-No registo que diz não há nada a fazer é que os cuidados ... · já trabalho assim há um tempo...
Transcript of -No registo que diz não há nada a fazer é que os cuidados ... · já trabalho assim há um tempo...
-No registo que diz não há nada a fazer é que os cuidados paliativos deviam entrar. Os
cuidados paliativos deviam entrar no momento do diagnóstico da doença, de modo a
que em conformidade, à medida que os curativos começam a diminuir de intensidade a
sua intervenção, os paliativos aumentam na mesma proporção, porque aí a família
aceita-nos melhor, o doente aceita-nos melhor, porque senão somos tipo a equipa da
morte, que só actua na altura da morte.
-Uma das coisas que têm sido discutidas é algum ênfase de alguns oncologistas perante
essa questão.
-O problema aqui é trabalharmos em equipa. E trabalhar em equipa interdisciplinar.
Não tem que ser só médico e enfermeiro. Significa médicos com médicos, enfermeiros
com enfermeiros de outras Instituições, de outros serviços, de modo a que o objectivo
seria o cuidar do doente com excelência. Parece-me que os médicos oncologistas (Nem
todos. Eu conheço oncologistas... há grandes diferenças) têm medo de perder os
doentes, aquilo que é deles. Enquanto não fazem tudo pelo doente... ainda bem que
fazem isso, mas os cuidados paliativos não deixam de ter a sua necessidade, porque
intervêm numa dimensão muito mais global. Não é a doença que se está a tratar, mas é a
pessoa com aquela doença, na sua dimensão psicológica, social, ambiental, espiritual. E
é esse o contexto em que a equipa de cuidados paliativos deve entrar. Nós em Portugal
estamos pouco habituados a trabalhar estas dimensões. Chamamos só o psicólogo
quando vimos que a pessoa está deprimida ou com problemas, ou o psiquiatra:
esquecemos que a pessoa – no todo - pode ter necessidades que não têm que dar
patologia (às vezes não são sempre patológicos), mas não é por causa disso que não
merecem uma intervenção diferente. É a minha opinião.
- A sua idade?
-Quarenta e sete anos.
-Categoria profissional?
-Sou médica de clínica geral, assistente de clínica geral.
-A Instituição em que se formou é...
-Faculdade de Ciências Médicas, Universidade Nova de Lisboa.
-Quando é que acabou o curso?
-Mil novecentos e oitenta e cinco.
-Exerce a profissão desde então?
-Desde então, mas estou nos cuidados paliativos há dez anos. Tenho o mestrado em
cuidados paliativos desde 2004.
-Há quanto tempo está neste Hospital?
-Dois anos.
-O seu sector predominante é o privado?
-Nós para além de sermos privados também estamos dentro da rede dos cuidados
continuados. Temos uma Unidade de convalescença, dentro dos cuidados continuados e
temos uma Unidade de cuidados paliativos, também dentro da rede dos cuidados
continuados. Não significa que não tenha a mesma tipologia de doentes que nos
públicos, mas esses doentes são públicos, vá.
-O hospital tem cuidados paliativos?
-Tem.
-Qual é a importância dos cuidados paliativos, por exemplo para a área oncológica?
-Os estudos dizem que das necessidades de cuidados paliativos, 50% são oncológicos,
50% são não oncológicos. A introdução da filosofia dos cuidados paliativos deve ser tão
precoce quanto o diagnóstico dessa doença, de modo a que as outras dimensões da
pessoa como um todo sejam preparadas e não só: o próprio apoio à família começa a ser
de uma forma diferente. Nós vemos muito nos hospitais o modelo biomédico, em que o
médico dispõe um pouco, de acordo com conhecimentos técnicos, dispõe um pouco do
doente e decide o que é que o doente deve fazer e é nesse contexto que às vezes há
necessidade de pensarmos nas outras dimensões da pessoa e se calhar abordarmos este
sentido. As equipas de cuidados paliativos não vêm para fazer concorrência às outras
equipas. O que nós vimos fazer é trabalhar em complementaridade. Isso é a minha
opinião. E portanto, aquela dicotomia que infelizmente muitas vezes ainda se vê e eu
aqui com a Unidade vejo isso, só nos mandam os doentes quando a intervenção curativa
termina. Por isso a intervenção da equipa dos cuidados paliativos é limitada. È limitada
porque limita-se praticamente ao período pré-morte e depois aquele apoio que é possível
fazer, que não é outro, nem aos doentes nem às famílias. Já se vai fazendo alguma coisa
mas não é tudo.
-Medicina mais curativa/mais paliativa. Como vê esta distinção?
-Estou convencida que as coisas estão a mudar. Isto exige um certo grau de
impregnação, como eu costumo dizer. E felizmente já temos muitos colegas da parte
curativa que ainda estão lá, se calhar se um dia eu precisar, vou precisar deles... mas há
necessidade de aumentar a consciencialização da necessidade dos cuidados paliativos e
da complementaridade de trabalho. Nós não somos concorrência de ninguém, nós
somos complementaridade e em função do quê? Da qualidade de vida do doente, do
conforto do doente e de dignificar a sua fase final da vida. Essa é a minha opinião
enquanto coordenadora de uma equipa.
-Parece-lhe que há um papel muito importante da relação entre aquilo a que se chama a
obstinação e a moderação terapêuticas, não é?
-Sim. Claro que há uma diferença muito grande e cada vez mais eu acho que poderão
ser as próprias pessoas, os próprios pacientes, os próprios familiares que podem
começar a ter consciencialização de até quando é que a obstinação terapêutica é
importante. Nós, como técnicos, temos a obrigação de informar o que é que uma
obstinação terapêutica pode induzir, as consequências, o desconforto, o sofrimento.
Passa um pouco neste sentido, sobretudo na equipa de cuidados paliativos e é claro que
há determinado tipo de atitudes que muitas vezes somos nós que temos de tomar e
sobretudo em situações de urgência, e eu compreendo isso quando estamos numa
Unidade de cuidados intensivos, mas quando numa situação de doença crónica
progressiva, em que a inevitabilidade da morte é muito mais curta, muitas vezes temos
que ponderar, mas ponderar ajudando as pessoas a pensar e ajudando também as
famílias a pensarem em conjunto. É neste sentido que acho que esta obstinação
terapêutica pode ser muitas vezes diluída, sempre com diálogo. Sempre. É a minha
opinião.
-Relativamente ao diagnóstico e cruzando com a questão da tecnologia, parece-lhe que
há uma mudança-na medicina paliativa do peso relativo de um diagnóstico ancorado em
tecnologia objectiva e um diagnóstico atento às queixas do doente?
-Eu acho que numa primeira fase, as queixas induzem a uma intervenção muito mais
curativa e ainda bem. Numa segunda fase, depende da sensibilidade de cada médico a
continuidade da obstinação terapêutica ou a definição dos seus próprios limites e
permitir, se calhar, já não obstinadamente, a cura, mas sim a paliação dos sintomas e aí
estar muito mais atento. Encontramos já muitas pessoas que estão muito atentas às
queixas dos doentes, porque a obstinação terapêutica serve para nos consolar a nós,
como médicos. Se o doente aceitar, ok, mas tem de saber quais são as consequências
que isso pode vir a levar. Continuo a dizer que o diálogo, a informação, a comunicação
adequada do doente com a família é muito importante. E uma comunicação honesta.
-O papel do médico na relação com o doente. Há uma alteração...
-Honestidade, acima de tudo.
-E diálogo?
-E diálogo. Há muita gente que diz que não sabe dar más notícias. Aprende-se. São
técnicas de comunicação, formas de comunicação de escuta activa, de escuta passiva.
Eu também não tive esta formação na Faculdade. Tive que ir à procura dela. Se quis
aumentar as minhas competências tive que ir à procura delas. Quanto a todos os colegas
que acham que não conseguem, que não podem, vão à procura de ter mais competências
nesse sentido. É muito mais facil, dói para nós, porque isto dá muito de nós, envolve-
nos muito com o doente, é muito mais fácil termos uma atitude mais fria e fazermos um
muro, mas esta é muito mais gratificante, sobretudo se pensarmos que a pessoa fica
mais informada, tem definição de estratégias para o futuro, percebe o que tem de fazer
antes de morrer. São várias coisas.
-E na relação com a família do doente?
-Na mesma dimensão. Se eu lhe disser que aqui neste hospital 60% do meu trabalho é
feito com famílias? Encontram-se os familiares, para validação de expectativas, qual é o
tipo de informação que têm, qual é o prognóstico que conhecem...tudo isso é muito
importante para tirarmos consensos, para definirmos estratégias, até, éticas e
deontológicas, que às vezes é preciso seguir. A família é muito importante. Pode ser um
óptimo aliado quando vem trabalhar e está bem informado. Não precisa de estar do
nosso lado. Precisa de estar bem informado.
-Há aqui um definição conjunta de estratégias?
-Exacto, de tomadas de decisão, de estratégias, para elaboração de um plano de
intervenção. Isso sem dúvida.
-E na relação do médico com a restante equipa?
-Eu sou a favor de um trabalho em equipa, de um trabalho sem hierarquias, em que as
pessoas estão todas ao mesmo nível, com as suas competências diferentes umas das
outras, mas em que o objectivo é sempre o mesmo: é curar com excelência o doente. Eu
já trabalho assim há um tempo e há muitos anos e só tenho vindo a beneficiar deste meu
tipo de trabalho. Implementei-o aqui nesta Unidade e não estou descontente, pelo
contrário, acho que se aprende muito com os outros grupos profissionais. Eles ensinam-
nos muito, mas nós também os ensinamos a eles. Temos um trabalho em que
partilhamos responsabilidades, mas também partilhamos as tristezas, as alegrias, as
nossas angústias e, portanto, a carga não é tão difícil.
-Temas de debate e controvérsia a nível ético/profissional, identificáveis pelas pessoas
que trabalham nesta área, quais são?
-O encarniçamento terapêutico, o entubar, o não entubar, o ventilar, o não ventilar são
questões éticas que nós portugueses temos muita dificuldade de... não temos ainda o
hábito de falarmos sobre isso, de discutir, muitas vezes porque temos medo que sejamos
olhados assim um pouco de lado. Portanto eu acho que é muito importante. Eu para
além de ter aqui a Unidade de cuidados paliativos tenho uma Unidade de demências,
onde as questões éticas surgem e acima de tudo são demências em cuidados paliativos,
onde surgem em catapulta e portanto aprendi um pouco que esses temas são para se
falar e para se decidir e nomeadamente até em conjunto, em conjunto com a família,
com o resto das equipas... as decisões devem ser tomadas sempre nesse sentido.
-E quem é que debate na actividade médica mais frequentemente estes temas, em termos
de especialidades?
-Muito pouca gente. Além dos grupos da bioética, que estão lá dentro, acho que nós
temos mexido um bocado com isso, nós, paliativos, porque temos muitas questões éticas
muitas vezes em questão. Não estou a ver muito mais.
-Dentro destes temas que identificou quais os aspectos mais importantes?
-A eutanásia.A eutanásia (podemos falar sobre isso), já falei no encarniçamento, quando
é que vamos parar um tratamento, quando é que devemos introduzir um tratamento,
todas aquelas coisas da bioética surgem praticamente todos os dias.
-A Drª gostava de desenvolver algum aspecto, por exemplo, a eutanásia?
-Eu não sou a favor da eutanásia, porque considero que, criando estratégias e estruturas
suficientes para um bom apoio em cuidados paliativos, muitos dos doentes que nos
pedissem (que nos pedem, às vezes) a eutanásia, provavelmente alteravam a sua forma
de pensar. Não quer dizer que às vezes não haja doenças que não levem as pessoas em
certa altura da vida em que estão completamente desesperadas, a pedir eutanásia. Eu sou
contra, porque se essas pessoas pedem é porque não têm o devido apoio, não está a ser
prestado o devido apoio nas várias dimensões. Não é apenas no controle de sintomas,
mas nas várias dimensões. E tem a ver com os projectos de vida de cada um, tem a ver
com as crenças. Tem a ver com a transcendência. Com várias coisas.
-A nível de organização do trabalho e do espaço hospitalar, a Drª pensa que há alguma
diferença interessante ou assinalável nos cuidados paliativos?
-Eu estou num sítio...Para já nós temos três pisos; um deles é dedicado às demências e
os dois outros pisos são dedicados ao internamento, em que eu nunca distingo se há
cuidados paliativos porque pensámos ainda em fazer só uma Unidade em cuidados
paliativos, mas eu tinha a noção de que iamos guetizar um pouco esse espaço. Como
acontece nas demências, as nossas demências são acentuadas e graves, e muitos dos
familiares que vêm internar, quando vêm internar nem querem que os familiares fiquem
naquele espaço, pelo peso do estigma que aquela doença tem... portanto isso iria
acontecer exactamente com os paliativos. Nos paliativos a minha preocupação é sempre
muito mais a proximidade com a enfermagem. O nosso pólo de enfermagem fica no
meio dos corredores e portanto eu fico mais preocupada sempre com a proximidade
com o pólo da enfermagem. Tirando isso, eles ficam dispersos.
-Muitas vezes fala-se na questão do quarto individual, na enfermaria... o que é que
pensa sobre isso?
-Olhe, vim agora de uma conversa sobre isso. Depende das pessoas. Há pessoas que
gostam de estar acompanhadas. Na fase final da vida, como temos o cutelo em cima da
cabeça, a noite é sempre má conselheira e sabendo que temos alguém ao lado, uma das
coisas que a gente tem é de medo morrermos durante a noite, sozinhos, e que ninguém
nos veja. E quando se tem alguém ao lado sempre se sente que está mais presente. No
entanto há outras linhas orientadoras. Por exemplo: saiu uma portaria na semana
passada em que a própria Direcção-Geral de Saúde, não sei se foi a Direcção Geral de
saúde, se foi outro organismo, propõe quartos individuais. Nem de todo nós
concordamos, não é? É uma portaria qualquer que saiu no dia 23 ou 25 de Maio. No
fim, a definição dos critérios arquitectónicos para as Unidades.
-A Drª sabe se o Estado tem alguma definição ou conjunto de estratégias?
-Olhe, eu fiz estágio num Hospice e o Hospital era todo dedicado...tinha uma área de
internamento e tinha uma área de apoio moderníssima, mas era sobretudo de
internamento em cuidados paliativos e nunca me hei-de esquecer uma coisa que a freira,
a irmã que estava à frente daquilo me dizia: que no princípio, enquanto eles não abriram
mais para a comunidade, havia escolas de crianças, crianças que passavam no passeio
em frente e diziam: - não olhem para aí porque isso é o local da morte. E nesse sentido
eu nunca gostaria... os doentes em cuidados paliativos são doentes iguais aos outros,
doentes em que a inevitabilidade da morte é mais perto. Quando eu escolho um sítio
para colocar um determinado doente com características diferentes, penso sempre na
família, se há mais família presente ou a família quer estar com o doente, se calhar, em
quarto individual; se não está tanto...se calhar é melhor arranjar alguém para
acompanhar. Eu acho que tem a ver um pouco com a aproximação, com o conforto que
nós podemos dar, com a relação que se pode estabelecer entre a equipa e o doente. É o
que me orienta nesse sentido.
-A relação da família e a relação da equipa com o doente têm a ver com essa ideia de
conforto e uma estratégia algo negociada?
- Sim. Sempre. E sempre a família como nosso parceiro. Costumo dizer: a família e o
doente já vêm de uma viagem de comboio longa e nós entramos naquele momento. Em
termos de proporção, se calhar são os dois últimos segundos da vida das pessoas e
portanto se não for a família a dizer-nos o que é que as pessoas gostam, o que é que as
pessoas precisam que seja feito no final da sua vida, quem é que irá adivinhar? Muitas
vezes os doentes nem têm capacidade de verbalização e de comunicação. É nesta
direcção a minha forma de pensar.
-Relativamente ao tratamento da morte e do luto em meio hospitalar, o que é que lhe
parece à Drª?..
-Nós temos- e tenho muito prazer em dizer isso-nós tentamos (porque nem sempre é
possível, porque a morte é mais rápida do que aquilo que a gente pensa) fazer um
diagnóstico da fase agónica, até porque o nível de intervenção é completamente
diferente, é específico. Pretende-se nessa altura manter os sintomas controlados, mas
aumentar e fortalecer as relações com os familiares. Permitir o perdão, permitir as
despedidas, permitir isso. Nós aqui fazemos muito isso. Quando nós notamos que o
doente está em fase agónica chamamos a família e damos informação, que será uma
forma de despedida e que eles o façam da maneira como eles quiserem. Damos essa
possibilidade. Também já vamos tendo pessoas com várias crenças religiosas, com
várias formas de estar no mundo e muitas vezes temos de respeitar tudo isso e os rituais.
Quando verificamos que a pessoa está praticamente a morrer, até quase convidamos a
família a participar nos últimos momentos, quando eles querem. Depois da pessoa
morrer fazemos os cuidados ao corpo, fazemos primeiro as suas exímias. Portanto,
tratamos do corpo, vestimo-lo, mas para o vestirmos na conferência de preparação já
temos de ter a sua roupa; temos que... se as pessoas querem ser ou não visitadas pelos
seus guias espirituais...portanto, tudo isso nós estabelecemos. A fase agónica é uma fase
muito interessante, muito interessante para nós, mas de uma grande intensidade para a
família, que não está habituada a ver estas situações e está a viver um momento de
perda muito grande. A forma como nós os ajudamos vai de certeza melhorar a forma
como eles vão, nunca esquecer, mas ultrapassar a perda. Vão digerir melhor a perda.
Para mim isso tem sido o meu ponto de eleição. Infelizmente porque muitos dos doentes
que nos chegam é já na fase agónica.
-E depois da morte?
-Fazemos um protocolo de luto, que é fazermos um telefonema, ao final de uma
semana, ao final de um mês e ao final de seis meses. Disponibilizamo-nos sempre para
falar com as pessoas, tentamos saber se há algum luto patológico, para orientarmos para
um psicólogo ou psiquiatra.
-Qual a percepção que pensa que os oncologistas têm sobre os cuidados paliativos?
-Não sei, acho que eles nem sabem o que é que são. Acho que eles criam uma força
contrária contra nós e não há necessidade disso. Nós devemos ser complementares e
nunca concorrentes. É que eu não acredito, eles são pessoas inteligentes, eu não acredito
que eles não vão pensar que a pessoa vai morrer. Não acredito. Depende depois da
forma como as pessoas vêem a morte e vêem os seus próprios doentes. Eu costumo
dizer que em relação aos cuidados paliativos só temos duas formas de os ajudar: olhá-
los de frente e ajudá-los:- o que é que eu vou fazer por esta pessoa para eu ficar
descansada? Não é isso, mas sim:- o que é que eu vou fazer por esta pessoa? E vou ver
o que é que ela precisa para isso. Ou então desviar o olhar e fazer de conta que eles não
existem, que é o que acontece muitas vezes.
Idade 58 anos, categoria profissional assistente graduado de medicina interna, formado
na Faculdade de Medicina de Lisboa, em 1978. 32 anos de profissão. Especialidade
Medicina Interna. 23 anos na Especialidade, 20 anos, sempre na actividade no hospital
público, hospital com cuidados paliativos.
A relevância dos cuidados paliativos para a área oncológica é fundamental. É muito
importante. Faz parte da forma de abordagem integral – digamos assim - dos cuidados a
prestar. Infelizmente nem todas as doenças oncológicas têm cura ou são, por nós,
apanhadas numa fase ainda em que seja possível curar. Muitas vezes já só é possível
alterar o curso natural da doença. Quando isso acontece – chega-se a uma determinada
fase em que a abordagem tem que ser multidisciplinar e, portanto, tem que ser feita em
simultâneo com a equipa oncológica e pela equipa de Cuidados Paliativos. Isso
acontece no nosso Hospital.
- Neste Hospital há uma Unidade.
Há uma Unidade de Paliativos com internamento.
-Não está integrado no mesmo espaço da medicina geral?
- Não. O serviço de Cuidados Paliativos, é um serviço de internamento que funciona em
espaço próprio. É um serviço autónomo, igual aos outros em termos de autonomia – tem
espaço próprio, pessoal próprio, etc. Portanto, o serviço de Paliativos, como eu estava a
dizer, tem um internamento, tem uma consulta, consulta essa que não é só programada,
também é de urgência.
Portanto, há uma disponibilidade permanente, através do Hospital de Dia – as consultas
de Cuidados Paliativas são feitas no Hospital de Dia, que é onde estamos, com uma
disponibilidade permanente para se verem doentes a qualquer hora.
- O Dr. quando tem que recomendar que o doente terá que transitar para os Cuidados
Paliativos, não é uma grande complexidade? Como é que esse momento se dá?
- É uma grande complexidade. Esse momento não se dá, porque na minha opinião não
se deve dar em termos de um médico. Deve-se dar em termos da equipa. Os doentes têm
que ser tratados por equipas. Essa coisa de serem só os médicos – individualmente – a
tratarem dos doentes é um conceito que tem que ser posto de parte. Para bem dos
doentes, os doentes têm que ser tratados por equipa multidisciplinar que inclui:
médicos, enfermeiros, psicólogos, assistentes sociais, etc. Todos os profissionais que,
caso a caso, devam ser chamados à prestação da assistência mais adequada àquele
doente porque, não há doença, há doentes, as pessoas são diferentes umas das outras, a
realidade que as envolve é diferente uma das outras, e temos que olhar para o doente
com uma perspectiva global.
Aquilo que nós fazemos é: trabalhamos em equipa.
A Dr.ª Margarida Carvalho é responsável pelo serviço. É ela que faz as consultas mas
pela interligação existente e porque os doentes não são de ninguém, são das instituições
que assumiram a responsabilidade de os assistir – muitas vezes a palavra tratar tem
implícita a cura, nós normalmente, o doente faz uma transição dos cuidados curativos –
digamos assim – para os cuidados paliativos, de uma forma progressiva. Na parte dos
doentes, inicialmente são acompanhados pela equipa de oncologia e pela equipa de
paliativos e de acordo conforme as coisas evoluírem, assim se mantêm as duas equipas
em colaboração uma com a outra a prestar assistência ao doente ou, numa determinada
fase, passa a ser a equipa de paliativos. E depende, é decidido caso a caso, aliás como
todos os doentes oncológicos são decididos por uma equipa. Não é um médico sozinho,
isolado, não é o cirurgião ou outro qualquer especialista que decide por si qual o
melhor tratamento a dar ao doente naquele momento. Qual a estratégia terapêutica a
utilizar naquele momento. Cada equipa tem que ser multidisciplinar, que inclui
internista, oncologista, cirurgião, natopatologista, radioterapêuta e outros, consoante os
doentes são discutidos um a um, e é dessa equipa que sai a melhor solução e a
estratégia, se vão começar pela quimio, se depois são operados, se devem começar pela
intervenção ou se vão começar pela rádio, ou se têm que fazer tudo em sequência. Isto é
definido em conjunto por todos. Caso a caso. Todos os doentes são apresentados em
reunião multidisciplinar de decisão terapêutica e é nessa reunião que é definida qual a
melhor estratégia para tratar aquele doente, que é diferente do outro doente que tem a
mesma doença. É dessa maneira que as pessoas têm que ser tratadas.
A grande maioria dos doentes dos paliativos são doentes oncológicos, mas os cuidados
paliativos não são só para os doentes oncológicos. Esses obviamente que não passam
por aqui pela equipa de oncologia, mas passam na mesma por aqui – Hospital de Dias –
porque é aqui que são feitas as consultas.
A distinção ente medicina curativa e medicina paliativa já foi abordada na sua resposta .
Aqui o curar ou cuidar num doente em paliativos como é que é encarada?
- A forma como os médicos daqui vêm esta questão do curar/cuidar, a questão como é
vista pelos médicos que aqui trabalham, por esta equipa, é que tem que deixar de estar
presente no pensamento dos médicos aquela velha ideia de que tem que se curar a todo
o custo. Tem que se salvar a vida a todo o custo.
Isso não é verdade.
A função do médico é proporcionar o máximo de conforto ao doente. É retirar o
máximo de sofrimento ao doente. Tentar curá-lo quando a doença é curável, mas não
baixar os braços, não o abandonar, quando a doença não tem cura. Portanto, quando a
doença não tem cura, então temos a medicina de cuidados paliativos. E então vamos
fazer com que o doente viva com a sua doença; se sinta o mais confortável possível
relativamente aos sintomas desagradáveis que essa doença possa dar, nomeadamente
contraindo dor , vómitos, enfim qualquer outro sintoma que o doente tenha.
Não é curar a todo o custo. É adaptar o tratamento à situação do doente. Só é legítimo –
na minha perspectiva – só é legítimo - fazer terapêuticas que provocam efeitos
secundários desagradáveis, se esse custo para o doente tiver algum benefício. Não faz
sentido termos um doente que está numa situação avançada da sua doença oncológica,
que nós temos no nosso manual que para aquela doença o tratamento é… este assim
assim e irmos fazer quimioterapia a um doente que nós sabemos de antemão que essa
quimioterapia não vai melhorar a doença nem a vai curar.
- Que irá apenas incomodar?
- Que vai incomodar. Isso não faz sentido para o doente. Isso não faz sentido para a
família e inclusivamente é um gasto – em dinheiro – inútil e que nós, sociedade, vamos
pagar, porque somos nós todos, enquanto cidadãos que estamos a pagar este serviço.
Obviamente que a perspectiva monetária não é aquilo que comanda as nossas decisões,
mas ela tem que estar presente.
Aquela coisa “a saúde não tem custos, etc. etc.,”, aquelas coisas que se dizem são todas
muito bonitas, mas isso não é assim.
- A realidade é outra
- É outra. Não faz sentido nós estarmos a dar medicamentos a uma pessoa que não vai
obter benefícios, que vai ter efeitos secundários desagradáveis e, simultaneamente,
estarmos a induzir uma despesa ao Estado, que é desnecessária.
É pensando nisso tudo que nós temos que decidir aquilo que deveremos fazer.
Portanto, o “curar/cuidar”, neste momento, é visto desta maneira. Antigamente o
médico tinha que tentar salvar a vida a todo o custo. Utilizar todos os meios que tivesse
à sua disposição para salvar aquela vida. Penso que essa atitude está a ser alterada.
- Mesmo não havendo, por parte do médico, condições para ter a certeza se o doente
poderá curar-se ou não, em relação a um medicamento, existia uma carga psicológica?
- Também existia uma carga psicológica.
- Considerando a clareza com que fala do papel do médico em relação à cura, há hoje
uma alteração profunda no que diz respeito a esse pensamento, conferindo ao médico,
uma racionalização do que é melhor para o doente?
- Há uma alteração profunda.
Eu penso que desde os anos 90 que começou a haver uma perspectiva diferente desta
problemática nalguns países, nalguns locais. De facto, hoje as coisas são encaradas de
maneira diferente.
Este é um assunto – de facto – muito complexo, porque também tem a ver com questões
ideológicas , sociológicas e religiosas, portanto há todo um conjunto de coisas que faz
com que de facto as sociedade se mudem e que o senso comum seja diferente daquele
que era há uns anos atrás.
Hoje temos uma sociedade muito menos religiosa do que tínhamos; a sociedade parece
que está a ficar cada vez mais ateia e, nesse sentido, certos conceitos que estavam
inerentes à formação religiosa, desapareceram, nomeadamente a forma como se
encarava a vida e a morte. Os conceitos mudaram. O conceito de morte do ponto de
vista filosófico começou a ser diferente daquele que era. Era impensável - aliás, se
calhar na Igreja Católica, que é a maioria das pessoas deste país, se pertencem a alguma
religião é à católica, mas é evidente que a morte é impensável – quando digo morte,
digo provocação da morte é deixar morrer, a vida é sagrada, nós não temos o direito de
interferir .
- A morte ainda ganha maior complexidade à luz da religião para a maior parte das
pessoas. Nesse sentido – daqueles que professam uma religião – essa é uma realidade
que irá ter peso na família do doente e em relação ao comportamento que esperam do
médico?
- Depois é evidente, que tanto o médico como os restantes profissionais de saúde, da
equipa, têm que levar em linha de conta as convicções religiosas de cada um, se as
houver, independentemente de ser católica ou outra.
Esta é uma parte que tem que ser levada em linha de conta.
- Mas entra no processo com muita força?
- Entra aqui exactamente e com muita atenção por parte do médico.
- Poderá essa ser uma forma do doente se agarrar à vida?
- Muitas vezes é uma forma do doente arranjar alguma compensação e de sublimar
uma situação dessas e é evidente que nós médicos temos que levar tudo isso em linha de
conta. Por isso é que a equipa pensa sempre nessas diversas vertentes e tem que se
encarar sempre o individuo como um todo e não como um ser portador de uma doença.
Um indivíduo como um todo, com personalidade própria, com a sua maneira de pensar,
de agir e de reagir, etc.
- Isso poderá entrar em linha de conta para a qualidade de vida do doente que o médico
persegue?
- Exactamente. É daí que resulta uma melhor aceitação da doença - uma melhor
convivência com a doença – e, também, a forma de encarar a morte que se aproxima.
- Quando o doente tem a lucidez do problema que tem, ou o nega, que atitude a do
médico para com esses doentes? Essas abordagens passam pela família ou há uma
particularidade com o médico assistente?
- A pessoa mais indicada para lhe responder a esta questão seria a Dr.ª Margarida
Carvalho, de qualquer das formas eu acho que na maioria dos casos, aquilo que
acontece aqui neste Hospital, é que a família é envolvida .
A questão da morte não é escondida ao doente e o doente aprende a encarar a morte
com naturalidade. A família é envolvida nisso. A família do doente aprende a lidar com
a situação de uma morte que se aproxima ou que não estará já muito longe. Que não
estará muito distante.
Isso tem uma parte muito importante também e é uma salvaguarda dos direitos dos
doentes e da família, que é permitir que o doente, em tempo útil, e em devido tempo,
quando ainda está na posse das suas faculdades mentais, possa tomar decisões para se
cumprirem após a sua morte, e aprender a rebaliza-las e aprender em encarar isso,
dizendo… eu quero que, seria meu desejo que…uma vez que eu morra. Isso pode faze-
lo em consciência e em lucidez.
Se andarmos a esconder das pessoas que elas têm uma doença incurável, andarmos com
uns “paninhos quentes” dizendo ah! Isso é uma inflamaçãozinha ali , não sei quê,
escondendo sempre que aquele doente está à beira da morte, estamos até a tirar-lhe esse
direito. Estamos a tirar-lhe o direito dele definir quais é que são os seus desejos.
Estamos a retirar-lhe o direito do que pretende após a sua morte. Este é um aspecto que
também é importante e tem que ser levado em linha de conta, por respeito para com o
próprio doente. Isso tem que ser feito. Com o doente e com a família.
A obstinação e a moderação terapêutica
- Esta obstinação versus moderação terapêutica, é exactamente aquilo que em parte eu já
falei, que é, a obstinação que havia antes da existência do conceito de Cuidados
Paliativos.
O médico era para curar?
- O médico era para curar, mesmo sabendo-se que todas as tentativas que pudéssemos
fazer eram infrutíferas mas insistia-se. Tínhamos que tratar o doente a todo o custo. A
todo o custo, os doentes tinham que ser tratados, mesmo sabendo-se que… não
estávamos a tratar. Não estávamos a tratar.
Eu sempre fui contra isso. Isso pode-nos levar a outra situação, à eutanásia, passiva,
activa, etc.,
- Pode levar a grandes discussões?
- Exactamente. Pode levar a grandes discussões. Na minha opinião, os cuidados
paliativos são o fim da eutanásia .
- É da maior importância o que referiu. Não quer explicar-me o seu pensamento?
- Não acho que haja justificação, neste momento, para a eutanásia.
Não interessa se eu estou de acordo ou não com a eutanásia. Não é isso que está em
causa. O que está em causa é fazer uma análise fria à situação.
Quando não havia cuidados paliativos – quando não havia este conceito – eu até achava
a eutanásia normal. Também era uma forma de, em vida, a pessoa decidir morrer. A
eutanásia é quando a pessoa não pode matar-se a si própria. Vamos pensar na situação
do suicídio que é só um acto do doente. Eu acredito que certos suicídios são opções de
vida, não são situações resultantes de uma situação psicológica. Temos é que saber
distingui-las quando é que um indivíduo tem “ideias suicidas”, está doente
psicologicamente, ou quando é que ele se suicida porque tinha razões para isso.
- Quando se suicida porque não quer viver em sofrimento?
- Ele não queria viver assim.
-Está a dizer que é a eutanásia sobre outro ponto de vista. É quando o doente tem
capacidades motores para prescindir da ajuda?
- Exactamente. Quando o doente está autónomo ele diz… “para viver assim eu prefiro
morrer” e então mata-se. E há outro que nem sequer é capaz de se matar assim porque já
não tem condições físicas para o fazer e pede para morrer.
- Daí o Dr. dizer que depois da introdução dos paliativos a eutanásia já não se justifica?
- Não se justifica pedir esse auxílio. A pessoa que está nessa situação, significa que já
está em grande sofrimento físico. Já não é só psicológico, é físico e esse sofrimento
físico pode lhe ser retirado, com os cuidados paliativos. Provavelmente, se lhe for
retirado o sofrimento físico, ele quer viver.
- Quer cá estar?
- Quer cá estar. Nesse sentido é que eu digo, a eutanásia não faz sentido a partir do
momento que haja cuidados paliativos de qualidade.
Diagnóstico objectivo:
Há o diagnóstico objectivo que é dizer-se “este doente sofre desta doença assim assim e,
outra coisa são os sintomas que a doença provoca no doente. São coisas diferentes.
A função do médico deve ser tratar a doença, mas aquilo que faz com que não haja
doença, mas doentes é que a doença se manifesta de forma diferente em cada um,
porque as pessoas são todas diferentes umas das outras. Tem lineares de sensibilidades
diferentes para a dor e para outros incómodos que tenham, para o vómito, para a febre,
enfim, para as mais diversas coisas.
O nosso tratamento tem que ser sempre adaptado àquele doente que estamos a tratar.
Não podemos pegar no manual de instruções e… é assim e acabou. Não, então para
isso não era preciso médico. Bastava alguém que tivesse o dito manual e o seguisse.
- Em sua perspectiva como é que encara o grau de envolvimento familiar?
- Médico: Como é que é ou como deve ser?
- É importante saber “como deve ser”, obrigado pela chamada de atenção.
- Eu penso que o envolvimento familiar deve ser grande.
- Também é de grande complexidade?
Dr. Palma - Esse envolvimento também é muito complexo porque depende de que a
família. Dependerá do relacionamento que o doente tinha com a família, antes de estar
doente. Se o doente se dava mal com a família não podemos esperar que essa família se
envolva – com muito amor, porque não existia esse amor anteriormente. Ao doente ,
esse envolvimento será ou não, maior ou menor, conforme a família em que esteja
integado, mas numa família em que as relações se possam considerar como “normais”,
se é que o “normal” existe mas, naquilo que é no senso comum é o “normal”,
obviamente, é desejável que essa família esteja mais envolvida.
Quando nós falamos em família, até pode não haver laços familiares. Pode ser um
companheiro. Pode ser um grande amigo ou amiga. Uma pessoa “chegada” ao doente.
Vamos dar um sentido mais lato.
Pode ser aquela pessoa com quem o doente partilha o entendimento?
- Exactamente. Isso é feito por nós e, eu diria que no geral, existe uma boa adesão.
Existe uma boa adesão por parte dos familiares e nós temos tido muito bons resultados.
Um dos indicadores que pode mostrar esses bons resultados é que desde que há
cuidados paliativos, já há mais doentes a morreram junto da família, nas suas casas, o
que não havia antes dos paliativos.
O Dr. entende que é importante o doente morrer na sua casa?
- Já lá vai o tempo em que nascia-se e morria-se em casa. No século XX passou a
nascer-se e a morrer-se nos hospitais. Fora da família. A partir dos anos 90, começou a
haver certos conceitos de, por um lado, o parto natural, fora da fria instituição hospitalar
e, a morte começa a ser no seio da família. No sítio onde há esse acolhimento. É uma
espécie de regresso à origem no momento da morte. Portanto, a existência dos cuidados
paliativos de qualidade, a existência de uma boa adesão e de um bom trabalho junto da
família, faz com que já haja novamente pessoas a morrerem – calmamente – no seu
domicílio, junto da família. Isso poderá responder a um indicador de qualidade e da
validade dos cuidados paliativos .
Controvérsia mais frequentes nos debates das equipas:
- Nessa troca de impressões, no momento, qual é a temática que mais o sensibiliza?
- Há aqui dois níveis de debate. Há o nível do debate das questões concretas – das
situações concretas do dia-a-dia. Entendendo debate, como disse, como troca de ideias,
para chegar-se a um consenso, a uma conclusão. Existe esse tipo de debate que, no
fundo é o diálogo entre as pessoas no dia-a-dia, pelo facto de trabalharem em equipa
coesas que partilham os problemas que têm e o problema do doente, esse existe.
O outro, que seria mais filosófico, não existe porque não temos tempo para isso.
- Em seu entendimento, deveria de existir?
- Estamos de tal maneira absorvidos que não temos tempo para esse debate. Eu gostaria
muito – eu pessoalmente – de, nos meus tempos livres, nos meus tempos de pausa, se
calhar poder debater isto com outras pessoas. Gostaria de fazer tertúlias sobre estas
coisas. Gostaria muito, mas eu não tenho tempo. Quando saio do Hospital já não tenho
disponibilidade mental para isso e o que acontece comigo acontece com todos os outros
meus colegas. Depois, temos a nossa família, temos a nossa vida própria e, de facto,
esta vida é tão absorvente que não sobra tempo para isso.
Estes debates deveriam ser institucionalizados. Deveria haver períodos de reflexão
sobre estas problemáticas, em que os profissionais directamente ligados se reunissem
para reflectir sobre isso e que, pessoas não ligadas directamente – sociólogos,
psicólogos, etc., - pudessem falar sobre estes assuntos numa perspectiva não muito
terra-a-terra, mas de outras formas.
Gostaria que me falasse de alguma prática dos serviços que entenda, deveria ser
mudada, isto a nível geral.
- Os Hospitais no geral não são como é a nossa Unidade e, mais, a maioria dos médicos
ainda não percebeu o interesse dos cuidados paliativos e, nem sequer perceberam ainda
bem, nem tão pouco o que é que são os cuidados paliativos.
A classe médica - como todas as classes e as pessoas em geral - é conservadora. As
pessoas, normalmente são avessas à mudança. A mudança é uma coisa sempre difícil
em todos os sectores. As pessoas acham sempre que o que está está bem, por isso não se
deve mudar.
Um àparte e veja-se o nosso Governo. Está demonstrado que fomos enganados não sei
quantos anos. Após as eleições os números foram completamente diferentes do que
tinham anunciado em plena campanha eleitoral, para não falar em todas as suspeitas que
há sobre quem está no poder e, mesmo assim, fazem-se sondagens e… se as eleições
fossem hoje, ganhava o mesmo. Isto significa que as pessoas não querem mudar.
E, viva o Benfica. E, pronto.
Este é o povo que temos. Se calhar temos os governantes que merecemos ter.
Mas, enfim … isto foi um aparte.
Mas, a maioria dos médicos, de facto, como os outros profissionais de saúde, não faz a
mínima ideia do que são os cuidados paliativos. É grave.
A maioria dos médicos neste Hospital, apesar de ter aqui um serviço de cuidados
paliativos, acha que isso não tem importância nenhuma. Portanto, tem que haver um
trabalho lento, mas continuado, persistente de fazer com que as pessoas compreendam a
importância dos cuidados paliativos.
O médico não pode só pensar resolver aquele problema que o doente trouxe, pôr tudo
para trás e olhar só para ali. Não querer saber do resto.
É muito bonito as pessoas irem para os congressos dizer que vêem o doente como um
todo, etc. etc., depois, na prática, não fazem nada. Essa prática tem que ser alterada.
Para se ser verdadeiramente médico, não se pode ser curador de doenças. Tem que se
ser tratador de pessoas.
Para se ser verdadeiramente médico, tem que se saber tratar de pessoas e as pessoas são
um todo.
São um todo, com o seu sofrimento. Com os seus problemas físico-sociais.
Se as pessoas quiserem seguir a noção de saúde que é dada pela Organização Mundial
de Saúde não podem ser meros tratadores daquela peça ou daquele órgão que está
doente, porque assim não estão a ser médicos.
Esta é uma coisa em que sou taxativo e,acho que a maior parte dos médicos –
infelizmente – ou porque não têm tempo ou porque não foram formados como deveriam
ter sido, ou entraram no curso errado, ou ainda a pressão dos doentes a que tem que
assistir os fazem tomar opções… Um médico terá que olhar para o essencial e terá que
pôr de parte o acessório.
Há que fazer com que as pessoas percebam a importância dos cuidados paliativos. Em
primeiro lugar o médico e, depois os outros.
Relativamente ao nosso serviço, obviamente que não há serviços perfeitos, mas eu diria
que cumpre todos os requisitos que estão determinados que sejam cumpridos. Tem
quartos individuais. Pode ter a presença permanente da família, inclusivamente o
familiar pode pernoitar no serviço a acompanhar o familiar doente.
A relação que existe da equipa com o doente e com os seus familiares é boa, é aberta,
estão disponíveis a qualquer hora. Não têm uma hora para estarem disponíveis (risos,
para acrescentar: essa é outra história), e, os cuidados paliativos ñão terminam com a
morte do doente. Os cuidados paliativos, pelo menos aqui envolvem também o luto. O
luto também é feito pela equipa dos cuidados paliativos.
Penso que nós estamos a funcionar muito bem e só é pena que não haja mais unidades
de cuidados paliativos, É meu entendimento que todos os hospitais o deveriam ter.
Pergunta - No que diz respeito aos cuidados paliativos, ainda há quem tenha dúvidas –
muito desconhecimento por parte da população – formas de dar a imagem concreta da
acção dos paliativos ao doente com cancro.
- Em relação aos Cuidados Paliativos, na área oncológica e, isto em todo o mundo, já
está comprovado, mesmo em estudos de carácter científico em -relação à promoção da
qualidade de vida do doente oncológico, não só numa fase terminal, mas actualmente,
desde há alguns anos que se pensa que os Cuidados Paliativos, se acompanharem um
diagnóstico da doença oncológica - muito, muito avançada - na altura do diagnóstico já
se sabe que é uma situação complexa e que pode necessitar de vários especialistas para
tentar dar o máximo de qualidade à vida à pessoa.
Em relação à oncologia, é muito bem definido todos os seus papeis. Os Cuidados
Paliativos como especialidade que são, neste momento, em muitos países do Mundo a
mesma coisa. Podemos intervir na promoção da qualidade de vida dos doentes tentando,
a vários níveis, a nível físico, tentando controlar ao máximo todos os sintomas, a nível
da parte da psicóloga, das equipas de que também fazem parte a psicologia, a nível
social e mesmo a nível espiritual, de modo a que os problemas sendo agarrados muito
de início, quanto mais precocemente nos doentes oncológicos complexos, como é em
todos, conseguimos que a evolução da doença, a evolução do lidar da família e do
doente com a doença seja de uma maneira mais pacífica, com muito menos sofrimento e
mesmo com muito menos recursos.
Se nós percebermos que não é só um doente mesmo na fase terminal, em que deixou -
por exemplo – de ter que fazer quimioterapia ou radioterapia, se nós pensarmos e
interviermos mais cedo, evitamos problemas complexos ao doente.
Imaginemos que há uma situação – uma jovem, que tem filhos, por exemplo, se for uma
abordagem feita global - os paliativos são numa visão holística da situação - se isso for
feito muito precoce – uma intervenção, um acompanhamento, um suporte ao doente e à
família - evitam-se problemas gravíssimos no futuro, em termos de complicações. É um
exemplo, mas há imensos e, agora, pensa-se que é um acompanhamento em paralelo
que deve ser feito - “Todos para o mesmo fim” – ou seja, para a qualidade do doente
que deve ser acompanhado pela oncologia, quer pelos paliativos.
Claro que ainda há poucos recursos, que é o caso de Portugal, nós não podemos abarcar,
agora já de imediato, todos os doentes. Temos que nos limitar à nossa população alvo,
não é? tanto que nós nos temos que dirigir mais aqueles que estão mais em sofrimento
neste momento, nomeadamente aos que estão em fase já muito avançada da sua doença.
Pergunta - Quando o doente tem indicação para ir para os cuidados paliativos, não é o ir
para uma antecâmara da morte?
- Não. É assim, a sociedade e mesmo os profissionais de saúde que estão pouco dentro
desta problemática.
Pergunta- Mas, a imagem?
- A imagem é, tanto que, no início do desenvolvimento destes serviços de cuidados
paliativos em todo o mundo, isso é um historial de todos os países, nós temos um
historial mais curto, mas o que aconteceu efectivamente quando os doentes pedem um
conselho às equipas dos cuidados paliativos é já numa fase muito, muito tardia, já numa
fase muito junto da morte.
- O médico faz um alerta à família, dizendo que o doente já entrou no percurso de fim
de vida?
- Nós na nossa especialidade tentamos que a família e o doente saibam que têm a sua
vida, que está (em inglês é mais fácil dizer, mas … que “tem os dias contados”. Não
quer dizer que esteja a morrer e, essa perspectiva de que está mesmo a morrer, as
pessoas podem pensa-lo nesse momento quando se vai para paliativos porque é a noção
global que a sociedade tem e os próprios profissionais de saúde em Portugal têm, mas
neste momento, já não é tanto assim. E, o que nós tentamos transmitir é que não é isso.
Não é só nessa fase em que os doentes devem ser referenciados para cuidados
paliativos, mas que não é um desinvestimento, porque os doentes podem deixar de estar
a fazer quimioterapia ou radioterapia, mas nós investimos nesses serviços. O tratamento
dos vários sintomas tem que estar ao máximo bem controlados, através de toda aquela
intervenção de que lhe falei, da parte social e psicológica, e consegue-se transmitir – e é
isso que nós tentamos, quando referenciamos um , tentamos transmitir que não vamos
desistir do doente.
- O Médico dignifica a Vida.
- É um dignificar da vida e tentar dar valor à vida até ao último momento.
Pergunta - Não é assim: Agora já não há nada a fazer, não vamos dar o medicamento
“X” ou “Y” porque custa caro?
- Nada disso. Não tem nada a ver com isso. É ao contrário.
Pergunta - Mas há muitas pessoas que receiam que isso aconteça nos nossos Hospitais.
