidade de comunicação está prejudicada, é abordada pelo profissional para se

referir às características peculiares do trabalho no CTI. Todavia, este ponto tornou-

se foco de críticas da comunidade científica ao analisar o comportamento assumido

pela enfermeira quanto à comunicação com o cliente considerando o seu nível de

consciência.

Uma ilustração bem clara disso é dada por Shimada e Silva (2003) em

investigação que buscou identificar e avaliar a preferência de auxiliares de

enfermagem de uma UTI ao prestar cuidados integrais aos pacientes com e sem

condições de verbalização. Isto porque as experiências práticas forneciam indícios

de que a equipe de enfermagem preferia trabalhar com pacientes inconscientes,

intubados e traqueostomizados, ou seja, que não falam e não se queixam

verbalmente. Além disso, havia uma maior distância dos pacientes que

verbalizavam, comumente definidos como queixosos. Assim, foi feita a exploração

desta questão com 15 auxiliares de uma UTI pública de São Paulo.

Dentre os resultados, 8 preferiam os inconscientes, 4 os que verbalizam e 3

foram indiferentes a seu estado de comunicação. Os motivos elencados para a

opção pelo inconsciente foram: o que verbaliza chama a toda hora e impede o

cumprimento de outras tarefas rotineiras pela equipe; não ter tempo para atender às

outras necessidades de comunicação; o inconsciente tem suas demandas

emocionais silenciadas pela sedação/coma; o inconsciente requer uma maior

observação pelo seu quadro clínico. Para aqueles que escolheram o paciente

consciente predominou o fato de precisarem de um maior apoio psicológico, e

através da sua presença como profissional poderiam favorecer sua recuperação,

178

reduzindo o tempo de internação. Concluiu-se que a preferência pelos clientes

inconscientes se pauta numa tentativa de se proteger do desgaste emocional que os

que estão conscientes suscitam (SHIMADA; SILVA, 2003).

Esta predisposição ao cliente sedado pela via da não comunicação é vista

em linhas de pesquisa no sentido contrário de mostrar que a comunicação com o

paciente sedado também é possível, e vislumbrando compreender de que maneira

esse processo se daria. Foi o que fizeram Zim, Silva e Telles (2003) através de

entrevista a 10 enfermeiras de um hospital escola com base na pergunta norteadora:

como interagir com pacientes sedados aparentemente incapazes de se expressar?

A vivência das enfermeiras em torno do fenômeno o coloca em duas

perspectivas: uma na qual a comunicação depende do grau de sedação do cliente

(dependente), ou de que se tratam de coisas diferentes (independente); outra em

que a comunicação depende da capacidade de percepção pelo cliente, sem relação

com a sedação. Contudo, ambas convergem ao sinalizarem para a existência de

comunicação com o sedado, apesar de a definirem como algo difícil pela falta de

tempo, de reflexão, de estrutura da unidade e pela dúvida na compreensão pelo

cliente da mensagem recebida. Ressalta-se a premência de maior aprofundamento

das enfermeiras sobre o significado da comunicação, no intento de ampliar sua

capacidade de percebê-la dentro do contexto do CTI (ZIM; SILVA; TELLES, 2003).

Ainda quanto ao processo de comunicação no cuidado, remarca-se as ideias

de Waquet (2004) ao discutir a fala como instrumento/ferramenta de trabalho,

principalmente o seu papel na construção dos conhecimentos, no contraponto com

objetos como o livro e o computador. Segundo o autor (op. cit.) a fala é um

instrumento de primeira ordem na comunicação do saber, e que em um mundo onde

as tecnologias da inteligência reverberam é fundamental recuperar o espaço da fala,

179

de natureza viva e animada neste conjunto, através da qual na produção de

conhecimentos põe em evidência as trocas intelectuais, a relação com o outro, e se

aproxima de uma ecologia cognitiva mais humanista.

Ao reportar os dados analisados na classe 6 à discussão que a embasa

reconhece-se que o trabalho da enfermeira no CTI incita nesta a vivência de

sentimentos, a partir das propriedades apresentadas pelos clientes. Neste sentido, a

condição de comunicação do cliente produz dupla significação. De um lado,

representa o resultado da melhora do seu estado de saúde, a qual pode ser

percebida pela capacidade de verbalização, o que cria um forte sentimento de

gratificação, especialmente quando comparado ao padrão apresentado na

internação, uma vez que a possibilidade de saída (alta) do cliente do setor em bom

nível de saúde justifica todos os esforços empreendidos pelo profissional em favor

da vida.

Por outro lado, ao referir-se particularmente à questão interativa, diferencia

os clientes que são aptos à comunicação daqueles que se encontram sedados,

comatosos, e este elemento termina por tocar a prática com sentimentos opostos,

gostar/não gostar, já que desloca a compreensão para a carga de trabalho/demanda

associada à cada tipologia de cliente em termos de cuidado de enfermagem. Tais

sentimentos expressam-se nas preferências relatadas pelas enfermeiras.

Destarte, no fenômeno da prática de cuidar na terapia intensiva acentuam-se

os afetos que tocam as enfermeiras, que pulsam no seu cotidiano de assistir e que

se mostram quando falam desta prática, principalmente sobre o paciente. Vê-se

então a dimensão afetiva das representações sociais, como abordada por Arruda

(2009). De acordo com ela (op. cit.) os afetos contribuem à elaboração das

representações sociais, pois o objeto provoca de tal maneira que os sujeitos

180

implicados nele se veem impelidos a falar, a participar deste circuito de

conversação, sentindo-se incluído a partir do uso de uma linguagem que permite

estabelecer a comunicação. Através da conversação mediada pelo objeto fortalece-

se os laços de pertença grupal, assim como os da identidade, visto que o ser ouvido

causa o reconhecimento do grupo. A representação social tem uma função também

de familiaridade com o grupo, e a dimensão afetiva é a base para esse processo,

tendo como referência a memória, experiência dentre outros.

É importante citar ainda as considerações de Farias e Rouquete (2003, p.

436) que, partindo-se de autores como Rouquete, Rateau, Moliner comentam sobre

a dimensão afetiva:

a dimensão afetiva é importante à medida que influencia, às vezes organiza ou determina cognições ou comportamentos avaliativos. A partir do momento em que os indivíduos produzem uma avaliação do objeto de representação, ou de alguns de seus aspectos, pode-se dizer que a dimensão afetiva é ativada, dentro de um raciocínio do tipo, isto me agrada ou isto não me agrada.

À luz do exposto acredita-se que o objeto prática de cuidar na terapia

intensiva impulsiona, causa uma “pulsão” nas enfermeiras que com ele se

interrelacionam, que as levam a falar acerca deste nos espaços grupais. Este objeto

as enche de sentimentos de gratificação e satisfação, produtos do trabalho

desenvolvido, os quais constituem a fagulha desencadeadora de uma coleção de

ideias articuladas a ele e que reforçam a sensação de pertencimento. Nesta

construção, ao colocarem o paciente no centro desta prática, novamente acessam a

esteira dos afetos, dentro da qual realizam um juízo avaliativo do cliente baseado na

sua capacidade de comunicação que irá orientar suas escolhas e as ações

resultantes dessas.

A intercessão entre as classes 3, 5 e 6 ilustradas pelas observações práticas

fornecem indicativos sobre os contornos através dos quais as representações

181

sociais vão se formando. Este delineamento aponta que a dimensão afetiva

encerrada neste objeto direciona a falar sobre o cliente, que passa a ter uma

posição de centralidade nesta representação tendo em vista os afetos que evocam

sua condição de comunicação. Tal característica do cliente pressupõe então dois

aspectos a saber: a positividade e o nível de ocupação do trabalho.

Assim, se o entendimento se assenta sobre a melhora clínica do paciente

objetivada na sua fala e na implícita ideia de restabelecimento físico que ela carrega,

a enfermeira experimenta um sentimento de gratificação no trabalho (classe 6), já

que se configura como o fruto de uma prática de cuidar implementada com o auxílio

da tecnologia (cuidado tecnológico), com o objetivo de atender às especificidades do

ambiente onde ela se processa ao tempo que aos princípios básicos da profissão

(classe 5). Logo, quando alcança sua meta torna-se uma prática positiva que

gratifica a enfermeira, lhe traz satisfação, simbolizada por um cuidado tecnológico

que dá sentido e coerência ao seu fazer profissional.

Numa outra codificação, se esta natureza do cliente reenvia a um julgamento

avaliativo deste mediado pelos afetos, distingue-se duas tipologias de paciente:

acordado/lúcido/orientado versus sedado/comatoso/intubado, as quais anunciam

uma maior ou menor ocupação dos profissionais, balizada pela demanda interativa

que eles suscitam (classe 6).

Deste modo, a influência de um modelo assistencial que se estrutura por

funções e no qual as intervenções têm como foco a doença, leva a categorizar o

cliente em função do quantitativo de solicitações e possíveis dificuldades a serem

enfrentadas pela enfermeira durante o trabalho. Então, o cliente em que a fala está

preservada remete a um suposto de maior ocupação/sobrecarga, o que pode

inviabilizar a realização das várias atividades burocráticas e assistenciais que ela

182

tem para fazer, justificando uma maior distância ou a escolha pelo paciente sob

sedação, em uso do tubo endotraqueal, bem como a execução de ações

fragmentadas e automáticas que materializam um ritual de cuidado (classe 3).

Destaca-se neste contexto que a demanda interativa assume uma

conotação negativa, pois a metodologia de obtenção dos dados sobre o cliente

(histórico) se situa em um modelo de anamnese que tem como essência a interação

clínica. Até porque em grande parte se considera que as tecnologias aplicadas irão

portar todas as informações de que ele precisa. A consequência é que uma

interação mais aprofundada distoa deste princípio, aludindo à sobrecarga da

enfermeira, muito embora se saiba que este aspecto possa ter um efeito contrário,

ou seja, o cliente possa se tornar colaborativo.

Esta interface da enfermeira com o cliente não está presa ao indivíduo,

enraizada numa elaboração individualizada, mas se dá no cotidiano, onde ocorre o

contato com os outros e a partir do qual ela é reelaborada. As dimensões das

representações ancoradas no cliente estão retratadas no esquema explicativo 2, o

qual fornece ainda subsídios para o delineamento dos estilos de cuidar balizados

pela noção de cuidado e ação tecnológica.

183

Positividade do trabalho

Fala como expressão da melhora clínica/ restabelecimento físico

Gera gratificação e satisfação

Nível de ocupação no trabalho

Fala mediando o juízo avaliativo da enfermeira

Acordado Sedado Lúcido/Orient. Comatoso/Intub. Não gosta Gosta (maior ocupação pela (menor ocupação pela demanda interativa) demanda interativa)

CONSTROI

COTIDIANO

RECONSTROI

Figura 17: Esquema explicativo 2 das RS sobre as práticas de cuidado da enf.ª na TI; Fonte: produção do pesquisador

Estilo de cuidar: elementos

do cuidado tecnológico

Prática objetiva/subjetiva:

Utiliza a tecnologia como um recurso auxiliar

que potencializa a recuperação do cliente,

valorizando sua fala como instrumento de

apreensão das necessidades

SENTIMENTOS VINCULADOS

AO CLIENTE

(Condição de comunicação)

Processo de cuidar com a

tecnologia:

-Articula dados da

máquina/cliente

(objetivos/subjetivos);

-Avaliação clínica (exame

clínico/suporte teórico);

-Interpretação (reflexão);

-Diagnóstico e Intervenção

Modelo assistencial:

-Estruturado por funções/tarefas; -Foco na doença;

Supremacia da terapêutica

médica;

-Atenção ao cliente de cunho

procedimental;

Prática objetiva:

Escolhe o sedado/intubado para cuidar,

distanciando-se do acordado pela sua demanda

interativa. Executa-se ações burocráticas e

assistenciais de maneira fragmentada e

automatizada- cunho procedimental

Estilo de cuidar: elementos

da ação tecnológica

Referencial:

características do

ambiente e princípios

da profissão

Referencial:

paradigma

biomédico e de

racionalidade

DIMENSÃO AFETIVA DAS RS

DIMENSÃO SIMBÓLICA DAS RS

184

As variáveis psicossociais e profissionais que aparecem com maior

relevância nesta construção de sentido são sexo feminino, enfermeiras menos

jovens/mais tempo de formado, turno diurno, católicos. Estas variáveis se aglutinam

ao redor de um discurso demarcado pela praticidade do cotidiano, pelo fazer do dia-

a-dia, de onde surgem sentimentos que distinguem o seu trabalho. No bojo desta

prática estão ainda o paciente, as tecnologias usadas no seu cuidado e as suas

variadas atividades.

Constata-se, portanto, que ao passo que o primeiro grupo de classes se

ancora socialmente de maneira mais predominante nos homens, enfermeiros mais

jovens e que atuam à noite, orientada por uma concepção crítica/intelectualizada da

tecnologia e dos estilos de cuidar que se organizam em torno dela, as classes

reunidas nesse eixo tem um tom mais feminino e experiente, articulando-se por uma

característica executiva do seu trabalho.

Esse campo psicossocial direciona a seguinte análise: a enfermagem

enquanto profissão apresenta um progresso histórico que a localiza como feminina e

que evoluiu dentro de um panorama de profundas disparidades, como é o caso da

divisão social/sexual do trabalho. Embora o movimento da atualidade demonstre um

maior influxo de homens, as mulheres identificam a categoria, e, nesta ótica, o fator

gênero constitui-se de grande importância na sua trajetória.

Considera-se assim, que neste percurso evolutivo quando comparada às

ocupações ditas masculinas, mais valorizadas e titulares de um saber científico e

intelectualizado a enfermagem foi relegada ao plano das atividades manuais, à

execução de ordenações médicas, desprovidas de um cunho científico, vista como

invisível, uma extensão do lar onde a mulher cuida dos demais conferindo-os

carinho e atenção. Conjectura-se com base no exposto, que este delineamento da

185

historicidade das enfermeiras se liga à conformação de uma narrativa

eminentemente prática e cheia de componentes emotivos.

Uma segunda reflexão a fazer é que ao se pensar nos níveis de

desenvolvimento profissional, que diferencia as enfermeiras chamadas novatas

daquelas com maior experiência, entende-se que o conhecimento guarda relações

com a experiência, isto é, a enfermeira com maior experiência desenvolve, testa e

refina as suas proposições e princípios baseada em situações práticas,

apresentando grande consciência intuitiva. Os saberes práticos, instrumentos que a

enfermeira lança mão no exercício diário da profissão, são a base para as decisões

daquelas definidas como experientes, o que justifica uma linha argumentativa

sustentada por sua prática observada na pesquisa.

Por fim o turno de trabalho diurno, com todas as contingências de um setor

de terapia intensiva, envolvido durante o dia pela agitação, presença da família,

realização de procedimentos, interação multiprofissional, que servem de eixo

norteador para uma fala mais centralizada sobre a prática, onde estão o paciente, as

tarefas de cuidado a executar, o uso dos instrumentos auxiliares ao cuidado.

Em função destas 03 hipóteses, envolvendo sexo, horário de trabalho e

tempo de formação profissional, realizou-se uma segunda rodagem do material

textual através de três novas testagens do corpus de investigação no programa

Alceste. Assim, em cada caso verificava-se se existiam diferenças na produção do

discurso em razão das variáveis psicossociais e profissionais selecionadas, quais

sejam: turno diurno/noturno, mais tempo de formado/menos tempo de formado; sexo

masculino/sexo feminino. Os resultados relativos ao horário de trabalho podem ser

visualizados no quadro 11:

186

Classe 1 Turno Diurno

Classe 2 Turno Noturno

Chi² Porc. Chi² Porc. Eu Esta Pessoas Mesmo Humanização Isso Acham Parâmetro Agir Porque Aqui Digo Dou Apenas Existe Gerencial Característica Sei Disse Falo Defeito Precisa Assistencialista Deve Sou

31 31 27 26 22 21 20 19 18 18 16 15 14 14 14 14 14 14 13 13 13 13 13 12 12

49 53 54 58 87 51 75 81 79 51 54 74 86 89 61 93 73 54 93 65 100 61 100 66 59

Terapia intensiva Cuidado Assim Grande Demanda Você Ambiente Formação Talvez Noite Postura Gerar Tarefa Questões Consegue Interação Assistência Normalmente Profissional Dependendo Hoje Geral Nível Papel Ano

69 44 32 32 32 28 27 26 24 23 22 21 21 20 20 20 19 19 19 18 17 16 16 16 15

81 68 61 81 94 60 87 97 75 83 90 100 89 86 69 84 69 94 69 88 71 72 90 81 75

Quadro 10: Análise cruzada segundo a variável turno de trabalho

Neste sentido, percebe-se que os profissionais atuantes durante o dia

produzem um discurso em primeira pessoa, utilizando verbos como digo, dou, sou,

estou, falo, para se situar em tal discurso e também os seus colegas, remetendo-se

ao seu cotidiano e tendo como pano de fundo o paciente.

(...) O meu estilo de cuidar, primeiro com amor, eu chego até o paciente lá do leito dois, ontem fiquei feliz da vida que eu cheguei lá, sempre que chego lá, que vou no CTI trocar de roupa, e dou uma olhada nos pacientes. (uce 2081, enf. 14)

Sou aquela pessoa de home care mesmo, independente se vou demorar uma, duas, três horas, eu fico lá, sou aquela pessoa que vê cada detalhe. Vejo se tem que limpar orelha, não só aquela coisa superficial e pronto, tem que ver e acabou pronto, não, gosto de fazer xuxinha, gosto de cortar e lixar a unha, eu cuido da pessoa como se fosse alguém da minha família. (uce 28, enf.1)

Eu estou olhando para o monitor e ele está taquicárdico, ele está taquicárdico e eu não faço nada, “_ele está febril? Ele não está?” Eu tenho que ver o porquê dele estar taquicárdico. (uce 1911, enf 13)

Por outro lado, as enfermeiras noturnas falam sobre o contexto da terapia

intensiva, remetem-se a este ambiente de cuidados de maneira genérica,

preocupando-se com a formação, a postura e o desempenho adequado do papel

pelos profissionais que lá atuam. As palavras formação, profissional, assistência e

terapia intensiva são exemplos disso.

187

(...) A minha preocupação maior é essa, em termos da formação profissional, da maneira como este profissional que trabalha na terapia intensiva está sendo formado, “_será que ele está sendo formado distante do leito?” (uce 2339, enf 15) (...) e não a quantidade, mas assim, a verdadeira assistência, e o índice de segurança técnica com relação à quantidade de enfermeiros dentro do CTI com dez leitos, de um cuidado ideal a gente nunca vai ter eu acredito, até que a gente possa ter. (uce 3519, enf 20) (...) que perceba as modificações e que atue perante essas modificações, sempre objetivando o melhor para o paciente. Acho que se ele conseguir agregar essas qualidades, esses fatores ou elementos em um profissional só, você teria uma terapia intensiva acho que melhor desempenhada, de repente até com reconhecimento profissional melhor. (uce 2403, enf 15)

Portanto, aqueles que prestam assistência durante o dia centram-se no

paciente, fazendo referência, ao mesmo tempo, aos seus colegas de trabalho

através do uso da palavra pessoas, e abarcando assim as diversas dimensões do

cuidado - a gerência, a assistência, os procedimentos, a tecnologia, o aspecto

humano.

Mas paciente nenhum chama por chamar, às vezes ele está sentindo dor, sentindo alguma coisa ou não está sentindo nada, ele quer a presença de uma pessoa ali, não custa nada você ir ali, dar uma certa atenção ao paciente. (uce 2105, enf 14) Eu me surpreendi com o, é verdade, eu me surpreendi que as pessoas aqui se preocupam se vai está, se o paciente está sujo, os técnicos se preocupam se o paciente está sujo, se preocupam com as coisas. (uce 790, enf. 6) O que eu acho, particularmente eu não me encaixo nisso, não me incluo nisso, mas que tem pessoas assim, as pessoas se tornam muito automáticas, acham que tudo é parte tecnológica. (uce 41, enf 1) Mas tem que haver essa parte de humanização, é isso que falta nas pessoas, em muitas pessoas a humanização (...) por isso que eu digo, tem que haver tecnologia sim, me relaciono bem, eu não tenho assim resistência com a tecnologia. (uce 2097, enf 14)

Enquanto no primeiro grupo identifica-se o uso de uma linguagem que indica

proximidade, neste segundo o termo você apresenta um tom de distância, referindo-

se ao processo de cuidar e ao comprometimento profissional para efetivá-lo.

