NÚMERO 7 O MESMO ENREDO DE VELHOS CARNAVAIS …€¦ · E que, cada vez mais, conquista a ferro e...

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>> GT racismo Publicação trimestral do Ministério Público de Pernambuco Ana Paula Maravalho* O carnaval é a período do ano em que a cultura negra é chamada a ocupar o lugar de personagem principal no enredo da reprisada comédia da democracia racial brasileira. À frente das baterias de escolas de samba no Rio de Janeiro, comandando os blocos e trios elétricos em Salvador ou ainda embalada pelo baque sincopado dos maracatus no Recife, a imagem de uma cultura negra “de origem africana, mas legitimamente brasileira” ocupa o horário nobre dos noticiários, novelas e transmissões especiais em todos os canais televisivos, com direito à retransmissão internacional. Nestes quinze minutos de fama anuais, louvamos como nunca a nossa famosa miscigenação e o magnífico legado da África aos brasileiros: nosso inconfundível rebolado, nossa internacionalmente valorizada sensualidade, nosso ritmo inato do qual tanto nos orgulhamos... E se as imagens globalizadas teimam em mostrar cada vez menos rostos negros nesses espaços, pouco importa: afinal, o principio basilar da democracia racial é que a cor não impede o reconhecimento dos talentos individuais; logo, o aumento do coeficiente de brancura nos espaços anteriormente identificados à cultura negra - escolas de samba, trios elétricos e a batucada do maracatu - é sinal de que há um enegrecimento de mesma intensidade nos espaços outrora identificados à cultura branca - como os cargos de direção no setor público e privado. Este é a mensagem subjacente à veiculação daquelas imagens. Mas passado o carnaval, quando a cultura negra volta a subir o morro, a se entranhar nas favelas e a ocupar os becos, terreiros e quintais, incomodando os vizinhos com o barulho e a desordem que emanam da sua sobrevivência fora dos holofotes, perde o status de “cultura legitimamente brasileira” e volta a ser apenas a música e a religião de negros. E é neste papel de coadjuvante - e às vezes mesmo de figurante - que a outrora festejada “cultura negra” desempenhará as cenas cotidianas de discriminação, desrespeito, desvalorização, ostracismo. A relação esquizofrênica dos brasileiros com parte significativa de sua cultura,pode ser explicada através de um mergulho no intrincado emaranhado da produção acadêmica, desde sempre ocupada na formulação e defesa de uma teoria capaz de explicar e justificar a diversidade nacional. Na verdade, vem dos estudos sobre o negro a tradição de considerar a questão racial a partir de uma perspectiva culturalista, que substitui as contradições sociais do racismo pelo “choque ou harmonia entra culturas”. Segundo Clóvis Moura, ao dissociar a cultura negra do ethos nacional, estes estudos privilegiaram o aspecto etnográfico em detrimento do significado organizativo e contestatório do status quo da escravidão e da desigualdade racial que as manifestações negras desempenharam ao longo da história. A visão da cultura negra como o conjunto de elementos exóticos que atestam as diferenças entre África e Europa origina-se e se alimenta desta perspectiva culturalista. O mito da democracia racial é parte integrante da identidade nacional – portanto, da O MESM O ENREDO DE VELHOS CARNAVAIS NÚMERO 7 MARÇO 2007 Vencer estereótipos é um dos grandes desafios no combate a qualquer tipo de preconceito. A passos muito lentos, a causa da afro-descendência no Brasil vem ganhando um pouco mais de visibilidade, mas ainda permanece uma série de noções de senso comum que, por exemplo, reduzem a identida- de cultural desta parte da população às manifestações sazonais que ganham a mídia principalmente no Carnaval. Maracatu, afoxé, batucadas, samba, fazem, sim, parte da identidade afro-brasileira. Mas, de maneira nenhuma, a cultura de toda uma popula- ção pode ficar restrita a uma visão que quase a iguala ao folclore – como se tudo o que se fizesse neste campo hoje dependesse de um passado estático, repetido na atualidade sem qualquer reflexão ou interferência de quem o produz. Entrevistada nesta edição do GT Racismo, a mestre em História Valéria Costa ressalta que cultura é muito mais do que manifestação cultural, e que o desfile de um maracatu nas ruas do Recife é apenas a ponta mais visível de um processo de construção de identidade que garante a própria sobrevivên- cia da comunidade e a reinvenção constante de sua cultura. Também nesta edição, o artigo da coordenadora do Observatório Negro, Ana Paula Maravalho, avalia a valorização de que a “cultura negra” desfruta apenas quando sob os holofotes do Carnaval, e rechaça a visão da problemática racial sob o ponto de vista culturalista que, entre outras coisas, costuma opor o “primitivismo negro” à “sofisticação branca”. Neste contexto, mais do que nunca a aplicação da Lei 10.639 é necessá- ria para que se superem os estereótipos, e através dele, os preconceitos. Cultura além do Carnaval Senso comum reduz a cultura ligada à afro-descendência ao folclore, a uma noção errônea de que tal produção cultural parou no tempo e sobrevive apenas da repetição cega. 8 - GT RACISMO - NÚMERO 7 - MARÇO 2007 cultura. Nada mais natural, então, que seja mantido e recriado continuamente neste espaço. Não por acaso, o padrão das relações raciais harmônicas e baseadas na submissão voluntária de escravos a senhores bondosos, veiculada incessante e repetidamente pelas telenovelas deriva em linha direta do escamoteamento das contradições estruturais do racismo presentes em “Casa Grande e Senzala” . Nossa idéia de cultura negra nos remete instintivamente a um conjunto de expressões associadas a um padrão oposto ao da cultura européia ou ocidental. É interessante perceber como esta associação se estabelece de forma valorativa, em que o que é considerado “cultura negra” relaciona-se visceralmente a um conceito primal, primitivo, reservando à “cultura européia” o conceito de sofisticação, de evolução. Sob esta falsa premissa, identificando automaticamente a música negra à percussão, somos surpreendidos pela genialidade de músicos negros como Moacir Santos ou Inaycira Falcão, surpresa causada pela nossa absoluta ignorância da riqueza melódica da música africana. Por considerarmos a arte africana “tribal”, sentimos um certo desconforto diante da constatação de sua enorme influência sobre movimentos europeus como o cubismo. Finalmente, devemos ter em mente que a cultura é dinâmica e dialética, e se refere não apenas às tradições do passado, mas também ao que se produz contemporaneamente. Aqui compreendemos melhor a predominância de uma certa compreensão de “cultura negra” sobre outra, quando percebemos o verdadeiro embate ideológico inserido na cultura produzida pelo negro. Embate que sempre esteve evidente no inconformismo, na denúncia racial e política feita pelo samba, pela literatura negra contemporânea, pelo teatro negro da estirpe do Bando de Teatro Olodum e do saudoso Teatro Experimental do Negro. E que, cada vez mais, conquista a ferro e fogo o espaço acadêmico – para, quem sabe, lançar as bases de uma verdadeira cultura brasileira que não se envergonhe de sua diversidade. * Coordenadora gestora do Observatório Negro e Mestra em Direitos Humanos pela Universidade de Paris