- Sim, mas depois têm o contacto com as equipas de paliativos que existem, deixam de
ter essa noção. Percebem que nós, por exemplo, estamos sempre atentos ao mínimo
pormenor para tentar dar o máximo de qualidade de vida. Eu penso que é isso que
tentamos a nível das equipas que existem no País. Nós temos a noção, está claro que
nunca é uma noticia boa, a pessoa pensar que vai entrar em cuidados paliativos, mas
essa é uma filosofia e um modo de pensar que também faz parte de nós lutarmos para
que a pessoa não desista e para que a pessoa se sinta bem o melhor possível com o
tempo que tem.
Pergunta - Fazer com que a pessoa colabore, não é? Aliás há uma clara definição muito
clara entre medicina curativa e paliativa, não é? Ou ainda há algum elemento que se
possa interligar com a medicina curativa?
- Neste momento, como eu lhe disse há pouco, é uma atitude que deve ser paralela. Por
exemplo, aqui no nosso Hospital, instituímos um funcionamento em que há reuniões de
“decisão terapêutica” do doente oncológico pluridisiciplinares, em que está o cirurgião,
o médico de radioterapia, o oncologista, o médico internista - e, os cuidados paliativos
são também essas decisões terapêuticas do doente, isto para que para que, para os
doentes muito complexos, jovens com a doença já muito generalizada e que ainda
tenham um tratamento dirigido à doença, dirigida ao tumor, também tenham muito
tratamento para fazer, dirigido a todo o resto. Têm que estar ao máximo bem tratados.
Vamos tratando o doente. Um doente em paliativos não quer dizer que não faça um
tratamento diferenciado.
Pergunta –Nos paliativos não se trata só a dor e deixa-se lá instalado uma ferida que
surja?
- Não. Não. Provavelmente terá conhecimento de que, a medicina paliativa, no resto do
mundo, é uma especialidade médica. Em países como a Inglaterra é uma especialidade
médica, como é a cardiologia, etc., já desde 1987. A medicina paliativa não é uma
novidade. Não é só fazer carinhos e conforto. É, além disso, uma técnica e uma
especialização nessas áreas e, exige preparação e treino, como todas as especialidades.
Nos Estados Unidos é a mesma coisa. No Canadá os médicos, primeiro têm que ser
Internistas e de Medicina Geral e Familiar para – depois – tirarem 3 anos de paliativos,
uma disciplina técnica, para além de tudo o resto, desde o conforto que tentamos que o
doente tenha.
Pergunta – Aliás (as perguntas agora começam a fazer sentido), acaba por cumprir os
dois objectivos, de que se compunha a questão: o de Curar e o Cuidar. As linhas
paralelas de que fala, afinal encontram-se, ou melhor vão lado a lado.
- Isso mesmo. Não deixarmos de curar, nem abandonamos o doente. Imaginemos um
doente que está a ser seguido pela nossa equipa e tem uma inter-corrência -
imaginemos - uma coisa muito simples, uma infecção urinária, não é por estar em
paliativos que deixamos de tratar essa ocorrência.
Obstinação e … terapêutica …
- Obstinação? Neste momento, o que é considerado obstinação terapêutica ou
encarniçamento terapêutico, são medidas que se fazem a doentes, quando não são
indicadas para esses doentes. Os cuidados paliativos racionalizam muito essa questão.
Neste momento, o standard da medicina, obriga a que não se façam determinadas
praticas que só vão lesar o doente e não lhe vão fazer bem. E cada doente é um doente.
Não há indicação para fazer encarniçamento terapêutico em determinadas situações
porque não vai beneficiar o doente. Antes pelo contrário. Vão dar sofrimento e daí que
os cuidados paliativos estejam muito atentos a isso e tentem transmitir à outra
comunidade, aos outros profissionais e à sociedade, a diferença de nós não podermos
fazer esse encarniçamento terapêutico porque neste momento é má prática
genericamente.
Pergunta - O grau de envolvimento familiar - na perspectiva do médico sempre – em
algumas fases, mas em paliativos, como é que se dá e como é que poderá ser útil à parte
psicológica do doente?
- É muito importante. A Comissão da Organização Mundial de Saúde, mesmo de
paliativos, com uma actualização de 2004, é mesmo peremptória nisto: A Unidade que
nós tratamos em paliativos é o Doente e a Família. Não só a família tem, como suporte
do doente e dos profissionais, para conhecermos melhor o doente, tem uma importância
enorme, como nós também cuidamos da família deste doente. Em Portugal (vou aqui
chamar a atenção para algumas coisas que também acontecem não só em Portugal.
Acontecem em outros locais), o envolvimento da família, às vezes, no diagnóstico, por
exemplo, há uma preferência em o doente não saber o que tem e ainda hoje ele tem o
direito de saber. Só se não quiser saber é que não terá que saber e sabe sempre a família.
Há uma postura antiga, mas é um direito do doente. Ninguém tem o direito de lhe negar
esse direito. Entretanto fizemos um estudo, tínhamos essa noção, de que o doente não
sabia, quando chegava aos paliativos, não sabia por vezes o diagnóstico sequer. O
prognóstico era de que tinha uma doença avançada. Muitos nem sequer sabiam se
tinham. Fizemos um estudo aqui no Hospital pata tentarmos perceber, através de um
inquérito e levamos até agora ao Congresso de Cuidados Paliativos em Lisboa, um
trabalho feito por enfermeiros aqui do Serviço que fizeram um inquérito nas salas de
espera aqui do Hospital para saber se na realidade as pessoas queriam saber - e noventa
e tal por cento querem saber, e, também, se o seu familiar próximo quer saber. E,
também querem, mais de oitenta por cento. Portanto, há uma cultura que está instalada
e não é só com a família. Temos que modificar aqui também as atitudes dos
profissionais de saúde. Eu sei de estudos anteriores feito já há dez anos e que
mostravam esta mesma tendência para isto acontecer. Agora, os motivos têm que ser
investigados. Agora é importantíssima a família. Nós na nossa Unidade temos a família
– a possibilidade da família estar 24 sobre 24 horas com o doente. Temos um sofá,
daqueles que abre para cama e a pessoa pode permanecer, se quiser. Muitos não
querem. Precisam da noite para terem um descanso, não é, mas muitos ficam e acaba
por ser um trabalho diferente. Nós temos a família 24 sobre 24 horas connosco a
participar nos trabalho e é muito importante.
Pergunta – Normalmente numa equipa médica haverá temas que provocarão
controvérsia e esse poderá ser um deles?
- Controvérsia, que penso que – neste momento – posso falar que as pessoas já estarão
mais conhecedoras da perspectiva do que serão os cuidados paliativos.
Neste momento, acho que não se põe em causa a importância dos cuidados paliativos
mas, há ainda uma tendência para que os clínicos e as equipas dedicadas a esta área
sejam chamadas muito tarde ainda. No contexto actual, não chamam mais cedo para
acompanhar o doente. Não é só neste Hospital, é também noutros locais, mas temos
tentado lutar para que as coisas se modifiquem.
Em termos de controvérsias, nós nos paliativos somos pela Vida, não é? E lutamos
sempre pela Vida do doente com qualidade até ao seu fim. É natural. Aceitamos a Morte
como um processo natural.
Os médicos e todas as equipas na era moderna não estão muito habituados a lidar a
morte. Nós temos que ter sucesso em tudo. Nós temos que vencer tudo. Nós temos que
tratar tudo. Curar tudo. Nas nossas faculdades ninguém nos falava que o doente não ia
curar-se e que ia morrer. Não estamos preparados –mas vamos estar cada vez mais, não
é? – e então quem fica nos paliativos tem que fazer preparação nessa área porque não
podemos sentir como que uma derrota o facto de um doente não se curar.
Pergunta- Mas de qualquer forma o fio condutor não é em direcção à cura?
- Muitas vezes – algumas vezes, a cura não é possível. A cura não é possível e as
situações arrastam-se e quando a cura não é possível, nós também temos que saber lidar
com estas situações, como pessoas e como profissionais, principalmente. Temos que
saber que há muito a fazer por essas pessoas que não têm cura e que aquela frase: “Não
há nada a fazer” é para riscar do mapa”. Há muito para fazer.
Pergunta - As equipas de que falou – de um modo geral – estão coesas nessa ideia?
- As equipas de paliativos são coesas nessa ideia.
Pergunta – E os restantes oncologistas?
- Nós aqui temos um contacto privilegiado com o nosso oncologista, que também
trabalha em outros hospitais. Penso que os oncologistas estão coesos em relação à
necessidade dos cuidados paliativos.
Pergunta – Os oncologistas quando estão em reuniões, manifestam a tendência de
percurso, junto ao médico dos cuidados paliativos?
- Não é da minha experiência pessoal como oncologista, mas tenho uma experiência de
25 anos e, há sempre uma fuga, não é? Uma fuga destas situações, ou seja pela tristeza
que se tem de não conseguir curar determinada pessoa, ou por sentir (como é que devo
dizer. Não estou a encontrar a palavra), que é um insucesso do médico, do enfermeiro.
O facto de sentir isto tudo leva a uma fuga dessas situações. Tenho perfeita noção disso.
Os enfermeiros presenciam muitas vezes – eles acompanham muito. Os médicos
também têm presenciado - mas não é uma situação conseguida facilmente. Tem que
haver uma preparação até maior de todos os clínicos porque temos que estar em todas as
situações e temos que estar também nessas, quando a cura não é possível.
Alterações cuidados paliativos
-Nós quando organizámos aqui a nossa Unidade de Cuidados Paliativos, tivemos que ter
atenção a diversas coisas e uma delas, não sei se reparou, é que nós tentamos humanizar
ao máximo a nossa Unidade.
Pergunta- O Hospital, as pessoas e o local?
- O local não. É uma enfermaria normal, só que, adaptamos. Fizemos uma corzinha
numa parede. Temos sardinheiras e cravos nas janelas. Temos quadros que nos foram
oferecidos, muito generosamente, pela população. A sociedade civil participou; nós
pedimos e foram espectaculares mesmo. Temos quadros da Escola de Artes de
Santiago. Temos fotografias que nos vieram oferecer quando souberam com o que
decoramos a nossa Unidade. O nosso objectivo era a humanização e que as pessoas que
estão cá internadas – não quer dizer que estejam cá internadas até ao dia em que morrem
– não, os nossos doentes têm alta. Nós temos à volta de trinta e tal doentes que têm alta
para casa e que regressam quando é necessário. Neste caso tentamos humanizar ao
máximo – que a família esteja ao máximo - daí o termos possibilidade de eles saírem,
temos interesse em que partilhem refeições com os doentes cá em cima. Temos uma
salinha lá – um refeitório aprazível. Temos um aquário que nos foi também cedido.
Fomos todos muito pedinchões em termos de conseguir que o espaço ficasse diferente e
agora até vou dar um exemplo: Nós temos cá uma família neste momento (isto não é
uma inconfidência, dizer que a família que é cigana), a esposa desse senhor que está
neste momento na cama, dizia – quando uma outra doente ia a entrar – essa doente
estava muito nervosa – então dizia assim: “Mas não esteja assim. Não esteja assim.
Este cantinho é especial”. Não é interessante? E disse mesmo: “Aqui estou”, e, depois
para nós disse: “Aqui parece que estão os doentes mais graves dos graves e não
parece”.
Para nós foi tão reconfortante ouvir isto. Nós estamos aqui com doentes gravíssimos e
tentamos não esconder nada. Queremos que eles estejam o melhor possível e que seja o
ambiente físico, como aqui falou, o melhor possível. A equipa e a presença da família,
tudo isto faz com que haja uma relação diferente, mas que não pode ser uma relação
pessoal. Somos todos profissionais, não é? Então a gente tem regras, mas acaba por ter
um relacionamento diferente, até porque nós seguimos o doente nos paliativos e a
família até depois da sua morte. Segue-se a família depois do doente falecer. Portanto,
seguimos a família no luto. Temos que perceber se estão bem, telefono-lhes e estão
acompanhados por psicólogos ou quando têm problemas relacionados com outras
coisas, mas telefono e cria-se, na realidade, uma relação diferente. Eu que sou médica
há tantos anos – sou internista há muitos anos, acho que é mesmo diferente. É mais fácil
na Unidade porque nós temos mais contacto com as famílias. Se for noutro serviço do
Hospital, onde também trabalhamos, onde a equipa também vai ver doentes e, seguimos
doentes internados noutros serviços do Hospital - às vezes não temos vaga e temos que
internar noutros serviços do Hospital - mas também somos consultores de
determinadas situações que os colegas nos pedem e, aí, torna-se um pouco mais difícil
em termos dos tratamentos, a prescrição terapêutica é idêntica e tudo. É diferente
porque, falta-nos um pouco a questão da família poder estar sempre e todo este
ambiente que aqui se vive. Mas, é importantíssimo. Há, neste momento equipas
hospitalares que, mesmo não havendo Unidade, podem fazer um trabalho óptimo para o
desenvolvimento e para a formação dos profissionais na área dos paliativos.
Há pouco tínhamos falado da dificuldade das pessoas irem para aquele serviço, não é?
Nós temos sempre fazer de uma maneira gradual. Só tivemos um único doente, que
estava noutro serviço e que não quis vir para aqui (Unidade de Paliativos). Nós
continuamos a tratar lá, mas nós tentamos. Explicamos. Como é, o que fazemos, porque
eles já sabem nesse momento. Há uma frase muito interessante até de clínicos dedicados
a isto, especialistas nesta área, que diz assim: “Na altura os doentes sabem que não
somos deuses” e percebem que nós estamos a interessar-nos. Nós estamos a interessar-
nos mesmo em situações em que a cura não é possível.
Há uma frase também lindíssima, da Cicely Saunders – provavelmente já ouviu falar,
foi pioneira dos cuidados paliativos da era moderna, sobre aquela fase religiosa, o
carinho, foi através de Cicely Saunders, morreu há pouco tempo, foi enfermeira, depois
tirou o curso de medicina – não sei agora a ordem , mas tirou também o curso de
“Serviço Social” para melhor poder conseguir cuidar destes doentes e,depois, montou
primeiro – ao Serviço da Vida da era moderna (nós chamamos da era moderna), os
cuidados paliativos desde então, desde os anos 60. A Doutora veio a falecer agora há
pouquinho tempo. Tem uma frase lindíssima que nós aqui costumamos usar muito e
lembramo-nos muitas vezes, que é para o doente: “Importas porque tu és tu. Importas
até ao último dia da tua Vida”. Este é o espírito dos profissionais que se dedicam aos
cuidados paliativos.
-Qual é a sua idade, por favor?
-A sua categoria profissional.
-Assistente hospitalar.
-A Drª formou-se em que Instituição?
-Na Universidade do Porto.
-Na Faculdade de Medicina?
-Sim.
-Em que ano?
-Em 1988.
-Na profissão tem vinte anos.
-Sim.
-E na especialidade, neste caso, a oncologia médica? Eu sei que os cuidados paliativos
não são uma especialidade reconhecida mas eu perguntava-lhe sobre as duas.
-Formei-me em 93, salvo erro, em oncologia no IPO de Lisboa e os cuidados paliativos
fiz já lá vão quatro anos. Fiz há quatro anos o mestrado, que não apresentei a tese, ficou
como uma pós-graduação.
-Na Faculdade de Medicina de Lisboa?
-Sim, foi o primeiro mestrado que houve em cuidados paliativos.
-No Hospital, a Drª está aqui há quatro anos?
-Quatro, cinco.
-O seu sector predominante de actividade é o público ou o privado?
-Público sempre, mas fiz privado.
-Sei que o Hospital é um hospital com cuidados paliativos.
-A consulta mastodentária de oncologia, que só fazemos nós aqui, não há ainda unidade,
é uma consulta de cuidados paliativos dentro do serviço de oncologia, mais nada.
-Certo. Portanto, mas é consulta directamente ao doente.
-Directamente ao doente e à família. Nos cuidados paliativos nunca consideramos o
doente sozinho, mas sempre no contexto da família.
-????
-Como tenho interesse particular nesta área e a única hipótese era abrir uma unidade de
cuidados paliativos dentro do serviço de oncologia e como neste momento não nos dão
muito, quer em tempo, quer em pessoal, acabámos por utilizar, digamos, os meios que
utilizamos na oncologia, para conseguir fazer a consulta de paliativos, mais nada,
porque não nos dão mais do que isso; gostaríamos muito de abranger o hospital todo,
mas não nos dão mais nem condições para isso. Não há capacidade.
-Qual é que a Drª pensa ser a relevância dos cuidados paliativos para o doente
oncológico?
-Para mim, o doente é um todo, não uma parte. Nunca o consegui considerar como uma
doença. É uma pessoa e a pessoa, dentro da patologia da área da oncologia,
nomeadamente, e não só a oncologia, mas particularmente, tem muitos sintomas que
não são necessariamente (nem são na maior parte das vezes) tratados e avaliados na área
da oncologia. Então fui à procura de maneiras de tratar a pessoa como um todo e não só
como um doente oncológico e daí o meu interesse em tratar o sofrimento da pessoa em
si.
-Parece-lhe que faz sentido a distinção que muitas vezes acontece entre uma medicina
curativa e uma medicina paliativa, quanto mais não seja em termos analíticos? Curar e
cuidar, como muitas vezes está em cima da mesa?
-Não, não tem sentido.
-Porque não?
-Há duas maneiras, uma mais filosófica e outra menos filosófica. A menos filosófica é
que praticamente são poucas as situações que são curativas neste momento, em termos
de doença, a não ser um síndrome gripal e pouco mais do que isso, algumas infecções
que neste momento possam ser curativas, mas mesmo as doenças que são curáveis entre
si, que desaparecem completamente, têm sintomas que necessitam ser tratados e muitas
vezes não é a medicação da doença de base que vai tratar. Pode vir a tratar, curando esse
sintoma, mas para aliviar e dar bem-estar precisamos de dar outras coisas, o que
fazemos habitualmente. Portanto, o estar a separar as duas coisas não faz sentido
nenhum. Tratar o sintoma e aliviar o sofrimento faz parte de qualquer acto médico, que
pode ser mais específico e é cada vez mais específico na área dos cuidados paliativos.
-Falou-me também numa perspectiva mais filosófica. Queria desenvolver?
-Não, prefiro não. Pode passar à frente.
-Outra divisão que muitas vezes surge nestes debates tem a ver com a questão da
obstinação e moderação terapêuticas. Qual lhe parece o valor da crítica, por exemplo, da
obstinação terapêutica?
-Eu julgo que tem muito a ver com o ensino, não só o ensino, mas a maneira de estar
pessoal, que ajuda muitas vezes e que fomenta a parte do ensino, que é: o médico existe
para tratar ou curar, não para ajudar a morrer. A medicina que tem evoluído, tem sido
para aumentar a sobrevivência, aumentar a expectativa em relação à vida e isso faz com
que o médico aprenda a manter as pessoas vivas. E o facto de mantermos as pessoas
vivas implica uma certa obstinação terapêutica e isso confunde-se muito com a pessoa
que está à nossa frente. Isso tem a ver depois com a maneira que cada um tem de estar e
os valores que cada pessoa tem. O médico, ao aprender isso, afasta-se muito da parte
emocional e da parte do sofrimento em si. Tem que se defender e não é ensinado a lidar
profissionalmente com isso. Ao não ser ensinado a lidar com o sofrimento e com a
morte, acaba por se defender mesmo e foge e acaba por cair muito mais facilmente
naquilo que é ensinado, que é a tratar e a prolongar a vida.
-Não sei se consideraria abusivo se lhe perguntasse: terá também a ver com a própria
identidade profissional dos médicos, de certa forma?
-Também. E depois são os valores pessoais. Por isso é que há pessoas que se ligam mais
aos cuidados paliativos e o fazem de um modo humanizado e há pessoas que fazem uma
medicina muito mais humanizada do que outras. Isso tem a ver muito com valores
pessoais, porque não é isso que é ensinado e se há quem o faça é porque há valores
individuais diferentes que levam a isso.
-Falou na questão do sofrimento do doente. Colocaria aqui outra dicotomia apenas para
levantar outros argumentos, eventualmente. Se pusermos um ratio entre um diagnóstico
mais objectivo, ancorado em meios complementares e um diagnóstico mais atento às
queixas do doente, parece-lhe que há aqui uma diferença entre uma medicina fortemente
paliativa e uma curativa, ou não?
-A mim, não. Em termos pessoais, não. Não o faço habitualmente na prática diária. Uma
coisa é o que os exames me dizem, mas não posso nunca dissociar daquilo que o doente
me diz que tem, das suas expectativas, daquilo que ele quer saber, daquilo que ele é e
daquilo que ele espera. Uma coisa é aquilo que os exames me dizem; outra coisa é
aquilo que o doente sente e nunca posso dissociar as duas coisas.
-E em termos de percepção sobre a própria medicina em Portugal e da própria oncologia
, a coisa funciona assim?
-Não funciona. Está muito longe disso, ainda, aliás porque dentro da área específica da
oncologia, a evolução foi muito rápida em termos de terapêutica e isso implicou um
grande crescimento e desenvolvimento da parte da especialidade em si (desenvolveu-se
como uma especialidade separada da medicina interna), o que levou ao tal
encarniçamento terapêutico e portanto as pessoas esqueceram-se muito da parte
humana, mas isso tanto se vê na oncologia como nas outras especialidades. Por
exemplo, numa cardiologia vê-se muito, numa pneumologia, numa neurologia em que
há evolução muito marcada mesmo a nível dos AVCs, por exemplo, as pessoas
esquecem-se de que quem está do outro lado é um ser humano.
-A tal mediação. É isso?
-Sim e isso faz-nos esquecer muito o resto, que é a pessoa em si. E não só. Depois,
temos as pressões administrativas, as pressões políticas, burocráticas, que levam a que
em termos organizacionais as coisas fiquem de modo diferente. Temos depois o que nos
valoriza e nos vêm mostrar, que são os rendimentos por número, não os rendimentos em
termos de qualidade, faço-me entender, do bem-estar do doente. Isso nunca foi avaliado
nem é avaliado, nem passa o interesse disso. Mesmo os números de doentes que a gente
faz, os números das altas, nas demoras médias, os gastos com a terapêutica, tudo isso é
contabilizado, não o resto, e isso é uma pressão que existe e faz com que a pessoa
também chegue às páginas tantas que pergunte:- para que é que me hei-de estar a
esforçar?
-Parece-lhe então que pode existir uma associação, uma afinidade entre uma forma de
encarar uma medicina com maior mediação tecnológica e certas pressões
administrativo-burocráticas existentes nos vários contextos, nomeadamente no campo
da oncologia?
-Sim, nomeadamente, particularmente. É a minha área, mas tenho-a visto sempre
através da urgência, às vezes faço urgência, tenho visto que existe alguma evolução
também nessa parte e tenho visto também a maneira diferente como as coisas são
encaradas. Um doente é bom porque entra num estudo, porque vai fazer número para
um estudo, porque recuperou x graus de mobilidade, de fala, e passa a ser importante
por isso, não por aquilo que realmente é.
-A nível de envolvimento familiar, também há diferença, parece-lhe, em termos de
paliação?
-Como assim?
-Peço desculpa. A nível de envolvimento dos próprios familiares na relação com o
médico há diferenças a nível dos cuidados paliativos?
-Nos cuidados paliativos um dos conceitos é exactamente que o doente está inserido
num contexto familiar que é extremamente importante, principalmente no seu fim de
vida, porque é a família que lhe vai dar o apoio emocional, principalmente, e portanto
faz parte de um conjunto que nunca pode ser dissociado. Se nós não ajudarmos o
cuidador a cuidar do doente, não vamos permitir dar aquilo que a gente pretende, que é
exactamente uma razoável qualidade de vida e bem-estar (e qualidade de vida, aqui, é
bem-estar) com a diminuição desse sofrimento ao próprio doente.
-Portanto, há alguma diferença na relação com a família, noutro tipo de medicina?
-Não deveria haver noutro tipo de medicina essa relação, mas é assim, neste momento.
Há inclusive alguns estudos que mostram que os familiares estão muito descontentes,
nomeadamente com a informação que conseguem ter; por outro lado, e isto julgo que
também partiu um bocadinho dos EUA com os problemas legais, porque é assim: o
doente tem direito a ser ele a saber e só ele é que pode autorizar a informação seja a
quem for, nomeadamente a um familiar próximo e isso permitiu, de algum modo, apesar
de culturalmente nós sermos diferentes, o receio da parte do médico de poder partilhar
seja que informação for com um familiar e portanto também se escudam um bocado
nisso. Se nós tivermos o cuidado de perguntar, por exemplo, assim que um doente nos
entra a primeira vez pela porta, se ele autoriza a presença ou não de um familiar, à
partida ele está a dizer-nos automaticamente se aceita que essa informação seja dada ou
não a um familiar e se nós tivermos o cuidado de perguntar como é que quer, é uma
pergunta extremamente simples e é muito rápida e a gente sabe perfeitamente o
contexto em que está inserido, portanto, podemos fazer isso com muita facilidade. Até é
também uma questão de hábito, é uma questão de formação, é uma questão de prática,
mas existem outros contextos que estão para trás e ligados, que impedem um bocado
que o médico habitualmente, em qualquer especialidade, o faça. Tenho queixas de
doentes aqui que saem de internamento hospitalar, sejam eles de outras especialidades,
sem conhecimento nenhum do que é que se faz em casa ao doente, de como é que
lidam, de que doença é que ele tem, chegam-me a perguntar se é contagioso. Portanto,
isto é o mínimo de informação que um familiar eventualmente poderá ter em relação à
situação e que não tem quando chega aqui.
-De qualquer modo essa relação com a família, nos cuidados paliativos, está centrada no
doente, sempre?
-No doente. Sempre.
-Em termos da relação-quando existe-com a restante equipa dos cuidados paliativos,
parece-lhe que há uma diferença no trabalho, face a uma...
-É uma equipa e as equipas têm tarefas, portanto um indivíduo pode ter tarefas
específicas. No entanto nem sempre são interligadas. Há sempre uma partilha de todos
os actos. É claro que há uns que são mais específicos que outros. É natural que eu faça
uma gasimetria se for necessário ou tenha uma atitude terapêutica em termos de
prescrição ou de proposta. No entanto, nunca é individual, é sempre partilhado, quer
com o psicólogo, quer com a enfermeira.
-Nos cuidados paliativos?
-Nos cuidados paliativos. Em oncologia, aqui neste serviço, habitualmente existe uma
equipa também com o pessoal de enfermagem, muito grande, e portanto fazemos muito
essa partilha.
-De qualquer modo, parece-lhe -mais uma vez em termos da sua percepção- que a
abordagem em cuidados paliativos, pelo menos na actualidade, está a despontar em
Portugal, está a abrir esse campo?
-Está a abrir esse campo.
-Digo isto porque, já agora, as pessoas que tenho entrevistado têm-me dito que há uma
grande rivalidade entre especialidades.
-Sim, inclusivamente tenho tido alguma dificuldade em penetrar no campo da
oncologia. Creio que, não tenho a certeza, mas será eventualmente por isso.
- O oncologista não gosta nada que lhe falem nos cuidados paliativos.
-Pois, acho que estou a “sofrer” um pouco com isso, apesar de ter o apoio do sr.
Presidente do Colégio.
O que eu queria dizer é que alguns colegas da Srª Drª têm dito, têm acusado outros
colegas (não directamente ninguém), digamos assim, de alguma forma sentirem que
perderam o estatuto, numa equipa de cuidados paliativos.
-Exactamente. Sinto que o oncologista (falo da experiência que tenho com os meus
colegas) gosta de ser, entre aspas, o dono do doente e de ser ele a orientar tudo. Ele é
aquele que sabe o que é que está a fazer ao doente, mas não tem informação capaz de
encarar o doente como um todo, nomeadamente em relação ao sofrimento, isto porque a
oncologia também cresceu muito como eu estava a dizer e isto, digamos, incandesceu
muito as cabeças.
-Progresso e modernidade, talvez...
-Faz com que sejam pessoas brilhantes, porque uns cheirinhos e uns pózinhos daqui que
as outras pessoas não sabem misturar, os tornam diferentes e especiais. Eu não partilho
nem um bocadinho dessa maneira de estar, o que já me criou alguns problemas, mas é
muito a mente do oncologista, essa, tanto que ele não sabe, por exemplo, tratar uma dor,
infelizmente nem isso sabe, a maioria deles não sabe.
-Não sei se a Drª agora pretendia desenvolver aquela questão de há pouco, a da
abordagem mais filosófica, diferenciar-se uma medicina mais curativa de uma medicina
mais paliativa.
-Só se eventualmente a conversa...
-Foi apenas uma pausa. Em termos de temas de debate e controvérsia, que existem neste
domínio, quais é que lhe parecem ser mais frequentes entre oncologistas, entre pessoas
ligadas aos cuidados paliativos, médicos dos cuidados paliativos, mas médicos?
-Mas... entre eles?
-Sim, sim. Até nas diferentes especialidades em campo, ou não.
-Eu acho que nem sequer chega a haver debate. É assim: entre oncologista e cuidados
paliativos não chega a haver debate porque não há diálogo, portanto, é muito
complicado. Um dos problemas maiores que o doente tem, por exemplo, em relação a
isso, é a dor e logo por aí é eliminado porque o oncologista habitualmente não trata,
envia para unidades de dor. Como cada vez mais há unidades de dor, o oncologista
também começou por, digamos, deixar de lidar com essa área. Manda o doente para a
unidade de dor e não interfere sequer com essa atitude. Logo à partida aqui cria um
hiato e uma separação e não há envolvimento nem partilha. É como, por exemplo, um
oncologista se tem alguém com uma hipertensão arterial, em vez de perguntar a um
colega de cardiologia:- olha, o que é que eu faço com este doente, o que é que me
aconselhas, como é que oriento? Antes de eventualmente enviar, envia. Portanto, nem se
preocupa em saber que medicamentos é que aquele doente está a fazer para diferentes
patologias e inserir no contexto todo, nem há sequer essa preocupação. São águas
separadas, portanto, nem vale a pena misturar. E o oncologista peca muito por isso. Não
mistura. Daí o diálogo não ser possível neste momento ou ser muito difícil com os
cuidados paliativos. Não há misturas. Não é uma área dele. Ponto final.
-Em todo o caso, Drª, no caso inverso, as pessoas que têm estado ligadas ao processo de
implementação dos cuidados paliativos em Portugal, têm realizado uma crítica, crítica
num sentido muito amplo e têm levantado temas de debate. Consegue identificar alguns
deles? Bem, já focámos alguns: a obstinação terapêutica.
-Isso interfere com as outras especialidades, aí tem a ver muito com a relação que eu
julgo que os cuidados paliativos têm, tem a ver com a dificuldade de diálogo com as
outras especialidades. Neste momento a maior parte das pessoas que se dedicam aos
cuidados paliativos não é bem encarada pelas outras especialidades, nem como uma
mais-valia, e isso faz com que não sejam aceites, muito bem aceites pela maioria das
especialidades, independentemente de ser oncologia ou não.
-E já agora, a que é que a Drª atribui isso?
-Ao perfil do especialista. E não estou a falar do oncologista, estou a falar do
especialista. É o que eu dizia há bocado: o especialista é detentor de um poder de
conhecimento, o que o faz isolar-se em relação à hipótese de haver outros poderes de
conhecimento e o medo que ele tem de perder o estatuto faz com que ele nem sequer
queira ter conhecimento e não seja humilde. À partida, não sendo humilde, não vai
aceitar que os outros interfiram na área dele ou que ele encara como interferir na área
dele. E isto é o perfil do especialista em termos nacionais. Por exemplo, os espanhóis já
não pensam desta maneira, já têm uma maneira de estar diferente. Isto tem também
muito a ver, julgo eu, com a nossa culturalidade: o estatuto médico em si. Nesse aspecto
nós somos diferentes, mesmo dos espanhóis. O espanhol já se diferenciou muito mais, é
muito mais aberto, não tem um estatuto de Dr, que temos nós.
-Mais uma vez remete mesmo para as questões da profissão médica, para a forma como
se encara a profissão médica. Parece-lhe que este debate sobre os paliativos pode trazer
algo de..?
-É assim: a profissão só vai ganhar, porque os cuidados paliativos fazem-nos abrir
muito para a questão do indivíduo como indivíduo, que é uma coisa que é assim: é
muito bonito falar-se de humanização, mas não se fala do indivíduo e a humanização
passa por se falar do indivíduo e os cuidados paliativos centram-se no indivíduo e no
seu sofrimento e isso é extremamente importante. Portanto, a medicina só vai ganhar,
nomeadamente a nossa, cada vez mais, se as pessoas começarem a perceber, ou pelo
menos aceitarem ouvir falar dos cuidados paliativos e aceitarem que as pessoas que se
dedicam aos cuidados paliativos possam trazer uma mais-valia ou algum ganho e
partilhar alguma dessa informação.
-Dos temas/aspectos de que estivemos a falar, qual elegeria como o mais importante,
nomeadamente no sentido de poder suscitar debate futuro em termos médicos,
científicos e profissionais?
-Só vai ganhar. É assim: uma maneira de criar alguma... isto também é o que se passa
neste momento, nomeadamente na área da dor. Se criarmos alguma especialidade ou
sub-especialidade, vai criar-se uma imposição às outras especialidades de um
conhecimento, um domínio, que vai obrigar os outros a respeitar. E a mentalidade vai
ser essa. As várias especialidades médicas foram aparecendo, por exemplo, a oncologia
antes de ser oncologia como especialidade, era uma área minor da medicina interna. E
só, digamos assim, umas pessoas estranhas é que se dedicavam à área da oncologia. Não
eram valorizadas. Quando ela começou a ser especialidade começou a ser valorizada
pelas outras especialidades, portanto, aqui passa também por isso, provavelmente será
isso. Só quando os cuidados paliativos forem uma especialidade, não precisa de ser uma
especialidade à parte, em termos de específica, mas quase como isso, é que vai ser
valorizada na mentalidade. Só aí é que há um conhecimento específico próprio
importante, porque é uma especialidade. Ponto final. Por exemplo, a medicina enquanto
era clínica geral não foi valorizada enquanto medicina geral e familiar, e ainda não é.
Apesar de já haver diferenças é que passou a ser mais valorizada. Enquanto foi clínica
geral, que eram aqueles que não tinham nada, que não tinham especialidade nenhuma,
não era valorizada, não lhe era dada importância. Quando começou a ter características
próprias é que passou a ser valorizada e a trabalhar de maneira diferente e depois... eu
julgo que a nossa mentalidade é mesmo essa, portanto só quando há uma coisa que é
especializada, que os outros não têm acesso, é que ela vai ser aceite de igual para igual,
como importante.
-Em termos da organização do trabalho hospitalar pensa que há algumas alterações com
a implementação dos cuidados paliativos, visíveis ou futuras, eventualmente?
-Para quem? Para quem faz os cuidados paliativos ou para os outros médicos em geral?
-Para quem faz os cuidados paliativos e para os outros médicos.
-Em termos de dinâmica, de funcionamento, de organização?
-Sim, em termos de dinâmica e organização parece-lhe que vai haver alterações no
modo de trabalhar, nas relações de trabalho entre médicos e entre médicos e outros
profissionais?
-É assim, vai haver, como tem havido para a instalação das outras situações. Agora, que
vai demorar muito tempo não tenho dúvida. É muito difícil.
-Em termos mais concretos, por exemplo, existindo uma unidade de cuidados paliativos,
parece-lhe que faz sentido haver aspectos específicos, como a diferenciação entre quarto
individual e enfermaria?
-Depende do doente, da escolha do doente. Acho que o doente tem direito a ter uma
opção. Eu tenho doentes neste momento que não gostam de estar sós e o hospital tem
quartos individualizados. Há doentes que não gostam de estar sozinhos e tenho outros
que não gostam de estar acompanhados. Isso é uma questão de escolha individual.
-A nível da presença da família, do acompanhamento à família em meio hospitalar,
existem concerteza diferenças que terão surgido.
-Sim, mas os cuidados paliativos não são habitualmente para ser feitos em termos
hospitalares de agudos. Portanto, não tem cabimento. Só se pode, digamos, falar, se
houver uma unidade específica e as unidades não têm as características de um hospital
de agudos. Nunca vão ter. Aquilo que em Inglaterra, por exemplo, se fala de hospícios,
são centros, unidades de internamento de cuidados paliativos que não têm nada a ver
com um hospital de agudos. E portanto o contexto de organização não é nada em nada
semelhante a um hospital de agudos. As equipas intra-hospitalares de apoio permitem
uma dinâmica diferente, dentro de um hospital de agudos, para depois fazer gerir e
passar esses doentes para estas situações que nós não temos. Não existem. Na prática
não existem em Portugal. Há uma tentativa de criar, mas há poucas unidades nesse
aspecto e as que existem, já percebi que, por exemplo, não funcionam nem em termos
de doentes nem em termos de profissionais, porque, por exemplo, há unidades que
recebem doentes de muito longe, em que os familiares não têm hipótese de colaborar
com esses doentes. Ora isso não tem cabimento nenhum.
-Isso tem a ver com a questão da rede.
-Da rede. Isso está a criar-nos alguns problemas. Por exemplo, temos propostas de
doentes para entrar na rede e quando se lhes fala que existe uma vaga para cima do Rio
Tejo, eles dizem logo:- nem pensar! Se for aqui ao lado, tudo bem. Como é que eu vou
lá acima ver o meu familiar? Não posso. É impensável.
E portanto o doente acaba por não ir e ficar num hospital de agudos.
-Parece-lhe que essa questão do funcionamento em rede, como acontece actualmente,
põe de alguma forma em causa este lado mais próximo entre a própria equipa e o
doente? Não sei se fui muito claro. O que eu quer dizer é isto: de facto, há uma
organização impessoal da própria relação que acontece. A pessoa vai eventualmente
para uma unidade longe do sítio onde está, com médicos que não conhece, etc.
-É assim: nos cuidados paliativos, nós temos aqui esse problema. Nós temos doentes
que nos são enviados, muitas vezes, tardiamente. Isto significa que não vamos conseguir
fazer trabalho nenhum e portanto a equipa de cuidados paliativos, se não for organizada
na região onde a pessoa está e no contexto familiar, não permite uma abordagem,
digamos, uma colaboração desde o início da doença. Portanto as pessoas não conhecem
aquela pessoa, acaba por se perder dinheiro e não se está a ganhar nada. Porque se
houvesse equipas domiciliárias ou mais centradas nos Centros de Saúde, seria muito
mais fácil, em contexto de apoio mesmo, de paliativos e para o doente, com as tais
unidades, mas dentro do limite geográfico, porque as famílias não têm possibilidades de
fazer isto e é totalmente diferente se um doente, por exemplo, está inserido num
determinado Centro de Saúde, é conhecido daqueles enfermeiros, daqueles médicos,
não é só de um mas de alguns daquele Centro de Saúde. E portanto se a equipa que lá
está sediada faz o apoio, nomedamente o domiciliário, conhece o doente e sabe as
características de onde está inserido. Se esse doente, em vez de ficar em casa, ficar num
centro de internamento, mas da região, é apoiado por toda uma equipa que é conhecida
e em termos culturais, em termos de hábitos alimentares, tudo isso é diferente. Por
exemplo, já passei por vários hospitais. As pessoas que são daqui são diferentes, até em
termos do próprio vocabulário. Tão simples quanto isto. Até o vocabulário é diferente e
basta ir daqui para Almada, quanto mais daqui para o Porto, para Viseu ou para
Coimbra, portanto é assim e neste momento temos doentes que vão para longe e que
ficam completamente desenraízados, fecham-se e é muito difícil trabalhar. O esforço é
muito maior e se a pessoa não tiver uma preparação... Por exemplo, tenho outra situação
de uma doente que estava em Lisboa, era seguida no IPO, veio para um lar da Margem
Sul, veio aqui a uma consulta minha, neste momento já foi para uma unidade de
cuidados paliativos acima da Margem Sul que não tem nada a ver com o IPO. E nem
tem nada a ver com isto aqui. Está completamente desenraízada, já fez este percurso em
quatro meses. Ninguém que conhece ninguém consegue ter a confiança de outra pessoa
a saltar desta maneira em quatro meses, num processo de fim de vida. É muito
complicado. É isto que está a acontecer na prática.
-A nível do tratamento da morte e do luto nos cuidados paliativos...
-É o que está mais atrasado; neste momento é o que eu acho que é mais difícil de fazer,
quer porque os familiares não estão habituados a ter esse tipo de apoio, e às vezes
assustam-se um bocado, quer porque as equipas não estão minimamente preparadas para
isso nem têm espaço de manobra. Nós nem temos tempo quase para tratar daqueles que
ainda cá estão, quanto mais dos que sobraram. Que não têm doença e que não têm uma
ligação tão forte como tínhamos com o doente. Não existe capacidade humana para esse
seguimento. Isso limita logo a que as equipas se desenvolvam nesse sentido, à partida
faz com que isso seja muito raro e muito pontual. Por exemplo, nós temos aqui apoio
aos familiares após o luto, portanto, há algumas situações em termos psicológicos, mas
são situações muito pontuais, muito, muito pontuais.
-Em termos de comunicação sobre este aspecto com o doente e com a família sobre a
questão da morte, não sei se poderia desenvolver um pouco.
-Em que sentido?
-Como é que se trabalha?
-Depende de caso a caso. E depende do crescimento da equipa como equipa. Por isso é
que eu estava há bocado a dizer que a equipa é fundamental, porque às vezes, quando
nos conhecemos, os elementos da equipa, uma pega numa coisa e outra pega noutra e
faz encadeamento. Portanto, não é separado, não há coisas estanques e se a equipa se
conhecer em si e aprender a trabalhar em conjunto, permite fazer esse tipo de
comunicação com o doente. Nós sabemos que quando uma de nós pega de uma
determinada maneira, a outra às vezes aproveita o silêncio ou a resposta do doente para
depois pegar de outra maneira. Quando uma não consegue de uma maneira, há o
trabalho por outro lado e encadeia-se, mas isso é preciso a equipa conhecer-se e
aprender com o seu crescimento, com a aprendizagem. E depois depende do doente e da
família. A maneira como nós pegamos é sempre dependente daquele doente, é diferente
de consulta para consulta, de doente para doente, mesmo no mesmo doente varia ao
longo das consultas a maneira como o fazemos. Há doentes em que numa primeira
consulta a gente nem toca nisso e há doentes que logo na primeira consulta pode ser o
tema principal. Depende muito.
-Há casos, eventualmente, em que não chega a tocar no assunto?
-Directamente na morte, não, mas podemos tocar, por exemplo, como é que gostaria
de... se um dia partisse, como é que gostaria que as coisas ficassem, como é que em
termos de... podemos não falar –você vai morrer- isso nunca falamos, mas falamos
daquilo que as pessoas gostariam como é que as coisas corressem. E não é preciso falar
na palavra morte. Podemos falar em despedidas, em partidas, em viagens, o que é que as
pessoas acham quando partem, o que é que acontece quando vão fazer uma viagem e
isso depende muito do doente, a maneira como se aborda a despedida depende muito.
Há aqueles doentes que não falam directamente sobre isso, mas há outras maneiras que
temos de lidar para conseguir perceber o que é que os doentes querem. E muitas vezes
somos nós que fazemos a ponte da despedida entre o doente e a família. Porquê? Porque
o doente tem um sofrimento muito grande que não quer transmitir à família e a família a
mesma coisa. E nós servimos de ponte, já o fizemos em muitas situações em que
falamos com o doente, ele autoriza-nos e falamos então com o familiar, depois juntamos
as duas partes e perguntamos:-olhe, falou-nos que estava preocupado com isto. O que é
que você acha? E aí eles começam a dialogar. É o início do diálogo que é feito à nossa
frente e depois é feito em casa o resto. Portanto, muitas vezes servimos como ponte para
isso. Eles não têm capacidade, pela quantidade de sofrimento que têm ambos, de fazer
isto e permitimos depois uniões e despedidas que são muito gratificantes, porque o
próprio doente acaba por aliviar uma parte da sua angústia, que não conseguiu
transmitir. E o familiar a mesma coisa.
-Idade.
-Trinta e três.
-Categoria profissional.
-Eu sou interna da especialidade. Estou a fazer o internato, no quarto ano. O internato
são cinco.
-Qual foi a Instituição da sua formação?
-Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Nova de Lisboa.
-E mestrado?
-Tirei o mestrado pela Faculdade de Medicina de Lisboa.
-Em cuidados paliativos?
-Em cuidados paliativos.
-O ano de formação?
-Formei-me em 2001, despois seguiram-se... na altura, dois anos e meio de estágio
geral, que era chamado internato geral, que demorava um ano e meio. Depois, seguiu-se
o exame directo à especialidade, que entretanto fiz.
-Quanto tempo tem na profissão?
-Sete anos.
-A sua especialidade.
-A oncologia médica.
-Tempo na especialidade?
-Quatro anos.
-E no Hospital, há quanto tempo está?
-Sete anos.
-O seu sector de actividade é predominantemente o público?
-É.
-Mas não exclusivo?
-Sim, faço algum privado. Neste momento, só por uma questão de tempo é que não
posso fazer mais, até porque gostava de ter uma perspectiva sobre o que se passa em
termos de condições e mentalidade, face aos cuidados paliativos, no privado e no
público. Era um aspecto interessante de se perceber.
-Qual é a sua opinião sobre a relevância dos cuidados paliativos para a área oncológica?
-Acho que os cuidados paliativos não são determinantes só na área oncológica. Toda a
doença crónica tem uma fonte de cuidados paliativos. Ter um doente com alzheimer
acamado em casa é uma perspectiva de cuidados paliativos, mas o doente oncológico
acaba por ser o protótipo dos cuidados paliativos, porque mais tarde ou mais cedo chega
a essa altura em que não há hipótese curativa e então entramos numa fase paliativa.
Claro que o doente oncológico acacba por ser o paradigma dos cuidados paliativos, sem
dúvida, e acho que é um complemento extremamente importante, porque nós não
podemos ter aquela perspectiva de investirmos enquanto temos a perspectiva de poder
vir a curar e de quando se deixa de ter a perspectiva de podermos vir a curar, deixarmos
de investir.
-Acha que existe esse desinvestimento?
-Existe.
-E a sua percepção?