Demanda de você uma assistência direta, que tem um comprometimento maior, porque se você não tem, isso vai gerar no serviço um transtorno, seja porque a taxa de infecção hospitalar vai aumentar, a taxa de mortalidade vai aumentar. (uce 682, enf 5) Elas vão favorecer esse processo de você conseguir cuidar desse paciente de uma maneira que você consiga entender a situação daquele paciente e oferecer para ele, dentro daquilo que está disponível no CTI, um algo que vai melhorar. (uce 3532, enf 21) E continuo afirmando que para mim o que é palpável é muito mais fácil do que o que não é, agora essa questão do subjetivo na terapia intensiva, isso sempre vai ser elemento de discussão, sempre vai ter barreiras que não vão favorecer o processo. (uce 2326, enf 15)

188

Classe 1 Menos tempo de formado

Classe 2 Mais tempo de formado

Khi² Porc. Khi² Porc. Questão Pessoa Cara Verdade Maneira Relação Situações Existem Era Falei Enfermeiro Gosto Interação Postura Elemento Paciente Enfim Sinto Dentro Podem Informação Normalmente São Creio Próximo

39 34 27 26 25 24 23 21 19 19 19 17 17 16 16 16 15 15 15 14 14 14 13 13 13

80 69 86 82 76 78 84 84 79 75 70 77 88 90 97 65 79 92 74 88 88 94 69 93 87

Doente Mas Você Tudo Meu Cuidado Acho Olha Não Acaba Talvez Papel Depois Aquele Bomba Vê Faz Vou Família Prontuário Capacitação Farmácia Prioridade Cada Ajudar

73 33 28 27 26 25 24 24 19 19 19 18 18 16 16 15 15 15 15 14 14 13 13 12 12

63 45 45 53 52 49 44 60 41 52 57 67 59 48 81 52 51 49 60 100 100 73 79 51 60

Quadro 11: Análise cruzada segundo a variável tempo de formação profissional

O comparativo baseado na variável tempo de formação profissional destaca

de um lado os menos experientes e do outro aqueles com maior experiência na

profissão. As enfermeiras que integram este primeiro grupo utilizam com frequência

a palavra questão, conferindo-lhe uma perspectiva reflexiva. Então, a empregam

para retratar a discussão em torno das maneiras de atuar da enfermeira, dando um

tom analítico à interface entre proximidade e distância, as informações objetivas e

subjetivas, ambas intermediadas pela interação com o cliente. As palavras maneira,

interação, elemento, próximo, enfermeiro também vão ao encontro desta afirmação.

Além disso, as palavras emprego, objetiva, proximidade e tecnológica com

porcentagem de 100% são características deste grupo, ratificando esta

argumentação.

Eu acho particularmente que a gente pode viver perfeitamente com as questões objetivas e as subjetivas dentro da terapia intensiva, vou fazer isso como faço dentro ou fora dela. Agora é fato que as pessoas lidam com isso de maneiras diferentes é, tem enfermeiro que vai estar muito mais próximo e tem enfermeiro que não vai está. (uce 2327, enf 15) As pessoas que são mais extrovertidas tendem a cuidar dos pacientes de maneira mais leve no sentido da interação, costumam ter uma interação de uma maneira mais a nível de brincadeira, a nível de ponderação. (uce 1013, enf 7)

189

Então assim, creio que o subjetivo eu vou avaliar de qualquer maneira, sendo com tecnologia ou sem tecnologia, os elementos que serão observados não vão diferenciar, dependendo da área de atuação. E é verdade, quem trabalha no CTI, trabalha muito a questão técnica, você executa atividades de alta complexidade, você consegue agir com maior destreza em situações que requerem habilidade, agora falar no CTI não é convencional. (uce 2315, enf 15)

Acrescenta-se ainda que tais profissionais denotam analisar os fatores que

se associam ou interferem nas maneiras de agir, como por exemplo, a carga de

trabalho e o cansaço.

(...) quem tem uma rotina de trabalho, de atividades muito grande no período diurno prejudicam o trabalho noturno, assim como o enfermeiro, como pessoas que tem uma acumulação de trabalho no período diurno sofrem uma relação mais distante com os pacientes por cansaço. (uce 115, enf 7) Olha, vejo as pessoas muito cansadas, muito desgastadas com o trabalho exercido na terapia intensiva, como eu tive uma parada em alguns anos, eu passei a exercer uma atividade administrativa, passei a ocupar um outro lado. (uce 2359, enf 15)

As enfermeiras experientes, por sua vez, adotam uma narrativa pragmática,

pautando-se na defesa em prol do cuidado, aproximando-se do fazer e da prática da

profissão. A prioridade do cuidado direto ao invés do papel administrativo é

ressaltado por eles.

Eu acho que a própria autonomia preocupa um pouco, entendeu. A autonomia não do cuidado, a autonomia para quando você delega, porque infelizmente tem colegas que querem só delegar, não querem fazer, e quando você se afasta do cuidado, se afasta da prática, você é visto como aquele enfermeiro que só está no papel. (uce 3368, enf 20) Mas não é prioridade entendeu, não estabelece a prioridade naquele momento. Então acaba ficando difícil, acho que isso é uma coisa que me preocupa sim, enfermeiro só do papel, enfermeiro que se afasta do cuidado, enfermeiro que só quer ter o título, mas assim, a titulação (...). (uce 3375, enf 20)

Este cuidado está imerso de afazeres que fazem parte do seu cotidiano e

prática de assistir. Nesta medida, abarca uma série de atividades, as quais estão

retratadas nos excertos que tratam da família, farmácia, sangue, bomba, prontuário,

cateter, pedido etc.

Só vem a numeração, então eu acho isso errado, porque tinha que estar com identificação, com matrícula, com tudo. Então assim, eu me preocupo a ficar mais atenta do que a gente já tem que ter realmente, e aquela, vou botar um sangue, vejo o nome do paciente, o boxe, por mais que você já conheça, mas a gente sabe que realmente tem que fazer isso. (uce 3127, enf 19) Eu preciso trocar o respirador, preciso pegar o monitor de transporte para colocar, preciso trocar aquela bomba, enfim, algumas coisas a gente acaba resolvendo, mais ou menos resolvido, mas assim, de dia é mais fácil pelos serviços que são auxiliares que vão ajudar a gente. Tem a chefia na casa, tem a diarista que está aí, profissionais de apoio que vão ajudar na resolução desse problema e a gente tenta ajudar dessa forma. (uce 626, enf 5)

190

Ver o que a família também sente para gente poder ajudar também, esse é o momento que a gente senta para poder escrever porque tem que registrar tudo, esse é o momento que a gente senta para poder estar escrevendo, para poder receber farmácia. (uce 434, enf 4)

Por fim, revestem os depoimentos sobre sua prática voltada ao doente pelo

cunho da experiência, indicando os modos adequados de atuar frente a ele.

Você não vai gerar mais, não é dispositivo não, mas você não vai gerar mais sofrimento para o doente ou mais complicação para o doente além daquelas todas que ele está ali entendeu, mas você vai tentar também prevenir aquelas outras que podem surgir. (uce 3505, enf 20)

Você, aquilo te sinalizou, você chamou, porquê você também não trabalha, eu não quero fazer o papel do médico, eu quero fazer o meu papel de enfermeiro. Eu quero saber a hora que eu tenho que levantar a cabeceira, “_não, vamos elevar as pernas, vamos fazer os meus cuidados”, o que eu posso fazer para melhorar hemodinamicamente, não é a medicação, mas é de repente também de sinalizar. (uce 3049, enf 19)

Classe 1 Sexo masculino

Classe 2 Sexo feminino

Chi² Porc. Chi² Porc. Assistência Maneira Terapia intensiva Atividade Enfermeiro Creio Verdade Elemento Utilização Próximo Postura Tarefa Grande Questões Situações Óbvio Sua Vão Processo Administrativo Nível Uma Distante Cara Diferente

108 107 106 96 83 78 75 67 65 62 61 61 59 58 54 50 48 44 42 40 38 37 37 36 36

50 49 49 68 39 90 52 83 100 70 71 70 51 66 51 86 41 47 63 73 68 27 72 47 42

Porque Não Mas Sei Mesmo Doente Esta Estou Só Mim Entendeu Ali Vez Vou Hora Tudo Isso Junto Posso Pouco Até Banho Ficar Jeito Olhar

77 49 39 39 36 30 27 25 22 22 22 21 20 18 17 17 15 14 14 14 13 13 13 13 11

87 81 84 91 90 91 83 90 87 92 88 87 84 87 89 88 82 95 91 87 85 90 88 94 90

Quadro 12: Análise cruzada segundo a variável sexo

Quanto à variável sexo, verifica-se nos homens uma linguagem mais

elaborada, que dá uma conotação de impessoalidade e indica reflexão/análise,

como são o caso de termos como elemento, processo, questão, postura, que podem

ser vistos nos trechos abaixo.

(...) se tornar um mero executor de tarefas que já estão lá enraizadas no seu subconsciente, eu acho que isso que é a grande preocupação, deveria ser a grande preocupação do profissional da terapia intensiva, não se distanciar do elemento pensante do processo. (uce 2284, enf 15) Um ou outro com capacidade reflexiva, crítico reflexiva, vamos dizer assim. (uce 2311, enf 15)

191

Dessa reflexão emergem as questões que se articulam a assistência na

terapia intensiva, mormente àquelas voltadas a formação profissional e sobrecarga

de trabalho, a proximidade e distância ao leito do cliente, bem marcadas nas

palavras terapia intensiva, assistência, próximo e distante.

(...) dos elementos que te preocupam, para um cuidado mais individualizado, muito mais especializado vamos dizer assim. A minha preocupação maior é essa, em termos da formação profissional, da maneira como este profissional que trabalha na terapia intensiva está sendo formado, será que ele está sendo formado distante do leito. (uce 2339, enf 15) Então, uma boa parte da minha preocupação em relação a enfermagem, é essa questão da acumulação de trabalho e aí você prejudica a assistência. E uma outra coisa que me preocupa bastante é a questão do reconhecimento como profissionais, não só o reconhecimento, digamos na terapia intensiva o que me preocupa é isso, a sobrecarga de trabalho, mas na profissão como um todo. (uce 116, enf 7) Você tem uma carga de trabalho, uma jornada de trabalho muito grande, como também preocupações de quem a enfermagem, você é representada pela enfermagem, uma pessoa sempre vai representar sua classe, então se você escutar uma notícia do jornal. (uce 1119, enf 7)

Surgem ainda nos homens algumas concepções ligadas ao uso de tecnologia

no cuidado.

Então, o uso da tecnologia na enfermagem, para mim, é uma utilização das aparelhagens, dos instrumentos, dos dispositivos que foram desenvolvidos no decorrer do tempo, com a evolução dos processos como um todo e, que esses equipamentos (...). (uce 987, enf 7) (...) Em relação à tecnologia, o que é uma coisa assim, me exige em algumas situações, a questão do uso das tecnologias fora da unidade hospitalar influenciam também no uso da tecnologia a nível hospitalar. (uce 1015, enf 7)

O gênero feminino vem demarcado na organização de sua classe pelo uso

de termos que ajudam a constituir um discurso explicativo sobre sua prática,

revelando as contingências do cotidiano. Expressões que aludem a negação,

contradição, explicação (não, mas, porque), assim como aquelas de sentido

demonstrativo (ali, esta, isso, vez, hora) conferem o cunho descritivo desta prática.

(...) porque, por exemplo, se tem alguma coisa, a gente discute com o médico, quando ele faz uma prescrição, não é porque ele prescreveu que eu vou fazer, mas se eu tenho dúvida em relação aquilo, eu vou lá perguntar: “_é isso mesmo que está aqui?” (uce 2185, enf 14) Eu quero que sempre tudo chegue a mim, não admito que faça alguma coisa sem, não, não aceito assim, sem falar comigo, sem, não pedir, mas sim tem que me comunicar: “_estamos pensando em fazer isso, acho melhor aquilo”, a gente juntos. (uce 818, enf 6) E quando tiver algum problema a gente sentar e discutir, mas eu tenho muita dificuldade, porque eu fico sabe, às vezes eu fico irritada, mal humorada ai eu vou lá e tento fazer, ou então eu chego para pessoa falo: “_olha só, de quem é esse doente aqui?”. (uce 3386, enf 20)

192

O uso da palavra entendeu pelos entrevistados demonstra esta tentativa de

reafirmar a explicação dos aspectos da prática.

Só que existem algumas especificações que jogavam só para o ministério da saúde, eu tenho que avaliar, eu tenho que não sei o quê, varias coisas que recaem para quem é do ministério, entendeu, e isso acabou cada dia mais. (uce 827, enf 6) Tem alguns que reclamam até, que falam da gente justamente isso: “_ah eu tive lá no CTI, mas não sei nem quem é a enfermeira!”, entendeu, porque não, mas eu, eu escuto muito bem, eu escuto muito bem, eu ganho presentinho, então eu acho que (..). (uce 962, enf 6)

No caso da aplicação de tecnologias, se apoiam na sua prática diária de

cuidar em face delas, trazendo as características de como se processa este seu

fazer.

Mas muitas vezes aquele paciente está estável, é lógico que durante o banho ele pode ter alguma instabilidade hemodinâmica, mas muitas vezes o paciente está estável, quando ele está instável, realmente, eu não desligo, assim nem desconecto, mas vou dando o banho, mas se descolar vai ficar, vai ficar se o paciente não estiver grave. (uce 2575, enf 17) Então em relação a algumas coisas, existe a tecnologia, mas assim, às vezes está quebrada, aí então o monitor não fica, aí o pessoal tem, o pessoal, eu me incluo até também, é de as vezes tirar o monitor e observar o cliente, eu não gosto. (uce 771, enf 6)

5.2 A análise do conteúdo

Conforme destacada na metodologia, esta técnica de análise foi aplicada

aos dados na tentativa de complementar o conteúdo presente nas 6 classes

originadas pelo programa Alceste. Sendo assim, terá um cunho abrangente e utiliza

como referência tais resultados prévios.

A análise se amparou nos seguintes indicadores:

Unidades de registro temático: unidades compostas por temas, a partir das

quais foi feito o registro (marcação) de todo o corpus das entrevistas;

Unidades de significação ou temas: núcleos de sentido, ao redor dos quais

se aglutinam um conjunto de unidades de registro temático. Na sua organização,

foram consideradas todas as expressões sobre o tema;

193

Análise categorial: análise das unidades de significação com base na sua

quantificação e na dimensão em que apareciam na interface com o objeto da

pesquisa.

Estes indicadores possibilitaram a construção dos quadros em seguida, que

buscam retratar o processo de categorização. Os quadros estão organizados a partir

de 03 colunas. A primeira diz respeito às unidades de significação, compostas por

suas respectivas unidades de registro temático. O somatório em número absoluto

das ocorrências destas unidades de registro temático dá origem a segunda coluna.

A terceira coluna equivale, por fim, à sua frequência porcentual em relação ao

quantitativo de entrevistados (21).

Quanto às variáveis psicossociais e demográficas, foram inicialmente

consideradas àquelas que mais se destacaram na emergência de cada tema, as

quais, num segundo momento foram relacionadas ao conjunto de temas que

integram as unidades categoriais, compondo assim o que denominou-se de

variáveis associadas, cuja discussão é aprofundada no decorrer da descrição de tais

resultados.

As convergências temáticas das categorias conduziram a estruturação de

dois eixos orientadores da análise, sendo o primeiro denominado: “Os elementos da

prática de cuidar das enfermeiras na terapia intensiva (TI)” e o segundo: “A

complexidade do trabalho na terapia intensiva”, em torno dos quais dar-se-á a

apresentação dos dados oriundos do emprego desta técnica.

194

5.2.1 Elementos da prática de cuidar das enfermeiras na terapia intensiva

5.2.1.1 A enfermeira e o lidar com tecnologias nas práticas de cuidar na

terapia intensiva

Temas/ Unidades de significação Nº UR % UR

Efeitos da tecnologia

Positividade da tecnologia: 18 ocorrências Negatividade da tecnologia: 09 ocorrências Coocorrência- positividade/negatividade: 07

20 95%

Tipos de enfermeiras em relação ao uso da tecnologia

Grupo das que utilizam em conformidade com as enfermeiras intensivistas: 14 ocorrências Grupo das que utilizam de maneira inadequada: 10 ocorrências Coocorrência- uso adequado/uso inadequado: 05

19 90%

Cotidiano prático de cuidar com a tecnologia

Subutilização da tecnologia: 09 ocorrências Substituição da tecnologia: 11 ocorrências Naturalização da tecnologia: 05 ocorrências Coocorrência- Subutiliza/ Naturaliza: 03 Subutiliza/Substitui: 02 Substitui/Naturaliza: 02

17 80%

Interação com o cliente no CTI em face das tecnologias

Prioridade das rotinas administrativas: 08 ocorrências Valorização dos doentes mais graves/dados objetivos: 09 ocorrências Articulação objetivo/subjetivo: 06 ocorrências Não envolvimento: 02 ocorrências Coocorrências: Rotinas/Mais graves: 03 Mais graves/Envolvimento: 02 Mais graves/Articulação: 02 Rotina/Articulação: 01

18 85%

A enfermeira e o lidar com as tecnologias nas práticas de cuidar na terapia intensiva

Variáveis psicossociais e demográficas associadas: Sexo, idade, tempo de formação profissional, especialização, escolha para trabalho no setor,

turno de trabalho Quadro 13: Unidades de registro temático associadas às tecnologias no CTI

A análise de conteúdo aplicada aos dados empíricos aponta que a utilização

de recursos tecnológicos na assistência de enfermagem na terapia intensiva

perpassa de um lado pelos efeitos positivos e do outro pelos negativos. A

positividade do uso da tecnologia obteve 18 ocorrências no corpus de análise, as

quais estiveram relacionadas, sobretudo, ao impacto direto que a incorporação de tal

instrumental traz às ações profissionais. Dentre estes efeitos benéficos está o

fornecimento de informações mais qualificadas a enfermeira, que possibilitarão

orientar suas condutas diante do cliente, sub-tema recorrente em 10 das 18

unidades de registro temático, como se observa nestes fragmentos de entrevistas.

195

Acho que influencia no aspecto de você ter um olhar até mais direcionado durante a sua avaliação do teu paciente. A gente começa a avaliar esse paciente e olha logo para o monitor, e a gente já tem um retrato mais ou menos de como está esse paciente. (Enf. 8) Vai dizer o modo como eu tenho que agir, o que eu tenho que fazer, se ela está me mostrando que uma coisa não é normal e pelo meu conhecimento eu vejo que não é normal, eu vou agir de determinada maneira para resolver o problema ou minimizar o problema ou chamar alguém que possa resolver. (Enf. 9) Ela subsidia, ela dá informações para que nós possamos traçar nossas condutas (...) A tecnologia, ela contribui com informações que vão subsidiar nossas decisões e condutas. (Enf. 18)

Um dos processos que concorre para a elaboração da representação social

de um fenômeno é a objetivação, que corresponde a uma operação do imaginário,

através da qual o indivíduo concretiza e estrutura os conhecimentos relacionados ao

objeto da representação. Para tanto, lança mão de imagens no intuito de dar

concretude à noções abstratas. Os fragmentos acima que tratam das tecnologias,

trazem exemplos de objetivações ao referi-las como um retrato ou dispositivo

tradutor do corpo do cliente, que mostra algo sobre ele ao profissional. Essas

imagens indicam que a tecnologia é semelhante a uma máquina fotográfica, que

materializa a doença, tornando visível o invisível.

Destaca-se ainda com 6 ocorrências, que o acesso a estes dados clínicos de

maneira rápida acelera a detecção de problemas junto ao cliente, e,

consequentemente, fornece condições para que a implementação de intervenções

seja otimizada. Além disso, abre espaço para outras frentes de atuação da

enfermeira.