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GTracismo Publicação trimestral do Ministério Público de Pernambuco

Ana Paula Maravalho*

O carnaval é a período do ano em que a cultura negra é chamada a ocupar o lugar de personagem principal no enredo da reprisada comédia da democracia racial brasileira. À frente das chamada a ocupar o lugar de personagem principal no enredo da reprisada comédia da democracia racial brasileira. À frente das chamada a ocupar o lugar de personagem principal no enredo da

baterias de escolas de samba no Rio de Janeiro, comandando os blocos e trios elétricos em Salvador ou ainda embalada pelo baque sincopado dos maracatus no Recife, a imagem de uma cultura negra “de origem africana, mas legitimamente brasileira” ocupa o horário nobre dos noticiários, novelas e transmissões especiais em todos os canais televisivos, com direito à retransmissão internacional.

Nestes quinze minutos de fama anuais, louvamos como nunca a nossa famosa miscigenação e o magnífi co legado da África aos brasileiros: nosso inconfundível rebolado, nossa nunca a nossa famosa miscigenação e o magnífi co legado da África aos brasileiros: nosso inconfundível rebolado, nossa nunca a nossa famosa miscigenação e o magnífi co legado da

internacionalmente valorizada sensualidade, nosso ritmo inato do qual tanto nos orgulhamos... E se as imagens globalizadas teimam em mostrar cada vez menos rostos negros nesses espaços, pouco importa: afi nal, o principio basilar da democracia racial é que a cor não impede o reconhecimento dos talentos individuais; logo, o aumento do coefi ciente de brancura nos espaços anteriormente identifi cados à cultura negra - escolas de samba, trios elétricos e a batucada do maracatu - é sinal de que há um enegrecimento de mesma intensidade nos espaços outrora identifi cados à cultura branca - como os cargos de direção no setor público e privado. Este é a mensagem subjacente à veiculação daquelas imagens.