-A minha percepção é de que quando se chega àquela fase paliativa a doutrina é não
fazer nada. Agora, o não fazer nada pode ser não fazer nada curativamente, ou não fazer
nada, o que não está certo. Não se faz nada se calhar com intuito de curar, o que é
impossível numa situação intratável. Há muita coisa para fazer. Há muito sofrimento
para tirar, há muitos sintomas para tirar, de forma a que a pessoa tenha um resto de vida
pelo menos mais confortável ou sem dor. E aí entram os cuidados paliativos.
-Em termos da distinção que habitualmente se faz entre uma medicina curativa e uma
medicina paliativa, a distinção entre curar e cuidar, acha que faz sentido?
-Não deveria fazer, só que neste momento estamos todos nós, essencialmente os
profissionais estão perfeitamente abismados e maravilhados com as hipóteses curativas
dos últimos anos, quando há muito tempo a perspectiva era essencialmente paliativa e
estamos a esquecer-nos muito disso.
Acho que é uma espécie de egoismo pessoal. Gostamos de nos rever naquilo que
curamos. Se calhar devíamos rever-nos naquilo que ajudamos, aliviamos.
-A grande diferença que identifica é de atitude?
-Devia ser, numa primeira fase, tentando curar. Não conseguimos, isso não vai fazer
com que a gente deixe de investir no doente, se calhar investimos de uma maneira
diferente, só que acho que tudo- Comunicação Social, Ensino médico-está tudo virado
para o sucesso, que é curar. Ora bem, a gente não pode perspectivar o sucesso como
sendo só a cura. Fazer com que uma pessoa morra em paz e morra sem dores e morra
sem sintomas importantes, acho que é um sucesso, só que as pessoas não focam isso
como um sucesso, focam como:- Pronto, é uma chatice, não conseguimos, agora
haverá alguém que...dê uma mãozinha.
-A nível da questão que é muito levantada neste domínio- sobre a obstinação e
moderação terapêutica o que pensa?
-Acho que isso tem muito a ver com a nossa forma de encarar a morte e com a nossa
forma de não sentirmos que temos limitações. Portanto, a forma melhor de ficarmos
bem com a nossa consciência é fazermos tudo e mais alguma coisa, nem que isso
implique sofrimento da outra pessoa. A nossa perspectiva é uma forma de egoísmo.
Para eu me sentir bem e para eu não ter forma nenhuma de ter alguma dúvida na minha
cabeça sobre o ter feito tudo o que era possível, faço tudo, acabou.
-Quanto a si é exagerado?
-Muitíssimo. Muitas vezes em detrimento e com grande sofrimento dos próprios
doentes, sem pesar no custo e no benefício, com um claro custo à conta do doente, sem
benefício nenhum da parte dele.
-Em termos da diferença entre uma medicina curativa e uma medicina paliativa, parece-
lhe que há uma mudança na relação entre o diagnóstico objectivo e o diagnóstico atento
às queixas do doente? Esta relação muda em termos de uma medicina curativa para uma
medicina paliativa?
-Muda. Se nós temos uma perspectiva de paliar, não vamos prolongar a vida de um
doente à custa de terapêutica dispensável. Se tenho um doente terminal que tem uma
pneumonia, se calhar eu não vou fazer RX, TAC, sabendo que ele é terminal, sabendo
que mais cedo ou mais tarde vai vir a falecer. Isto vai implicar custos para ele, custos
para a saúde e não vai trazer nenhum benefício a ninguém. Provavelmente a filosofia
dos cuidados paliativos é tratar sintomaticamente o que aparece. Se calhar não me
importa que seja um staphylococcus aureus ou outra coisa, se calhar importa-me é que o
senhor não tenha dificuldade respiratória, que não esteja cheio de secreções. Importa-me
é que o doente esteja confortável.
Na fase dos cuidados paliativos não há muita intervenção dos meios complementares de
diagnóstico. Só mesmo os essenciais.
-E a atenção às queixas do doente?
-As equipas de cuidados paliativos são multidisciplinares. Englobam psicólogos,
psiquiatras, assistentes sociais, fisioterapeutas e até padres se for necessário. A
abordagem é multifactorial porque o sofrimento das pessoas pode não ser só físico,
portanto o relevante é o que o doente diz que sente, mesmo que para nós não tenha
sentido nenhum. Está centrada nas queixas, subjectivas ou não ou concretizáveis ou não.
-Parece-lhe que isso causa alguma alteração na relação do médico com o doente?
-Causa, porque é uma relação emocionalmente muito forte, mas pronto, em termos
gerais, com os doentes oncológicos é, mas com os doentes terminais acaba por ser uma
situação muito difícil de enfrentar pelo médico, porque tem de consciencializar-se que a
pessoa não pode fazer mais. Tem que saber parar a tempo, o que também é uma
capacidade que nós não temos. Por outro lado, temos também de saber lidar com a
morte. Se ele próprio vai ter de aprender isso, nós também temos, porque vamos assistir
a isso e é uma coisa muito traumática, porque acabamos por inventar a nossa própria
morte. Acaba por se estabelecer uma relação muito forte entre as pessoas, mas também
é uma situação muito desgastante. A relação com o doente terminal e a família dele é
muito intensa.
-É uma relação mais compreensiva e menos assimétrica?
-A perspectiva é tentar não haver um grande distanciamento, tentar que as pessoas nos
transmitam tudo aquilo que é necessário e que pensam que é necessário transmitir-nos, e
nós conseguirmos fazer o feedback e estamos mais ou menos em pé de igualdade no
sentido de não criar o tal distanciamento. A relação é baseada na comunicação. É muito
importante, porque além de englobar sentimentos e sentimentos contraditórios, tanto do
doente como da família, convém nós nos fazermos entender e eles se fazerem entender,
para a gente conseguir ajudar.
-E eventualmente a forma de comunicação é um processo de negociação terapêutica
entre o médico e o doente? A opinião do doente pode interessar-lhe?
-Acho que sim. Interessa a opinião do doente e da família, acho que toda a gente se
esquece da família neste processo; a maior parte das vezes são pessoas totalmente
dependentes e a família, coitada, tem sobrecarga emocional e muitas vezes está mais
tempo em contacto com o doente que o próprio médico. Portanto, tem muito mais
sensibilidade para dizer o que é que acontece.
Por exemplo, a morfina. A morfina é um fármaco que, como se sabe, tem vários efeitos
secundários. Se calhar a dependência da morfina, num doente terminal, é um assunto
que não me preocupa, porque não vai ficar um drogado de certeza, pois tem um período
de vida muito curto. Provavelmente entraria em negociação se o doente me perguntasse
se seria uma boa opção. Provavelmente dizia-lhe que sim. A sedação também é outro
problema, porque muitas vezes as pessoas têm um grande sofrimento e sedá-las implica,
acho eu, o diálogo com a família, porque são pessoas que podem ter problemas para
resolver, assuntos para assinar, relações pessoais para estabelecer e nós cortamos-lhes
essa possibilidade.
-Na relação com a família também há essa dimensão?
-Também tem de haver essa dimensão.
-E outras diferenças ne relação com a família, relativamente a uma medicina mais
curativa?
-Eu acho que a família também é objecto de tratamento neste caso, coisa que nas outras
situações é importante, porque nós gostamos de informar, que as pessoas estejam a par,
mas nestes casos são um interveniente quase tão importante como o doente, por eles
próprios passarem pelos seus próprios dramas pessoais e as suas próprias necessidades.
Por os cuidados paliativos serem centrados não só no doente como também na família,
também é objecto de tratamento, até porque os cuidados paliativos prolongam-se após a
morte do doente, dando o suporte e luto à família e por outro lado porque são pessoas
que acabam por ter mais percepção sobre as necessidades e as queixas, portanto,
transmitem-nos uma maneira, às vezes muito mais correcta, do que nós, no momento.
Por outro lado, também convém ter uma boa relação com a família, no sentido em que
há pessoas que acabam por nos substituir, que acabam por aprender aquilo que a gente
lhes ensina. Telefonam, sabem manejar mais ou menos os medicamentos da forma
como nós lhes ensinamos e acabam quase, não quase, sempre, elementos- chave nisto.
Portanto, têm um papel que não tem nada a ver com um doente normal ou com um
doente crónico em que somos capazes de informar a esposa ou os filhos que a situação
não é brilhante ou que é melhor ir preparando, mas não estamos nada interessados no
papel que a família iria ter porque neste caso não teria nenhum. Na parte paliativa, claro
que sim. Infelizmente não havendo em Portugal Instituições que o façam, a família
providencia todo o tipo de apoio que pode dar.
-E em termos de diferenças na dicotomia entre cuidar e curar, na relação do médico com
a restante equipa?
-A relação é muito de igual para igual, menos sobranceira, porque são equipas em que o
médico não pode estar sempre presente em que cada um consegue detectar e fazer o
diagnóstico na sua área, das diferentes necessidades que o doente tem, coisa que nós
próprios, por muita formação que tenhamos, não conseguimos ver as coisas do ponto de
vista de um psicólogo ou de um fisioterapeuta. E se calhar é mais importante a
fisioterapia num momento em que o doente está acamado, do que aquilo que eu lhe
possa providenciar. Portanto, as coisas estão melhor distribuídas, mais equitativas, cada
um sabe da sua área, sabe manejá-la e sabe transmitir aos outros as necessidades que
identificou. Na medicina curativa, basicamente somos nós e o doente. O resto trabalha
tudo em volta daquilo que eu eventualmente decida fazer. Normalmente não têm grande
voto na matéria. São capazes de me dizer que houve este efeito secundário ou aquela
reacção, mas se calhar não põem muito em causa a minha própria terapêutica. Nos
cuidados paliativos há mais uma terapêutica de conjunto, não só a minha, como das
outras áreas que podem ser necessárias.
-Entrevistei uma médica de internato médico que faz cuidados paliativos. E ela dizia-me
que nos cuidados paliativos se calhar é mais facil um médico aceitar a opinião de uma
enfermeira sobre um medicamento. Parece-lhe que isto é um bom exemplo?
-Acho que se for bem feito e bem aplicado e de acordo com a filosofia que é ensinada e
partilhada por eles, acaba por ser uma relação mais equilibrada entre os profissionais, do
que no resto da medicina, que identifica melhor as necessidades do doente e que vai
mais ao encontro daquilo que ele necessita. Acho que é um bocadinho contra a filosofia
tradicional. Todos estão a trabalhar para uma causa comum e essa causa comum não
será o nosso ego. Tudo é aceitável e como elas estão mais tempo com o doente, acabam
por não ter o mesmo conhecimento científico, mas na prática têm um conhecimento
bastante apurado. Elas próprias aprendem muito a lidar com as situações. São
completamente indispensáveis. Acho que muitas coisas nos cuidados paliativos
devíamos transpôr para a medicina curativa, porque isto é um exemplo de como as
coisas funcionam e como deviam funcionar.
-Temas de debate e controvérsia científicos, profissionais, nesta área, nos cuidados
paliativos e levados a cabo pelos oncologistas. Quais lhe parece que são os mais
frequentes?
-Normalmente o controlo da dor, a questão do paliar e do tratar. Eles, nós-e eu também-
temos muito a tentação de fazer o tal encarniçamento terapêutico. É um problema muito
grande, porque estão muito mecanizados e muito direccionados para curar. Agora, é
uma situação muito difícil de aceitar. Por outro lado há uma subvalorização do outro
tipo de sintomas que o doente tenha: se está deprimido, se está angustiado. Não é físico,
não é palpável, normalmente a pessoa não liga.
-Não aparece nos tais exames.
- Não aparece, não há nada perceptível, portanto tenho muita tendência para pôr isso de
lado e muitas vezes é a fonte principal de sofrimento.
Outro problema é a falta de capacidade de comunicação, de dar más notícias. Não estão
preparados, não têm formação para dar más notícias e ter essa coragem de assumir as
coisas. É mais fácil dizer que as coisas vão melhorar e que vai correr tudo bem do que
dizer:- Não, as coisas não vão correr bem, mas a gente vai tentar fazer com que haja o
mínimo de sofrimento possível. A gente sabe que o destino é aquele, que não posso de
forma nenhuma mentir, mas o processo até chegar a essa conclusão, até à morte, vai ser,
da minha parte, o mais suave possível. Agora, isso é uma coisa que é muito fácil deixar
para outro profissional dizer ou não dizer ou fugir. É muito fácil e um problema muito
grande, porque muitas vezes cria ilusões e muitas ansiedades e às vezes surpresas para
as quais as pessoas deveriam estar preparadas (claro que nunca se está completamente
preparado, mas minimamente alertado) e podia ser evitado.
-Sobre a questão da dor...
-A dor tem uma filosofia muito própria. Nós estamos habituados a lidar com ela mas
não a utilizar todos os fármacos que se devia dar. Numa investigação que houve em
cuidados paliativos percebeu-se que os fármacos que seriam usados para outras
situações, também nesta situação teriam uma acção. Agora, para se saber lidar, tem que
se ter uma certa formação nisso. Tendo formação na área, maneja-se os fármacos de
uma forma diferente e adequada. Todas estas conclusões resultam de investigação, não
em oncologia, mas em cuidados paliativos. Portanto se foram resultados que vieram
aplicados a doentes paliativos, eu não posso aplicar tudo o que sei de um doente
oncológico a um doente paliativo, porque um doente paliativo tem outras
particularidades, que graças a Deus já foram investigadas, e maior arsenal terapêutico,
se calhar, e mais próprio e com características mais individuais do que aquele que eu
utilizo. O que eu utilizo pode ser muito bom, mas tenho que estar aberta a saber que há
quem maneje melhor os fármacos e, muitas vezes, tendo formação nessa área (formação
dirigida), maneja-os melhor.
-Quem é que debate estas questões?
-Normalmente não se debate. Cada um trata o que identifica. Provavelmente há uma
pergunta de corredor:- Isto não está a dar certo, o que é que sugeres que eu faça? Não é
assim um debate sentado. Costuma ser à laia de:- eu não estou a ser capaz. O que é que
tu sugeres?
Não há um debate estruturado e sistemático como deveria ser. Se calhar todos nós
devíamos sentar-nos e vermos o contexto todo do doente: a dor, se tem vómitos, outras
coisas. Devíamos todos decidir qual seria o plano melhor ou pelo menos estabelecer um
plano e criticar o plano que existe, em vez de fazer eu tudo sozinha e depois, no fim,
quando já não tenho opções, perguntar a um colega, ali ao virar da esquina... a não ser
que seja assim tão boa e tenha uma formação tão grande que ache que só tenho uma
falha esporádica. Estes planos deviam ser feitos em conjunto ou pelo menos abordados,
discutidos em conjunto e, quando houvesse falhas, também discutidos. Não é que
estejamos todos a cuidar do mesmo, mas pelo menos uma vez ou outra decidir... Até
porque há muitas coisas que em exames complementares de diagnóstico não são
identificáveis. Até porque a angústia não é identificável, a depressão não é identificável.
Se calhar cada um de nós tem uma sensibilidade um bocadinho diferente para identificar
outro tipo de coisas. Se calhar em conjunto seríamos capazes de identificar mais
necessidades do que isoladamente. Se calhar todos nós sabemos identificar tosse,
expectoração, mas há outras coisas que exigem assim um bocadinho mais de
sensibilidade.
-Destes temas de debate qual acha que é o mais importante?
-É o controlo sintomático. Já não é o tratamento curativo. É o tratamento sintomático.O
encarniçamento terapêutico e o problema que às vezes as pessoas têm em fazer com que
os outros párem, porque não se apercebem de que estão a tentar atenuar e acalmar a sua
própria consciência mas esse acalmar a sua consciência vai causar muito dano à pessoa.
Em termos frios, também tem custos emocionais e de sofrimento e custos palpáveis,
monetários. Se eu resolvo acalmar a minha consciência só porque o doente tem uma
dor, tiro um TAC e tiro ressonância, sabendo que o senhor, coitadinho, está numa fase
terminal. É uma situação um bocadinho ridícula, não é?
-Está a falar na generalidade dos oncologistas? Identifique um pouco essa matéria.
-Na generalidade do médicos, mesmo. Nós também temos que saber reeducar-nos,
porque fomos educados com muitos vícios, com muitas deturpações, com aquela
sensação de ser todo poderoso e de que quando não se consegue é um falhanço. Não se
curando não é nenhum falhanço, mas as pessoas estão habituadas a pensar assim. Isto é
uma maneira errada de pensar.
-Parece-lhe que isso tem a ver com alguma questão de formação geracional?
-Acho que tem. Aquela maneira doutoural como nós somos ensinados na Faculdade...
tentam também incutir não só a parte científica, como uma pose e a atitude. Tudo isso
são coisas que tiveram o seu tempo, provavelmente, e neste momento não têm lugar na
nossa Sociedade.
-Pensa que tem a ver com a formação universitária?
-Tem muito. Muito, mesmo. Até se repercute no facto das pessoas não comunicarem,
não trocarem impressões entre elas em pé de igualdade, não no aspecto burocrático e
hierárquico da coisa, porque reuniões hierárquicas é o que a gente tem feito de há anos
para cá e não dá resultado nenhum. E era o que o Dr. estava a dizer de uma médica dizer
que aceita melhor uma enfermeira nos cuidados paliativos. Era suposto ser assim, as
pessoas terem todas voto na matéria, com o mesmo peso e haver alguém que
conseguisse liderar, separar o trigo do joio, mas que toda a gente tenha algum voto na
matéria. Isto não é genético , as pessoas não nascem sobredotadas e aprendem sozinhas.
Todos nós aprendemos uns com os outros e isso é um defeito muito grande que existe
na medicina, não sei se nos outros sítios, mas em Portugal: uma hierarquia muito
vincada. Acham que já nasceram ensinadas e que não têm nada para aprender e para
compartilhar com as outras pessoas.
-Acha que é a colocação do saber médico acima de todos os saberes, é isso?
-Sim, sem grande abertura para outro tipo de intervenção, o que é extremamente errado.
Há uma série de estudos feitos fora (e não só), por exemplo, de musicoterapia, coisas
que supostamente ditas a um médico ele diz que é ridículo. Ou acupuntura. Ou as
chamadas terapêuticas complementares. E há também as alternativas ( são chamadas
alternativas quando são feitas em substituição da medicina). Há muito bons resultados
nisso, portanto, porque é que havemos de negar uma coisa que não estamos dentro dela?
Não temos conhecimento e a nossa primeira atitude é dizer:- Não, não funciona. Não
sabemos se não funciona, não é? Desde que não interfira com o que eu estou a fazer na
minha área pode fazer tudo o que quiser desde que até... a prova é que há várias coisas
que já estão autorizadas pela OMS, portanto algum fundamento têm.
Isto tem tudo a ver com a dimensão muito espiritual que existe num doente numa fase
paliativa. É muito mais espiritual, muito mais psicológico do que num doente
oncológico. Tem muitas dimensões a tratar. Por isso é que é provável que estas
terapêuticas, complementares ou alternativas, tenham alguma função e algum peso e
alguns resultados como a gente sabe que têm. Não vale a pena estar a negar uma coisa
dessas. Falta de abertura mental, isso.
-Isso entronca num tema que é a Organização do Trabalho Hospitalar nos cuidados
paliativos relativamente a outras áreas. Há diferenças?
-Há. Muitas. Em cuidados paliativos as coisas são feitas pela equipa inteira. Cada um
faz o levantamenbo das necessidades que o doente tem nas diferentes áreas, elabora-se
conjuntamente um plano terapêutico que vai sendo ajustado, reunem-se periodicamente,
não só para discutir os doentes como para o que eles chamam prevenir o banal, ou seja,
para prevenir que se desgastem de tal maneira... É uma coisa bastante melhor
estruturada. As terapêuticas hospitalares são decididas única e exclusivamente pelo
médico, provavelmente a enfermeira pode vir dizer que o doente tem diarreia e a gente
acrescenta qualquer coisa, mas não têm uma função activa de início, no plano
terapêutico. Têm esporadicamente, quando detectam alguma coisa, mas não são
elementos fundamentais no plano terapêutico. De forma nenhuma. São executantes.
Identificam necessidades...intercorrências. Não há um trabalho de equipa. Poderá haver
trabalho de equipa médica, mas de médico, enfermeiro, psicólogo...não, não existe um
plano estruturado desde o início. Eu não peço e ninguém pede uma avaliação
psiquiátrica de início, a não ser que haja uma crise psicótica. É uma necessidade para a
qual nós não olhamos. Olhamos nitidamente para a parte física e a parte objectivável.
-A Drª está de acordo com a unidade de cuidados paliativos como um lugar
especializado?
-Estou muito de acordo, porque acho que as pessoas são mais bem tratadas. Claro que se
houver oncologistas que gostem e queiram formar-se nessa área e sintam essa
necessidade, é melhor haver pessoas nos hospitais sem ser em sítios diferenciados
(embora eu ache que sítios diferenciados sejam essenciais). Agora, não acredito que de
um dia para o outro haja tantos sítios diferenciados que dê para toda a gente. Por isso eu
acho que a pessoa também deve interessar-se basicamente por complementar a sua
própria formação nessa área, porque sabemos que não vai haver resposta imediata para
todos. Portanto, os que têm prioridade irão para esses sítios especializados; os que não
têm... eu própria vou tentar complementar a minha formação de modo a poder
providenciar o melhor que tenho, o melhor que sei.
-Presumo que também identifica diferenças a nível do próprio espaço. Faz algum
sentido para si a diferença entre haver quartos individuais e enfermarias, nos cuidados
paliativos?
-Isso tem muito a ver com a personalidade do doente. Por um lado, pode precisar da sua
privacidade. Por outro lado, pode dizer:- estou tão mal, tão mal, que até me põem num
quarto particular. É uma coisa a ser abordada com muito cuidado. Não pode ser feita
assim de um dia para o outro.
-Isto é sempre mais uma vez negociado, de certa forma, com o doente?
-Sim. Se tiver numa fase incial que possa estar com outras pessoas, se calhar também é
bom para partilhar experiências e conversar, mas se já estiver em sofrimento tão grande
ou tão terminal, realmente não tem sentido deixá-lo numa enfermaria. Se calhar a
coexistência dos dois espaços seja o mais correcto.
-E a nível da presença da família?
-Acho que é essencial.
-O tratamento da morte e do luto em meio hospitalar...
-Não existe.
-Como acha que deveria ser?
-Deveria haver presente ou pelo menos disponível um psicólogo ou psiquiatra, para
identificar as pessoas que precisariam de apoio e, numa fase posterior, acompanhá-las.
-Pedia-lhe primeiro alguns dados de caracterização pessoal e sócio-profissional. Nome,
sei. A sua idade, Drª?
-Quarenta e nove.
-Categoria profissional.
-Assistente hospitalar graduada.
-Podia-me dizer o seu ano de formação?
-1983.
-E em que Instituição?
-Faculdade de Ciências Médicas de Lisboa da Universidade Nova.
-Tem quantos anos na profissão?
-Comecei em 84. Vinte e quatro. É isso.
-Em oncologia?
-Eu tenho três especialidades. Tenho a oncologia médica, tenho a medicina interna e
tenho a medicina do trabalho, mas essencialmente estou a fazer oncologia médica e
cuidados paliativos. Faço a medicina interna é na urgência e a medicina do trabalho é só
em termos de consultas, mas pronto, de forma voluntária.
-É uma conjugação relativamente rara.
-Sim, mas isto tem uma explicação. Eu comecei por medicina interna. Depois nós
tinhamos aqui um determinado cancro com muita incidência. Eu decidi ir ao IPO fazer
só uns seis meses para perceber essa doença, para uma coisa muito frequente. Depois
gostei tanto daquilo que abandonei todos os outros estágios e fiquei.
Concomitantemente eu já fazia a medicina do trabalho, uma coisa que me interessou,
porque havia determinado tipo de patologia que depois mais tarde eu percebi que estava
associada, nomeadamente ao cancro da bexiga, ao trabalho. E depois, pronto, isto foi
tudo uma sequência.
-Tem quanto tempo na oncologia?
-Em oncologia comecei em 89.
-O sector de actividade neste caso é exclusivamente o público?
-Sim. Abandonei consultório. Só estou a fazer hospital.
-O hospital não tem unidade de cuidados paliativos.
-Não tem mas há uma tentativa de apoio, por exemplo, um doente que a pessoa
considera que tem alta no internamento ou mesmo aqui, que precisa de algum apoio, ou
tem apoio domiciliário, portanto está na sua casa e há equipas que vão lá, ou então
canaliza-se, quando tem alta, para uma unidade de cuidados paliativos.
-Entraria mais directamente no tema da entrevista. Que importância a Drª pensa que têm
os cuidados paliativos para a área da oncologia?
-É assim: eu acho que é muito importante. Eu acho que as coisas não se fazem como
actualmente. Tem de haver cuidados paliativos, nomeadamente com apoio domiciliário
permanente, não é a higiene e dar a refeição de segunda a sexta. É importante mas com
um tipo de estrutura mais humanizada do que se está a pensar na actual Rede. Mas pode
dizer-me assim: mas isto é o que se consegue. Tudo bem, mas para mim não é o ideal,
até porque repare: como as coisas são feitas a nível nacional, não há uma listagem e a
pessoa tem uma vaga, ora a vaga pode ser... aqui, no Barreiro, até nem há, mas pode ser,
eu sei lá, pode ir para o Seixal, pode ir para Vila Franca de Xira e depois nós estamos a
desinserir uma pessoa da sua comunidade, da sua família e depois as pessoas trabalham
e se calhar não podem lá ir. Acho que deveria ser feito de outra forma.
-É uma preocupação com o desenraízamento das comunidades locais e assim com a
ruptura com as relações de proximidade?
-Sim. E das pessoas, da sua família, da sua casa, de tudo. Eu penso que as pessoas
devem terminar com as pessoas de quem gostam e no sítio onde gostam. Naquela fase
em que estão muito carenciadas e muito mais fragilizadas, não é naquele momento que
se tira e que se põe ali. Longe.
Por outro lado, tem que haver um trabalho efectivo nos cuidados paliativos. Porque é
assim: as pessoas também comem ao sábado e ao domingo. Equipas que vão lá e que
acompanhem mesmo as pessoas, não é umas horinhas. Isso é muito pouco.
-Costuma-se falar muito (e é um debate que existe presentemente, creio eu) na distinção
entre uma medicina mais curativa e uma medicina mais paliativa, uma distinção entre
curar e cuidar. É capaz de me dizer se faz sentido esta distinção e como é que a vê?
-O cancro é uma doença crónica. Nós hoje, por causa de toda a evolução tecnológica, há
cancros que podemos curar; por outro lado, também esse desenvolvimento permite a
paliação. Quando nós estamos a falar, quando nós fazemos quimio paliativa, é aquele
doente que está metastizado mas que nós estabilizamos a doença e que a pessoa doente
pode morrer de outra coisa qualquer. Portanto, tem também o seu campo de acção. Isto,
uma forma de paliação. Outra: é aquela que eu gosto de chamar de medidas de conforto
que é quando já não há terapêutica útil a oferecer ao doente, nós temos que minimizar o
sofrimento e sobretudo o que é que ressalta daqui? É a dor. Hoje em dia é inadmissível
que alguém morra com dor. A parte da dor é a... mesmo em termos de paliação «tout
court».
-Será a linha de acção que considera mais forte?
-Entre outras, mas está é muito importante. Como é importante o acompanhamento de
que falava há pouco, ao doente, à família, às suas necessidades.
-Também se fala na questão da obstinação terapêutica ou da moderação. Como é que a
Drª encara esta distinção? Pergunto isto porque é uma área de debate e de levantamento
de questões.
-Em termos da relação com o doente, quais as grandes diferenças, a nível da paliação
com uma medicina mais curativa ou uma fase mais...
-Às vezes é mais complicado. É um doente em que nós assistimos a todo o percurso.
Por exemplo, aquele doente que temos na fase curativa, detectámos um cancro no
testículo, um tipo de cancro que é curável, um determinado tipo. Normalmente são
pessoas novas, nós apanhamos, depois vem ao «follow up». Tirando aquela primeira
fase do impacto, depois as pessoas percebem que fazem a sua vida normal, ainda por
cima hoje há colheita de esperma que serve logo para identificar isto. Quando nós
entramos numa fase paliativa e apanhámos o doente de princípio, às vezes é uma
relação de anos e nós aqui não mentimos ao doente. Quando estamos naquela fase final
em que temos, como eu costumo dizer, de ensinar quase o doente a morrer, é
complicado. É muito complicado, porque isto é assim: nestas coisas eu acho que sempre
o grande sofrimento é para o doente. A família sofre, toda a gente sofre, mas o grande
sofrimento é para o doente, mas nunca ninguém veio perguntar qual é o grau de
sofrimento do médico. Nunca ninguém nos perguntou. Acham que a pessoa, então:- Se
viste cinco mil ou seis mil já estás treinada. Isso é uma grande mentira, porque aquela
fase de estar ali ao pé do doente até ele morrer não é assim tão fácil.
-Então exige um investimento diferente e maior do médico neste período.
-Eu estou a falar por mim. A minha opinião é que é muito mais complicado , sobretudo
porque eu não minto ao doente, está a perceber?
-Em que é que se consubstancia essa diferença? Maior proximidade, maior dificuldade
na comunicação?
-Não, isto depois é assim: aqui vão entrar muitas coisas. Vai entrar a concepção de vida
que o doente tem, vão entrar as convicções religiosas, vai entrar o próprio conforto do
doente, vai entrar...aí assim, é que é o auge da relação médica, é aí.
-Até eventualmente uma negociação, por vezes, da informação?
-Há. A pessoa diz tudo, mas vai dizendo conforme o doente quer ouvir, mas não pode
mentir. Eu não minto.
-E é importante conhecer a história de vida do doente?
-Sim, embora nessa fase o doente já esteja noutro nível. É claro que é fundamental
conhecermos o doente em profundidade, quem ele é, porque agora tudo isto vai contar.
-Em termos de envolvimento familiar, parece-lhe que deve ser diferente nesta fase, por
exemplo, num hospital?
-Deve, porque é assim: eu não admito que o doente oncológico, sobretudo se for
terminal, tenha as visitas na área telefónica como os outros. Tem que ter outro apoio. Se
nós estimulamos tanto o nascimento, que no limite é igual à morte e se permitimos que
o pai esteja a assistir ao parto, então porque é que o doente oncológico não tem direito a
estar acompanhado até ao fim? Porque é que só há-de ter aquelas horinhas?
Depois a família vai-se embora, adeusinho, até amanhã, se ainda cá estiveres???
Não pode! Se tem que cá estar tem que ter outro tipo de ambiente e sobretudo,
preferencialmente, tem que ter a companhia de quem quer. Pode ser um amigo, pode ser
a família, pode ser quem quiser. Se quiser, porque também há pessoas que querem estar
sozinhas e nós também temos que respeitar isso, aqueles que querem estar sozinhos. A
maioria quer, porque é assim: o grande medo é a noite. Como a história dos doentes
cardíacos, dos asmáticos, quando vem o escuro é que eles ficam... então precisamente
nessa altura é que têm que estar acompanhados. Não é com uma luz de presença, não é
quando os turnos de enfermagem estão mais reduzidos e que por muito que os
enfermeiros lá queiram ir não conseguem, sobretudo até é a área preferencial.
-Portanto é agora dado um tratamento diferenciado, nesta altura, mesmo em termos de
organização do trabalho hospitalar?
-Sim, mesmo nos sítios onde aquele doente esteve sempre. Se aquele doente vinha cá
fazer uma quimioterapia, que em determinada altura para nós, era adjuvante e se depois
entra numa fase em que piora e sabe que tem que ser internado, temos de ter cuidado
para que não haja rupturas completas e respeitar a sensibilidade do doente quanto a isso.
Além do que eu já lhe disse. É importante que a família, os amigos, as pessoas
significativas, possam estar. Como é importante que possamos flexibilizar as coisas,
desde o uso das camas até permitir que uma pessoa possa fumar os seus últimos
cigarros, se for o caso.
-A relação com a família do doente, acha que deve ser diferenciada?
-A relação com a família do doente, partindo do princípio de que o doente está lúcido,
deve ser aquela que o doente quiser que seja. Claro está que procuramos sempre
envolver a família no processo e fazer dela também, quer cuidadora, quer alvo de
cuidados.
-E na relação com a restante equipa? Também percebi que é diferente.
-É multidisciplinar.
-Entre médicos?
-Entre médicos e não só. Devem rodar assistente social, enfermeiros... o trabalho em
equipa é muito importante. O médico, muitas vezes, é quem ainda tem alguma
capacidade de decisão clínica. Mas, aqui, isto está muito mais dependente do doente. E
por outro lado, a capacidade do médico está limitada. Às vezes é mais o enfermeiro,
ou…
-E vê diferenças na forma de, por exemplo, utilização dos conhecimentos com as
diferentes especialidades?
Sim. Embora haja alguma especialidade das abordagens, não é tanto como noutras
fases… não é. É diferente.
-Quais é que a Drª identificaria como os temas mais frequentes de debate e controvérsia
entre os oncologistas sobre a questão dos cuidados paliativos?
-O excesso terapêutico. Doentes que ficam em sofrimento porque não se lhes deu a
oportunidade de terem cuidados de final de vida, cuidados paliativos, portanto
diferenciados das outras fases. Pelo contrário, continuaram a ser tratados como antes ou,
pior, mandados para casa ou para um serviço de agudos. Daqui, eu diria que essencial é
a falta dos cuidados paliativos de forma organizada e em tempo útil. Essencial é isso. Às
vezes nós somos obrigados a internar doentes - obrigados entre aspas - precisamente
porque se for para casa não come, não é hidratado ou não cumpre os horários da
terapêutica, porque a filha ou o filho ou a mulher têm que trabalhar. Porque isto depois
também há uma situação social neste país muito complicada. As pessoas não podem
faltar, ou porque estão a prazo, ou porque têm poucos dias ou não têm mesmo casa
quando se trata de pôr uma cama articulada, ou não têm dinheiro. É assim: as pessoas
falam muito, mas um pacotinho de fraldas é muito caro. Uma pessoa que tenha o
ordenado mínimo não vai conseguir comprar as fraldas.
Então nós achamos realmente que os cuidados paliativos não estão organizados e
deviam ser de outra forma, porque isto tem a ver com a outra parte, social. Não vale a
pena andar a dizer que temos cuidados paliativos e que a listagem...
Se disser assim: para os cuidados paliativos nós temos três semanas de espera. Daqui a
três semanas garantimos. Mas do que é isso serve a uma pessoa que tenha um familiar
mal? Três semanas, se calhar podem ser a diferença entre ter dinheiro ou não ter, entre
ter de ir trabalhar e ele ficar na rua, etc, etc. É a forma de organização. É uma grande
falha que nós temos. Temos de ter cuidados efectivos e a tempo. Ora isto é muito
complexo, em termos de sistema.
Por exemplo, não vamos pôr um grupo de Centro de Saúde a tratar disso sozinho. Se
calhar tem que estar connosco, tem que perguntar o que é que nós achamos, quais são as
necessidades, nivelar as coisas (para este doente é assim, para este é assado). E depois,
ter um apoio efectivo. Eu não concordo: nós damos o nome, preenchemos a ficha e
agora vá para lá que os outros resolvem. Não concordo. Não dá.
Eu neste momento tenho uma doente que é uma senhora com uma certa idade que
consegui que fosse para casa. Pensei que o marido não ia conseguir. Conseguiu.
Conseguiu-se tudo. Conseguiu-se a cama articulada, conseguiu-se que a enfermeira
fosse lá fazer a terapêutica endovenosa, uma médica de paliativos vai lá a casa,
acompanham a doente ouvindo-a, acarinhando-a, mas isto é um exemplo. É a excepção
que deveria ser a regra. E aqui o que é que houve? Temos uma equipa excelente e
aquela senhora tem todo o apoio, porque está na casinha dela que é o que ela queria.
Com uma cama articulada que se arranjou. Com tudo.
Se se faz para um, pode fazer-se para todos, não é? É só aplicar o modelo. Não tem nada
que saber. Agora, se me disser assim: ah, mas isso implica um grande investimento da
parte das pessoas. Aplica-se, sim, senhora, um investimento humano, mas o que é que é
preferível? Isso ou estar a desgraçada a entrar aqui de maca três vezes por semana? O
que é que é preferível? Isto é assim e a pessoa tem que saber do que é que está a falar,
do que é que está a tratar. Isto tem tudo que ser muito bem gerido e personalizado. Tem
também muito a ver com a maneira de estar na sociedade. Acho que tem muito a ver
com a concepção que as pessoas têm das coisas, da vida, da doença, da morte, da
sociedade.
Naquela fase em que o nosso papel não é decisivo, aí eu só tenho que decidir o que é
que eu acho que alivia mais o doente, mas eu não vou decidir, não vou ser confrontada
com uma decisão terapêutica para chegar a um colega e dizer: - Eu penso que este
doente precisava deste esquema de quimioterapia. A partir desse momento as coisas
obrigam a uma grande coordenação e aí é que é a tal humanização dos cuidados de
saúde. Se eu tiver um doente em que eu quero fazer uma terapêutica curativa, eu tenho
que ser muito técnica e tenho que perceber o que é que vai resultar, o que é que me
interessa. Agora, na outra fase, eu tenho é que ser muito humana. Como eu tenho que
ser humana, não posso admitir que venha alguém dizer:- O meu orçamento é este. É x
por doente. Não posso. Aí é que entra toda a outra articulação.
-Segundo percebi há pouco não se pode colocar o doente numa situação de espera.
-E depois o momento em que se diz que vai para aqui, vai para ali, vai para acolá. Tem é
que ir para aquele sítio e nós temos é que criar as condições para ele ir para aquele sítio.
O sítio que ele quer. Normalmente é a casa dele.
-Em termos de organização do trabalho hospitalar e do próprio hospital, alterações que
este tipo de cuidados, na concepção da Drª, podem implicar. Por exemplo, a diferença
entre um quarto individual e enfermaria.
-Em termos hospitalares isto é uma dinâmica própria. Isto é a mesma coisa que o
programa especial de realojamento. Criámos construção de terceira ou quarta, em que
pegámos em comunidades carenciadas e que fomos despejar ali. O que é que nós
fizemos? Tirámos pessoas que viviam em barracas. Foram viver da mesma maneira, em
casas de alvenaria e tijolo. Aqui é a mesma coisa. Tal e qual. Temos que dar condições
às pessoas para terminarem os seus dias com dignidade. O doente tem de ter o seu
espaço.
-Terá que ser o doente a escolher e não a equipa que tem à partida a noção de que tem
que se preparar para a morte, independentemente da sua vontade?
-O doente vai dizer e nós vamos conversando. Há «técnicas» para isto, mas é
fundamental escutar o doente e percebermos se e do que ele quer falar.
-A nível do tratamento da morte e do luto em meio hospitalar, parece-lhe que deve
haver aqui diferenças em termos de organização do trabalho?
-Depende. Se a família quiser. Há pessoas que depois querem voltar ao local, mas há
pessoas que querem fugir e esquecer aquela fase da vida. Portanto, esse luto tem que ser
feito com a... Nós temos um protocolo de acompanhamento após a morte, mas como em
tudo nos cuidados paliativos, tudo dependerá das pessoas, das famílias. Não andamos a
forçar nada, apenas aconselhamos e estamos disponíveis. Agora, há outro luto, que é
mais complicado. É o do Hospital. Porque os ciclos de quimioterapia ou são semanais,
ou de três em três ou de quatro em quatro semanas. Um doente que começa a fazer de
três em três semanas não começa sozinho. Começam quatro, ou cinco, ou seis. As
pessoas, ao longo do tempo vão-se encontrando, sabem que estão ali, vão conversando e
um belo dia a cadeira está vazia e o luto é dos outros doentes. Esse luto dos outros
doentes é que é muito complicado.
-Isso remete para a gestão da unidade a vários níveis.
Há pouco falou no pouco interesse ou na pouca transparência sobre o que o médico
passa ou sente nesta relação com o doente em momentos terminais ou finais de doença
crónica. Quer dizer alguma coisa sobre isso?
-É assim: ao longo do tempo nós criamos uma relação especial com as pessoas e uma
relação que é muito individualizada e depois chegamos a um ponto em que as coisas
terminam. Isso é sempre um trabalho de equipa. Estamos sempre ao mesmo nível,
médico e doente e a família. E depois há um vazio. E é nessa fase que nunca ninguém
nos vem perguntar como é que é. Dou-lhe um exemplo: eu tenho dias em que saio daqui
e vou a pé para casa e não preciso propriamente de emagrecer. Eu vou a pé porque
preciso de apanhar aquele ar na cara. Preciso de andar aqueles quilómetros. Cheguei lá
estafada, apanhei aquele ar na cara, parei ou não parei... normalmente não páro. Pronto,
precisei de espairecer.
-Seria interessante dar apoio aos médicos?
-É assim: fomos nós que escolhemos isto e não caímos aqui de páraquedas. Isto obriga a
uma especialização e a uma permanência, uma passagem por determinados sítios em
que o leque é todo aberto. Agora, se me perguntassem:- isto é violento?
É muito violento. Nós não consultamos um doente. Nós vivemos com o doente uma
fase da vida, estamos com a família dele e às vezes com os amigos. E depois quando o
doente morre nós ficamos sozinhos. Às vezes mexe um bocadinho connosco.
-Não se fazia cuidados paliativos no início, nos anos sessenta. Nos anos setenta já houve
uma alteração do figurino de prestação de cuidados paliativos, com o aparecimento da
primeira Unidade, que serviu até de modelo a este serviço. Estruturalmente é uma
unidade do Canadá, eu agora não me recordo qual é a cidade. Eu sei que foi no Canadá
que abriu e foi em meados da década de setenta. Também não me recordo se foi em
74,76, foi em meados da década de setenta. Isso aí trouxe uma alteração no figurino dos
moldes em que se prestavam cuidados paliativos, também, para já... isto é, essa unidade
tida como modelar, já tinha uma equipa multidisciplinar, a concepção da logística do
internamento dessa unidade era semelhante a esta, isto é, um quarto, uma cama, um
espaço próprio para o doente, onde o doente pode ter a sua privacidade, onde pode ser
mimetizado o ambiente que tem em casa, quando está internado.
Com os nossos atrasos crónicos, nós estamos sempre atrasados em relação a
tudo, os cuidados paliativos é uma área que custa dinheiro, acarreta os seus custos e
portanto é natural que nós estejamos tão atrasados nesta área. É claro que os doentes...
são cuidados que se prestam a doentes que têm situações para as quais a medicina actual
não tem soluções que alterem o curso da doença. Escaparam completamente às
terapêuticas disponíveis e é na área da oncologia que a questão de forma mais premente,
mas também noutras áreas: na área da neurologia, da cardiologia, da gastroentologia,
portanto, em várias áreas da medicina põe-se esta necessidade. Depois, nos países do
Terceiro Mundo, mas evito abordar isso porque acho que aí é que é caso para dizer que
só fazem cuidados paliativos aos doentes com HIV, com SIDA, porque não têm
dinheiro para comprar medicamentos, o que não é o caso das outras doenças,
nomeadamente as oncológicas, onde os cuidados paliativos estão mais desenvolvidos no
mundo ocidental, onde abundam os recursos, os novos medicamentos, as novas
tecnologias. Eu já me perdi no que queria dizer. Basicamente estamos atrasados mas há
um plano de desenvolvimento nacional dos cuidados paliativos, existe um documento
da Direcção-Geral de Saúde estabelecendo datas do desenvolvimento e extensão até
2010. É um documento de 2004 em que se propunha fazer uma cobertura nacional do
país com cuidados paliativos. Ora isso é...já estamos em 2008 e estamos mais ou menos
algo melhorados, mas talvez a única coisa que aconteceu desde 2004 foi o aparecimento
do sector privado a investir também nos cuidados paliativos. De resto isso não é nada e
nós precisamos desenvolver cuidados paliativos, formar equipas nos centros de saúde
desde Trás-Os –Montes até lá abaixo ao Algarve e, enfim, pensar nas Ilhas.
Na segunda-feira passada passou uma reportagem na TVI e fiquei impressionada
até com a introdução da jornalista, que começou logo por dizer que em Portugal quem
tem dinheiro tem cuidados paliativos. Ora isso não é nada verdade. Se calhar é verdade
em muita coisa em Portugal, mas não é o caso nos cuidados paliativos. A verdade é
essa.
O que eu queria dizer sobre a reportagem é que como a Presidente da
Associação Nacional de Cuidados Paliativos mudou do Centro de Saúde de Odivelas,
onde tinha uma Unidade ao nível dos cuidados primários, aceitou o convite que lhe foi
dirigido para integrar a equipa do Hospital da Luz, houve um deslocamento da atenção
da Comunicação Social do Centro de Saúde de Odivelas (sector público) para o sector
privado (Hospital da Luz). Há esta nuance que leva as pessoas, se calhar, a pensarem
que...
Posso dizer-lhe que a unidade de cuidados paliativos do IPO do Porto, Coimbra
e Fundão são sectores totalmente públicos. Há a gestão privatizada mas é sector público,
isto é, um indivíduo não pode chegar lá e propôr-se contratualizar os serviços da
unidade. Não precisa. Basta que tenha indicação para beneficiar deste tipo de cuidados
para ser admitido.
-Segundo a sua óptica qual é a relevância dos cuidados paliativos para a área
oncológica?
-É fundamental enquanto nós não tivermos terapêutica curativa para o cancro. É assim:
a oncologia tem soluções do âmbito da cirurgia, do âmbito da radioterapia, do âmbito da
quimioterapia e cuidados paliativos. É só esta a importância. Usando as técnicas e as
drogas disponíveis, quando o doente fica só a fazer tratamento sintomático e de suporte,
os cuidados paliativos é que fazem esse tipo de orientação da doença. O indivíduo com
uma situação oncológica, provavelmente é operado; sendo possível retirar o tumor, não
há até mais nenhuma função curativa, dizemos nós na gíria “tira-se o tronco”.
Infelizmente as coisas não são assim, uma das características dos tumores é
metastizarem à distância e depois, é claro, também os tumores podem não ser
ressecáveis à partida e aí é que entram soluções terapêuticas da radioterapia e da
quimioterapia. Falindo estas soluções, que são soluções que alteram o curso da
doença...bem, o doente pode também recusar-se a submeter-se a estes tratamentos, mas
se o doente já fez estes tratamentos e não respondeu aos tratamentos, se verifica que a
doença está em progressão apesar de ter esgotado todas as linhas terapêuticas nestas
áreas para aquela situação, para aquela doença, naquele doente, só tem uma solução:
fazer tratamento dos sintomas, melhorar a qualidade de vida. Aliás os cuidados
paliativos nascem exactamente de se pensar em termos de filosofia da medicina, quer
dizer, quando nós não temos soluções curativas ou que alteram o curso da doença
prolongando a vida da pessoa, o que é que nós vamos fazer? Não temos solução curativa
para aquela situação, mas temos uma solução em que a pessoa está doente, a doença vai
continuar a evoluir, mas pelo menos a pessoa não tem nenhuma queixa ou sente-se
perfeitamente-em última análise é esse o objectivo- não tem queixas e
consequentemente tem uma melhoria da sua qualidade de vida.