Um monitor digital e um aparelho de pressão são exemplos que você pode poupar o teu tempo, e aquele tempo que você estaria se deslocando para pegar um aparelho de pressão, verificar uma pressão, você tem um monitor ali, multiparamétrico, que te dá esse resultado de maneira muito mais imediata, você pode estar gastando esse tempo com outra coisa, com uma assistência, uma atenção maior, uma conversa com o paciente. (Enf. 2) Me dá dados mais precisos desse meu cuidar. Se eu estou na beira do leito de um paciente e começa a fazer uma taquiarritmia, o monitor, a primeira coisa que vou fazer é tentar ver o que está acontecendo, é uma ‘monitorite’, ou o eletrodo que desposicionou? (...) Acelera a minha assistência, faz com que as coisas, os problemas que eu vejo seja no monitor ou seja no ventilador, que eu faça ou tente buscar soluções mais rápidas. (Enf. 5)

196

Este conjunto de repercussões resultantes da inserção de tecnologias no

campo assistencial tende a gerar a melhoria/aprimoramento do cuidado prestado,

conferindo-lhe, por fim, uma maior qualidade.

Para o bem, você pode ter maiores dados, e você aprimorar melhor, fazer melhor o seu planejamento e assim você cuidar melhor do paciente. (Enf. 6) Sim, positivamente, porque se me oferece coisas que eu possa estar oferecendo, ofertando a esse paciente em relação ao próprio cuidado, melhorar a qualidade do cuidado, tanto que quando se criou os centros de terapia intensiva foi realmente para se ter uma melhora no cuidado. (Enf. 17)

Entretanto, situado em um polo oposto em relação a este primeiro estaria a

influência negativa produzida pela tecnologia, mencionada por 9 enfermeiras, das

quais no relato de 7 delas este aspecto coocorreu com a influência positiva. A

avaliação negativa se dá calcada principalmente pelo fato de causar uma

dependência das informações enviadas pelo maquinário no profissional, fazendo

com que este gradativamente se distancie do cliente e priorize apenas os dados

objetivos codificados pelos aparelhos.

A questão da influência que a gente vê em relação aos maquinários assim, a criar uma dependência por parte de alguns enfermeiros para estar realizando o cuidado, então, o cara, ele fica limitado muitas vezes ao cuidado do doente, observando ali, por exemplo, só o que está no monitor, ou só o que está no respirador, e falta em alguns momentos o enfermeiro chegar à beira do leito, auscultar o paciente, tocar o paciente, ver o que está acontecendo com ele (...) elas não podem limitar a nossa atividade, elas não podem se transformar aí, como eu diria, em uma muleta. (Enf. 21) Acho que acaba que as pessoas se acostumam com o padrão tecnológico e não sabem sobreviver sem ele. É a mesma coisa: “_você se vê hoje sem internet, você consegue se vê no meio do mato aonde não tem sinal, nem de fogo, você se imagina sem internet?”. Então, está se colocando muito isso em primeiro lugar. O oxímetro não funciona: “_ah, está quebrado! Vamos fazer uma perfusão, vamos avaliar uma gasometria, vamos ver se esse paciente tem cianose (...)”. (Enf. 12)

O depoente 21 exemplifica mais uma vez a objetivação quando compara a

tecnologia a uma muleta, cujo significado estrito remete a um objeto formado por um

encosto côncavo, em que os aleijados apoiam as axilas para se moverem. Neste

sentido, a muleta exprime simbolicamente o auxílio para uma pessoa deficiente,

permitindo complementar o que está faltando a ela. No caso da enfermeira, a

tecnologia é o apoio que utiliza para suprir sua ausência no leito na integração dos

197

dados sobre o cliente, minimizando insuficiências que podem estar relacionadas ao

conhecimento, perfil, iniciativa, comprometimento.

No que tange às variáveis psicossociais e demográficas, o discurso positivo

sobre as tecnologias é eminentemente feminino, enquanto a coocorrência dos

efeitos positivos e negativos é mais marcada nas enfermeiras mais jovens e com

menos tempo de formação.

Esta coocorrência mostra o caráter ambivalente das tecnologias ao

congregar simultaneamente dois aspectos opostos quando pensada no âmbito das

práticas pelas enfermeiras. A tecnologia enquanto componente dessa prática é, por

assim dizer, intensamente carregada do ponto de vista emocional, pois ao ser

abordada pelos profissionais nos seus diferentes campos de atuação, em especial

na TI, frequentemente é foco de discussões, levando-os a atribuir avaliações

positivas e negativas do seu emprego, que guiam os comportamentos perante a

elas.

Em vista desta primeira apreensão que se faz dos dados, evidencia-se que

a partir do modo como o profissional integra os aparatos tecnológicos na sua prática

cotidiana, estes podem influenciar de forma positiva ou negativa no contexto do

cuidado. Destarte, conduz a pensar sobre as enfermeiras e a maneira como lidam

com as tecnologias.

Nesta perspectiva, ao reportar-se a análise verifica-se a emergência desta

temática no material, que vem expressa sob a ideia de uso adequado/inadequado

das tecnologias em relação ao grupo de enfermeiras que faz parte da terapia

intensiva, e sendo composta por 19 unidades de registro temático. Assim, aparece

em destaque dois elementos que ilustram tal interface das enfermeiras com a

tecnologia. Primeiro existe o grupo daquelas que a utilizam em conformidade com as

198

demais colegas desta área, dando-lhe a importância apropriada, com 14

ocorrências.

Acho que meus colegas são muito bons nessa parte também, eles usam da mesma forma que eu uso, da mesma forma que eu vejo eles veem também, com certeza, é impossível não ver. (Enf. 3) Eu acredito que eles tenham a mesma visão porque quem já trabalha em terapia intensiva já tem essa visão. (Enf. 4) Eu acho que ela tem um espaço importante em todos nós, eu acho que ninguém consegue visualizar um CTI sem essas informações mais pormenorizadas (...) Por exemplo, uma vez eu estava trabalhando em um CTI(...) aí eu vi uma médica falar assim: “_ah, esse paciente está com pressão arterial média, mas eu quero que você veja a pressão no manual”, e as reações que os enfermeiros da época tiveram, eu era acadêmica, mas assim, aquilo me chamou a atenção de uma forma, o que eles falavam era: “_eu estou no CTI!”(...) A reação foi assim unânime de todas os enfermeiros que estavam lá, auxiliares e técnicos, de assim, “_isso é um absurdo!”. (Enf. 18)

A outra parcela é representada por dois contrários, de um lado as

enfermeiras que descartam ou “abrem mão” da aplicação deste tipo de suporte, e do

outro as que direcionam seu planejamento baseando-se prioritariamente pelos

indicativos dados por essas tecnologias, totalizando 10 ocorrências.

Ela se baseia única e exclusivamente na tecnologia, esquecendo do que a clínica esteja mostrando. Ela parte do princípio que se não está mostrando aquilo, o que o paciente fala não tem valor (...) Tem pessoas que acham que a tecnologia não serve, não é aquilo e ponto final. Não gostam da tecnologia, não aceitam muito bem a tecnologia. Tem aquelas pessoas que equilibram e tem aquelas que são extremamente voltadas para tecnologia. (Enf. 2) Eu acho que tem algumas pessoas que tem uma aversão a essa tecnologia, não gostam de lidar com isso, e tem umas que realmente não sabem (...) você tem gente lá que tem dificuldade em lidar com essas coisas, de lidar com equipamentos novos, que às vezes você tem pessoas que veem a tecnologia como um afastamento do profissional. Normalmente, as pessoas têm esse conceito de achar que as máquinas vão substituir as pessoas. (Enf. 7) Eu acho que a maioria das pessoas já se acostumou com a tecnologia, é difícil falar isso, mas assim, eu acho que as pessoas se tornam mais frias, eu vejo isso, às vezes, eu já escutei muitas vezes assim, muito, não foram poucas: “_paciente falando tem que sair do CTI, porque no CTI só é para ficar sedado!”(...) O CTI é mais do que isso, o paciente pode estar ali falando, mas ele pode estar sinalizando muitas outras coisas, acho que no geral as pessoas ficam mais acomodadas também, acreditando muito no que a máquina está ali dizendo. (Enf. 19)

Acerca deste último grupo de enfermeiras, um detalhe que chama a atenção

é que tal classificação da prática de lidar com a tecnologia é demarcada pelo tom da

experiência, já que é feita principalmente pelos enfermeiras menos jovens, com mais

tempo de formado e que são especialistas.

Portanto, este modo como o uso das tecnologias se processa diariamente

releva-se para os investigados, atingindo 80% do corpus analisado. Então, quando

199

discutido sob esta ótica, algumas nuances da sua rotina de cuidados vêm à tona,

retratando com clareza como ocorre esta implementação. É o que acontece durante

a realização de determinadas técnicas pela enfermeira, como no caso do banho no

leito, onde a profissional prefere substituir a tecnologia pelo seu olhar avaliativo,

dando aos aparelhos neste momento um papel secundário.

Acho que isso é até um pouco de falha nossa, e acho que a gente tem que chamar atenção e conversar com a equipe técnica, que a equipe técnica tem hábito de tirar essa monitorização, então cabe a nós enfermeiros também chamar e tentar orientar quanto à importância disso, porque acho que principalmente durante o banho, que a gente tem assim uma grande chance do paciente descompensar, do paciente apresentar qualquer alteração, e a gente fica ali só com as observações do paciente, do que o paciente estiver apresentando clinicamente, de sinais, e a gente acaba perdendo esses parâmetros que a tecnologia nos oferece. (Enf. 8) Creio que assim, o ideal seria você manter o paciente com a monitorização, ainda que mínima, para te oferecer dados enquanto você está fazendo ali a mobilização do seu paciente, que podem realmente ocorrer intercorrências e que podem passar sem ser percebida. Obviamente que a proximidade vai minimizar isso, você está vendo, você está olhando se o paciente vai alterar um padrão respiratório, se o paciente tem uma cianose que não tinha antes, se o paciente diminui ou rebaixa o nível de consciência, se ele interage menos com você. (Enf. 21)

Um dos argumentos referido repetidamente para este tipo de conduta é o de

que tais tecnologias incorporadas ao cliente, sobretudo aquelas com foco na

monitorização hemodinâmica, por vezes atrapalham ou dificultam o desempenho do

profissional, além de não funcionarem adequadamente. Logo, na tentativa de facilitar

a execução das ações, opta-se pela retirada temporária destes recursos.

Na verdade existem vários tipos de profissionais e maneiras como eles atuam (...) mas eu digo a coisa física da monitorização, os fios, por atrapalhar às vezes, não o que ela está me informando (...), mas a parte física dela mesma, os fios e tal, por atrapalhar a manipulação, às vezes alguns profissionais acabam por retirar. (Enf. 9) Acho que o ser humano se condiciona com muita facilidade, então, você vai pelo mais prático. É mais prático você retirar toda monitorização na hora do banho para facilitar o banho, você acaba às vezes arriscando, alguma alteração ou dano possa ocorrer na hora desse banho pela facilidade. Vai ficar mais prático, acelerar meu processo de banho, não vou ter fio nenhum atrapalhando e eu vou dar o banho mais rápido. É uma questão de condicionamento também. Muitas vezes a gente se condiciona a ter a informação ali na tela e não observa, não dá importância. (Enf. 2)

Identifica-se também que a falta de capacitação técnico-científica de uma

parcela da equipe no manejo dos equipamentos e na interpretação dos sinais

oriundos destes, interfere no uso correto destas tecnologias, podendo trazer

prejuízos à recuperação do cliente.

200

Eu acredito que outra coisa que influencia na utilização das tecnologias é que nem todos os profissionais que trabalham na terapia intensiva estão preparados e treinados a lidar com os tipos de equipamentos que nós temos hoje, então, às vezes, você tem alguns funcionários que têm um pouco mais de tempo de serviço, que não se atualizaram. (Enf. 7) Com relação às informações, que às vezes eles [os aparelhos] nos fornecem e às vezes as pessoas não dão atenção, eu acredito assim, que não seja nem porque às vezes a pessoa não dê atenção, é lógico que tem algumas especificidades que o monitor, que nem sempre o enfermeiro, que ele não tem uma certa, não fez um curso para você ler realmente todos os parâmetros que a monitorização cardíaca pode, as arritmias, ele não vai saber ler. (Enf. 17)

Outro ponto interessante é que a convivência habitual com casos clínicos

que requerem tecnologias para cuidar torna estes aparatos naturalizados à

assistência de enfermagem, e, neste sentido, por lidarem frequentemente com esta

modalidade de informação os profissionais acostumam com ela, o que é um risco,

pois caso isso ocorra há a possibilidade de subestimarem tais dados, aumentando

as chances de gerar uma intercorrência ou complicação clínica. Um exemplo típico

disso acontece com os cuidados com os alarmes ligados às máquinas.

Dentro do CTI às vezes as pessoas se acomodam em ter, essa tecnologia traz dois pontos: tem a praticidade, a otimização, mas por outro lado as pessoas também acabam se acomodando, porque tem tudo ali muito fácil, e acabam se acostumando com aquelas informações, com aqueles sons e com aqueles alarmes. Acho que às vezes a gente tem que parar um pouco e ficar se cobrando mesmo de estar atento, observar mesmo, porque a gente se pega às vezes muito tempo, que às vezes a gente está fazendo uma coisa e outra nem sequer olha para o monitor. (Enf. 8) A outra questão em relação, a questão da banalização dos alarmes, dificilmente o paciente que é admitido, ele é admitido também em relação à máquina, porque se tem lá, a máquina está programada com os parâmetros e você não define os parâmetros adequados para o diagnóstico daquele paciente (...) as pessoas não, não setam os alarmes, não ajustam os alarmes de acordo com a patologia, e o quê que acontece? Os monitores alarmam por qualquer motivo e para qualquer paciente, e as pessoas banalizam os alarmes. (Enf. 16)

Uma das funções das representações sociais é realizar a apropriação

daquilo que é novo ou desconhecido, permitindo ao sujeito familiarizar-se com tal

objeto estranho, de modo a conseguir lidar com ele. As enfermeiras 8 e 16 levam a

entender, nestes recortes de entrevistas, que a tecnologia transformou-se numa

prótese do cliente, ou seja, uma peça artificial que faz parte do seu corpo,

substituindo a função de determinados órgãos. Então, neste caso, a tecnologia já se

tornou algo visto como naturalizado pela enfermeira, que não lhe causa

estranhamento pois já foi naturalmente incorporado ao cliente, fazendo com que não

201

preste atenção nas informações por ela enviadas. A representação perdeu assim

sua função, já que duram enquanto circulam e são úteis, deixando de ser eficaz e

proporcionando riscos à saúde do cliente.

O entendimento deste tema que abarca os tipos de atuação da enfermeira

frente à tecnologia no seu cotidiano prático pode ser complementado por um

aspecto que se destaca no conteúdo que é a interação com o cliente, através da

qual é possível captar informações objetivando atender às suas necessidades

integrais. Sobre isso, observa-se três características relevantes.

Uma delas pauta-se na justificativa de que no CTI, pelas peculiaridades de

ser um setor voltado a clientes criticamente enfermos, portadores de condições

complexas, a prioridade é dada aos doentes mais graves e aos dados objetivos a ele

relacionados, desvalorizando-se, portanto, as situações que envolvem uma

interação mais aprofundada. Este sub-tema com 09 ocorrências esteve mais

presente nos depoimentos das enfermeiras mais jovens e com menos tempo de

formadas, o que leva a conjecturar que tal concepção possa vir se organizando já

durante sua formação acadêmica.

Algumas pessoas fazem isso naturalmente, ou seja, elas realmente não se preocupam porque esqueceram ou porque acham que ali no CTI não é lugar de ter paciente acordado, que tenha essas outras necessidades, e acabam não dando atenção a essa parte. (Enf. 9) (...) Tem enfermeiro que vai estar muito mais próximo, e tem enfermeiro que não vai estar, eu tenho enfermeiro que na hora, quando vai fazer uma escala, vai pedir para não ser escalado com paciente que esteja lúcido e orientado (...) agora acho que a questão objetiva, a questão palpável é importante no CTI, isso é o diferencial no CTI e vai continuar sendo para sempre, o subjetivo no CTI sempre vai ser tratado, como algo, não digo em segundo plano, mas algo secundário, secundário a aquilo que é o elemento principal, que é o cuidado tecnológico, cuidado direcionado a evidências claras concretas, e disso a gente não tem como fugir, até porque a nossa formação em terapia intensiva é muito voltada para isso, é muito voltada para questão da evidência. (Enf. 15)

Sublinha-se que neste cenário muitas são as demandas administrativas que

recaem sobre a enfermeira. Então, como ela tem diversas rotinas burocráticas a

cumprir passa a interagir com o cliente de forma pontual ou superficial, já que a

execução de tais atividades ocupa um lugar diferenciado numa escala de

202

importância quando comparada à interação com o cliente. As enfermeiras que

trabalham durante o turno diurno se aglutinam em torno desta ideia, retratada em 08

unidades de registro temático, como constam nestes trechos de entrevista.

Quando o plantão realmente fica esse caos, esse caos de agitação, muitos procedimentos acontecendo ao mesmo tempo, uma rotina atropela a outra, quando você acaba de fazer uma rotina aí, já vem, o próximo horário já está em cima, para você dar continuidade ao serviço, aí realmente me incomoda não conseguir ver nem o rosto desse paciente (...) eu acho que sobra até pouco tempo para ir nos leitos, infelizmente, mas não deveria ser assim (...). (Enf. 4) Esse que está mais acordado é o menos observado, porque, porque a gente gosta de pacientes mais, mais sedados, mais graves, de uma forma geral, e quando a gente vai nesse paciente, a gente acaba pescando apenas o que ele tem a informar, é, em relação de imediato ali ao que a gente está vendo (...) a gente acaba não conversando além, sobre a família, sobre alguma coisa que pode trazer dados também para o nosso diagnóstico (...) porque a gente tem, prioriza os outros, e aí como ele está bem clinicamente eu acabo priorizando, indo para outras coisas a fazer, volto para burocracia que eu tenho quinhentos milhões de coisas para fazer, não dá para ficar ali à beira do leito, ouvindo todas as histórias que ele tem para contar (...) a hemodinâmica dele, é isso que está me importando nesse momento, então ele acaba sendo um, o paciente que é examinado, mas que não é aquele a menina dos olhos. (Enf. 6)

O paciente aqui é objetivado pela enfermeira 6 como “menina dos olhos”.

Esta expressão faz alusão à pupila, que é um termo oriundo do latim pupilla-

menininha, e é uma parte do olho como um orifício responsável pela passagem da

luz do meio exterior, até os órgãos sensoriais da retina, de grande importância para

a visão. A analogia do paciente crítico a menina dos olhos lhe dá um cunho de

preciosidade na terapia intensiva, como da pupila para a visão, merecendo assim

uma atenção especial das enfermeiras.

Entretanto, embora citados com menor frequência (33%), há profissionais

que, mesmo diante da avaliação de gravidade deste cliente, buscam acessar dados

de uma dimensão mais objetiva, ao tempo que quando possível utilizam estratégias

para alcançar outro conjunto de dados que se aproximam da esfera subjetiva,

apoiando-se neste caso na interação.