Mas passado o carnaval, quando a cultura negra volta a subir o morro, a se entranhar nas favelas e a ocupar os becos, terreiros e quintais, incomodando os vizinhos com o barulho e a desordem que emanam da sua sobrevivência fora dos holofotes, perde o status de “cultura legitimamente brasileira” e volta a ser apenas a música e a religião de negros. E é neste papel de coadjuvante - e às vezes mesmo de fi gurante - que a outrora festejada “cultura negra” desempenhará as cenas cotidianas de discriminação, desrespeito, desvalorização, ostracismo.

A relação esquizofrênica dos brasileiros com parte signifi cativa de sua cultura,pode ser explicada através de um mergulho no intrincado emaranhado da produção acadêmica, desde sempre ocupada na formulação e defesa de uma teoria capaz de explicar e justifi car a diversidade nacional. Na verdade, vem dos estudos sobre o negro a tradição de considerar a questão racial a partir de uma perspectiva culturalista, que substitui as contradições sociais do racismo pelo “choque ou harmonia entra culturas”. Segundo Clóvis Moura, ao dissociar a cultura negra do ethos nacional, estes estudos privilegiaram o aspecto etnográfi co em detrimento do signifi cado organizativo e contestatório do status quo da escravidão e da desigualdade racial que as manifestações negras desempenharam ao longo da história. A visão da cultura negra como o conjunto de elementos exóticos que atestam as diferenças entre África e Europa origina-se e se visão da cultura negra como o conjunto de elementos exóticos que atestam as diferenças entre África e Europa origina-se e se visão da cultura negra como o conjunto de elementos exóticos

alimenta desta perspectiva culturalista. O mito da democracia racial é parte integrante da identidade nacional – portanto, da

O MESMO ENREDO DE VELHOS CARNAVAISNÚMERO 7MARÇO 2007

Vencer estereótipos é um dos grandes desafios no combate a qualquer tipo de preconceito. A passos muito lentos, a causa da afro-descendência no Brasil vem ganhando um pouco mais de visibilidade, mas ainda permanece uma série de noções de senso comum que, por exemplo, reduzem a identida-de cultural desta parte da população às manifestações sazonais que ganham a mídia principalmente no Carnaval.

Maracatu, afoxé, batucadas, samba, fazem, sim, parte da identidade afro-brasileira. Mas, de maneira nenhuma, a cultura de toda uma popula-ção pode ficar restrita a uma visão que quase a iguala ao folclore – como se tudo o que se fizesse neste campo hoje dependesse de um passado estático, repetido na atualidade sem qualquer reflexão ou interferência de quem o produz.

Entrevistada nesta edição do GT Racismo, a mestre em História Valéria Costa ressalta que cultura é muito mais do que manifestação cultural, e que o desfile de um maracatu nas ruas do Recife é apenas a ponta mais visível de um processo de construção de identidade que garante a própria sobrevivên-cia da comunidade e a reinvenção constante de sua cultura.

Também nesta edição, o artigo da coordenadora do Observatório Negro, Ana Paula Maravalho, avalia a valorização de que a “cultura negra” desfruta apenas quando sob os holofotes do Carnaval, e rechaça a visão da problemática racial sob o ponto de vista culturalista que, entre outras coisas, costuma opor o “primitivismo negro” à “sofisticação branca”.

Neste contexto, mais do que nunca a aplicação da Lei 10.639 é necessá-ria para que se superem os estereótipos, e através dele, os preconceitos.

Cultura além do Carnaval

Senso comum reduz a cultura ligada à afro-descendência ao folclore, a uma noção errônea de que tal produção cultural parou no tempo e sobrevive apenas da repetição cega.

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cultura. Nada mais natural, então, que seja mantido e recriado continuamente neste espaço. Não por acaso, o padrão das relações raciais harmônicas e baseadas na submissão voluntária de escravos a senhores bondosos, veiculada incessante e repetidamente pelas telenovelas deriva em linha direta do escamoteamento das contradições estruturais do racismo presentes em “Casa Grande e Senzala” .