-Drª, um dos debates que geralmente acontecem, debates profissionais, científicos,
parece surgir a distinção entre uma medicina mais curativa e uma medicina mais
paliativa. Muitas vezes fala-se na distinção entre um acto de curar e um acto de cuidar.
Parece-lhe que esta distinção faz sentido? Se faz, de que maneira? Se não faz, porque
não?
-Não faz. A medicina deve ser sempre feita com intuito curativo. Só há uma medicina
paliativa porque a medicina com intuito curativo não atinge o seu objectivo a cem por
cento. Essa é que é a verdade.
Como é que se faz a medicina curativa? Faz-se completamente, faz-se de uma forma
holística. Faz-se tratando, cuidando, etc, faz-se bem. Não acho que a paliativa é mais
cuidar e que a curativa é mais curar. Não acho mesmo. O que se pode é praticar
medicina com muito melhor qualidade.
A medicina também é um mundo, tem imensas áreas de actuação, umas mais técnicas,
outras menos técnicas, mais clínicas. Por exemplo, um anestesista avalia o seu doente
meia hora, uma hora, perguntando-lhe que doenças já teve, se foi anestesiado mais
vezes, fazendo-lhe um questionário, porque precisa desse tipo de informações até para
escolher as drogas com que anestesia o doente. Põe a anestesia no doente e tanto faz que
ele esteja bem disposto, mal disposto, a empatia aqui não tem sentido, porque o doente
está anestesiado, não está consciente. Por exemplo, um médico de imagiologia pode
nem sequer ir receber (e frequentemente não vai) o doente que vai entrar para o
aparelho de TAC. Pode nem olhar para um doente que vai fazer um rx do tórax, porque
há técnicos que fazem as colheitas dos exames. Há até radiologia de intervenção e é
claro que aqui há algum contacto com o doente, mas talvez em mais de noventa por
centa, quase noventa e nove por cento das situações para as quais um radiologista é
solicitado pode nem sequer ver o doente, tem é que ver as imagens recolhidas naquele
doente e saber qual é a situação clínica, o diagnóstico, quais são as hipóteses, o que é
que pretendem os médicos que pediram aquele exame, o que é que pretendem saber.
Estou-lhe a dar dois exemplos em que o contacto com o doente é mínimo.
Depois, na clínica geral, o contacto com o doente, a empatia com o doente é
fundamental. O relacionamento, a qualidade humana do relacionamento que o médico
tem com o seu doente é muitíssimo importante para o doente poder confiar no médico,
para o doente aderir à terapêutica que o médico resolver instituir-lhe, até para o próprio
médico se sentir gratificado com o que faz, pronto. Para lhe dar outro exemplo, a
cardiologia já tem o desenvolvimento tecnológico das especialidades. Eu estava aqui a
separar em grandes áreas da medicina. A cirurgia, por exemplo, opera o doente, há uma
componente técnica, mas tem que o avaliar em consulta e falar com ele. Esse
relacionamento também é importante. O cuidar do doente pós-operatório. O doente
sente-se particularmente sensível. É importante o relacionamento humano. Na
psiquiatria, por exemplo, o relacionamento com o doente é fundamental.
A cardiologia hoje, que é uma especialidade médica, vai desde a colocação de um pyzel
(00:20:28), de um estudo electrofisiológico eventualmente com intervenção, em que o
doente está /já vem sedado pelo anestesista, quando chega, sai sedado na mesma e o
cardiologista que está a fazer o procedimento eventualmente é capaz de dar umas
palmadinhas... enquanto que se o mesmo cardiologista fizer cardiologia do ponto de
vista clínico, senta-se no seu consultório e vê dez ou doze doentes que tiver,
normalmente tem que ter o mesmo tipo de relacionamento com os doentes... ou as
necessidades que...digamos que ele está a fazer uma consulta de clínica geral no âmbito
da cardiologia. A necessidade que ele tem de estabelecer esse tal relacionamento
humano e de confiança com o doente é a mesma que na clínica geral ou na medicina
interna. Dentro das próprias especialidades há essas nuances todas.
-E quanto aos cuidados paliativos, parece-lhe que a atenção às queixas do doente é
diferente?
-Não. Estamos a falar de doentes oncológicos. É assim: o sintoma mais frequente que
tratamos em cuidados paliativos é a dor. Num indivíduo que vem com queixas, vem
queixar-se que lhe dói num lugar qualquer e o médico tem de o ouvir com atenção e de
lhe prestar atenção e de lhe resolver o problema. Se calhar nos paliativos nós temos a
suprema vantagem de o doente estar super diagnosticado, estudado, etc e já temos a
papa feita, se quiser. O que é diferente de aparecer um doente completamente virgem de
cuidados médicos (pode até ter uma doença oncológica mas não lhe foi diagnosticada
ainda) que aparece num servço de urgência. Queixa-se “dói-me aqui”. De qualquer
maneira, olhe, pelo telefone, se calhar não consegue logo identificar a natureza da dor.
Dar-lhe um analgésico, mas sei lá, a dor é neuropática, precisa de outro tipo de drogas
além dos analgésicos. Se a dor resultar da compressão de um nervo ou de lesão de um
nervo não basta dar analgésicos. Tem que se dar drogas que alteram a percepção que o
doente tem do estema doloroso. Quase nunca conseguimos só com analgésicos tratar do
doente, se for neuropática.
Lidar com os doentes em cuidados paliativos, é claro que a maior parte dos
doentes, quase cem por cento dos doentes têm a noção que estão numa etapa final da
sua vida. Têm esta noção, com maior ou menor acuidade, porque as pessoas também
estão muito debilitadas e têm as funções mentais perturbadas, consequentemente. Mas
têm a noção de que estão na etapa final da sua vida. É claro que têm outro tipo de
necessidades, de outro tipo de atenção e nós temos essa noção, claro, todos nós.
-Isso altera ou exige-de alguma forma- a relação entre o médico e o doente?
-Alterar, alterar não altera, mas modela. A gente não se pode furtar a explicar ou a
conversar com o doente, ir ao encontro das necessidades que ele tem em termos de
relacionamento, enfim, nesta etapa da vida dele. Imagine o que é que um indivíduo
perfeitamente são e que tem indicação para ser operado... Por exemplo, pode ser uma
intervenção cirúrgica oftalmológica. A pessoa fica ansiosa, certo? A pessoa não sabe se
vai doer muito, se corre risco de vida ou não com a intervenção, como é que vai ser o
tempo da recuperação, essas questões todas, isto também... estou a falar de uma situação
que é benigna e solúvel cirurgicamente. Há uma fase ali em que o doente tem uma
necessidade de atenção e de ouvir respostas concretas naquele momento. Eu não faço
uma distinção muito rígida entre este tipo de necessidade e a necessidade que um doente
oncológico na etapa final da sua vida tem.
-Parece-lhe, em termos de percepção, que é assim?
-É assim. Todos nós temos obrigação de sermos melhores, dar mais atenção ao doente,
às vezes é difícil o doente perceber que a gente lhe está a dar atenção e lidamos com
pessoas com os mais variados níveis sociais, culturais, académicos. Não conseguimos
ter sempre com toda a gente o mesmo nível de empatia. É natural, mas pronto, a pessoa
tem que perceber que o médico está interessado na situação dela, em resolver-lhe o
problema, que faz daquilo a sua profissão, independentemente da área da medicina em
que isso aconteça. Às vezes as pessoas também porque têm muitos afazeres, andam a
saltitar de hospital para hospital, do hospital para o consultório, ou porque têm trinta
doentes para ver em quatro ou cinco horas, têm de praticar a tal medicina dos números,
porque é muito importante ver trinta doentes...acho que isso em nada contribui para a
boa qualidade de prestação de cuidados médicos. Não acho mesmo.
-Tenho várias entrevistas em que tem havido uma crítica sistemática de muitas pessoas
dos cuidados paliativos aos especialistas em oncologia, dizendo que os oncologistas
dirigem-se sobretudo à doença e não ao doente.
-Porquê que surge esta necessidade de criar equipas que façam só cuidados paliativos?
É porque os profissionais de saúde que têm doentes passíveis de serem seguidos em
cuidados paliativos, não têm disponibilidade nem de tempo nem material, não têm
espaço de internamento para assistir os doentes. É natural que um oncologista que tem
vinte ou trinta doentes que estão ainda a fazer tratamento que altera o curso da doença
(estão a fazer quimioterapia, por exemplo) investe a sua atenção nessa situação. É claro
que quando chega o momento em que o doente não respondeu ao tratamento que ele lhe
propõs, antigamente ficavam com os doentes e seguiam os doentes até ao último
minuto. Hoje têm a vantagem nos centros oncológicos onde há cuidados paliativos, de
poderem orientar os doentes para seguimento em cuidados paliativos.
E é vantagem porquê? Porque o doente em cuidados paliativos já não é aquela pessoa a
quem eles digam assim:-hoje vem fazer um folfox que é um novo ciclo que surgiu com
muito bons resultados. Essa fase está ultrapassada e a pessoa vai toda satisfeita fazer o
folfox que só dura quinze minutos, porque tem mais que fazer. Tem que ir para casa ou
tem afazeres profissionais, pessoais, familiares.
Quando está esgotada esta fase, o que é que a pessoa quer do oncologista? Que
lhe trate sintomas. Requer mais tempo do que o oncologista tem capacidade de dar. O
aparecimento do serviço de cuidados paliativos foi uma necessidade. Para a oncologia é
um escape. E é também para a cirurgia e para as especialidades todas.
A nossa oncologia médica orienta os doentes para o seguimento em cuidados
paliativos mas continua a segui-los. O oncologista tratou durante um ano, dois cinco,
dez aquele doente. Chegou uma fase em que beneficia de cuidados paliativos, mas o
oncologista conhece o doente, já criou laços afectivos, se quiser, também tem alguma
relutância em dizer assim:- pronto, vai ser seguido em cuidados paliativos. A partir de
agora vai ser seguido por outro médico.
Muitos colegas nossos, aqui no IPO de Coimbra, acabam por seguir os doentes e só
deixam de os seguir porque começa a ser um impecilho eles terem consulta de
oncologia médica e consulta de cuidados paliativos para fazer as mesmas coisas. Mas há
quem continue a seguir os doentes. Podem ter interesse em seguir o doente porque o
doente fez um protocolo qualquer de estudo académico. Pronto, também pode ser essa a
situação, mas basicamente não mandam para aqui os doentes. Até nos deviam era
mandar mais. Nós só temos a desvantagem de não termos serviço de urgência. Para
urgência, os doentes têm que ir aos hospitais da área de residência ou aos centros de
saúde da área de residência quando têm exames. Mas nós fazemos um seguimento
continuado ao doente. Se não nos propuserem os doentes ou se os propuserem muito
tarde estão a subtrair-lhes qualidade de prestação de cuidados, de qualidade de vida, no
fundo.
-Isso tem também a ver com a questão da obstinação terapêutica?
- Isso é outra questão. A obstinação terapêutica é outra coisa. É ter uma noção
exagerada de todas as drogas e tecnologias para resolver uma situação que à partida nós
sabemos tem forte possiblidade de ser insolúvel, porque o quadro clínico do doente
inviabiliza que ele responda com uma melhoria franca naquela situação, enfim... Agora
é claro, é compreensível que, tendo nós uma formação curativa...
Eu trabalho em cuidados paliativos, eu acho que os cuidados paliativos são uma
necessidade que resulta de nós não termos soluções definitivas, porque o ideal era nós
conseguirmos tratar. Já pensou que no início do século passado tinha-se uma
pneumonia, morria-se? Hoje pode-se morrer de uma pneumonia mas é preciso ter muito
azar. Ou apanhou um germen qualquer e não responde à antibioterapia, está no seu
organismo, está debilitado por alguma razão e só assim é que morre de pneumonia,
porque não morre de pneumonia. No início do século passado não havia antibióticos,
que só surgiram depois da II Guerra Mundial. O que quero dizer é que temos uma
formação que é curativa, o que é normal, quer dizer, formam-se médicos para resolver
as situações de saúde dos doentes, não é para tratarem só o sintoma. É para tratarem a
doença que resulta naquele mal- estar e naquelas queixas todas. E nós se calhar temos
tendência para usar os recursos todos que temos disponíveis, às vezes sem pensar muito
bem. Aqui é que os cuidados paliativos são importantes. Um indivíduo chega a um
serviço de urgência de um hospital de agudos e é imediatamente cateterizado, é-lhe
colocado soro, tira análises, não sei quê mais. Se calhar não há necessidade destas
coisas todas.
Se nós tivessemos uma geriatria mais desenvolvida no país, provavelmente
lidávamos com situações de cuidados paliativos melhor, porque a geriatria é aquela área
da medicina que se dedica aos idosos, à patologia dos idosos, às nuances que o facto de
estarmos a lidar com uma determinada patologia numa pessoa com mais de sessenta e
cinco anos, acarreta. Nós lidamos com os idosos com uma determinada filosofia que é
muito semelhante a esta e que é: nós vamos tomar atitudes, mas nós vamos pesar bem se
as atitudes que vamos tomar acarretam algum benefício àquela pessoa ou se pelo menos
os benefícios são maiores do que os riscos que vamos correr. Os cuidados paliativos têm
mais ou menos esta filosofia. É necessário que haja uma probabilidade muito forte que
a atitude que vamos tomar resulte num benefício para o doente, para a gente a
tomarmos, seja ela terapêutica ou de diagnóstico.
Nós temos tendência para tratar da mesma forma uma criança, um adolescente,
um adulto, um idoso.
O excesso terapêutico resulta dessa aplicação quase cega das drogas e das técnicas que
temos disponíveis.
-Temas de debate e controvérsia profissional e científica que existam entre médicos.
Identifica alguns? Se sim, quais os mais frequentes?
-Aqueles clássicos da eutanásia, o suicídio assistido... Já toda a gente lhe deve ter
falado.
-Por acaso não. Falaram noutros, como a rede de referenciação.
- Sim, a ética, moral, eutanásia, suicídio assistido. Política: a recta referenciação de
cuidados paliativos/política de saúde.
Já ouviu falar no spanish? Já entrevistou o Dr. Ferraz Gonçalves?
-Não. Estou a subir o país e ainda não cheguei ao Porto.
-Tem de entrevistar o Dr.
-Vou tentar, mas no IPO do Porto tenho que voltar a contactá-los.Perdi-me em
secretárias de direcção, etc, tenho que telefonar para lá e falar com o Director.
-Spanish... É assim: é uma coisa que para os anglo-saxónicos uma coisa esquisita. Isto
aparece na literatura médica como sendo assim, mas é claro que os cuidados paliativos
em Espanha não são no século XXI o que eram nas últimas décadas do século passado.
Há uma coisa então que se chama o spanish deaht. Parece que há estudos que mostram
que os espanhóis quando compararam as unidades de cuidados paliativos, mais de dois
terços preferem ficar a dormir, uma vez que não há solução curativa para a doença. Não
querem ser informados de qual é o seu diagnóstico e preferem ser sedados. Os
familiares vêm ter com os médicos e pedem:- por favor, Sr. Dr., seda o meu familiar,
porque se ele vai morrer,se não há nenhuma solução ele está em sofrimento físico e
psicológico.
Por outro lado os médicos pensam: se eu sedar este doente quase vinte e quatro
horas por dia é muito melhor, ele vai passar esta sua etapa final de vida de uma forma
muito mais adequada. E toda a gente pensava nestes termos. Isto impressiona a retina,
se quisermos, anglo-saxónica e é conhecido como spanish deaht. Será uma forma de
conspiração do silêncio.
-Quais (esses que identificou ou outros) que considera mais importantes dentro do
processo de implementação de cuidados paliativos que está em curso?
-Claramente as questões de natureza política, política de saúde. Urge que se inclua os
cuidados paliativos nos planos de estudo de medicina. Eu não sei se acontece nas
Universidades todas, nas Faculdades todas de medicina do país. Por exemplo, os cursos
de enfermagem em Coimbra já têm e penso que noutras áreas do país.
-Até os alunos do curso de Serviço Social já começam a entrar por aí, embora seja uma
área diferente. Procuram este tema.
-Quando procuram temas procuram este porque está muito mediatizado, agora, é preciso
fazer. Mas não têm formação nesta área. Nós temos tido estagiários do serviço social. A
Drª Margarida, que é nossa Assistente Social, tem tido jovens a estagiar. É claro que é
importante.O curso de Medicina não tem uma disciplina de cuidados paliativos e tem de
ter. Infelizmente nós de facto o que mais temos é situações crónicas sem tratamento
curativo e a medicina é isto. Só nos resta, a partir de determinada fase, tratar os
sintomas. Fundamentalmente era preciso introduzir cuidados paliativos nos cursos de
medicina. Depois, é claro, há muita gente que precisa de fazer pós-graduação e depois
há muita falta de formação nesta área. Depois há uma especialidade médica em que é
fundamental fazer pós-graduação: a clínica geral. Ela é a base daquilo que deve ser
qualquer Serviço Nacional de Saúde. Fundamentalmente é ao nível dos cuidados
primários que é possível, é possível não, faz parte do diploma de que lhe falei, do Plano
Nacional de Cuidados Paliativos, de 2004. As unidades são as que estão junto dos
cuidados primários, que em equipas multidisciplinares vão assistir os doentes, fazem
serviço domiciliário, eventualmente, enfim, não sei, poderão também ter consulta no
centro de saúde ou não, mas vão também aos domicílios das pessoas fazer cuidados
paliativos. Os espanhóis estão mais desenvolvidos que nós nesta área e têm essas
unidades.
-A nível da relação do médico com a restante equipa, parece-lhe que é diferente de
outros domínios? Há muitos colegas seus que dizem que a interdisciplinaridade é maior.
-A interdisciplinaridade não sei se é maior. Como eu trabalhei um ano inteiro num
serviço de urgências todos os dias, deixe-me dizer-lhe que eu não acho. Se calhar é
politicamente correcto dizer que o relacionamento é diferente do de outros serviços. E
se calhar é. Mas o que é importante é que nos cuidados paliativos nós trabalhamos
muito próximos uns dos outros e em estreita colaboração. Como lhe disse, eu trabalhei
um ano num serviço de urgência todos os dias e isto já foi há dezoito anos. Ainda hoje
encontro enfermeiros que já não trabalham naquele local e entre nós há um
relacionamento especial.
Nós em Portugal estamos pouco habituados a trabalhar em equipa e quando
conseguimos fazer alguma coisa em equipa já achamos que é diferente e que é super...
Não é. A gente não está é muito treinado a trabalhar em equipa e de forma
multidisciplinar. O exercício -com qualidade- da medicina também implica a
interdisciplinaridade, mas é entre colegas, não com outras classes profissionais; nós não
estamos muito habituados. Mesmo na tal interdisciplinaridade não é assim tão linear que
a gente consiga trabalhar em grupo, mas mesmo com as outras classes profissionais,
com os Administradores Hospitalares, com os enfermeiros, com os psicólogos, com os
assistentes sociais, nós não estamos habituados a trabalhar em equipa. Esta área é uma
área em que isso é fundamental. Faz parte da natureza da prestação destes cuidados a
multidisciplinaridade.
Claro que gostamos de trabalhar em equipa. É mais fácil, mais gratificante e
melhor para o doente.
-Drª, ao nível da organização do trabalho e do espaço hospitalar, acha que há diferenças-
ou deve haver- em termos de cuidados paliativos?
-Claro. Já visitou algum serviço de cuidados paliativos?
-Não. Isto também tem a ver com a questão dos quartos individuais, da presença da
família e outras.
-A família é o acompanhante. Pode ser uma pessoa só amiga. Já tive aí doentes que
tinham amigos que se revezavam, faziam uma escala: um dia ficava um a acompanhar
vinte e quatro horas por dia, no dia seguinte era o outro.
Acompanhante, geralmente, é a família.
É claro que os serviços têm características físicas completamente diferentes. As
enfermarias hospitalares têm duas, três, seis camas no mesmo quarto. Os cuidados
paliativos, quando têm enfermarias construídas de raíz para esse efeito... e também lhe
digo: não é o caso do hospital do Fundão e da Santa Casa de Idanha e da Santa Casa de
Misericórdia da Amadora e também não era o caso dos Hospices, que estão na génese
dos cuidados paliativos. Até meados da década de setenta ninguém construía serviços
com estas características. Habitualmente as enfermarias dos hospitais têm mais do que
uma cama. Nos cuidados paliativos o doente tem um quarto só para si para poder ter o
tal espaço próprio, a tal privacidade, para poder ter as suas mascotes. Aqui não temos
condições para termos animais. Os serviços de cuidados paliativos em Portugal, quando
foram construídos de raíz, foram construídos assim, em quartos individuais.
Se for ao Porto vai ver que os quartos são individuais, as pessoas têm é uma casa
de banho para dois quartos. São quartos individuais com um sofá-cama onde pode ficar
uma pessoa da família a acompanhar vinte e quatro horas por dia. No serviço nacional
de saúde, isto das vinte e quatro horas por dia só acontece com a pediatria.
É preciso construir estas coisas de raíz, para poder ter pessoas a acompanhar
doentes e agora criou-se a possibilidade legislativa dos doentes que vão ao serviço de
urgência terem uma pessoa a acompanhá-los. Eu pensei assim: mas que confusão!
Alguns hospitais não conseguem lá ter os doentes e os familiares. Os
profissionais de saúde andam a fazer gincana entre as macas, nas salas. Acho que os
hospitais se calhar não vão conseguir cumprir isto, mas a maioria, se calhar. Não estou a
ver como é que cada um dos doentes que esteja na Medicina nos ANALC, onde é que
há espaço para pôr um familiar ao lado, mesmo que seja em pé. Ainda lhe digo mais,
quer dizer, qual é o interesse de estar ali um familiar, exposto a uma série de gérmens,
stressado...não é?
Também não sei em que moldes se legislou. Até no cinema, basta ligar a TV e
ver uma série médica. Se uma das personagens vai ao serviço de urgência, não vê os
profissionais de saúde a barrarem a entrada dos?.. porque realmente o espaço lá dentro
tem que ser um espaço em que haja...
Às vezes a gente põe a andar as pessoas que são profissionais de saúde e que nos estão a
empatar, quer dizer, não é preciso porque as pessoas têm essa noção e vão embora.
Não há assim muito espaço para andar aí a passear pessoas que não estão a prestar
cuidados directos ao doente. Não é do interesse do doente que assim seja. Eu percebo a
ideia, mas pronto. Espero então que a gente construa unidades de saúde em que isso seja
exequível.
Se vai ao Porto, o Porto tem um edifício enorme construído de raíz só para aquele
efeito, com dinheiros da Liga Portuguesa contra o Cancro. E é claro que no Porto, além
de ter duas enfermarias... eu não conheço a nova, só a conheci vazia, mas já há mais de
meia dúzia de anos. A nova tem dois pisos de enfermarias, com características idênticas
e têm um espaço muito amplo de refeitório, têm biblioteca, têm sala de lazer, tem lá
umas mesas de ping-pong. Não sei se têm terapeuta ocupacional. Um terapeuta
ocupacional é um colaborador preferente dos serviços de cuidados paliativos. Têm
cabeleireiro, onde os doentes podem ir. Tudo na parte de cima do edifício. No andar dos
gabinetes de consulta. Têm um gabinete de bricolage, para os doentes que são
autónomos, que podem ir fazer algum tipo de tarefa que queiram. Portanto, já lhe falei
no espaço de lazer com sofás, biblioteca com livros até oferecidos pela Liga, o espaço
tem lá uma mesa de ping-pong para quem quiser jogar, têm uma cabeleireira, têm
também esse espaço de bricolage. Têm outras características.
Tem de lá ir. Quem criou este serviço foi o Dr. Ferraz Gonçalves. Ele depois é que por
razões intra-institucionais teve lá umas complicações e não sei. Deixou de ser ele o
Director do Serviço e a Drª Edna é que passou a ser a Directora.
-A sua idade?
-Eu tenho quarenta e quatro.
-Categoria profissional?
-Assistente graduada de medicina interna.
-A Drª formou-se onde e em que ano?
-Em Coimbra em 1987.
-Portanto tem vinte e um anos na profissão. E na especialidade?
-Na especialidade, há doze anos.
-E em cuidados paliativos?
-Em cuidados paliativos estou a trabalhar desde 2002.
-E neste Hospital?
-Estou aqui desde 2002.
-O seu sector de actividade predominante é o público?
-O público. Trabalho em regime de exclusividade.
Em seu entender, Dra., qual é a relevância dos cuidados paliativos, nomeadamente para
uma área como a oncológica?
A relevância? Bom… são fundamentais, não é? Apenas isso, são fundamentais. Na
minha opinião, enquanto não houver cuidados paliativos de qualidade para todos que
deles precisam, não temos… temos pessoas em sofrimento. Em sofrimento e numa fase
em que deveriam ser respeitados na sua dignidade e acompanhados por equipas
preparadas para os reconfortarem… Portanto, se me pergunta pela relevância, eu digo-
lhe que é total. É fundamental. Não vejo como contorná-los. Veja uma coisa: com o
envelhecimento da população, o problema é ainda mais agudo. Temos que tomar
medidas para acompanhar as pessoas em fim de vida de forma digna e com o mínimo
sofrimento possível. Portanto… relevância total…
Existem vários colegas da Dra. que afirmam a existência de uma distinção entre uma
medicina mais curativa, orientada para curar, e uma medicina paliativa, orientada para
cuidar. Como é que a Dra. vê esta distinção, entre curar e cuidar?
Bom, essa é realmente uma discussão habitual. Como eu vejo, é assim: eu gostaria que
essa distinção não existisse, ou pelo menos que ela fosse atenuada, suavizada… quero
dizer, no aspecto de que toda a medicina deveria ser mais humana, mais humanizada. A
medicina tem vindo a perder humanidade. Os médicos, muitas vezes, já não olham o
doente, não o vêem, não vêem uma pessoa, mas olham para as doenças, para a doença,
de que a pessoa padece. E muitas vezes quase parece… parece que nem sabem o nome
dos doentes. O que eu acho é que isto é muito errado e causa muito sofrimento, daí dizer
que penso que toda a medicina devia ser mais humana. Se quiser, mais preocupada, pelo
menos um pouco, com o cuidado e não apenas com o ataque à doença. Tive há dias
conhecimento de um caso… um caso que é um pouco um exemplo do que estou a dizer.
Uma Sra. com uma neoplasia maligna, portanto um cancro, em estado avançado, que os
médicos acham que não há possibilidade de cura. A Sra. mora longe, creio que no
Alentejo, portanto longe do hospital que a seguia, que era ali o IPO de Lisboa. Ora,
acredite-se ou não, esta Sra. vem várias vezes a Lisboa para fazer TAC’s, etc. e ser
acompanhada a evolução da sua doença. Agora, repare, a Sra. tem dores fortíssimas,
porque tem metástases ósseas. São dores horríveis, enfim… E obrigam-na a um esforço,
um sofrimento destes, apenas para seguirem a evolução da doença? Então mas não é
incurável??? Tiram a pobre da mulher de casa e fazem-na vir aqui, cheia de dores, um
sofrimento muito grande, para quê? Eu, sinceramente, não vejo… não sei, se o caso tem
algum interesse clínico, ou algo do género. O que sei é que seguramente isto não tem
interesse nenhuma para a doente. Isso eu sei. E acho que aqui os cuidados paliativos têm
uma palavra a dizer.
Isso tem a ver com a crítica à chamada «obstinação terapêutica»?
Tem. Tem. É isso mesmo, É uma obstinação. É um excesso, um abuso terapêutico.
Completo. Há outros casos, uns mais sérios, outros menos, mas há aqui toda uma
panóplia de situações que tem de deixar de existir, a medicina tem que ser mais humana,
tem que ter o outro como valor central e deixar-se destas coisas. E é aqui que os
cuidados paliativos, e os colegas dos cuidados paliativos, tentam, pelo menos… enfim,
tentam apontar o dedo e, nos seus serviços, tentam evitar que aconteçam estas coisas.
Bem, também é verdade que as coisas já vão mudando um bocadinho. Os colegas das
outras áreas já começam a perceber a importância da paliação e sobretudo que não
devem tratar os doentes como coisas. Mas há muito caminho a fazer. Isto ainda vai no
início. Mas custa, sabe? Custa… porque acontece todos os dias.
Quanto aos cuidados paliativos, propriamente ditos, a relação com o doente, a relação
do médico com o doente, altera-se, face a uma medicina mais curativa?
Sim, sim, altera… Lá está, não devia, porque ela já devia ser assim antes, mas o que é
facto é que não é. Portanto, altera-se.
Em que sentido?
É mais atenta, é mais chegada… Respeita-se sobretudo a dignidade do doente. A sua
dignidade como pessoa que é e como pessoa que está a viver os seus últimos dias, ou
semanas, por vezes meses, mas como pessoa que vai morrer proximamente.
Respeitamos isso.
Isso passa pelo respeito pela sua vontade?
Sem dúvida. Totalmente. A vontade do doente é sempre tida em conta, de forma muito
profunda. Muito mais do que numa medicina convencional, em que o médico quase
decide – quase, não, decide mesmo, muitas vezes – muitas vezes decide pelo doente.
Aqui, não fazemos nada sem termos o acordo dos doentes. Não fazemos. E tudo é
falado com eles, tudo. Mesmo se for preciso um exame, um medicamento, tentamos
sempre saber se isso incomoda e explicar porque pensamos que é necessário, mas se um
doente entender que não quer, que isso o vai incomodar de qualquer maneira, não
fazemos. Nem insistimos.
E a relação com a família dos doentes?
É muito grande. Procuramos envolver a família, colocá-lo no centro dos cuidados. E
isto tem, digamos, uma dupla vertente, porque temos de ouvir a envolver a família, que
é importantíssimo para apoiarmos o doente, e aí a família também é, se quiser,
cuidadora – o termo é correcto, é mesmo um «cuidador informal» - portanto, é isso e,
outro aspecto é a família também precisar de cuidados e ser alvo de cuidados. Desde
psicológicos, a sociais, por vezes ou até mesmo uma palavra, uma atenção e assim… a
família é sempre envolvida, sempre que possível, porque no fundo é, ou são, os entes
queridos, não é verdade, os entes queridos do doente…
E em relação à restante equipa de paliativos, Dra., a relação do médico é diferente do
que numa equipa de tipo mais curativo?
Bom, isso… depende. Depende, mas apesar de tudo, eu creio que há diferenças. Há
equipas, mesmo noutras áreas, como a cirurgia, que trabalham como equipas. Mas há
diferenças… Penso que tem mais a ver com a forma como todos se implicam nos
cuidados, percebe? Aquilo que eu lhe disse para o médico, é válido, portanto, para a
equipa. Todos se implicam, todos procuram cuidar, aliviar, dar conforto. É esta a
diferença principal, segundo penso.
E portanto, o médico está numa relação diferente com a equipa?
Ah, sim, sim. Sim… olhe, o exemplo do cirurgião… há uma equipa, mas o cirurgião é o
centro. Aqui, o médico até pode… o médico até pode ser o profissional, digamos, que
exteriormente, em termos, sei lá, hospitalares, de um olhar mais externo, portanto, o
médico pode ser o profissional responsável, etc. etc. Mas, na prática, no trabalho de
todos os dias, não há, acho, essa preponderância. Até porque muito do que podemos
fazer, nesta fase, enquanto médicos, continua importante, mas nem sempre é o mais
importante. Temos aqui, enquanto médicos, que ser menos «cientistas» e sermos mais
humildes e mais atentos, mais cuidadores, também, com os nossos conhecimentos, mas
o «filtro» é… é outro, percebe? É outro. E, por exemplo, temos que aprender com os
enfermeiros – como eles aprendem connosco -, que por vezes até são muito mais
sensíveis a estas coisas que muitos de nós, eles sempre estiveram mais próximos dos
doentes, têm esta faceta, digamos, mais desenvolvida, muitas vezes. Aqui, aliás, até as
auxiliares têm um papel importante. Se elas souberem o nome de cada pessoa, se a
tratarem com carinho, isso é inestimável para os doentes, como é para a família e isso
para nós é importantíssimo. Tentamos fazer… tentamos assim.
Em termos de debates que acontecem, nos hospitais, na comunicação social, entre
colegas, etc., sobre esta matéria, o que é que os médicos dos cuidados paliativos
debatem mais? Quais são os temas que são mais tratados nestas discussões (a
existirem)?
Existem, existem… olhe, um é logo o que já falámos, a obstinação, o encarniçamento
terapêutico, o médico que não sabe parar, que «bombardeia» o doente com terapêuticas
fúteis, desnecessárias. É um tema.
E como é debatido?
Como lhe disse já, não é? O excesso, o abuso das terapias. No fundo, isto tem que ver
com a forma como os médicos são formados, não é? Este até é outro aspecto que se
costuma falar. A formação dos médicos. Não sabem lidar com a morte. Mas não sabem
porque ninguém lhes ensinou e então andam por aí a fazer estas figuras, andam que
parece que se esquecem dos doentes.
A formação médica, portanto, também é debatida. Portanto, a Dra. pensa que não é dada
formação conveniente aos futuros médicos sobre como lidar com a morte, como cuidar
doentes terminais e isto se reflecte na prática clínica?
E de que maneira! E de que maneira, porque eles não sabem e por outro lado, também, a
formação condu-los um pouco a julgarem-se muito poderosos, muito capazes, como os
melhores, a quem nada falha e depois confrontarem-se com a morte, não estão
preparados. Vêem-se a si próprios como uns grandes especialistas e depois, quando as
coisas não correm… olhe, é outra coisa que às vezes se fala: os colegas que, quando as
coisas não correm bem, viram um pouco as costas, viram um pouco… ao doente. Fazem
como se não quisessem ver. Deixam-nos às enfermeiras, por exemplo. Dedicam-se antes
àqueles que respondem melhor aos tratamentos. É outro tema.
Quanto à forma como se trabalha em cuidados paliativos nos hospitais… a Dra. falou-
me da forma como este trabalho se desenrola, mas sabemos que os hospitais clássicos
são hospitais de agudos, logo nem sempre estão preparados para este tipo de trabalho,
não é verdade, ou estou enganado?
Não, não, de forma nenhuma. Está até a tocar num ponto que eu acho crítico. Os
hospitais, na maioria dos casos, estão, como bem diz, pensados, construídos para o
doente agudo e para internamentos curtos, para pessoas com perda temporária de
autonomia. Os doentes crónicos, sobretudo os doentes de paliativos, não estão…
melhor, os hospitais não estão preparados para receber estes doentes em condições.
A questão do quarto individual, por exemplo…
Sim, o quarto individual pode ser importante. Nem sempre, porque nem todos o querem,
mas geralmente é, para o doente ter privacidade, para estar, digamos, um pouco
recolhido, com a sua família, os seus entes mais queridos e próximos. E as enfermarias
tradicionais, nem de perto nem de longe… nós tentamos apoiar os doentes, fornecer-lhe,
quando estão internados, privacidade, condições de conforto, mas não é fácil, porque
não temos uma unidade própria. É tudo mais informal, tem que ver com a capacidade
que temos de convencer os colegas e os serviços a ajustarem-se um pouco, mas isto
também depende da disponibilidade e depois, há regras diferentes… tenta-se, por
exemplo, que a família esteja o máximo tempo possível perto do doente, nomeadamente
à noite, nos últimos dias, mas há regras e isto é assim, digamos, mais informal. Devia
ser diferente. Aliás, o ideal, mesmo, seria os doentes virem a falecer, terminarem,
digamos, o seu percurso, em sua casa, junto dos que lhes são próximos. Seria isto o
ideal.
- Doutor eu o nome sei, também é relevante apenas para ter a referência. A idade do Sr.
Dr.?
- Cinquenta e seis.
- Categoria profissional?
- Sou chefe de serviços.
- O Dr. formou-se em que ano?
- Em mil novecentos e setenta e sete.
- Portanto tem trinta e um anos de serviço. E foi em que faculdade que se formou?
- Faculdade de Medicina do Porto.
- Qual é a sua especialidade?
- Medicina interna e oncologia médica, mas trabalho em cuidados paliativos desde mil
novecentos e noventa e quatro, portanto há catorze anos.
- E portanto o Dr. está exclusivamente nos paliativos?
- Sim.
- E o Dr. tem quanto tempo neste hospital?
-Neste hospital entrei para cá para o quadro em mil novecentos e nove e um, portanto há
dezassete anos. Mas já tinha estado cá desde mil novecentos e oitenta e oito, no ciclo de
estudos especiais de oncologia médica.
-Portanto, o Sr. Dr. acabou de me dizer que trabalha exclusivamente nos paliativos,
trabalha exclusivamente no sector público?
-Sim.
- Obrigado. Passava então à entrevista propriamente dita. O estudo visa de alguma
maneira, fazer esta relação entre as questões sociológicas digamos assim, entre uma fase
mais curativa da medicina e uma fase mais paliativa. Mas, sobretudo, centrando-se na
questão da oncologia. O Dr. podia dizer-me qual é, na sua opinião, a relevância dos
cuidados paliativos para a oncologia médica? Para a oncologia melhor dizendo, para os
doentes oncológicos?
- Como sabe os cuidados paliativos nasceram na oncologia. Embora hoje se dirijam a
todas as doenças esporádicas, praticamente, mas é ainda na maioria dos doentes, que são
tratados nos cuidados paliativos são oncológicos. Por exemplo, nós aqui na
especialidade, temos por aí, 98% de oncológicos. Embora possam ser tratadas todas as
patologias. Isso acontece também em Inglaterra, por exemplo, porque já trabalham nisto
há quarenta anos, acontece mesmo, só 5% ou 10% em média, é que são doentes
oncológicos. E há várias razões para isso, primeiro, a relação que as pessoas têm com a
doença oncológica, que é diferente, da que têm com as outras doenças, a doença mais
grave associada ao sofrimento, à dor, à morte. Evidentemente haverão outras doenças
crónicas piores, com diagnósticos piores, e que causam outros tipos de problemas, só
que a conotação que normalmente associam à doença oncológica é diferente do que se
associa a outras. Depois há a questão de ser mais fácil, relativamente mais fácil,
estabelecer o prognóstico dos doentes com cancro, saber que a partir de certa altura já
não há tratamento, do que para outros doentes. Enquanto que outras doenças, como a
SIDA, doenças do foro pulmonar ou cardíaco, há às vezes complicações, por exemplo,
infecções em que os doentes ficam muito mal, mas se, se conseguir resolver essa crise
relativamente ao estado anterior, com certa estabilidade, até ter outra e outra, o
prognostico é mais difícil de perceber noutras doenças, do que nas doenças oncológicas
em geral. E há também circunstâncias em que noutras doenças há insuficiência cardíaca
etc, essas crises, são como que a noção que se está a fazer algo de especifico, em relação
a essas doenças, enquanto que a doença oncológica, quando chega a determinada fase,
sabe-se que pouco se pode fazer no controle da doença. E portanto, já agora, os doentes
oncológicos, como os doentes crónicos, têm muitos problemas, nessa fase em que as
doenças, em que os tratamentos anti-neoplásicos já não são úteis, e portanto esses
problemas são múltiplos, de várias ordens, física, mas não só. Há situações de ordem
social, de ordem psicológica, de ordem existencial.
- Geralmente, creio eu, nalguma parte que existe na comunidade médica, em torno desta
questão, aparece frequente uma distinção, entre uma medicina mais paliativa e uma
medicina mais curativa. Por exemplo, substanciados em verbos como curar e cuidar. No
discurso surge muitas vezes esta questão. Como é que o Dr. vê esta duplicidade?
- Eu penso que isso resulta da formação das pessoas. Da história da medicina recente,
com a história do desenvolvimento tecnológico, sobretudo. E cometeu uma evolução
grande, mas, não se aplica a toda a gente, em todas as fases de doenças. Então, aquilo
que as pessoas são ensinadas nas faculdades é a curar, curar a vida, sobretudo em
relação a esses aspectos tecnológicos, e quando estes deixam de ser úteis, então passa-se
a bola para outro sector, digamos assim, quando existe, em que se pensa não só no
curar, até porque já não se pensa no curar, porque já não é possível, mas no cuidar. No
cuidar e no tratar, porque o cuidar não é só tender loving, umas pessoas simpáticas que
estão ali, devido às vertentes humanitárias e de compaixão, e que estão ali a tratar os
doentes, a dar o seu tempo. Não, também os aspectos técnicos são importantes. E o que
eu penso, é que mesmo nas fases curativas, o curar e o cuidar devem estar juntos. Os
cuidados paliativos, por exemplo, reservam-se para o fim, para quando os aparelhos não
são uteis, mas seria bom que fossem integrados. Porque mesmo para os que se curam,
têm problemas de dores, que os cuidados paliativos podiam dar uma resposta. Portanto,
isto quanto a mim não resulta. Embora exista na prática esse antagonismo entre curar e
cuidar, esse é artificial e não deveria existir. Temos de caminhar para um paradigma
diferente.
- No âmbito desta temática, que são muitas vezes referidos, um deles, é eventualmente a
questão obstinação, de moderação terapêutica. Como é que o Dr. olha para este tema?
- Isso enquadra-se naquilo que dissemos antes. No curar. Muitas vezes por um ou por
outro motivo, a situação não é reconhecida como uma situação, em que os tratamentos
intensivos destinados a prolongar a vida e a curar já não são úteis, já não são uteis para
o doente. E às vezes não se reconhece por vários motivos, primeiro, ou se reconhecendo
não se é capaz de comunicar isso ao doente, que já não é altura de fazer aquilo tudo, ou
porque o próprio nega a si próprio, que a morte é, um pouco, um fracasso, então muitas
vezes... (Pelo médico) e portanto muitas vezes há uma espécie de negação da situação, e
portanto há uma altura em que os tratamentos com destino a esse fim, devem ser
suspensos. Isso claro tem de ser gerido caso a caso, mas esses tratamentos, ou outros
tratamentos que se possam fazer por outros médicos.
- Outra questão ainda... A questão da utilização de meios complementares de
diagnóstico ou na mediação tecnológica há alguma distinção no uso ou na forma como
se deve usar a tecnologia, numa fase curativa relativamente a uma fase paliativa, e
inversamente também as queixas do doente, ganham novo, ou não ganham sentido
numa fase mais paliativa?
- Numa fase mais paliativa, aquilo que nos interessa essencialmente, é aquilo é
subjectivo. Digamos aquilo que o doente diz que sente, e não propriamente utilizar isso
apenas como um sintoma/indicação de uma coisa qualquer que está por trás, porque
nesta fase muitas vezes aquilo que está por trás, não se consegue resolver, então muitas
vezes é necessário ir àquilo que o doente sente e resolver isso. Agora, mesmo esses
problemas que os doentes têm, podem haver dúvidas sobre a sua causa etc., e podem
haver informações que seriam úteis para resolver isso. E, portanto os exames
complementares de diagnóstico devem ter uma finalidade concreta, essa de resolver o
problema do doente. Porque se o doente aparentemente está, com alterações da
respiração, objectivas, mas se ele não se queixa de falta de ar, para ele isso não tem
importância, isso, para nós também deixa de ter, e não vamos estar a investigar uma
coisa que não incomoda nada o doente. E pronto tudo isto, tudo aquilo que se faz tem
como objectivo beneficiar o doente, o bem-estar do doente, e não fazemos exames de
rotina, não fazemos, por exemplo, às vezes os próprios doentes ou os familiares, têm
problemas... O doente tem um determinado tipo de neoplasia, sabe que está evoluída, e
às vezes os doentes ou os familiares, pretendem fazer um exame, para ver como é que
evoluiu, isso para nós não é relevante, desde que a situação esteja claramente definida
antes. Agora se aparecer um problema, que nós pensemos que o exame seja importante
para definir melhor, para melhor tratar, tratar no sentido de contribuir para o bem-estar
do doente, isso faz-se e deve-se fazer.
- Relativamente a esta questão nos cuidados paliativos, o Dr. pensa que a relação entre o
médico e próprio doente, a relação de proximidade...
- Eu acho que sim. A relação é muito mais, digamos íntima, e mais intensa, do que a
relação noutras fases, em que a relação é mais superficial, mais distante. Eu penso que
assim, aliás, aqui há outros problemas, não que só os físicos não só o resultado dos
exames... Mas, sobretudo aquilo que o doente nos conta, o que preocupa, o que o faz
sofrer. Claro que não é só físico. Portanto, para se abordarem essas pessoas tenho que
me aproximar mais, e deixar que elas se aproximem também.
- E relativamente à família do doente, também há uma diferença na abordagem médica?
- Sim. Portanto, na maioria dos cuidados paliativos, pretendem integrar a família. A
família é também importante, e às vezes a família é ela própria objecto de cuidados.
Mesmo às vezes para além da morte do doente, na fase do luto. A família é importante.
A família que tradicionalmente, nos serviços de saúde, é vista quase como um estorvo,
que se intromete ali, que complica, que transtorna um bocadinho a relação com o
doente, nos cuidados paliativos, procura-se não pensar assim. Mas, de facto acolher
também a família, e cuidá-la, também.
- Obrigado. E em termos de relação, com a restante equipa de profissionais de saúde, a
relação do médico, aqui, é distinta de uma fase mais curativa?
- Sim, procura-se trabalhar em equipa. A equipa aqui é importante. A densidade dos
problemas que os doentes têm, faz com que seja assim. E a própria equipa também é
mais coesa, geralmente. Noutras situações, vem este e aquele e faz o seu trabalho e vai-
se embora. Aqui a relação tem de ser... Aqui as situações são discutidas não só pelos
médicos, mas também por outros profissionais, que de facto toda a gente compreende o
é que se está a passar, e toda a gente tem o seu contributo, a sua visão daquela situação
em concreto. E, portanto, desde o médico se pôr numa posição mais acima, é, aqui,
contínua a ter um papel muito importante e fundamental, mas aqui há uma aproximação
maior entre os vários profissionais. E uma interacção maior...