Eu acho que aqui tem pessoas que se preocupam com esse aspecto subjetivo sim. Tem pessoas que se envolvem com o paciente, mas lidam com isso de uma forma muito mais descontraída. (Enf. 8) Você tem realmente aquele enfermeiro que vai trabalhar com os dados sendo reunidos e um colaborando com o outro, para você oferecer uma assistência melhor e você vai ter enfermeiros que vão se dedicar de repente mais ao tipo de dado que é oferecido (Enf. 21)

203

5.2.1.2 As formas de assistir ao cliente na terapia intensiva

Temas/ Unidades de significação Nº UR % UR

Elementos caracterizadores dos estilos de cuidar

Atividades de maior cunho burocrático x assistencial: 13 ocorrências Comprometimento com a assistência: 10 ocorrências Envolvimento com o cliente: 06 ocorrências Coocorrência- Burocrático/comprometimento: 05 Burocrático/envolvimento: 01 Envolvimento/comprometimento: 02

21 100%

Fatores ligados aos estilos de cuidar

Aspectos inerentes ao indivíduo: 11 ocorrências Experiências profissionais: 11 ocorrências Formação profissional: 06 ocorrências Valores da profissão: 01 ocorrência Coocorrência- Experiências pessoais/profissionais: 06 Formação/experiências profissionais: 01 Formação/experiências pessoais: 01 Valores/experiências pessoais:01

20 95%

Convivência com os estilos de cuidar

Busca adaptar-se: 11 ocorrências Age independente do colega: 07 ocorrências Tenta influenciar o colega: 01 ocorrência

19 90%

As formas de assistir ao cliente na terapia intensiva

Variáveis psicossociais e demográficas associadas: Sexo, idade, tempo de formação profissional, especialização, escolha para trabalho no

setor Quadro 14: Unidades de registro temático associadas às formas de assistir na terapia intensiva

Tomando por referência estes resultados preliminares, em articulação com a

busca dos temas organizadores das categorias empíricas, constata-se a veiculação

de outros elementos, além desta interface entre a enfermeira e a tecnologia, que

denotam contribuir para a configuração dos estilos de cuidar, e que estão

reproduzidos no cotidiano da assistência neste ambiente. Percebe-se, deste modo,

que ao produzirem um discurso sobre sua prática, as enfermeiras investigadas

diferenciam duas linhas de ação em relação às atividades de cuidado ao cliente,

sendo uma definida como burocrática e a outra assistencial, às quais remetem a

uma compreensão de proximidade ou distância do cliente.

O cunho burocrático estaria mais voltado para as tarefas gerenciais e

administrativas, enquanto o assistencial centra-se no atendimento direto ao cliente.

Esta dialética burocrático versus assistencial está presente em 13 unidades de

204

registro temático, como, por exemplo, nestes excertos de entrevista ilustrados

abaixo.

A gente tem muitos enfermeiros que são assistencialistas, que gostam do cuidado, que gostam de estar à beira do leito, de cuidar do doente realmente. Pessoas que chegam, que se aproximam dos doentes, que cuidam de verdade do paciente na sua totalidade, que tem um cuidado especial ao fazer um curativo, mas eu tenho muitos enfermeiros que são mais burocratas, que eu percebo que não têm ainda o comprometimento que eu gostaria que tivessem, com o cuidado de enfermagem (...) Um é mais gerente e o outro é mais assistencialista, ele presta assistência ao paciente, o outro presta, mas mais indiretamente, e quando vai ao paciente, é aquela coisa de naquele momento ele faz o que tem que fazer e terminada aquela tarefa, ele se distancia e só vai chegar de novo em um caso extremo quando muito solicitado, entendeu? (...) tem enfermeiros que o monitor está tocando, o paciente está mostrando que está dessaturando e ele é incapaz de ir lá e aspirar o paciente. (Enf. 13) Eu acho que há diferença, tem gente que fica mais na beira do leito, tem uns que ficam mais fora, mas também estão atentos a outras coisas importantes também, porque senão não chega a medicação, agilizando exame, tem gente que fica mais, gosta mais dali da beira do leito, e às vezes não tanto dessa parte burocrática. (Enf. 19)

Mesmo quando se referem às enfermeiras assistenciais, as narrativas

sinalizam as diferenças entre elas em níveis de participação, demonstrando a

existência de um cuidado mais pontual. Além disso, o relato do sujeito 9 parece ser

interessante neste contexto, na medida em que distingue as várias características

das enfermeiras no seu dia-a-dia de trabalho.

Tem enfermeiros e os enfermeiros. Tem aqueles enfermeiros que são mais burocráticos, que vão e sentam na cadeira, ficam, só querem saber de prontuário, de livro, controle de psicotrópico aquela coisa toda. Em termos de assistência não querem nem saber do paciente. Aí inventam que estão no telefone, fazem isso, fazem aquilo. Tem outros que gostam mais da assistência, mas mesmo assim, na assistência tem diferença, tem uns que acham que só tem o banho e acabou, aquela coisa bem ponto e acabou, pronto já tem que dar o conforto e tal. Tem outros não, que são aquela coisa bem minuciosa. (Enf. 1) Acho que tem enfermeiro que cuida, mas fica muito na parte de papel, burocracia (...) existem outros que se envolvem mais com os pacientes, são mais realmente assistencialistas, em termos, gostam de colocar a mão na massa, gostam de pegar no paciente, acompanhar o paciente, dar banho e junto com os técnicos fazem os curativos, enfim. Existem também profissionais que são assistencialistas, mas não colocam a mão na massa (...) mas eles gostam, eles ficam mais relacionados ao paciente mas não chegam perto do paciente, não é que não chegam perto do paciente, chegam perto no momento que devem chegar, se acontecer alguma intercorrência. (Enf. 9)

Esses dados ao tempo em que possibilitam o debate em torno dos estilos de

cuidar suscitam uma reflexão acerca da dimensão ética do cuidado, sobretudo no

que se refere à responsabilidade profissional na assistência ao cliente de maior

complexidade, já que ao assumir uma linha de ação de maior teor burocrático,

205

delega a atenção direta a outros membros da equipe de enfermagem de menor

qualificação.

Esse processo de cuidar, no qual as atividades de cunho burocrático

ocupam um espaço privilegiado do tempo da enfermeira, dificultam a percepção com

maior clareza da utilização do seu conhecimento clínico e conduzem a realização de

ações protocolizadas, desprovidas de uma maior crítica. Isto é visto quando o

conhecimento desta enfermeira é articulado à imagem de um catálogo, algo que

está inventariado, ou seja, registrado e enumerado de forma ordenada como um

fluxograma para a solução de um problema clínico.

Por mais que você tenha pessoal, não tem como você ser exclusivamente assistencial. Existe a parte burocrática e a parte administrava a ser feita. Então, você acaba abrindo mão ou deixa algum lado descoberto, ou não dá muita qualidade em algum desses dois lados para tentar dividir o tempo (...) Você acaba tendo ou não a facilidade de poder dar a devida atenção a parte clínica do paciente, de estar com ele, conversar, avaliar e examinar. (Enf. 2) As atividades de uma maneira geral viraram um simples procedimento, e a utilização do conhecimento, ele vira quando algum padrão é alterado, então, quando você muda um decúbito do paciente, você tem uma alteração do padrão respiratório, ou se tem algum outro tipo de alteração, ou alguma queixa, aí você vai buscar o seu catálogo de informações, o seu catálogo de informações, e vê quais são as situações, sempre dentro daquele bendito fluxograma imaginário que nós temos. (Enf. 7) Os enfermeiros atuam de uma forma igualitária como se tivesse tratando de outro cliente também, e só seguindo ali aqueles protocolos, aqueles cuidados e esquecem de juntar dados, de utilizar até os dados que são fornecidos, tanto na observação como no exame, enfim, e implementar nisso em cuidados, transformar nos cuidados, numa prescrição. (Enf. 19)

Os depoimentos delineiam também uma qualidade do profissional, que se

repercute no comportamento que este assume frente às atividades a serem

desempenhadas. Assim, em 10 destes depoimentos ressaltam-se os profissionais

comprometidos e os não comprometidos, isto é, ganha evidência a postura tomada

pela enfermeira diante das situações clínicas que se apresentam na prática. Tal

postura aponta, ao mesmo tempo, a importância que é atribuída por ela aos

componentes que integram a assistência de enfermagem, bem como o seu nível de

implicação com os acontecimentos que se sucedem neste cenário. Os trechos

206

selecionados exprimem as implicações dos sujeitos perante o cuidado do cliente na

terapia intensiva.

Você vê que a pessoa fica dali de cima, faz tudo ali de cima, não entra nos leitos. Assim como você tem outras enfermeiras que são extremamente dedicadas, que se tiver que passar o dia inteiro assistindo o paciente, ali do lado do paciente (...) tem enfermeiros, equipe no geral, que tem comprometimento, tem responsabilidade, se responsabilizam pelo serviço. (Enf. 16) O paciente visivelmente, porque ele estava com o abdome cheio de líquido, que não deixava o pulmão dele expandir e ele respirar melhor. Então, imediatamente eu detectei, disseram: “_como você fez isso?” Olhar para o doente entendeu (...) às vezes tem enfermeiro que trabalha em dois, três lugares, tem pessoas, infelizmente isso são em todas as profissões, que estão ali para ganhar dinheiro (...) vem também a questão da responsabilidade profissional, então tem enfermeiro realmente que vê as coisas e ele finge que não vê, para ele é mais cômodo. (Enf. 14) Acho que o maior exemplo aqui em termo de comprometimento dentro da terapia intensiva é a questão da aspiração em vias aéreas, que é um momento que todas as pessoas, não existe uma obrigatoriedade profissional, é função de fulano, a aspiração é um momento de necessidade do paciente que pode surgir em qualquer situação (...) quando você vê uma pessoa próxima, e não faz essa aspiração porque não é função ou porque o paciente não é o da escala. (Enf. 7)

Esta questão do comprometimento e engajamento com a assistência se

mostra mais forte nas mulheres, com idade e tempo de formação elevadas e que

escolheram atuar no setor, podendo ser visualizada na maneira de execução dos

procedimentos e técnicas durante as ações profissionais, como ratifica esta

enfermeira quando comenta sobre os tipos de cuidar.

(...) Os meus curativos têm que ser ali certinhos, bonitinhos, eu não gosto de coisas assim, então às vezes você vê uma falta de capricho, às vezes eu pego um paciente, uma falta de capricho na execução dos curativos ou na higiene oral inadequada, na fixação do tubo, isso me incomoda muito (...) no geral, todo mundo assim, mantém aquela rotina de fazer, a diferença está nos detalhes, nas coisas pequenas. (Enf. 19)

Com um número de 06 ocorrências no corpus, o envolvimento com o cliente

citado pelas mulheres desponta como outro indicativo da perspectiva de ação

adotada pelo profissional. Isto quer dizer que para eles, importam além das

informações clínicas pautadas no processo saúde-doença, a vivência do cliente

situada no seu contexto de vida acerca do adoecimento. Neste sentido, valoriza-se o

diálogo com ele e família, com vistas à apreensão de demandas que requeiram

intervenções, aproximando-se, por fim, da ideia de cuidado integral.

Acho que existem diferenças na forma de trabalhar, tem pessoas que são mais secas, estabelecem uma relação mais profissional com o paciente, vou lá, vou avaliar meu paciente, vou fazer o que tenho que fazer, sai dali, pronto e acabou, e se tiver que voltar para fazer uma coisa vão voltar e tudo.

207

Mas tem pessoas que não tem esse perfil, que de repente tem pessoas, como eu já ouvi falar aqui: “_ah, não me coloca com paciente acordado, eu prefiro paciente sedado”, “_ah, não me coloca com esse paciente, porque esse paciente solicita”. Tem também pessoas, que acho que às vezes que não valorizam alguns sentimentos do paciente, não dão importância a alguns sentimentos ou banalizam alguns sentimentos, se o paciente está depressivo, é queixoso, é choroso, às vezes não dão tanta importância a isso. (Enf. 8) Então tem aquele outro enfermeiro que fica lá e que pede para fazer, que às vezes até avalia o doente, mas não se envolve com o doente, na problemática toda do doente para tentar resolver a vida do doente. E tem gente que se aproxima e se envolve (...) porque tem gente que acho que sabe se envolver na terapia intensiva, aí se envolve com a família, aí conhece a história da família aí traz para si, eu acho que acaba sendo um modo de proteção do profissional. (Enf. 20)

Os traços característicos deste conjunto de dados formalizam uma tipologia

de cuidados que realizam as enfermeiras na terapia intensiva, cujos elementos

distintivos marcam a atuação dos profissionais classificados em uma mesma

espécie. São eles:

Burocrático: cuidado protocolizado, marcado pela maior realização de

atividades administrativas e menor comprometimento com o atendimento direto ao

cliente, não valorizando-se o contato com ele para apreensão das suas

necessidades individuais, em vista de um cuidado integral. A enfermeira utiliza a

tecnologia como um recurso que as alerta para as alterações clínicas no cliente,

possibilitando a partir daí delegar as atividades, aproximando-se dele apenas em

casos extremos;

Pontual: cuidado marcado pela assistência direta ao cliente em momentos

pontuais para execução de procedimentos ou intervenções frente à intercorrências,

com menor atenção às particularidades (detalhes) envolvidas durante as ações

profissionais, desenvolvendo com o cliente uma relação de cunho técnico. A

enfermeira utiliza as tecnologias como um recurso que as alerta para as alterações

clínicas no cliente, indicando a necessidade de sua aproximação;

Assistencial: cuidado marcado pela proximidade ao cliente, valorizando-se o

atendimento direto a ele na sua totalidade, com preocupação especial aos detalhes

na promoção do conforto, sobretudo os que se referem a sua vivência subjetiva do

208

processo de adoecimento na interface com a família. A enfermeira utiliza as

tecnologias como um instrumental complementar que lhe fornece constantemente

dados objetivos sobre o corpo do cliente, associados àqueles oriundos da avaliação

clínica.

Essa classificação das enfermeiras em função do tipo de cuidado que

desempenham é importante de ser identificada no processo de elaboração das

representações sociais. As representações são categorias que servem para

classificar as circunstâncias, fenômenos, pessoas, com as quais temos contato,

permitindo definir o status. É um instrumento para compreender o outro, nos

conduzindo diante dele e lhe atribuindo um lugar social. Se elas ajudam a classificar

e pôr ordem nas coisas, definem as prioridades. Nesta direção, a tipologia de

cuidados contribui para entender as lógicas que orientam as ações e a primazia que

alguns componentes têm em relação a outros na atuação frente ao cliente.

Quando abordam sobre esses modos como cuidam, as enfermeiras se

reportam a alguns fatores que ajudam a explicar a conformação dada a esta prática

de assistir. Logo, ao elaborarem sua fala baseiam-se nas suas experiências, as

quais perpassam a um nível individual, profissional e relativas à formação. Observa-

se que estes fatores ligados ao fazer profissional estão presentes em 95% das

entrevistas, sendo que as enfermeiras com menos tempo de formadas os

interrelacionam mais significativamente às suas experiências de formação, enquanto

aquelas com mais tempo se apoiam nas experiências pessoais. Tais experiências

inerentes ao indivíduo se destacam em 11 depoimentos. Nesse caso, fundamentam-

se na família e nas imagens de situações vivenciadas articuladas a ela para fazer

menção ao seu estilo de cuidar.

Da minha vivência, de tudo que já vivi tanto intra-hospitalar quanto na vida pessoal. De aprendizados mesmo de vida (...). Hoje em dia eu tenho uma outra visão, a minha maneira de cuidar está sempre se reciclando, a minha maneira de ver está sempre se aperfeiçoando (...), mas tenho melhorado por

209

conta das experiências mesmo, porque uma coisa é você ter experiências do dia-a-dia e outra coisa é você ter experiências que te envolve psicológica, emocionalmente, familiar, acho que dá uma outra visão, outra maneira de ser (...). Eu permito que as experiências da minha vida me lapidem, modifiquem e me moldem positivamente. (Enf. 2) Na verdade você nasce com esse pouco de cuidar, quando você escolhe que quer ser enfermeira, já nasce com, já tem aquele dom do cuidado (...) o cuidar vem muito desde cedo, não sei se a resposta é muito ilusória, mas assim, é cuidar da minha mãe, eu sou filha única com pais separados, eu que sempre cuidei da minha mãe, que minha mãe sempre foi uma pessoa muito doente. (Enf. 6)

Também citada por 11 depoentes são as experiências prévias como

profissional e o contato com outras pessoas tido a partir delas, através do qual se

apreendem elementos entendidos como fundamentais para sustentar uma atuação

da enfermagem de qualidade neste campo especializado. Ao trazerem à memória

estas histórias revestem o discurso de um tom positivo em torno destas lembranças.

Acho que eu trabalhei como técnico em enfermagem durante muito tempo em psiquiatria, e lá você consegue relacionar que todas as pessoas são iguais. Você começa a se identificar com as pessoas de uma forma que você não vê diferença entre quem é louco e quem não é louco. Você acaba se tornando um ser igual a todos, e com isso você começa a desenvolver certas técnicas e certas práticas do dia-a-dia de relacionamento com o paciente, de atividades com o paciente e isso facilita muito na comunicação. (Enf. 3) Quando eu fui técnico de enfermagem, eu tinha alguns profissionais que eu admirava muito, pessoas muito inteligentes, e que assim, eram meu exemplo, assim, eu era fã, eu achava maravilhosas! Acho que vem daí. Tento seguir o estilo delas de cuidar. (Enf. 16)

Os modelos de enfermeira idealizados durante a formação acadêmica e os

cenários de aprendizagem envolvidos neste processo de construção dos

conhecimentos na área da terapia intensiva servem de suporte para que

gradativamente determinados atributos que formam uma figura-tipo sejam

incorporados no aprendiz, com o objetivo de alicerçar sua futura atuação.

Na verdade a gente vê que tem profissionais que tem estilos de cuidar que são exemplares para sua vida (...) à época de graduação eu sempre fui um aluno muito observador, questionava muita coisa, e eu me prendia muito a esses modelos que eu via assim, é competência, postura profissional, atitudes que eram assim pró-ativas em relação ao cuidado, atitudes de harmonia com a equipe, e alguns profissionais que me ajudaram a forjar esse estilo. (Enf. 21) A gente durante a faculdade tem muito a questão assim, você vai ser formado para ser líder, formado para ser chefe, a gente ouve muito isso na academia, e eu tinha muita preocupação de como ia ser isso, então, desde a faculdade eu pensava: “_eu preciso ser uma enfermeira de referência, eu preciso, eu preciso, eu preciso”. Acho que isso condicionou muito meu modo de trabalhar. (Enf. 11) Desde a época de acadêmica assim, o primeiro paciente que eu cuidei em estágio, no primeiro estágio (...) era gravíssimo, e foi a óbito, aí depois assim eu peguei um outro grave também, que também foi a óbito. Aí comecei a ficar triste assim, mas eu via as minhas amigas com os pacientes

210

que andavam, que assim, não precisavam de tantos cuidados, e assim aquilo me deixava meio assim, como posso dizer, obsoleta, não tinha muita coisa para fazer. (Enf. 18)

Uma parte (37%) das enfermeiras parece conviver passivamente com todos

esses traços distintivos dos estilos de cuidar, ou seja, quer dizer que mesmo

sofrendo diretamente as consequências advindas do comportamento inadequado

apresentado pelo colega de trabalho, preferem adotar uma atitude independente,

qual seja a de continuar exercendo suas atividades sem se preocupar com o modo

como o outro membro da equipe conduz suas ações.

Se é um grupo deveria sentar para poder conversar, e poder chegar em um e falar: “ _você não faz isso, você não faz aquilo!”, mas quem sou eu ou se fosse ela também, quem é você para poder julgar cada um. Cada um tem seu jeito. Então, ao meu ver, se é daquele jeito continue daquele jeito. Pode ser que esteja de saco-cheio porque veio de outro plantão ou às vezes não está nem aí. Então, também não me interessa o que as outras pessoas têm. (Enf. 1) Olha, eu sou assim individualista, eu sei trabalhar em equipe, mas quando a equipe é uníssona com aquilo que eu tenho por objetivo maior. Quando eu trabalhava com pessoas que não se aproximavam da maneira como eu via o processo, eu fazia meu papel como tem que fazer da melhor maneira possível, mas tentava não me preocupar com o que estava sendo feito pelo outro parceiro de plantão, pelo outro colega. (Enf. 15)

Há relatos de profissionais que se sentem sobrecarregados, já que terminam

por assumir as tarefas deixadas pelo parceiro de plantão, com o intuito de não trazer

prejuízos à evolução da clientela. Entretanto, as enfermeiras (57%) evitam o

enfrentamento, preferindo adaptar-se ou buscar uma conciliação à maneira de agir

do colega, abordando-o diretamente apenas em casos extremos, considerando o

nível de gravidade da situação e de aproximação que possui com ele.