Nossa idéia de cultura negra nos remete instintivamente a um conjunto de expressões associadas a um padrão oposto ao da cultura européia ou ocidental. É interessante perceber como um conjunto de expressões associadas a um padrão oposto ao da cultura européia ou ocidental. É interessante perceber como um conjunto de expressões associadas a um padrão oposto ao

esta associação se estabelece de forma valorativa, em que o que é considerado “cultura negra” relaciona-se visceralmente a um conceito primal, primitivo, reservando à “cultura européia” o conceito de sofi sticação, de evolução. Sob esta falsa premissa, identifi cando automaticamente a música negra à percussão, somos surpreendidos pela genialidade de músicos negros como Moacir Santos ou Inaycira Falcão, surpresa causada pela nossa absoluta ignorância da riqueza melódica da música africana. Por considerarmos a arte africana “tribal”, sentimos um certo desconforto diante da constatação de sua enorme infl uência sobre movimentos europeus como o cubismo.

Finalmente, devemos ter em mente que a cultura é dinâmica e dialética, e se refere não apenas às tradições do passado, mas também ao que se produz contemporaneamente. Aqui compreendemos melhor a predominância de uma certa compreensão de “cultura negra” sobre outra, quando percebemos o verdadeiro embate ideológico inserido na cultura produzida pelo negro. Embate que sempre esteve evidente no inconformismo, na denúncia racial e política feita pelo samba, pela literatura negra contemporânea, pelo teatro negro da estirpe do Bando de Teatro Olodum e do saudoso Teatro Experimental do Negro. E que, cada vez mais, conquista a ferro e fogo o espaço acadêmico – para, quem sabe, lançar as bases de uma verdadeira cultura brasileira que não se envergonhe de sua diversidade.

* Coordenadora gestora do Observatório Negro e Mestra em Direitos Humanos pela Universidade de Paris

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>>>A Prefeitura Municipal de Olinda e a Fundação do Pa-trimônio Histórico e Artístico de Pernambuco (Fundarpe) vão apoiar a realização do Fó-rum Estadual de Comunidades Quilombola e Políticas Públi-cas - Arte e Cidadania, que acontece nos dias 14 e 15 de maio no Centro de Convenções de Pernambuco. A organiza-ção do encontro está a cargo do Ministério Público de Per-nambuco e Conselho Regional de Medicina (Cremepe), que têm o objetivo de colocar em contato Promotores de Justiça e representantes de todos os municípios onde existem quilombolas com os líderes das comunidades de Per-

apresentem soluções baseadas no que a legislação vigente no País já determina.

>>> A valorização da cultura de origem afro no Brasil passa pela reeducação da população como um todo, como prevê a Lei 10.639, que desde 2003 obriga as instituições educacionais do País a incluir em seus currículos o ensino da cultura e história afro-brasilei-ras nas turmas de ensino médio e fundamental. A Lei ainda está em fase de implantação, mas iniciativas em Pernambuco já se adiantam na busca por este ob-jetivo. Concluído em 2006, a primeira turma do Curso de Pós-Graduação Latu Sensu em Pedagogia Afi rmati-va: Educação, Cultura e História na perspectiva afro-brasileira formou sua primeira turma na Faculdade de Formação de Professores de Goiana e produziu profi ssionais capacitados para iniciar esta mudança de realidade em seus municípios de origem.

(Food and Agricultural Organization), órgão da Organização das Nações Unidas (ONU).

PALESTRAO Ministério Público de Pernambuco (MPPE), em parceria com o Consulado Americano em Recife, recebeu em 7 de dezembro a professora de Políticas Públicas da Universidade de Harvard, Kim Williams (foto), para a realização da pales-tra Políticas públicas para a questões multiraciais. A pesquisadora vem trabalhando sobre a questão

da multiracialidade, um conceito apenas recentemente discutido nos Estados Unidos. A palestra contou com a presença da cônsul americana no Recife, Diana Page.

Delegação veio conhecer trabalho do MPPE CAPACITAÇÃODepois de participar de um evento de capaci-

tação para os professores da rede municipal de Ca-sinhas, o Promotor de Justiça Garibaldi Cavalcanti Gomes da Silva vai acompanhar a implantação da Lei 10.639 no município. Ele foi convidado pela prefeitura para acompanhar este primeiro treina-mento dos docentes para se adequarem à exigência da legislação, que desde 2003 incluiu o ensino da cultura e história afro-brasileiras nos currículos dos ensinos fundamental e médio. O treinamento, in-serido no I Encontro de Atualização Pedagógica de 2007, aconteceu no dia 7 de fevereiro. “A proposta de Casinhas é salutar. Agora, vamos acompanhar o que o município vai realizar a partir da capacita-ção”, declarou o Promotor.