- Mudando agora um pouco o âmbito das questões... Relativamente a temas de debate e
controvérsia, que o Dr. identifique relativamente às questões dos cuidados paliativos, no
seio da comunidade médica em Portugal. Quais é que lhe parecem ser os mais
frequentes?
- Dentro dos cuidados paliativos...
- Ou digamos, entre médicos em geral, por exemplo, das pessoas dos cuidados
paliativos para os oncologistas, entre oncologistas? Entre pessoas dos cuidados
paliativos. Quais são os temas mais frequentes de debate profissional e cientifico?
- Eu penso que, os outros médicos, de outras especialidades, de oncologia, penso que
ainda vêm um pouco nos cuidados paliativos, uma coisa menor, e perante a atitude, e
várias atitudes, até as atitudes das administrações, do hospital oncológico, por exemplo,
vêm os cuidados paliativos como uma coisa, que é engraçado ter e tal, mas que aquilo
não precisa de grande coisa, as pessoas, enquanto que para ser oncologista médico é
preciso uma especialidade, é preciso um cirurgião... Aqui, se houver alguém que queira
vir, pode mesmo com a formação anterior que teve não interessa muito, desde que se vá
formando depois, e penso que, elas pensam que a formação nos cuidados paliativos, é
alguma coisa ligeira, e que numa “semanita” e tal, e se consiga aprender. Enquanto que
se sabe que os cuidados paliativos, são uma especialidade médica, e em alguns países, e
são de ensino universitário, pré-graduado. E portanto, esse é o confronto, de conflitos, é
também a incompreensão, sobre o que os cuidados paliativos fazem efectivamente. Bem
aqui já estamos há muitos anos, mas muitas vezes aquilo que eles consideram, e como
usam os cuidados paliativos, não é uma coisa que beneficie o doente, mas é uma coisa
que beneficie o serviço deles, é uma pessoa que já não há nada a fazer como se diz. E
que sai dali, e já não está a ocupar a cama, e que já não vai às consultas. Não na base,
que ele é mal tratado lá. Mas que... é melhor para nós. Utiliza-se muito às vezes, nos
cuidados paliativos, esse certo tipo... eu penso que isso existe porque nas faculdades
continua a não haver ensino sobre a morte, sobre as fases do doente que já não são
susceptíveis de cura, e isso é portanto, deve ser introduzido nas faculdades, que as
pessoas morrem, que não são só êxitos e que, as pneumonias não se tratam sempre da
mesma maneira, que não é mesma coisa tratar uma pessoa de 20 anos com uma
patologia qualquer, do que com 20 anos mas que tem um cancro avançado, que as
pneumonias podem não se tratar da mesma maneira, ou que podem não se tratar, se não
houver medicação para isso. Enquanto não houver conhecimento sobre o que são os
cuidados paliativos, porque há muitas concepções erradas. E isso tem de se aprender de
raiz, para que isso seja generalizado, enquanto isso não se fizer, vai haver concepções
em relação aos cuidados paliativos, que causam alguma incompreensão e algum
prejuízo para os doentes.
- Dr., uma questão que não está aqui no meu guião, mas que me ocorreu agora. Alguns
oncologistas que ouvi, e mesmo na comunicação social… às vezes apercebo-me que o
doente devia ficar com o mesmo médico até ao final da vida, e até muitas vezes os
médicos não têm formação para tomarem conta do doente oncológico, que é muito
complexo. Quero eu dizer, por vezes surge este argumento. Como é que o Dr. encara
esta questão?
- O doente, normalmente em oncologia, depende das patologias... mas... há entretanto
vários médicos, não é um só. Depois, muitas vezes o doente é operado, faz radioterapia,
faz quimioterapia... Aquilo a que os oncologias médicos, se vêm como cirurgiões, os
oncologistas médicos se acham, e são, tratam dos doentes. E muitas vezes são esses que
os seguem mais tempo, que os seguem depois dos outros tratamentos, que lhe são feitos.
Numa fase mais inicial. Mas essa questão, da complexidade, é exactamente ao contrario.
Aquilo que eles fazem, é o que vários fazem, que é fazer a quimioterapia, depois que
elas já estão terminados, nesta fases faço isto e depois faço aquilo. Agora tratar o
doente, digamos assim, e não tratar-se o cancro só, é que é mais complicado. Agora de
facto, se vêm muitos oncologistas no IPO de Lisboa, que têm muito essa idéia... dos
cuidados paliativos, e acham que eles já fazem tudo o que é necessário fazer, que é
seguir os doente até ao fim. E a doença é uma coisa que já está identificada há muito
tempo, e as pessoas pensam que fazem aquilo pensam que têm competência
que...mostra exactamente o contrário. E essa questão dos médicos dos cuidados
paliativos, não terem competência para fazer, eu por exemplo, sou oncologista.
- Já agora para ter idéia, de um número de médicos oncologistas em cuidados
paliativos...
- Não há muitos. Que trabalhem em cuidados paliativos, depois há mestres... mas esses
mestres... é uma coisa completamente diferente, esses mestrados podem ser úteis numa
concepção teórica, mas não são mestres, nestas questões o mestre é saber fazer.
- Entretanto... Uma outra temática... em termos de organização do trabalho hospitalar,
quais é que parecem ser as principais diferenças ou implementações que estão aqui
envolvidas, em termos de espaço, em termos de tempo, em termos de trabalho dos
profissionais.
- Bom, como eu disse, a ligação que é necessário ter com o doente, faz com que, a visita
que se fazem aos doentes, demorem mais tempo. Temos de falar com o doente, depois
as situações são complexas, temos de ir uma vez e outra vez, durante o dia... as
consultas também são mais longas, as consultas também não demoram dez minutos, até
porque os doentes estão mais doentes, mexem-se mais devagar, têm outros problemas
que afectam o doente, nesta fase... e portanto o ritmo, digamos assim, tem de ser
diferente, do ritmo de uma consulta de dez minutos. Isso não se pode fazer, algumas
podem ser diferentes. Se um doente que está a fazer só o controle da dor,
essencialmente. Nesse dia pode ser assim só, mas depois já vem outro que está
deprimido... e às vezes aspectos vocacionais são completamente diferentes, e a
abordagem de outras questões que não são só as físicas, e essencialmente, faz, com que
as coisas sejam diferentes.
- E em termos de espaço, Dr. por exemplo, o trabalho numa unidade deste tipo, a
inserção do trabalho espaço deste tipo, têm relativamente a uma enfermaria clássica?
- No nosso meio têm. Até porque temos um espaço excepcional, excepcional em termos
nacionais e internacionais. É muito raro ver-se assim uma unidade com estes espaços,
com quartos individuais. Mas o espaço tem de ser adaptado também às necessidades dos
doentes. Os quartos de banho têm de ter apoios para o doente se poder mobilizar sem
risco de cair, para poder ter alguma independência, também. Mas pronto, é
essencialmente, há alguns serviços que são muito parecidos com os outros serviços, eu
diria, por exemplo, a alternativa a haver individuais, eu penso que é importante, haver
alguns quartos individuais pelo menos. Mas também, a alternativa não será ter dois
doentes num quarto, porque isso é bom para o serviço de cirurgia, por exemplo, os
doentes acordam e ao fim de alguns minutos vão-se embora, portanto estão pouco
tempo... os dos cuidados paliativos estão mais tempo. E se as condições forem boas,
tudo bem, mas podem não ser, ou até a relação dos doentes... e portanto a melhor
alternativa é ter mais, não é ter quartos, por exemplo, ou porque boas dinâmicas de
grupos, grupos... Em relação de funções maiores, enquanto que há outras pessoas que
são obrigadas a estar ali e a relacionar-se. E muitas vezes quando planeiam estas coisas,
podem ter um, mas o melhor é dois. Mas isso não é necessariamente assim. Depois, com
os espaços de convívio, onde as pessoas possam estar, e os espaços de comunicação
com os familiares. Sítios onde as pessoas possam passar o tempo e fazer algumas
actividades lúdicas, e isso é muito importante, o que não acontece em muitos serviços,
onde a passagem também é mais rápida, e nos nossos serviços, em que os doentes estão
algum tempo, e onde o tempo custa a passar...
- A possibilidade da presença da família é importante.
- Sim, aqui, é possível que um familiar fique cá, que viva com o doente cá. Pode comer,
pode tomar banho, pode dormir, no mesmo quarto do doente. Portanto, pode
praticamente viver. E temos alguns que o fazem, embora seja uma minoria.
- E em termos de organização do próprio trabalho em termos de tempo, Dr. tenho lido
em alguns casos, que existem flexibilidades nas horas, para tomar o pequeno-almoço
por exemplo.
- Os nossos doentes têm o seu ritmo, e o ritmo da sua condição, dos seus hábitos
anteriores. Nos hospitais há um horário para tudo, mas muitas vezes, os doentes têm
falta de apetite àquela hora normal, em que é servida a refeição, então é preferível
esperar por uma hora em que queira comer alguma coisa, do que respeitar
escrupulosamente as horas. Embora, isso nem sempre seja fácil, estamos condicionados,
até certo ponto com os horários do hospital em geral. Mas dentro de alguma gestão mais
flexível, em que o doente deseja comer qualquer coisa, pede à cozinha que faça... as
horas de acordar também não são rígidas. Procura-se que os doentes à noite durmam, e,
portanto não os interromper muito, não se faz barulho. Tudo isso se procura de alguma
forma contribua para o bem-estar do doente, respeitando o seu ritmo, os seus desejos, as
suas capacidades.
- No IPO de Coimbra, p ex, deixa-se que os doentes tragam os seus objectos pessoais...
- Sim. Os objectos pessoais. Que tragam comida,... e depois há outras coisas. Os doentes
aqui podem fumar, se tiverem esse hábito, e podem fumar em todo o lado... Podem
beber bebidas alcoólicas, se desejarem, isso terá limites claro... e tem de se integrar num
conjunto. Porque nesta fase não há lugar a restrições, nesse sentido, agora essas coisas
não são importantes, e agora, são os únicos prazeres que os doentes podem ter. A
finalidade é sempre essa, é contribuir e ir ao ritmo do doente, e não impor nada, dos
nossos valores, das nossas crenças, dos nossos hábitos, aos doentes. E contribuir tanto
quanto possível, que tenham os seus e que os mantenham.
- Dr. uma questão relativamente ao tratamento da morte e do luto, aqui em meio
hospitalar, neste caso, numa unidade de cuidados paliativos, como é que isto se
processa, por exemplo neste caso...
- Portanto, nós temos uma psicóloga, que acompanha os familiares, isso começa antes
da morte. Sempre que possível, porque muitos já vêm no próprio dia e são internados...
e essa psicóloga depois segue os familiares dos doentes que precisarem. Porque nem
todos precisam, o luto digamos, não é uma coisa normal. Mas uma minoria significativa
que não conseguem resolver espontaneamente, só o contributo do tempo é que resolve
isso. E todos aqueles que precisarem, estamos disponíveis para os acompanhar, durante
o tempo que for necessário.
- Obrigado, Dr.
-A idade da Drª.
-Cinquenta e oito.
-A sua categoria profissional.
-Sou directora de Serviço.
-A Drª formou-se em que Instituição?
-Em 77, em Lisboa.
-Na Faculdade de Medicina de Lisboa?
-Sim.
-Portanto, tem 31 anos de profissão. E na especialidade?
-Tenho duas especialidades:tenho medicina interna e oncologia. Tenho medicina interna
desde 89 e oncologia desde 93.
-Há quanto tempo está neste Hospital?
-Estou cá há dezassete anos. Faz agora em Junho. Fez agora, no dia 1 de Junho.
-O seu sector predominante de actividade é o público?
-Sim, só público. Trabalhei há muitos anos no privado, mas isso foi logo a seguir ao
curso, mas há muitos anos que estou em exclusividade, portanto, só trabalho em
Hospital.
-Este Hospital tem cuidados paliativos?
-Tem, integrados no serviço de oncologia. Temos uma pequena Unidade, em que faz
parte um oncologista, uma enfermeira e uma psicóloga.
-Relativamente à importância dos cuidados paliativos para a área oncológica, qual é que
a Drª pensa que será? É relevante? Não é relevante?
-É uma área que é uma parte muito importante e que se tem desenvolvido ultimamente e
que dantes não havia nada. Há trinta anos, nem há vinte, nem há dez se falava em
cuidados paliativos. E é muito importante não só tratar o doente como também, quando
nós já não somos capazes de fazer nada, pelo menos aguentá-lo na parte paliativa e na
parte final. Quando já não podemos curar a doença e os tratamentos se tornam
supérfluos – quando não mesmo agressivos -, é importante reunir condições para tratar
o doente, cuidar o doente, com dignidade e no respeito pela sua vontade.
-Fala-se geralmente, hoje em dia, no seio da comunidade médica, julgo, na distinção
entre uma medicina mais curativa e uma medicina mais paliativa. A Drª inclusivamente
estava a fazer referência a isto.
-Medicina curativa, pronto, nós temos muitos doentes que são operados em fases muito
iniciais e que nós tentamos fazer uma medicina curativa e que graças a Deus já dei altas
a muitos ao fim de dez anos, cinco anos. Não é assim tão invulgar darmos altas. Dou
bastantes altas, mas temos alguns doentes que já sabemos de antemão quando cá
chegam que são situações já bastante avançadas, que vai ser...00:03:20.............. é uma
terapêutica curativa mas é uma terapêutica para prolongar a vida com uma qualidade de
vida aceitável.
-Segundo percebi, para a Drª faz sentido esta distinção entre o acto de curar e o acto de
cuidar.
-Sim. Curar, em oncologia, é uma coisa que temos de pôr umas aspas, mas pronto,
podemos considerar que a longevidade que alguns doentes têm depois de terem uma
doença oncológica, alguns são capazes de ficar curados, depende também do tipo de
cancro que têm, é uma parte. Há outros que nós vamos fazendo uma terapêutica,
sabemos que não vamos curar, mas pelo menos prolongamos a vida o mais tempo que
pudermos, mas nessa fase é muito importante a qualidade de vida. Prolongar a vida a
um doente oncológico, mas que tenha uma boa qualidade de vida. De contrário penso
que não justifica.
-Isto entronca nquilo que muito se tem debatido sobre a questão da obstinação
terapêutica. A Drº tem uma posição sobre isto? Como é que lhe parece que, de facto, a
questão da obstinação terapêutica se coloca hoje em dia? Parece-lhe que é o doente que
deve decidir? Parece-lhe que é o médico que...
-Eu acho que o que geralmente vemos numa fase curativa é o médico a decidir a
terapêutica de um doente. Diz-se que doente não tem conhecimento para decidir, mas
nós devemos ser francos e dizer ao doente as hipóteses de terapêutica que tem para a
situação em que está, o que é que vai acontecer, dentro daquilo que nós podemos
explicar e o doente às vezes opta. A opção terapêutica é mais usada nos cuidados
paliativos, para os doentes não numa fase em que ainda se pensa que se pode curar,
entre aspas, é mais para aqueles doentes que estão numa fase bastante avançada.
Geralmente aceitam, os doentes se a qualidade de vida deles melhorar, eles aceitam as
opções médicas. Quando a qualidade de vida começa a degradar é que eles começam...
às vezes optam por parar, mesmo por não querer continuar. Acho que o doente tem um
formato e tem o direito de dizer se quer ou não quer fazer. Eu, mesmo quando num
trabalho mais curativo, ponho as opções terapêuticas, explico, explico se tem de fazer
quimio, portanto, cirurgia, quimio, radio, as armas que nós temos para a oncologia e o
doente geralmente aceita a terapêutica. Aceita sempre com uma esperança de que possa
melhorar e que viva com uma qualidade de vida aceitável.
-Em termos de diagnóstico e terapêutica, à Drª parece que existe aqui alguma distinção,
apesar de tudo, nesta fase mais curativa e a fase mais paliativa, nomeadamente até ao
nível do diálogo com o doente? Por exemplo, face a um dado objectivo de um exame
complementar de diagnóstico e uma queixa de um doente, numa fase mais paliativa,
eventualmente a queixa do doente terá um valor maior do que teria numa fase mais
curativa?
-É assim: nós podemos ter um diagnóstico de uma doença oncológica num doente em
que se pede um exame por uma sintomatologia que aquilo é um achado, às vezes, não
está nada em relação ao que o doente se queixa, mas perante um doente, por exemplo,
uma senhora que tem um tumor num ovário eu tenho de lhe dizer, tenho que iniciar uma
terapêutica, mas tenho de lhe dizer, tanto faz se é um tumor no início, que eu posso ter
hipóteses de curar cirurgicamente, como se for um tumor em que eu tenha que fazer
outra terapêutica, como a quimioterapia e mesmo para fazer a quimioterapia antes da
cirurgia, temos que lhe dizer e explicar ao doente. Eu explico sempre. Não sei se foi isso
que me perguntou. Eu explico sempre ao doente como é que eu equaciono a terapêutica,
porque os doentes são diferentes, o mesmo tumor em duas pessoas é diferente. O doente
é um Ser, é alguém que é individual e nós temos de lidar com cada um como um caso.
Temos que atender à idade, à diferenciação da pessoa, temos que atender a muita coisa.
-Pelo facto de ser cuidado paliativo acha que há alguma diferença nisto, nem que seja de
grau?
-Quando o doente passa para uma fase paliativa, pronto, é preparar o doente, no respeito
pela sua vontade, para a morte, como eu ouço elas dizer nas consultas dos paliativos. É
preparar o doente para a parte final, portanto, explicar-lhe que vai morrer, mas isso é
uma coisa muito difícil. Isso entra nos paliativos. Ensinar o doente e prepará-lo para o
fim, para que ele aceite a morte com calma, com resignação. E que a aceite.
-Nesta questão a Drª parece-lhe que nesta abordagem dos cuidados paliativos-
tendencialmente se procura informar o doente sobre a sua condição e nomeadamente
sobre a morte iminente ou mais ou menos iminente? Parece-lhe que o respeito pela
vontade do doente pode colidir com isto? É que estava a dizer há pouco que há doentes
que não querem saber.
-Mas eles nessa fase já...é diferente. A fase em que não querem saber é no início, em
que ainda estão a trabalhar, têm a sua vida e pronto. Muitos dizem:- Eu vou ficar bom,
eu vou curar-me. Esta fase já é de resignação, não é? É uma fase em que já passaram
todas as terapêuticas que nós podíamos fazer e que as coisas progrediram e cada vez
estão pior. É a fase em que, pronto, no fundo acabam por saber que vão morrer. Podem
não aceitar mas sabem.
-Em termos de relação do médico com o doente, já falou um pouco sobre isso, parece
que há uma diferença especial no âmbito dos cuidados paliativos. Na sua percepção, na
sua concepção, parece-lhe que deve haver?
-Penso que sim, mas isso já é uma equipa que está...eu isso posso-lhe dizer. Acho que
há uma grande afinidade entre o médico e o grupo; o grupo tem uma linha própria para
atender essas pessoas, linha aberta para eles que é-lhes dada para eles e para os
familiares. E é tratado o doente e os familiares e damos apoio, por exemplo, a psicóloga
consegue dar apoio até uma ano depois de o familiar ter falecido.
-Segundo percebo há uma relação diferente também com a família do doente e com a
restante equipa, por parte do médico dos cuidados paliativos.
-Do médico, da enfermeira, da psicóloga, do grupo, portanto.
-E é um grupo interdisciplinar, talvez.
-É. Interdisciplinar e que funciona, a consulta não é só com o doente, é com o doente e
com os familiares chegados. Eles tentam sempre aguentar o doente em casa, com os
cuidados, com todo o nosso apoio, com as terapêuticas de suporte, mas em casa. Só se
interna um doente nessa fase para controlo de sintomas, ou que a dor não se consegue
controlar, ou que vomite, ou que tenha qualquer outra coisa que não se consegue
controlar em casa. Nesse caso interna-se esporadicamente durante um, dois dias, o
tempo que for necessário para controle e volta para casa. É sempre a tendência de tentar
que o doente morra no seio familiar. Não é fácil, às vezes não se consegue. Há famílias
que não aguentam.
-Em termos de controvérsias que existem, debates científicos e profissionais nesta área
dos cuidados paliativos ou mesmo entre médicos oncologistas, a Drª consegue
identificar alguns, que sejam mais frequentes?
-Desses aspectos, na sua óptica pessoal, qual elegeria como o mais importante?
-Na fase terminal do doente é o controle dos sintomas. É muito importante que o doente
não sofra. A aceitação, eu acho que quando...o que tenho presenciado é que quando o
doente aceita a morte fica mais calmo, mais sossegado e parte em paz, não tão
angustiado. Principalmente quando o doente aceita essa parte, consegue às vezes
resolver coisas que ele precisava de resolver e que... às vezes não quer falar com a
família porque não quer dar a entender à família que vai partir. Às vezes nessa fase em
que se conversa com ele, nessa fase final ele abre-se e consegue falar e haver uma
comunicação entre ele, que vai partir, com a família, resolver às vezes coisas que não se
resolveu até lá e então vai em paz.
-É nessa fase diferente a relação do doente com o médico...
-É completamente diferente a relação nessa fase, da relação que nós temos quando eles
estão bem.
-A fase anterior será mais funcional, eventualmente? Não sei se concorda.
-É uma fase muito difícil e complicada, mas mais centrada no doente e mais atenta ao
doente. Mas é difícil, porque, na nossa sociedade, a morte ainda é assim uma coisa que
nós não lidamos muito. Nós nascemos e sabemos que vamos morrer, só que não fomos
preparados para morrer. Fomos preparados para nascer. Isto depende das religiões e
depende das nossas crenças, mas de qualquer das maneiras acho que é uma fase
extremamente cansativa para o médico ou para a equipa. É desgastante. As pessoas
saem cansadas, desgastadas, porque acho que às vezes é complicado.
-É uma fase muito relacional, uma fase emotiva?
-É uma fase muito emotiva, porque é o doente, é a família e porque nós também somos
seres humanos, não somos bichos. O médico, ao fim e ao cabo, também tem a sua... é
um ser humano como outro qualquer. Tem vaidades, também tem emoções. Tem tudo.
-A nível de trabalho hospitalar, quando existem doentes sob cuidados paliativos nos
hospitais, parece-lhe que há alterações ao nível da organização do trabalho (já falou em
algumas. Acabou de me dizer que há uma abordagem, toda ela, diferente), por exemplo,
a presença da família, que também creio que existe, não é?
-Sim. Nós agora, com as nossas condições, que estão muito melhores (mudámos em
Fevereiro cá para baixo. Se tivesse conhecido as nossas instalações lá em cima fugia!)
temos sempre a tendência de deixar um acompanhante com o doente. Mesmo a fazer a
parte da quimioterapia tem uma cadeira. Eles precisam de estar com alguém nem que
seja para conversar. Nós deixamos. É já uma maior humanização, como se costuma
dizer.
-Em geral, não é? Com qualquer doente?
-Com qualquer doente. Dantes, lá em cima, só deixávamos às crianças, aos pequenos,
aos de 15, 16, 17, mas agora, desde que queiram, temos sempre... cada unidade tem,
além do maple, da cadeira, do cadeirão, tem uma cadeira própria para estar o familiar.
-As questões do espaço físico parece-lhe que são importantes?
-É. Os doentes são diferentes. Há doentes que gostam de estar sozinhos, há doentes que
gostam de estar perfeitamente a conversar com todos e neste momento nós temos
possibilidade de ter doentes privados. Privados, quer dizer, num espaço que temos as
cortinas que rodeiam o cadeirão. Se o doente não quiser ver ninguém está ali, não vê
ninguém, tem a cortina, puxa-se. Se quiser estar a conversar com os vizinhos do lado,
conversam bem.
-Depende do doente.
-Depende muito do doente e isso os doentes são todos diferentes e há dias em que
podem querer falar e há dias em que não querem ninguém. Nós, mais ou menos isso aí
deixamos ao critério do doente e tentamos ajudar. Se quer ter um familiar nós deixamos
estar; se quer estar sozinho, está sozinho; se quer estar acompanhado com um colega (
com um colega não, com uma pessoa que vem para cá também com ele, às vezes
juntam-se ou duas senhoras que foram operadas à mama
no mesmo dia, que saíram, que querem fazer os tratamentos no mesmo dia) estarem a
conversar.
A Medicina, no seu início, baseava-se na filosofia de ajudar o outro. Não tinha actos
eficazes, ou por outra, tinha actos eficazes num determinado tipo de contexto e
reportamo-nos à altura em que o nosso tão conhecido Hipócrates estabeleceu bases que
ainda hoje perduram.
Relativamente à prática médica nessa altura, uma simples infecção podia ser
fatal. Não havia nenhum conhecimento relativamente às causas, à metodologia tal como
nós temos hoje. Não havia nada comparável. E portanto os actos que eram executados
pelos médicos baseavam-se exactamente nessa filosofia de ser útil ao outro: aliviar o
sofrimento, apoiar o doente nas suas necessidades, ajudá-lo, prestar assistência. Há uma
série de termos que evoluíram e que hoje continuam a fazer sentido, embora hoje,
actualmente, nós executemos um conjunto de actos que são, de facto, muito eficazes
nalgumas, muitas doenças. Conseguimos até erradicar algumas. Conseguimos tratar
eficazmente outras. Conseguimos suportar pessoas em situação de doença crítica.
Conseguimos suportá-las e fazê-las, enfim, passar essa transição. Conseguimos
combater um conjunto de causas de uma série de patologias. Contudo, esse princípio
fundamental mantém-se, porque quando nós esgotamos a capacidade de actuar, fica a
essência do ser médico, ou seja, aliviar sempre, apoiar sempre, ser capaz de ser solidário
com alguém em sofrimento, ser capaz de aliviar o sofrimento de alguém, ser capaz de
lhe prestar apoio quando ele está dependente de terceiros. E isso é a essência, a própria
essência médica.
-Drº, então começámos assim. Se calhar vou pedir-lhe alguns dados de caracterização
pessoal, antes de entrarmos nos temas de conversa.
A sua idade?
-Cinquenta e quatro.
-Categoria profissional.
-Chefe de serviço hospitalar.
-Instituição e ano de formação.
-Faculdade de Ciências Médicas de Lisboa, 1977.
-Portanto, o tempo na profissão é trinta e um anos.
-Tenho trinta anos de licenciado. Comecei a trabalhar no início de 1978.
-Na especialidade de oncologia?
-Desde 92.
-E neste Hospital?
-Primeiro no IPO dois anos e depois aqui, sempre.
-O seu sector predominante de actividade é o público?
-Só o público.
-Portanto, exclusivamente. Sei que este hospital não tem cuidados paliativos.
- Os doentes não podem ocupar camas que são destinadas a doença aguda. Não podem.
Agora, tem que haver um contexto organizativo próprio que permita que um Hospital
geral preste cuidados paliativos terminais e de fim de vida.
-O Dr. já entrou em temas que eu tinha pensado trabalhar aqui, mas restringindo, qual é
a relevância que entende que os cuidados paliativos têm para a área oncológica?
-Têm toda, porque qualquer doente oncológico é um potencial doente que vai precisar
de cuidados paliativos e de apoio de terceiros. Portanto, têm toda a relevância; não há
aliás área mais relevante que os cuidados paliativos para a área oncológica. Pena é que a
formação da maioria dos oncologistas não seja suficiente nesta área.
-Parece-lhe insuficiente?
-Muito insuficiente.
-Tem sido uma queixa de muitos médicos dos cuidados paliativos relativamente aos
oncologistas. Dizem que estes não têm formação nesta área. Como é que o Dr. vê isto?
-Como encara algumas das distinções que surgem frequentemente nalguns debates,
como a distinção entre uma medicina curativa e paliativa, obstinação e moderação
terpêutica? Estes temas têm a ver com um movimento interno à profissão, de construção
de uma nova especialidade?
-Sim, tem a ver com isso mas também tem a ver com outra coisa: os médicos não estão
habituados a prestar cuidados para ajudar alguém a morrer com dignidade, ou seja,
cuidados paliativos. Estão habituados a prestar cuidados curativos. Quando se sente que
aquele doente não vai ter possibilidades de sobreviver, de facto há um afastamento. O
doente transita para... Eu não concordo com isso. De todo. Acho extraordinário.
Eu penso que não deveria haver esta distinção. Deveria haver apenas um contexto
diferente. Eu ou estou a tratar um doente num contexto curativo ou estou a tratar um
doente num contexto paliativo. Ponto final. E eu tenho que saber fazer a distinção entre
o que é uma coisa e o que é outra. E entre as minhas prioridades noutro contexto. Tenho
que tomar decisões ao nível de investimento num contexto e noutro contexto e dentro de
cada um dos contextos, consoante a situação concreta de cada doente e a vontade de
cada doente e aquilo que eu lhe proponho e a forma como ele aceita. Aí há uma grande
dose de individualização. Aquilo que me parece adequado para um doente não me
parece adequado para outro doente, embora o contexto seja o mesmo, está a ver?
Portanto, cada médico tem que individualizar a terapêutica em função de cada doente.
-O Dr. pensa que isso são questões que jogam com a própria identidade dos médicos?
-Jogam com a formação dos médicos, com a forma como eles entendem a sua profissão.
-Será uma questão de fundo cultural?
-É. A forma como lhes ensinaram a ser médicos, aquilo que eles aprenderam, a forma
como se posicionam, a experiência que têm...tem muito a ver com isso.
-Em termos de relação com o doente, parece-lhe que num tratamento mais paliativo o
valor, por exemplo, da mediação tecnológica, em termos de construção de um
diagnóstico, se altera face...
-Não. Aí supostamente os diagnósticos estão estabelecidos. O que pode haver é
necessidade de diagnosticar algumas complicações, mas em determinado contexto isso
pode não ter nenhum valor, porque o que pode resultar de um diagnóstico estabelecido
com recurso a tecnologias e até métodos algo invasivos, é por vezes o encarniçamento
terapêutico. Ou seja: nós, numa determinada fase, já devíamos ter os diagnósticos todos
feitos. Portanto, o recurso à tecnologia é, de facto, negar a paliação aos doentes.
-Concomitantemente considera que as queixas do doente ganham importância aqui?
-Completamente. O que devemos fazer é tratar o sintoma, é tratar o doente. Aí é mesmo
tratar o doente. Já não é tratar a doença. É tratar o doente. É rigorosamente essa a
acepção, a essência.
-Nesta relação pensa que a família do doente intervém de forma diferente e como no
caso da paliação?
- Bem, gostava que a família do doente interviesse de forma a ajudar à paliação.
-Peço desculpa. Não fui muito claro. Queria perguntar: o médico relaciona-se também
de forma diferente com a família?
-É fundamental. O médico tem que se relacionar bem com a família. Primeiro tem que
perceber o que é que a família quer e por vezes impedir que a família seja um factor de
agressão ao doente. Tem que haver aqui uma boa percepção do meio em que o doente
está, mais a individualização de terapêuticas e de actuações.
-Relativamente ao funcionamento em rede dos cuidados paliativos, o que pensa?
-Não há rede. Não há rede. Rede não existe. Existe é um conjunto de Instituições que
supostamente estão ligadas por um sistema burocrático, mas rede, propriamente, não há.
E o doente sai daqui, com muita pena minha vai para um sítio qualquer, que pode ser a
duzentos quilómetros de distância. Perdeu o contacto com a família, com o médico que
o tratou durante toda a doença, perdeu tudo. E vai para um sítio onde supostamente
alguém especialista muito versado em medicação paliativa vai executar um conjunto de
actos e um conjunto de atitudes. Não concordo nada com isso, como já percebeu. Não
acho que isso seja bom para os doentes. Não acho que seja nesse momento em que o
doente mais precisa de estar junto dos seus, que se vai desinserir o doente do seu meio.
Não concordo nada com isso.
-Relativamente à relação do médico com a equipa interventora nesta fase, há alterações
que lhe pareçam significativas, na fase paliativa?
-Não. Na fase de tratamento paliativo a equipa tem que continuar a funcionar. Era até
muito interessante que fosse acrescida de alguém com grau de formação superior nesta
matéria e não o contrário. O trabalho em equipa é importantíssimo. Importantíssimo. Se
queremos cuidar do doente, se queremos abordá-lo e cuidá-lo em toda a sua amplitude,
precisamos de equipas interdisciplinares que possam trabalhar articuladamente.
-Temas de debate e controvérsia profissionais e científicos, sobre esta matéria. Quais
identificaria como os mais frequentes?
-São as questões éticas. Há sempre uma questão ética subjacente: saber quando intervir,
como intervir, como usar a tecnologia ou não usar, que tecnologia usar, se as coisas
são... se é distanásia, eutanásia activa ou passiva... Todas essas questões são temas de
controvérsia. Agora, o que eu acho é que o que conta a sério é o interesse do doente, as
condições do doente, aquilo que o doente deseja para si. Depois, a forma como o
médico interage com isso, porque o médico também é um ser humano. Tem convicções.
Isso é que é o essencial e como é que estas coisas evoluem. E portanto, é uma relação
tão personalizada que não pode haver... eu acho que é completamente abusivo haver
aqui interferência de terceiros, embora saiba perfeitamente que o que estou a dizer,
enfim, num contexto de vigarice, digamos assim, abre as portas a todos os abusos. Não
pode haver aqui nesta relação entre o doente e o médico interferência de terceiros,
nenhum Poder nem...nada. Esta relação entre o doente o médico que o trata, este
conjunto de atitudes e de opções que se vão tomar têm de ser uma relação inviolável,
nesta fase, baseada na pura confiança e no puro respeito. E claro, quando digo o médico,
penso também na equipa toda. E isso é um tema controverso.
-Quem é que debate estas questões?
-Nem todos, infelizmente, mas já começa a haver mais debate, mas ainda poucos. Claro
que a Ordem tem importância, tal como têm, enfim, outros organismos. O mal é se isto
for dirimido só em comissões de ética (não é que os eticistas não tenham aqui nenhum
papel), mas é mau se for dirimido só nesta sede.
-É um trabalho também profissional.
-Há vários actores aqui que têm de estar em jogo.
-Em termos de inportância, presumo que este tema seja o mais importante para o Dr.: a
inviolabilidade da relação estabelecida entre a equipa, com destaque para o médico, que
é disso que falamos aqui, e o doente. A não colocação do doente sob a política de
equivalências, digamos assim, económicas ou outras, não é?
-Exactamente.
-Sobre a organização hospitalar dos cuidados paliativos. Parece-lhe que há alguma
alteração com a implementação dos cuidados paliativos no trabalho hospitalar,
independentemente de existir uma Unidade?
-Ainda não estão implementadas a sério. Têm que estar, tem de haver da parte de
alguém com capacidade e conhecimento, mas depois tem de haver uma equipa que vá
prestar cuidados onde os doentes estão, para que eles não saiam de... percebe?
-As questões do quarto individual e da enfermaria..
-Em princípio todos os doentes deviam ter um espaço individual para estar. Essa é que é
a questão. Os hospitais não estão preparados para isso, mas todos os doentes deviam
ter...
-Todos, independentemente da fase?
-Todos.
-Isto tem a ver também com a presença da família?
-Exactamente. Também tem.
-Relativamente à questão da organização do trabalho hospitalar, a questão da morte
parece-lhe que merece...
-Pois, eu acho que os doentes não devem morrer em meio hospitalar, sempre que é
possível. Acho que os doentes devem morrer como se morria antes, em casa, no seio da
família. Mas, sabe que eu passei por uma experiência semelhante. A minha mãe morreu
e ela não morreu em casa. Não foi possível. Os meus pais não me deixaram preparar as
coisas, ela esteve numa unidade de cuidados paliativos.
Custou-me, percebe? Custou-me.
Eu acho que sempre que possível devia-se morrer em casa junto dos seus, daquele que
lhe é familiar e a excepção seria morrer no hospital, mas infelizmente é ao contrário.
Por outro lado, se e quando as pessoas tiverem de morrer no hospital, temos de criar
condições para que isto ocorra com dignidade e em conforto.
-Em primeiro lugar preciso de pedir alguns dados de caracterização seus. O nome da
Drª, sei. A sua idade, por favor?
- Sessenta e três.
-Categoria profissional?
-Assistente graduada C.
-A Drª formou-se em que Faculdade?
-Na Clássica. Faculdade de Medicina de Lisboa.
-E formou-se em que ano?
-Setenta.
-Exerce a profissão desde essa altura, trinta e sete anos.
-De 71 para cá.
-Em termos de especialidade a Drª é anestesiologista. Tem quanto tempo na
especialidade?
-Trinta e cinco.
-O seu sector predominante de actividade é o público?
-Sim, de há dezoito anos para cá é o público. Até há dezoito anos era o privado e o
público. Depois passei à exclusividade.
-O Hospital tem cuidados paliativos, já sei, é uma pergunta que costumo fazer. Ia passar
então a alguns itens de conversação, alguns temas que costumo abordar nas entrevistas,
sobre os cuidados paliativos. O serviço aqui também recebe doentes oncológicos?
-Sim, o Hospital tem várias especialidades.
-Qual lhe parece que é a relevância dos cuidados paliativos para esta área da oncologia?
-Eu acho que é muito importante. É cada vez mais necessário do que era há trinta anos.
As pessoas têm outras necessidades, os cuidados paliativos são multidisciplinares, às
vezes não são só os cuidados, é o controle sintomático-será uma parte nossa- e até do
apoio à família, tudo isso nós temos e até devia estar mais... é mais necessário. Por
vezes os doentes têm mais dificuldades: estão sozinhos, não têm ninguém que os
acompanhe.
-A Drª atribui isso também a um défice da parte mais social, é isso? Mais isolamento...
-Pois e as Unidades de cuidados paliativos são cada vez mais necessárias. Não é a
nossa, que é só uma unidade de consultadoria neste momento, mas a Unidade é com
camas.
-Um dos debates frequentes nesta área é aquele que distingue uma medicina mais
curativa de uma medicina mais paliativa. Quais as diferenças que vê entre um acto
curativo e um acto de cuidar?
-O que os cuidados paliativos gostariam de fazer era de começar a tratar o doente, tratar,
não no sentido de curar, ao mesmo tempo da medicina curativa. Para doenças do foro
oncológico, ou doenças mentais, haver um caminhar em conjunto da curativa e da
paliativa, porque quando se chega à fase em que a curativa já não tem nada a fazer, já a
parte da paliação estaria no máximo da sua força, não é? Num rectângulo, era assim: as
duas caminhando lado a lado. Seria o melhor. Nesta fase ainda não. É a curativa que
termina e depois aparecem os cuidados paliativos.
-Parece-lhe que isso tem algum efeito negativo, até do ponto de vista da percepção dos
doentes?
-Tem, porque muitas vezes chamam-nos, pelo menos agora nas fases terminais. Não
temos tempo para actuar à vezes ao pé do doente.
-O doente também de alguma maneira sente os cuidados paliativos, se calhar de uma
forma negativa, ou não?
-Não. Não tanto, porque a gente só vai quando os doentes também querem e até agora
têm aceite, porque acima de tudo a gente tem mais tempo para os doentes que os
médicos curativos.
-Uma das controvérsias que atravessa este debate dos cuidados paliativos tem a ver com
a distinção entre uma certa obstinação terapêutica e a moderação terapêutica. Como é
que vê este binómio?
-Eu penso que somos um bocadinho o travão à obstinação terapêutica, porque acima de
tudo, para nós, é o conforto do doente e pesar o bem e o mal; a gente deve fazer muitos
exames mas sempre com o fim de que o doente fique melhor. Se não lhe damos esse
conforto não vale a pena. Nós na anestesia já vivemos uma bocadinho este problema.
Por isso eu penso que é mais fácil...
-Há pessoas da anestesiologia, da medicina interna, nos cuidados paliativos?
-Há no Fundão. O director é anestesista. Depois há as colegas do Douro, que também
trabalham um bocadinho em Aveiro.
-Existe também aqui um papel de alguma defesa do doente dos cuidados paliativos face
à eficácia técnica da medicação mais curativa?
-Exactamente.
-Estou a perguntar isto para fazer a ligação ao ponto seguinte que eu tinha aqui, que tem
a ver com a ideia do tipo de diagnóstico que se faz nos cuidados paliativos. Se
fizessemos um ratio entre algo mais objectivo, por exemplo, sustentado em meios
complementares de diagnóstico e um diagnóstico mais próximo das queixas do doente,
há aqui uma diferenciação de uma medicina mais curativa de uma medicina mais
paliativa?
-Não, penso que não. A curativa faz tudo o que tem a fazer e só quando acha que não
pode fazer mais nada do ponto de vista técnico é que passa para a paliativa. Nós só
paramos naquela fase a dizer assim:- temos a quimioterapia e readioterapia paliativa;
mesmo se a pessoa está muito mal, muito mal, se calhar temos que começar a dizer que
vale a pena. Se vale a pena fazer mais cinco tratamentos. Sem condições de vida
fazemos os cinco tratamentos e a pessoa tem mais um mês com bom estado, dentro
daquilo que a pessoa também deseja. Nós temos uma doente agora com oitenta e cinco
anos que tem uma coisa aguda no membro inferior. É gangrena do pé. A paliação é pela
doença básica que é uma neoplasia gástrica. E até se põe o problema se a senhora quer
ou não quer que se faça a amputação.
-O doente é muito central no tratamento, não?
-É. A pessoa, do ponto de vista da doença gástrica, que é a doença oncológica, a pessoa
já está numa fase paliativa, mas isto é uma coisa que apareceu e portanto a senhora pode
ser amputada e ainda viver.
A gente não deixa de fazer os tratamentos cirúrgicos que são necessários até... mas só
no sentido de dar conforto ao doente; que tenha algum benefício para o doente. No
benefício para o doente é que nós somos mais exigentes. Por exemplo, meter uma
algália num doente. Se a pessoa está numa fase já de doença terminal, tanto nos faz que
o doente urine cem como urine duzentos. Não vamos agora aborrecer a pessoa a fazer
uma algália. Nesse sentido é que há mais cuidado.
-Drª, em termos de envolvimento do médico, da relação, do papel do médico com o
doente é diferente, parece-me, nos cuidados paliativos.
-Nós aqui temos, portanto, esta equipa. O médico assistente é sempre o médico
assistente. Nós damos sugestões.
-Não há Unidade...
-Não, mas depois acompanhamos, quer na quimioterapia, vamos saber se está melhor,
se não está melhor, portanto temos mais disponibilidade para o doente e para ouvir até
outra versão do doente, que não são só as queixas do que lhe aborreça, mas problemas, a
família, os filhos, o marido, toda essa parte que nós ouvimos. É o doente num todo. Não
é o doente só doente.
-E em termos de envolvimento e de relação com a própria família do doente, também há
diferenças?
-Há. Também fazemos muita conversa com a família, até para sabermos...porque aqui o
que se põe o problema é a alta. Muitas vezes estes doentes não estão a morrer, não estão
agónicos. Se estão agónicos não se faz mais nada. Os que não estão agónicos ainda
podem ter uma fase de irem para casa. Saber o que é que os familiares aceitam, o que é
que não aceitam, possibilidade de formação dos familiares até para fazerem os cuidados
necessários em casa, mínimos, não é, é isso que se faz mais com a família também. E
normalmente até agora a família tem sido receptiva a esta apresentação, embora tenha o
médico assistente com quem as pessoas falam e tudo isso. Mas com o médico assistente
falam na doença. O médico às vezes diz uma coisa que não se deve dizer: que já não há
nada a fazer. Então entramos nós.
-Em termos da relação do médico com a restante equipa parece-lhe que há uma
diferença com um protocolo mais curativo?
-Há. Penso que os enfermeiros estão mais abertos até aos cuidados paliativos, estão
mais ligados, estão com o doente várias horas. O médico também, mas está a fazer
outras coisas e portanto os enfermeiros estão muito mais receptivos. A população mais
nova são os mais receptivos aos cuidados paliativos. E portanto o enfermeiro da
Unidade também tem essa função relativa: apoiar os enfermeiros que têm dúvidas ou
que não sabem, até por exemplo usam muito a parte suportandi (00:11:55) para dar
medicamentos e os que não têm formação o enfermeiro da Unidade ajuda-os.
-Portanto há um maior trabalho interdisciplinar.
-Há. Multidisciplinar. Os cuidados paliativos, acima de tudo, têm essa vantagem de
serem multidisciplinares, porque a equipa é médico, enfermeiro, fisioterapeuta,
assistente social e psicólogo. Não há ninguém acima ou para baixo. Todos se
equivalem.
-Uma das coisas que algumas pessoas me têm dito é que há uma grande diferença do
ponto de vista dos médicos, porque não há o mesmo tipo, até, de expectativa face ao
pepel do médico.
-Exactamente e por isso até é muito difícil os médicos entrarem nisto. É muito difícil.
-Há alguma diferenciação em termos de formação?
-Nós somos educados para a medicina curativa. É por aí. Os mais novos já estão um
bocadinho mais abertos. Já pensam na ética. Por exemplo na minha altura não aprendi
ética nenhuma nem nada. Não havia. A ética tem trinta anos quase, não é? Portanto,
penso que é daí a dificuldade. Por exemplo, o dar as más notícias às vezes é muito mau,
é pouca formação até dos médicos para fazerem essa parte. Alguns que gostam têm
mudado para a formação, mas de uma maneira geral são poucos ainda.
-É muito recente?
-É.
-Nem sequer há uma especialidade.
-Não, não.
-Drª, temas de debate e controvérsia, científicos, profissionais, que existem nesta área,
quais é que diria que são os mais frequentes?
-A nível de colegas há colegas que dizem que não vale a pena, que eles fazem tudo o
que podem. Paliativos não vale a pena, porque não são eficazes. Eu acho que eles não
vêem muito bem a acção que as pessoas têm. Depois há sempre aqueles problemas de
haver ...entre a eutanásia e os paliativos, que as pessoas também podem confundir as
coisas. Dizer:- Ah, então fazer isto é para morrer mais depressa. É um dos temas mais
controversos e das coisas mais marcantes.
-Quem é que geralmente debate estes temas? Em termos de especialidades?
-Aqui ainda não se faz muito, mas por exemplo, no IPO do Porto, antes de passarem
para os paliativos os doentes, os médicos reúnem-se nas diferentes especialidades e só
depois do consentimento deles todos é que passam aos cuidados paliativos. Isso era
importante, porque seja a oncologistaa, seja o cirurgião, seja o pneumologista, conforme
a doença... Aqui ainda não há muito essa vertente. Claro que são os médicos assistentes
que nos passam os doentes e nos dizem que o doente já está para paliação, mas ainda
estão um bocadinho reticentes. Os cirurgiões, às vezes, então...