Mas porque algumas pessoas que eu tenho intimidade, eu consigo assim chamar a pessoa e pedir ajuda para pessoa, só que tem outras, até pela postura pessoal dela, eu não me sinto a vontade em estar falando, porque eu também não estou ali para julgar o trabalho do outro, estou ali para fazer a minha função e sair de lá o mais tranquila, com a cabeça melhor por ter feito minha função. (Enf. 9) Quando é um plantão dos outros, eu vou dar um plantão com outro grupo, enfim, eu faço a minha parte da melhor forma possível, e assim tento, eu não posso mudar o mundo, e nem querer mudar todo mundo em um plantão, tento me adaptar, mas assim a minha parte tento fazer da melhor possível, se precisar da ajuda do outro ou se o outro precisar da minha ajuda, enfim, eu vou tentar trazer mais para minha forma de cuidar, mas assim, isso é uma questão de adaptação, eu tenho que me adaptar ao jeito do outro e o outro tem que se adaptar ao meu jeito. (Enf. 18)

211

5.2.2 A complexidade do trabalho na terapia intensiva

5.2.2.1 Os sentidos atribuídos pela enfermeira ao trabalho na terapia

intensiva

Temas/ Unidades de significação Nº UR % UR

Aspectos negativos/dificuldades do trabalho no CTI

Sofrimento com a história/perda de pacientes: 08 ocorrências Clima e ritmo de trabalho que envolve o CTI: 03 ocorrências Falta de reconhecimento profissional: 02 ocorrências Interação entre os profissionais: 01 ocorrência Coocorrência- sofrimento/ritmo de trabalho: 02

13 61%

Imagem do trabalho no CTI

Difícil/amedrontador (pela tecnologia e conhecimentos envolvidos): 07 ocorrências Fácil pelo uso da tecnologia: 03 ocorrências Coocorrência- difícil/fácil: 01

09 43%

Enfrentamento do trabalho pelas enfermeiras da terapia intensiva

Vivência negativa do trabalho pelo cansaço/sobrecarga: 17 ocorrências Desempenho do papel de enfermeira intensivista: 12 ocorrências Coocorrência- vivência positiva/negativa: 10

19 90%

Negatividade impressa pelo cliente à assistência

Sentimento de isolamento/solidão: 14 ocorrências Desrespeito à individualidade do cliente: 08 ocorrências Coocorrências- Isolamento/desrespeito: 06

16 76%

Os sentidos atribuídos pela enfermeira ao trabalho na terapia intensiva

Variáveis psicossociais e demográficas associadas: Sexo, especialização, escolha para trabalho no setor, turno de trabalho

Quadro 15: Unidades de registro temático associadas ao trabalho no CTI

Considerando as etapas de codificação dos dados, com vistas à análise

categorial que proporcione a elucidação da questão-problema que se coloca neste

estudo, afirma-se que a construção efetuada pelos indivíduos sobre o objeto em tela

veicula particularidades que se associam ao trabalho da enfermagem no CTI, em

especial das enfermeiras. Sob esta ótica, existem indícios de que neste processo os

profissionais ligam tal trabalho a um tom negativo, relacionado a certas

características que se conformam na especificidade do cuidado de enfermagem

neste local.

Então, 13 das unidades registro temático assinaladas são marcadas pela

negatividade/dificuldades do trabalho da enfermeira no CTI. Esta negatividade é

impressa aos depoimentos, principalmente quando tratam do envolvimento

212

emocional ou do sofrimento que emerge com as histórias dos pacientes de que

cuidam. Assim, tal conotação se mostra a partir do momento que as enfermeiras

pontuam a perda dos pacientes, uma vez que entre eles no decorrer das ações de

cuidar fortalecem-se os vínculos. Este discurso emotivo é acentuado nas mulheres

(71%), que escolheram trabalhar no setor (85%). Os recortes abaixo dão uma

dimensão desta faceta do trabalho, que, segundo as depoentes, vai de encontro a

imagem que se tem da enfermeira intensivista.

Vendo pelo lado emocional, tendo envolvimento emocional é muito triste. Primeiro que lidar com a dor não é fácil e lidar com a dor do paciente extremamente grave, se você se vê emocionalmente, você realmente se envolve, aí tem uma família, toda uma história atrás disso aí. Teve uma paciente que estava com a gente que faleceu ontem e que a família nem sabe ainda que ela faleceu, e ela deixou cinco, seis filhos. Então assim, vendo por esse lado, você acaba, se deixar você chora junto. (Enf. 4) Lá atrás, eu vivenciava melhor, é muito ruim também, você todo dia chegar aqui, ver os mesmos pacientes às vezes, ou descobrir que um paciente que você teve um ‘time’ maior, você acaba, por mais que eu falei: “_ ah, as pesquisas dizem que nós somos frias!”, mas não, a gente sente quando o paciente vem a falecer (...) eu acho que evidenciou muito mais isso, pelo menos para mim, quando faleceu uma colega da gente aqui dentro, isso para mim foi muito ruim, porque eu fiquei cuidando, e ela morreu, então eu pensei: “_é o fim de todo mundo!”, e isso virou minha cabeça, nossa, um dia vai ser minha mãe, começa a misturar umas coisas na sua cabeça. (Enf. 6) (...) Também às vezes me sinto um pouco incapaz, porque a maioria das vezes a gente tem mais perdas do que ganhos, então isso às vezes deixa a gente um pouco incapaz (...) muitas vezes as pessoas lá fora falam assim: “_foi só mais um para eles!”, mas não é bem assim que a gente coloca (...) a gente tem o nosso momento de parar e refletir, só que a gente não vai ficar chorando para cada paciente que vai, a gente não chora por fora, mas chora por dentro (...) eu me sinto às vezes até dura demais comigo mesmo. A minha mãe até fala isso comigo às vezes, essas coisas assim até me deixa emocionada, porque eu chego em casa e brigo com ela, eu brigo muito com a minha mãe porque eu não tenho ninguém para desabafar o que eu passo no meu trabalho. Todo mundo acha que eu venho ganhar dinheiro e as coisas não são bem assim, se morre a mãe de alguém, eu sinto como se fosse a minha mãe. (Enf. 10)

Neste contexto de atuação o ritmo e a atmosfera são diferentes. Isto porque

em grande parte das atividades a atenção está constantemente voltada à evolução

clínico-hemodinâmica dos clientes, já que a frequência dos eventos súbitos é

elevada. Além disso, há uma variedade de procedimentos complexos sendo

realizados na assistência, os quais requerem perícia e cuidado. Por conseguinte,

cria-se um clima de trabalho que abarca a gravidade e gera tensão nos profissionais,

podendo, inclusive, repercutir-se na sua saúde, conforme citam os entrevistados.

A gente é usado, não estou dizendo para o hospital assim, mas o nosso trabalho é como se fosse a tecnologia que a gente está falando, a máquina, que está sendo paga para trabalhar, e que tem que

213

fazer aquele trabalho no horário certo, na hora certa. A gente não tem uma hora certa para almoçar, a gente não tem uma hora certa para ir ao banheiro. (Enf. 10) Cuidar de doente grave não é fácil, lidar com as tensões do CTI não é fácil (...) A gravidade é uma situação que te deixa em alerta, então você vive doze horas alerta, além disso, você tem outras questões que você precisa ver, o doente, a equipe, a nutrição, a fisioterapia, o equipamento, o material que não tem, a escala que está apertada e lidar com todas essas situações é difícil. (Enf. 11)

Estas características que se vinculam à possibilidade de morte dos clientes e

de instabilidade dos padrões vitais terminam também por contribuir para formar uma

visão atrelada às contingências do cuidado no setor, mormente quanto à

manipulação das aparelhagens introduzidas como suporte terapêutico e ao

conhecimento implicado no uso delas para a interpretação clínica correta. Neste

sentido, o trabalho no CTI é percebido como difícil e amedrontador.

As pessoas veem com um pouco de ressalva sobre o que é um trabalho em um setor fechado. Uns acham que é muito fácil porque você tem toda tecnologia para fazer tudo para você e você não precisa fazer nada. E outro vê com restrições, tem muita tecnologia e é complicado demais lidar com elas. Tem os dois extremos. (Enf. 2) Acho que tem profissionais assim, colegas nossos, que acho que têm um pouco de medo de trabalhar no CTI, talvez por causa dos aparelhos que eles não sabem lidar (...) acho que eles têm um pouco de medo, de receio de trabalhar na terapia intensiva por conta disso, por não se sentirem assim preparados. Amedronta? Amedronta, o transplante hepático é lá dentro no CTI, paciente vem igual um robô, porque ele vem todo invadido aí assusta sim. (Enf. 14)

A amplitude destes elementos e de outros que se encontram articulados a

assistência de enfermagem na terapia intensiva justificam as concepções ligadas ao

trabalho no CTI, as quais comumente são delimitadas pela noção de complexidade,

e que, por sua vez, se refletem no modo como o profissional enfrenta o seu trabalho

de cuidar dos clientes criticamente enfermos. Este enfrentamento sobressai no

discurso das enfermeiras, colocando de um lado com 12 ocorrências as enfermeiras

que não lidam bem com este trabalho, atribuindo isto a fatores como cansaço,

sobrecarga, falta de comprometimento, e do outro aquelas que lidam bem com 17

ocorrências, em consonância com o grupo das enfermeiras intensivistas. Portanto,

como se vê, há uma parte da equipe que enfrenta dificuldades com o trabalho na

214

terapia intensiva por conta das suas particularidades, principalmente as de teor

negativo.

Então eu vejo que existem algumas pessoas que estão ainda naquele pique da juventude, que é ótimo, que está super no entusiasmo, topa tudo, como tem alguns que sem prejudicar a assistência já estão um pouco mais cansados, já tem anos de profissão, e já estão um pouco mais exaustivos (...) acho que existe uma carga muito negativa aqui dentro, você trabalha, você não ouve coisas boas, você chega um familiar aqui, o familiar está chorando, está te despejando mais angústias, em cima de você, e quem escuta é o enfermeiro, enfermagem, não é o médico, o fisioterapeuta (...) esse sofrimento diário, eu acho que com o decorrer dos anos, isso, isso vai te consumindo (...) essas coisas, essa carga pesada, mais esse trabalho sob tensão 100% do dia ninguém aguenta. (Enf. 6) Vejo as pessoas muito cansadas, muito desgastadas com o trabalho exercido na terapia intensiva (...) mas percebo que as pessoas que têm uma carga na terapia intensiva muito grande, a experiência, de repente, com os anos, ela se comporta de maneira negativa, cansando, adoecendo, alguns com mais habilidade, com mais prática, mas com o corpo reclamando ao mesmo tempo. (Enf. 15) Outros já pensam assim: “_ah estou cansada, é muito pesado para mim, não quero passar, ficar a minha vida inteira aqui.” Então assim, a grande maioria trabalha porque gosta, trabalha satisfeito, mas alguns não, realmente o clima é pesado, às vezes a gente perde muitos pacientes, e aí também vem a questão, assim você faz, faz, aí acaba, nem sempre os pacientes evoluem tão bem assim. (Enf. 18)

Ao contrário destas estão as que se aproximam da prática esperada da

intensivista, quais sejam as enfermeiras que buscam estratégias para proporcionar

uma atenção de qualidade ao cliente, incorporando-se a ela o uso de tecnologias e o

aprimoramento constante do conhecimento que fundamente sua utilização. Tais

profissionais demonstram satisfação com o trabalho que desenvolvem, investindo

sua realização com um alto nível de comprometimento para promover a recuperação

da clientela, e trazendo em si a marca grupal, verificada nas características

associadas, quais sejam o fato de serem especialistas e terem escolhido este local

para o trabalho.

Alguns têm essa leitura sim, entendem esse papel, estão inseridos dentro desse grupo, sinalizam e fazem as pontuações necessárias, as intervenções necessárias naquela situação. (Enf. 5) Eu acho que eles têm uma visão assim, de ser prático por conta da tecnologia, por conta do cuidado, a gente tem como fazer vários procedimentos em um paciente só. Acho que não tem uma visão muito diferente da minha não, enquanto intensivista, eu acho que é mais ou menos isso, a questão do intensivista de tentar resolver, tem aquele paciente grave, monitorização constante nossa da máquina. (Enf. 4)

O contato que as enfermeiras mantêm com os clientes durante o seu

cotidiano de cuidar traz demarcado as influências deste enfrentamento, na medida

em que sinaliza a dinâmica que confere ao seu trabalho diário, bem como as

215

prioridades que estabelece no âmbito do seu fazer. Então, ao pensar sobre a

posição do cliente na prática de cuidar das enfermeiras na terapia intensiva,

aparecem os contornos de um sentimento de isolamento vivido por ele, já que em

razão da importância atribuída às outras atividades, este termina por ser colocado

em segundo plano.

Este subtema voltado ao isolamento indica a possibilidade de uma

concepção negativa impressa pelo cliente ao trabalho das enfermeiras,

apresentando 14 ocorrências no material de análise, sobretudo nas enfermeiras que

trabalham durante o período noturno.

É para ser sincera mesmo, vou ser sincera, porque tem paciente que é chato. Tem pacientes e pacientes, quando paciente é legal, paciente legal não é aquele que aceita tudo não (...) é paciente que é bacana, que fala que está sentindo isso e tal (...) tem uns que acham que é enfermagem particular. Você tem n pacientes, acham que tem que estar do lado: “_fica aqui comigo, vamos conversar!” Acha que a gente tem que ficar ali parada para conversar (...) tem paciente que é chato, tem paciente que é legal, tem paciente que fica naquele martela, martela. (Enf. 1) Ele vai interagir com paciente, ele não vai conseguir porque vão chamar, tem telefone para atender, tem paciente para tomografia para descer, é muito difícil, o paciente vai se sentir só mesmo. O enfermeiro não consegue achar tempo para essas coisas, aí daqui a pouco deu a hora do almoço, o cara vai almoçar, volta uma hora, um corre-corre danado, como você vai parar para sentar com o paciente: “_está tudo bem com o senhor, como o senhor está?”, se daqui a pouco estão chamando, o técnico quer saber, então é uma coisa muito difícil, é muito difícil essa interação. (Enf. 3) O paciente se sente só, é aquela questão, a gente não tem essa manha de ficar indo no leito, independente do paciente estar precisando da gente ou não, ficar ouvindo, enfermeiro de CTI, eu não tenho, é um erro talvez, mas eu tenho bastante coisa para fazer (...) porque a gente não está ali disponível o tempo inteiro, e a pessoa não tem ninguém para conversar (...) por isso que é o momento da pessoa ir embora, porque a gente não tem condições de oferecer para ele aquele bem-estar de ficar ali batendo papo. (Enf. 6)

Outro fato que está retratado na assistência de enfermagem é o respeito ao

cliente e à sua individualidade. Sob esta perspectiva, o relato de 8 dos depoentes,

prioritariamente do período diurno, ilustram a ocorrência de circunstâncias nas quais

percebe-se como este princípio ético é abordado. Os trechos selecionados

anunciam eventos como a exposição prolongada do corpo, barulho excessivo e falta

de consideração às vontades e desejos, dos quais emergem questões éticas que

abarcam a autonomia do sujeito, o pudor/privacidade, garantia do conforto e bem-

estar.

216

Mas para os pacientes lúcidos eu acho que todos nós em todos os plantões, eu acho que o que deve incomodar é o barulho, o nosso barulho (...) mas acho que deve incomodar é a exposição. Acho que a enfermagem não expõe muito não, mas como não tem só a gente aqui, várias vezes eu pego um paciente exposto, exposto, nu. (Enf. 4) Eu acho que eles se sentem muito mal nessa questão da informação, quando ele está lúcido é mal informado, ou não é informado sobre a questão do porquê ele estar no CTI, para quê está no CTI, quanto tempo vai ficar no CTI(...) A manipulação também, eu vejo que a gente expõe demais o cliente, acho que é tudo ruim. (Enf. 10) Mas às vezes, com a correria você realmente (...) o paciente entubado um tempão, aquele despertar ruim, e ele sempre agoniado, e quando ele foi extubado: “_poxa, vocês cobriam meu pé, enfiavam o cobertor tampando e eu só durmo com o pé descoberto!” Mas assim, tinha que ter feito uma coleta de dados com a família, o que ele gosta, o que ele não gosta, porque assim é uma coisa que incomodava muito ele, uma coisa para gente muito boba, mas assim uma coisa que ele não conseguia relaxar porque a gente enfiava o cobertor e ainda enfiava assim por baixo, deixava igual um envelopinho, porque estava lindo, o paciente todo esticadinho e ele não gostava.(Enf.19)

5.2.2.2 Requisitos profissionais para o trabalho no CTI

Temas/ Unidades de significação Nº UR % UR

Características profissionais para cuidar

Elemento diferenciador – conhecimento: 14 ocorrências

16 76%

Imagem da enfermeira que trabalha no CTI

Positiva: mais preparado: 12 ocorrências Negativa: sentimento de diferença: 09 ocorrências frieza na relação: 03 ocorrências Coocorrência- mais preparado/sentimento de diferença: 05 mais preparado/frieza na relação: 03

16 76%

Requisitos profissionais para o trabalho no CTI

Variáveis psicossociais e demográficas associadas: Sexo, idade, tempo de formação profissional, especialização, escolha para trabalho no setor, turno

de trabalho Quadro 16: Unidades de registro temático associadas aos requisitos profissionais

Diante das temáticas até então apresentadas, que se organizam à luz dos

sentidos que permeiam o trabalho da enfermeira na terapia intensiva, alguns

requisitos passam a ser considerados imprescindíveis ao cuidado de enfermagem

no CTI. A tendência majoritária do corpus que serviu de base à análise vincula tais

requisitos ao agente cuidante, ou seja, os elementos fundamentais ao cuidado estão

diretamente ligados à enfermeira, que deve ter um conjunto de características

pessoais e profissionais para cuidar.

Logo, as marcas atribuídas ao trabalho impactam sob a forma de exigências

profissionais, com destaque para aquelas que se referem ao aporte de

conhecimentos teóricos e práticos necessários para um desempenho seguro.

217

Significa afirmar que dentre as características mencionadas, o conhecimento

desponta como a de maior magnitude entre os pesquisados e perpassando os

sujeitos de maneira transversal independente da idade, tempo de formação ou

presença de especialização.

Conhecimento técnico-científico, porque você está lidando com um paciente com um grau de complexidade maior que de outro setor e com tecnologia. Independente do grau de complexidade dele, para você desempenhar um serviço com qualidade é necessário você ter conhecimento do que você vai fazer, da necessidade, do que fazer, como fazer, quando fazer. (Enf.2) Conhecimento teórico (...) acho que tem que ter um conhecimento maior quanto ao que a gente está fazendo. Aqui parece que a gente está trabalhando todo dia com a mesma coisa, mas não é. O paciente aqui entra com uma patologia e a gente passa a cuidar de duas três, em cima disso. Eu vejo que o fundamento teórico a gente tem que ter. (Enf. 10) Acho que o enfermeiro de terapia intensiva tem que ter sempre essa vontade de buscar o conhecimento, isso não pode se perder, porque o conhecimento é que vai dar subsídio para as intervenções de enfermagem que ele vai aplicar aqui dentro, e uma intervenção de enfermagem bem fundamentada você não vai ter como ser questionada por outro profissional. (Enf. 21)

Em uma proporção menor aglutina-se outro conjunto de atributos

relacionados à prática profissional no setor, a exemplo da observação/atenção,

trabalho em equipe, compromisso, agilidade/habilidade. Grande parte destes

aspectos coocorrem com o conhecimento, como é o caso da observação (5

coocorrências), trabalho em equipe (5 coocorrências) e compromisso (4

coocorrências).

