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CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS APLICADAS
NOÉ MENDES E O PATRIMÔNIO CULTURAL DO PIAUÍ
Valério Rosa de Negreiros (Bolsista PIBIC/CNPq) Áurea Paz Pinheiro (Orientadora, Depto de Geografia e História - UFPI)
Escolhemos como temática desta investigação a história de vida de Noé Mendes de Oliveira,
professor de História, fundador da UFPI, antropólogo, vereador da cidade de Teresina, folclorista,
pesquisador da cultura popular piauiense. Mendes se notabilizou na luta pela divulgação do
patrimônio cultural do Piauí principalmente nos anos de 1970 e 1980.
O período em questão foi marcado por constantes reflexões, elaborações e investimentos no
campo da cultura, por parte de alguns intelectuais e políticos, no sentido de buscar marcadores
identitários para o Piauí. Dentre esses intelectuais destaca-se Noé Mendes de Oliveira, professor de
História da UFPI, antropólogo, vereador, sujeito interessado no povo e suas manifestações. Quando
questionado sobre a cultura, Mendes entendia-a “como um sistema de vida, de comportamento das
pessoas, o seu modo de vestir, de arrumar suas casas, o modo como era mantido a dinâmica social”
(OLIVEIRA, 1986, p. 08). Ao tomar como base essa concepção de cultura, Noé situou em seus
escritos e ações culturais, um Piauí como espaço nordestino.
Trata-se de uma trajetória ligada aos primeiros estudos da arte rupestre no Piauí,
notadamente em São Raimundo Nonato e Sete Cidades; à criação da Fundação Cultural Monsenhor
Chaves (1986); à atuação na Coordenadoria de Assuntos Culturais (CAC) da Pró-Reitoria de
Extensão da UFPI, como também na Comissão de Folclore Piauiense e do Conselho Estadual de
Cultura e direção do Arquivo Público do Estado do Piauí – Casa Anísio Brito. Apresentamos neste
estudo uma biografia histórica de Noé Mendes nos moldes daquelas pensadas pelos historiadores e
sociólogos do final do século XX, com destaque para a sua formação cultural e inserção pública
enquanto pesquisador, folclorista e entusiasta da cultura do Piauí. Para isso, analisamos um acervo
documental que orientou e informou a produção de uma escrita sobre sua história de vida e presença
nos espaços de sociabilidades por onde transitou; analisaram-se também os aspectos da cultura, do
folclore, da cultura popular, do patrimônio cultural do Piauí registrado, pesquisado e divulgado pelo
biografado.
Para isso tomamos como base os trabalhos de historiadores e sociólogos como A ilusão
biográfica de Pierre Bourdieu (1986), Guilherme Marechal de Georges Duby (1987), São Luis de
Jacques Le Goff (1996), Os usos da biografia de Giovanni Levi (1996), Construindo biografias de
Benito Bisso Schmidt (1997) e O desafio biográfico de François Dosse (2009). Trata-se, portanto, de
compreender como Noé Mendes a partir de sua trajetória de vida, influenciou na formação de uma
imagem de um Piauí com base no folclore, inserido nos estudos da cultura popular.
Noé Mendes de Oliveira ou simplesmente Noé Mendes, como é lembrado e homenageado
como um personagem significativo no cenário da cultura brasileira e piauiense, em particular, teve a
sua imagem associada a espaços culturais emblemáticos: o teatro, a dança, casas e espaços
culturais. É representado como um entusiasta e mestre do folclore piauiense, estudioso e divulgador
da cultura do Piauí pelo Brasil afora. Realizou inúmeras pesquisas, produziu vasto registro
etnográfico, histórico, materializado em textos, fotografias e vídeos. Empreendeu inúmeras ações
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culturais no Estado, como a organização de semanas culturais de folclore, festivais de música e
dança.
Privilegiamos o biografado para o estudo da cultura piauiense no final do século XX por ter
sido uma das personalidades mais expressivas da época, como exemplo de personalidade plural que
ocupou diversos espaços da sociedade piauiense, e por ter se voltado para a cultura local. Daí a
importância de termos familiaridade com as fontes e com o tempo em que viveu o biografado,
entendendo que “[...] uma biografia não é só a coleção de tudo o que se pode e de tudo o que se
deve saber sobre um personagem”. (LE GOFF, 2002, p.19).
No que se refere ao corpus documental e ao recurso metodológico para o exercício da
pesquisa, destacamos a identificação e análise da escrita de Noé Mendes por meio de publicações
em revistas, jornais, livros como também alguns artigos inéditos; a revisão de literatura se refere
principalmente para uma discussão historiográfica dos conceitos de biografia, cultura e memória; a
realização de entrevistas por meio da metodologia da História oral e análise do acervo fotográfico da
família.
Nos periódicos Presença e Cadernos de Teresina, de natureza local; Revista Veja, Jornal
Folha de São Paulo, nacional, identificamos e catalogamos 55 artigos que tratam sobre o tema do
patrimônio cultural, folclore, cultura popular, danças regionais, patrimônio arqueológico, datas
comemorativas. Nesses escritos, podemos perceber a ligação do biografado com o Movimento
Folclórico Brasileiro iniciado em 1947, data da fundação da Comissão Nacional de Folclore por
Renato de Almeida, através de recomendação da UNESCO, que se caracterizou ao longo das
décadas seguintes como um movimento de “mobilização e gestão de políticas, apelos à opinião
pública, manifestações coletivas em Congressos e Festivais Folclóricos, que levou o folclore a
participar dos debates em torno dos temas da cultura popular e da identidade nacional” (VILHENA,
1997, p. 24).