QUILOMBOLASAudiência realizada pela Promotoria de Defesa

da Cidadania de Garanhuns e representantes de cinco comunidades quilombola sediadas no muni-cípio deu início a um trabalho de acompanhamen-to do Ministério Público de Pernambuco (MPPE) à situação desta parcela da população. Depois de ouvir os relatos dos líderes de Castainho, Timbó, Caluete, Estiva e Estrela, o Promotor de Justiça Alexandre Bezerra solicitou uma série de diligên-cias a outros órgãos para tentar resolver problemas como falta de segurança e de assistência em saúde e educação, além de demora na resolução da ti-tularidade da terra, que vem provocando confl itos entre as comunidades e grupos de posseiros ocu-pantes da mesma região. “Todas as denúncias são

EVENTO

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MP EM AÇÃONessa coluna o GT Racismo reserva espaço para publicação de notícias de ações, inquéritos e procedimentos de investigação relacionados à atuação dos Promotores e Procuradores de Justiça no combate ao racismo. Envie seu material e participe das discussões sobre discriminação e promoção da igualdade racial.

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GT RACISMO - NÚMERO 7 - MARÇO 2007- 7

NOTASCONSCIÊNCIA NEGRAO Ministério Público de Pernambuco (MPPE) comemorou o Dia Nacional da Consciência Negra, no dia 20 de novembro, promovendo debate so-bre a questão racial no âmbito das instituições. O seminário organizado pelo GT Racismo teve a participação do cientista político e capitão da Polícia Militar Geová Barros, que apresentou os resultados sobre o seu trabalho “Racismo institucional: a cor da pele como principal fator de suspeição”. Depois de analisar cerca de 1,5 mil boletins de ocorrência e entrevistar 469 integrantes da corporação, ele chegou à conclusão de que a maioria das abordagens realizadas por PMs é feita a pesso-as pretas ou pardas. De acordo com o capitão, os dados mostram que o racismo na corporação reproduz uma relação social de poder. Os dados foram discutidos pelo jornalista e diretor-adjunto de redação do Jornal do Commercio, Laurindo Ferreira, pelo supervisor de ensino da Acade-mia de Polícia Civil, Idelfonso Cavalcanti e pelo sociólogo Ronaldo Lau-rentino de Sales.

muito graves. Há uma falta de assistência total do poder público a este grupo de pessoas”, comentou o Promotor.

MOÇAMBIQUEUma delegação composta por nove Procura-

dores de Moçambique veio a Pernambuco para conhecer a estrutura judiciária brasileira e o fun-cionamento dos Ministérios Públicos. O intuito da delegação, que fi cou no estado de 8 a 11 de novembro, foi de fortalecer o poder judiciário de Moçambique, cujo regimento ainda data da épo-ca colonial. Os Procuradores tiveram audiência com integrantes do GT Racismo e visitaram a Escola Superior do Ministério Público. Também viajaram a Toritama, para conhecer a atuação ex-trajudicial do MPPE na tentativa de evitar a po-luição do rio Capibaribe por resíduos de lavagem de jeans. O intercâmbio foi promovido pela FAO

A Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA) condenou o Brasil por violação de artigos da Convenção Americana de Direitos Humanos e da Conven-ção Racial, ao permitir que um caso de racismo fosse arquivado sem ao menos ser instaurada a ação penal. A sanção, determina que o governo brasileiro reconheça publicamente a violação de direitos da vítima Simone André Diniz, de 28 anos. Em março de 1997, ela foi recusada para uma vaga de empregada doméstica, em São Paulo, em razão de sua cor.

Na época, Simone procurou a Comissão do Negro da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) de São Paulo, além de várias entidades de direitos humanos, para denunciar o caso de discriminação. O inquérito policial foi instaurado e a empregadora chegou a afirmar em depoimen-to que preferia candidatas brancas, justificando que uma babá anterior, negra, tinha maltratado um dos seus filhos. A empregadora foi indiciada pela polícia, mas Ministério Público de São Paulo pediu arquivamento do caso, no que foi acolhido de pronto pelo juiz.

Além de determinar o reconhecimento da violação dos direitos de Simone, a OEA quer que seja paga a ela uma indenização, além de apoio financeiro para que conclua um curso superior. A OEA requer, ainda, reabertura das investigações, uma vez que, de acordo com a legislação brasileira, o crime de racismo não prescreve.