Observar seu cliente de uma forma completa, e perceber neles os sinais que vão fazer as necessidades dele serem supridas naquele dia, qual é a demanda e qual é esse cuidado que eu tenho que gerar naquele dia para o paciente (...) O meu contato direto com esse paciente, na inspeção, na ausculta, percussão, nesse exame físico também é importante para reforçar aquela observação que eu tive, aquela impressão que eu tive através do exame físico. (Enf. 5) Tem que saber trabalhar em equipe, você lida com diversos profissionais e com várias pessoas da sua mesma equipe (...) Ter agilidade, agilidade em determinadas situações, não é só agilidade, tem que saber manusear as coisas, tem que saber interpretar as coisas. (Enf. 9) Espírito de observação, ele tem que saber identificar uma intercorrência que possa ocorrer com a parte clínica do paciente. Ele tem que ser rápido, muitas vezes ele tem que ser preciso, ele tem que ter habilidade, técnica e manual mesmo falando. (Enf. 17)

Como consequência desta valorização conferida ao conhecimento enquanto

requisito profissional, entre os funcionários de outros setores vai se construindo uma

imagem sobre a enfermeira da terapia intensiva, justificando a recorrência deste

218

tema em 76% do corpus de análise. Primeiro ele é visto como o mais preparado e

capacitado, por lidar com as diversas situações de criticidade e também pela sua

importância no manejo da tecnologia, sendo esta sua face positiva que gera

admiração nos colegas. Ao mesmo tempo que esta qualificação o torna diferenciado

entre os demais, em termos de posição de destaque dentro do hospital, cria um

sentimento negativo e o distancia deles. Este paralelo entre sua imagem positiva e

negativa também denota ser consensual entre os profissionais de ambas as idades,

tempo de formação e horário de trabalho.

Eu acho que eles acham muito mal da gente, isso com certeza, eles acham que a gente é metido (...) agora sobre a prática de enfermagem, é, eu acredito que a gente seja admirado, porque quando eles entram aqui, os que vêm lá de fora que eu observo, eles olham assim: “_nossa, como é que vocês conseguem mexer nessas máquinas todas?” (...) Mas acredito que eles tenham essa admiração, vem lá de trás, quando eu estava no curso de técnico você vê, você está num curso técnico de enfermagem, na faculdade, você vê: “_ah eu vou fazer CTI para eu conseguir trabalhar em qualquer lugar, porque enfermeiro de CTI trabalha em qualquer lugar”. (Enf. 6) Alguns casos eles acham que nós somos uns nojentos, uns metidos (...) eu acho que o que acontece é uma classificação que a gente tem mais habilidade com as tecnologias do que os outros (...) os principais usos das tecnologias nas situações mais críticas possíveis, e essas situações mais críticas possíveis são do nosso cotidiano, então, numa situação de emergência, crítica, as pessoas mais preparadas para lidar com essas situações, são as pessoas que têm mais domínio da tecnologia (...) em alguns casos pode ser de admiração, vê que a pessoa domina uma determinada situação (...) mas que em alguns casos beira a ciúme, porque no fim das contas as pessoas sempre são elogiadas, quando o termo é salvar, salvou a vida de fulano, salvou a vida de beltrano, e eu acho que a gente está muito mais próximo dessa questão. (Enf. 7)

5.2.3 DISCUSSÃO

A análise da prática de cuidar e dos elementos que integram os processos

de trabalho das enfermeiras no campo da terapia intensiva tem sido alvo das

diferentes subespecialidades que compõem a enfermagem nesta área específica, à

exemplo da cardiológica, neonatal, geral/adulto. Neste sentido, as discussões

avançam na tentativa de melhor entender o modo como são desempenhadas as

ações de cuidar no cotidiano destes setores, e, a cada ano, investigações trazem

novos pontos a serem destacados, caso de Silva e Damasceno (2005), Oliveira,

Lopes e Collet (2006), Pinho, Santos e Kantorski (2007), Silva e Cruz (2008).

219

Tais autores ratificam a necessidade do debate em torno dos modos de

fazer o cuidado de enfermagem em terapia intensiva. Isso já fica claro em 2005,

quando Silva e Damasceno afirmam, ao tentarem desvelar os significados presentes

nos modos de pensar e fazer o cuidado em UTI cardiológica, que existem diferenças

entre o que se diz e o que se faz na prática acerca deste cuidado. Sob esta ótica,

sinaliza-se que embora os profissionais se utilizem de um planejamento

sistematizado, a sua implementação é baseada prioritariamente nas situações

clínicas ligadas ao cliente, buscando-se atender às suas necessidades de ordem

biológica.

Neste processo de cuidar em vista da preservação da vida, pautam-se na

utilização de instrumentos elétricos, eletrônicos e computadorizados. Além disso,

preocupam-se com a viabilização de recursos para a realização de procedimentos

voltados à evolução clínica, ocupando-se/aprisionando-se de um cotidiano

instrumental que dificulta sua aproximação ao sujeito do cuidado, a qual se dá

apenas em momentos pontuais. Portanto, no estudo acentuam-se a distância entre a

retórica e o real, marcado, sobretudo, pelo não atendimento às diversas dimensões

das necessidades humanas e pelo foco nos protocolos clínicos e atividades

administrativo-gerenciais (SILVA; DAMASCENO, 2005).

Os resultados desta investigação são complementados por aqueles

presentes na busca feita por Pinho e Santos (2008) objetivando revelar as

contradições na prestação do cuidado na UTI. Assim, partiram da premissa de que

este cuidado é cheio de contradições, as quais se expressam no discurso e prática

profissional. Deste modo, o discurso das enfermeiras veicula a ideia de um cuidado

integral, no qual além de permanecerem atentas às questões clínicas relacionadas

220

ao cliente, esforçam-se para suprir suas demandas psicoemocionais, bem como às

de seus familiares.

Entretanto, o conjunto do seu processo de trabalho na UTI põe em evidência

que apesar de em alguns momentos valorizarem o sofrimento físico/psíquico dos

acompanhantes e pacientes, o contexto intersubjetivo não é aprofundado durante a

relação de cuidado. Significa dizer que a interação caracteriza-se como superficial,

com o cumprimento de rotinas institucionais de base burocrática que contribuem

para promover um distanciamento entre eles. Logo, enquanto no discurso sustente-

se a necessidade de individualizar o cuidado, a prática denota uma dissociação

deste, notadamente no que se refere a rotina de procedimentos, cuidados clínicos

imediatos, complementação das atividades do técnico de enfermagem (PINHO;

SANTOS, 2008).

Esta dialética entre o saber/fazer cuidado suscita reflexões quanto às

relações interpessoais (um novo velho desafio), visando a reformulação das ações

na terapia intensiva. No caso da neonatologia, impulsionados pela preocupação com

a organização do trabalho em saúde no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS),

os autores investiram no diagnóstico do processo de trabalho da enfermagem na

UTI neonatal, verificando a percepção da equipe sobre o

objeto/instrumentos/finalidade/produto final do seu trabalho (OLIVEIRA; LOPES;

COLLET, 2006).

O pressuposto de partida era o de que a equipe de enfermagem desconhece

o seu processo de trabalho, e, como consequência não presta um cuidado

humanizado, já que este requer do indivíduo o domínio de si próprio e das relações.

As unidades de análise identificadas a partir dos dados oriundos de entrevistas

indicam que a equipe de enfermagem possui uma compreensão precária acerca da

221

complexidade do seu processo de trabalho, uma vez que parece fragmentar os

elementos que o integram. Acresce-se ainda o fato de que tais elementos foram

percebidos de diferentes maneiras pelos sujeitos pesquisados, mostrando uma

diversidade de compreensão.

Estes aspectos configuram-se em obstáculos à integralidade da assistência

a clientela, que no caso das UTI é fortemente delimitada pelo cuidado clínico ao

recém-nascido com foco em instrumentais de alta tecnologia e desenvolvimento de

materiais, e as ações direcionadas às necessidades da criança e sua família são

parcelares e fragmentadas. Ressalta-se por fim a importância de se ampliar essa

clínica empobrecida, incluindo a família na perspectiva do cuidado (OLIVEIRA;

LOPES; COLLET, 2006).

Um estudo internacional de 2010 também traz subsídios para o

entendimento desta questão. Neste, intitulado “Le tour de lit aux soins intensifs:

représentations et prise d’information”, o interesse centrou-se na compreensão de

como se elabora a tomada de informação pela enfermeira durante sua atividade de

tour de lit para formular um diagnóstico e tomada de decisão. O tour de lit é um

momento em que a enfermeira que trabalha em setores de cuidados agudos, após

ter recebido a transmissão oral das informações pela enfermeira do período

precedente, realiza uma observação sistemática da pessoa cuidada, dos

equipamentos médicos que ela porta e dos tratamentos que estão sendo

administrados (TERRANEO; SEFERDJELI; DIBY, 2010).

As informações recolhidas durante a atividade devem permitir a avaliação

dos riscos vitais do paciente, e então possibilitar a antecipação da monitorização e

do comportamento a ser assumido nas horas seguintes. O estudo exploratório

mostrou, que ao contrário do que acontece com os documentos que prescrevem tal

222

atividade, que se organizam essencialmente por referência aos sistemas fisiológicos,

há uma variabilidade relativa aos elementos que a enfermeira toma em conta na

situação, no contato com o cliente.

Assim, os protocolos apesar de criarem um referencial operativo comum,

contribuindo para estruturar a atividade, não levam em conta as variáveis presentes

na realidade. Neste sentido, defende-se que a enfermeira deve desenvolver um

modo de raciocínio no qual coloca-se em ligação elementos de diferentes naturezas.

Logo, a tomada de informação em situação real não deve se apoiar na

representação a priori da tarefa, mas no funcionamento cognitivo da enfermeira em

situação real, abarcando os diversos aspectos implicados no paciente (TERRANEO;

SEFERDJELI; DIBY, 2010).

Esta discussão sobre a prática de cuidar ao cliente na terapia intensiva tem

espaço também no campo acadêmico, mormente quanto à formação e aquisição de

competências que atendam as exigências do exercício profissional neste cenário

frente às constantes mudanças no perfil de morbimortalidade brasileiro. Esta

formação deve abranger aspectos do processo saúde-doença, ético-legais, sociais e

humanitários.

Todavia, os documentos regulamentadores que embasam tal processo de

formação definem a assistência aos pacientes críticos como “pacientes graves com

comprometimento de um ou mais dos sistemas fisiológicos, com perda da auto-

regulação, necessitando substituição artificial de funções e assistência contínua”;

“pacientes graves que apresentam estabilidade clínica, com potencial risco de

agravamento do quadro e que necessita de cuidados contínuos”; “grave e

recuperável, com risco iminente de morte, sujeitos à instabilidade das funções vitais,

223

requerendo assistência de enfermagem e médica permanente e especializada”

(MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2006; COFEN, 2004).

Especificamente falando da formação da enfermeira, ressalta-se que ela

deve incluir:

além dos conteúdos que abrangem os desequilíbrios das funções orgânicas – que caracterizam a condição crítica de saúde- estratégias facilitadoras ao desenvolvimento de competências, em nível prático, que permitam a avaliação sistemática, interpretativa, evolutiva e articulada, objetivando o reconhecimento das situações atuais ou potenciais de deterioração clínica, a implementação precoce de intervenções eficazes e a avaliação das respostas a essas intervenções, assim como a identificação de recursos necessários ao manejo indicado àquela situação específica (LINO; CALIL, 2008, p.780).

Verifica-se, portanto, que muito embora reconheça-se as múltiplas

dimensões desse nível assistencial interdisciplinar, a formação da enfermeira para

atuar nessa área parece priorizar a gravidade do cliente e sua recuperação por meio

das ações clínicas na identificação das intercorrências/intervenções, ou de ações

que indiretamente contribuem para essa recuperação, como é o caso das

administrativas.

Essa assertiva tende a se confirmar quando se observam estudos que

tratam com mais detalhes acerca do perfil profissional e das competências para

trabalho neste local. Em recente publicação brasileira (2012) revisou-se os

periódicos de uma base de dados em saúde, no intento de saber quais são as

competências profissionais necessárias às enfermeiras que atuam em UTI. Isto

porque acredita-se que pelas suas características científicas e tecnológicas, as quais

demandam procedimentos complexos para manter a vida dos clientes, a UTI requer

enfermeiras que mobilizem competências específicas no decorrer das suas ações,

de maneira a desenvolver um trabalho eficaz.

224

O agrupamento dos estudos captados em unidades temáticas possibilitou a

emergência de tais competências, dentre as quais se destacam: gerenciamento do

cuidado de enfermagem, implementação do cuidado de enfermagem de maior

complexidade, tomada de decisão, liderança em enfermagem, educação

continuada/permanente, gerenciamento de recursos humanos e materiais e

comunicação (CAMELO, 2012). A despeito da comunicação com clientes e

familiares neste contexto das competências, esta aparenta ter uma presença tímida

frente a todos os outros elementos, já que estes vêm revestidos de um sentido

clínico voltado à melhora do cliente, através do acesso a determinadas qualidades

do profissional, principalmente aquelas de cunho técnico-científico.

Ainda nesta linha de entendimento acerca da formação, sublinham-se alguns

apontamentos feitos por Vargas e Ramos (2008) quando se colocam a favor de que

a UTI se conforma como um campo de conhecimentos e práticas. Então, afirmam

que a terapia intensiva se constitui como uma disciplina que tem seus pilares

instituídos na convergência do prestígio da ciência médica com o advento da

indústria tecnobiomédica, balizada em pressupostos teóricos do positivismo. À luz

disso, herda todo um modelo objetificado, subdividido e explicado por diferentes

áreas do saber, e que na atualidade se legitima pela incorporação de novas

tecnologias, como robótica, bioeletrônica, tecnobiomedicina, física médica, que

fortalecem a noção de evidência/verdade, e que, por consequência trazem

implicações de vulto na formação do profissional, como é o caso da enfermeira.

Os dados oriundos da análise de conteúdo articulados com a literatura

pertinente às temáticas que deles emergem levam a entender que as

representações sociais das enfermeiras sobre suas práticas de cuidar na terapia

intensiva em face das tecnologias se constroem ligadas à imagem do paciente no

225

CTI, cuja ideia sobre ele vai se elaborando durante o processo de formação

acadêmica. Tal ideia é baseada no princípio da gravidade/recuperação, o qual

organiza uma figura tipo de paciente do CTI objetivada na expressão “menina dos

olhos”, que indica que o paciente ideal é aquele grave/sedado/intubado em

condições de recuperação. Isso se observa já nas etapas práticas da formação, no

momento de escolher o paciente para cuidar.

Esta concepção dá origem a um tipo de cuidado que, intermediado pelo

saber clínico, valoriza as evidências e os dados objetivos, assim como todas as

atividades destinadas diretamente a essa recuperação do cliente. É o que acontece

com os afazeres ou procedimentos burocráticos, sobretudo os que se referem à

terapia medicamentosa, que se constituem em objeto frequente de atenção do

profissional, mormente os do turno diurno. Assim, há a priorização desta atividade e

de tudo que possa facilitar sua realização (a exemplo da retirada da monitorização

durante o banho para facilitá-lo), fazendo a enfermeira agir de maneira

protocolizada, pelo acesso ao seu “catálogo” ordenado de conhecimentos.

Por conseguinte, neste modelo a interação com o cliente é estritamente

clínica, e os clientes acordados que demandam uma interação mais aprofundada

não se alinham com essa lógica, sendo por vezes classificados como queixosos, ou

levando a enfermeira a perder a paciência com ele, já que não pode ficar de bate-

papo, conforme ilustra o relato de uma das depoentes.

Acrescenta-se também o papel importante exercido pela tecnologia, que

funciona como uma “máquina fotográfica” que produz por meio de códigos clínicos

um retrato objetivo do corpo do cliente necessário para o direcionamento das ações.

Isto explica em muitos casos a dependência criada ao seu redor pela enfermeira,

que a utiliza, como metaforicamente nos diz o depoente 21 como uma muleta que

226

supre sua ausência no leito para a obtenção e integração dos dados sobre o cliente.

Quando se alcança o restabelecimento do cliente, o produto do trabalho reflete-se

agora na imagem da enfermeira do CTI, que passa a ser admirada por salvar uma

vida a partir do conhecimento e preparo diferenciado, ratificando o senso comum e

sendo compartilhada pelas enfermeiras intensivistas (independente de suas

características).

Esses resultados manifestam a dimensão normativa das representações

sociais. Campos (2005) diz que as representações sociais funcionam como normas

grupais, modulando um determinado objeto social, isto é, estabelecendo as

prioridades que ele deve ter para que seja reconhecido como tal. Uma

representação social “é uma norma grupal, no sentido de que ela define (normatiza)

o que é para este grupo e não para outro grupo, o objeto em questão” (CAMPOS,

2005, p. 88). O autor (op. cit.) retrata este aspecto por meio de algumas pesquisas

reconhecidas, por exemplo:

para que um profissional possa ser considerado pelas enfermeiras como sendo um enfermeiro, ele deve realizar tarefas ligadas ao papel próprio e ao papel prescrito (Guimelli, 1994); para que um evento seja considerado uma tourada para os espanhóis, o touro deve morrer (Flament, 1994); para que um grupo de amigos seja um grupo ideal entre os franceses, ele deve ter igualdade de opiniões e ausência de chefe (Rateau, 1995) (CAMPOS, 2005, p. 88).

Por outro lado essas mesmas normas grupais produzem regras de conduta,

prescrevendo os comportamentos considerados frequentes ou comuns, os pouco

prováveis, mas justificáveis e aqueles que são inaceitáveis, pois vão de encontro

com o objeto social representado. As enfermeiras de terapia intensiva então, ao

definirem uma figura-tipo de paciente no CTI reafirmam o que é para elas o foco de

sua assistência neste setor, e a condição precípua para que tais clientes sejam

admitidos e lá se mantenham. Isso resulta na configuração de uma série de

227

comportamentos percebidos como comuns (uso da tecnologia e dos dados

objetivos) ou pouco prováveis (interação aprofundada) de acontecer que terminam

por caracterizar a dinâmica da assistência neste ambiente.

Diante do exposto é possível fazer menção aos dados presentes na classe

Alceste, com maior destaque para os das classes 1, 2, 3 e 5, na medida em que

acrescentam elementos que complementam a compreensão sobre a prática de

cuidar das enfermeiras na terapia intensiva relacionada a aspectos como: fatores

implicados no lidar com as tecnologias, na dinâmica das atividades assistenciais

(cuidado indireto/direto), na interação com o cliente e escolha dele, dentre outros.

No que tange ao trabalho da enfermeira no CTI, é comum perceber nas

conversas informais com os profissionais uma identificação com este trabalho,

conferindo-lhe um cunho positivo em grande parte dos relatos. Entretanto, há

consenso também de que o mesmo reveste-se de dificuldades quando se pensa nos

equipamentos aplicados e nas repercussões que trazem à assistência, no contato

permeado de sentimentos com os pacientes e familiares e em todas as tensões

envolvidas neste contexto.

Essas peculiaridades imbricadas no trabalho do CTI é fonte de diferentes

linhas de estudo. Já neste ano de 2012 uma publicação chama a atenção para estas

questões, a partir da tentativa de compreender os aspectos da dimensão pessoal do

processo de trabalho para as enfermeiras que atuam na UTI de um hospital

universitário do interior paulista. A pesquisa pautou-se no método fenomenológico

para análise dos depoimentos de 12 enfermeiras atuantes em UTI de São Paulo

(OLIVEIRA; SPIRI, 2012).

Assim, nesta análise aparece a dimensão pessoal do trabalho na UTI, dentro

da qual se destaca a sua faceta do desgaste e da desvalorização. O desgaste tem

228

origem no cansaço proveniente das ações críticas de cuidado desenvolvidas, bem

como pela relação com os clientes. Além disso, as condições de trabalho

inadequadas expressas na escala de atividades pelo número de profissionais

concorrem para a sobrecarga. Já a desvalorização advém da falta de

reconhecimento profissional e financeiro, elevada carga de trabalho, escalas difíceis

de serem cumpridas, que, por sua vez, impactam no nível de motivação (OLIVEIRA;

SPIRI, 2012).

Diante desta realidade problemática, o enfrentamento visando favorecer os

fatores de satisfação da enfermeira torna-se fundamental. Essas características

ligadas ao trabalho pressupõem então a vivência de sentimentos de sofrimento

pelas enfermeiras que atuam no CTI. Foi partindo desta premissa que Martins e

Robazzi (2009) se propuseram a investigá-los, por entender que ao desvelá-los é

possível definir estratégias no intento de amenizar seus efeitos nocivos. Sob o olhar

da psicodinâmica do trabalho, questionou-se enfermeiras que pertenciam ao quadro

ativo da UTI há pelo menos 1 ano sobre tais sentimentos de sofrimento.