O patrimônio material e imaterial, os monumentos, os lugares de memória, as paisagens, as
datas, as tradições, os costumes, o folclore, a música, a culinária são diferentes pontos de referência
que estruturam nossa memória e que se inserem na memória do grupo ao qual pertencemos
(coletividade), permitindo fundamentar e reforçar os sentimentos de pertencimento e as fronteiras
socioculturais (POLLAK, 1989, p. 06). Desse modo, buscamos também na história de vida do
biografado pistas de sua ligação com a memória, com o patrimônio, buscando lutar pelo o direito à
memória, conservação, preservação e divulgação.
O que buscamos ao estudar a vida e a obra do Mestre Noé Mendes foi identificar e analisar o
folclorista, o pesquisador, aquele que apresentou e construiu em seus escritos e intervenções sociais
e culturais um Piauí marcado pela diversidade e variedade de manifestações culturais: mitos,
crenças, artesanato, encontros de violeiros, encontros regionais de folguedos, festas juninas, lendas,
etc. Procuramos um Noé Mendes que revelasse suas marcas de personalidade e a identidade
cultural que singularizam os piauienses em um tempo e espaços definidos - o Piauí e o Brasil dos
anos 1950 - 1980.
Portanto, Noé Mendes frequentemente defendeu o ideal de cultura posta a serviço do
homem comum. O caráter original de seu discurso e de suas ações permitiu amplos poderes de
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penetração junto aos mais diversos componentes da sociedade, sejam eles políticos, intelectuais,
artistas, estudantes e pessoas comuns, o que mais tarde o levaria a se tornar vereador na Câmara
Municipal de Teresina.
Noé Mendes tornou-se mediador entre um Estado autoritário que impulsionou a cultura ao
seu modo, porém Mendes burlou os espaços ao sugerir a cultura como modo de libertação “das
ignorâncias”, da miséria e da falta de conhecimento. Não foi à toa que recomendou o folclore aliado
ao ensino como maneira de pertencimento do sujeito e sua sociedade. (OLIVEIRA, 1975, p.47-49).
Mendes viu a necessidade de estimular a autoestima do piauiense e o seu próprio reconhecimento
enquanto sujeitos da sociedade.
Identificamos seu interesse pela arqueologia ao deparar-se com uma riqueza cultural
expressa na arte rupestre, possibilitando assim inseri o Piauí na História do mundo como um dos
locais habitados pelo o homem mais antigo do Brasil. Essa caracterização vai de imediato ao
encontro com o debate da preservação, do estudo e divulgação do patrimônio arqueológico, para
isso, não mediu esforços na tentativa de montar nesse terreno uma estrutura possível de investigação
para a possível divulgação.
A regionalização do Piauí feita por Mendes se baseou nas “peculiaridades” que proporcionou
ao Piauí “certo matiz no âmbito do mosaico cultural nordestino”, levando em conta sua influência na
região. Para Noé isso acabou por “reforçar a vocação de nordestinidade do Piauí” (OLIVEIRA, 1977,
p. 11). Assim, concluímos que Noé Mendes de Oliveira fez parte do seu tempo, construiu e
reconstruiu trajetos, chegando até nós como o homem dedicado à cultura, ao incentivo do patrimônio
como forma de identidade do seu povo.
Apoio: Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico - CNPq
Referências
BOURDIEU, Pierre. A Ilusão Biográfica. In: FERREIRA, Marieta de Morais; AMADO, Janaína (Orgs.). Usos e abusos da História oral. 8 ed. Rio de Janeiro: FGV, 2006. DOSSE, François. O Desafio Biográfico: escrever uma vida. São Paulo: Edusp, 2009. DUBY, Georges. Guilherme Marechal, ou o Melhor Cavaleiro do Mundo. 2 ed. Lisboa: Gradiva, 1994. ENTREVISTA Noé Mendes de Oliveira. Jornal da Manhã. Teresina, ano 06, 20 mai. 1986, p. 08. LE GOFF, Jacques. São Luís: biografia. 3 ed. Rio de Janeiro: Record, 2002. LEVI, Giovanni. Usos da Biografia. In: FERREIRA, Marieta de Morais; AMADO, Janaína (Orgs.). Usos e abusos da História oral. 8 ed. Rio de Janeiro, Editora FGV, 2006. OLIVEIRA, Noé Mendes de. Folclore no Piauí. Teresina: COMEPI, 1972. OLIVEIRA, Noé Mendes de. A Arte Rupestre do Piauí. Rio de Janeiro: Funarte, 1977. OLIVEIRA, Noé Mendes de. Folclore Brasileiro: Piauí. Rio de Janeiro: Funarte, 1977. OLIVEIRA, Noé Mendes de. O Folclore na escola. Presença, Teresina, ano 02, n. 4, dez. 1975, p.47-49. POLLAK, Michel. Memória, Esquecimento, Silêncio. In: Estudos Históricos, Rio de Janeiro, vol. 2, n. 3, 1989. SCHMIDT, Benito Bisso. Construindo Biografias... Historiadores e Jornalistas: Aproximações e Afastamentos. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, n.19, 1997. VILHENA, Luís Rodolfo. Projeto e Missão: o movimento folclórico brasileiro (1947 – 1964). Rio de Janeiro: FUNARTE: Fundação Getúlio Vargas, 1997.
Palavras-chaves: Biografia Histórica. Patrimônio Cultural. Piauí.