OEA CONDENA BRASIL POR DESCUMPRIR CONVENÇÃO

MPPE RECORRE CONTRA NÃO RECEBIMENTO DE DENÚNCIA A Central de Inquéritos do Ministério Público de Pernambu-

co, através da Promotora Sônia Mara Rocha Carneiro, interpôs recurso contra decisão da Juíza da 8ª. Vara Criminal do Recife, que não recebeu denúncia por crime de racismo oferecida con-tra Gizelda Salviano Marques. A magistrada entendeu que o fato confi guraria crime de injúria qualifi cada, que exige a constituição de advogado, e não o crime de racismo, o qual é imprescritível e

cuja titularidade penal é do Ministério Público. O fato ocorreu no interior de uma Escola de Enfermagem no

Recife. A denunciada agrediu a vítima Ivanilda Silvana Fernandes, sua colega de curso, ridicularizando de seu cabelo e chamando-a de “neguinha safada”. O recurso está em tramitação perante a 3ª. Câmara Criminal do Tribunal de Justiça de Pernambuco (TJPE), aguardando manifestação do MPPE na segunda instância.

nambuco. A idéia é discutir os problemas nos campos da educação, saúde, cultura e comunicação, e ao fi nal fi rmar termos de compromisso para que os municípios

Reunião em Olinda deu início à organização do evento

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Cultura para além do Carnaval

É no Carnaval que as manifestações culturais ligadas à afro-descen-dência ganham mais destaque no Brasil. Em Pernambuco, aparecem na forma de maracatus, afoxés, batucadas, acompanhados avidamente pelos foliões nas ruas e reverenciados nos palcos ofi ciais. Passados os quatro dias, no entanto, a sensação é de que tais grupos voltam a uma espécie de dormência, que parece perdurar até o Carnaval seguinte. Será? Apesar da falta de visibilidade no período não-carnavalesco, é a identidade cultural – da qual música, dança e ritual são apenas uma parte – que garante os espaços de sobrevivência de comunidades de descendência afro-brasileira.

“A contribuição, nesse sentido, é muito maior”, afi rma a mestre em História pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Va-léria Costa, deixando claro que cultura não pode ser entendida ape-

nas pelo que pode ser visto em apresentações nas ruas ou em palcos. “Muitas vezes, é o modo de viver das populações afro-descendentes, seus laços de afetividade, que garantem a vida nos bairros”, afi rma. Assim, um maracatu é apenas a porção mais visível de uma organiza-ção comunitária que também atua politicamente por melhorias nas localidades, inclusive representando aquela população junto ao poder público.

Valéria cita o exemplo do Portão do Gelo, na Zona Norte do Re-cife, primeiro quilombola urbano reconhecido. Ações que visavam à higienização da cidade na década de 50 acabaram com o Carnaval de periferia patrocinado pelo município. Na época, um grupo de mulheres lideradas por Severina Paraíso da Silva, a Mãe Biu, conse-guiu reavivar a festa na comunidade, no que foi apenas o início de

Fotos: Prefeitura do Recife

um processo de construção de identidade e cultura que culminou no reconhecimento do quilombola. Hoje, cerca de 60% das pessoas que moram no local são ligadas direta ou indiretamente ao terreiro Casa de Xambá, fundado por Mãe Biu.

Não muito longe de lá, na Bomba do Hemetério, uma sala de aula montada dentro do espaço de um terreiro recebe alunos de uma escola municipal durante os dias de semana e parte dos mesmos alunos, aos sábados, para aprender percussão com o maracatu Encanto da Alegria, liderado pela ialorixá Ivanise de Xangô. “As crianças aprendem a res-peitar a religião, mesmo que não a pratiquem, por conta dessa convi-vência”, afi rma Valéria, que rechaça os rótulos de tradição ou folclore normalmente aplicados ao maracatu – na medida em que folclore é en-tendido como resquício de algo típico do passado. “Os maracatuzeiros, ao contrário, são agentes de sua própria história”, completou.