-Por acaso estou centrado nas oncologias médicas.
-Temos a oncologia de todos os níveis. Temos a oncologia médica, temos cirúrgia geral,
temos a otorrino, temos muita oncologia sem ser médica.
-Drª, em termos de valorização pessoal, quais são os temas mais importantes que seria
necessário ou urgente debater ou implementar?
-Eu acho que o contacto com o doente. A pessoa a saber as más notícias acho que é das
primeiras coisas que são importantes. Saber falar com os doentes e saber o que é que
eles querem saber. Às vezes... também, sei lá, a parte até da morte, da agonia.
Acompanhar os doentes nessa fase e até as famílias. Depois nessa fase a família precisa
também de muita ajuda e a equipa funciona nesse sentido. Até que a pessoa morra em
calma, não é só a calma física, mas a calma psíquica, depois de arrumar todos os seus
problemas, até de má relação com pessoas de família. Nesse sentido, tudo a gente tenta
trabalhar.
-Relativamente à organização do trabalho hospitalar, que alterações é que a Drª pensa
que existem, nomeadamente com a implementação dos cuidados paliativos?
-Nós temos uma coisa há muito tempo e é engraçado a ideia que eu tinha. Até pensei:
nós começámos pela oncologia, os doentes oncológicos e só na medicina, na cirurgia.
Quando estou sozinha como médica, não podia...por exemplo, os Capuchos têm muita
hematologia e tudo, criou, mas ainda teve que vir mais gente porque senão não
conseguíamos e na verdade, engraçado que pensava que a cirurgia pedia mais mas a
medicina tem pedido muito mais a nossa observação. Os doentes quase todos estão... de
medicina pedem mais o apoio, normalmente começam por pedir um controlo
sintomático, muitas vezes pela dor, mas depois vão tendo dúvidas, vão perguntando.
-Sobre a organização do espaço hospitalar e mesmo sabendo que não existe aqui uma
Unidade de paliativos autónoma, acha que aqui e em geral faz sentido existirem
unidades autónomas?
-A previsão da nossa administração é para arranjar uma Unidade mais ou menos a breve
prazo,com entre sete a oito camas. Eu penso que, claro que é sempre bom, porque temos
problemas de doentes a irem para casa e não terem hipótese nenhuma. Temos uma
doente agora que tem alta, vai ter alta clínica hoje e que o marido nega terminantemente
levar a pessoa para casa. A senhora está paraplégica, está no estado terminal, no
próximo mês, se calhar, mas o marido não pode. Em princípio vai para um hospital
novo e no hospital novo está previsto Unidade. Essa Unidade...eu que conheço a do
Porto, é sempre importante haver algum sítio, não só para as pessoas irem para lá até
por exaustão da família. Às vezes eles iam para lá, para a Unidade, até para descanso da
família durante um tempo. Depois voltavam para casa. Isso é muito importante.
-Parece-lhe importante a existência de quartos individuais e enfermaria nessas
Unidades?
-A previsão são quartos individuais, pela família e até porque às vezes são doenças um
bocadinho mutilantes e que as pessoas também não gostam de estar próximas umas das
outras.
-Em termos de tratamento da morte e do luto em meio hospitalar acha que é relavante?
-O luto, nós até temos aqui uma coisa que já começámos a fazer, que é, depois, ao fim
de uma semana mandamos um cartãozinho para a família, para as pessoas se sentirem
relativamente melhor dar o nosso apoio e se as pessoas quiserem podem contactar-nos.
E durante o mês seguinte após a morte voltamos a telefonar a perguntar se precisam de
alguma coisa. Portanto, fazemos um certo apoio no luto.
-Só apenas uma última questão. Em termos de oncologistas médicos, qual é a percepção
que a Drª pensa que eles têm sobre os cuidados paliativos?
-Nós temos poucos. Há uns que são mais abertos aos paliativos; há outro que é um
bocadinho menos aberto, mas que se tem tentado dar... é engraçado uma história que
aconteceu a uma das doentes. Foi na semana passada. Eu pedi ao colega se podia assistir
à consulta e ele disse:- Sim senhora. E depois, no fim, dizia-me a doente:- Pela
primeira vez o Dr. Deu-me um beijo. E não foi por mim. Sei que foi por a Drª estar
presente.
A senhora tinha um pavor, não queria que o oncologista dissesse mais do que
aquilo que ela queria saber. Ela sabe o que é que tem, sabe que está mal, mas não quer
ouvir falar agora. Então ela e o marido tinham pedido:- Veja lá se ele não fala, se ele
não diz aquilo que eu não quero ouvir.
E eu tinha ido falar com o colega para estar presente. Vamos fazendo também
um bocadinho a nossa formação também dos colegas.
-Pareceu-me que em geral há médicos mais...
-Uns acham os cuidados paliativos necessários. Ali dos Capuchos uma das Dras. da
hematologia tem pedido, nós é que temos fugido porque não temos gente, mas uns estão
muito mais sensibilizados; outros, não.
-Não sei se quer acrescentar alguma coisa.
-Eu penso é que nós estamos ainda mais longe ter ter um trabalho eficaz. Eu estive em
Espanha para um estágio. Eu penso que eles têm vinte anos de avanço, vinte anos
mesmo efectivos. Já começaram há muito mais tempo. Nós estamos a desbravar um
bocadinho... e tive pena, porque já começou há cinco anos e queria ver se vinham mais
colegas para ficar quando eu for embora. É engraçado: eu falei com uma colega de
radiologia que diz que adorava, a morte e o luto é uma coisa que ela gosta de ler e dizia
ela: - Mas eu não tenho formação nenhuma em cuidados paliativos.
- Então, mas pode ser voluntária. Também ajuda nesse aspecto.
Há um colega espanhol que diz que, para ele, todos os hospitais deviam ter
cuidados paliativos. O facto de não terem significa que não têm qualidade.
-A sua idade, por favor?
-Trinta e três.
-Categoria profissional?
-Sou médica especialista em medicina interna. Assistente hospitalar eventual.
-Formou-se em que ano e em que universidade?
-Em 1998, aqui na Faculdade de Medicina de Lisboa.
- O tempo na profissão é...
-Dez anos.
-E na especialidade?
-Como especialista, há dois anos.
-E portanto, trabalhou sempre aqui no Hospital?
-Trabalhei sempre aqui no Hospital.
-Então o tempo no Hospital é o mesmo tempo que na profissão.
-É, embora com passagens, com períodos de estágio noutras Instituições, mas
basicamente sempre ligada aqui ao Hospital.
-O seu sector predominante ou exclusivo de actividade é o público?
-Neste momento eu trabalho em simultâneo no público e no privado.
-O predominante é qual?
-O predominante é o público.
-Já seia que este é um Hospital com cuidados paliativos. Tem uma Unidade
especializada, não é?
-Tem uma Unidade especializada desde 22 de Janeiro de 2006. Foi quando a equipa
começou a funcionar.
-Qual é a relevância que a Drª entende que os cuidados paliativos têm para a área
oncológica específicamente?
-Perante a perspectiva, infelizmente em grande parte das neoplasias, detectadas muito
tardiamente de uma forma geral, com muita frequência estamos perante doentes que na
altura do diagnóstico já temos a perspectiva que a situação vai ser incurável e portanto
prevemos uma situação de grande sofrimento. Faz sentido que os cuidados paliativos
possam o mais cedo possível acompanhar o processo de doença, para o doente e para a
família.
-Para minorar o sofrimento?
-Exactamente, para tentar maximizar a qualidade de vida, respeitando a vontade do
doente e da família e, portanto, praticando uma medicina mais centrada no doente do
que propriamente no diagnóstico e na doença.
-É curioso, eu ia precisamente colocar-lhe essa questão. Apercebo-me que existe uma
distinção forte entre uma medicina mais curativa e uma medicina mais paliativa, pelo
me em termos de debate. Não digo que na prática seja efectivamente assim. A Drª pensa
que existe uma distinção consubstanciada entre curar e cuidar e como é que a encara?
-A medicina paliativa deve atender ao princípio do cuidar, no sentido do acompanhar,
do dar continuidade. Eu acho que a diferença se acentua mais no sentido de que o
doente é visto como um doente, como uma pessoa, com necessidades multidimensionais
em várias esferas e não tanto se liga ao diagnóstico e aos procedimentos médicos ou
outros, necessários para intervir. A medicina paliativa atende à pessoa enquanto ser
social, enquanto pessoa na sua dimensão física, espiritual e, portanto, tem uma
perspectiva muito mais holística, digamos assim.
-Neste sentido, olhando para esta distinção apenas como um esquema interpretativo, que
valor é que lhe parece assumir a crítica feita frequentemente pelas pessoas dos cuidados
paliativos à obstinação terapêutica? Como é que encara este debate entre a obstinação e
a moderação terapêutica?
-A medicina paliativa reconhece que há situações que podem exigir um determinado
âmbito de intervenção, que será sempre justificado sempre que isso tenha uma mais-
valia, um benefício para o doente e que esse benefício supere os efeitos adversos que se
possam prever. Portanto, ao contrário daquilo que as pessoas de uma forma geral
possam pensar, pode haver situações em que determinados procedimentos que podem
ter até algum garu de agressividade, façam sentido. Cada situação tem é que ser
ponderada perante o indivíduo que temos à frente, paerante a situação clínica, perante a
vontade dessa pessoa, dessa familia, integradas em todo esse contexto. Cada vez mais se
defende, por exemplo, em relação à intervenção da medicina paliativa acompanhando o
processo de doença oncológico. Não estamos naquela perspectiva inicial em que a
medicina paliativa só entra quando o seguimento pela oncologia o determina, mas cada
mais que a deve encaminhar passo a passo em que haverá momentos de crise em que
uns têm de intervir de uma forma mais dinâmica e outros em que serão os outros a
intervir de uma forma mais efectiva.
-Entre um diagnóstico mais objectivo e centrado, por exemplo, em meios
complementares de diagnóstico e um diagnóstico atento às queixas do doente, parece-
lhe, se istoo for, digamos, um ratio, há alguma alteração entre uma abordagem mais
curativa no sentido tradicional e uma abordagem paliativa?
-Digamos que grande parte das situações que aqui nos aparecem, se fizermos uma
história cuidada, um exame objectivo cuidado, temos grandes hipóteses diagnósticas
colocadas e portanto, em termos de exames complementares, não precisamos de coisas
muito, muito complexas. Digamos que nesta área e o facto de para nós ser muito
relevante o controle de sintomas, não é preciso um grande arsenal do ponto de vista de
exames complementares, para poder intervir. Há uns anos atrás, grande parte deste
arsenal de exames complementares não existia e os diagnósticos iam sendo conseguidos
de uma forma mais rudimentar, claro, mas grande parte dos doentes conseguem
expressar aquilo que se passa com eles e se nós estivermos atentos, se calhar obviamos
estar a pedir exames atrás de exames.
-Há de facto uma maior atenção às queixas do doente?
-Claro que sim.
-Sei que na dor se pede ao doente para projectar a medida dele numa escala, não é?
-Nós utilizamos isso não só em relação à dor como em relação a muitos outros sintomas
e existem instrumentos validados no sentido de tentar quantificar a intensidade de
sintomas, como a sensação de náusea, a sensação de falta de ar, a sensação de falta de
apetite, portanto, tudo isso pode ser de alguma forma-se bem que sempre com carácter
de subjectividade, porque depende da avaliação do doente- quantificado e caracterizado
em termos de gravidade.
-Em termos da relação do médico com o doente, existem diferenças, na medicina
paliativa?
-Tenho a noção de que as pessoas que trabalham em medicina paliativa têm um
conhecimento muito mais profundo e estabelecem uma interacção muito diferente da
medicina convencional, devido ao facto de nos competir avaliar uma série de domínios.
Portanto, temos um conhecimento muito mais global da pessoa que temos à frente e da
família com quem essa pessoa se relaciona. De alguma forma temos uma relação mais
próxima. O facto da família ser o nosso aliado terapêutico e, no fundo, cada elemento
permitir que os planos que são desenhados possam ser implementados, implica que nós
tenhamos que estabelecer uma relação também de grande proximidade e de confiança
com a família. Se a família não acreditar naquilo que é proposto, se não aceitar, não há
qualquer capacidade de interacção e de conseguir resultados.
-Se estou a entender bem há aqui um maior grau, não sei se a palavra é demasiado forte,
de negociação com a família e com o doente?
-Sim. Habitualmente aquilo que é proposto é discutido com o doente, às vezes há
formas diferentes de o fazer e faz sentido que seja o doente a escolher qual é aquela que
para ele faz mais sentido, é menos desagradável, é mais cómoda.
-E em termos da relação do médico com a restante equipa de saúde, parece-lhe que há
diferenças face a um protocolo mais curativo?
-Há diferenças em relação à forma como a grande maioria dos serviços funcionam. Eu
falo sobretudo em relação à forma como funciona este Hospital, que é a Instituição onde
eu tenho estado. A forma como nós funcionamos aqui enquanto equipa, é
completamente diferente da forma como eu funcionava enquanto médica num serviço
de medicina interna, de internamento. O grau de envolvimento, a troca de impressões,
colaboração a entreajuda é completamente diferente.
-Com a restante equipa?
-Com a restante equipa.
-Podia concretizar melhor?
-Desde o facto de todos os dias de manhâ se reunirem os vários profissionais,
estabelecendo qual é o plano do dia, estabelecendo quais são as metas, os objectivos
perante os doentes em que está programado serem avaliados, ou quais as necessidades
que é importante ir monitorizar, por exemplo, telefonicamente... as situações são
passadas em equipa, os problemas são discutidos em equipa. Isso é uma coisa
impensável num serviço de medicina, onde muitas das vezes, hoje em dia, nem sequer
uma visita clínica existe, não é? Portanto, não só não há interacção entre os médicos
entre si como também não há interacção em que são chamados a compartilhar a sua
opinião, por exemplo, os enfermeiros, que passam grande parte do tempo com os
doentes.
-Portanto há aqui um carácter mais interdisciplinar.
-Claro. Claro que sim. Todos nós temos formação em áreas diferentes; é natural que
cada um de nós possa ter uma perspectiva diferente perante um determinado problema.
-Mudava agora um pouco de temática. Em termos de temas de debate e controvérsia
científica e profissional, neste domínio dos cuidados paliativos, a Drª consegue
identificar alguns que sejam mais frequentes?
-Controvérsia das pessoas entre si dentro da medicina paliativa ou em relação ao que os
outros profissionais pensam?
-Dentro da medicina paliativa e nas relações com a oncologia médica.
-Um dos pontos de debate é o momento da referenciação e a forma como é feita a
referenciação dos doentes à medicina paliativa. De alguma forma ainda é pouco
conhecida a mais-valia que pode ser haver uma equipa destas a acompanhar o doente
numa fase mais precoce do diagnóstico e não exclusivamente nos seus últimos dias de
vida. De qualquer forma, com a formação e com a sensibilização das pessoas que estão
em formação, nota-se que essas coisas começam a mudar. Se os colegas mais velhos
nos chamam essencialmente para doentes que estão nas suas duas últimas semanas de
vida, se calhar há pessoas mais jovens que nos chamam na altura em que é feito o
diagnóstico, porque percebem que há determinado tipo de complexidades e
necessidades que exigem um trabalho muito mais árduo e portanto nós temos tido essa
experiência aqui. Os internos de oncologia chamam-nos mais cedo do que os
especialistas. Começa-se a falar de uma forma mais activa. Aqui na Faculdade de
Medicina já há uma cadeira optativa de cuidados paliativos, mesmo em termos de
formação pré-graduada, o que de alguma forma já começa a fazer mudar as
mentalidades. Nós encontramos esses mesmos alunos que estão já em fase de estágio
nas enfermarias e que se recordam das coisas porque falaram na aula. Começam a
encarar com mais naturalidade. Essa é uma das áreas de debate: o momento da
referenciação e por outro lado outro dos focos tem a ver com o facto de muitas pessoas,
não só os oncologistas, mas também sobretudo ao nível da medicina interna, acharem
que já fazem cuidados paliativos, sem portanto, qualquer formação específica. E esta é
uma área em que há muita coisa que tem de ser aprendida. Não faz parte dos currículos
de base nem da formação dos médicos, nem dos enfermeiros, nem dos psicólogos e
portanto tem que se estudar.
-Alguns colegas seus têm dito que acontece frequentemente também-no caso dos
oncologistas-tentarem entrar frequentemente no processo de obstinação terapêutica. A
Drª parece-lhe que isto acontece frequentemente ou não?
-Acontece sobretudo perante doentes jovens. Em relação à nossa instituição não
acontece com tanta frequência. Se temos um indivíduo idoso... acontece com mais
frequência se temos um jovem, onde é difícil parar. Nós percebemos que há muitas
coisas importantes em jogo, mas continua a ser uma pessoa e portanto continua a ter
direito a poder estar o mais confortável e o mais dignamente possível.
-Destes dois temas que referiu qual é que lhe parece o mais importante para o
desenvolvimento dso cuidados paliativos em Portugal?
-O tema mais importante é a formação. É na área da formação aquela em que tem de se
investir, de alguma forma que todos os profissionais tenham uma formação básica, que
lhes permita no seu dia-à-dia, mesmo enquanto indivíduos e não trabalhando em equipa,
poderem tomar atitudes paliativas, sempre com a possibilidade, claro, de as situações
mais complexas serem referenciadas em equipas que tenham formação para isso. Já era
uma grande mais valia para todos os doentes.
-A nível de organização do trabalho nos Hospitais, à Drª parece que há alterações com a
implementação do trabalho em cuidados paliativos?
-Nos últimos anos tem havido uma grande vontade em tentar instituir na realidade
hospitalar equipas como a nossa, em tentar optimizar a forma como os doentes são
tratados, se calhar, também numa perspectiva economicista, porque estudos a nível
mundial demonstram que pode haver mais-valias em termos de redução de custos, em
termos de mudança do local do óbito, no sentido de diminuir o número de dias do
internamento e aumentando o tempo que o doente possa passar no seu domicílio, o que,
por exemplo, em relação ao nosso caso, é difícil de documentar. Funcionamos muito
numa base de uma sugestão. Nem toda a gente aceita. Portanto, mesmo que a nossa
ideia e o nosso ajuste implique algumas mudanças a esse nível, o facto de não ser aceite,
perde-se todo o esforço. Por outro lado, do ponto de vista social, as redes de apoio estão
muito fragilizadas. Em termos de comunidade é muito difícil ter os apoios necessários
para uma família ter um doente nos seus últimos dias de vida em casa, com as
necessidades que habitualmente se associam. As pessoas precisam de continuar a
trabalhar, têm outros familiares a cargo e do ponto de vista financeiro não há grandes
formas de apoio do Estado, para que uma pessoa possa acompanhar o seu familiar nas
últimas semanas ou nos últimos meses de vida. Grande parte dos doentes acabam por
ser remetidos ou para os hospitais ou para Instituições de retaguarda. É muito frequente
vermos os doentes serem deixados no hospital, porque não é possível ninguém em casa
cuidar deles.
-Tenho falado com vários oncologistas. Uma das críticas que têm dirigido às Unidades
de cuidados paliativos é a criação de uma espécie de guetto no hospital. Como é que a
Drª encara uma crítica deste tipo?
-É mais uma oportunidade de internamento. De qualquer foram, a perspectiva de uma
unidade de internamento no hospital tem exactamente os mesmos objectivos que as
unidades de internamento no exterior: controlar sintomas ou de alguma forma poder
minorar o período de crise a nível familiar, de exaustão, portanto, tem aí um carácter
interventivo. O desejável é que uma vez controlada a situação, o doente possa regressar
ao seu domicílio ou à Instituição onde está. Não quero de forma nenhuma segregar estes
doentes.
-Ainda sobre a organização do trabalho hospitalar e do espaço, parece-lhe que faz
algum sentido a distinção entre quarto individual para os doentes paliativos e a
enfermaria?
-Habitualmente o doente gosta de ter os seu espaço. Não quer dizer que não haja
doentes que possam, em vez de estar no quarto individual, preferir estar acompanhados
com pelo menos mais um, dois doentes, mas eu tenho a noção de que em termos de
privacidade a maioria dos doentes gosta de ter o seu espaço, gosta de ter um local onde
possa estar com um familiar que possa permanecer durante a noite inclusivamente,
gosta de ter a sua casa de banho privativa, sem ter de estar a utilizar sanitários que são
utilizados por dezenas de doentes. Portanto, acho que a Unidade de cuidados paliativos
deve ter quartos individuais.
- Esta situação também tem que ser referenciada relativamente...
-...Relativamente à rotina do hospital. Aqui no hospital, apesar do regulamento ter sido
revisto há pouco tempo, continua sem estar prevista a possibilidade de permanecer um
familiar. Isto, para os doentes adultos; para as crianças isso está previsto. Pra os doentes
adultos não está prevista a possibilidade de permanecer um familiar fora do horário
normal da visita. De alguma forma tenta-se sensibilizar os profissionais para que em
situações de doentes que estão em fase agónica, cujos familiares demonstram vontade
em permanecer, possam permanecer, mas nem todos os profissionais acedem a essa
vontade. O facto de não haver qualquer tipo de referência do regulamento é um óbice a
que se possa facilitar.
-Quanto à questão da morte e do tratamento da morte e do luto em meio hospitalar,
como é que a Drª pensa que esta abordagem deve ser feit?
-Essa também é uma das grandes falhas deste Hospital. Os outros que conheço também
não me parecem muito diferentes, mas, por exemplo, estou a lembrar-me do serviço de
urgência, onde diariamente falecem vários doentes. Não há um espaço, não há uma sala
onde as pessoas possam conversar com a família. Muitas das vezes somos obrigados a
dar a notícia à porta da sala de observações, em pé, sem quaisquer condições, no meio
do corredor. Não são as condições que situações como esta exigem. Portanto, a morte-
de alguma forma- está banalizada. Pouco respeitada.
-Parece-lhe que os cuidados paliativos podem dar uma abordagem diferente, um
tratamento diferente à questão da morte?
-Perante situações de óbito em momentos que são acompanhados pela equipa de
cuidados paliativos, nós tentamos estar presentes no momento em que a família chega
ou de alguma forma estabelecer o contacto telefónico quando os familiares não estão
localmente próximos.
Em relação ao período pós-morte imediato, enquanto equipa de cuidados paliativos,
temos estabelecido um protocolo de acompanhamento, no sentido de ao sétimo dia após
óbito ser enviada uma carta de condolências, onde são deixados novamente os contactos
da equipa e a disponibilidade para acompanharmos as famílias, se assim o entenderem.
Esse acompanhamento é feito numa consulta ritualizada, uma consulta que se chama
mesmo consulta de luto, que está aberta aos familiares dos doentes que foram seguidos
e aos familiares de doentes que tenham falecido noutros contextos e que nós não
tenhamos conhecido.
Achamos que é uma área que não tem sido muito lembrada. Morrem mais ou menos mil
pessoas por ano neste hospital. Se calhar há muitos familiares que poderiam de alguma
forma beneficiar, porque sabemos que há situações de luto complicadas, não são as mais
frequentes, mas de qualquer forma pode ser uma ajuda, sabendo que o período de luto é
sempre um período crítico em termos da própria saúde da pessoa.
-Não sei se pretende acrescentar alguma coisa sobre alguns destes pontos ou sobre os
cuidados paliativos em geral.
-Não, nada de muito particular. Basicamente aquilo que já falei: a questão da
necessidade de apostar na formação, a necessidade de divulgar e de efectuar esta área
como uma área tão científica, tão rigorosa...como uma especialidade ou como uma
competência. Do ponto de vista legal não me cumpre a mim falar. Em muitos países da
Europa é uma especialidade; noutras circunstâncias é uma competência, mas de
qualquer forma, no sentido de lhe dar um corpo existente e não algo entendido como o
dar a mão ou dar carinho. Há muita coisa do ponto de vista activo, médico e todas as
outras valências, que pode ser feito em prol da qualidade de vida dos doentes e das
famílias.
-A Drª tem conhecimento doa países em que já existe uma especialização nesta área?
-Sim. Em Inglaterra, creio que no Canadá também, nos EUA creio que é considerada
uma sub-especialidade, não sei se na Alemanha...
-Em França ainda não?
-Em França acho que não.
-Em primeiro lugar pedia-lhe os seus dados de caracterização. O seu nome eu sei. A sua
idade?
-Quarenta e seis.
-Categoria profissional?
-Assistente hospitalar graduada. Especialidade: medicina interna.
-Qual é o seu tempo na profissão?
-O meu tempo na profissão como médica, portanto, eu acabei o curso em 86, comecei a
trabalhar no início de 87. Portanto, são vinte e um anos.
-E nos cuidados paliativos?
-Nos cuidados paliativos, em exclusivo, é desde Outubro de 2006, aqui para a Unidade
de assistência domiciliária, mas anteriormente eu já trabalhava em oncologia, embora
não seja oncologista. Como tinha feito alguma formação em cuidados paliativos, já
trabalhava em cuidados paliativos, já acompanhava os doentes de oncologia.
-Está neste hospital desde 2006?
-Sim, isso.
-O sector predominante de actividade é o público?
-Sim, exclusivo.
-Em termos de oncologia qual é a relevância que a Drª diria que os cuidados paliativos
têm para esta área?
-Eu acho que os cuidados paliativos complementam de alguma maneira o
acompanhamento dos doentes que são seguidos com doenças oncológicas, creio que não
os dirigindo apenas para uma fase de doença terminal, mas pensando que eles podem ter
alguma coisa a acrescentar aos cuidados dos doentes em fases mais precoces, pelo
acompanhamento que se faz no controle sintomático, no apoio ao doente e à família.
Podemos pensar nos cuidados paliativos a intervirem mais cedo do que é considerado
uma fase terminal.
-A Drª considera que os cuidados paliativos não são cuidados paliativos terminais, é
isso? Fazem sentido...
-Sim, fazem sentido mais precocemente, em doentes com doença avançada e
progressiva mas ainda em fase em que estão a fazer tratamentos dirigidos à doença, mas
já com bastantes sintomas, acho que faria sentido haver um complemento desta área,
trabalhando em conjunto com os colegas da oncologia médica.
-E os domínios seriam o controlo da dor. O apoio à família?
-Sim, controlo da dor, controlo de outros sintomas, não apenas o controlo da dor. Os
doentes habitualmente têm vários sintomas: dor, cansaço, náuseas, vómitos, tosse, falta
de ar, falta de apetite. Nós temos alguma coisa a acrescentar.
-Como distinguiria uma medicina mais curativa de uma medicina paliativa? Costuma-se
falar na distinção entre curar e cuidar.
-Essa pergunta é em relação ao doente ou é em relação à visão do médico?
-Em relação às duas coisas, mas sobretudo na relação entre o médico e o doente.
-Em relação à abordagem do médico face ao doente não sei bem, na relação
médico/doente, se podemos pensar que a abordagem é diferente ou não. Eu acho que
não, que a relação médico/doente não será forçosamente diferente se for um doente com
uma doença potencialmente curável ou uma doença em que a cura já não faz sentido.
Creio que temos sempre de olhar para o doente como uma pessoa inteira e perceber
quais são as intenções dele, qual é o sofrimento dele e, para além de haver tratamentos
dirigidos à doença, acho que também temos de considerar todo o sofrimento da pessoa e
aquilo que ela é e isso acho que não modifica a abordagem na relação médico/doente.
Agora, em termos médicos, há diferença. Uma medicina curativa ou uma medicina com
uma intenção curativa poderá ter, poderemos contrabalançar o cansar mais, ou os
tratamentos serem mais agressivos e isso poder ser ponderado, enquanto que num
doente com uma doença não potencialmente curável temos que ter isso em atenção.
-Em todo o caso, em termos de relação do médico com o doente, parece-lhe que há um
maior investimento na subjectividade do doente nos cuidados paliativos?
-Eu acho que o ideal era que houvesse sempre essa atenção ao doente e à pessoa que ele
é. Agora, num doente, como nós o abordamos, que nós seguimos com uma doença
avançada e progressiva, nós temos sempre que o conhecer melhor e saber melhor quais
são as prioridades dele e quais são os sintomas, o que é que ele preza mais. Vou dar-lhe
um exemplo: um doente que está com falta de ar e há medicamentos que nós damos
para tentar controlar essa sensação de falta de ar, mas que não conseguimos aliviar
completamente. Para além disso nós temos outra arma que é pôr o doente um bocadinho
mais sonolento para ele sentir menos a falta de ar e nós temos...se para o doente o ficar
mais sonolento é algo que o incomoda ou que ele não admite ou se, pelo contrário, a
falta de ar é algo que e incomoda bastante e portanto prefere ficar mais sonolento.
Portanto, temos que perceber quais são as prioridades dele para a nossa actuação ser de
acordo com o que ele quer.
-Nesse sentido parece-lhe que é mais difícil de implementar nos cuidados paliativos um
plano ou protocolo mais curativo e que a intervenção terapêutica será mais negociada
com o doente?
-A intervenção terapêutica é sempre negociada com o doente. Há linhas de orientação
que a gente segue. Sabemos como é que se trata a dor, a falta de ar e temos linhas
mestras de orientação, mas muitas vezes temos que adaptar estas linhas mestras ao
próprio doente e a como ele vai reagindo ao tratamento. Por exemplo, nós este momento
temos uma doente que tem umas dores ósseas, mas que é muito avessa a tomar
comprimidos ou qualquer outro tipo de medicação. E muitas vezes nesta doente,
negociando com ela, não conseguimos um controle óptimo da dor, mas de alguma
maneira respeitamos a vontade dela não querer tanta medicação. Portanto, temos sempre
em atenção o doente e manejar as coisas neste equilíbrio respeitando a vontade dele e
tentando na mesma um melhor controlo dos sintomas. Muitas vezes o que nós
pensaríamos ser um óptimo controlo do sintoma não o conseguimos, porque o doente
tem outra visão, outras prioridades.
-Em termos de um diagnóstico objectivo, por meios complementares de diagnóstico, por
exemplo, e visto isto num ratio em atenção ás queixas do doente, parece que nos
cuidados paliativos há diferença relativamente a um tratamento mais tradicional?A
questão do diagnóstico objectivo e a questão da subjectividade do doente altera a sua
relação nos cuidados paliativos, quanto mais não seja em termos de grau?
-As queixas podem ser subjectivas mas de alguma maneira nós tentamos sempre
objectivá-las. Por exemplo, o doente diz que tem dor e a gente pergunta, de zero a dez,
zero, dor nenhuma, dez a dor mais forte que pode imaginar. Portanto, nós tentamos
sempre, de alguma maneira, objectivar, por exemplo em relação à dor, objectivar a
intensidade da dor, qual o desconforto que causa ao doente. Se é mínimo, médio ou
intenso e procuramos também determinar qual o mecanismo que está por detrás daquela
dor, para assim escolhermos a medicação mais adequada. Portanto, apesar disto tudo
parecer um bocadinho subjectivo, tentamos sempre medir e basear-nos em evidências,
mas evidências que a gente tem de o que é que funciona como medicação, para assim
podermos actuar. Não é uma medicação fora das outras. É uma medicação que actua da
mesma...com as mesmas armas e que usa os mesmos exames.
-Em termos da relação do médico com a própria família do doente há diferenças nos
cuidados paliativos?
-Eu acho que há diferenças na relação que se estabelece entre o médico e a família do
doente, nem que seja, connosco, por actuarmos no contexto domiciliário e depois
porque de alguma maneira a família também está sob os nossos cuidados e ao mesmo
tempo e habitualmente é ela que presta os cuidados ao doente. Portanto, tem uma dupla
face. Nós temos também que perceber como é que a família está a reagir à prestação de
cuidados, às exigências que essa função implica e temos que estar alerta para como a
família vai reagindo: se é um papel que ela consegue manter, se é um papel que lhe está
a causar muito desconforto, stress, se... portanto, a família é ao mesmo tempo um aliado
e objecto da nossa atenção. Este trabalho não é feito só pelo médico, é feito em conjunto
pelo médico, enfermeiro...
-Era justamente essa a minha próxima questão. A relação com a própria equipa dos
cuidados paliativos. Há alguma especificidade?
-Nós tentamos de alguma maneira trabalhar em equipa e isto quer dizer o quê? Que as
nossas várias visões sejam partilhadas, que a gente fale sobre o que pensamos que é
melhor para o doente, segundo cada uma das profissões, mas ao mesmo tempo, por
exemplo, as enfermeiras podem dizer-me:- Olhe, achava melhor que modificasse este
medicamento por este, por esta razão e por aquela. Ao mesmo tempo eu também posso
alvitrar à senhora enfermeira que achava que era melhor levarmos um colchão anti-
escadas para este doente porque ele está muito... Se vemos que podemos complementar
a actividade do outro...não há uma fronteira tão rígida.
-Em termos desta área da paliação, em termos de temas de debate e controvérsia, na
profissão médica, sobre os cuidados paliativos, consegue identificar as mais frequentes,
se é que identifica alguns, em Portugal?
-Eu acho que antes de mais creio que a visão que os oncologistas têm é que os cuidados
paliativos são para a fase terminal. Esse será o grande debate: quando é que iniciamos
cuidados paliativos. O debate é reconhecerem que há uma formação específica para
trabalhar nesta área. Outro debate é precisamente o trabalho em equipa, que eu creio que
é absolutamente essencial e que muitas vezes isso não se faz. Os outros médicos não
percebem bem essa necessidade. Eu referia estes pontos.
-Disse-me que entende que não há uma distinção tão forte entre uma medicina curativa
e uma medicina paliativa. Parece-lhe que é essa a percepção dos oncologistas?
-Não.
-Estes temas que identificou serão mais debatidos pelos oncologistas e também pelas
pessoas ligadas à paliação, não é assim?
-Sim, sim. Eu creio que são estes três pontos: formação, o trabalho em equipa e a
necessidade de pessoas com formação em cuidados paliativos e as equipas de cuidados
paliativos intervirem mais precocemente na evolução da doença.
-Que tipo de argumento é que identifica? Dê-me só um exemplo do tipo de argumento
utilizado pelos oncologistas em relação aos cuidados paliativos actuarem mais cedo?
-Eu acho que, antes de mais, pelo conforto do doente.
-Eu estava a perguntar, do lado dos oncologistas.Quem defende que os cuidados
paliativos não devem intervir mais cedo, qual o tipo de argumento utilizado?
-Que eles são capazes de controlar os sintomas ou que não fazendo os tratamentos
dirigidos à doença e esta respondendo, só por si eles conseguem controlar os sintomas.
Os oncologistas vêem mais como o objecto deles a doença e nós identificamos o doente
e a família e creio que a visão deles é que, agindo sobre a doença, conseguem um
controlo sintomático.
-Em termos de organização do trabalho hospitalar, no caso em que os cuidados
paliativos são prestados ou possam ser prestados em hospitais, nomeadamente públicos,
quais pensa que serão as principais alterações a nível do trabalho hospitalar? O que
implica, por exemplo, a existência de uma Unidade de cuidados paliativos?
-A nível hospitalar de os cuidados paliativos se poderem organizar, uma delas é a
existência de uma Unidade de cuidados paliativos. Outra maneira é uma equipa de
suporte cuidar dos paliativos. Uma Unidade num hospital, e num hospital central, terá
como principal função o apoio a doentes de cuidados paliativos e deve orientar-se mais
para doentes mais complexos. Creio que faz sentido, também no hospital, a existência
de uma equipa de suporte, que é uma equipa formada por vários profissionais, pelo
menos por médico e enfermeiro, e depois a assistente social e/ou psicólogo, que irão aos
serviços do hospital onde existam doentes com doença avançada e progressiva e vão de
alguma maneira trabalhar como consultores dos médicos, que são os principais
responsáveis do doente. Essa equipa teria como vantagem essa transmissão de saberes
pelo contacto que ia tendo com os médicos responsáveis pelos doentes nas outras
enfermarias. Como desvantagem, usando consultores, propõem ao médico uma actuação
que ele pode ou não aceitar. De qualquer maneira a equipa funcionaria, actuando em
todo o hospital como divulgadora da maneira de actuar nos cuidados paliativos,
enquanto uma Unidade funcionaria um bocadinho, um pouco, não é como um guetto,
mas com um carácter mais fechado e não haver esta dispersão de atitudes, de
conhecimentos, que com uma equipa pode acontecer. Resumindo: o que eu vejo para
um hospital é que provavelmente poderá haver as duas maneiras de actuar. Se for um
hospital grande, com muitos doentes oncológicos, poder-se-á fazer sentir a necessidade
de uma Unidade de cuidados paliativos, mas creio que uma equipa é sempre necessária
num hospital, grande ou pequeno.
-Talvez o que acabou de dizer tenha a ver com a sua concepção de que os cuidados
paliativos não devem ser só para casos terminais.
-Sim, sim. Há muitas, muitas não, mas estas equipas intra-hospitalares às vezes
chamam-se também equipas de controlo sintomático e de cuidados paliativos,
permitindo assim uma concepção mais alargada.
-Entretanto, uma das críticas que as pessoas ligadas à paliação fazem aos hospitais é a
falta de preparação que eventualmente têm por vezes para lidar com doentes deste tipo.
Fala-se, por exemplo, na existência de quarto individual. Parece-lhe que um quarto
individual para uma Unidade de cuidados paliativos ou para um doente que necessita de
cuidados paliativos é diferente, face a uma enfermaria?
-Um quarto permite uma maior intimidade do doente e da sua família e de certeza que
permite uma maior privacidade entre os profissionais de saúde e o doente, mas creio que
não só numa questão de espaço as coisas se põem. Muitas vezes os próprios doentes não
gostam muito de estar sozinhos num quarto, por vezes eles preferem ter outro doente
perto.
-Na sua óptica, esta questão não é definitiva, a necessidade de um quarto individual?
-Eu acho que deve haver quartos individuais, mas creio que também haverá necessidade
de quarto com dois doentes. Por vezes isso também é benéfico para alguns doentes que
não têm visitas.
-Em todo o caso parece-lhe importante a existência de um tratamento e de uma lógica
de organização em quarto diferente do das enfermarias clássicas...
-Sim. E isso não se põe apenas em termos de espaço.
-Poderia identificar mais alguns pontos?
-Eu lembro-me que no Hospital do Porto, numa enfermaria normal, a hora do banho é a
mesma para toda a gente. Começa-se numa cama e acaba-se na outra. Por exemplo, na
Unidade do Porto, o banho era dado de acordo com a vontade da pessoa. Aí já mostra
outro tipo de organização.
-Uma Unidade deverá ter algum tipo de autonomia, de modo a poder atender melhor às
necessidades dos doentes?
-Tem que se ter atenção à vontade do doente para adequar a nossa intervenção.
-Em termos de tratamento da morte e do luto, eventualmente em meio hospitalar, como
é que lhe parece que isto deve ser feito, se é que deve ser feito?
-Em meio hospitalar a minha percepção é que habitualmente não há grande atenção ao
acompanhamento da família. Há sempre aquela indisponibilidade dos doentes, pronto,
chega a uma certa hora os familiares têm que sair. Não podem permanecer as vinte e
quatro horas nas enfermarias normais e também muitas vezes não há disponibilidade do
pessoal ou formação do pessoal, para ir explicando como é que se processa ou o que é
que é possível ou previsível que aconteça nos últimos momentos da vida do doente,
explicar que actuações vão tendo nessa fase final. Habitualmente também não há
nenhum plano de acompanhamento dos familiares após a morte do doente, pelo
contrário. Por exemplo, o que nós fazemos nos doentes que falecem em casa é irmos
explicando o que é previsível que aconteça, explicando o nosso tipo de actuação de
alívio dos sintomas, explicando que o doente vai deixar de comer, vai ficar muito
prostrado e qual é a actuação que o familiar deve ter. Após o falecimento do doente
fazemos sempre contactos posteriores, habitualmente entre uma semana e quinze dias
depois disso. Entramos em contacto com o familiar que cuidava dele, programamos
uma visita, para perceber, por um lado, como é que ele está a reagir ao falecimento, para
esclarecer eventuais dúvidas que ele tenha sobre como tudo isto se processou e depois
vamos fazendo contactos telefónicos três meses depois, seis meses depois, um ano
depois, para perceber como é que ele está a evoluir, se está a ter um processo normal ou
não. Resumindo: eu acho que numa enfermaria normal não é dada atenção ao doente, ao
familiar, especialmente nesta fase agónica. Geralmente não há possibilidade do familiar
permanecer com o doente até à morte e creio que não há nada programado de
acompanhamento do familiar, posteriormente.
-Então como eu estava a dizer, o doente oncológico normalmente é seguido pelo
oncologista, mais pelo oncologista ou pelo ????, nunca pela especialidade cirúrgica.
Pode, inclusive, pode eventualmente até ficar com consultas de cirurgia anuais, mas
muitas vezes a cirurgia, como tem tanta consulta para fazer antes de o operar, deixa o
seguimento dos doentes, depois, para as especialidades médicas. Então quando o doente
um dia mais tarde anda nesse follow up e com consultas trimestrais nos primeiros dois
anos, semestrais dos dois aos cinco anos e anuais a partir dos cinco anos e ad eternum,
fazendo em cada uma dessas consultas determinados anos que fazem parte do protocolo
independentemente dos sinais ou sintomas que apresenta, portanto, ele até pode estar
assintomático, mas faz sempre análises, marcadores, eu estava a dizer, a Tac
torcoabdominal, consoante o local que nós pensamos que o tumor primitivo poderia
metastizar. Quando se encontra alguma coisa, ou porque os marcadores começaram a
subir (porque os marcadores não são bons para diagnóstico mas são bons para
monitorização terapêutica que tem que baixar quando se faz cirurgia ou quimio) e só é
sinal de que as terapêuticas não estão a ser eficazes. Os marcadores servem então para
monitorização e essencialmente para seguimento de um doente que teve marcadores
estabilizados e que de repente, ao fim de três, quatro anos, começam a subir. A primeira
coisa a fazer é confirmar se o marcador está, de facto, elevado, ter a certeza que elevou
e depois começamos a dirigir as nossas perguntas ao doente no intuito de haver... como
sabemos mais ou menos para onde é que aquele tumor primitivo metastiza das suas
raízes, se disseminou, nós fazemos perguntas dirigidas a esses órgãos, esses sistemas. E
então, exames com mais atenção, os tais exames que se fazem, informando os
imagiologistas que aquele doente tem um marcador... e portanto vai-se descobrir, muitas
vezes, que aquele marcador subiu, ainda antes de aparecer a metástase e de facto ela
aparece. Então aí, como eu estava a dizer, o doente recomeça o seu calvário, novamente
a fazer outra linha de quimioterapia, uma quimioterapia de segunda linha. Pode ir à
terceira linha, à quarta linha. Quinta linha, muitas vezes. Muitas vezes faz-se no intuito
de tentar controlar a doença, que ela não se dissemine mais e que às vezes até há
regressão. Não há cura, mas há regressão de algumas lesões, pelo menos em termos
imagiológicos. Vamos fazer a Eco ou a Tac e aquelas lesões no fígado tornaram-se mais
pequeninas, portanto é sinal que está a tal quimio, de outra linha, paliativa, que ainda foi
eficaz. Chega a dada altura em que a doença continua a progredir. A doença progride,
apesar de todas as linhas de quimioterapia tentadas. Então aí há que parar, mas nem
sempre se pára porque...pelas tais pressões que eu já digo. Uma questão de formação,
uma questão cultural, de repressão da própria família, com medo de procedimento
judicial e então muitas vezes estamos a fazer uma obstinação terapêutica e isso não
queremos que se faça ao doente. E aqui entram os cuidados paliativos. Portanto, há que
saber explicar ao doente ou à família, STOP, neste momento, apesar de todas as
tentativas terapêuticas efectuadas, nós o que utilizamos aqui em Portugal, em termos de
quimioterapia, os citostáticos, não são feitos cá, não são investigados por nós, são
protocolos internacionais, são europeus, não são americanos- e portanto já tentámos
tudo. Fica sempre aquela ideia: ah, mas se fosse não sei onde podia-se fazer isto ou
fazer aquilo. Não, o que lá existe nós também temos cá no mercado e portanto ainda
não sentimos, nos hospitais oncológicos, ao contrário do que se diz, que haja restrições,
vá, a medicamentos, por muito caros que sejam. Eu dá-me impressão até que existem
alguns desperdícios. Ao fazer o encarniçamento terapêutico, estamos a prejudicar o
doente e estamos a gastar dinheiro ao erário público, muitas vezes, coisa que lá fora não
fazem. Portanto, são muito mais carrascos. Eu, por exemplo, vi nos EUA indivíduos
com mais de 70, 80 anos, já não lhes fazem quimio. Fazem-lhe se ele tiver seguros, mas
no Serviço Nacional de Saúde não lhe fazem só pela idade. Nós aqui não olhamos à
idade. Aqui, tanto pode ter 70, como 80, como 90, desde que tenha condições e que
esteja indicado este ou outro tratamento, fá-lo. Mas então, quando o doente mais
precisa, que é quando começa a entrar num sofrimento brutal, o oncologista, quando já
não tinha mais nada para dar, mandava o doente para o médico de família ou para o
hospital de retaguarda. Neste momento, com os paliativos, ele só muda de sector ou de
pavilhão ou de serviço. Portanto, nós damos a tal continuidade e vamos, nós que
praticamos cuidados paliativos, vamos sensibilizando também esses colegas, para eles
saberem parar. E vamos-lhes dando apoio, dizendo que o encarniçamento terapêutico
também é criminoso, só que é difícil de provar. Embora eles façam muitas vezes com a
melhor das intenções. É prolongar a vida a qualquer custo, mas isso está mal. Nós
devemos prolongar a vida, mas é com qualidade. A qualquer custo, não; se é para não
terem qualidade de vida não vale a pena estar a prolongá-la. Isso é uma distanásia.
Quanto à eutanásia por omissão, ao não dar mais medicamentos que sei que o doente
precisa. Por exemplo, ele está em hipoglicémia. Se eu não lhe der glicose, acúcar ele vai
morrer. Isso é eutanásia por omissão. Aquilo que ele precisa não lhe dou. Agora,
também não devemos estar a prolongar a vida a qualquer custo, com o tal
encarniçamento terapêutico. Isso é distanásia. Portanto, devemos... eu gosto muito do
termo que é muito pouco usado, que é ortotanásia, que é morte com dignidade. É o tal
meio termo. Isto é complicado. É aí que entram os paliativos. É claro que quando as
terapêuticas curativas postas no prato da balança estão a ser mais prejudiciais. Porque a
quimioterapia, por exemplo, tem efeitos secundários indesejáveis, altamente tóxicos:
toxicidade digestiva, hematológica, neuro-toxicidade...