O conteúdo das entrevistas conduziu a elaboração de uma categoria sobre o

sofrimento no trabalho, que esteve relacionado à morte dos clientes, principalmente

os jovens, ao sofrimento experienciado pelos familiares com a evolução dos

doentes, ao reconhecimento pelos colegas de equipe, a redução do número de

funcionários e consequente sobrecarga pelo alto índice de absenteísmo. Esses

determinantes de sofrimento veiculados denotam dificuldades na realização das

atividades pela enfermeira, sinalizando para sua interferência no âmbito da

assistência de enfermagem e de igual forma na saúde do trabalhador, suscitando

reconhecimento e reflexão (MARTINS; ROBAZZI, 2009).

229

O absenteísmo, por exemplo, é um problema que aponta indícios dos

inúmeros desafios que se apresentam na dinâmica de atuação da equipe de

enfermagem. Dentre os tipos de absenteísmo, o absenteísmo-doença é um dos

principais motivos para as faltas imprevistas nas unidades hospitalares. Nesta ótica,

Inone e colaboradores (2008) aprofundaram o olhar sobre o absenteísmo-doença

entre membros da equipe de enfermagem de uma UTI para adultos no estado do

Paraná. O estudo contou com 56 sujeitos e utilizou as escalas de trabalho mensais e

as folhas de justificativas de faltas obtidas junto aos recursos humanos.

A causa mais frequente da ausência no trabalho foi o absenteísmo-doença

(67%), seguida pelo absenteísmo voluntário (16,9%). Os autores acreditam que tal

índice está relacionado à complexidade do cuidado aos clientes no CTI, onde incide

o conhecimento, a tecnologia, taxa de ocupação elevada, intensificação laboral.

Foram perdidos 158 dias de trabalho por absenteísmo-doença, dos quais 38 foram

por enfermeiras, com idade igual ou superior aos 40 anos. Sugere-se assim atenção

aos estudos desta temática, buscando-se estabelecer interfaces com as condições

de trabalho e fatores de risco presentes no cotidiano da enfermagem, com vistas ao

planejamento de ações objetivando diminuir o absenteísmo-doença no setor.

Nesta direção foi que delineou-se esta pesquisa internacional desenvolvida

com uma população de enfermeiras de um hospital universitário, na qual a intenção

era testar os efeitos diretos e indiretos de variáveis identificadas na literatura para

explicar o absenteísmo no trabalho. Dentre as variáveis testadas estão: a autonomia

para a decisão no trabalho, o cansaço emocional e a satisfação no trabalho. Deste

modo, sinaliza-se para diferentes mecanismos que interferem na presença do

absenteísmo (VANDENBERGUE; STORDEUR; D’HOORE, 2009).

230

A autonomia de decisão, por exemplo, tem um efeito maior no modelo

testado, pois exerce um efeito direto sobre o absenteísmo, repercutindo-se

indiretamente na satisfação no trabalho, ou seja, a diminuição da autonomia

aumenta o cansaço emocional e reduz a satisfação no trabalho, indicando que tais

elementos não podem ser dissociados. Logo, conclui-se que o processo

motivacional é interdependente do processo de bem-estar e estresse decorrente das

demandas de trabalho. Já quanto à satisfação, considera-se que como a

insatisfação exprime uma reação emocional em relação ao ambiente de trabalho, ela

provoca um mecanismo de evitamento e noções negativas, o que explica o

absenteísmo como uma estratégia de adaptação (VANDENBERGHE; STORDEUR;

D’HOORE, 2009).

Em face desta revisão de estudos que se aglutinam para aprofundar o

debate das unidades de significação que compõem a análise do conteúdo, entende-

se que as representações sociais das práticas de cuidar se ligam a uma concepção

do trabalho no CTI fortemente marcada por uma visão negativa, na qual alguns

elementos contribuem para organizá-la, quais sejam: excesso de plantões, ritmo de

trabalho, carga emocional envolvida no contato com pacientes e familiares,

sobrecarga de atividades diárias, dentre outras.

A elaboração que se faz sobre a prática pautando-se na negatividade do

trabalho influencia no desenvolvimento da assistência, levando o profissional a se

inscrever numa tipologia classificatória de cuidado que reflete o seu nível de

comprometimento com o cliente – cuidado burocrático e pontual. Destarte, orienta

estilos de cuidar no qual a enfermeira não é tão assistencialista, por vezes para não

se envolver com o paciente - chamado de chato, falta capricho na execução de

procedimentos e técnicas, o profissional vê as coisas e finge que não vê

231

(negligência), não buscando qualificação para o uso da tecnologia, características

essas delineadas no relato dos entrevistados.

As representações revelam, portanto, as condições subjetivas que dizem

respeito à força de trabalho, e indicam, ao mesmo tempo, o sentido que a

experiência do trabalho assume na vida destes trabalhadores, envolvendo fatores

como estrutura sócio-econômica, cultura profissional, valores e a subjetividade de

quem trabalha. Jodelet retomou em 2006 a discussão sobre o lugar da experiência

vivida na formação das representações sociais. Segundo esta teórica, a experiência

vivida/subjetiva está diretamente vinculada a dimensão do vivido pelo sujeito, se

referindo a consciência que o sujeito tem do mundo onde ele vive.

Apoiando sua reflexão em alguns resultados de pesquisa, a autora define a

noção de experiência vivida como a maneira como as pessoas experimentam no seu

interior uma situação e a forma pela qual elas elaboram através de um trabalho

psíquico e cognitivo as repercussões positivas ou negativas destas situações e as

ações e relações que desenvolvem. Ao estabelecer os nexos entre a experiência e a

representação social refere que o primeiro fenômeno – vivido - reenvia a um estado

que o sujeito sente de maneira emocional, como o que ocorre com a experiência

estética ou amorosa. É um estado em que a pessoa é tomada pela emoção, mas

também um momento onde ela toma consciência de sua subjetividade, sua

identidade, podendo ser privado ou fazendo parte de uma coletividade/grupo social.

Ao lado desta dimensão vivida, a experiência comporta uma dimensão

cognitiva na medida em que ela favorece uma experimentação do mundo e sobre o

mundo, e concorre para a construção da realidade a partir de categorias que são

socialmente dadas. É nesse ponto que se liga com as representações sociais, visto

que os termos nos quais essa experiência vai se formular e sua correspondência

232

com a situação de onde ela emerge, toma por referência os elementos já

construídos e um estoque de saberes comuns que vão dar forma e conteúdo a esta

experiência, sendo ela mesma constitutiva do sentido que o indivíduo confere aos

eventos, situações, objetos e pessoas, mobilizando seu ambiente próximo e de vida.

Logo, a experiência é social (JODELET, 2006).

No âmbito da pesquisa em tela, na interface com esta ideia da experiência

subjetiva, parte-se da compreensão que as enfermeiras experimentam seu trabalho

no CTI de maneira emocional, vinculando a ele sentimentos negativos. Por outro

lado essa experiência é também social, construída baseada no acesso às

informações que circulam no meio acadêmico e profissional acerca do seu trabalho,

sejam elas formais (pesquisas) ou informais (conversas com os colegas), fato este

observado nos depoimentos através dos trechos: dizem que nós somos frias, eles

pensam: foi só mais um para eles, o medo dos colegas em lidar com a tecnologia.

Por fim, quando comparada com os dados provenientes da análise textual

proporcionada pelo Alceste e da observação sistemática, no tocante àqueles

presentes nas classes 4 e 6 relativo a positividade do trabalho e aos fatores

estruturais externos ao cuidado, evidencia-se na análise de conteúdo uma outra

esfera associada ao trabalho no processo de construção das representações sociais

sobre as práticas de cuidar .

233

Organizada a partir da formação profissional

Implica na valorização das evidências objetivas e realização de atividades protocolizadas

voltadas a recuperação do cliente

Organizada pela experiência individual (emocional) e pelas informações do meio acadêmico e profissional

(social)

Implica na desvalorização da assistência e na realização das atividades com menor

comprometimento com o cuidado do cliente

CONSTROI

COTIDIANO

RECONSTROI

Figura 18: Esquema explicativo 3 das RS sobre as práticas de cuidado da enf.ª na TI; Fonte: produção do pesquisador

Estilo de cuidar: elementos

do cuidado e ação

tecnológica

A experiência objetiva de formação

sobre o paciente modula a prática

assistencial

Concepção do paciente no CTI:

Paciente grave/sedado:

“menina dos olhos”

OBJETIVIDADE

MODOS DE FAZER

-Desvaloriza-se a interação

subjetiva/Valoriza-se a

interação clínica;

--Atenção aos afazeres

burocráticos (terapia

medicamentosa);

-Paciente classificado como

queixoso/perde-se a

paciência com ele;

-Atenção à tecnologia e seus

dados-“MULETA”; “RETRATO”

Tipologia de cuidado:

burocrático

IMAGEM DO PACIENTE DO CTI IMAGEM DO TRABALHO NO CTI

MODOS DE FAZER

-Não envolvimento com a

história do cliente;

-Menor cuidado com as ações

de cuidado direto;

-Dedica menos tempo a

assistência direta

Tipologia de cuidado:

pontual; burocrático

Estilo de cuidar: elementos

do cuidado e ação

tecnológica

Dimensão

normativa

das RS

Dimensão

da

experiência

vivida nas

RS

Concepção do trabalho no CTI:

Negatividade:

carga emocional; sobrecarga

SUBJETIVIDADE

A experiência da vivência subjetiva do

trabalhador modula a prática

assistencial

(Big Ben-Londres)

CAPÍTULO 6:

Considerações finais

235

Em vista da problemática delimitada e dos objetivos inicialmente propostos a

esta investigação, que orientaram a aplicação metodológica das técnicas de

produção e análise dos dados, foi possível o aprofundamento do objeto em torno do

qual se delineia esta pesquisa, qual seja as práticas de cuidado ao cliente

hospitalizado na terapia intensiva, face as representações sociais das enfermeiras

que dele cuida.

Nesta linha de entendimento, considerando o referencial teórico utilizado, ao

identificar as representações sociais de enfermeiras que atuam na terapia intensiva

sobre suas práticas de cuidado revelam-se os elementos que integram tais práticas

e que conformam, ao mesmo tempo, a perspectiva de ação assumida pelo

profissional. Então, as elaborações dos sujeitos sobre o fenômeno em tela trazem as

marcas dos seus estilos de cuidar. Sob esta ótica, face ao processo de análise e

interpretação, evidencia-se que as práticas de cuidado no CTI se apresentam como

um fenômeno complexo na medida em que incidem variados fatores, o qual gera

representações sociais nas seguintes dimensões: tecnologia, paciente e trabalho.

Tais dimensões compõem uma rede de significados que dão corpo a esta

representação:

1- A prática é representada pelo sentido funcional da tecnologia aplicada ao

CTI. Os usos a ela conferidos mediados pelos valores e identidade irão implicar em

uma tomada de atitude das enfermeiras em relação à busca do conhecimento e

aquisição dos atributos profissionais, a qual, por sua vez, irá configurar uma prática

frente à tecnologia, caracterizando assim duas linhas assistenciais;

2- As enfermeiras representam sua prática associando-a aos afetos que

recaem sobre o paciente. Os sentimentos produzidos pelo paciente na enfermeira as

levam a acessar uma dimensão simbólica (que envolve o cuidar com a tecnologia e

236

um modelo assistencial estruturado por funções) que dá origem seja a uma prática

objetivada e dividida por procedimentos desarticulados em que a demanda interativa

assume um cunho negativo, seja uma prática positiva e gratificante onde valorizam-

se os dados objetivos e subjetivos. Além disso, tal prática é construída à luz da

imagem do paciente ideal organizada na formação profissional, a partir da qual a

dimensão normativa determina uma prática situada na interação clínica, nos

afazeres burocráticos e na atenção à tecnologia e seus dados;

3- As representações sociais das práticas de cuidar emergem como produto

da experiência subjetiva do trabalhador. A negatividade impressa ao trabalho por ele

modula uma assistência com menor nível de comprometimento que expressa tal

vivência.

No processo de formação destas representações sociais observa-se

também a utilização de imagens ligadas principalmente à tecnologia e ao paciente

no CTI, tais como retrato (máquina fotográfica), dispositivo tradutor do corpo, muleta,

prótese, menina dos olhos, que realçam o protagonismo da tecnologia no cuidado a

um paciente típico de terapia intensiva.

Os conteúdos veiculados a partir da linguagem presente no discurso e

prática, e que se relacionam a tecnologia, ao paciente e ao trabalho no CTI,

caracterizam assim a dimensão do pensamento sobre a prática de cuidar, na qual os

valores e identidade profissional, os afetos/experiência emocional, as informações

científicas do meio acadêmico-profissional exercem papel importante nos sentidos

atribuídos a tais conteúdos, e que intermediados pela atitude, símbolos e normas

regem as relações que estes indivíduos mantêm com o seu meio físico e social,

concorrendo para constituir uma realidade comum a eles. Nesta perspectiva, as

enfermeiras de terapia intensiva pré-codificam sua realidade cotidiana, determinando

237

um conjunto de antecipações e expectativas ante o fenômeno, que funciona como

um sistema de interpretação socialmente compartilhado e orienta os

comportamentos do grupo quando diante do objeto, definindo sua identidade e

pertencimento.

Reiteram a relevância social da questão de pesquisa enquanto objeto de

representação social, já que encontra-se imbricada de forma consistente no

cotidiano do grupo de enfermeiras intensivistas, penetrando-o e sendo alvo de

intensas conversações.

No interesse desta pesquisa e no atendimento aos objetivos propostos, à

maneira como as representações se elaboram em vista dos fatores que influenciam

sua organização, ganha forma a dinâmica da prática dos sujeitos frente o objeto.

Esta prática, considerando seus aspectos constituintes, delimita linhas de ação

diferenciadas ou, por assim dizer, estilos de cuidar. Os estilos, resgatando os

construtos previamente identificados na pesquisa-dissertação se articulam em torno

das tecnologias incorporadas ao cliente, sendo denominados de cuidado e ação

tecnológica.

Os achados oriundos desta investigação demonstram então a dimensão da

ação implicada na representação social, retratando, ao mesmo tempo, seus

elementos constitutivos que contribuem para demarcar os seguintes estilos de

cuidar:

Cuidado tecnológico: a tecnologia apresenta um sentido pragmático,

fazendo-se uso da sua face cuidativa. Para tanto, a enfermeira busca estar próximo

do cliente, na tentativa de identificar suas necessidades a partir da associação de

dados objetivos provenientes da máquina e objetivos e subjetivos advindos do

cliente. Esta identificação se dá com base na avaliação, através da qual, utilizando-

238

se da interação clínica e subjetiva, o cliente é examinado no intuito de se prever e de

se direcionar os acontecimentos. Abrange o procedimento de interpretação dos

dados guiado pelo suporte teórico e conhecimento especializado (semiológico,

fisiopatológico, tecnológico), que conduzirá ao diagnóstico e intervenção.

Fundamenta-se no saber clínico e da enfermagem, e sua aplicação potencializa a

recuperação do cliente gerando um sentimento positivo no trabalho, que gratifica a

enfermeira e lhe confere admiração e status diante dos demais colegas. Essa prática

se alinha aos valores da profissão, fortalecendo o pertencimento e a identidade

social das enfermeiras intensivistas.

Ação tecnológica: a tecnologia apresenta um sentido organizativo/gerencial,

fazendo-se uso da sua face funcional administrativa. Como consequência, há um

nível de distância do cliente, no qual a tecnologia funciona como um recurso

fundamental que facilita o trabalho da enfermeira, na medida em que possibilita a

identificação à distância das alterações físicas no cliente. Sob esta ótica valorizam-

se as atividades de cunho burocrático, principalmente as relativas ao gerenciamento

da terapêutica medicamentosa com foco no restabelecimento clínico do estado de

saúde, as quais se desenvolvem de maneira desarticulada àquelas de cuidado direto

ao cliente, que assumem um caráter procedimental. Priorizam-se as evidências

objetivas fornecidas pelo maquinário e cliente, captadas com base na interação

clínica e no saber clínico, com pouco envolvimento subjetivo com o cliente.

Neste modelo há preferência pelos clientes classificados à luz da sua

condição de comunicação como mais graves, com distanciamento daqueles com

maior demanda interativa (menos graves). Em determinados momentos prevalece

uma visão negativa do trabalho apoiada em aspectos concernantes a sua estrutura,

a exemplo das condições de trabalho, sobrecarga, quantitativo de funcionários, que

239

se refletem numa conduta de passividade e resultam no menor comprometimento

com o cuidado do cliente. Sua aplicação vai de encontro aos valores da profissão,

enfraquecendo a pertença social.

No campo epistemológico os construtos se referem a ideias e termos

categoriais, princípios condutores, conceitos essenciais adotados em uma área de

estudo, cuja função é mediar a distinção do objeto, facilitar a conceituação das

relações do sujeito da pesquisa, favorecendo a delimitação do espaço de alcance da

verdade ou do campo de compreensão epistemológica dos resultados da

investigação. Assim, os construtos conduzem o pensamento investigativo,

delineando a concepção do que está em causa e assegurando a relevância do

objeto e o nível da construção científica.

No âmbito desta pesquisa optou-se de partida pela distinção entre cuidado e

ação tecnológica ao pressupor que os sujeitos estruturam suas práticas de cuidar na

terapia intensiva levando-se em conta as tecnologias lá presentes, e que suas

condutas profissionais se davam intermediadas por elementos que caracterizavam

uma perspectiva de ação frente ao objeto, dimensionando seu sentido para eles.

Então, norteando-se por estas premissas deduziu-se os termos orientadores da

investigação – cuidado e ação tecnológica, amparando-se na epistemologia do

cuidado de enfermagem, aqui compreendido como arte e ciência que implica no

estabelecimento de interação entre os sujeitos e que envolve uma ação técnica,

baseada no saber profissional e conhecimentos específicos, e sensível que abarca

os sentidos humanos, a subjetividade, a intuição, em vistas à promoção,

manutenção e recuperação da saúde e da dignidade humana.

Tais construtos são distintivos do fenômeno em tela, proporcionando

entender como os indivíduos se comportam perante a ele à luz da cotidianeidade da

240

terapia intensiva. Defende-se, portanto, a tese de que a tecnologia orienta a

organização de estilos de cuidar das enfermeiras na terapia intensiva - cuidado e

ação tecnológica, que se constroem e se reconstroem no cotidiano da assistência,

onde estão o cliente hospitalizado e o contexto do trabalho, os quais, por sua vez,

influenciam nos sentidos atribuídos por tais profissionais às suas práticas,

permitindo-os elaborarem e (re)elaborarem os seus modos de fazer profissional em

face das tecnologias, e constituindo, por fim, uma clínica que responde pela

especificidade da terapia intensiva.

A ilustração esquemática do campo da representação social revela os

significados presentes no discurso sobre o objeto que fundamentam a compreensão

da tese que ora se defende.