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NOTASEm um livro curto com apenas 96 páginas, Verger traz uma coletânea de 24 lendas escritas a partir das histórias contadas pelos babalaôs (adivinhos) iorubás da Nigéria e do Benin. A maioria narra o longo caminho enfrentado pelos homens que se tornaram os lendários orixás. Pierre Verger, francês de nascimento, iniciou a carreira como fotógrafo viajando ao redor do mundo. Nos anos 40, na Bahia, apaixonou-se pela cultura e pelas religiões africanas. Numa viagem de estudos à África, foi rebatizado como Fatumbi e acabou se tornando, ele próprio, um babalaô.

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EXPEDIENTE

GT-RACISMO - MPPE

Paulo VarejãoProcurador Geral de Justiça

Maria Bernadete Martins Azevedo (Coordenadora), Gilson Roberto de Melo Barbosa (Sub-coordenador), Judith Pinheiro Silveira Borba, Roberto Brayner Sampaio, Maria Ivana Botelho Vieira da Silva, Helena Capela Gomes Carneiro Lima, Taciana Alves de Paula Rocha Almeida, Maria Betânia Silva e Janeide de Oliveira Lima.www.mp.pe.gov.brE-mail: [email protected]. Promotor de Justiça Roberto LyraRua do Imperador, 473 - S tº Antônio Recife/PE Fone: 3419-7000Jornalista Responsável: Ricardo Melo Registro Profi ssional: 2.204 - MGRedação: Renata Beltrão

Apoio: PNUD/DFIDPrograma das Nações Unidas para Desenvolvimento Ministério para Desenvolvimento Internacional do Reino Unido

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DICAS DE LEITURA

Olinda foi sede de uma das etapas da Sistematização do Programa de Combate ao Racismo Institucional (PCRI), a pri-meira ação do gênero desde que a inicia-tiva foi implantada. Cerca de 25 pessoas das agências implementadoras do PCRI trabalharam durante todo um fi nal de semana no Hotel 7 Colinas para resgatar a memória das atividades e refl etir sobre a experiência vivida durante o tempo de atuação. Estiveram presentes represen-tantes das prefeituras de Salvador e do Recife, do Ministério da Saúde e do GT Racismo, do Ministério Público de Per-nambuco (MPPE).

A reunião em Olinda aconteceu en-tre os dias 15 e 17 de dezembro, e uma próxima etapa do trabalho já está mar-cada para acontecer em Salvador, de 15 a 17 de março. Segundo a coordenadora dos trabalhos e consultora em sistemati-zação de experiências Daiza Amador, a atividade visa trazer aos integrantes do PCRI um melhor entendimento teórico e prático a respeito das experiências vivi-das pelo grupo e por cada um. “Trata-se de um instrumento de organização para que as pessoas tenham uma compreensão mais profunda sobre que vem acontecen-do e que extraiam dela conhecimentos”, explicou.

A coordenadora do PCRI no Brasil,

Luiza Bairros, ressaltou a necessidade da sistematização como uma ferramenta para otimizar os resultados do programa. “Concluímos em outubro o ciclo de im-plantação do PCRI e estamos começan-do um novo momento nas agências im-plementadoras. Antes de entrar em novas fases do trabalho, sentimos a necessidade de refl etir criticamente sobre a experiên-cia dos últimos três anos”, declarou.

Uma das atividades propostas dentro

da sistematização foi o resgate histórico do trabalho realizado por cada agên-cia implementadora desde sua criação. As “linhas do tempo” montadas pelas equipes servirão para deixar registradas as iniciativas realizadas em cada locali-dade, deixando marcos que poderão ser relembrados nos futuros trabalhos do programa.

Experiência também em DVD PCRI

A sistematização do PCRI também terá uma versão em vídeo. A jornalista Rachel Quintiliano viajou às cidades onde existem agências implementadoras do programa para coletar depoimentos de seus participantes ou de pessoas que, de alguma forma, atuam na questão da desigualdade racial. Em Recife, foram entrevistados a Procuradora de Justiça e coordenadora do GT Racismo, Maria Bernadete Martins de Azevedo, além do diretor de Igualdade Racial do Recife, Lindivaldo Leite Júnior; o então secre-tário de Saúde do Recife, Evaldo Melo; e a advogada Ana Paula Maravalho, do Observatório Negro. A previsão é de que o vídeo seja lançado e distribuído no fi -nal de março.

PCRI FAZ SUA PRIMEIRA SISTEMATIZAÇÃO

BRASIL/ÁFRICA: COMO SE O MAR FOSSE MENTIRA Rita Chaves, Carmen Secco, Tânia Macedo (org.)