Há que saber parar. E depois controlar sinais e sintomas só.
-O Drº já entrou bastante nos temas que eu trazia aqui. Eu perguntar-lhe-ia: qual lhe
parece ser a importância dos cuidados paliativos para a área oncológica?
-Eu acho que é da maior importância. Eu estou neste desafio desde 99. Não fazia a
mínima ideia do que eram os cuidados paliativos e no entanto já era médico há mais de
vinte anos. Agora, que estamos nesta Unidade, tem sete anos (portanto é de 2001), foi
muito criticada quando foi montada, porque as pessoas achavam que o IPO é cirurgia, é
quimio, é radio. Para quê uma Unidade de cuidados terminais? Não se confunda um
doente paliativo com um doente terminal. É um doente que deixou de responder às
terapêuticas curativas, mas ainda pode ter sobrevidas de meses. Portanto, neste
momento, o IPO já não pode passar (quando digo o IPO são os nossos doentes) sem os
cuidados. Mesmo os profissionais já não concebem que os doentes não possam ter
cuidados paliativos.
Quando eu digo que... nós temos doentes em consulta externa, doentes que necessitam
de internamento mas que só posso marcar a consulta para daqui a não sei quanto tempo,
ou que não tenho vaga no internamento, os meus colegas dizem: - Mas quando é que
tens vaga? Porque eu preciso.
Eles não, porque quem precisa é o doente. Portanto, os cuidados paliativos acho que são
da maior importância para o doente, porque os cuidados paliativos não são só para
doentes oncológicos. São também para doente do foro cardíaco, do foro neurológico,
mas na maior parte são doentes oncológicos, porque o doente oncológico é o doente que
tem tudo o que os outros têm mais a dor e algo que causa sofrimento, um sofrimento
atroz. Portanto, não concebo haver oncologia sem cuidados paliativos.
Então até 2001 como é que vocês se governavam? Ao fim e ao cabo nós já iamos
paliando. Os nossos doentes não eram totalmente abandonados: ou tinham o médico de
família ou tinham o hospital da área. Normalmente iam para os serviços de medicina
interna, por isso é que nós aqui os quatro que trabalhamos em paliativos somos os
quatro internistas.
Os doentes tinham sempre apoio médico, mas se calhar não era o apoio mais
conveniente, porque as pessoas são muitas vezes evasivas, não devem ser, portanto, isto
tem muito a ver com a atitude, com a postura. Não é com o saber medicina, porque eu
não aprendi a medicina, estou sempre a aprendê-la, quando vim trabalhar com doentes
paliativos. É outra maneira de estar.
-Dr, geralmente no debate entre os cuidados paliativos no seio da comunidade médica,
fala-se numa certa distinção entre o acto de curar e o acto de cuidar. Como é que encara
esta divisão?
-De facto, o modelo ainda prevalecente cá em Portugal ainda é o modelo dicotómico
que é o dos cuidados curativos e depois o modelo paliativo. Parece que está dividido.
Será? Teoricamente achava-se que as doenças oncológicas ainda são doenças da última
década de vida, mas agora, infelizmente, cada vez aparecem mais cedo.
Esse ainda é o modelo prevalecente, mas o modelo ideal é o modelo dos cuidados
continuados. Eu imagino um rectângulo na horizontal em que temos num dos lados o
diagnóstico da doença; depois a morte, noutro lado. O tal modelo dicotómico, que me
põe assim em dois terços cuidados curativos, depois na vertical, o último terço do
rectângulo, são cuidados paliativos. Eu prefiro o tal modelo dos cuidados continuados.
È uma diagonal. Temos na mesma o diagnóstico, morte e a seguir à morte, ainda o luto,
porque nos cuidados paliativos devemos ainda utilizar a família no luto. Então faço uma
diagonal e tenho no início, na parte de cima da diagonal, cuidados curativos, e na parte
de baixo tenho cuidados paliativos. Eles vão coexistindo. Só por dizer que, à medida
que nos afastamos do diagnóstico para a morte, cada vez vai havendo mais cuidados
paliativos e menos curativos. Não sei se me fiz entender. De facto, sem pensar em
cuidados paliativos, logo na fase curativa alguns doentes têm sinais e sintomas
descontrolados, alguns começam logo, por exemplo, com dor; o médico que segue o
doente está preocupado, porque até o manda logo à consulta da dor. Portanto, já estão a
paliar, porque o paliar não é, desculpe a expressão, empadilhar, é controlar os sinais e
sintomas. É aliviar o sofrimento físico e psíquico. Por exemplo, nós mandamos doentes
que sofram uma depressão, ao psicólogo ou ao psiquiatra. Isto são aquelas dimensões
todas da dor, do sofrimento: factores físicos, psíquicos ou psicológicos, espirituais,
sociais. Indivíduos que perderam o emprego, perdem a auto-estima, que acham que por
estarem mutilados os amigos já não lhes ligam, enfim, porque já não pode fazer o que
podia fazer. E às vezes isso é logo no início da doença e as pessoas até nem vêm a
morrer com a doença, até tiveram cura, mas ficaram algo mutiladas, vá.
-Da imagem que o Dr. acabou de dar podemos concluir que temos uma fase mais
curativa e uma fase mais paliativa? Em termos de diagnóstico parece-lhe que o valor
dos meios complementares de diagnóstico, face às queixas do doente, se alteram numa
fase paliativa?
-Sim. Em termos de tratamentos, como eu disse, os paliativos devem prevalecer ao
mesmo tempo que os curativos. Devem coexistir. Relativamente aos meios auxiliares de
diagnóstico, temos aqui a tal postura. O que devemos pedir, num doente paliativo, são
os mesmos exames (porque as pessoas têm a ideia que: está com uma pneumonia, já não
lhe pedem um rx do tórax para diagnosticar a pneumonia ou não lhe pedem isto ou
aquilo) mas pedi-las mais criteriosamente, ou seja, só sabendo que têm ou trazem
benefício para o doente. Agora, se for só por uma questão académica eu não faço exame
complementar. Por exemplo: análises. Um doente que está na oncologia médica
internado faz análises, se não todos os dias, quase todos os dias. Eu aqui,
provavelmente, um doente que esteja internado um mês, só lhe faço análises uma vez,
ou faria mais se ele estivesse a sangrar. Se ele estiver a sangrar eu tenho obrigação, se o
sangramento lhe está a causar sofrimento, porque ele vai ficar com uma anemia, vai
ficar com sudorese, vai ficar com angor, vai ficar com uma grande astenia, eu tenho, lá
por ser paliativo, eu tenho de lhe repôr sangue. Ora, para lhe repôr, tenho de lhe fazer
uma análise de sangue. Agora, andar, não ando a picar o doente, a fazer técnicas
invasivas só por questão académica. O doente tem febre, tem tosse, tem uma
expectoração purulenta, a auscultação... eu tenho dúvidas na auscultação.Muitas vezes,
é óbvio, tenho que pesar: será que vale a pena? Estou distante do RX, o doente tem
dificuldade em se mobilizar... poderei não lhe fazer o exame, mas isso porquê? Porque
quero poupar o doente à maçada de se deslocar ou ao desconforto e vou medicá-lo como
se ele tivesse uma pneumonia. Mas se para eu o medicar tiver de ter a certeza, pois ele
faz o exame. Quer dizer, é sempre tudo em prol do doente. Tudo gira, em termos dos
paliativos... acho que o doente é o centrismo, vá. Tudo o que eu faço é para beneficiar o
doente. Agora, é obvio que, em termos de exames, não devemos....
Uma gasometria arterial. É picada uma artéria. É uma técnica simples, mas que às vezes
é de execução difícil. Causa algum sofrimento, porque não se consegue à primeira vez.
Se for num serviço de medicina ou de oncologia poderei fazê-lo, mas aqui, num doente
paliativo, eu tenho um oxímetro, eu quero saber só a saturação do oxigénio no sangue.
Temos um aparelhinho que se põe no dedo e que só me dá as pulsações e a saturação do
oxigénio. Esse exame simples, essa maquineta, está a substituir uma picada, que é um
exame invasivo. É a tal postura, a tal diferença. Gostava que todos os médicos tivessem
esta formação, porque todos os médicos lidam com doentes paliativos em todos os
hospitais. Há até muito poucas Unidades com internamento. Temos nós e o IPO do
Porto. Ah, e o hospital do Fundão, também tem uma unidade de internamento.
Relativamente aos exames, não podemos pedir exames por uma questão académica. É
uma unidade de formação, temos aqui alunos, temos médicos e eu só porque é uma
unidade de formação não estou para sujeitar o doente a exames que são escusados, que
eram académicos.
-Quanto às queixas do doente, também há uma maior atenção, nesta fase?
-Nós ligamos essencialmente às queixas do doente. É o que eu chamo os sintomas. É
algo que é objectivo, que eu vejo. Por exemplo, uma pessoa a sangrar é um sinal.
Sintoma é eu dizer que tenho dor. A dor que o doente diz ter. Eu tenho de acreditar no
doente. Ele diz que tem dor, eu tenho de acreditar, porque não tenho nenhum aparelho
que consiga dizer se ele tem ou não. Portanto, nós ligamos muito às queixas do doente.
Damos muito mais atenção, sobretudo atenção às queixas do doente.
-Parece-lhe que aqui existe uma alteração na relação entre médico e doente, face a uma
medicina mais curativa?
-Sim. Há uma ligação muito maior. O doente também está numa fase de maior
fragilidade, contacta mais connosco, seja em consulta externa, seja em internamento.
Estamos diariamente com ele. É avaliar, avaliar, avaliar. Porque o que hoje é, amanhã já
não é, é diferente. Às vezes no próprio dia nós temos que alterar a terapêutica. Portanto
há uma proximidade muito maior, mesmo em termos de consultas. Os poucos doentes
que nós temos que conseguimos dar alta e que andam ainda em consulta, doentes que já
estiveram internados e tiveram alta, porque há doentes que andam em consulta e que
ainda não estiveram internados. Doentes que os médicos nos propuseram já são médicos
com outra visão dos cuidados paliativos e nos propõem os doentes mais cedo. Souberam
parar a tempo ou muitas vezes não são eles que querem parar, é o próprio doente que
exige parar. É um doente mais esclarecido e que tem o direito a paliativos. Pronto,
depois é um doente a quem marcamos consultas um pouco mais amiúde. Temos que lhe
dar o tal apoio, até para o poder manter em casa, ele sentir que tem um apoio de oito em
oito dias ou de quinze em quinze dias, o máximo, um mês, até à consulta médica. Nós
deixamos ao critério: primeiro, ao critério clínico. Depois deixamos ao critério do
doente, mesmo que ele só precise de consulta mensal. Se é de longe, tem gastos, tem
desconforto nas viagens, nós deixamos ao critério. Dizemos: - Olhe, em princípio só é
preciso consulta daqui por um mês. Fica à vontade do doente até o vir mais cedo,
porque faz bem até conversar. Às vezes não houve alteração nenhuma, não houve
alteração do estado clínico, não há alteração, depois, na medicação, mas o doente pôde
vir à consulta. Há de facto uma maior ligação com o doente e com a família.
-Era a minha próxima pergunta. Quanto à família, há também diferença em relação a
uma medicina mais curativa.
-Sim, a família é envolvida, porque os cuidados paliativos estendem-se à família,
embora a família nem sempre dê... Ligação há, há sempre ligação, mas nós oferecemos
os nossos préstimos, muitas vezes a família não quer, está mais preocupada com o
doente que com ela própria, que precisa, muitas vezes, de acompanhamento psicológico,
psiquiátrico, mesmo, até na fase de luto. A família não procura muito apoio. Para ela o
bom é mantê-la sempre a par da situação e tratar bem o seu familiar. Mas há uma grande
ligação, até porque no internamento, especificamente neste internamento, são quartos
individuais que eu depois vou mostrar ao Dr. o serviço, são quartos individuais todos
com um sofá cama onde pode ficar um acompanhante. Tem direito a dormir, ao
pequeno-almoço, almoço, lanche, portanto, logo no acolhimento, na entrada, se
pergunta se o familiar vai ficar ou não. Se não ficar naquela altura pode ficar noutra,
mas tem que avisar, para despoletar as refeições e isso tudo.
-Na relação do médico com a restante equipa de saúde, há alguma diferença face a um
protocolo mais tradicional ou mais curativo?
-Sim. Aqui nós trabalhamos em equipa. Há uma maior partilha de informação do que
num serviço de medicina curativa. Num serviço de medicina curativa normalmente o
médico preocupa-se só com as coisas médicas, o enfermeiro só com o que é de
enfermagem, o serviço social com o facto de ser ou não um problema social. Nós aqui
não. Partilhamos a informação, trabalhamos em equipa. Hoje, por exemplo, vai haver
uma reunião da equipa, à tarde. Reúne semanalmente, onde estão médicos, enfermeiros,
psicólogo, assistente social e o padre. Às vezes vem um nutricionista, mas portanto, os
primeiros estão sempre na reunião. Protocolos: porque este doente é um doente muito
instável, o médico tem que ter protocolos. A prescrição ainda é um acto médico, mas
nós podemos prescrever e, em protocolo, deixar para o enfermeiro actuar, mesmo não
estando o médico presente. Embora haja um médico aqui, vinte e quatro sob vinte e
quatro horas, não no serviço, mas no serviço entre as oito e as dezoito, mas depois das
dezoito e até às oito da manhã é a urgência interna ao hospital. Existem protocolos de
actuação para eles actuarem em presença de determinados sinais ou sintomas e depois
chamam o médico. Portanto, há mesmo um trabalho em equipa, uma maior partilha de
informação e não só.
-Em termos de temas de debate científico/profissional em redor dos cuidados paliativos,
quais é que o Dr. identificaria como os mais frequentes?
-Para já, um dos debates é não temos profissionais médicos para os cuidados paliativos.
O enfermeiro, com o cuidar, é transversal. O enfermeiro foi ensinado a cuidar, portanto,
não temos dificuldade nenhuma em ter enfermeiros a trabalhar em cuidados paliativos,
nem enfermeiros, nem auxiliares, até porque são doentes que são muitas vezes mais
dóceis. As pessoas que vêm para aqui trabalhar devem ser todas voluntárias e no meu
serviço são. Em termos médicos e hoje é um dos debates, todos acham que os cuidados
paliativos são importantes, mas quem é que os vai praticar em termos médicos? Eu acho
que deve ser qualquer médico que esteja para isso vocacionado, que de uma forma
voluntária queira fazer formação, porque tem de haver formação. Não vai aprender
medicina mas vai aprender a estar. Tem que ter disponibilidade e facilidade de
comunicação. Nós, médicos, não temos cadeira nenhuma de comunicação e nós lidamos
com o sofrimento do doente até à morte. Mas, então, o médico ainda hoje é difícil
encontrar... Eu vim para os cuidados paliativos, já estava, por exemplo, no topo da
minha carreira. Teria na altura quarenta e cinco anos, já era chefe de serviço. E depois
tenho aqui mais dois médicos que andam à volta dos quarenta e qualquer coisa e um
com trinta e qualquer coisa. Está a ver? Há dez e vinte anos de diferença, mas o
problema que hoje se debate é: em termos hospitalares, médicos para os paliativos,
quem é que vai fazer cuidados paliativos? Quem? Capacidade todos têm, mas gosto por
ajudar o próximo? Porque isto também é uma carga psicológica muito grande para nós
que lidamos quase todos os dias com a morte. O problema é que as pessoas pensam
também nelas e na sua carreira. E os cuidados paliativos não são uma especialidade nem
uma competência. Isto é quase, não vou dizer uma paixão, mas quase. Os cuidados
paliativos ainda são considerados pelos médicos cuidados menores. Depois, quando vão
fazer exame para progressão na carreira, o médico que trabalha só em cuidados
paliativos pode ser penalizado e preterido relativamente a outro. Então muitos dos
médicos que querem vir fazer cuidados paliativos não os vêm fazer, ou pelo menos não
querem a tempo inteiro, porque têm sido, já foram, penalizados na carreira. As pessoas
pensam na carreira. Havendo progressão na carreira há progressão salarial. Isto é
mesmo assim. Em termos de debate: não vamos ter dificuldades em arranjar
enfermeiros, enfermeiros eu tenho aqui uma equipa extremamente jovem de
enfermeiros, toda voluntária, dezassete enfermeiros que vieram para cá desde o início e
mantêm-se, quando até está escrito que de três em três anos as equipas deviam rodar, se
achassem que deviam mudar. E os meus enfermeiros são os mesmos que começaram,
alguns, vindos da escola de enfermagem. Portanto, começaram aqui em enfermagem e
continuam aqui nestes sete anos.
Depois, mais debate... a nível das salas dos médicos, tem que haver. Hoje, os hospitais
que cada vez mais se tornam em hospitais mais de agudos e acham que estes doentes
têm de ter quem os siga, seja em internamento, seja no ambulatório ou em medicina.
Por isso é que estamos agora, até faço parte de um grupo de trabalho da Unidade missão
dos cuidados continuados e integrados, onde tenho períodos curativos e em que fizemos
agora revisão do plano nacional de cuidados paliativos que foi apresentado no dia 17 ou
16.
-Houve uma revisão?
-Sim. A revisão já foi feita, mas agora está à discussão pública e vou até ter reunião em
Lisboa na unidade –missão na segunda-feira, com um grupo consultivo. É a revisão do
plano nacional dos cuidados paliativos. É para operacionalizar, para pôr no terreno. Ele
foi apresentado em Lisboa na última sexta-feira de Junho e eu infelizmente não pude
estar. Agora está em discussão. Na segunda-feira vamos ouvir o Conselho Consultivo,
nós, grupo de missão, que somos meia dúzia e depois vamos levar à Tutela, para ser
aprovado. Portanto, também em termos destes pequenos debates, vai ter que haver
equipas intra-hospitalares, equipas domiciliárias e unidades de internamento em todo o
país. Esperamos ter até 2016 o país todo coberto, quer com cuidados continuados, quer
com cuidados paliativos.
-Em termos de organização do trabalho, em termos do próprio espaço hospitalar, quais
as alterações que o Drº pensa que acontecem com a implementação dos cuidados
paliativos?
-Mesmo havendo alguma resistência dos médicos ou das Administrações que
consideram, lá está, que a prioridade é diagnosticar e curar, mas hoje com a sobrevida
média a aumentar, nós passámos a ter velhos doentes e doentes velhos. Com alguma
resistência das Administrações e de alguns médicos, especialmente médicos, não estou a
dizer, dos outros profissionais, mas depois da implementação no terreno e
operacionalização destas Unidades, sejam elas ambulatórias, seja de unidades de
internamento, toda a gente vai beneficiar, isto é: eu ao tirar um doente do serviço de
cirurgia, um doente paliativo que estava lá, que eles tinham dificuldade porque era, por
exemplo, um doente natural de Coimbra (não há um hospital de retaguarda em Coimbra.
Os hospitais de Coimbra são hospitais de agudos), esse doente, para ter alta – porque
clinicamente eles não têm nada a fazer em termos curativos- tinha que ser colocado em
casa. Em casa há dificuldade, porque as famílias trabalham. Com a dificuldade que há
no emprego, não se vão estar a desempregar. Antigamente era mais fácil porque num
casamento havia normalmente um que não trabalhava fora.
Com estas Unidades todos vão beneficiar. Beneficia essencialmente o doente porque,
como eu digo, tem um resto de vida com alguma qualidade, a máxima qualidade que
nós lhe pudermos dar. Beneficiam os serviços indirectamente porque, ao estarem sem
um doente que não precisava de cuidados médicos, por exemplo, estão a chamar outro
doente para o lugar, para ser operado. Portanto, as pessoas têm alguma resistência, mas
não há razão. As pessoas não sabem o que são os cuidados paliativos, pensam que
cuidado paliativo é ter um doente num lar, que é um doente que está à espera que a
morte chegue. Não. Nós fazemos tudo aqui pelos nossos doentes, que se faz em
qualquer outro serviço, nomeadamente de medicina, excepto quimioterapia. Mas se
calhar até fazemos mais coisas do que as que se fazem noutros serviços, poque sabemos
tratar a dor, sabemos tratar a dispneia, sabemos tratar a imese melhor do que os outros.
Está a ver? Até fazemos mais coisas. Só não fazemos é a quimio, mas até radioterapia
fazemos aqui, uma radioterapia paliativa. Às vezes, para pararmos uma hemorragia ou
para tirarmos a dor a um doente, uma dor óssea, por exemplo, tem que se fazer, ou para
evitar uma fractura patológica, por exemplo, numa perna, um osso que pode vir a
fracturar, faz-se ali um flash de radioterapia. Tira-lhe a dor e evita a fractura patológica.
As pessoas agora começaram a ouvir falar nos paliativos e eu que tenho funções aqui
nesta casa, que ainda é uma casa pequena, estou aqui há uns anos e conheço mais ou
menos toda a gente, verifico com algum regozijo que elas acham que os cuidados
paliativos são importantes e eram pessoas que há sete, oito anos atrás, criticavam. Havia
pessoas que não vinham a este serviço porque diziam que lhes tinham dito que isto era
tão luxuoso que até feria a vista e em vez de estarmos a investir nos doentes curativos se
estava a gastar dinheiro com os mortos. Isto é uma atrocidade!
Nós temos que nivelar as coisas é por cima e não por baixo e nós não tirámos dinheiro,
nenhum serviço foi prejudicado por causa deste. Isto agora, a título de curiosidade: isto
foi de um projecto que apresentámos àquele Quadro Comunitário de Apoio e, portanto,
foi feito com dinheiros comunitários. Têm é que se fazer os projectos.
-Dr., falou em resistências e críticas. Que argumento é que costuma ser utilizado?
-São normalmente de ordem financeira. Que se está a gastar dinheiro com doentes que
acham que já não havia nada a fazer, que não valia a pena, mas depois quando tiveram-
infelizmente-familiares ou amigos que necessitaram dos cuidados paliativos, as pessoas
começaram a conhecer melhor os cuidados paliativos e a ver que afinal era algo de
muito importante e valioso. Pronto, tinham uma ideia vaga e que não valia a pena gastar
esse dinheiro. Se calhar o doente fica mais barato aqui, num serviço destes, do que no
internamento, porque nós somos muito mais criteriosos nos exames, fazemos menos
exames, só fazemos os exames se acharmos que têm mesmo que ser feitos os exames
auxiliares de diagnóstico e é assim na parte analítica e de medicação. A nossa
medicação é uma medicação muito mais equilibrada. Provavelmente um cytostatic que
foi feito a mais, prejudicou o doente, que foi uma obstinação-encarniçamento. Dá para
um mês de tratamento com toda a medicação que eu faço aqui a um doente paliativo. E
o cytostatic esteve a causar-lhe sofrimento e os medicamentos mais baratos que eu aqui
administrei aliviaram-lhe o sofrimento durante um internamento de um mês ou dois
meses. É a diferença. Não é assim tão caro. As pessoas não estão dentro...
-Voltando à organização do espaço. Algumas questões que são relevantes, a existência
ou não de quarto individual, Unidades especializadas ou não.
-Vamos lá ver: as Unidades não têm que ser como esta nossa, que será uma Unidade de
referência, uma Unidade de formação. Quando houver apoios de retaguarda (outras
Unidades), para já vamos ter o doente mais próximo do local da sua residência. O ideal
era estar em casa com unidades paliativas domiciliárias, mas depois, se ele necessitar de
cuidados hospitalares, deve ser numa unidade de proximidade. E esta aqui poderá ser
uma Unidade de referência, uma Unidade mais de formação e para resolução de
situações complexas. Por exemplo, nós aqui fazemos gastrostomia, que é um doente que
não pode deglutir e que não passa uma sonda nasogástrica, fazendo uma colocação
directamente através de uma sonda no estômago. Portanto, temos aqui possibilidades de
se fazerem coisas que não se fazem nos outros lados; portanto, esta tem que ser uma
Unidade de referência e de formação. Formação, essencialmente.
Relativamente aos quartos individuais é óptimo, porque permite que o doente fique com
um familiar, mas nós temos quinze quartos. Está sempre cheia, a Unidade. Temos no
máximo cinco acompanhantes a pernoitar. É óbvio que mesmo não pernoitando, as
visitas como são livres das dez da manhã até às dez, onze da noite, portanto, digo dez da
manhã, mas o doente por vezes deixa-se de dormir até mais tarde, faz a sua higiene,
toma o pequeno-almoço, a medicação... só depois é que que familiar deve vir. Estando
num quarto individual, este quarto é uma suite de hotel. Tem casa de banho privativa,
tem TV, tem telefone, tem tudo. A família sente-se como estando em casa. Podem trazer
objectos decorativos, podem trazer até... falta-me agora o termo: se a pessoa fizer
questão de ter aqui um canário, animais de estimação que não interfiram com o serviço,
podem ter no seu quarto. Estes quartos individuais têm essa vantagem, mas também
alguns destes doentes nos pedem...os nossos quartos estão todos preparados para tirar o
sofá-cama e colocar outra cama; entretanto já têm rampas de oxigénio e vácuo para
aspiração de secreções, portanto a chamada calha elédrica para duas camas, no caso de
ser necessário. Não havia, por exemplo, no Gregorio Marañon, no hospital Universitário
de Madrid, onde eu fiz estágio. Eles tinham inicialmente quartos individuais e agora
dois terços já eram quartos duplos. Tinham, julgo eu, dezasseis, oito quartos com duas
camas e depois só seis quartos ou sete individuais.
Há doentes que gostam de companhia, até gostavam de ter outro ao lado para conversar.
Agora, isso depois obrigava e termos que seleccionar, está a ver, grandes mudanças
obrigariam a ter homens com homens, mulher com mulher, mulher que gostasse de
conversar com outra mulher, portanto, tínhamos que arranjar pessoas que tivessem mais
ou menos...
Nós devemos satisfazer ao máximo os seus interesses, os seus pedidos. Mas não tem
que ser assim. Aliás, agora saiu aí um despacho do ministério a dizer que nas
Instituições Hospitalares as Unidades não têm que ser públicas, podem ser Unidades da
GPSS ou privadas, que deviam ter quartos individuais. Eu não concordo. Provavelmente
já não vai haver tanta candidatura. Isso foi um erro que fizeram sair cá para fora sem
perguntar ao grupo de trabalho. Nós concerteza que diríamos: Podem ter quartos
individuais, é sempre necessário ter quartos individuais- até porque se o doente está
agónico é melhor estar sozinho com a família- mas também pode haver quartos com
duas, três camas.
A filosofia dos cuidados palitivos, a ideal, é de facto os quartos individuais, que é para a
pessoa sentir que está na sua casa. Isso é a filosofia dos cuidados.
-Quanto ao tratamento da morte e do luto em meio hospitalar, como é que o Dr. entende
que deve ser feito, nos cuidados paliativos?
-Nós damos apoio para além da morte, ao familiar. Apoio psicológico, psiquiátrico,
enfim, todo o apoio, mas nestes sete anos têm sido poucas as pessoas que procuram
apoio porque, eu não sei, ou talvez porque lhe morreu aqui o... apesar de nos
agradecerem, agradecem primeiro, agradecimento público ou não, através da
comunicação social escrita ou através de uma carta, agradecendo-nos todo o apoio que
lhes prestamos a eles, familiares e ao seu ente querido. Depois mais tarde é que vêm cá
e portanto, normalmente, mesmo sabendo...
Eu já soube de algumas pessoas que têm apoio, mas pedem o apoio fora da Instituição e
não na própria Instituição, apesar de desde o primeiro momento saberem que o têm. E
às vezes têm o apoio da Instituição enquanto o familiar está vivo. Eles também vão ao
psicólogo ou à psiquiatria, essencialmente a essas consultas e alguns desses é que ainda
continuaram, porque as consultas já estavam previamente marcadas. A minha
interpretação é que às vezes será por isso, mas que muitas vezes não é de uma forma
voluntária, porque já me têm dito –a psiquiatra ou a psicóloga- que às vezes sentem que
a pessoa só vem à consulta porque ela estava marcada, porque parece que quer cortar,
durante uns tempos, com o local onde morreu o familiar. Portanto, não temos assim
grande experiência no post mortem. Mas, claro, apoio logo no momento, isso damos,
quando o familiar está presente. Agora, qual é o apoio? São palavras de conforto? É a
disponibilidade do médico ou da enfermeira, ou da auxiliar ou da assistente social, ou
do psicólogo para estar com a família ali na hora da morte. Mas no pós não há... não
procuram muito.
-A sua idade?
-Trinta e seis.
-Categoria profissional.
-Eu sou assistente hospitalar, quer dizer, contratado, isso ainda não está bem definido.
-O Dr. formou-se em que Universidade?
-Na de Coimbra.
-Em que ano?
-Noventa e seis.
-Portanto tem doze anos na profissão. E na sua especialidade tem quantos anos?
-Terminei em 2004; portanto, quatro anos.
-Trabalha em cuidados paliativos há quanto tempo, Dr?
-Trabalho em cuidados paliativos desde 2004.
-O seu sector de actividade é predominantemente o público ou o privado?
-É o público. ???
-Em exclusividade?
-É porque é ???
-Portanto, o Hospital tem cuidados paliativos. Eu gostaria de lhe perguntar em primeiro
lugar qual é a relevância que pensa terem os grandes paliativos para a área oncológica.
-Têm toda a relevância. Podia responder-lhe de outra maneira: os cuidados paliativos
fazem parte da abordagem do doente oncológico, na minha perspectiva, até desde o
início. As novas orientações que temos, que temos oportunidade de consultar, não de
seguir ainda, mas de consultar, é essa a relevância. O controle sintomático, para traduzir
por miúdos a questão dos cuidados palitivos, tem toda a relevância desde o início do
tratamento, eventualmente.
-Um dos debates que tem acontecido, a nível científico e profissional, em redor da
percepção de documentação da medicina paliativa em Portugal- e não só- está articulado
em função de duas palavras, se quisermos: o curar e o cuidar. Como é que o Dr. vê esta
distinção?
-É assim: gostava que não fosse, ou portanto a minha perspectiva era essa, que não fosse
tão distinta uma coisa da outra. Basicamente é isso; acho que resume a minha ideia
sobre isso.
-Também se fala muito na questão da obstinação terapêutica. Como é que o Dr. vê
aquilo a que se chama muitas vezes o encarniçamento terapêutico?
-Como compreende e como entrevista e neste caso médico dos cuidados paliativos, é
óbvio que tenho mais especial sensibilidade em relação a isso, já faz parte do meu
pensamento como médico, independentemente de serem cuidados paliativos ou não, a
questão de ter em atenção o que é que se espera com as intervenções terapêuticas que se
fazem. Ponderar ( não quer dizer que não seja ponderado eventualmente), mas incluir
mais este factor de ponderação nas abordagens terapêuticas.
-Em termos do uso, por exemplo, de meios complementares de diagnóstico, de
auxiliares de diagnóstico, se colocássemos o ratio entre estes e as queixas do próprio
doente, o Dr. parece-lhe que numa abordagem paliativa há uma diferença forte neste
ratio, quer dizer, há uma maior atenção às queixas do doente? Os meios
complementares de diagnóstico perdem o seu valor específico?
-Nós tentamos-eu tento- de acordo com aquilo que eu penso, ou seja, nos cuidados
paliativos tentamos mais uma vez ser racionais ao ponto de pedir exames para os quais
se um resultado se alterar nos vai conduzir a alguma intervenção significativa para o
doente, a todos os níveis, especialmente ao nível do controlo sintomático no contexto
paliativo.
-Portanto, neste caso, a centralidade é o doente?
-Claro, mas volto a dizer: a centralidade devia já começar no doente antes disso.
-Estou a falar de forma algo caricaturada daquilo que seria a medicina curativa, para
procurarmos perceber melhor. Portanto, parece-me que há aqui uma diferença na
relação com o doente, eventualmente, do próprio médico.
-A atenção que se tem forçosamente que dedicar, porque ultrapassámos a perspectiva
curativa, obviamente conduz a isso.
-E com a família do doente?
-E com a família do doente, ao mesmo nível.
-Envolvida, não é?
-Sim, sempre. Quando é possível.
-E na relação com a restante equipa de saúde: enfermeiros, técnicos de segurança
social...há uma diferença face ao protocolo mais tradicional, curativo?
-Sim, neste momento ainda é grande a diferença. Tenta-se trabalhar mais em equipa.
Mais em equipa significa tentar ouvir mais opiniões e decidir em conjunto, pronto, é
basicamente isto que acontece.
-Há uma diferença do próprio médico perante a equipa?
-Sim, exactamente, apesar de funcionar na mesma como líder da equipa, mas tem uma
equipa a funcionar sozinha, não está a funcionar isoladamente como muitas vezes, se
calhar, enfim, é a tradição e a prática fora dos cuidados paliativos, fora deste contexto.
-Temas de debate e controvérsia científica e profissional que existem nesta área-
cuidados paliativos- em função deste processo de implementação (novo) no país, quais
os que o Dr. identificaria como mais frequentes? Entre médicos, quais para si os temas
mais frequentes?
-Controvérsias relativas aos cuidados paliativos?
-Sim, quer por parte dos médicos que estão a implementá-los, que trabalham neles, quer
por parte dos especialistas de oncologia.
-Há uma série delas. Uma já falámos: a questão da controvérsia de quando é que se
considera a entrada de um doente em cuidados paliativos. Outra questão será
eventualmente – não vou fugir para a questão da eutanásia e essas coisas, que é um
debate da sociedade- a rede de cuidados paliativos que também está a ser criada. Sabe-
se que não vai ser muito fácil ou pelo menos muito rápido e depois as condições que
temos para tal, porque é uma área um bocado exigente em termos de recursos humanos,
e não só, de recursos em geral e portanto penso que é uma grande controvérsia que neste
momento está a ser resolvida pelo recurso aos cuidados continuados; havia uma
associação, aquilo que era suposto ser a rede de cuidados paliativos teve que se fundir
mais ou menos com aquilo que se pretende para a rede de cuidados continuados,
portanto, em termos de filosofia a coisa dilui-se um bocado.Essa também acho que é
uma controvérsia importante por agora.
-Segundo percebo, isso tem a ver com as próprias Administrações Hospitalares e com a
Tutela.
-Mais com a tutela. Quando se pretende que seja criada uma rede nacional, as
Administrações Hospitalares também terão uma palavra a dizer, mas o Ministério da
Saúde e a DGS é que terão mais meios para actuar. Penso que isto vai tudo bater no
costume que é a falta de meios. Certamente muitas pessoas haverá que pensam que isto
é um luxo. Se olhar para esta Unidade... não se vão encontrar muitas unidades como
esta no país. È sempre considerada um luxo.
-Há essa crítica.
-Sim, não digo que seja o principal factor, mas é sempre um factor, como em tudo o
resto na vida, enfim...
-Dr, destes temas que identificou – ou outro eventualmente- qual lhe parece mais
importante, mais central neste processo de implementação, até na rede dos cuidados
paliativos ou nos cuidados paliativos de uma forma mais geral?
-Gostava, de facto, que fosse mais facil, por um lado, criar a rede e depois ter acesso à
rede, os doentes, na realidade, terem acesso à rede, que essa é outra dificuldade que se
encontra e depois, se calhar, libertar espaço para, de facto, se pensar nas questões éticas,
por exemplo, que ficam um bocado arredadas da discussão. Ficamos presos na labuta
diária de resolver os problemas aos doentes e depois, se calhar, não lhes fornecemos o
apoio total em cuidados paliativos.
-Em termos de organização do trabalho hospitalar e do espaço hospitalar, quais são as
principais diferenças que o Dr. pensa que os cuidados paliativos vêm trazer?
-Isso pode ser visto em diversos prismas. Por exemplo, pode ser: que tipo de médicos
vão exercer estes cuidados nos hospitais. Neste momento, aqui, todos os médicos são
internistas, à data em que a unidade foi criada não havia grande diferenciação em
termos de cuidados paliativos. Essa é uma questão organizativa a nível hospitalar. Não
existe a especialidade, provavelmente vai sobrar, entre aspas, para médicos com
especialidades mais ligadas ao tratamento da dor ou à abrangência que é o caso da
medicina interna, abrangência em termos de grupos de patologias, mas não sei se vai ser
essa a orientação. E depois, em termos de organização de espaço, a opção entre criar
unidades individuais com determinado número de camas para doentes em cuidados
paliativos versus a criação de áreas dentro dos próprios serviços, porque, enfim, não é
só na oncologia que temos que falar; há cuidados paliativos possíveis para outras
doenças crónicas (doenças pulmonares, doenças renais, doenças neurológicas) e
portanto essa própria organização do espaço poderá ser importante discutir e está a ser
discutida.
-Quanto à questão do quarto individual também parece que tem levantado alguns
problemas.
-Não, não vejo que tenha levantado problemas. Agora, a possibilidade de quarto
individual penso que é fundamental existir. Doentes haverá que podem preferir e isso já
nos verbalizaram alguns ( é uma amostra da minha memória), estar numa enfermaria
com mais uma pessoa, ou, enfim...
-O quarto individual é fundamental porquê?
-É fundamental porque se nós pretendemos que se consiga reproduzir no hospital um
espaço privado para o doente, não vejo que se consiga de outra maneira.
-Inclusivamente com a família...
-Exactamente e que permita à família também estar nesse tal espaço privado.
-Finalmente, quanto ao tratamento da morte e do luto em meio hospitalar, como é que
pensa que isto pode ser operacionalizado, como é que tem de ser feito?
-É assim: mais uma vez a minha opinião é a seguinte: estou no meu trabalho num
Hospital oncológico. É uma questão que é transversal à Instituição, não é só
prerrogativa dos cuidados paliativos. Eventualmente admito que se põe com mais
acuidade nos internamentos de cuidados paliativos, porque a morte está muito mais
presente, apesar de tudo e de facto é uma questão que interessa abordar: o processo luto
e o pós morte. Os americanos chamam o brietman. Nós não temos uma palavra, mas o
luto, a preparação do luto a continuação do luto. É fundamental para nós fazer-se esse
trabalho no contexto dos cuidados paliativos, particularmente com a família.
- A sua idade, por favor Dr.?
- 40
- Categoria profissional.
- Médica. em medicina geral e familiar
- A sua instituição e ano de formação
- Universidade do paná... o ano... em 1997
- Portanto, tem 13 anos de profissão
- Sim... 97 ou 98
- E aqui no centro de saúde, está cá há quanto tempo?
- Tavira... 5 anos.
- O seu sector de actividade...
- Público, só o publico.
- Vou entrar mais directamente nas questões sobre os cuidados paliativos... em primeiro
lugar, faria uma pergunta geral. qual é a relevância que a Dr. entende que os cuidados
paliativos têm para a medicina hoje em dia?
- Eu acho que é de todo vital, para a medicina... como um todo. Tem sido um pouco
deixado de lado, durante todos os anos nos serviços de saúde, um pouco abandonado,
porque está voltado muito para a cura, para as tecnologia... mas é muito importante,
porque a população está cada vez mais envelhecida, as doenças crónicas são mais
frequentes... A idade da vida das pessoas, a esperança média de vida das pessoas
aumentou... Daí advém doenças que têm necessidade de apoio de cuidados paliativos,
cada vez mais, são cada vez mais pessoas que recorrem a um serviço de urgência de
agudos, que não têm a preparação para olhar de outra forma para estes doentes, de uma
forma mais global. Eu acho que é uma necessidade premente, de cuidados paliativos,
tem que se desenvolver em Portugal para mudarmos os cuidados de saúde.
- Geralmente nas discussões, até entre médicos, nesta área, mas não só médicos, mas
nomeadamente os médicos que têm a transita pública na questão dos cuidados paliativos
em Portugal há uma distinção muito clara naquilo que se diz curar e cuidar. Como é que
a Dr. vê esta distinção?
- Pois isso tem a ver com o paradigma... Com o paradigma do cuidar e do curar.... e a
medicina moderna é muito voltada para a medicina curativa, para as tecnologias, e isso
é o que dá visibilidade à medicina, a cura, a descoberta de cura de doenças. E os
cuidados paliativos não... Os cuidados paliativos em doenças, por exemplo,
oncológicas, que já não tem perspectiva de cura, mas tem a perspectiva de viver mais
tempo possível com a maior qualidade de vida possível, sem sintomatologia, com apoio
psicológico, com apoio da família. Portanto isso é o cuidar, o cuidar é muito mais do
que curar. O cuidar é muito mais do que fármacos. O cuidar é também fornecer
qualidade de vida, retirar os sintomas, dar apoio psicológico, estar presente, fazer com
que as pessoas não se sintam abandonadas... e isso é o lema dos cuidados paliativos, e
isso não quer dizer que os cuidados paliativos não tenham ciência, que não tenham uma
medicina avançada em termos de pesquisa. Não é só uma medicina de estar ao lado e
dar a mão. É muito mais do que isso. Também é ciência, também é tecnologia, também
há estudos, também há avanços... mas não na perspectiva do curar, mas na perspectiva
do cuidar.
- Outro tópico geralmente de controvérsia nesta área, é a questão que alguns colegas da
Dr. referem como sendo a obstinação terapêutica...
- Exactamente...
- Há médicos que se envolvem excessivamente no esforço curativo, quando já não seria
eventualmente necessário. Como é que a Dr. vê esta discussão?
- Pois essa discussão da obstinação terapêutica é uma questão que é muito discutida
entre nós nos cuidados paliativos, mas eu não culpo completamente os meus colegas. Eu
acho que se isso acontece é porque os cuidados paliativos não foram divulgados. Eu
penso que é muito complicado para um colega num serviço de urgência, receber um
senhor e decidir que já não vai fazer transfusão de sangue, ou que naquele senhor já não
vai colocar sôro, para tratar. É preciso que percebam a dimensão dos cuidados
paliativos, eu acho que é preciso também haver uma equipa de apoio nos hospitais e na
comunidade para explicar o que são os cuidados paliativos. Para que expliquemos aos
colegas, que não está a desistir dele (do doente). É claro, que depois têm aqueles que
aquilo já uma rotina, quando chega um doente ..., vai fazer TAC, vai fazer r-x, isso tudo
incrementa um custo nos doentes nos hospitais. Porquê... porque realmente são gastos
desnecessários de saúde, que já não seriam possíveis. Além de causarem sofrimento.
Temos casos de doentes que vão a r-x e falecem, é porque já iam... porque já iam
falecer...eu já vi acontecer... mas é o percurso da pessoa... e ninguém foi capaz de ver
naquele momento... Eu acho que isso tudo, obstinação terapêutica, eu acho que há uma
forma de nós pararmos com essa prática, desde que exista formação dos colegas e um
intercâmbio entre os cuidados paliativos. Ou seja, os cuidados paliativos têm de ser
vistos como a cardiologia, como a anestesia, como é vista a anestesia geral, é preciso
que seja difundido, divulgado... Porque há determinadas especialidades que têm
protocolos a cumprir, por exemplo, o INEM – a gente diz não reanimar, mas este é o
protocolo deles. Tem que haver um intercâmbio... É claro que a obstinação terapêutica é
muito ruim para os doentes, e temos que pensar neles, e que é desnecessário isso... e
temos que evitar isso. Mas penso que com as equipas de cuidados paliativos, nós
conseguimos evitar isso. Nós mandamos uma carta com o doente, os colegas chegam e
já não fazem. Mas se chega um doente, a colegas sem informação, para eles é um
bocado difícil, “fazemos ou não fazemos” apesar deles saberem que não deviam fazer...
- Há colegas da Dr. que dizem, em entrevistas, que isso tem a ver com a formação
médica, com a forma como é formada... neste sentido, dos médicos não terem a noção
quando devem mudar de registo...
- Exactamente, porque a nossa medicina... agora não... agora já começou a mudar, já há
cadeiras de cuidados paliativos, cuidados de saúde primários, nas universidades. Mas na
minha época não havia. Então a nossa medicina é curar, é tentar tudo até ao fim, então é
a formação. Por isso é que eu digo que é preciso divulgar os cuidados paliativos. Mas eu
penso que os jovens hoje nas universidades já têm outra visão, têm outro tipo de
formação.
- Dr. em termos de relação do médico com o doente, e da utilização da tecnologia... Por
exemplo, para fazer um diagnóstico fazendo um rácio entre a tecnologia e a atenção às
queixas do doente, parece-lhe que há uma mudança de uma medicina mais paliativa
para uma medicina mais curativa?
- Sim claro, porque até a própria doença é vista de outra forma. Tem a ver com os
sintomas, obviamente se eu tenho um doente com cancro do intestino e ele me diz que
está obstipado há cinco ou seis dias, ou que tem sangue nas fezes, eu já não vou fazer
uma colonoscopia, eu já sei que isso é a progressão da doença, por isso eu consigo
prever o que vai acontecer. Não querendo dizer, que às vezes eu não tenha de utilizar
algum exame complementar de diagnóstico, porque também não é só pelo facto de ele
estar em cuidados paliativos, ele não merece que eu descubra porque é que ele tem um
sintoma. O que acontece, é que na maioria dos doentes em cuidados paliativos que nós
seguimos, já conseguimos perceber, antever o que vai acontecer. Portanto já não se
justifica tantos pedidos de investigação, propriamente dito, por este factor, é um maior
conhecimento da doença e do que vai ser o futuro, gerir melhor. Por isso os exames de
diagnóstico não são tão utilizados, mas também são, quando são precisos.
- Em termos da relação com o doente, é mais próxima em cuidados paliativos, é mais
próxima neste caso, em cuidados paliativos, do médico... Da atenção às suas queixas, à
escuta do doente...
- É, é mais próxima. Mas eu tenho uma visão um pouco, talvez mais enviesada. Porque
eu sou médica de família, estou nos cuidados de saúde primários. Eu não acho que me
envolva mais ou menos com os doentes paliativos, porque eu já sou assim...
- Nos hospitais é que é mais assim...
- É nos hospitais é diferente...
- Os especialistas...
- Sim os especialistas, em anestesia e outras coisas. O médico de família é diferente. O
médico de família está envolvido no que o doente sofre, quando perdeu o emprego, na
filha que tem um problema... em alguém que faleceu... Eu não noto que faça grande
diferença para mim. Mas é verdade, quem quer trabalhar nos cuidados paliativos, tem de
ter esta proximidade, é impossível fazer paliativos sem estar ao lado de uma pessoa sem
ouvir o que ela tem para dizer.