241

Valores e identidade profissional

CUIDADO TECNOLÓGICO AÇÃO TECNOLÓGICA

Evoca afetos e informações/ Experiência subjetiva ideias acadêmico-profissionais

AÇÃO TECNOLÓGICA CUIDADO TECNOLÓGICO

CUIDADO TECNOLÓGICO AÇÃO TECNOLÓGICA

Figura 19: Campo da RS sobre as práticas de cuidar das enf.ª na TI; Fonte: produção do pesquisador

Contexto do

trabalho

ELEMENTOS CONSTITUTIVOS DA CLÍNICA DO CUIDADO DE ENFERMAGEM NA TERAPIA

INTENSIVA

Saberes

especializados

LINHA DE AÇÃO

-Face cuidativa da

tecnologia;

-Proximidade do

cliente: dados

objetivos e

subjetivos;

-Orientado pelo

saber especializado-

busca do

conhecimento;

ESTILO DE CUIDAR

DIMENSÃO DA TECNOLOGIA DIMENSÃO DO PACIENTE

LINHA DE AÇÃO

-Menor envolvimento

com a história do

cliente;

-Menor cuidado com as

ações de cuidado

direto;

-Dedica menos tempo a

assistência direta

ESTILO DE CUIDAR

Tecnologia

RS: ATITUDE

RS:

SIMBÓLICO E NORMATIVO

DIMENSÃO DO TRABALHO NO

CTI

Funcionalidades da tecnologia:

Pragmática e Organizativa

-Condição de comunicação:

positividade e ocupação no trabalho

-Paciente tipo do CTI

Negatividade do trabalho:

Ritmo de trabalho, carga emocional

RS: EXPERIÊNCIA

VIVIDA

LINHA DE AÇÃO

-Face administrativa

da tecnologia;

-Distanciamento do

cliente para atividades

burocráticas;

-Tecnologia como

facilitador do trabalho

-Orientado pela

tarefa- não busca o

conhecimento;

ESTILO DE CUIDAR

LINHA DE AÇÃO

-Tecnologia como

potencializador da

recuperação do cliente;

-Interação como

instrumento de

apreensão das

necessidades

objetivas/subjetivas;

-Envolve avaliação,

interpretação,

diagnóstico,

intervenção;

-Resultado gera

sentimento

positiva/gratificação

ESTILO DE CUIDAR

LINHA DE AÇÃO

-Usa a tecnologia como

“muleta”/dependência;

-Valorizam-se as

evidências objetivas

captadas pela interação

clínica;

-Priorizam-se as ações

burocráticas

(medicamentos)

separadas do cuidado

direto;

-Prefere o paciente mais

grave, vinculado a um

sentimento positivo

ESTILO DE CUIDAR

Atividades à

executar Profissional de

TI

Interação Referenciais

assistenciais

Paciente de TI

TI

242

Diante do exposto na representação esquemática, verifica-se que as

características que marcam os estilos de cuidar direcionam a uma clínica na terapia

intensiva, definida como um campo de saberes e práticas biopsicossociais que

interagem de maneira circular e se refletem sobre os profissionais nos seus modos

de atuar. O marco conceitual desta clínica, enquanto estrutura guia que apoia e dá

sentido ao que se faz, se sustenta no referencial filosófico da enfermagem. Este está

centrado na interrelação de quatro conceitos que servem de base às ações da

profissão, e que constituem seus metaparadigmas:

Enfermagem como ciência e arte de cuidar para que o indivíduo alcance um

nível ótimo de saúde. Compreende o saber teórico da enfermagem, com seus

princípios e conceitos organizadores e o saber prático oriundo da experiência vivida;

o primeiro configura a construção científica e o segundo expressa a arte da

enfermagem.

O ser humano, visto como totalidade individual, singular, possui qualidades e

potencialidades física, intelectual, emocional, social e espiritual, dotado de intuição,

criatividade, sensibilidade. Ambiente e saúde se interrelacionam de modo a se

afetarem mutuamente. A saúde é percebida como um bem-estar físico, mental e

social, na qual existe um equilíbrio no organismo, e a doença, como um desequilíbrio

que ameaça a qualidade de vida e a segurança. O processo saúde-doença deriva da

relação do sujeito com o ambiente.

A apreensão do paradigma e metaparadigma da enfermagem, em vista dos

resultados alcançados nesta pesquisa, fomenta a proposição de conceitos dos

elementos envolvidos no marco conceitual da clínica na terapia intensiva.

243

Enfermagem- ciência e arte

Saberes especializados: instrumental acessado pelas enfermeiras para o

desenvolvimento das ações profissionais na terapia intensiva, que orienta a

aplicação de tecnologias no cuidado e o manejo clínico do cliente hospitalizado

neste ambiente, delineando a construção de um perfil para trabalho neste setor;

Atividades assistenciais: compreende um conjunto de ações de cunho

gerencial/administrativo e de atenção direta ao cliente, abarcando procedimentos

técnicos, avaliação e intervenção clínica, registros, suporte medicamentoso, diálogo,

uso de tecnologias dentre outros.

Interação: abrange o encontro e a comunicação, através da qual durante as

ações de cuidado a enfermeira apreende as necessidades do cliente e realiza

intervenções. Envolve referenciais clínicos e se pauta na intersubjetividade. Como

construtiva do cuidado, produz subjetividades que alicerçam a ciência/arte da

enfermagem. Em uma condição instrutiva (protocolar) guia-se somente pela

informação clínico-hemodinâmica produzida pelo maquinário;

Ambiente

Contexto de trabalho na terapia intensiva: cenário assistencial em que se

processa o trabalho da enfermeira na terapia intensiva, composto por

especificidades ambientais, estruturais e institucionais que interferem na prestação

de cuidados, através da geração de sentimentos positivos e negativos a partir da

experiência vivida pela enfermeira;

Tecnologia na terapia intensiva: instrumento potencializador da recuperação

do cliente aplicado pelas enfermeiras, que exerce uma função cuidativa e gerencial

na assistência, a partir de dados objetivos sobre o corpo do cliente enviado pelas

máquinas. Seu uso é mediado por valores e saberes profissionais;

244

Ser humano

Paciente de terapia intensiva: ser humano singular, que evoca afetos e

apresenta alguns caracteres que o definem como específico a este cenário. Requer

acompanhamento intensivo do processo saúde-doença através da utilização de

recursos avançados e demanda cuidados de enfermagem nas dimensões técnica e

sensível;

Enfermeira de terapia intensiva: profissional com conhecimentos formais,

científicos e especializados, portador de um conjunto de atributos profissionais,

presta cuidados de enfermagem a um indivíduo em estado crítico de saúde com o

auxílio de tecnologias, aliando técnica e sensibilidade com o objetivo de atingir sua

recuperação;

Saúde

Referenciais assistenciais: princípios norteadores ou ideias pautadas em

bases teórico-filosóficas no âmbito da saúde e da enfermagem que orientam a

constituição de linhas assistenciais na terapia intensiva.

Marco conceitual

A articulação destes conceitos forma um arcabouço – marco conceitual, que

dá origem a um modelo explicativo de uma clínica do cuidado de enfermagem na

terapia intensiva. Tal modelo tem como referência conceitual a ideia de sistemas que

se influenciam mutuamente, na qual os seres humanos, foco do cuidado de

enfermagem, estão em contínua interação com o ambiente e as pessoas que os

cercam. A alteração em um destes sistemas repercute-se nos outros. Deste modo:

“A clínica do cuidado de enfermagem na terapia intensiva tem como base a

interação entre seres humanos, a partir da qual, modulada pelos saberes

245

especializados e tecnologia, a enfermeira executa atividades assistenciais voltadas a

um paciente crítico, que expressam sua ciência e arte de cuidar e refletem as

características próprias do ambiente relativas ao trabalho e aos referenciais

assistenciais de saúde”.

Figura 20: Modelo explicativo da clínica do cuidado de enfermagem na TI

Levando-se em conta este modelo explicativo é possível traçar intervenções

que visem à melhoria na qualidade do cuidado prestado. Neste sentido, já que os

sistemas afetam-se mutuamente pressupõe-se que intervir, por exemplo, na

especificidade do contexto de trabalho impacta diretamente na interface entre a

enfermeira e o paciente de terapia intensiva.

246

Nesta direção, os resultados contribuem para a geração potencial de

políticas públicas acerca da contratação de pessoal para atuar nestes locais, na

medida em que indicam como as condições de trabalho inadequadas, com números

insuficientes de funcionários influenciam no modo como a assistência é

desenvolvida, conduzindo a estilos de cuidar que trazem prejuízos a clientela.

Uma política que privilegiasse um maior quantitativo de enfermeiras

produziria reflexos imediatos na prática, subsidiando uma mudança no modelo de

organização da assistência de enfermagem baseado na perspectiva da

integralidade, já que na atualidade as atividades burocráticas, a tecnologia e seus

dados têm primazia durante o fazer profissional.

Então, coloca-se a favor de um modelo fundamentado no indivíduo, através

da proximidade da enfermeira ao cliente, com tempo suficiente para identificar e

atender às suas necessidades na esfera técnica e expressiva de maneira articulada.

Este deslocamento do sistema dos referenciais assistenciais de saúde traria

interferência na expressão da ciência e arte da enfermagem, certamente

proporcionando uma maior qualidade às ações.

Além disso, por ocasião desta contratação, tal política deve se alinhar às

exigências da especialização do conhecimento, enfatizando, portanto, a importância

do perfil profissional congruente ao cenário. Assim, os dados reiteram outras

investigações que tratam do perfil profissional de atuação no CTI. Logo, em virtude

da necessidade de conhecimentos especializados e atualizados a enfermeira há de

apresentar determinadas qualidades/atributos.

Quanto ao sistema que envolve a interação entre a enfermeira e o paciente

na terapia intensiva, este trabalho implica na discussão sobre a humanização x

desumanização, cuidado x descuidado que se estabelece em relação a assistência

247

de enfermagem no CTI. Indica, neste ínterim, que este debate não pode ser

polarizado ou caracterizado a priori, pois ao demonstrar os aspectos que interferem

na configuração dos estilos de cuidar, como é o caso das condições de trabalho e

as relações interprofissionais, aponta o trânsito de comportamento das enfermeiras

que permeia tais estilos à luz da cotidianeidade.

Sob esta ótica, uma das intervenções que se recomenda é o maior

investimento em ações efetivas da Política Nacional de Humanização (PNH)

existente, segundo a qual todos os sujeitos são (co)partícipes do processo de saúde,

incluindo neste cuidado também os profissionais.

O enfoque do trabalho de grupo em articulação com a noção de

humanização é uma estratégia que pode ser adotada pelos profissionais de

enfermagem que trabalham nessa unidade e enfrentam grande tensão e estresse. É

deveras interessante criar um espaço para reflexão no próprio ambiente de trabalho,

onde todos os trabalhadores possam estabelecer práticas pautadas pelo diálogo,

refletindo sobre os principais conflitos que ocorrem no cotidiano e propondo

melhorias através do estabelecimento de negociações. Esta reflexão deve ainda

colaborar para a (re)interpretação desta realidade pelos sujeitos, mormente acerca

de algumas ideias ligadas ao paciente e ao seu trabalho, com o intuito final de

promover um cuidado seguro e ético.

Estratégias como estas fazem com que os profissionais lidem melhor com as

tensões diárias, garantindo assim a saúde não somente dos usuários, mas dos

profissionais que têm atendidas as suas necessidades. Convergem, por sua vez,

com a área que congrega a saúde do trabalhador, na interface com a subjetividade

que medeia o trabalho no CTI.

248

A enfermeira portadora de saberes especializados enquanto integrante do

sistema individual que expressa a ciência da enfermagem através da execução de

atividades assistenciais, requer formação continuada que acompanhe a velocidade

de avanço do conhecimento, abarcando as múltiplas demandas de um cuidado a um

paciente que utiliza tecnologias. O estudo, ao remeter às especialidades, neste caso

a da Enfermagem em Terapia Intensiva, suscita ações diretivas voltadas à formação

permanente das enfermeiras intensivistas e a reflexão quanto aos referenciais

teórico e filosóficos que a orientam, visto que pode conduzir a uma tipificação do

cliente de CTI e dar origem a um modelo assistencial fortemente desintegrado e

centrado basicamente na doença objetiva e nas suas evidências clínicas.

Ressalta-se, por fim, as contribuições aos fundamentos do cuidado de

enfermagem, pois o detalhamento desta clínica além de proporcionar o

aprofundamento da prática assistencial, justifica determinados formatos

empreendidos no cuidado ao cliente, frequentemente alvo de críticas pela sua

incompreensão, ajudando, portanto, a melhor balizar tal debate, e,

consequentemente, trazendo avanços teóricos a esta área do conhecimento que

inclui as técnicas, tecnologias e cuidados fundamentais.

Em se tratando dos limites, reconhece-se que os dados apresentados

guardam nexos com o contexto situacional escolhido não cabendo generalizações,

já que as representações sociais respondem pelas características dos grupos que a

constroem. A despeito disso, a realização de outras pesquisas que explorem

cenários de terapia intensiva de instituições públicas e privadas permitirá ampliar o

número de participantes, com maior abrangência dos resultados, mais parâmetros

de comparação e possibilitando explorar outras vertentes relacionadas aos estilos de

cuidar e a clínica que possam não ter ganhado evidência neste estudo. Quanto as

249

possibilidades, sugerem-se novos estudos experimentais que abordem as variáveis

psicossociais que se destacaram nesta análise, assim como os construtos cuidado e

ação tecnológica, dando condições para identificar/validar as diferenças na

construção do objeto em vista destas marcas sociais.

250

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APÊNDICES

262

APÊNDICE 1: ROTEIRO DA OBSERVAÇÃO SISTEMÁTICA

Data: ..../..../....

Hora de Início: ................

Hora de término: .................

O que será observado:

a) Como as enfermeiras se comportam (agem) durante a realização dos

cuidados de enfermagem de rotina ao cliente hospitalizado na terapia intensiva.

b) Como é a dinâmica estabelecida pelas enfermeiras, quando durante a

prática de cuidar é necessário o manuseio de aparatos tecnológicos (monitor,

respiradores, bomba infusora, marcapasso etc.), ou realização de intervenções, para

as quais seja necessário o uso e manuseio de recursos tecnológicos.

c) As expressões corporais, principalmente faciais, das enfermeiras antes,

durante e depois dos cuidados de enfermagem ao cliente hospitalizado na terapia

intensiva.

d) A forma de abordagem ao cliente, os assuntos das conversas e diálogo

entre as enfermeiras durante os cuidados de enfermagem ao cliente hospitalizado

na terapia intensiva.

263

APÊNDICE 2: ROTEIRO DE COLETA DE DADOS SÓCIO-

DEMOGRÁFICOS

*Dados pessoais e profissionais -Nome: -Sexo: -Estado Civil: -Filhos: -Idade: -Religião -Número de empregos: (Em caso de outro emprego citar qual) -Tempo de formação profissional: -Setores e tempo de atuação desde a formação: - Tem Especialização? *Lato sensu (especificar qual) completo ( ) em andamento ( ) *Strictu sensu (especificar a Linha de Pesquisa) completo ( ) em andamento ( ) -Regime de trabalho *12x60 *12x36 *Diarista *20 horas semanais *Outros (citar qual) -Tempo de trabalho no setor atual:

-Turno de trabalho: -Número de clientes em média sob sua responsabilidade: -Este foi o setor de sua escolha? Em caso de sim, por que? Em caso de não

por que?

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APÊNDICE 3: ROTEIRO DE ENTREVISTA SEMI-ESTRUTURADA

1- Quando eu falo “Tecnologia e cuidado de enfermagem na TI”, o que você teria

a dizer sobre isso?

2- A tecnologia exerce alguma influência no modo como a enfermeira se

comporta/age frente ao cuidado do cliente? Se sim, quais? Se não por quê?

3- Todo mundo cuida da mesma maneira ou você acha que existem diferenças

nos modos de cuidar entre as enfermeiras, frente ao cliente no ambiente da

terapia intensiva, considerando às tecnologias? Quais? Que diferenças são

essas? Como você lida com estas diferenças?

4- E você, possui um estilo de cuidar próprio diante do cliente aqui da terapia

intensiva? Qual seria seu estilo de cuidar? Fale um pouco sobre ele.

Pergunta correlata: O que originou esse estilo ou tipo de cuidado?

5- A tecnologia faz parte do seu estilo de cuidar? Em que medida? Como é sua

relação com ela? E seus colegas, como a tecnologia integra as práticas de

cuidar deles?.

6- Alguns estudos, por exemplo, apontam que muitas enfermeiras intensivistas

cuidam somente tendo em vista a máquina, esquecendo de olhar diretamente

para o paciente no intuito de identificar suas necessidades. O que você acha

disso (do que falam sobre as práticas de cuidar da enfermagem na terapia

intensiva)?

7- Alguma coisa te preocupa em relação às práticas de cuidar das enfermeiras

na terapia intensiva? Há problemas? O que faz em relação a tais problemas

ou preocupações?

265

8- O que você acha que estas outras enfermeiras, não intensivistas, pensam

sobre as práticas de cuidar da enfermagem na terapia intensiva?

9- Fale um pouco da experiência, de como é para você a prática de cuidar de

clientes criticamente enfermos que se utilizam de tecnologias no ambiente da

terapia intensiva. (O que te facilita e o que te dificulta?)

10- E as outras enfermeiras intensivistas, como você acha que elas vivenciam a

prática de cuidar de clientes criticamente enfermos que se utilizam de

tecnologias no ambiente da terapia intensiva

11-Na sua opinião, que características compõem o cuidado de enfermagem a ser

realizado no ambiente da terapia intensiva? Se tivesse que estabelecer uma

ordem, quais seriam os aspectos fundamentais para o cuidado de

enfermagem na terapia intensiva?

12-Como acha que os clientes se sentem diante dos modos de cuidar das

enfermeiras intensivistas?

13- Como seria o estilo de cuidar que mais atende ao perfil do cliente internado

no ambiente da terapia intensiva?

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APÊNDICE 4: TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO

Prezado Sr (a):

Estou desenvolvendo uma pesquisa com duração prevista de 3 anos, cujas informações

irão compor uma tese do curso de Doutorado da Escola de Enfermagem Anna Nery - Universidade Federal do Rio de Janeiro, sob orientação da professora Dr.ª Márcia de Assunção Ferreira. Seus objetivos são identificar o que enfermeiros que atuam em Unidades de Terapia Intensiva pensam sobre suas práticas de cuidado em face das tecnologias ao cliente que lá se encontra internado, analisando a partir disso a forma com que agem, com vistas à delinear os estilos de cuidar predominantes neste ambiente.

A importância está fundamentada no fato de possibilitar refletir sobre este profissional e o cuidado prestado por ele nos ambientes onde o avanço tecnológico é preponderante, trazendo assim contribuições para o avanço científico acerca dos cuidados de enfermagem.

Se o Sr (a) concordar em participar, será realizada uma entrevista com duração média de uma hora, utilizando como auxílio o gravador, e, além disso, será feita uma observação durante o desenvolvimento das suas práticas de cuidado ao cliente internado neste setor. As fitas gravadas serão guardadas por 5 anos, e ao final deste tempo serão destruídas.

Esclareço que a participação neste estudo não implicará em riscos físicos, sociais ou psicológicos e nem em gastos financeiros de sua parte, uma vez que os dados serão coletados através de entrevista e observação no seu próprio local de trabalho. Também não haverá benefício financeiro. Os resultados comporão a tese e poderão ser publicados em revistas científicas, no entanto, a sua identidade será preservada, pois os depoimentos serão codificados de modo que o seu anonimato seja mantido. Será disponibilizada no setor da pesquisa, bem como no Comitê de Ética da instituição e na Biblioteca da Escola de Enfermagem Anna Nery, uma cópia da tese final contendo os resultados do estudo para que todos possam consultar.

O Sr (a) não é obrigado a participar se não o desejar. Caso não queira participar, o Sr (a) continuará a desempenhar suas atividades normalmente, sem nenhuma interferência do pesquisador. Se o Sr (a) aceitar participar e depois mudar de idéia, poderá sair a qualquer momento sem prejuízos ou sanções.

Em caso de dúvidas entre em contato através do telefone que consta em anexo. Este termo de consentimento explica o estudo que estamos realizando. Por favor, leia com atenção, e faça perguntas sobre qualquer coisa que não tenha entendido. Caso não tenha perguntas neste momento, poderá fazê-las posteriormente. Procure estar ciente de todas as suas opções antes de assinar este Termo. Você receberá uma cópia deste termo onde consta o telefone/email e o endereço do pesquisador principal, e demais membros da equipe, podendo tirar suas dúvidas sobre o projeto e sua participação.

A sua assinatura abaixo, significa que o (a) Sr (a) entendeu a informação fornecida sobre o estudo e este Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Ao assinar este Termo o (a) Sr (a) estará concordando em participar do estudo. Nome-------------------------------------------------------------------------------------------------------- Endereço--------------------------------------------------------------------------------------------------- Assinatura do sujeito da pesquisa---------------------------------------------------------------- Assinatura do responsável pela pesquisa------------------------------------------------------ Local e data------------------------------------------------------------------------------------------------

Pesquisadores: *Rafael Celestino da Silva Endereço: Avenida Nossa Senhora de Copacabana nº 1181/504 Copacabana - Rio de Janeiro Telefone - 2227-6696/8674-9683 [email protected] *Márcia de Assunção Ferreira Endereço: Rua Afonso Cavalcanti, nº 275 Cidade Nova - Rio de Janeiro Telefone - 2293-8999/ 8563-2640 [email protected]