Preço médio: R$55,00Editora: Unesp

LENDAS AFRICANASDOS ORIXÁSPierre Fatumbi VergerPreço médio: R$30,00Editora: Corrupio

ENCONTRO INTERNACIONAL

O Centro Cultural Brasil-Alemanha e as universidades Federal de Per-nambuco e Humboldt, de Berlim, promovem entre os dias 12 e 16 de março o encontro internacional Estudos Africanos no Brasil e na Ale-manha: levantamento e perspectivas, que reunirá pesquisadores de ambos os países para um intercâmbio de experiências. O evento vai acontecer principalmente no campus da UFPE, onde ocorrerão as pa-lestras, debates e mesas-redondas, mas também há na programação lançamento de livro na Livraria Cultura, visitas à Fundação Gilberto Freyre, Fundação Joaquim Nabuco e Arquivo Público Estadual, além de ofi cinas de estética afro, música e movimento. Na lista de temas a serem abordados, estão política, religião, cultura e a presença dos afro-descendentes em Pernambuco. Para fechar o evento, um grupo de participantes fará uma visita técnica a comunidades quilombolas do município de Garanhuns, no Agreste pernambucano. (Informa-ções: www.ccba.org.br).

A coletânea de 26 artigos lançada em 2006 pela editora Unesp é a primeira edição em território brasileiro e angolano da obra que desde 2003 está em circulação em Moçambique. O livro traz uma compilação de visões sobre as relações entre o Brasil e a África – não só do que o continente africano mantém de infl uências sobre o País, mas também o que de brasileiro acabou infl uenciando a realidade africana, principalmente no campo da literatura. O artigo da doutora em Letras Carmem Lúcia Secco, por exemplo, fala das evocações a Carlos Drummond de Andrade na poesia africana de língua portuguesa.

A cultura ligada à afro-descendência tem o destaque que merece hoje em dia?Tem uma certa visibilidade. O importante é saber que a África é a espinha dorsal da cultura brasileira, as pessoas precisam ser mais conscientizadas. O dia de Zumbi deveria ser feriado nacional, mas para isso as crianças precisariam aprender sobre quem foi Zumbi, deveria haver livros, cartilhas sobre isso.

A visibilidade só vem no Carnaval?Não necessariamente. Candomblé tem o ano todo, mas é uma coisa religiosa. O som é ouvido o ano todo. Maracatu não tem o ano todo, mas está sendo mais aberto agora.

No seu trabalho, você foi algumas vezes à África para pesquisar. O que ainda há em comum entre a cultura brasileira e africana? Nem precisava de pesquisa. Em tudo o que a gente come, tudo o que a gente toca há cultura africana. Está no cotidiano, no dia-a-dia. É tão evidente.gente toca há cultura africana. Está no cotidiano, no dia-a-dia. É tão evidente.gente toca há cultura africana. Está no

Mesmo sendo evidente, então, falta respeitabilidade?

As pessoas são mal informadas, mas aos poucos a coisa está melhorando. Eu fui recentemente à Casa de Xambá, que virou um quilombo urbano. Só que tudo é muito delicado, é preciso ter cuidado para não virar racismo. Na Bahia, negro tem auto-estima, usa cabelo rastafari, mas isso não é tudo. Falta a educação. No entanto, eu sou positivo, penso que tudo isso tem um lado bom. As coisas estão se abrindo. Pela primeira vez o presidente da Fundação Palmares é negro, e isso vai melhorar muito o acesso dos negros ao sistema.

Qual o papel da cultura no combate ao racismo?A cultura pode educar as pessoas sobre o que elas são, de onde elas vêm. Morei 27 anos nos Estados Unidos e cheguei lá com muito resquício do que foram os anos 60. Mas lá, dia de Martin Luther King é feriado. Os negros se educaram, leram Marx, se instruíram para criar o movimento Black Power, e nós ainda não temos isso aqui. No Brasil ainda há uma fascinação muito grande em se ganhar dinheiro fácil jogando futebol.

ENTREVISTA>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>

O músico Naná Vasconcelos foi considerado sete vezes o melhor percussionista do mundo pela revista especializada Down Beat. A fama internacional, no entanto, nunca fez com que esquecesse suas origens, e o recifense nascido entre “os maracatus e tambores de sua terra”, como diz sua biografi a ofi cial, se apresenta na cidade pelo menos uma vez por ano. Naná concedeu esta entrevista ao GT Racismo.

NANÁ VASCONCELOSInaldo Lins/Prefeitura do Recife