- Portanto, nos cuidados paliativos, também se tenta envolver a própria família no
processo de cuidados...
- Sim, sempre. A família é a unidade de apoio. É o doente e a família. É um período
muito difícil para as famílias, que têm uma difícil adaptação, é uma perda que se antevê,
portanto os cuidados paliativos lidam com a família, tanto quanto lidam com o doente.
São raras as vezes que vamos à casa de um doente, e não falamos com todos, com quem
está lá, com a esposa, com o filho... E percebe o que vai acontecendo na dinâmica
familiar, porque é uma dinâmica que muda, um pai que é cuidador, passa a ser agora
aquele que é cuidado. Penso que é impossível fazer cuidados sem falar com a família,
sem colocar a família no centro das atenções... Não sei... Um dia que vá a um hospital,
ou a um serviço de urgência, em que isso não aconteça, mas uma equipa de paliativos
que é hospitalar que é comunitária tem que se envolver, tem que colocar a família como
um núcleo do apoio.
- E na relação com a restante equipa de saúde. Parece que há diferenças no trabalho de
cuidados paliativos face a uma medicina mais curativa... clássica...
- A relação com os colegas?
- Sim, quer médicos, quer enfermeiros, enfim... com a equipa que estiver a cuidar no
momento...
- Portanto a relação com os colegas... eu sou de uma equipa comunitária, e não encontro
problemas com os colegas, em termos de relação, de respeito pelo nosso trabalho. Mas
nós uma divulgação, é diferente do aspecto hospitalar. Agora os colegas têm dificuldade
em nos referenciar...
- Mas a minha pergunta era mais dirigida a outro aspecto Dr., o que eu tenho percebido
pelas entrevistas que tenho feito a outros médicos, que a relação da própria equipa
consideram ser diferente face ao grupo de pessoas na área da oncologia... por exemplo,
com os enfermeiros...
- A nossa relação é muito próxima, é de muita proximidade com os médicos e
enfermeiros. Lidamos muito mais, é muito mais forte a vivência, o que vivemos com os
doentes, damos apoio uns aos outros. É um trabalho em equipa, verdadeiramente.
- Penso que as pessoas dizem, que tem a ver com num determinado momento, nem
sempre ser o médico a ter a resposta mais importante. Não sei se está de acordo comigo,
mas alguns colegas disseram que um enfermeiro em determinado momento, pode saber
melhor colocar um colchão anti-escaras do que o médico...
- Isso claro, cada profissão... por isso é que é um trabalho em equipa. Por isso é que há
um psicólogo, que diz que em determinada intervenção deveria ter sido feita de outra
maneira. O mesmo com os enfermeiros, o cuidar dos enfermeiros, o posicionamento...
sim, é um trabalho em equipa, cada um sabe da sua área, e ajudamo-nos uns aos outros.
Não há ninguém melhor nem pior que o outro, cada um tem a sua função.
- Também me apercebi, num estudo que tenho vindo a fazer, que existe alguma critica, à
figura do médico quase como investigador ou cientista, que nem sempre tem o seu lado
humano muito desenvolvido. A Dr. pensa que esta é uma visão correcta, ou nem sempre
é verdade?...
- Nem sempre é verdade. Eu não posso dizer, porque nunca fiz estudos sobre isso, mas
acho que há de tudo. Há colegas que são insensíveis, que não gostam de se relacionar
com as pessoas, não sei se na vida privada também são assim, mas são assim com os
doentes, e há muito bons colegas, que gostam muito dos doentes, que fazem muitos
domicílios... e há muitos que não gostam. Eu não tenho uma visão tão pessimista de
todos, mas sei que existem colegas em que a relação é muito pouco valorizada, a relação
humana, existem... Mas não sei se há muitos, mas há mais do que eu gostaria que
houvesse.
- Só uma ultima questão, Dr. em termos de controvérsias em torno desta área,
existentes no seio da profissão médica, a Dr. identifica algumas? Sobre debates e
controvérsias nos cuidados paliativos, entre os colegas, sobre os cuidados paliativos. O
que é que se debate mais em termos dos problemas e temas, com os colegas?
- Penso que o que nós temos debatido é o desenvolvimento dos cuidados paliativos. Os
cuidados paliativos deviam... O programa de cuidados paliativos ainda não foi
publicado, isso já deveria ter sido feito... Os cuidados paliativos no meu entender, têm
uma função diferente dos cuidados continuados, e acho que durante um certo tempo
houve uma mistura desse conceito, entre as duas coisas, que não foi bom para os
utentes...
- Devido à legislação, não é? Os paliativos aparecem dentro dos continuados...
- Antes não, e depois passaram a ser. Eu acho que isso trouxe problemas. Não porque
são melhores ou piores, mas porque são diferentes. E acho que os grandes problemas
que existem advém daí... porque as equipas, são poucas equipas domiciliárias a fazer só
paliativos. A maioria fazem paliativos e continuados, e eu acho isso muito difícil, fazer
as duas ao mesmo tempo, porque não tem a mesma função e isso é complicado. A mim
o que me custa dizer, quem está mais prejudicado são as equipas nos domicílios... as
intra-hospitalares estão-se a desenvolver, as camas estão-se a desenvolver... Mas nós
sabemos que nos países onde realmente os cuidados paliativos estão desenvolvidos, a
base é a rede fora dos hospitais. Não são as camas dos cuidados paliativos, que são 8 ou
10, só que aqui em Portugal é o contrário, focalizam-se nas camas, nos internamentos,
nos sectores dos hospitais de dia... e não se focaliza nada para os cuidados
domiciliários, e isso é um erro crasso e um erro que provavelmente, se não for
mudado... isso vai acabar... vai acabar com a própria instituição do hospital, porque o
hospital não vai poder colocar todos os doentes internados... porque são 10 camas... E
são muitos mais utentes cá fora. Eu acho injusto esperar que o médico de família faça
esse papel... Para já porque não tem disponibilidade de tempo, e não tem formação... e
não tem disponibilidade de tempo, porque o doente de cuidados paliativos precisa de
cuidados muito específicos, especializados. O médico de família já tem a sua lista de
1500, 1800... não se pode esperar que os cuidados de saúde primários sejam a frente de
tudo! É um serviço especializado, como é a anestesia, como é a cardiologia e tem de ser
respeitado como tal. E penso que isso não acontece, essa é a maior das polémicas... a
meu ver... não haver reconhecimento, e colocar no terreno. E mistura-se tudo, e diz-se
faz-se tudo e não se faz nada... diz-se... aquela equipa faz cuidados paliativos, e vai
ver... se souber o que são cuidados paliativos, e aquilo que a equipa faz, são acções
paliativas e não cuidados paliativos. E penso que essa confusão tem de ser esclarecida
de uma vez por todas, com a publicação do programa nacional de cuidados paliativos, e
se calhar com uma rede... no futuro…
- A sua idade, por favor?
- 33
- Categoria profissional
- Assistente de medicina interna, assistente hospitalar
- Formou-se em que instituição?
- O curso de medicina, hospital da universidade ??.... ?O curso de medicina interna fiz
cá no hospital de Elvas, e a formação em cuidados paliativos, fiz nos programas...
- Em Espanha existe a especialidade de cuidados paliativos ou não?
- Não, ainda não. 00:1:03
- De profissão tem quanto tempo?
- Desde 2002, sete anos.
- Ao mesmo tempo a especialidade, não é?
- Neste hospital aqui tem quanto tempo?
- 00:1:28 No meio estive dois anos em Lisboa, e estava ligada a este hospital.
- O sector de actividade predominante, é o público?
- Sim, o público. O único.
- Este hospital não tem unidade de cuidados paliativos, ou tem?
- Não, tem uma equipa hospitalar.
- Então entrava mais directamente nos temas da entrevista... Em termos de oncologia
médica, serviços de oncologia médica, para os doentes oncológicos, qual é a relevância
que a Dr. acha que têm os cuidados paliativos?
- Eu acho que os cuidados paliativos são fundamentais para começar com os doentes,
nomeadamente oncológicos... Na oncologia é fundamental. Porque muitos doentes de
oncologia elevada, quer dizer, em estado avançado da doença, vão necessitar de
cuidados paliativos. O mais importante, acho que é a própria colaboração nos cuidados,
não deixar a terapêutica oncológica quando pelo menos têm os cuidados paliativos.
Acho que é fundamental aquela curva vai abordando as duas terapêuticas a abordar.
- Para não haver um corte...
- Exactamente.
- Isto também vai ao encontro da questão que eu tenho. Muitas vezes os médicos que
escrevem sobre cuidados paliativos, pelo menos em Portugal, distinguem muitas vezes
uma medicina mais curativa de uma medicina mais paliativa... Num sentido mais
crítico. Falam por um lado em curar por outro lado em cuidar.
-Eu acho que não faz sentido. Se calhar, até agora a medicina centrou-se até agora numa
parte mais curativa. Mas isso só não é medicina. Ou seja, eu acho que não há uma
medicina curativa e outra paliativa, acho que as duas são vertentes da medicina e para
fazer uma parte paliativa temos de avaliar sintomas, mesmo nos doentes oncológicos.
- No entanto, há médicos que de facto falam na existência de uma obstinação
terapêutica, no excesso terapêutico por parte dos colegas. Como é que a Dr. vê esta...
- É assim, eu acho que isto depende muito do diagnóstico do doente, da informação que
nós tivermos. Nos doentes oncológicos, é muito mais fácil sabermos quando é que
estamos numa preveração de doença em que já não vale a pena secalhar, investir. Isto
numa medicina mais curativa do que numa mais paliativa. Porque com uma outra
patologia, doenças crónicas, é muito mais difícil distinguir o que é uma intercorrência
da doença, o agravamento do que é um falso sinal. É muito difícil. E nessa fase,
qualquer um de nós pode optar pela obstinação terapêutica . Acho que é muito difícil,
[evitar] a obstinação terapêutica. Porque muitas vezes com o doente à frente, muitas
vezes é difícil saber o que é a obstinação terapêutica e o que não é. Para isso, o mais
importante a ter em conta é a opinião do doente. Quais são as probabilidades, risco, se
vai ter dores, se não há técnica, o que estamos a tentar implementar, explicar qual é a
nossa posição, 00:04:44
- Relativamente a um doente terminal, numa vertente puramente paliativa, a Dr. acha
que... se fizermos o rácio num diagnostico muito centrado em tecnologias médicas, mais
objectivo, e um diagnóstico mais atento as queixas do doente, portanto se tivermos estes
dois pólos... Parece-lhe que nesta fase mais paliativa as queixas do doente assumem
mais preponderância do que numa fase prévia?...
- A minha especialização é medicina interna... para nós o importante é ler os exames, é
fundamental os sintomas que o doente descreve. Agora se calhar, nós estamos numa
avaliação mais qualitativa, daquilo que o doente descreve, que nos pode levar a origem
do quadro, e realmente numa fase paliativa temos de dar mais importância à intensidade
dos sintomas e à importância para o doente. Porque nesta fase é muito mais importante
tratar os sintomas, melhorar a condição do doente, melhorar aquilo que o doente acha
mais importante. Porque nesta fase é fundamental avaliar a intensidade dos sintomas.
Acho que é diferente porque no inicio do quadro também eram importantes os sintomas,
mas de uma outra perspectiva.
- Em termos de relação com o doente, parece-lhe que existe uma maior proximidade do
médico... nesta fase, digamos... numa fase terminal, por exemplo... ou que deve haver?
O que é que acha que deve ser?
- É assim, eu acho que deve ser... a proximidade do doente, e ouvir a opinião do doente,
devia ser em torno da mesma doença, porque isto é fundamental. Eu muitas vezes
acompanho os doentes desde o diagnóstico, durante o tratamento oncológico e depois na
fase paliativa. Quando nós temos um relacionamento com o doente desde o início,
depois é mais difícil numa fase mais avançada estabelecer uma relação adequada. O
mais importante é que o medico vá acompanhando o doente, tenha uma relação de
confiança, e passa essa informação e essa relação a outro colega, e o próprio médico que
se apresenta, que vai acompanhar a terapia, penso que isso é muito importante. Que não
é o doente ir passando pelos médicos, sem ter uma relação de perto, e agora que vai para
os paliativos tem um médico só para ele. Não faz sentido... No meu ponto de vista...
- Em termos do envolvimento da própria família... Aqui há diferenças, em termos de
relação do trabalho dos médicos com a própria família, numa fase curativa face a uma
fase mais tradicional... num doente ainda recuperável?...
- Sim, sim... aqui nós estamos em contacto com o doente. O que acontece aqui, o
problema é que a família é um doente a mais, ou seja numa fase curativa, o doente está
aqui um tempo curto. Nesta fase a família já está muito cansada, porque já percorreu um
longo caminho, temos de olhar a família com outra perspectiva, temos de ter muita mais
paciência, mais... Dar acompanhamento a essa família, ouvir o que eles precisam o que
eles acham... porque muitas vezes o doente também já não consegue comunicar. Por
isso é que a família é também tão importante, e temos de a tratar como mais um doente,
temos de dedicar um tempo muito importante à família, porque tiveram a doença com
ele durante muito tempo... e isso deixa muita coisa.
- Relativamente ao trabalho nos cuidados paliativos, ainda, há muitos médicos que
aprovam a importância do trabalho em equipa, neste tipo de trabalhos, uns dizem que tal
como nas outras fases, mas outros defendem que nesta fase é mais importante porque é
possível estender a várias queixas do doente, digamos assim... Como é que a Dr. vê esta
questão do trabalho em equipa nos cuidados paliativos?
- Eu acho que a equipa é fundamental em todo lado. Mas nesta altura realmente deve
poder ser um trabalho interdisciplinar, podem trabalhar todos, o mesmo, mas sem muita
relação... Mas nos cuidados paliativos, a relação é muito mais perto... Eu não tenho
muitas vezes a última decisão. Depende muito do que é que a psicóloga descobre, do
que é que os enfermeiros conseguiram saber, e entre todos decidir, tomar decisões.
Porque isto não e só uma questão médica, muitas vezes envolve questões éticas, não
tem porque ser só o médico a decidir. E até porque tomar decisões em conjunto é muito
mais fácil... não só mais fácil mas também mais equilibrado.
- Portanto aí o papel do medico, é como um especialista, que tem uma palavra...
- Exactamente, noutras áreas, o especialista é aquele que sabe mais daquela patologia...
há outros médicos que podem saber sobre outros aspectos do doente... Mas nesta fase, é
importante a opinião de todos, é fundamental para se agir de uma forma mais
equilibrada...
- Dra., falando agora um pouco em termos de debate e controvérsia, que a Dr. conheça,
que envolvam a população médica dos cuidados paliativos, que os médicos discutam, se
há temas mais controversos, menos controversos... mesmo que seja entre paliativos e
oncologistas...
- Eu acho que entre paliativos e oncologistas não há muita controvérsia. Acho que o
mais diferente, acho que o principal problema é entre os cuidados de saúde primários e
os cuidados hospitalares. Ou seja quando e que o doente deixa de pertencer, entre aspas,
a determinada área, e como se articulam esses cuidados. Acho que é fundamental...
- A rede...
- Exactamente, o ponto fraco dos cuidados paliativos, agora mesmo. Podemos não ser
00:11:31 alguma informação de um médico, que trata com morfina... E que não só,
profissionais de paliativos, como profissionais de saúde, tem de ter mais informação de
que pensar dessa forma. Outro problema também, o sistema controverso, que se fala
sem ter muito informação em termos de ética, de tratamento terapêutico, obstinação
terapêutica... suspender a terapêutica porque não é eficaz... em termos de ética, acho que
se fala muito na eutanásia, e no fundo não há muito formação especifica... que é muito
importante...
- Muitos colegas da Dr. também me disseram isso. Que de facto há falta de formação, e
por vezes disseram, há um oncologista, Por exemplo, o oncologista, neste caso é o mais
frequente, não é?... E estou a fazer minhas as palavras de outras pessoas, o oncologista
quer de facto seguir o doente até ao fim. Mas não tem competências para trabalhar, para
trabalhar com morfina por exemplo. Não sei se a Dr. está de acordo esta problemática,
com falta de coordenação...
- No nosso específico, cá, o oncologista trabalha cá e tem formação em cuidados
paliativos e não temos esse problema... Aquilo que no hospital temos muito e tem vindo
a aumentar um bocadinho, 00:13:29...... tem que haver pessoas com uma diferenciação
mais avançada, mas têm que saber resolver determinados 00:13:46.... os paliativos...
- São uma formação a investir, não é?
- Exactamente... acho que tem de haver uma coordenação. Para se houver dúvidas, mas
os médicos sempre vão acompanhar o doente. Não há profissionais para tratar o doente
14:08
- Outro tema Dr. através do trabalho hospitalar, o trabalho do próprio hospital, nota que
há alguma alteração do trabalho, a nível dos cuidados paliativos, do que noutros tipos
de contexto, por exemplo, o facto concreto de haver quartos individuais por exemplo,
numa unidade de internamento... a forma como a entidade está organizada, o trabalho e
o próprio espaço, já é diferente... Ou que deve haver, na sua opinião?...
- Isso depende muito do doente. Porque há doentes que... aquele doente está muito
doente, vai morrer e precisa de um quarto individual. Depende muito de quem está ao
lado. De quem trata do doente que está mais frágil... se tem apoio da família. Às vezes é
preferível estar num quarto partilhado, ou seja, o que é importante é termos noção de
podermos adequar a situação do doente. Acho que isso é fundamental. Ter que ser
sempre individuais, isso depende, se tivermos margem de manobra. E muitas vezes não
temos.
- E portanto, essa hipótese depende da margem de manobra, os horários de visita...
etc.... é tudo mais difícil...
- Normalmente, o que tenho visto é que se tenta adaptar, sempre que o doente tem
quarto individual... e também os enfermeiros colaboram nisso, os horários são mais
flexíveis com estes doentes... O problema é que não pode ficar um acompanhante até à
noite. O desejável era que estas pessoas pudessem estar no domicílio, do que adequar os
quartos do hospital... o que também é importante.
- Praticamente à percepção de outros médicos têm em relação aos cuidados paliativos,
nomeadamente os oncologistas, têm em relação aos cuidados paliativos, o que é que a
Dr. pensa que é? Não só os oncologistas médicos, mas os especialistas em geral?
- Acho que são vistos ainda um bocadinho como... digamos que é uma especialidade.
Ainda não é vista como uma área científica parece que não há muito respeito ainda.
Pronto... Acho que com o tempo isso ainda poderá mudar... É o que eu digo tem de
haver uma relação... Não é acabar uma especialidade e passar para os paliativos... Acho
que isso não teria fundamento. Não sei o que iriam aprender, porque sem relação com
os paliativos...
- Creio que, não sei se é o caso aqui, mas as equipas hospitalares também fazem
consultoria, não é?
- Exactamente, é a nossa luta principal. O que temos de explicar as coisas... Nós não
acompanhamos o doente, alguns que acompanham os médicos, e estavam no
internamento, pronto ficam comigo. Nos outros é... Andar atrás do médico, e pronto.
Guião de Entrevista a Médicos de Cuidados Paliativos
1. Caracterização do entrevistado
Nome______________________
Idade
Categoria profissional
Instituição e ano de formação
Tempo na profissão
Especialidade
Tempo na especialidade
Tempo no hospital
Sector predominante de actividade (público/privado)
2. Itens de conversação sobre os cuidados paliativos
Relevância dos cuidados paliativos (por exemplo, para a área oncológica)
Distinção medicina curativa / medicina paliativa
o Curar / Cuidar
o Obstinação / moderação terapêutica
o Diagnóstico objectivo / diagnóstico atento às queixas do doente
o Relação distante / próxima com o doente
o Grau de envolvimento familiar
o Papel do médico
Na relação com o doente
Na relação com a família do doente
Na relação com a restante equipa
Temas de debate e controvérsia científica e profissional sobre cuidados
paliativos
o Mais frequentes
o Quem debate?
o Mais importantes (na óptica do entrevistado) – desenvolver aquele(s)
que considera mais importante(s)
Organização do trabalho hospitalar
o Alterações com a implementação dos cuidados paliativos
Quarto individual/Enfermaria
Presença da família
Relação da equipa com o doente
Tratamento da morte e do luto em meio hospitalar
Percepção da comunidade médica sobre os cuidados paliativos: qual pensa ser?
Notas:
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Data:____/____/__________
Entrevistador:______________________________
Nome RótuloSexo Sexo respondente
Gr_Et Grupo etário
Hab_Lit Habilitações literárias
Gr_Prof Grupo profissional
NUT_II Região de residência
Pert_Assoc Pertença associativa saúde
Pert_Assoc_CP Pertença associativa cuidados paliativos
Form_Saú Formação em saúde
Form_Saú_Aberto Formação em saúde - abertoAcess_Inf_CP Acesso a informação cuidados paliativos
Class_Inf_CP Classificação informação cuidados paliativos
Inf_Disp_Suf Suficiência informação disponível
Inf_Disp_Escl Esclarecimento informação disponível
M_Acess_TV Meios de acesso a informação TV
M_Acess_Jorn Meios de acesso a informação jornais
M_Acess_Rev Meios de acesso a informação revistas
M_Acess_Liv Meios de acesso a informação livros
M_Acess_Rád Meios de acesso a informação rádio
M_Acess_Net Meios de acesso a informação internet
M_Acess_Saú Meios de acesso a informação unidades saúde
M_Aces_Ami Meios de acesso a informação amigos
M_Acess_Fam Meios de acesso a informação família
M_Acess_Inf_Aberto Meios de acesso a informação cuidados paliativos -aberto
Freq_Acess
Acess_Inf
Emiss_Inf_Méd Emissores informação médicos
Emiss_Inf_Enf Emissores informação enfermeiros
Emiss_Inf_Jorn Emissores informação jornalistas
Emiss_Inf_Pol Emissores informação políticos
Emiss_Inf_Aberto Emissores informação - aberto
Inf_N_Disp
Def_Cuid
Imp_CP Importância dos cuidados paliativos
Des_CP Desenvolvimento dos cuidados paliativos
Hier_Temas_Hum Hierarquização humanização
Hier_Temas_Efic Hierarquização eficácia
Hier_Temas_Igual Hierarquização igualdade
Trab_Med_CP1 Trabalho médico nos paliativos 1
Trab_Med_CP1 Trabalho médico nos paliativos 1
Trab_Med_CP2 Trabalho médico nos paliativos 2
Trab_Med_CP3 Trabalho médico nos paliativos 3
Trab_Med_CP4 Trabalho médico nos paliativos 4
Trab_Med_CP5 Trabalho médico nos paliativos 5
Trab_Med_CP6 Trabalho médico nos paliativos 6
Trab_Med_CP7 Trabalho médico nos paliativos 7
Trab_Med_CP8 Trabalho médico nos paliativos 8
Trab_Med_CP9 Trabalho médico nos paliativos 9
Trab_Med_CP10 Trabalho médico nos paliativos 10
Trab_Med_CP11 Trabalho médico nos paliativos 11
Trab_Med_CP12 Trabalho médico nos paliativos 12
Trab_Med_CP13 Trabalho médico nos paliativos 13
Trab_Med_CP14 Trabalho médico nos paliativos 14
Sit_Med_CP15 Situações médicas nos paliativos 1
Sit_Med_CP2 Situações médicas nos paliativos 2
Trab_Med_CP17 Situações médicas nos paliativos 3
Sit_Med_CP4 Situações médicas nos paliativos 4
Sit_Med_CP5 Situações médicas nos paliativos 5
Sit_Med_CP6 Situações médicas nos paliativos 6
Sit_Med_CP7 Situações médicas nos paliativos 7
Sit_Med_CP8 Situações médicas nos paliativos 8
Valores Rótulos de valores1 Masculino2 Feminino1 15-24 anos2 25-64 anos3 65 e + anos0 Nenhumas1 1º Ciclo Ensino Básico (4 anos)2 2º Ciclo Ensino Básico (6 anos)3 3º Ciclo Ensino Básico (9 anos)4 Ensino Secundário (12 anos)5 Bacharelato6 Licenciatura7 Pós-Graduação8 Mestrado9 Doutoramento1 Quadros superiores da administração
pública, dirigentes e quadros superiores de empresas
2 Especialistas das profissões intelectuais e científicas
3 Técnicos e profissionais de nível intermédio
4 Pessoal administrativo e similares5 Pessoal dos serviços e vendedores6 Agricultores e trabalhadores qualificados da
agricultura e pescas7 Operários, artífices e trabalhadores
similares8 Operadores de instalações e máquinas e
trabalhadores da montagem9 Trabalhadores não qualificados
10 Membros das Forças Armadas1 Norte2 Centro3 Lisboa e Vale do Tejo4 Alentejo5 Algarve1 Sim2 Não1 Sim2 Não1 Sim2 Não
99 -1 Sim2 Não1 Elevado2 Razoável3 Baixo4 Nulo1 Muito boa2 Boa3 Má4 Muito má1 Totalmente esclarecedora
2 Esclarecedora3 Pouco esclarecedora4 Nada esclarecedora1 Televisão21 Jornais21 Revistas21 Livros21 Rádio21 Internet21 Informação disponível em unidades de
saúde (centros de saúde, hospitais, etc.)21 Amigos21 Família2
10 Outras fontes. Quais?
99 Não resposta1 Até 1 vez por mês2 3 vezes por mês3 Mais de 3 vezes por mês1 Por pesquisa pessoal2 Disponibilizada por terceiros1 Médicos21 Enfermeiros21 Jornalistas21 Políticos2
10 Outros. Quais?99 Não resposta
Aberta -99 Não resposta1 Cuidados dirigidos a doentes agudos2 Cuidados dirigidos a doentes crónicos3 Cuidados dirigidos a doentes crónicos e/ou
em estado avançado de doença mortal
4 Cuidados dirigidos à reabilitação dos doentes em qualquer fase de doença
1 Muito baixa2 Baixa3 Alta4 Muito alta1 Nada desenvolvidos2 Pouco desenvolvidos3 Desenvolvidos
4 Muito desenvolvidos1 Preferência alta2 Preferência média3 Preferência baixa1 Preferência alta2 Preferência média3 Preferência baixa1 Preferência alta2 Preferência média3 Preferência baixa1 Concordo totalmente2 Concordo 3 Discordo4 Discordo totalmente1 Concordo totalmente2 Concordo 3 Discordo4 Discordo totalmente1 Concordo totalmente2 Concordo 3 Discordo4 Discordo totalmente1 Concordo totalmente2 Concordo 3 Discordo4 Discordo totalmente1 Concordo totalmente2 Concordo 3 Discordo4 Discordo totalmente1 Concordo totalmente2 Concordo 3 Discordo4 Discordo totalmente1 Concordo totalmente2 Concordo 3 Discordo4 Discordo totalmente1 Concordo totalmente2 Concordo 3 Discordo4 Discordo totalmente1 Concordo totalmente2 Concordo 3 Discordo4 Discordo totalmente1 Concordo totalmente2 Concordo 3 Discordo4 Discordo totalmente1 Concordo totalmente2 Concordo 3 Discordo4 Discordo totalmente1 Concordo totalmente2 Concordo
3 Discordo4 Discordo totalmente1 Concordo totalmente2 Concordo 3 Discordo4 Discordo totalmente1 Concordo totalmente2 Concordo 3 Discordo4 Discordo totalmente1 Concordo totalmente2 Concordo 3 Discordo4 Discordo totalmente1 Concordo totalmente2 Concordo 3 Discordo4 Discordo totalmente1 Concordo totalmente2 Concordo 3 Discordo4 Discordo totalmente1 Concordo totalmente2 Concordo 3 Discordo4 Discordo totalmente1 Concordo totalmente2 Concordo 3 Discordo4 Discordo totalmente1 Concordo totalmente2 Concordo 3 Discordo4 Discordo totalmente1 Concordo totalmente2 Concordo 3 Discordo4 Discordo totalmente1 Concordo totalmente2 Concordo 3 Discordo4 Discordo totalmente1 Concordo totalmente2 Concordo 3 Discordo4 Discordo totalmente
(OS DADOS DO QUESTIONÁRIO SEGUEM EM FORMATO PDF, POR IMPOSSIBILIDADE DE
TRANSPORTAR O FICHEIRO INFORMÁTICO QUE FOI CONSTRUÍDO PARA RESPOSTA ONLINE
PARA MS WORD)
Estudo sobre medicina paliativa
O presente questionário surge no âmbito de uma pesquisa académica na área da Sociologia e
visa estudar a visibilidade pública da medicina paliativa, assim como auscultar a opinião
pessoal dos respondentes sobre este domínio particular dos cuidados de saúde. Os cuidados
paliativos são uma área de trabalho - nomeadamente médico - relativamente recente no nosso
país e, por conseguinte, os estudos realizados sobre o assunto assumem aqui um estatuto
pioneiro. Pedimos, por isso, a sua melhor colaboração.
Todos os cidadãos e cidadãs portugueses adultos podem responder a este questionário,
independentemente de não conhecerem a fundo esta temática. Pedimos-lhe, assim, que não
desista desde já de responder se não conhecer bem o tema.
O questionário é totalmente anónimo e confidencial. Está estruturado de molde a não haver
possibilidade de identificação, mesmo por via electrónica, do respondente.
Obrigado pela sua colaboração.
O autor do estudo,
Alexandre Martins
Instituto Politécnico de Portalegre
CESNOVA – Centro de Estudos de Sociologia da Universidade Nova de Lisboa
Responda, por favor, às seguintes questões, em função dos seus dados pessoais e
profissionais.
1. Sexo
Masculino
Feminino
2. Grupo etário
15-24 anos
25-64 anos
65 e mais anos
3. Habilitações literárias
Nenhumas
1º Ciclo do Ensino Básico (4 anos)
2º Ciclo do Ensino Básico (6 anos)
3º Ciclo do Ensino Básico (6 anos)
Ensino secundário (12 anos)
Bacharelato
Licenciatura
Pós-Graduação
Mestrado
Doutoramento
4. Grupo profissional
Quadros superiores da administração pública, dirigentes e quadros superiores de
empresas
Especialistas das profissões intelectuais e científicas
Técnicos e profissionais de nível intermédio
Pessoal administrativo e similares
Pessoal dos serviços e vendedores
Agricultores e trabalhadores qualificados da agricultura e pescas
Operários, artífices e trabalhadores similares
Operadores de instalações e máquinas e trabalhadores da montagem
Trabalhadores não qualificados
Membros das Forças Armadas
5. Região de residência
Norte
Centro
Lisboa e Vale do Tejo
Alentejo
Algarve
Responda, por favor, às seguintes questões:
1. Já alguma vez teve acesso a informação sobre cuidados paliativos?
Sim
Não
2. Como classifica o grau de informação que detém sobre cuidados paliativos?
Elevado
Razoável
Baixo
Nulo
Nota importante: Caso tenha assinalado a opção “nulo”, o seu questionário
termina aqui. A informação que forneceu até agora é, ainda assim, relevante.
Muito obrigado pela sua resposta.
3. Como avalia a informação publicamente disponível sobre o assunto?
i) Quanto à suficiência da mesma:
Muito boa
Boa
Má
Muito má
ii) Quanto ao seu potencial de esclarecimento:
Totalmente esclarecedora
Esclarecedora
Pouco esclarecedora
Nada esclarecedora
4. Como teve acesso a informação sobre cuidados paliativos?
Televisão
Jornais
Revistas
Livros
Rádio
Internet
Informação disponível em unidades de saúde (centro de saúde/hospital)
Amigos
Familiares
Outras fontes. Quais? ____________________
5. Com que frequência teve acesso a informação sobre cuidados paliativos
(jornais, livros, revistas, rádio, TV, internet, etc.), no último ano (pede-se
apenas uma estimativa)?
Até 1 vez por mês
2 vezes por mês
3 vezes por mês
Mais de 3 vezes por mês
6. Acedeu a esta informação:
Por pesquisa pessoal
Disponibilizada por terceiros (incluindo meios de comunicação social ou outras
fontes)
7. Quem viu, ouviu ou leu sobre este assunto?
Médicos
Enfermeiros
Jornalistas
Políticos
Outros. Quem? ____________
8. A que informação desejaria ter acesso sobre este assunto e não está
disponível (resposta opcional)?
_________________________
9. Baseando-se na informação que detém sobre o tema, o que considera serem
cuidados paliativos?
Cuidados dirigidos a doentes agudos
Cuidados dirigidos a doentes crónicos
Cuidados dirigidos a doentes crónicos e/ou em estado avançado de doença mortal
Cuidados dirigidos à reabilitação de doentes, em qualquer fase de doença
10. Qual a importância que, na sua opinião pessoal, os cuidados paliativos têm
no seio do sistema de saúde?
Muito baixa
Baixa
Alta
Muito Alta
11. Em seu entender, no Sistema Nacional de Saúde português e no momento
presente, os cuidados paliativos estão:
Nada desenvolvidos
Pouco desenvolvidos
Desenvolvidos
Muito desenvolvidos
12. Hierarquize por ordem decrescente de preferência os aspectos que gostaria
de ver desenvolvidos nos cuidados paliativos, em Portugal. Utilize a seguinte
escala numérica de 1 a 3 (1, 2 ou 3), do seguinte modo: De 1 – Grau de
preferência mais alto a 3 – Grau de importância mais baixo.
Humanização dos cuidados
Eficácia no tratamento dos doentes
Igualdade de acesso a estes cuidados
Pedimos agora que se posicione acerca da postura do médico nos cuidados
paliativos, num conjunto de diferentes aspectos. Para o efeito, deverá manifestar a
sua maior ou menor concordância com cada uma das afirmações seguintes, de
acordo com as escalas à direita de cada afirmação.
Nos cuidados paliativos: Grau de concordância
1. Uma vez que estão afastadas as
possibilidades de cura, os
cuidados de saúde devem ser
assegurados sobretudo por
profissionais não médicos,
como enfermeiros, devendo o
médico dedicar-se então a
doentes que ainda podem ser
curados
1,2,3,4
2. O médico deve continuar a
tentar sempre curar o doente,
mesmo que todos os exames lhe
digam que já não há esperança
razoável de cura
…
3. O médico deve perceber quando
é melhor terminar o esforço no
sentido da cura, para não expor
o doente a sofrimentos e
expectativas desnecessários
4. Mesmo que as possibilidades de
cura estejam afastadas, o
médico ainda tem muito a fazer
pelo doente
5. O trabalho do médico deve
colocar o conforto e a
diminuição do sofrimento do
doente em primeiro lugar
6. O médico deve ser solícito e
atento às queixas do doente
7. O médico, para decidir como
cuidar o doente, deve colocar os
resultados dos exames de
diagnóstico (Raios X, por
exemplo) acima das queixas do
doente
8. O médico, para decidir como
cuidar o doente, deve colocar as
queixas deste acima dos exames
de diagnóstico (Raios X, por
exemplo)
9. O médico deve decidir como
tratar o doente exclusivamente
com base nos seus
conhecimentos científicos
10. O médico deve negociar com o
doente todas as suas opções
terapêuticas, pois é o doente
quem está melhor colocado para
avaliar o que é bom para si
11. O médico deve adoptar uma
postura de escuta atenta e activa
dos problemas e necessidades
do doente
12. O médico deve escutar o
doente, mas apenas o
estritamente necessário, para
não haver demasiada
proximidade com este
13. O médico não deve permitir que
a família do doente interfira nos
procedimentos clínicos e
hospitalares
14. O médico deve ajudar a família
do doente a participar nas
decisões terapêuticas
Pedimos-lhe, finalmente, que tome posição, em termos de maior ou menor
concordância, com as situações apresentadas em seguida.
1. Um médico conclui que os procedimentos terapêuticos utilizados para combater
uma doença já não são suficientes para curar um doente seu. Para o médico, este
é o momento em que terá de classificar o doente como “incurável”. Perante esta
situação, o médico procede sempre do mesmo modo: informa os doentes da sua
situação real, independentemente de estes lhe terem ou não pedido informação e
das suas necessidades e personalidades particulares.
Indique o seu grau de concordância com a forma de agir deste médico:
1,2,3,4
2. Um determinado médico, nos cuidados paliativos, adopta uma postura de escuta
activa dos seus doentes. Dedica uma boa parte do seu dia de trabalho a ouvir as
histórias de vida dos doentes, a compreender os seus valores, as suas crenças e
opiniões. Procura perceber também quem são os seus entes próximos, do ponto
de vista afectivo. Outros médicos, seus colegas, criticam a forma como ele
realiza o seu trabalho, argumentando que o médico utilizaria melhor o seu tempo
a tratar fisicamente os doentes e não a ouvi-los.
Indique o seu grau de concordância com a crítica destes colegas ao procedimento do
médico:
1,2,3,4
3. Numa unidade de internamento para doentes em estado avançado de doença
mortal, as famílias dos doentes pretendem pernoitar junto destes. O médico
responsável aceita o pedido.
Indique o seu grau de concordância com a decisão do médico:
1,2,3,4
4. Numa unidade de cuidados a doentes em estado avançado de doença mortal, os
doentes pretendem trazer objectos pessoais para o seu quarto, no sentido de se
sentirem mais confortáveis. O médico responsável aceita o pedido.
Indique o seu grau de concordância com a decisão do médico:
1,2,3,4
5. Numa unidade de cuidados a doentes em estado avançado de doença mortal, os
doentes pretendem ter horários flexíveis para a sua higiene diária e alimentação,
não tendo, por exemplo, de comer e tomar banho a horas pré-definidas. O
médico responsável aceita o pedido.
Indique o seu grau de concordância com a decisão do médico:
1,2,3,4
6. Numa unidade de cuidados a doentes em estado avançado de doença mortal, um
doente pretende fumar um cigarro ou beber uma bebida alcoólica, num local em
que não incomode os outros doentes. O médico responsável aceita o pedido.
Indique o seu grau de concordância com a decisão do médico:
1,2,3,4
7. Um médico conclui que a probabilidade de as terapêuticas disponíveis curarem
um doente, em estado avançado de doença mortal, são muito baixas e que a
continuação do tratamento irá provocar sofrimento no doente. Nesta situação, o
médico decide continuar os tratamentos curativos, porque entende que deve
“tentar fazer tudo”, mesmo que isso cause sofrimento ao doente.
Indique o seu grau de concordância com a decisão do médico:
1,2,3,4
8. Um médico decide aplicar um tratamento a um doente em estado avançado de
doença mortal, mesmo sabendo que a probabilidade de êxito deste tratamento é
muito baixa. Por outro lado, o tratamento é susceptível de causar grande
sofrimento ao doente. Um segundo médico, colega seu diz-lhe que era melhor
evitar este tratamento, porque o principal trabalho que um médico tem a fazer
com qualquer doente neste ponto é o alívio do seu sofrimento e já não a tentativa
de cura.
Indique o seu grau concordância com a opinião do segundo médico
1,2,3,4
Nome RótuloSexo Sexo respondente
Gr_Et Grupo etário
Hab_Lit Habilitações literárias
Gr_Prof Grupo profissional
NUT_II Região de residência
Pert_Assoc Pertença associativa saúde
Pert_Assoc_CP Pertença associativa cuidados paliativos
Form_Saú Formação em saúde
Form_Saú_Aberto Formação em saúde - abertoAcess_Inf_CP Acesso a informação cuidados paliativos
Class_Inf_CP Classificação informação cuidados paliativos
Inf_Disp_Suf Suficiência informação disponível
Inf_Disp_Escl Esclarecimento informação disponível
M_Acess_TV Meios de acesso a informação TV
M_Acess_Jorn Meios de acesso a informação jornais
M_Acess_Rev Meios de acesso a informação revistas
M_Acess_Liv Meios de acesso a informação livros
M_Acess_Rád Meios de acesso a informação rádio
M_Acess_Net Meios de acesso a informação internet
M_Acess_Saú Meios de acesso a informação unidades saúde
M_Aces_Ami Meios de acesso a informação amigos
M_Acess_Fam Meios de acesso a informação família
M_Acess_Inf_Aberto Meios de acesso a informação cuidados paliativos -aberto
Freq_Acess
Acess_Inf
Emiss_Inf_Méd Emissores informação médicos
Emiss_Inf_Enf Emissores informação enfermeiros
Emiss_Inf_Jorn Emissores informação jornalistas
Emiss_Inf_Pol Emissores informação políticos
Emiss_Inf_Aberto Emissores informação - aberto
Inf_N_Disp
Def_Cuid
Imp_CP Importância dos cuidados paliativos
Des_CP Desenvolvimento dos cuidados paliativos
Hier_Temas_Hum Hierarquização humanização
Hier_Temas_Efic Hierarquização eficácia
Hier_Temas_Igual Hierarquização igualdade
Trab_Med_CP1 Trabalho médico nos paliativos 1
Trab_Med_CP1 Trabalho médico nos paliativos 1
Trab_Med_CP2 Trabalho médico nos paliativos 2
Trab_Med_CP3 Trabalho médico nos paliativos 3
Trab_Med_CP4 Trabalho médico nos paliativos 4
Trab_Med_CP5 Trabalho médico nos paliativos 5
Trab_Med_CP6 Trabalho médico nos paliativos 6
Trab_Med_CP7 Trabalho médico nos paliativos 7
Trab_Med_CP8 Trabalho médico nos paliativos 8
Trab_Med_CP9 Trabalho médico nos paliativos 9
Trab_Med_CP10 Trabalho médico nos paliativos 10
Trab_Med_CP11 Trabalho médico nos paliativos 11
Trab_Med_CP12 Trabalho médico nos paliativos 12
Trab_Med_CP13 Trabalho médico nos paliativos 13
Trab_Med_CP14 Trabalho médico nos paliativos 14
Sit_Med_CP15 Situações médicas nos paliativos 1
Sit_Med_CP2 Situações médicas nos paliativos 2
Trab_Med_CP17 Situações médicas nos paliativos 3
Sit_Med_CP4 Situações médicas nos paliativos 4
Sit_Med_CP5 Situações médicas nos paliativos 5
Sit_Med_CP6 Situações médicas nos paliativos 6
Sit_Med_CP7 Situações médicas nos paliativos 7
Sit_Med_CP8 Situações médicas nos paliativos 8
Valores Rótulos de valores1 Masculino2 Feminino1 15-24 anos2 25-64 anos3 65 e + anos0 Nenhumas1 1º Ciclo Ensino Básico (4 anos)2 2º Ciclo Ensino Básico (6 anos)3 3º Ciclo Ensino Básico (9 anos)4 Ensino Secundário (12 anos)5 Bacharelato6 Licenciatura7 Pós-Graduação8 Mestrado9 Doutoramento1 Quadros superiores da administração
pública, dirigentes e quadros superiores de empresas
2 Especialistas das profissões intelectuais e científicas
3 Técnicos e profissionais de nível intermédio
4 Pessoal administrativo e similares5 Pessoal dos serviços e vendedores6 Agricultores e trabalhadores qualificados da
agricultura e pescas7 Operários, artífices e trabalhadores similares
8 Operadores de instalações e máquinas e trabalhadores da montagem
9 Trabalhadores não qualificados10 Membros das Forças Armadas
1 Norte2 Centro3 Lisboa e Vale do Tejo4 Alentejo5 Algarve1 Sim2 Não1 Sim2 Não1 Sim2 Não
99 -1 Sim2 Não1 Elevado2 Razoável3 Baixo4 Nulo1 Muito boa2 Boa3 Má4 Muito má
1 Totalmente esclarecedora2 Esclarecedora3 Pouco esclarecedora4 Nada esclarecedora1 Televisão21 Jornais21 Revistas21 Livros21 Rádio21 Internet21 Informação disponível em unidades de
saúde (centros de saúde, hospitais, etc.)21 Amigos21 Família2
10 Outras fontes. Quais?
99 Não resposta1 Até 1 vez por mês2 3 vezes por mês3 Mais de 3 vezes por mês1 Por pesquisa pessoal2 Disponibilizada por terceiros1 Médicos21 Enfermeiros21 Jornalistas21 Políticos2
10 Outros. Quais?99 Não resposta
Aberta -99 Não resposta
1 Cuidados dirigidos a doentes agudos2 Cuidados dirigidos a doentes crónicos3 Cuidados dirigidos a doentes crónicos e/ou
em estado avançado de doença mortal
4 Cuidados dirigidos à reabilitação dos doentes em qualquer fase de doença
1 Muito baixa2 Baixa3 Alta4 Muito alta1 Nada desenvolvidos
2 Pouco desenvolvidos3 Desenvolvidos4 Muito desenvolvidos1 Preferência alta2 Preferência média3 Preferência baixa1 Preferência alta2 Preferência média3 Preferência baixa1 Preferência alta2 Preferência média3 Preferência baixa1 Concordo totalmente2 Concordo 3 Discordo4 Discordo totalmente1 Concordo totalmente2 Concordo 3 Discordo4 Discordo totalmente1 Concordo totalmente2 Concordo 3 Discordo4 Discordo totalmente1 Concordo totalmente2 Concordo 3 Discordo4 Discordo totalmente1 Concordo totalmente2 Concordo 3 Discordo4 Discordo totalmente1 Concordo totalmente2 Concordo 3 Discordo4 Discordo totalmente1 Concordo totalmente2 Concordo 3 Discordo4 Discordo totalmente1 Concordo totalmente2 Concordo 3 Discordo4 Discordo totalmente1 Concordo totalmente2 Concordo 3 Discordo4 Discordo totalmente1 Concordo totalmente2 Concordo 3 Discordo4 Discordo totalmente1 Concordo totalmente2 Concordo 3 Discordo
4 Discordo totalmente1 Concordo totalmente2 Concordo 3 Discordo4 Discordo totalmente1 Concordo totalmente2 Concordo 3 Discordo4 Discordo totalmente1 Concordo totalmente2 Concordo 3 Discordo4 Discordo totalmente1 Concordo totalmente2 Concordo 3 Discordo4 Discordo totalmente1 Concordo totalmente2 Concordo 3 Discordo4 Discordo totalmente1 Concordo totalmente2 Concordo 3 Discordo4 Discordo totalmente1 Concordo totalmente2 Concordo 3 Discordo4 Discordo totalmente1 Concordo totalmente2 Concordo 3 Discordo4 Discordo totalmente1 Concordo totalmente2 Concordo 3 Discordo4 Discordo totalmente1 Concordo totalmente2 Concordo 3 Discordo4 Discordo totalmente1 Concordo totalmente2 Concordo 3 Discordo4 Discordo totalmente1 Concordo totalmente2 Concordo 3 Discordo4 Discordo totalmente